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Organização do Espaço
Geografia
Organização do Espaço
2ª Edição
Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação
Aloizio Mercadante Oliva
Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes
FICHA TÉCNICA
© Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN.
Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educacão – MEC
Sumário
Apresentação Institucional 5
A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram
o desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como
modalidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais
seleto o acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN
está presente em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando
cursos de graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando
o Ensino Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o
conhecimento uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLETE
O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.
5
Despertando para
a leitura do espaço
Aula
1
Apresentação
V
ocê esta iniciando os estudos referentes à disciplina Organização do Espaço. Mas, o
que é esta disciplina? Qual sua importância para Geografia? Em que ela contribuirá
no processo de formação do professor? Muito bem, esta disciplina é fundamental
para a compreensão do espaço como objeto de estudo da Geografia. Por meio dela,
problematizaremos e discutiremos teorias, conceitos e categorias básicas para fundamentar
você na leitura espacial. Iniciamos a nossa trajetória abordando, nesta primeira aula, a
relação homem-natureza na perspectiva de introduzir as noções que embasam o espaço
como objeto de estudo geográfico.
Objetivos
Refletir sobre a relação homem-natureza na tessitura do
1 conhecimento geográfico.
O
homem, desde os tempos mais remotos, esteve vinculado à natureza. Ao fazer
tal afirmação, nos aproximamos, inicialmente, da condição primeira que coloca
o sujeito imerso e diante do mundo. Também de um homem que é induzido a
interpelar a natureza, utilizá-la e conhecê-la sem ter à disposição manuais de classificação
e caracterização, formas adequadas de utilização, fórmulas que descrevem propriedades e
combinações (Figura 1). E ainda de uma “geografia do concreto”, que analogicamente pode
se aproximar da idéia de “ciência concreta”, tratada por Claude Lèvi-Strauss, como uma
trama que faz parte da condição humana de viver.
Atividade 1
Após a leitura, exercite o que você aprendeu. Para isso, volte às atividades
que você realizou no início da aula. Em seguida, relacione o que considera
ter aproximação com o que a abordagem do conteúdo. A partir dessa
relação, elabore uma síntese do que é a “Geografia do Concreto”.
a) b)
Atividade 2
As duas imagens revelam a natureza em condições diferentes. Compare-as e
em seguida responda as questões a seguir.
O homem e o trabalho
transformando a natureza
A natureza transforma-se em ritmos distintos ao longo do tempo. O homem habita a
Terra há cerca de 160 milhões de anos, tendo alterado a fisionomia desse planeta de formas
diferenciadas. Tais alterações resultam da criação, incorporação, difusão e sofisticação dos
meios e instrumentos de extração e produção de riquezas responsáveis pela complexificação
das relações entre o homem e o espaço vivido.
Reelaborando o conhecimento...
Vamos pensar!
O que é o espaço geográfico?
Autoavaliação
Agora, é chegado o momento em que você deverá submeter o que aprendeu
a uma avaliação especial. É você consigo mesmo, mostrando para nós o
seu percurso de compreensão dos conteúdos conceituais, atitudinais e
procedimentais. Assim, reflita e sistematize sobre as questões a seguir.
c) A aula foi importante para aprofundar o que você já sabia? Que aspectos
você pode destacar?
d) Quais as dificuldades que você teve nesta aula? Que estratégias foram
utilizadas para superá-las?
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: HUCITEC, 1978.
Anotações
Aula
2
Apresentação
N
a aula passada, foi abordada a discussão do espaço geográfico a partir da relação
homem-natureza. Nesta aula, aprofundaremos a discussão, verticalizando a noção de
espaço geográfico a partir da inter-relação que se estabelece com o tempo. Assim,
a aula está dividida em duas partes que se articulam e se complementam. Na primeira,
estabelecemos um diálogo entre o espaço e as diversas faces do tempo; na segunda,
aproximamos as variáveis espaço e tempo a uma sociedade dada, ou seja, à sociedade
capitalista, mostrando a relação entre essência e aparência na leitura da ciência geográfica.
No enredo da aula, você será levado a refletir sobre o espaço geográfico a partir de sua
conexão com o tempo em uma sociedade específica.
Objetivos
Entender a definição de espaço como objeto de estudo
1 da ciência geográfica.
A afirmação de Milton Santos nos leva a querer entender melhor o espaço geográfico
a partir do diálogo que deve se estabelecer entre os elementos que interferem na sua
composição. Nesse diálogo, que sugerimos ser aberto e reflexivo, o tempo assume uma
posição central.
Vejamos, para responder a essa questão, algumas expressões em que esse termo
aparece.
Você deve ter percebido nas expressões que a palavra tempo foi empregada em uma
linguagem corrente, incorporando-se como uma variável do cotidiano. Na vida diária, há a
necessidade de localizar as ações, visões e procedimentos no tempo. Por meio dele, pode-se
enxergar os limites e as possibilidades dos fazeres e saberes dos homens.
A partir dessa atividade, você pôde perceber que o tempo não é só companheiro da
Geografia, mas está em diferentes campos de interpretação humana. Ele é uma variável que
transversaliza as variadas esferas de representação social.
Para exercitar o olhar, é necessário saber observar, caminhar, parar, registrar e perguntar:
O que vejo?
Como surgiu?
Por que existe?
Desde quando?
Quem o construiu?
A resposta a essas perguntas pode ser dada submetendo-se o que foi visto à variação
temporal, social e cultural.
Assim, veja: tomando uma realidade espacial qualquer, você pode ampliar as questões
anteriores interrogando:
Isto é novo?
Isto é velho?
Isto é atual?
Isto é natural?
Isto é artificial?
Para dar mais substância as nossas discussões, leia um trecho de Milton Santos (1986,
p. 10) a seguir.
Vamos submeter está frase a pergunta “por quê?” Para responder a essa pergunta,
é necessário considerarmos o que foi dito até agora e acrescentarmos à palavra tempo a
designação social. Assim, o tempo para a Geografia é uma construção social. O que nos
remete a condição de que no tecido espacial a ação humana institui-se como tempo social. O
que isso significa? Significa que quando nos referimos ao espaço estamos considerando o
registro de tempos em sucessões desiguais, que se acumulam em formas ou feições distintas.
Isso ocorre a partir de interesses, saberes, fazeres, técnicas, conhecimento e trabalho que
variam, fazendo coexistir feições fragmentadas de tempos distintos em ambientes também
distintos, porém complementares.
Henri Lefbvre nos ajuda a pensar sobre essa coexistência de tempo no espaço, ou no
espaço como uma memória ampliada do tempo. Leia a seguir o que ele afirma.
A afirmação do geógrafo nos sugere que há “uma cumplicidade” entre estrutura espacial
e estrutura social. Assim, o desenvolvimento social marca o desenvolvimento espacial, que
por sua vez, condiciona o próprio desenvolvimento social. Temos a forma espacial sendo
organizada em um movimento espiralado que se alimenta da dinâmica sócio-espacial que
une e separa, dialogicamente, homens e coisas.
Figura 4 – Espaço e sociedade: onde está o começo, será que tem fim?
Atividade 3
Faça você um exercício. Tome a sua cidade como forma espacial. Caminhe
por suas ruas, praças, bairros... Observe o que ela é. Registre as diferentes
imagens que você encontrou e monte um quadro, procurando aproximar
imagens do passado a imagens do presente. Encontre o que une e separa os
homens no tecido urbano visitado. Responda a questão: o que é a cidade em
termos sócio-espaciais?
Da aparência à essência
A cidade que você viu pode ser considerada uma forma espacial. O que você registrou
pode ser lido de maneira metafórica, a casca do ovo, o invólucro, o papel que embrulha
um presente. Ela constitui a primeira impressão sobre algo, podendo ser considerada a
aparência das coisas. É uma parte de um todo. Assim, no que vemos existe um conjunto de
elementos que não vemos e que são fundamentais para que aquilo que se vê possa existir. É
a incorporação ou incrustação de idéias, procedimentos, técnica, trabalho e meios utilizados
para a produção de um determinado objeto ou forma espacial. O que não se vê, mas que está
lá constitui a essência do que foi visto. É a outra parte da totalidade espacial.
[...] a mercadoria é concebida, em primeiro lugar, como uma coisa ou um objeto que
satisfaz uma necessidade qualquer do homem; em segundo lugar, como uma coisa
que se pode trocar por outra. A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso, isto
é, tem utilidade específica para o seu consumidor. Conseqüentemente, pode-se afirmar
que as mercadorias diferenciam-se umas das outras pelo seu valor, uma vez que a cada
necessidade específica corresponde uma mercadoria com características específicas. Por
sua vez o valor de troca (ou simplesmente valor) poderia ser caracterizado como sendo
a relação ou a proporção na troca de um certo número de valores de uso de uma espécie
contra um certo número de valores de uso de outra espécie. (CATANI, 1983, p. 22)
Para isso, é necessário termos claro que estamos tratando da organização espacial
em um contexto sócio-histórico, ou seja, a criação do espaço geográfico está atrelada ao
processo de produção social do tempo.
Para ampliar o nosso entendimento, vamos ler o que Milton Santos diz:
O mesmo exercício vale para o espaço geográfico. Quando olhamos, somos capazes
de identificar formas, contornos, sinais... Adentramos suas formas como se fossem portas
abertas para um universo complexo de informações, sentidos, simbologias, técnicas, idéias.
Sob um objeto fixo, subjaz um conjunto de informações que não aparecem de imediato e
que o põe em movimento, dando fluxo e vida a sua existência. O ato de criar espaço está
submetido às regras dialógicas que satisfazem as distintas maneiras de (dês) organização
de uma sociedade. Quando construímos uma casa, um bairro, uma cidade, é uma sociedade
que se revela em fragmentos.
Figura 8 – “Tá vendo aquele edifício, moço, ajudei a levantar...” (Lúcio Barbosa).
Autoavaliação
a) A partir do que você estudou e realizou ao longo desta aula, defina o que é o espaço
geográfico como objeto de estudo da Geografia.
c) Explique a situação criada por você utilizando os conhecimentos discutidos nesta aula
a respeito do espaço, do tempo e da sociedade.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica.
São Paulo: HUCITEC, 1978.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1996.
Anotações
Aula
3
Apresentação
E
sta aula é uma ampliação/aprofundamento das aulas anteriores. Trazemos para você
uma abordagem da organização espacial à luz dos desafios inter-trans-disciplinares.
Assim, trataremos do modo como se dá a relação entre objeto/problema/método
no seio da Geografia e as interfaces que se estabelecem com outras ciências e saberes,
de maneira a definir o caráter disciplinar e transdisciplinar que movimenta a produção
geográfica. Pretende-se destacar como os problemas espaciais podem ser compreendidos,
explicados e analisados no âmbito dessa ciência e quais as relações que estabelecem com
outros campos, demonstrando a complexidade que rege o conhecimento.
Bons estudos!
Objetivos
Compreender a relação objeto/problema/método na
1 Geografia e as interfaces com outras ciências.
C
oncluímos a aula anterior mostrando como o tempo passou a reger a vida das pessoas
enquanto células individuais, mas também como isso é importante para mover uma
determinada sociedade com características capitalistas. Você pôde ver como o
espaço geográfico participa desse enredo, sendo em alguns momentos o ator principal e,
em outros, coadjuvante.
Agora, você vai adentrar mais um pouco nesse enredo e perceberá que, a cada página
virada dessa história, há mais conexões a serem feitas. Não é só com o tempo histórico que
a Geografia dialoga, comunica-se também com um conjunto de disciplinas e/ou áreas do
conhecimento para compreender os problemas espaciais.
Antes, porém, vamos voltar um pouco à aula passada, retomando a interferência do
tempo, metrificando as ações humanas e como isso atravessa o dia-a-dia da sociedade.
Da aula passada para esta, muita coisa pode ter acontecido. Diariamente, quando você
se olha no espelho, pela manhã para fazer a barba, pentear o cabelo, fazer a maquiagem,
percebe que o tempo está passando, seja lá o que isso signifique. É uma pequena ruga que
não existia que agora insiste em aparecer, é um fio de cabelo branco que se apresenta em
meio a tantos louros, negros, ruivos. É uma foto amarelada que mostra, sem subterfúgios,
você e o movimento dos acontecimentos naquilo que chamamos de tempo.
Já havia elaborado a aula anterior quando me deparei com mais um conjunto
de reflexões a respeito do tempo, o qual achei importante trazer para você, visando
ampliarmos a discussão sobre o espaço geográfico. Você perceberá por que o homem,
ao querer compreender o seu deslocamento, os eventos ou acontecimentos que ocorrem,
sente necessidade de colocá-los em uma escala temporal. E mais, terá contato com alguns
pensadores do tempo, o que lhe permitirá verificar que este assume definições distintas, a
partir da área de atuação de cada um desses estudiosos.
Essa necessidade, talvez, resulte da falta de informação que o homem teve quando
emergiu na Terra. No entanto, a escassez de informações prévias foi compensada pelo
dispositivo da linguagem, indispensável para a comunicação, adaptação, reflexão, vivências
e sentidos. Assim, compreender a si mesmo passou a ser um exercício que supunha
conhecer o nascer e por do sol, os pontos que iluminam o céu, o desencontro do dia e da
noite na esfera terrestre, a diversidade de espécies e sua localização em áreas distintas, o
aparecimento e a extinção dos seres, a água, o ar, o frio, o calor, o mar, a floresta, a terra,
os minerais, os ventos, entre tantos outros. Esse cenário submeteu o homem a uma busca
incessante pelo conhecimento do seu habitat, impulsionando-o a uma reflexão que coloca
os elementos percebidos em um movimento de anterioridade, atualidade e posterioridade.
Dito de outra forma, o homem, observando o seu entorno, elabora uma interpretação que
diz sobre o que ver, mas não é só; quer saber de onde veio e procura registros anteriores. Não
contente ainda com o que sabe, quer saber como será e faz projeções. O mundo conhecido
deixa de ser uma experiência localizada ou enraizada em um ponto específico da Terra, para
navegar em ritmos e velocidades distintos. Tal condição requer desse próprio homem saber
encontrar as explicações que o satisfaçam, submetendo-as a escalas distintas. As alterações
encontradas no entorno, como, por exemplo, em uma planta que nasce, cresce e morre, são
vistas como uma distensão de algo que não é visto, mas que precisa ser compreendido para
se saber por que ocorre; é uma das suposições para se entender a existência do tempo. A
partir daí, criamos e alimentamos a tese de que o tempo passa, que as coisas se modificam
com o tempo.... O tempo passa a enredar as nossas ações cotidianas.
No texto a seguir, você vai ver situações que estão ancoradas nessa visão de tempo em
movimento.
Atividade 1
Mas, será que é o tempo que se movimenta? Ou são as coisas em seu
movimento que criam a sensação de que o tempo existe e perpassam todas as
coisas? O que você acha disso?
Tempo é dinheiro!
Sem passado e sem futuro, essa história oficial esvazia não apenas nossos pensamentos,
mas, principalmente, a própria idéia de História. Narrar a história de um povo a partir
apenas do tempo presente, tempo fragmentário, direcionado, “instante fugidio tido como
único tempo real” é negar a articulação de épocas e situações diferentes, o simultâneo, o
tempo da história e o pensamento do tempo. Ora, é essa articulação que permite diferenciar
Atividade 2
Será que o que você descreveu na atividade 1 tem alguma relação com
1 o que dizem esses pensadores do tempo? Mostre as semelhanças e
diferenças existentes.
Fonte: <www.masterfile.com>
Após as leituras e a realização das atividades, você deve estar se perguntando “por
quê?”; “por que será que o ser humano tem a necessidade de ritmar a vida no tempo?”. E
mais: “e o espaço geográfico, onde entra nisso tudo?”.
Vamos lá! O percurso que envolve o conhecimento é longo, pode ser cheio de atalhos,
mas na essência é um encontro. Assim, o espaço geográfico vai se cristalizando e se
transformando nas distintas formas do homem pensar e agir sobre a natureza, mediado
Figura 3 – Sertão
Será possível fazer uma leitura geográfica dessas imagens? A resposta é sim. Mas,
como proceder? É necessário, inicialmente, identificar um tema, que pode ser degradação
ambiental. Após a identificação do tema, é necessário perguntar: “por que isso acontece?”.
Ao fazer essa pergunta, você está procurando encontrar as causas que são responsáveis pela
ocorrência do fenômeno. A partir daí, você irá sentir-se estimulado a querer compreender,
explicar, analisar tais causas. Nesse item, começam a aparecer as dificuldades. É que não
há uma só explicação, um único caminho, uma única teoria... Na diversidade encontrada, o
leitor precisa tomar um caminho. Essa decisão só pertence a ele. Assim, ele tem diante de
si diversas opções, cujos resultados possibilitarão dar respostas próximas ao que foi visto.
A questão fundamental é: qual o caminho que permite uma maior aproximação com a
realidade?
Atividade 3
Observe mais atentamente as imagens e crie duas hipóteses capazes
1 de explicar “o que se apresenta na imagem”.
Parece que, quando se elege o problema e não a área de conhecimento, o que se revela
é sempre uma explicação de fronteira, ou seja, de transição entre uma coisa e outra. Ocorrem
mais simbioses do que cisões.
Essa condição é bastante exigente. Pense: você é um sujeito que está sendo formado
em Geografia e, por isso, há todo um caminho a ser seguido na direção do reconhecimento
do que é específico ou particular dessa área. Se for assim, o que fazer para encontrar a
natureza do espaço geográfico? Saber dialogar com as distintas áreas do saber, levando
para o seio do debate “as metamorfoses do espaço habitado” como sendo produto das
diversificadas formas do homem se relacionar com a natureza, criando formas espaciais
singulares. É do jogo das singularidades que emergem as sínteses esclarecedoras a respeito
dos fenômenos. O singular não é o que é próprio de um fenômeno, mas as distintas faces
que um mesmo fenômeno apresenta.
Dito de outra forma, é no seio da ciência que ocorre a especialização dos problemas
em físicos, geográficos, biológicos, antropológicos etc. Os problemas em si não têm uma
natureza específica, sendo, portanto, simultaneamente, físicos e humanos. A realidade dos
fenômenos obedece a uma lógica sistêmica complexa em que ocorrem movimentos de
autonomia e dependência, entre as partes e o todo. O relevo dado às partes pela ciência, a
partir do século XIX, resultou em uma hierarquização e seleção da realidade pelos diversos
ramos do saber. Por isso, cada ciência tem um objeto de estudo que representa o seu cartão
de acesso e reconhecimento no panteão da Ciência.
Meio
Ação Ação
1ª Natureza 2ª Natureza
humana humana
Transformado
Se sua resposta foi não, o esforço reflexivo fixou-se na fronteira geográfica, levando
você a querer interpretar o problema à luz dessa ciência especificamente.
Se você ficou entre o sim e o não e procurou encontrar o talvez, demonstra a abertura
para o diálogo com os demais ramos do conhecimento, sendo a Geografia, simultaneamente,
protagonista e coadjuvante nesse processo, que envolve faces e interfaces diversas.
Você está cada vez mais se enredando pelos meandros dos discursos e práticas
inter-trans-disciplinares.
Milton Santos
Na aula seguinte, você verá como essas noções auxiliares participam da produção do
conhecimento geográfico. Até lá!
Resumo
Nesta aula, foi discutida a relação entre objeto/problema/método/ciência em uma
perspectiva inter-trans-disciplinar, problematizando a necessidade de trabalhar
nessa direção, apontando, ao mesmo tempo, o desafio que se apresenta na
construção do conhecimento geográfico. Você estudou conceitos/noções do
que é o método, do papel do sujeito, das interfaces que se estabelecem na
produção do saber. De forma resumida, viu como a inter-trans-disciplinaridade
é concebida por Edgar Morin e Milton Santos, quando foi ressaltado o desejo
de ambos em produzir o conhecimento nessa perspectiva, como também as
diferenças entre os dois para se chegar a esse objetivo. Por fim, em toda a aula,
você foi chamado à reflexão e à sistematização do que foi aprendido, colocando
em prática a idéia de que é fazendo e refletindo sobre o que foi feito que se
realiza uma aprendizagem significativa.
Autoavaliação
A partir da leitura e das atividades realizadas, no decorrer desta aula, como você
1 define inter-trans-disciplinaridade?
MORIN, Edgar. O método IV: as idéias: a sua natureza, vida, habitat e organização. Portugal:
Publicações Europa América, 1991.
______. O desafio da complexidade. In: Edgar Morin. A religação dos saberes: um desafio
do século XXI. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 559-567.
NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
PARADOXOS do tempo. Revista Scientific American Brasil, São Paulo: Ediouro, n. 21,
[2007?]. Edição especial
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: HUCITEC, 1978.
SILVA, Franklin Leopoldo;. Bérgson, Proust. tensões do tempo. In: NOVAES, Adauto (Org.).
Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 141-153.
Anotações
Aula
4
Apresentação
N
as aulas anteriores, estudamos a relação homem/natureza e sua importância para a
emergência do meio geográfico. Além disso, discutimos um dos conceitos básicos
da Geografia: o de espaço geográfico.
Objetivos
Caracterizar o meio técnico-científico-informacional.
1
Apreender o significado do processo de globalização.
2
Entender a relação entre a Revolução Técnico-Científica
3 e a globalização.
Você sabia que, em 1950, um avião cumpria o percurso entre Londres (Inglaterra) e
Nova York (EUA) em 18 horas e que, desde 1976, os aviões supersônicos l (aqueles que
têm uma velocidade maior que a do som) levam apenas cerca de 3,5 horas para fazer essa
mesma rota? Você já observou quantas pessoas do seu convívio têm celular? E quantas
usam a internet, se comunicando com pessoas que estão em outros países e até em outros
continentes? Pois é, os meios de transporte e comunicação estão no centro de todas
essas modificações que nos dão a impressão de que o mundo ficou menor. O que será que
aconteceu no final do milênio?
As últimas décadas do século XX e o início do século XXI estão sendo marcados por
mudanças significativas que afetam a forma de pensar e de agir do homem. Tais mudanças
estão vinculadas ao nível de desenvolvimento científico-tecnológico, que influenciou as
relações sociais e ampliou os horizontes da criação, inovação e reinvenção do saber-fazer
humano, imprimindo um novo ritmo de vida, assinalado pela aceleração do tempo e pelo
encurtamento das distâncias. Analisando esse período, Santos (1994, p. 29) assim se
manifesta: “acelerações são momentos culminantes na História, como se abrigassem forças
concentradas, explodindo para criarem o novo”.
As referências dizem respeito à nova fase vivenciada pelo sistema capitalista e pela
sociedade moderna, do final da década de 1970 até os dias atuais, em que se destacam
a Revolução Técnico-Científica ou Terceira Revolução Industrial e a globalização. Tais
fenômenos são interligados e interdependentes, constituindo-se faces do processo de
mudanças econômicas, políticas e culturais que delinearam um novo padrão tecnológico e
um novo perfil social.
Primeira Revolução Industrial – Ocorreu entre a segunda metade do século XVIII até
meados do século XIX, sendo deflagrada a partir do Reino Unido, que, especialmente
a Inglaterra, assumiu a dianteira desse processo porque contava com equipamentos,
capital e estabilidade política. Nesta fase, em que predominou o uso da máquina e do
transporte a vapor, a fonte de energia básica foi o carvão; destacaram-se as indústrias
têxtil, naval e siderúrgica.
Será que essa revolução chegou ao meu município? Será que você faz parte desse
mundo da informática e das telecomunicações? Reflita sobre o que estudou, procure
identificar as características da Revolução Técnico-Científica e estabelecer em que ela se
diferencia das anteriores. Esta é uma paradinha necessária para você fazer as conexões entre
a referida revolução e o meio em que você vive, respondendo a questão: Quais as referências
dessa revolução no cotidiano do meu lugar?
Esse tema tem sido alvo de estudos de cientistas de diversas áreas, cujas leituras também
são bastante variadas. Produzindo uma visão esclarecedora desse momento histórico,
Castells (1999, p. 22) afirma que “uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da
informação está remodelando a base material da sociedade em ritmo acelerado.” Deriva de tal
processo uma nova sociedade, capitalista e informacional, embora apresente diferenciações
que dizem respeito às especificidades históricas e culturais existentes entre os países e a
relação que estes mantêm com o capitalismo global e a tecnologia informacional.
Para Santos (1993, p. 35), a referida fase, corresponde ao momento no qual se constitui,
sobre territórios cada vez mais vastos, o que identificou de meio técnico-científico, ou seja,
“o momento histórico no qual a construção ou reconstrução do espaço se dará com um
crescente conteúdo de ciência, de técnicas e de informação.” Considerando que os objetos
técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, porque já surgem como
informação, e tem como principal fonte de energia de seu funcionamento a informação,
o autor propõe que se utilize a definição de meio técnico-científico-informacional. Neste
cenário, a informação é considerada o vetor fundamental do processo social e os territórios
são devidamente equipados para facilitar a sua circulação (SANTOS, 2002, p. 239).
Atividade 2
Atividade 3
Isso demonstra que, a despeito do nome, a globalização está longe de ser global, posto
que a densidade da técnica, do capital e do conhecimento está altamente concentrada, em
termos geográficos, assim como os fluxos de investimentos e comerciais. Sendo assim, na
chamada “geografia das redes”, como pensar as relações entre o global e o local? Qual o
sentido de lugar no âmbito de uma sociedade globalizada?
Assim, embora a globalização tenha atingido uma escala planetária, aportada no discurso
da homogeneização e uniformização dos lugares, tornou-se evidente que esse processo
também produziu desigualdades e acentuou as diferenças. A despeito da universalização das
técnicas e do imperativo do meio técnico-científico informacional, na atualidade, não há um
espaço global, mas apenas espaços da globalização, ligados por redes. (SANTOS, 2002). São
estes os espaços que definem a dinâmica das relações entre o local e o global na atualidade.
Atividade 4
Resumo
Nesta aula, aprendemos que a sociedade do final do século XX e início do novo
milênio vivencia a Revolução Técnico-Científica, que produziu expressivos
avanços tecnológicos os quais remodelaram a forma de pensar e de se
comportar do homem atual, criando o meio técnico-científico-informacional.
Nesse contexto, surgiram as condições para a emergência do fenômeno da
globalização, que se traduz pela possibilidade de articulação e interdependência
entre países e povos do planeta. No âmbito desse fenômeno, desenvolve-se
uma dinâmica global-local, que se firma tanto na possibilidade da globalização
de se condensar em nível local, quanto na perspectiva de que o local pode se
projetar globalmente.
Autoavaliação
Elabore um texto analítico estabelecendo as relações entre o meio-técnico-
1 científico-informacional e a globalização e as perspectivas de articulação entre o
global e o local nesse contexto.
FELIPE, José Lacerda Alves. O local e o global no Rio Grande do Norte. In: VALENÇA, Márcio
Moraes; GOMES, Rita de Cássia Conceição (Org.). Globalização e desigualdade. Natal: A.
S. Editores, 2002.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de
janeiro: Record, 2000.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, espaço e razão. São Paulo: EDUSP, 2002.
SENE, Eustáquio de. Globalização e espaço geográfico. São Paulo: Contexto, 2003.
Aula
5
Apresentação
N
esta aula, vamos refletir sobre a paisagem como categoria de análise geográfica.
A abordagem está ancorada em reflexões que apresentam a trajetória desse conceito
no âmbito da ciência geográfica, mostrando as vertentes teórico-metodológicas
envolvidas. Assim, analisa a dialética presente na dinâmica do visível e do invisível compondo
a interpretação paisagística; discute a oposição entre paisagem natural x paisagem
transformada, problematizando essa questão e sua validade para se compreender a relação
homem/natureza no contexto das transformações espaciais contemporâneas; e, por fim, de
maneira a estimular a reflexão autônoma do aluno, sugere alguns temas de pesquisa que
podem ser desenvolvidos pelo aluno.
Objetivos
Compreender o conceito de paisagem a partir de
1 diferentes perspectivas teórico-metodológicas.
C
omo já dissemos, esta aula traz como tema a paisagem. Você já estudou a respeito
do espaço como objeto e conceito da ciência geográfica. Agora, vai adentrar pelos
meandros da Geografia, tendo inicialmente por guia a visão, o tato, a audição e o
olfato, possibilitando o encontro com as formas geográficas.
Todos os dias, ao sair de casa, você se depara com um conjunto de elementos que
facilitam, disciplinam ou impedem o seu trajeto. São ruas, pontes, semáforos, calçadas,
carros, pessoas, bicicletas, árvores, animais etc. que se impõem combinando-se ao seu
passo, a sua escuta, a sua visão e ao seu olfato.
Atividade 1
Assim, pare e pense sobre um trajeto feito diariamente e reflita como os seus sentidos
são acionados para fazer esse percurso.
Será que você consegue distinguir cheiros, sons, cores e texturas no compasso que o
seu pé é levado a ter ao colocar-se em contato com o espaço?
olhar aquilo que é mais familiar, como se estivesse diante de algo estranho;
revelar cores, odores, texturas e sons que, misturados, compõem a morfologia, guiando
o olhar a identificar, na homogeneidade da cena, a heterogeneidade das formas.
A casa materna, do poeta brasileiro Vinícius de Morais, faz surgir as imagens impressas
na memória da casa materna como se fosse um reservatório de lembranças e sentimentos que
permanecem e dão ritmo ao olhar que volta para encontrar, na forma, a vida que a faz pulsar.
Leia o texto e perceba como o poeta utiliza o jogo da descrição, trazendo à tona o detalhe.
A partir dos dois relatos, o ambiente se releva por meio do sujeito que olha, contempla,
sente, distancia-se e aproxima-se do cenário visto. Temos a experiência registrando o
encontro do homem com a fisionomia, levando-os a criar representações de sua superfície
como se fosse possível fazer cópias do mundo visto.
Você já estudou noções básicas de cartografia e sabe que o mapa é uma tentativa
nessa direção. Sabe também, estudando Introdução à Ciência Geográfica, que a Geografia
é herdeira da cartografia e das narrativas de viagem, de maneira que, mesmo estando
distantes séculos dessa tradição, ainda permanece como se fosse uma “marca genética”
no exercício do geógrafo a atenção aos signos do mundo, incrustados nas distintas formas
espaciais. Assim, na grade de comunicação com a semiótica do espaço, a paisagem é uma
representação que deve ser contemplada pelo sujeito. Nesse sentido, o indivíduo, de forma
intencional ou não, a representa como espaço do qual é preciso se afastar, ou em relação ao
qual é preciso se elevar para apreendê-la como imagem. Contemplar a paisagem se efetiva
em um prazer estético em que o olhar capta a “ordem do mundo que se faz visível”. Ou seja,
tudo se passa como se justamente fosse preciso não está ocupado com o trabalho para
estar em condições de apreender visualmente a paisagem como tal. Como se fosse
necessário colocar o mundo à distância ou, mais exatamente, colocar-se à distância
do espaço terrestre para percebê-lo em sua dimensão de paisagem. Como se não
houvesse paisagem a não ser na distância de um olhar por assim dizer exterior, se não
estrangeiro, um olhar que passa e julga (BESSE, 2006, p. 35).
1) a dimensão física e objetiva limitada aos elementos que estão na superfície e que podem
ser vistos pelo homem;
Atividade 2
Agora vamos refletir e praticar mais um pouco!
c) A partir da resolução das questões a) e b), das reflexões até então apresentadas e da
sua percepção, o que é paisagem?
Até o século XVI, não se conhecia a paisagem em uma dimensão estética, ou seja, como
uma imagem a ser refletida, contemplada e sentida. Ela estava imersa na noção de país ou na
fração de espaço identificado por território, ou ainda, em um lugar do ponto de vista de suas
características físicas, humanas e econômicas. Ao se confundir com base física do espaço, a
paisagem até então se aparentava com a materialidade revelada de imediato ao sujeito, que,
por sua vez, atrelava a feição à prática e ao uso da forma. Nessa perspectiva, a paisagem era
entendida como espaço objetivo da existência, mais territorial e geográfica do que estética. É,
somente, a partir do século XVII, com a pintura, que vai aparecer o valor estético da paisagem,
alimentando-se da imaginação e da contemplação. Com essa ampliação, o inventário das
imagens da Terra são ressignificados, trazendo à tona um vasto quadro que aparece a partir
dos caminhos feitos pelo olhar. Até o século XVIII, a percepção estava atrelada à pintura e
à arte e representava o sítio – lugar – visto. “Tomada pelo individuo, a paisagem é forma e
aparência. Seu verdadeiro conteúdo só se revela por meio das funções sociais que lhe são
constantemente atribuídas no desenrolar da história” (LUCHIARI, 2001, p. 13). Ou melhor,
Assim, a paisagem se define como sendo tudo aquilo que nós vemos, o que nossa
visão alcança. Pode ser circunscrita ao domínio do visível, daquilo que a nossa visão
consegue abarcar de um só lance. Não é formada somente de volumes, mas também de
cores, movimentos, odores, sons e texturas.
Nessa perspectiva, os limites da paisagem são dados pelo olhar e pela localização do
sujeito com relação à linha do horizonte. A paisagem assume escalas distintas aos nossos
olhos a partir do ponto em que nos encontramos. O que se revela está de acordo com a
capacidade de perceber, sentir, escutar e tocar. Na leitura da paisagem, os sentidos são
aguçados para ativar a percepção, por isso o aparelho cognitivo tem importância capital,
posto que regula e filtra a extensão das sensações para um campo representacional em que
interferem o capital cognitivo acumulado no processo de formação do sujeito.
No entanto, cabe destacar que, nesse período, a Ciência assume contornos distintos,
aprofundando o racionalismo como meio para se chegar a um conhecimento verdadeiro. Desta
feita, há que reduzir as interferências subjetivas provocada pelo olhar. E assim, ao assumir a
descrição e o olhar como meio de ascensão ao conhecimento, à ciência geográfica, ressalva-
se ser necessário contemplar, mas como o legítimo interesse de conhecer. Portanto, o olhar
não é despretensioso, mas erudito, alicerçado em teorias e procedimentos metodológicos.
Olhar, descrever, comparar e analisar constituem mecanismos de objetivação para
compreender a singularidade da Terra, revelada em suas múltiplas paisagens. A Geografia
toma a materialidade da paisagem como uma objetivação analítica que impede o sujeito da
ciência de se enganar. É dessa perspectiva que o viés positivista se instaura, alimentando
espíritos como Ratzel e La Blache.
No que diz respeito à visão dialética de Milton Santos, a percepção é “um processo
seletivo de apreensão da realidade. Se a realidade é apenas uma, cada pessoa a vê de forma
diferenciada; dessa forma, a visão pelo homem das coisas materiais é sempre deformada”
(SANTOS, 1994, p. 62). Assim, para esse teórico, a percepção é apenas o primeiro dispositivo
que nos permite ver a paisagem, não é conhecimento da mesma. O que o homem vê é
apenas sua forma e aparência, não distinguindo pelo olhar o que a constitui. A percepção
que estimula a visão representa apenas a entrada na análise que desvela o conteúdo. Para
adentrar seu significado, é necessário ultrapassar a forma vista, o seu aspecto visível, sendo
necessário ultrapassar a aparência para conhecer a sua essência ou gênese. É necessário, para
isso, compreender a dinâmica da produção de uma sociedade historicamente organizada. A
proposição de Milton Santos está apoiada em uma perspectiva dialética de leitura do espaço
em que a relação homem/natureza se dá pela mediação da técnica e do trabalho, ainda em
Santos (1994, p. 66), verifica-se que a noção de
paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos e substituições; a lógica
pela qual se fez um objeto no passado era a lógica da produção daquele momento.
Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades
diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos.
Dessa perspectiva, depreende-se que para além das sensações iniciais que mobilizam
o sujeito este deve tomar o distanciamento necessário para reconhecer na forma o
conteúdo, e desta maneira, conhecer a adentrar nos sistemas técnicos e sociais que movem
a transformação da natureza primeira em segunda Natureza. A paisagem geográfica é a
fisionomia que assume a segunda natureza, marcada pelas contradições sociais, econômicas
e culturais que moldam a sociedade capitalista.
A paisagem geográfica é a síntese primeira dessa condição. Por ela, entramos no espaço
geográfico, encontramos seus limites, conhecemos o mundo e a nós mesmos. A paisagem
aqui é designada como uma dimensão da sensação, da percepção, como uma orientação
no e sobre o mundo. Eric Dardel (apud BESSE, 2006) colocou o sentido da Geografia no
meio caminho entre o saber disciplinar e o eminentemente humano. Em suas indagações,
se pergunta “o que é habitar a Terra”? cuja resposta assume a dimensão originária da
existência humana. Para além de uma dimensão epistemológica e científica, o sentido da
Geografia está “na frequentação do mundo e na paixão pelo mundo, na sua densidade e
variedade fenomenal, ao mesmo tempo em que procura compreender-lhe as estruturas e os
movimentos” (BESSE, 2006, p. 82). Assim, a paisagem, nessa perspectiva, está atrelada ao
espaço vivido, sentido e percebido. A Geografia, ou de forma sinonímica, a paisagem não
procura revelar aos homens o sentido oculto dos lugares, mas ela procura
apreender como, no contato, com os lugares, as significações ‘pegam’, ou
como se diz que uma maionese ‘pega’, ou que uma forma nasce de repente,
num fenômeno de emergência que é a aparição inata de um sentido (BESSE,
2006, p. 89).
A paisagem é para Dardel expressão do encontro singular entre a Terra e o projeto
humano. Não há paisagem de sobrevôo. Olhar a paisagem é um movimento de intimidade
e de profundidade na relação de experimentação que vincula o homem à Terra. É por esse
vínculo que se revela a “geograficidade originária do ser humano, que é, para o espaço, o
par daquilo que a noção de historicidade representa para a relação do homem com o tempo”.
(BESSE, 2006, p. 93).
Atividade 3
Vamos praticar!
Compare as noções encontradas com as idéias postas até aqui nesta aula e apresente
três pontos semelhantes e três diferenças.
Assim, você deve ter percebido que a discussão da paisagem está enredada na trama
do visível e do invisível, sobre a qual se estabelece a lógica de explicação da sociedade. Tal
explicação decorre da combinação das técnicas e saberes culturalmente organizados. Assim,
o que vemos e sentimos é mediado por essa combinação.
Para compreender melhor o que está sendo dito, podemos perguntar: o que é a Terra?
Se tomarmos o conjunto de imagens de satélites que são feitos sobre o planeta, podemos
enxergar uma superfície marcada por grandes transformações, em que a técnica e ação
humana se apresentam como mestras.
Captada de longe, pelas lentes de câmeras em órbita, a Terra deixa entrever imensos
oceanos, imponentes cadeias de montanhas, vastas massas continentais. As imagens
noturnas revelam manchas luminosas e pontos de luz que correspondem às cidades,
às concentrações de poços de petróleo e até mesmo aos faróis de frotas de navio
pesqueiros (MAGNOLI, 2005, p. 13).
Assim, “as paisagens não existem a priori, como um dado da natureza, mas somente em
relação à sociedade. Em diferentes períodos históricos, o olhar lançado sobre o meio elege
e inventa paisagens em uma construção social que não cessa” (LUCHIARI, 2001, p. 20). Por
meio da habilidade humana, a natureza não se esgota, mas regenera-se, refaz-se, renova-
se. Esse processo está atrelado ao compromisso do sujeito com o entorno, reconhecendo
nele a sua própria existência. Desta feita, o sujeito, ao se colocar na paisagem, deve assumir
o compromisso ético e estético com a mesma. Essa perspectiva exige dele saber olhar,
se posicionar diante do que está sendo visto. Pense que na paisagem está a História e a
Geografia simultaneamente enlaçadas. Verifique que é possível ver as mazelas do mundo
com apenas um olhar. Assim, ver a paisagem é olhar a realidade em um grande espelho que
reflete diversas faces da própria humanidade.
Atividade 4
Vamos Praticar!
Veja as imagens:
A partir delas, o que você pensa da relação entre paisagem e ética? Reflita e escreva a
sua opinião.
Essas definições têm hoje valor apenas didático, não se constituindo um viés de
interpretação e análise das formas espaciais. Não se pode mais considerar uma fronteira material
entre o físico e o humano na leitura do espaço. A fisionomia do espaço assumiu uma feição em
que elementos da natureza se misturam ao humano criando feições espaciais heterogêneas. As
relações homem-natureza responsáveis pela trama paisagística combinam ritmos diferenciados,
distensões e próteses. O natural não é um dado do real, mas uma construção do real. É,
segundo Armando Corrêa da Silva (1993), um ponto de vista derivado da observação. Por isso,
“a natureza só se apresenta ao indivíduo, ao grupo por meio de um treinamento” (SILVA, 1993,
p. 42). E acrescenta: “então, não se trata de procurar o natural nos lugares ainda intocados pela
humanidade. O natural está presente na informática, na cibernética, na robótica, na telemática”
(Idem, ibdem). A paisagem não é única, mas revela o grau de bricolagem em que se encontra
a informação e a comunicação na relação homem-natureza.
A partir daí, é possível perceber que “o equilíbrio resultante dessas combinações não
têm nada de estável, que ele está à mercê de modificações cuja multiplicidade de fatores
abrem uma ampla margem” (LA BLACHE, 1985, p. 43). Os estudos geográficos sobrevivem
das transformações remanejadas no tempo, das misturas, dos resíduos que se incrustam nas
formas espaciais, resultantes da indissociável relação entre o homem e a natureza. Afirma
Vidal de La Blache (1985, p. 42) que “a obra do passado persiste através do presente como
matéria sobre a qual se exercem as forças atuais. A partir daí estamos em plena Geografia”. A
superfície da Terra é laboratório de múltiplos resíduos que, ao se combinarem, formam o meio
geográfico, exigindo do geógrafo o saber olhar. Para saber olhar, é necessário compreender
a priori esse laboratório marcado por relações de interdependência entre o movimento e a
inércia, a rugosidade e a transformação, o fluxo e o repouso, o real e o virtual, a convivência
e a barbárie, o símbolo e a matéria, superando as fronteiras pragmáticas e paradigmáticas
que estão fincadas nas estranhas de sua trajetória.
Resumo
Nesta aula, foi feita uma abordagem teórico-metodológica e prática da paisagem
como categoria da análise geográfica. Contextualizamos a reflexão em situações
de ensino-aprendizagem, a qual exigiu do aluno a leitura e a participação ativa
nas atividades. Assim, vimos que a paisagem é um conceito e uma prática de
análise do espaço, constituindo-se em um campo de reflexão e ação do sujeito.
A partir do que você observou, elabore um texto reflexivo em que seja feita uma descrição
e uma análise teórico-metodológica da paisagem como categoria de análise geográfica.
Referências
BESSE, Jean-Marc. Ver a terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia. São Paulo:
Perspectiva, 2006.
GOMES, Paulo César da Costa Gomes. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1996.
MORAES, Vinícius. Para viver um grande amor: crônicas e poemas. São Paulo: Companhia
das Letras, 1991.
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. 3. edição. São Paulo: HUCITEC, 1994.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1996.
Anotações
Aula
6
Apresentação
N
esta aula, você será levado a refletir sobre o conceito de lugar na ciência geográfica.
A abordagem está ancorada em reflexões que contextualizam essa noção a partir
de referências como localização, experiência e globalização. Dessa forma, discute-
se a relação entre a localização e o lugar; o lugar e a experiência tramando a identidade
e o pertencimento; a globalização e a definição do lugar e do não-lugar. Partindo dessas
relações, analisamos as diferenças e conexões que perpassam esse conceito, sintetizando
que na esfera do lugar se realiza o não-lugar, no processo de identificação se estabelece
a não-identificação, no sentimento de estranhamento pode emergir a familiaridade. É do
jogo da negação e da afirmação que se revela o sentido do espaço e do lugar no mundo
contemporâneo. De maneira sistemática, são sugeridos alguns exercícios para serem
realizados por você, de forma a estimular a reflexão teórica articulada à prática.
Objetivos
Compreender o conceito de lugar a partir de diferentes abordagens.
1
Analisar a relação entre localização, experiência e globalização na
2 definição de lugar.
Esta aula aborda a noção de lugar. Imagine um ponto, uma pedra, um quadro,
uma cadeira, uma casa, uma rua, uma cidade, um país, um continente, a
Terra. Todo esse enunciado contém lugares, mas será que todos os lugares
anunciados podem ser considerados geográficos?
Dê sua opinião.
No entanto, o espaço não se revela apenas por sua abordagem geométrica, mas
também pela dinâmica de sua organização social e articulação técnica. A noção de espaço,
conforme você já estudou, está ligada à concepção de tempo, assim como a de movimento
e, consequentemente, a de estrutura e processo. Dessa perspectiva, agrega-se à noção
de localização absoluta a de LOCALIZAÇÃO RELATIVA, a qual diz respeito à posição que
um lugar ocupa em relação a outras localidades, podendo ser expressa das mais variadas
maneiras (em tempo de percurso, em custo dos transportes, em freqüência de comunicação
etc.). (CRISTOFOLETTI, 1985, p. 84). De forma sintética, pode-se dizer que enquanto a
localização absoluta é fixa e constante, a relativa pode sofrer alterações com o tempo, de
acordo com as inovações técnicas, dos meios de comunicação e informação, fazendo com
que haja aproximação, encurtamento e intensificação dos contatos entre os lugares.
O espaço vai sendo revelado a partir da malha de informações que a ele se agrega,
configurando-se em lugares para morar, trabalhar, amar, casar, ter filhos... Enfim, os lugares
são pontos onde as múltiplas dimensões da vida (física, econômica, política, cultural) fincam
suas raízes. Essa condição atravessa o tempo e se institui como necessária à reprodução da
vida. Veja um exemplo que confirma essa afirmação.
Se você observar bem essa figura, deverá perceber que, independente da organização
social e do tempo histórico, o espaço vai se desenhando a partir de uma malha de pontos e
nós que permitem a sociedade fincar as matrizes materiais e simbólicas que as regem. Assim,
Vamos Praticar!
Atividade 1
a) Junto às pessoas mais velhas (na faixa de 60 anos), procure saber quais
eram os meios de comunicação que serviam para articular a sua cidade à
capital do Estado.
Leia o fragmento a seguir. Sinta o sertão nas palavras, navegue pelas veredas abertas
pelo texto. Pense qual é o sertão que está dentro de você.
Cada vivente tem o seu sertão. Para uns são as terras além do horizonte e para
outros o quintal perdido da infância. É o interior mais distante. As entranhas
da terra. [...]. É quando a gente dá as costas para o mar e se interna de terra
a dentro, vai deixando para trás o chão arenoso do litoral e passa a pisar o
terreno mais barrento do agreste. [...] Ali (sertão) os invernos são escassos
e irregulares [...]. Os matos como que tiveram de aprender a viver com pouca
água. São mais baixos, ralos, de folhas grossas e galhos contorcidos como
torturados e mais das vezes espinhentos. Desde as mais rasteiras touceiras
de xique-xique e macambira até as plantas de maior porte como a jurema, a
unha-de-gato, o juazeiro, a quixabeira e a favela. É que ali as plantas também se
defendem. Daí os vaqueiros envergarem encouramento para traquejar o gado Traquejar
na caatinga. Quando aparta o inverno as folhas amarelam e caem, deixando os Aqui está empregado no
galhos como garranchos nus implorando chuva. É o belo-horrível da caatinga sentido de correr atrás,
em dormência, paisagem de uma natureza morta. Mas logo nas primeiras perseguir.
Conforme Carlos (1996, p. 20) “o lugar é a porção do espaço apropriável para vida –
apropriada através do corpo – dos sentidos – dos passos de seus moradores, é o bairro,
a praça, é a rua [...]”. O lugar se estabelece a partir do plano do vivido, do conhecido e
reconhecido como parte de pertencimento do habitante em um espaço delimitado, que
aprofunda os laços entre habitante-lugar, habitante-habitante. Nesse sentido, nem todos
os espaços são lugares. Os lugares
São aqueles que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito ao seu cotidiano
e ao seu modo de vida, onde se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é, pelas formas
através das quais o homem se apropria e vão ganhando o significado dado pelo uso.
Trata-se de um espaço palpável – extensão exterior, o que é exterior a nós, no meio
do qual nos deslocamos. Nada também de espaços infinitos. [...] São as relações que
criam o sentido dos lugares... Isto porque o lugar só pode ser compreendido em suas
referências, que não são específicas de uma função ou de uma forma, mas produzidas
por um conjunto de sentidos, impressos pelo uso (CARLOS, 1996, p. 22).
O lugar se revela na prática imediata e cotidiana do indivíduo com o ambiente que lhe
está mais próximo. É a familiaridade que transforma o espaço em lugar habitado. O tempo
e a memória são responsáveis por assegurar uma feição identitária, a partir das camadas
de significações que se compactam, minimizando a força da razão e ampliando os canais de
comunicação subjetiva que enraíza o homem ao lugar. De forma sugestiva, pode-se pensar o
lugar como uma duplicação do mundo real, tramado nas teias da imaginação.
Nessa sentido, leia o que pensa Yi-fu-Tuan sobre a relação tempo e lugar.
Saber como tempo e lugar estão relacionados é um problema intrincado que requer
diferentes abordagens. Vamos explorar três delas: tempo como movimento ou fluxo,
e lugar como pausa na corrente temporal; afeição pelo lugar como uma função de
tempo, captada na frase: ‘leva tempo para se conhecer um lugar’; e lugar como tempo
tornado visível, ou lugar como lembrança de tempos passados. O lugar é um mundo
de significados organizados. É essencialmente um conceito estático. Se víssemos o
mundo como processo, em constante mudança, não seríamos capazes de desenvolver
um sentido de lugar. (TUAN, 1983, p. 198).
1. O tempo como movimento e fluxo; o lugar como parada – imagine que você tem uma
meta a ser cumprida e que para isso precisa percorrer um caminho. O movimento que será
feito para atingir o objetivo se constitui um ponto no tempo e no espaço. O lugar, nesta
perspectiva, aparece como acampamento ou uma parada no caminho para atingir o que se
vislumbra para o futuro. A construção do sentido de lugar pautada na experiência apresenta
a conotação de um ponto de parada, repouso, descanso em uma escalada de pretensões a
serem alcançadas. O lugar é passagem.
2. Afeição pelo lugar como uma função de tempo – uma das características do homem
moderno é o deslocamento, sem tempo para criar raízes. Sua experiência e apreciação do
lugar são sempre superficiais. Leva tempo para se afeiçoar a um lugar. Isso ocorre a partir
de uma mistura particular de vistas, cheiros, sons, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e
artificiais. “Sentir um lugar é registrado pelos nossos músculos e ossos”. A experiência com
o lugar pode ser intensa ou discreta, fugaz ou demorada, sofrida ou prazerosa; elas ocorrem
ao longo de toda uma vida, sendo percebida e sentida na dinâmica dessa trajetória. Destas,
resultam as distintas formas de afeição que o sujeito tem com o espaço. Assim, “A sensação de
tempo afeta a sensação de lugar”. À medida que se vive aumenta o peso do tempo, marcando
a experiência com o espaço. Pode-se perguntar: O que isso significa? Como se dá a relação
passado, presente e futuro tecendo o sentido do lugar? Muitas podem ser as respostas. Porém,
pode-se destacar que é necessário considerar a passagem do tempo relacionado ao ciclo da
vida humana. Dessa relação, emergem as distintas percepções e vivências com o lugar. Não
existe lugar, mas lugares que se revelam pelas múltiplas experiências que os indivíduos têm
com o meio, instituindo o processo de identificação do indivíduo com o espaço.
3. Lugar como tempo tornado visível, ou lugar como lembrança de tempos passados
– o lugar materializa a experiência por meio de um campo simbólico em que os “objetos
seguram o tempo”. O bairro, a rua, o bar, a escola, os amigos, a fotografia, o desenho, o
baralho, a baixela, a escrivaninha são partes que possibilitam reencontrar o lugar como
cenário que abarca a teia da identidade.
A literatura é uma boa companheira para nos ensinar mais sobre isso. Leia esse
fragmento de Marcel Proust, extraído do livro Em busca do tempo perdido.
A narrativa pode ensinar sobre distintos elementos que estão presentes na leitura do
lugar, quando escolhemos a percepção e a experiência como guias da interpretação do que ele
é. Dela, você pode extrair e refletir sobre diversos aspectos que estão implicados na noção de
lugar. No entanto, destacamos lugar e memória, lugar e experiência, lugar e afetividade como
relações que estão presentes na chama imprecisa da lembrança e que se revela a partir de
um gole de chá. O passado se recuperava, fazendo o indivíduo experimentar a busca de um
tempo perdido. Nesta, o lugar se desvela pela composição que mistura emblemas, formas,
imagens e sensações. A partir daí, o lugar, assim como Cambray, conquista a eternidade, e
como tal é imóvel, indissolúvel, matéria que cimenta a identidade que mesmo, parecendo
perdida, retorna numa memória involuntária despertada por um sabor, um gesto, um gole de
chá. A afeição ao lugar é tramada na teia complexa da identidade, de modo que muitas vezes
não se distingue se é o lugar que tece o indivíduo ou indivíduo que cria os lugares.
Vamos praticar!
Atividade 2
Você até agora viu duas perspectivas para se compreender o lugar: a primeira
pelo viés da localização geográfica de um ponto; a segunda como resultado da
experiência do indivíduo com o espaço.
Assim, vamos seguir a trilhar dos lugares procurando, agora, encontrar na identidade
a não-identidade, no lugar o não-lugar.
Vimos que o lugar pode ser um ponto ou uma construção que resulta de uma
experiência singular. Vamos submeter essas noções a um contexto sócio-espacial
específico que especialistas das mais diferentes áreas denominam de globalização. Você
já viu no início dessa disciplina o que é esse processo, como ele se caracteriza e quais as
implicações para a organização do espaço geográfico. Não vamos descrever mais esses
elementos, pois você já os tem disponível em aula anterior.
2. O lugar pode ser visto como um ponto, em uma rede de articulações múltiplas que
redefinem o sentido da identidade e da experiência?
Desta feita, é possível falar do lugar como um ponto, um nó em uma rede ampla de
experiências. Estas não se restringem ao universo das vivências individuais, mas são
organizadas no âmbito da sociedade que deseja, trabalha, produz e acumula riquezas.
Nesse contexto, o espaço é objeto e condição para a realização da sociedade. Ele pode
ser um obstáculo ou facilitador para as redes de trocas que alimentam os fluxos de
mercadorias, idéias e informações. Se o espaço é um sistema de objetos e um sistema
de ações, como afirma Milton Santos, o lugar é a combinação singular desses dois
sistemas. Cada lugar corresponde, em cada momento, a um conjunto de técnicas e
instrumentos de trabalho que se articulam, definido os níveis de inserção do espaço
local no espaço global.
A partir da tabela você pode ter, em parte, uma visualização do que estamos falando.
No processo de articulação do espaço global com o local, as diferenças aparecem, revelando
as múltiplas faces que conformam a realidade local. Para compreender melhor, consulte um
mapa mundi e identifique onde estão esses países. Veja que quase todos os continentes estão
representados, exceto o africano, mas que há uma desigualdade entre as nações quanto
aos fluxos de compra e venda de mercadorias. Essa situação diz respeito, justamente, à
diferenciação dos lugares quanto a sua capacidade de combinar tecnologia, informação e
consumo no processo de desenvolvimento local. Pode-se dizer que o lugar na globalização
unifica e diferencia o padrão técnico, científico, informacional e comunicacional, que rege o
planeta, reorganizando-se na esfera do lugar.
Veja mais algumas figuras que trazem outros exemplos de conexões diferenciadas do global
com o local. Muitas outras existem e podem ser organizadas no decorrer desse processo.
A superfície terrestre conectada por redes, por meio das quais circulam dinheiro,
pessoas, mercadorias, informações, constituem-se de nós que se distribuem desigualmente,
sendo mais densas ou menos densas de acordo as regiões. Assim, o lugar pode ser visto como
um ponto, um nó na cadeia de relações que se estabelecem entre os espaços. Essas relações
interferem na construção da experiência do sujeito com o espaço e, consequentemente, no
lugar como referência ou identidade. Quanto mais articulados os lugares, mais dinâmico
se torna o processo de diferenciação espacial. Ou seja, o aparato técnico-científico e
Para finalizar a nossa abordagem, você deve perceber que a noção de lugar pode ser
diferente a partir do elemento que está sendo levado em consideração para sua definição
(localização experiência, globalização). Mas, deve compreender também que na diferença se
revela a semelhança e é da localização que emerge o significado, o qual, por sua vez, enlaça
os nós das redes simbólicas e materiais, tecendo as vivências nos e dos lugares.
Resumo
Você viu nesta aula a importância que tem a noção de lugar para a ciência
geográfica. Foi abordada, nesse sentido, a localização, a experiência e a
globalização como elementos que interferem na definição desse conceito. O
lugar tratado no âmbito da localização assume a conotação de um ponto, seja
ele relacional ou absoluto; quando articulada, a esfera da experiência se amplia
assumindo a noção de espaço carregado de identidade e pertencimentos; se
referenciado no contexto da globalização, é um nó em uma rede de múltiplas
articulações, é um lugar e um não-lugar. Assim, nesta aula, você pode
compreender que a noção de lugar é diferente a partir do elemento que está
sendo levado em consideração para sua definição. Deve ter percebido também
que na diferença se revela a semelhança. É a partir da localização que emerge o
significado, o qual, por sua vez, enlaça os nós das redes simbólicas e materiais,
tecendo as vivências nos e dos lugares.
Volte ao início desta aula e releia a sua opinião sobre os objetos e os lugares
1 geográficos. Reflita sobre o que você escreveu e reescreva uma nova visão, agora
aportada no que você estudou sobre o conceito de lugar na ciência geográfica.
2 principal característica é atrair pessoas para viajar por cenários que misturam
formas naturais e formas propositadamente criada para tal fim. Pesquise sobre a
atividade turística no seu estado e identifique:
A partir desses dois pontos, analise essa atividade, vinculando as idéias de lugar e
não-lugar na era da globalização.
Escreva uma crônica sobre o seu lugar e socialize para os colegas através do
3 moodle, na página da disciplina Organização do Espaço.
Referências
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. São Paulo:
Papirus, 1994.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: HUCITEC, 1996.
DIDONÊ, Débora. Brasil antes do Brasil. Nova escola, São Paulo: Abril, Ano XXIII, n. 212, p.
42-49, maio 2008.
GOMES, Paulo César da Costa Gomes. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1996.
MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio. Geografia para o ensino médio: geografia geral
do Brasil. São Paulo: Scipione, 2007.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC,
1996.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.
Anotações
Aula
7
Apresentação
C
ontinuando a busca pela compreensão dos aportes conceituais da Geografia,
estudaremos, nesta aula, a noção de território. A trajetória de análise pretende
contemplar território e territorialidade sob diferentes perspectivas da Ciência,
enfatizando aquelas que se difundem no âmbito da Geografia. Priorizaremos, agora, o
enfoque materialista por meio das concepções naturalista, econômica e jurídico-política.
Para uma melhor compreensão do conceito de território, será necessário reler as aulas de
Introdução à Ciência Geográfica.
Objetivos
Entender o conceito de território nas perspectivas
materialistas.
1
Estabelecer a relação entre o conceito de território e o
processo de territorialidade nas abordagens estudadas.
2
Aplicar o conhecimento em situações-problemas,
Meios de comunicação
Ao assistir a televisão, diariamente, você deve ter acompanhado as notícias sobre a
invasão dos Estados Unidos ao Afeganistão, no ano de 2000, ou os conflitos que ocorrem nas
favelas do Rio de Janeiro, para ficarmos em apenas dois exemplos amplamente focalizados
pela mídia. Veja, então, que essas situações conflituosas se estabelecem em uma base
espacial geográfica que pode ser compreendida a partir da noção de território, na medida em
que envolvem uma disputa entre agentes/atores sociais que divergem e lutam pela posse,
domínio ou ocupação de uma fração do espaço.
Trabalho
Você é professor e está inserido no ambiente escolar. Muito bem, a escola também
pode ser vista pela ótica do território. Por exemplo, a atuação de cada um dos profissionais
envolvidos no processo de funcionamento é bem definida e demarcada, inclusive
Habitar
Se avançarmos um pouco mais em busca de referências vinculadas à noção de território,
certamente, iremos nos deparar com algumas situações emblemáticas que instigaram a
reflexão teórica e exigem novas formulações sobre o tema. Estamos falando de processos
que conduzem à perda e/ou à reconstrução de territórios. Por exemplo, a transferência de
populações citadinas para um outro local, em função da construção de barragens. No Rio
Grande do Norte, essa experiência foi vivida pelos moradores da cidade de São Rafael, em
1983, quando tiveram de deixar o seu ambiente de moradia devido à construção da Barragem
Armando Ribeiro Gonçalves no Vale do Açu. A antiga cidade foi inundada pelas águas e os
habitantes foram transferidos para uma nova cidade, construída especialmente para esse
fim. O exemplo revela que o antigo território urbano foi perdido, embora uma reconstrução
territorial tenha sido ensejada na nova São Rafael. Os desdobramentos de situações como
essas serão analisados adiante, porém, a intenção é alertar para as diferentes nuances nas
quais a questão do território pode emergir.
A sociedade em rede
Na atualidade, a discussão sobre território está associada ao contexto do meio técnico-
científico-informacional, ou seja, da sociedade em rede. Neste, a leitura dos processos
sócio-espaciais permite a discussão sobre a noção de território como unidade geográfica
fixa, colocando a coexistência de ações como uma teia das complexas relações que se
estabelecem, ampliando os horizontes de leitura e reconhecimento da existência das
modalidades espaciais que colocam em contato a realidade multifacetada da sociedade em
sua relação com o espaço. Nesse contexto, o território vai ser discutido na interface da
dinâmica social, que é capaz de articular, a partir de pontos distintos, relações de trocas,
sejam elas simbólicas, materiais, econômicas, políticas.... O território define-se a partir de
sua rede de interações, seus limites e fronteiras são estabelecidos de forma mais flexível, sua
compreensão torna-se mais complexa.
Foram citados alguns exemplos em que o termo território pode ser empregado.
Você é professor de Geografia, identifique um conteúdo em que o território
pode ser trabalhado como categoria de análise geográfica. Justifique como ele
é abordado.
Atividade 2
A partir de uma das definições de território, apresente e justifique um exemplo
que você considera estar a elas vinculado.
Território na perspectiva
do materialismo
a) As concepções naturalistas
Os fenômenos atuais, como os conflitos pelo domínio de recursos naturais, não deixam
dúvidas sobre a necessidade de articular natureza e sociedade, comportamento biológico
e social. Até mesmo na delimitação das chamadas reservas ecológicas, uma espécie de
território natural, em que são vedadas a intervenção e a mobilidade humanas em seu interior,
encontram-se imbricadas questões de ordem política, econômica e/ou cultural.
Atividade 3
Releia as aulas da disciplina Introdução à Ciência Geográfica, principalmente
as que se referem ao “determinismo geográfico”, e estabeleça relações com
o conceito de território que está sendo estudado. Reflita sobre a seguinte
questão: faz sentido, nos dias atuais, pensar o território como sendo definido a
partir do comportamento natural do homem, como se a territorialidade humana
fosse moldada por um comportamento instintivo ou biológico? Justifique
sua resposta.
Na atualidade, a maioria dos lugares encontra-se cada vez mais distante da noção
de território como fonte de recursos ou como simples apropriação da natureza, o que
não significa dizer que essas características estão superadas. É importante ressaltar que
dependendo das bases tecnológicas do grupo social, sua territorialidade pode remeter a
profundas ligações com a terra, no sentido físico do termo. Além disso, há áreas em que
a sociedade tem sua vida influenciada por fenômenos naturais (por exemplo, vulcanismos
e furacões) ou está submetida a um contínuo clima de tensão em função de problemas
ambientais que levam a uma crescente valorização dos recursos naturais e de seu controle
(por exemplo, Sahel africano e Bacia do Tigre e do Eufrates).
Importante
A obra de Milton Santos não se restringe a formulações de base econômica,
embora esta tenha prevalecido. O autor ampliou e complexificou suas
elaborações teóricas, fazendo associações entre territorialidade e cultura
e territorialidade e memória, desenhando um outro horizonte de leitura e
interpretação do território.
Atividade 4
Você deve acompanhar muitas notícias que dizem respeito à apropriação do
espaço geográfico por atores sociais distintos. Pesquise em jornais, revistas
e na Internet um fato que esteja relacionado a essa dinâmica. Descreva-o e
explique-o de acordo com a noção de território em sua acepção econômica.
Ratzel foi o elaborador do conceito de espaço vital como sendo o espaço ótimo para a
reprodução de um grupo social, considerados os recursos disponíveis que devem ter uma
relação de correspondência com as dimensões do agrupamento humano nele existente.
Dessa forma, é possível inferir que, em Ratzel, o território se define através do elo entre uma
dimensão natural (física) e uma dimensão política (que se confunde com o Estado). Essa
concepção aproxima-se daquela que valoriza a dimensão econômica e percebe o território
como fonte de recursos para a reprodução social, já que Ratzel usa a disponibilidade de
recursos como parâmetro para sua formulação conceitual.
Resumo
Nesta aula, o foco da reflexão foi a noção de território. Para isso, problematizamos
a polissemia desse conceito a partir da perspectiva materialista, quando
procuramos aproximar as teorias a noções de território em uma abordagem
geográfica. Assim, esta aula objetivou apresentar, discutir e problematizar
o território em uma perspectiva de construção conceitual, levando você a
compreender o cenário geográfico como uma organização que se revela pela
interface sociedade-natureza, delimitando fronteiras e limites espaciais.
Autoavaliação
Agora, demonstre o que você aprendeu sobre território segundo as perspectivas
materialistas. Construa uma síntese dos conceitos de território, levando em
consideração as distintas abordagens teóricas apresentadas nesta aula;
identifique e cite um exemplo que permita vinculação a estas.
SANTOS, M. et al. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A. A. de; SILVEIRA,
M. L. (Org.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: HUCITEC/ANPUR, 1994.
Aula
8
Apresentação
Na aula anterior, estudamos o território sob a perspectiva do materialismo. Dando
prosseguimento à análise, iremos nos deter nas perspectivas téorico-conceituais idealista,
integradora e relacional. Associadas a essas abordagens, trataremos da noção de territorialidade,
enfatizando as discussões que se realizam no campo da Geografia.
Objetivos
Entender o conceito de território nas perspectivas
1 idealista, integradora e relacional.
N
o âmbito dessa perspectiva, que remete a uma dimensão ideal ou à apropriação
simbólica do espaço, importantes contribuições derivam da Antropologia. Primeiro
antropólogo a empreender um estudo sistemático sobre territorialidade, Hall (1986)
defende que o território é considerado como um signo cujo significado somente é compreensível
a partir dos códigos culturais nos quais se inscreve.
Para os referidos autores (1996 apud HAESBAERT, 2004, p. 71), a lógica territorial
cartesiana moderna, baseada na cartografia dos Estados-nações, está sendo suplantada
pela lógica culturalista. Essa lógica pós-moderna não pode ser medida pela geometria nem
representada pela cartografia, posto que nessa perspectiva o pertencimento ao território implica
o território não diz respeito apenas à função ou ao ter, mas ao ser. Esquecer este princípio
espiritual e não material é se sujeitar a não compreender a violência trágica de muitas
lutas e conflitos que afetam o mundo de hoje: perder seu território é desaparecer”
(BONNEMAISON; CAMBRÉZY, 1996, p. 13-14 apud HAESBAERT, 2004 p. 72-73).
Diante desse quadro, a leitura do território aponta para dois caminhos: admitir vários tipos
de territórios que coexistiriam no mundo contemporâneo (territórios políticos, econômicos,
culturais, cada um com uma dinâmica própria) ou trabalhar com a idéia de construirmos o
território, se não de forma total, pelo menos de forma articulada, integrada.
No cenário atual, é possível afirmar que a experiência integradora do espaço (mas nunca
total, como na antiga conjugação entre espaço econômico, político e cultural, contíguo e
relativamente bem delimitado) somente ocorrerá se estivermos articulados em rede, através
de múltiplas escalas. Assim, o território institui-se também no âmbito da rede que conecta
diferentes pontos e lugares, de modo que, hoje, prevalecem os territórios-rede.
Atividade 2
Aportado nas proposições de Michel Foucault (1979), que concebe o poder não como um
objeto ou coisa, mas como uma relação, estando o mesmo em toda parte (não há um centro unitário
de onde emana, como o Estado), Raffestin (1993, p. 60) formula um conceito de território como
sendo a prisão que os homens constroem para si, ou melhor, o espaço socialmente apropriado,
produzido, dotado de significado. Neste, a idéia de controle do espaço se traduz no termo prisão.
Elaborando uma noção de poder bastante ampla, que comporta a natureza econômica e simbólica,
Raffestin afirma que “o ideal do poder é jogar exclusivamente com símbolos”.
os dias atuais, é reconhecível a força do poder simbólico, o qual, muitas vezes, confunde
realidade e representação, de tal forma que o próprio território passa a ser “visto” mais pelas
imagens dele produzidas do que pela realidade material-concreta que nele construímos.
Na visão de Sack, a territorialidade é uma base de poder, mas não se define pelo instinto e
nem está associada à agressividade. Outrossim, nem toda relação de poder é territorial ou inclui
territorialidade. Em sua concepção, a territorialidade corresponde “a tentativa, por um indivíduo
ou grupo, de atingir/afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos,
pela delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica”, chamada de território
(SACK, 1986, p. 265). Contrariando a visão tradicional de território como algo estático, o
autor reconhece que a territorialidade pode ser ativada ou desativada, apresentando relativa
flexibilidade, constituindo-se num recurso estratégico que pode ser mobilizado de acordo com
o grupo social e seu contexto histórico e geográfico.
Apesar da ênfase no território como instrumento concreto de poder, Sack não ignora
sua dimensão simbólica e o papel da cultura na definição da territorialidade. Para ele, assim
como a cultura e a história mediam a mudança econômica, também intervêm no modo como
as pessoas e os lugares estão ligados, como usam a territorialidade e valorizam a terra.
Dessa forma, tendo como base a distinção entre domínio e apropriação do espaço
formulada por Lefebvre (1986), Haesbaert (1997, p. 42) propõe que o conceito de território
envolva, simultaneamente, “uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade
territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de ‘controle simbólico’ sobre o espaço
onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais
concreta, de caráter político-disciplinar [e político-econômico, deveríamos acrescentar]: a
apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.”
Atividade 3
a) Sintetize o conceito de território, segundo a visão relacional.
Auto-avaliação
Agora que você já estudou as diferentes concepções de território:
c) escolha uma situação concreta que, no seu entendimento, serve de exemplo para um
dos conceitos de território, segundo as concepções estudadas.
Referências
BONNEMAISON, J.; CAMBRÉZY, L. Le lien territoiral: entre frontières et identités. Geographies
et cultures, Paris: L.’Harmattan, n. 20, 1996.
______. Repères pours une théorie de la territorialité humaine. In: DUPUY, G. Reseaux
territoriaus. Caen: Paradigme, 1988.
SACK, R. Human territoriality: its theory and history. Cambridge: Cambridge University
Press, 1986.
Anotações
Aula
9
Apresentação
Nas aulas anteriores, estudamos as diferentes perspectivas de abordagens sobre
território. Daremos prosseguimento às análises sobre território a partir de novas leituras
referentes aos processos sócio-espaciais contemporâneos, os quais envolvem as noções de
desterritorialização, reterritorialização e multiterritorialidade.
Objetivos
Compreender o significado dos termos desterritorialização,
1 reterritorialização e multiterritorialidade e suas conexões
com os processos sócio-espaciais contemporâneos.
A
compreensão do que iremos estudar requisita uma releitura das aulas anteriores, que
tratam do fenômeno da globalização e do conceito de território. Será interessante
também buscar outras fontes de leitura que ampliem o entendimento sobre esses
temas. Que tal consultar as referências bibliográficas e procurar ler os livros ali relacionados?
O tema desta aula está vinculado ao contexto da globalização e tem como matriz conceitual
o território sob diferentes acepções. Iremos tratar de processos espaciais que se configuraram
no contexto da sociedade em rede e que envolvem questões atinentes à dimensão espacial e
à territorialização enquanto componentes indissociáveis da condição humana. Dessa forma,
como falar em desterritorialização, tendo em vista que não há como definir o indivíduo
ou a sociedade sem inseri-los num determinado contexto geográfico, territorial? Afinal, o
que significa esse processo? A partir desses questionamentos, outros se impõem: qual o
sentido de reterritorialização e em que contexto se tem a sua ocorrência? Por que falar em
multiterritorialidade?
A configuração desse quadro de análise exige que a Geografia proceda a uma reavaliação
de seus conceitos básicos, inclusive o de território (considerado, hoje, o mais difundido
dessa ciência), e seja mais rigorosa na definição e utilização dos mesmos, tendo em vista as
ambigüidades e o caráter metafórico com que têm sido abordados em outras áreas. A maioria
dos trabalhos que focaliza o território não o faz pela ótica da sua relevância para a compreensão
do mundo atual, mas pelo prisma de sua destruição, ou seja, pelo viés da desterritorialização.
Todavia, reflexões construídas por Haesbaert (2004, p. 31) apontam três questões básicas
sobre os discursos e a prática da desterritorialização:
de modo geral, não há uma definição clara de território nos debates que focalizam a
desterritorialização; o território ora aparece como algo dado, ora é definido de forma
negativa a partir do que ele não é;
Não se pode perder de vista que a sociedade reinventa o território em nível político, sendo
imprescindível teorizar criticamente as territorialidades polimorfas produzidas na contemporaneidade
e não reduzi-las a dramas singulares de territorialização resistente ou de desterritorialização. Porém,
é necessário acrescentar o que se denomina política de identidade para compreender a significância
dos fluxos, das redes, teias e formações identitárias no contexto atual.
O sociólogo mexicano Nestor Canclini é um dos nomes que mais tem abordado a questão
da desterritorialização de um ponto de vista cultural. Segundo ele, as mudanças socioculturais
contemporâneas estão aportadas, principalmente, em dois processos: a reformulação dos
padrões de assentamentos e convivência urbanos, desvinculando local de moradia e de trabalho
e a redefinição do senso de pertencimentos e de identidade, que deixa as lealdades locais e
nacionais pelas comunidades transnacionais ou desterritorializadas de consumidores (por
exemplo, os jovens em torno do rock). O resultado é a desterritorialização cultural.
De acordo com Canclini (1995, p. 28-29), a novidade é que, na segunda metade do século
XX, as modalidades audiovisuais e massivas de organização da cultura foram subordinadas
a critérios empresariais de lucro, assim como a um ordenamento global que desterritorializa
seus conteúdos e suas formas de consumo. Essa desterritorialização vinculada à padronização
mercantil das formas de consumo envolve também a passagem de um mundo de identidades
modernas, territoriais e quase sempre monolíngüísticas, para um mundo de identidades pós-
modernas, transterritoriais e multilingüísticas.
Atividade 3
De acordo com Haesbaert (2004, p. 343), as condições para sua realização incluíram
a maior diversidade territorial, uma grande disponibilidade de e/ou acessibilidade a redes e
conexões, a natureza rizomática ou menos centralizada dessas redes e, antecedendo a tudo
isso, a situação socioeconômica, a liberdade e, parcialmente, a abertura cultural para usufruir
e/ou construir essa multiterritorialidade.
Resumo
Nesta aula, tratamos a respeito do território sob a ótica da desterritorialização,
reterritorialização e multiterritorialidade. Analisamos as diferentes perspectivas
de desterritorialização (econômica, política e cultural), a relação entre
desterritorialização e reterritorialização e o sentido de multiterritorialidade,
típico da sociedade contemporânea.
Referências
CANCLINI, N. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1995.
NEWMAN, D. Geopolitics renaissant: territory, sovereignty and the world political map.
Geopolitics, v. 3, n 1, 1998.
Aula
10
Apresentação
A
caminhada pelos meandros da Geografia tem nos levado à compreensão dos conceitos
básicos dessa ciência: espaço, território, paisagem e lugar. Agora, nossa atenção
estará voltada para o estudo dos conceitos de região e regionalismo. Tal investida será
desenvolvida em duas aulas, nas quais iremos analisar as diferentes abordagens conceituais
relativas à região, tendo como referências os paradigmas do Determinismo Ambiental, do
Possibilismo, da Nova Geografia e as novas tendências que se configuraram a partir da
década de 1970, vinculadas à Geografia Crítica e à Geografia Humanista e Cultural. Associada
à discussão sobre região, será tratada a noção de regionalismo. Esta primeira aula sobre o
conceito de região no pensamento geográfico está ancorada nas perspectivas do Determinismo
Geográfico e do Possibilismo, ou seja, nos paradigmas que constituíram a chamada Geografia
Clássica ou Tradicional. Para consolidar seus conhecimentos, será interessante revisar as aulas
de Introdução à Ciência Geográfica, nas quais você estudou as bases do pensamento geográfico.
Objetivos
Compreender o contexto político em que emergem os
1 paradigmas determinista e possibilista.
P
ara início de conversa, vamos exercitar seus conhecimentos sobre Geografia? Então,
responda: em qual continente está localizado o Brasil? Nesse continente, qual o
subcontinente (ou região) em que o Brasil se localiza? Qual a região do Brasil em que
se situa o seu estado? Sabendo que os estados brasileiros estão divididos em mesorregiões
e microrregiões, qual a localização do seu município? Se você respondeu a todas as questões
sem consulta, parabéns! Mas, se você não conseguiu, pesquise em livros, Internet ou outras
fontes e adquira essas informações. É importante saber sobre o espaço onde moramos para
compreender o seu universo de relações.
De fato, alguns esclarecimentos são necessários para fazermos uma travessia segura e
tranqüila pelo universo conceitual que estamos nos propondo a desbravar.
Etimologicamente, região deriva do latim regere, palavra composta pelo radical reg, que
deu origem a vocábulos como regência, regra, regente etc. No Império Romano, designava-se
de regione as áreas que, apesar de terem uma administração local, estavam subordinadas às
regras gerais e hegemônicas das magistraturas sediadas em Roma. No período de formação
dos Estados-Modernos na Europa, recoloca-se a questão regional, ou seja, rediscute-se a
relação entre a centralização, a uniformização administrativa e a diversidade espacial – física,
econômica, cultural e política – sobre a qual esse poder centralizado deve ser exercido (GOMES,
1995, p. 50/52). Esse também foi o momento em que a Geografia começou a se firmar como
um campo disciplinar específico, conforme você já estudou na disciplina Introdução à Ciência
Geográfica.
Teoricamente, a região tem sido pensada sob diversos aspectos a partir de diferentes
paradigmas geográficos. Essa perspectiva não invalida a abordagem regional, porém, a torna
mais complexa, de forma que os diversos conceitos de região podem ser utilizados como
meios para se conhecer a realidade, ou seja, como chaves de leitura que permitem desvendar
as formações sócio-espaciais.
Atividade 1
De que se constitui a essência da noção de região?
1
Utilizando o mapa político do seu estado, identifique e relacione a
2 mesorregião onde está situado o seu município e as microrregiões
geográficas que ela abrange, conforme definição do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
as regiões são o suporte e a condição de relações globais que de outra forma não se
realizariam. Agora, exatamente, é que não se pode deixar de considerar a região, ainda
que a reconheçamos, como um espaço de conveniência e mesmo que a chamemos por
outro nome.
Atividade 2
Se a noção de região está vinculada à diferenciação de áreas, qual a pertinência
das abordagens regionais em tempos de globalização?
Esse tópico introdutório da aula sobre região constitui um ponto de partida para as novas
investidas. O que vislumbraremos adiante? O estudo da região tendo como fio condutor a
evolução do pensamento geográfico. Portanto, sinal verde! Avançar...
Tendo como ponto de partida a emergência da Geografia como ciência, caminhemos para
um encontro com os paradigmas geográficos na perspectiva de identificarmos o contexto em
que emergem os pressupostos teóricos nos quais se fundamentam e os conceitos de região
que formulam.
Região natural e
Determinismo Geográfico
Revisitando os conteúdos estudados na disciplina Introdução à Ciência Geográfica, iremos
encontrar informações sobre a emergência da Geografia como uma disciplina acadêmica, no
final do século XIX. Esse momento é marcado pela ocorrência de dois importantes processos:
a passagem do capitalismo concorrencial para uma fase monopolista e imperialista e a
fragmentação do saber universal em várias disciplinas.
Aportados nas idéias naturalistas, os geógrafos deterministas afirmavam que o meio tinha
uma influência determinante na vida do homem. Dessa forma, defendiam o pressuposto de que
Atividade 3
Analise os fundamentos do paradigma do Determinismo Geográfico.
Atividade 4
Descreva, a partir de sua interpretação, a concepção de região
1 derivada do paradigma determinista.
Atividade 5
Analise a relação entre o Determinismo Geográfico e o discurso sobre o
subdesenvolvimento da região Nordeste do Brasil, justificando a quem serve
tal discurso.
A Escola Francesa de Geografia teve como principal expoente Paul Vidal de La Blache
(1845-1918), cujas teorias motivaram um retorno às análises físico-humanas, conduziram ao
estudo das relações e enfatizaram a importância da história para as abordagens geográficas.
Nesse sentido, sua contribuição foi decisiva para a formulação do conceito de região na
Geografia Possibilista.
Tendo por base o conceito de região natural, introduzido no Brasil, via influência francesa,
por Delgado de Carvalho em 1913, o território brasileiro foi dividido em cinco grandes regiões
naturais: Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro-Oeste. Denotando a influência da Geografia
regional francesa, as grandes regiões definidas pelos caracteres naturais foram subdivididas
em zonas fisiográficas que, a despeito do nome, eram caracterizadas por elementos de ordem
humana, ou seja, socioeconômicos. Essa divisão regional foi a única oficialmente adotada pelo
governo brasileiro para ser usada pelos diferentes setores da gestão pública. Decorre desse
reconhecimento oficial o fato de que as zonas fisiográficas serviram de matriz territorial para
a sistematização e divulgação dos resultados dos censos de 1950 e 1960. Tal regionalização
perdurou até 1968, quando foi substituída por uma nova divisão regional.
LEGENDA MG
ES
NORTE SP
NORDESTE RJ
PR
LESTE SC
CENTRO - OESTE RS
SUL
Atividade 7
O pensamento lablacheano foi importante para a produção geográfica.
1 Em que se baseavam as suas teorias?
Autoavaliação
Considerando os paradigmas do Determinismo Geográfico e do Possibilismo,
1 analise o diferencial existente entre os seus pressupostos teóricos.
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1990.
GOMES, Paulo César da Costa. A região e sua discussão. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES,
Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Geografia: conceitos e temas. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, espaço e razão. São Paulo: EDUSP, 2002.
Aula
11
Apresentação
N
esta segunda aula sobre o tema região, o foco das análises continuará a ser
as formulações conceituais e o regionalismo. Estudaremos os conceitos de
região oriundos do paradigma da Nova Geografia e das novas tendências, que
se configuraram a partir da década de 1970, vinculadas à Geografia Crítica e à Geografia
Humanística e Cultural. Na seqüência, será abordada a noção de regionalismo.
Objetivos
Identificar os marcos históricos do contexto de
1 emergência do processo de renovação da Geografia.
A
história do pensamento geográfico revela que a região sempre foi uma discussão
pertinente ao campo da Ciência Geográfica. Na aula anterior, estudamos os conceitos
de região elaborados no âmbito dos paradigmas do Determinismo Geográfico e do
Possibilismo, respectivamente, região natural e região geográfica. Nesta aula, a travessia
pelas correntes do pensamento formuladas no século XX ratifica a premissa de que “um
conhecimento científico é o resultado, em um determinado momento do tempo, da relação
entre o estágio de desenvolvimento teórico sobre o objeto e o grau de conhecimento sobre
esse objeto” (BEZZI, 2004, p. 104). Assim, as mudanças paradigmáticas são acompanhadas
de reformulações e novas formulações conceituais que contribuem para o entendimento das
características espaciais de uma dada sociedade. É nesse cenário que emergem as noções
de região vinculadas à Nova Geografia e às correntes que se firmaram a partir de 1970.
A tessitura de revisão crítica na ciência não significa a destruição do que existe, mas
acena para a produção e incorporação de novas idéias, referendando a tese de que a elaboração
do conhecimento é um processo histórico de interpretação da realidade. Nesse sentido, as
transformações ocorridas no espaço, via expansão do capitalismo, passaram a exigir da Geografia
um maior dinamismo, que sintonizasse a velocidade em que ocorriam as transformações
espaciais com a produção de um sistema explicativo. No caso da abordagem regional, não se
trata de anular, negar ou julgar irrelevante os conceitos de região natural e de região humana ou
geográfica, mas de considerá-los superados mediante as mudanças espaciais.
A região funcional define-se pela existência de um pólo (nó) que preside a teia de
relações que dá substância à região. Nesse caso, o caráter da funcionalidade é estabelecido
a partir de múltiplas relações que criam fluxos de naturezas diversas (mercadorias,
informações, pessoas, decisões, idéias etc.), articulando um espaço que é internamente
diferenciado. Nesse tipo de abordagem, a cidade assume um importante papel como centro
(nó) da organização espacial, pólo irradiador da dinâmica regional. Como exemplo da
aplicabilidade de tal noção, destaca-se a divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas,
elaborada pelo IBGE em 1972.
Você tem o costume de consultar ou estudar recorrendo a mapas? Saiba que ele é uma
excelente e imprescindível companhia para o geógrafo. Vamos atestar isso?
Veja como a história é fundamental para os estudos geográficos! Pesquisar ainda mais
sobre esse momento histórico é importante, não só para conhecer o referido período, mas
também porque esses acontecimentos históricos são imprescindíveis à compreensão da
realidade atual. Por isso, busque o conhecimento e procure responder às questões propostas.
Atividade 3
Por que a década de 1970 é considerada um divisor de águas na
1 história da humanidade e da produção científica?
No âmbito dessa abordagem, a análise está centrada na noção de espaço vivido enquanto
uma construção que se delineia a partir da percepção das pessoas, sendo revelador de
práticas sociais. Recupera-se o humanismo, valoriza-se a história e ressaltam-se os valores
socioculturais, ao mesmo tempo em que se afirma a importância da estética e do imaginário
na análise geográfica. Assim, o espaço passa a ter a conotação de uma categoria cultural,
ou uma representação coletiva, e a região assume uma nova interpretação, sendo vista
como um conjunto de percepções vividas e estabelecidas a partir de apreensões, valorações,
decisões e comportamentos coletivos (BEZZI, 2004, p. 207). Nesse contexto, “a discussão
de como o espaço é percebido e quais são os significados e valores modelados pela cultura e
pela estrutura social que são atribuídos ao espaço passaram a ser analisados com o objetivo
de compreender o sentimento que os homens têm de pertencer a uma região” (LENCIONE,
1999, p. 194). Afetividade e pertencimento, sentimentos que alicerçam uma construção
identitária assumiram relevância no âmbito da compreensão da identidade regional, elevando
esse tema à condição de problema central da Geografia regional de base fenomenológica.
6°00'
6°00'
6°30'
6°30'
LEGENDA
Sede do Município
ESCALA Divisão Municipal
10 0 10 20 km Divisão Estadual
7°00'
7°00'
FONTE: Elaboração da Autora - 2002 sobre Malha Municipal Digital do Brasil - 1997 - IBGE/DGC/DECAR
37°30' 37°00' 36°30' 36°00'
Conforme a leitura de Ricq (1983 apud BEZZI, 2004, p. 216), o regionalismo parte da
base, emerge da consciência das desigualdades regionais e é a contestação ao centralismo,
é a luta pela autonomia. A partir dessa definição, infere-se o conteúdo político impresso ao
sentido de regionalismo.
Definindo-se a região a partir da relação do homem com o meio e com seus símbolos,
esta se constitui na base territorial para a expressão do regionalismo. Apropriando-se desse
conteúdo simbólico, a elite reelabora-o ideologicamente na identidade regional, conferindo
visibilidade e valoração aos traços singulares da sociedade (sotaque, terminologia, hábitos
etc.). “É na utilização desses aspectos simbólicos como recurso político que se estrutura o
discurso regionalista do poder local”. Dessa maneira, o território assume o papel de sujeito
do processo histórico, obscurecendo a visibilidade das relações sociais, que se diluem nos
problemas territoriais (CASTRO, 1994, p. 165).
Atividade 6
Autoavaliação
Partindo da premissa de que nenhum conceito é a-histórico, relacione:
1
a) os aspectos marcantes do contexto de emergência da Geografia Crítica e sua vinculação
à noção de região.
Referências
BEZZI, M. L. Região: uma (re)visão historiográfica, da gênese aos novos paradigmas. Santa
Maria, RS: UFSM, 2004.
GOMES, Paulo César da Costa. A região e sua discussão. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES,
Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Geografia: conceitos e temas. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, espaço e razão. São Paulo: EDUSP, 2002.
Anotações
Aula
12
Apresentação
E
sta aula aborda a relação entre a base conceitual da Geografia e o ensino, a partir de
questões que estão presentes na organização espacial. Trata-se de vincular as noções
abordadas em aulas passadas, como espaço, paisagem, lugar, território e região ao
campo experimental da prática docente. Dessa perspectiva, apresentam-se alguns temas/
conteúdos que são explorados à luz de procedimentos metodológicos, visando à reflexão
sobre a construção do conhecimento e regendo a relação teoria e prática do exercício
docente. Nesta aula, vamos inserir um conjunto de desafios para você pensar sobre o
espaço geográfico.
Objetivos
Entender a relação entre a base conceitual da Geografia
1 e o ensino.
E
stamos chegando ao final desta disciplina. Esta é a nossa última aula. Foi um caminho
longo e prazeroso em que conectamos idéias a partir de discussões, reflexões, análises
e sistematizações a respeito dos fundamentos teóricos e metodológicos que regem a
Ciência Geográfica. Para isso, definimos o seu objeto de estudo, os conceitos e categorias
que a estruturam.
Nessa trajetória, você estudou que o espaço geográfico emerge da relação homem/
natureza mediado pelo trabalho, em sua interface com o tempo e outras disciplinas,
compreendendo a perspectiva inter e transdisciplinar.
Nesta aula, não abordaremos mais conceitos ou definições novas. A trajetória é outra:
articular a concepção conceitual ao ensino de Geografia. Essa pretensão é vista como uma
estratégia para aprofundar as noções tratadas, vinculando-as ao campo experimental que é a
prática docente. Dessa perspectiva, selecionamos alguns temas/conteúdos e vamos explorá-
los a luz dos conceitos já trabalhados nesta disciplina.
Desafio 1
A relação espaço - tempo - natureza: como isso pode ser abordado no
ensino fundamental e médio?
Essas noções não estão presas aos livros, mas o que está neles baseia-se
em uma teorização que se apoiou em uma empiricização do real. Ou melhor, as
definições têm um pé na realidade, servem, portanto, para auxiliar na explicação
da realidade, na mesma medida que têm uma autonomia para, libertadas dos
fenômenos, poder se reciclar e se renovar, colocar outras questões que não
podem ser vista a partir de uma perspectiva objetiva e prática.
Agora responda:
b) Comparando as duas figuras, em sua opinião, o que foi responsável pelas alterações?
Para construir uma explicação é necessário procurar saber o porquê das coisas;
procurar rastrear os processos que se fizeram presentes, os agentes envolvidos, os
interesses implicados, o padrão técnico utilizado... O conjunto de informações coletadas
precisam ser conectadas em uma rede de nós que interligam aspectos distintos da realidade,
possibilitando a compreensão analítica do espaço como uma das dimensões que estrutura
a sociedade. Tomada sob essa perspectiva, a análise espacial é uma construção conceitual
que precisa ser assumida pelo professor para que o ensino de Geografia seja significativo e
pertinente. Sem abordagem conceitual, mesmo você conseguindo levantar todos os dados a
respeito do fenômeno, não conseguirá explicá-lo, pois lhe faltou a compreensão mais geral
de como o espaço se organiza. Assim, para saber analisar por que uma imagem é diferente
ou semelhante a outra, você tem que fazer uso dos conceitos de tempo, natureza e espaço.
A partir das imagens, o que seria o sistema de objetos e o sistema de ações que Milton
Santos trata? Como o tempo pode ser visto a partir do ritmo da natureza e do homem? Como
se apresenta o meio técnico-científico-informacional no contexto das duas imagens? Essas
são algumas questões que podem ser feitas e que auxiliam no encontro do conceito com a
realidade ou da realidade com o conceito.
A partir do texto, podemos pensar sobre o ensino. Refletir sobre como ensinamos
os conceitos para os nossos alunos: estamos levando-os a pensar a realidade a partir dos
conceitos, ressignificando a realidade e o conceito? Ou tomamos a realidade como distinta
do conceito, de maneira que o aluno descreve a realidade e repete a definição sem estabelecer
conexões entre ambos? Ensinar articulando conceito e realidade, eis um desafio no processo
de formação de professores.
Você já ouviu falar desse fenômeno? O que você sabe a respeito dele? O que
é? Qual é a sua área de abrangência? Ele ocorre em outras partes do mundo?
Será que ele pode ser analisado de acordo com o conceito de paisagem? Dê
sua opinião a esse respeito.
Indicação 1 – Imagens
SUA CASA
SUA CASA
SUA CASA
SUA CASA
SUA CASA
SUA CASA
Aula 12 Organização do Espaço 239
(g) Nova ordem multipolar (h) Música
Resumo
Nesta aula, você fez um percurso pela base conceitual da Geografia e o ensino, a
partir de questões presentes na organização espacial. Procurou-se estabelecer
elos entre as noções abordadas em aulas passadas (espaço, paisagem,
lugar, território e região) e o campo experimental da prática docente. Dessa
perspectiva, você foi convidado a participar de desafios que possibilitaram
um conjunto de reflexões, sistematizações, indicações e caminhos que
fizeram você trilhar as veias do processo ensino-aprendizagem, pautado nas
estratégias de compreensão, análise e explicação de fenômenos no âmbito do
ensino de Geografia. Priorizou-se uma perspectiva metodológica e prática de
maneira a estimular a reflexão-ação-reflexão-ação como um contínuo que rege
a construção do conhecimento e sua transposição para o cenário regido pela
dialógica que alimenta a teoria e a prática docentes.
Autoavaliação
De acordo com o que foi trabalhado nesta aula, como você vê a relação entre o
1 mundo dos conceitos e a prática docente? Descreva a sua percepção.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo:
HUCITEC, 1996.
SENE, Eustáquio; MOREIRA, João Carlos. Geografia para o ensino médio. São Paulo:
Scipione, 2007.
Anotações