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SECRETARIA DA CASA CIVIL

TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM


16/08/2012

LOCAL : AUDITÓRIO da OAB/PE

DEPOENTE:

 Padre Ernanne Pinheiro

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Padre Ernanne Pinheiro

Fernando Coelho: Convido para integrar a mesa, o Padre Ernanne Pinheiro, será o
conferencista e o expositor nesta reunião. Tenha bondade Pe. Ernanne... constatada a
presença dos demais membro da comissão e já dando início aos trabalhos, eu passo
a palavra ao companheiro, Dr. Pedro Eurico, para fazer a apresentação do expositor.

Pedro Eurico: Apresentar ao Sr Presidente...apresentar Pe. Ernanne em Recife, é


uma alegria e uma volta a um passado de muitas lutas e muitas turbulência, mas
acima de tudo de muita coerência, da sua História. Eu na primeira audiência pública
da Comissão, eu registrava...é difícil, acho que nós, todos os membros da Comissão,
como os assessores, todos nós estamos profundamente envolvidos do ponto de vista
emocional. Pela vida, pelo percurso de cada um, os mais jovens como Manoel que é
a banda teen da Comissão, esse viveu menos essa dificuldade, mas é também...
mas a gente ...os mais antigos, nós Ernanne, nós vivemos essa dificuldade do
momento; e é o que nós queremos, trazer tudo isso as claras, e eu dizia na primeira
reunião que meu envolvimento com Pe. Henrique era tão profundo que eu era gago e
não falava uma palavra. Não conseguia na escola, participar dos trabalhos da escola,
diante da minha gagueira. E Pe. Henrique lá no colégio Nóbrega, me vendo ansioso,
queria falar e eu levantava a mão e .. qui qui , não saia nada. Ele então me chama
para ir ao Jeriquiti, me chama para ir pro Jeriquiti e no fim da tarde quando eu saía do

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colégio Nóbrega uma vez na semana, já estava apagando as luzes e na sala dele a
gente estava começando a treinar; é todo um processo pra eu poder recuperar a voz,
quer dizer, não a voz, mas a palavra, usar a palavra e, isso me deixou encantado
porque de repente eu começava a falar. O problema é como diz Lucinha, o problema é
que eu não parei mais, não é? Não teve mais jeito. Eu aprendi, teve esse lado bom,
mas o Pe. Henrique lá de cima, seguramente ele deve ter tido alguns momentos que
ele diz: "eu acho que ensinei demais a esse rapaz", não é? Mas enfim, Pe. Ernanne.
Eu digo isso pelo ambiente intimo familiar, e eu sei que aqui nós estamos ..seus
amigos queridos e fiéis, porque nós sabemos da importância que teve a sua
passagem na diocese de Olinda e Recife, era coragem e lucidez, que não faltou nunca
ao Pe. Ernani Pinheiro, no momento da dureza. Ele era corajoso nos enfrentamentos
vários, que nós tivemos na arquidiocese; e, posteriormente, a lucidez: não se deixar
levar pela vaidade ou pela ilusão. Era uma pessoa de pé no chão. Alguns momentos a
gente ficava até tenso, não é, ao menos na Comissão de Justiça e Paz. Eu, como
iludido eterno, tinha que ter alguém que também me controlasse, no bom sentido,
então Fernando, Presidente, eu quero dizer que a presença hoje do Pe. Ernani aqui,
reaviva pra nós aqueles momentos. Mas muito mais, reaviva pra nós o que foi a igreja
de Olinda e Recife naquele tempo. Então quando a Comissão pensou no seu nome,
foi uma ação coletiva da Comissão, porque todo mundo sabe da importância que teve

o Pe. Ernanne Pinheiro naqueles tempos. E daí porque eu, com muita satisfação, lhes
digo essas palavras e, sem gaguejar, passo a palavra ao Pe. Ernani.

Fernando Coelho – Eu queria fazer um registro especial, tento em vista que muitos
dos presentes, talvez não estejam acompanhando o dia-dia dos trabalhos dessa
Comissão. Ultimamente nós tivemos aqui no Recife, a presença do Dr. Paulo Abrão
Pires, que é presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e atuando em
Brasília, praticamente na coordenação maior do trabalhos das comissões de anistia
que hoje são várias, e de diversos órgãos do país. E ele fez um registro que com
muito,... com muita satisfação, nós aqui repetimos. Ele considerou que - ele que tem
conhecimento de perto os trabalhos de todas as Comissões - que a nossa é a que
vem num trabalho mais avançado. Isso pra nós foi um motivo até de satisfação porque
sempre nós desejamos o melhor e desejamos fazer mais. Mas temos já avançado ao
ponto de que se justificasse um pronunciamento dessa autoridade e desse teor, e
nessa oportunidade ele chegou inclusive a declarar ao Governador do Estado, que
numa homenagem a Pernambuco e num reconhecimento do trabalho dessa
Comissão, ele sugeria que fosse realizado, aqui em Pernambuco, o Seminário
Internacional sobre as Comissões de Reparação Memória e Verdade. Seminário
Internacional que vai permitir, provavelmente no mês de novembro, conforme
sugestão dessa Comissão, vai permitir que reúnam-se aqui no Recife, representantes
de comissões similares, não apenas do Brasil, mas, de outros países da América,
inclusive de outros continentes.E, desta reunião, que resulte sobretudo a comunicação
de experiências que permita, avancemos ainda mais. Faço esse registro numa
homenagem e reconhecimento dos trabalhos dos membros da Comissão quase todos
aqui presentes e com a maior satisfação eu passo a palavra ao Pe. Ernanne.
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Padre Ernanne – Um bom dia para todos e para todas e em primeiro lugar uma
homenagem ao presidente da Comissão da Verdade e da Memória e nele aos
membros da Comissão. E ao escutar doutor Fernando agora, eu queria confirmar essa
posição do Dr. Paulo Abrão pela vice presidente da Comissão da Anistia. Ela me
disse, a Sueli Belato, ela me disse que a Comissão de Pernambuco, hoje, é a mais
sólida e mais estável. Então acho que é muito importante também termos consciência
disso. Não é? Bom queria cumprimentar, além dos membros da Comissão, de um
modo especial o Dr. Pedro Eurico que me convidou a esta casa para voltar ao Recife,
eu gosto muito de voltar ao Recife, que é sempre relembrar, reviver momentos de luta,
momentos de verdade e momentos de esperança. Eu dizia sempre, em Recife nós
vivíamos com muito sofrimento, mas com muita esperança. Então, aos amigos e
amigas que estão aqui presentes, eu gostaria de introduzir dizendo que, meu
depoimento é um depoimento estritamente de Igreja. O Dom Fernando, que me pediu
para estar aqui em nome da Arquidiocese. E ao falar de depoimento de Igreja, eu
recordo que no momento eu era Vigário Episcopal dos leigos e Henrique tinha feito
propaganda junto ao clero, porque eu estava só aqui em Recife e eu era pouco
conhecido. E o Antônio Henrique que tinha feito propaganda. E ao mesmo tempo eu
dizia que Dom Helder, na missa de corpo presente, me nomeou sucessor do Henrique.
Não é? Dom Helder me nomeou sucessor do Henrique e por isso eu fui acompanhado
vários dias, né? Por uns amigos desagradáveis. Agora também eu gostaria de dizer,
antes de acompanhar o depoimento, que eu fui o motorista de Dom Helder para ir ao
cemitério reconhecer o corpo de Antônio Henrique. Meu depoimento se prende a
três... cinco pequenas partes. Primeiro relembrar um pouco. Todos conheceram aqui
bem o Henrique até mais do que eu. Quem era o Henrique e o que ele fazia? Na
segunda parte eu gostaria de falar, qual era o contexto da Igreja de Olinda e Recife no
momento. Na terceira parte analisar um pouquinho a... o trucidamento, o fato. Quarto
momento: como é que a Arquidiocese de Olinda e Recife reagiu ao trágico
acontecimento. E finalmente a quinta parte, as repercussões do trucidamento do
Henrique e perguntas consequentes. Eu pediria pra falar aqui de perto porque eu acho
que facilitaria a comunicação.

Então em primeira parte, quem era Henrique, Antônio Henrique Pereira Neto. Nasceu
em 28 de outubro de 1940. Fez sua formação sacerdotal em Olinda e João Pessoa,
passou um período nos Estados Unidos estudando psicologia...

(continua a fala lendo o texto )

Exmo. Sr Dr. Fernando Coelho, presidente da Comissão,

Exmo. Sr. Dr. Pedro Eurico, relator do caso Padre Henrique na Comissão,

Demais membros da Comissão da Verdade e da Memória,

Meus Senhores e minhas Senhoras,

Meu depoimento perante esta significativa Comissão é eclesial. No


período, eu exercia o cargo de Vigário Episcopal dos Leigos na Arquidiocese de
Olinda Recife e como tal fui nomeado pelo arcebispo Dom Helder Câmara, na missa

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de corpo presente, o sucessor do padre Henrique para dar continuidade aos trabalhos
da Pastoral de Juventude. Vou tentar organizar minha reflexão em cinco partes:

1. Quem era o Padre Henrique e como realizava o trabalho pastoral;


2. O contexto da Igreja em Olinda e Recife no período;
3. O bárbaro trucidamento do padre Antônio Henrique;

4. A morte do padre Antonio Henrique e a Igreja de Olinda e Recife;


5. As repercussões do trucidamento do padre e perguntas consequentes.

1. Quem era Padre Antônio Henrique Pereira Neto e seu trabalho pastoral

Nasceu no Recife aos 28 de outubro de 1940. Fez sua formação


sacerdotal em Olinda e João Pessoa, com estudos de psicologia nos Estados Unidos.
Foi ordenado sacerdote aos 25/12/1965, poucos dias após o término do Concílio
Vaticano II.
Desde os tempos de Seminário, manifestava uma vocação para trabalhar
com a juventude. Vários grupos de secundaristas e universitários recebiam sua
orientação. Defendia Henrique uma proposta metodológica baseada no seguinte
princípio: o final do curso médio e o início do curso universitário é um momento
propício para ajudar os jovens a se encaminhar para a vida.
Padre Henrique já tinha a experiência da Juventude Estudantil Católica
(JEC); mas para melhor se preparar para sua missão, participava de encontros de
Pastoral de Juventude a nível regional, nacional e latino-americano. Para fundamentar
cada vez mais seus pressupostos apostólicos, dedicava bastante tempo aos estudos,
sobretudo das Sagradas Escrituras e da Liturgia. Como responsável da Pastoral da
Juventude da Arquidiocese reservava suas tardes para atender os jovens que o
procuravam para conversar, discutir temas de interesse juvenil no próprio prédio do
secretário arquidiocesano – o Juvenato Dom Vital. Também atendia no Colégio
Marista do Centro, em parceria com os irmãos maristas no trabalho de formação dos
jovens.
Solicitei ajuda para o meu depoimento a membros dos grupos
acompanhados pelo padre Henrique, perguntando: como funcionava a metodologia do
grupo e qual o papel do Padre Henrique no relacionamento com os jovens. Recebi um
depoimento esclarecedor, através de Lavínia Lins, após trocar ideias com outros/as
colegas1:

“...Éramos naquela época, amigos e conhecidos, (alguns filhos de pais que


eram amigos), que se encontravam para conversar, “paquerar”, formar banda
de música (“conjunto”, na época), organizar quadrilhas no São João.
Henrique (assim gostava de ser chamado) havia aparecido por ali porque “um
dos jovens estava tendo problemas com os pais” e ele intermediava diálogos
entre eles. Os meninos então começaram a se encontrar com ele (Henrique)
com regularidade. As meninas souberam e se interessaram.

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Lavínia Lins, hoje médica psiquiatra em São Paulo, estava na reunião no bairro de
Parnamirim-Recife, de onde saiu o Padre Henrique, visto pela última vez.
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Passamos a nos reunir às 3ª feiras à noite, para conversas (a “reunião”) e


domingos à tarde para a missa e debates. Às vezes os pais iam e um diálogo
entre gerações era mediado por ele. Com cada um de nós Henrique
estabelecia uma relação pessoal, de intimidade e conhecimento. Chegou a
aplicar alguns testes psicológicos (como o desenho de árvore e da família)
buscando aproximar-se, saber mais sobre cada um de nós.

Sua postura era de aceitação (tão importante nesta idade) e sua linguagem
era a nossa. Era jovem também. Favorecia as relações e a exposição sadia de
cada um no grupo. Nossas vozes eram ouvidas e repercutiam. Sentíamos
pertencendo a algo que nós mesmos criávamos. Era com este sentimento que
estávamos sendo direcionados, de forma muito inteligente, a não nos
envolver com álcool e drogas e a repensar temas que nos cercavam, como: as
relações interpessoais, com outras gerações, temas sociais como a
prostituição, etc.

Ao mesmo tempo nos oferecia a Igreja Católica, não apenas na vivência


dos encontros, mas através de uma missa descontraída, onde se tocava
violão e cantava. Cada etapa era explicada. A missa agora era “prazerosa”.
Um clima de informalidade e participação, incluindo as nossas realidades na
própria celebração. Tudo era muito real e próximo, assim como as relações
que se estabeleciam com amizades que duram até hoje, apesar da distância,
namoros que evoluíram para casamentos que se mantêm. Henrique nos
mostrava uma forma nova de nos relacionar conosco mesmos, com o outro,
com o mundo”.

2. O contexto da Igreja em Olinda e Recife no período

Padre Antonio Henrique assimilou com carinho as perspectivas da Igreja do


Concílio Vaticano, em clima de diálogo com o mundo, em clima de ecumenismo. Era
um jovem que vivia a primavera da Igreja em renovação. E a nomeação inesperada de
Dom Hélder para o Recife, exatamente nesse período, lhe era providencial e tornou-se
para o nosso jovem padre um modelo a imitar e uma corresponsabilidade a exercer,

Dois fatores significativos acentuavam a importância primordial da


presença de Dom Helder no Nordeste do Brasil no momento:

- O recente golpe militar de 31 de março de 1964;

- O Concílio Vaticano II em pujante evolução na perspectiva de renovar


a Igreja e melhor servir no mundo atual (duas sessões tinham acontecido).

Diante do regime militar, eram já conhecidas suas posições, tanto pela


atuação na cidade do Rio de Janeiro como em nível nacional - em defesa dos direitos
dos pobres, da democracia e da liberdade de expressão.

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Durante o Concílio Vaticano II, exercendo, no período, a missão de


Secretário Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lhe foi
oferecida a possibilidade de ser, em breve, missionário do mundo, como peregrino da
justiça e da paz, o que, de fato, aconteceu e o exerceu com maestria.

Um relacionamento especial de amizade ele travou imediatamente durante


o Concílio com os Bispos que tinham maior sensibilidade para a problemática do então
chamado “Terceiro Mundo”. Neste contexto, surge o famoso grupo de Bispos,
provenientes de todos os Continentes, que se encontrava para refletir sobre a missão
da Igreja junto aos pobres e a necessidade da Igreja ser sinal do Cristo pobre.

Estes fatores históricos tornavam Dom Hélder um homem de


características excepcionais para assumir o pastoreio numa região sofrida como o
Nordeste, numa cidade cheia de contrastes sociais como o Recife, num momento
político específico.

Dom Helder assumia o seu pastoreio a 12 dias do golpe militar de 1964. A


cidade do Recife era palco de numerosas prisões, exílios, por motivos políticos. O
medo invadia a população. Havia um clima de sobressalto. A cada momento poderia
haver novas prisões, novos pichamentos...

Dom Hélder, logo na mensagem de chegada, abre o coração aos seus


diocesanos, procurando desarmar os espíritos. Fez uma saudação ao povo, ao seu
povo, logo ao chegar ao Recife, permeada de liberdade evangélica, embebida de
sabor profético – anúncio e denúncia, de teor missionário. Apresenta-se como o bispo
de todos ao explicitar sua postura pessoal e suas prioridades:

”Ninguém se escandalize quando me vir frequentando criaturas tidas como


indignas e pecadoras. Quem não é pecador? Quem pode jogar a primeira pedra?
Nosso Senhor, acusado de andar com publicanos e almoçar com pecadores,
respondeu que justamente os doentes é que precisam de médico. Ninguém se
espante me vendo com criaturas tidas como envolventes e perigosas, da esquerda ou
da direita, da situação ou da oposição, antirreformistas ou reformistas,
antirrevolucionárias ou revolucionárias, tidas como de boa ou de má fé. Ninguém
pretenda prender-me a um grupo, ligar-me a um partido, tendo como amigos os seus
amigos e querendo que eu adote as suas inimizades. Minha porta e meu coração
estarão abertos a todos, absolutamente a todos. Cristo morreu por todos os homens: a
ninguém devo excluir do diálogo fraterno”.

3. O bárbaro trucidamento do Padre Antonio Henrique

Padre Antônio Henrique foi formado na escola do seu pastor Dom Helder.
Também era fruto tanto da renovação da Igreja em pleno Concílio Vaticano II como
fruto do compromisso com o mundo estudantil, ainda em ebulição, contra a ditadura
militar. Henrique tinha consciência de que corria risco. Estava comprometido com as
causas dos estudantes universitários, ainda muito politizados, e fazia seu trabalho
pastoral em sintonia com a dimensão profética da Arquidiocese com contínuas

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denúncias contra as arbitrariedades da ditadura militar; isto o levava a viver em


contínua vigilância.
Seu bárbaro trucidamento aconteceu no dia 27 de maio de 1969. Na tarde
do dia 26 de maio ainda recebeu vários jovens no Juvenato. Por volta das 19 horas
saiu para uma reunião no bairro de Parnamirim, onde permaneceu com os jovens
acompanhados dos seus pais, até às 22,30 horas. Conforme depoimento do grupo de
Lavínia Lins já citado, após a última reunião Padre Henrique entrou num carro
desconhecido:

“Nosso último encontro se deu para que os pais e os filhos pudessem discutir
tendo Henrique como intermediador. O clima era agradável e seguro. Saí com
meus pais e no Largo do Parnamirim, avistei Henrique pela última vez.
Passamos de carro e tentei acenar para ele. Sem nos ver, entrava numa
“rural” verde e branca. Dois homens estavam fora do carro, de porta aberta,
junto com ele. Outro dirigia. Depois foi apenas a notícia”.

Na manhã seguinte, as autoridades eclesiásticas foram advertidas de que


havia um corpo num capinzal ao lado da Universidade, reconhecido como o corpo do
padre Henrique. Fora transportado para o necrotério público onde Dom Helder logo
acorreu. Outros padres, inclusive Dom Basílio Penido, o abade do mosteiro de São
Bento, médico, também se aproximaram e aí permaneceram até a conclusão da
necropsia. O sacerdote tinha sido amarrado, arrastado, recebeu três tiros na cabeça e
algumas torturas; todos os golpes atingiram exclusivamente a cabeça e o pescoço,
conforme atesta o próprio Dom Basílio Penido.
O corpo foi velado na matriz do Espinheiro, onde aconteceram duas
celebrações – uma às 21 horas do mesmo dia e outra na manhã seguinte antes de
partir para o cemitério. Nesse contexto, foi divulgada uma nota do Governo
Colegiado da Arquidiocese, expressando a dor da Arquidiocese, o sofrimento dos
jovens em plena comoção, dos familiares perplexos.
Como a Igreja local não dispunha de meios de comunicação viáveis para
divulgar o acontecimento e a imprensa local estava sob censura, o texto da Nota, após
pronunciada, foi mimeografado e distribuída pelas paróquias, pelos colégios e
universidades, fato que fez acorrer uma grande quantidade de pessoas para a
celebração e, logo depois, para o enterro. A nota foi redigida e discutida com a
participação de 40 padres, vários deles membros do Conselho Presbiteral.

A Nota do Governo Colegiado da Arquidiocese de Olinda e Recife2:

1. Cumprimos o pesaroso dever de comunicar o bárbaro


trucidamento do padre Antônio Henrique Pereira Neto, cometido na noite
anterior, 26 de maio, nesta cidade do Recife;
2. Aos 29 anos de idade e 3 anos de sacerdote, o padre Henrique
dedicou a vida ao apostolado da juventude, trabalhando sobretudo com os
universitários. Até às 22,30 horas de ontem, segundo o testemunho de um
grupo de casais, esteve reunido, em Parnamirim, com pais e filhos, na tentativa
que lhe era tão cara, de aproximar gerações;
3. O que há de particularmente grave no presente crime, além dos
requintes de perversidade de que se reveste (a vítima foi amarrada, golpeada

2
Todos os documentos aqui citados fazem parte do arquivo da Arquidiocese de Olinda e Recife.

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no pescoço e recebeu três tiros na cabeça) é a certeza prática de que o


atentado brutal se prende a uma série pré-estabelecida e objeto de ameaças e
avisos;
4. Houve, primeiro, ameaças escritas em Edifícios, acompanhadas
por vezes, de disparos de armas de fogo. O Palácio de Manguinho recebeu
numerosas inscrições. A Sede do Secretariado Arquidiocesano e Regional
nordeste II foi alvejado. A residência do Arcebispo, na igreja das Fronteiras,
alvejada e pichada.
5. Vieram, depois, ameaças telefônicas, com o anúncio de que já
estavam escolhidas as próximas vítimas. A primeira foi o estudante Cândido
Pinto de Melo, quartanista de engenharia, presidente da União dos Estudantes
de Pernambuco. Acha-se inutilizado, com a medula seccionada. A segunda foi
um jovem sacerdote, cujo crime exclusivo consistiu em exercer apostolado entre
os estudantes.
6. Como cristãos, e a exemplo de Cristo e do proto-mártir Santo
Estevam, pedimos a Deus perdão para os assassinos, repetindo a palavra do
mestre: “Eles não sabem o que fazem”.
Mas julgamo-nos no direito e no dever de erguer um clamor para que
ao menos, não prossiga o trabalho sinistro deste novo esquadrão da morte.

7 . Que o holocausto do padre Antônio Henrique obtenha de Deus a


graça da continuação do trabalho pelo qual doou a vida e a conversão
dos seus algozes.
Recife, 27 de maio de 1969
+ Dom Helder, arcebispo de Olinda e Recife,
+Dom José Lamartine, Bispo Auxiliar e Vigário Geral,
Monsenhor Isnaldo Fonseca, Vigário Episcopal,
Monsenhor Arnaldo Cabral, Vigário Episcopal,
Mons Ernanne Pinheiro, Vigário Episcopal

O percurso da Igreja do Espinheiro em direção ao cemitério, sobretudo na


Avenida Caxangá, parecia um campo de guerra. O cortejo fúnebre foi crescendo em
população durante a caminhada; contou com a presença de mais ou menos 8 mil
pessoas. Também aconteceram alguns incidentes desagradáveis. Invasão do cortejo
por policiais para prender personalidades como o deputado federal cassado Oswaldo
Lima Filho presente ao enterro. Invasão do cortejo para mandar tirar as faixas
conduzidas pelas lideranças estudantis: ”Os militares mataram Padre Henrique”.
O enterro aconteceu no cemitério da Várzea, a pedido da família. Ao lá
chegar, o recinto estava totalmente cercado por forças militares, o que impedia
qualquer manifestação. Era plano dos estudantes expressarem sua indignação juvenil
diante do que eles estavam presenciando, o que Dom Helder tinha evitado que
acontecesse no interior da Igreja do Espinheiro.
Dom Helder acompanhou com muita unção todo o cortejo e foi perspicaz em
perceber o quadro à chegada do cemitério. Procurando evitar possíveis confrontos,
subiu numa cadeira, acenou para a população com um lenço branco em sinal de paz,
rezou um Pai Nosso com a população, deu uma benção e solicitou que todos se
retirassem em silêncio. Um silêncio piedoso, mas extremamente gritante.

4. A morte do padre Antonio Henrique e a Igreja de Olinda e Recife

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A missa de 7º. dia foi o momento forte para a assimilação do trágico ocorrido.
A Arquidiocese, tentando evitar fatos indesejáveis, preferiu descentralizar a
celebração; preparou um texto litúrgico unificado para orientação de todas as
paróquias e centros religiosos. Foi a ocasião para oferecer os critérios cristãos para
avaliar o trágico acontecimento. Sua introdução diz o seguinte:
“Meus irmãos, há sete dias precisamente Antônio Henrique, presbítero da
Igreja de Deus no Recife, foi trucidado por causa do Evangelho de Jesus Cristo.
Reunidos, hoje aqui, não são pensamentos de ódio ou de vingança, não é a sede
de mais sangue que nos movem e nos irmanam. São pensamentos de paz. Paz
que brota da fé. Fé que fala mais alto do que a perversidade dos maus. Fé, que nos
diz que padre Antonio Henrique está com Jesus, no Reino dos vivos. Fé que nos
faz apreciar a importância do seu holocausto e ouvir os apelos de Deus a
continuarmos o trabalho que padre Henrique começou. Imploremos a misericórdia
de Deus sobre todos nós, que vivemos esta hora triste e angustiante; sobre a
família do padre Henrique; sobre o mundo que mata aqueles que lhe anunciam a
verdadeira paz; sobre os assassinos do padre Antonio Henrique”.
Na missa de 30º. dia, a homilia de Dom Helder amplia a reflexão numa
leitura religiosa do trágico acontecimento em sua relação com o momento político.
Começou a Homilia com uma pergunta:
“O que diria o nosso Padre Henrique se Deus lhe permitisse que ele mesmo
pregasse a homilia desta Missa? Que ponderações teria a fazer, que sugestões a
apresentar, falando-nos de junto de Deus, onde nossa fé espera que ele se
ache? Salvo engano, começaria repetindo a palavra de Nosso Senhor, em sua
paixão:”Não choreis sobre mim, mas sobre vós e vossos filhos” (Lc 23,28)”.
E apresenta “Apelo que chega da eternidade”:
- da eternidade, de junto de Deus, ele apela para todos os que acusam a Igreja
no Nordeste, de subversão e comunismo. Comparem o que estamos pregando
em nossa região com o Ensino Social da Igreja, ainda recentemente expresso
por Paulo VI em Genebra: estamos rigorosamente dentro da “Populorum
Progressio” e das conclusos de Medellin;
- da eternidade, de junto de Deus, ele pede aos Governantes que, sem perda de
tempo, partam para a reforma de base e, de modo particular, para a reforma
agrária. Mas adverte que será impossível qualquer mudança autêntica de
estrutura através de reforma conduzida de cima para baixo. Ou o Povo participa
como agente de mudança, ou não haverá promoção humana e social;
- da eternidade, de junto de Deus, ele pede aos Responsáveis pela ordem
pública que, quanto antes, terminem as medidas de exceção que estão tornando
impossível o uso de processos democráticos da parte dos cidadãos em geral, e
especialmente dos estudantes, e dos trabalhadores. A situação presente cria
clima propício a arbitrariedades, e abusos, a crimes (e não seria difícil apontar
casos, de que são tristes exemplos os esquadrões da morte). A situação
presente impele os mais impacientes para a clandestinidade, a radicalização e a
violência.

Estas afirmações do nosso Arcebispo Dom Helder Câmara levam-nos a


considerar que a morte do padre Henrique, por motivações sócio-políticas, mas com
convicções cristãs sólidas, não era uma exceção na América Latina. Estávamos
rodeados de densa nuvem de testemunhos de fé (cf. carta aos Hebreus 12,1).
Nos anos das ditaduras na América Latina foram publicadas muitas reflexões
sobre o conceito de martírio, valorizando os que tombaram numa luta pela

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democracia, em busca da justiça, motivados pela fé, sabendo que poderiam pagar
com a vida sua doação3.
O padre jesuita Karl Rahner, considerado o grande teólogo do século XX, fala
sobre a necessidade de ampliação do conceito clássico de martírio. Propõe que o
termo martírio seja aplicado tanto para a morte suportada pela fé como pela morte que
tem sua origem num compromisso e numa luta ativa, assumidos pela mesma fé4.

5. As repercussões do trucidamento do padre e perguntas consequentes

A Igreja local de Olinda e Recife não ficou isolada nesse sofrido momento.
Recebeu solidariedades diversas e significativas do Brasil e do exterior. Confortadora
para todos, mas sobretudo para Dom Helder, foi a visita imediata do Secretário Geral
da CNBB, Dom Aloísio Lorscheider.
Chegaram Mensagens do Santo Padre Paulo VI, do Secretário de Estado do
Vaticano, da Presidência do CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano), da
Nunciatura Apostólica e tantas outras.
O Governador do Estado, Sr. Nilo Coelho, nomeou uma Comissão de Inquérito
e entregou sua presidência ao Magistrado, juiz da 11ª. Vara, o Dr. Aloísio Xavier e
para desempenhar as funções de Procurador nomeou o Dr. Rorenildo da Rocha Leão.
Logo no dia 11.06.1969, o Dr. Aloísio Xavier, segundo publicou o jornal Diário
de Pernambuco, deu um excelente testemunho em favor da conduta do sacerdote,
afirmando com palavras claras e incisivas que valeu como uma resposta a todas as
insinuações veiculadas por órgãos da imprensa.
Convidado a depor sobre o assassinato do Padre Antônio Henrique,na
Comissão Judiciária, em abril de 1975, Dom Helder solicitou a anexação aos autos do
processo sua declaração.
Ele relembra em detalhes os acontecimentos de maio de 1969, a nota do
Governo Colegiado da Arquidiocese, o caminhar da Comissão Judiciária, as fases do
processo e repete perguntas publicadas em Nota, no dia 29 de Agosto de 1969,
fazendo sérias considerações (importante de serem explicitadas mesmo se algumas já
atendidas).
Fala Dom Helder na sua declaração:
“Como esquecer a coincidência de, poucas horas antes do que ocorreu a
Cândido Melo, ter sido alvejado o Juvenato Dom Vital (local em que trabalhava o
padre Antonio Henrique), havendo os assaltantes – segundo depoimento de
duas testemunhas citadas no Relatório da Comissão Judiciária - (parte final do
item V), disparado suas armas, aos gritos de CCC? Como esquecer que,
segundo o mesmo Relatório, no mesmo item, foi o CCC quem ameaçou o Padre
Henrique pelo telefone?”
A nota continuava perguntando:
“Porque não se faz uma devassa em regra sobre este famigerado CCC? Como e
quando foi organizado? Quem o financia e quem o dirige? Quem são os seus
sócios? Onde tem sua sede? Quais os objetivos e quais os feitos desta versão
do Ku-Klux-Kan? Houve interesse efetivo em apurar a passagem do CCC pela
Universidade Rural? E pela Universidade Católica? E pelos Diretórios
3
O caso do martírio do Padre Antonio Henrique Pereira Neto está apresentado no livro: MARTÍRIO –
memória perigosa na América Latina hoje, do padre José Marins e sua equipe, Edições Paulinas, 1984,
página 146. No referido livro, padre Marins faz o levantamento de situações idênticas a do Padre
Henrique em quase todos os países da América Latina; cita outros padres assassinados no Brasil: Padre
João Bosco Penido Burnier (1976), padre Rodolfo Lunkenbein(1976)...
4
Cf. Revista Internacional Concilium, n.183, 1983/3, páginas 13a16.

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Acadêmicos da Escola de Engenharia e da antiga Faculdade de Filosofia, ambas


da Universidade Federal de Pernambuco? E pela residência do Arcebispo, duas
vezes alvejada e objeto de inscrições com ameaças? E pelo Palácio de
Manguinhos? Quais os resultados do Inquérito sobre o alvejamento do Juvenato
Dom Vital onde funcionam a Cúria Arquidiocesana e os Secretariados
Arquidiocesanos e do Regional da CNBB?”

Por que voltar ao caso neste momento?

A indignação ética dos brasileiros/as e, em especial, dos pernambucanos/as,


exige que fato como esse agora relatado seja conhecido, refletido e avaliado para que
nunca mais volte a acontecer no nosso país – Nunca Mais.
Ao mesmo tempo, é sumamente importante as novas gerações conhecerem
seus verdadeiros heróis – os que deram a vida na busca de mais vida.
E numa leitura cristã, repetimos o que diziam os primeiros cristãos: “O
sangue dos mártires é semente de novos Cristãos”.
Está de parabéns a Comissão da Verdade e da Memória de
Pernambuco!"

Fernando Coelho: Dando prosseguimento aos trabalhos desta sessão eu passo a


palavra ao doutor Pedro Henrique, digo, Pedro Eurico.

Pedro Eurico - Uma mistura boa. A assessoria informa que há um coffe brake
preparado pela Ordem dos Advogados aí ao lado. Eu pergunto se vocês querem fazer
uma pausa ou adiar pra depois? Perfeito!

Então, padre Ernanne, primeiro fica difícil falar depois do que você falou. E segundo,
dizer que a Comissão tem avançado muito em duas questões que fecham a sua
intervenção, fecham sua fala. A primeira diz questão ao que diz a própria essência do
regime democrático, acho que esse é o papel mais importante da Comissão da
Memória e da Verdade, proclamar a radicalização da democracia no país. A
democracia como um valor permanente e absoluto. E a segunda questão que a
Comissão tem feito, e aí vou começar a fazer algumas perguntas ao Pe. Ernanne, diz
respeito a ação do CCC. Ontem, e os jornais hoje já divulgam, a Comissão ouviu de
forma reservada um personagem importante desse tempo. E podemos já levantar
nomes de pessoas, cessão de servidores estaduais para o DOI/CODI... Nós vamos
aprofundar essas investigações. Mas, o que eu gostaria de saber, a primeira pergunta
ao Pe. Ernanne: o Juvenato Dom Vital foi metralhado as nove horas da manhã de uma
segunda feira. Inclusive sendo usado como veículo que transportou os atiradores
também uma rural verde e branca, segundo atestam dois garçons que fechavam o
bar,um pequeno restaurante ao lado do Juvenato Dom Vital. E aí eu queria saber, qual
foi a posição da Arquidiocese logo após aquele acontecimento, o metralhamento da
fachada do Juvenato Dom Vital? E em segundo lugar também, era saber qual a
posição que tomou a Arquidiocese e Dom Helder, que falou especificamente numa
nova Klu klux Klan, mas a verdade é que nós tínhamos e a Comissão tem real
interesse do levantamento do CCC em Pernambuco. E não era uma ação somente
mano militar, era uma ação de delegação, era também uma ação de prestação de
serviço de agentes civis ou personalidades civis querendo se manifestar em

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

solidariedade aos militares da época. Isso também começa a ser esclarecido e


analisado na Comissão, e falava na época Pe. Ernanne, que existia uma lista de
pessoas que poderiam vir a ser vítimas desse grupamento auto denominado na época:
era o CCC. Eu quero saber se a Diocese no momento, teve acesso a essa lista.
Segunda questão em relação ao CCC nós gostaríamos também de saber o quebra-
quebra dos diretórios das Universidade Católica, da Escola se eu não me engano de
Engenharia e também da Fafirinha, ali na Soledade que também foi vítima do CCC.
Fafipinha. Então nós gostaríamos de saber se a Arquidiocese acompanhou esses
fatos e se na época houve alguma investigação paralela, algum dossiê que informasse
a autoria ou as autorias desses atentados.

Padre Ernanne: Vamos tentar recuperar um pouco a memória, de fato, do fato do


Juvenato Dom Vital ter sido alvejado; criava muita perplexidade dentro do momento
político em que estávamos. O que eu me lembro, Pedro, normalmente Dom Helder,
ele mesmo, participava da Comissão de Justiça e Paz. Todas as reuniões. Ele levava
essas questões para nós discutirmos em conjunto. O que fazer, não é, porque de fato
não havia muitas saídas. Com relação a lista, não me consta que Dom Helder tivesse
a lista dos 30, mas corria que naquele tempo a censura era tão forte que era difícil
conhecermos de fato os detalhes que aconteciam. Mas eu gostaria de trazer um outro
fato que talvez possa esclarecer um pouco. Nós estávamos logo depois que foi
metralhado o Juvenato. Nós estávamos em Olinda, no retiro do clero. Tieta, Tietinha,
conhecida de muitos aqui, chega apavorada lá em Olinda dizendo: "os militares
invadiram o Jeriquiti, o Juvenato." O que fazer? Dom Helder tinha muita presença de
espirito. Ele chamou Dom Lamartine como Bispo Auxiliar e a mim, como coordenador
da Pastoral, e vamos lá. Chegamos no Jeriquiti e tinha um pelotão na frente da casa e
um outro examinando documentos reservados dos arquivos da Arquidiocese.

Pedro Eurico: Pe. Ernanne, só interrompendo, eram militares fardados ou eram civis?

Padre Ernanne: Fardados.

Pedro Eurico: Do Exército ou da Polícia Militar?

Padre Ernanne: Ora, Pedro. Eu não sei distinguir.

Pedro Eurico: Verde ou a Marrom que se usava na época?

Padre Ernanne: Não, eu acho que foi do Exército pelo seguinte: em primeiro lugar,
bem no estilo dele, deu a mão a cada um dos membros do pelotão que estavam na
frente. Aí disse quem é o comandante de vocês? Disseram é o tenente fulano de tal.
Tenente me acompanhe para eu telefonar pedindo diálogo com o Comandante do IV
Exército. Não é? Aí bem dentro da presença de espírito de Dom Helder ele tentou;
"Tenente, qual é o melhor telefone para atingir o comandante do IV Exército?" Ele deu
o telefone e duas vezes Dom Helder tentou. Esperou, esperou. Aí Dom Helder disse o
seguinte: "ô tenente!? o senhor percebe que o comandante não quer falar comigo!?
Vou ter que tomar outra decisão". Veja que criatividade; telefonou para o Rio; Dom Ivo
Lorscheider – Secretário Geral da CNBB:" Estamos sendo invadidos por militares aqui,
na cata de documentos, e muitos deles reservados diretamente ao Vaticano. Eu não

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

quero criar problema do Governo Brasileiro com o Estado do Vaticano. Dom Ivo, se
comunique imediatamente com Roma." Moral da história: dois minutos depois, ordem
de recolher. Porque eu estou dizendo isso? Em primeiro lugar ele sempre tentava o
diálogo. Sempre a primeira coisa, a primeira atitude de dom Helder era tentar o
diálogo. Agora você dialogar com quem? Apelar pra quem não é? Tentava sempre o
diálogo. Eu mesmo fui encarregado por Dom Helder, por ocasião da prisão do Cajá, a
primeira coisa que Dom Helder fez, disse: "Você vai em nome da Arquidiocese
dialogar com o superintendente da Polícia Federal. Eu fui. A reação é quase de humor.
De fato, o superintendente da Polícia Federal me recebeu e eu disse: " Olhe, eu estou
aqui em nome da Diocese para visitar o Cajá". Aí ele disse: "Só com a condição de eu
lhe dar uma aula sobre o marxismo antes da visita". Eu estava tão angustiado que
Cajá soubesse que nós sabíamos que ele estava preso, dentro da estrutura, que eu
disse: aceito. E aceitei e ouvi rapidamente aulas sobre o marxismo e depois fui dizer
pra Cajá que nós estávamos acompanhando a prisão dele. Isso era pra dizer também
as tentativas de diálogos, não é? As tentativas de diálogos. Então, Pedro, diante da
sua pergunta, eu ficaria só na perplexidade, nós, você, mais do que eu, tinha presente
isso, a dificuldade que nós tínhamos nos acontecimentos do momento, a perplexidade
e ao mesmo tempo a tentativa de poder dialogar com as autoridades que eram muito
difíceis. Eu estou vendo aqui o Melo, Marcelo Melo, não é? que estava preso. Marcelo
está ai. Estava preso e fizeram a greve de fome e nós da Comissão de Justiça e Paz
fomos tentar ser mediadores. Entre os presos políticos e a Polícia Federal. Eu me
lembro que, Marcelo apertou minha mão e disse eu sou Marcelo Melo, como quem
dava recado lá de dentro da prisão não é? É isso é pra dizer que, de fato, a questão
ainda da mortee de Henrique está dentro desse contexto. Nesse contexto de
perplexidade e de situações difíceis, complexas... Lucinha era nossa secretária da
Comissão de Justiça e Paz e acompanhou todos esses fatos. Não sei Pedro, não
responde diretamente, mas vos dou mais elementos.

Pedro Eurico: A outra, e só apenas essa ,e depois vamos ouvir os outros membros da
Comissão. Pe. Ernanne, no momento da sua fala, você diz que, a situação de
violência levava os jovens e trabalhadores, ou seja, o mundo da juventude, como diria
na linguagem da Igreja e o mundo operário para um campo de resistência. E isso
acontece evidentemente, a partir de sessenta e nove, a partir de... especificamente do
AI5, as ações nas Universidades com as perseguições dos sindicatos. E eu gostaria
de saber também, do ponto de vista do sentimento e da presença da Arquidiocese de
Olinda e Recife, o que toca a essa discussão com os jovens. Porque com a morte de
Henrique, por exemplo, eu mesmo fazia parte de um grupo de jovens da Tamarineira.
Esse grupo não se reunia mais, não podia em nenhum ambiente, não havia nenhuma
condição do jovem se reunir. E aí começa a se discutir outras formas de resistência e
luta, que descamba até mesmo na luta armada. Qual foi a movimentação da
Arquidiocese para tentar manter acesa a presença da Arquidiocese junto ao mundo do
trabalho e junto ao mundo da juventude?

Padre Ernanne: Bom, eu como Coordenador da Pastoral, fui cinco anos Coordenador
da Pastoral da Arquidiocese, nos anos setenta, fiquei um período praticamente
dedicado a visitar as famílias dos presos políticos. Passava às vezes, dois, três dias

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

em Paulista só representando os familiares dos operários. A tentativa forte de Dom


Helder, que defendia muito a não violência ativa, era de não exacerbar as questões,
mas não perder a ocasião de questionar. Ao exacerbar, no seguinte, não defender a
violência, mas essa palavra mesmo que você citou, Pedro: ele dizia na missa de
sétimo dia de Henrique, que atitudes como essa, a morte, o trucidamento de Henrique,
levava aos mais impacientes a procurar saídas para além da não violência ativa. Não
que ele defendesse, mas ele constatava que isso acontecia. E ele tentava também,
não diria acalmar, mas dar um sentido, um critério aos estudantes. Por ocasião de
cada prisão, os universitários organizavam uma vigília de oração e ele ia, Dom Helder,
para que a vigília de oração não se tornasse também uma promoção da violência.
Essa era a grande preocupação dele. Ele procurava estar presente em todos os
movimentos, evitando realmente que se tornasse em violência, mas o clima era de
fato... era provocativo.

Pedro Eurico: Padre Ernanne, é do que o senhor falou aí, agora, há uma questão pra
gente que...da Comissão, que nós estamos analisando, que é...acho que a professora
Socorro Ferraz ficou encarregada dessa parte de relatoria, que é a questão contra
trabalhadores no campo e trabalhadores na cidade. Porque se tem muitos registros
com relação aos estudantes, as vítimas, aos desaparecimentos, mas em relação aos
operários, aos trabalhadores, notadamente os trabalhadores do campo, não somente
a Comissão tem pouco acesso a essa informação, como também está disponibilizada
muito pouca informação sobre a situação dos trabalhadores. E como você falou aí que
ia à Paulista, nós sabemos que Paulista tinha o Sindicato dos Tecelões. Tinha uma
ação importante da Ação Católica Operária lá, com a presença de João Francisco, de
Luiz Barros, são militantes operários, e de padre Romano. Aí nós queríamos saber o
seguinte, se possível, Lorena, se é possível depois o padre Ernanne ir conversar com
pessoas dessa área da ação católica e depois solicitar a quem tiver alguma
informação pra que traga à Comissão; com relação a situação dos trabalhadores.
Porque, volto a dizer, com relação aos operários, sobre os operários, nós temos muito
pouca informação. E até porque a imprensa não conhecia e depois os movimentos de
resistência da classe média que transformavam isso em informação, também esses
movimentos desconheciam, não se relacionavam e quem se relacionava com esses
movimentos era no nosso ver a Igreja. E a gente queria ver se pelo menos há uma
relação de operários que foram presos, sequestrados, mortos e a circunstância em
que isso aconteceu.

Padre Ernanne: Bom, é sem dúvida nenhuma que desde, o final dos anos sessenta a
ACO – Ação Católica Operária – exerceu uma certa liderança nesse campo operário.
Inclusive foi muito visada pelos três...dois ou três documentos que foram lançados
publicamente com o apoio e a presença de Dom Helder. O primeiro era "Nordeste e
Desenvolvimentos Sem Justiça", o segundo era "Nordeste, o homem proibido". E de
fato, esses documentos causavam muita irritação aos militares porque faziam
realmente denúncias diretas. E tudo isso era muito centralizado na rua Gervásio Pires,
onde funcionava a sede da Ação Católica Operária - ACO. Se não me engano era
número 404. E o padre Romano era um assessor suíço/francês que praticamente ele
é que centralizava muito lá na sede essas reflexões. Um homem corajoso. Corajoso, e

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

ao mesmo tempo muito lúcido e muito sereno. Vocês conheceram padre Romano, não
é? Mas ele recebia, inclusive, muitos dos procurados politicamente que iam lá
conversar com ele. Ter um ponto de referência. Então a casa da ACO em certo
momento, era frequentada pelo grupo de esquerda e era também vigiada pelos grupos
de militares não é? Eu trabalhei muito ligado ao padre Romano. Inclusive ele foi...
praticamente já estava pronto o decreto de expulsão. Eu posso contar mesmo um fato
curioso para depois entrar, Pedro, na sua pergunta direta. Nós nos encontrávamos,
um grupo de padres, ao domingo na igreja da Madalena. Tudo isso no momento era
muito secreto. Para avaliar a semana, o que tinha acontecido na semana. E um dia
chega lá padre Henrique Cossart, padre Henrique que era operário e disse: "É certo
que vão expulsar Romano". E desbarataria todo esse movimento operário, porque
Romano era um pouco a cabeça. E aconteceu um negócio gozado. O que se poderia
fazer? Ele começava a trabalhar e por hipótese foi tentar a ficha de Romano no DOPS.
E agora, quem vai amarrar o chocalho, o guizo no ... quem vai conseguir as fichas de
Romano no DOPS?. Ai eu me lembrei, eu tenho um primo que é comandante no
quartel em Olinda. Vou a ele e digo: "ô Aníbal, estão querendo expulsar o padre
Romano, que é um padre de grande valor, faz um trabalho muito bonito". Ai ele disse:
"Não se meta nisso e eu não sou dessa área". No dia seguinte eu chego em casa em
Olinda, tinha um envelope grande com a ficha do Henrique, não que eu tenha pedido.
Ele tinha dito, não se meta nisso e eu não sou dessa área e no dia seguinte tinha um
envelope na minha porta com a ficha de Romano e ele nunca perguntou se recebí e
eu nunca disse a ele que tinha recebido. Acontece que nós conseguimos publicar essa
ficha no Le monde e evitarmos a expulsão de Romano, não é? Então me parece que,
ao mesmo tempo que havia muita repressão, havia também muita criatividade. Havia
muita criatividade. Agora, para Pedro Eurico, eu digo que, de fato, nós temos
referenciais importantes para colher esse depoimento no meio operário. O João
Francisco, se eu não me engano vive ainda em Paulista, não é? O Reginaldo Veloso,
que também acompanhou muito de perto o caso da ACO, Lorena, eu acho que faleceu
não é? Lorena faleceu, Romano faleceu, mas eu acho que essas duas pessoas dessa
época são referências importantes.

Lucinha Moreira, da platéia( IDHEC) - .Agora tem um livro sobre padre Romano que
conta bem todos esses episódios.

Padre Ernanne: É é verdade, Lucinha lembra bem. Luiz Barros está vivo. O João foi
preso, o Luiz eu acho que nunca foi preso, não. Foi interrogado. Agora o Romano era
tão corajoso, que quando o operário era preso, ele ia ao quartel para dizer que era
corresponsável por ter as mesmas ideias do operário que foi preso. Ele chegava lá e
dizia assim: "Eu posso ser preso também porque eu penso igual a esse aí que foi
preso". Quer dizer que era uma pessoa de fibra não é? Nesse sentido ele ajudou
muito. Então esse era o clima em que vivia Henrique. Era o clima em que vivia
Henrique, no seu período não é? Então me parece que mesmo os grupos de
Henrique, tipo Pedro Eurico e Roberto, tipo Lavínia, as filhas de Galdino e Loreta,
disseram que eram mais novas, porque ele tentava atingir o final do curso médio,
começo da universidade, mas tinha o mesmo diálogo com todo contexto do mundo
universitário e acompanhava todas as lutas do mundo universitário da época.

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

Fernando Coelho: Na ordem de nomeação dos nomes da Comissão, eu vou


submeter a cada um dos membros presentes de apresentarem suas perguntas. Dr.
Humberto Vieira de Melo! Dr. Roberto Franca!

Roberto Franca: Padre Ernanne! É, o senhor contextualizou aquele momento da


morte de padre Henrique em sessenta e nove e foi posterior ao Ato Institucional
número 5 que houve realmente um recrudescimento. O que se falava que era o golpe
dentro do golpe. E gerou uma radicalização muito grande e Dom Helder que havia
chegado com aquele sentimento de...ecumênico e também de diálogo, cinco anos
depois, pelas suas atitudes e pelo agravamento do regime, ele passou a receber, não
só a vigilância, mas uma censura completa. Pelo país o nome dele não era citado em
nenhuma nota de imprensa a nível nacional. E nesse contexto houve algumas
viagens internacionais de Dom Helder em que ele fazia denúncia da tortura que,
segundo eu li no livro de Hélio Gaspari, o próprio general Geisel esteve aqui na época
de Castelo Branco, um ano anterior a esse fato, para apurar torturas em Pernambuco.
De forma que a tortura já era de conhecimento, desde a época do primeiro governo
Militar. Dom Helder passou a denunciar no exterior. E quando ocorre a morte de padre
Henrique, se falava da lista das 30 pessoas. Essa lista ela era, conforme Pedro
sugeriu, era comentada, mas ninguém teve posse. Mas como teve o atentado a
Cândido e a Henrique, supunha-se que haveria, porque houve esquadrão da morte,
CCC, na época havia outros movimentos similares. Estava...estava sentindo que havia
essa possibilidade. Creio eu que a grande manifestação de 10.000 pessoas e depois
no enterro de padre Henrique, intimidou um pouco. Deu um certo freio nessa ação ,
nessa forma como estava ocorrendo. Mas fica uma questão que tem a ver com a
Comissão, até porque ela recebeu e foi uma homenagem muito justa, e muito
importante, ao nome da Comissão em Pernambuco que, segundo Paulo Abrão, é a
única Comissão que foi instituída por lei. Ela recebe o nome de Dom Helder Câmara.
E a investigação dessa morte de padre Henrique, ela é uma delas. Nós temos mais de
quarenta casos priorizados. Mas era de como o senhor vê a morte de padre Henrique
pelo trabalho dele, como recado aos setores religiosos, mas com uma conotação mais
importante que eram os que na época, eu me recordo, era na época em relação a
Dom Helder. E me parece que Dom Helder sentiu isso como um atentado a ele
próprio, uma vez que era uma pessoa muito ligada, identificada a Dom Helder. E como
o senhor avalia esse assassinato? E pelo mérito de padre Henrique, mas também pelo
que atingia de Dom Helder como ameaça, já que essas ações terroristas eram, foram
mais amplas, mas, que era uma ameaça específica ao trabalho de Dom Helder
Câmara, pelas suas ações de denuncias daquelas que ele fazia no exterior.

Padre Ernanne: Roberto, eu estou convencido de que a morte do Antônio Henrique,


apesar de todos os seus méritos, de fato, era, tinha como objetivo, atingir o movimento
estudantil que era muito forte e atingir Dom Helder Câmara, que tinha cada vez mais,
autoridade no exterior. Eu não tenho dúvida de que os dois pontos de referência
estavam aí. Não é? Agora, com relação as torturas...de fato o famoso discurso de
Dom Helder falando das torturas no Brasil foi em setembro de setenta e um no
exterior. Agora as denúncias mais significativas foram dos dominicanos e antes da
morte, depois da prisão deles depois de sessenta e oito. E essa denúncia que os

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

dominicanos fizeram por carta, foi lida, essa, esse depoimento dele, lido na
assembleia da CNBB em sessenta e nove, antes da morte de Henrique. Com a
presença de Buzaid. Convidaram o ministro Buzaid para um diálogo e uns bispos mais
afoitos leram o depoimento dos dominicanos denunciando as torturas. Agora sem
dúvida que Dom Helder ganhava muito espaço e que não era recente lá em sessenta
e nove. Eu acho que quem me conhece mais, sabe que eu trabalhei um ano numa
fábrica na França. E já nesse período entre sessenta e quatro e sessenta e cinco, no
dia da presença de Dom Helder em Paris, os operários ficaram resumindo o que Dom
Helder tinha dito da televisão. Dom Helder era muito interessante, não é? E ele de fato
já denunciava, se não oficialmente, a estrutura, os desmandos da estrutura militar no
momento. Que ele era uma figura muito visada e sobretudo aqui eu gostaria também
de chamar a atenção; havia uma oposição não só militar, mas alguns jornalistas tipo
Lenildo Tabosa, tipo Plínio Correia de Oliveira, tipo Vandelcock Vanderlei aqui em
Recife que teimavam sistematicamente em queimar a imagem de Dom Helder. Até
Gilberto Freire, em um episódio bem definido. Até espalhando notícias de que teria
saído uma nota do Vaticano, desvalorizando ou subestimando a missão de Dom
Helder. O que o Vaticano negou, que nunca havia feito nota de Dom Helder. Pelo
contrário, o papa Paulo VI dava profunda atenção a Dom Helder e o acolhia muito para
escutar dele a situação aqui do Brasil. Agora, de fato, os militares foram longe ao
proibi-lo de falar por sete anos. EraeEle falar e o nome dele sair em qualquer
instrumento de comunicação, não é? A tal ponto que vocês se lembram que a primeira
palavra dele quando falou ao Jornal do Brasil, depois de sete anos, foi uma palavra de
esperança "Quanto mais negra a noite, mais carrega em si a madrugada". Quanto
mais negra a noite, mais carrega em si a madrugada. Dom Helder, ele tinha muita
presença de espírito em tudo isso e ele tinha uma mística muito forte. Aquelas vigílias
da noite em que ele recordava, ele dizia que a noite, de duas as quatro da manhã ele
refazia os pedaço do que havia sido quebrado durante o dia. Então isso dava pra ele
muita força. Então essa vida de oração dele, essa mística de orações realmente dava
muita força. Dom Helder não perdia a esperança, não é? Tanto que fundava as
minorias abraânicas não é? Minorias abraânicas, era baseado num termo em São
Paulo que diz que Abraão esperava, apesar de tudo. Então ele dizia que nas minorias
abraânicas, apesar de tudo que estava acontecendo, um dia o sol iria clarear.

Roberto Franca: Padre Ernanne, no momento você está na CNBB?

Padre Ernanne: Eu sou assessor.

Roberto Franca: Assessor.

Padre Ernanne: E Secretário do Centro de Estudo de Fé e Política chamado Dom


Helder Câmara. Formamos lideranças para atuar na política. Sobretudo vereadores e
prefeitos. Já estamos na quarta turma. Na quarta turma. Na turma dessa quarta turma
estamos com vários alunos candidatos a vereador no Brasil afora.

Roberto Franca: Você sabe que existe uma Comissão Nacional, criada pela
presidente Dilma. Eu queria saber o seguinte: isso também é mais uma opinião, uma
solicitação, é se a CNBB através de sua vasta experiência e documentação, se ela

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

também... se já o fez, se está disposta a fazer, é...de colocar a disposição de


Comissões da Verdade o seu acervo documental com relação a esse período do
regime militar, e até já foi objeto de preocupação nossa ,pelo nosso Manoel Moraes, a
ter informações que possam estar no vaticano que pudessem ajudar a realidade
brasileira. É claro que pelos caminhos do ...apostólico, o Vaticano é um
Estado não é? E saber se é possível, já que a igreja teve tantas manifestações, a
parte cristã de envolvimento direto, e, folgo em saber, que de maneira mais explicita a
CNBB está tendo um trabalho com relação a ação política dos quadros. Mas a gente
poderia ter essa possibilidade ou há alguma informação que pudesse ser útil as
Comissões da Verdade não só de Pernambuco, porque a nossa competência, no caso
ela tem um corte, no caso o corte metodológico nos casos de Pernambucanos que
foram mortos perseguidos ou sofreram em Pernambuco ou qualquer brasileiro que
tenha recebido violência no estado ou nascido em Pernambuco que foram mortos em
outros lugares, de modo que a gente tem um corte. Existem mais , segundo Paulo
Abrão, e a Comissão Nacional pode ter interesse nessas informações preciosas da
CNBB.

Padre Ernanne: É o seguinte, nós continuamos com a Comissão Nacional de Justiça


e Paz muito ativa. O grupo é muito bom. Então por enquanto a direção da CNBB
integrou a Comissão de Justiça e Paz com a Comissão Nacional da Verdade. Nesta
semana, hoje é quarta feira, quinta... Quarta feira passada, nós tivemos uma reunião
com Claudio Fonteles, que é da Comissão da Verdade, com os membros da Comissão
Justiça e Paz para sabermos em que pé estava a Comissão da Verdade e o que ele
propunha à Comissão de Justiça e Paz. à Comissão da CNBB. E ele quer, o Claudio,
que foi procurador geral da república, como vocês sabem, ele quer fazer
periodicamente esse debate. Porque ele está convencido de que Comissões como
essa de Pernambuco, do Rio Grande do Sul, que já está funcionando, e eu soube que
foi inaugurada ontem uma Comissão da Verdade na UNB. E agora várias
Universidades, a USP já está com uma Comissão da Verdade. O Ceará está com uma
Comissão da Verdade. Ele.. ou essas comissões avançam e exigem que a Comissão
Nacional possa ter mais clareza do seu papel ou a coisa não caminhará. Essa era a
tese que o Claudio defendia. Tanto que quando eu disse que vinha aqui, ele disse:
"ótimo, digo isso com preocupação porque eu espero muito da comissão da verdade
de Verdade. Agora, essa proposta de Roberto, eu não acharia ruim se a própria
Comissão de Recife, de Pernambuco, fizesse essa proposta a CNBB. E se tiver
acesso, eu concordo. Eu acho boa a ideia.

Fernando Coelho: Eu vou dizer ao senhor que nós formalizaremos essa proposta,
esse pedido, sem dúvida. Com a palavra o doutor Manoel Moraes.

Manoel Moraes: Se quiser Gilberto, pode vir.

Gilberto Marques: Meu caro sacerdote, meu nome é Gilberto Marques. Sou membro
da Comissão, sou militante.

Padre Ernanne: Eu já lhe conhecia de nome.

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

Gilberto Marques: E já conheci de perto, o padre Antônio Henrique Pereira da Silva


Neto porque fui aluno dele também. Roberto Franca e Pedro Eurico, foram se não me
engano, do Salesiano.

Padre Ernanne: Nóbrega.

Gilberto Marques: Então, ele dava aulas no Marista, no Salesiano, no Nóbrega. E eu


tive a oportunidade de ser talvez aluno do colégio que melhor representava o projeto
de Dom Helder e do padre Henrique. Eu fui aluno do Colégio Municipal do Recife, o
colégio dos pobres. Quer dizer, eu estava nesse projeto dos pobres. Eu passei do
primeiro ao ultimo ano do ginásio lá. Por acaso eu tive aula com ele na tarde que
antecedeu o ato delituoso e profundamente lamentável, até hoje. Isso me dá... e
depois eu fui procurado por dona Izaíras, para funcionar como assistente de acusação
mas não deu tempo. A assistência de acusação ela só se forma de maneira efetiva
com o despacho que recebe a denúncia. Recebida a denuncia nas circunstancia que
foi, o processo terminou sendo trancado por habeas corpus trancado em virtude da
incompetência da primeira instancia para processar um procurador de justiça. A
instância originária é o tribunal de justiça do Estado, que não foi procurado pelo
Ministério Publico e isso criou era a facilidade para completar os vinte anos para
completar a caducidade e isso faltava pouco tempo, e eles conseguiram. Eu tinha
treze anos em abril de 1969, que é a época do homicídio. Quero aproveitar a
oportunidade para festejar o que a gente tem lamentado com muita frequência. As
pessoas morreram. Muitas nesse meio tempo. E quando a gente vê, padre, o senhor
com essa vitalidade, pode dizer, os anos passaram tantos, mas se acanham em lhe
entrar, como tenazes que invadem o espírito. E, sem dúvida nenhuma, a sua memória
é uma memória privilegiada também. Apesar do tempo que passou. E o que a gente
está querendo fazer aqui é refrescar o tempo da memória. Uma pergunta que eu fiz ao
advogado da família: doutor Jorge Tasso, quando em depoimento, se ele tinha alguma
lembrança da época dos bastidores; mas em relação ao senhor eu queria saber: a
família do padre Henrique, pelo que eu me lembro, ele tinha dez irmãos ou eram nove
irmãos. Eram dez filhos que dona Izaíras tinha. Eu quero crer que , era uma família de
poucas posses também. Morava no Cordeiro. Tanto que tem dois irmãos que
estudaram comigo. Pedro e Justo. Naquela época eles também eram do Colégio
Municipal. E eles conseguiram ter, logo no início do processo, dois advogados que
serviram a causa da família. A causa da investigação processual. O doutor Fernando
Tarso de Souza e o irmão Jorge Tarso de Souza que é o vivo e que prestou
depoimento recentemente a Comissão. Essa indicação passou por Dom Helder,
passou pela Igreja ou foi uma escolha da família do padre? O senhor lembra desse
detalhe?

Padre Ernanne: Não saberia dizer.

Gilberto Marques: Mas o senhor chegou a conhecer os advogados na militância da


causa? Durante a causa que eles estiveram presentes na investigação processual.
Porque esse processo tem uma peculiaridade. O inquérito policial foi trocado por um
inquérito judicial. O doutor Aluízio Xavier, juiz de direito, presidiu junto com Rorenildo

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

e... ou uma outra pessoa talvez , a tal Comissão Judiciária de Inquérito, substituindo o
inquérito policial que é a forma comum de se investigar o processo.

Padre Ernanne: Eu não acompanhei esse processo judicial, não. Não acompanhei
muito não. Tenho contato com a família de Henrique, Dona Izaíras. Mas detalhes da
comissão de inquérito, não.

Gilberto Marques: A minha memória, que falhou nesse aspecto, mas poderia vir outra
questão, inclusive no aspecto da contratação formal, devido as posses que a família
tinha. A Igreja, Dom Lamartine era bispo auxiliar, tem notícias de que a família tenha
sido pressionada ou pelo menos nessa parte preliminar dele? De alguma forma pediu
socorro a Arquidiocese?

Padre Ernanne: Novamente eu repito, viu Gilberto. Isso aí era muito ação direta de
Dom Lamartine. Eu não saberia dizer.

Fernando Coelho: A irmã do padre Henrique mencionou um fato de que chegaram a


ponto de tentar mandar pro exterior e de custearem a manutenção do padre Henrique
no exterior, desde que eles concordassem em que os proponentes deixassem no
quarto, na casa da família de padre Henrique, provas de que ele era drogado etc e etc.
Ela mencionou isso, eu me lembro. E deve mencionar num livro que ela está para
publicar.

Pessoa da plateia não identificada: Um amigo me falou que eles sofreram muita
pressão. Dois irmãos deles desapareceram por mais de um ano.

Gilberto Marques: Uma outra coisa que surgiu no depoimento do advogado, era a
hipótese de que num primeiro momento o que se queria era dar um susto no padre e
não mata-lo. Essa hipótese chegou a ser.. eu acho difícil dar um susto com dois tiros
na cabeça.

Padre Ernanne: Três tiros! Três tiros!

Gilberto Marques: Eu acho difícil, não é? Mas, essa hipótese chegou a ser ventilada,
o senhor se lembra disso? O senhor se lembra?

Padre Ernanne: Não.

Gilberto Marques: Agora, que o Estado brasileiro está no meio dessa história, o
Estado brasileiro, em face do regime de governo que imperava na época, eu não
tenho a menor dúvida. Eu acho que nenhum de nós tem essa..

Padre Ernanne:... mesmo com os grupos paralelos?

Gilberto Marques: Os grupos paralelos seguiam ao mesmo regime, que fora


implantado como governo do país. Uma outra coisa é o que o senhor já disse hoje.

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

Sem dúvida nenhuma, esse recado servia de recado para os estudantes, para abortar
o crescimento da luta estudantil que começava a campear nas ruas. Eu me lembro
que nessa época as aulas eram suspensas por conta da movimentação dos
estudantes. Principalmente dos universitários. Apesar de minha pouca idade, tive atos
de participação política. Meu primeiro ato de política foi o enterro do padre Henrique.
Eu peguei na Rua Amélia. Eu morava ali perto, no caminho do Cemitério da Várzea e
tive a oportunidade de ver a entrada da polícia logo no cinema da Torre. A primeira
abordagem foi ali logo na Av. Conde de Irajá.

Padre Ernanne: Sobretudo na Av. Caxangá. De um lado era o ... cortejo. E do outro
lado eram carros. Carros blindados. Praticamente era uma praça de guerra.

Gilberto Marques: Agora eu acho que Henrique tinha também uma participação
grande, no mérito por ter morrido pela causa da democracia.

Padre Ernanne. Hum hum...(com gesto afirmativo de cabeça)

Gilberto Marques: Porque, como professor, ele não tinha a pompa do mestre, de que
era próprio da época. O padre, ele não tinha batina que anunciava o padre de longe, o
padre que andava de batina naquela época. Talvez ele nem tinha a empáfia do
professor, do mestre que se ombreava no caminho da sala de aula, e nem tão pouco a
liturgia católica. Dom Helder nunca largou a batina. Sempre andou de batina e ele era
um braço de Dom Helder, sem dúvida nenhuma.

Padre Ernanne: Você viu que aquele depoimento dos jovens, que dizia que ele fazia
questão de ser chamado de Henrique, não é? E que pudesse ser chamado de irmão
entre os irmãos. Ele realmente, apesar de ser um pouquinho mais velho, mas ele
também era jovem e tinha uma metodologia de ser irmão mais velho, que inclusive
ajudaria no diálogo entre as gerações.

Gilberto Marques: Eu não tive essas conversas, participações nessas outras


reuniões, mas eu fui aluno no ano anterior, no ano de sessenta e oito todo, e no ano
de sessenta e nove.

Padre Ernanne: Pois eu tenho mais um elemento que, Gilberto, que acho que era
muito importante. Esses psicólogos, psiquiatras, tipo Galdino Loreto, Salustiano Lins,
davam certo apoio a jovens do grupo de Henrique, que eles viam que precisavam de
apoio psicológico. Galdino recebia no seu escritório, muitos dos alunos enviados por
Henrique. Tinham apoio.

Pedro Eurico: No dia do sequestro...

Padre Ernanne: ...saía da casa de Galdino.

Gilberto Marques: Daqui a pouco a gente pode substituir Pedro Eurico nessa parte. E
Pedro Eurico é doutor, Lamartine é doutor. (risada).. Pedro Eurico... Eu queria pra
completar, padre, salientar que nessa diferença do professor e do padre, Henrique no
colégio público, chegava ao ponto básico, elementos básicos da higiene corporal. E
isso, chamava atenção da forma como ele se dirigia aos alunos. De escovar os dentes

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a tomar banho, Henrique entrava nessas particularidades. Mas na aula dele, era uma
aula que tinha unanimidade entre os alunos. A gente esperava a hora de chegar
aquela aula diferente. Era a aula...

Padre Ernanne: Você era adolescente não é?

Gilberto Marques: Sim. Eu tinha treze anos quando ele morreu. Doze quando eu
comecei. Ele levava música. Fazia missa campal no colégio, o que também não era
uma coisa muito comum. Com violão. E a gente participava tanto com violão, quanto
cantando. E a missa de Henrique era algo diferente. Muito obrigada pela sua paciência
e pela sua participação e parabéns pela sua saúde ...a saúde e a longevidade em
quem é religioso, são coisas, são ofertas, do próprio Deus, sem dúvida nenhuma.

Padre Ernanne: Quase também como humor, um amigo meu lá, que é deputado
federal, sou de sessenta pra setenta anos, ele escreveu um livrinho e o título era - "Se
senta ou se tenta". - Sessenta ou setenta-. Então eu estou no segundo, entendeu? Se
tenta...

Gilberto Marques: E, na tentativa, agora ela é punível, sem dúvida nenhuma, porque
ela não é a toa.

Fernando Coelho: O doutor Manoel Moraes.

Manoel Moraes: Padre Ernanne, bom dia! Eu queria dizer para todos nós...já foi dito
por Pedro Eurico, mas eu queria dizer pessoalmente da riqueza da sua presença entre
nós, nessa manhã, e da importância do seu testemunho para o trabalho da Comissão.
É eu, particularmente, como anglicano daqui de Recife, tive a oportunidade de
participar do clero da Igreja Anglicana. E fiquei, como sacerdote, de cuidar da
temática: religião, dentro das relatorias temáticas da Comissão da Verdade, por isso é
que eu queria lhe fazer perguntas mais amplas. Eu soube que o senhor e, certamente
Dom Helder e o senhor, teriam acompanhado a presença e Desmond Tutu. O senhor
esteve com Desmond Tutu? Esse momento com Dom Helder foi um momento de
partilha sobre a experiência da Africa do Sul. O senhor acompanhou essa audiência
de Dom Helder com Desmond Tutu?

Padre Ernanne: Não.

Manoel Moraes: A presença da esposa do presidente Jimmy Carter, o senhor


acompanhou com Dom Helder?

Padre Ernanne: Não. Eu estive no debate uma vez com a esposa do Mitterrand.

Manoel Moraes: Do Mitterrand?

Padre Ernanne: Sim, mas do Jimmy Carter não.

Manoel Moraes: O senhor tem informações de que com a mudança da presidência


dos Estados Unidos havia uma leitura de conjuntura da Arquidiocese da mudança de

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planos em relação a América Latina, digo, da Operação Condor. Vocês tinham


informações sobre isso?

Padre Ernanne: Quem tratou mais disso com Jimmy Carter foi o Cardeal de São
Paulo. Ele teve vários encontros. Em alguns desses encontros, Dom Helder esteve
presente. Dom Helder tinha um costume de após suas visitas, reunir um grupo que ele
chamava família messejanense, ou aqui ou no Rio, para contar essas coisas. Então na
questão Jimmy Carter, ele ajudaram bastante a levantar questões. Eles ajudaram
bastante. Era uma questão de Direitos Humanos.

Manoel Moraes: O senhor se recorda?

Padre Ernanne: Pessoalmente, não acompanhei de perto. Apenas tive notícias de


Dom Helder se deslocando a São Paulo para isso.

Manoel Moraes: Dom Helder é como um símbolo da Igreja Católica, mas ele
transcende, fazendo um diálogo ecumênico em Recife. O senhor poderia falar um
pouco mais desse outro lado. Por exemplo, o senhor recorda da atuação de Fred
Morris, pastor metodista?

Padre Ernanne: Sim. Inclusive era meu amigo o Fred. Inclusive ele..

Manoel Moraes: Pois não. Se o senhor pudesse falar.

Padre Ernanne: Inclusive Fred participou comigo da Caravana da Anistia. Deu um


depoimento muito bonito a CNBB. Inclusive eu acompanhei o caso do Fred bastante
de perto porque eu era muito amigo do sogro dele.

Manoel Moraes: hum rum...

Padre Ernanne: ...que tinha sido militar e que fazia parte do mesmo grupo nosso, de
Galdino, de militar. Ele havia sido expulso do regime militar. O sogro de Fred, o Zé, ele
tinha sido expulso do regime militar e então, eu acho que Dom Helder teve alguma
influencia no Fred Morris. E ele no depoimento que deu na Caravana da Anistia lá na
CBNN, ele valorizou muito esse clima de diálogo dos protestantes com Dom Helder. E
naquele tempo havia a Comissão de Diálogo – Igreja Católica com Igrejas Evangélicas
e o caso também a Igreja Epsicopal. E era um clima muito próximo, não é? De
compromisso em prol do reino, em prol da verdade e da justiça etc.

Manoel Moraes: O senhor...

Padre Ernanne: ...sei, acompanhei de perto. Inclusive o Marcelo Barros era o


representante dele...

Manoel Moraes: O senhor participou do projeto Brasil Nunca Mais?

Padre Ernanne: Não. Eu não participei do projeto, mas tenho muitos amigos que
participaram, tenho escutado muitos depoimentos deles, sobretudo o Sigmaringa
Seixas, que foi deputado federal. E que ele era quem conseguia a documentação em
Brasília e mandava para São Paulo para dom Jaime Wright.

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Manoel Moraes: hum rum.

Padre Ernanne: Foram eles dois que articularam mais o tortura nunca mais.

Manoel Moraes: Naquele relatório do Tortura Nunca Mais, tem um diagnóstico sobre
a repressão no Brasil. A igreja, a CNBB tentou algum mecanismo de transpor o limite
da repressão para que essas informações fossem repassadas para organismos como
a OEA, a ONU. Esses organismos atuaram na época, ou foram omissos?

Padre Ernanne. Não sei, Manoel, se você teve acesso, se não, eu lhe propunha não
deixa de ler o livro "Diálogo na Sombra", que é de um brasilianista Kenneth Serbin.
Ele fez um estudo da relação igreja-militar. Diálogos igreja –militares. Nesse tempo.
Sobretudo com Dom Ivo e o .... Serbin teve uma chance muito grande de colher
muitos elementos. Talvez valesse a pena para vocês porque ele... Quando ele me
consultou, eu sou amigo do Fred, do Serbin, ele disse que queria fazer um estudo
sobre isso. O que é que você acha? Eu disse, você precisa encontrar elementos. E ele
teve acesso a biblioteca do general Murici que tinha falecido a pouco tempo. E a viúva
do Murici, colocou toda a disposição dele, por isso que o livro dele é muito baseada
na biblioteca do general Murici.

Manoel Moraes: O senhor teria algum fato específico que o senhor se recorda desse
livro ou que o senhor pudesse... ou não? Que o senhor pudesse ao seu ver curioso ou
interessante...

Padre Ernanne: "Diálogo na sombra". Ele bom! Ele mostra realmente que muitas
dessas torturas e mortes eram levadas, sobretudo por Dom Ivo, que era corajoso não
é? Levado para o diálogo com os militares. E alguns desses outros foram sendo
tomados aos poucos. Mas eu não tenho agora presentes muitos elementos.

Manoel Moraes. Hum hum...

Padre Ernanne: Eu tinha presente, eu tinha como que presente, agora, o diálogo que
a CNBB teve com o general Geisel. O mesmo antes, foi diálogo com o Médici. E que
ele estava irritadíssimo com a CNBB. O que foi que provocou também esse diálogo?
Ele queria chegar a um acordo e Dom Ivo foi a ele como presidente da CNBB e o
general disse: "Dom Ivo, eu vou dar catecismo, já que o senhor está se metendo em
política". Aí Dom Ivo, com aquela cara de alemão, disse: "Eu fico muito contente
general, que você dê catecismo aos seus netos, talvez estejam precisando". Ironizou.
(rizada).

Manoel Moraes: Padre, no depoimento, quer dizer, antes de chegar no depoimento,


há um livro de Assis Claudino e ele diz assim: "o monstro sagrado e o amarelinho
comunista - Gilberto Freyre, Dom Helder e a revolução de 64". Ele faz um diagnóstico
em vários capítulos da atuação de Gilberto Freyre, inclusive cita aqui trecho do diário
de Pernambuco. Eu, em respeito a sua presença, diante do relato dos textos, eu
gostaria de não fazê-los. Eles são extremamente agressivos.

Padre Ernanne: Agressivos, é?

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Manoel Moraes: Textos que tentam vincular Dom Helder a uma articulação...

Padre Ernane: ...Internacional...

Manoel Moraes: ...de infiltração comunista dentro da igreja Católica.

Padre Ernanne: É.

Manoel Moraes: O senhor... como é que vocês reagiram a isso? Como é que isso era
lido internamente? Como é que o senhor entende essa postura de Gilberto Freyre?

Padre Ernanne: Bom... Dom Helder não dava muita importância a esses artigos de
Gilberto Freyre, porque, é chato dizer isso, mas eu vou dizer. Dom Helder achava que
era muita dor de cotovelo de Gilberto Freyre...risadas...não é? Isso eu escutei mais de
uma vez dele. Ele dizia: "Então, deixa Gilberto Freyre falar, deixa Gilberto Freyre
falar". Agora, de fato, ele sofria muito mais com os artigos que vinham do Estadão,
porque tinham uma repercussão muito maior, nacional. Os artigos do Lenildo Tabosa.

Porque Lenildo, eu não sei se vocês sabem, ele foi seminarista até teologia. Então ele
sabia o que estava dizendo. Porque Gilberto Freyre as vezes chutava um pouco, mas
Lenildo sabia o que estava dizendo.

Pedro Eurico: Pernambucano?

Padre Ernanne: Pernambucano. Foi inclusive estudante no Pio Brasileiro em Roma,


na Universidade Gregoriana – Lenildo Tabosa – de Caruaru. E que ele representava
um pouco a linha do Estadão, esse era muito agressivo também. Então Dom Helder
estava num fogo cruzado, não é? Agora, tava num momento também em que Dom
Helder tinha tido muita receptividade do Concílio Vaticano II. Então esse apoio
internacional ajudava muito. Agora eu vou contar um fato, viu Manoel, que enaltece
um pouco o personagem de Dom Helder. Eu fui convidado para fazer uma palestra
sobre o Concílio Vaticano II, porque eu era seminarista em Roma durante o concilio,
para os jesuítas e um grupo de leigos. E no final da palestra um padre jesuíta levantou
a mão e disse: "Você sabe como é que Karl Rahner, que era considerado o maior
teólogo do século XX lá em Roma, considerava Dom Helder?" Eu disse: não! E ele
disse: "Ele fez uma palestra da Universidade em Innsbruck e foi feita uma pergunta:
quais as pessoas mais influentes durante o concílio Vaticano II? E ele respondeu que
depois de João XXIII, sem falar em plenário, Dom Helder tinha sido um dos mais
influentes". Eu liguei para Zildo Rocha e perguntei: "Olha Zildo, como é que você vê
isso? Aí, Zildo disse: "Procure as fontes, de onde é que ele tirou isso?" Aí eu voltei a
ele e perguntei: "Ô padre Abreu, de onde foi que você tirou aquela afirmação?" Ele
disse: "Eu escutei! Eu estava na Universidade no momento!" O que é muito sério não
é? Então se ele era uma das pessoas influentes, então ele recebia apoio internacional.
Aquele famoso discurso dele em Paris, lá em setenta e um, ele não ia fazer a
denúncia das torturas. E a pressão dos brasileiros foi tão grande que ele foi até o
Cardeal de Paris. Ele foi ao cardeal de Paris e disse: "Olha pelo que eu estou

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sentindo, ou eu faço a denuncia das torturas hoje, ou me desmoralizo diante os


brasileiros da França". Aí o cardeal disse: "Eu assumo por você. Faça o texto e mostre
de manhã cedo antes de pronunciar". Ora, o cardeal de Paris, assumindo com ele a
denúncia, tinha muito peso pra ele não é? Psicológico.

Manoel Moraes: Padre eu queria reforçar isso, inclusive agradecendo ao IDHEC, o


Instituto Dom Helder Câmara que nos cedeu uma coletânea de discurso de Dom
Helder. Reforçando tudo isso que o senhor ... o discurso na Europa, o discurso na
América Latina, focando a questão dos Direitos Humanos, o discurso em celebração
da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É, diante desses discursos, me
parece, que Dom Helder se torna então, uma figura de referência de mundo na
Europa.

Padre Ernanne: É.

Manoel Moraes: Esses são alguns dos discursos. Eu queria lembrar...

Padre Ernanne: Manoel...

Manoel Moraes: ...eu queria lhe perguntar, é... o senhor ou vocês entendem, como é
que a igreja entendeu, os vetos, ou que articulação aconteceu do Estado brasileiro
para que Dom Helder não recebesse o premio Nobel da Paz.

Padre Ernanne: Olha, até então, não sabemos diretamente. Em Brasília no momento,
depois da Comissão da Verdade, tem informação não é? A comissão também dá
abertura para informação. Há pedido, para que o Itamaraty abra suas portas para
saber qual foram os motivos oficiais para negar o premio Nobel da Paz. Sem dúvida,
foi via Itamaraty...

Manoel Moraes: Perfeito. Padre, perdoe insistir, mas nesses textos há uma
articulação e alguns trechos escritos por Gilberto Freire e alguns documentos militares
são muito parecidos. Inclusive a estrutura e a lógica dos argumentos. É o senhor
falava antes da presença civil de apoio ao golpe. Quais seriam os setores que dariam
apoio ao golpe? O senhor acha que a Igreja também teria setores que apoiavam o
golpe?

Padre Ernanne: Tinha! Tinha sim.

Manoel Moraes: Quais seriam esses setores?

Padre Ernanne: Sobretudo liderados pelo Dom Sigaud (D. Geraldo de Proença
Sigaud) lá de diamantina em Minas Gerais, não é? TFP.

Manoel Moraes: Eu ia perguntar logo em seguida.

Padre Ernanne: Em torno dele havia todo um grupo. E depois dele tinha o arcebispo
aqui de Aracaju. Um homem muito inteligente, mas que partiu também para a parte
terro... para a parte..oposição. Basta dizer que passava suas férias ...é chato dizer

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isso, ( risada) passava as suas férias com o Passarinho. Geraldo Passarinho... Jarbas
Passarinho. É chato dizer isso, mas...(risada) estou abrindo o jogo.

Manoel Moraes: Obrigado.

Fernando Coelho: Nadja Brayner.

Nadja Brayner: Bom, eu queria cumprimentar a padre Ernanne e também a Pedro


Eurico, Fernando Coelho. Parabenizar pela exposição feita, que eu acho que abarcou
vários ângulos. Envolveu as questões que de fato estão nos preocupando, não é, a
Comissão... e também cumprimentar as pessoas que estão aqui na plateia, que eu
conheço de bastante tempo de militância política, vinculados a Igreja, não vinculados a
Igreja, que tem toda uma trajetória em defesa da democracia ao longo de todos esses
anos, não é? Eu queria dizer que na Comissão, logo que assumi essa função, esse
cargo, eu fiquei pensando e ficou claro pra mim das dificuldades que a gente iria
enfrentar. Dificuldades de toda ordem, não é? E também, na medida que a gente fosse
avançando em algumas questões, procurando desvendar questões sérias, a gente iria
sem dúvida nenhuma sofrer algum tipo de pressão. Isso aí, ainda não ocorreu, mas a
gente ainda está muito no início. Eu acredito que, na medida em que, a gente vá
avançando em algumas questões tipo o atentado que Candido Pinto sofreu, vai
começar de fato a acontecer. É, eu tive o privilégio, apesar de tudo, de ter participado
do movimento estudantil em sessenta e oito. Eu me lembro bem daquele clima de
violência, das dificuldades que a gente tinha. Perseguições aos estudantes e claro, a
Igreja que também passava por isso. Me lembro bem, de um movimento que sempre
se instalava ali defronte a igreja de Santo Antônio, a TFP – Tradição Família e
Propriedade, com seus estandartes, na busca de assinaturas contra o divórcio, enfim,
diversas iniciativas que eles tinham e sabíamos que eles tinham conhecimento que
eram um movimento extremamente violento. Porque as pessoas que dele
participavam, eram de extrema direita. E tinha treinamento militar, eram preparados
inclusive para isso. Existem episódios de estudantes que tentavam puxar as listas,
jogar no rio. Enfim, esse movimento era muito presente aqui. Então eu gostaria de
saber se o senhor... o que o senhor poderia nos dizer sobre a TFP nessa época?

Padre Ernanne: Muito pouco.

Nadja Brayner: Muito pouco...

Padre Ernanne: Acompanhava um pouco as posições do Pedro Correia de Oliveira,


no jornal Catolicismo, mas eu seria capaz de fazer uma análise. Pois, então, eram
muito secretos, eram uma espécie de maçonaria.

Nadja Brayner: Exatamente. Extremante fechado.

Padre Ernanne: Estão muito divididos no momento, não é? Não eu não saberia dizer
muita coisa, não.

Nadja Brayner: Existem algumas suposição de que, a partir deles, teriam se formado
os grupos paramilitares, não é? Que não era somente o CCC, mas era o MAC, FAC,

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vários grupos. E, veja só, sobre aquele período eu encontrei uma ...recentemente,
uma entrevista do irmão Orlando da Cunha Lima. Irmão marista, que foi diretor do
Colégio Marista.

Padre Ernane: Foi uma grande figura.

Nadja Brayner: Que atualmente não se encontra aqui. Está lá em Aracati. Ele não
esta aqui. Está em outro estado. E ele dá um depoimento interessante quando ele fala
que, na qualidade de diretor do Colégio, ele enfrentou situações extremamente difíceis
naquela época.

Padre Ernane: Sim.

Nadja Brayner: E tem um relato dele, muito interessante, quando ele fala, inclusive
que ele recebeu um ofício do IV Exército, para ele celebrar uma missa por conta da
revolução de 31 de março. E que ele, no Colégio, contava com filhos de vários
políticos importantes, inclusive o próprio filho de Nilo Coelho que estudava no Colégio.
E as dificuldades que ele teve, exatamente em como driblar aquele tipo de
imposição... E ele acaba falando da entrevista dele. E ele resolveu isso, ia haver uma
eleição no colégio e ele resolveu fazer um debate com os estudantes. Fez o debate e
hasteou a bandeira e resolveu o problema por aí, que tinha incucado ele durante
vários dias. Então a minha questão é a seguinte, essa imposição, vinda do IV Exército,
certamente não atingiu só a ele, mas também a outros padres. Aí eu perguntaria
diretamente ao senhor: o senhor, alguma vez, foi ameaçado, foi pressionado e de que
forma aconteceu isso? O senhor recebeu algum ofício solicitando uma determinada
situação?

Padre Ernanne: Não. Em primeiro lugar eu queria elogiar a ação do irmão Orlando,
porque, de fato, para o trabalho do padre Antônio Henrique, o personagem Irmão
Orlando Cunha foi fundamental. Porque ele tinha no Henrique um dos pés, um dos
polos do seu trabalho, no Colégio Marista. Tinha um grande apoio do irmão Orlando e
irmão Orlando ajudou muito no momento, ao próprio Dom Helder para refletir a morte
do Henrique. E ele tem muito presente, interno em vários debates da igreja, porque ele
acompanhava de perto o trabalho do Antônio Henrique, então, não seria mal se
pudesse também escutar o irmão Orlando.

Nadja Brayner: Não, não é?

Pedro Eurico: Já está previsto.

Nadja Brayner: Inclusive ele fala...

Padre Ernanne: ...agora sobre a sua segunda pergunta, eu nunca de fato recebi
propriamente ofício, mas fui acompanhado em alguns momentos. No dia da morte de
Henrique, eu morava na Vila Popular de Olinda. Não tinha carro. Eu fui de ônibus até a
entrada de Olinda, e ia pegar um ônibus para Vila Popular. E um jipe parou com duas
pessoas, insistindo, insistentemente, em me deixar em casa.

Nadja Brayner- A carona...

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Padre Ernanne: Aí, de fato, eu disse não, muito obrigado. E então fui pegar um taxi e
dormi no seminário de Olinda. (risada). Outro pon...outra coisa, eu fui sequestrado a
Cuba, no avião que ia de Rio – Buenos Aires – Santiago del Chile. Eu ia em nome da
Arquidiocese participar de um curso no Chile. E durante o período que eu estive em
Santiago, eu fui acompanhado com um espião, que depois eu soube, era especialista
em assunto de Igreja. Eu soube que ele estava acompanhando quem que Dom Helder
enviasse. Porque que Dom Helder tinha me mandado a esse curso no Chile. Primeiro
encontro que nós tivemos no curso de teologia da libertação, foi em Santiago no
finalzinho de 1969. E esse cara é um tal de Gilson Amaral, se apresentava como
Gilson Amaral, dizendo que era muito amigo do frei Beto. E que fez uma série de
perguntas. Ele dizia que sabia qual era a minha missão em Santiago. Então eu disse,
tá bom, então você aparece aqui para uma conversa mais. E eu soube que foi
descoberto e depois ele fugiu de Santiago.

Nadja Brayner: Veja só, a outra questão é sobre o 477. Os estudantes aqui, através
desse decreto 477, vários foram cassados por 3 anos. E me parece que a Igreja, a
Arquidiocese, teria ajudado esses estudantes a conseguirem lá fora no exterior
ingressar em universidades, escolas, isso é fato?

Padre Ernanne: Não sei, não saberia responder.

Nadja Brayner: Não. Não sabe?

Padre Ernanne: Não sei.

Nadja Brayner: Bom, finalmente eu queria falar sobre o famoso CCC. Veja só.
Atualmente eu sou relatora do processo sobre o atentado a Cândido Pinto. Pedro
Eurico já colocou isso aqui. É mais ou menos claro pra gente, que esse Comando de
Caça aos Comunistas, estava vinculado, claro, a essas autoridades da repressão...
Examinando já o próprio inquérito com relação a Cândido, algumas pessoas que
trabalhavam pro exército, da segunda secção... exército não, quero dizer da polícia
militar, na qualidade de informantes, vários deles estudantes, mantinham esse vinculo
não só com a policia, mas também com o próprio DOPS; casos como o de Luiz
Miranda, que era um investigador bastante conhecido. É importante, inclusive dizer
que nesses depoimentos, inclusive eu estava falando aqui com Leda, existe uma
referência desses informantes sobre o TPN, que era o Teatro Popular do Nordeste,
que de fato foi atacado também. Ali no Juvenato Dom Vital, do próprio metrallhamento
lá na rua das Fronteiras, ocorreu também...

Padre Ernanne: ...Manguinhos.

Nadja Brayner:... Manguinhos, e também as invasões nas universidades. A


Universidade Católica, onde se sabe que foi um grupo grande, e com apoio inclusive
de militares, que teriam promovido aquela invasão. E o fato é que, é uma questão
extremamente delicada essa do CCC. Porque eu digo isso? Paulo Cavalcante no
próprio livro, quando ele se refere a CCC, deixa assim no ar. Essas pessoas teriam
participado, eram pessoas, filhos da sociedade, não é, de intelectuais, de profissionais
liberais e que, de fato, hoje, quando a gente se depara com muitos deles, vê como

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

muitos deles, hoje, ocupam cargos, funções importantes; e é uma questão


extremamente delicada a gente publicizar isso. No entanto, eu penso que o papel da
Comissão, ela não tem essa função de punir, mas ela tem de informar, dizer o que
aconteceu. Eu estou muito consciente disso e sei que através da própria relatoria de
Cândido é possível a gente avançar um pouco sobre essa questão. Queria dizer mais,
que isso não é novidade, porque em São Paulo em 1960, a revista O Cruzeiro, numa
reportagem, já coloca fotografia de integrantes do CCC. Uma reportagem que foi feita
pelo jornalista Medeiros, aonde ele conseguiu capturar uma agendazinha de um deles,
com nomes, aonde ele identificou várias pessoas. Inclusive essas pessoas são hoje
profissionais, são pessoas importantes em São Paulo, muitos advogados, muitas
pessoas que tem hoje uma presença forte, podemos dizer. E jornalistas também. Eu
lembro que um dos nomes citados foi o de Boris Casoy como sendo integrante.Veja a
revista O Cruzeiro em 69 já coloca isso...

Então, aqui também a gente vai ter que ouvir algumas pessoas sobre isso, não é? ão
Dom Helder, e a própria Igreja, o senhor leu aqui, aquela nota da Arquidiocese que
está transcrita por Diogo Cunha, onde de fato, a Igreja, Dom Helder, coloca o dedo na
ferida. De fato isso nunca...porque eu nunca encontrei nada. Nada foi apurado, não é?
A gente sabe que eram estudantes universitários. Muitos inclusive das faculdades de
Direito. Como era em São Paulo, como era no Largo de São Francisco. Era famosa
essa faculdade lá e também a Mackenzie. Responsável inclusive por aqueles atos de
violência que ocorreram entre a USP e a Mackenzie. Aqui também, Marcelo Santa
Cruz se refere a um pichamento, onde constava o nome dele também, ameaçado de
morte pelo CCC, não é? O senhor falou que não sabia da lista que Dom Helder, que
Dom Helder teria essa lista... Não haveria possibilidade diante daquele momento,
daquela violência, da lista ter sido levada pro Vaticano, pra fora do país?

Padre Ernanne: Não acredito.

Nadja Brayner: Não acredita? Eu agradeço a gentileza do senhor, a paciência nesse


tempo todo por nos escutar. Obrigado.

Fernando Coelho: Socorro Ferraz!

Padre Ernanne: O pedido de Socorro, ali.

Fernando Coelho: É, ela é a ultima.

Padre Ernanne: Quer dizer que são nove membros, aqui?

Fernando Coelho: Henrique Mariano tinha um compromisso no interior, por isso ele
não está.

Padre Ernanne: Pedro, eu gostaria até que depois você me passasse a lista viu? A
lista dos membros. Ah! Você tem aí?

Fernando Coelho: Isso, eu estou fazendo a chamada. Nadja é a que falou agora, e
Gilberto é o que pediu pra antecipar, agora é Socorro. Humberto vieira está ali, não é?

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

E Henrique Mariano é o que está viajando. É presidente da OAB. Filho de Hélio


Mariano que foi meu colega.

Padre Ernanne: Eu me lembro de Hélio Mariano!

Fernando Coelho: Foi meu colega de turma e presidente da OAB antes de mim.
Socorro Ferraz.

Socorro Ferraz: Bem, boa tarde! Agora já passa de meio dia. Eu quero cumprimentar
o padre Ernanne e cumprimentar a mesa, Fernando Coelho e Pedro Eurico e quero
dizer que lhe dou os parabéns pelo depoimento que o senhor fez. Ele é claro, corajoso
e deixa muitas impressões para que essas impressões depois sejam desdobradas.
Claro que num depoimento é muito difícil a pessoa se colocar e pensar em toda
aquela situação que foi criada pelo golpe de 64. Bem. Eu vou ser muito breve, até
porque o senhor já esclareceu muitas coisas. É num processo do padre Henrique, há
duas peças jurídicas que são completamente antagônicas. Dois promotores públicos
se colocam no processo. Um logo no início, logo em 69 e o outro dezenove anos
depois. As duas peças jurídicas, são, a princípio, podemos pensar que são
completamente antagônicas. Uma é contra a vítima, que é a primeira do doutor José
Ives. Ela é contra a vítima, a tal ponto que o próprio Estadão eu acho, fez uma matéria
dizendo que, nunca viu um promotor público que acusa a vítima ao invés de acusar o
réu. Quer dizer, foi um escândalo do ponto de vista jurídico também. Político nem se
fala, mas do ponto de vista jurídico. Dezenove anos depois, outra peça jurídica é
formulada pelo promotor público daquele momento, e é uma peça em que ele acusa
os criminosos, ele diz que os criminosos são esses e esses e enaltece o padre
Henrique. Na primeira peça eu lembro que uma das acusações ao padre, é que ele
era perigoso por ser inteligente. Então isso é uma coisa muito importante nessa
colocação para se ver o nível e a orientação desse golpe que estava no poder. Bem!
Mas o que quero lhe dizer é que, como a igreja reagiu a essa posição da Justiça?
Essa é uma questão. Eu gostaria que o senhor respondesse. A segunda é, como, se a
igreja tinha algum componente seu, algum membro que acompa... que pudesse ter
acompanhado todo esse processo jurídico, todo esse processo? Porque o processo
deixa de ser policial não é, e passa a ser um processo judiciário.

Fernando Coelho: Processo judiciário.

Socorro Ferraz: E a terceira questão é : essa Igreja da Teologia da Libertação de


Pernambuco, que relação ela tinha com os dominicanos? Se o padre Henrique tinha
alguma relação com os dominicanos.

Padre Ernanne: Bom, com relação à primeira pergunta Socorro. A Igreja como reagiu
a posição da justiça. Dom Helder foi chamado à Comissão Judiciária. Eu tenho aqui
comigo o texto e algumas coisas eu utilizei na minha reflexão, não é? E algumas
perguntas ele deixava na Comissão Judiciária e pedia que fosse integrado à peça do
processo. Essas perguntas que ele fazia agora, que a Igreja tivesse alguém da
comissão judiciária, Pedro, tem mais condições de responder do que eu. Porque
Pedro estava mais ligado.

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Pedro Eurico: A Arquidiocese, num primeiro momento, a Arquidiocese se manifesta


através das notas que você, inclusive leu aqui e demonstra esperança em relação ao
funcionamento da Comissão Judiciária, que, justiça se faça, tinha a presença de dois
homens absolutamente íntegros: O juiz Aluízio Xavier e o promotor Rorenildo da
Rocha Leão. Então a Arquidiocese e dom Lamartine acompanham a comissão
judiciária; durante todo tempo dom Lamartine acompanhou. E posteriormente a família
escolhe o escritório de Fernando Tasso e Jorge Tasso. E também a gente
acompanhando a Comissão Judiciária analisando o processo sumário crime, a gente
vê que eles tinham uma conduta bastante corajosa. Acontece que no final, esse
promotor José Ives, quando oferece a denúncia, aliás, na denúncia não, nas razões
finais, é de um vexame absoluto. E a Arquidiocese aí não tinha advogado diretamente
no caso, Ernanne. Até porque não poderia. Poderia acompanhar como Dom Lamartine
acompanhou, por fora. Porque não era parte. Era um processo criminal. Então a
família tinha como assistente de acusação Fernando Tasso e Jorge Tasso. Fernando
Tasso chega a ser esmurrado dentro da Comissão. Dentro do quartel da, do comando
da polícia militar pelo, por um dos acusados o Rogério Matos, não é? E posteriormente
ele faz uma, nas alegações finais dele, ele faz uma declaração absolutamente política.
É. É uma declaração política de pouco conteúdo jurídico temos que reconhecer
infelizmente admitir isso, mas ele faz uma denúncia muito forte contra a ação do
promotor da época. O que na realidade nós dissemos na ultima reunião que nós
fizemos. Uma das coisas que nós temos que ir analisar em algum momento,
especialmente Socorro, que vai redigir, que vai...vai aos finais dos trabalhos da
Comissão, é na ação, ação vergonhosa que o Ministério Público de Pernambuco teve
nesse caso de padre Henrique. Isso não poderá passar em branco. Não há
possibilidade, desse fato ser trazido ao conhecimento público numa avaliação não só
jurídica, mas também histórica. Isso oportunamente a gente vai trazer ao
conhecimento de todos. Inclusive porque foi a ação de um membro do ministério
público. Na época, o procurador geral, que ensejou aí ninguém sabe se de forma
proposital ou de forma desidiosa, mas ensejou, com o seu pronunciamento, ao
arquivamento do processo pela prescrição. Foi uma ação do Ministério Público.

Humberto Vieira: Lembrando que um dos principais acusados era membro do


Ministério Publico desde o início.

Pedro Eurico: Sim. Eu esqueci aqui que um dos principais acusados. O Doutor
Bartolomeu Gibson, que foi denunciado pelo próprio ministério Público no final. Ele
era promotor de justiça à disposição da Secretaria de Segurança Pública. Ele era
promotor de justiça publica e exercia a função de delegado de ordem política e social e
foi ele inclusive um dos principais acusados de ter sido um dos mandantes da morte
do padre Henrique.

Padre Ernanne: Ora, a terceira questão de Socorro é a relação com dominicanos.


Tanto no interrogatório que eu passei lá no Rio após o sequestro, como no espião que
me questionou por telefone, ele fizeram insistentemente essa pergunta da relação que
nós tínhamos com os dominicanos. De fato, não há. A Arquidiocese não tinha
nenhuma ligação com esses dominicanos. Esses dominicanos respectivos que foram
depois presos, não é? O Beto, o Ivo, o Fernando, não é? Esse mais novo, e o Tito, na
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SECRETARIA DA CASA CIVIL

Arquidiocese não tinha nenhuma ligação oficial. Agora a Arquidiocese no momento,


tinha uma equipe de dominicanos aqui no Morro da Conceição. Que era o frei Barruel,
o frei que era poeta, Luciano, parece...não é? E tinha outro que era operário. O Barruel
você conhecia..

Fernando Coelho: Morava no Morro. Era...

Padre Ernanne: Agora não me consta que eles tivessem influência e de que fossem
porta voz desses dominicanos de São Paulo. Não. Não tinha nenhuma ligação.

Socorro Ferraz: Eles estão vivos ainda?

Padre Ernanne: O Barruel está.

Socorro Ferraz: Eles estão vivos ainda?

Fernando Coelho: Parece que no Canadá...

Platéia: Ele era sociólogo aqui. Ele ficou muito tempo fazendo pesquisa. Ele era uma
pessoa muito preparada.

Padre Ernanne: Ele era sociólogo aqui. Ele era sociólogo da religião. Fez muita
pesquisa sobre prostituição.

Pedro Eurico: Ele tem livro publicado,não é?

Padre Ernanne: Sim, ele tem livro publicado.

Padre Ernanne. Mas não tinha ligação com esse grupo aí. Porque aqui, esse grupo,
quase todos tinham sido da ação católica. O Tito, o Ivo, e o Beto tinham sido da JEC
nacional.

Fernando Coelho: E o frei Josafá. Ele esteve aqui no Recife.

Padre Ernanne: Frei Josafá! Frei Carlos Josafá, ele saiu, foi logo exilado. Ele tem uma
influencia muito grande antes da ditadura com o Brasil urgente. Mas, ele saiu logo.
Saiu logo. No começo da ditadura ele saiu e foi... ficou como professor da
Universidade de Friburgo, na Suiça. Voltou agora, está com 95 anos em plena
atividade, faz inveja!

Socorro Ferraz: Eu agradeço as suas respostas. Muito obrigada.

Padre Ernanne. De nada, Socorro.

Fernando Coelho: Antes de encerrar os trabalhos, eu queria agradecer primeiramente


ao padre Ernanne pela exposição e, digo mais, até pessoal, que eu levarei a
Comissão. É de que nós possamos publicar esse depoimento escrito, antes mesmo
do relatório final. Acho que será útil não apenas para nós, mas para a sociedade em
geral, pelas informações que aqui trouxe. E queria agradecer também a todos os
presentes e pedir que continuem vindo as reuniões públicas da Comissão. O nosso
interesse é interagir permanentemente com a sociedade e esperamos sobretudo, que

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SECRETARIA DA CASA CIVIL

da colaboração também da sociedade, da colaboração que ainda não foi, vamos dizer,
oficialmente formalizada, nós possamos chegar aos resultados que todos esperam.
Muito obrigada a todos. Está encerrada a sessão. -----------------------------------------------

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