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Jun/1986 A RADICALIDADE DO AMOR

“Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus.”
(Lc 9, 62)

Uma pessoa que, evidentemente, devia ter sentido um chamado interior, se apresenta
a Jesus declarando-se pronta a segui-lo. Ao mesmo tempo, porém, coloca uma condição
aparentemente motivada pelas normas do bom comportamento e por sentimentos de piedade
filial: ir para casa, rever seus familiares e despedir-se deles.
Mas esta condição não agrada a Jesus, pelo contrário, é rejeitada por Ele, sendo
considerada sinal de pouca generosidade e até mesmo de falta de vocação para anunciar o
Reino, por isso afirma:

“Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus.”

À primeira vista esta resposta de Jesus não deixa de ser desconcertante. Mas para
entender exatamente o seu significado, é preciso colocá-la no contexto na qual foi
pronunciada.
Como explicam os exegetas, despedir-se dos familiares, na sociedade da época, não
significava apenas ir cumprimentá-los, mas deter-se longamente com eles, tratando dos
problemas da partida, enfrentando, entre outras, as intermináveis questões ou conflitos de
herança. Portanto, este retorno para casa podia esconder um certo apego aos bens e interesses
terrenos, ou mesmo uma preocupação excessiva em querer persuadir os familiares a aceitar a
nova escolha feita pelo interessado; ou ainda, podia indicar o perigo de misturar a escolha de
Jesus com certos apegos ou afeições humanas, deixando-se condicionar por elas.
Ora, para Jesus, esta é a atitude de quem não entendeu a absoluta novidade do Reino
trazido por ele sobre a Terra. E é justamente isto que denota a sua resposta. O seu Reino é
uma realidade tão grande e tão urgente que pede ao discípulo uma escolha decidida, que não
admite adiamentos nem compromissos, ainda que isso possa chocar os prudentes deste mundo
e dar a impressão de um comportamento exagerado, destituído de todo senso de medida e de
conveniências sociais. No entanto somente nesta base é possível colaborar com Jesus na
construção daquele mundo novo que ele deseja instaurar entre nós.

“Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus.”

Literalmente, esta frase de Jesus é dirigida a quem pretende segui-lo na pregação do


Evangelho.
Entretanto, uma vez compreendido o seu significado – que acabamos de explicar –
podia muito bem ser universalizada e aplicada à vida de cada fiel. Aliás, se no início o
“discípulo” era aquele que deixava tudo, também materialmente, para seguir Jesus no anúncio
do Reino, num segundo momento o discípulo passou a ser, de modo geral, aquele que segue
Jesus vivendo a sua palavra. Portanto, esta Palavra de Vida é dirigida a todos, indistintamente:
sacerdotes e leigos, pessoas consagradas e pessoas casadas ou que – de qualquer modo –
vivem no mundo, como os jovens, os velhos, os simples cidadãos, as pessoas engajadas na
vida política, etc.

“Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus.”

Esta palavra supõe que tenhamos entendido e experimentado ao menos um pouco, a


radical novidade e a extraordinária beleza da revolução do amor trazida por Jesus à Terra.
Jesus veio para construir um relacionamento totalmente novo entre as pessoas: entre
homens e mulheres, entre rapazes e moças, entre marido e mulher, entre pais e filhos,
professores e alunos, patrões e operários, dirigentes e subordinados, entre cidadãos e
governantes, entre raças, povos e Estados diferentes.
Jesus quer edificar uma nova ordem social baseada na justiça, no respeito e na
verdadeira fraternidade humana. Ele quer nos doar, como indivíduos e como coletividade, a
verdadeira paz, aquela paz divina que só ele pode oferecer.
Porém, para que isto aconteça, é preciso segui-lo, mesmo se à primeira vista nos
possa parecer exigente demais. Mesmo assim é necessário viver a sua palavra, cada um na
condição de vida para a qual foi chamado.

“Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus.”

Portanto, esta Palavra de Vida nos fala de radicalidade, de decisão. Esta é a resposta
que Jesus espera de nós.
Se entendermos a novidade e a beleza do Evangelho, não será difícil perceber que
nada lhe é mais contrário do que a indecisão, a preguiça espiritual, a pouca generosidade, a
falta de clareza, o compromisso, as meias medidas.
Todos estamos em busca de alguma coisa que nos realize plenamente. E, certamente,
muitos de nós estamos convencidos de que isto só pode vir de Jesus – somente ele possui as
verdadeiras soluções.
Mas aí surge a dificuldade, porque nós, ao mesmo tempo, queremos e não queremos.
Isto é, por um lado gostaríamos de amar a Jesus, mas por outro, gostaríamos também de poder
“negociar” com Ele, continuando de alguma forma com os nossos apegos, a nossa lentidão, a
nossa mediocridade... Gostaríamos de segui-Lo – é verdade – mas olhando de vez em quando
para trás, retornando sobre nossas pegadas, ou então agindo de modo a dar um passo para
frente e dois para trás...
Ora, Jesus não pode aceitar tal comportamento porque é exatamente o oposto daquela
clareza de princípios e daquela decisão da conta, que podem até parecer intransigência, mas
que constituem as condições indispensáveis para entrar n maravilhoso mundo de Jesus
merecendo a sua divina presença, a sua graça restauradora, a sua alegria inestimável, a sua
esplêndida luz, a sua força benéfica em nós e entre nós.
Chiara Lubich

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