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UM BANQUETE COM OS TIPOS

(in SHARP, Daryl, Tipos de Personalidade)

1 - Nossa anfitriã preocupou-se em juntar este grupo. Fez os convites – elegantemente


escritos a mão, em lindos cartões – expressando sua alegria em receber esses queridos amigos.
É uma mulher encantadora, afetuosa e voluptuosa como um quadro de Renoir; uma
maravilhosa dona de casa, de mente aberta, amável e que gosta de conversar. É muito
atraente e hospitaleira; oferece ótimos pratos, lindamente preparados e apresentados. Sua
casa demonstra um extremo bom gosto. Uma vez que ela tende a repetir as opiniões de seu
marido e de seu pai, sua conversa não é particularmente emocionante. Algumas vezes, seus
pontos de vista são aqueles dos líderes religiosos ou de outras eminentes personalidades de
sua comunidade. Em todas as situações, ela os expressa com a maior convicção, como se tais
ideias lhe pertencessem. Ela não percebe que sua única contribuição real para essa noite –
além do jantar – é o tom emotivo que empresta às suas palavras. Ela casou-se com um
connaisseur – um esteta – que preza, sobretudo, uma vida discretamente luxuosa.

2 - Nosso anfitrião é um estudioso e colecionador de arte. Embora colecione livros e possua


um acervo significativo, ele não pesquisa profundamente o assunto. É alto, moreno e magro.
Ao contrário da tagarelice da esposa, mantém-se calado. Parece ter se protegido por detrás da
tagarelice da mulher. Ele não consegue entender sua dedicação a esses convidados, que o
obrigaram a abandonar seu belo e tranqüilo gabinete. No entanto, já havia sido combinado
que ela organizaria a vida social de ambos, e ele sabe, por longa experiência, que ela é mestre
na arte de receber. Ele cumprimenta seus convidados de maneira elegante, um tanto discreta,
e estende a mão delgada para uma advogada de renome que acaba de chegar. Na verdade, ele
despreza essa mulher. Ao cumprimentá-la, ele, por engano, diz “Até logo”. A anfitriã, que
percebe horrorizada esta gafe, tenta repará-la com uma dupla dose de amabilidade.

3 – A advogada é a primeira convidada a chegar. Muito preocupada com sua posição social, ela
jamais se perdoaria se chegasse atrasada. Tendo sido recentemente diplomada com louvor,
está no início de uma promissora carreira como advogada de defesa, e já conquistou certo
status como oradora. Seu raciocínio é acurado e sua lógica incontestável. Seus argumentos
baseiam-se em fatos comprovados, concretos, e ela é hostil a ideias especulativas. Ela é
cautelosa e confere grande importância aos dados objetivos. Também é muito prática e
organizada, tanto na vida pessoal como na profissional. Quanto aos seus verdadeiros
sentimentos, quase nada sabemos. Dizem que, possivelmente, se casará com o filho do patrão.

4 - Chegam dois novos convidados: um industrial e sua esposa. Ele demonstra bom senso, uma
ética de trabalho positiva, e uma natureza prática empreendedora. Sabe como se portar em
qualquer situação. Executivo, inteligente e competente, ele dirige uma verdadeira multidão de
funcionários e ainda encontra tempo para supervisionar cada detalhe. É realmente espantoso
observar o que ele faz, profissional e socialmente, no decurso de um só dia. Contudo, às vezes,
ele carece de uma visão mais ampla. Vive o presente com tamanha intensidade que não pode
prever as consequências de suas ações. Veste-se bem, mas falta-lhe requinte; é espalhafatoso
e desajeitado. Parece generoso mas também é opressivo. Durante o jantar, é guloso. Nenhum
de seus conhecidos compreende o que o mantém junto da esposa. Nem ele, que sabe apenas
que, no momento em que a encontrou, ficou fascinado, e que não poderia viver sem ela.

5 - Essa mulher, a esposa do industrial, é quieta e insondável. Seus olhos possuem uma
profundidade misteriosa. A poderosa influência que esta jovem exerce sobre o marido
constitui um inesgotável tema de conversas para a anfitriã, que adora analisar o
relacionamento dos outros. Pequena e frágil, essa mulher aparentemente nada faz para
provocar a espantosa dependência desse homem sério e insensível. Contudo, ele a segue com
o olhar, onde quer que ela vá, e tenta atrair sua atenção. Ele pede constantemente sua
opinião. Essa jovem tem uma verdadeira paixão em sua vida – a música. Para ela, a música
expressa, de um modo puro e ininterrupto, o mundo dos seus sentimentos. Na música, ela
encontra a perfeita harmonia, não contaminada pela realidade mundana, tão dissonante aos
seus ouvidos.

6 - Entrementes, chegou um novo convidado: um professor de medicina, especializado em


doença do sono. Ele é conhecido por suas palestras maçantes, bem como por suas novas
descobertas em seu campo de estudos. Mantém-se distante de seus alunos e detesta
compartilhar suas ideias. Tampouco seus pacientes lhe despertam algum interesse e são, para
ele, “casos” dos quais ele precisa a fim de prosseguir sua pesquisa. Sua caligrafia é bem miúda
e apresenta um modo peculiar de interligar as letras, legíveis apenas para ele próprio e para
seus assistentes. Ela dá a impressão de uma tecedura impenetrável. Certa vez, um aluno
desesperado disse: “isto não está escrito, está tricotado!” Jamais se viu o professor com sua
esposa. Eles nunca saem juntos e dizem que ela não tem nenhuma instrução e que já foi sua
faxineira.

7 - O último convidado chega apressado do aeroporto. É um engenheiro, radiante de novas


ideias e entusiasmado com suas futuras possibilidades. É provável que não as realize;
possivelmente, inspirará os outros a fazê-lo. À mesa, fala com entusiasmo a respeito de seus
novos planos de viagem, os quais, na opinião do anfitrião, parecem bastante ousados, e ele
engole a comida sem parar de falar sobre esses planos. Os outros convidados estão
visivelmente pouco à vontade junto desse jovem carismático. Ele parece não ter relação com o
mundo onde vivem, mas ao mesmo tempo suas ideias são intrigantes e atraentes.

8 - Um dos lugares à mesa está vago – o destinado ao jovem e pobre poeta, que nem
compareceu, nem se justificou pela ausência. Ele simplesmente se esqueceu do banquete. É
um jovem magro, com um belo rosto oval e olhos grandes e sonhadores. Esta noite ele está
totalmente concentrado em seu trabalho. Estimulado finalmente pelas dores cruciantes da
fome, ele foi ao modesto restaurante de costume. Visto que não tem noção de tempo e do
espaço, chega atrasado. (Antes de sair, levou bem uma meia hora para encontrar os óculos.) A
baixa qualidade da comida não o incomodou. Ele comeu sal refeição com ar distraído,
lançando vez por outra um olhar de relance no jornal, ao lado do prato.

Depois do jantar, ele fez um longo passeio sob o céu estrelado, percebendo, tarde demais, que
havia deixado o casaco no restaurante. Depois de caminhar por algum tempo, sentiu-se de
repente inspirado pra criar um poema – o que o deixou muito feliz. De súbito, lembrou-se que
fora convidado para o banquete. Mas já era muito tarde. Este equívoco, ou lapso, refletiu
exatamente seus sentimentos não reconhecidos. Ele pensa: “Enviarei meu poema à dona da
casa, a coisa mais valiosa que tenho.” Mas fará realmente isso, ou apenas cogitará a respeito?
E se o fizesse, será que a anfitriã entenderia? Esse pobre poeta, cômico e grotesco em sua falta
de visão e em seus constantes infortúnios – esse tolo, que foge dos encantos e conflitos da
sociedade – pode ter criado um problema de significação universal.

A conversa durante o jantar torna-se bastante animada. Discute-se a respeito de tudo: política,
teatro, processos judiciais que causaram sensação, livros e filmes. A advogada e o industrial se
envolvem num acirrado debate. O professor continua taciturno. As reuniões longas sempre o
deixam aborrecido e embaraçado, e ele não aprecia esses ambientes sofisticados. Ao final da
refeição, contra sua própria vontade ele, de repente, quebra o silêncio. Qual será o seu
assunto? Sua paixão – a doença do sono! Os outros convidados reagem de várias formas ao
discurso do professor, cada um levado por um motivo próprio. A advogada, como sempre, se
interessa por ideias notáveis ou instrutivos; o industrial está mais interessado na opinião do
professor a respeito da implementação prática de seu trabalho; o refinado anfitrião sente
náuseas ao ouvir a descrição da doença e sua digestão foi perturbada. Contudo, a reação mais
intensa é vivenciada pela anfitriã que, a princípio, tentou, sem sucesso, encaminhar o longo
monólogo do professor para uma outra direção. Por fim, incapaz de acompanhar a conversa,
ela desistiu. Não consegue entender o assunto e acha-o vagamente repugnante. Sua expressão
feliz esmoreceu, suas pálpebras estão pesadas e ela está terrivelmente entediada. Somente no
final da reunião, ao mostrar a casa e as crianças à esposa do industrial, é que ela consegue
recuperar sua natureza jovial e sua alegre disposição.

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