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Título original: How Madness Shaped History : An Eccentric Array of Maniacal Rulers, Raving

Narcissists, and Psychotic Visionaries

Tradução da edição em inglês de How Madness Shaped History: An Eccentric Array of


Maniacal Rulers, Raving Narcissists, and Psychotic Visionaries (‘the work’), de Christopher J.
Ferguson, publicado originalmente pela Prometheus Books, um selo da The Rowman &
Littlefield Publishing Group, Inc., Lanham, MD, USA. Copyright © 2020 by the author(s).
Traduzido e publicado em português mediante acordo com Rowman & Littlefield Publishing
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


F352c Ferguson, Christopher
Como a loucura mudou a história: um elenco excêntrico de governantes maníacos,
narcisistas delirantes e visionários psicóticos / Christopher Ferguson ; traduzido por
Alexandre Martins. – 2.ed. – Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2022.

Formato: epub com 5 MB


Título original: How madness shaped history

ISBN: 978-65-56405-93-3

1. Psicologia – história. I. Martins, Alexandre. II. Título.

CDD: 316.6
CDU: 156

André Queiroz – CRB-4/2242


Ao meu pai,
Edwin Stuart Ferguson,
que agora é ele mesmo parte da história.
SUMÁRIO

Capa
Folha de rosto
Créditos
Dedicatória
Capítulo 1 – Introdução: louco de pedra
Capítulo 2 – Loucura, doença mental e insanidade
Capítulo 3 – Desvio de personalidade
Capítulo 4 – A loucura do monarca
Capítulo 5 – Quando Deus fala: loucura e fé
Capítulo 6 – Loucura na comuna
Capítulo 7 – Loucura do 1%
Capítulo 8 – Quando a mente se perde: demência na classe dominante
Capítulo 9 – A loucura como um jogo político
Capítulo 10 – Loucura das massas
Capítulo 11 – Loucura no futuro
Capítulo extra – Vladimir Putin
Bibliografia
Colofão
Notas
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO: LOUCO DE PEDRA

À sdúvida,
vezes, basta um chapeleiro maluco para mudar o curso da história. Sem
as sociedades de tempos em tempos são arrasadas por invasores
ou abatidas por secas, fomes e pragas que são incapazes de controlar. Mas
ocasionalmente há momentos em que o destino das sociedades se equilibra
no limite entre a vitória e a ruína, a glória e a vergonha. Um indivíduo
determinante pode ocupar o espaço surgido e guiar a sociedade no caminho
da grandeza ou da decadência. As sociedades desejam um indivíduo com
pulso firme, mas equilibrado, que conduza seu povo durante eventuais águas
agitadas. Às vezes, em vez disso, elas recebem loucura: indivíduos com graves
problemas ou carências cognitivas ou mentais.
Em circunstâncias mais normais, essas almas podem merecer compaixão e
receber cuidados em terapias ou instituições, mas em momentos críticos elas
se tornam agentes de destruição. E se, nos anos 1860, os Estados Unidos
tivessem eleito não Abraham Lincoln, que sofria de transtorno depressivo
maior [ 01 ], mas o ineficaz Franklin Pierce, que alguns estudiosos alegam ter
ficado debilitado por depressão e ansiedade após testemunhar seu filho de 11
anos sendo esmagado por um trem? Se Jesus de Nazaré ou Maomé
nascessem na sociedade moderna, seriam tratados como visionários religiosos
ou, em vez disso, obrigados a tomar medicamentos antipsicóticos? A pessoa
certa ou errada em determinado período da história pode ter uma influência
considerável no curso dos acontecimentos. E seu bem-estar mental, claro,
poderá determinar seu caminho.
Na sociedade ocidental moderna, a doença mental — qualquer doença
mental — é normalmente (e infelizmente) vista como um inconveniente. Em
1972, o senador Thomas Eagleton foi substituído como candidato democrata
à vice-presidência depois que o público foi informado de seus muitos
problemas de saúde mental. [ 02 ] Essa pode ter sido uma decisão razoável ou
não. Afinal, a premissa central deste livro é a de que o estado mental de um
líder pode ter um efeito importante na sociedade que ele lidera. Colocar o
poder das armas nucleares nas pontas dos dedos de um indivíduo suicida ou
psicótico pode não ser inteiramente sábio (basta ver a Coreia do Norte).
Ainda assim, o estigma e a percepção da doença mental tendem a variar e
mudar com o tempo. Considere, no entanto, que um estudo dos presidentes
dos Estados Unidos feito por psiquiatras e publicado em 2006 concluiu que
quase metade deles experimentou problemas de saúde mental, com quadros
como depressão, ansiedade e abuso de substâncias sendo os mais comuns. [ 03
] Os autores concluíram ainda que esses problemas estiveram presentes
durante o mandato de cerca de um quarto dos presidentes, na maioria das
vezes prejudicando seu desempenho. Isso pode explicar algumas coisas.
Mas a loucura nem sempre prejudica um líder político. Alexandre III da
Macedônia, mais conhecido na história como Alexandre, o Grande, pegou
uma potência de segunda categoria na periferia do mundo helênico e
construiu um dos impérios mais poderosos de todos os tempos. [ 04 ]
Alexandre sem dúvida mudou o curso da civilização ocidental, e sua
influência poderia ter sido ainda maior se não tivesse morrido
inesperadamente aos 32 anos, talvez por envenenamento ou em consequência
de doença agravada por seu alcoolismo crônico. Alexandre inegavelmente era
um homem de consideráveis talentos táticos. No entanto, é importante
avaliar o grau em que as peculiaridades de seu quadro mental podem ter, ao
mesmo tempo, o impelido a se tornar o homem certo no momento certo, e o
arrastado irreversivelmente para sua morte prematura.
Alexandre é um exemplo notável de como características psicológicas
extremas podem levar a grandes realizações e também a uma grande queda.
Apesar de uma inteligência e um carisma dignos de nota, é improvável que
Alexandre fosse o tipo de pessoa que você se sentiria confiante em convidar
para uma tranquila celebração em família no feriado. Com um narcisismo
desmedido e talvez delirante, fúrias impulsivas e um consumo compulsivo de
álcool, ele parece ter sido um homem difícil de conviver, ou mesmo de
compreender, nas melhores circunstâncias. Afinal, Alexandre assassinou seu
general e amigo Clito durante uma celebração, como discutirei em detalhes
posteriormente. É apenas por causa de Alexandre e de seu pai, Filipe II, que
ouvimos falar da Macedônia. Até o quarto século a.C., a Macedônia era uma
espécie de potência atrasada de segunda categoria no mundo helênico. Seus
habitantes falavam grego e se consideravam parte do mundo grego, embora
as principais cidades-Estado da Grécia (Atenas, Tebas e outras) se
entusiasmassem menos com essa associação.
As coisas mudaram em meados do século IV a.C. O pai de Alexandre,
Filipe II da Macedônia, foi a força motriz dessa mudança e o cérebro por trás
das futuras operações militares de Alexandre. Filipe modernizou o exército
macedônio e se dedicou diligentemente a organizar o mundo político da
Macedônia. Com Filipe pronto para lançar seu exército profissional contra a
Pérsia, a Macedônia estava prestes a dominar o mundo (ou pelo menos o
mundo ocidental).
Mas então Filipe foi assassinado durante o casamento de sua filha. As
razões permanecem historicamente obscuras, mas isso jogou a Macedônia
em uma crise. Sem Filipe, as coisas desandaram rapidamente. As cidades-
Estado gregas, que naturalmente não haviam ficado nem um pouco
empolgadas com a ideia de serem governadas pelos macedônios arrivistas, se
rebelaram imediatamente. O império macedônio, tal como era organizado,
exigia pulso firme para mantê-lo unido. Sem Filipe, esse pulso desaparecera.
Então, aquele era um momento de crise. Um momento em que uma
sociedade pode ascender à grandeza ou despencar para a ignomínia. Nesse
caso, os macedônios tinham Alexandre, a quem prontamente declararam rei
e que no mesmo instante esmagou toda a resistência ao domínio macedônio
na Grécia (com exceção dos espartanos, que os macedônios aparentemente
achavam não valer a pena).
É interessante levar em conta as origens da personalidade de Alexandre, ao
mesmo tempo brilhante e perturbada. Costumamos pensar na personalidade
como sendo fruto de uma interação de predisposições genéticas moldadas
pelo ambiente de crescimento, as conhecidas interações natureza/criação. Às
vezes superestimamos o impacto da criação (na verdade, as influências
genéticas são muito poderosas), e também devemos admitir que os seres
humanos têm algum grau de escolha ou livre-arbítrio em suas ações. Mas
vale a pena examinar a criação de Alexandre.
Quer tenha sido genético ou ambiental, há poucas dúvidas de que
Alexandre foi produto de pais ambiciosos. Os planos de Filipe para governar
o mundo ao redor do Egeu são claros. Sua mãe, Olímpia, também não era
incompetente.
A maior parte da história tem sido firmemente patriarcal, limitando as
mulheres, com raras exceções, a papéis secundários no governo. Mas seria um
equívoco presumir que as mulheres eram necessariamente suplicantes
passivas; muitas trabalhavam furiosamente, até mesmo de modo implacável,
para colocar em posições de poder aliados do sexo masculino, em especial
filhos. Olímpia era inteligente, ambiciosa e dedicada em garantir a ascensão
de Alexandre. Também era misteriosa, a ponto de Plutarco alegar que ela às
vezes dormia com serpentes, embora isso seja provavelmente um exagero. [ 05
] Ela decerto estava disposta a matar em benefício de Alexandre, mas
chegaremos a isso em breve.
Alexandre vivia no que hoje chamaríamos de um lar desfeito (não ajudava
nem um pouco o fato de Olímpia ser apenas uma das esposas de Filipe).
Filipe e Olímpia viviam em conflito. O relacionamento de Alexandre com o
pai parece ter sido complexo. Contudo, Alexandre certamente tinha a
confiança do pai e desempenhou um papel importante nas campanhas
militares dele. Uma das vantagens de Alexandre em sua carreira posterior foi
o pai já ter feito muito para criar as bases de um sucesso considerável. Talvez
por esse motivo, Alexandre parece ter sentido a sombra do pai pairando sobre
si. Esse pode ter sido um dos fatores que o estimularam em suas incríveis
conquistas, que prosseguiram além de qualquer motivo racional. Freud
poderia ter explicado todo o avanço furioso de Alexandre pela Pérsia como o
complexo de Édipo de maiores consequências de toda a história.
O conflito familiar chegou ao auge no final da vida de Filipe. Filipe se
casou mais uma vez, com uma mulher chamada Cleópatra (não a famosa do
Egito), o que potencialmente colocou em risco o direito de Alexandre ao
trono. As coisas esquentaram tanto que Olímpia e Alexandre foram para o
exílio após uma briga durante a qual Filipe quase assassinou o filho.
Alexandre e Filipe logo se reconciliaram, mas permanecem os rumores de
que Olímpia teve uma participação no assassinato de Filipe (embora isso
provavelmente não seja verdade).
Relacionamentos familiares acidentados como esse não eram incomuns nas
monarquias despóticas. Homens e, às vezes, mulheres (a mais famosa
Cleópatra do Egito matou vários irmãos em sua luta para permanecer no
posto de faraó) competiam de forma sangrenta pelo poder. Indivíduos
criados nesses ambientes podem ter desfrutado do luxo, mas também viviam
com um medo e uma incerteza constante que só podiam ser combatidos
valendo-se eles mesmos da crueldade. É difícil imaginar algo assim agora,
com nosso próprio ideal do século XXI de famílias ampliadas cheias de amor,
mas muitas antigas famílias monárquicas devem ter sido ambientes terríveis e
cruéis nos quais crescer — não exatamente fonte de empatia ou estabilidade
emocional.
As histórias da juventude de Alexandre tendem a se concentrar na faceta
positiva: ser aluno de Aristóteles, desfrutar do afeto de Filipe, ou sua
capacidade física e intelectual. Mas não é difícil imaginar que seu começo de
vida deva ter sido envolto em estresse e ameaças potenciais que hoje
reconhecemos como traumatizantes. A combinação da herança genética de
traços de personalidade impiedosos da mãe e do pai, a relação tensa e
competitiva com o pai e as ameaças à sua legitimidade e vida se juntaram
para criar uma ambição esmagadora e ardente que foi dirigida a muito mais
do que meramente unificar a Grécia sob o domínio macedônico.
Assim, tendo assegurado a Grécia, Alexandre se voltou para o poderoso
Império Persa a leste. Naquela época, o Império Persa era a superpotência
regional. A ideia de que macedônios primitivos cavalgariam do norte e
conquistariam não apenas Atenas, mas todo o Império Persa e mais era
simplesmente absurda. Analogias históricas costumam ser repletas de
imperfeições, mas seria algo como imaginar o Canadá de repente partindo
para o ataque e conquistando não apenas os Estados Unidos, mas todo o
hemisfério ocidental.
No entanto, foi exatamente isso que Alexandre e seus macedônios fizeram.
Mosaico, por volta de 100 a.C., Alexandre na Batalha de Isso. Fonte: The Guardian.

Os persas ficaram surpresos com a ferocidade da invasão macedônica. O rei


persa, Dario III, inicialmente pareceu ver a campanha de Alexandre como
uma crise menor, em um grande equívoco. Embora os persas tivessem
colocado em campo enormes exércitos financiados por montanhas de ouro,
Alexandre cortou os persas como uma faca corta manteiga. O rei Dario III
reuniu poderosos exércitos repetidas vezes, apenas para vê-los tombar. Fontes
contemporâneas apresentam Dario negativamente, como um covarde
fugindo de batalhas, mas é possível que isso seja injusto, o caso de a história
ser contada pelos vencedores e tudo mais. Dario acabou deixando para trás
sua família, incluindo esposa, mãe e filhas, ao fugir da Batalha de Isso. [ 06 ]
Alexandre aparentemente as tratou com cortesia, acabando por se casar com
uma das filhas (que cavalheiro).
A queda de Dario III pode ser contrastada com a ascensão de Alexandre.
Os persas obviamente estavam tendo seu próprio momento de crise, quando
as decisões de um governante podem mudar a sorte de uma sociedade. Em
vez de conseguir um Alexandre, eles ficaram com Dario III. Dario é
retratado pela história como bastante imparcial e bem-intencionado, para um
déspota do Oriente Médio. Na verdade, esse era metade do problema: Dario
parece ter sido um sujeito bastante mediano. Não era louco. Até demonstrava
ter coragem, obrigando certa vez um assassino a beber o veneno destinado a
ele. [ 07 ] Durante um período de estabilidade e paz, ele poderia ter sido um
burocrata perfeitamente eficiente. Mas aquele não era um desses períodos.
Por fim, Dario foi assassinado por um de seus próprios partidários.
Alexandre — atento ao precedente de pessoas assassinando reis — executou
o assassino de Dario e assumiu o trono da Pérsia. E mandou enterrar Dario
com honras nas tumbas reais.
Alexandre certamente era motivado. Alguns especularam que a motivação
de Alexandre, associada com seus ataques de fúria e a bebida, poderiam
indicar transtorno bipolar, mas não acho isso provável. Indivíduos com
transtorno bipolar normalmente são incapacitados a tal ponto que construir
um império como o de Alexandre não seria possível. Em vez disso, suspeito
que Alexandre tivesse o que hoje chamaríamos de transtorno de
personalidade narcisista (TPN), juntamente com dependência de álcool. Os
indivíduos com TPN têm uma noção grandiosa de sua própria importância.
Esses indivíduos costumam ser movidos por fantasias de sucesso ou poder
fabulosas, e experimentam uma noção de direito adquirido e uma
necessidade de admiração. Normalmente são arrogantes e carecem de
empatia para com as necessidades dos outros.
Mais uma vez, as origens disso são genéticas e ambientais. Os pais dele
eram extremamente ambiciosos, e nenhum passou para a história como o
mais modesto dos indivíduos. Conforme observado anteriormente, a criação
de Alexandre foi uma mistura de privilégio e horror. Não espanta que ele
tenha saído disso não totalmente estável.
Muitas das ações de Alexandre revelam seu narcisismo. Ao assumir o trono
da Pérsia, ele adotou alguns dos costumes locais, incluindo a prostração
ritual, o gesto de demonstrar subserviência se prostrando diante do rei, e os
beijos rituais. Ele acabou não insistindo nisso para seus companheiros gregos,
que naturalmente zombaram da prática. É provável que essa prudência em
recuar de tais gestos de adoração, pelo menos entre seus companheiros
gregos, tenha sido mais pragmatismo do que verdadeira empatia da parte de
Alexandre (e esse pragmatismo também é um argumento contra o transtorno
bipolar). Em suas viagens, ele fundou várias cidades com seu próprio nome
(aproximadamente setenta), incluindo a magnífica Alexandria, no Egito. E
pelo menos uma cidade foi batizada em homenagem a seu cavalo.
Um dos incidentes que melhor revelam o lado mais sombrio da imagem de
Alexandre foi o assassinato de seu amigo Clito, no que teria sido um surto de
raiva ébria após uma troca de insultos. Ao que parece, em meio a uma
discussão regada a álcool, Clito sugeriu publicamente que as vitórias de
Alexandre se deviam ao planejamento cuidadoso do pai. As palavras de Clito
foram, no mínimo, deselegantes. Amigos presentes tentaram sem sucesso
separar a briga dos homens. Não sendo alguém que aceitava insultos com
leveza, Alexandre, depois de algumas escaramuças, matou Clito com uma
lança.
O narcisismo de Alexandre influenciou não apenas suas relações com pares
e submissos, mas também alimentou seu desejo de guerra. A principal
motivação de Alexandre para a guerra parece ter sido pura e simplesmente a
glória. Em geral, fez a guerra pela guerra — e por ser muito bom nisso.
Verdade que ele corria os mesmos riscos que seus soldados, mas os empurrou
para além da Pérsia e até a Índia relativamente demonstrando pouca
consideração pelo bem-estar de suas tropas. Apenas ao enfrentar um motim
ele cedeu e retornou à Pérsia.
Para grande sorte da Macedônia, Alexandre combinou seu narcisismo com
um incrível talento tático e capacidade de liderança. Ele foi o sujeito certo no
momento certo para lidar com um momento crítico para os macedônios.
Após sua morte inesperada aos 32 anos, provavelmente devido a uma
infecção agravada por seu alcoolismo e vários ferimentos de guerra, o império
macedônico se fragmentou em diversas partes (a parcela egípcia terminaria
com a famosa Cleópatra, que era etnicamente grega, não egípcia). Sem
Alexandre não havia império macedônico/persa. Ele havia sido mantido
unido apenas por sua força de vontade.
Uma questão interessante sobre a qual refletir é o que Alexandre poderia
ter alcançado se tivesse sobrevivido além dos 32 anos. Conseguiria ter
mantido seu império unido? Alexandre era um conquistador incrível, mas
poderia ter sido um bom governante?
Alexandre não parece se destacar como um político talentoso na linha de
Thomas Jefferson ou Franklin Delano Roosevelt. [ 08 ] No entanto, ele teve o
bom senso de nomear burocratas talentosos, e a força de sua personalidade
era enorme. Caso tivesse sido capaz de se estabelecer e desfrutar de suas
realizações, é possível que conseguisse ter mantido seu império unido, afora
algumas rebeliões na periferia. Mas nada em sua história sugere que
Alexandre fosse capaz de um governo pacífico. Era um homem de guerra,
impulsivo e dedicado à ação. Mesmo sua lenda era a do conquistador, e a
admiração que acompanha a vitória pode morrer depressa sem novas
conquistas. Um apostador, Alexandre provavelmente não teria conseguido
deixar de lançar os dados. E, como Sófocles afirmou, apenas os dados de
Zeus sempre mostram a sorte.
Muito já se escreveu sobre as circunstâncias que levam as sociedades e os
indivíduos a grande sucesso ou grande fracasso e, apesar dos inúmeros livros
que tentam reduzir isso a um ou dois elementos, na verdade é mais
complexo. Às vezes um governo estável, como o do início do Império
Romano, dos Estados Unidos ou do Reino Unido, pode sobreviver à gestão
de uma sucessão de loucos e loucas. Em essência, o trabalho não celebrado
do burocrata comum mantém a sociedade funcionando desde que a crise não
seja iminente. Em outras ocasiões, a entrada em cena de uma única pessoa
pode fazer ou desfazer as coisas. Para uma trajetória estável, uma sociedade
fica melhor com um George Washington, um Mahatma Gandhi ou um
Nelson Mandela, sujeitos razoavelmente bem-ajustados que conduziram suas
sociedades em momentos de crise com pensamento racional e compaixão.
Por outro lado, a sociedade pode apostar em alguém que talvez tenha
algumas falhas mentais a mais. É uma grande aposta. Às vezes, você
consegue Alexandre, o Grande. Às vezes, você fica com alguém como
Calígula, o imperador romano que comandou um reinado de terror antes de
ser assassinado.

A história não está só no passado


Ao estudarmos uma figura como Alexandre, podemos ver o poder que uma
única personalidade é capaz de exercer sobre o mundo ao seu redor. Mas o
passado distante era uma época selvagem, antes do império da lei, antes de
acreditarmos no valor intrínseco da vida humana, quando a força bruta era
soberana. No entanto, as sociedades humanas evoluíram, desenvolveram
códigos legais, definiram que reis e rainhas não estão acima deles e
estabeleceram controles burocráticos para evitar que o poder seja centralizado
em qualquer personalidade insana. O que Alexandre pode nos dizer sobre o
presente? Chegamos a um mundo pós-loucura?
Alguns podem argumentar que vivemos agora em uma época mais
razoável, em que o império da lei é inviolável e os governos avançaram na
direção de democracias pragmáticas alimentadas pelo debate racional e pelos
direitos humanos consagrados. Verdade que o início do século XX é bem
conhecido por seus loucos e loucas, em especial os Hitlers, Stálins,
Mussolinis e Maos que moldaram de forma tão brutal nossa história recente.
Mas mesmo a Guerra Fria não foi algo mais racional, com ambos os lados
conseguindo recuar um passo da beira do precipício? E desde então o mundo
não vive em uma espécie de Pax Americana com um novo futuro promissor?
Não está claro se podemos dividir a história tão claramente em presente e
passado. Para ser justo, as evidências sugerem que as coisas melhoraram.
Temos a tendência a pensar que vivemos sempre no pior período histórico de
todos os tempos, com a proliferação da violência e a desintegração da
sociedade. Mas muitas evidências sugerem que, ao contrário, estamos
vivendo no período mais pacífico da história da humanidade. [ 09 ] É menos
provável que homens sejam assassinados, menos provável que mulheres sejam
estupradas, menos provável que soldados e civis morram em guerras do que
em qualquer período anterior. Ao contrário do mito comum de que os seres
humanos viveram em um passado utópico, igualitário e primitivo, a violência
nas sociedades pré-modernas parece ter sido onipresente. [ 10 ] Será possível
que as sociedades humanas estejam evoluindo na direção de uma democracia
racional relativamente pacífica? [ 11 ] Alexandre sem dúvida não saberia o que
pensar da relativa impotência da presidência dos Estados Unidos, e poderia
se perguntar por que o presidente simplesmente não lançava o exército contra
seus detratores ou os empalava em lanças (sem dúvida alguns presidentes
norte-americanos teriam gostado desse ponto de vista).
Assim, segundo muitos parâmetros, sejam eles violência, pobreza ou
educação, [ 12 ] o mundo percorreu um longo caminho desde a primeira
experiência dos Estados Unidos com a democracia no século XVIII, com as
reformas democráticas tendo alcançado grande parte do mundo. Mas esses
avanços não são algo garantido, e relatos recentes sugerem que os direitos
humanos e as instituições democráticas podem estar entrando em crise em
grande parte do mundo. [ 13 ] Essas reformas são baseadas em sua própria
psicologia frágil, em particular a crença de que assinamos um contrato social
com o governo, aceitando impostos e a perda de algumas liberdades na fé de
que o governo agirá com benevolência para conosco.
Em geral, o bem-estar médio das pessoas em todo o mundo aumentou nas
últimas décadas. A fome mundial está diminuindo, a pobreza está
diminuindo, o acesso aos cuidados médicos está aumentando, assim como as
condições de moradia e a expectativa de vida. [ 14 ] Ao mesmo tempo, grande
parte do mundo parece estar sofrendo mais. Nos Estados Unidos, por
exemplo, no momento em que este livro era escrito, os índices de suicídio
aumentavam em quase todas as faixas etárias. [ 15 ] Ao contrário da crença de
que os adolescentes são particularmente propensos ao suicídio, o crescimento
mais significativo nos índices de suicídio parece se dar entre os adultos de
meia-idade. O motivo para isso estar acontecendo e seus efeitos na sociedade
e na história serão discutidos no capítulo 10. Mas o impacto da loucura no
curso da história não terminou com o século XX.
Mesmo que o século XX tenha trazido uma melhoria sem precedentes nas
condições de vida e nos direitos humanos em grande parte do mundo, é
importante notar que, mesmo nos tempos modernos, grande parte do mundo
sofre na loucura. Essa loucura pode se desenvolver de duas formas principais.
Primeiramente, a noção psicológica do contrato social pode se desgastar e
depois desmoronar quando os cidadãos ou grupos minoritários não mais
acreditam que o governo está agindo em seu benefício. O resultado pode ser
violência, motins, terrorismo ou mesmo guerra civil. Veremos essa forma de
loucura no capítulo 7.
No entanto, em algumas partes do mundo a noção de um contrato social
nunca chegou a se desenvolver. A lei ainda depende dos caprichos do
déspota, e nossa percepção dos direitos humanos ainda não está totalmente
consolidada. Nessas regiões ainda vemos líderes militares autoritários
(ocasionalmente mulheres) que até Alexandre poderia considerar exagerados.
Uma parcela não desprezível da população mundial ainda sofre sob ditadores
egomaníacos, líderes religiosos paranoicos ou juntas militares sanguinárias.
Pense no caso da pobre Uganda, que de 1971 a 1978 foi governada por um
dos personagens mais bizarros da história moderna.

Loucura em Uganda
Idi Amin subiu na hierarquia do exército colonial britânico na África e a
seguir nas forças armadas de Uganda depois que o país se tornou
independente do Reino Unido. Em 1971, Amin liderou um golpe de Estado
contra o presidente de Uganda, Milton Obote. As razões para o golpe nunca
ficaram totalmente claras, mas sugeriu-se que poderiam estar relacionadas à
hipótese de Obote estar considerando a prisão de Amin, ou à sensação de
perda de privilégios pelos militares de Uganda sob um sistema socialista
dirigido por burocratas do partido em vez de pelo exército. [ 16 ]
Amin assumiu poderes ditatoriais que lhe deram autoridade total sobre as
forças armadas. Ele implantou um programa de tortura e execução de
adversários políticos, incluindo partidários de Obote e grupos étnicos
minoritários. No total, acredita-se que seu regime tenha matado entre cem
mil e trezentos mil ugandenses. [ 17 ] O uso de violência e repressão militar
contra os próprios cidadãos levou historiadores modernos a classificar a
Uganda de Amin como um regime terrorista. [ 18 ]
Como no caso de Alexandre, pode ser ilustrativo examinar a infância de
Amin. Sua origem parece ter sido modesta, com ele sendo criado em um país
colonizado pelo Reino Unido e dividido étnica e religiosamente. Assim como
Alexandre, ele tinha uma relação conflituosa com o pai, que em determinado
momento o rejeitou como sendo potencialmente ilegítimo. (A hipótese de
que conflitos entre pai e filho, ou mãe e filha, são uma característica comum
entre déspotas megalomaníacos é um tema ao qual retornarei no capítulo 3.)
Uganda, como a Macedônia helenística, emergiu de seu período colonial sem
uma tradição de primado da lei e contrato social humanitário. Violência era
poder, e uma ameaça constante. Para um homem ambicioso e carente de
empatia, esse era um ambiente no qual deixar sua marca.
Amin adotou um estilo grandioso que resvalava a bufonaria. Ele insultava
ruidosamente os líderes mundiais e concedeu a si mesmo títulos, honrarias e
um doutorado. Em 1972, expulsou do país os britânicos de origem asiática,
decisão que prejudicou a economia de Uganda. [ 19 ] Parecia gostar de títulos
exóticos, como “Senhor de todos os animais da terra e peixes dos mares” e
“Conquistador do Império Britânico na África em geral e em Uganda em
particular”. Também se ofereceu para ser coroado rei da Escócia e liderar os
povos celtas em rebelião contra o Reino Unido. Alguns afirmaram que ele se
alimentou de algumas das vítimas de seu regime, embora essa alegação careça
de credibilidade.
Amin, à esquerda, em 1966, com o primeiro-ministro israelense Levy Eshkol.
Fonte: National Photo Collection of Israel.

Um dos momentos mais memoráveis de seu reinado foi a operação


israelense no aeroporto de Entebbe em julho 1976. [ 20 ] Um jato da Air
France havia sido sequestrado com o objetivo de conseguir a libertação de
palestinos e outros militantes das prisões israelenses em troca da liberação
dos reféns tomados no avião. Amin se colocou ao lado dos sequestradores,
talvez na esperança de conduzir Israel e assumir o papel de negociador
heroico. Os sequestradores ameaçavam matar os cidadãos israelenses a bordo
do avião a menos que suas exigências fossem atendidas.
Os israelenses se negaram a negociar, e optaram por um ataque ousado,
transportando comandos por milhares de quilômetros até Entebbe. Os
agentes conseguiram matar os terroristas e libertar a maioria dos reféns
(vários morreram durante a operação), além de também matar soldados
ugandenses que tentaram impedir sua fuga. Alguns jatos de Uganda também
foram destruídos em terra para evitar interferência na fuga. [ 21 ]
O ataque a Entebbe foi uma humilhação para Amin, que retaliou contra
inocentes. Infelizmente isso incluiu uma refém, Dora Bloch, que havia sido
levada a um hospital para cuidados médicos. Ela teria sido arrancada de sua
cama e baleada por soldados, possivelmente junto com profissionais de saúde
que tentaram interferir. Ele também atacou quenianos residentes em Uganda
(Quênia havia apoiado Israel) e funcionários do aeroporto de Entebbe, um
dos quais foi morto com pregos cravados no crânio. [ 22 ]
Esse episódio destaca não apenas a crueldade de Amin, mas também a
fragilidade de seu ego, típica dos narcisistas. O que o levou a se colocar como
negociador entre os sequestradores e os israelenses, ao que parece ignorando
a considerável relutância de Israel em dialogar? Ele provavelmente se viu
como o “homem do momento” e o sequestro como uma oportunidade de
aumentar sua estima internacional e se tornar um herói. Considerando-se
mais esperto que os sequestradores e os israelenses, ele se preparou para
controlar a crise. O ataque a Entebbe destruiu essa ilusão e o apresentou
como um tolo. Sua personalidade megalomaníaca não conseguiu aceitar o
fracasso e ele só pôde lançar uma violência sem sentido contra os inocentes
indefesos que controlava. Furioso, Amin, sem dúvida, tinha que descarregar
suas frustrações em alguém, por mais injusto ou cruel que isso fosse.
Alexandre matou Clito por causa de uma discussão tola. Amin matou
dezenas para salvar sua imagem pessoal ferida. Os egos frágeis não lidam
bem com o fracasso humilhante.
Como Alexandre, Amin era motivado não apenas a governar um grande
país, mas a fazer esse governo girar inteiramente em torno de si mesmo.
Alexandre claramente era o mais talentoso dos dois, mas haverá na queda de
Amin sinais do que poderia ter acontecido com Alexandre caso ele tivesse
sobrevivido à juventude?
Amin acabou exagerando em uma tentativa de invadir a vizinha Tanzânia.
O exército tanzaniano se revelou mais forte, iniciando uma invasão a Uganda
que levou à queda de Amin, que morreu no exílio em 2003. Em um período
histórico repleto de ditadores cruéis e bizarros, Amin ainda assim se destaca.
Vivendo em uma democracia livre e humana, é difícil imaginar como deve
ter sido a vida do ugandense comum à sombra de Amin.

Mudanças rápidas da história


Durante as uma ou duas últimas décadas, muito foi escrito sobre
macroprocessos, as grandes forças ambientais que influenciaram a ascensão e
queda de culturas. Livros excelentes como Why the West Rules — For Now, de
Ian Morris, [ 23 ] e Armas, germes e aço, de Jared Diamond [ 24 ], são dois
exemplos. De formas diferentes, os dois autores argumentam que a ascensão
e a queda de culturas tiveram muito mais a ver com geografia física do que
com cultura ou diferenças biológicas entre populações humanas ou as ações
de indivíduos isolados. [ 25 ] Para deixar claro, ao destacar a importância da
localização nem Morris nem Diamond descartam a importância dos
indivíduos ou mesmo da cultura. Os argumentos a favor da influência da
geografia física na história são persuasivos, e acredito que Morris e Diamond
estejam corretos ao apontar esses elementos. Mas, em certos momentos de
crise, os indivíduos podem ser mais importantes do que a geografia. Por
exemplo, vantagens geográficas específicas podem ter levado ao domínio
geral do “Ocidente” nos últimos anos, mas não se pode dizer que a guerra da
independência de 1776 teria inevitavelmente levado ao nascimento dos
Estados Unidos, que a Grã-Bretanha definitivamente teria sobrevivido ao
verão e ao outono de 1940, que a Europa ocidental teria saído vitoriosa da
Guerra Fria ou que a China seria potencialmente beneficiada pela crise
financeira de 2008. Embora a geografia com certeza desempenhe um papel
nesses acontecimentos, o mesmo vale para a influência da cultura e
tomadores de decisão isolados. A Inglaterra deve sua vitória em 1940 tanto a
Churchill e à resistência do povo britânico quanto ao Canal da Mancha.
Uma sociedade provavelmente se sairá melhor com uma dose de cautela
em seus momentos de crise, apostando na segurança de uma mão firme como
a de George Washington. Imagine se os Estados Unidos tivessem recebido
Alexandre em vez de Washington. Será que Alexandre teria se contentado
com 13 míseras colônias (para não mencionar uma presidência temporária e
não hereditária em vez de um reinado)? Mãos firmes como as de
Washington, Gandhi ou Mandela são eficazes em endireitar o navio, unir as
pessoas, alcançar uma meta tangível e realista e retirar uma cultura de seu
momento de crise, conduzindo-a a uma estabilidade moderada.
Ou uma cultura pode apostar alto. Talvez consiga um Lincoln, cuja
depressão pode ter sido estranhamente inspiradora. Ou mesmo um
Alexandre, cuja megalomania levou sua cultura a uma grandeza histórica
muito acima de seu valor óbvio. Mas, como nos jogos de azar, quando as
culturas apostam alto, com maior frequência se dão mal. Em 1776, os
Estados Unidos poderiam ter deixado Washington de lado e apostado alto.
Talvez o país tivesse conseguido um Alexandre e avançado para conquistar o
Canadá e o México em poucos anos, provavelmente ao longo do processo se
rebatizando Reino Unido de Alexandre. Porém, o mais provável é que
recebesse um Nixon ou um Calígula, e todo o empreendimento rebelde
poderia ter sucumbido em chamas e desonra. Basta olhar para uma rebelião
irmã na França em 1789, que deu ao país primeiro Robespierre e o “Terror”,
e depois Napoleão, ditadura e derrota. Isso é apostar alto. A loucura pode ter
um toque de brilho, mas sempre é frágil, e a cultura que a abraça corre um
grande risco.
Este livro trata daqueles momentos de crise e das culturas que apostaram
alto. Não surpreende que a maioria dos momentos que abordo digam
respeito à decadência, as derrotas e desgraças das culturas em questão. Todos
os personagens que estudo deixaram marcas indeléveis nas sociedades que
tocaram, às vezes boas, com maior frequência ruins.

O que isso significa para nós?


Embora casos históricos e perfis psicológicos possam ser divertidos, este livro
não trata apenas disso. No momento em que escrevo, meu próprio país e
muitos outros parecem estar à beira de um precipício de crises pequenas e
grandes. Quem queremos que nos lidere? Um autoritário forte, mas louco,
ou um burocrata equilibrado, mas fraco? Como a loucura das massas
influencia nossas escolhas? Por exemplo: o sistema de eleições primárias dos
Estados Unidos coloca poder demais nas mãos dos eleitores mais radicais —
na verdade, completamente loucos? Há formas de devolver a sanidade aos
nossos processos políticos, ou no futuro imediato estaremos perdidos em um
caos de emoção e ódio desenfreados?
Talvez nossa cultura de humanismo, a crença de que cada pessoa tem um
valor intrínseco, impeça os piores excessos da loucura nos tempos atuais. É
fácil perder essa perspectiva em um mundo dividido no qual aqueles com
crenças diferentes não estão apenas errados, mas são ruins, maus e impuros.
Como seria a vida se abandonássemos esses valores e contássemos com a mão
firme do ou da líder para nos proteger? Só precisamos estudar a história.
Grande parte da culpa pela nossa história sangrenta pode ser atribuída aos
homens. A história tem sido patriarcal, com as mulheres normalmente
relegadas a papéis secundários. Isso às vezes leva à percepção de que a
loucura faz parte da linhagem masculina e que um mundo matriarcal evitaria
a violência, a loucura e a “masculinidade tóxica” [ 26 ] do mundo patriarcal.
As evidências em geral contradizem tal afirmação, e basta arranhar a
superfície para encontrar abundantes exemplos de loucura tanto entre
mulheres quanto entre homens. Vejam o caso da Condessa de Sangue.
A Condessa de Sangue, Elizabeth Bathory (Erzsébet Báthory em seu
húngaro natal), foi uma nobre húngara do final do século XVI com um
temperamento terrível e um desejo insaciável por sexo sádico. Conta a
história que o interesse de Elizabeth pelo sadismo se transformou em
assassinato em resposta às suas preocupações com o envelhecimento. Um dia,
enquanto repreendia uma jovem criada, ela arranhou a pobre coitada com as
unhas e acabou com sangue no próprio corpo. Ao esfregar o sangue, ela
notou que a pele por baixo era macia, flexível e de aparência mais jovem. Isso
a levou a concluir que o sangue humano de fato é um hidratante natural. Ela
estava certa, claro; mas agora há muitos outros hidratantes disponíveis para
as jovens mulheres dos tempos modernos.
Retrato de Elizabeth Bathory.
Bathory foi capaz de torturar, mutilar e matar meninas ao longo de anos
porque era uma nobre e suas vítimas pertenciam à classe camponesa. [ 27 ]
As classes mais baixas na sociedade medieval e do início do Renascimento
costumavam ter menos acesso ao império da lei, e a ideia de humanismo
ainda não era difundida. Assim, as autoridades demoraram a reagir aos
múltiplos homicídios cometidos por Bathory.
Detalhes de seus crimes foram fornecidos por testemunhas, bem como
por diversos cúmplices interrogados sob tortura, sendo seus depoimentos
obviamente prejudicados pelas circunstâncias. Mesmo que alguns de seus
crimes tenham sido exagerados, parece claro que ela foi uma das assassinas
em série mais prolíficas da história. [ 28 ] Parece ter sido criativa em suas
sessões de tortura, enfiando alfinetes nos lábios de suas vítimas, cortando-as
com tesouras ou outras lâminas, forçando-as a comer a própria carne ou
devorando-as ela mesma. Dizem que ela fez com que algumas garotas
fossem arrastadas pela neve e cobertas de água no clima gelado até que
congelassem. Outras ela cobriu com mel e expôs a insetos. [ 29 ] Além de
toda uma série de horrores físicos e muitas vezes sexuais infligidos a suas
empregadas, ela também usava o sangue delas para se manter jovem. Como
exatamente fazia isso continua a ser uma questão controversa, e as
afirmações de que se banhava em sangue provavelmente são um exagero
adicionado em um momento posterior. [ 30 ] Alguns relatos sugerem que ela
pode ter construído um equipamento para sangrar lentamente as mulheres
colocadas nele. Imagens que a retratam se banhando em uma banheira de
sangue são provavelmente imprecisas, levando-se em conta a quantidade de
sangue necessária e a dificuldade de impedir que coagulasse. No entanto, ela
pode ter se lavado com o sangue de suas vítimas usando um pano ou, talvez,
o bebido. Embora as estimativas sejam vagas, acredita-se que tenha matado
seiscentas meninas antes de finalmente ser capturada e aprisionada em sua
própria mansão.
Como Elizabeth se tornou uma lendária assassina sádica? Alexandre e Idi
Amin apresentavam algumas semelhanças, exibindo o que hoje
chamaríamos de transtorno de personalidade narcisista. Isso não significa
que fossem idênticos no perfil psicológico: Amin pode ter sido mais cruel,
porém menos estratégico do que Alexandre. Mas o mundo ao redor da
Uganda de Amin poderia ser mais preparado para resistir a um ditador
barato do que a Macedônia de Alexandre. Contudo, Elizabeth parece ser
um pouco diferente dos dois homens. Provavelmente, hoje ela seria
diagnosticada com uma variante do transtorno de personalidade antissocial
conhecido como transtorno de personalidade sádica. [ 31 ] Essa condição é
mais ou menos o que parece: indivíduos que têm prazer intrínseco em
causar danos ou sofrimento aos outros. No caso de Elizabeth, isso envolvia
sadismo sexual.
E o que aconteceu com Elizabeth para trazer à tona esse sadismo sexual?
Os detalhes de sua infância são obscuros, para dizer o mínimo. Como
acontece com muitas famílias nobres, a consanguinidade era comum, e isso
pode ter exacerbado características negativas. Os pais de Elizabeth vinham
de dois ramos da mesma família Bathory. Relatos sugerem que seu
relacionamento com os pais, e sobretudo com a mãe, era no melhor dos
casos tenso, e sua família certamente arranjou seu casamento muito cedo.
Dada a onipresença dos castigos corporais tanto a adultos quanto a crianças,
Elizabeth teria testemunhado o tratamento duro dispensado aos
camponeses na propriedade da família. Assim, vemos um padrão
semelhante de risco biológico associado a um ambiente hostil que não
oferece oportunidades para o desenvolvimento da empatia. Eu estudo esse
padrão mais detalhadamente no capítulo 3.
Para a maioria das pessoas no final dos anos 1500, o mundo era cruel. A
maioria das sociedades ainda não havia adotado a crença de que a vida
humana tinha valor intrínseco. Punições cruéis para transgressões menores
continuavam a ser a norma. Provavelmente apresentando uma predisposição
para a agressão, Elizabeth teve poucas oportunidades para desenvolver
empatia, em especial para com aqueles em posição inferior. As ações de
Elizabeth certamente foram extremas até mesmo para sua época, mas
podem ser entendidas no contexto de um período histórico que não atribuía
muito valor à bondade e à compaixão.
Elizabeth também compartilhava com Alexandre e Amin um
distanciamento dos pais. Alexandre pelo menos tinha sua mãe Olímpia, e
talvez esse vínculo tenha evitado os piores excessos vistos em Amin ou
Bathory. Mas isso mostra a importância do vínculo parental para conter os
piores excessos daqueles que podem estar predispostos à violência. Elizabeth
é um exemplo claro dos horrores que podem acontecer quando uma
predisposição biológica para a violência é combinada com um ambiente
hostil e caótico no qual laços afetivos não são valorizados.
Bathory com certeza era louca (de fato, suas façanhas recebem o crédito
de ter influenciado a mitologia dos vampiros, juntamente com as de outro
húngaro louco, Vlad Tepes), mas sua loucura teve pouca influência além das
centenas de vítimas infelizes de sua vaidade e seu sadismo sexual. E o
mesmo deve valer para mulheres que foram amplamente excluídas dos
corredores do poder, com algumas exceções notáveis, até os tempos
modernos.
Nos capítulos que se seguem, apresento uma série de lunáticos, sádicos,
pobres infelizes, visionários, psicóticos e dementes. Essas pessoas chefiaram
governos, moldaram culturas, guiaram religiões e tiveram em suas mãos o
destino de inúmeras outras. Com um sutil desvio de curso, elas poderiam ter
se juntado às legiões de loucos em hospícios, manicômios ou mesmo
queimadas na fogueira. Em vez disso, ganharam poder e influência. Às
vezes, as sociedades e as culturas que os abraçaram lucraram com a aposta
feita; com maior frequência, elas sofreram. Alguns deles estão no poder hoje
ou já iniciaram a trajetória que os levará ao poder em nosso futuro imediato.
Como tal, eles podem influenciar nossas próprias vidas de maneiras
profundas.
Espero que você goste das histórias de vida dessas pessoas e talvez
também aprenda com elas. Como se costuma dizer, se não aprendermos
com a história, estaremos condenados a repeti-la. E isso seria simplesmente
uma loucura.
CAPÍTULO 2
LOUCURA, DOENÇA MENTAL E INSANIDADE

E
m 7 de abril de 1978, os restos mortais parcialmente decompostos de
uma menina de 12 anos, Kimberly Leach, foram encontrados
desovados em um parque estadual na Flórida. Kimberly havia sido
sequestrada de sua escola dois meses antes, atraída por um homem adulto
com charme o suficiente para temporariamente amenizar sua tendência
natural a desconfiar de estranhos. Exames forenses indicaram que ela sofreu
abuso sexual e foi espancada. Evidências extraídas dos restos mortais e relatos
de testemunhas oculares ligariam a morte de Kimberly ao famoso assassino
em série Ted Bundy, que em meados da década de 1970 matou dezenas de
mulheres jovens e bonitas. [ 32 ]
Bundy é um dos mais famosos assassinos em série porque combinou
sadismo sexual com considerável inteligência e grande charme. Ele também
era um homem bonito, o que o tornava um assunto fotogênico para a
imprensa. Nas interações cotidianas com as pessoas ao seu redor, aparentava
ser sociável e confiável. [ 33 ] Ele usava essas habilidades para deixar as
mulheres à vontade, às vezes se fazendo passar por segurança ou uma pessoa
ferida necessitando de ajuda. [ 34 ] Bundy estuprou e torturou suas vítimas,
muitas vezes retornando aos locais de desova para fazer sexo com os corpos,
vesti-los ou aplicar maquiagem e reviver suas fantasias. O número exato de
vítimas de seus impulsos predatórios não é claro, embora ele seja suspeito de
ter matado mais de trinta mulheres em vários estados do noroeste dos
Estados Unidos. Sua jornada terminou com uma última fuga em pânico para
a Flórida e a morte de Kimberly Leach.
Poucos discordariam de que Bundy era louco. Mas o que isso significa? Ele
tinha algum tipo de doença mental ou distúrbio de personalidade? Em
termos coloquiais, as pessoas podem concluir que Bundy tinha de ser louco,
mas segundo a lei, ele foi considerado totalmente consciente do que havia
feito. [ 35 ] Bundy nasceu assim, foi moldado por suas primeiras experiências,
É
ou ambos? É claro, se quisermos discutir a loucura, precisamos definir o mais
claramente possível o que significa loucura em relação a termos associados,
como doença mental e insanidade. E um louco óbvio como Bundy pode nos
ajudar com isso. Antes, porém, vamos ver como a loucura tem sido vista ao
longo da história.

Loucura na história antiga


Três termos costumam ser usados de modo alternado pelo público em geral:
loucura, doença mental e insanidade. Obviamente, há sobreposições e
diferenças entre eles. Nem sempre foi assim: durante grande parte da
história, loucura e doença mental foram consideradas sinônimos. Mesmo no
início do século XX, os doentes mentais crônicos eram vistos como
“degenerados” e “escória”, o equivalente a criminosos e escroques. [ 36 ] Esses
infelizes foram submetidos a todos os tipos de tortura e tratamentos falsos.
Em alguns casos, resistiram com unhas e dentes ao seu destino; em outros, os
doentes mentais foram inocentemente submetidos a terapias prejudiciais por
seus psiquiatras e neurologistas.
Durante grande parte da história, as doenças mentais foram tratadas com
notável crueldade. Para muitas sociedades antigas, doença mental era
sinônimo de possessão demoníaca ou comunicação com deuses ou espíritos.
Presumivelmente, aqueles com problemas mentais que ainda conseguiam se
comunicar com eficácia podiam ser considerados profetas ou líderes
religiosos. Mas aqueles mais confusos e incompreensíveis poderiam ser vistos
como sendo torturados por demônios ou espíritos malignos.
Crânio mostrando trepanação com alguma regeneração óssea, Museu Nacional de Saúde e Medicina. Foto:
Autor.

Um possível destino para os doentes mentais nas primeiras culturas era um


processo chamado trepanação. Isso envolvia uma cirurgia primitiva para
remover pedaços do crânio, sem dúvida com a utilização de pouca ou
nenhuma anestesia. Esses procedimentos eram realizados no caso de
ferimentos na cabeça, epilepsia e também para doenças mentais. [ 37 ] A
teoria vigente à época era que o procedimento fornecia algum incentivo para
que os espíritos malignos abandonassem o corpo. [ 38 ] De modo
impressionante, algumas pessoas de fato sobreviviam à trepanação, como
evidenciado por osso regenerado ao redor do buraco aberto no crânio. É
duvidoso que esse procedimento funcionasse, no sentido moderno, para aliviar
doenças mentais. No entanto, pode ter tido efeitos semelhantes aos da
lobotomia mais moderna, que tendia a resultar em doentes mentais mais
dóceis e menos agressivos e, assim, ter sido considerado um relativo sucesso.
Da mesma forma, é de se pensar que os indivíduos aprendessem a ser mais
comedidos ao compartilhar seus delírios com os outros depois de um buraco
ter sido feito em seus crânios.
A equivalência entre doença mental, feitiçaria e espíritos malignos mudou
em grande parte devido aos esforços do médico grego Hipócrates, cujas
crenças básicas ainda influenciam a abordagem médica moderna da doença
mental. [ 39 ] Simplificando, Hipócrates via a doença mental em grande
medida como equivalente à doença física, geralmente envolvendo um
desequilíbrio dos quatro fluidos: sangue, fleuma, bile amarela e bile negra. [
40 ] Essa visão geral da doença mental como resultado de um desequilíbrio
químico é um conceito que deve soar familiar aos observadores modernos.
Hipócrates aplicou a experimentação à medicina e às doenças mentais e
buscou tratamentos eficazes. Ele também era crítico de cruéis “curas” físicas
usadas em excesso, como sangria e purgação. [ 41 ] Essa abordagem humana
da doença mental sobreviveu até meados dos anos 200 d.C., quando acabou
sendo suplantada primeiramente pelas tendências supersticiosas romanas, e
depois, cristãs.
De fato, o grande abandono da abordagem hipocrática da medicina
representa um considerável e se histórico. E se a medicina hipocrática pudesse
ter avançado sem interrupções até os dias de hoje? [ 42 ] A medicina moderna
estaria ainda mais avançada do que o que temos atualmente?
Na Idade Média, os médicos (à época, a maioria das cirurgias era feita por
barbeiros) [ 43 ] sabiam que as doenças mentais geralmente eram causadas por
doenças físicas. Ao contrário do que se vê em filmes populares, atribuir
doenças mentais a possessão demoníaca era algo incomum, embora às vezes
acontecesse. [ 44 ] A publicação de Malleus Maleficarum, [ 45 ] ou “O martelo
das feiticeiras”, por dois monges em 1487 provavelmente não ajudou muito,
já que tendia a relacionar sintomas de doença mental (para não mencionar o
fato de o portador ser mulher) com o mal e a possessão. [ 46 ] Alguns doentes
mentais sofreram torturas e foram queimados na fogueira, mas supõe-se que
a ideia na época era a de que alguns ovos deviam ser quebrados para que se
pudesse fazer uma omelete. Importante notar que o Malleus Maleficarum
ainda está disponível para compra em muitos varejistas na internet. [ 47 ]
Com o tempo, o tratamento chegou à era da internação, em que os doentes
mentais eram armazenados em asilos úmidos e tomados de doenças, nos
quais a expectativa de vida costumava ser bem curta. [ 48 ] O que não pode
ser visto não incomoda.

Doença mental na história recente


Somente no final do século XVIII e no início do século XIX o tratamento
dos doentes mentais tomou um rumo verdadeiramente humano desde os dias
de Hipócrates. Reformistas como Philippe Pinel, William Tuke, Benjamin
Rush e Dorothea Dix argumentaram que os doentes mentais deveriam ser
tratados como seres humanos, receber tratamentos humanos e ser protegidos
de intervenções bárbaras que causavam mais mal do que bem. [ 49 ] Esses
tratamentos mais suaves podem ter funcionado em alguma medida para
devolver, pelo menos, uma parcela razoável dos doentes mentais a uma vida
relativamente funcional. Mas não há como ganhar muito dinheiro com isso,
então, em seus primórdios, a psiquiatria moderna pouco a pouco retornou
aos hospitais lotados e às intervenções cruéis e dolorosas que não ajudavam. [
50 ]
Pacientes mentais, muitos com quadros recentes ou condições das quais
poderiam ter se recuperado com o tempo, sofreram danos cerebrais
permanentes devido às intervenções psiquiátricas da medicina moderna entre
o final do século XIX e o início do século XX. Os cérebros de alguns foram
deixados à míngua durante comas induzidos por insulina, ou fritados com
eletrochoques. No final desse período, muitos médicos simplesmente
escavaram os cérebros de seus pacientes com ferramentas semelhantes a
picadores de gelo inseridas pela órbita ocular, passando pelo globo ocular e,
por fim, cravadas no cérebro. Egas Moniz, o pioneiro dessas lobotomias
cirúrgicas dos lobos frontais do cérebro, ganhou o Prêmio Nobel de
Medicina por essa inovação brutal em 1949.
Esses procedimentos horríveis proliferaram durante o século XX. A classe
médica muitas vezes parecia não se preocupar se as intervenções beneficiavam
os pacientes, mas sim se os tratamentos os tornavam mais dóceis, infantis e
fáceis de cuidar. [ 51 ] Em uma atmosfera social de indiferença ou
repugnância para com os doentes mentais, poucas pessoas pareciam
interessadas em defender esses infelizes. Milhares de pessoas se tornaram
incontinentes, infantis, incapazes de planejar ou formar memórias coerentes,
desprovidas de paixão, despojadas de inteligência — de certa forma,
separadas de suas almas —, tudo para torná-las menos inconvenientes para o
restante da sociedade. Dizer que os doentes mentais sofreram sob um
estigma gigantesco nem começa a tocar a superfície da questão.
O fascinante é o papel de organizações profissionais como a American
Psychiatric Association e a American Medical Association na promoção de
tais práticas bárbaras. Essas organizações costumavam resistir muito às
evidências sugerindo que os doentes mentais estavam sendo prejudicados. [ 52
] Uma lição disso é compreender que essas associações profissionais não são
detentoras objetivas de fatos científicos, mas que existem para representar e
promover as profissões. Minha própria organização, a American
Psychological Association (APA), é pouco diferente. Recentemente, a APA
lançou diretrizes clínicas para transtorno de estresse pós-traumático
(TEPT), destacando o valor da terapia cognitivo-comportamental (TCC)
em comparação com outros tratamentos. [ 53 ] Ironicamente, mais ou menos
ao mesmo tempo, várias meta-análises foram publicadas indicando que a
TCC na verdade oferecia poucos benefícios em comparação com outros
tratamentos, podendo mesmo aumentar as taxas de abandono do tratamento
de TEPT. Isso levou a APA a reconsiderar suas diretrizes clínicas com
destaque para a TCC? [ 54 ] Não. Considerando que uma investigação
interna da APA revelou que a organização era cúmplice em alterar suas
diretrizes éticas para permitir que psicólogos se envolvessem nos duros
interrogatórios de detidos em centros de detenção governamentais, [ 55 ] uma
postura cética em relação à APA e outras associações profissionais parece se
justificar.

Afinal, o que é loucura?


É certo que o objetivo deste livro não é aumentar o estigma que envolve os
doentes mentais. Mas o que exatamente é doença mental e como ela se
relaciona com a loucura? Atualmente, nos Estados Unidos, a doença mental
é definida pelo Diagnostic and Statistical Manual (DSM), o manual de
diagnóstico e estatística da American Psychiatric Association. Esse livro lista
tudo, desde simples fobias de cães e aviões, passando por vício em cafeína e
chegando a doenças mentais crônicas como a esquizofrenia.
A esta altura é importante mencionar que doença mental não é um
conceito estático como muitas doenças físicas. A gripe não é definida de
forma diferente dependendo de você vir dos Estados Unidos, da Líbia ou da
China. Por outro lado, nossos conceitos de doença mental são, pelo menos
em parte, culturalmente definidos. Em termos históricos, o diagnóstico de
doença mental também tem sido pouco confiável, com as avaliações médicas
estando sujeitas a subjetividade, erros e excesso de classificação patológica. O
exemplo mais famoso disso talvez tenha sido o experimento do professor de
psicologia David Rosenhan. Rosenhan e vários estudantes, todos livres de
doenças mentais, foram a hospitais psiquiátricos alegando ouvir algumas
vozes vagas que ninguém mais conseguia ouvir, mas sem outros sintomas.
Todos foram internados e receberam prescrições de medicamentos
neurolépticos (que não tomaram). Eles foram mantidos nos hospitais, apesar
de não reclamarem mais de seus sintomas nem agirem de forma estranha
uma vez internados. Apenas os pacientes reais nas enfermarias os
identificaram corretamente como impostores. [ 56 ] Esse experimento destaca
os preconceitos de muitos funcionários psiquiátricos ao interpretar
comportamentos como sendo benignos ou patológicos, e a demora em
aceitar sinais de melhora. Embora esse estudo tenha sido publicado em 1973,
é possível dizer que pouco mudou no atendimento aos doentes mentais desde
então. [ 57 ]
Tornou-se comum nas últimas décadas corresponder as doenças mentais
diretamente às doenças médicas (como fazia Hipócrates há 2.500 anos), em
uma tentativa bem-intencionada de reduzir o estigma da doença mental.
Essa mensagem pode ser popular porque parece absolver os portadores de
doenças mentais da culpa por sua condição, embora muitas doenças médicas,
como câncer de pulmão ou diabetes tipo II, muitas vezes sejam produto de
escolhas que fazemos. A não ser por mutações, os micro-organismos que
causavam a sífilis, a varíola ou a cólera há quatro séculos são as mesmas
criaturas que as causam hoje. Da mesma forma, uma parada cardíaca ou um
glioblastoma hoje é igual ao que era há dez — ou dez mil — anos. Embora
nada seja universal, a maioria das doenças médicas tem uma base factual na
realidade que não é influenciada por história, cultura ou opinião. Ou você
tem um tumor no cérebro ou não tem — e continua a ter o tumor no cérebro
esteja você nos Estados Unidos, no Japão ou na Lua (neste caso, concordo,
um tumor no cérebro pode não ser sua preocupação mais premente).
Em relação à construção social da doença mental, considere a questão da
homossexualidade, que de uma forma ou outra permaneceu até 1987 no
DSM como uma doença mental passível de diagnóstico. Embora indivíduos
homossexuais às vezes experimentem sofrimento psíquico, sabemos hoje que
isso tem muito mais relação com o preconceito social e a falta de aceitação
(incluindo ser rotulado de doente mental) do que simplesmente por ser
homossexual. [ 58 ]
Mais recentemente, gerou polêmica a decisão da Organização Mundial da
Saúde (OMS) de incluir em sua International Classification of Diseases (ICD)
o “transtorno do jogo” de jogadores de videogame. Os críticos afirmam que a
literatura de pesquisa não sustenta que os jogos sejam particularmente
viciantes, e se o comportamento excessivo é uma preocupação, por que não
ter uma categoria abrangente para todos os comportamentos em que as
pessoas às vezes exageram, como comida, sexo, exercícios, religião, trabalho?
Existem até trabalhos de pesquisa sobre o vício em dança! [ 59 ] A OMS em
grande medida reagiu a um pânico moral em relação aos videogames, criando
um diagnóstico duvidoso que os dados reais não sustentam. Essa
preocupação fez, por exemplo, com que as divisões de mídia e tecnologia da
American Psychological Association e da Psychological Society of Ireland
redigissem uma declaração conjunta condenando o diagnóstico da OMS. [ 60
] Outros estudiosos observaram que a OMS reconheceu que a pressão
política “sobretudo de países asiáticos” foi um fator na decisão de criar o
diagnóstico de transtorno do jogo. [ 61 ]
Isso não significa que doença mental seja unicamente uma construção
social, mas sim que seus limites costumam ser definidos tanto por crenças
sociais e preconceitos (em especial entre os idosos), dinheiro, política e
ideologia quanto pela boa ciência. E, ao longo do tempo, pode haver um
certo “abuso” do conceito de doença mental em manuais como o DSM, de
modo que nas últimas décadas se tornou cada vez mais fácil definir alguém
como “doente mental”. Por exemplo: experimentar depressão intensa por
mais de duas semanas — mesmo após a morte de um ente querido — é
tecnicamente passível de diagnóstico na última edição do DSM. [ 62 ]
Portanto, para deixar claro, doença mental é um termo amplo, e de forma
alguma os indivíduos com doenças mentais são “loucos” no sentido em que o
termo é usado neste livro. Mas os esforços para reduzir o estigma também
podem ser equivocados. Por exemplo: muitas vezes ouço defensores dos
doentes mentais alegando que eles não são mais propensos — ou são até
menos propensos — a apresentar comportamento violento do que a pessoa
comum. Embora tais declarações sejam obviamente bem-intencionadas, elas
contradizem o enorme volume de dados psicológicos que mostram que
doenças mentais como esquizofrenia, depressão e transtorno de déficit de
atenção com hiperatividade aumentam o risco de comportamento violento. [
63 ] Em meu próprio trabalho com jovens vejo que os fatores de risco mais
fortes para comportamento violento e agressivo não dizem respeito a bichos-
papões sociais como videogames violentos, mas uma combinação de
depressão e traços de personalidade antissociais. [ 64 ] Para ser justo, alguns
estudiosos, como Robert Whitaker em seu livro Mad in America, sugerem
que, no caso de psicose, o risco de violência pode ser aumentado pela
incapacitação cerebral provocada por medicamentos neurolépticos, e não pela
própria psicose. De qualquer maneira, sugerir que não há risco aumentado é
um erro, mesmo que bem-intencionado.

De volta ao sr. Bundy


Então, Ted Bundy tinha uma doença mental? No sentido de que Bundy
possa ter tido uma psicose que o tornava incapaz de compreender o erro de
suas ações compulsivas, que tirava dele a responsabilidade e o livre-arbítrio, a
resposta é claramente não. Bundy era um sádico sexual cruel que não sentia
empatia por suas vítimas, gostava de estupros e assassinatos violentos e até de
sexo com cadáveres. [ 65 ] Ele era racional e seus crimes foram premeditados.
Isso pode ser visto até mesmo no sequestro fracassado de Carol DaRonch, o
crime que efetivamente acabou com o elemento mais produtivo de sua fúria
assassina. Vestido de segurança, Bundy abordou DaRonch no
estacionamento de um shopping, alegando que seu carro havia sido
arrombado e se oferecendo para levá-la em segurança à delegacia de polícia
para registrar uma queixa. Quando ela percebeu que ele não estava seguindo
pelo caminho correto até a delegacia, começou a lutar. Bundy tentou algemar
DaRonch. Felizmente para DaRonch, Bundy colocou as duas pulseiras das
algemas no mesmo pulso por acidente, e ela conseguiu fugir do carro. Mais
tarde, no mesmo dia, uma estudante do ensino médio foi sequestrada não
muito distante dali. Uma chave de algema combinando com as algemas no
pulso de DaRonch foi encontrada no local. A estudante, Debra Jean Kent,
nunca foi encontrada.
Bundy era objetivo e racional, mas carecia de empatia ou sentimento de
culpa por suas ações. Essa condição, também acompanhada de
comportamento hedonista, busca de emoção e uma dificuldade de aprender
com as consequências, normalmente é diagnosticada como transtorno de
personalidade antissocial. As palavras psicopatia e sociopatia são equivalentes
em termos de comportamento, e para facilitar, a partir de agora, usarei
“psicopatia”. [ 66 ]
Dizer que Bundy era um psicopata é sem dúvida verdade, mas ainda um
tanto insatisfatório. Para começar, nem todos os psicopatas têm surtos de
violência tão horrendos. Na verdade, muitos psicopatas não cometem
grandes crimes e, em vez disso, desempenham papéis bastante produtivos na
sociedade em que a falta de consciência é uma vantagem (política, negócios
ou a lei, por exemplo. Também é possível ver com desconfiança professores
de psicologia). Além disso, usar psicopatia como explicação é uma tautologia,
ou lógica circular. Dessa forma, podemos perguntar: “Por que Bundy
cometeu tantos assassinatos horríveis?” Ao que a resposta é, claro: ele era um
psicopata. Mas, então, pode-se perguntar: “Como você sabe que Bundy era
um psicopata?” Ao que a resposta seria: bem, ele cometeu todos aqueles
assassinatos horríveis. Obviamente, precisamos procurar um pouco mais
fundo.
Uma coisa que sabemos é que a psicopatia e o comportamento antissocial
têm raízes biológicas e genéticas significativas. Esse entendimento muitas
vezes encontrou grande resistência. Talvez o caso mais notável seja a
Declaração sobre Violência de Sevilha, de 1986, assinada por vinte
importantes estudiosos da época e endossada por instituições como a
UNESCO e a American Psychological Association. [ 67 ] O documento
rejeitou a crença de que a genética ou a evolução contribuíam para a
propensão humana à violência. [ 68 ] Hoje essa posição é amplamente
considerada ridícula. [ 69 ] A genética parece ser responsável por cerca de 50%
da variância em agressão, violência e comportamento antissocial. [ 70 ] Até
certo ponto, pessoas como Bundy de fato nascem más.
Mas isso não elimina o potencial para algumas influências ambientais. Na
verdade, os genes e o ambiente interagem de formas complexas e sutis. [ 71 ]
Por exemplo, um ambiente hostil na infância parece exacerbar a tendência de
alguns com predisposição à psicopatia. Assim, muitos indivíduos podem
sofrer muitas agressões, mas ter vida social plena e produtiva, enquanto
outros parecem repetir um padrão cíclico de violência familiar. A
predisposição genética e o estresse ambiental se combinam para produzir
resultados antissociais.
Será que Bundy teve o tipo de criação dura que poderíamos esperar que
interagisse negativamente com uma predisposição à violência? O que
sabemos sobre a infância de Bundy é, infelizmente, baseado sobretudo nas
entrevistas que deu após ser preso. Ele não era nada confiável, muitas vezes
se contradizia. Alguns desses relatos indicam que, inicialmente, ele foi criado
acreditando que sua mãe solteira era, na verdade, sua irmã (não fica claro
quando exatamente descobriu a verdade). Alguns relatos sugerem que o avô
materno pode ter sido agressivo, e sua educação parece ter sido no mínimo
caótica. [ 72 ] No entanto, nada disso é muito impressionante, no sentido de
que literalmente centenas de milhões de pessoas em todo o mundo crescem
com famílias caóticas e potencialmente agressivas sem se tornarem assassinos
sexuais sádicos. Mesmo a parte bizarra sobre a mãe fingir ser irmã é algo que
ele compartilha com o músico Eric Clapton. [ 73 ] Então, talvez ser criado
acreditando que sua mãe é sua irmã leve alguém a se tornar um assassino em
série ou ao blues.
E quanto à pornografia? Antes de sua execução, Bundy sugeriu que seu
fascínio pela pornografia pode ter levado ao interesse por violência
sexualizada. Bundy tinha o hábito de atribuir suas ações a qualquer pessoa e
qualquer coisa mais do que a si mesmo, então não é possível saber por que
alguém pode acreditar que ele dizia uma verdade divina ao falar em
pornografia. Ainda assim, suas alegações foram um presente para os cruzados
contra a pornografia, bastante comuns na década de 1980. O governo federal
norte-americano, por intermédio da Comissão Meese, havia proclamado a
pornografia uma das principais causas de violência sexual, embora os
acadêmicos rapidamente atacassem as falhas metodológicas e os conflitos de
interesse entre os membros da comissão. [ 74 ]
O consumo de pornografia e as taxas de estupro nos Estados Unidos se correlacionam inversamente. Os
dados sobre títulos pornográficos após 2005 não estavam disponíveis.

Desde então, as evidências que ligam pornografia ao estupro ou à violência


no namoro não são convincentes. Meu colega Rick Hartley e eu conduzimos
uma revisão de pesquisas em 2009 e constatamos que as evidências não são
nada impressionantes. [ 75 ] Desde então, as pesquisas não mudaram muito.
Alguns estudos até descobriram que ver pornografia está associado a atitudes
mais positivas em relação às mulheres. [ 76 ] E o aumento do consumo de
pornografia nas últimas décadas tem sido associado a uma considerável queda
nos índices de estupro e violência doméstica em todo o mundo, inclusive nos
Estados Unidos. Portanto, podemos rejeitar as alegações de Bundy sobre
pornografia levar à violência sexual.
O fim de Bundy se deu na Flórida. Preso e julgado pelo sequestro de Carol
DaRonch, ele conseguiu escapar duas vezes. Na primeira, ele atuou como seu
próprio advogado e obteve um período de tempo sem supervisão na
biblioteca do tribunal, onde conseguiu saltar de uma janela. Recapturado
alguns dias depois, Bundy escapou pela segunda vez abrindo caminho até o
teto da prisão, descendo ao apartamento do carcereiro e saindo com as roupas
dele.
Bundy seguiu para Tallahassee, Flórida, onde agrediu cinco jovens
mulheres em uma única noite no campus da Florida State University. A essa
altura, ele havia se tornado mais um assassino em surto que um assassino em
série, com sua identidade conhecida e comportamento cada vez mais
descontrolado. Um mês depois, ele matou sua última vítima, Kimberly
Leach. Foi preso em um carro roubado logo depois.
Condenado na Flórida, Bundy foi sentenciado à morte na cadeira elétrica.
De modo fascinante, ele conseguiu se casar e conceber uma filha enquanto
no corredor da morte (presumivelmente, subornando um guarda da prisão
para conseguir uma visita íntima). [ 77 ] Bundy foi executado em 1989.

Loucura e insanidade
Portanto, doença mental envolve uma ampla gama de comportamentos
tipicamente marcados por atitudes desajustadas (ou seja, insistência em
determinado comportamento apesar de seu evidente custo negativo) ou
perturbação (tristeza, medo ou raiva). Não todas, e nem mesmo a maioria
das doenças mentais são aquilo a que me refiro como loucura. Por loucura eu
me refiro especificamente ao comportamento que persiste apesar de sua
natureza destrutiva para si mesmo ou para os outros. A noção de loucura que
proponho é semelhante à de insanidade, embora na maioria das culturas
ocidentais a insanidade tenha ganhado facetas jurídicas. Ser insano em um
sentido legal implica um estado mental tão deficiente que o indivíduo não
consegue entender a realidade e, portanto, não é responsável por suas ações.
Nem todos aqueles com uma doença mental são insanos no sentido legal; na
verdade, a imensa maioria não é. Então, Andrea Yates, uma mãe do Texas
que afogou seus cinco filhos em 2001 por acreditar que Satanás os havia
influenciado, se encaixa nessa definição de insanidade. Obviamente,
Alexandre, o Grande, não. Ele pode ter ficado fora de controle e mesmo
delirado em alguns momentos, mas não estava dissociado da realidade da
mesma forma que Andrea Yates. Contudo, insistiu tanto no consumo
excessivo de álcool quanto em guerras intermináveis, apesar do enormes
danos que isso causava a ele mesmo, seus colegas próximos e aos inúmeros
inocentes esmagados por sua máquina de guerra. Isso é loucura.
Portanto, podemos pensar na loucura como um subconjunto muito
pequeno das doenças mentais, sendo a insanidade outro ainda menor. Todo
mundo que é louco está passando por algum tipo de problema mental, seja
uma doença mental tradicional ou um transtorno de personalidade. Mas nem
todo mundo com problemas mentais é louco. Muitas doenças mentais
envolvem problemas relativamente menores (embora alguns, como depressão
suicida ou esquizofrenia, sejam bastante graves, é claro). Uma adolescente
que ainda se sente triste seis meses depois de romper com um namorado
poderia ser candidata a um transtorno de ajuste, uma doença mental leve,
mas ninguém (exceto talvez alguns veteranos excêntricos) diria que ela é
louca.
Há um outro grupo de transtornos que merece ser mencionado à medida
que apresento os termos usados neste livro. Trata-se dos transtornos de
personalidade, padrões vitalícios de comportamento desviante ou mal-
adaptável que são fruto da personalidade central do indivíduo, e não de uma
doença em si. Já mencionei que Alexandre, o Grande, provavelmente
experimentava um transtorno de personalidade narcisista. O narcisismo era
essencialmente quem ele era, não uma doença que o afligia. Nesse sentido, os
transtornos de personalidade são diferentes das doenças mentais tradicionais,
como depressão ou esquizofrenia. Eles podem ser tão perturbadores quanto,
mas resultam de processos diferentes. Uma doença mental pode ser curada,
ou pelo menos colocada em remissão com o tratamento adequado. Os
transtornos de personalidade geralmente não podem, pois refletem a
identidade central do indivíduo. Um desses transtornos, o transtorno de
personalidade limítrofe, que é caracterizado por instabilidade severa,
mudanças rápidas de humor, comportamento manipulativo e agressivo e
irracionalidade e impulsividade, vem recebendo mais atenção nos últimos
tempos. No entanto, há vários outros transtornos de personalidade que
também podem ser motivo de grande preocupação. Na verdade, os
transtornos de personalidade são comuns nos indivíduos que discuto neste
livro.

Quando as sociedades enlouquecem


O fato de que os indivíduos têm muitas oportunidades de mudar o curso da
história é um tema central deste livro. Mas, é claro, o comportamento dos
indivíduos não existe no vácuo, sendo inevitavelmente parte de uma estrutura
social que, intencionalmente ou não, lhes dá uma oportunidade de exercer o
poder.
Sociedades não são entidades independentes em que vontades ou desejos
governam os indivíduos que as compõem. Ao contrário, elas refletem uma
espécie de soma da visão daqueles com poder nessas culturas e de acordos
coletivos sobre motivações, interpretações, cultura e crença. À medida que os
centros de poder mudam, as crenças e motivações das sociedades podem
mudar, às vezes em direção ao racional, às vezes para longe dele.
Algumas vezes, uma sociedade pode derivar para a loucura ao
essencialmente dar maior poder e autoridade aos membros dessa sociedade
que são eles mesmos loucos. Há décadas é travado um grande debate nas
ciências sociais sobre em que medida os indivíduos são apenas engrenagens
maleáveis na máquina da sociedade ou ativamente moldam as sociedades em
que vivem. Nós, é claro, moldamos nossas sociedades e, reciprocamente,
somos moldados por elas, mas o quanto somos intercambiáveis como
indivíduos? Ou, para usar como exemplo uma das sociedades mais
notoriamente loucas do século XX, até que ponto os alemães se tornaram
cúmplices e aceitaram o regime nazista louco das décadas de 1930 e 1940?
Em meados do século XX, as pesquisas em ciências sociais pareciam
sugerir que, de fato, a maioria dos indivíduos representa pouco mais que
engrenagens de uma máquina. Dessas, os mais notáveis foram o estudo
Milgram e o Experimento da Prisão de Stanford.
No estudo Milgram, o psicólogo Stanley Milgram induziu participantes
adultos a aplicar choques elétricos potencialmente perigosos em outra pessoa
como parte do que foi apresentado como sendo uma tarefa de aprendizado.
À medida que o “aluno” cometia erros, o participante o punia aplicando
choques de intensidade crescente. Os choques mais intensos eram
identificados com alertas sobre o potencial de gravidade, e o “aluno” (na
verdade, um membro da equipe — ninguém de fato recebeu choques) pedia
continuamente para ser solto, começou a reclamar do coração, até por fim
ficar completamente calado, como se inconsciente ou morrendo. Embora
alguns participantes se recusassem a aplicar os choques elétricos mais
intensos, muitos seguiram toda a sequência até os choques mais intensos,
sobretudo quando recebiam a garantia de que o pesquisador, a autoridade,
arcaria com quaisquer consequências. Esse experimento pareceu sugerir que
muitos cidadãos comuns seguiriam voluntariamente uma figura de
autoridade (neste caso, o pesquisador) mesmo podendo causar grande dano a
outra pessoa. [ 78 ]
No Experimento da Prisão de Stanford, o psicólogo Phil Zimbardo
designou alunos aleatoriamente como prisioneiros ou guardas em um
ambiente experimental. Embora os dois grupos soubessem ter sido
escolhidos ao acaso, aqueles participantes representando guardas começaram
a agir de forma autoritária e até mesmo brutal com seus colegas prisioneiros.
O experimento foi encerrado após apenas uma semana. Novamente, o estudo
sugeriu que pessoas comuns podem se tornar monstros nas circunstâncias
certas. Zimbardo escreveu um livro não muito sutilmente intitulado O efeito
Lúcifer: Como pessoas boas se tornam más. [ 79 ]
Sociedades aparentemente loucas de fato podem transformar pessoas
comuns em más. Mas não tão rápido — os dois estudos foram revistos mais
recentemente por, no mínimo, exagerar nos resultados e talvez até não serem
absolutamente válidos. Dos dois, o Experimento da Prisão de Stanford é o
mais problemático. Um acompanhamento conduzido em 2006 com a British
Broadcasting Corporation não foi capaz de replicar as descobertas de
Zimbardo, e sugeriu que, à medida que a tirania aumenta, muitas vezes está
subjacente uma sensação de impotência, em vez de obediência autoritária. A
liderança de alguns indivíduos também foi uma parte importante do
desenvolvimento da tirania. [ 80 ] Mais graves são as acusações de que o
Experimento da Prisão de Stanford não é absolutamente válido e que
Zimbardo persuadiu o grupo de guardas da prisão a fazer o que ele queria
que fizessem. Eles se comportaram daquela maneira não porque isso
refletisse a realidade do autoritarismo no mundo real, mas para agradar o
pesquisador em um ambiente artificial. Em outras palavras, todo mundo
estava encenando, e Zimbardo moldou (de modo consciente ou não) o
experimento para que fosse mais um reflexo do que ele queria ver do que
qualquer coisa que acontece no mundo real. [ 81 ] No geral, acredito que as
evidências contra a validade do Experimento da Prisão de Stanford sejam
significativas o suficiente para que não o usemos como fonte primária para
moldar nossas discussões sobre a natureza humana.
O estudo Milgram também enfrentou críticas, embora não tenha sido tão
abalado (ainda!) quanto o Experimento da Prisão de Stanford. Para começar,
novas evidências sugerem que os participantes do estudo Milgram não
acreditavam estar causando dano a alguém. Presumivelmente, ser levado a
um laboratório psicológico e em seguida estimulado a se comportar de um
modo que parece ser capaz de causar um ataque cardíaco em alguém pode ter
levado a maioria dos participantes a desconfiar de que havia um jogo em
andamento. Esse parece ter sido o caso, com base em entrevistas feitas com
participantes daquele estudo. [ 82 ] Uma exposição de 2012 da psicóloga Gina
Perry sugere que Milgram pode ter manipulado um pouco seus números para
fazê-los parecer mais dramáticos e mais aplicáveis a eventos como o
Holocausto nazista. [ 83 ]
De qualquer forma, hoje é menos claro que indivíduos assumam ou
abandonem papéis tirânicos dependendo das sociedades em que se
encontram. Talvez seja mais provável que a maioria das pessoas tenda a
manter a cabeça baixa, protegendo a si mesmas e suas famílias. Isso pode
fazer com que relutem em defender completos estranhos contra uma
autoridade assustadora (embora em todo o mundo haja casos exatamente
disso sob regimes autoritários), algo que pode fazer toda a população de uma
sociedade brutal parecer cúmplice. Isso não é inocentar por completo a
natureza humana: podemos querer esperar que as pessoas sejam mais
heroicas na resistência aos déspotas, mas a ideia de que a pessoa comum é
um nazista esperando para brotar nas condições certas provavelmente é
equivocada.
Pode acontecer, porém, que as circunstâncias abram espaço para que o
louco assuma o poder, desse modo estimulando a influência de outros loucos.
Como discuto no capítulo 10, isso pode acontecer até mesmo em repúblicas
ou democracias. A loucura pode se acumular pela sequência de numerosas
decisões políticas menores, mas ruins, culminando em um regime de loucura,
como aconteceu com a transferência de poder da República de Weimar para
o regime nazista no início do século XX na Alemanha. O fracasso da
racionalidade permite que o poder fique com o louco. A essa altura, não é
que a maioria das pessoas se entregue à loucura, mas que os loucos daquela
sociedade se veem fortalecidos em todos os níveis.
Isso pode explicar o surgimento de indivíduos como Irma Grese, que foi
apelidada de “Bela Fera” ou “Hiena de Auschwitz”. Grese teve uma criação
austera e pode ter sofrido abusos quando criança. Sua vida familiar foi difícil,
envolvendo conflitos com o pai e o suicídio da mãe quando Grese tinha 13
anos. Ela parecia se encaminhar para uma vida insatisfatória e incompleta até
ser “resgatada” pelo movimento nazista e alcançar notoriedade como guarda
de campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. [ 84 ]
Muito do que sabemos sobre Grese vem dos registros de seu julgamento
depois da guerra. Ela serviu nos campos de Auschwitz, Bergen-Belsen e
Ravensbrück, onde testemunhas a descrevem espancando alegremente os
internos e os chutando até sangrar com suas botas pesadas. Ela atirou em
algumas vítimas, mandou cães atrás de outras e selecionou mulheres para a
câmara de gás. Como ela própria admitiu, carregava um chicote para usar
nos prisioneiros. Embora não tenham sido apresentados no julgamento,
testemunhos posteriores acusaram Grese de sexualizar algumas das torturas
nos prisioneiros, incluindo amarrar as pernas de uma prisioneira em trabalho
de parto e se masturbar enquanto internos eram submetidos a cirurgias.
Alguns relatos também sugerem que Grese teria feito abajures com a pele de
algumas vítimas. No entanto, assim como as acusações sexuais, esses relatos
não têm fontes tão confiáveis quanto as histórias de violência e brutalidade
generalizadas de Grese apresentadas no julgamento. [ 85 ] Grese foi executada
por seus crimes em dezembro de 1945.
A Alemanha nazista não transformou Grese em um monstro. Como
acontece com a maioria dos nossos exemplos de loucura, Grese foi produto
de uma herança genética infeliz, associada a um ambiente doméstico inicial
hostil. Se a República de Weimar tivesse resistido, Grese poderia ter se
limitado a crimes menores e, no fim das contas, o sistema prisional. Em vez
disso, a Alemanha nazista deu a ela uma posição de autoridade na qual sua
crueldade podia florescer. Grese prosperou em uma sociedade louca porque
também era louca. Ela não era apenas uma aluna na experiência de prisão de
algum professor.

Diagnosticando ao longo da história


O desafio de avaliar o impacto da loucura na história é evidente: já é difícil
para os médicos estabelecer um diagnóstico confiável para uma pessoa em
quem realizaram uma análise completa no presente, que dirá com milênios
de distância. A tarefa torna-se mais difícil quando as fontes originais datam
de anos ou décadas após a morte do sujeito ou têm em mente projetos
pessoais em vez de um registro histórico preciso. Além disso,
comportamentos que nos parecem bizarros podem ser normativos em outras
culturas. Com isso em mente, diagnosticar “outros” históricos através de
nossas próprias lentes pode ser um processo complicado e delicado. Por
exemplo: declarar-se descendente dos deuses pode parecer um sintoma óbvio
de narcisismo, mas algo comum entre a realeza de algumas culturas.
Podemos decidir que tal comportamento normativo é inútil para um
diagnóstico dessas pessoas, ou será que os narcisistas simplesmente
conseguiram tomar o poder em algumas culturas?
Isso dito, registros recentes e antigos muitas vezes contêm indícios e pistas
poderosos. Com um pouco de cautela e humildade, acredito que podemos
chegar a algumas conclusões embasadas sobre como foram as coisas para os
loucos e as loucas da história. Vamos tentar com um dos loucos mais famosos
da história, o terceiro imperador de Roma, Calígula.
Entre aqueles que já ouviram falar dele, a maioria tem a imagem de um
louco evidente, alguém que manteve relações incestuosas com as irmãs e
nomeou seu cavalo para um alto posto na corte. Pode-se presumir que
Calígula era psicótico, tendo alucinações e delírios — ou pelo menos
gravemente desconectado da realidade. Mas a verdadeira história da Calígula
é mais complicada do que isso.
Busto de Calígula. Foto: Ed Uthman.

É verdade que seus biógrafos clássicos, como os contemporâneos Filo e


Sêneca, bem como romanos posteriores escrevendo várias gerações após sua
morte, como Suetônio e Dio, contam histórias assombrosas sobre seu
comportamento e o retratam de modo muito desfavorável. Mas os
historiadores do período podiam ser, em grande medida, fofoqueiros da
corte [ 86 ], de modo que algumas de suas afirmações devem ser aceitas com
cuidado, mesmo que isso não altere o quadro geral de Calígula como um
imperador perturbado.
Nascido Caio César (foi apelidado de Calígula, ou “botinhas”, porque
vestia uniforme militar enquanto acompanhava seu pai, um general, em
campanha), Calígula foi criado no mundo cruel e assassino do princípio do
Império Romano. Seu pai, o popular general Germânico, morreu quando
Calígula era jovem, e correram rumores de que poderia ter sido envenenado.
Calígula e sua família ficaram sob o controle do segundo imperador, Tibério,
um líder medíocre conhecido pela paranoia e a amargura, e que havia sido
melhor general que imperador. A mãe de Calígula, a viperina Agripina, e
dois irmãos mais velhos morreriam enquanto sob custódia de Tibério, que os
via como inimigos do Estado. Calígula, no entanto, se mostrou
excepcionalmente resistente, e acabou recebendo os cuidados do idoso
Tibério. [ 87 ] No momento de sua morte, Tibério nomeou Calígula e seu
próprio neto, Gemelo, como herdeiros.
Ajudado por Macro, o prefeito da Guarda Pretoriana, [ 88 ] Calígula
conseguiu tirar do caminho Gemelo, um tanto simplório e inofensivo, e
assumiu o império. Inicialmente, tudo correu bem, e cidadãos de todos os
níveis do império se mostraram satisfeitos com o governo de Calígula,
sobretudo depois do reinado tenso de Tibério.
Mas isso não quer necessariamente dizer que tudo estava bem com
Calígula, claro. Embora fosse herdeiro do império, Calígula havia sido criado
em um ambiente de extremo perigo, somado a extrema opulência. Seu pai
morreu jovem, possivelmente envenenado, e sua mãe e seus irmãos mais
velhos foram confinados por Tibério até a morte. Sua própria vida corria
risco e, embora ele tenha desenvolvido habilidades de sobrevivência notáveis
para resistir ao reinado de Tibério, não é difícil ver que aqueles primeiros
anos teriam deixado cicatrizes profundas. Ademais, há poucas evidências que
sugiram que Calígula tenha recebido muita orientação na administração de
um império, e ainda menos na contenção de seus próprios impulsos
extravagantes. Ainda assim, orientado por Macro, Calígula parece ter tido
um começo relativamente bom.
Então, o que mudou? As fontes antigas fornecem algumas pistas
tentadoras. Durante o primeiro ano de seu reinado, Calígula contraiu uma
doença grave da qual muitos não esperavam que sobrevivesse. O embaixador
judeu e estudioso Filo diz sobre esta doença: “No oitavo mês, uma doença
severa atacou Caio, que havia mudado seu modo de vida, o qual, um pouco
antes, enquanto Tibério estava vivo, era muito simples e, portanto, mais
saudável do que um de grande suntuosidade e luxo; pois ele começou a se
deliciar com a abundância de vinho forte e a comer pratos ricos, e a se
entregar a uma abundância de desejos insaciáveis e grande insolência, e no
uso inoportuno de banhos quentes e eméticos, e então novamente consumo
de vinho e embriaguez, gula, e luxúria por meninos e mulheres, e em tudo o
mais que tende a destruir a alma e o corpo, e todos os laços que unem e
fortalecem os dois; pois as recompensas da temperança são a saúde e a força,
e a praga da intemperança é a fraqueza e a doença que levam o homem à
beira da morte.” [ 89 ] Filo não está discutindo apenas uma questão moral,
uma mudança de comportamento, mas uma doença prolongada que ameaçou
a vida de Calígula. Foi tão grave que, segundo Suetônio, alguns homens
juraram lutar como gladiadores ou cometer suicídio se Calígula se
recuperasse (esses camaradas lamentariam suas promessas apressadas).
Para deixar claro, alguns biógrafos modernos consideram o
comportamento de Calígula inteiramente racional [ 90 ], e, sem dúvida, as
fontes antigas são, pelo menos, um tanto difamatórias. Mas não estou tão
certo de que essa doença possa ser descartada como algo sem importância,
visto que o comportamento de Calígula parece ter mudado radicalmente
depois dela. [ 91 ] É claro, não podemos ter certeza da natureza específica da
doença, mas algo que causasse inflamação do cérebro (encefalite) ou das
meninges que cobrem o cérebro (meningite) também poderia ter causado
danos permanentes o suficiente para influenciar o comportamento de
Calígula. Danos nos lobos frontais do cérebro em especial podem causar
dificuldades para controlar impulsos, raiva, violência e desânimo. [ 92 ] Com a
ressalva de que é impossível diagnosticar definitivamente uma doença
ocorrida há 2.100 anos, a explicação mais provável para a mudança repentina
de Calígula é que uma doença no cérebro causou um déficit permanente em
sua capacidade de conter seus instintos violentos e paranoicos. Notem que
não é necessário presumir que Calígula era um anjo antes de sua doença,
apenas que sua doença e as sequelas eliminaram nele todos os limites.
O infeliz Gemelo esteve entre os primeiros a morrer, com algumas fontes
sugerindo que ele era tão inocente que precisou de ajuda para cometer
suicídio. [ 93 ] O mentor de Calígula, Macro, juntamente com a esposa (com
quem Calígula tivera um caso), foram forçados ao suicídio, possivelmente
porque Macro havia feito planos para a sucessão durante a doença de
Calígula. Ser prático nem sempre conquista a simpatia dos loucos.
Começando a ver conspirações por todos os lados, Calígula deu início a um
período de prisões, torturas e execuções entre a elite de Roma.
Curiosamente, Calígula manteve seu tio Cláudio vivo porque o considerava
um gago idiota e divertido. Cláudio acabaria se tornando um imperador
razoavelmente bem-sucedido após a morte de Calígula.
As fontes antigas concordam que a violência de Calígula se tornou não
apenas paranoica, mas caprichosa. O historiador Dio credita a Calígula a
prática de lançar espectadores das lutas de gladiadores para morrer nas garras
e presas de animais selvagens quando o suprimento de criminosos
condenados se esgotava. [ 94 ] Naturalmente, aqueles pobres tolos que haviam
se oferecido para sacrificar as próprias vidas caso Calígula sobrevivesse à
doença foram chamados a cumprir suas promessas. Dio afirma que Calígula
se queixou do povo romano: “Que lástima que tenham apenas um pescoço”,
enquanto Suetônio o fez repetir a famosa frase: “Que eles odeiem, desde que
sintam medo.” Alguns dos assassinatos que ele cometeu podem ter tido o
objetivo de confiscar os bens das vítimas ricas. Além de ser um tirano,
Calígula foi um perdulário, torrando as reservas de Roma e incapaz de
controlar seus próprios excessos.
Assim, talvez já marcado por uma infância de perdas e ameaças constantes,
Calígula foi ainda mais empurrado por uma doença cerebral para a
impulsividade, a paranoia e a crueldade. Mas poucas evidências sugerem que
fosse psicótico ou tivesse uma doença como a esquizofrenia. Em alguns
casos, o comportamento de Calígula parecia destinado a humilhar seus
inimigos, e não algo que ele mesmo levasse muito a sério. Dois incidentes se
destacam.
Suetônio e Dio afirmam que Calígula dava muita atenção a seu cavalo
favorito, Incitato, recebendo-o como convidado para o jantar e proclamando
que faria dele um cônsul. [ 95 ] Às vezes, isso é interpretado como evidência
de doença mental, como se Calígula acreditasse de verdade que um cavalo
poderia ser um cônsul razoável ou então estivesse tão mentalmente doente a
ponto de tomar decisões quase aleatórias. É mais provável que Calígula
estivesse se divertindo muito, como se dissesse que seu cavalo seria um cônsul
melhor do que a maioria dos senadores e outros membros da elite de Roma. [
96 ] Em outras palavras, Calígula provocava os poderosos de Roma para
humilhá-los. Verdade que essa não tenha sido em si a mais sábia das
decisões, mas é diferente de acreditar que o corcel de alguém pode dar um
bom político. [ 97 ]
O outro incidente é a célebre “guerra com o oceano” de Calígula. Calígula
reuniu várias legiões para garantir a fronteira alemã e invadir a Grã-Bretanha
(à época ainda nas mãos de tribos celtas). Os detalhes não são claros, mas de
alguma forma a operação fracassou e a invasão foi abortada. Ao que parece,
em um acesso de fúria Calígula humilhou suas legiões ordenando que
recolhessem conchas como butim de guerra por terem derrotado o próprio
oceano. Mais uma vez, isso às vezes é interpretado como um sinal de loucura
por parte de Calígula, especialmente no relato do historiador Dio, que pinta
Calígula como uma espécie de maluco cacarejando durante o episódio. Dio
provavelmente estava exagerando. O relato de Suetônio é de um Calígula
frustrado, sem ter muito para mostrar como vitória militar e inclinado a de
algum modo se vingar de suas tropas. Mais uma vez, talvez não seja o curso
de ação mais sábio, sobretudo para um império amplamente dependente do
apoio do exército, mas não exatamente uma psicose.
Calígula parece ter tentado afirmar sua própria divindade. Certamente não
era algo inédito nos tempos antigos, mas ele poderia estar forçando um
pouco demais com os romanos, que não estavam acostumados a ver seus
imperadores como deuses vivos, preferindo deificá-los após a morte. Seu
comportamento quase certamente ameaçou provocar uma rebelião na Judeia,
quando ele tentou fazer com que o Templo em Jerusalém fosse consagrado a
si mesmo. [ 98 ]
As bizarrices de Calígula acabaram por causar incômodo em gente demais,
incluindo membros de sua própria Guarda Pretoriana. Sem dúvida são
muitos os motivos para seu assassinato. Sua crueldade e o medo que instilou
no povo de Roma certamente desempenharam um papel central, mas os
romanos podem ter temido que ele transferisse a capital do império para
Alexandria, o que teria privado Roma de sua influência. Calígula provocava
seu principal assassino, Cássio Quereia, com deboches sexualmente
humilhantes. Em 41 a.C., Quereia e outros conspiradores assassinaram
Calígula, juntamente com a esposa e uma filha pequena. Uma tentativa de
restaurar a República Romana foi esmagada, e o tio gago de Calígula,
Cláudio, foi elevado à autoridade imperial. Quereia foi executado por seu
papel no assassinato do imperador (já que, como de hábito, as autoridades
não tinham paciência para tais coisas).
As origens da tirania e da queda de Calígula são muitas e complexas. Seria
muito fácil dizer simplesmente que tudo ficaria bem para Roma se Calígula
não tivesse contraído aquela febre. Sem dúvida a genética, aliada a uma
infância caótica e ameaçadora, mesmo que privilegiada, moldaram as
motivações de Calígula. As circunstâncias sociais do início do Império
Romano possibilitaram o acúmulo de tal poder. Mas os danos cerebrais
provavelmente sofridos durante aquela doença crucial podem ter eliminado
qualquer contenção que ele pudesse ter. Os caminhos para a loucura são, por
si só, complexos, confusos e enlouquecedores.
CAPÍTULO 3
DESVIO DE PERSONALIDADE

A história de Calígula, o imperador louco, destaca a discrepância entre


loucura tornada espetacular e a realidade da história. As pessoas se
deliciam com narrativas sugerindo que Calígula fazia sexo com suas irmãs,
acreditava verdadeiramente estar combatendo o deus Netuno ou de fato
pensava que seu cavalo poderia ser um cônsul razoável. Essas histórias
picantes escondem uma verdade mais sinistra: embora Calígula fosse
desviante e cruel e pudesse ter sofrido para conter seus impulsos, ele não era
totalmente descolado da realidade. Temos a tendência a ser mais atraídos por
histórias de loucura, talvez porque seja inconscientemente reconfortante
pensar na loucura como uma condição separada da humanidade, em vez de
uma variação do horror humano normal.
Com certeza há alguns indivíduos cujas doenças delirantes e psicóticas os
tornaram incompetentes para governar, e eu abordo alguns deles neste livro.
Em alguns casos, governantes com deficiências psicológicas ou intelectuais
foram sustentados por partidários ou bajuladores ou se tornaram fonte de
lutas dinásticas caóticas, para desgosto de seus reinos. Nesses casos, a questão
não era crueldade e destruição, mas incapacidade para governar, o que criou
vácuos de poder que inevitavelmente levaram a lutas internas, fraqueza
nacional e caos. Crueldade sistemática e institucional requer certo grau de
competência básica e coerência para ser implementada. A maior parte da
loucura que abordo neste livro resulta menos de doenças mentais
tradicionais, como esquizofrenia ou transtorno bipolar, e mais de desvios da
própria personalidade.
Como vimos no capítulo 2, os diagnósticos mentais são codificados pela
American Psychiatric Association (não sem controvérsias significativas) em
seu DSM. O DSM distingue um determinado conjunto de transtornos, os
transtornos de personalidade, dos outros. [ 99 ] Os transtornos de
personalidade, como o nome sugere, refletem um desvio fundamental nos
traços de personalidade centrais que influenciam a percepção de mundo de
uma pessoa, sua interação com os outros e seu comportamento. Embora
raramente haja limites claros quando se trata de saúde mental, a diferença
geral pode ser definida como a distinção entre uma doença que muda o
comportamento normal de uma pessoa e uma patologia desviante da própria
identidade central. Assim, por exemplo, um indivíduo que sofre de uma
doença como depressão ou esquizofrenia experimenta uma mudança de seu
comportamento normal devido à doença. [ 100 ] Em contraste, um distúrbio
da personalidade representa uma patologia na identidade central do
indivíduo. Com efeito — e sem nenhum tom pejorativo —, toda a psique do
indivíduo é desviante, não apenas patológica devido a um processo de
doença.
Os transtornos de personalidade costumam ser variantes extremas dos
traços normais da personalidade humana que dominam o restante da
personalidade e são rigidamente aplicados, em prejuízo do indivíduo ou de
outras pessoas em seu ambiente social. Nem todos os transtornos de
personalidade tendem ao tipo de destrutividade que chamamos de “loucura”.
Muitos são angustiantes para o indivíduo, como timidez excessiva
(transtorno de personalidade esquiva), desejo de agradar aos outros e
relutância em tomar decisões (transtorno de personalidade dependente) ou
adesão a interesses ou crenças que a maioria das pessoas considera incomuns
(transtorno de personalidade esquizotípica). Alguns, por outro lado, podem
ser irritantes para os outros, mas é improvável que causem destrutividade
total, como aquelas pessoas que exibem egocentrismo sedutor (transtorno de
personalidade histriônica), foco na ordem e controle (transtorno de
personalidade obsessivo-compulsiva) [ 101 ], ou desejo de ser deixado sozinho
(transtorno de personalidade esquizoide). Na maioria dos casos, o
tratamento para esses transtornos tende a se concentrar em ajudar os
indivíduos a se ajustar ao máximo às suas motivações e obrigações, em vez de
“curar” o transtorno. [ 102 ]
Isso deixa alguns distúrbios de personalidade que são mais relevantes para
nosso conceito de loucura. Para deixar claro, nem todos os indivíduos com
esses transtornos — nem mesmo a maioria — necessariamente se encaixam
na concepção de loucura deste livro. Na verdade, a maioria encontra
caminhos razoáveis para se encaixar na sociedade. Em vez disso, esses
transtornos de personalidade são mais bem considerados “fatores de risco”
para os tipos de destrutividade que consideraríamos loucos.
Entre eles estão o transtorno de personalidade antissocial, ou “psicopatia”,
que mencionamos no capítulo 2. Marcado por uma falta de consciência
associada à busca de emoção e uma dificuldade de aprender com as
consequências, ele tem uma ligação direta com a loucura destrutiva. Mais
uma vez, isso não significa que todo psicopata seja “louco”. De fato, muitos
encontram profissões perfeitamente adequadas nos negócios, no Direito e na
política. [ 103 ] Mas essa condição é um fator de risco nada trivial para a
loucura. A psicopatia é observada com mais frequência em homens que em
mulheres, mas uma condição relativamente semelhante, o transtorno de
personalidade limítrofe, é vista com maior frequência em mulheres.
O transtorno de personalidade limítrofe é mais representativo do caos puro
do que o transtorno de personalidade antissocial, e os sintomas incluem
impulsividade, alterações extremas de humor, [ 104 ] dificuldade para
controlar a raiva e problemas como automutilação e violência impulsiva. O
transtorno de personalidade limítrofe é marcado por um aumento do risco de
violência doméstica [ 105 ], o que, sendo este um transtorno mais comum
entre mulheres, pode explicar por que, ao contrário do que acontece na
maioria dos crimes violentos, as mulheres estão quase no mesmo patamar
que os homens como perpetradores de violência doméstica. [ 106 ] Como
ocorre com a maioria dos transtornos de personalidade, o transtorno de
personalidade limítrofe está presente geneticamente nas famílias e ao mesmo
tempo pode ser exacerbado pelo ambiente da primeira infância, sobretudo
um marcado por dificuldades e caos. [ 107 ] Colocada em uma posição de
autoridade, uma pessoa com transtorno de personalidade limítrofe pode
parecer normal o suficiente no dia a dia, mas toma decisões com base em
impulso, raiva, capricho e emoção — não exatamente uma receita para o
sucesso.
Dois outros transtornos merecem ser mencionados. Um é o transtorno de
personalidade narcisista, caracterizado por uma noção grandiosa da própria
importância. [ 108 ] Não surpreende que o narcisismo seja comum entre
aqueles que buscam poder e fama, inclusive na política. O outro é o
transtorno de personalidade paranoide, que, como o nome sutilmente indica,
é caracterizado por uma extrema desconfiança dos motivos dos outros.
Indivíduos neste último grupo podem ser particularmente propensos a ser
atraídos para grupos extremistas ou aqueles que pregam racismo e outras
formas de ódio. Os paranoicos, não é de surpreender, tendem a culpar os
outros pelos infortúnios em suas vidas.
Se a ideia de um líder com um transtorno de personalidade não for
estressante o suficiente, os transtornos de personalidade podem se combinar
de forma perigosa. Por exemplo, alguns estudiosos chamaram a atenção para
uma “tríade sombria” de psicopatia, narcisismo e o que eles chamam de
traços de personalidade maquiavélicos. Este último envolve um processo
egoísta de tomada de decisões estratégicas, com pouca consideração por ética
ou moralidade. Essa tríade sombria é particularmente indicativa de
comportamentos negativos em relação aos outros. [ 109 ] Uma mistura de
psicopatia com traços de personalidade paranoicos pode, da mesma forma,
produzir tirania violenta e cruel em líderes mundiais.

O curioso caso de Herr Hitler


É, claro, inevitável que um livro sobre loucura política aborde o caso singular
de Adolph Hitler, que conduziu a Alemanha ao conflito na Segunda Guerra
Mundial. Já existem muitos livros escritos sobre Hitler. Na verdade, não é
possível jogar uma pedra em uma biblioteca sem acertar uma biografia de
Hitler ou uma história da Segunda Guerra Mundial. Hitler combinou uma
devoção entusiasmada à destruição e à violência como principal instrumento
de sobrevivência nacionalista com uma paranoia bizarra sobre conspirações
judaicas. A mão caprichosa do destino também o colocou no comando de
uma das nações militarmente mais poderosas de meados do século XX.
Mesmo se ignorarmos as baixas militares, Hitler foi diretamente responsável
pelas mortes de mais de seis milhões de civis judeus, bem como milhões de
russos, ucranianos, poloneses, ciganos e outros grupos “sub-humanos”
(Untermensch). Poucos na história podem igualar essa contagem sangrenta,
exceto talvez seu contemporâneo e rival Josef Stálin, que recebe atenção no
capítulo 6, ou o presidente da China, Camarada Mao. Como uma pessoa se
desenvolve a ponto de intencionalmente criar sofrimento mundial em escala
industrial?
Presumivelmente, a maioria dos leitores tem, pelo menos, um
conhecimento básico de quem foi Hitler: conduziu a Alemanha à Segunda
Guerra Mundial, bigode engraçado, responsável pela morte de milhões, líder
do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista).
É a história fascinante de como um homem estranho de origem
relativamente comum conseguiu transformar um grupo radical, violento e
bizarro, como eram os nazistas, na classe governante de uma grande potência
mundial. Mas, antes, vamos dar uma olhada na personalidade de Hitler e o
que podemos dizer sobre ela.
Hitler era uma espécie de gênio louco. Isso fica evidente no assassinato
sistemático e sádico de milhões, em suas manipulações estratégicas para
chegar ao poder no Estado alemão e as posteriores negociações diplomáticas
(caso as ameaças brutais usadas por Hitler possam ser chamadas assim) com
Inglaterra e França que levaram ao Acordo de Munique de 1938, que
entregou parcelas consideráveis da Tchecoslováquia à Alemanha sem luta.
Considerando essas realizações, ao mesmo tempo impressionantes e
horríveis, Hitler parece se encaixar no esquema de personalidade da tríade
sombria. Ele acreditava ter sido agraciado de forma única com a capacidade
de restaurar o poder alemão [ 110 ], demonstrava pouco remorso pela
devastação que desencadeou, e exibiu notável astúcia. Outros elementos de
sua personalidade se somam à mistura complexa; por exemplo, sua paranoia
com relação aos judeus. Não está claro onde e quando isso se desenvolveu, e
há poucas evidências de que Hitler possa ter tido experiências negativas com
indivíduos judeus que explicassem tal ódio apaixonado. [ 111 ] O
antissemitismo, claro, é comum ao longo da história, e o conceito de
“traidores internos” surgiu como uma forma de compreender a derrota alemã
na Primeira Guerra Mundial.
Por toda sua vida adulta, Hitler também demonstrou dificuldade em
estabelecer laços com outras pessoas, e tendeu a permanecer um solitário. Foi
capaz de alguns relacionamentos íntimos, como no caso de sua amante de
longa data Eva Braun, com quem se casou antes de cometer suicídio em abril
de 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial. [ 112 ] Mas mesmo esse
convívio foi tenso, com Braun tendo tentado suicídio duas vezes no início do
relacionamento. A meia-sobrinha de Hitler, Geli Raubal, cometeu suicídio
em 1931; Hitler era dominador e possessivo, e pode ter se apaixonado por
ela. Mantida virtualmente como prisioneira no apartamento de Hitler, ela se
suicidou com a arma dele. Mesmo durante seu serviço militar na Primeira
Guerra Mundial, que no geral foi considerado digno de mérito, Hitler
permanecia distante dos outros soldados, o que pode ter prejudicado suas
chances de promoção. Essa dificuldade em estabelecer laços sociais não tem
lugar claro na taxonomia do DSM. Sua facilidade mecânica com carisma e
persuasão descartam a maioria dos transtornos de deficiência social, como
espectro autista ou transtorno de personalidade esquizoide. No entanto, essa
bizarrice em relação ao envolvimento social parece uma pista importante para
a psique de Hitler.
Outra pista é seu fascínio por morte e destruição, que ele via como
determinantes para a evolução humana e o poder nacional. Antes da
Primeira Guerra Mundial, Hitler levava um estilo de vida boêmio e sem
objetivo, ganhando a vida como pintor, o que continuou a fazer durante seu
tempo no exército. A guerra deu a Hitler um propósito, e ele a abraçou de
uma forma que a maioria dos jovens não fazia, seu fervor pela guerra indo
além do ponto em que a maioria dos soldados se desiludia. Assim, a
inesperada derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial o abalou
profundamente.
Pintura de Hitler, por volta de 1914.

Sugestões de doença mental são especulações. Há poucas evidências de que


Hitler tivesse sintomas de alguma doença mental grave, como esquizofrenia
ou transtorno bipolar, e os esforços para explicar seu comportamento como
amplamente delirante podem ser descartados. Outros especularam que
Hitler poderia ter sofrido de neurossífilis, uma infecção sexualmente
transmissível que pode atingir o sistema nervoso, mas há poucas evidências
disso. Hitler sem dúvida teve períodos de depressão e ansiedade, mas nada
incomum para uma pessoa em sua posição. Ele sofria de diversos problemas
médicos, especialmente dores de estômago e tremores, o que poderia indicar
alguma doença crônica, mas a origem de seus sintomas, sejam médicos ou
relacionados ao estresse, permanece desconhecida. Hitler recebeu prescrições
de quantidades consideráveis de anfetaminas, o que pode ter aumentado a
natureza errática de suas decisões durante a Segunda Guerra Mundial,
embora não explique seu comportamento e suas motivações. [ 113 ]
Assim, as melhores explicações para seu comportamento apontam para um
transtorno de personalidade, cujos sintomas podem ser identificados no
começo da vida, antes de sua ascensão ao poder. [ 114 ] Embora implicassem
algumas limitações para Hitler, particularmente em relação às interações
sociais, esses traços de personalidade também deram a ele o impulso, a
obsessão e a demagogia que lhe permitiriam dominar um momento único na
história da Alemanha.
No caso de Hitler, podemos ver como um único indivíduo é capaz de
alterar o curso da história. É claro que a ascensão de Hitler dependeu das
circunstâncias desesperadoras da Alemanha após a Primeira Guerra
Mundial. Por uma década, os nazistas de Hitler foram considerados pouco
mais do que um grupo marginal violento e desprezível. Mas a experiência
democrática da Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial, a República
de Weimar, falhou em atender às necessidades dos cidadãos alemães.
Sobrecarregada por dívidas e reparações pesadas após perder na Grande
Guerra, humilhada pela derrota militar inesperada e sufocada pela confusão
social da transição de império para república, a República de Weimar não
conseguiu cuidar do bem-estar da Alemanha por mais que alguns anos.
Tanto os comunistas quanto os nacionalistas de direita viram suas
perspectivas melhorarem paulatinamente à medida que o povo ansiava por
uma mão mais forte governando o país. Em 1929, teve início a Grande
Depressão, e as pessoas começaram a se voltar para os nazistas em maior
número.
Hitler não criou o autoritarismo na Alemanha pós-Primeira Guerra. Na
verdade, os políticos alemães, incluindo o presidente von Hindenburg, já
estavam se movendo na direção da autocracia, mesmo que sem a hostilidade
antissemita de Hitler. Foi nesse momento que os líderes da Alemanha
erraram grosseiramente, subestimando Hitler e pensando que ele poderia ser
controlado mesmo quando nomeado para o cargo de chanceler. Nisso, claro,
eles estavam tragicamente errados. Mas a transformação da Alemanha de
uma república em uma ditadura nazista envolveu uma confluência infeliz de
depressão econômica, falta de coesão social, erros de julgamento grosseiros
por parte dos líderes políticos e o conjunto único de habilidades do próprio
Hitler.
Se um transtorno de personalidade explica o conjunto único de atributos
de Hitler, compreender a origem desse transtorno de personalidade pode ser
frustrante. Sabe-se que os transtornos de personalidade resultam de herança
genética. [ 115 ] O pai de Hitler era um homem duro, o que poderia sugerir
características semelhantes em Hitler. Mas temos relativamente pouca
informação sobre os fatores ambientais. Hitler não se dava bem com o pai, e
pode ter sido agredido por ele, embora tivesse permanecido muito próximo
da mãe. A morte dela por câncer em 1907 foi devastadora para Hitler. No
entanto, em última análise, podemos argumentar que temos uma noção
melhor do desenvolvimento da mente de Calígula que daquela de Hitler.
Ao notar o relacionamento problemático de Hitler com o pai, é tentador
ver um padrão de ausência paterna nos casos de loucura que cobrimos até
agora. Talvez combinados com o risco genético de desvios de personalidade,
relacionamentos conflituosos com figuras paternas funcionem como um
gatilho ambiental para dar a desvios menores um resultado terrorista e
sádico. No entanto, deve-se notar que literalmente centenas de milhões de
pessoas experimentam a ausência ou conflitos com figuras paternas, mas têm
vidas normais e saudáveis. Além disso, desenvolver tal teoria pode nos levar a
interpretar seletivamente evidências que a sustentem. Por exemplo, o pai de
Calígula era o admirável Germânico, que, apesar de ter morrido
relativamente cedo na vida de Calígula e muitas vezes ter estado fora
guerreando, parece ter tratado bem o filho. Podemos especular que, após a
morte de Germânico, a figura mais sinistra do imperador Tibério cumpre o
papel de figura paterna errante em nossa teoria, mas devemos resistir à
tentação de dar tal flexibilidade a uma teoria dos efeitos. Portanto,
provavelmente o melhor que podemos dizer é que o estado mental de Hitler
decerto teve origem em uma combinação infeliz de risco genético e gatilhos
ambientais, mas o mecanismo exato permanece desconhecido.
A posterior ascensão de Hitler ao poder, a manipulação das potências
ocidentais e o envolvimento com a Segunda Guerra Mundial são material
histórico. Quanto aos anos anteriores à guerra, Hitler teve sucesso em
reocupar a Renânia (algo proibido pelo Tratado de Versalhes, que encerrou a
Primeira Guerra Mundial), incorporou a Áustria à pátria alemã e anexou
áreas da Tchecoslováquia com grandes populações de língua alemã, com a
aquiescência de Inglaterra e França. Em 1938, Hitler havia expandido muito
o Estado alemão, assegurado alianças com a Itália e o Japão e estabelecido
uma influência considerável sobre outros países da Europa Oriental, como
Bulgária e Hungria [ 116 ], tudo sem recorrer à guerra. Isso se deve menos a
Hitler realizar uma série de manobras diplomáticas perfeitas, e mais ao fato
de que os erros de seus oponentes na Inglaterra e na França (e na União
Soviética) foram maiores que os seus. [ 117 ]
Provavelmente poucos momentos na história são fonte de mais situações
contrafatuais, ou histórias alternativas possíveis, que a Segunda Guerra
Mundial. Em muitos aspectos, a Alemanha parecia prestes a vencer no início
da guerra. [ 118 ] O que poderia ter acontecido se, depois de 1938, Hitler
tivesse exercitado a paciência, declinado de uma guerra com o Ocidente e
reunido os recursos da Alemanha e da Europa Oriental para um confronto
inevitável com a União Soviética? Caso estivesse disposto (o que claramente
não estava), Hitler poderia ter perdoado a Polônia por ter sido criada a partir
de antigos territórios alemães e empurrado esse país para o Pacto Anti-
Comintern. Era provável que a guerra com a União Soviética fosse inevitável
(Stálin quase certamente teria invadido, mesmo que Hitler não invadisse a
União Soviética em 1941). [ 119 ] Uma aliança de países europeus orientais,
potencialmente recrutando ucranianos enfurecidos com o tratamento
dispensado a eles na União Soviética, [ 120 ] poderia ter prevalecido. Com a
União Soviética fora da guerra, ele poderia então se voltar contra França e
Inglaterra, se assim o desejasse. [ 121 ] A qualidade das armas alemãs
aumentou com a evolução da guerra, mesmo quando a produção se tornou
mais difícil sob os bombardeios aliados. Os exércitos da Alemanha poderiam
ter sido muito mais bem equipados que seus inimigos se o início da guerra
fosse adiado para 1941, 1942 ou mesmo 1944. [ 122 ] Os primeiros sucessos
da Alemanha na guerra devem-se mais a táticas inovadoras do que a
equipamentos de primeira linha. Se a Alemanha tivesse combinado essas
táticas inovadoras com máquinas de guerra inovadoras, os resultados seriam
assustadores.
Contudo, o problema com os contrafatuais é que, por sua natureza, eles
precisam supor circunstâncias que simplesmente não são verdadeiras. Hitler
sempre teve a intenção de ir à guerra, e em 1938 avançou desesperadamente
em direção a ela, não importando a prontidão dos militares alemães. A
própria guerra revelou suas fraquezas — impetuosidade, caráter difícil,
controle obsessivo e atenção a minúcias —, e essas fraquezas contribuíram
para sua derrocada e a do país que ele havia seduzido e forçado a segui-lo.
Esses atributos negativos se tornaram mais pronunciados à medida que o
estresse da guerra se acumulou, algo sem dúvida exacerbado pelo uso de
anfetaminas. Um fim alternativo para a Segunda Guerra Mundial é
impossível, porque as próprias características que tornaram a Segunda
Guerra Mundial possível em 1939 também levaram ao seu fim inevitável em
1945. Em abril de 1945, com tropas russas cercando Berlim, um Hitler
perturbado, com saúde física e mental debilitada, atirou em si mesmo. Sua
nova esposa, Eva Braun, também se matou.

As raízes do mal
Ao definir a loucura de Hitler como uma faceta de um transtorno de
personalidade, a “tríade sombria”, misturado a paranoia e uma pitada de
isolamento social, sem dúvida estamos transformando em patologia o
próprio conceito de mal. Embora isso nos ajude a compreendê-lo, corre-se o
risco de converter o mal em um quadro banal de instabilidade mental. Isso,
ainda assim, nos leva a duas conclusões relacionadas e perturbadoras: em
primeiro lugar, que esse mal está inextricavelmente relacionado ao nosso
próprio código genético, no mínimo em pequeno grau. E em segundo lugar,
sobretudo se considerarmos a juventude de Hitler e seu pai agressivo uma
circunstância etiológica bastante inexpressiva (dado ser comum a ocorrência
de abuso infantil que, na maioria dos casos, não resulta em crueldade
incapacitante na vítima), que tal mal pode brotar do genoma humano de
forma espontânea e imprevisível.
Hitler não criou ele próprio o mal do Holocausto e, como outros assassinos
em massa, se viu em uma confluência de acontecimentos sociais e políticos.
A Alemanha se viu humilhada por sua rendição na Primeira Guerra
Mundial, sob pressão econômica e social, e desprovida de uma liderança
forte. Um histórico de desumanização e racismo criou o precedente para o
virulento antissemitismo do nazismo e outras visões racistas. [ 123 ] Essas
circunstâncias ofereceram uma oportunidade para um homem como Hitler.
Caso o hipotético viajante do tempo, como gostam de especular muitos
universitários ligeiramente embriagados, tivesse viajado de volta a 1889 e
matado o bebê Hitler, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto ainda
teriam acontecido? [ 124 ] Eu diria que provavelmente não, ou pelo menos
não na forma em que isso se deu. Não quero dizer que teria sido um mundo
cor-de-rosa para a Europa. Um tipo diferente de Segunda Guerra Mundial
poderia muito bem ter acontecido, mas provavelmente de uma outra forma.
Hitler não era o único ingrediente dessa mistura tóxica, mas era especial e
obrigatório.
Mas, retornando à questão do mal, surge a pergunta: se aceitarmos que,
pelo menos até certo ponto, o horror é algo embutido, talvez até um
elemento de adaptação evolutiva do genoma humano, até que ponto um
homem como Hitler é responsável por suas ações? Todos nós podemos ser
reduzidos ao funcionamento bioquímico de nosso cérebro? E se fôssemos
capazes de conhecer e compreender todas essas interações e as circunstâncias
ambientais em que se dariam, poderíamos prever totalmente nossas ações no
futuro? Ou retemos alguma dose de controle e livre-arbítrio e, portanto,
responsabilidade por nosso comportamento?
Essa questão intriga os filósofos há, literalmente, milhares de anos. A
maioria das pessoas concorda que, é claro, a biologia e o meio ambiente
desempenham algum papel na determinação de nossas ações, mas debatem
se o livre-arbítrio é compatível com isso. [ 125 ] Os sistemas de justiça
criminal dos Estados Unidos, do Reino Unido e de muitos outros países são
baseados na ideia de que temos alguma responsabilidade por nossas ações, a
não ser em algumas circunstâncias limitadas de incapacitação mental. Mas
haverá evidências que sustentem o conceito de livre-arbítrio? O mal humano
é real ou apenas o produto descontrolado de uma disfunção cerebral
desviante?
Realizar pesquisas que sustentem o conceito de livre-arbítrio usando
métodos científicos que são, por princípio, determinísticos é, no mínimo,
preocupante. No entanto, há evidências interessantes de que, na maior parte
dos casos, isso estimulou ainda mais o debate. Vamos analisar alguns estudos
de psicologia e neurociência e, em seguida, descobrir como eles se aplicam ao
caso de uma das assassinas em série mais famosas da América do Norte.
Até recentemente, um grande número de pesquisas psicológicas parecia
indicar que a maioria dos comportamentos humanos era automática. Ou
seja, nossos comportamentos estavam sendo moldados inconscientemente
pelos acontecimentos e estímulos ao nosso redor, mesmo quando pensávamos
estar fazendo escolhas conscientes. Em um experimento clássico, psicólogos
expuseram alguns participantes da pesquisa a palavras que evocam o
estereótipo da velhice (cinza, enrugado, aposentado, tricô), enquanto outros
foram expostos a palavras neutras. Quando os participantes deixaram o
experimento, um assistente de pesquisa cronometrou quanto tempo levaram
para caminhar pelo corredor. Aqueles que liam as palavras “idosas”
demoravam mais para cruzar o corredor, como se a simples exposição a
conceitos relacionados a pessoas idosas os fizesse se comportar de maneira
mais idosa (ou seja, caminhar devagar). [ 126 ] Centenas de outros estudos
pareciam confirmar esse resultado básico, chamado de pré-ativação social, em
vários contextos. Se os seres humanos são máquinas tão facilmente
manipuláveis, isso sugere algumas possibilidades interessantes. (Quer que
seus filhos comam mais cenouras? Espalhe pela casa algumas fotos de
coelhos.) A pré-ativação social também abriu a possibilidade de os governos
usarem dicas sutis para controlar o comportamento humano, o que pode ser
algo muito bom ou muito ruim, dependendo do seu ponto de vista.
Só que isso na verdade não funciona. Um estudo de acompanhamento
usou lasers infravermelhos em vez de assistentes de pesquisa humanos para
cronometrar os caminhantes quando saíam do laboratório. Quando
cronometrado desta forma, não foi encontrada nenhuma diferença. Na
verdade, eram os assistentes de pesquisa que inadvertidamente apertavam o
cronômetro mais cedo, causando falsos resultados positivos. [ 127 ] De fato,
ingressamos em um período da ciência psicológica chamado de crise de
replicação, em que talvez de metade a dois terços dos resultados de pesquisa
que pensávamos ser absolutamente verdadeiros agora estão se revelando
falsos sob testes mais rigorosos. [ 128 ] Esse colapso de crenças anteriores na
ciência psicológica previsivelmente deflagrou lutas internas, com alguns
estudiosos afirmando que essas falhas de replicação se devem a “terroristas
metodológicos”. [ 129 ] Nada mal para a psicologia como um reino de
estudiosos desinteressados.
Portanto, parece que os seres humanos não são meras máquinas burras
facilmente manipuladas sem seu conhecimento por cada pequeno estímulo
em seu ambiente. Mas isso não é necessariamente evidência de livre-arbítrio.
Encontrar evidências de livre-arbítrio usando princípios científicos que são
por natureza determinísticos é um processo compreensivelmente difícil. No
entanto, a crença no livre-arbítrio requer alguma forma de prova empírica,
ou ser considerada uma ideia não falsificável. O psicólogo Joseph Rychlak é
famoso por abordar essa questão. No decorrer de uma longa carreira, Rychlak
demonstrou que o aprendizado não se dá de modo mecânico, mas de acordo
com os objetivos, aspirações e avaliações afetivas dos indivíduos, sugerindo
que a vontade é necessária para um aprendizado eficaz. [ 130 ]
As evidências da neurociência têm sido igualmente complexas. As
pesquisas tentam definir o que se dá primeiro: a evidência neurofisiológica da
intenção de se mover, por exemplo, ou a resposta neurofisiológica envolvida
no próprio movimento. Assim, se o movimento sempre antecede a intenção,
o livre-arbítrio é uma ilusão, e nossa percepção da intenção é apenas
subproduto dos movimentos automáticos. O oposto indica que a intenção de
fato causa movimentos posteriores. Resumindo muita neurociência a apenas
algumas observações, no fim das contas há variações. Isso faz sentido. Se
alguém arremessa uma bola na direção da sua cabeça, você automaticamente
se abaixa, sem perder preciosos milissegundos decidindo: “Hmm… Eu me
pergunto se sair do caminho do objeto duro e redondo é uma vantagem.” No
entanto, você ainda pode ter a sensação de querer desviar da bola, mesmo que
o comportamento tenha sido automático. Mas acontece que também
podemos formar a intenção de nos mover, com o movimento se dando mais
tarde. [ 131 ] Não exatamente uma vitória fácil para o livre-arbítrio, mas pelo
menos pistas tentadoras. As teorias científicas do livre-arbítrio postulam que
tais ações são determinadas pela evolução, dando às criaturas maior poder de
resolução de problemas e menor previsibilidade, o que aumenta a capacidade
de sobrevivência. O livre-arbítrio pode ser pensado como um continuum,
aumentando e diminuindo em função das circunstâncias. [ 132 ]
Assim, podemos dizer que bases razoavelmente científicas, tanto empíricas
quanto teóricas, indicam que o livre-arbítrio é plausível. Eu acrescentaria a
aposta de Renouvier, que sugere que é melhor acreditar no livre-arbítrio. [ 133
] Eis o porquê: se existe livre-arbítrio e você acredita nele, você está correto!
Se o livre-arbítrio não existe, você está errado, mas não é culpa sua, já que
estava determinado a acreditar no livre-arbítrio. Se você não acredita no
livre-arbítrio e está correto sobre isso, e daí? Você sempre esteve determinado
a não acreditar no livre-arbítrio. No entanto, se você não acredita no livre-
arbítrio e está errado, a decisão é inteiramente sua, já que foi sua escolha.
Portanto, é melhor acreditar no livre-arbítrio, pois você recebe o crédito por
estar certo e não tem nenhuma culpa por estar errado!
Nossa crença no livre-arbítrio dos outros depende das circunstâncias.
Reconhecemos, por exemplo, que indivíduos com incapacitação mental grave
podem perder algum grau de livre-arbítrio, de modo que não devem ser
responsabilizados por seus crimes. Mas muitas vezes aplicamos isso de forma
desequilibrada, de modo que nossos estereótipos e preconceitos sobre certos
grupos podem nos fazer avaliar seu livre-arbítrio de forma diferente. Nós
temos, por exemplo, estereótipos sobre as mulheres serem inerentemente
morais, protetoras, cooperativas e atenciosas. Como tal, quando as mulheres
demonstram comportamentos malignos, podemos considerar isso uma prova
de fato de que elas são mentalmente incapacitadas, pois nenhuma mulher
escolheria por vontade própria apresentar um comportamento violentamente
mau (uma perspectiva paternalista que, ironicamente, elimina o livre-arbítrio
das decisões femininas, reduzindo-as ao determinismo biológico). Na
verdade, as leis do Reino Unido presumem que as mulheres que matam seus
bebês podem sofrer de “insanidade lactacional”, com frequência reduzindo as
penalidades por infanticídio materno. [ 134 ]

O presente de Natal diabólico


Em 1993, a polícia de Toronto se deparou com um acontecimento
inesperado. Por intermédio de seu advogado, uma jovem chamada Karla
Homolka buscou um acordo judicial pelo qual forneceria evidências de que
seu ex-marido havia assassinado três meninas. Em troca de seu depoimento e
de se confessar culpada de homicídio culposo, Homolka queria imunidade no
caso de novas acusações. Seu marido, Paul Bernardo, era suspeito não só de
agredir a própria Karla, mas de uma série de estupros violentos, tendo sido
encontrada uma amostra de seu DNA. Então Homolka também poderia
conectá-lo a vários assassinatos cometidos com sadismo.
O que se seguiu foi um clássico caso ilustrando a dificuldade que nossa
sociedade tem em aplicar às mulheres um modelo do mal. [ 135 ] As histórias
populares certamente estão repletas de madrastas malvadas e bruxas
malévolas, e mulheres foram queimadas na fogueira ao longo do século
XVII. Mas, na era moderna, é provável que as mulheres recebam sentenças
mais leves do que os homens caso cometam os mesmos crimes. [ 136 ] Essa
inversão em relação à dureza com que as mulheres eram tratadas em tempos
anteriores possivelmente reflete um sexismo benevolente residual da era
vitoriana, quando as mulheres eram consideradas ao mesmo tempo
detentoras de grande virtude (presumivelmente as prostitutas sendo a
exceção) e necessitadas da proteção masculina. As mulheres são capazes de
fazer o mal da mesma forma que os homens? Ou, se as mulheres cometem
atos destrutivos, isso necessariamente é evidência de doenças mentais graves
como a única explicação para algumas mulheres fugirem de nossos
estereótipos das mulheres como educadoras e cuidadoras?
Com a tinta seca em seu acordo, Homolka contou aos investigadores uma
história fascinante e perturbadora. Sob coerção, e temendo agressões do
marido, Homolka o ajudou no assassinato de três meninas. A primeira foi
sua própria irmã, Tammy, de 15 anos. Homolka já havia permitido que
Bernardo embriagasse e agredisse sexualmente Tammy uma vez (tendo
estado inconsciente, Tammy aparentemente não se recordava disso), depois a
ofereceu ao marido como “presente de Natal”. Só que, dessa vez, as coisas
saíram terrivelmente erradas. Tammy teve uma reação adversa aos sedativos
animais que Homolka lhe dera e engasgou com o próprio vômito enquanto
era atacada. Homolka e Bernardo conseguiram disfarçar o incidente como
uma overdose acidental de álcool, em que na época os investigadores e a
família de Homolka acreditaram.
De acordo com Homolka, isso deu a Bernardo mais poder sobre ela, que
foi coagida a ajudá-lo a estuprar e assassinar duas outras adolescentes. A
primeira foi Leslie Mahaffy, de 14 anos, sequestrada perto de sua casa,
torturada, estuprada e assassinada. Seu corpo foi desmembrado —
possivelmente no dia em que Homolka e Bernardo receberam os pais dela
em casa —, colocado em cimento e jogado fora. Apesar do esforço, o corpo
foi encontrado mais tarde.
A vítima seguinte foi Kristen French, de 15 anos. Assim como Mahaffy,
French foi torturada, estuprada e assassinada. Seu corpo teve os pelos
cortados e fora jogado nu, mas intacto, em uma vala.
O elemento principal da versão dada por Homolka para os acontecimentos
era seu papel de vítima. Agredida e coagida por Bernardo, ela participou dos
crimes por medo. Isso não desculpava seu envolvimento, mas o atenuava aos
olhos das autoridades canadenses. Elas ficaram à vontade para trocar seu
testemunho por pouco mais de uma década de encarceramento por sua
participação em três assassinatos. Afinal, na época acreditava-se amplamente
que as mulheres eram incapazes de abusos sexuais predatórios sádicos. As
mulheres não eram loucas como os homens costumam ser. Na verdade, essa
crença não é totalmente infundada. A grande maioria dos crimes sexuais é
cometida por homens, assim como 85% ou mais dos crimes violentos em
geral (sobretudo por homens contra outros homens). Mas nosso cérebro
tende a lidar com generalidades em vez de sutilezas. Muito rapidamente
maioria se torna todos em nossa mente, e passa a ser difícil aceitar as exceções.
Sem que os investigadores tivessem conhecimento ao fechar o acordo
judicial com Homolka, o casal havia filmado suas sessões de tortura em suas
vítimas. Longe de documentar Homolka no papel de vítima coagida, as fitas
sugeriam que ela foi uma parceira voluntária e entusiasmada nas torturas e
nos estupros das três meninas. Elas não apresentavam nenhuma evidência de
vitimização e, em vez disso, mostravam uma mulher ativa e animada, muitas
vezes estimulando o marido durante os ataques às três vítimas. Os
assassinatos propriamente ditos não foram incluídos nas fitas, de modo que
não se sabe qual parceiro de fato matou as meninas (Homolka e Bernardo
culpam um ao outro). As autoridades canadenses sustentaram que a
vivacidade e assertividade de Homolka nos vídeos eram o roteiro
interpretado por uma cúmplice relutante e assustada. Os próprios avaliadores
psicológicos ficaram confusos ao tentar explicar o comportamento. Basearam
suas avaliações em grande medida no depoimento dela, sem conhecer o
conteúdo dos vídeos. [ 137 ] Aquelas avaliações realizadas antes do julgamento
do marido basicamente justificaram seu comportamento como devido ao
trauma de abuso conjugal. [ 138 ] No entanto, as avaliações psicológicas
conduzidas depois que os vídeos foram revelados se mostraram menos
favoráveis a Homolka, sugerindo nela uma espécie de “vazio moral”. [ 139 ]
Ou seja, antes que os vídeos fossem conhecidos ela era uma vítima; depois,
uma criatura do mal, uma força destruidora louca. Uma avaliação posterior
realizada em 2000 também revelou que ela era bastante inteligente, na faixa
“muito superior” (o que mais coloquialmente chamaríamos de “gênio”). [ 140 ]
Em última análise, talvez seja possível argumentar a favor e contra o papel
desempenhado pelas surras na motivação de Homolka; isto é, se ela foi
vítima de agressões do marido ou participante voluntária de vários
assassinatos. Certamente, uma agressão significativa acabou com o
relacionamento, e há poucos motivos para acreditar que ele teria sido incapaz
de agressões anteriores. No entanto, isso se baseia sobretudo nos relatos dela.
Os vídeos recuperados lançam dúvidas sobre a história de Homolka como
vítima passiva, e seu intelecto superior sugere recursos consideráveis. Embora
Bernardo certamente tivesse estuprado outras mulheres sem o envolvimento
de Homolka, ele só matou mulheres quando em parceria com ela. Em última
análise, concordo com outros estudiosos [ 141 ] quando dizem que Homolka
se beneficiou dos estereótipos de gênero e da relutância de nossa cultura em
ver mal louco e violento nas mulheres. Para ser justo com Homolka, desde
sua libertação da prisão em 2005, ela tem se mantido longe de problemas e
dos olhos do público. Casou-se novamente e tem filhos. [ 142 ] De qualquer
forma, seu caso e outros casos importantes de mulheres violentas provocaram
alguma reavaliação do papel da mulher na violência destrutiva.

Loucura contra mulheres


O caso de Homolka é fascinante porque testemunhar uma mulher
participando de uma violência tão horrível contra outras mulheres entra em
conflito com nossos estereótipos modernos de mulheres como o gênero mais
virtuoso e criador. Seu caso nos faz reavaliar como devemos levar em
consideração comportamentos de loucura destrutiva tanto nas mulheres
quanto nos homens. Também introduz uma fissura em nossa crença
generalizada de que mais mulheres na governança mundial reduziriam a
violência social em geral. Embora as mulheres participem pessoalmente de
muito menos violência física do que os homens, muitos líderes mundiais do
sexo masculino que conduziram seus países à guerra não eram fisicamente
violentos (inclusive Hitler).
Ibrahim, o Louco, do Império Otomano.

Mas as mulheres, em geral, foram excluídas das lideranças nacionais ao


longo da história, com algumas exceções notáveis. Uma análise sugere que,
pelo menos, as monarcas eram mais propensas a conduzir seus países à guerra.
[ 143 ] Pode haver muitos motivos para isso além da suposição de que as
mulheres se tornam mais agressivas ao assumir o poder, pela necessidade de
afirmar seu poder em um mundo político dominado por homens. No
entanto, podemos dizer que as líderes do sexo feminino não parecem
inclinadas a evitar o uso da força militar mais do que líderes do sexo
masculino.
No entanto, ao longo de grande parte da história, as mulheres geralmente
estiveram no lado ofendido da violência política. Queimadas na fogueira
como bruxas, estupradas e assassinadas em tempos de guerra, usadas pelos
pais como moeda de troca política nos casamentos, as mulheres sem dúvida
têm um histórico de ampla vitimização pelas mãos dos homens — e muitas
vezes também nas mãos de outras mulheres. Quando deflagrada, a loucura
política sempre teve um impacto desproporcional sobre as mulheres.
Vamos dar uma olhada em um louco específico, apropriadamente
conhecido como Ibrahim, o Louco. Ibrahim governou o poderoso Império
Otomano por um período breve e desagradável, entre 1640 e 1648. Como
Calígula cerca de 1.500 anos antes, Ibrahim acabou sendo afastado do poder
devido à sua própria irracionalidade e destrutividade.
Se Hitler e Homolka representam de diferentes formas um desafio à nossa
suposição de que trauma precoce é um elemento-chave para a loucura entre
governantes (a infância de nenhum dos dois foi particularmente traumática),
Ibrahim representa um retorno reconfortante a essa narrativa. O início da
vida de Ibrahim foi quase certamente um terror. Os otomanos, povo de
língua turca da Ásia Central que deve seu nome a Osman, o fundador do
império, identificaram um problema na sucessão dos sultões. Quando um
sultão morria, seus filhos costumavam lutar pelo comando, causando guerras
civis destrutivas que desgastavam o império. A sucessão do sultão era
reservada aos filhos, desse modo preservando a linhagem de Osman, mas
afora isso a sucessão poderia ser caótica. Qualquer filho que conseguisse
ascender e governar o império muitas vezes mandava estrangular os irmãos
para que não pudessem se tornar aglutinadores de revoltas. Essa prática cruel
tinha um propósito pragmático, mas também privava o império de
substitutos caso um sultão morresse prematuramente sem filhos. [ 144 ]
Na época em que o irmão de Ibrahim, Murad IV, ascendeu ao trono, a
prática de matar os irmãos não era mais habitual, mas continuava a ser
comum, e Murad se valeu dela, poupando Ibrahim, possivelmente porque
este já tinha dado sinais de loucura e, imaginou Murad, representava pouca
ameaça. Em seu leito de morte, de causas naturais e ainda com pouca idade
(acredita-se que a causa tenha sido uma doença hepática), Murad teria
ordenado a morte de Ibrahim, que não foi levada a cabo. Ibrahim passara a
maior parte da vida morando no kafes, uma espécie de prisão dourada no
terreno do palácio. Ibrahim aparentemente viveu sempre com medo de que
sua morte fosse iminente. Quando se tornou sultão após a morte do irmão,
no início pensou que fosse uma piada cruel, suas suspeitas sendo dissipadas
por sua mãe poderosa, Kösem Sultana, e ao ver o cadáver do irmão.
O estado mental de Ibrahim não tinha sido beneficiado por seus anos de
confinamento e a preocupação de que qualquer dia pudesse trazer sua morte
por estrangulamento. Os primeiros anos de seu governo foram equilibrados,
mas o Império Otomano acabou mergulhado em uma guerra longa e
financeiramente custosa com Veneza. [ 145 ] Grande parte dos esforços de
Ibrahim foram dedicados a compensar o tempo perdido, gastando com
abundância e mantendo um enorme harém de centenas de meninas.
Na imaginação moderna, o objetivo de um harém é uma espécie de
escravidão sexual de brinquedinhos do sexo feminino mantida por monarcas
do Oriente Médio. Há um elemento de verdade nisso, embora os haréns
fossem mais complexos, funcionando como uma espécie de espaço protegido
para todas as mulheres (e crianças) da casa real e, muitas vezes, um centro de
intriga e poder político significativo. Da mesma forma, o status das
concubinas, ou parceiras sexuais solteiras do governante, também variou de
acordo com a época e a cultura, desde quase escravidão até uma posição
voluntária de poder e influência potenciais. Ibrahim, no entanto, se aproxima
um pouco mais do estereótipo, acumulando um número incomumente alto
de concubinas que, como vemos, eram em grande medida carentes de poder.
Um dia, uma das concubinas, de quem ele era particularmente próximo,
informou a Ibrahim sobre o boato de que outra garota havia tido um caso.
Infelizmente, ela não sabia qual das outras concubinas era responsável por
essa violação do protocolo. Enfurecido, Ibrahim mandou que todas as suas
concubinas, com exceção de algumas favoritas, fossem costuradas em bolsas
com pesos e jogadas ao mar para se afogar. [ 146 ] Apenas uma garota
conseguiu escapar da bolsa e sobreviver. Estima-se um número de mortas
superior a duzentas. [ 147 ] Como em muitas das histórias mais sinistras de
loucura, a documentação desse episódio é incompleta, e alguns sugerem que
pode ser uma calúnia dirigida a um governante detestado. De qualquer
forma, até mesmo a possibilidade de que isso tenha ocorrido indica o valor
atribuído às vidas das mulheres na época.
Os gastos excessivos de Ibrahim, sua crueldade e irracionalidade provaram
ser demais para os otomanos. Em 1648, ele foi afastado do cargo,
possivelmente com o consentimento da mãe. Foi substituído no trono por
seu filho Mehmet IV. Logo após sua derrubada, Ibrahim foi estrangulado, o
destino que o aterrorizou durante anos.
Criado em um ambiente tão cruel, talvez Ibrahim nunca tenha tido uma
chance. Mas outros sultões conseguiram sobreviver a infâncias difíceis e se
tornar, pelo menos, governantes competentes. E não há uma linha direta
entre exposição à crueldade e a adoção da crueldade. A loucura afligiu outros
membros da família de Ibrahim, de modo que, como outros neste livro, ele
pode ter experimentado uma combinação infeliz de risco biológico e
ambiente hostil que impeliu sua personalidade a um egoísmo e uma
crueldade inimagináveis. Com os instrumentos do poder, tal personalidade
distorcida inevitavelmente causou sofrimento entre muitos e, por fim, sua
própria queda.
CAPÍTULO 4
A LOUCURA DO MONARCA

E
m outubro de 2018, quando visitei o Zoológico de Melbourne, na
Austrália, tive a chance de ver o pior dos babuínos-sagrados. Como
muitas espécies de primatas, inclusive os humanos, os babuínos têm
uma enorme capacidade de cometer crueldades uns com os outros. Os
machos competem por posição, muitas vezes de forma violenta. Também
podem ser agressivos com as fêmeas, ao passo que as fêmeas igualmente
formam hierarquias de dominação entre elas, embora empreguem menos
violência física.
Nesse dia em particular, os babuínos estavam sendo alimentados com
cenouras no almoço. Um macho alfa bem-cuidado e empertigado começou a
guardar muitas das cenouras para si mesmo. Um babuíno de aparência
esfarrapada conseguiu encontrar um pedaço e começou a comê-lo.
Enfurecido, o macho alfa imediatamente atacou esse intruso, jogando-o na
borda da área de contenção e mordendo-o. O macho alfa, claro, tomou
aquela cenoura para si, apesar de já ter um estoque descomunal de comida. A
vítima da agressão foi deixada com fome e ferida, com marcas significativas
de mordidas e arranhões nas laterais do corpo. [ 148 ]
Agressão entre machos para afirmar dominância é comum entre os
animais, de insetos a humanos. Esses tipos de comportamentos de
dominância violenta são bastante comuns entre os primatas machos. Eles
estabelecem quem tem acesso a parceiras, quem pode reivindicar a parte do
leão (o que também acontece literalmente entre os leões), dos recursos e
como os indivíduos em um grupo social se relacionam uns com os outros.
Isso também pode causar estresse significativo, já que os machos alfa estão a
todo momento enfrentando desafios físicos de outros machos que,
compreensivelmente, querem usurpar o trono. [ 149 ] É difícil ser o rei.
Os espólios de guerra: o grande conflito da cenoura babuíno de 2018.

Entre os chimpanzés, os machos estabelecem padrões complexos de


aliança e união com diferentes indivíduos, a fim de definir um determinado
macho como alfa, e os aliados desse macho também desfrutam de uma
posição comparativamente alta. [ 150 ] Isso pode estabilizar hierarquias de
dominância, mesmo que de forma imperfeita, e levar a machos alfa mais
hábeis socialmente do que mais fortes fisicamente.
“Vejo aonde quer chegar”, diz agora o caro leitor. “Você está prestes a
comparar a monarquia com as estruturas de dominância dos chimpanzés.”
Bem, sim, estou. Dado o comportamento de reis e rainhas nos últimos
milênios, isso lhe parece minimamente surpreendente?
Vamos lembrar que o filósofo Thomas Hobbes descreveu o estado básico
da humanidade como sendo: “Sem artes; sem letras; sem sociedade; e o que é
pior de tudo, o medo contínuo e o perigo de morte violenta: e a vida do
homem, solitária, pobre, desagradável, bruta e curta.” [ 151 ] Aqui, Hobbes
basicamente descreve o estado da humanidade como violento e caótico em
essência. Registros arqueológicos mais ou menos sustentam a visão um tanto
crítica de Hobbes, com evidências de lesões violentas sendo comuns entre
humanos pré-históricos. [ 152 ] A violência física e a agressão são mais
comuns entre os homens, naturalmente, mas, longe de serem cooperativas e
igualitárias, as mulheres tendem a desenvolver suas próprias hierarquias de
dominância, muitas vezes usando agressões indiretas. [ 153 ] Por intermédio
de dissuasão, as sociedades modernas reduzem a violência interpessoal. [ 154 ]
Isso pode explicar por que, ao contrário do que parecem pensar muitos
adultos que brandem os punhos diante dos noticiários de TV, atualmente
vivemos na época menos violenta da história humana. [ 155 ]
Quando os humanos se estabeleceram em tribos organizadas, a competição
violenta entre os homens pela liderança provavelmente permaneceu alta. Esse
sistema podia resultar em altas taxas de mortalidade e desperdício de recursos
em conflitos internos, enfraquecendo a unidade social como um todo,
especialmente quando isso envolvia múltiplas alianças entre os homens. Essa
forma de violência dentro do grupo com foco em alianças, em conjunto com
a violência genocida entre grupos, como vista em chimpanzés modernos, [
156 ] provavelmente se manteve a forma dominante de formação de
hierarquia social entre a maioria das sociedades humanas pré-históricas de
caçadores-coletores. Simplificando, os primeiros líderes tribais do sexo
masculino tendiam a lutar para ver quem mandava. Decerto pode ter havido
algumas tribos humanas pacifistas e igualitárias, mas a menos que estivessem
geograficamente isoladas, é provável que tenham sido aniquiladas por seus
vizinhos mais agressivos. Em outras palavras, o nobre selvagem nunca foi
particularmente nobre.
Com o desenvolvimento da agricultura, grupos maiores de seres humanos
puderam se reunir e, compreensivelmente, esse sistema de violentas e
repetidas derrubadas de líderes fez menos sentido. Em todo o mundo, os
sistemas de dominância por alianças evoluíram para uma versão inicial da
monarquia, na qual a dominância principal era mantida como uma posição
vitalícia por um determinado homem, independentemente de capacidade
física ou muito mais que o recomendasse em termos de qualificações. Esse
sistema ostensivamente oferecia maior estabilidade dentro da cultura. O fato
de esse sistema ter evoluído a partir de hierarquias de dominância de machos
entre os primatas também nos ajuda a entender por que as fêmeas foram em
grande medida excluídas desse processo por tanto tempo. [ 157 ] Além do
mais, as monarquias ofereciam a promessa de maior estabilidade ao conferir a
sucessão de um monarca a outro, em geral um filho do falecido rei ou
imperador, de uma forma razoavelmente previsível.
Não quero exagerar, é claro, já que as monarquias não exatamente
produziram um mundo de paz e virtude. A violência entre culturas
permaneceu muito alta, e golpes, rebeliões e lutas entre irmãos [ 158 ]
continuaram a ser um problema intracultural para muitas sociedades. Mas as
monarquias dificultaram ainda mais a ascensão de usurpadores ao trono ao
misturar religiões antigas à dominância. Um tema comum das primeiras
monarquias, em todas as culturas, foi o “direito divino dos reis” ou o
“mandato do céu”, que, de uma forma ou de outra, se espalhou do Oriente
Médio para Europa, Ásia e Américas. Se o direito divino dos governantes se
desenvolveu independentemente em diferentes culturas ou se disseminou
entre elas, é motivo de debate.
A divindade do rei certamente não eliminou rebeliões e discórdias, mas
estabeleceu um parâmetro mais alto para possíveis usurpadores tentando
derrubá-lo. Ser forte, inteligente e virtuoso não lhe dava, aos olhos da
maioria das pessoas, o direito de substituir o governante divino, mesmo que
esse sujeito fosse um idiota babão. É evidente o benefício de tal sistema na
geração de estabilidade. Assim como, claro, é sua principal desvantagem, a
saber: se uma cultura de fato tivesse um idiota babão, raramente havia uma
forma clara de afastá-lo, sobretudo ao considerar que aqueles mais próximos
do rei (os machos beta da aliança no dizer dos chimpanzés) muitas vezes
investiam em mantê-lo lá e governar por intermédio dele ou simplesmente
encher os próprios bolsos. Assim, as culturas presas a um rei louco podem
ficar presas a ele por muito tempo, tornando essa sociedade suscetível a
pressões internas e externas.
Foram especialmente atingidas aquelas monarquias que nunca
desenvolveram um sistema sucessório claro. O Império Romano foi um.
Depois que a linha inicial de imperadores Julio-Claudianos terminou com o
suicídio de Nero (o governante mais louco que já existiu), o Império Romano
vacilou entre dinastias familiares e algo mais parecido com o tipo de caos
baseado em alianças que poderíamos esperar dos chimpanzés. Sobretudo
durante o século III d.C., os imperadores eram mais propensos a morrer
violentamente do que em suas próprias camas, a não ser que tenha sido onde
foram assassinados. Como consequência, o império muitas vezes se viu nas
mãos de um imperador louco, com a solução sendo apenas mais violência.
Vamos considerar o caso do imperador Heliogábalo, que governou Roma por
três anos movimentados entre 218 e 222 d.C.

Denário de prata de Heliogábalo.

Nosso conhecimento sobre Heliogábalo se dá principalmente por


intermédio dos historiadores romanos Cássio Dio [ 159 ] (que também nos
ajudou com Calígula, como podemos lembrar no capítulo 2) e Herodiano. [
160 ] Os relatos concordam amplamente nas circunstâncias do reinado de
Heliogábalo. Verdade que os historiadores de então (assim como os de agora)
às vezes distorciam a história com fins políticos, e entendemos que há alguns
exageros na história, mas no geral Heliogábalo parece ter sido um imperador
singularmente inadequado em uma época em que o império precisava muito
de estabilidade.
É uma prova da força do Império Romano o fato de ele ter sobrevivido ao
século III d.C. A maior parte desse século testemunhou um caos
considerável nos corredores do poder, com mortes violentas de imperadores
sendo mais comuns que atípicas, muitas vezes após apenas um curto reinado.
Heliogábalo fazia parte da altamente caótica e assassina dinastia romana
Severa. Ascendeu ao poder após a execução do imperador usurpador (ou seja,
não Severo) Macrino, sobretudo graças às maquinações da poderosa avó de
Heliogábalo, Júlia Mesa.
Heliogábalo provou ser uma escolha estranha e, sem dúvida, um erro
incomum para a astuta Júlia Mesa. Heliogábalo era jovem na época de sua
ascensão, cerca de 14 ou 15 anos, e se revelou bastante esquisito.
Reverenciava com devoção uma religião desconhecida que adorava o Sol, e
procurou agressivamente impô-la aos conservadores romanos. Ele se
entregava a bizarras exibições públicas, incluindo um estranho ritual em que
corria de costas diante de uma carruagem segurando uma imagem de seu
deus Sol. Dizem que, durante esses rituais, ele jogava moedas e outros
objetos de valor para as multidões, causando correrias em que muitos
perderam a vida. Herodiano acusa Heliogábalo de executar alguns romanos
que ridicularizaram sua nova religião. [ 161 ] Talvez para insultar a religião
romana, ele desposou uma das virgens vestais, que, como o título indica,
deveria permanecer solteira e casta. Isso causou um escândalo considerável,
especialmente por ele ter se divorciado dela logo depois. [ 162 ]
Provavelmente o aspecto mais controverso do comportamento de
Heliogábalo era sua sexualidade. Os romanos podiam ser um pouco
estranhos para os padrões modernos no que dizia respeito à sexualidade. O
Império Romano dificilmente era a terra da virtude sexual, repleto como era
de bordéis e arte pornográfica, para não mencionar a aceitação de uma ampla
gama de atos sexuais, sobretudo por parte dos homens. Mas os romanos
também podiam ser pudicos, e valorizavam a masculinidade nos homens.
Um problema para Heliogábalo era sua identidade de gênero. Fontes
históricas relatam que Heliogábalo apresentava diversos comportamentos
que sugerem que ele poderia ter disforia de gênero. Disforia de gênero, de
acordo com o DSM-5 da American Psychiatric Association, refere-se
essencialmente a uma condição em que o gênero com o qual uma pessoa se
identifica difere de seu sexo biológico, e isso causa sofrimento. No caso,
Heliogábalo nasceu homem com genitália masculina, mas, ao que parece, se
identificava, pelo menos até certo ponto, como mulher. Embora tenha se
casado com várias mulheres durante seu período como imperador, também
teve amantes masculinos, referia-se a um deles como seu marido, e é citado
como assumindo o papel mais submisso, ou, digamos, ahn, receptivo nessas
relações, algo em geral malvisto na cultura romana e certamente escandaloso
para um imperador. Mais importante, as fontes históricas fazem referência ao
desejo de Heliogábalo de remover sua genitália masculina e encontrar um
cirurgião que pudesse fazer uma vagina para ele. Essa impressionante
esperança é ainda mais espantosa dada a dificuldade física de tal cirurgia
mesmo nos tempos modernos, quanto mais para a medicina romana. No
entanto, esses desejos são comuns entre indivíduos com disforia de gênero.
As fontes também sugerem que Heliogábalo se prostituía, embora isso
possivelmente seja um exagero em função de seus muitos amantes do sexo
masculino.
Ainda hoje, a disforia de gênero é fonte de considerável controvérsia. Parte
disso se deve à pouca compreensão sobre as origens do próprio gênero. Assim
como na época dos romanos, a questão é muito política. Alguns indivíduos
demonstram pouca compaixão e empatia por pessoas com disforia de gênero,
já que essa condição pode entrar em conflito com as noções convencionais de
gênero. No entanto, ativistas que tentam defender aqueles com disforia de
gênero, ou não conformidade de gênero de forma mais ampla, também
criaram uma falsa dicotomia entre sexo biológico, conforme indicado
cromossomicamente ou pela presença de um pênis ou uma vagina, e gênero,
às vezes falsamente apresentado como uma construção social. Na verdade, o
mantra “gênero é uma construção social” é uma crença comum entre
progressistas. Mas essa noção é falsa.
Gênero é basicamente a noção que alguém tem de ser homem ou mulher.
Embora um pequeno número de indivíduos possa não se identificar
claramente como homem ou mulher, essa identificação ocorre para a grande
maioria das pessoas, mesmo transgênero. [ 163 ] Diferente do sexo biológico,
que é claramente indicado pelos cromossomos ou pela genitália, o gênero
existe dentro do cérebro. No entanto, ao contrário das afirmações sobre o
gênero ser uma construção social, há evidências consideráveis apontando para
o gênero residir dentro do cérebro, particularmente em uma área chamada
hipotálamo. [ 164 ]
Ao que parece, nosso cérebro começa a se desenvolver no feto como
feminino. Ou seja, o desenvolvimento inicial do cérebro nos fetos é uniforme
e progredirá ao longo das linhas do cérebro feminino a menos que seja
alterado por testosterona. Nos homens, os cromossomos Y resultam no
desenvolvimento dos testículos, que, por sua vez, produzem níveis mais
elevados de testosterona. Isso muda o hipotálamo de uma estrutura feminina
para uma estrutura masculina. Para a maioria das pessoas, esses processos são
sincronizados, de modo que elas têm um hipotálamo masculino em um
corpo masculino, ou um hipotálamo feminino em um corpo feminino. Mas
em um pequeno número de indivíduos o cérebro é exposto demais ou de
menos à testosterona. Na verdade, esses indivíduos literalmente se
desenvolvem com o cérebro de uma mulher no corpo de um homem, ou
vice-versa. [ 165 ] Evidências deixaram claro que, em vez de estilos parentais
predizendo um comportamento específico de determinado gênero, a
exposição fetal à testosterona prediz comportamento masculino em crianças
biologicamente tanto de sexo masculino quanto feminino. [ 166 ] Além disso,
autópsias realizadas em indivíduos transexuais revelam que as regiões do
hipotálamo são semelhantes ao gênero identificado, em vez de ao sexo
biológico. Assim, o gênero existe muito claramente no hipotálamo, não como
algum tipo de construção social. É certo que pressões paternas ou sociais
podem influenciar os comportamentos de gênero em alguma medida, mas
não com a mesma força dos processos biológicos, amplamente resistentes às
influências sociais. Em um caso famoso, um menino cujo pênis foi
acidentalmente queimado durante uma circuncisão foi criado como menina.
Apesar do esforço de socialização, ele ainda assim se identificou como
homem ao atingir a puberdade. [ 167 ] O dano psicológico causado a esse
indivíduo por ter sido uma cobaia da ideologia do “gênero é socializado” foi
provavelmente um fator que contribuiu para seu suicídio. [ 168 ]
O gênero, assim como o sexo, é em grande parte uma construção biológica,
não social. É claro que os comportamentos que adotamos para anunciar
nosso gênero — nossos papéis de gênero — são muito mais socialmente
determinados. Por exemplo, em grande parte do mundo ocidental
industrializado seria considerado ridículo um homem usar uma minissaia.
No entanto, esse comportamento é perfeitamente aceitável na Escócia, onde
eles evitam a questão chamando o traje de kilt. [ 169 ]
Pessoas com disforia de gênero obviamente merecem nossa compaixão. É
difícil imaginar o impacto psicológico de nascer em um sexo biológico, mas
ter o cérebro do sexo oposto. Os romanos não tinham tal compaixão por
Heliogábalo, e consideravam seu comportamento repulsivo. À medida que
sua popularidade despencava, Heliogábalo percebeu que as massas
consideravam seu primo, Severo Alexandre, mais palatável. Heliogábalo
tentou assassinar o primo, mas não conseguiu. Essa foi a gota d’água para a
Guarda Pretoriana, que assassinou Heliogábalo e também sua mãe, que o
defendeu até o fim. Sua avó, Júlia Mesa, que ajudou a elevá-lo à posição de
imperador, provavelmente foi cúmplice em sua queda.
Durante a época de Heliogábalo, o Império Romano estava escorregando
rumo ao caos e à violência que marcariam a maior parte do século III d.C. O
Império Romano precisava desesperadamente de um pulso firme, alguém
que atendesse aos ideais do império, fossem eles justos ou não, e pudesse
dedicar seus recursos a uma administração firme dos muitos problemas do
império. Infelizmente, o império se viu com Heliogábalo, cujas
excentricidades e falhas pessoais o tornaram inadequado para o papel. Além
da possível disforia de gênero, Heliogábalo provavelmente tinha disfunções
de personalidade significativas que levavam a suas excentricidades não
relacionadas a gênero: rigidez e incapacidade de compreender as
consequências sociais de seu comportamento, como sua tentativa de
assassinar o primo.
Heliogábalo, portanto, representou uma oportunidade perdida de corrigir
os rumos do Império Romano. Seu primo, Severo Alexandre, que o sucedeu,
se saiu apenas um pouco melhor. Incapaz de resolver os muitos problemas do
império, e fracassado como comandante militar, ele também foi assassinado,
pondo fim à dinastia Severa e dando início a quase um século de conflitos do
qual o império provavelmente nunca se recuperou por completo.
Era evidente que as dificuldades do Império Romano eram muitas. Mas
entre elas estavam regras sucessórias pouco claras, que permitiam
consideráveis maquinações políticas, bem como a constante ameaça de
assassinato e guerra civil. Essa, naturalmente, era uma receita para a loucura
em escala social e apelava ao governo do louco no plano individual. A
solução para o caos social foi uma crescente burocratização das regras
sucessórias, levando a uma linha de sucessão clara e inalterável. Até
recentemente, a maioria dos reinos adotava alguma variante da
primogenitura masculina, a preferência pelo parente sobrevivente mais velho
e mais próximo do monarca (em geral, o filho mais velho ou, não havendo
filhos, o irmão mais velho). Somente nos últimos anos, entre as monarquias
constitucionais sobreviventes do Ocidente, as regras foram alteradas para
eliminar a preferência masculina na sucessão.
A primogenitura foi cada vez mais formalizada no final da Idade Média,
com regras adicionais às vezes incluídas para esclarecer confusões ou resolver
outras questões (geralmente à custa dos parentes do sexo feminino). Esse
sistema ajudou a eliminar muitas das questões caóticas associadas à sucessão
monárquica que assolaram o Império Romano e outras monarquias
primitivas. Mas e se as regras sucessórias levassem direto a alguém que já era
claramente louco ou desenvolvesse a loucura enquanto no trono?

Protegendo o Império Espanhol: Joana, a Louca


Os visitantes da Espanha moderna encontrarão um país adorável, com uma
história rica, um povo acolhedor e uma bela arquitetura. No entanto, é um
espanto que a Espanha tenha se tornado a primeira superpotência da era
moderna (juntamente com o Império Otomano) nos séculos XVI e XVII. A
população da Espanha não é particularmente grande, tampouco o país é
superabundante em recursos naturais. Mas Isabel, a primeira rainha de uma
Espanha unida, [ 170 ] apostou em um certo Cristóvão Colombo, [ 171 ]
inaugurando uma era de lucrativos empreendimentos coloniais que tornaram
a Espanha incomensuravelmente rica.
Isabel e seu marido, Fernando de Aragão, tiveram vários filhos, mas
quando os dois mais velhos morreram, os tronos de Castela e Aragão (e,
assim, a Espanha unificada) couberam à filha Joana (ou Juana). Havia um
único problema: Joana era louca.
Então, a Espanha (tecnicamente ainda Castela e Aragão) tem um sistema
sucessório burocrático perfeitamente bom, apontando com clareza para o
próximo monarca na linhagem. Infelizmente, esse indivíduo é totalmente
inadequado para o trono. Essa situação criou uma crise para o império
emergente da Espanha.
A doença mental de Joana parece ter se instalado na época de seu
casamento com o arquiduque Filipe Habsburgo. Muitas doenças mentais
crônicas, que vão da depressão à psicose, podem se desenvolver durante a
adolescência ou no início da idade adulta. Esses anos marcaram o início de
sérias dificuldades mentais para Joana. Ela ficou deprimida, obsessiva e cada
vez mais paranoica.
Também se tornou muito apegada ao marido. Durante longas separações,
ela percorria o terreno do palácio da família procurando por ele, sem comer e
delirando com aqueles que a encontrassem. Certa vez, Joana atacou uma
empregada da corte com uma tesoura para desfigurá-la, de modo que Filipe
não ficasse tentado pela pobre garota. Sua mãe Isabel, convencida de que a
loucura de Joana (e a morte de seus outros filhos) era um castigo pelos
pecados da família, fez o possível para trazer Joana de volta à sanidade.
Contudo, seus esforços foram inúteis, e a própria Isabel logo morreu.
O marido Habsburgo de Joana, Filipe, morreu logo depois, ainda jovem.
Provavelmente morreu de uma infecção, algo comum na época, mas Joana
desconfiou de assassinato. Depois da morte do esposo, ela visitou a cripta
dele noite após noite e ordenou que seu caixão fosse aberto para que pudesse
abraçá-lo. Somente encorajada pelo pai ela finalmente permitiu que Filipe
fosse enterrado. [ 172 ]
Com a morte da mãe, Joana se tornou rainha de Castela e, depois da morte
do pai, rainha de Aragão, efetivamente unindo os dois reinos na Espanha. A
lei não permitia que ela fosse privada de seus títulos, mas enquanto ainda
estava vivo, seu pai a convenceu a se retirar para uma vida reclusa em uma
torre, permitindo que ele governasse como regente. Após a morte dele, o
filho de Joana, Carlos, assumiu o governo da Espanha, bem como terras na
Holanda e na Áustria que recebera do pai. Assim, Carlos herdou um império
enorme e poderoso. Joana viveu seus dias isolada, acompanhada durante
algum tempo pela filha Catarina, até que esta se casou e se tornou rainha de
Portugal.
A história de Joana é um triste relato de uma mulher potencialmente
poderosa com intelecto inquestionável, cuja trajetória de vida foi prejudicada
por uma doença mental. Seus parentes, primeiramente o pai, depois o filho
Carlos, usaram a doença dela para assegurar e fortalecer suas próprias
posições políticas. Mas essas conspirações políticas também serviram para
preservar o bem-estar do Estado e mantê-lo em mãos firmes. Contudo, se
Joana tivesse defensores explícitos, ou outros que a apoiassem contra
Fernando e Carlos visando seus próprios ganhos, o resultado para a Espanha
poderia ter sido muito diferente.
O reinado de Joana teve duas consequências fundamentais. A primeira foi
a unificação da Espanha sob seu governo, o que continuou com seus
descendentes. A segunda foi a introdução do sangue Habsburgo na linhagem
familiar, o que teria consequências desastrosas para a Espanha quando a
família Habsburgo dobrou a aposta em casamentos quase incestuosos.

Protegendo o Império Espanhol: Carlos II


A repugnância por relacionamentos incestuosos tem origens que vão muito
além de um irmão ser a criatura mais irritante de todos os tempos. Muitas
doenças têm origens genéticas. O incesto aumenta a frequência dessas
doenças, ao passo que expandir o acervo genético dilui a ocorrência das
doenças genéticas, tornando-as menos comuns. É por isso que muitos cães
de raça pura, muitas vezes resultado de um acervo de genes limitado e
acasalamentos incestuosos ou quase incestuosos, tendem a apresentar mais
problemas genéticos de saúde do que cães de raças mistas ou sem raça
definida. Pensa-se que os seres humanos desenvolveram no cérebro uma
espécie de dispositivo para evitar o incesto pelo qual tendemos a achar que
nossos parentes genéticos identificados não são sexualmente atraentes. [ 173 ]
Ou, pelo menos, é o que se espera. Ao que parece, a associação na primeira
infância é um elemento-chave pelo qual irmãos desenvolvem associação
familiar, que é mutuamente excludente com afiliação sexual.
No entanto, como sabemos, a afiliação sexual familiar em vários graus não
era incomum entre os monarcas, embora permanecesse um completo tabu
entre as populações governadas. Curiosamente, e talvez um certo consolo
para alguns, podemos ter a tendência a exagerar os riscos gerais de incesto
marital [ 174 ] nas doenças genéticas. É surpreendentemente difícil encontrar
números confiáveis, mas casamentos entre primos de primeiro grau (ou
meios-irmãos) razoavelmente saudáveis podem quase dobrar a taxa de
anormalidades genéticas. [ 175 ] Isso certamente soa terrível até que se
considere que as condições genéticas são de fato muito raras (uma mulher ter
um filho com mais de quarenta anos também aumenta o risco de algumas
doenças congênitas, por exemplo), significando que a maioria dos filhos
resultantes de casamentos de primos de primeiro grau não apresenta
problemas, mesmo que a ideia nos dê calafrios. No entanto, no caso de uma
doença genética identificada dentro de uma família, os riscos podem ser
maiores.
Lembre-se, porém, de que todo o argumento para que as monarquias
evitassem golpes constantes foi o conceito do direito divino de governar. Isso,
por sua vez, era tipicamente considerado hereditário. Assim, se o direito
divino de governar estava no sangue, era lógico que não se desejasse diluir o
sangue real com sangue não real. Essa justificativa forneceu um poderoso
incentivo para anular os tabus e os mecanismos biológicos para evitar o
incesto. Como as famílias reais raramente eram famílias nucleares padrão nas
quais pais e irmãos sentavam-se ao redor da mesa de jantar falando sobre seu
dia, os irmãos reais podem não ter tido contato o suficiente para que a
afiliação filial entrasse em ação e causasse a repugnância ao incesto. Ademais,
os desejos e as vontades dos irmãos em questão raramente eram levados em
conta. Algumas culturas aceitavam casamentos entre irmãos da realeza e,
mais comumente, casamentos entre primos. Nos últimos séculos das
monarquias absolutas na Europa (séculos XVII, XVIII e XIX), o acervo
genético de famílias nobres se tornou bastante restrito, o casamento de
primos era comum e famílias reais de muitos países compartilhavam laços
familiares. [ 176 ]
Depois que a rainha Joana foi confinada, a Espanha atingiu seu apogeu de
poder no século seguinte. Seu filho, Carlos I, e o filho dele, Filipe II,
comandaram um enorme império sobre o qual, como diz o ditado, o sol
nunca se punha. Eles repeliram a ameaça otomana de dominar o Mar
Mediterrâneo, conquistaram as Américas do Sul e Central e intimidaram
seus vizinhos em toda a Europa. A Espanha estendeu seu império ao Pacífico
com a ocupação das Filipinas. A Áustria se separou formalmente da
Espanha, mas permaneceu como uma potência aliada comandada por um
diferente ramo dos Habsburgo. [ 177 ] Ao mesmo tempo, a Espanha
continuou a se envolver em guerras custosas com França, Inglaterra (sendo
Filipe II o arquiteto da famosa armada enviada para ensinar uma lição a
Elizabeth I) e os holandeses rebelados. No século XVII, a Espanha
enfrentou novas ameaças das cada vez mais ambiciosas Inglaterra e Holanda.
Infelizmente, a monarquia Habsburgo da Espanha também estava fadada ao
colapso.
Os Habsburgo tinham uma clara mutação genética, evidenciada pela
mandíbula Habsburgo. Essa desfiguração envolvia uma protrusão não natural
do maxilar inferior, ou mandíbula, sobre a mandíbula superior, ou maxila.
Em casos leves, isso pode ser principalmente estético, [ 178 ] mas em casos
mais graves causa desalinhamento dos dentes, resultando em dificuldades
para falar e comer. A evidência da mandíbula Habsburgo pode ser vista em
pinturas dos monarcas espanhóis a partir de Carlos I. Apesar disso, os
Habsburgo continuaram a se casar entre eles. Essa desfiguração da
mandíbula provavelmente foi apenas o sinal mais visível de mutações
genéticas problemáticas afetando outros aspectos da saúde da família
Habsburgo. [ 179 ]
Em 1665, o Império Espanhol estava claramente decadente, com vários
problemas financeiros, diplomáticos e militares. A Espanha ainda tinha
enormes recursos com os quais contar, mas fora ofuscada por potências
ambiciosas como Inglaterra, França e Holanda. Ela precisava de um
governante vibrante, enérgico e capaz para dar um jeito nas coisas.
Infelizmente, em 1665 a Espanha se viu com Carlos II.
Para ser justo, Carlos II não parece ter sido um cara ruim da ordem de
Calígula ou Idi Amin. Ao contrário, ele tende a se revelar um indivíduo
simples e passivo, nem remotamente adequado ao papel de líder de um país.
O fato de ter se tornado rei quando criança com certeza não ajudou, mas
mesmo quando adulto ele foi incapaz de efetivamente governar em seu
próprio nome, criando disputas de poder entre cortesãos e parentes que
prejudicaram ainda mais a Espanha.
Carlos II da Espanha exibindo a pronunciada mandíbula Habsburgo.

O impacto genético da endogamia em Carlos II foi enorme. [ 180 ] Ele não


falou até os quatro anos e teve dificuldade para caminhar até os oito. Sua
mandíbula deformada tornava difícil comer e falar. Fisicamente, tinha baixa
estatura e era doentio, muitas vezes apresentando problemas físicos. Sua
personalidade era distraída e passiva, e ele frequentemente parecia
desinteressado e desconectado dos acontecimentos ao redor. [ 181 ]
Naturalmente, um líder com tais características não era adequado para
sustentar ou restaurar a posição da Espanha como uma grande potência na
diplomacia europeia. Ele não tinha conhecimento específico nem qualquer
interesse pelas complexidades da política. Até que ponto seu intelecto foi
afetado por suas doenças foi motivo de alguma polêmica, mas
experimentasse ou não uma deficiência intelectual, no jargão moderno,
certamente demonstrou pouca habilidade para colocar seu intelecto a serviço
da Espanha.
Um dos deveres do monarca era garantir um herdeiro real a fim de
assegurar uma sucessão tranquila. Também nisso Carlos provou não estar à
altura da tarefa. Ele se casou duas vezes. Para crédito dela, ele se apaixonou
pela primeira esposa, a francesa Marie Louise. Ela teria contado que ele
sofria de ejaculação precoce e, de qualquer forma, nunca concebeu um filho.
Carlos ficou transtornado com a morte dela, mas depois se casou novamente.
Como a essa altura ele estava totalmente impotente, ela também não
concebeu.
Carlos envelheceu prematuramente, teve problemas gastrintestinais
significativos, como diarreia, e inchaço em pernas, abdômen e rosto. Em seus
últimos anos, ele tinha dificuldade para ficar de pé e experimentava
alucinações e convulsões. Por fim, morreu aos 39 anos. A autópsia revelou
danos significativos em vários órgãos, incluindo o sistema reprodutivo (um
único testículo atrofiado provavelmente explicava sua impotência).
Esse fracasso em produzir um herdeiro efetivamente encerrou a linhagem
dos Habsburgo espanhóis após a morte de Carlos em 1700. A Guerra da
Sucessão Espanhola, que se seguiu à morte de Carlos, mergulhou a maior
parte da Europa — incluindo Inglaterra, França, Holanda e Áustria, além da
Espanha — em uma guerra de 13 anos. O testamento de Carlos defendia a
passagem do trono para seu parente distante Filipe V, da família Bourbon
francesa. Mas as outras potências europeias naturalmente não apoiavam uma
possível unificação de França e Espanha. No fim das contas, Filipe V foi
confirmado rei da Espanha, mas apenas após renunciar a seu direito ao trono
na França. A guerra efetivamente acabou com qualquer pretensão espanhola
de manter seu status de grande potência, marcando a ascensão da Inglaterra
como a potência marítima proeminente da Europa.
Alguns estudiosos [ 182 ] especularam sobre a origem específica do mal
hereditário de Carlos II. Esses estudiosos argumentam especificamente que a
endogamia produziu doença hipofisária, impedindo seu corpo de se
desenvolver de forma adequada, gerando doença renal e resultando também
em sua compleição baixa e magra, dor e problemas ósseos. Esses diagnósticos
são meramente especulações, é claro, mas quaisquer que sejam os processos
específicos, fica claro que a endogamia dos Habsburgo causou as
enfermidades de Carlos e sua morte prematura.
Mas a Espanha acabou condenada a ele. As monarquias haviam se tornado
burocráticas o suficiente para que simplesmente assassinar o rei (como no
caso de Heliogábalo) não fosse mais uma opção, e a falta de qualquer
alternativa viável (como no caso do pai e do filho de Joana) tornava difícil
para a Espanha transferir a responsabilidade para outro nobre. Com efeito, a
Espanha simplesmente teve que esperar a morte de Carlos II. Infelizmente,
isso apenas empurrou a Espanha para outra guerra desnecessária, que a
deixou em um estado permanente de fraqueza, do qual nunca se recuperou.
A Espanha seguiu mancando enquanto outros países europeus bicavam a
carcaça de seu império, até que os Estados Unidos enfim acabassem com o
sofrimento do Império Espanhol em uma breve guerra em 1898.

A loucura do rei Jorge III


É provável que poucos casos de loucura monárquica tenham sido tão
popularizados quanto o do terceiro rei Hanover da Inglaterra, Jorge III, que
entrou em um período agudo de delírio no final de seu reinado, quase
desencadeando uma crise política. É importante estudar o que exatamente
aconteceu com Jorge, sobretudo porque sua loucura é de um tipo totalmente
diferente. A maioria das pessoas neste livro tinha distúrbios de personalidade
profundamente enraizados ou sofria de doenças crônicas, pelo menos, desde
a adolescência. Jorge, por outro lado, experimentou a loucura pela primeira
vez na idade adulta, com cinquenta anos.
É bom repassar rapidamente como os Hanover se tornaram reis da
Inglaterra, bem como a criação de Jorge. Em 1714, o último dos monarcas
Stuart aceitáveis, a Rainha Anne, morreu sem nenhum filho sobrevivente. [
183 ] Digo aceitável porque havia muitos Stuart circulando, mas a maioria
deles era católica, e depois de expulsar o rei católico James II Stuart em
1688, os ingleses tornaram oficialmente proibido aos católicos assumirem o
trono. [ 184 ]
Os eleitores de Hanover, uma pequena região alemã no caótico Sacro
Império Romano, eram parentes distantes dos Stuart, mas (para satisfação
dos britânicos) tiveram o bom senso de permanecer protestantes, o que os
tornava bons o suficiente para o posto de rei da Grã-Bretanha. O muito
alemão Jorge I tornou-se rei da Grã-Bretanha em 1714, uma situação que
não entusiasmou nem a ele nem ao povo da Grã-Bretanha tanto quanto se
poderia esperar.
Os primeiros reis Hanover, em especial Jorge I e Jorge II (sim, há muitos
Jorges em nosso futuro próximo, esteja preparado), [ 185 ] eram alemães
completos que não falavam inglês muito bem e meio que odiavam a
Inglaterra. Eles também eram — com o perdão da palavra — idiotas.
Tinham vidas familiares caóticas, marcadas por casamentos disfuncionais
( Jorge I aprisionou sua ex-mulher adúltera por décadas, possivelmente
depois de mandar assassinar o amante) e relacionamentos incrivelmente
hostis entre pai e filho.
Jorge III deve ser dito, tentou quebrar esse ciclo horrível. Ele era neto de
Jorge II e se tornou o terceiro rei de Hanover (e o terceiro Jorge) após a
morte prematura de seu pai, Frederico, que nunca se tornou rei. [ 186 ] Precisa
ser dito que, quaisquer que fossem seus defeitos, Jorge III se esforçou muito
para ser um sujeito decente, permanecendo fiel à esposa e, ao contrário dos
dois reis Hanover anteriores, tentando ser um bom pai para os filhos, mesmo
que tendo pouco sucesso. Se Jorge III tinha um defeito, era um comum entre
pessoas altamente moralistas e contidas, a saber, superioridade e falta de
generosidade para com as falhas morais dos outros, em especial as dos filhos.
O reinado de Jorge III foi marcado por três conflitos internacionais
notáveis: a Guerra dos Sete Anos (ou Guerra Franco-Indígena na América
do Norte), que terminou em 1763, a Guerra de Independência dos Estados
Unidos e as Guerras Napoleônicas, que terminaram em 1815. Todas elas
foram travadas sobretudo contra a França. Embora a primeira e a última
tenham terminado em sucesso para o Reino Unido, a Guerra de
Independência dos Estados Unidos obviamente não terminou. O reinado de
Jorge III provavelmente é conhecido e culpado mais por isso que por
qualquer outra coisa.
Uma coisa que podemos dizer sobre a loucura de Jorge III é que ela não foi
responsável pela perda das colônias americanas. A doença mental de Jorge só
se manifestou anos após o fim do conflito em 1788. Durante a batalha, Jorge
estava em seu juízo perfeito (pelo menos, tanto quanto qualquer um dos reis
britânicos). No entanto, ele é acusado de ser obstinado e inflexível, tanto por
sua falta de simpatia pelas queixas dos colonos americanos quanto por não
apoiar ministros que poderiam ter lidado com o conflito com competência. [
187 ] A teimosia de Jorge III pode ter contribuído para a perda das colônias,
mas ele certamente não merece toda a culpa. Na verdade, a maioria dos
políticos no Reino Unido (embora não todos), bem como o público em geral,
em um primeiro momento apoiaram a guerra. Os colonos americanos
estavam irritados principalmente com o Parlamento do Reino Unido, não
com Jorge III, mas sua incapacidade em ver o lado deles e seu total apoio ao
Parlamento fizeram os americanos passarem a vê-lo (provavelmente de forma
um pouco injusta, para ser honesto) como um tirano. Mas, com a Guerra de
Independência, os rebeldes americanos tiveram uma sorte notável diante da
enorme incompetência política e militar da Grã-Bretanha, que acabou dando
a vitória aos americanos. A melhor chance que o Reino Unido tinha de
vencer a Guerra de Independência teria sido evitá-la em primeiro lugar, mas
isso teria exigido uma liderança hábil e flexibilidade na negociação com os
colonos, ambos escassos na época. [ 188 ] Se o Parlamento britânico não
tivesse uma mão tão pesada, ou se Jorge houvesse intercedido em nome dos
colonos, as colônias americanas poderiam ter permanecido parte do Reino
Unido, pelo menos por mais algum tempo. Infelizmente, esse caminho não
foi escolhido.
Os problemas de saúde mental de Jorge III tiveram início em 1788. Os
primeiros sintomas eram físicos, especialmente febre e desconforto
gastrintestinal, mas rapidamente se tornaram neurológicos. Assumiram a
forma de delírio manifestado por confusão, perda de controle dos impulsos e
mania. Ele falava depressa e por muito tempo, muitas vezes sobre assuntos
fantásticos e de uma maneira não totalmente coerente. Raramente dormia, e
seu comportamento era errático e muitas vezes sem propósito. Ele fez
avanços sexuais sobre mulheres que não sua esposa (particularmente uma
certa lady Pembroke), algo totalmente atípico dele quando com saúde. Já
para a esposa, a rainha Charlotte, com quem havia partilhado um casamento
longo e afetuoso, ele agora tinha palavras duras, efetivamente a rejeitando
como sua esposa.
Apesar da loucura evidente, Charlotte ficou particularmente magoada com
os comentários dirigidos a ela. Ele de fato queria dizer aquilo?
Provavelmente não na intensidade com que ela levou a sério. Mas o cérebro
da maioria das pessoas está cheio de pensamentos positivos e negativos, e
contamos com nossos lobos frontais como uma espécie de filtro, escolhendo
conscientemente expressar o que é bom (pelo menos é o que se espera) e
filtrar o que é ruim. Mas, durante momentos de incapacitação, o filtro do
lobo frontal pode se quebrar, permitindo que mais do que é ruim escape. O
fiel Jorge às vezes acalentava pensamentos sobre outras mulheres? É possível,
mas provavelmente isso refletia apenas uma pequena parte de seus
pensamentos, que ele optava por não expressar. Ao enlouquecer, eles se
libertaram para a luz do sol, onde feriram Charlotte. Só podemos esperar
que ela conseguisse ver que não refletiam a totalidade de quem ele era. [ 189 ]
Embora os problemas de Jorge fossem então principalmente neurológicos,
outros problemas de saúde se mantiveram. Juntamente com os problemas
gastrintestinais e as dores, Jorge às vezes produzia urina de cor roxa, talvez
uma pista fundamental para seu diagnóstico. Com seu comportamento
piorando, Jorge, em grande medida contra sua vontade, foi isolado em uma
propriedade real longe do público.
Lá, Jorge foi submetido a todos os tipos de maus-tratos. Nada disso foi por
má-fé, mas os tratamentos médicos da época eram bastante severos, focados
em extrair ou mover “humores” por todo o corpo. Os médicos de Jorge lhe
deram poções para fazê-lo vomitar e cobriram suas pernas com ampolas de
vidro aquecidas para tentar atrair os humores de seu cérebro de volta às
pernas (o inchaço nas pernas fora um dos primeiros sintomas da doença de
Jorge, mas havia desaparecido). Este último tratamento era perigoso porque
as bolhas que se formavam podiam estourar e infeccionar, e as infecções eram
um assunto sério no final do século XVIII. [ 190 ]
Não é de surpreender que nada disso tenha funcionado, e a rainha trouxe
um médico anticonvencional, Francis Willis. Willis aplicou uma espécie de
severa terapia comportamental, ameaçando o rei com camisas de força e
outras restrições sempre que se comportava mal. Até certo ponto, isso teve o
efeito de amansar parte do comportamento do rei, da mesma forma que
brandir um chicote pode subjugar um animal enjaulado, mesmo que
provavelmente tenha tido pouco impacto real na doença mental de Jorge III.
[ 191 ] É duvidoso que as intervenções comportamentais tenham ajudado
com a doença mental de Jorge mais do que as ampolas ou purgações. O que
Willis causou foi discórdia e disputas significativas entre os médicos tratando
de Jorge, que brigavam por causa da redação dos boletins sobre a saúde do
rei.
A doença do rei também precipitou uma crise governamental. Na época de
Jorge III, o monarca havia perdido muito do seu poder, mas não era
irrelevante. Jorge tinha o poder de apoiar ministros do governo, e seu
consentimento era necessário para algumas legislações. Como a doença do
rei se estendeu por vários meses, isso começou a prejudicar alguns dos
trabalhos do governo e reduzir a confiança popular. E então entrou no jogo o
relacionamento ruim entre Jorge III e seu filho, que se chamava — esperem
só — Jorge (ele se tornou Jorge IV, então vamos chamá-lo assim de agora em
diante para tentar reduzir a confusão).
Como foi observado, Jorge III teve um estilo de vida altamente moral. Seu
filho, Jorge IV, [ 192 ] não. Jorge IV adorava beber, comer, gastar dinheiro
com coisas bobas e mulheres, principalmente mulheres mais velhas que ele e
já casadas. Jorge IV causou grande embaraço a seu pai correto e, em troca,
Jorge III lhe disse como se sentia. Então, quando Jorge III se viu em uma
posição de fraqueza, seu filho Jorge IV atacou, buscando uma regência que
tiraria o poder do pai.
Para ser justo com Jorge IV, isso não era um completo absurdo; ele
simplesmente estava seguindo os passos do pai e do filho de Joana séculos
antes. Afinal, Jorge III estava louco, e um chefe de Estado capaz era
necessário para um governo eficaz. Mas não foi difícil para muitos ver uma
tomada de poder nas motivações do já impopular Jorge IV.
Jorge III frustrou as ambições do filho, recuperando-se repentinamente e
reassumindo suas funções. Seu comportamento e sua fala voltaram ao
normal. Reparar a relação com o filho demorou mais, ao passo que as feridas
entre Jorge III e Charlotte nunca cicatrizaram por completo. Suas relações
conjugais voltaram a piorar durante surtos posteriores de doença no início de
1800, quando retornou ao seu tratamento severo e à obsessão por lady
Pembroke. Por fim, a loucura de Jorge III se instalou permanentemente em
1810, a essa altura provavelmente acompanhada por demência. Ele perdeu a
capacidade de compreender os acontecimentos do mundo em geral e a maior
parte da visão, além de divagar de modo incoerente. Via pessoas que não
estavam ali e tinha dificuldade em identificar a própria família, uma
característica da demência senil. No entanto, sobreviveu até 1820,
transmitindo o trono ao filho Jorge IV. [ 193 ]
O que, exatamente, causou a loucura do rei Jorge III? Há várias teorias. A
mais popular é a da doença metabólica porfiria, uma doença genética em que
o acúmulo de proteínas pode causar problemas gastrintestinais, formar
bolhas quando a pele é exposta à luz solar, [ 194 ] urina roxa e sintomas
psiquiátricos maníacos e psicóticos. Uma vez que também pode reaparecer e
desaparecer, parece combinar bem com os sintomas de Jorge III. [ 195 ] No
entanto, é apenas especulação.
Outras fontes rejeitam o diagnóstico de porfiria, sugerindo que Jorge III
tinha um caso mais clássico de transtorno bipolar. [ 196 ] Os episódios
maníacos recorrentes de 1788, 1801, 1804 e a doença final iniciada em 1810
são vistos como surtos significativos característicos do transtorno bipolar.
Certamente o comportamento do rei nesses momentos é consistente com
mania, e essa hipótese é razoável. No entanto, a considero insatisfatória por
vários motivos. Em primeiro lugar, não explica bem o início característico
dos problemas de Jorge III, que começaram com febre e queixas
gastrintestinais, progredindo em seguida para distúrbio neuropsiquiátrico em
cada oportunidade. Em segundo lugar, a presença da urina arroxeada é difícil
de descartar como um sintoma insignificante. Presumivelmente, se você ou
eu urinássemos roxo, com certeza pensaríamos em mencionar isso aos nossos
médicos com algum alarme. [ 197 ] Terceiro, embora não seja impossível que a
mania comece tão tarde na vida, o transtorno bipolar costuma surgir no
início da idade adulta. [ 198 ] Por fim, a sugestão de que episódios maníacos
podem ter sido causados por acontecimentos históricos estressantes [ 199 ]
certamente é tão especulativa e seletiva quanto os argumentos a favor da
porfiria, e negligenciam o fato de que Jorge III permaneceu lúcido durante
toda a Guerra de Independência, provavelmente um dos períodos de maior
estresse. Embora eu acredite que o transtorno bipolar seja um diagnóstico
diferencial razoável, em geral não acho que as evidências o sustentem como a
explicação mais provável.
Entretanto, o diagnóstico de porfiria permanece impopular entre muitos
psiquiatras. Mas surgiram algumas evidências históricas sugerindo sintomas
de porfiria em alguns dos descendentes de Jorge III. [ 200 ] Análises recentes
revelaram altas concentrações de arsênico no cabelo do rei, arsênico que
provavelmente foi administrado como parte dos tratamentos que ele recebeu.
[ 201 ] A presença de arsênico em medicamentos administrados durante os
estágios iniciais da doença de Jorge III (como febre precoce e distúrbios
gastrintestinais) pode ter causado os distúrbios metabólicos que exacerbaram
o que de outra forma poderiam ter sido sintomas relativamente leves de
porfiria. Em outras palavras, a loucura de Jorge III foi provocada por uma
combinação de doença genética, provavelmente porfiria, combinada com
envenenamento acidental por arsênico. Embora decerto ainda seja uma
especulação, essa parece a explicação mais razoável.
De qualquer forma, o diagnóstico de Jorge III permanece controverso. No
entanto, certamente é simplista demais declarar que o caso da porfiria foi
“totalmente desacreditado”, como fizeram alguns estudiosos. [ 202 ] E isso
não deveria ser aceito sem nenhum questionamento. É fácil selecionar
evidências que sustentem sua teoria preferida e ignorar aquelas que não o
fazem. Poderemos nunca saber a verdadeira causa da loucura de Jorge III
além de qualquer dúvida razoável.
O Reino Unido lidou com a loucura de Jorge III de modo parecido com o
que a Espanha fez com Joana, buscando a regência de um parente capaz do
sexo masculino. De 1788 a 1789, isso foi frustrado pela recuperação de Jorge
III, e outros ataques em 1801 e 1804 também não demandaram uma
regência. Em 1810, entretanto, estava claro que Jorge III era incapaz de
desempenhar as funções de rei de forma permanente, e seu filho, o futuro
Jorge IV, assumiu a responsabilidade da regência. Infelizmente, Jorge IV
estava mais preocupado com suas próprias finanças caóticas do que com os
problemas econômicos das massas no início da era industrial, e sua
popularidade continuou a declinar. Por um bom motivo, um escritor
histórico se referiu à Casa de Hanover como “reis de lixo”. [ 203 ] A má sorte
dos monarcas Hanover acabou com a neta de Jorge III, Vitória.
Ironicamente, ela não podia governar Hanover por ser mulher e, por fim,
Hanover se separou do Reino Unido. [ 204 ]
Felizmente para o Reino Unido, em 1788 o papel do rei, embora não
insubstancial, havia sido grandemente reduzido, e a máquina do Estado
podia funcionar mesmo durante seus períodos de incoerência. Cada vez mais
o Reino Unido, não muito diferente de suas rebeldes colônias norte-
americana, estava rumando, talvez de forma inconsciente, para o
republicanismo, embora isso não fosse exatamente uma receita para evitar a
loucura, como veremos no capítulo 10. No entanto, isso protegeu o Reino
Unido do pior das potenciais catástrofes quando uma monarquia herda um
monarca instável.
No século XX, a maior parte do mundo descobriu que a monarquia é boa
principalmente para fotos turísticas, casamentos elegantes e para elevar uma
eventual norte-americana divorciada à família real, de modo que as meninas
acreditem que realmente podem se tornar princesas. Alguns lugares,
sobretudo no Oriente Médio, mantiveram monarquias absolutas.
Dependendo de como sejam definidos, alguns outros Estados, como a
Coreia do Norte ou mesmo o Principado de Liechtenstein, podem ser
considerados monarquias absolutas de fato. Mas, em grande medida, essa
instituição se recolheu, e que descanse em paz.
O papa poderia ser considerado o monarca absoluto da Cidade do
Vaticano. Mas é melhor que a loucura no que diz respeito à religião seja
avaliada separadamente, e é para isso que nos voltaremos a seguir.
CAPÍTULO 5
QUANDO DEUS FALA: LOUCURA E FÉ

E
m 1844, o filósofo comunista Karl Marx escreveu: “A religião é o
suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e
a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo.” Com isso ele
quis dizer que a religião muitas vezes serve para reduzir a dor das pessoas em
um mundo cheio de sofrimento e injustiça, dando-lhes alguma esperança de
uma eternidade pós-agora. Marx não era fã de crenças e fé, o que, ele
percebeu, impedia a classe trabalhadora de exigir mais na vida presente. Mas,
considerando que as filosofias do próprio Marx levaram diretamente à morte
de dezenas de milhões, talvez não seja uma boa ideia ele começar a apontar
culpados.
Não há como duvidar, examinando a citação de Marx com um pouco mais
de otimismo, que a fé ofereceu considerável compreensão, conforto,
comunidade e graça a bilhões de seres humanos que viveram desde que as
religiões começaram a se desenvolver em algum ponto da Idade da Pedra. Ao
mesmo tempo, a religião muitas vezes também esteve no centro de muita
treva, guerras, assassinatos, preconceitos e ódio. Muitas pessoas que sofrem
de doenças mentais são assoladas por fantasias paranoicas de deuses e
demônios, ou pensam que são profetas ou curandeiros mágicos. A religião
pode ser uma força para o bem, mas em sua forma mais sombria também
pode ser um catalisador da loucura. Vale a pena dedicar algum tempo a
estudar as raízes da fé em um poder superior, e por que isso tantas vezes se
transforma em loucura.

As raízes da fé
Até onde sabemos, os seres humanos estão entre as únicas criaturas do
planeta que demonstram claro interesse ritualístico ou religioso. Uma
exceção fascinante são os elefantes; embora não assistam à missa
regularmente ou façam genuflexão com suas trombas, eles demonstram um
interesse particular pelos ossos de seus mortos quando os encontram. [ 205 ]
Biólogos que estudam elefantes sugerem que eles ficam agitados ao encontrar
esses ossos, não demonstrando a mesma preocupação diante dos ossos de
outras criaturas. Essa consciência e esse desconforto com a morte,
aparentemente raros na maioria dos animais, são elementos precursores da
religião, como logo veremos.
A maioria dos antropólogos e arqueólogos busca “objetos fúnebres”, ou
seja, objetos valiosos enterrados com os mortos, que provavelmente seriam
usados na vida após a morte, como indicação de algo semelhante a crença
religiosa. Esse padrão praticamente limitaria a religião à nossa própria
espécie e sugeriria que a religiosidade começou há não mais de cem mil anos
e talvez mais próximo dos quarenta mil anos. [ 206 ] Vamos deixar de lado por
enquanto a possibilidade de que alguma forma de inteligência superior possa
de fato existir. É possível — mas há apenas uma maneira garantida de
descobrir, e cada um de nós terá sua oportunidade! Até lá, a existência de
deus ou deuses não pode ser negada cientificamente [ 207 ] e, como tal, está
além do alcance deste livro. No entanto, é importante estudar como evoluiu a
capacidade de ter fé, e o que isso significa para o modo como às vezes ela
pode ser tão mal utilizada.
Em geral, as teorias evolucionárias da religião sugerem uma de duas
hipóteses: a religiosidade evoluiu porque oferecia vantagens seletivas, ou a
religiosidade é um tipo de equívoco genético, fruto de outras estratégias
evoluídas, como cultura ou teoria da mente. Em relação à primeira — a
teoria de que a religiosidade é uma característica positiva e evoluída —, tem
sido indicado que os rituais religiosos de purificação criam uma estratégia de
resistência a doenças [ 208 ] ou oferecem benefícios relacionados a
comportamento colaborativo e coesão social, [ 209 ] com o benefício
individual de aumentar o status social do observante. [ 210 ] A explicação
alternativa para a evolução da religião é que ela se deu como subproduto de
outras características importantes, como uma tendência a investigar causa e
efeito, ou teoria da mente, uma habilidade pela qual atribuímos capacidade
de raciocínio aos outros. [ 211 ] Nesse sentido, podemos encontrar causa e
efeito quando comportamentos ritualísticos parecem produzir resultados
positivos, mesmo que por acaso, e atribuímos capacidade de raciocínio não
apenas a outros humanos, mas também ao clima, ao oceano e assim por
diante. Assim, equivocadamente atribuímos ação racional (ou seja, “atos de
Deus”) a acontecimentos climáticos, geológicos ou mesmo médicos que são
aleatórios. Essas duas abordagens não necessariamente se excluem
mutuamente, e características acidentais podem ser mais tarde incluídas. Por
exemplo, o medo de punição por transgressões religiosas pode, na verdade,
oferecer vantagens seletivas, na forma de correr menos riscos. [ 212 ]
Outro elemento é o fato de que, ao contrário da maioria das criaturas, nós
evoluímos para compreender a inevitabilidade de nossa própria morte. Uma
batata, uma água-viva ou mesmo um cachorro não necessariamente
compreendem que a morte é inevitável, não importa o que façamos com
nossas vidas. Isso pode dar origem ao “terror da morte”, que, como qualquer
ansiedade, procuramos reduzir. Uma teoria, chamada teoria da gestão do
terror, sugere que reduzimos o terror da morte criando cultura e religião com
rituais presenciais como um meio de nos convencer de que nossas almas
continuarão permanentemente após nossa morte física, desse modo
reduzindo a ansiedade em relação à morte. [ 213 ] Assim, por exemplo, ao
fielmente deixar de comer galinhas, ao pintar nossa pele de roxo toda quinta-
feira e nos curvar ao grande Unicórnio Rosa no Céu, nossas almas podem ser
selecionadas para existir para sempre após a morte de nossos corpos. O
problema surge quando nós, adoradores do Unicórnio Rosa, encontramos
discípulos das Fadas Princesas, que devem comer apenas bengalas doces no
café da manhã e todos os dias parar o que quer que estejam fazendo ao meio-
dia para dar largos sorrisos por vinte minutos. Os dois conjuntos de rituais e
crenças não podem estar certos. Então, ou admitimos que os dois conjuntos
de crenças devem estar errados e retornamos ao terror da morte, ou
exterminamos violentamente os adoradores das Fadas Princesas.
Normalmente, nós escolhemos a última opção.
Em defesa da religião, não é como se os seres humanos tivessem sido
criaturas pacíficas e colaborativas entre culturas não fosse pela religião
organizada. Os seres humanos são, por natureza, bastante violentos. [ 214 ] E
a religião costuma ser usada como pretexto para violência motivada por
outras razões, como território, domínio cultural ou ódio. Curiosamente,
quando exagerada, a religião pode levar a autodestruição, bem como guerra e
assassinato. É um exemplo de autodestruição que estudaremos primeiro.
A dieta de Deus
No melhor dos casos, a religião pode levar os indivíduos a buscar a
iluminação e melhorar. No entanto, isso geralmente vem com a percepção de
que a purificação da alma ocorre à custa do corpo. A imposição de dor,
sofrimento e negligência (às vezes voluntária, às vezes não) com o propósito
de purificação é comum em muitas religiões. Isso pode envolver pequenos
sacrifícios, como católicos evitando uma carne saborosa na Sexta-feira Santa;
sacrifícios mais sérios, como o celibato perpétuo das virgens vestais; ou o
radicalismo da automutilação proposital. Talvez um dos mais famosos entre
esses seja o Festival dos Nove Deuses Imperadores da ilha tailandesa de
Phuket, em que muitos celebrantes perfuram os rostos com diversos tipos de
agulhas, varetas e objetos maiores. Tudo isso sem anestesia, mas com os
participantes entrando em um estado de transe.

Participante no Festival dos Nove Deuses Imperadores de Phuket.


Foto: Alan Chow, Creative Commons License.
Nada disso é necessariamente ruim, desde que saudável e gratificante para
os participantes (mesmo os tailandeses com piercings no rosto
aparentemente experimentam poucos efeitos nocivos). Mas às vezes o zelo
religioso pode ser exagerado, resultando em significativos danos físicos ou
mentais para o participante.
Por exemplo, a negação extrema da carne, ou ascetismo, pode resultar em
problemas de saúde alimentar ou mesmo anorexia nervosa (AN). Conforme
definido pelo DSM da American Psychiatric Association, AN envolve a
intencional manutenção do peso corporal de alguém bem abaixo do peso
mínimo recomendado para uma pessoa saudável. [ 215 ] Ao contrário de um
equívoco comum, a AN não necessariamente envolve limitação de peso para
atender a ideais de beleza. Na verdade, a limitação de peso em geral não
corresponde aos ideais de beleza, mesmo em países industrializados em que
figuras mais magras e atléticas são preferidas. Da mesma forma, são fracas as
evidências de que a AN seja causada por ver atrizes atraentes nos meios de
comunicação de massa. [ 216 ] A AN é rara na população em geral, com
menos de um terço de 1% das mulheres experimentando o transtorno (os
números para os homens são baixos demais para serem computados). A AN
tende a ser mais prevalente em carreiras nas quais o peso é uma questão
prática que reduz o desempenho no trabalho. Por exemplo, os sintomas de
AN são muito mais comuns entre jóqueis do sexo masculino do que em
outros homens. [ 217 ] Mas isso permite aos cavalos correr mais rápido, e
obviamente pouco tem a ver com padrões ideais de atração física. [ 218 ]
Durante a Idade Média, um padrão de jejum radical para promover o
espiritualismo na comunidade católica foi reconhecido como símbolo de
santidade. Elementos como restrição de peso, negligência pessoal, falta de
menstruação para as mulheres e até mesmo preparar comida para outras
pessoas são encontrados entre indivíduos com AN hoje. [ 219 ] Uma das
mulheres mais famosas foi Santa Catarina de Siena, que viveu e morreu em
meados do século XIV.
Catarina nasceu em 1347 juntamente com uma irmã gêmea, a vigésima
terceira criança da família. Ela começou a ter visões de Cristo desde cedo,
supostamente por volta dos seis anos, e fez um voto de castidade, jejuando
para evitar um possível casamento. Catarina se tornou freira contra a vontade
dos pais, que acabaram cedendo à teimosia adolescente. [ 220 ] Ela se tornou
uma escritora prolífica e uma personalidade política, usando sua imagem de
relíquia sagrada viva para influenciar o papado e a política local. Recebeu o
crédito de ajudar no processo de retorno do papado a Roma, depois de um
exílio em Avignon, França. Também escreveu muitas cartas e preces. [ 221 ]
Como parte de suas observâncias rituais, Catarina se submetia a uma
alimentação muito restrita e rígida, e também a outros castigos físicos. Ela se
açoitava, e dormia apenas sobre uma tábua dura. Limitava-se principalmente
a vegetais e água, e participava da Eucaristia todos os dias. No final, passou a
se alimentar unicamente de ervas não comestíveis, mastigando-as para extrair
o suco e cuspindo o resto. Dizem que às vezes, induzia o vômito. Alegou
passar mal com qualquer alimento doce, e a certa altura desistiu de beber até
mesmo água. Isso, claro, rapidamente levou a complicações de saúde
significativas, e por um breve período ela mudou de comportamento. Ao
mesmo tempo, dava comida e roupas a outras pessoas sem pedir nada em
troca. Ficou paralisada em 1390 e morreu pouco depois, aos 33 anos, o corpo
muito enfraquecido por fome e desidratação.
Catarina de Siena acossada por demônios (nenhum dos quais pensou em levar um bolinho para ela [ 222 ].
Anônimo, por volta de 1500.]
O que a levou a esse estado emocional radical tem sido objeto de
especulações. Alguns argumentam que suas visões religiosas periódicas
sugerem epilepsia do lobo temporal, visto que, afora isso, ela era coerente e
lúcida. [ 223 ] Suas visões de fato eram muito poderosas, incluindo uma em
que ela desposava o próprio Cristo. Ela comentou com outra mulher em uma
de suas cartas: “Bem, vê que tu és uma noiva, e que Ele se casou com você e
todas as criaturas não com um anel de prata, mas com o anel de Sua carne”, o
que às vezes é interpretado como o prepúcio de Cristo, embora se possa
generosamente ver um significado muito mais simbólico que esse. Ela
também tinha visões de estigmas, embora aparentemente só ela conseguisse
vê-los, pelo menos até depois de sua morte. [ 224 ]
Catarina também sofreu de depressão e teve visões da Igreja Católica em
ruínas. Restringir o que comia parece ter sido para ela um meio de conseguir
algum controle e uma noção de poder, um sentimento (ainda que menos
religioso) compartilhado por muitos indivíduos que sofrem de AN hoje. [ 225
] Na verdade, a AN não é tipicamente uma disfunção do apetite, mas a
supressão proposital do apetite como meio de obter uma sensação de
controle. Outros estudiosos, contudo, sugerem que deficiências na percepção
do paladar podem ter desempenhado algum papel no transtorno alimentar de
Catarina, particularmente no que diz respeito à sua aversão a sabores doces. [
226 ]
As descrições contemporâneas de Catarina sugerem que, em geral, ela era
lúcida, e uma pessoa poderosa e persuasiva, dada sua autoridade na Igreja
Católica, algo relativamente raro entre as mulheres da época. Como tal, seu
comportamento não pode ser atribuído apenas a psicose. De fato, seu caso é
um clássico de AN, talvez exacerbado por questões fisiológicas, seja epilepsia
ou outras disfunções do sistema nervoso. Casos como o dela nos ajudam a
compreender que a AN é uma doença complexa e que a narrativa comum de
ser um subproduto infeliz da cultura da beleza pode ser menos verdadeira do
que normalmente se pensa. A AN em grande medida parece semelhante ao
transtorno obsessivo-compulsivo, em que comportamentos ritualísticos
(como redução de peso) são usados para conter pensamentos intrusivos que
provocam ansiedade (neste caso, sobre comer ou a perda de algum estado
“perfeito” [ 227 ]). Nesse sentido, as raízes causais da AN podem ser muito
mais internalizadas do que externalizadas, embora efeitos significativos do
ambiente familiar também sejam prováveis.
Catarina de Siena foi santificada por sua autoridade na Igreja, bem como
por milagres praticados tanto durante sua vida quanto após sua morte. Sem a
“loucura” de sua AN, ela poderia não ter alcançado um status tão elevado.
No entanto, ela também é um exemplo do poder que a religião tem para se
tornar destrutiva. A religiosidade, quando combinada com a loucura, não
precisa ser autodestrutiva, mas pode causar considerável sofrimento ao
mundo. É para vários desses exemplos que nos voltaremos agora.

As chamas de Waco
A religião é um atrativo comum para pessoas com doenças mentais. Nossa
universidade em Stetson tem um campus aberto, e de vez em quando
membros da comunidade local com doenças mentais perambulam por lá.
Inevitavelmente, quem quer que os encontre os encaminha ao departamento
de psicologia, como se fôssemos uma espécie de clínica universitária. A
maior parte da psicose religiosa que vi foi em ambientes clínicos, mas tive um
ou dois membros infelizes da comunidade em meu escritório, e também de
tempos em tempos recebo pelo correio uma carta em que, de algum modo,
alguém consegue fazer um discurso sobre videogames, Jesus e os nazistas,
tudo em uma caligrafia grossa. Infelizmente, os serviços de saúde mental nos
Estados Unidos continuam bastante deficientes, e há poucos recursos para
cuidados de longo prazo.
Psicose é uma condição na qual um indivíduo tem alucinações ou
experiências perceptivas que não são reais, e delírios ou crenças sobre o
mundo que são falsas, mas resistentes aos choques de realidade. A maior
parte da religião, claro, não é psicótica. Mas a busca por um significado
espiritual comum entre os seres humanos, combinada com as experiências
perceptivas distorcidas de alucinações e psicose, comumente dão origem a
crenças distorcidas sobre a espiritualidade. [ 228 ]
A maioria das pessoas com psicose também tem dificuldades com
comunicação, habilidades sociais, organização e até higiene. Portanto, é
difícil para esses indivíduos transmitir suas crenças religiosas com eficácia a
outras pessoas, atrair seguidores e tudo o mais. No entanto, o DSM inclui
uma condição, o transtorno delirante, que é marcado principalmente pela
presença de delírios, mas no qual as habilidades de comunicação
permanecem intactas. Em outras palavras, a pessoa parece totalmente lúcida,
exceto quando fala sobre o conteúdo de seus delírios. Mesmo então, esses
indivíduos podem ser coerentes e convincentes o suficiente para convencer os
outros de que são profetas, visionários e líderes religiosos. E voilà, nasce uma
nova religião.
A maioria das novas religiões não vai muito longe porque atrair adeptos é
um desafio. O que influencia alguns indivíduos a abandonar crenças mais
tradicionais e se comprometer com um novo culto é um processo complexo.
Normalmente envolve algum grau de descontentamento com a sociedade,
uma promessa de inclusão ou aceitação no culto e a identificação com um
líder carismático. [ 229 ] Desse modo, alguns indivíduos podem ser
particularmente vulneráveis ao recrutamento por seitas, encontrando a
aceitação social que lhes era negada em ambientes mais convencionais. Os
cultos em si provavelmente vão desde aqueles que demostram boa fé na busca
de iluminação espiritual até aqueles intencionalmente predatórios quanto a
finanças, consentimento sexual ou a saúde de seus membros. Em situações
extremas, alguns cultos terminaram com o suicídio em massa de membros,
como as mortes, em 1997, de 39 integrantes do culto Heaven’s Gate, que
acreditavam que uma nave alienígena disfarçada no cometa Hale-Bopp tinha
vindo para levá-los ao céu, [ 230 ] e o suicídio/assassinato em massa mais
conhecido de Jonestown em 1978, no qual mais de novecentas pessoas
morreram.
Outro culto marcado por violência sem sentido foi o Ramo Davidiano, que
ficou conhecido em 1993. O grupo que veio a ser chamado de Ramo
Davidiano era uma dissidência da Igreja Adventista do Sétimo Dia com
rígidas visões religiosas e milenarismo. Durante a maior parte da história do
grupo, os membros seguiram regras severas de comportamento e procuraram
sinais do fim dos tempos. Quando o fim dos tempos não chegou como
esperado, a liderança do grupo se desgastou, um processo que teve seu auge
em meados da década de 1980, quando facções rivais entraram em conflito,
muitas vezes armado. Nesse momento crítico, um homem chamado David
Koresh [ 231 ] se valeu da força para assumir o controle do grupo, instalado
perto de Waco, Texas. Koresh reforçou os elementos típicos de um culto
predatório, incluindo liderança autoritária, isolamento da sociedade e
vantagens particulares para si mesmo. Especificamente, ele tomou como
esposas várias mulheres da comunidade, tendo talvez 13 filhos com elas, ao
mesmo tempo que impunha aos outros membros do grupo regras estritas de
conduta sexual e castidade. [ 232 ] Seu segundo em comando, Steve
Schneider, supostamente deu sua própria esposa legal a Koresh. Ainda assim,
Schneider permaneceu absolutamente leal a Koresh até o fim. Koresh
controlava o comportamento de seus membros de forma rígida,
ridicularizando aqueles que agiam mal e sujeitando os membros a horas de
sermões, sem intervalos para comer ou ir ao banheiro. O Ramo Davidiano
começou a estocar armamentos e se concentrar cada vez mais no fim dos
tempos, com Koresh sendo o líder escolhido que, como o Cordeiro de Deus,
conduziria o grupo através do apocalipse que ele mesmo iniciava ao abrir os
sete selos de um livro que Deus tinha nas mãos. [ 233 ]
Assim, Koresh seduziu seus seguidores com visões de um futuro ardente
inspirado no Apocalipse, sem falar em um conflito com as autoridades do
governo dos Estados Unidos. Koresh alegava ter visões sagradas que lhe
atribuíam posição de liderança, bem como o direito especial de procriar com
várias mulheres. Em troca, oferecia a seus seguidores a promessa de uma
passagem segura através do Armagedom e o abraço de boas-vindas de Deus
se o seguissem. Uma questão interessante a considerar é se o próprio Koresh
acreditava nisso. Uma possibilidade é de que Koresh tenha inventado tudo
para tomar o poder e assumir o controle de um grupo. O uso egoísta da
religião para ganho pessoal tem uma longa e célebre história, desde a venda
de indulgências na Igreja Católica renascentista até os pastores ultrarricos das
megaigrejas de hoje. Sem dúvida, a grande maioria dos líderes religiosos é
sincera ao tentar guiar seus fiéis em direção à iluminação, mas a religião
também pode ser um bom negócio para os espertos e despudorados.
A outra possibilidade é que Koresh realmente acreditava na maior parte do
que dizia, mesmo sendo glorificação pessoal. Isso indicaria que Koresh tinha
um quadro psicótico, mas era coerente o suficiente para transmiti-lo a outras
pessoas e convencê-las de sua validade. Esta é precisamente a combinação
que esperaríamos no caso do transtorno delirante, e é possível que Koresh
apresentasse essa condição. Koresh parece ter tido crenças fortes, e alegou ter
visões de seu papel no fim dos tempos. Ele permaneceu fiel a elas durante
todo o impasse final com o governo federal, e acabou morrendo por isso.
Durante todo o tempo, ele repetiu suas crenças religiosas, afirmou estar
ofuscado por uma “nebulosa de violão” e procurou sinais de Deus sobre o que
fazer. Não significa que Koresh também não pudesse ter traços de
personalidade antissociais, mas indica que ele pode ter sido igualmente
delirante. Em última análise, uma resposta definitiva é impossível em função
da morte de Koresh, e as opiniões ainda são divergentes, mas desconfio de
que esta segunda explicação seja mais provável.
Exatamente como o Ramo Davidiano chamou a atenção das autoridades
federais e quem foi o responsável pela forma como tudo aconteceu é motivo
de muita discussão até hoje. Em seu relatório oficial, o Departamento de
Justiça dos Estados Unidos alegou que o governo federal, por intermédio do
Departamento de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (ATF, na sigla em
inglês), executou um mandado no complexo do Ramo Davidiano relativo à
posse de armas e explosivos ilegais, além de um temor de que algumas das
mulheres com quem Koresh fazia sexo fossem menores de idade. [ 234 ] Isso
se deu em 28 de fevereiro de 1993. A operação foi um fracasso, com tiros
trocados entre integrantes do Ramo Davidiano e os agentes do ATF que
invadiam o complexo. Quatro agentes do ATF morreram, além de cinco
membros do Ramo Davidiano. Outro membro, que estava fora do complexo
no momento do ataque, morreu após uma tentativa de abrir caminho a tiros
de volta ao complexo. Após o ataque fracassado, o FBI assumiu as
negociações com o Ramo Davidiano, [ 235 ] negociações que continuariam
por quase dois meses, até 19 de abril de 1993. O impasse se prolongou,
causando grande constrangimento ao governo dos Estados Unidos, que
parecia impotente para resolver o conflito. O complexo do Ramo Davidiano
foi cercado por agentes federais, incluindo veículos blindados.
Koresh informou aos negociadores que ele próprio havia sido ferido na
operação, mas recusou tratamento médico para seus ferimentos ou os de
outros seguidores. Exigiu e obteve permissão para transmitir suas opiniões
religiosas na rádio local, e no dia seguinte permitiu que várias crianças
deixassem o complexo. No entanto, não saiu do complexo pacificamente com
seus seguidores como a princípio prometera fazer em troca da transmissão de
rádio. Durante as negociações, Koresh insistiu na crença de que precisava de
tempo para terminar de abrir os sete selos e que isso justificava seus atrasos.
Em alguns momentos ficou agitado, segundo relatos do governo, ameaçando
matar as crianças e outras pessoas dentro do complexo.
Koresh continuou permitindo que algumas crianças deixassem o complexo.
Uma dessas crianças levou o que parecia ser um bilhete suicida escrito por
um dos adultos (a mãe da criança), levantando a preocupação de que o Ramo
Davidiano pretendesse cometer suicídio coletivo. Os agentes federais
tentaram aumentar a pressão sobre o Ramo Davidiano cortando a energia
elétrica e tocando música alta para causar privação de sono, ao mesmo tempo
que negociavam um fim pacífico para o impasse. Além das crianças, vários
adultos, principalmente mulheres, também deixaram o complexo.
Em 22 de março, os agentes federais começaram a estudar formas não
letais de forçar o fim do impasse. O esboço geral do plano envolvia uso de
muito gás lacrimogêneo para forçar os membros do Ramo Davidiano a sair
dos prédios. Também estava ficando claro que a tentativa de estressar os
membros do Ramo Davidiano com música alta, incluindo cantos tibetanos,
não funcionara. Vários dias depois, um homem integrante do culto conseguiu
romper o perímetro, juntando-se ao Ramo Davidiano no complexo.
Koresh afirmou estar trabalhando em um manifesto sobre sua visão a
respeito dos sete selos, mas em 19 de abril as autoridades federais perderam a
paciência. Colocaram em prática o plano do gás lacrimogêneo, usando
veículos blindados para superar as barreiras e lançar o gás no complexo. Em
seu relatório, o Departamento de Justiça alegou o temor de que as crianças
no complexo estivessem sendo vítimas de abuso durante o impasse, mas é
provável que o impasse também tivesse se tornado um constrangimento para
o governo.
O clima ruim e fortes ventos dificultaram a ação policial, e os próprios
membros do Ramo Davidiano começaram a atirar nos veículos blindados.
Nove membros do grupo escaparam do complexo durante a invasão e foram
resgatados. No entanto, logo começou um incêndio, causando a morte de 75
membros, incluindo muitas crianças. Koresh morreu em algum momento
durante a conflagração, aparentemente devido a um tiro na cabeça. Muitos
outros membros do grupo também foram baleados, vários deles crianças.
Uma criança morreu devido a um ferimento de faca no peito. Outros
sufocaram ou morreram devido a queimaduras.
As investigações do governo concluíram que o próprio Ramo Davidiano
havia causado o incêndio, possivelmente em três pontos diferentes do
complexo. O Departamento de Justiça afirmou que o gás lacrimogêneo usado
não era inflamável, embora os danos causados aos imóveis pelos veículos
blindados possam ter ajudado a alimentar o fogo. Mas o complexo era
malconstruído, e provavelmente os ventos fortes atiçaram o fogo. Contudo,
uma investigação do Congresso em 2000 sugeriu que várias das latas de gás
poderiam ter equipamento pirotécnico para liberar o gás lacrimogêneo,
embora haja poucas evidências de que tenham causado o incêndio. O
relatório concluiu que o FBI não havia provocado os incêndios
inadvertidamente. [ 236 ]

Complexo do Ramo Davidiano. Foto: Governo dos Estados Unidos.

Exatamente quem é o culpado pelo primeiro tiroteio continua a ser motivo


de polêmica. Alguns membros sobreviventes do Ramo Davidiano afirmam
que o ATF começou a atirar primeiro, enquanto relatórios oficiais do
governo dizem que os agentes do ATF foram emboscados pelo Ramo
Davidiano. Uma crítica mais certeira seria uma falha na comunicação entre
os negociadores do FBI e o Ramo Davidiano, com o FBI deixando de
compreender o ponto de vista religioso do Ramo Davidiano e não
conseguindo apresentar a eles um argumento claro de por que a rendição era
o resultado desejado. [ 237 ] O relatório do Congresso de 2000 acusou as
autoridades federais de falhar na operação inicial no complexo do Ramo
Davidiano, bem como no ataque final com gás lacrimogêneo, mas as
inocentou de disparar armas de fogo ou iniciar o incêndio final. Outros
relatos têm sido mais simpáticos ao Ramo Davidiano, identificando as
autoridades federais como os caras maus e classificando as alegações de
irregularidades no Ramo Davidiano como falsas ou exageradas, com a
incompetência federal tendo levado a mortes desnecessárias. [ 238 ]
É difícil negar o fato de que David Koresh se tornara como um deus para
seus seguidores, que estavam dispostos a acompanhá-lo em uma situação em
que eles e seus filhos poderiam esperar a morte. As evidências disponíveis
sugerem que é altamente provável que Koresh acreditasse em seus pontos de
vista religiosos, ao mesmo tempo que demonstrava uma necessidade
inacreditável de controle e poder sobre sua congregação, e desprezo pelo
bem-estar deles. Mesmo o incêndio final pode ter refletido sua necessidade
de controlar seus seguidores, queimando-os em vez de libertá-los. [ 239 ]
Sincero ou não em suas crenças religiosas, Koresh foi um louco que levou a
si mesmo e seus seguidores a um assassinato-suicídio em massa. Mas, como
temiam as autoridades, após sua derrocada o Ramo Davidiano se tornou
mártir dos grupos antigovernamentais de extrema direita, mesmo aqueles
com menos pretensões religiosas. O Ramo Davidiano não foi o único
responsável pelo aumento da ferocidade e da influência de grupos de extrema
direita, neofascistas, racistas e paranoicos. Mas sua história faz parte de um
fluxo constante de raiva que segue nessa direção e continua a ser uma ameaça
existencial ao liberalismo nos Estados Unidos no momento em que escrevo.
Mas religiões marginais violentas não são de modo algum exclusividade do
território norte-americano. Vamos estudar agora o exemplo de um culto
assassino do Japão.

Verdade suprema
Como vemos no caso do Ramo Davidiano, extremo isolamento e, muitas
vezes, hostilidade para com o restante da sociedade são uma característica
comum a muitos cultos predatórios. Pelo que sabemos do caso do Ramo
Davidiano, eles pareciam contentes em aguardar o fim dos tempos.
Indiscutivelmente, dada a ameaça implícita na acumulação de armas de fogo
e explosivos ilegais, bem como as alegações de abuso de menores, o governo
federal teve muitos motivos para intervir. No entanto, parece haver poucas
evidências de que o Ramo Davidiano fosse uma ameaça imediata para
aqueles fora do complexo na época da invasão em 1993. Na verdade, o
conflito foi iniciado pelo governo, não pelo culto. Se o governo estava certo
ou errado ao fazer isso, ainda é tema de polêmica acalorada.
Mais ou menos na mesma época em que o complexo do Ramo Davidiano
queimava, um culto apocalíptico japonês chamado Aum Shinrikyo começava
a agitar as águas do outro lado do Pacífico. Esse culto surgiu na década de
1980, começando como uma espécie de academia de ioga, mas
posteriormente evoluindo para uma crença voltada para a morte,
incorporando elementos de budismo tibetano, hinduísmo, cristianismo e
ideias da Nova Era. O grupo era liderado por um vigarista chamado Shoko
Asahara. Nascido parcialmente cego, Asahara foi criado em um ambiente
humilde, e na infância era conhecido por intimidar os outros, evoluindo
depois para golpes em busca de riqueza. Quando jovem, desenvolveu uma
habilidade de controlar os outros, sobretudo quem sentia dor e necessitava de
apoio. Infelizmente, dedicou essa habilidade a seus próprios objetivos
pervertidos. [ 240 ] Ele dirigia seu culto como um predador, isolando seus
membros, tomando seu dinheiro e cortando seus laços com parentes e
amigos, ameaçando-os espiritualmente e até fisicamente se não o
obedecessem. [ 241 ]
Com a obediência cega de seus seguidores, Asahara se concentrou cada vez
mais em riqueza e poder, bem como em visões do fim do mundo, incluindo
uma fantasia sobre controlar um dispositivo nuclear. [ 242 ] Ressentimento
pela cegueira e por ter sido enviado a uma escola para cegos, o que pode ter
interpretado como isolamento social, aparentemente alimentaram profundos
ódio e ressentimento para com a sociedade. Como consequência, à medida
que a Aum Shinrikyo cresceu, chegando a mais de mil membros em tempo
integral, muito de seu esforço foi dirigido a obter meios de destruição em
grande escala.
Aqui podemos fazer sobre Asahara a mesma pergunta feita sobre David
Koresh. Asahara realmente acreditava na baboseira religiosa que vendia aos
seus seguidores idólatras? No caso de Koresh, a fidelidade às suas visões,
mesmo quando poderia ter salvado a própria vida moderando o discurso, é
um argumento em favor de conteúdo delirante. Isso não significa que Koresh
não fosse um psicopata, mas sugere alguma autenticidade em suas
afirmações, mesmo que elas dificilmente representassem uma doutrina
coerente. No caso de Asahara, o ímpeto parece ter sido conquistar riqueza e
poder e usar sua influência para prejudicar uma sociedade que ele odiava. Isso
indica que Asahara era um psicopata clássico que explorava a religião para
seus próprios objetivos.
Durante algum tempo, a Aum Shinrikyo se esforçou para obter uma arma
nuclear, buscando depósitos de urânio e fazendo contato com cientistas
russos insatisfeitos. [ 243 ] Felizmente isso não deu em nada, e o culto teve de
apelar para armas biológicas ou químicas. Sabe-se que entre o final dos anos
1980 e o início dos anos 1990 o culto assassinou, pelo menos, um crítico da
seita e sua família e cogitou assassinar outros. [ 244 ] No início dos anos 1990,
ele tentou produzir e utilizar várias armas biológicas, incluindo toxina
botulínica, ebola e antraz. [ 245 ] Em todos os casos, os ataques conseguiram
principalmente produzir odores ruins, sem contaminar ninguém. Acontece
que transformar agentes biológicos em arma é mais difícil do que se imagina,
e a Aum Shinrikyo não tinha a capacidade técnica para realizar tal ataque.
Assim, o grupo finalmente voltou-se para armas químicas.
Por que o grupo estava tão determinado a causar mortes em massa? A
maioria dos membros comuns provavelmente tinha pouca ideia do que a
liderança fazia. A direção parecia ser do próprio Asahara, que, como
observado, nutria um enorme ressentimento para com a sociedade. Ele
contaminou seus seguidores, muitos deles também alienados da sociedade,
com a visão de uma sociedade decadente e imoral. A violência era justificada
por trazer o fim dos tempos e salvar a humanidade da imoralidade. Antigos
membros da Aum Shinrikyo falaram sobre fechar os olhos para as evidências
da dubiedade e da maldade de Asahara, tão desesperados estavam pelas
experiências espirituais transcendentais que desejavam e que recebiam
integrando o grupo. [ 246 ]
Mesmo entre os cultos predatórios, a Aum Shinrikyo representa a mais
maligna combinação de um líder carismático, mas psicopata, com seguidores
tão alienados da sociedade que estão dispostos a cometer assassinato para
agradar seu líder e garantir o acesso à vida após a morte. A espiritualidade foi
distorcida para resolver vinganças pessoais, e pessoas vulneráveis foram
usadas para cometer atrocidades. Infelizmente, nas sociedades modernas um
pequeno número de pessoas se vê perdido, alienado e às vezes carente das
habilidades sociais para o sucesso. Esses indivíduos costumam descrever a
conversão a um culto como transformadora, tendo se “encontrado” após
tantos anos perdidos. A experiência significa sacrificar a identidade e a
autonomia anteriores em favor de uma nova fé amorosa, embora exigente, no
personagem do profeta. [ 247 ] Há poucas formas de ajudar essas pessoas
antes que se envolvam com grupos predadores. A maioria dos cultos
predatórios se aproveita de seus membros, mas alguns, como o Aum
Shinrikyo, se lançam violentamente contra a sociedade.
Em 1994, o grupo havia se tornado razoavelmente eficiente no
desenvolvimento da neurotoxina sarin. Como acontece com muitos agentes
nervosos, a morte por envenenamento de sarin é brutal e dolorosa. O agente
nervoso altamente tóxico interfere na comunicação entre nervos e músculos.
A morte normalmente ocorre por asfixia quando os músculos que controlam
a respiração deixam de funcionar, e é acompanhada de contrações dolorosas,
dor lancinante e perda de controle das funções corporais. Acredita-se que o
grupo tenha assassinado alguns oponentes nessa época, possivelmente usando
sarin em alguns assassinatos.
Em junho de 1994, a Aum Shinrikyo levou a cabo seu primeiro ataque em
massa usando sarin, liberando uma nuvem de gás de um caminhão
refrigerado na cidade de Matsumoto. Nesse caso, o motivo parece ter sido
uma briga judicial. A Aum Shinrikyo estava do lado perdedor em uma
disputa imobiliária e procurou eliminar os juízes envolvidos no caso antes de
receber um veredicto negativo. A nuvem de gás matou sete pessoas na cidade
e deixou mais quinhentas nauseadas. [ 248 ] Surpreendentemente, o grupo
não foi investigado pelas autoridades por esse crime hediondo.
Em março de 1995, a Aum Shinrikyo realizou um ataque mais audacioso.
Pacotes com sarin foram deixados em cinco trens do metrô de Tóquio. Os
integrantes do culto perfuraram os pacotes antes de escapar, permitindo que
o conteúdo se derramasse e vaporizasse, espalhando-se pelos trens. Doze
pessoas morreram e, pelo menos, mil outras precisaram ser hospitalizadas,
algumas com ferimentos duradouros. [ 249 ] Dessa vez, a polícia foi alertada
sobre o envolvimento da Aum Shinrikyo no ataque e rapidamente invadiu as
instalações do grupo, prendendo dezenas de membros, entre eles Asahara.
Vários ataques da Aum Shinrikyo envolvendo armas de cianeto de
hidrogênio aconteceram após a prisão de Asahara, embora sem sucesso.
Muitos integrantes do culto foram considerados culpados de vários níveis de
envolvimento nos crimes da seita, e 13, incluindo Asahara, acabaram
condenados à morte por enforcamento pelo ataque com sarin a Tóquio ou
outros assassinatos cometidos pelo grupo. Todos foram enforcados no verão
de 2018. [ 250 ] No entanto, o culto foi rebatizado e ainda sobrevive, sendo
designado uma “religião perigosa” sujeita a vigilância no Japão, e considerado
um grupo terrorista nos Estados Unidos.
A loucura em um grupo como a Aum Shinrikyo funciona em dois níveis.
Em primeiro lugar, no líder psicopata como Asahara, que usa de forma
egoísta as vulnerabilidades dos outros para acumular poder e se vingar
daqueles que acredita terem-no prejudicado. Em segundo lugar, entre os
membros vulneráveis, que submetem a própria identidade à vontade de um
líder carismático, cometendo crimes horríveis para agradá-lo e garantir a vida
após a morte. Infelizmente, a pesquisa sobre a atividade cultista é escassa
demais para permitir entender corretamente como governos, terapeutas e
entes queridos podem agir para evitar que ocorram no futuro tragédias como
o ataque com gás sarin a Tóquio em 1995.

Um bomba em Boston
A única coisa que podemos dizer com algum grau de certeza é que
indivíduos que se sentem alienados, solitários e desesperançados são
particularmente vulneráveis a recrutamento por perigosas ideologias
religiosas. Esses indivíduos podem encontrar em um grupo perigoso o
significado e a aceitação que lhes são negados em contatos sociais mais
convencionais. Isso os motiva a preferir se envolver em atos de violência do
que retornar ao isolamento anterior.
Nenhuma religião tem o monopólio da violência, e mesmo crenças com
mensagens pacifistas profundas, como o cristianismo do Novo Testamento e
o budismo, foram associadas à violência política. Portanto, eu argumento que
a religiosidade é mais vitrine que causa da violência humana, e é improvável
que o curso histórico das atrocidades humanas tivesse sido contabilizado de
forma muito diferente se os seres humanos tivessem evoluído como ateus. Na
verdade, a religião pode servir como um ponto de encontro para aqueles cujas
mentes estão cheias de ódio louco, uma espécie de justificativa moral para
atos que eles teriam cometido de qualquer maneira.
Definir o grau em que a religiosidade pode ser sinal de violência tem sido
algo polêmico na história moderna. Nos Estados Unidos, por exemplo, a
maior parte da violência terrorista tem sido doméstica, ou seja, cometida
sobretudo por norte-americanos quase sempre cristãos [ 251 ] contra outros
norte-americanos. De acordo com um relatório de 2017 do governo federal
dos Estados Unidos, [ 252 ] os casos foram quase igualmente divididos entre
violência perpetrada por radicais de extrema direita (por exemplo,
nacionalistas, grupos de ódio racista etc.), responsáveis por 106 mortes, e
radicais islâmicos, responsáveis por 119 mortes. É importante notar que a
maioria dos extremistas islâmicos era de residentes nos Estados Unidos, não
invasores vindos de outros países. Em décadas passadas, grupos de extrema
esquerda como o Weather Underground também se envolveram em violência
terrorista nos Estados Unidos, mas isso é muito menos comum hoje. Além
disso, para aumentar a confusão, é importante notar que muitos dos
incidentes registrados como terrorismo doméstico também poderiam ser
incluídos na contabilidade de fuzilamentos em massa. Por exemplo, o ataque
a tiros de junho de 2016 na boate Orlando’s Pulse cometido por um
muçulmano norte-americano. Esses incidentes contam como terrorismo
doméstico ou como fuzilamento em massa?
A forma como um crime é definido depende muito da política. Se estamos
falando de controle de armas, os disparos na Pulse são considerados
fuzilamento em massa. Se estamos preocupados com o terrorismo islâmico,
então é um ataque terrorista. Por outro lado, o massacre de Columbine, no
qual dois adolescentes mataram 12 colegas e um professor em sua escola
secundária em 1999, não é nem remotamente considerado terrorismo. Será
Columbine diferente de Pulse porque os assassinos de Columbine eram
brancos sem filiação ou causa política, enquanto o atirador da Pulse
vagamente alegou afinidade com o grupo islâmico radical Estado Islâmico do
Iraque e Levante (Isil na sigla em inglês)?
Curiosamente, pesquisas recentes sugerem que a resposta é não. As
pesquisas indicam que terroristas suicidas, como o atirador da Pulse ou os do
atentado de 11 de setembro, são psicologicamente semelhantes a pessoas que
cometem fuzilamentos em massa ou atiram dentro de escolas, como os
assassinos de Columbine. [ 253 ] Para ser mais específico, eles compartilham
características de personalidades extremamente antissociais, problemas
profundos de saúde mental, incluindo ideação suicida, e um sentimento de
ressentimento para com os outros. Terroristas suicidas estão dispostos a
morrer não apenas por causa das promessas de alguma recompensa celestial,
mas porque já querem morrer. Contudo, como acontece com os atiradores
em massa, eles culpam os outros por seu estado mental e pretendem punir os
outros com violência antes de partir. Com efeito, a loucura do terrorista
suicida e do homicida em massa é mais similar que diferente.
Isso levanta a questão espinhosa de traçar um perfil étnico quando se trata
de terrorismo. O terrorismo não é nenhuma novidade na história, e tem sido
usado por vários grupos culturais e religiosos para intimidar outros grupos. É
usado tanto por governos no poder quanto por grupos não governamentais.
Dependendo da política, das estratégias militares, da economia e de outras
forças, o terrorismo pode explodir em uma região e depois morrer, apenas
para explodir em outra. No entanto, nos Estados Unidos e na Europa é dada
atenção considerável à violência terrorista perpetrada por grupos islâmicos
como Al-Qaeda e Isil. Ataques como o de 11 de setembro, que matou cerca
de três mil norte-americanos, bem como atentados à bomba, tiroteios,
atropelamentos em massa e outros ataques por toda a Europa associaram o
terrorismo ao Oriente Médio e ao islamismo na mente de muitos. Isso ocorre
porque a mente humana tende a funcionar em termos de traços gerais, em
vez de detalhes. Usamos heurísticas para fazer julgamentos rápidos sobre
uma situação. Em grande medida, isso é necessário e fruto de adaptação, nos
permitindo estimar riscos rapidamente. Embora possamos reconhecer que o
terrorismo doméstico nos Estados Unidos é quase igualmente dividido entre
terroristas de extrema direita e terroristas islâmicos, os ataques de 11 de
setembro permanecem fortes na memória de muitos, assim como os ataques
mais recentes, embora menores, por toda a Europa. Sob tais condições, pode
ser difícil para as pessoas manter suas percepções nuançadas.
Por um lado, está claro que grupos islâmicos radicais como o Isil estão
promovendo o terrorismo e que tais grupos representavam um desafio único
no momento em que este livro era escrito. A incapacidade de identificar
quais regiões ou culturas específicas estão lutando contra a violência mais do
que outras só prejudica nossa capacidade de concentrar recursos e atenção.
Ao mesmo tempo, também precisamos reconhecer que a grande maioria das
pessoas do Oriente Médio ou de fé islâmica não é de terroristas violentos e
sente tanta repulsa pela violência radical quanto qualquer um. Mas nosso
cérebro tem dificuldade de lidar com essas nuances, e é fácil que o estado de
alerta recorra à islamofobia e ao racismo de um lado, e à ingenuidade
politicamente correta do outro. Promover o debate entre interessados de
todas as origens sobre como reduzir a violência terrorista é mais frutífero do
que adotar pontos de vista ideológicos rígidos, mas isso também requer dos
humanos um grau de racionalidade que geralmente é escasso. Para avaliar
como o extremismo religioso pode se transformar em violência terrorista,
vamos estudar o caso de Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev, irmãos checheno-
americanos que em 2013 mataram quatro pessoas no atentado à bomba à
Maratona de Boston.
Entre 2002 e 2003, os dois irmãos Tsarnaev chegaram aos Estados Unidos
com a família, vindos do Quirguistão, um país perto da Rússia mergulhado
em conflitos políticos. Seus pais receberam asilo nos Estados Unidos e a
família se estabeleceu, como muitas outras famílias de imigrantes. Dzhokhar
se ajustou razoavelmente bem no início, indo bem na escola, mas seu irmão
mais velho, Tamerlan, teve dificuldades. Ele se saiu mal na escola, passou a
frequentar uma mesquita islâmica fundamentalista e foi preso por agredir
uma namorada. Demonstrou cada vez mais interesse por sites jihadistas
violentos. Em 2011, o governo federal norte-americano recebeu um aviso de
que Tamerlan estava se radicalizando e planejava viajar para a Rússia e se
juntar aos insurgentes contra os russos na Chechênia. Mas a investigação foi
concluída sem que fosse detido. [ 254 ] Ele foi colocado em uma lista de
vigilância de terroristas, mas mesmo assim teve autorização para viajar para a
Rússia em 2012.
Atentado à bomba à Maratona de Boston. Foto: Aaron Tang, Creative Commons License.

Em algum momento nessa época, Tamerlan conseguiu radicalizar o irmão


mais novo, Dzhokhar. Alguns especulam que os irmãos, ou pelo menos
Tamerlan, podem ter se envolvido em um triplo assassinato em 2011. Três
homens, dois dos quais judeus, foram cruelmente mortos em Waltham,
Massachusetts. As vítimas foram quase decapitadas, e maconha e dinheiro
foram deixados no local, sugerindo inexistência de motivação financeira.
Dada a ligação entre Tamerlan e uma das vítimas, mais tarde surgiu a
suspeita de que ele pudesse estar envolvido. Outro suspeito foi morto pela
polícia em 2013, logo após supostamente confessar que ele e Tamerlan
haviam cometido os assassinatos. O suspeito teria investido contra os
policiais que o entrevistavam após confessar. No entanto, o triplo assassinato
permanece oficialmente sem solução. [ 255 ]
Em 15 de abril de 2013, Tamerlan e Dzhokhar detonaram dois
dispositivos explosivos improvisados colocados em mochilas ao longo do
trajeto da Maratona de Boston. Três pessoas foram mortas e 264 feridas,
incluindo 16 que sofreram amputações traumáticas de membros. Os dois
irmãos fugiram do local. No entanto, foram identificados por testemunhas e
imagens de câmeras de segurança. Suas fotos foram divulgadas três dias
depois.
Na noite de 18 de abril, os irmãos trocaram tiros com um policial
universitário, matando-o. Mais tarde, roubaram um SUV, mas o dono do
veículo escapou e chamou a polícia. O proprietário disse à polícia que os
suspeitos estavam discutindo o atentado à bomba à Maratona de Boston. A
polícia localizou o veículo rapidamente e começou outro tiroteio. Os irmãos
atiraram e lançaram bombas caseiras. Vários policiais ficaram feridos, alguns
gravemente. Tamerlan foi ferido primeiro à bala, e depois, enquanto lutava
com a polícia, acabou atropelado pelo próprio irmão, que fugia do local no
SUV. Tamerlan morreu mais tarde em um hospital.
Dzhokhar abandonou o SUV logo depois, provocando uma busca de casa
em casa nas proximidades. Na noite seguinte, um morador ligou para a
polícia afirmando acreditar que alguém estava escondido sob uma lona em
um barco no seu quintal. Policiais atiraram no barco, que tinha um ocupante.
Depois que os disparos foram suspensos, Dzhokhar negociou e se rendeu às
autoridades. [ 256 ] Ele foi condenado à morte em 2015. [ 257 ]
Na audiência de sentença, a procuradora dos Estados Unidos, Carmen
Ortiz, disse: “Os atentados não foram um crime religioso (…) embora os
responsáveis alegassem representar o Islã. Foi um crime político cometido
por dois adultos que adotaram uma ideologia de ódio.” [ 258 ] Nesse sentido,
os cruzados contra a religião erram quando insinuam que a religião é a causa
da violência humana. A religião certamente pode servir como uma
justificativa para a violência, mas é improvável que um mundo ateísta fosse
menos brutal que o teísta. O pior que podemos dizer sobre a fé é que, apesar
de muitos movimentos religiosos do mundo enfatizarem ostensivamente o
pacifismo, eles têm tido muito pouco sucesso em deter a tendência humana à
agressão.
O caso dos irmãos Tsarnaev não é o único nos Estados Unidos ou na
Europa nos últimos anos a trazer consigo uma aura de violência de inspiração
islâmica. Por exemplo: em 2015, o casal Rizwan Farook e Tashfeen Malik
abriu fogo em uma festa de escritório em San Bernadino, Califórnia,
matando 14 pessoas e ferindo 22. [ 259 ] Farook pode ter sido motivado por
discussões em seu local de trabalho, onde acontecia a festa. No entanto, o
casal também havia anunciado afinidade com grupos como o Isil, e se
preparou para a violência terrorista durante meses, estocando armas e
fabricando explosivos, alguns dos quais esperavam colocar em carrinhos de
brinquedo controlados por rádio. O casal deixou a filha de seis meses com a
mãe de Farook antes do ataque. Os dois foram mortos posteriormente em
um tiroteio com a polícia. Esse caso chama atenção para os motivos muitas
vezes confusos que misturam queixas pessoais e extremismo religioso.
Também é um raro exemplo de uma equipe de marido e mulher em
homicídios em massa.
Os seres humanos sem dúvida continuarão a ter choques violentos por
causa da fé. Mas o número de conflitos ostensivamente baseados na fé
diminuiu nas últimas décadas. Subjacente a muitos deles havia lutas entre
culturas por terras e recursos. Respondendo à pergunta sobre quem entre nós
está correto em sua fé: se cristão, muçulmano, hindu, budista ou ateu, só
existe uma maneira empírica de testar nossas hipóteses sobre Deus. É uma
experiência que cada um de nós está destinado a viver.
CAPÍTULO 6
LOUCURA NA COMUNA

E
m meados do século XIX, os filósofos alemães Karl Marx e
Friedrich Engels desenvolveram uma filosofia das estruturas sociais
baseada na luta de classes e no igualitarismo utópico. Ao longo da
maior parte da história, governos de todos os tipos — fossem democracias
ou autocracias despóticas — tenderam a cuidar das elites sociais à custa das
massas. Isso se tornou ainda mais verdadeiro nos modernos Estados
capitalistas nos quais as elites, ou a burguesia, controlavam os meios de
produção em detrimento das massas, do proletariado e dos trabalhadores
oprimidos. Marx e Engels mostraram como as sociedades capitalistas
poderiam experimentar uma revolução do proletariado, com o controle da
produção passando para todos os membros da sociedade, o socialismo. Isso
acabaria por levar a uma utópica sociedade sem classes, com propriedade
comum, ou comunismo. [ 260 ] Em vez disso, o comunismo, do modo como
foi aplicado na prática em todo o mundo no século XX, deixou um legado
de miséria, morte e conflito mundial.
Para ser justo, as metas do comunismo estabelecidas por Marx e Engels
incluem um bom número de pontos que podemos considerar razoáveis hoje,
como tributação progressiva, abolição do trabalho infantil e educação
gratuita para crianças. Outros objetivos, entre eles a abolição da propriedade
da terra, a centralização estatal do crédito e das comunicações, e a
redistribuição da população para eliminar as distinções entre urbano e rural
podem parecer um tanto autoritários. Em 1917, o comunismo obteve sua
primeira oportunidade de aplicação em grande escala no governo do Estado
czarista russo em ruínas.
A Rússia czarista estava envolvida na Primeira Guerra Mundial desde
1914, e uma combinação de derrotas militares e problemas sociais e
econômicos de longo prazo levou a um crescente descontentamento. Isso foi
exacerbado pelo fracasso da esposa do czar Nicolau, Alexandra, em liderar
de modo competente o governo em São Petersburgo enquanto ele estava
ausente, falhando em exercer uma boa liderança sobre os exércitos que
lutavam na frente de batalha. [ 261 ] No fim, essa insatisfação com a
monarquia levou à eclosão de movimentos revolucionários ao longo de
1917. O czar e sua família foram presos e, em 1918, fuzilados. Infelizmente
para os fãs das princesas da Disney em toda parte (para não falar da família
do czar), os restos mortais de toda a família imperial foram localizados,
incluindo a mítica filha Anastasia. [ 262 ]
Então entra Vladimir Lênin, que, em grande medida vivendo no exílio na
época, quase perdeu a revolução devido à dificuldade de transporte de volta
à Rússia. [ 263 ] Uma vez retornado, Lênin reuniu outros comunistas russos
exilados e descontentes locais, como Josef Stálin, e lutou pelo comunismo
bolchevique como modelo organizacional do governo da Rússia. A
revolução de outubro de 1917 levou o bolchevismo para a linha de frente do
governo, mas ainda se passariam vários anos de guerra civil com
intervenções dos governos de Reino Unido, Estados Unidos e outros
tentando impedir uma tomada comunista. Mas Lênin e seus camaradas
foram vitoriosos e o comunismo se estabeleceu firmemente na Rússia, e no
que logo se tornaria a União Soviética.
Obviamente, Lênin foi influenciado pelo marxismo, mas também o
adaptou a seus propósitos. Falando de maneira direta, Lênin acreditava
(talvez não sem razão) que as massas populares eram ignorantes demais para
fazer a revolução corretamente por conta própria. Elas precisavam ser
guiadas pela mão forte de uma minoria ideologicamente pura no Partido
Comunista. Portanto, a filiação partidária e a adesão ideológica tornaram-se
as pedras angulares do marxismo-leninismo. Desvios da linha partidária
seriam tratados duramente com censura, humilhação, expulsão do partido e,
às vezes, violência. Se isso está começando a soar menos como aquelas rodas
de pessoas de mãos dadas cantando juntas em êxtase igualitário imaginadas
por alguns fiéis comunistas, bem, você não está errado. Sob Lênin, o
comunismo russo evoluiu para um regime de partido único brutal e
autoritário, que foi um modelo infeliz para o comunismo em todos os
lugares.
Lênin desfrutou de uma posição mítica no Partido Comunista e,
enquanto viveu, foi uma força estabilizadora, ainda que autoritária, para o
Estado russo. Ninguém confundiria Lênin com o Papai Noel, mas ele não
era um defensor do tipo de horror moedor de carne que estava por vir. Mas
Lênin também era sobretudo um pensador, e gradualmente delegou cada
vez mais autoridade prática a um único de seus discípulos: Josef Stálin.

Camarada Stálin
Entre 1922 e 1924, Lênin sofreu uma série de derrames, o último dos quais
o matou. Em algum momento durante esse período, ele talvez tenha
começado a perceber que havia criado um monstro. Em um de seus escritos
finais, criticou Stálin e sugeriu removê-lo de seu poderoso posto de
secretário-geral do partido. Lênin foi atingido por um derrame antes que
pudesse colocar esses pensamentos em prática, mas a existência dessa carta
se tornou um assunto polêmico depois de sua morte, em 1924. No entanto,
as objeções de última hora de Lênin chegaram tarde demais. O monstro que
ele ajudara a criar assumiu o poder na Rússia soviética e implantou o terror
em escala raramente vista antes.
Josef Stálin, batizado Josef Djugashvili, [ 264 ] nasceu em 1879 [ 265 ] em
uma pequena cidade da Geórgia. Não, não o estado americano ao norte da
Flórida. Essa Geórgia era então uma região da Rússia com seu próprio
grupo étnico não russo. Hoje a Geórgia existe como uma nação
independente logo ao sul da Rússia no mesmo sentido em que um rato vive
uma existência independente logo ao sul de um gato. A família de Stálin era
pobre, e o pai, um alcoólatra violento que batia regularmente em Stálin e na
mãe. Alguns que o conheceram naqueles anos suspeitavam que essas surras
ajudaram a transformá-lo na criatura desalmada e desconfiada que se
tornaria tanto ressentido com pessoas em posição de autoridade quanto
insensível ao sofrimento dos outros. [ 266 ] A mãe de Stálin também batia
nele, embora isso parecesse misturado a algum afeto genuíno, bem como à
ambição de que ele se tornasse padre. Os métodos de criação da época eram
em geral severos, e Stálin provavelmente foi exposto a constante negligência
e agressões pelos dois pais, incluindo o uso de enfaixamento infantil, prática
dolorosa e anti-higiênica em que muitas vezes os bebês eram deixados em
sua própria sujeira por horas e depois banhados em água gelada. [ 267 ]
Quando conquistou autoridade no Partido Comunista, Stálin se assegurou
de que a mãe fosse bem cuidada, embora raramente a visitasse e não tenha
comparecido a seu funeral em 1937.
Stálin contraiu varíola quando criança, o que o deixou com cicatrizes no
rosto. Também sofreu um ferimento em um acidente que gerou sequelas no
braço. Mandado para a escola, se destacou, mostrando ser também um
trabalhador esforçado. Sua insensibilidade se revelava na crueldade com
animais. Ele desenvolveu um fascínio pelo poder, especialmente sobre seus
colegas de classe, e começou a se referir a si mesmo como “Koba”, em
homenagem a um herói folclórico georgiano.
A relação de Stálin com sua Geórgia natal seria difícil e complexa. Assim
que assumiu o poder, ele se concentrou nas necessidades da União Soviética
(ou, mais diretamente, dele mesmo), em vez de dar prioridade às suas raízes
georgianas. Isso foi bem evidente durante a incorporação da Geórgia à
União Soviética no início da década de 1920, durante a qual Stálin esmagou
com sucesso o desejo dos comunistas georgianos de status semiautônomo.
Por outro lado, outros consideraram a relação de Stálin com a Rússia
semelhante àquela que ele tinha com o pai. O argumento é que Stálin
assumiu o controle da Rússia como uma figura paterna autoritária para
puni-la com uma campanha de terror. [ 268 ]
Stálin chegou à idade adulta como um criador de problemas para a Rússia
czarista. Antes mesmo da Primeira Guerra Mundial, o descontentamento
interno era generalizado, e os comunistas bolcheviques procuravam tirar
vantagem disso. Stálin organizou greves e manifestações dos trabalhadores
da indústria, por fim organizando um grupo de indivíduos semelhantes a
ele, que parecia tanto uma máfia quanto um partido político. Stálin
participou de assaltos a bancos e outros esforços criminosos para financiar a
causa comunista. Alinhou-se aos comunistas bolcheviques, em vez do grupo
comunista rival, os mencheviques, talvez porque os bolcheviques tendessem
a ser mais agitadores e favoráveis à violência. Embora usasse pseudônimos e
se mudasse sempre, Stálin foi preso várias vezes, tendo sido enviado para o
exílio na Sibéria. [ 269 ]
No entanto, entre exílios periódicos, Stálin permaneceu ativo no
movimento bolchevique. Provou ser um excelente organizador, uma
habilidade que seria útil assim que os comunistas assumissem o poder. Não
era o gênio literário ou o pensador profundo que Lênin mostrou ser, mas
também não era o bruto irrefletido muitas vezes retratado quando
comparado a Lênin. Ele provou ser um gênio estratégico especialmente no
teatro da política implacável. Seus escritos chamaram a atenção de Lênin,
ajudando na ascensão de Stálin entre os comunistas bolcheviques.
A Rússia czarista experimentou agitações significativas em 1905, quando
se espalharam por todo o país greves, protestos e motins militares,
desencadeados pela derrota da Rússia para o Japão na Guerra Russo-
Japonesa, bem como pelos abusos flagrantes, a corrupção e a injustiça do
sistema czarista de governo. O czar Nicolau II conseguiu manter o poder,
mas os conflitos de 1905 foram um sinal do enfraquecimento da monarquia
na Rússia. Na época das revoluções de 1917, a estrela de Stálin havia
crescido consideravelmente entre os bolcheviques, que, sendo mais
militantes que seus rivais mencheviques, enfim assumiram o poder,
transformando a Rússia na União Soviética.

A morte de Lênin
A morte de Lênin em 1924 levantou a questão de quem iria sucedê-lo.
Stálin era um dos candidatos, mas havia outros, com destaque para Leon
Trótski, que compartilhava com Lênin a capacidade de elaborar um
raciocínio teórico profundo e tinha carisma pessoal. Trótski tinha grande
influência entre os bolcheviques, mas então os incríveis dons de Stálin para
estratégia e organização funcionaram a seu favor.
Stálin teve a sorte de Lênin morrer antes que pudesse reduzir seu poder.
Ele discretamente assumira o controle da máquina do Partido Comunista e
da burocracia governamental durante os anos de Lênin. Muitos dos cargos
que ocupou podem ter parecido pouco excitantes ou de destaque enquanto
Lênin estava vivo, mas isso deu a Stálin uma excelente base de poder depois
da morte de Lênin.
Josef Stálin.

Stálin não assumiu autoridade completa imediatamente depois da morte


de Lênin, tendo de enfrentar não apenas Trótski, mas também muitos
outros bolcheviques importantes. E Stálin demonstrou um dom magistral
para a diplomacia implacável que teria deixado Maquiavel orgulhoso.
Formalmente, grande parte da luta dizia respeito a quais líderes eram mais
fiéis às ideias e ao legado de Lênin. Isso permitiu a Stálin usar acusações de
facciosismo ou mesmo heresia para reduzir a influência de seus adversários.
Inicialmente, ele estabeleceu uma aliança com dois outros bolcheviques,
Zinoviev e Kamenev, que usou para denunciar publicamente Trótski,
enquanto ele permanecia em segundo plano. Trótski foi humilhado e
destituído de poder, e em 1929 fugiu para o exílio. Seria assassinado em
1940 por ordem de Stálin, morto com uma picareta de gelo.
Stálin imediatamente se voltou contra os antigos aliados Zinoviev e
Kamenev, trocando partidários deles em posições de poder por seus próprios
homens. Zinoviev e Kamenev foram derrotados por Stálin e seus novos
aliados. Mais uma vez as acusações se concentraram em pureza ideológica,
embora principalmente como desculpa para Stálin expulsar os rivais do
poder. No início, contentou-se em humilhar e enfraquecer os rivais, mas à
medida que seu poder e confiança cresciam, ele os torturou para obter
“confissões” públicas de perfídia e traição e depois os executou. A cada
passo, Stálin dividiu seus rivais, formando alianças com alguns, como
Zinoviev e Kamenev, apenas para se voltar contra eles mais tarde. [ 270 ]
Suas mortes foram acontecimentos públicos, julgamentos-espetáculo de
confissão pública e humilhação. Algumas vítimas receberam a promessa de
clemência em troca de confissões, apenas para ser condenadas à morte nos
julgamentos.

O grande expurgo
No início dos anos 1930, Stálin emergiu como o único governante
indiscutível da União Soviética. A União Soviética não era mais uma
oligarquia governada por um sistema de partido único baseado no
comunismo. Embora a ideologia comunista ainda fosse proclamada, na
verdade a União Soviética se tornara um regime terrorista submetido aos
caprichos de um único homem: Josef Stálin.
Se suas maquinações políticas durante a década de 1920 demonstram os
brilhantes aspectos maquiavélicos da personalidade de Stálin, a década de
1930 deu maior ênfase a dois outros aspectos: falta de consciência ou
empatia pelos outros e extrema paranoia. Juntamente com o narcisismo
claro que impulsionava sua ânsia de poder, isso criou uma mistura perigosa.
Stálin exibiu a tríade sombria de traços de personalidade antissociais,
narcisistas e maquiavélicos discutida anteriormente neste livro, somada a
uma paranoia inesgotável. Isso fez da década de 1930 um dos períodos mais
brutais e controversos do governo de Stálin. Foi marcado por dois
problemas: em primeiro lugar, grande sofrimento e perda de vidas devido às
políticas de Stálin, algo pelo que ele demonstrou pouca preocupação. Em
segundo, o espantoso fracasso em dirigir sua paranoia para a crescente
ameaça representada pela Alemanha nazista, que era bem merecida. Em vez
disso, Stálin concentrou sua fúria sobretudo em seu próprio povo.
Uma dificuldade que se tornou aparente foi a questão dos camponeses. [
271 ] Marx e Engels parecem fazer uma distinção entre proletariado, os
trabalhadores assalariados, e os camponeses que trabalhavam em suas
próprias terras. Marx e Engels consideravam os camponeses ou servos parte
da “classe média baixa” e pareciam argumentar que eles, pelo menos, tinham
alguma possibilidade de ascender à burguesia. Lênin e os bolcheviques
achavam possível encontrar uma causa comum com o campesinato na luta
pela revolução comunista, embora na prática o fervor comunista não tivesse
se espalhado amplamente pelas regiões mais agrárias da Rússia.
Stálin procurou aplicar os princípios do comunismo, pelo menos como ele
os via, ao setor agrícola. Primeiramente associou os fazendeiros donos de
terras, ou kulaks, à burguesia, e os eliminou. Isso implicou a remoção de
famílias inteiras de suas casas e a transferência para o exílio em regiões
remotas como a Sibéria, sem comida, água ou roupas adequadas para
sobreviver à árdua jornada de, às vezes, milhares de quilômetros. Muitos
foram simplesmente fuzilados. O limite de propriedade de terras para um
kulak também era no mínimo vago e inconstante. Muitos fazendeiros mais
pobres, que inicialmente poderiam ter ficado maravilhados ao ver seus
vizinhos ricos expulsos, acabaram integrando a lista de kulaks. Vizinhos
eram encorajados a denunciar uns aos outros ao governo, criando uma
atmosfera de terror entre as classes agrárias.
Stálin então se concentrou na coletivização da agricultura. A produção
agrícola continuou a cair durante o expurgo dos kulaks, o que não
surpreende. Stálin atribuiu isso a estoques escondidos, mas também achava
problemática a questão da propriedade privada de terras agrícolas. A União
Soviética começou a expulsar os camponeses de suas terras agriculturáveis e
a instalá-los em fazendas coletivas administradas pelo governo.
Naturalmente, isso não foi bem recebido e resultou em levantes armados e
também na redução da produção. Em algumas regiões, principalmente na
Ucrânia, houve enormes ondas de fome. Stálin também implantou
programas para eliminar a identidade nacional de algumas populações
regionais, como a execução em massa dos bardos itinerantes ucranianos.
Milhões morreram por execuções, do exílio forçado dos kulaks ou de fome.
As estimativas do número de mortos variam em torno de 11 milhões. [ 272 ]
Estima-se que especificamente a Ucrânia tenha perdido um quinto de sua
população total. [ 273 ] Stálin não demonstrou nenhuma preocupação com
todo esse sofrimento humano.
Durante a década de 1930, Stálin voltou seu terror para dentro, visando os
mecanismos do próprio poder. Isso incluiu o Partido Comunista, o exército,
acadêmicos e até mesmo a polícia secreta. Indivíduos desacreditados foram
presos, torturados, forçados a confessar, bem como a implicar outros em
“facciosismo”, “trotskismo” e colaboração com potências estrangeiras, fossem
países capitalistas ou a Alemanha nazista. Entre os eliminados estavam
estrangeiros, pessoas que haviam se filiado ao Partido Comunista para
progredir na carreira, líderes partidários nacionais e locais e, claro, qualquer
vestígio dos antigos comunistas que tinham criticado ou desafiado Stálin. As
pessoas foram forçadas a confessar seus crimes; muitos acabaram executados
e muitos mais foram presos ou exilados em campos de prisioneiros.
Stálin também dirigiu grande parte de sua ira às forças armadas,
dizimando o oficialato. Muitos oficiais talentosos, tanto de alta quanto de
baixa patente, foram expulsos das forças, presos e executados. O alto
comando foi particularmente atingido. Embora um bom número de oficiais
presos acabasse recebendo permissão para retornar ao serviço, [ 274 ] esse
expurgo decerto deixou o corpo de oficiais inseguro. Os motivos de Stálin
para esse expurgo não são totalmente claros, embora sua paranoia e o desejo
de desestabilizar uma possível força rival presumivelmente tenham
desempenhado um papel. De forma polêmica, esse expurgo do corpo de
oficiais levou à suposição generalizada de que o exército soviético estava
enfraquecido, o que acabou atiçando a ambição de Hitler alguns anos
depois.
Mesmo os responsáveis pelos expurgos não ficaram imunes. A polícia
secreta soviética, então chamada NKVD, [ 275 ] também foi alvo dos
expurgos de Stálin. Os líderes da NKVD, Genrikh Yagoda e Nikolai
Yezhov, foram presos e fuzilados por atividades antissoviéticas. Na verdade,
ninguém estava seguro na Rússia de Stálin.
Os historiadores não sabem ao certo quantos morreram durante os
expurgos da década de 1930, embora sejam comuns números na faixa de
aproximadamente um milhão. [ 276 ] Esses números se referem sobretudo ao
final dos anos 1930, e não incluem mortes por fome ou pelas realocações
forçadas na coletivização agrícola. O que Stálin esperava ganhar com tanto
horror?
Sua paranoia real foi, sem dúvida, um fator. Stálin se tornara ditador da
União Soviética no início dos anos 1930, mas continuava a haver inimigos
em potencial por toda parte. Os velhos bolcheviques que caminharam com
Lênin durante a revolução de 1917 e algumas vezes desafiaram Stálin
durante a década de 1920 eram uma fonte óbvia de preocupação e tinham
de partir. Os comandantes militares controlavam o exército, e podiam tentar
um golpe contra Stálin. Eles também tinham de partir. A União Soviética
era cercada pelas potências militares hostis de Alemanha e Japão, e não era
absurdo suspeitar que os dois países estivessem estabelecendo redes de
espiões na União Soviética. Mas o regime de terror de Stálin não se limitou
a prender pessoas e matá-las. Isso poderia ter provocado resistência. Usando
tortura, forçou as pessoas a confessar e, mais importante, delatar outros
conspiradores. Cruelmente brilhante, essa estratégia destruiu qualquer
confiança que as pessoas pudessem ter umas nas outras. Qualquer
comentário divergente sussurrado para um amigo poderia fazer com que a
NKVD tomasse conhecimento, resultando em prisão, tortura, exílio ou
morte. Ao voltar as pessoas umas contra as outras, fazendo-as temer confiar,
ele acabou com qualquer resistência possível ao regime stalinista.

Stálin na Segunda Guerra Mundial


A União Soviética e a Alemanha nazista eram inimigos clássicos. Seus
sistemas políticos se opunham em termos ideológicos e, mais importante,
Hitler havia anunciado publicamente sua intenção de transformar Ucrânia e
Rússia ocidental em um império escravo alemão. A leste, a União Soviética
combatia os exércitos japoneses na Manchúria pelo controle de regiões da
China e da Mongólia. Nesse momento, a famosa paranoia de Stálin o
abandonou e ele fez um dos acordos mais notáveis da história.
O Pacto Molotov-Ribbentrop de 1939, um acordo de paz entre a
Alemanha nazista e a Rússia soviética, surpreendeu o mundo. Por esse
acordo, Alemanha e União Soviética prometiam permanecer neutras e
concordavam secretamente em dividir a Europa Oriental em esferas de
influência distintas. As potências ocidentais Inglaterra e França ficaram
chocadas com isso, e até mesmo um nascente aliado da Alemanha, o Japão, [
277 ] se sentiu traído por ela, visto que na época travava conflitos esporádicos
com a União Soviética.
O Pacto Molotov-Ribbentrop traz dois interessantes elementos
inesperados. Para começar, Hitler tendia a ser reservado e não informar a
seus aliados, sobretudo o Japão, o que estava fazendo. Como consequência,
o Japão acabou assinando seu próprio pacto de não agressão com a União
Soviética. Isso foi uma sorte incrível para Stálin; quando estourou a guerra
entre a Alemanha e a União Soviética em 1941, ele não precisou se
preocupar com ser pressionado por Alemanha e Japão de ambos os lados. As
potências do Eixo eram notoriamente descoordenadas em seus esforços, e
isso funcionou em benefício dos Aliados. Se a Alemanha tivesse trabalhado
mais duro para incluir o Japão em seus planos e o tranquilizado em relação
ao Pacto Molotov-Ribbentrop, um ataque coordenado alemão-japonês à
Rússia poderia ter produzido um resultado diferente de um ataque alemão
isolado.
O segundo é a possibilidade de que a União Soviética realmente pudesse
ter aderido à Aliança Tripartite de Alemanha, Itália e Japão. Há alguma
chance de que isso tivesse acontecido se Hitler se mostrasse disposto a
abandonar a fantasia de transformar a Rússia ocidental e a Ucrânia em um
enorme campo de escravos. Mas isso ele não estava disposto a fazer. A
cooperação entre a União Soviética e as potências do Eixo poderia ter
transformado toda a massa de terra eurasiana em uma zona impenetrável
para os aliados britânicos e norte-americanos.
Mas, é claro, nenhuma dessas coisas aconteceu, e o mundo está melhor
com isso. Stálin aproveitou o Pacto Molotov-Ribbentrop para expandir o
controle soviético da Europa oriental. Depois que a Alemanha invadiu a
Polônia, em setembro de 1939, as forças soviéticas invadiram o leste do país
e ocuparam o território atribuído à Rússia no pacto. Os soviéticos foram
implacáveis no tratamento dispensado aos poloneses, como evidenciado pelo
Massacre de Katyn, durante o qual 15 mil oficiais do exército polonês,
prisioneiros de guerra, foram sumariamente executados. [ 278 ] Os russos
mais tarde se expandiram para os países bálticos de Letônia, Estônia e
Lituânia, com atuação repressiva semelhante. Pior foi a Guerra de Inverno
de 1939 e 1940 contra a Finlândia. Embora a União Soviética finalmente
tivesse derrotado as forças finlandesas muito menores, a campanha foi mal
executada e as perdas soviéticas, altas. Essa guerra reforçou a crença de que
as forças armadas soviéticas haviam sido seriamente abaladas pelos grandes
expurgos dos anos 1930.
Olhando em retrospecto, parece óbvio que o Pacto Molotov-Ribbentrop
não poderia durar. No entanto, em uma ingenuidade incomum para um
homem tão paranoico, Stálin ficou chocado com a invasão alemã da União
Soviética em 1941. Afinal, havia anos Hitler vinha anunciando sua intenção
de expandir o espaço vital da Alemanha na direção de Rússia e Ucrânia, a
concentração de tropas alemãs nas fronteiras soviéticas não era segredo, e
alguns dos espiões de Stálin haviam alertado que uma invasão alemã era
iminente. Stálin descartou esses sinais e foi pego de surpresa. Inicialmente, a
reação de Stálin oscilou entre descrença, paralisia e desânimo, dando ordens
absurdas para contra-ataques suicidas que resultaram em significativas
perdas soviéticas. As forças soviéticas foram atacadas pelos alemães até que
estes fossem detidos em uma linha que seguia aproximadamente de
Leningrado (antiga São Petersburgo) a Moscou e Stalingrado. A liderança
de Stálin durante esse período foi errática e fraca. O medo entre os
comandantes soviéticos os impediu de desafiar as ordens absurdas de Stálin
e, previsivelmente, os oficiais soviéticos acabaram como bodes expiatórios
dos fracassos militares. [ 279 ]
Stálin finalmente se recompôs e organizou uma defesa mais competente
do solo russo, empregando táticas de terra arrasada, nomeando melhores
comandantes para os exércitos e transferindo as indústrias para leste dos
montes Urais, fora do alcance dos bombardeiros alemães. Ele também
conseguiu deslocar unidades militares do leste da Rússia para enfrentar os
exércitos alemães a oeste. Apesar de perdas enormes durante a invasão
alemã inicial, a Rússia podia contar com recursos humanos e naturais
esmagadores. Stálin ainda foi auxiliado pelo racismo ideológico e a
crueldade dos nazistas. Se os nazistas tivessem sido neutros no tratamento
dispensado aos ucranianos e aos povos bálticos, os exércitos alemães
poderiam ter sido vistos como libertadores. Em vez disso, o tratamento
cruel dispensado às populações nativas serviu para unificar a resistência.
Nesse sentido, Stálin teve sorte pelo fato de os alemães terem criado suas
próprias dificuldades. Mas será que ele realmente achava que havia ficado
amigo de Hitler? Acreditava em uma paz duradoura entre a União Soviética
e a Alemanha nazista? Esse tem sido um ponto de discórdia entre os
historiadores. O autor Victor Suvorov, um ex-oficial da inteligência militar
soviética, escreveu vários livros afirmando que Stálin planejava invadir a
Alemanha no início dos anos 1940. [ 280 ] Outros estudiosos, no entanto,
duvidam dessa afirmação. [ 281 ] Ainda assim, algumas evidências sugerem
que as forças soviéticas foram concentradas na fronteira com o território
controlado pela Alemanha, o que sugere um plano de atacar a Alemanha o
mais tardar no verão de 1942. [ 282 ]
O cenário mais provável é que Hitler e Stálin pretendessem atacar um ao
outro. Nada que fosse justificado por legítima defesa. A surpresa de Stálin
foi por não ter atacado primeiro, não qualquer crença verdadeira na
honestidade de Hitler ou na intenção de cumprir o Pacto Molotov-
Ribbentrop. Hitler sempre pretendeu invadir a União Soviética para criar
um estado escravo dirigido pela Alemanha. Stálin sempre pretendeu invadir
a Alemanha para continuar a expansão soviética pela Europa, embora possa
ter sido retido esperando pelo que parecia ser um momento oportuno para
aproveitar a fraqueza alemã. [ 283 ] Os dois homens eram cínicos e
dissimulados e pretendiam esfaquear o outro pelas costas. Hitler
simplesmente atacou primeiro, conseguindo um sucesso inicial devido ao
mau estado do exército soviético na época. Pensar que Stálin era crédulo
quanto às boas intenções de Hitler ou que tinha qualquer intenção de
cumprir um pacto é não compreender a natureza básica de Stálin, que era
cruel, paranoica e egoísta.
Se a forma como Stálin lidou com a guerra, em particular nos primeiros
anos do ataque alemão, foi irregular, sua forma de lidar com seus próprios
aliados foi comparativamente hábil. Durante a guerra, Stálin se reuniu
várias vezes com seus homólogos Winston Churchill, do Reino Unido, e
Franklin Delano Roosevelt, dos Estados Unidos. Embora não tenha
conseguido convencê-los a abrir uma segunda frente europeia na guerra
antes de 1944, teve maior sucesso em conduzir a União Soviética a uma
posição dominante no período pós-guerra. Churchill suspeitava das
motivações de Stálin, mas também estava ciente do declínio do poder do
Reino Unido como nação de primeira categoria. Roosevelt tinha interesse
em satisfazer Stálin, particularmente porque queria o envolvimento
soviético no ataque final ao Japão depois que a Alemanha fosse derrotada.
Stálin jogou bem suas cartas, obtendo uma efetiva esfera de influência
soviética na Europa Oriental. [ 284 ]
O mais chocante, considerando que a Segunda Guerra Mundial começou
na Europa por causa da invasão alemã da Polônia, foi a União Soviética ter
sido autorizada a manter as regiões da Polônia tomadas como parte do Pacto
Molotov-Ribbentrop. A Polônia e os poloneses foram simples e literalmente
empurrados para oeste à custa da Alemanha derrotada. Parte da Prússia
Oriental alemã ao redor da cidade de Königsberg (hoje Kaliningrado) foi
anexada à Rússia. Essa região continua a ser uma parte isolada e estranha da
Rússia atual, cercada pela Polônia e pelos Estados bálticos, não ligada
fisicamente ao restante da Rússia. Algumas outras áreas da Europa Oriental
foram igualmente anexadas à União Soviética, que também estabeleceu
vários Estados dependentes, da Alemanha Oriental até a Bulgária. Verdade
que a ocupação desses territórios por tropas soviéticas teria tornado
praticamente impossível negar os interesses soviéticos, mas os aliados
ocidentais em grande medida concordaram. Talvez mais triste tenha sido a
exigência soviética de devolver prisioneiros de guerra soviéticos, alguns dos
quais haviam trocado de lado e lutado pelos alemães a fim de escapar da
morte certa nos campos de prisioneiros de guerra. Os aliados mandaram
esses homens de volta aos soviéticos, apesar de sua alegação (justificada,
como se veria) de que teriam uma recepção nada calorosa.
Depois da guerra, Stálin se concentrou em fazer da União Soviética uma
potência da indústria pesada e em mantê-la militarmente em pé de
igualdade com o Ocidente. Isso obviamente envolvia desenvolver armas
nucleares. A rivalidade nuclear entre soviéticos e norte-americanos
inspiraria décadas de medo da iminente destruição do mundo, e muita
música excelente dos anos 1980 sobre o tema. [ 285 ] Alguns coitados na
Rússia poderiam ter imaginado que, tendo alcançado a vitória na Grande
Guerra Patriótica e por estar envelhecendo, Stálin poderia então acalmar e
descansar sobre os louros. Nisso eles estavam tristemente enganados. Stálin
retomou seu regime de terror e paranoia. O melhor que se pode dizer sobre
a era pós-Segunda Guerra Mundial é que as coisas não foram tão ruins
quanto nos anos 1930. Naturalmente, Stálin assumiu um crédito
considerável pelo sucesso da guerra para si mesmo e colocou para escanteio
alguns generais que ele achava que o estavam ofuscando.
Após a guerra, a paranoia de Stálin aumentou a ponto de alguns
afirmarem que ele literalmente tinha medo da própria sombra. Alguns
argumentam que é provável que isso se devesse ao desenvolvimento de
demência, possivelmente causada por pequenos derrames nos seus últimos
anos de vida. [ 286 ] Dizia-se que naquela época ele recusava os conselhos
médicos, em vez disso se valendo de curas recomendadas por um guarda-
costas treinado em medicina veterinária. Stálin nunca foi exatamente um
obcecado por saúde, sendo dado a excessos em comida, álcool e fumo. Ele
morreu em março de 1953 de derrame, e as evidências da autópsia
sugeriram que provavelmente teve uma série de pequenos derrames que
afetaram seu desempenho mental nos anos finais. [ 287 ] Não se pode dizer
que sua falta tenha sido sentida. A União Soviética voltou a ser uma
oligarquia de partido único que, sob seu sucessor, Khrushchov, repudiou o
legado de Stálin. A União Soviética não se tornou exatamente um
amorzinho entre os países, mas o massacre em massa se transformou em um
fluxo administrável de indução de medo.
Para compreender a psicologia de Stálin, o diagnóstico é direto. O
provável diagnóstico de transtorno de personalidade paranoide foi feito há
décadas. [ 288 ] Combinada com perspicaz habilidade política e
insensibilidade, sua personalidade se encaixa bem na teoria da ciência
moderna sobre a tríade sombria de narcisismo, traços antissociais e
maquiavélicos. Ele era o perfeito exemplo de autocrata totalitário. Se o
número final das mortes que causou é incerto, não é o fato de que foi o
responsável direto pela morte de milhões. Ele governou seu país por puro
terror e, como Hitler, considerou ter desempenhado um papel único na
história humana.
A relação de Stálin com a família foi explosiva e complexa. Ele parece ter
amado sua primeira esposa, que morreu de tifo, mas brigava com a segunda,
que acabou se suicidando. Stálin parecia considerar o suicídio da segunda
esposa algo pessoal, como se ela tivesse sido motivada a feri-lo. Stálin
abandonou o filho mais velho, Yakov, quando foi capturado pelos alemães
durante os primeiros estágios da guerra, tendo recusado uma oferta alemã de
trocá-lo. O filho mais novo morreu de alcoolismo. Stálin só tentou manter
relações cordiais com a filha Svetlana, embora pudesse ser controlador e
difícil até mesmo com ela. Ele conseguia ficar cercado de pessoas e ser
sociável quando desejava, mas sua personalidade o isolava em um mar de
seguidores aterrorizados.

Camarada Mao
Na grande disputa pelo título de louco mais desprezível da história, Mao
Tsé-tung se situa no topo com Hitler e Stálin e, em termos de contagem de
corpos, pode ganhar o título. Mao tomou as rédeas do comunismo chinês na
década de 1930 e liderou a China comunista até sua morte em 1976.
Durante esse tempo, ele expandiu maciçamente a influência e o papel da
China no cenário internacional. Suas políticas também resultaram na morte
de dezenas de milhões de pessoas, a maioria delas de cidadãos chineses.
O legado de Mao é mais complexo que os de Hitler e Stálin, e vários
fatores determinam isso. Em primeiro lugar, a moderna República Popular
da China é sucessora direta do governo de Mao. Assim, não há na China
uma ruptura clara com o passado maoísta, como ocorreu com a Alemanha
pós-Hitler ou mesmo com a desestalinização da Rússia. Isso dificulta uma
leitura objetiva do passado de Mao. Em segundo lugar, o próprio Mao
provavelmente criou alguns mitos sobre sua história como parte de seu culto
à personalidade na China. Distinguir o que de fato aconteceu e o que Mao
queria que as pessoas pensassem que aconteceu pode ser difícil. Finalmente,
embora poucas pessoas estejam inclinadas a santificar Mao, há divergências
sobre em que grau as mortes ocorridas durante o regime de Mao podem ser
atribuídas a indiferença intencional ou insensibilidade e não simplesmente a
políticas malconcebidas. “Opa, eu acidentalmente matei de fome dezenas de
milhões de pessoas” talvez seja uma defesa aceita por alguns. Como
consequência, há discordâncias quanto ao grau em que os resultados
positivos do regime de Mao compensam o número de mortos
inquestionavelmente alto. [ 289 ]
Como exemplo disso, veja a polêmica provocada por uma biografia
popular de Mao. O relato de Jung Chang [ 290 ] e Jon Halliday, [ 291 ] muitas
vezes baseado em entrevistas com pessoas envolvidas, pinta um retrato
terrível de Mao como um psicopata conivente, mentiroso e egocêntrico,
totalmente despreocupado com o bem-estar e o sofrimento dos outros. Eles
o acusam de envolvimento direto em episódios de tortura e terror, bem
como um número considerável de casos de traição a seus companheiros
comunistas. Mostram-no como um homem obcecado com a criação de
mitos históricos para parecer um herói, sem merecer. À moda daqueles
acadêmicos que gostam de disputar quem é o mais inteligente, a biografia de
Mao por Chang e Halliday provocou um outro livro simplesmente para
criticar o volume de Chang e Halliday. [ 292 ] Embora alguns dos ensaios
fossem favoráveis, a maioria condenou Chang e Halliday por exagerar as
facetas negativas de Mao e confiar demais em entrevistas. Muitos ensaios
reclamam que Chang e Halliday não são “justos” para com Mao ou, como
disse um colaborador, “Chang e Halliday evitam qualquer tentativa de
equilibrar o bom e o mau em seu legado”. [ 293 ] Esse argumento me deixou
insatisfeito. Estaríamos exigindo biografias “justas” de Hitler se a Alemanha
tivesse vencido a Segunda Guerra Mundial e sobrevivido como um
moderno estado nazista? Stálin criou uma poderosa superpotência a partir
da União Soviética, mas não tem passe livre para “equilibrar” seu legado
contra os milhões de mortes que causou. Outras críticas — principalmente a
de que o uso do poder por Mao deve ser entendido no contexto das forças
culturais e políticas em jogo na China na época — são justas, mas esse
argumento não compensa o grande papel que uma personalidade única
como a de Mao desempenhou na história da China. Vamos examinar a
história e a personalidade de Mao o melhor que pudermos para esclarecer
esse quadro confuso de relatos conflitantes.
Como muitos dos loucos [ 294 ] deste livro, Mao foi criado em um
ambiente familiar difícil. Ele era espancado violentamente pelo pai,
provavelmente uma introdução precoce ao papel da violência e da crueldade
em determinar comportamentos. [ 295 ] É muito provável que os genes que
moldam traços de personalidade antissociais tenham sido passados de pai
para filho, e se combinaram com a educação severa para gerar uma
personalidade fria e indiferente. Na adolescência e no início da idade adulta,
Mao vagou um pouco, procurando seu caminho. Descobriu o amor pelo
aprendizado e pelos livros, mas não gostava dos clássicos confucionistas, e
sua falta de persistência enfureceu o pai. Mais ou menos nessa época, a
China passou por uma revolução, expulsando a velha dinastia manchu
Qing [ 296 ] e implantando um governo republicano. Durante esse período,
Mao também se casou com a primeira esposa, um casamento arranjado e
infeliz. Ele logo a abandonou, e ela morreu poucos anos depois. [ 297 ]
A revolução comunista na Rússia começou a se espalhar para a China, e
Mao ingressou no Partido Comunista. Começou sua ascensão durante a
década de 1920, muitas vezes à custa de colegas de partido. Alguns relatos
dão conta de uma preocupação genuína de Mao com o bem-estar dos
camponeses e das classes mais baixas, mas ele também demonstrou
habilidade para a política cruel. Assim como o comunismo soviético, o
comunismo chinês se dedicou especialmente a lutas fratricidas. Em sua
biografia contundente, Chang e Halliday alegam que Mao desenvolveu o
gosto pela violência brutal durante uma excursão pelo interior de Hunan
entre 1926 e 1927. Grande parte da violência era de natureza revolucionária,
de camponeses contra proprietários de terras, envolvendo tortura sádica e
humilhação das vítimas. Assim como Stálin na União Soviética da mesma
época, Mao parece ter percebido como a violência e o terror podem conter
massas de pessoas que de outra forma poderiam se rebelar.
Por volta dessa época, a república chinesa também começou a se dividir
politicamente. Os comunistas tornaram-se cada vez mais distantes do
governo majoritário dos nacionalistas, então liderados por Chiang Kai-shek.
Além dessas duas facções, vários senhores da guerra independentes
controlavam vastos territórios. O país estava prestes a se tornar um Estado
falido. A China também era pressionada pelo Japão, cada vez mais
militarizado e agressivo, e interessado nos recursos naturais da China. No
final da década de 1920, a China vivia uma guerra civil, que foi agravada
ainda mais pela invasão e ocupação da Manchúria pelo Japão em 1931. Mao
havia se casado pela segunda vez, porém novamente, em grande medida,
abandonou a esposa e os filhos. A segunda esposa seria executada pelas
forças nacionalistas em 1930.
Nesse cenário, os perdedores foram o povo chinês. Diante de três escolhas
ruins — os comunistas sanguinários, os nacionalistas corruptos e os
invasores japoneses —, muitos chineses resistiram bravamente e morreram
defendendo sua república. Perdidas em meio aos combates entre Mao,
Chiang e os japoneses há literalmente milhões de histórias de pessoas boas e
corajosas que lutaram e morreram por algo melhor. Infelizmente, a maioria
de suas histórias nunca será contada.
Os conflitos civis na China duraram, de modo intermitente, vinte anos, e
acabaram absorvidos pela Segunda Guerra Mundial. Nesse ponto, a criação
de mitos por Mao ganhou força, com histórias notáveis de sucesso, coragem
e gênio militar, especialmente durante a famosa Longa Marcha de 1934 a
1935, quando ele liderou as forças comunistas para fora de um possível cerco
pelas forças nacionalistas. Na verdade, Mao tendia a assumir o crédito pelo
sucesso dos outros, e transferir aos outros a culpa por seus fracassos. É
possível que, longe de uma fuga desesperada, a partida dos comunistas tenha
sido permitida por Chiang, que então aproveitou o movimento para invadir
e assumir o controle de territórios governados por outros senhores da
guerra. [ 298 ] Caso positivo, esse foi um erro colossal da parte de Chiang.
Mao também havia se casado pela terceira vez. O casamento não foi
menos trágico para a dama que os dois anteriores. Embora He Zizhen, sua
esposa, tivesse zelo revolucionário, precisou abandonar vários filhos que deu
à luz em diferentes pontos das viagens do exército comunista, inclusive na
Longa Marcha. Como suas duas esposas anteriores, ela foi descartada por
Mao e supostamente enlouqueceu.
Mao era apoiado pela União Soviética, que geralmente ficava a seu lado
mesmo quando outros líderes comunistas se queixavam. Usando violência,
espiões, chantagem e subterfúgios, Mao conseguiu superar seus rivais,
tornando-se presidente do Partido Comunista Chinês. O partido empregou
técnicas de doutrinação brutais e expurgos sangrentos para manter uma
lealdade baseada em terror nas regiões sob seu controle.
Os soviéticos pressionaram comunistas e nacionalistas a trabalhar juntos
de forma ostensiva na luta contra os japoneses durante a Segunda Guerra
Mundial. A certa altura, Chiang Kai-shek foi preso por um senhor da
guerra local que o forçou a trabalhar com Mao como condição para sua
libertação. No entanto, a cooperação entre comunistas e nacionalistas
permaneceu mínima e os confrontos permaneceram. Os dois lados
continuaram disputando o poder ao mesmo tempo que lutavam contra os
japoneses. E, sem dúvida, nenhum dos lados foi particularmente eficaz no
combate aos exércitos japoneses. Embora o Japão se encontrasse em um
atoleiro na China, os comunistas em grande medida evitaram batalhas
encarniçadas, enquanto Chiang Kai-shek se retirou para o interior da
China, onde os comandantes aliados o encontraram desleixado, corrupto e
sempre pedindo recursos, sem tomar medidas decisivas. [ 299 ] O Japão só foi
expulso da China depois que os exércitos russos invadiram, em agosto de
1945.
A derrota do Japão trouxe a guerra civil chinesa de volta ao primeiro
plano. Inicialmente, os comunistas tiveram desempenho ruim, mas Mao
manteve um controle brutal sobre as forças e as terras governadas pelos
comunistas, usando repressão implacável para assegurar obediência total.
Chiang foi pouco a pouco abalado, inicialmente pela relutância dos norte-
americanos em apoiá-lo e depois pela incompetência ou possível deslealdade
de seus próprios generais. As táticas de Mao foram cruéis, incluindo o cerco
de 1948 à cidade de Changchun, que levou à morte proposital de talvez 160
mil civis. Soldados comunistas teriam atirado em qualquer civil que tentasse
deixar a cidade. Os residentes passaram a comer cascas de árvore, cintos de
couro e possivelmente até seus mortos. [ 300 ] Em 1949, Chiang e seus
últimos partidários se retiraram para a ilha de Formosa, transformando-a no
que o músico do Pink Floyd Roger Waters certa vez chamou de “uma
fábrica de calçados chamada Taiwan”.
Mao estabeleceu uma República Popular da China unificada (com
exceção de Taiwan) em 1949. Por alguma razão, comunistas e outros
autocratas têm grande tendência a incluir palavras como “democrático” e
“república” nos nomes de seus países, confundindo crianças em idade escolar
em todo o mundo. Presumivelmente ainda magoado com a fuga de Chiang
para Taiwan (a separação política da China continental e Taiwan continua
sendo uma questão espinhosa até hoje), Mao começou a expurgar todos que
tivessem alguma relação com os nacionalistas. Também foram incluídos
nesse expurgo sangrento muitos camponeses proprietários de terras. As
execuções públicas tornaram-se comuns, e Mao provavelmente se perguntou
por que haviam saído de moda depois da Idade Média.
Detalhar os muitos abusos praticados por Mao contra seus próprios
cidadãos exigiria (e exigiu) volumes. Dois acontecimentos naturalmente se
destacam: o Grande Salto para a Frente (que deixou milhões em solo, sem
salto) e a Revolução Cultural. Ambos são polêmicos, já que alguns
estudiosos dizem que esses programas desempenharam um papel na
modernização da China. Mas também resultaram na morte de milhões.

Mao Tsé-tung, início dos anos 1960.

O primeiro, o Grande Salto, foi um plano de coletivização massiva da


agricultura de 1958 a 1962. Se isso soa vagamente como o esforço
desastroso de Stálin para coletivizar a agricultura na União Soviética
durante os anos 1930 — bem, é porque certamente há semelhanças. O
esforço também envolveu expurgos deliberados e perseguição de pessoas
indesejáveis. Depois que as fazendas foram coletivizadas, como na União
Soviética, a produção de grãos caiu, levando à fome em massa.
Surpreendentemente, durante esse período a China exportou volumes
significativos de alimentos para outros países, em vez de alimentar seus
próprios cidadãos. Com medo de expurgos, muitos funcionários exageravam
o volume de grãos produzido nas fazendas das regiões sob sua direção, em
vez de relatar os problemas aos superiores. No entanto, evidências
significativas sugerem que Mao tinha ciência da escala das mortes e
demonstrava pouca preocupação para com o sofrimento de seu próprio
povo. Estima-se que morreram entre 45 e 52 milhões de chineses, talvez
5,5% da população da China na época. [ 301 ]
Da mesma forma, a repressão à população prosseguiu, incluindo tortura e
execuções. Os quadros locais do partido se valiam do controle que tinham
do suprimento limitado de alimentos para matar de fome aqueles de quem
não gostavam ou eram dispensáveis, como idosos ou aqueles doentes demais
para trabalhar. O terror continuou a ser a norma para a maioria dos
chineses. [ 302 ]
A Revolução Cultural veio depois, estendendo-se aproximadamente de
1966 até a morte de Mao em 1976. Mao lançou essa força revolucionária
contra o partido e as elites culturais, ressentido por ter perdido status após
os fracassos da Grande Fome. Mao se concentrou em um culto à
personalidade, reunindo suas falas no Pequeno livro vermelho, e lançou sobre
a população jovens Guardas Vermelhos doutrinados. Esses jovens
desencadearam o caos na China, atacando os mais velhos, forçando-os a
confessar, torturando e matando. Membros da elite do partido e
profissionais liberais de alta formação foram particularmente visados. Pelo
menos quatrocentas mil pessoas morreram, [ 303 ] embora outros calculem o
total na casa dos milhões. [ 304 ] Muitos, envergonhados e fisicamente
torturados, cometeram suicídio, e Mao expressou pouca preocupação para
com essas pessoas.
Em 1969, Mao mudou o foco e ordenou que o Exército de Libertação
Popular (ELP) retomasse o controle. Ele o fez com entusiasmo, prendendo
muitos e os enviando para campos de reeducação. No entanto, o líder do
exército, Lin Biao, voltou-se contra Mao, planejando um golpe. Lin fugiu
do país, acreditando que sua intenção havia sido descoberta, e acabou
morrendo em um acidente de avião. Ou pelo menos essa é versão histórica
oficial, embora muito desse caso permaneça envolto em mistério. [ 305 ] Mao
então expurgou o ELP de supostos rivais e partidários de Lin Biao.
Surpreendentemente, alguns estudiosos ainda argumentam que essas
atrocidades devem ser estudadas juntamente com o crescimento da China
no período. É verdade que Mao comandou a China em um período em que
ela foi libertada de forças imperiais colonizadoras e em que a produção
industrial aumentou. Sinto muito pelas dezenas de milhões de mortos, mas
pelo menos temos esses brinquedos chineses baratos.
Mas tudo o que é bom chega ao fim, e em 1976 Mao morreu,
desencadeando uma luta pelo poder entre os potenciais sucessores
(incluindo sua última esposa, que acabou caindo em desgraça, sendo presa e
finalmente cometendo suicídio em 1991, completando assim a Maldição do
Casamento de Mao). [ 306 ] Uma tentativa de cobrir tudo o que aconteceu
na China moderna desde Mao exigiria mais um livro, mas basta dizer que,
se você ignorar os direitos humanos e se concentrar apenas no poderio
econômico e geopolítico, a China de fato é uma notável ilha de sucesso no
mar sombrio do fracasso que afora isso é o comunismo. E quem precisa de
direitos humanos quando você pode construir suas próprias ilhas a partir do
nada no Mar da China Meridional, certo? [ 307 ] Ao contrário do que se deu
no caso de Stálin ou Hitler, não houve uma ruptura clara entre Mao e a
China moderna. Provavelmente por isso vemos tal hagiografia de Mao,
inclusive entre alguns estudiosos não chineses, e tentativas de encontrar seu
“lado bom”. Será que Mao era feminista? Provavelmente não. [ 308 ] Para ser
justo, se vamos culpar Mao pelas atrocidades que varreram a China em
meados do século XX, devemos relutantemente dar a ele o crédito de ter
criado as condições para a inegável ascensão da China. Após a Segunda
Guerra Mundial, a China foi amplamente libertada das garras imperialistas
(entre as quais podemos incluir a União Soviética) e começou a se
desenvolver como uma potência militar e econômica a ser levada a sério.
Mas, como diz o ditado, até Mussolini fazia os trens andarem no horário.
Como Stálin, Mao parece ter tido traços sombrios da tríade de
narcisismo, personalidade antissocial e maquiavelismo. A paranoia talvez
seja um traço menos dominante (relativamente falando) em comparação
com o narcisismo e a insensibilidade. Naturalmente, sua ascensão deve ser
entendida no contexto histórico da China do século XX. A China emergiu
no século XX como uma nação enorme, mas caótica, assediada por
potências imperiais famintas, incluindo o Japão. A liderança política e
militar era fraca, apesar dos vastos recursos. Alguns sugeriram que Mao
usava a cultura chinesa para se apresentar como algo próximo a uma
divindade. [ 309 ] Mais do que a maioria dos homens e mulheres loucos,
Mao continua sendo um para-raios considerável, amado e odiado por
muitos.
Por que comunismo? (Ou, o que o proletariado estava
pensando?)
Os perfis psicológicos básicos de Stálin e Mao são, em muitos aspectos,
bastante semelhantes. Ambos eram essencialmente psicopatas narcisistas
que transformaram seus enormes países em feudos pessoais, desencadeando
o terror de forma egoísta quando sentiam que poderiam estar perdendo-os.
Podemos examinar a longa lista de ditadores do comunismo, de Fidel
Castro, de Cuba, a Pol Pot, [ 310 ] do Camboja, e encontrar um ponto
comum em cretinos megalomaníacos que transformaram suas nações no
inferno na Terra. Todos os sistemas de governo produzem regimes de
pesadelo de tempos em tempos, mas o histórico do comunismo é
verdadeiramente surpreendente. Restam apenas um punhado de países
comunistas, alguns dos quais, como China e Vietnã, abraçaram o mercado
global e algumas ideias capitalistas, embora nenhum seja um lugar para
onde eu pessoalmente me importaria em fazer as malas e me mudar em
definitivo. [ 311 ]
Não é como se ninguém soubesse dos desastres que atingiram a União
Soviética na década de 1930. Por que grande parte do mundo parecia
ansiosa para dar ao comunismo a boa e velha chance no final do século XX?
Parte disso é que Marx e Engels descobriram algo no Manifesto
Comunista. Não a solução — não, não —, o comunismo é uma droga, vamos
deixar claro. Mas eles reconheceram o problema. Durante o século XIX, o
capitalismo industrial podia ser brutal e as proteções aos trabalhadores eram
poucas. Exceto por muitos romances legais de Dickens (e alguns ruins,
admita), o capitalismo oferecia ao trabalhador de baixa qualificação e baixa
remuneração quase nada. Pessoas desesperadas fazem coisas desesperadas.
Destruir tudo potencialmente pode parecer melhor do que o status quo.
Claro, nem todos — mesmo entre as classes mais baixas — são atraídos
pelo comunismo, e os partidos comunistas tipicamente tiveram que usar
força bruta para controlar grandes populações. Então, quem é atraído pelo
comunismo e por quê? Um artigo de meados do século XX encontrou
evidências de que, pelo menos nos Estados Unidos, a adoção de simpatias
comunistas era uma forma de expressar hostilidade sem sentir culpa. [ 312 ]
Alguns sugeriram que, começando pelo Manifesto Comunista, a ideologia
paranoica tem sido uma força unificadora para comunistas e aqueles atraídos
por esse movimento. [ 313 ]
Uma pesquisa do eminente psicólogo Hans Eysenck descobriu que,
apesar de suas diferenças ideológicas hostis, as personalidades de fascistas e
comunistas declarados tendem a ser semelhantes. [ 314 ] Os dois grupos
tendem a ser autoritários, enfáticos em suas crenças, intolerantes com a
ambiguidade e geralmente “resistentes”, agressivos, rígidos e dominantes.
Essas semelhanças entre os dois grupos podem não ser surpreendentes, já
que — quaisquer que sejam suas diferenças — ambas as teorias de governo
tendem a produzir estados policiais autoritários e agressivos para com seus
próprios cidadãos.
Sem querer me deter, o comunismo tende a atrair indivíduos valentões
ideologicamente rígidos. Sem dúvida existem alguns comunistas muito bons
no mundo, mas a ideologia em si tende a atrair almas perturbadas. Portanto,
talvez não seja surpresa que entregar o poder a esses indivíduos quase
sempre resulte em desastre. É verdade que muitos indivíduos sem dúvida
aderem a um partido dominante para obter ganhos pessoais, e não por
pureza ideológica. À medida que as gerações mudam e esses indivíduos
sobem na hierarquia, suas crenças mais moderadas podem suavizar um
pouco o comunismo. Consequentemente, os massacres sangrentos do século
XX são em grande parte coisa do passado, substituídos por uma repressão e
um controle mais mundanos. Progresso, certo? Tanto Stálin quanto Mao
pareciam estar alertas a essas tendências, realizando expurgos em seus
próprios partidos comunistas.
Em geral, porém, é hora de colocar o experimento comunista para
descansar. Boa tentativa, Marx e Engels, talvez um pouco menos de
ditadura, paranoia e revolução sangrenta da próxima vez.
CAPÍTULO 7
LOUCURA DO 1%

A esta altura está bastante claro que sistemas despóticos de governo —


sejam monarquias, ditaduras fascistas ou comunismo — inerentemente
atraem homens e mulheres loucos para posições de poder. Com certeza há
exemplos de tiranos iluminados ou monarcas benignos, mas o poder absoluto
parece atrair aqueles com uma espécie de loucura narcisista e lhes impõe
poucas restrições. Em um sentido geral, poucas estruturas de governo são
verdadeiramente igualitárias, e mesmo formas mais representativas de
governo podem ver o surgimento de uma elite governante. Sejam famílias
aristocráticas, dinastias politizadas como os modernos Kennedy, Bush e
Clinton norte-americanos, ou a cidadania desigual, como na antiga
democracia ateniense (que veremos no capítulo 10), o governo muitas vezes
pode assumir a forma de lutas de poder entre os que têm e os que não têm.
Como vimos no capítulo 6, eliminar a desigualdade era o apelo do
comunismo, a noção de que os despossuídos desencadeariam uma revolução
para derrubar seus senhores e governar como uma massa de iguais. Em
pouco tempo, os líderes comunistas perceberam que muitas pessoas nas
massas eram incompetentes, e que afinal era necessário algum tipo de classe
dominante na forma do Partido Comunista. Mas uma das lições do
comunismo é que há tensão inerente entre a elite e as massas, e quando a
elite perde isso de vista, o caos pode reinar.
Para um governo estável, é do interesse da elite — mesmo que apenas em
seu próprio interesse egoísta — mostrar compaixão para com as massas e dar
a elas respeito, recursos razoáveis e algum poder quanto ao seu próprio bem-
estar. No entanto, a história está cheia de exemplos de arrogância,
insensibilidade e miopia da elite. A loucura do 1% muitas vezes levou seus
países a um desastre considerável.

A queda da república romana


No início deste livro, estudamos vários imperadores romanos,
particularmente Calígula e Heliogábalo, que exemplificaram os riscos que
vêm com as autocracias dinásticas. De fato, parece que tendemos a dar muito
mais atenção ao terço intermediário da história de Roma. [ 315 ] Além de
algumas grandes histórias como Espártaco ou Aníbal, [ 316 ] ouvimos
principalmente sobre o Império Romano, e muitas vezes esquecemos que
Roma foi uma república séculos antes que esta sacrificasse suas proteções
constitucionais e se tornasse uma autocracia. Nesse sentido, a República
Romana é um caso de estudo para nossas próprias repúblicas modernas de
como o aumento da loucura pode nos fazer jogar tudo fora.
Os termos democracia e república tendem a ser usados indistintamente. No
entanto, há algumas distinções notáveis entre os sistemas e, para ser justo, em
alguns casos (como em muitos governos modernos, incluindo o dos Estados
Unidos), elementos dos dois podem estar combinados. Uma verdadeira
democracia envolve o governo pela decisão da maioria dos indivíduos capazes
(que podem ser todos os cidadãos ou apenas um subconjunto deles,
normalmente indivíduos mais ricos do sexo masculino). Em essência, tudo o
que a maioria deseja, acontece. A Atenas antiga e muitas outras cidades-
Estado gregas (embora certamente não todas) são os exemplos mais
próximos de verdadeiras democracias.
Em contraste, uma república normalmente difere de duas formas
importantes. Em primeiro lugar, as massas com direito a voto geralmente
elegem um grupo muito menor de representantes, em geral políticos
habilidosos, para tomar decisões em seu nome. Em segundo lugar, as
repúblicas muitas vezes são limitadas por cartas ou constituições,
restringindo os tipos de decisões que o governo representativo pode tomar.
Ao restringir o poder de tomada de decisão, cartas e constituições
normalmente conferem aos seus cidadãos certos direitos que não podem ser
retirados por uma votação majoritária. Então, por exemplo, digamos que Ted
seja um cretino. Na Atenas antiga, a maioria votante poderia decidir que Ted
é um cretino que representa uma ameaça ao bem-estar moral da juventude, [
317 ] e votar para que ele fosse executado, [ 318 ] talvez sob alguma acusação
forjada. Nas repúblicas modernas de hoje isso não seria permitido porque,
embora todos possamos concordar que Ted é o maior de todos os cretinos,
ele tem um direito inalienável à vida e à liberdade que não podemos
simplesmente revogar. Caramba, podemos até fazer dele presidente um dia.
De onde exatamente veio a cidade de Roma é um mistério. Os próprios
romanos pensavam descender de refugiados que escaparam da cidade
saqueada de Troia. [ 319 ] Eles parecem ter surgido como uma entidade
independente cercada por tribos de latinos, etruscos e outros, então talvez
não estivessem errados. No início de sua história, eles derrubaram o governo
monárquico dos temidos Tarquínios e estabeleceram uma república que
combinava elementos de oligarquia e democracia. [ 320 ]
O início da história da nova república é uma lição notável sobre luta de
classes e acordos. O governo da república era complexo, com o poder
distribuído entre o Senado, magistrados eleitos, como cônsules e
posteriormente tribunos, e várias assembleias populares. Em tempos de crise,
era possível nomear um ditador por um período limitado, normalmente seis
meses. Em geral, a república rejeitava magistrados de mandato longo, e
mesmo os cônsules eram eleitos em dupla para mandatos de um ano.
No início, a classe aristocrática, os patrícios, controlava a maioria dos
instrumentos de poder e, sendo a natureza humana o que é, demonstrava
pouca consideração pelas massas populares em geral, os plebeus (sua
designação de classe). Os plebeus acabaram ficando frustrados com as
cobranças implacáveis e a falta de poder, e compreensivelmente aborrecidos
com o estado de coisas. Em vez de se revoltar ou assassinar os principais
patrícios romanos, eles encontraram uma solução nova: efetivamente
entraram em greve. Eles romperam com Roma em massa, mudando-se para
uma colina próxima, onde se deixaram ficar e esperaram.
Sem ninguém para mexer sua limonada ou massagear seus pés, os patrícios
romanos entraram em pânico. Concordaram com reformas que garantissem
alguma proteção e algum poder para a plebe. Isso não aconteceu de uma vez,
mas ao longo de várias gerações de conflitos e concessões os romanos
conseguiram impedir que suas lutas de classe explodissem em uma guerra
civil aberta. A plebe conquistou assembleias populares, bem como tribunos
— funcionários plebeus eleitos que podiam vetar leis que não interessavam à
plebe.
Roma também foi inteligente ao conceder a cidadania (mesmo que com
um status inferior) a vizinhos e rivais derrotados, dessa forma reduzindo seu
ressentimento. Isso funcionou particularmente bem com os vizinhos latinos,
que após uma guerra inicial perceberam os benefícios de permanecer aliados
a Roma mesmo em tempos mais sombrios.
Roma acabou se expandindo pelo Mediterrâneo quase por acaso. Roma
gostava de pensar que sempre tinha um motivo justo para ir à guerra, embora
a justificativa para isso pudesse ser um pouco vaga. Durante períodos
significativos, a república esteve quase continuamente em guerra com seus
vizinhos italianos, cidades-Estado gregas no sul da Itália ou na Sicília, ou
potências estrangeiras. Talvez as guerras mais famosas tenham sido aquelas
contra o general grego Pirro, que tentou sem sucesso proteger as cidades-
Estado gregas no sul da Itália do domínio romano, bem como as muitas
guerras contra a cidade-Estado fenícia de Cartago. Durante a segunda guerra
contra Cartago (ou Guerra Púnica), o célebre general Aníbal invadiu a Itália,
devastando uma legião romana após a outra. Porém, a inteligência política
dos romanos compensou. Para surpresa de Aníbal, os latinos permaneceram
leais a Roma e continuaram a fornecer tropas para novas legiões, mesmo com
Aníbal as devastando. Por outro lado, Aníbal tinha pouco acesso a reforços.
Roma acabou atacando Cartago diretamente e Aníbal foi derrotado por
Cipião Africano na Batalha de Zama. O efeito disso foi expandir o alcance
de Roma até Sicília, Norte da África e Espanha. Roma estava em ascensão. [
321 ]
Como já estudamos dois imperadores loucos posteriores, sabemos que os
romanos conseguiram bagunçar sua república e acabar ficando com um
famoso império autocrático. Mas qual loucura fez isso acontecer? A república
estava longe de ser perfeita, mas era firme em sua oposição à autocracia.
Então, como abandonou esses valores fundamentais? Como isso aconteceu é
uma lição prática para a política atual.
A expansão do território da república foi uma grande benesse,
naturalmente. No entanto, trouxe consigo vários desafios inesperados. Um
deles foi o repentino aumento do número de escravos em Roma. Acontece
que escravos são mais baratos para determinados trabalhos do que cidadãos
livres que, de modo irritante, esperam ser remunerados. O aumento da
escravidão deixou sem trabalho um bom número de romanos de salários mais
baixos, o que não os agradou, embora possamos presumir que os escravos
também não estivessem muito felizes. Isso lembra um pouco os debates
modernos sobre imigração versus empregos e a noção de que as classes menos
favorecidas são deixadas para trás pela mão de obra barata que beneficia os
ricos. Ninguém sugeriu a construção de muros, claro, mas o fato é que os
romanos mais pobres foram deixados fora da bonança econômica, e ficaram
ressentidos.
A segunda preocupação era a ampliação do exército durante a Segunda
Guerra Púnica. Sob o talentoso, mas extravagante general Cipião Africano,
ficou claro que o exército poderia ser ele mesmo uma força política,
particularmente se permanecesse leal a Cipião, e não a Roma. Felizmente
para Roma, naquele momento Cipião tinha pouco interesse em política ou
em dominar o mundo. De fato, embora Cipião tivesse seus defeitos,
claramente era a antítese de um louco, tendo resistido ao apelo óbvio de
tomar o poder. A oportunidade de um golpe militar havia passado, pelo
menos momentaneamente, mas aquilo revelou o potencial do exército como
ameaça à república constitucional.
As novas riquezas de Roma também levaram ao aumento da corrupção.
Isso ficou evidente no caso dos irmãos Graco, Tibério e Gaio, cada um dos
quais se tornou tribuno popular reformista, sendo depois assassinado. Tibério
a princípio lutou pela reforma agrária, transferindo extensões de terra dos
romanos mais ricos para os mais pobres. [ 322 ] Isso naturalmente era bastante
popular entre a plebe mais pobre e menos popular entre os patrícios ricos.
Tibério forçou os limites dos poderes do tribuno mais do que a maioria havia
feito, desse modo aborrecendo o Senado. Naturalmente, cada lado
interpretou as ações do outro da pior forma possível. [ 323 ] Isso acabou
levando a um violento confronto popular, provocado pelo Senado, que
resultou na morte de Tibério e muitos de seus seguidores.
A morte de Gaio Graco, por François Topino-Lebrun.

Alguns anos depois, o irmão de Tibério, Gaio, tornou-se tribuno e tentou


ampliar as reformas. Além de consolidar a reforma agrária, Gaio procurou
erradicar a corrupção (que estava se tornando galopante) e promover uma
reforma judicial. Gaio também buscou conceder maiores direitos de
cidadania aos povos não romanos de toda a Itália, o que foi tão bem recebido
quanto são as lutas pelos direitos das minorias em praticamente qualquer
momento da história. Mais uma vez houve violência, com Gaio tendo o
mesmo fim trágico do irmão. O historiador Plutarco sugere que um senador
se ofereceu para pagar o peso da cabeça de Gaio em ouro a quem o matasse
e, em um sinal dos tempos, o assassino em questão encheu o crânio com
chumbo derretido para torná-lo mais pesado. [ 324 ]
Os irmãos Graco forçaram os limites do poder do tribuno. Mas também
deixaram explícito para a nova geração a luta de classes da plebe. Mais que
no passado, o resultado foi um choque de classes, com os patrícios
reafirmando seu controle sobre os mecanismos do poder.
Naturalmente, a partir de então tudo deteriorou. A fase seguinte do
conflito foi simbolizada por dois generais talentosos: Mário, que representava
a plebe, e Sula, que representava o Senado. Ambos foram excelentes
comandantes. Sendo mais velho, a estrela de Mário brilhou primeiro, e ele
implementou uma importante reforma no exército romano, tornando-o cada
vez mais profissional e, como tal, mais leal aos seus comandantes que à
própria Roma. Ele era um populista, representando os interesses do povo
contra os patrícios gananciosos e corruptos. Acabou combatido por seu
protegido Sula, que deu o passo sem precedentes de marchar com um
exército sobre a própria Roma, assumindo poderes ditatoriais. Os populistas
de Mário e os patrícios de Sula romperam as normas constitucionais; os
exércitos romanos se enfrentaram e Sula, ao assumir o poder ditatorial,
iniciou um expurgo sangrento de adversários políticos. Surpreendentemente,
ele deixou o cargo por vontade própria, morrendo de causas naturais. [ 325 ] A
sensação é de que sua falta não foi muito sentida.
A essa altura, as proteções da constituição romana estavam em frangalhos.
Em pouco tempo, o controle de Roma coube ao triunvirato formado por
Pompeu, Crasso e Júlio César. Pompeu e César eram generais excelentes;
Crasso, nem tanto, mas era rico. Para ser justo, ele derrotou a revolta dos
gladiadores liderada por Espártaco, mas morreu em campanha contra os
partos no Oriente. Infelizmente, Crasso era a cola que mantinha o
triunvirato unido, e Pompeu e César logo acabaram em guerra um com o
outro. [ 326 ]
O restante é, literalmente, material de peças de Shakespeare. César
derrotou Pompeu, que fugiu para o Egito, buscando refúgio com o faraó
egípcio Ptolomeu XIII. Ptolomeu, pensando que isso o deixaria bem com
César, matou Pompeu. Naturalmente, esse foi um erro de interpretação
espetacular, pois, apesar da guerra civil, César ainda sentia afeto por seu rival
Pompeu. César então deu seu apoio à rival, esposa e irmã de Ptolomeu (sim,
todas as três), Cleópatra VII (sim, aquela Cleópatra). César retornou a Roma
com Cleópatra, fez-se declarar ditador vitalício e foi prontamente
assassinado. As forças republicanas tiveram uma vantagem breve, mas logo
foram derrotadas pelos protegidos de César, Marco Antônio e Otaviano, seu
sobrinho-neto. Recém-vitoriosos, Marco Antônio e Otaviano tiveram uma
briga e Otaviano derrotou Marco Antônio e sua amante Cleópatra (sim,
ainda aquela Cleópatra). Basicamente, todos morreram, exceto Otaviano, que
adotou o nome Augusto e se tornou o primeiro imperador de Roma. [ 327 ] E
esse, claro, é o fim da república.
Então, o que aconteceu? Neste caso, embora certos indivíduos específicos,
desde os irmãos Graco até Otaviano/Augusto, tenham desempenhado papéis
principais importantes, nenhum, exceto talvez Sula, se qualifica como louco
do modo como definimos neste livro. Alguns desses indivíduos, como Júlio
César, eram narcisistas e não abriam mão da brutalidade quando lhes
convinha. Mas eles não chegam ao nível de Hitler, Mao ou mesmo
Alexandre, o Grande. Neste caso, a morte da república não pode ser
atribuída às ações cruciais de um único indivíduo.
Em vez disso, foi a própria república que enlouqueceu, gradualmente e em
uma série de etapas que na época podem não ter sido consideradas
importantes. Muito disso foi fruto de raiva, com plebeus e patrícios
tornando-se cada vez mais ressentidos uns com os outros. Cada um dos
grupos buscou o poder e exagerou, provocando maior fúria no outro. Cada
lado sem dúvida construiu narrativas para justificar por que era moralmente
correto, enquanto o outro lado se compunha de escroques. O aumento da
corrupção reduziu a fé nas instituições públicas e nos líderes. [ 328 ]
Paulatinamente, as normas constitucionais foram rompidas e a estrutura do
tecido social, construída com base em acordos, se desfez. Cada lado se
concentrou em “vencer”, sem considerar o que seus esforços poderiam fazer
com a república a longo prazo. A decadência da república não se deu da noite
para o dia, mas em uma série cumulativa de decisões emocionais, egoístas e
rígidas, e por um desgaste da cultura do serviço público e do acordo. Somada
à ascensão de um poderoso exército permanente, a situação tornou-se
propícia à eliminação das liberdades protegidas, por mais imperfeitas que
fossem sob a república. As pessoas começaram a procurar homens fortes que
protegessem seus interesses. Cuidado com o que você deseja!
A queda da república romana, portanto, é um exemplo de como o aumento
do passionalismo, mágoas pessoais, corrupção e ganância desenfreadas,
centralização do poder em alguns indivíduos e falta de disposição de
encontrar uma causa comum podem desfazer uma sociedade constitucional.
Sua história é um alerta para todos nós hoje.
Tendo deprimido o leitor com essa narrativa moral sobre corrupção
republicana em um sistema oligárquico, nós nos voltamos agora para o
Renascimento. Aqui estudamos como a loucura na classe dominante levou à
queda brutal de uma das maiores monarquias do mundo.

Que comam brioches


Maria Antonieta provavelmente nunca pronunciou as palavras infames “Que
comam brioches!”, muitas vezes atribuídas a ela em resposta à fome de turbas
de camponeses na França do século XVIII. Mas o fato de que tantos estavam
dispostos a acreditar que sim nos diz muito sobre o papel que ela
desempenhou na Revolução Francesa de 1789, bem como sobre a aristocracia
francesa de forma mais ampla. Ao contrário da guerra de independência
norte-americana, da mesma época, que buscou a derrubada de um regime
distante, a Revolução Francesa foi um assunto doméstico nascido de um
desesperado conflito de classes. Previsivelmente, tornou-se algo pessoal e
cruel e, qualquer que fosse a intenção original de seus líderes, não levou a
nada que se parecesse com uma democracia.
Apresentar um quadro completo de Maria Antonieta é difícil,
considerando tanto o grau em que ela foi difamada na época da Revolução
Francesa quanto algumas tentativas feitas por estudiosos modernos de
reabilitá-la totalmente. Ela era uma arquiduquesa austríaca, filha da famosa
imperatriz Maria Teresa. Chegou à França em 1770, prometida ao
desajeitado herdeiro do trono francês, Luís XVI. [ 329 ] Foi quase
imediatamente escondida de todos, no isolamento do palácio real em
Versalhes, alvo de muitas fofocas. O rei Luís XVI era tímido com as
mulheres, sobretudo com sua esposa, e o casamento demorou anos para ser
consumado. Isso prejudicou significativamente a reputação de ambos. [ 330 ]
Apenas os conselhos gentis oferecidos a Luís pelo irmão de Maria
Antonieta, o imperador austríaco José, parecem ter lhe dado a coragem de
consumar o casamento, e o primeiro filho nasceu em 1778.
As finanças da França já eram então um problema devido a décadas de
guerra e má administração. No entanto, o comportamento de Maria
Antonieta contribuiu para a impressão de ser no mínimo indiferente ao
sofrimento financeiro das pessoas comuns. Mesmo seus defensores
reconhecem que Maria Antonieta era uma gastadora frívola que parecia
desdenhar da preocupação generalizada com seu comportamento. Talvez
ainda pior para a época, ela era muitas vezes vista circulando pela cidade sem
o marido dócil, dando a impressão de ser infiel. Algumas evidências sugerem
que a impressão é precisa, e que dois de seus filhos podem ter tido como pai
um dos amantes em vez de Luís, embora isso seja controverso. [ 331 ]
Se o comportamento de Maria Antonieta contribuiu para algumas das
impressões negativas, ela também foi vítima de um golpe infeliz. O “caso do
colar de diamantes” envolveu o roubo de um colar incrivelmente caro por
vários vigaristas. Uma correspondência falsificada convenceu os joalheiros de
que estavam vendendo o colar para Maria Antonieta, a ser pago em
prestações. Na verdade, Maria Antonieta não tinha nenhum conhecimento
disso. O colar foi roubado e nunca mais visto intacto. A principal vigarista,
Jeanne de la Motte, foi presa e condenada, mas mesmo assim Maria
Antonieta acabou como a vilã do caso. Foi dito que ela estivera disposta a
levar a França à falência por causa de um colar frívolo. Independentemente
do que possamos pensar sobre ela, o dano causado à sua reputação por esta
situação foi injusto. [ 332 ] No entanto, a história colou por causa de seus
gastos descontrolados, que eram verdadeiros.
A despeito de toda atenção dada a ela, incluindo excelentes biografias,
conseguir uma imagem completa da psicologia de Maria Antonieta pode ser
um pouco frustrante. Ela se interessou pelo hipnotizador austríaco Franz
Anton Mesmer, [ 333 ] que tolamente recusou sua oferta de apoiar seu
trabalho. [ 334 ] É menos claro até que ponto suas próprias ansiedades podem
tê-la levado a se interessar por esse trabalho.
Talvez ajude um pouco imaginar como pareceriam as figuras históricas se
retiradas de seu contexto e colocadas em uma existência inteiramente
mundana na era atual. É quase certo que Stálin, o verdureiro, teria
continuado a ser um homem difícil, mesmo privado dos instrumentos de
poder para causar mal a qualquer coisa além de repolhos e talvez sua própria
família. Maria Antonieta em grande medida aparece como uma adolescente
e depois mulher um tanto ingênua, sem saber como lidar com
acontecimentos históricos. A falta de conhecimento inicial dela e do marido
sobre sexo fez com que o irmão se referisse a eles como “dois completos
incompetentes”. [ 335 ] Suas principais falhas são sua natureza perdulária, seu
distanciamento das pessoas comuns, sua incapacidade de combater as fofocas
e um infeliz conservadorismo político. Ela tivera pouca instrução quando
menina, o que a deixara despreparada para a liderança. Sua tendência a
preferir seu país natal, a Áustria, tornou fácil retratá-la como uma traidora da
França. Ela pode ter sido infiel ao marido, embora as evidências não sejam
inquestionáveis. Pode ter tido algumas neuroses bastante compreensíveis que
a levaram a se interessar pelo hipnotismo.
Jogada na sociedade moderna, Maria Antonieta provavelmente se
encaixaria em alguma irmandade universitária moderna. Ela não era má,
mesmo que pudesse ser fútil e limitada. Não era louca da mesma forma que
Hitler ou Stálin; sua loucura era compartilhada por grande parte da alta
sociedade contemporânea. Os que estavam no poder haviam transferido o
fardo e as dores de manter a sociedade para os menos capazes de suportá-los
e, a despeito dos sinais de alerta, mantiveram-se obstinadamente nesse
caminho. Esses erros de raciocínio remontam às várias guerras da França do
século XVI ao XVIII e seu sistema de tributação regressivo, e Maria
Antonieta não pode ser culpada por isso. No entanto, assim como seus
contemporâneos, ela também não conseguia ver uma saída. Sua loucura, por
assim dizer, era uma falta de visão, uma incapacidade de avaliar plenamente o
sofrimento dos outros e perceber como seu próprio comportamento
contribuía para a decadência do país. Nisso ela tinha muitos colegas na
aristocracia francesa. Não merece ser totalmente responsabilizada nem
completamente inocentada.
O restante, claro, é história bem conhecida. A raiva na França explodiu
com a tomada da Bastilha em 14 de julho de 1789. A família real foi
colocada sob uma espécie de prisão domiciliar enquanto a França estabelecia
uma monarquia constitucional plena. Em 1791, a família real tentou escapar
de Paris e se juntar a monarquistas fiéis. Todos foram capturados e levados
de volta a Paris em meio a acusações de traição. Com a eclosão da guerra
contra a Áustria logo depois, Maria Antonieta foi cada vez mais vista como
uma colaboracionista estrangeira. Seu marido, Luís XVI, foi executado na
guilhotina no início de 1793. [ 336 ] O destino de Maria Antonieta estava
traçado.
Em outubro de 1793, ela foi julgada por traição, considerada culpada e
decapitada na guilhotina. Seu papel na eclosão da revolução permanece
controverso até hoje. Mas ela é no mínimo um símbolo da loucura egoísta
que pode tomar conta daqueles no topo quando um controle rígido do poder
e dos recursos financeiros faz com que a frustração das massas se transforme
em violência e caos. Neste caso, a loucura não era tanto dela, mas uma que
havia acometido todos os poderosos na sociedade francesa.
A execução de Maria Antonieta.

iLoucura
Como observei algumas vezes neste livro, nem todos os casos de loucura
resultam em calamidade. Como no caso de Alexandre, o Grande, de vez em
quando eles levam a um momento verdadeiramente inspirador da história.
Agora nos voltamos para um desses, o caso de um homem cuja visão para a
computação pessoal desempenhou um papel importante na evolução de
como lidamos com computação, comunicação, música e filmes.
Na verdade, é difícil falar sobre Steve Jobs sem ouvir ou usar as palavras
“visão” ou “visionário” [ 337 ]. Jobs, o lendário fundador da Apple, é um dos
heróis da onda de uso pessoal de tecnologia no milênio. Mas também era
conhecido como uma figura difícil, insensível e excêntrica. Durante sua vida,
ele ergueu e queimou um bom número de pontes. Nesse sentido, parece
exemplificar um estilo particular de personalidade que não mereceu muita
cobertura na literatura psicológica, mas que seria uma abordagem de “apostar
alto” em inovação e negócios. Vamos dar uma olhada.
Jobs era um filho adotivo criado em um lar cheio de amor e apoio. Ao
contrário de muitas outras pessoas neste livro, há poucos motivos para
acreditar que as arestas mais duras de Jobs tenham sido determinadas —
mesmo parcialmente — por uma situação desfavorável em casa. Mesmo
assim, Jobs tinha uma reputação de mau comportamento e resistência à
autoridade, talvez os primeiros sinais de sua espinhosa personalidade adulta
transparecendo. Em geral, provavelmente superestimamos o peso do
ambiente no desenvolvimento da personalidade, e Jobs pode ser um bom
exemplo de que os genes tendem a superar o ambiente nesse aspecto.
Ele começou a mostrar interesse por eletrônica no secundário, e fez uma
amizade determinante: Steve Wozniak, o menino prodígio da tecnologia que
compunha a faceta design da equipe fundadora da Apple. Jobs desempenhou
o papel de visionário, levando os produtos a alturas cada vez maiores. A
Apple Computer Company foi formada em 1976 (segundo as histórias, na
garagem da família Jobs) e teve seu primeiro sucesso real com o computador
Apple II, no início de 1977.
Provavelmente é difícil superestimar o impacto do Apple II na computação
doméstica. Lembro-me bem disso desde minha juventude, tanto jogando
videogame quanto aprendendo a escrever códigos em Basic, fazendo meus
próprios programas. Foi uma máquina marcante que revolucionou a forma
como incorporamos a tecnologia às nossas vidas.
A essa altura, todas as características da personalidade de Jobs haviam
ficado evidentes. Para começar, ele tendia a excentricidades, e até mesmo o
que os psicólogos às vezes chamam de “pensamento mágico” (crença em
fenômenos que não são sustentados pela ciência). Era um vegetariano radical
que acreditava que isso eliminava a necessidade de banhos. Tinha opiniões
fortes e podia ser brutalmente crítico em relação aos outros, às vezes
humilhando-os em público. Alguns relatos sugerem que Jobs roubou a
parcela do sócio Steve Wozniak de um bônus antecipado pelo trabalho de
ambos, embora Jobs tenha negado. Quando não conseguia o que queria,
tinha acessos de raiva. Jobs foi um visionário incrível e também um
perfeccionista, mas algumas de suas visões resultaram em projetos estranhos
para produtos que não funcionaram tão bem. Por exemplo: por insistência de
Jobs, os primeiros Macintosh não tinham teclas de controle do cursor ou um
disco rígido interno, limitando muito sua memória. Alguns o acusaram de
assumir o crédito pelas ideias de outros. Ele era conhecido por criar um
“campo de distorção da realidade” no qual conseguia convencer outras
pessoas de ideias delirantes e fazê-las parecer razoáveis, e elas recuperavam o
bom senso quando ele partia.
Computador Apple II, Museu da História do Computador.
Jobs também podia ser incoerente na vida pessoal. Talvez o exemplo mais
famoso envolva a primeira filha, Lisa, que ele inicialmente rejeitou, apesar de
um teste de DNA provando a paternidade com 94,4% de certeza. Jobs a
reconheceu quando ela estava no ensino fundamental, mas o grau do seu
envolvimento continua sendo um assunto controverso. Os relatos de Lisa às
vezes o retratam como insensível, incoerente e mesmo inadequado, embora
outros parentes contestem isso. [ 338 ]
Esse estilo de personalidade, combinando visão grandiosa e paixão com
liderança áspera e incoerente, além de crenças excêntricas, não é bem
descrito na literatura psicológica. Evoca elementos de diversos transtornos de
personalidade, como narcisista, esquizotípico (aqueles que tendem a endossar
crenças bizarras e têm habilidades sociais inadequadas) e obsessivo-
compulsivo, sem se encaixar confortavelmente em nenhum deles. Embora as
comparações diretas sejam muitas, ecos do estilo de gestão de Jobs às vezes
podem ser encontrados em descrições de outros líderes visionários, como Jeff
Bezos, [ 339 ] da Amazon, ou Elizabeth Holmes, uma inovadora que
prometeu que sua empresa Theranos revolucionaria os exames de sangue,
mas acabou indiciada por fraude. [ 340 ] Quando bem-sucedidas, essas
personalidades inerentemente iconoclastas podem revolucionar setores
inteiros, tornando-se heróis. Mas a probabilidade é que, na maioria das
vezes, tenhamos conhecimento apenas dos casos de sucesso, e que na maioria
deles a liderança visionária provavelmente destrói e queima (embora não de
forma tão dramática como no caso de Holmes). Esse estilo de liderança é
algo como uma jogada impossível no último instante. Quando funciona, é
incrível. Porém, na maioria das vezes, não funciona.
Em 1985, em disputa com outros executivos da Apple, Jobs foi forçado a
deixar a empresa que ajudara a criar. Foi um golpe pessoal devastador para
Jobs, mas também o levou a se reinventar. Ele fundou a NeXT Computers,
mas seus produtos caros, embora pioneiros, não conseguiram encontrar um
mercado consumidor. Jobs teve muito mais sucesso com a Pixar,
principalmente quando a empresa começou a fazer filmes de animação
charmosos como Toy Story.
Durante os anos sem ele, a Apple começou ter dificuldades. Em 1997, em
queda livre, a Apple comprou a NeXT, trazendo Jobs de volta à empresa que
ajudara a fundar e da qual fora afastado. Essa segunda etapa desencadeou
uma das fases mais brilhantes da vida dele e do desenvolvimento da Apple.
Embora alguns erros tenham sido cometidos, Jobs corrigiu a linha
complicada do Macintosh com a criação do iMac. Ao longo da década e
meia seguintes, a Apple lançou o dispositivo de música iPod, o iTunes, que
mudou o sistema de distribuição de música de álbuns completos para canções
isoladas, o onipresente iPhone e o iPad. Em última análise, Jobs
desempenhou um papel importante em revolucionar a forma como usamos
computadores, assistimos a filmes, ouvimos música e nos comunicamos.
Talvez ele fosse louco a seu modo, e certamente suas relações com os outros
eram muitas vezes tensas, mas ninguém pode dizer que é um histórico ruim
para um inventor.
Jobs se casou com Laurene Powell em 1991 e o casal teve vários filhos.
Entre o sucesso com o renascimento da Apple e o estabelecimento de uma
vida familiar, Jobs parecia ter tudo. No entanto, em 2003 ele foi
diagnosticado com câncer no pâncreas. A princípio, resistiu ao tratamento e
não revelou sua doença publicamente, escolhas que causaram polêmica.
Quando diagnosticado pela primeira vez, Jobs rejeitou a cirurgia em favor de
tratamentos alternativos, dieta e acupuntura. Embora o medo da cirurgia
obviamente seja natural, Jobs teve um raro câncer de crescimento lento, e a
cirurgia, se feita cedo, poderia tê-lo salvado. Naturalmente, nunca poderemos
ter certeza. Jobs enfim procurou tratamentos médicos convencionais, mas o
câncer progrediu. Ele morreu em outubro de 2011, deixando um legado de
revoluções incríveis e relações pessoais e profissionais intempestivas.
Homens da elite e seu desprezo pelos direitos das mulheres
Em outubro de 2017, vieram à tona alegações graves de que o famoso
produtor de Hollywood, Harvey Weinstein, era responsável por diversos
casos de agressões sexuais e estupros de aspirantes a atrizes ao longo de
décadas. Em muitos casos, pessoas ao redor de Weinstein foram acusadas de
cumplicidade ou de, pelo menos, ter conhecimento das agressões e não se
manifestar. [ 341 ] Produtor de muitos filmes famosos, como Pulp Fiction e
Shakespeare apaixonado, Weinstein seria acusado por dezenas de mulheres e
indiciado por agressão sexual e estupro (quando este texto era escrito). As
vítimas contaram histórias assustadoras sobre serem atraídas a reuniões
particulares com Weinstein relativas a assuntos profissionais, apenas para
serem apalpadas ou forçadas a praticar sexo. Muitas temeram que suas
carreiras fossem arruinadas caso rejeitassem os avanços sexuais de Weinstein.
[ 342 ]
As acusações contra Weinstein não foram as primeiras a atingir a indústria
do entretenimento. Nos últimos meses e anos, outros homens famosos do
setor, como Bill O’Reilly e Bill Cosby, também foram acusados de assédio
sexual ou, no caso de Cosby, uma longa sequência de estupros bizarros.
Cosby, a amada figura paterna de The Cosby Show, foi acusado e condenado
em 2018 por drogar e estuprar mulheres inconscientes, com acusações
remontando à década de 1960. [ 343 ] Esse modus operandi específico levou à
especulação de que Cosby poderia ter sonofilia, ou “Síndrome da Bela
Adormecida”, uma preferência por sexo com parceiros inconscientes. [ 344 ]
Mas o caso Weinstein desencadeou uma série mais ampla de acusações a
dezenas, talvez centenas, de homens de destaque na indústria do
entretenimento, no jornalismo, na política e nos negócios. Acusações de
agressão sexual por parte de vários homens de alto perfil lançaram o que foi
chamado de movimento #MeToo e criaram a consciência da presença
contínua de ameaças sexuais na vida das mulheres.
Compreender esse fenômeno é difícil. O quão comum é a agressão sexual
(uma categoria ampla de comportamentos que variam de toques sexuais
indesejados até estupro) em ambientes de elite, e o que isso diz sobre as
relações de gênero de forma mais ampla? Alguns observadores sugeriram,
com razão, que a agressão e o assédio sexual podem ser no mínimo mais
comumente experimentados por mulheres em setores de serviços, como
funcionárias de bares ou restaurantes. Eu sou otimista o suficiente para
acreditar que a maioria dos homens fica chocada com as revelações de
agressões e assédios sexuais generalizados experimentados por mulheres.
Embora algumas mulheres cometam agressões sexuais, os homens superam
amplamente as mulheres como perpetradores. [ 345 ] Isso sugere que há uma
especificidade de gênero na agressão sexual.
Muitas discussões contemporâneas se concentram nas causas sociais de
agressão sexual, patriarcado e “cultura do estupro”. No entanto, por mais
populares que sejam, são difíceis de comprovar. Estupro não é específico de
uma cultura, e nem mesmo específico dos seres humanos; estupro (ou
comportamentos análogos) são vistos em muitas outras espécies animais,
desde insetos até mamíferos. [ 346 ] Os patos, por exemplo, são notórios
estupradores, então não se sinta culpado da próxima vez que tiver a
oportunidade de comer canard a l’orange. [ 347 ] Embora a agressão sexual seja
mais comum entre os homens do que entre as mulheres, a maioria dos
homens não se envolve em agressões sexuais nem aprova outros homens que
o fazem (mesmo que muitas vezes ignorem a extensão das experiências das
mulheres).
As explicações biológicas para o comportamento de estupro, portanto,
parecem ser evidentes. Esses argumentos são complexos, claro, mas
basicamente se resumem ao que poderia ser chamado de argumento dos “pais
e pilantras”. [ 348 ] Essa abordagem teórica sugere que as melhores chances de
o macho ter sucesso reprodutivo vêm de garantir parceiras românticas
consensuais e contribuir para o bem-estar da descendência resultante. Estes
são os “pais”. Mas um pequeno número de homens (os “pilantras”) é incapaz,
socialmente ou por temperamento, de obter sucesso nessa abordagem. Esses
homens talvez não apresentem as qualidades sociais para cortejar as mulheres
rumo ao consenso, ou podem simplesmente ser antissociais. Embora para os
homens o sexo por consentimento seja mais eficiente na reprodução de seus
genes, as mulheres certamente podem engravidar por meio de estupro e,
portanto, a motivação para o estupro pode ser passada de geração a geração
entre um pequeno número de homens. A maioria das pessoas não gosta de
pensar em sexo ou estupro em termos biológicos reducionistas, mas minha
sensação é de que as melhores evidências apontam nessa direção. Mais uma
vez, para deixar claro, esta é apenas uma explicação biológica para o motivo
do estupro, com base nos dados disponíveis. De maneira alguma significa
que o estupro é aceitável, desejável ou que não merece punição quando
ocorre.
Quanto ao motivo para parecer haver maior concentração de agressões
sexuais entre os homens da elite, vale repetir que, mesmo entre as elites, a
maioria dos homens não é agressiva. No entanto, como já vimos neste livro, o
poder tende a atrair certos tipos de personalidade relacionados a narcisismo e
com traços antissociais. Portanto, a associação da invulnerabilidade que vem
com o status de elite e o fato de que tal status tende a atrair homens mais
intrinsecamente insensíveis poderia tornar as agressões sexuais mais
pronunciadas entre homens da elite.
Resumindo até agora: o estupro e a agressão sexual provavelmente têm
muitos determinantes biológicos e de personalidade, mas também podem
prosperar em ambientes sociais nos quais o relato de estupro (e, portanto, a
dissuasão) é desencorajado ou punido. A maioria dos homens não comete
agressões sexuais nem as aprova, mas, vivendo diferentes experiências sociais
e emocionais, pode ignorar o grau em que as mulheres experimentam
ameaças sexuais em seu cotidiano. Assédio sexual e agressão claramente
ocorrem em índices muito mais altos do que a maioria de nós, homens,
poderia imaginar, e os homens de boa fé precisam se unir às nossas amigas,
parentes, sócias e cônjuges para garantir que haja um claro clima de dissuasão
em relação ao comportamento sexual impróprio. Continuo otimista de que
isso é inerentemente factível e que a maioria das pessoas — homens ou
mulheres — o deseja.
Mas então acontece uma guinada. Algumas vezes digo que todos os
movimentos acabam sendo definidos por seus elementos mais ruidosos e
menos racionais. Esse tem sido um problema que assola o feminismo há
décadas (e, para deixar claro, eu me identifico como feminista). Os objetivos
práticos do feminismo — salários iguais, proteção contra a violência, maiores
oportunidades para as mulheres nos negócios, no entretenimento e na
política — são todos valiosos e provavelmente gozam de apoio popular. Mas
o lado acadêmico do feminismo às vezes se permite ser prejudicado por
sistemas ideológicos rígidos que, pode-se dizer, tornam mais fácil retratar
todo o movimento como “agressão aos homens”. Mais uma vez, não estou
dizendo que o feminismo agride os homens, mas que as declarações públicas
impensadas e os tratados acadêmicos de alguns perpetuam essa imagem. [ 349
] E, assim, muitas pessoas adotam o clichê: “Não sou feminista, mas…”
quando obviamente apoiam os objetivos práticos do feminismo, mas rejeitam
o rótulo.
Da mesma forma, o movimento #MeToo causou polêmica quando alguns
indivíduos deram declarações parecendo não ter interesse no devido processo
legal para os acusados de má conduta sexual. Uma das declarações mais
polêmicas foi a da jornalista da Teen Vogue Emily Linden, que tuitou:
“Desculpem. Se as reputações de alguns homens inocentes tiverem de ser
abaladas no processo de derrubar o patriarcado, esse é um preço que eu
decididamente estou disposta a pagar.” Embora não sejam representativos do
movimento #MeToo como um todo, esses comentários receberam muita
atenção. Eles são, sem dúvida, uma reação irada à falta de devido processo
legal que as vítimas femininas de agressão sexual masculina experimentam
desde o início dos tempos, mas mesmo assim prejudicaram o movimento
#MeToo ao retratá-lo como mais interessado em linchamento que em
justiça.
As acusações de agressão sexual contra várias mulheres poderosas também
complicaram a história (embora deva ser notado que elas têm tanto direito ao
devido processo legal quanto os homens acusados). Ironicamente, entre elas
estava Asia Argento, uma das primeiras atrizes a acusar Weinstein de
estupro. [ 350 ] Mesmo que essas acusações contra mulheres sejam
verdadeiras, o fato de que algumas mulheres cometem violência sexual não
justifica o comportamento de muitos homens que fazem o mesmo. Mas
chama a atenção para a tendência de que os movimentos sociais, sobretudo
aqueles movidos pela emoção, têm de construir narrativas simplistas e muitas
vezes tropeçar quando elas se tornam mais complexas.
Em 2018, as audiências no Senado de confirmação da indicação do juiz da
Suprema Corte dos Estados Unidos, Brett Kavanaugh, dividiram ainda mais
as opiniões. Kavanaugh era conhecido como um juiz conservador e,
previsivelmente, sua nomeação dividia conservadores e liberais nos Estados
Unidos. Quando estava prestes a ser confirmado, foi acusado por várias
mulheres, principalmente a dra. Kristine Blasey Ford, de agressões sexuais
quando estudante universitário (1982, no caso da dra. Ford). Mais uma vez,
o país ficou dividido sobre a questão de se alegações de agressão sexual são
intrinsecamente verdadeiras ou se o acusado merece em algum grau o
benefício da dúvida até que as alegações possam ser investigadas.
Harvey Weinstein e Asia Argento. Argento foi uma das muitas mulheres a acusar Weinstein de agressão
sexual, apenas para ser acusada ela mesma de assediar um menor do sexo masculino. Fotos: Georges Biard.

Tanto democratas quanto republicanos usaram a acusação de acordo com


seu próprio interesse político. Alguns acusaram senadores democratas,
especialmente Dianne Feinstein, de ocultar durante semanas uma carta da
dra. Ford acusando Kavanaugh de agressão em vez de repassá-la ao FBI,
transformando-a em “uma arma” para usar contra Kavanaugh em um
momento crítico durante as audiências de confirmação. [ 351 ] A dra. Ford
deu um depoimento comovente e confiável diante do Senado. Mais tarde,
Kavanaugh se defendeu em um depoimento que alguns consideraram raivoso
demais. Uma investigação posterior do FBI, embora breve, não conseguiu
provar as alegações da dra. Ford, e Kavanaugh foi confirmado. No entanto, a
investigação do FBI foi tão rápida e limitada que pouco fez para acalmar os
críticos de Kavanaugh. Em um duro golpe na percepção de que as alegações
de agressão são quase sempre feitas de boa fé, várias outras alegações
(envolvendo homens e mulheres) contra Kavanaugh foram consideradas
menos críveis, e os queixosos sofreram ações criminais por fazer queixas
falsas. [ 352 ]
E, então, Kavanaugh atacou a dra. Ford quando eles eram jovens?
Poderíamos dizer que apenas os dois sabem com certeza, mas mesmo isso
pode não ser correto. Grande parte do debate sobre alegações de agressão
sexual se concentra em um pequeno número de relatos falsos maldosos. Na
verdade, relatos falsos maldosos são raros, embora, ao contrário do que
alegam alguns, não haja números confiáveis sobre exatamente qual é a
incidência. [ 353 ] No entanto, o problema das alegações de agressão sexual
não é apenas que uma das partes esteja mentindo, mas também uma questão
de memória. Sabemos que muitas acusações de boa fé são errôneas devido à
baixa confiabilidade da memória humana. Exames de DNA inocentaram
muitos homens equivocadamente condenados por estupro com base no
depoimento de testemunhas oculares. [ 354 ] Mas muitos desses casos são de
estupros por estranhos. Isso também pode acontecer entre pessoas que se
conhecem? A questão de uma falsa identificação foi levantada por alguns dos
defensores de Kavanaugh e rejeitada por seus críticos. [ 355 ] A verdade é que
não temos muitos dados sólidos sobre a confiabilidade das memórias de
estupro entre conhecidos, sobretudo depois que muitos anos se passaram
(Ford acusou Kavanaugh de tentar estuprá-la em 1982, e a alegação foi
tornada pública em 2018). Para ser justo, essa observação também se aplica a
Kavanaugh. Especialmente se na época estivesse embriagado, ele pode não se
lembrar de ter cometido uma agressão. Mas as lembranças, mesmo aquelas
de eventos traumáticos, são reconhecidamente maleáveis com o passar do
tempo. [ 356 ] O fato de a dra. Ford não ter citado Kavanaugh como seu
agressor até 2012, durante uma sessão de terapia, levanta a possibilidade de
que a identidade do agressor tenha sido desfigurada por trinta anos. Tenho
poucas dúvidas de que a dra. Ford sofreu uma agressão sexual real em 1982,
mas se Kavanaugh está mentindo, se Kavanaugh perdeu a lembrança de
agredir a dra. Ford ou se a lembrança da própria dra. Ford era maleável,
poderemos nunca saber.
O devido processo legal é necessário para ambas as partes em um caso
assim. Os acusadores merecem o processo para que seus casos sejam ouvidos
e investigados de maneira eficiente e imparcial. Com demasiada frequência,
as vítimas de traumas sexuais tiveram negado o direito ao devido processo
porque suas alegações foram descartadas no mesmo instante, sua
credibilidade manchada e suas preocupações varridas para debaixo do tapete.
Mas ser ouvido e ser acreditado acriticamente são duas coisas diferentes. O
acusado também merece o devido processo legal e o direito de responder às
acusações feitas, de contar com uma investigação imparcial e, se os fatos
justificarem, ir a julgamento. Tal como acontece com a liberdade de
expressão, o devido processo não é apenas um conceito legal, mas também
moral e ético, e descartá-lo em qualquer direção fora dos procedimentos
jurídicos acarreta risco social.
Não podemos dizer com certeza o que aconteceu entre Ford e Kavanaugh,
mas as percepções sobre esse assunto tendem a ser filtradas por nossas
próprias lentes tribais. Nem os conservadores nem os liberais foram imunes a
interpretar um acontecimento singular de acordo com sua própria visão de
mundo sociopolítica e ter uma reação emocional, em vez de fazer uma
avaliação desapaixonada dos fatos do caso, mesmo que limitados. Nesse
sentido, o momento foi totalmente democrático e demonstrou como as
democracias podem mergulhar na loucura social, entregando-se a fúria, ódio
e comportamento de turba, abandonando o estado de Direito e polarizando
uma comunidade até que ela se transforme em lados inimigos. Mas
voltaremos a essa questão no capítulo 10, quando estudarmos a loucura das
massas.
CAPÍTULO 8
QUANDO A MENTE SE PERDE: DEMÊNCIA NA
CLASSE DOMINANTE

E
m 23 de agosto de 1899, a manchete de um artigo no New York
Times proclamou: “Imperador da China insano.” Infelizmente, o
texto que se seguia não era muito mais longo do que o título; além
da alegação de que o imperador havia desenvolvido sintomas de demência, o
leitor recebe poucas informações adicionais. Presumivelmente o imperador
em questão era o imperador Guangxu, à época com apenas 24 anos,
bastante jovem para sofrer de demência. No final do século XIX, a China
parecia estar em declínio perpétuo, em grande medida à mercê das potências
imperiais europeias, bem como do Japão, e tomada por corrupção e um
governo caótico. No momento da manchete do Times, o imperador
Guangxu estava efetivamente sendo colocado em prisão domiciliar por sua
tia poderosa, a imperatriz viúva Cixi, que se opunha aos seus esforços de
reforma. Nove anos depois, ele foi assassinado: envenenamento por
arsênico, provavelmente também por sua tia. [ 357 ] Portanto, devemos ver
com ressalvas a conveniente alegação de sua demência atipicamente precoce.
Mas o que exatamente é demência, como ela difere de outras formas de
loucura e como influencia o comportamento dos poderosos?
Ao longo da maior parte do livro até agora, estudamos a loucura causada
na maioria dos casos por distúrbios de personalidade, bem como alguns
infelizes presos em posições de autoridade ou influência apesar da presença
de doença mental debilitante. A demência, por outro lado, se refere a
doenças cerebrais orgânicas tipicamente graduais, na maioria dos casos
irreversíveis e cada vez mais prejudiciais. A maioria dos casos de demência,
como os causados pela doença de Alzheimer, ocorre em idade avançada, mas
algumas doenças específicas, como a doença de Huntington, ou mesmo a
sífilis não tratada, [ 358 ] podem causar demência mais cedo.
Crânio demonstrando destruição óssea causada por sífilis não tratada. Foto: Joseph Bryant e Albert Buck.

Gostemos ou não, a idade avançada inevitavelmente traz algum grau de


declínio cognitivo. É por isso que quando vemos um centenário tendemos a
observar o quão “ligado” ou “alerta” ele é, se consegue vestir as próprias
calças ou mexer o próprio café. Não estou fazendo discriminação de idade
(também estou chegando lá!), simplesmente observando que todos temos
consciência de que algum declínio em certas habilidades cognitivas é parte
natural do envelhecimento. O declínio cognitivo normal é previsto por
alguns fatores, incluindo genética, tabagismo, falta de exercícios e baixo teor
de vitaminas B-12. No entanto, os efeitos desses preditores geralmente são
muito pequenos, então não tenho certeza se já devo apelar para as B-12. [
À
359 ] À medida que envelhecemos, tendemos a perder um pouco de tempo
de reação, formação de novas lembranças, velocidade de processamento e
aprendizado de novidades, mas, ei, em troca recebemos sabedoria.
Considerando que isso nos deixa mais atentos ao que estamos perdendo em
todas as outras esferas, não parece exatamente uma troca justa, mas assim
são as coisas. Um centenário, ao ser questionado sobre os benefícios da
idade avançada, respondeu: “Muito menos pressão dos pares”, o que é não
apenas sábio, mas talvez uma das observações mais engraçadas de todos os
tempos. [ 360 ]
Demência diz respeito a declínios cognitivos atípicos para a idade da
pessoa. Podem resultar de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer ou
Parkinson, ou danos mais agudos, como derrames. Algumas infecções
podem causar demência: sífilis não tratada pode causar demência, assim
como o HIV. Os príons, pequenas proteínas errantes que fazem cópias de si
mesmas e no processo destroem o tecido cerebral, são responsáveis pela
demência causada pela doença de Creutzfeldt-Jakob. Na maioria dos casos
isso é herdado geneticamente, mas pode ser transmitido pelo contato com
tecido cerebral ou espinhal (incluindo de outros animais, como a doença da
vaca louca ou a doença debilitante crônica, também chamada de doença do
“cervo zumbi”). Uma variante particularmente cruel, a insônia familiar fatal,
ataca sobretudo a região do tálamo do cérebro responsável pelo sono. Como
o nome sugere, essas pobres almas perdem a capacidade de dormir — nem
mesmo sedativos ajudam — e morrem de exaustão dentro de alguns meses
ou no máximo anos. Felizmente isso é raro, parecendo mais comum em
famílias italianas (boas notícias se você não for italiano, não tão boas se for).
A demência também pode ser causada por lesões repetidas no cérebro. A
encefalopatia traumática crônica (uma forma elegante de dizer muitas
pancadas na cabeça) é comum em esportes de alto impacto, como boxe e
futebol americano. [ 361 ] E certamente o abuso crônico de substâncias como
o álcool pode causar variações de demência, como a síndrome de Wernicke-
Korsakoff.
As demências, particularmente aquelas provocadas por doenças
neurodegenerativas ou acidente vascular cerebral, são mais comuns na
velhice. No entanto, as formas mais raras de demência podem ocorrer em
qualquer idade, incluindo a infância. A leucodistrofia, que danifica o
revestimento de mielina ao redor dos axônios dos neurônios, pode surgir na
infância.
Em muitos casos, a demência pode se desenvolver lentamente, tornando-
se óbvia apenas depois que os sintomas atingem um estágio avançado. Isso
significa que, quando ocorre em um líder mundial, a demência pode
começar a se estabelecer, potencialmente influenciando decisões políticas,
antes que o diagnóstico seja claro. A possibilidade de que a demência tenha
influenciado o curso da história foi levantada algumas vezes. Mas primeiro
vamos estudar se um caso de degeneração neurológica pode ter influenciado
a arte.

De orelhada
Sim, estamos prestes a discutir Vincent van Gogh. Van Gogh é famoso por
duas coisas: em primeiro lugar, por ser um dos pintores mais talentosos do
final do século XIX e, em segundo, por cortar parte de sua orelha e dá-la a
uma prostituta de quem gostava. É difícil dizer por qual das duas ele se
destaca.
A curta vida de Van Gogh (ele morreu com cerca de 37 anos) foi marcada
por dor e caos extraordinários. Começou a vida como uma criança rebelde,
depois do que as coisas só pioraram. Nunca tendo sido muito bem-sucedido
com as mulheres (acontece que as meninas não gostam de orelhas como
presentes), ele costumava ficar sozinho, isolado e desanimado. Sobreviveu
principalmente graças à boa vontade do irmão Theo, que sempre acreditou
no incrível talento de Vincent, mesmo que às vezes fosse difícil lidar com
ele.
A questão de Van Gogh não era, estritamente falando, demência no
sentido mais puro (veremos alguns exemplos disso mais adiante neste
capítulo). Mas seus problemas diziam respeito a uma ampla sobreposição de
doença mental tradicional e distúrbio neurológico exacerbado pelo abuso do
poderoso, mas popular, absinto. Assim, vale a pena estudar aqui seu declínio
neurológico e psiquiátrico.
Em primeiro lugar, é importante destacar que Van Gogh era um
indivíduo com muitas qualidades. Obviamente, era um artista
excepcionalmente habilidoso. Sustentou uma afinidade emocional com o
irmão, apesar da relação às vezes turbulenta. E manteve consciência e um
À
profundo anseio emocional e espiritual ao longo da vida. À medida que
investigamos o lado sombrio de Van Gogh, é importante lembrar que ele era
um indivíduo complexo e multifacetado. [ 362 ]
Dito isso, a vida de Van Gogh foi envolta em considerável escuridão. Ele
se apaixonou várias vezes por mulheres que tinham pouco interesse nele, e
as rejeições o lançavam no abismo. Compreensivelmente, teve melhor sorte
com as prostitutas, embora isso fosse um escândalo para sua família. Ele
costumava ser negligente com a própria higiene pessoal, tinha acessos de
raiva, mergulhava em depressões profundas e experimentava delírios
paranoicos e alucinações aterrorizantes.
Também tinha convulsões, particularmente as chamadas convulsões
parciais complexas, que tendem a resultar de lesões localizadas no cérebro.
Elas, em geral, não causam a perda total de consciência e os espasmos
musculares violentos vistos nas convulsões clônico-tônicas mais dramáticas.
Em vez disso, os indivíduos com crises parciais complexas podem parecer
desorientados ou inconscientes de seu ambiente, ter comportamentos
estranhos ou despropositados, apresentar sintomas psicóticos e não ter
consciência ou lembrança do que ocorre durante a crise.
No caso de Van Gogh, os sintomas de epilepsia eram agravados pelo
consumo regular de absinto, uma bebida alcoólica europeia popular e há
muito suspeita de causar convulsões. Recentemente, essa crença foi
contestada em estudos científicos. [ 363 ] No entanto, deixando de lado a
singularidade do absinto, o grande volume de álcool ingerido por Van Gogh
quase certamente contribuiu para seu declínio neurológico. Suas cartas
sugerem que os episódios de convulsões e transtornos de humor estavam
associados a períodos de maior consumo de absinto. Ou, dito de outra
forma, o consumo excessivo de álcool sem dúvida piorou uma situação
neurológica delicada.
Apesar de seu talento, Van Gogh não foi um sucesso em vida.
Estabelecendo um modelo para artistas trágicos posteriores, sua arte só ficou
famosa após sua morte. [ 364 ] O incidente mais famoso da vida de Van
Gogh ocorreu durante um delírio significativo. Van Gogh morava com o
pintor Paul Gauguin e, previsivelmente, os dois tiveram uma violenta
desavença. Quando Gauguin saiu de casa certa noite, Van Gogh o seguiu de
modo ameaçador com uma navalha aberta. Após ser mandado embora, Van
Gogh foi para casa e cortou parte do lóbulo da orelha esquerda, que então
deu de presente à sua prostituta favorita, uma mulher presumivelmente
assustada chamada Rachel. Na manhã seguinte, ele foi levado ao hospital,
onde afirmou não ter nenhuma lembrança do incidente.

Vincent van Gogh, autorretrato com orelha enfaixada.

A essa altura, ele estava em sua espiral descendente final. Passou um


tempo em um asilo, o que parece não ter ajudado muito. Em julho de 1890,
Van Gogh deu um tiro no peito, morrendo dois dias depois. Seu irmão
solidário morreu seis meses depois, de causas naturais, e foi a viúva do irmão
quem preservou a maioria das pinturas de Van Gogh.
O que poderia ter acontecido a Van Gogh caso os médicos conseguissem
salvá-lo de sua tentativa de suicídio? Naturalmente, podemos apenas
especular, mas com uma base bastante sólida. Em primeiro lugar,
precisamos deixar claro que Van Gogh não estava necessariamente
condenado. Se fosse capaz de reduzir de modo significativo o consumo de
álcool, é perfeitamente possível que tivesse desacelerado ou mesmo
interrompido a decadência neurológica e psiquiátrica. O consumo de
absinto parece ter piorado tanto convulsões quanto psicose.
Infelizmente, a reincidência entre aqueles com problemas com álcool é
bastante alta. Em particular, dada a natureza aguda dos problemas de Van
Gogh e a falta de tratamentos empiricamente comprovados na época, temo
que o prognóstico nunca teria sido bom. No momento de sua morte, é
provável que seu cérebro já tivesse sofrido danos significativos. Mesmo se
evitasse o suicídio, continuar bebendo muito danificaria seu cérebro, levando
ao agravamento dos sintomas de demência, uma condição chamada de
síndrome de Wernicke-Korsakoff. [ 365 ] Os sintomas típicos incluem perda
de memória, dificuldade de formar novas lembranças (amnésia anterógrada)
e marcha desajeitada e cambaleante. Tal condição não teria ajudado seus
problemas psiquiátricos preexistentes, nem seu distúrbio convulsivo.
Simplificando, a menos que Van Gogh mudasse seu estilo de vida
consideravelmente, já era um homem a caminho da demência induzida pelo
álcool na época do suicídio.

Como a Primeira Guerra Mundial foi perdida


A demência nem sempre vem lenta e previsivelmente, como acontece com
o alcoolismo crônico. Às vezes a demência pode se assentar como uma
bigorna. Isso pode ocorrer com uma ampla variedade de danos súbitos ao
cérebro, embora aquele de que a maioria das pessoas tenha medo seja um
acidente vascular cerebral (AVC), ou derrame. O AVC pode acontecer em
qualquer idade. Uma das histórias mais famosas e inspiradoras é a de Sarah
Scott, uma mulher de 18 anos que teve um derrame enquanto lia em voz
alta em uma aula de inglês. Ela perdeu de repente a capacidade de falar ou
mover o lado direito do corpo. Felizmente, foi levada às pressas para o
hospital e sua vida foi salva. Mesmo assim, o derrame a deixou com afasia,
uma condição que dificulta falar, ler, escrever, fazer contas, lidar com
dinheiro e assim por diante. Desde então, Scott lançou uma série de vídeos
no YouTube documentando sua recuperação e aumentando
consideravelmente a consciência sobre a importância da prevenção do
derrame.
No entanto, os derrames são muito mais comuns entre adultos mais
velhos. Entre os fatores de risco estão hipertensão, tabagismo (que é um
fator de risco para quase tudo), colesterol alto, obesidade e diabetes. Um dos
mais famosos derrames da história ocorreu em 1919, em grande medida
destruindo a capacidade funcional de Woodrow Wilson como presidente
dos Estados Unidos.
A maioria das repúblicas representativas reconhece a necessidade de
algum tipo de chefe de Estado executivo, e normalmente os elege para
mandatos fixos. A República Romana elegia cônsules para mandatos de um
ano, mas a maioria das repúblicas usa mandatos mais longos de, digamos,
quatro ou seis anos. Esse período de rotatividade permite aos cidadãos com
direito a voto avaliar o desempenho de seu executivo e eleger um novo, caso
não estejam satisfeitos. O truque é: se os executivos são eleitos para
mandatos fixos, o que fazemos quando o executivo implode no meio de um
mandato? Curiosamente, nem todas as repúblicas parecem ter previsto essa
possibilidade e incluído um mecanismo facilitando a substituição de um
executivo debilitado, mas não morto.
Woodrow Wilson costuma ser considerado um presidente competente
dos Estados Unidos, embora sua aprovação pela história tenda a variar um
pouco. Os elogios são sobretudo por administrar com eficácia a economia
norte-americana durante seu mandato, mantendo o país fora da Primeira
Guerra Mundial até que fosse absolutamente necessário, [ 366 ] e por uma
proposta sensata para a paz após a guerra que, previsivelmente, ninguém
escutou. Por outro lado, ele não conseguiu que os Estados Unidos
ratificassem a Liga das Nações, embora o conceito fosse em grande parte
ideia sua, e é igualmente criticado como um defensor da segregação racial. [
367 ] Também é bastante lembrado pela infelicidade de sofrer um derrame
durante seus últimos anos no cargo, permanecendo como presidente
enquanto a esposa secretamente tomava muitas das decisões sobre como
governar o país.
Comparada com alguns dos personagens exuberantes deste livro, a
história de Wilson é bastante sem graça. Ele decerto não era louco. Bem, a
menos que você considere os acadêmicos intrinsecamente loucos, e neste
caso talvez não esteja muito longe da verdade. Wilson era descendente de
pais escoceses e irlandeses, o pai era ministro e teólogo presbiteriano.
Wilson nasceu no Sul, mas sua família não tinha raízes particularmente
fortes ali, então ele foi capaz de superar algumas das divisões regionais
norte/sul da época. Entrou para a faculdade de direito, mas não demonstrou
grande interesse. Acabou obtendo um Ph.D. em ciência política e passou a
maior parte da vida na academia, discutindo por causa de alguns centavos a
mais no orçamento do departamento e sobre pontos obscuros de ciência
política abstrata. Foi extremamente bem-sucedido nisso, e se tornou uma
estrela acadêmica em ascensão. Em 1902, Princeton fez dele seu presidente.
Naquela época, as pessoas realmente davam atenção aos presidentes de
faculdades da Ivy League, o que aumentou significativamente a estatura de
Wilson. [ 368 ]
Oito anos depois, em um primeiro passo rumo à presidência, Wilson foi
eleito governador de Nova Jersey. Não inclinado a se contentar com isso,
Wilson concorreu à presidência dos Estados Unidos apenas dois anos mais
tarde, em 1912. Havia conquistado uma reputação de progressista contra a
corrupção, contra os trustes e defensor da justiça social (o que, naqueles
dias, significava principalmente defender os brancos mais pobres ou de
classe média). Wilson se beneficiou de uma eleição com quatro
concorrentes. Os republicanos ficaram divididos entre o indicado oficial e
então presidente William Howard Taft, [ 369 ] e o ex-presidente Teddy
Roosevelt, que decidira buscar a presidência mais uma vez. Considerando
Taft um sujeito tedioso, Roosevelt imaginou que só ele poderia salvar o
Partido Republicano de si mesmo e, irritado por não ter conseguido a
indicação, concorreu de qualquer maneira pelo Partido Progressista,
conhecido como Bull Moose. Olhando em retrospecto, não acredito que
mais pessoas não tenham votado nele apenas por causa do nome do partido,
“Alce macho”. Wilson também enfrentou um adversário no seu campo, o
socialista (sim, eles também os tinham) Eugene Debs, [ 370 ] mas Debs não
causou tantos danos a Wilson quanto Roosevelt causou a Taft. Roosevelt na
verdade superou Taft, em um dos resultados mais impressionantes para um
candidato independente na história dos Estados Unidos. Mas não o
suficiente para vencer Wilson, que se tornou presidente em 1913.
Para começar, vamos reconhecer que Wilson merece a maldição eterna
por ter revivido o discurso sobre o Estado da União, impedindo por décadas
o surgimento de programas de televisão em rede muito melhores. [ 371 ] Não
exigido formalmente pela Constituição, que só obriga o presidente a
apresentar relatórios de tempos em tempos ao Congresso, o discurso sobre o
Estado da União se transformou em uma estranha disputa de demagogia
ressentida entre o presidente e seus [ 372 ] adversários no Congresso.
Descontando isso, Wilson começou bem sua presidência, desafiando os
trustes empresariais, reduzindo tarifas e criando o imposto de renda federal
(certo, talvez isso não seja tão popular), a Federal Trade Commission e o
Federal Reserve. Todo esse aspecto econômico é um pouco enfadonho,
admito, mas, resumindo, ele fez a economia norte-americana funcionar
melhor na época. [ 373 ]
Economia, blá, blá, blá… O que realmente se destacou durante a
presidência de Wilson foi a Primeira Guerra Mundial. Bibliotecas inteiras
foram dedicadas ao que causou a guerra, de quem foi a culpa e se ela
inevitavelmente levou à Segunda Guerra Mundial. Resumindo em poucas
linhas, as grandes potências da Europa estavam presas em uma disputa de
poder paranoica, e estabeleceram duas alianças complexas para tentar
manter a paz. As pessoas provavelmente não queriam guerra, mas bastou
um fósforo aceso, uma sequência de mal-entendidos e decisões idiotas para
que ela começasse. O assassinato do arquiduque austríaco Francisco
Ferdinando em 1914 por terroristas sérvios, provavelmente ajudados por
elementos do governo sérvio, deu a partida. Mesmo após o assassinato,
ninguém pensou que aquilo realmente levaria a uma guerra global, até que as
exigências austríacas de indenização se mostrassem irracionais e ninguém
pudesse mais recuar do confronto. A Alemanha estimulou sua aliada
Áustria, embora a própria Alemanha não estivesse inteiramente decidida a
guerrear, mas os mecanismos de alianças foram acionados e logo a maior
parte da Europa, a Turquia otomana e as possessões coloniais entraram em
guerra aberta. Pode parecer uma situação em que ninguém tem culpa — e,
claro, a Primeira Guerra Mundial não tem um vilão óbvio como Hitler —,
mas a Alemanha costuma ser mais responsabilizada por ter decidido invadir
brutalmente a neutra Bélgica em seu caminho para a França. [ 374 ]
Os Estados Unidos não tinham nenhum interesse na luta, então Wilson
procurou manter o país fora disso. Considerando o moedor de carne em que
o conflito se transformou, com oito milhões e meio de soldados mortos em
quatro anos, [ 375 ] é difícil argumentar contra essa decisão. Os dois lados
dificultaram as coisas para Wilson. Os britânicos estabeleceram um
bloqueio à Alemanha, interceptando navios e confiscando bens que
rumavam para o país. Verdade que eles geralmente eram bastante elegantes
e corretos quanto a isso, até mesmo pagando pelos bens confiscados. Em
contraste, os alemães torpedearam navios, inevitavelmente enviando alguns
norte-americanos para o fundo do mar. Para ser justo, os alemães careciam
de opções. Embora tivessem buscado desenvolver uma frota de superfície à
altura daquela dos britânicos, [ 376 ] ainda não haviam conseguido quando
do início da guerra em 1914, e precisaram contar com U-boats para bloquear
os britânicos. Os submarinos da época eram bastante lentos e frágeis, de
modo que se tivessem emergido cavalheirescamente para avisar aos navios
que estavam prestes a ser torpedeados, seus alvos poderiam navegar para
longe ou explodi-los em pedacinhos com os canhões de convés. No entanto,
as sutilezas das limitações dos U-boats não foram compreendidas pelos civis
norte-americanos enquanto afundavam no mar.
Os Estados Unidos também tinham lealdades divididas. Os laços sociais e
políticos com o Reino Unido eram significativos, e o Reino Unido e a
França eram, em sua forma, os dois governos mais próximos da república
norte-americana. A maioria dos estadunidenses não estava excessivamente
entusiasmada em proteger qualquer uma das monarquias das Potências
Centrais (Alemanha, Áustria e Turquia, principalmente), nem os aliados
russos de britânicos e franceses, por falar nisso. Mas os Estados Unidos
apresentavam uma significativa população de imigrantes alemães, bem como
um bom número de irlandeses que não tinham muita simpatia pelo Reino
Unido. [ 377 ]
A Alemanha acabou tornando difícil para os Estados Unidos ficarem de
fora. A guerra submarina irrestrita afundando navios com norte-americanos
foi em parte responsável por isso. Outra foi o Telegrama Zimmerman, uma
tentativa desajeitada de fazer o México entrar na guerra ao lado das
Potências Centrais. Na época, o México tinha caos interno o suficiente para
evitar enfrentar o grande país ao norte, mas a Alemanha esperava que ele
pudesse ser tentado a recuperar parte dos estados perdidos para os Estados
Unidos na Guerra Mexicano-Americana. [ 378 ] Se o México tivesse sido
tolo o bastante para se deixar massacrar em uma guerra na América do
Norte, isso manteria o exército estadunidense de mãos atadas por um bom
tempo. O México, descobriu-se, não era tão tolo, mas quando a carta
chegou às mãos do governo dos Estados Unidos foi demais até para Wilson
suportar. Em abril de 1917, Wilson pediu ao Congresso que declarasse
guerra à Alemanha, embora as forças norte-americanas não fossem chegar
ao continente em grande número antes de 1918.
O problema da Primeira Guerra Mundial é que a Alemanha ainda assim
quase venceu; 1917 foi um bom ano para a Alemanha; a essa altura, ela
havia tirado da guerra três potências aliadas — Rússia, Romênia e Sérvia.
Seus aliados austríacos e os italianos [ 379 ] estavam chegando a um impasse.
Isso deixava a Alemanha para enfrentar França e Reino Unido, mas a
França já estava cambaleando, seus exércitos tendo se amotinado uma vez
em 1916. Uma ofensiva alemã na primavera de 1918 tentou destruir as
linhas aliadas antes que as tropas norte-americanas chegassem em grande
número, e quase conseguiu. Então as tropas dos Estados Unidos mudaram a
maré na Europa, algo de que nos gabamos sempre que temos oportunidade
(fazer isso novamente em 1941 reforçou). A essa altura, as outras potências
centrais estavam exaustas e capitularam uma após a outra. O exército alemão
nunca foi derrotado solidamente em campo, mas sua população estava
morrendo de fome sob o bloqueio britânico e não tinha esperança real de
derrotar um exército norte-americano descansado. Então foi declarado um
armistício a partir de 11 de novembro de 1918.
Um elemento desagradável ocorrido durante a guerra merece atenção. O
Congresso, com o apoio de Wilson, aprovou a Lei de Sedição e a Lei de
Espionagem de 1918, que restringiram severamente a liberdade de
expressão e manifestação política durante a guerra. Ninguém menos que o
antigo adversário presidencial de Wilson, Eugene Debs, foi preso e
encarcerado com base nessas leis por se opor ao recrutamento para a guerra.
Certamente não foi a primeira vez que um presidente desempenhou um
papel na suspensão de proteções constitucionais durante um conflito —
tanto Adams quanto Lincoln o fizeram. Mas, juntamente com suas políticas
segregacionistas, esse ataque à liberdade de expressão e ao debate é um dos
elementos mais sombrios da presidência de Wilson.
Wilson tinha uma proposta de reconciliação e reconstrução no pós-guerra
com a qual praticamente ninguém concordou. Mesmo assim, seus instintos
são considerados muito bons, sobretudo quando vistos retrospectivamente.
Wilson de fato queria a criação de uma Liga das Nações para evitar a
eclosão de futuras guerras semelhantes. Também adotou uma postura mais
generosa em relação às potências centrais que a das principais nações aliadas.
Em última análise, nenhuma proposta funcionou. As potências aliadas,
principalmente Grã-Bretanha e França, queriam receber reparações da
Alemanha e dividir entre elas os territórios coloniais das antigas potências
centrais. O Japão tomou parte das ilhas do Pacífico pertencentes à
Alemanha, bem como antigos interesses alemães na China. A Itália estava
de olho em áreas do antigo Império Austro-Húngaro, mas foi frustrada em
suas ambições por outras grandes potências, apesar das promessas
anteriores.
De olho em sua Liga das Nações, Wilson mostrou-se relutantemente
disposto a fazer concessões em algumas dessas aquisições territoriais. Mas
nisso ele foi derrotado internamente. O sentimento isolacionista, assim
como a política partidária, em última análise condenaram a Liga das Nações
nos Estados Unidos. Embora fosse uma ideia norte-americana, o país nunca
aderiu a ela.
Eu disse antes que Wilson era um sujeito bastante comum em muitos
aspectos. Mas sua presidência certamente foi tudo, menos comum. E então
começou um de seus capítulos mais marcantes. Ao longo dos anos, Wilson
teve alguns problemas de saúde, mesmo antes de assumir a presidência. A
hipertensão era um problema de longa data para ele, que talvez tenha
sofrido alguns pequenos derrames a partir de 1896. Em abril de 1919, ainda
na Conferência de Paz de Paris, ele teve outro derrame, que o deixou muito
tempo em um estado confuso, arrumando e reorganizando os móveis de seu
apartamento. Mas ele se recuperou rapidamente e continuou com a
conferência. Ao retornar aos Estados Unidos, enfrentou uma difícil batalha
para ratificar a Liga das Nações no Congresso. E então tropeçou, tornando-
se teimoso ao se recusar a negociar com os republicanos no Senado para
obter seu apoio. Em vez disso, para pressioná-los e conquistar apoio
popular, iniciou uma exaustiva excursão pelo oeste dos Estados Unidos para
apresentar seu caso diretamente aos eleitores.

Woodrow e Edith Wilson, que pode efetivamente ter atuado como presidente não reconhecida dos Estados
Unidos durante algum tempo.

Durante essa viagem, no final de setembro ou início de outubro de 1919,


ele sofreu um forte derrame. Teve paralisia e dificuldades de fala e cognição.
De modo fascinante, um pequeno grupo ao redor do presidente, que incluía
a esposa Edith, seu secretário particular e seu médico, escondeu os detalhes
da incapacidade de Wilson por cerca de 17 meses, até quase o final de sua
presidência. Sua esposa Edith atuou como intermediária entre o presidente
e o mundo exterior. Embora tenha negado isso, é amplamente considerado
que ela tomou decisões políticas substantivas em nome dele durante esse
tempo. [ 380 ] Privada de seu principal defensor, a Liga das Nações morreu
no Senado norte-americano. Sem ela, os Estados Unidos recuaram de uma
liderança moral no mundo pós-guerra, permanecendo isolacionistas até a
Segunda Guerra Mundial. Wilson sobreviveu alguns anos mais após deixar
a presidência em 1921, passando-a para Warren Harding, que deu início a
um período de 12 anos de governos republicanos na Casa Branca. Wilson
morreu em 1924.
A pergunta tentadora é: como poderia ser o mundo se Wilson não tivesse
sofrido um derrame em 1919? O fracasso dos Estados Unidos em integrar a
Liga das Nações em grande medida condenou essa empreitada à
irrelevância, em especial porque, para começar, havia sido ideia norte-
americana. Um Wilson mentalmente mais vigoroso poderia ter chegado a
um acordo com seus adversários republicanos ou conseguido apoio popular
para que o Senado ratificasse a Liga. Não é inconcebível que um Wilson
saudável pudesse ter concorrido a um terceiro mandato, [ 381 ] levando sua
liderança ao mundo do pós-guerra. Wilson poderia ter guiado o mundo em
direção a um século XX mais próspero e generoso, que nunca teria visto a
Segunda Guerra Mundial? Sem sua saúde neurológica em declínio, ele
talvez conseguisse até mesmo manter os aliados na linha durante a
Conferência de Paz de Paris, reduzindo o tratamento severo imposto à
Alemanha. Ou talvez isso seja pedir demais a ele, mesmo em um dia bom.
O que podemos ter certeza é que seu derrame o eliminou como uma força
influente no momento em que a Liga das Nações mais precisava. Sem ele,
ela estava fadada ao fracasso.
Os Estados Unidos nunca farão concessões a terroristas —
exceto talvez às vezes
Eu cresci, saindo da infância e entrando na adolescência, na década de
1980, o que significa que ainda gosto de Duran Duran, Atari 2600 e
Caçadores da arca perdida. Também significa que me tornei politicamente
consciente durante a presidência de Ronald Reagan, com sua linha divisória
clara entre o bem e o mal (os russos eram maus, lamento) e um holocausto
nuclear aparentemente iminente. É divertido relembrar aqueles dias,
quando ver pais fumando maconha em seu quarto em Poltergeist era um
bom entretenimento censura livre e jogar jogos de guerra com um
supercomputador de segurança nacional usando um modem discado parecia
o auge da tecnologia (referências cinematográficas, caso não tenha
entendido). Mas Reagan era grande durante aqueles anos, e ainda me
lembro de sua genialidade como político, ao mesmo tempo afável e firme.
Ele é um daqueles exemplos de situações em que a história não precisa de
um louco, mas de um líder determinado e confiante, e foi exatamente isso
que os Estados Unidos tiveram com Reagan. Em grande medida.
Reagan nasceu e foi criado em Illinois, filho de Jack e Nelle Reagan. Nelle
foi uma influência estável e positiva em sua família. Altamente religiosa, ela
encenava peças com lições de moral para as quais escalava o jovem Ronald,
possivelmente despertando seu interesse inicial pela atuação. Por outro lado,
o relacionamento com o pai era mais difícil. Jack Reagan tinha problemas
com o álcool. Certa vez, Ronald voltou para casa e o encontrou desmaiado
na varanda da frente, e em outra ocasião Jack entrou cambaleando em casa,
tendo deixado o carro da família ligado na rua com a porta aberta. [ 382 ]
Alguns pesquisadores sugeriram que ter crescido com um pai alcoólatra
explicava algumas das fraquezas de Reagan como presidente, em particular
seu estilo indiferente e desinteressado, e a lealdade teimosa aos
subordinados, mesmo quando eles o decepcionavam. [ 383 ]
A vida de Reagan foi, sem dúvida, fascinante. Primeiramente ator de
rádio, depois astro de cinema, em seguida governador da Califórnia e, por
fim, presidente dos Estados Unidos. Não é de se menosprezar, é preciso
admitir. Casou-se duas vezes e teve cinco filhos, um dos quais morreu ainda
criança. Não vou me aprofundar na vida doméstica da família Reagan,
exceto para dizer que, pelo menos, uma filha parece não ter sido
demasiadamente feliz com ela. [ 384 ]
A maioria das pessoas concorda que a presidência de Reagan foi uma das
mais influentes do século XX. Dando o crédito a quem merece, Reagan
restaurou a confiança dos Estados Unidos e sua reputação mundial.
Notadamente, é dele o crédito de ter desempenhado um papel significativo
no fim da Guerra Fria com a União Soviética ao acelerar a corrida
armamentista até um ponto em que a URSS entrou em colapso econômico.
Por outro lado, alguns criticam suas políticas econômicas e seu
distanciamento da questão do bem-estar social. Reagan sobreviveu a uma
tentativa de assassinato em 1981 por John Hinkley Jr., um louco de verdade
nesta história. Ao que parece, Hinkley acreditava que atirar em Reagan
impressionaria a atriz Jodie Foster o suficiente para levar a um
relacionamento romântico. [ 385 ] Reagan sobreviveu aos ferimentos, embora
seu secretário de imprensa James Brady tenha ficado gravemente ferido e
morrido dos ferimentos 33 anos depois.
No entanto, o episódio que mais nos interessa é o caso Irã-Contras. Sem
entrar em muitos detalhes, vamos tentar apresentar os principais
personagens dessa bagunça confusa. Na década de 1980, o Irã havia se
tornado um regime islâmico fanático hostil aos Estados Unidos. E tinha
influência significativa sobre grupos terroristas no Oriente Médio, alguns
dos quais haviam sequestrado cidadãos norte-americanos. Reagan recebeu o
crédito pela libertação dos reféns norte-americanos mantidos pelo Irã assim
que foi empossado, embora pareça mais provável que os iranianos tenham
planejado isso para irritar o presidente que saía, Jimmy Carter, em vez de
por algum medo de Reagan. Certo, então Irã, ruim. Definimos isso.
Os Contras são algo um pouco mais complicado. Durante a Guerra Fria,
tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética financiaram pequenas
guerras à distância, às vezes usando grupos rebeldes para derrubar regimes
simpáticos ao outro lado. Uma delas acontecia na Nicarágua, onde um
regime comunista amigo da União Soviética estava sendo combatido por
rebeldes contrarrevolucionários apoiados financeiramente pelos Estados
Unidos, em particular por intermédio da Agência Central de Inteligência.
Tudo isso parecia razoável até que o Congresso percebeu que os Contras
eram sobretudo um bando de bandidos brutais, mas ineficazes, e decidiu
cortar o financiamento em 1985.
Então, de volta ao Irã: bando de cretinos malucos, certo? Mas, para ser
justo, os Estados Unidos passaram anos apoiando uma monarquia pró-
Estados Unidos, a do xá, que era incompetente e corrupto. Quando o xá foi
derrubado pela República Islâmica em 1979, o Irã herdou muitos sistemas
de armas de fabricação norte-americana, especialmente aviões, vendidos ao
Irã pelos Estados Unidos sob o xá. O Irã logo se viu metido em uma grande
guerra com seu vizinho Iraque e precisava de peças de reposição. Portanto,
apesar de toda a conversa de “morte aos Estados Unidos”, havia um
mercado para produtos estadunidenses lá. Os Estados Unidos pressionaram
outros governos a não vender peças de reposição aos iranianos — depois do
que eles prontamente começaram a fazer exatamente isso. Também
venderam ao Irã mísseis e outros equipamentos. Os recursos levantados com
essas vendas foram então canalizados secretamente para os Contras, cujo
financiamento, devemos lembrar, o Congresso acabara de cortar. Mais tarde,
as autoridades tentariam explicar tudo isso como um esforço para ajudar a
libertar as vítimas norte-americanas de sequestro no Oriente Médio, mas a
explicação não foi aceita pelos investigadores do Congresso. [ 386 ] Não
ajudou muito o fato de que anteriormente Reagan fizera pronunciamentos
ousados de que não haveria negociações com terroristas. Nas investigações
subsequentes, ele pareceu ter pouca compreensão de, pelo menos, alguns dos
detalhes do caso Irã-Contras, alimentando especulações de que sintomas
iniciais de demência desempenharam um papel na perda de controle por ele
do próprio governo.
Então, basicamente, os Estados Unidos jogaram fora muito de sua
credibilidade em troca de um péssimo negócio. As trapalhadas não ajudaram
muito a situação dos reféns norte-americanos no Oriente Médio. Quanto
aos Contras, eles seguiram em frente e a Nicarágua finalmente começou a
realizar eleições livres, o que com certeza é uma vitória. O Irã saiu do acordo
com suprimentos para seus militares, e os Estados Unidos ficaram
segurando o pincel. Podemos discutir se ter eleições livres na Nicarágua
compensou o golpe no prestígio norte-americano, isso supondo que o
financiamento Irã-Contras foi fundamental para isso. A questão mais
interessante é quanto controle Reagan teve sobre todo esse fiasco.
Um dos pontos mais controversos sobre todo o caso Irã-Contras não é
Ronald Reagan comandar um esquema ilegal para financiar os Contras com
a venda de armas ao Irã, mas a noção de que, àquela altura do mandato, ele
não tinha mais as faculdades mentais para compreender plenamente o que
seu governo estava fazendo. [ 387 ] A especulação é que Reagan já estava
passando pelos estágios iniciais de demência e acabou perdendo o controle
do governo.
Em 1994, seis anos após ele deixar a Casa Branca, houve o anúncio de
que Reagan havia sido diagnosticado com mal de Alzheimer, uma doença
neurodegenerativa progressiva que começa com perda de memória e leva a
uma perda completa das faculdades mentais e morte. Na maioria dos casos,
o mal de Alzheimer é hereditário. Sua causa exata é de certo modo
indefinida, geralmente envolvendo o acúmulo de proteínas no cérebro,
resultando na morte dos neurônios. O cérebro de pessoas com mal de
Alzheimer diminui visivelmente de tamanho à medida que as células
morrem. Normalmente, a morte se dá cerca de uma década após o
diagnóstico (Reagan morreu em 2004). No entanto, a data do diagnóstico,
em geral, não indica o início real da doença. Normalmente, o Alzheimer
pode se desenvolver lentamente durante anos antes que os sintomas se
tornem agudos o suficiente para permitir um diagnóstico. [ 388 ] Portanto, é
inteiramente possível que Reagan estivesse apresentando sintomas pré-
clínicos de Alzheimer mesmo uma década antes de seu diagnóstico.
Isso, previsivelmente, tem sido motivo de controvérsia e especulação
consideráveis. Muitos, e não sem razão, consideram injusta a questão da
saúde mental de Reagan durante seu governo. [ 389 ] E os médicos que o
conheceram na presidência declaram não ter visto sinais evidentes do mal de
Alzheimer na época. [ 390 ] Então, mais uma vez, sem uma varinha mágica
para detectar Alzheimer, é inteiramente possível que não tenham notado.
Não há exame de sangue ou outro teste para Alzheimer, e os primeiros
sintomas podem facilmente ser desconsiderados ou descartados como
envelhecimento normal ou esquecimento. Mesmo mais tarde, o Alzheimer é
diagnosticado em grande medida por processo de eliminação; somente o
exame de amostras do cérebro na autópsia pode fornecer um diagnóstico
definitivo.
A questão dos possíveis sintomas iniciais de Reagan durante o mandato
dividiu até mesmo a família, com um filho alegando ter visto sinais de
demência durante o segundo mandato de Reagan, embora outros
discordem. [ 391 ] Reagan certamente apresentou, pelo menos, sinais
eventuais de confusão ou perda de memória durante seu segundo mandato,
sobretudo durante os debates presidenciais de 1984 contra Walter Mondale.
Mais recentemente, uma análise do discurso de Reagan enquanto no cargo
forneceu algumas evidências de marcadores precoces do mal de Alzheimer. [
392 ] Não são provas definitivas, mas dão peso ao argumento pró-Alzheimer.
Talvez nunca tenhamos certeza, mas se você quiser um palpite sólido, eu
suspeito que, sim, Reagan provavelmente estava apresentando alguns
sintomas pré-clínicos de Alzheimer durante o mandato.
Ronald Reagan. Fonte: National Archives and Records Administration.
Suspeito que grande parte da controvérsia se deva à falsa impressão de que
a demência é uma condição binária. Em outras palavras, as pessoas podem
sentir que mesmo um indício precoce do mal de Alzheimer torna alguém
uma espécie de “não pessoa” incapaz de qualquer pensamento racional. Os
estágios finais do mal de Alzheimer são realmente trágicos, mas pacientes
com a doença podem ter uma vida plena e produtiva durante anos após o
diagnóstico, sem falar no período pré-diagnóstico. Não é impossível pensar
que, particularmente em um dos trabalhos mais estressantes imagináveis,
sintomas iniciais de Alzheimer possam ter aumentado a probabilidade de
Reagan cometer alguns erros. Mas isso não macula seu legado como
presidente. Muitos presidentes tiveram problemas médicos e neurológicos
tão ruins ou piores do que o Alzheimer inicial. E, deixando de lado Irã-
Contras, a presidência de Reagan continua sendo uma das mais importantes
do século XX, provavelmente a mais importante do final do século XX. Se
conseguirmos remover o estigma da demência do legado da presidência de
Reagan, pode ser mais fácil avaliarmos a possível presença dos primeiros
sintomas de Alzheimer em Reagan no final dos anos 1980 e, assim,
compreender melhor marcadores iniciais do mal de Alzheimer que, de outra
forma, podem passar despercebidos.

Algumas considerações finais


Analisar o papel da demência na história é difícil, dado que uma
compreensão científica da demência só surgiu de fato no século XX, e que a
demência agrupa uma série de fenômenos com sintomas e causas variados. [
393 ] Para ser justo, estudiosos ao longo da história reconheceram que a
demência era algo, mas muitas vezes não sabiam como explicá-la. [ 394 ]
Infelizmente, ela ainda carrega um estigma considerável e um potencial para
preconceito de idade, o que torna a análise de seu papel na história ainda
mais importante.
Como o conceito de demência no passado costumava ser vago e às vezes
confundido com o envelhecimento normal, não temos um registro tão claro
de demência quanto temos dos tipos de transtornos de personalidade e das
doenças mentais agudas que criaram um comportamento cruel ou bizarro
precocemente. Alguns indivíduos, como Jorge III (a quem visitamos no
capítulo 4), tiveram doenças precoces que degeneraram em demência.
Outros, como Henrique VIII (o rei inglês com seis esposas, a maioria das
quais não saiu do matrimônio para melhor), experimentaram mudanças de
comportamento que às vezes são postuladas como demência. No caso de
Henrique, tudo, desde sífilis não tratada até síndrome de McLeod, é
sugerido como causa. [ 395 ] Claro, a maioria das pessoas ao longo da
história simplesmente não viveu o suficiente para que a demência se tornasse
um fator.
Na contagem de horrores que a loucura desencadeou na humanidade, a
demência provavelmente desempenha um papel menor do que os
transtornos de personalidade. Há descrições de imperadores e reis que
parecem dispersos ou desligados em seus últimos anos e, às vezes, de outros
se valendo disso. Mas há poucas evidências de que a demência desencadeou
horrores na escala daquela provocada por personalidades distorcidas como
Hitler, Mao, Stálin ou mesmo Alexandre, o Grande. Como pode ter
acontecido no caso Irã-Contras e mais claramente aconteceu com a Liga das
Nações, a demência pode precipitar uma perda do controle central e o início
da entropia. Talvez a demência cause medo principalmente devido à sua
relativa vulgaridade e à sensação de que paira sobre todos nós. Esse é seu
maior horror. [ 396 ]
CAPÍTULO 9
A LOUCURA COMO UM JOGO POLÍTICO

N
o sul dos Estados Unidos pré-guerra, na década de 1850, os
médicos depararam com uma doença mental peculiar nunca antes
descrita nos manuais médicos. Especificamente, contra toda lógica
e toda razão, e para a perplexidade dos médicos do Sul, alguns escravos
negros estavam jogando fora suas ferramentas e fugindo do trabalho na
esperança de chegar ao Norte não escravista. Dado que — como se pensava
na época — os escravos negros claramente estavam em seu lugar e se
beneficiando da segurança e da orientação de seus senhores brancos, essa
motivação irracional para fugir só poderia ser explicada como doença mental.
Assim, um médico sulista, Samuel Cartwright, publicou detalhes sobre a
condição que chamou de “drapetomania” ou, essencialmente, o desejo
irracional que os escravos sentiam de fugir. [ 397 ]
Tecnicamente, na época o transtorno de fato atendia aos critérios
ostensivos que usamos para julgar quando um comportamento é uma doença
mental. Era desviante, significando que violava as convenções sociais
(brancas) predominantes de comportamento “normal”. O comportamento
envolvia um sinal evidente de angústia. E era mal adaptável, considerando os
riscos significativos que os escravos negros corriam ao adotar esse
comportamento. Cartwright acreditava que os senhores de escravos brancos
muito tolerantes ou muito cruéis provavelmente veriam um aumento na
incidência do comportamento entre seus escravos, e recomendava o chicote
como tratamento. [ 398 ] Os profissionais de medicina do Norte zombaram
do diagnóstico absurdo de Cartwright, e um deles sugeriu sarcasticamente
que também poderia se aplicar a alunos que fugiam das chicotadas do
diretor. [ 399 ] Ainda assim, ele teve algum apelo com os sulistas da época,
para os quais servia como uma narrativa social conveniente.
Retrospectivamente, podemos rir ou nos envergonhar com a drapetomania
como uma noção pseudocientífica obviamente ridícula e racista. Mas ela
também serve como um aviso: o que consideramos loucura muitas vezes é
moldado pela política, pela história e pelas narrativas sociais. A própria
loucura é uma questão política, e politizada. Qual o papel do governo no
tratamento ou acolhimento dos doentes mentais, e como ele equilibra o
devido processo legal com a necessidade evidente de proteger a sociedade dos
loucos perigosos? O modo como definimos e classificamos as doenças
mentais, e nosso sistema para fazer isso (seja o DSM da American
Psychiatric Association ou o ICD da Organização Mundial de Saúde), é
baseado em ciência sólida ou diz mais respeito a narrativas sociais e falácias?
Será que invocar a loucura distrai a sociedade de debates práticos, como o
controle de armas nos Estados Unidos, ou simplesmente isenta pessoas
horríveis de sua responsabilidade pessoal?
No capítulo dois, nós analisamos como a loucura foi tratada ao longo da
história (na maioria das vezes mal) e as polêmicas sobre a confiança moderna
nas intervenções farmacêuticas. Neste capítulo, estudamos a própria política
da loucura. Investigamos diferentes abordagens da loucura pelos governos,
desde o uso de manicômios até o movimento antimanicomial da década de
1960 e suas consequências. Estudamos a interseção entre loucura e crimes
violentos, e como prisões e cadeias se tornaram as principais instâncias de
prestação de serviços de saúde mental. Analisamos o papel da loucura em
fuzilamentos em massa e terrorismo, acontecimentos que causam medo não
apenas nos Estados Unidos (embora tenhamos abundância especialmente
dos primeiros), mas em todo o mundo. Nós nos debruçamos sobre os
sistemas modernos de classificação, como o DSM e o ICD, e analisamos em
que grau eles refletem a realidade da doença mental. E consideramos
algumas opções de como melhorar.

O que fazer sobre a loucura?


No século XXI, nós temos a percepção de que governos e sociedades têm a
responsabilidade de ajudar os indivíduos mais vulneráveis, mesmo que na
prática não sejamos bons nisso. Mas essa postura nem sempre esteve presente
ao longo da história. Não sabemos muito sobre o que as sociedades pré-
históricas faziam com seus doentes mentais (além de abrir buracos em seus
crânios), mas para as sociedades pré-modernas a resposta parece ser: não
muito. Em grande medida, a loucura era vista pela maioria das sociedades
antigas como algo espiritual, religioso ou causado por uma maldição, e não
havia a percepção de que os governos deveriam fazer algo para cuidar dos
doentes mentais. A maioria dos governos estava ocupada demais invadindo
seus vizinhos ou arrancando impostos de seus súditos, especialmente os
pobres. Mesmo quando uma sociedade, como a dos gregos antigos,
conceptualizou o problema mental como uma doença, isso não levou a uma
infinidade de opções de tratamento patrocinadas pelo governo.
Apenas no Renascimento a política entrou no reino da saúde mental, [ 400 ]
e as pessoas começaram a achar que os governos deveriam fazer algo para —
bem — fazer algo acerca dos doentes mentais que vagavam pelas ruas ou
perturbavam um parente no salão com seu falatório delirante. Eu continuo
dizendo fazer algo porque ninguém de fato sabia o que fazer. Assim,
chegamos à era do confinamento, quando a coisa óbvia a se fazer com uma
população de sujeitos esquisitos que deixam o contribuinte comum um pouco
perplexo é guardá-los em algum tipo de prisão, longe da vista e dos
pensamentos. Assim, teve início o período de prósperos asilos
governamentais.
Um dos mais famosos é o Bedlam, ou Bethlem Royal Hospital, um lugar
criado para “lunáticos e idiotas” [ 401 ] (ei, talvez seja para políticos, afinal!).
Bedlam surgiu no século XIII como um convento em Londres, mas no
século XIV começou a assumir seu papel de hospital para loucos, tornando-o
um dos primeiros asilos da história. Ninguém sabe exatamente o que eles
faziam com os internos naquela época, mas o nome Bedlam acabaria sendo
sinônimo em inglês de caos e confusão. Verdade que muito disso se deve aos
períodos finais de Bedlam.
Para ser justo, tente você projetar um hospital para indivíduos com psicose
no século XIV e veja se você consegue fazer melhor. Bedlam sofria de alguns
dos problemas simples de qualquer um dos primeiros asilos: falta de
financiamento, [ 402 ] funcionários maltreinados e remunerados e,
francamente, nenhuma maldita ideia do que estava fazendo. Nenhuma das
técnicas da psicologia ou psiquiatria moderna [ 403 ] estava disponível para
eles. Hospitais como o Bedlam enfrentavam enigmas sobre o que fazer com
pacientes psicóticos que poderiam ser agressivos, agir sexualmente (ou
apenas, você sabe, querer fazer sexo de vez em quando como qualquer
adulto), cometer tentativas de suicídio e por aí vai. Carecendo de quaisquer
opções objetivas, os asilos experimentaram os tipos de tratamentos brutais
que discutimos no capítulo 2 e usaram contenções mecânicas e camisas de
força nos mais indisciplinados. [ 404 ]
Também fica claro que muitas vezes a equipe de funcionários não era
muito melhor que os pacientes — pelo menos como fonte de estabilidade.
Violência e medo eram fundamentais para garantir o bom comportamento
dos internos, e os doentes mentais eram tratados como animais. Havia
também uma clara dureza moral em lugares como Bedlam. De fato, algumas
evidências judiciais indicam que mulheres de classe baixa percebidas como
relapsas na moral sexual podiam se ver confinadas em tais lugares. [ 405 ]
Vamos deixar de lado por ora o fato de que alguns dos internos poderiam não
ser doentes mentais em absoluto segundo os padrões modernos, mas
provavelmente apenas de baixo funcionamento e sexualmente licenciosos
durante a era Tudor na Inglaterra. [ 406 ]
Por mais polêmica que seja, a princípio a internação de doentes mentais
em estado crítico não é necessariamente uma ideia terrível em si. Um regime
humano e digno em busca da cura, ou cuidados paliativos com todos os
recursos se isso não for possível, não deve ser descartado de imediato quando
a alternativa é sobretudo o desabrigo. Mas os asilos geralmente enfrentam
dois problemas presentes na área de saúde mental. Em primeiro lugar,
quando uma cura evidente nem sempre é possível, pode ser frustrante tanto
para o paciente quanto para a equipe de tratamento, e isso pode levar a
abusos e agressões de ambas as partes (embora a equipe de tratamento, em
última análise, detenha um poder desproporcional). E, em segundo lugar,
embora a população muitas vezes acredite seriamente que os formuladores de
políticas devam fazer algo em relação à saúde mental, ela costuma ser menos
entusiasmada em pagar por isso na forma de impostos.
Bedlam em sua “localização melhorada” no século XVII. Gravura de Robert Hooke.
Fonte: Biblioteca Wellcome.

Essa combinação de financiamento insuficiente e frustração, juntamente


com uma gestão sem noção, criou as situações difíceis pelas quais Bedlam se
tornou famoso. A popularização da palavra “bedlam” em inglês para significar
caos ou loucura se deu na forma de peças contemporâneas, incluindo
referências em Shakespeare, [ 407 ] mas também por causa de eventuais
auditorias feitas no hospital e muito divulgadas. Uma inspeção de 1598
descobriu que o lugar estava literalmente caindo aos pedaços, com buracos
no telhado e poucos talheres. No início de 1600, um “encarregado” (ou seja,
o cara no comando) do hospital foi demitido por desviar fundos e, em grande
medida, deixar os internos passando fome. [ 408 ]
A higiene também era um problema no hospital, que tinha abastecimento
de água e banheiros inadequados. Os banhos provavelmente eram raros, e a
maioria dos internos tinha acesso apenas a um penico, embora isso
fornecesse munição quando alguém desejava expressar seu descontentamento
a funcionários ou visitantes. Para ser justo, banhos rotineiros eram incomuns
mesmo entre o público geral durante os primeiros séculos. Considerando
nossa atual sensibilidade ao odor corporal, é um espanto que qualquer
socialização tenha sido possível durante os anos Tudor e Stuart na Inglaterra.
Seria bom dizer que as coisas melhoraram com o tempo, mas isso não
aconteceu de fato até chegarmos, pelo menos, ao século XIX. É verdade que
alguns cuidadores podiam ter inclinações humanas, mas o tratamento
permaneceu brutal, envolvendo procedimentos como sangrias e ventosas. Os
cuidados de saúde e os recursos alimentares permaneceram baixos, e Bedlam
com frequência tinha dificuldades financeiras. Há relatos de que Bedlam
abriu as portas e cobrou entrada do público para aumentar a renda. A
instituição mudou de local algumas vezes, embora isso não significasse
muitas melhorias para os internos.
As coisas melhoraram por um breve período no início do século XIX, antes
de um retorno a formas de contenção e tratamentos mais brutais no final do
mesmo século. No início do século XIX, um esforço reformista iniciado pelo
quacre Edward Wakefield expôs as condições terríveis dos internos, muitos
dos quais passaram anos acorrentados. A situação melhorou um pouco, mas
depois que Wakefield foi receber sua recompensa celestial, as pessoas se
esqueceram de Bedlam e as correntes voltaram. Ser gentil com os doentes
mentais não necessariamente os tornava menos doentes mentais, então é
provável que algum gênio tenha pensado: por que ser gentil? Melhor parar de
mimar as crianças e tudo mais.
No século XX, Bedlam juntou-se aos outros asilos modernos, não sendo
melhor nem pior. Se isso é algo bom, depende do que você pensa dos asilos
modernos, imagino. Não que ainda haja muitos, mas chegaremos a isso em
um momento.
Para ser justo com Bedlam, em sua época o hospital provavelmente não foi
excepcional nos maus-tratos aos doentes mentais. A partir da história de
Bedlam, podemos ver alguns truísmos que talvez nos ajudem a entender a
política atual. Em primeiro lugar, as pessoas não se entusiasmam muito com
pagar serviços de saúde mental, pelo menos não para outra pessoa. Em
segundo lugar, as questões de saúde mental são propensas a problemas legais.
O espetacular relato de campo de Rosenhan de 1973, no qual ele e seus
alunos se fizeram passar por pacientes com esquizofrenia, foi em si uma
resposta a um problema já levantado. Como você deve se lembrar do capítulo
2, os hospitais relutaram em deixar os pesquisadores de Rosenhan partir,
mesmo quando haviam deixado de exibir os sintomas falsos. Asilos já são
lugares assustadores, mas acrescente a isso a possibilidade de ser injustamente
trancado em um, sem ter como recorrer, e eles se tornam realmente
aterrorizantes. [ 409 ] Pode-se argumentar que a equipe de saúde mental tem
incentivos óbvios para nunca liberar alguém da internação involuntária. Se
fizesse isso e essa pessoa imediatamente se matasse ou matasse outra pessoa,
a sociedade certamente perguntaria por que ninguém acenou com a varinha
mágica da psiquiatria e previu isso com antecedência. Em terceiro lugar, a
doença mental é frustrante para todos os envolvidos. Certamente para a
pessoa que sofre, mas também para os parentes e a equipe de saúde mental.
Frustração gera agressão, e agressão gera tanto riscos reais quanto
possibilidade de abusos.
Assim, apesar de esforços periódicos de reforma, os asilos continuaram a
ser locais difíceis e desagradáveis até meados do século XX. Então duas
coisas aconteceram. Primeiro, os Estados decidiram que realmente não
queriam continuar pagando por esses prédios caros que sempre acabavam
como cenário para filmes de terror ruins. E medicamentos antipsicóticos
como a clorpromazina tornaram-se amplamente disponíveis, com a promessa
de controlar doenças mentais graves em ambientes comunitários. Juntamente
com isso, manifestantes de bom coração viram uma oportunidade de
devolver os doentes mentais à comunidade, onde com sorte seriam cidadãos
produtivos. Às vezes, imagino ativistas bem-intencionados dos direitos dos
animais invadindo o aquário SeaWorld, tirando os pinguins de seus
ambientes com temperatura controlada e os soltando no calor de 35 graus de
Orlando enquanto gritam: “Sejam livres, fiquem bem!” O movimento
antimanicomial que fechou a maioria dos hospitais foi um pouco assim, mas
vamos estudar com atenção.

Vá embora!
Certo, então vamos reconhecer que, além de alguns breves momentos de
reforma, a era do confinamento foi em grande medida um show de horrores.
Certamente qualquer mudança seria bem-vinda, e o governo não poderia
estragar as coisas ainda mais, não é? Nunca desafie o governo quanto a isso!
A desinstitucionalização começou nos Estados Unidos na década de 1950
e prosseguiu até a década de 1960 com movimentos abruptos no plano
jurídico e no profissional. Isso aconteceu nos níveis federal e estadual, com os
governos preocupados com o desperdício de dinheiro novo depois do
dinheiro ruim perdido com os manicômios. Ao mesmo tempo, a justiça
começou a se preocupar mais com o devido processo legal para os doentes
mentais. A desinstitucionalização deveria ter duas partes. Em primeiro lugar,
tirar as pessoas dos asilos. Em segundo lugar, transferi-las para um sistema
de saúde mental comunitário que assumiria o trabalho dos asilos. Ah, e não
se esqueça de financiar a segunda parte com dinheiro de impostos; não
vamos nos esquecer dessa segunda parte muito importante.
A ideia toda fazia parte de algo chamado Lei de Saúde Mental
Comunitária. [ 410 ] Pode-se dizer que houve dois obstáculos imprevistos
(bem, três, se você incluir a questão dos impostos) na transferência dos
doentes mentais para centros comunitários. Primeiramente, ninguém os
queria. Esse é um fenômeno às vezes chamado de “Não no meu bairro” ou
“Não no meu quintal”. Os centros comunitários de saúde mental foram
concebidos como instalações menores e mais abertas que funcionariam para o
público geral, ao contrário dos grandes asilos isolados semelhantes a prisões.
Os centros comunitários de saúde mental podiam ter de tudo, desde casas de
recuperação a instalações residenciais semelhantes a escolas. As
comunidades, particularmente as mais ricas, barraram a construção desses
centros comunitários de saúde mental. E, sendo honestos, podemos culpá-los
inteiramente? Mesmo supondo que isso não aumentasse a ocorrência de
crimes na área (chegaremos a isso em breve), ainda era provável que fosse
reduzir o valor dos imóveis. Portanto, embora as pessoas possam apoiar
centros de saúde mental em termos abstratos, ficam nervosas quando o valor
de suas casas é ameaçado. Eu entendo; também tenho uma hipoteca. [ 411 ]
Mas a outra questão é que o novo sistema criou uma trama burocrática
confusa. Os asilos meio que tinham uma vantagem no sentido de que os
serviços prestados ficavam todos sob um mesmo teto e nunca se esperava que
os doentes mentais desempenhassem um papel de coordenação. Mas de
repente a pessoa poderia ter um assistente social e um psiquiatra, morar em
uma instalação comunitária, precisava ir ao tribunal para monitoramento e
talvez lidar com seguro-saúde ou seguridade social. E, claro, cada uma dessas
instituições pode fazer um péssimo trabalho ao se comunicar com as outras
(pense na última vez em que você passou por um procedimento médico que
exigiu uma ida ao hospital e toda a organização necessária). Isso
provavelmente seria frustrante para qualquer um de nós; agora tente
imaginar fazer isso com esquizofrenia.
Como resultado, a maioria das pessoas concorda que foi um fracasso
espetacular transferir as pessoas dos asilos para qualquer tipo de sistema de
saúde mental comunitário funcional. Em vez disso, muitos indivíduos com
doenças mentais antes internados se tornaram desabrigados, encarcerados ou,
em alguns casos, morreram por negligência. [ 412 ] Não estou dizendo que
ninguém ficou bem ou até mesmo melhorou, e alguns poucos sortudos
podem ter sido recebidos de volta pela família. Mas em geral o resultado foi
muito ruim.
Quantos foram afetados? É difícil encontrar boas estimativas, mas em
1987 um estudioso especulou que talvez um milhão e quinhentas mil pessoas
com doenças mentais crônicas foram efetivamente abandonadas na transição
entre os asilos e os centros comunitários de saúde mental em grande medida
inexistentes durante um período de vinte anos. [ 413 ] Outra avaliação coloca
a população dos asilos nos Estados Unidos em seu auge em cerca de meio
milhão. [ 414 ] Em qualquer noite, há cerca de 550 mil pessoas sem-teto nos
Estados Unidos, menos do que em décadas passadas, o que é uma boa
notícia. [ 415 ] No entanto, talvez um terço desses indivíduos seja composto
por doentes mentais crônicos. [ 416 ] Portanto, essa é a população-alvo agora:
pessoas que provavelmente se beneficiariam de algum tipo de moradia
estruturada, digna e humana, mas em vez disso ficaram sem nada.
Além da falta de moradia, a desinstitucionalização às vezes é chamada de
“transinstitucionalização”, na medida em que muitos dos doentes mentais
crônicos simplesmente se mudaram de hospitais estaduais para prisões e
cadeias. Na verdade, os estabelecimentos correcionais são muitas vezes hoje
os maiores fornecedores de cuidados de saúde mental nas regiões em que
operam. [ 417 ]
Pode-se dizer que o desenvolvimento de novos medicamentos para o
tratamento de psicose e outros quadros de saúde mental desempenhou um
papel no movimento de desinstitucionalização. Essas drogas eram a promessa
(provavelmente exagerada) de que os indivíduos poderiam retornar à “vida
real” desde que continuassem tomando a medicação. Essa perspectiva deixava
de considerar dois fatos: primeiro, que os medicamentos tratavam
principalmente alguns sintomas, mas não outros, e, segundo, que muitas
vezes tinham efeitos colaterais graves que desencorajavam o uso contínuo. O
grau em que os laboratórios farmacêuticos impulsionaram a
desinstitucionalização é controverso, e os movimentos em direção à
desinstitucionalização haviam começado antes do surgimento dessas drogas. [
418 ] Após a Segunda Guerra Mundial, muitos estados norte-americanos
fizeram experiências com clínicas comunitárias para complementar as
internações hospitalares. No entanto, muitos pacientes foram readmitidos,
sugerindo que a transição para os cuidados comunitários muitas vezes não
funcionou muito bem. Mas esses problemas continuaram após 1954, quando
os medicamentos antipsicóticos se tornaram amplamente disponíveis. [ 419 ]
Foi apenas na década de 1960 que a população de internados começou a
diminuir nos Estados Unidos.
Muito da motivação parece ter sido político. Um relatório governamental
de 1961, a Joint Commission on Mental Illness and Health (Comissão
Conjunta de Doença Mental e Saúde), desencorajou a construção de
quaisquer outros grandes hospitais estaduais. Foi recomendado um maior
investimento federal em um sistema de saúde mental comunitário. O
presidente Kennedy endossou com um discurso em 1963. Em 1980, a
população dos asilos estaduais havia diminuído de cerca de 550 mil para
cerca de 140 mil. [ 420 ] Um detalhe: a iniciativa federal esqueceu de incluir
qualquer mecanismo para a transferência direta de cuidados dos hospitais
estaduais para um sistema comunitário de saúde mental. Com muita
frequência, as pessoas eram liberadas de hospitais estaduais e recebidas de
braços abertos por, bem, nada.
As pessoas falam muito sobre a importância de reformar o sistema de
cuidados de saúde mental. E tem havido algumas melhorias, como
considerar as síndromes de saúde mental como equivalentes a condições de
saúde física para o reembolso pelas seguradoras. Mas, muitas vezes, não passa
de conversa. A reforma envolveria dinheiro de impostos, uma burocracia
funcional e ciência para determinar o que funciona e o que não funciona.
Também exige um equilíbrio cuidadoso entre o devido processo legal e a
necessidade de confinamento. Será necessário retornar ao sistema de asilos?
Honestamente, é provável que sim, mas não um retorno aos asilos brutais do
passado. Qualquer sistema de confinamento deve funcionar com base no
princípio do ambiente menos restritivo — as pessoas devem ser confinadas
apenas o minimamente necessário para ter bem-estar e receber cuidados —,
em condições humanas, com equipe bem-treinada e remunerada e com
processos legais claros e supervisão judicial. Isso, é claro, exigiria dinheiro, e a
população dos Estados Unidos não se empolga nem com impostos nem com
burocracia. Então, veremos.
Curiosamente, a reforma da saúde mental muitas vezes começa a ser
discutida após acontecimentos trágicos violentos, particularmente homicídio
em massa. Esse é outro tipo de jogo bizarro que as pessoas fazem com as
doenças mentais. Até que ponto a doença mental está associada à violência
na sociedade? E até que ponto as pessoas aventam isso (juntamente com
coisas sem sentido, como videogames) para distrair a população de outras
questões, como controle de armas?

A loucura lançada sobre as massas


Em dezembro de 2012, os preparativos para as férias de Natal foram
tragicamente interrompidos para muitas famílias em Newtown, Connecticut.
Em 14 de dezembro um jovem problemático de 20 anos entrou na escola
Sandy Hook Elementary com um fuzil esportivo Bushmaster estilo AR-15. [
421 ] Ele já havia assassinado a mãe em casa, e começou então uma chacina,
matando vinte crianças e seis funcionários da escola antes de cometer
suicídio. O ataque de Sandy Hook se tornou um dos mais fatais homicídios
em massa da história dos Estados Unidos (embora não o recordista) e
desencadeou um debate de quase um ano sobre controle de armas, doença
mental e (tolamente) videogames de ação, antes de morrer sem chegar a
algum lugar.
O atirador de Sandy Hook [ 422 ] tinha um longo histórico de problemas
de saúde mental, depressão, isolamento social e sintomas do espectro autista.
De fato, a presença de problemas de saúde mental, muitas vezes não
diagnosticados ou mal tratados, é quase universal entre os perpetradores de
homicídios em massa. [ 423 ] Isso produziu uma longa discussão sobre
precisarmos fazer algo quanto ao sistema de saúde mental dos Estados
Unidos. Mas o quê? E a doença mental era o melhor caminho para abordar o
problema dos atiradores? Ou apenas uma distração do debate sobre o
controle de armas?
Antes, porém, vamos descartar a terceira desculpa que as pessoas
inventaram para a chacina em Sandy Hook. Foram necessários 11 meses para
que a investigação soltasse um relatório oficial sobre o atirador. [ 424 ]
Durante esse tempo, era razoável concluir que o atirador deveria jogar
videogames de ação. [ 425 ] De fato, muitas manchetes proclamaram que
fontes anônimas ligadas à investigação descobriram que o atirador de Sandy
Hook havia jogado milhares de horas de jogos como Call of Duty e era
obcecado por esses jogos de ação. No fim das contas, descobriu-se que ele
jogou principalmente Dance, Dance Revolution. Na verdade, a crença de que
jogos de ação (ou televisão ou filmes) estão ligados a crimes violentos é
praticamente uma questão descartada na ciência, disseminada de modo
irracional — como são todos os pânicos morais — em grande parte por
velhos ranzinzas. É hora de seguir em frente. [ 426 ]
Portanto, de volta à doença mental: ela pode estar ligada ao crime? Bem,
isso depende de o que você entende por doença mental e crime. Nesse
sentido, tanto as pessoas que querem atribuir toda a violência às questões de
saúde mental quanto as que retratam os doentes mentais como cordeiros
inocentes estão erradas. A questão é um pouco mais complexa do que a
maioria das pessoas parece querer acreditar.
Vejamos a alegação comum de que apenas uma pequena porcentagem dos
crimes violentos é cometida por doentes mentais. Normalmente, a sugestão é
de que apenas uma pequena parcela dos crimes violentos, digamos cerca de
5%, é cometida por doentes mentais. Foi a conclusão a que chegou, por
exemplo, um estudo sueco de 2006 bastante citado. [ 427 ] No entanto, o
truque é que esse estudo limita doença mental a doenças mentais crônicas
graves, como esquizofrenia e outras psicoses. Esses distúrbios são
extremamente raros, costumando ocorrer em menos de 1% da população.
Portanto, se 1% da população de fato comete 5% dos crimes violentos, isso
indica um risco maior de crimes violentos entre os doentes mentais. As
pessoas que usam esse argumento respondem à pergunta sobre as ligações
entre doença mental e crime considerando apenas uma forma específica de
doença mental. Isso é um pouco enganador, creio.
É dissimulação com boas intenções, sem dúvida. Certamente a grande
maioria dos indivíduos com doenças mentais não comete crimes violentos.
No entanto, a insinuação de que absolutamente não há risco elevado de
violência entre doentes mentais não é baseada em dados. Nem corresponde à
experiência de muitos médicos, inclusive eu, que sofreram agressões com
alguma frequência em ambientes psiquiátricos. É importante reduzir o
estigma dos doentes mentais, mas não com alegações absurdas.
Em geral, os doentes mentais estão apenas tentando levar a vida como
qualquer outra pessoa, mas com alguns óbvios desafios a mais. A grande
maioria não é perigosa. Em nossa universidade, a Stetson University, às vezes
alguém com esquizofrenia entra no campus vindo de algumas das
comunidades próximas, de indigentes ou baixa renda. Por alguma razão,
funcionários do campus geralmente dirigem essas pessoas ao departamento
de psicologia (nota para acadêmicos em todos os lugares: o departamento de
psicologia não tem uma varinha mágica para cuidar dos doentes mentais da
comunidade). Conversei com alguns, avisando que só tenho cerca de vinte
minutos livres (algumas pessoas com esquizofrenia podem falar durante
muito tempo). Eles querem principalmente alguém com quem conversar
sobre suas revelações sobre a Bíblia ou algo assim. São inofensivos, mesmo
estando, claro, doentes.
Mas trabalhando em ambientes psiquiátricos você compreende que sugerir
que não há absolutamente nenhuma ligação entre doença mental e violência
também é errado. Agressões acontecem em ambientes psiquiátricos (e entre
as populações psiquiátricas sem cuidados) com maior frequência do que entre
o público geral. Pesquisas revelaram, por exemplo, que a psicose é um fator
de risco para violência, embora isso não signifique que todos ou mesmo a
maioria daqueles com doenças psicóticas sejam violentos. [ 428 ] A psicose
parece elevar o risco de violência de três a cinco vezes em relação à população
geral. Em meu trabalho, descobri que uma combinação de depressão com
características de personalidade antissocial é um dos maiores fatores de risco
para a violência juvenil. [ 429 ] As afirmações de que não há absolutamente
nenhuma ligação costumam se basear em definições variáveis de doença
mental. Se, por exemplo, limitarmos doença mental à psicose, como naquela
estatística de 5%, o atirador de Sandy Hook, um jovem claramente
perturbado, com características autistas, depressivas e antissociais, não se
qualificaria.
Por outro lado, tenho poucas dúvidas de que a questão da doença mental
também pode servir a alguns políticos como uma distração de outras
questões, especialmente o controle de armas nos Estados Unidos. Isso não
quer dizer que o sistema de saúde mental nos Estados Unidos não precise de
reforma; quase certamente precisa. Os problemas de saúde mental do
atirador de Sandy Hook eram conhecidos havia algum tempo, e sua mãe se
esforçou durante anos, obviamente sem sucesso, para resolvê-los. Será que
esse atirador deveria ter sido colocado em um asilo humano e atencioso,
considerando seus graves problemas de saúde mental? Possivelmente sim,
mas, mais uma vez, os Estados Unidos não têm em funcionamento nada
parecido com esse tipo de sistema.
Usar a saúde mental como distração de outras questões também é uma
manobra. Podemos conversar sobre a reforma da saúde mental ao mesmo
tempo em que discutimos um controle de armas sensato. Infelizmente, tanto
a esquerda quanto a direita tendem a desperdiçar tempo demais buscando
superioridade moral para tornar isso possível. Por outro lado, isso torna
ambas as partes desconfiadas uma da outra. É provável que a maioria de nós
concordaria que não queremos pessoas como o atirador de Sandy Hook,
gravemente doente, tendo acesso a armas de fogo legais. Talvez haja
maneiras razoáveis de garantir que isso se torne menos provável, sem
injustificadamente prejudicar os proprietários de armas de fogo que são
responsáveis. Não alego ter a solução imediata, mas essa certamente é uma
conversa que precisa ser travada. Claro, isso exigiria que as massas se
acalmassem, parassem de tentar “vencer” e se comportassem como seres
humanos racionais. Como veremos no próximo capítulo, isso nem sempre é
uma coisa fácil para as pessoas.

Definindo doença
Como vimos no início do capítulo, definir doença mental é um processo
político/social. A psiquiatria sempre teve dificuldade em categorizar as
doenças mentais. Isso não quer dizer que a doença mental não exista como
algo real, e sim que seus limites tendem a ser mais cinzentos e mais fluidos
do que em muitas doenças físicas. Por exemplo, uma doença como gripe ou
câncer pode ser atribuída diretamente a certos biomarcadores ou agentes
biológicos, como um vírus ou células danificadas. A maioria das doenças
psiquiátricas não tem nada equivalente. Não há exame de sangue para
depressão ou raio-X que possa dizer se seus pensamentos são normais ou
desviantes. E isso tende a tornar a psiquiatria mais confusa. No extremo, a
psiquiatria foi acusada de transformar muitos sentimentos e comportamentos
normais em patologias e lucrar com isso. Vamos examinar esse problema.
A psiquiatria (assim como a psicologia) só surgiu como profissão no final
do século XIX, em grande parte em função dos médicos que ajudavam a
administrar asilos. Nessa fase inicial, a psiquiatria foi fortemente influenciada
pelo pensamento freudiano, com inveja do pênis, complexos de Édipo e todo
tipo de absurdo semelhante. Para ser justo, a teoria freudiana tem algumas
observações interessantes sobre a natureza humana, como os mecanismos de
defesa de negação e racionalização. No entanto, diagnosticar pessoas com
base nessa abordagem tendia a ser caótico, na melhor das hipóteses, e
colocava a psiquiatria em uma posição desconfortável em termos de
credibilidade pública. Dois psiquiatras podiam usar termos e diagnósticos
amplamente diversos ao falar sobre o mesmo paciente. Naturalmente, isso
não parecia nem um pouco científico. [ 430 ]
A psiquiatria precisava de uma nomenclatura comum e, em 1952, a
American Psychiatric Association (APA) a criou com o Diagnostic and
Statistical Manual (DSM). O DSM se tornaria uma importante fonte de
renda para a APA, e também uma fonte de polêmica contínua. O DSM
ainda refletia demais as influências freudianas, e foi revisado em 1968. Ainda
assim, continuou a ter problemas de confiabilidade, com os clínicos
discordando sobre o diagnóstico de indivíduos com doenças mentais. [ 431 ]
O psiquiatra Thomas Szasz fez um violento ataque ao próprio conceito de
doença mental, sugerindo que a medicalização do desvio e da angústia era
um caminho falso e que saúde mental não deveria ser confundida com saúde
médica. [ 432 ] O ponto levantado por Szasz era importante, mas no fim foi
amplamente rejeitado pela psiquiatria, que buscou maior credibilidade para
sua profissão na equivalência com os médicos.
O truque da psiquiatria é que, com algumas exceções, a maioria das
doenças mentais não se assemelha a doenças físicas, seja em termos de
limites claros ou em marcadores biológicos identificáveis. Na época do
DSM-II, em 1968, a psiquiatria se aglutinou cada vez mais em torno do
modelo de doença mental como equivalente à doença física, com toda a
conversa sobre neurotransmissores e desequilíbrios químicos com os quais
nos familiarizamos. Mas esse modelo também tem sido criticado por se
apoiar em dados pouco confiáveis, além de ter feito pouco para melhorar os
resultados da saúde mental. [ 433 ] É difícil argumentar que o cérebro não
desempenha nenhum papel na saúde mental, claro, mas algumas pessoas
questionam se doenças mentais são sinônimo de doenças físicas. Contudo,
esse modelo decididamente abriu um caminho lucrativo para a indústria
farmacêutica, e a preocupação com a relação muito íntima entre Big Pharma
e a psiquiatria em geral, e a APA especificamente, persiste desde então. [ 434 ]
Em 1980, a APA publicou o DSM-III, uma tentativa de tornar as
categorias diagnósticas mais rigorosas, confiáveis e baseadas em dados.
Muitas categorias foram alteradas, adicionadas ou excluídas, mas no geral o
número de potenciais condições de saúde mental se expandiu, uma tendência
que continuaria nas versões posteriores do DSM. Em 1987, o DSM-III-R
apresentou uma espécie de correção de curso. Essas novas versões do DSM
forneceram evidências de que, no mínimo, médicos cuidadosamente
formados poderiam alcançar um grau razoável de confiabilidade no
diagnóstico, embora de modo algum perfeito. [ 435 ] No entanto, elas não
resolveram a questão de se tais diagnósticos são reais. Em outras palavras, as
categorias diagnósticas refletiam categorias reais e distintas de transtornos
com condições identificáveis? Ou foram simplesmente votadas por um
comitê, às vezes refletindo os interesses especiais, as visões de mundo e os
preconceitos dos psiquiatras da APA? Não precisamos de um comitê para
nos dizer que a gripe é diferente de antraz, porque as diferentes criaturas
envolvidas são identificáveis ao microscópio. Mas, por exemplo, depressão e
ansiedade tendem a ocorrer simultaneamente e parecer diferentes em pessoas
diferentes. A depressão e a ansiedade são transtornos diferentes, aspectos do
mesmo transtorno, divididas em dezenas de pequenos transtornos individuais
ou alguma outra coisa?
Claro, a homossexualidade é o modelo óbvio para essa confusão.
Originalmente incluída no DSM, a homossexualidade (assim como a
drapetomania) tinha todos os marcadores de uma doença mental. O
comportamento era considerado desviante pela sociedade da época. Pode
causar angústia em pessoas a quem foi ensinado que era moralmente errado.
E o comportamento persiste a despeito das óbvias consequências negativas,
que vão de ostracismo social à prisão ou, em algumas partes do mundo,
execução. Mas aqui podemos ver a questão levantada por Szasz: a
homossexualidade não era uma doença da mesma forma como o câncer de
cólon é uma doença. Isso refletia um conflito moral entre uma sociedade
conservadora e indivíduos que se desviavam dos valores morais dessa
sociedade conservadora. A homossexualidade era uma doença porque a
sociedade queria que fosse uma doença.
Isso não quer dizer que nesse sentido todas as condições mentais são como
a homossexualidade, que finalmente desapareceu por completo do DSM em
1987. Mas podemos ver os problemas com os limites da doença mental. Não
apenas as condições mentais transbordam umas sobre as outras, mas a
fronteira com a normalidade também não é clara. Se eu desenvolvo depressão
porque um parente querido morreu, isso é uma doença ou uma reação
normal a um acontecimento trágico na vida? Se minha personalidade for
estranha e excêntrica (e tenho certeza de que algumas pessoas diriam que é),
isso garante um diagnóstico DSM caso eu seja, apesar disso, funcional? Por
que decidimos que o consumo excessivo de videogames pode ser uma doença
mental, mas o uso excessivo de quase qualquer outra coisa, seja trabalho,
exercícios, dança, compras ou gatos (tente pesquisar na internet por
colecionador de gatos se você acha que estou brincando) não é digno de um
diagnóstico oficial? [ 436 ]
Um dilema central para a psiquiatria é que a maioria dos diagnósticos
continua a ser de construtos votados por comitês e diagnosticados com base
em observações arbitrárias, em vez de testes médicos sensíveis e específicos.
É por isso que condições de saúde mental às vezes parecem surgir e depois
desaparecer milagrosamente nas diferentes versões do DSM. A síndrome de
Asperger, por exemplo, desapareceu do DSM em sua quinta edição, gerando
muita controvérsia. Mas sobretudo surgem novas, já que o número de
diagnósticos aumentou no DSM-IV (lançado em 1994) e no DSM-5
(lançado em 2013 — e sim, eles mudaram para algarismos arábicos). [ 437 ]
Os critérios para transtornos específicos, como TDAH e depressão, em geral
se tornaram mais flexíveis com o tempo, mais uma vez levantando a questão
dos conflitos de interesse financeiros relacionados à possível prescrição
excessiva de agentes farmacêuticos no tratamento. Na quinta edição é
possível que os indivíduos sejam diagnosticados com depressão mesmo que
passem por um trauma significativo na vida, como a perda de um ente
querido. Isso gerou a preocupação de que a APA estivesse continuamente
tornando patológico qualquer comportamento normal da vida para o qual
pudesse ser dado um comprimido.
Na época do DSM-5, mesmo psiquiatras envolvidos no desenvolvimento
de versões anteriores do DSM ficaram preocupados com o exagero da APA,
bem como com a falta de rigor científico. [ 438 ] Outros órgãos profissionais,
como a British Psychological Society, escreveram artigos criticando
abertamente o DSM-5. [ 439 ] Obviamente as opiniões variam, mas minha
sensação é a de que, pelo menos entre meus colegas psicólogos, as categorias
do DSM não são exatamente “reais”. Certamente a doença mental existe,
mas as categorias do DSM são, na melhor das hipóteses, aproximações
grosseiras e muitas vezes problemáticas, com uma tendência a tornar
patológicos comportamentos normais. Então, se é tão ruim, por que
continuamos usando?
A resposta é simples: reembolso de seguro. Para psicólogos, psiquiatras e
outros terapeutas que buscam reembolso por tratamento, um código de
diagnóstico DSM é necessário para receber. Isso coloca a APA na posição
incomum de ter uma espécie de monopólio de fato sobre a relação entre
terapeutas e seguradoras. Os terapeutas precisam comprar o DSM se quiserem ser
reembolsados pela terapia. Entre os pesquisadores, as categorias do DSM
também fornecem uma linguagem útil para organizar os conceitos de
pesquisa. Pesquisar “transtorno de personalidade limítrofe” parece muito
melhor do que pesquisar “pessoas tensas que ficam mal-humoradas e têm
reações exageradas”. O DSM cria uma ilusão de categorias de doença mental
passíveis de definição, o que é mais palatável do que as fronteiras mutáveis e
confusas entre as doenças mentais, bem como entre a patologia e a
normalidade que provavelmente é a realidade.
Então aí está. Uma doença mental é literalmente decidida por um comitê.
Isso significa que as doenças mentais tendem a ocupar um terreno lamacento
entre as condições reais do cérebro, comportamento e personalidade, e as
construções sociais sobre o que é desejável e o que não é. Consequentemente,
temos condições absurdas, variando de homossexualidade a vício em jogo,
mas também confusão sobre se, digamos, a criança estranha e socialmente
isolada tem uma condição que pode ser tratada ou é apenas um pouco
estranha. O que se torna um diagnóstico continua a ser muito político,
influenciado pela pressão social e política (lembrem-se da Organização
Mundial da Saúde identificando a pressão política como influência para sua
categoria de transtorno do jogo), potenciais conflitos de interesse financeiros,
pensamento de grupo e falta de ceticismo por parte dos membros da APA.
Infelizmente, não há um caminho fácil para sair disso. A OMS tem a
International Classification of Diseases (ICD), mais utilizada fora dos Estados
Unidos. Não acredito que sua abordagem das doenças mentais seja muito
melhor que a do DSM, especialmente porque os dois tendem a ser ligados
em um alto grau. O National Institutes of Mental Health (NIMH, como no
filme Secret of NIMH) está desenvolvendo um Research Domain Criteria
(RDC) de base biológica, pelo menos implicitamente devido à frustração
com o DSM. O RDC parece querer tornar a psiquiatria mais enraizada na
biologia e na ciência (essas duas podem não ser exatamente iguais), mas é
difícil avaliar seu valor até que seja lançado. Como clínicos, podemos odiar o
DSM o quanto quisermos, mas abandoná-lo não é financeiramente viável
para aqueles que buscam reembolso das seguradoras.
Nossa compreensão da doença mental sempre foi corrompida pela política
e pelas convenções sociais. O desenvolvimento do DSM, embora valioso a
princípio, não fez muito para mudar esse estado de coisas. Provavelmente,
continuaremos discutindo sobre o significado da doença mental pelo futuro
próximo.
CAPÍTULO 10
LOUCURA DAS MASSAS

N
o final do século XVIII, duas nações deram seus primeiros passos
desajeitados na direção da democracia. Uma teve sucesso, a outra
falhou. Nos Estados Unidos, os colonos, reagindo principalmente
a disputas econômicas e à dura resposta do Parlamento britânico a elas,
rebelaram-se contra seus senhores no Reino Unido. Quinze anos depois, na
França, os cidadãos também expulsaram seus senhores aristocráticos em
busca de igualdade e liberdade. A experiência dos Estados Unidos resultou
em uma democracia duradoura que persiste, certamente com algumas
falhas, até os dias de hoje. A experiência francesa terminou em terror,
guilhotina, caos, guerra e, por fim, Napoleão, cujo governo megalomaníaco
foi na época quase um alívio. O que aconteceu para tornar o resultado tão
diferente nessas duas novas democracias?
Dizer que comparar a América do século XVIII à França é como
comparar maçãs com laranjas é pouco. No entanto, há algumas
semelhanças. Inicialmente, os dois movimentos viram a ascensão de
agitadores e lutas internas sangrentas entre antigos vizinhos e amigos. De
fato, durante a independência dos Estados Unidos parte da violência mais
cruel ocorreu não entre as tropas britânicas e norte-americanas, mas entre
colonos que apoiaram a rebelião e aqueles (conservadores) que apoiaram o
rei. [ 440 ] Atribuir o sucesso dos Estados Unidos a uma só coisa é
ingenuidade, mas aparentemente nos Estados Unidos cabeças mais
equilibradas (Washington, Jefferson, Franklin, Madison etc.) prevaleceram
e, por assim dizer, foram capazes de manipular as paixões das massas em
uma direção produtiva. Na França, isso sem dúvida não aconteceu, e o caos
do governo da massa levou à tirania do Reino do Terror e à corrupção e
autocracia que se seguiram.
Eu costumo brincar dizendo que se tomarmos decisões políticas
presumindo que as pessoas são basicamente burras, raramente ficaremos
desapontados. Não quero dizer individualmente burras, claro, mas que,
assim que somos reduzidos a uma massa emocional e desinformada, más
decisões sempre são tomadas. Eu me incluo alegremente nessa massa
emotiva e desinformada no que diz respeito à maioria das questões. Pessoas,
mesmo pessoas inteligentes, tendem a tomar decisões de modo mais
emocional do que racional, e quando reunidas em grupos essa tomada de
decisão instintiva pode ser amplificada. O que mais poderia explicar a
corrida para a guerra no Iraque em 2003 ou a adoção da crença de que a
couve realmente é comestível?
Como diz o velho ditado, a democracia é a pior forma de governo, a não
ser todas as outras formas tentadas. [ 441 ] Não me interpretem mal, a
democracia é uma ótima ideia e eu apoio totalmente! Mas também traz
consigo certos desafios, como quanto poder decisório dar aos cidadãos, ou
demos, visto que, como mencionei antes, eles tendem a ser idiotas e tomar
decisões erradas. Além disso, há o risco de que democracias puras
degenerem em um governo de turba, enfurecido e emocional, e efetivamente
se imolem. Enquanto escrevo, as democracias/repúblicas ocidentalizadas
parecem estar quase que universalmente lutando contra nacionalismo,
líderes autoritários, crises migratórias, identidade nacional e demagogia.
Vamos ver como tudo isso termina.
Pode ser instrutivo estudar as raízes da democracia na Grécia antiga para
ver como as coisas funcionaram para eles. Pode ser particularmente útil
examinar como a tomada de decisões da democracia às vezes pode levar à
sua própria ruína. A história pode ser um alerta para todos nós hoje.

Atenas realmente tinha um império?


Na década de 400 a.C. os gregos antigos emergiram como uma possível
força dominante no Mediterrâneo, não apenas culturalmente, mas também
política e militarmente. Eles haviam acabado de derrotar uma invasão da
grande superpotência da época, a Pérsia, e desenvolvido uma estratégia de
combate de infantaria pesada quase imbatível, baseado em falanges hoplitas.
Se tivessem sido capazes de se unir em uma causa comum, poderiam ter
continuado a ser uma potência respeitável, talvez até mesmo derrotando
aqueles macedônios e romanos irritantes que acabariam ficando de olho em
suas terras. O problema era que esses gregos, por mais que tendamos a
descrevê-los como um grupo unificado, eram profundamente divididos, e
essas divisões foram em parte responsáveis por sua queda.
Para começar, os gregos não eram todos da mesma etnia, tendo
incorporado várias ondas de migrantes e invasores. Os dois mais influentes
eram os jônios, personificados por Atenas, que tendiam a ocupar territórios
a leste, e os dórios, personificados por Esparta, que invadiram em um
período posterior da Idade das Trevas grega. Os gregos também eram
divididos por tipo de governo, com algumas cidades-Estado, como Atenas,
movendo-se em direção a formas democráticas de governo, enquanto a
maioria das outras, como Esparta, favorecia a oligarquia, na qual o comando
basicamente estava nas mãos de alguns poucos indivíduos poderosos ou
privilegiados. Para aumentar essas divisões, os antigos gregos nunca
formaram um Estado-nação no sentido moderno, permanecendo leais à
cidade de nascimento, sendo cada uma delas uma entidade política
independente. Daí o termo cidade-Estado.
Atenas tende a capturar a imaginação das sociedades modernas,
principalmente porque foi líder do movimento de democratização na Grécia
antiga. Claro, a Atenas antiga não era a Vila-Quem. Os direitos eram
limitados a cidadãos nativos do sexo masculino, provavelmente uma minoria
das pessoas que viviam em Atenas. Tucídides, um dos maiores historiadores
desse período, parece ter concordado com a ideia de que o público comum é
idiota. Ele reclamou que as democracias tendem a cometer erros graves.
Para ser justo, dado que em certo momento ele foi exilado de Atenas, talvez
possa ter motivações pessoais. [ 442 ] Atenas tendia a tomar uma série de
decisões democráticas horríveis, talvez a mais notável sendo a execução de
Sócrates por, em essência, ser o “videogame violento” de sua época. [ 443 ]
A Pérsia, a superpotência regional da época, invadiu a Grécia duas vezes
no século V a.C. Nas duas vezes o motivo era punir Atenas, que tinha o
hábito irritante de incitar rebeliões entre as cidades-Estado gregas jônicas
dentro do território persa. Sob o rei Dario, o Grande, os persas invadiram a
Grécia e causaram danos consideráveis, em grande medida tendo enfrentado
resistência apenas de Atenas, Esparta e da pobre Eritreia, uma pequena
cidade-Estado que acabou arrasada. Os espartanos demonstraram estar
divididos pelo caos interno e muitas superstições, e demoraram a ajudar os
atenienses. Assim, coube apenas aos atenienses derrotar uma invasão persa
na Batalha de Maratona em 490 a.C. [ 444 ] Os atenienses se deram muito
bem com isso, enquanto os persas acabaram frustrados.
Os persas invadiram novamente em 480 a.C., dessa vez sob o rei Xerxes.
Essa é a guerra retratada no famoso filme 300, que com frequência é uma
porcaria em termos históricos, mas ainda assim muito divertido de assistir.
Dessa vez os espartanos foram um pouco mais úteis do que da primeira. Seu
rei Leônidas liderou cerca de sete mil gregos na famosa Batalha das
Termópilas, na qual parte da força grega, incluindo os famosos trezentos
espartanos, se sacrificou para cobrir a retirada do restante do exército. Os
persas seguiram em frente e dessa vez saquearam Atenas, embora os
próprios atenienses tivessem saído a tempo, evacuando para a ilha de
Salamina. Em Salamina, uma frota grega comandada por espartanos e
atenienses derrotou a marinha persa, deixando o exército persa indefeso. Os
gregos, liderados pelos espartanos, derrotaram o exército persa em Platea.
Essa foi uma visão geral muito rápida das guerras persas, mas nos coloca
em boa posição para entender como os gregos, encontrando-se em uma
posição excelente, conseguiram estragar tudo. Parte da questão era se após
as guerras persas os gregos seriam capazes de desenvolver uma espécie de
confederação cooperativa para garantir a defesa mútua, provavelmente com
liderança espartana. Mas os espartanos não eram de fato uma potência
naval, e não estavam muito interessados em continuar a guerra para expulsar
totalmente os persas do Mediterrâneo. Eles cederam a liderança dessa tarefa
aos atenienses e, no processo, acidentalmente estabeleceram uma rivalidade.
[ 445 ]
Esparta e Atenas se enfrentando pelo domínio do mundo grego foi algo
que recebeu muita atenção no final do século XX, pela razão bastante óbvia
de que parecia equivaler à Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União
Soviética. Os estudiosos se debruçaram sobre a questão para tentar descobrir
se superpotências na posição de Esparta e Atenas estavam condenadas a
terminar em guerra. Usando o modelo grego antigo, as chances não
pareciam tão boas.
Para ser justo, Esparta não era exatamente a União Soviética (vamos
presumir que Atenas corresponde aos Estados Unidos neste cenário).
Embora fosse uma oligarquia, tinha várias instâncias de poder. Esparta
tinha dois reis hereditários, um conselho de magistrados chamados éforos,
várias outras assembleias e um pequeno grupo de cidadãos que também
podiam votar políticas públicas. Portanto, Esparta não era exatamente uma
autocracia, embora o controle fosse deixado nas mãos das elites. Os não
cidadãos tendiam a superar os cidadãos em número. Como Esparta esperava
que seus cidadãos do sexo masculino se dedicassem, sobretudo, a seu
exército profissional permanente, o trabalho pesado era deixado a cargo dos
hilotas, cujo status ficava entre o de servos e escravos. O exército espartano
permanente passava mais tempo garantindo que os hilotas não se
revoltassem do que fazendo qualquer outra coisa. Por outro lado, as
mulheres espartanas gozavam de liberdade e poder incomparáveis, em
contraste com suas irmãs atenienses em grande medida impotentes. Mas
não vamos exaltar Esparta demais; eles basicamente dirigiam uma espécie
de grande campo de escravos e com certeza tratavam seus filhos com grande
insensibilidade, mas nem todos eram maus.
Nem Atenas nem Esparta estavam realmente dispostos a se enfrentar.
Elas travaram uma guerra bastante inconclusiva nos anos após as guerras
persas, [ 446 ] e depois se acomodaram em uma paz inquieta. Ambas haviam
assumido o controle das respectivas alianças. Os espartanos comandavam
uma liga de aliados principalmente no Peloponeso grego. Os atenienses
dominavam a liga de Delos. Essa liga foi formada a princípio para combater
os persas, mas os atenienses acabaram por dominá-la, muitas vezes
intimidando ou invadindo diretamente cidades-Estado rebeldes que haviam
perdido o interesse em colaborar. É isso, juntamente com os esforços de
Atenas para dominar áreas no centro e no norte da Grécia, que nos leva a
falar de um império ateniense. A bem da verdade, eu diria que eles eram
algo mais parecido com uma gangue de valentões tomando o dinheiro do
lanche na hora do recreio do que um verdadeiro império.
Essa história é realmente sobre como a democracia de Atenas conseguiu
estragar tudo, mas para ser justo, o começo da Guerra do Peloponeso não
deve ser atribuído a Atenas. Na verdade, toda a Guerra do Peloponeso
começa com uma série de equívocos e erros de avaliação exacerbados pela
desconfiança que Atenas e Esparta sentiam uma da outra. Mas poderia ter
sido evitada. Na verdade, é principalmente culpa de outra cidade-Estado,
Corinto, mas deixe-me explicar. Tudo começa em um pequeno lugar
chamado Epidamnus.
O quê, você nunca ouviu falar de Epidamnus? Bem, na verdade não há
uma boa razão para que tivesse ouvido. Era uma pequena cidade na periferia
noroeste do mundo grego, embora localizada ao longo de algumas rotas
comerciais importantes. Epidamnus entrou em guerra civil, como tendia a
acontecer nas cidades-Estado gregas. Os que estavam dentro de Epidamnus
pediram ajuda à cidade-mãe Córcira, da qual era colônia. Córcira não quis
se envolver, e expulsou os emissários. Ora, acontece que a própria Córcira
era uma colônia da cidade grega maior de Corinto. [ 447 ] Em algum ponto
desde a fundação de Córcira, porém, Córcira e Corinto tiveram uma
separação litigiosa e passaram a se odiar. Os emissários de Epidamnus,
sendo rejeitados por Córcira, pensaram em dar uma chance a Corinto,
porque, bem, por que não? Qual é o pior que poderia acontecer?
Corinto de fato não tinha nenhum interesse em Epidamnus.
Literalmente, um vulcão poderia ter se aberto e puxado Epidamnus para o
mar e isso não teria afetado Corinto em nada. Portanto, a cidade poderia
facilmente ter ficado fora da guerra civil de Epidamnus, como Córcira
fizera. Mas ela viu uma oportunidade de atacar Córcira por nenhuma razão
melhor do que odiar Córcira. Portanto, a Guerra do Peloponeso começou
com um grande dane-se político. Essa foi uma avaliação estúpida da parte
de Corinto e causou muitos problemas ao mundo grego, mas as pessoas às
vezes são assim.
Pense na última vez em que você teve a oportunidade de tomar uma
decisão quando estava com raiva. A escolha A claramente era a melhor
solução prática para todos os envolvidos, incluindo você, mas também exigia
que engolisse sua raiva e fosse uma pessoa melhor. A escolha B era um
óbvio desastre, mas lhe dava a chance de mostrar a todos como estava
furioso. Qual você escolheu? As pessoas geralmente tomam decisões ruins
quando sentem emoções profundas. É uma espécie de loucura comum que
pode influenciar a todos nós, infelizmente. Quando aflige os que estão no
poder, coisas ruins podem acontecer. E foi o que aconteceu com Corinto.
Córcira não poderia ficar quieta enquanto sua odiada rival e cidade-mãe [
448 ] interveio, e naturalmente escolheu o outro lado na guerra civil de
Epidamnus. As coisas chegaram a um ponto crítico em Epidamnus quando
Córcira, surpreendendo a quase todos, incluindo ela mesma, derrotou a
força combinada de Corinto e Epidamnus. Dizer que esse resultado
dificilmente aplacou as emoções em Corinto seria amenizar o quadro.
Corinto apelou a muitos de seus aliados na Liga do Peloponeso (embora
ainda não Esparta) e reuniu uma grande força para ensinar uma lição a
Córcira.
Eu meio que lamento por Córcira, já que ela não queria isso e, na verdade,
foi tudo culpa da teimosia de Corinto. Corinto escolheu uma luta idiota,
perdeu, e depois começou a atrair outras potências para uma luta idiota
ampliada que não beneficiaria ninguém. Córcira entrou em pânico e tentou
reduzir as tensões, mas Corinto não aceitou. Então Córcira pediu ajuda a
Atenas (agora você vê aonde isso vai dar). O ateniense típico provavelmente
não poderia ter encontrado Epidamnus em um mapa. No entanto, Córcira
tinha uma marinha poderosa, a segunda melhor marinha depois da própria
Atenas. Atenas não podia deixar a marinha de Córcira cair nas mãos de um
aliado espartano como Corinto, então Atenas se aliou a Córcira e, juntas,
chutaram o traseiro de Corinto uma segunda vez.
A essa altura absolutamente furiosa, Corinto continuou com a guerra. Em
um mundo no qual as pessoas não são idiotas, alguém poderia ter dito que
aquela já era uma guerra cara demais por uma cidade remota com a qual
ninguém se importava. Uma das antagonistas, Córcira, ainda ficaria
satisfeita com uma solução arbitrada. Mas Corinto queria vingança, e
envenenou sua aliada Esparta. Quanto tempo levaria para a óbvia ascensão
de Atenas ofuscar Esparta? Não seria melhor atacar agora, antes que Atenas
se tornasse muito poderosa?
Durante décadas, Atenas foi administrada por um funcionário eleito
chamado Péricles. Péricles foi provavelmente um dos melhores estadistas do
mundo, sendo capaz de conduzir a caótica democracia de Atenas. Péricles
temia que a guerra com Esparta fosse inevitável, mas não estava exatamente
entusiasmado com ela. Mas, à medida que as coisas pioravam, ele cometeu o
erro de fazer Atenas demonstrar seu poder intimidando algumas outras
cidades-Estado locais. Isso infelizmente reforçou a narrativa envenenada
que Corinto dava a Esparta. Assim, Esparta declarou guerra a Atenas,
começando uma confusão de 27 anos que enfraqueceu bastante todas as
cidades-Estado da Grécia, incluindo Esparta.
Se você achou que os antecedentes da Guerra do Peloponeso foram uma
sequência confusa de decisões idiotas, nada melhora a partir daí. Com
tantos nomes e locais envolvidos, o conjunto claramente está além do que
esta humilde história pretende alcançar. Vou me concentrar nos
acontecimentos que envolvem os pontos fracos da democracia ateniense, já
que são os mais interessantes no momento.
A guerra em si foi dividida em três grandes fases. O primeiro estágio, às
vezes chamado de Guerra Arquidâmia (porque precisamos de mais nomes
gregos dos quais lembrar), começou mal para Atenas. Na realidade, nem
Atenas nem Esparta tinham qualquer estratégia bélica sensata sobre como
derrotar a outra. Esparta esperava entrar facilmente na região ao redor de
Atenas, esmagar os hoplitas atenienses e acabar com tudo. Mas, a salvo por
trás de suas longas muralhas, os atenienses prudentemente se recusaram a
lutar contra os espartanos em campo aberto. Como as longas muralhas se
estendiam até o porto de Atenas, ela poderia sobreviver indefinidamente a
um cerco por terra. Os espartanos só podiam queimar os campos ao redor
de Atenas e brandir os punhos contra as paredes. Sendo uma potência naval,
Atenas esperava bloquear Esparta e atacar os litorais dos aliados de Esparta
no Peloponeso. Esparta era em grande medida autossuficiente e, embora
dolorosos, os bloqueios não foram suficientes para acabar com os recursos de
que os espartanos dispunham para a guerra.
No início, Atenas sofreu. Depois de reunir todos os seus camponeses atrás
das longas muralhas, uma peste prontamente devastou a cidade lotada. A
doença matou uma parcela substancial dos residentes, o que foi terrível para
Atenas. Ao longo do restante da guerra, a perda de mão de obra causada por
essa peste criou uma desvantagem constante tanto em hoplitas quanto em
pessoal naval. Pior ainda, a peste matou Péricles, talvez a única pessoa capaz
de manter a democracia ateniense minimamente sensata. Até os espartanos
fizeram as malas e voltaram para casa, com medo de pegar a peste dos
atenienses.
Mapa da Guerra do Peloponeso.

Depois disso, a situação se tornou favorável aos atenienses. Eles


conseguiram capturar cerca de trezentos espartanos de elite e hoplitas
aliados em batalha, algo raro que lhes deu uma significativa moeda de troca.
Os espartanos conseguiram tomar algumas minas de prata atenienses na
Trácia. De todas as pessoas, o mesmo Tucídides cuja história da Guerra do
Peloponeso é a maior influência em nossa compreensão dela, liderou uma
força para retomar as minas dos espartanos, falhou e se viu exilado por causa
do fracasso. Durante seu exílio, ele teve a chance de conversar com
espartanos e outras autoridades de todos os lados da guerra, reunindo o
conhecimento que levou às suas histórias.
A essa altura, após cerca de dez anos de luta, ambos os lados estavam
cansados e quebrados, então foi assinada uma trégua que deveria durar
cinquenta anos (spoiler: não durou tanto tempo). Mais uma vez, líderes
equilibrados poderiam ter observado que muitas vidas e muitos tesouros
haviam sido perdidos praticamente por nada. Caramba, àquela altura a
maioria das pessoas provavelmente já havia esquecido tudo sobre
Epidamnus. Mas não, essa foi apenas uma pausa na luta.
A guerra entre os gregos só lhes trouxera miséria, morte e decadência
econômica. E então começa um dos episódios mais estranhos da guerra e
uma demonstração de como Atenas contribuiu para essa loucura.
Ao longo de séculos, os gregos haviam estabelecido colônias por todo o
Mediterrâneo, incluindo a ilha da Sicília. Siracusa, uma colônia coríntia e,
portanto, aliada da Liga do Peloponeso de Esparta, dominou a ilha. Em 415
a.C. várias cidades-Estado sicilianas menores entraram em conflito, e
aqueles que se opunham a Siracusa naturalmente pediram ajuda aos
atenienses.
Para ser justo com Atenas, a ideia de dominar a Sicília apresentava
vantagens, especialmente no que se refere ao acesso a grãos e outros recursos
naturais. Mas envolveria o envio de uma grande expedição a uma distância
considerável na época, com grande risco, incluindo reiniciar toda a Guerra
do Peloponeso. Naturalmente, a assembleia ateniense considerou esse um
plano maravilhoso.
Um sujeito, o velho e doente Nícias, argumentou contra a expedição,
observando quantos recursos ela consumiria. Isso apenas encorajou as
massas a investir ainda mais no projeto e nomear Nícias um dos líderes da
expedição, dado o quanto era óbvia sua prudência. Para equilibrar, também
nomearam como comandante o jovem e extravagante Alcibíades, que Nícias
odiava com a paixão flamejante do inferno. Se isso não bastasse para uma
estrutura de comando confusa, eles também adicionaram um terceiro
comandante, Lamachus, que gostava principalmente de quebrar as coisas.
Então, a democracia ateniense [ 449 ] não apenas embarcou em uma
expedição duvidosa, como conseguiu criar uma das piores estruturas de
comando da história. Como disse um estudioso: “Se o objetivo fosse sabotar
a expedição deliberadamente, a assembleia dificilmente poderia ter
escolhido melhor.” [ 450 ]
Mas essa loucura em particular ainda não terminou. Enquanto a
expedição era preparada, alguém vandalizou várias estátuas dedicadas ao
deus Hermes espalhadas pela cidade. Isso parecia um mau presságio e
deixou todo mundo nervoso. O caso acabou degenerando em uma grande
caça às bruxas, com muitas pessoas acusadas, algumas presas e
possivelmente torturadas, outras fugindo de Atenas. Uma falsa testemunha
acabou sendo executada pelos problemas que causou, mas o vândalo nunca
foi encontrado.
Em algum momento durante tudo isso, um dos comandantes da
expedição, Alcibíades, foi acusado por um rival de blasfêmias desrespeitosas
às sensibilidades religiosas de Atenas. Alcibíades exigiu ser julgado
imediatamente para limpar seu nome. De modo incrível, seus rivais tiveram
sucesso em argumentar que o julgamento deveria ser adiado e que
Alcibíades continuasse como um dos comandantes da expedição. Seu
objetivo era obter falsas evidências contra ele enquanto estava fora,
desacreditando-o por completo, sem que pudesse se defender. Foi
exatamente o que conseguiram, e um navio foi enviado para buscá-lo na
Sicília com a expedição em andamento. Alcibíades, sentindo a situação em
que se encontrava, abandonou o navio na Itália e fugiu. Ao sabotar
Alcibíades a Assembleia conseguiu destituir um hábil comandante da
expedição siciliana, colocando-a principalmente nas mãos do doente e
desanimado Nícias.
Alcibíades seguiu em frente com uma carreira extravagante. Ele
naturalmente desertou primeiro para Esparta e depois, tendo feito inimigos
lá, para a Pérsia. Nos dois casos, ele ajudou seus senhores a acumular vitórias
contra sua cidade natal, Atenas. Alcibíades de fato era um estrategista
militar habilidoso, mas tendia a irritar as pessoas. Atenas enfim convocou
Alcibíades no final da Guerra do Peloponeso, e ele ajudou brevemente a
reverter a sorte de Atenas até que eles se lembrassem de como era um
cretino e o exilassem uma segunda vez.
Na época, Atenas era um grande manicômio. Um homem se castrou em
público no Altar dos Doze Deuses. [ 451 ] As pessoas estavam paranoicas e
viam conspirações em toda parte. Esse era um ambiente ruim no qual traçar
estratégias para uma grande empreitada militar.
O sofrimento de Atenas destaca alguns dos riscos das democracias puras.
Atenas sentia a pressão de anos de guerra, e as pessoas estavam assustadas e
zangadas. Como observei, as pessoas geralmente não fazem boas escolhas
quando tomadas por emoção, e crenças e planos emocionais e precipitados
podem devastar uma democracia como uma peste. Nesse sentido, toda uma
cidadania pode enlouquecer. O pensamento de grupo, um processo pelo
qual pontos de vista divergentes são desencorajados ou mesmo punidos,
pode exacerbar essa situação. A população muitas vezes não é bem-
informada e pode ser influenciada por demagogos. Assim, pode ser
persuadida a tomar decisões emocionais desinformadas contra seus próprios
interesses e condenar ativamente qualquer um que tente falar com bom
senso.
Talvez o paralelo mais claro na história recente dos Estados Unidos seja a
invasão do Iraque em 2003. Os Estados Unidos haviam acabado de passar
pelo trauma dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que
mataram milhares de cidadãos. A maioria dos cidadãos apoiou o presidente
George W. Bush. As pessoas comuns, sendo bastante desinformadas sobre
os assuntos do Oriente Médio, tinham dificuldade em distinguir os
terroristas islâmicos radicalizados da Al-Qaeda do regime secular do
homem forte do Iraque, dois parceiros improváveis. Já com medo do
terrorismo, a maioria das pessoas não questionou a lógica duvidosa do
governo Bush para uma guerra com o Iraque envolvendo laços sugeridos
com a Al-Qaeda e armas de destruição em massa. A guerra resultante foi
mal planejada e, apesar de uma vitória inicial, a ocupação evoluiu para um
fiasco constrangedor. É exagero compará-la ao Vietnã, mas a Guerra do
Iraque é certamente um exemplo dos limites da tomada de decisão
democrática, mesmo em uma república representativa.
Sem Alcibíades, a expedição siciliana correu mal. Infelizmente, a
estratégia foi deixada a cargo do doentio e desanimado Nícias, que nunca
quis a expedição, para início de conversa. Lamachus, o outro comandante
remanescente, que defendia uma estratégia agressiva, normalmente era
ignorado. Assim, os atenienses ficaram na Sicília, dando aos espartanos
tempo para reforçar Siracusa. O resultado foi um desastre completo para
Atenas, com sua marinha destruída e o exército preso em terra, onde acabou
sendo cercado e destruído. Lamachus e Nícias morreram ou foram
executados.
A expedição siciliana foi uma calamidade por vários motivos. Em
primeiro lugar, abalou a marinha de Atenas, dando a Esparta e seus aliados
a chance de desafiar o controle ateniense dos mares, o que foi
potencialmente fatal para a estratégia ateniense de evitar ter recursos
bloqueados pelos espartanos. Em segundo lugar, a derrota prejudicou a
credibilidade de Atenas, e muitas cidades-Estado passaram para o lado de
Esparta. A essa altura, a Pérsia também apoiou ativamente Esparta. Em
terceiro lugar, entregou um valioso agente e comandante aos espartanos na
forma de Alcibíades.
Atenas lutou por mais nove anos, mas basicamente havia perdido a
iniciativa. Ela se recuperou por alguns anos, em especial sob um reabilitado
Alcibíades, mas politicamente Atenas nunca mais emergiu do caos. Um
golpe em 411 a.C. levou a uma oligarquia de curta duração, mas a
democracia acabou restaurada. Em 406 a.C., os atenienses venceram uma
batalha naval contra os espartanos, mas uma tempestade impediu que suas
trirremes resgatassem os marinheiros de seus próprios navios danificados e
naufragados. Consequentemente, muitos marinheiros atenienses morreram
afogados. Ao ser informada disso, a assembleia ateniense, inflamada por
vários agitadores, executou a maioria dos comandantes navais vitoriosos. A
idiotice de executar líderes capazes por acontecimentos fora de seu controle
não precisa ser explicada. Recuperando o juízo tarde demais, a assembleia
acabou se dando conta disso e se voltou contra os instigadores, que em sua
maioria fugiram de Atenas antes de serem julgados. [ 452 ]
A essa altura a democracia ateniense havia, para usar termos técnicos,
surtado completamente. Esse último ato de tomada de decisões emocionais
cegas marcou o fim da capacidade real de Atenas combater Esparta. Em 405
a.C., a frota ateniense foi destruída por uma frota espartana e, incapaz de
obter grãos pelo comércio marítimo, Atenas se rendeu.
Os espartanos merecem o crédito de terem sido bastante generosos na
vitória, no sentido de que permitiram que Atenas continuasse a existir. Os
coríntios, sempre irascíveis, e os tebanos, aliados de Esparta, queriam ver
Atenas destruída. Mas os espartanos exigiram apenas que os atenienses
derrubassem suas muralhas, abandonassem sua marinha e entregassem suas
possessões ultramarinas a Esparta. Posteriormente, Atenas foi incluída na
grande confederação espartana. De acordo com um historiador antigo,
garotas tocavam flauta para os trabalhadores do Peloponeso que derrubavam
as paredes, imaginando que isso sinalizava uma paz eterna para a Grécia sob
a hegemonia espartana. [ 453 ]
Não tão rápido, flautistas! Não demorou muito para que os espartanos
lembrassem a todos que eram meio que cretinos. Eles ficaram com a maior
parte dos despojos da Guerra do Peloponeso, não compartilhando muito
com os aliados, e começaram a intimidar agressivamente quase todo mundo,
desde seus antigos aliados em Corinto e Tebas até os persas. No início do
século IV a.C., uma aliança entre Atenas, Tebas, Argos e Corinto, com o
apoio da Pérsia, desafiou a hegemonia de Esparta e arruinou seus esforços
de se tornar uma potência naval.
Em 371 a.C., apenas 35 anos após os espartanos alcançarem a supremacia
na Grécia, ela foi destruída para sempre. Os tebanos conseguiram descobrir
como destruir as falanges espartanas. Na Batalha de Leuctra, os tebanos
concentraram seu exército em um dos lados da linha. O peso dessa força
concentrada rompeu uma linha mais fina de hoplitas espartanos de elite e
esmagou o exército espartano. Derrotada decisivamente em terra, Esparta
viu a aura de invencibilidade destruída, e coube a Tebas o destaque. Isso
durou até cerca de 346 a.C., quando, como vimos no capítulo 1, os
macedônios chegaram ao poder sob Filipe e seu filho Alexandre, encerrando
a independência da península grega praticamente para sempre até o século
XIX d.C. [ 454 ]
Provavelmente todas as guerras são estúpidas. Mesmo que digamos, por
exemplo, que a Segunda Guerra Mundial foi uma boa guerra para os
Estados Unidos, o Reino Unido e seus aliados, a decisão de Alemanha,
Japão, Itália e seus aliados de iniciá-la ainda foi estúpida. Mas a Guerra do
Peloponeso foi completamente estúpida e abalou severamente todas as
cidades-Estado gregas, acabando com suas chances de evitar o controle
macedônio e, mais tarde, romano. A tolice foi disseminada, já que nenhuma
das grandes potências queria a guerra. Lembram-se da pobre Epidamnus?
Nem você nem a maioria dos gregos depois que as coisas começaram a
acontecer durante a guerra. [ 455 ] Corinto merece muita culpa desde o início
por escolher, por despeito, uma luta de que ninguém, Corinto incluído,
realmente precisava.
Mas o caso dos atenienses, especialmente depois da perda de seu líder
estratégico Péricles, é fundamental para compreender como as democracias
podem ser desfeitas e contribuir para sua própria queda. Desprovida de
liderança inteligente, a democracia ateniense passou de um projeto para uma
caça às bruxas, e depois paranoia e bodes expiatórios. A emoção tomou
conta e os consideráveis recursos financeiros e militares da cidade foram
desperdiçados. Nesse sentido, pode-se argumentar que o caso da Guerra do
Peloponeso não é muito instrutivo no que diz respeito à política entre
Estados rivais, mas serve como alerta sobre como a política interna pode
destruir uma democracia. Este pode ser o verdadeiro aviso para os dias
atuais.
Estamos testemunhando o colapso da democracia no Ocidente?
Vou fazer exatamente a coisa errada para um autor e responder ao meu
entretítulo caça-cliques imediatamente: não. Mas às vezes pode parecer
assim. Enquanto escrevo, nossa sociedade — sejam os Estados Unidos ou
muitas outras nações industrializadas — parece dividida por um nível sem
precedentes de conflitos sectários. A esquerda odeia a direita, todo mundo
está atacando todo mundo com base em raça, religião ou gênero. As pessoas
inventam termos absurdos como “mídia esquerdônica” ou “masculinidade
tóxica” para atacar as pessoas do “outro lado”. As pessoas são “privilegiadas”
ou “supremacistas brancos” (mesmo não sendo necessariamente brancos).
Os conservadores no rádio ou na televisão reclamam dos elementos
doutrinadores nas universidades, onde professores universitários com
dificuldade de entender a ironia falam em elementos doutrinadores na
sociedade tradicional. Pode parecer que o tecido social está se esgarçando e
todos procuramos oportunidades de sentir raiva uns dos outros enquanto
atribuímos a nós mesmos uma espécie de superioridade moral irracional e
paranoica.
Para ser justo, as vozes mais altas tendem a receber maior atenção, o que
pode criar um efeito de distorção, na medida em que podemos supor que a
histeria vocal de alguns tende a representar muitos. [ 456 ] Isso em alguns
casos pode ter um efeito pernicioso na política quando os políticos se
sentem pressionados a atender a essas vozes mais altas com reivindicações
mais radicais. Considere, por exemplo, o sistema de votação primária nos
Estados Unidos.
Historicamente, os Estados Unidos são um dos poucos países a usar
primárias para selecionar candidatos a uma eleição geral, e a participação do
eleitor nas primárias tende a ser baixa. [ 457 ] Considerando esse baixo
comparecimento e o fato de a maioria de nós ter empregos e famílias que
podem dificultar a votação nas primárias, isso leva à percepção de que
eleitores loucos e radicais estão sobrerrepresentados nas primárias, e que a
maioria dos políticos tem de atender a essas opiniões extremas. Assim,
pode-se dizer que nos últimos anos os dois partidos políticos tenderam aos
seus extremos. Mas será verdade? As pessoas mais barulhentas e loucas têm
mais probabilidade de votar nas primárias, dando a elas um controle
exagerado sobre nosso processo político?
Infelizmente, a resposta não é clara, simplesmente porque não há dados
suficientes sobre os eleitores das primárias. Parte da dificuldade reside nas
diferenças de participação entre os estados, muitos dos quais têm regras
diferentes sobre quem pode participar das primárias. A Flórida, por
exemplo, permite apenas que eleitores registrados em um partido votem nas
primárias desse partido, dessa forma eliminando eleitores moderados ou
independentes. Quanto ao fato de os eleitores das primárias serem
politicamente mais radicais, as evidências são contraditórias. Um estudo
usando dados das eleições nos Estados Unidos entre 2008 e 2014 sugeriu
que os eleitores das primárias não eram particularmente radicais em
comparação com os outros em seu partido. [ 458 ] No entanto, a comparação
foi com outros eleitores no partido, não com a massa geral de eleitores,
muitos dos quais se apresentam como independentes. Portanto, talvez as
pessoas que se identificam com um ou outro partido simplesmente tenham
se tornado mais radicais. Em contraste, um artigo anterior sugeriu que os
eleitores das primárias de fato são mais radicais que os eleitores das eleições
gerais. [ 459 ] Portanto, provavelmente é errado pensar que os eleitores das
primárias são mais radicais do que o restante dos eleitores de seus partidos;
talvez as pessoas que se identificam com qualquer um dos principais
partidos dos Estados Unidos sejam mais radicais do que o restante do
eleitorado.
De qualquer forma, isso embute um risco significativo de criar nas
primárias uma preferência por candidatos ideologicamente mais radicais, e
então impingir dois candidatos ruins a um eleitorado geral insatisfeito, que
na verdade não gosta de nenhum deles. Essa de fato não é uma receita para
grandes resultados políticos.
Eleitores de todos os matizes também tendem a fazer escolhas irracionais
e emocionais, em vez de escolhas pragmáticas. Por exemplo, o apoio ao
candidato a presidente assumidamente segregacionista George Wallace em
1964 se concentrou sobretudo entre os norte-americanos caucasianos que
viviam em bairros com elevada tensão racial. [ 460 ] Zangados e com medo
de mudanças, alguns eleitores foram atraídos por um candidato obviamente
horrível de modo a preservar o status quo. Outras análises sugerem que é
mais comum cortejar os eleitores radicais nas eleições primárias quando não
há um candidato à reeleição. Ao que parece, os partidos sentem a
necessidade de fechar um grupo central de partidários obstinados (e
potencialmente malucos) antes de se preocupar com o eleitorado ampliado. [
461 ] Os partidos políticos talvez se preocupem com a deserção de
“insatisfeitos” — eleitores das primárias que se recusam a votar naquele
finalmente indicado se essa pessoa não for o candidato que eles endossaram.
[ 462 ] A natureza irracional e emocional de tal tomada de decisão é não
perceber que, mesmo que seu candidato não seja o escolhido, ainda assim o
candidato apresentado mais provavelmente compartilha dos seus valores do
que o candidato do partido adversário.
Então, as primárias estimulam a loucura? Provavelmente. Isso pode se
dever tanto ao fato de que os filiados de ambos os partidos principais
simplesmente se tornaram mais radicais quanto à percepção dos candidatos
de que precisam prometer muito (e às vezes coisas totalmente malucas) para
garantir um núcleo de apoiadores obstinados antes de se preocupar com os
eleitores em geral.
Isso nos leva a uma das mais fascinantes primárias e eleições presidenciais
da história recente, a do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A questão na mente de todos, quer concordem, quer discordem, é: Trump é
simplesmente louco? Bem, vamos dar uma olhada.

O curioso caso do ex-presidente Trump


Enquanto escrevo, Donald Trump ocupa o cargo de quadragésimo quinto
presidente dos Estados Unidos.* Para começar, deixe-me observar como é
difícil fazer qualquer tipo de julgamento preciso de uma figura política em
tempo real. Mesmo historicamente isso pode ser difícil. Figuras amadas em
sua época às vezes se tornam vilões da história, e vice-versa. O mesmo se
aplica à avaliação da saúde mental de um personagem público. Psicólogos,
psiquiatras e outros profissionais de saúde mental muitas vezes são
influenciados por suas próprias crenças políticas, e é muito fácil que um
“diagnóstico” seja uma difamação política. Assim, espero examinar esta
questão com a maior cautela possível, com o objetivo de discutir como nossa
sociedade enlouqueceu um pouco na era Donald Trump tanto quanto
pretendo discutir o próprio homem.
É importante observar que os psiquiatras (mas não os psicólogos) estão
sujeitos a algo chamado de Regra Goldwater. Essa regra teve sua origem na
eleição presidencial de 1964, quando uma revista entrevistou milhares de
psiquiatras para perguntar se o candidato conservador Barry Goldwater era
apto ao cargo de presidente. Apenas cerca de 10% dos psiquiatras
responderam à pesquisa e, desses, cerca de metade disse que Goldwater não
era apto para o posto. No entanto, a revista transformou isso em uma crítica
contundente a Goldwater, retratando-o como um lunático paranoico e
delirante. Goldwater perdeu a eleição (difícil dizer qual exatamente foi o
papel desempenhado pelo artigo), mas depois processou a revista por
difamação, o que é bastante raro no caso de personagens públicos. Vários
anos depois, a American Psychiatric Association instituiu a Regra
Goldwater, que proíbe os membros de fazer diagnósticos públicos de
indivíduos dos quais não fizeram uma avaliação real. Claro, há um ardil-22
embutido nisso, pois os psiquiatras também estariam obrigados à
confidencialidade em relação a qualquer pessoa de quem tenham feito uma
avaliação, a menos que a pessoa abrisse mão da confidencialidade. Isso
efetivamente impede os psiquiatras de falar em público sobre políticos. [ 463
] Aparentemente esperando uma onda de comentários sobre Donald
Trump, a American Psychiatric Association reforçou a regra em 2017. A
American Psychological Association não tem uma regra equivalente,
embora os psicólogos sejam aconselhados a falar apenas sobre suas
especialidades e sem insinuar ter uma relação profissional com o sujeito das
suas declarações. Muito justo: para que fique registrado, não tenho um
relacionamento profissional com Donald Trump (nem com Calígula, Maria
Antonieta ou qualquer outra pessoa citada neste livro), nem realizei uma
avaliação psicológica dele.
A Regra Goldwater faz algum sentido. Impede que psiquiatras desonestos
transformem suas visões políticas em repulsivos ataques políticos ad
hominem com aparência científica. “Não vote em Matilda para o conselho
escolar, pois as opiniões dela sobre a teoria das cordas claramente indicam
esquizofrenia latente!” Mas algumas pessoas não se importam muito com a
Regra Goldwater, dizendo que é abrangente demais e impede que os
psiquiatras cumpram seu dever de alertar o público quando um personagem
se torna claramente desequilibrado. Alguns sugeriram um meio-termo em
que psicólogos e psiquiatras poderiam fazer avaliações, especialmente no
caso de políticos, com base em evidências sobre a saúde mental, mas sem
avaliar aptidão política. Isso é particularmente verdadeiro dado o quanto a
doença mental tem sido comum entre presidentes dos Estados Unidos e
outros políticos, estabelecendo assim que a doença mental, em si, não torna
um indivíduo inapto para o serviço público. [ 464 ]
Na outra extremidade do espectro está um grupo de psiquiatras e outros
especialistas em saúde mental que defendem o “dever de alertar”, afirmando
que os especialistas em saúde mental têm a obrigação de, em essência,
quebrar a Regra Goldwater quando o estado mental de um líder mundial
coloca em risco significativo o mundo, ou pelo menos muitas vidas.
Provavelmente o argumento mais conhecido nesse sentido é um livro de
ensaios de destacados especialistas em saúde mental compilado pelo
psiquiatra Brandy Lee. Nos seus melhores momentos, o livro faz um
trabalho sofisticado de apresentar os prós e os contras da Regra Goldwater.
Nos piores, os autores parecem fazer exercícios retóricos para diagnosticar
Trump como um narcisista maligno e potencialmente delirante, sem nunca
mencionar um diagnóstico formal, como transtorno de personalidade
narcisista, para permanecer estritamente nos limites da Regra Goldwater.
Desse modo, há muitos eufemismos e insinuações nos ensaios. [ 465 ]
Deixando isso de lado, vamos dar uma olhada em Trump e no fenômeno
Trump. Honestamente, em comparação com algumas das outras pessoas
neste livro, não acho Trump tão interessante, a não ser pelo fato de que ele
se tornou presidente e, ao fazê-lo, empurrou o mundo desde a beirada do
precipício onde já estava pendurado para maluquice paranoica a todo vapor.
As origens de Trump estão bem estabelecidas tanto em
memórias/biografias com as quais ele colaborou [ 466 ] quanto outras que
não. [ 467 ] Trump nasceu em um ambiente de grandes privilégios e riqueza,
frequentando escolas particulares e demonstrando uma personalidade forte
desde a infância. Seu relacionamento com o pai, como muitos dos
personagens neste livro, foi sem dúvida tenso, [ 468 ] e o pai parecia muito
exigente. O irmão de Trump, Fred Jr., acabaria morrendo com quarenta e
poucos anos de complicações do alcoolismo, o que alguns atribuem à sua
incapacidade de atender às exigências do velho Trump. [ 469 ] Trump se
casou três vezes, todas elas com uma modelo ou atriz glamorosa (incluindo a
ex-primeira-dama, Melania Trump). As relações extraconjugais de Trump
foram assunto para os tabloides, incluindo acusações de casos quando
casado com Melania. Trump tem cinco filhos de seus casamentos, e se
podemos inferir que às vezes foi insensível em suas relações com as esposas,
é importante notar que os filhos parecem estar entre seus confidentes mais
próximos, mesmo que sua versão da criação de crianças não seja o
estereótipo caloroso e afetuoso. Trump sempre foi conhecido por sua
personalidade forte, envolvido em práticas comerciais agressivas, negócios
de alto risco que lhe renderam tanto sucessos enormes quanto fracassos
espetaculares e, às vezes, empreendimentos de legalidade questionável,
como a falida Trump University. Alguns de seus negócios terminaram
falidos, embora Trump pessoalmente pareça não ter sofrido em termos de
riqueza. Como observado, a vida pessoal de Trump tem sido assunto para os
tabloides, incluindo uma famosa gravação do Access Hollywood de 2005 na
qual ele se gabava de apalpar mulheres sem seu consentimento. [ 470 ] A
persona pública de Trump mesclou egoísmo impetuoso, um senso de humor
que pode ultrapassar a linha entre o bullying e (apenas para ser justo com os
dois lados) honestamente engraçado, quando não maldoso demais (o que
muitas vezes é) e um charme estranho que lhe serviu bem como um astro de
reality shows.
Ex-presidente Trump.

Trump começou a testar o terreno da presidência já em 2000, embora


tenha trocado o partido Democrata pelo Reformista e finalmente o
Republicano, sugerindo falta de convicção ideológica. Ganhou destaque a
partir de 2011 com seu endosso à conspiração “birther”, que sugeria que o
então presidente Barack Obama não era cidadão norte-americano nato.
Essa teoria alucinada específica representaria um dos casos históricos mais
audaciosos de manipulação de currículo, caso verdade. Suas ambições
presidenciais foram em grande medida tratadas mais como golpes
publicitários do que um projeto sério.
Em junho de 2015, Trump entrou desajeitadamente nas primárias
presidenciais para 2016 com um discurso atipicamente pessimista indicando
que os Estados Unidos estavam em meio a uma crise séria, e causou
alvoroço ao sugerir que os imigrantes mexicanos eram principalmente
criminosos, usuários de drogas e estupradores. [ 471 ] Os dados disponíveis
sugerem que perpetração de crimes entre imigrantes, legais ou ilegais, é
mais baixa que entre cidadãos norte-americanos natos. [ 472 ] No entanto, há
algumas sutilezas nos dados, como taxas de encarceramento mais altas entre
imigrantes hispânicos ilegais do que entre brancos nativos, mas não afro-
americanos nativos, entre os quais o encarceramento é muito maior. [ 473 ]
Ainda assim, uma declaração tão explicitamente enganosa e racista teria
sido o fim da maioria das candidaturas presidenciais. No entanto, estratégica
ou não, a linguagem grosseira de Trump atraiu a simpatia de um segmento
insatisfeito do Partido Republicano, e ele conseguiu superar cada um de seus
principais oponentes, a maioria dos quais formada por políticos
profissionais.
Trump continuou a dar muitas declarações e a exibir um comportamento
altamente polêmico, de modo que sua indicação à chapa republicana na
eleição de 2016 pareceu ser um presente para o Partido Democrata. Tudo o
que os democratas precisavam fazer era evitar a escolha de um candidato
impopular e polêmico demais. E assim, ignorando o bom senso e
possivelmente por pressão da liderança, o Partido Democrata escolheu
Hillary Clinton. Embora Clinton tivesse considerável experiência como
senadora e secretária de Estado, também carregava todo o peso da
presidência de seu marido, Bill, bem como seus próprios erros ao longo dos
anos. E as pessoas provavelmente estavam um pouco cansadas de ver as
mesmas duas famílias, Clinton e Bush, [ 474 ] retornando à Casa Branca com
tanta frequência. Fosse isso justo ou não, muitas pessoas simplesmente não
gostavam dela, o que dificilmente era uma novidade em 2016. Assim, sua
escolha foi um presente para o Partido Republicano. Apesar das pesquisas
mostrando sua vitória, ela perdeu, tornando Trump o quadragésimo quinto
presidente.
Enquanto escrevo, Trump é presidente há cerca de dois anos e meio. Uma
coisa que podemos dizer é que ele não quebrou o mundo, pelo menos até
agora, algo que o presidente republicano anterior, George W. Bush, estava a
caminho de fazer a essa altura. Em termos de políticas, a maior parte dos
últimos dois anos viu impostos baixos para os ricos, a desregulamentação e
os altos gastos com Defesa de que os republicanos tendem a gostar. Mas a
presidência de Trump tem sido uma tempestade de tuítes furiosos, alta
rotatividade de pessoal, impulsividade e caos. Certamente nada parecido
com uma presidência normal. Se isso é bom ou ruim depende do ponto de
vista de cada um.
Trump é louco? A destrutividade é um elemento-chave da loucura como
definida neste livro. O que quer que seja Trump, sem dúvida serviu bem a
ele até assumir a presidência. No momento é difícil avaliar a destrutividade.
A não ser quanto ao prestígio dos Estados Unidos, os impulsos mais
selvagens de Trump parecem não ter prevalecido na política real. Difícil
dizer se isso é porque Trump tem em mente alguma estratégia grande e
inteligente, ou porque o sistema de freios e contrapesos do governo dos
Estados Unidos, incluindo a burocracia, está realmente funcionando,
embora eu suspeite que este último esteja exercendo uma considerável
influência. Em outras palavras, Trump talvez esteja louco, mas avaliar isso
pode ser difícil se os burocratas, sua equipe da Casa Branca, o partido
político adversário no Congresso, [ 475 ] a imprensa e outros estiverem
contendo seus piores impulsos. De fato, o Relatório Mueller, investigando
acusações de conluio com os russos nas eleições de 2016 e obstrução da
justiça, foi divulgado em 2019. Embora não tenha encontrado evidências de
que Trump trabalhou com os russos para derrotar Clinton em 2016, o
relatório afirma que os esforços desajeitados de Trump para obstruir a
justiça foram frustrados principalmente por seus próprios assessores, que se
recusaram a cumprir ordens.
O que parece indubitável é a presença de narcisismo. A tendência de
Trump a se envolver em petulantes guerras de tuítes com aqueles que o
irritam sugere o tipo de sensibilidade que vemos entre os chamados
“narcisistas vulneráveis”, aqueles que sentem a necessidade de atacar os que
ameaçam sua imagem pessoal. [ 476 ] Afora isso, não identifico base para
outros diagnósticos. Tenho visto especulações sobre psicose ou demência e,
claro, é possível que Trump possa ter tais problemas e não saibamos, mas
pelo seu comportamento público acho difícil reunir elementos para tais
distúrbios. O narcisismo não é raro entre políticos de todos os matizes.
Entre os políticos profissionais é possível que os tipos mais vulneráveis
tendam a ser eliminados com o tempo, dada sua tendência a atacar e criar
inimigos. Mas Trump chegou por um caminho incomum, sem ter nenhuma
experiência significativa anterior no governo. De fato, com base no
Relatório Mueller, ele costuma parecer mais um touro na loja de porcelana
do que ardiloso.
O interessante não é que Trump seja louco (e ele possivelmente é, pelo
menos um pouco), mas que sua loucura provavelmente seja um elemento
que atrai alguns de seus admiradores. Nesse sentido, Trump é um sintoma,
não uma causa, e a doença é uma espécie de loucura que acometeu
elementos de nossa sociedade.

A síndrome Trump de desequilíbrio


Uma das características da era Trump é o grau significativo de raiva do
outro que pessoas de ambos os lados do espectro político expressam. Política
sempre foi um assunto delicado nas conversas, mas ainda mais hoje.
Infelizmente, as discussões públicas tendem a ser dominadas pelas vozes
mais altas, e embora eu costume relutar em culpar a tecnologia pela maioria
dos males da sociedade, as redes sociais provavelmente ampliaram o alcance
de algumas das vozes mais radicais. Nesse caso eu vejo “direita” e
“esquerda” [ 477 ] como unidades quase tribais que lutam pelo domínio
político com agressividade cada vez maior, os dois lados empregando testes
ideológicos primários e intimidando os membros para evitar qualquer sinal
de acordo.
É útil lembrar mais uma vez que muitas de nossas decisões ou atitudes
não são baseadas em fatos ou cognições, mas em emoções, ou estão
relacionadas à identidade tribal. Considere o aquecimento global, por
exemplo. Geralmente as pessoas de direita são mais céticas quanto às
alegações de responsabilidade humana pelas mudanças climáticas do que as
de esquerda. Dado o volume de evidências científicas sustentando as
mudanças climáticas, as pessoas de esquerda podem presumir que são mais
bem-informadas que as pessoas de direita. Mas isso seria uma avaliação
errada. A maioria de nós está completamente desinformada sobre a ciência
climática além do que lemos nos jornais, se tanto. Em vez disso, as pessoas
de direita são céticas em relação ao aquecimento global porque é isso que
pessoas da direita fazem. As pessoas de esquerda aceitam o aquecimento
global porque é isso que pessoas de esquerda fazem, não porque de fato são
mais bem-informadas. O fato de a ciência sugerir que a esquerda está
correta é em grande parte coincidência.
Para ser justo, o mesmo pode ser dito da esquerda em relação a tópicos de
que ela não gosta. Por exemplo, muitos na esquerda continuam a negar a
existência de diferenças biologicamente determinadas no comportamento de
homens e mulheres, apesar de fortes evidências disso. Simplificando, tanto
liberais quanto conservadores se engajam em negacionismo da ciência
quando a ciência entra em conflito com visões ideológicas. [ 478 ] Nesse
sentido, uma espécie de tribalismo cultural acaba se tornando uma
influência poderosa nas crenças, e isso pode deixar os sistemas de crenças
altamente polarizados, já que aqueles com crenças diferentes são inimigos da
tribo. [ 479 ] Isso não quer dizer que todos se enquadram perfeitamente em
uma tribo, e coisas como curiosidade científica podem neutralizar esse tipo
de desvio de confirmação automático. [ 480 ]
Assim, quando pensamos em muitas das pessoas que votaram em Trump,
elas podem não ter ficado totalmente entusiasmadas com sua grosseria, mas
talvez tenham visto isso como um contraponto necessário à transformação
de termos como racismo e sexismo em armas contra qualquer desafio aos
ideais progressistas. Nesse sentido, muitos indivíduos estão preocupados não
em manter um domínio cultural, mas em ser totalmente excluídos do
diálogo por não compartilhar uma lista predefinida e aprovada de valores
progressistas. Nesse sentido, esquerda e direita podem ter dificuldade em
dialogar porque as vozes radicais da esquerda caracterizam qualquer
divergência da pureza ideológica como “supremacia branca”, enquanto
algumas vozes radicais da direita realmente expressam visões de supremacia
branca, reforçando a posição dos ideólogos da esquerda. A maioria das
pessoas simplesmente é apanhada no meio e tenta não ser arrastada para
uma guerra suja, e está cansada de tudo, não sem razão. Isso não quer dizer
que a eleição de Trump seja um resultado racional, mas que vozes radicais
na esquerda e na direita contribuem para uma cultura de hostilidade que
torna mais provável a eleição da loucura para a Casa Branca.
Alguns exemplos ilustram a questão. Uma preocupação crescente com
relação à extrema esquerda foi a prática de censura e intimidação de posições
que não obedecem a uma pureza ideológica em questões como raça e
gênero. Em janeiro de 2019, a autora Amélie Wen Zhao suspendeu a
publicação de seu romance de estreia Blood Heir após reações hostis no
Twitter de algumas vozes estridentes preocupadas que o livro fosse racista
em relação aos afro-americanos. Essas preocupações surgiram apesar do fato
de que nenhum afro-americano aparece no livro, que se passa em um
mundo inteiramente ficcional. Neste caso, um pequeno número de
“influenciadores” parece ter convencido ou intimidado a autora a cancelar ou
adiar a publicação, apesar das acusações serem no mínimo uma interpretação
subjetiva. [ 481 ] O apelo de alguns por pureza ideológica resultou em
ninguém ser capaz de ler o livro (pelo menos na forma original) e chegar às
suas próprias conclusões. Não surpreende que muitos considerem incidentes
como esse uma ameaça à liberdade de expressão.
Essa imposição de “sensibilidade” também pode parecer hipócrita quando
alguns na esquerda parecem se sentir livres para expressar opiniões racistas
ou sexistas, desde que limitadas a brancos ou homens. Por exemplo: em
agosto de 2018, a colunista do New York Times Sarah Jeong provocou
polêmica quando se soube que ao longo de vários anos ela havia escrito uma
série de tuítes contra brancos e contra homens, como “homens brancos são
uma bosta”, “ah, cara, é quase doentia a alegria que me dá ser cruel com
velhos brancos” ou “brancos idiotas de merda marcando a internet com suas
opiniões como cachorros mijando em hidrantes”. Claro, talvez seja trollagem
boba e agressiva, mas tente substituir “branco” por “negro” ou “hispânico” e
o problema se tornará imediatamente evidente. Alguns na esquerda
defenderam Jeong alegando que é impossível ser racista com brancos, mas
isso confunde racismo institucional com racismo individual. [ 482 ] Também
é hipócrita e, em vez de unir as pessoas e promover a harmonia e cooperação
racial, simplesmente reorganiza o baralho racista decidindo quais raças (ou
gêneros) são “boas” e “más”. O argumento de que Trump é racista (ou pelo
menos usa o racismo estrategicamente) pode ser, acredito, sustentado com
base em seu comportamento público. Mas não aplicar esses mesmos
parâmetros a uma pessoa não branca como Sarah Jeong cria dois pesos e
duas medidas, algo que não é sustentável.
Um conjunto de diretrizes clínicas da American Psychological
Association sobre tratamento de meninos e homens também foi criticado
por usar uma linguagem que muitos consideraram depreciativa, sobretudo
em relação a homens mais tradicionais, potencialmente sexista em relação
aos homens, e provavelmente desencorajar em vez de encorajar os homens a
procurar terapia. [ 483 ] Embora as diretrizes tivessem algumas ideias boas,
muitas pareciam dedicadas a empurrar teorias feministas e interseccionais
para pacientes do sexo masculino, qualquer que fosse o motivo para terem
buscado terapia. [ 484 ] Não acredito que um mineiro de carvão
desempregado que luta para pagar suas contas e sustentar a família vá se
beneficiar de uma discussão sobre seus privilégios. Eu integrava o Conselho
de Representantes da APA na época e escrevi uma revisão observando que
as diretrizes careciam de mérito científico e provavelmente provocariam uma
forte resposta negativa. Infelizmente, não fui ouvido.
Eu tive meu próprio desentendimento com a pureza ideológica uma vez.
Pertenço a um grupo de estudiosos de videogames. Após a fuzilaria de
Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019, quando o atirador fez algumas
referências deslocadas a videogames e tecnologia, que poderiam ser uma
provocação intencional, vários estudiosos sugeriram a necessidade de estudar
os aspectos tóxicos da cultura dos jogos. Eu perguntei se, usando essa lógica,
esses mesmos estudiosos argumentariam que devemos estudar os elementos
“tóxicos” (para usar a palavra deles) de outras culturas nas quais alguns
indivíduos cometeram chacinas. Por exemplo, perguntei: uma vez que
alguns atiradores proclamaram afinidade com grupos terroristas islâmicos,
devemos estudar o Islã? Ou como o IRA perpetrou atentados terroristas nas
décadas de 1970 e 1980, devemos estudar os elementos tóxicos da cultura
irlandesa? Naturalmente, eu não estava defendendo tal coisa, meramente
apontando a irracionalidade hipócrita de ter como alvo grupos inteiros por
conta do comportamento de uma pequena minoria de indivíduos. Mesmo
assim, um punhado de acadêmicos aproveitou a oportunidade para mostrar
suas virtudes e deplorar minhas “ilações” [ 485 ] em relação ao Islã (descobri
que ninguém estava particularmente preocupado com os irlandeses). Como
um membro permanente do corpo docente, fiquei surpreso, mas não
perturbado com o que parecia ser um claro comportamento intimidatório de
alguns. Outros na lista falaram em minha defesa; mas eu só conseguia
imaginar o impacto que aquilo poderia ter no diálogo franco no caso de
professores não titulares ou estudantes, que viam uma pergunta destinada a
desafiar uma posição política hipócrita ser descaracterizada e submetida a
uma violenta agressão. Naturalmente, o comportamento de alguns não
representa todo o grupo, mas é exatamente esse o meu ponto. O
comportamento radical de alguns poucos nos extremos pode ter um grande
impacto na cultura como um todo.
Isso, é claro, funciona nos dois sentidos, com muitos idiotas, valentões,
racistas e misóginos de verdade na direita. Eu me dediquei à esquerda, mas
devo observar que a direita também tenta silenciar aqueles de quem
discorda. Certa vez [ 486 ] escrevi um ensaio para a CNN sugerindo que
permitir que criminosos condenados fossem capazes de imprimir armas
portáteis em uma impressora 3-D talvez não fosse uma boa ideia. Um irado
defensor dos direitos das armas fez uma queixa ética contra mim, alegando
que eu tinha abusado do meu poder como membro do conselho editorial da
CNN. A promoção de colunista ocasional para o conselho era novidade
para mim, e a reclamação não foi longe. O problema é quando confundimos
nazistas marchando por Charlottesville com as atitudes do norte-americano
caucasiano comum. Ou supomos que qualquer ato de violência de um
movimento como o Antifa reflete as atitudes de todos aqueles preocupados
com grupos desfavorecidos.
O exemplo de Blood Heir também aponta para duas outras preocupações
relacionadas. Uma é que ao cedermos aos agressores, seja da direita ou da
esquerda, acabamos reforçando o comportamento agressivo e piorando as
coisas. Em segundo lugar, ao fomentar uma mentalidade de vítima, aqueles
que se consideram vítimas podem vir a considerar sua agressão aos outros
justificada por serem vítimas. E isso pode funcionar em um ciclo contínuo
na direita e na esquerda.
Nesse sentido, o governo Trump é mais sintoma do que causa de uma
loucura crescente em nossa cultura sociopolítica, na qual pessoas com visões
diferentes se tornam inimigas e devem ser derrotadas ou humilhadas a todo
custo. Isso não significa que não haja loucura no governo Trump ou que
devemos considerá-lo apenas o preço esperado por nossa própria sociedade
tumultuada. De fato, embora seja difícil avaliar a história a partir do
presente, é difícil imaginar que o julgamento da história sobre este estágio
da política dos Estados Unidos seja positivo. Mais uma vez, isso se deve à
tendência de chegar a extremos, em que o governo Trump tem sido
tragicamente hábil.
Apenas como mais um exemplo, os Estados Unidos certamente têm o
direito de definir uma política de imigração pragmática e humana que tenha
valor para o país. Há poucas evidências de que, no geral, a política de
imigração norte-americana seja particularmente draconiana. [ 487 ] No
entanto, o governo Trump perdeu qualquer razão ao separar cruelmente
crianças imigrantes ilegais de suas famílias na fronteira, supostamente
perdendo o controle das crianças em alguns casos. [ 488 ] Os Estados Unidos
decerto têm o direito de deter aqueles que cruzam ilegalmente a fronteira,
mas não deveria ser controverso sugerir que as instalações de detenção sejam
o mais humanas e confortáveis possível, com a devida atenção ao processo
legal e aos pedidos razoáveis de asilo para aqueles capazes de demonstrar tal
necessidade. Crianças não devem ser separadas de seus pais nessas
circunstâncias, e pedir que o governo as abrigue é uma receita para o
desastre. Mesmo que os direitos humanos óbvios e a questão do devido
processo legal sejam ignoradas, a questão prática da catástrofe de relações
públicas para os Estados Unidos deveria ser mais do que óbvia.
É o fracasso do governo em antecipar o revés causado por políticas
prejudiciais como essa e inúmeras outras que me leva a sugerir que, no fim
das contas, meu palpite é que Trump será considerado um dos presidentes
mais loucos da história dos Estados Unidos.
CAPÍTULO 11
LOUCURA NO FUTURO

E
m março de 2019, um australiano de 28 anos abriu fogo contra duas
mesquitas em Christchurch, Nova Zelândia, perpetrando um dos
piores massacres da história do país. O atirador levou várias armas
de fogo e uma câmera de capacete, com a qual transmitiu a violência.
Grande parte da chacina foi transmitida ao vivo pelo Facebook e mais tarde
se espalhou pela internet. Na porta da primeira mesquita, o atirador foi
saudado por um religioso com um educado “Olá, irmão” antes que abrisse
fogo, matando indiscriminadamente homens, mulheres e crianças. Após o
primeiro massacre, ele seguiu até outra mesquita, onde matou fiéis até ser
detido pela polícia. No total, matou cinquenta pessoas e feriu muitas outras.
O massacre foi inspirado por um movimento crescente de extrema direita
dedicado ao ódio racial e religioso e baseado na ideia de que os brancos
precisam se defender de imigrantes de outros países, especialmente
muçulmanos. Assim como o norueguês que em 2011 matou 77 pessoas, a
maioria adolescentes, em um acampamento de verão, o atirador de
Christchurch deixou para trás um manifesto desvairado cheio de fantasias
paranoicas de novas cruzadas contra o Islã. Ele também provocou os leitores
com declarações bobas sobre redes sociais e videogames que pareciam
calculadas para colocar na direção errada os apavorados morais de sempre.
Esse ataque desencadeou uma nova rodada de reflexão em muitos países
industrializados. Será que uma onda de loucura está assolando a população,
seja na forma de nacionalismo de direita ou extremismo islâmico radical, ou
são apenas jovens insatisfeitos que odeiam a todos? As redes sociais estão se
tornando um meio perigoso através do qual a loucura ou mesmo apenas
ideias malucas se espalham como um incêndio? Estamos à beira de uma
catástrofe cultural global disseminada pela loucura das massas?
Durante os últimos anos da segunda década do século XXI, uma onda de
loucura inchou e varreu o mundo industrializado. Nativismo, autoritarismo
e nacionalismo parecem estar em ascensão nos Estados Unidos, no Reino
Unido, no continente europeu e em grande parte do resto do mundo
industrializado. Essa onda sem dúvida é alimentada por preocupações
legítimas: desigualdade de renda, imigração ilegal, violência terrorista
dirigida ao mundo industrializado e a sensação de que as nações
industrializadas estão perdendo influência para novas potências como a
China. E, como observei no capítulo anterior, vozes altas e radicais tanto à
direita quanto à esquerda provavelmente contribuíram muito para alimentar
as tensões. Será que este período marcará o fim de uma fase histórica em
que as democracias liberais estiveram em ascensão?
Honestamente, eu tendo a ser mais otimista. Em primeiro lugar, devemos
lembrar que sempre há vozes negativas prevendo desgraças. Na década de
1980, as pessoas viviam com medo de uma guerra nuclear inevitável; na
década de 1990, os Estados Unidos e a Europa pareciam prestes a ser
engolidos economicamente pelo Japão; nos anos 2000, o medo do
terrorismo do Oriente Médio se apoderou do mundo. Isso não quer dizer
que não precisamos estar alertas para a loucura crescente em nossos sistemas
políticos, mas sim que é importante reunir todos os dados. Hoje, tanto a
direita quanto a esquerda temem que tenhamos perdido nosso lugar no
mundo (se você for norte-americano) ou que o mundo tenha enlouquecido
(praticamente todos os outros lugares).
Às vezes ajuda fazer um balanço. Temos que lembrar que, pela maioria
dos índices, o mundo hoje parece melhor do que nunca em termos
comportamentais, médicos e econômicos. [ 489 ] Isso não é minimizar os
desafios reais que a sociedade humana enfrenta, seja o aquecimento global,
os padrões de migração humana ou governos autoritários em algumas partes
do mundo. Mas, tendo anunciado o fim da sociedade desde que
conseguimos nos lembrar, talvez devêssemos respirar fundo e partir do
pressuposto de que, quaisquer que sejam os desafios que enfrentamos, não
estamos cambaleando à beira do precipício.
Fazer isso pode nos ajudar a permanecer mais sóbrios diante dos
problemas que enfrentamos. E, vamos lembrar, a tomada de decisão em
extremos emocionais pode levar à loucura política e transformar esses
desafios reais em problemas maiores. No momento, a dificuldade que temos
para escapar da loucura social envolve a crescente polarização política e a
amplificação das vozes mais radicais pelas novas mídias e plataformas
tecnológicas. Como manter a sanidade quando o louco consegue gritar mais
alto?

Algumas reflexões sobre sanidade histórica


Passei boa parte deste livro estudando o que deu errado. Mesmo nas poucas
histórias de sucesso, como Alexandre, o Grande, o custo social e pessoal da
loucura foi enorme. Supondo que nós (qualquer que seja o grupo que
identificamos como “nós”) não queremos invadir o resto do mundo,
batizando cidades e vilas com nosso nome (uma ou duas Fergusonvilles seria
o suficiente para mim, acho), pode ser educativo ver como algumas vezes as
sociedades saíram da loucura e se colocaram em um caminho produtivo. De
que modo pessoas como Abraham Lincoln, Marco Aurélio, Tang Taizong [
490 ] ou Emmeline Pankhurst [ 491 ] conseguiram transmitir sanidade em
momentos em que a loucura parecia reinar? [ 492 ]
Isso, é claro, demanda que uma grande pessoa venha nos resgatar. E talvez
isso possa acontecer, mesmo que, estudando nossa lista de políticos
disponíveis em todo o mundo, eu me pergunte se temos tempo para esperar.
Mas a sanidade a nível social é algo de que todos podemos participar em
pequeno grau.
Parece que um livro como este deveria terminar com um tom otimista e
algumas sugestões. É provável que isso seja apenas o que os psicólogos
fazem. Mas deixe-me começar dizendo que conselho é sempre mais fácil de
dar do que aceitar. Eu não sou um anjo. Houve momentos em que
desrespeitei pessoas que pensavam de maneira diferente da minha, em que
contribuí para debates polarizados, em que tomei decisões por raiva e medo
e em que, sem dúvida, disse algo que ofendeu alguém em suas crenças
centrais. Portanto, meu conselho é fruto de considerar o que eu poderia
fazer melhor, não simplesmente dar lições a outras pessoas sobre como elas
poderiam fazer melhor.
Parte disso vem de nos darmos conta de que é duvidoso que sejamos
pessoas inerentemente melhores do que aquelas com visões de mundo
diferentes das nossas. Esse é um equilíbrio difícil no momento histórico
atual. Por um lado, as pessoas muitas vezes se sentem pressionadas a se
engajar na “sinalização da virtude”, que envolve demonstrar fidelidade aos
valores ideológicos de uma tribo política, muitas vezes por meio da
condenação pública daqueles que defendem valores opostos. Por outro lado,
as pessoas também podem se sentir forçadas a uma autocrítica pública, na
qual os indivíduos devem expressar arrependimento por falhas ideológicas
passadas ou reconhecer seu menor valor por não pertencer a grupos
identitários particularmente valorizados.
O progresso vem também de reconhecer que as coisas que vemos chegar
aos noticiários (ou às nossas redes sociais) não são representativas de como o
mundo é. Normalmente, aquilo que chama nossa atenção é o pior do
mundo. Como consumidores de notícias, somos atraídos pelo espetáculo do
desastre. Embora talvez não seja a característica mais lisonjeira da condição
humana, isso significa que tendemos a ter uma visão distorcida de nosso
atual momento na história. Além disso, podemos filtrar essas informações
por meio de nossas visões de mundo preexistentes e identidades tribais
políticas para reforçar nossos próprios preconceitos sobre o mundo. Assim,
para a pessoa de direita que vê atentados a tiros ou bomba perpetrados por
quem alega afinidade com organizações terroristas islâmicas, aqueles vindos
de outras partes do mundo podem parecer extremamente ameaçadores. Por
outro lado, pelas lentes do progressista, os mesmos fuzilamentos e atentados
podem parecer culpa do homem branco. [ 493 ] No entanto, as coisas
realmente são melhores do que aparentam e, na maioria das vezes, as outras
pessoas só querem levar a vida e ter seu lugar no mundo. Certamente há
aqueles desesperados, as vozes mais altas e loucas dedicadas a semear o caos,
que não podem deixar de dividir o mundo entre bem e mal (basicamente
com eles próprios no lado do bem, claro). Essas pessoas sempre estiveram
conosco; nós simplesmente não as ouvíamos tanto quanto agora.
Examinando os casos deste livro, a loucura parece ganhar força seguindo
três caminhos principais. Em primeiro lugar, estão as sociedades nas quais
os indivíduos foram elevados a posições de poder por razões outras que não
seu mérito. Esse é o caso das monarquias, que muitas vezes careciam de
meios claros de transferir o poder dos loucos para aqueles com melhores
habilidades para liderar. A segunda situação é aquela em que indivíduos
ambiciosos se valeram de momentos de caos, fraqueza ou medo em uma
população subjugada. É o caso de homens fortes e autoritários como Idi
Amin ou Saddam Hussein. Por último, a situação em que a própria
população cedeu à loucura e tomou decisões com base no medo ou na raiva.
Esse foi o caso de Atenas, e sinais dessa derrocada podem ser vistos na era
moderna. Nem todo caso se encaixa perfeitamente nesse padrão, é claro. A
queda da república romana, por exemplo, tem elementos tanto do modelo
do homem forte quanto do caos democrático, e ocorreu gradualmente ao
longo de muitas gerações. Também é algo com que aprender. Embora
possamos condenar a aparente ascensão de governantes autoritários em
muitos países, certamente em alguns casos, como os Estados Unidos, o
poder tem se deslocado lentamente para o Executivo por anos e sob vários
partidos no poder.

Objetivo compartilhado
Em Atenas, a democracia foi levada à loucura pela percepção de ameaças
externas à medida que a Guerra do Peloponeso progredia de uma forma que
ameaçava os cidadãos. Em nossa era, as democracias modernas muitas vezes
sentem pressões externas, seja devido a terrorismo, ações ameaçadoras de
nações autoritárias ou imigração descontrolada. No entanto, grande parte da
luta é interna. Nossos inimigos não são mais fascistas ou comunistas de
outros regimes, mas vizinhos com crenças diferentes das nossas e que,
somos levados a acreditar, corromperiam nossa cultura de formas horríveis e
imperdoáveis. Desconfio que é esse o principal fator que nos leva à nossa
atual sensação de loucura e conduz nossos governos, como democracias, a
decisões cada vez piores. Então, como podemos superar esse grau de conflito
em nossas sociedades?
Os seres humanos parecem ter uma noção natural de divisão, prontamente
buscando as diferenças entre si e os outros, e tendem a interpretá-las de
modo hostil. Podemos ver isso em nossos próprios conflitos políticos e
sociais atuais, nos quais as pessoas não apenas discordam, mas decidem que
aqueles de quem discordam são essencialmente maus e devem ser excluídos
da vida pública para sempre. Poucas coisas nos dão um propósito
compartilhado em nosso grupo quanto um grupo externo para demonizar.
Atacar a decrepitude moral de um grupo externo também nos oferece a
oportunidade de anunciar à tribo nossa própria virtude. Isso pode fazer
sentido, na medida em que, historicamente, grupos competiam por recursos
escassos e pode ter sido uma adaptação evolutiva no passado. Entre espécies
agressivas, a desconfiança instintiva de estranhos obviamente é algo que
seria selecionado.
No entanto, nossas tribos se tornaram maiores e mais diversificadas, e a
hostilidade dentro dessas megatribos pode levar a uma incapacidade de
transigir, a um movimento em direção a posições políticas mais radicais (e
imprudentes) e ao colapso do tecido social que mantém uma comunidade
com um propósito compartilhado. Como restauramos essa noção de
propósito?
Uma descoberta consistente na pesquisa psicológica diz respeito a como
os grupos passam a odiar uns aos outros e também como podem encontrar
oportunidades de cooperar. Um famoso estudo chamado experimento
Caverna dos Ladrões reuniu meninos em um acampamento de verão e os
dividiu aleatoriamente em grupos sociais separados. No início, os grupos
não sabiam da existência uns dos outros. A coesão do grupo foi fomentada
nesses grupos de crianças selecionadas ao acaso para dar a elas uma
identidade social. Um grupo foi chamado de Cascavéis, e o outro Águias
(não confundir com a banda Eagles de “Hotel California”). Depois, os
grupos de crianças foram colocados em contato um com o outro.
Como era de se esperar, essa fase de contato não foi boa, especialmente
porque os pesquisadores deram a elas tarefas competitivas. Um grupo
sempre vencia o outro. As provocações verbais começaram, cada grupo
desenvolveu estereótipos negativos do outro como fraco, estúpido ou
mesquinho, e eles começaram a roubar ou vandalizar as propriedades do
outro. Isso não parece muito diferente do Twitter hoje em dia! Basicamente,
quando os dois grupos foram colocados em uma situação em que estavam
competindo e frustrando os objetivos do outro, a hostilidade se intensificou
rapidamente.
Na terceira fase do estudo, os dois grupos foram forçados a cooperar para
um objetivo em comum, no caso, garantir o acesso a uma caixa d’água. Esse
objetivo compartilhado ou coordenado reduziu a tensão e o preconceito
entre os grupos. Isso levou os autores a concluir que encontrar objetivos
comuns pode reduzir a tensão entre grupos. [ 494 ]
Para ser justo, a psicologia tende a encerrar seus experimentos mais legais
com uma bela reverência. Esse experimento foi algumas vezes criticado
porque os pesquisadores interferiram demais, possivelmente influenciando
os resultados. Outros criticam a ética de propositalmente induzir os
meninos a um conflito agressivo entre si, mas esqueça a ética. Isso foi na
década de 1950. Outros experimentos confirmaram pelo menos a ideia geral
do experimento Caverna dos Ladrões, [ 495 ] e até mesmo jogar videogames
de ação cooperativamente pode reduzir as tensões externas. [ 496 ] Portanto,
é provável que haja validade nisso. Historicamente, pudemos ver isso depois
do 11 de setembro, quando a maior parte do país, à esquerda e à direita, se
uniu em apoio ao presidente George W. Bush sem questionar. Claro, isso
levou a uma série de desastres, de modo que é possível ir longe demais com a
coesão do grupo.
Portanto, discórdia demais pode levar à loucura, mas também
conformidade demais. Isso sugere que talvez haja algum tipo de equilíbrio
ideal entre conflito e conformidade que devamos buscar. Se o patriotismo
obsessivo do início dos anos 2000 foi longe demais em uma direção,
certamente a atual cultura de confronto das redes sociais vai longe demais na
outra.
Encontrar uma noção de propósito compartilhado é particularmente
desafiador. Sempre que uma questão social urgente se desenvolve, um lado
parece se apressar a chegar a uma conclusão, com o outro chegando à
conclusão oposta com alegria irracional, os dois lados proclamando que
trabalhar em busca do meio-termo seria uma traição. Poderíamos citar
diversas questões sociais: devemos ter nenhum controle de armas ou
trabalhar para desarmar todo cidadão cumpridor da lei? Eliminamos todos
os abortos ou permitimos que as mulheres tenham a oportunidade de
praticar abortos eletivos até o terceiro trimestre? As vidas negras, azuis ou
todas elas importam? Vemos todos os imigrantes não brancos com
desconfiança ou abrimos nossas fronteiras a todos os que chegam? Não
quero sugerir que o meio-termo seja sempre a melhor resposta, mas quero
dizer que seria útil encontrar formas de lembrar que estamos todos juntos
no barco a remo e podemos discordar, mesmo que fundamentalmente, em
certas questões, e ainda respeitar o valor intrínseco do outro.
Essa é uma escolha que cada um pode fazer individualmente. Significa
encontrar maneiras de transmitir àqueles de quem discordamos que ainda os
respeitamos. Significa conter a satisfação daquela resposta incrível e não
mostrar aos membros da nossa própria tribo quão bem podemos esmagar o
inimigo. Também significa reconhecer quando o oponente tem um
argumento justo, mesmo que ainda discordemos da posição geral. Também
significa saber quando abandonar respeitosamente uma discussão que se
tornou improdutiva. Essa é uma forma de arte em grande medida
moribunda, mas empregá-la pode acabar com discussões e também reduzir
o estresse.
Propósito compartilhado não significa necessariamente escolher um
problema e literalmente trabalhar em conjunto em busca de uma solução,
embora com certeza possa ser. Em vez disso, todos nós precisamos reafirmar
que pertencemos a uma comunidade maior de indivíduos, incluindo aqueles
de quem discordamos ou dos quais somos diferentes. Comunidade
compartilhada não precisa significar opiniões ou ideologias partilhadas, nem
mesmo valores compartilhados, pelo menos não sempre, mas a disposição de
respeitar um processo de negociação e acordo como um caminho para
resolver diferenças para um bem comum.

Não argumente com base em frustração


Quando pensamos sobre o que mais nos irrita na arena social, isso
raramente envolve posições absurdas. Por exemplo, um indivíduo
defendendo a ideia de que os países ocidentais deveriam adotar um
comunismo ao estilo soviético provocaria pouco mais do que desinteresse ou
revirar de olhos. Tal visão é obviamente uma minoria enlouquecida com
pouca influência para prejudicar os objetivos de aperfeiçoamento e
realização da maioria das pessoas. Em contraste, opiniões expressas por uma
parcela significativa da população podem ser ameaçadoras e frustrantes para
aqueles com perspectivas opostas. Considere o debate sobre a imigração, por
exemplo. Recomendar fronteiras abertas ou mesmo um sistema de
imigração leve, com anistia, cidades-santuário, oposição à assimilação e
assim por diante pode ser frustrante para aqueles que acreditam que a
imigração deve ser estratégica, limitada e focada na assimilação cultural. Por
outro lado, recomendar muros na fronteira, limites para imigração legal e
asilo e o fim da possibilidade de reunião familiar frustram aqueles que
defendem um sistema de imigração amplo e compassivo ou se preocupam
com a discriminação na imigração. Os dois lados têm pontos certos. No
entanto, ao argumentar com base na frustração, eles não apenas perdem
oportunidades de acordo, mas também se veem assumindo posições mais
radicais, quase com a intenção de frustrar ainda mais a oposição, que então
responde assumindo posições mais radicais, contribuindo para a evidente
loucura. Assim, muros na fronteira e imigração aberta tornam-se valiosos
menos por resolver o problema da imigração, e mais porque irritam a outra
tribo. Essa é uma maneira ruim de lidar com os problemas sociais. [ 497 ]
Quando desenvolvemos uma visão de um mundo futuro e começamos a
trabalhar nisso, é natural perceber que outras pessoas trabalhando com uma
visão diferente de um mundo futuro são uma grande fonte de frustração. Na
medida em que eles estão trabalhando em direção a algo que não queremos
(desregulamentação da indústria, impostos mais altos, diminuição da
imigração, mais liberdade de aborto, hambúrgueres veganos, uma nova
versão de A família Brady, qualquer coisa), podemos descobrir que muitas
vezes não gostamos deles sem conhecê-los. Isso, por sua vez, pode nos levar
a dizer coisas que, refletindo, podem soar radicais até para nós: “Prefiro
morrer a comer um hambúrguer vegano!” [ 498 ] Esperar alguns minutos para
lembrar que (A) essa outra pessoa tem o direito a uma opinião divergente,
por mais estúpida que seja, e (B) gritar raramente convence alguém de
qualquer coisa além de nossa própria loucura, pode nos ajudar a conter um
pouco nossas emoções.
Se os leitores não se lembrarem de mais nada deste livro, espero que seja o
seguinte: chamar alguém de cretino raramente encoraja esse alguém a ouvir
mais. A frustração só nos faz reforçar nossas ideologias, buscar aliados e
ignorar as críticas. Nesse sentido, mesmo pessoas absolutamente certas
podem contribuir para resultados terríveis por estarem certas da maneira
mais errada possível. O debate sobre vacinação é um excelente exemplo.
Não sou um pesquisador de vacinas, mas aceito que são bastante claras as
evidências de que as vacinas não estão, exceto talvez pela raríssima exceção
de um em dez milhões, envolvidas no autismo ou em outras deficiências
cognitivas. Mesmo sendo generosos, podemos dizer que quaisquer riscos da
vacinação são bem menores do que as doenças que previnem. Mas também
me incomodo sempre que vejo pessoas dando declarações depreciativas
sobre o movimento antivacinas. Não porque o movimento antivacinas esteja
certo em termos científicos, mas porque, ao desperdiçar uma oportunidade
de ouvi-los apresentar suas preocupações e abordá-las por meio do diálogo,
simplesmente fazemos com que se aferrem ainda mais à sua ideologia. O
debate sobre a vacinação já dura mais de vinte anos. Não será hora de tentar
algo além da ridicularização pública? Certamente é difícil convencer as
pessoas, mas pode ser feito. Um dos exemplos mais surpreendentes foi o
apoio popular aos direitos dos homossexuais. Como acontece com qualquer
movimento, a defesa dos direitos dos homossexuais inclui diversas
abordagens, mas acredito firmemente que (como aconteceu com a
dessegregação em meados do século XX) o compromisso de agir como
adultos foi fundamental para conquistar corações e mentes da maioria. Há
toda uma literatura psicológica sobre persuasão, a maior parte da qual
reconhece que é um negócio difícil. Mas a racionalidade faz parte disso e,
cada vez mais, os debates sobre política têm perdido qualquer aparência de
racionalidade.

A internet, como de hábito


A tecnologia recebe a culpa por uma série de coisas, sendo que na maioria
dos casos provavelmente não tem. Sem dúvida se perdeu na história o
debate entre os Cro-Magnon sobre os efeitos deletérios da roda no
desenvolvimento da juventude. “Carregar coisas à mão era bom o suficiente
quando eu era um jovem macaco, e deve ser bom o bastante para meu filho
também!” Houve debates confirmados sobre a palavra escrita, peças gregas,
tradução da Bíblia do latim, o teatro, locomotivas, [ 499 ] o rádio, histórias
em quadrinhos, televisão, fornos de micro-ondas, [ 500 ] videogames,
Dungeons and Dragons, Harry Potter e praticamente qualquer outra coisa
nova legal em que se possa pensar. Não parece, por exemplo, que o uso da
internet ou das redes sociais cause suicídio em jovens, apesar do excessivo
nervosismo de alguns. [ 501 ]
Mas não inocentemos totalmente as redes sociais ainda. Por enquanto,
vou deixar de lado as consideráveis preocupações com a privacidade e o uso
egoísta de nossos dados pessoais por grandes empresas de tecnologia. [ 502 ]
O que preocupa é a maneira como frequentemente nos comportamos nas
redes sociais. Quer dizer: como idiotas. Não me entenda mal, muitas
pessoas são idiotas na vida real também, acredite, eu conheci muitas. E
embora se fale muito sobre o anonimato da internet, que é parte do
problema, também tenho visto muitas pessoas se comportarem de modo
rude com seus nomes à vista. Suspeito que dois problemas contribuam para
o mau comportamento na internet. Primeiro, a gratificação imediata.
Segundo, a falta de conexão face a face.
Quero ser claro: não estou defendendo a ideia de que a internet nos torna
cretinos. Em vez disso, sugiro que a internet torna mais fácil para nós
sermos os cretinos que já somos. Voltando à minha observação anterior
sobre a frustração, a internet facilita muito um comentário irritado ou
maldoso sobre outro ser humano sem muita reflexão. Vou confessar: eu fiz
isso, e tenho certeza de que a maioria dos leitores também, exceto aqueles
que vivem em cavernas. [ 503 ] Compare isso com anos atrás, quando uma
resposta agressiva exigia enviar uma nota com palavras fortes ao editor de um
jornal, um exercício de tempo e esforço que permitiria à maioria de nós cair
em si antes de atacar. Ver Joe Biden assustadoramente cheirando o cabelo de
alguém [ 504 ] poderia ter sido notícia vinte anos atrás (ou talvez não), mas
hoje podemos passar semanas na internet analisando tudo, sentindo raiva
uns dos outros quando não obtemos a resposta “certa”. É suficiente que ele
ria [ 505 ] e prometa não fazer isso de novo, ou ele precisa ser açoitado em
público com um chicote mergulhado em vinagre? Estou ansioso pelos tuítes
e e-mails que receberei por levantar essa questão.
Eu geralmente não gosto da maneira como as pessoas nas ciências
humanas e na sociologia usam a palavra “performar” para indicar que nosso
comportamento público em geral é dirigido a agradar algum tipo de mestre
social. Em grande medida duvido que nós performemos gênero, por exemplo,
já que o gênero em grande parte reside no hipotálamo, não sendo uma
construção social (ver capítulo 4). Mas acho que a sociologia tem razão
nesse contexto. [ 506 ] Suspeito que parte do apelo da internet, especialmente
depois que deixamos de olhar nossos antigos colegas de colégio para ver se
eles estão mais gordos e carecas do que nós (pelo menos no meu caso, eles
estão — desculpe, pessoal!), é que nos dá uma oportunidade imediata de
anunciar nossa virtude para nossa tribo. De que outra forma podemos
explicar por que tantas horas forram gastas, dos dois lados, destaco,
debatendo se os personagens de Vila Sésamo Bert e Ernie eram gays? [ 507 ]
Eles são Muppets! Esqueçam isso. Todo mundo.
Parece haver poucas maneiras mais fáceis de indicar o quanto uma pessoa
é um ser humano bom e moral do que rir da imoralidade de outra pessoa.
Mais difícil é reconhecer nossas próprias falhas morais (embora isso não
exija humilhação pública ao estilo Revolução Cultural) e, ao mesmo tempo,
ser generosos em relação às falhas dos outros. Deixe que nossa presença na
internet seja de gentileza e argumentos racionais, em vez de grosseria e
ataques. Para a maioria de nós isso não é algo que possamos simplesmente
desligar e ligar. Na verdade, estremeço ao pensar quando foi meu último
momento de grosseria na internet — provavelmente em algum momento
durante uma pausa entre a redação dos parágrafos deste capítulo. Mas a
cada decisão que tomamos de não estimular a cultura de ataques na internet,
ajudamos individualmente a reduzir um pouco nossa loucura social.

Não deixe que os desgraçados o esmaguem


Com todos sendo grosseiros, nossa cultura pode se tornar algo semelhante a
um mar de pessoas se afogando, cada uma tentando subir em cima das
outras para respirar, mas no processo simplesmente arrastando uns aos
outros para baixo. Se você apresentar uma ideia em um espaço público,
inevitavelmente alguém tentará destruí-la para aumentar seu próprio valor.
Quanto mais bem-sucedido você se tornar, maior será a paixão e a
persistência de seus detratores. É fácil ficar atolado na negatividade se não
tomar cuidado.
Tornar-se parte da loucura social não é apenas uma questão de resistir à
vontade de gritar junto com todos os outros. Também demanda certa
firmeza. Isso pode ser difícil de gerenciar.
No capítulo anterior, discutimos a polêmica sobre o romance para jovens
Blood Heir, cuja publicação a autora Amélie Wen Zhao suspendeu após uma
campanha no Twitter reclamando de ser insensível a questões raciais. [ 508 ]
Provavelmente há uma história mais complexa por trás disso, mas seja qual
for o motivo, suspender o livro quase certamente foi a decisão errada. Não
quero criticar Zhao e, sem dúvida, seu editor e seu agente tiveram algum
papel na decisão. No entanto, acredito que personagens públicos que são
atacados têm alguma obrigação de permanecer firmes quando essas críticas
não são razoáveis. Sem dúvida os limites são subjetivos. Dizer algo
mesquinho certamente justifica um pedido de desculpas. Mas com Blood
Heir chegamos a um ponto em que a arte e a literatura estão sendo
censuradas (e continua a ser censura se o autor foi intimidado a isso) em
nome da pureza ideológica. Livros e arte deveriam ser provocativos e pontos
de partida para discussões. A noção de que todo o material que não se
encaixa em uma determinada visão de mundo deve ser eliminado é
altamente perigosa. Foi ruim quando a direita argumentou que Harry Potter
transformaria nossos filhos em bruxinhos, e é ruim quando a esquerda
argumenta que Blood Heir transformaria nossos filhos em racistas. É o
mesmo argumento.
Permanecer firme na tempestade do Twitter certamente requer firmeza e
coragem. Mas pode ser feito. Envolve lembrar que as vozes mais altas não
representam um consenso social. Pior ainda, ao ceder às vozes mais loucas
de nossa sociedade, apenas as encorajamos em sua loucura. Um componente
fundamental da pesquisa comportamental é que os comportamentos
recompensados ocorrem com maior frequência. Se não queremos que as
pessoas mais raivosas das redes sociais tenham controle sobre nossa
sociedade, temos de parar de dar a elas o que elas querem, pura e
simplesmente. Isso significa enfrentar os valentões, certamente com
educação e firmeza, mas precisamos tomar a decisão de fazê-lo. Então,
apresente ideias impopulares, mas de boa-fé, se tiver estômago para isso,
mas permaneça educadamente firme diante da loucura. Não se envolva com
aqueles que insultam. Lembre-se: como se costuma dizer, nunca entre em
uma luta na lama com um porco. Todo mundo sai sujo, mas só o porco se
diverte.

Lembre-se dos princípios cívicos básicos


Por fim, seria bom se recordássemos de dois princípios básicos facilmente
esquecidos. A liberdade de expressão e o devido processo legal. Todos
pensamos querer essas coisas, mas geralmente apenas quando nos
beneficiam, e não quando beneficiam aqueles de quem não gostamos.
A maioria de nós concordaria que a liberdade de expressão e o devido
processo legal são componentes fundamentais de qualquer democracia
funcional. Ainda assim, muitas vezes estamos surpreendentemente dispostos
a descartar esses valores quando pessoas que consideramos terríveis se
beneficiariam deles. Como vimos em outros momentos do livro, políticos,
mesmo em repúblicas e democracias, estão dispostos a minimizar o
princípio da liberdade de expressão quando lhes convém. Enquanto escrevo,
o atual presidente dos Estados Unidos usa uma linguagem que despreza a
liberdade de expressão, e as proteções à liberdade de expressão em outros
países diminuíram diretamente com a ascensão de líderes autoritários.
Pesquisas com estudantes universitários costumam revelar confusão e
dubiedade quanto à questão da liberdade de expressão. Por exemplo: os
estudantes universitários apoiam esmagadoramente a liberdade de expressão,
em maior grau do que adultos mais velhos. Ao mesmo tempo, parcelas
significativas dos alunos também expressam a vontade de silenciar discursos
que consideram de “ódio”, embora as fronteiras nem sempre sejam definidas
com clareza. [ 509 ] Essa é uma luta antiga, não algo inventado por
estudantes universitários da geração mais recente: o que fazer com um
discurso que é constitucionalmente protegido (o que nos Estados Unidos
inclui discurso de ódio, desde que não incite diretamente a violência), mas
repulsivo para os padrões médios da população? Ninguém está ansioso para
ver um grupo de nazistas marchando pela rua principal de sua cidade (bem,
exceto os nazistas, suponho), mas como podemos enfrentá-los de modo
apropriado ao mesmo tempo apoiando seu direito de ser cretinos? A
resposta geralmente é: enfrentar a fala má com fala boa, mas isso requer
certo grau de tolerância e, dada a nossa natureza emocional, nem sempre
somos bons em tolerância. Caramba, não somos bons em tolerar
divergências de ponto de vista de boa-fé, quanto mais discurso de ódio real.
Expressões como “racista”, “supremacia branca” e “sexista” foram
empregadas de forma tão ampla nos últimos anos que começaram a perder
força. Com certeza, o melhor discurso é aquele racionalmente
fundamentado e oferecido de boa-fé segundo as normas civis de convívio.
No entanto, não podemos ter certeza de proteger isso a menos que também
protejamos as piores coisas que as pessoas dizem. Isso não significa que
devemos tolerar tal discurso, mas podemos protegê-lo mesmo enquanto o
questionamos.
Discutimos o devido processo legal no capítulo 7. Tal como acontece com
a liberdade de expressão, presumivelmente todos pensam que é importante
até que seja hora de oferecê-lo a alguém de quem não gostamos. Quando,
então, não é mais tão importante. E, como acontece com a liberdade de
expressão, não é apenas um conjunto de leis, mas um sistema de valores que
informa essas leis e se estende além delas. Sem estar disposto a oferecer o
devido processo legal às pessoas que pessoalmente suspeitamos ser culpadas,
não há como garanti-lo para as pessoas que consideramos inocentes.

Algumas reflexões finais


Estamos vivendo em uma época de grande loucura? Eu permaneço
otimista. Com certeza estamos diante de desafios significativos. Muitos de
nossos líderes mundiais parecem pelo menos um pouco loucos, e nosso
discurso social está começando a refletir um tanto disso. Mesmo assim,
apesar de todos os nossos descontentamentos, as coisas continuam
melhorando. Claro, nada é para sempre, e uma calamidade global pode se
instalar no exato momento em que este livro for impresso (caramba, talvez
por causa disso). Mas acho que não.
Mas ficar fora do caminho da loucura exigirá de cada indivíduo a escolha
de não contribuir para ela. Nenhum de nós é perfeito, mas a cada decisão de
não contribuir para o caos de nossa época, acredito que podemos ajudar a
tornar o mundo em que vivemos um pouco menos louco. E, permanecendo
firmes diante da loucura, podemos dar a ela um pouco menos de poder.
Meu conselho para o mundo se resume principalmente a isto: todos nós
precisamos suavizar um pouco. E manter os dedos cruzados para que em
cem anos alguém não esteja escrevendo um livro como este sobre nós.
CAPÍTULO EXTRA
VLADIMIR PUTIN

N
o Natal de 1991, a União Soviética chegou oficialmente ao fim.
Muitos dos seus antigos territórios, desde as pequenas nações
bálticas até a Ucrânia e as repúblicas da Ásia Central, tornaram-se
Estados independentes, embora a Rússia permanecesse grande e majestosa.
A ameaça de uma guerra nuclear perdeu a força, e parecia que estávamos
dando início a uma era de razão, prosperidade econômica e Pax Americana.
Até que houve um pouco disso, sobretudo em relação à prosperidade
econômica, mas a globalização levou à crescente desigualdade de renda e ao
sucateamento da classe trabalhadora, a guerras que pareciam intermináveis
contra terroristas islâmicos e Estados pária e ao aumento da opinião pública
não apenas polarizada, mas, muitas vezes, completamente sem pé nem
cabeça. Pensando bem, os anos 1980 não pareciam mais tão ruins — música
boa, cabelos volumosos, o Burger King de fato fazia uma comida que tinha
condições de competir com o McDonald’s… Se você fosse indiferente à
constante ameaça de uma guerra nuclear, foi mesmo uma era de ouro.
Sendo assim, para os saudosos dos velhos tempos da Guerra Fria,
fevereiro de 2022 trouxe uma oportunidade real de voltar àquela época. Em
24 de fevereiro, a Rússia, que vinha reunindo forças na vizinha ex-república
soviética Ucrânia, invadiu o país por algumas direções distintas. Ao que
tudo indica, o intuito parece ter sido conquistar as principais cidades, depor
o governo liderado pelo presidente Volodymyr Zelensky e estabelecer um
Estado fantoche simpático a Moscou. Em vez disso, no momento em que
este texto é escrito (em abril de 2022), a invasão russa emperrou porque o
planejamento e a logística foram ineficientes, além de soldados mal
treinados, e colunas blindadas foram destroçadas por mísseis antitanque
fornecidos pelo Ocidente. A Rússia supera em muito a Ucrânia em
contingente e recursos materiais, além de contar com armas nucleares.
Portanto, ainda pode sair vitoriosa. Contudo, a incapacidade russa de tomar
a capital ucraniana, Kiev, ou a maioria das outras grandes cidades, tem sido
humilhante.
A invasão da Ucrânia também incitou uma resposta considerável dos
países ocidentais, que tanto estenderam a mão para o governo ucraniano
quanto impuseram sanções prejudiciais à economia russa. Embora outras
nações importantes, como a China e a Índia, tenham se mostrado relutantes
em se opor à investida dos russos, o país está em vias de se tornar um
Estado pária. O mais preocupante é que, à medida que os países da OTAN
fornecem suprimentos para a Ucrânia, envolvendo-se efetivamente em uma
guerra indireta contra os russos, o potencial para um confronto nuclear entre
a Rússia e os países da OTAN com armas nucleares tornou-se uma
possibilidade real, embora ainda pareça algo distante. Por que a Rússia
decidiu arriscar tanto?
Muitos me fizeram essa pergunta nos últimos tempos e, é claro, para
entendermos a questão, precisamos tentar entrar na cabeça do presidente
russo, Vladimir Putin. Infelizmente, os detalhes sobre os primeiros anos de
sua vida são um tanto quanto obscuros, e é provável que seja intencional, já
que se trata de um sujeito que veio do serviço de inteligência soviético, a
KGB, para se tornar um autocrata da Rússia. Putin nasceu no ano de 1952,
em Leningrado, filho único de uma família da classe trabalhadora. São
poucos os detalhes de sua vida doméstica, mas, desde cedo, ele demonstrou
uma ambição de se desenvolver física e intelectualmente, estudando artes
marciais e frequentando escolas soviéticas de elite.
Depois de estudar Direito na faculdade, entrou para a KGB e se tornou
agente na Alemanha Oriental. Ainda estava lá quando o Muro de Berlim
caiu e a União Soviética se desintegrou, acontecimentos que parecem ter
deixado uma marca indelével em Putin. Ele entrou para a política na Rússia
e subiu na hierarquia de conselheiros do presidente russo Boris Yeltsin,
considerado por muitos um alcoólatra à frente de um governo corrupto.
Sem muita influência, Putin desenvolveu um talento especial: usar guerras
separatistas (a começar pela república dissidente da Chechênia) a fim de
condenar duramente seus oponentes para ganhar popularidade.
Em 1999, o debilitado Yeltsin deixou a presidência e indicou Putin para o
cargo, o que, na época, foi uma surpresa. Putin viria a vencer a eleição
presidencial no ano seguinte. De início, parecia inclinado a aprimorar as
relações com o Ocidente e melhorar as questões domésticas de seu país.
Também levou partidários leais a cargos importantes e deu início ao
processo de desgaste das incipientes instituições democráticas russas em prol
da consolidação do poder em suas próprias mãos. Ele reprimiu a liberdade
de expressão, prendeu ou assassinou dissidentes, cortejou os militares e
assumiu o controle dos tribunais e de outras instituições governamentais.
Em uma clássica jogada autocrática, também modificou a Constituição para
que pudesse permanecer no poder por tempo indefinido.
Putin também demonstrou vontade de lançar mão não só da guerra, mas
do uso brutal de bombardeios contra civis para ampliar o poder russo. Ele
aniquilou por completo a resistência chechena, entrou em guerra contra a
vizinha Geórgia em 2008, anexou a Crimeia em 2014, antes território da
Ucrânia, e, desde 2015, envolve-se diretamente no apoio militar ao regime
autoritário de Bashar al-Assad na Síria. A Rússia também se tornou
conhecida por enviar assassinos atrás de dissidentes no exterior, sobretudo
em Londres. E agora, é claro, ele invadiu a Ucrânia.
Até o momento em que escrevo este capítulo, essa ofensiva tem se
mostrado um desastre absoluto. Apesar de contar com forças e
equipamentos muito superiores, os ataques russos não foram capazes de
conquistar as principais cidades do oeste ou do centro da Ucrânia, em
especial Kiev. É difícil obter o número exato, mas as estimativas sugerem
que as baixas entre os russos foram altas (bem como as entre os ucranianos,
principalmente civis). Falhas de planejamento e logística, além de um erro
de julgamento quanto à receptividade do povo ucraniano, parecem ter
contribuído para o desastre. Os países ocidentais atingiram a Rússia com
sanções severas, e as tensões com a OTAN se intensificaram. A economia
russa sofreu com as acusações de crimes de guerra contra civis e o país está
prestes a se tornar um pária internacional.
Há duas perguntas a serem feitas. A primeira é: como Putin conseguiu
cair em tamanha armadilha? E a segunda: até onde ele pode esticar a corda?
Quanto à primeira pergunta, minha impressão é a de que Putin caiu em
vários padrões comuns que são a ruína de autocratas narcisistas e
egocêntricos. Em primeiro lugar, ele começou a levar sua própria narrativa
muito a sério. Putin fabricou a lógica de que a Ucrânia era uma parte
histórica da Rússia e que o governo democrático (embora, sem dúvida,
imperfeito) da Ucrânia era liderado por nazistas. Tal narrativa criou o delírio
de que os russos seriam vistos como salvadores da pátria. Em segundo lugar,
ele se cercou de bajuladores que morrem de medo de apontar seus erros. E,
em terceiro lugar, com ares de Hitler, os êxitos na Chechênia, na Geórgia,
na Síria e na anexação da Crimeia, com relativamente pouca resistência das
potências ocidentais, parecem tê-lo encorajado a arriscar mais e, por fim,
ultrapassar um limite perigoso.
Em poucas palavras, Putin passou a acreditar cegamente nas próprias
ideias, um padrão bem comum de se observar em autocratas egocêntricos,
embora, em geral, ele tivesse se mostrado mais sagaz em ações passadas.
Pode ser tentador para o Ocidente apostar todas as fichas na Ucrânia e
destituir Putin do poder de uma vez, algo que o presidente Biden e outros
líderes ocidentais já chegaram a insinuar ou até mesmo expressar com todas
as letras. Contudo, a Rússia é uma potência nuclear.
Portanto, a pergunta do momento de fato é: se as potências ocidentais
entrassem mesmo em guerra contra a Rússia e isso parecesse evoluir para a
derrocada completa de Putin, será que ele apertaria o botão, não só de armas
nucleares táticas que mirem nos exércitos, mas também de uma guerra
nuclear ampla e estratégica que traria consequências globais catastróficas?
Evitar a destruição mútua depende do bom senso dos atores envolvidos
que optarão por ficar longe da catástrofe. No entanto, quando um psicopata
egoísta vê seu próprio reinado desmoronar à sua volta… Diante a
impossibilidade de ter poder, será que ele tomará uma última medida
drástica e destruirá tudo? Decisões desse tipo não são inéditas… A linha de
raciocínio dos perpetradores de homicídios em massa não é muito diferente,
e não é difícil imaginar a escolha que Hitler teria feito se tivesse acesso a
armas nucleares. Será que Putin faria algo tão terrível? Eu estaria mentindo
se não admitisse estar nervoso.
Muitos fatores distintos podem interferir, é claro. Os subalternos de Putin
podem se recusar a cumprir ordens tão perversas, ou a OTAN pode dar um
jeito de neutralizar as armas nucleares estratégicas da Rússia antes que sejam
acionadas. Até o momento, a inteligência norte-americana parece ter uma
boa noção dos planos de Putin, então só nos resta esperar que a situação se
mantenha assim.
Esta obra trata de pessoas importantes do tipo desprezível, e Putin já
levou sofrimento a inúmeras vidas, sendo o povo da Ucrânia o alvo mais
recente. Entretanto, apesar do meu interesse pelos loucos, parte da premissa
do livro é a hipótese da Grande Pessoa — de que ações e líderes individuais
também podem fazer a diferença para melhor. Sendo assim, no conflito em
questão, o indiscutível oposto de Putin é o presidente da Ucrânia,
Volodymyr Zelensky, que, antes de entrar para a política, era ator e
comediante, e hoje é o herói do momento. Pode ser fácil cair na armadilha
de idolatrar alguém, dizer maravilhas do sujeito e ignorar seus defeitos, mas
seja Zelenksy o que for, sua importante decisão de permanecer em Kiev
quando surgiu a oportunidade de fugir, com a clássica resposta “Preciso de
munição, não de carona”, sem dúvida foi fundamental para manter a
determinação e o moral ucranianos em uma luta que, a princípio, ninguém
achou que eles tivessem chances de ganhar. Para a história, podemos ver, a
partir de Putin e de Zelensky, que personalidades individuais, de fato,
importam.

)Tradução: Isabela Sampaio(


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Zimbardo, Philip. O efeito Lúcifer: Como pessoas boas se tornam más. Rio de Janeiro: Record,
2012.
direção editorial
Daniele Cajueiro

editora responsável
Ana Carla Sousa
produção editorial
Adriana Torres
Júlia Ribeiro
Mariana Lucena

revisão de tradução
Isabela Sampaio
Mariana Oliveira

revisão
Kamila Wozniak
Adriano Barros
capa
Leandro B. Liporage

diagramação
Douglas Kenji Watanabe

produção de ebook
S2 Books
NOTAS

[ 01 ] Ver Joshua Shenk, “Lincoln’s Great Depression”, Atlantic Monthly, outubro de 2005,
www.theatlantic.com/magazine/archive/2005/10/lincoln-apos-s-great-depression/4247/#
(acessado em 24 de setembro de 2018). Também Douglas Wilson, Honor’s Voice: The
Transformation of Abraham Lincoln (Nova York: Vintage, 1999).
[ 02 ] George McGovern, Grassroots: The Autobiography of George McGovern (Nova York:
Random House, 1977).
[ 03 ] Jonathan Davidson, Kathryn Connor e Marvin Swartz, “Mental Illness in U.S.
Presidents between 1776 and 1974: A Review of Biographical Sources”, Journal of Nervous
and Mental Disease 194 (2006): 47–51.
[ 04 ] As biografias antigas mais conhecidas de Alexandre são A era de Alexandre, de
Plutarco, e A era de Alexandre, de Arriano. Mesmo essas foram escritas muito depois de sua
morte, e persiste o debate sobre qual é mais acurada. Ver A. B. Bosworth, “Errors in
Arrian”, The Classical Quarterly 26 (1976): 117–39. Bosworth afirma que Arriano confiou
muito na narrativa de Ptolomeu, general de Alexandre, que após a morte do imperador
pode ter se preocupado mais com seus próprios interesses que inteiramente com a precisão
histórica.
[ 05 ] Plutarco, de fato, parece atribuir à coisa das cobras na cama o fim do ardor conjugal
entre Filipe e Olímpia, dizendo: “Em outra ocasião uma cobra foi vista estendida ao lado
de Olímpia enquanto ela dormia, e foi isso mais do que qualquer outra coisa, dizem, que
enfraqueceu a paixão de Filipe e esfriou seu afeto por ela, de modo que, a partir de então,
ele raramente dormiria com ela. A razão para isso pode ter sido temer que ela lançasse
algum feitiço maligno sobre ele, ou então recuar de seu abraço por acreditar que ela era
consorte de algum ser superior.” Normalmente, as duas partes em um casamento
contribuem para a ruptura, mas neste caso, quem pode culpar Filipe? Plutarco, The Age of
Alexander (Nova York: Penguin Classics, 2012).
[ 06 ] Guy Rogers, Alexander: The Ambiguity of Greatness (Nova York: Random House,
2005).
[ 07 ] Hermann Bengtson e Edmund Bloedow, History of Greece: From the Beginning to the
Byzantine Era (Ottawa: University of Ottawa Press, 1997).
[ 08 ] Isso parece ser particularmente verdadeiro durante os últimos meses de sua vida ao
retornar à Pérsia, após a conquista da Índia. Ele merece o crédito de ter superado um quase
motim de suas tropas macedônicas precipitado por uma humilhação não intencional
imposta a eles (ao aposentar alguns veteranos mais velhos, Alexandre deu a entender que
não eram mais desejados ou necessários). Plutarco descreve o estado de espírito de
Alexandre da seguinte maneira: “Alexandre havia ficado tenso e apavorado em sua própria
mente e agora se entregou à superstição. Interpretou cada acontecimento estranho ou
incomum, não importa quão trivial, como um prodígio ou um presságio, com o resultado de
que o palácio se encheu de adivinhos, sacrificadores, purificadores e prognosticadores.
Assim, a descrença ou o desprezo pelo poder dos deuses é algo terrível, mas a superstição
também é terrível; como a água, ela constantemente gravita para um nível inferior. Um
pavor irracional encheu a mente de Alexandre de dúvidas tolas uma vez que ele se tornou
um escravo de seus medos.” Isso claramente serve de lição: um poder imenso nem sempre
traz felicidade equivalente.
[ 09 ] Isso ocorre em quase todos os parâmetros, seja examinando homicídios, mortes em
guerras, estupros e assim por diante. Ver Steven Pinker, The Better Angels of Our Nature:
Why Violence Has Declined (Nova York: Viking, 2011).
[ 10 ] Grant McCall e Nancy Shields, “Examining the Evidence from Small-Scale
Societies and Early Prehistory and Implications for Modern Theories of Aggression and
Violence”, Aggression and Violent Behavior 13 (2008): 1–9. O mito de que os humanos
viveram em uma sociedade idílica que se perdeu conforme as culturas evoluíram para
sociedades modernas é indiscutivelmente um dos mais duradouros.
[ 11 ] Francis Fukuyama, O fim da história e o último homem (Rio de Janeiro: Rocco, 2015).
[ 12 ] Steven Pinker, Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism and
Progress (Nova York: Viking, 2018).
[ 13 ] Freedom House, Freedom in the World: Democracy in Crisis, 2018,
https://freedomhouse.org/report/freedom-world/freedom-world-2018 (acessado em 24 de
setembro de 2018).
[ 14 ] Pinker, Enlightenment Now.
[ 15 ] Centers for Disease Control, Suicide Rising across the US, 2018,
www.cdc.gov/vitalsigns/suicide/ (acessado em 24 de setembro de 2018).
[ 16 ] Michael Lofchie, “The Uganda Coup: Class Action by the Military”, Journal of
Modern African Studies 10 (1972): 19–35.
[ 17 ] Richard Ullman, “Human Rights and Economic Power: The United States versus Idi
Amin”, Foreign Affairs, abril de 1978, www.foreignaffairs.com/articles/uganda/1978-04-
01/human-rights-and-economic-power-unitedstates-versus-idi-amin (acessado em 24 de
setembro de 2018).
[ 18 ] Emma Boyle, “Was Idi Amin’s Government a Terrorist Regime?” Terrorism and
Political Violence 29 (2017): 593–609.
[ 19 ] Chibiuke Uche, “The British government, Idi Amin and the Expulsion of British
Asians from Uganda”, Interventions: International Journal of Postcolonial Studies 19 (2017):
818–36.
[ 20 ] Saul David, Operation Thunderbolt (Nova York: Little, Brown, 2015).
[ 21 ] Michael Kaufman, “Idi Amin, Murderous and Erratic Ruler of Uganda in the 70s
Dies in Exile”, New York Times, agosto de 2003, www.nytimes.com/2003/08/17/world/idi-
amin-murderous-and-erratic-ruler-of-uganda-in-the-70-s-dies-in-exile.html (acessado em
24 de setembro de 2018).
[ 22 ] Daniel Kalinaki, “Entebbe Raid Humiliated Amin, Nearly Caused East African
War”, Daily Nation, julho de 2016, www.nation.co.ke/news/Entebbe-raid-embarrassed-
Amin-nearly-caused-East-African-war/1056-3277804-1327oaiz/index.html (acessado em
24 de setembro de 2018).
[ 23 ] Ian Morris, Why the West Rules—For Now: The Patterns of History, and What They
Revel about the Future (Nova York: Farrar, Straus e Giroux, 2010).
[ 24 ] Jared Diamond, Armas, germes e aço: Os destinos das sociedades humanas (Rio de
Janeiro: Record, 2017).
[ 25 ] É importante notar que a história raramente é escrita em um vácuo moral, e os textos
históricos muitas vezes contêm mensagens morais subjacentes. Ao longo de grande parte
do Iluminismo europeu, a história se concentrou na aparente superioridade da cultura
europeia sobre outras culturas de maneiras que defendiam a superioridade cultural e
biológica. Obviamente, essas narrativas eram eurocêntricas e racistas. A história mais
recente, que se concentra em variáveis exógenas para explicar os sucessos das culturas, às
vezes pode parecer uma tentativa de nivelar o campo de jogo moral, cultural e biológico.
Como os textos anteriores, isso também significa algo quando se fala de história. Observo a
improbabilidade de que todas as culturas tenham valor moral inerentemente igual, bem
como de que as diferenças biológicas sejam insignificantes entre povos de regiões distintas
(basta ver cor da pele, estrutura do esqueleto, formato do corpo etc., para confirmar a
influência da genética em diversos povos). Isso não significa que os europeus estavam certos
em afirmar sua superioridade (afinal, a Europa foi um ator menor durante grande parte da
história humana), apenas que devemos estar sempre alertas para a moral dos textos
históricos. Só este livro é verdadeiramente objetivo!
[ 26 ] Sem limites claros, sustentação científica ou valor conceitual, o termo “masculinidade
tóxica” é indiscutivelmente lixo. Como muitos termos pseudocientíficos, ele se baseia em
política de gênero e sinalização de virtude, não em comentários que delineiem nossa
compreensão de gênero. Como muitos desses termos, provavelmente contribui mais para
fomentar a polarização do que para a compreensão — na verdade aumentando a loucura da
sociedade mais do que promovendo o pensamento racional. Os homens decerto foram
demasiadamente representados na violência física ao longo da história, mas resumir isso a
uma masculinidade “ruim” (evidenciada por coisas como gostar de futebol ou videogames
de ação) que poderia ser substituída por uma masculinidade “boa” (tipicamente envolvendo
características valorizadas pela esquerda progressista) é simplificação e moralização
grosseiras desta questão. Ver Christopher Ferguson, “How ‘Toxic Masculinity’ Is Hurting
Boys”, Houston Chronicle, março de 2018, www.houstonchronicle.com/local/gray-
matters/article/toxic-masculinity-gender-norms-harmful-boys-12782202.php (acessado em
25 de setembro de 2018).
[ 27 ] Leslie Carroll, Royal Pains: A Rogue’s Gallery of Brats, Brutes and Bad Seeds (Nova
York: Penguin, 2011). Isso é como que um lembrete do valor do humanismo;
resumidamente, a crença de que as vidas humanas têm um valor intrínseco qualquer que
seja seu lugar na sociedade. O humanismo moderno (que agora consideramos natural no
Ocidente) surgiu durante o Iluminismo europeu, mas ainda não havia se consolidado na
época de Bathory, sem dúvida levando a uma indiferença relativa para com suas ações,
desde que visasse aqueles vistos como seres humanos inferiores.
[ 28 ] Vale a pena notar que às vezes é proposta uma narrativa contrária, de que Bathory foi
vítima de um julgamento simulado e de impressões equivocadas. Essa linha de raciocínio
sugere que a tentativa de Bathory de oferecer serviços médicos a indivíduos doentes foi
confundida com tortura, e que mortes naturais na área — incluindo alguns corpos
enterrados às pressas em suas instalações — devido a doenças foram erroneamente
consideradas homicídios. Somando isso a um julgamento projetado para beneficiar o
principal investigador de Bathory, o palatino György Thurzó, Bathory foi vítima da
misoginia generalizada da época. Esse argumento é interessante, embora no geral eu não o
considere convincente. Procedimentos médicos dolorosos eram comuns na época, e não
costumavam ser equivocadamente atribuídos à tortura sexualizada, e presumivelmente os
surtos de doenças não teriam vitimado sobretudo mulheres jovens. O fato de Elizabeth ter
um curandeiro assistente que desajeitadamente escondeu corpos de vítimas de doenças ao
redor de seu castelo para que os investigadores encontrassem e culpassem a violência teria
de ser um golpe de azar notável para Elizabeth. Os julgamentos naquela época decerto não
eram nada como o devido processo legal reconhecidamente ainda falho da era moderna,
mas os julgamentos dos cúmplices de Bathory teriam que ser fraudados de modo magistral
para que a incriminação não fosse mencionada na narrativa popular. Por fim, as acusações
contra Bathory provavelmente representaram um grande escândalo para a nobreza, e não é
claro quem se beneficiou disso (até mesmo Thurzó, em geral considerado o principal
beneficiário, parece ter demorado para investigar as queixas iniciais sobre o comportamento
de Bathory, e não está claro que tenha se beneficiado de sua prisão). Não é evidente que
Thurzó foi o autor das acusações contra Bathory. Sem dúvida, os crimes de Bathory foram
exagerados, mas é provável que a acusação básica de que ela assassinou várias meninas seja
verdadeira. No entanto, convido os leitores a avaliar uma narrativa divergente e decidir por
si próprios. Ver Irma Szádeczky-Kardoss, “The Bloody Countess: An Examination of the
Life and Trial of Erzsébet Bathory”, Life and Science, setembro de 2005,
https://notesonhungary.wordpress.com/2014/05/31/the-bloody-countess/ (acessado em 25
de setembro de 2018).
[ 29 ] David Daniel, “Eastern Europe”, em Women in Reformation and Counter-Reformation
Europe, org. Sherrin Marshall (Indianápolis: Indiana University Press, 1989).
[ 30 ] László Kürti, “The Symbolic Construction of the Monstruous: The Elizabeth
Bathory Story”, Journal of Ethnology and Folklore Research 46, nº 1 (2009): 133–59.
[ 31 ] Andreas Hill, Niels Habermann, Wolfgang Berner e Peer Briken, “Sexual Sadism
and Sadistic Personality Disorder in Sexual Homicide”, Journal of Personality Disorders 20,
nº 6 (2006): 671–84. Deve-se notar que o diagnóstico de transtorno de personalidade
sádica é controverso. Não está no DSM-V da American Psychiatric Association, embora
alguns estudiosos defendam sua inclusão.
[ 32 ] Na verdade, Kimberly Leach foi uma de suas vítimas mais jovens.
[ 33 ] Ann Rule, The Stranger Beside Me (Nova York: Pocket Books, 2008).
[ 34 ] O truque de Bundy de se passar por uma pessoa ferida para atrair mulheres
prestativas e desavisadas supostamente foi uma inspiração para o personagem de Buffalo
Bill em O silêncio dos inocentes. “Silence of the Lambs: Trivia”, Internet Movie Database,
www.imdb.com/title/tt0102926/trivia (acessado em 5 de outubro de 2018).
[ 35 ] Richard Gray, “Psychopathy and Will to Power: Ted Bundy and Dennis Rader”, em
Serial Killers: Being and Killing, org. S. Waller, 191–205 (Nova York: Wiley-Blackwell, 2010).
[ 36 ] Robert Whitaker, Mad in America (Filadélfia: Basic Books, 2002).
[ 37 ] Alex Alfieri, Christian Strauss, Harald Meller, Pawel Tacik e Silvio Brandt, “The
Woman of Pritschoena: An Example of the German Neolithic Neurosurgery in Saxony-
Anhalt”, Journal of the History of the Neurosciences 21 (2012): 139–46.
[ 38 ] Miguel Faria, “Violence, Mental Illness, and the Brain—A Brief History of
Psychosurgery: Part 1—From Trephination to Lobotomy”, Surgical Neurology International
4 (2013), www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3640229/ (acessado em 13 de outubro
de 2018).
[ 39 ] Tomislav Breitenfeld, M. J. Jurasic e D. Breitenfeld, “Hippocrates: The Forefather of
Neurology”, Neurological Sciences 35 (2014): 1349–52.
[ 40 ] O modo como os quatro humores interagiam no corpo era bastante complexo, de
acordo com Hipócrates, e a bile amarela e preta não era tão abundante quanto as outras.
Embora Hipócrates não faça uma alusão tão clara, é tentador, no entanto, alimentar a
noção de que xixi e cocô podem ter estado pelo menos inconscientemente associados em
sua mente a esses dois últimos.
[ 41 ] A. Roback, “Graeco-Roman Psychiatry”, em History of Psychology and Psychiatry,
202–11 (Secaucus, NJ: Citadel Press, 1961).
[ 42 ] Para ser justo, a medicina científica não foi totalmente interrompida, e avanços
importantes foram feitos no mundo muçulmano durante o período medieval, mesmo com a
medicina europeia em grande parte definhando em sangrias, poções e exorcismos.
[ 43 ] Depois de ter o braço amputado, a pessoa também poderia fazer uma boa barba e
cortar o cabelo. O poste do barbeiro moderno tem origem nos trapos ensanguentados
enrolados em uma vara e usados como divulgação. Lars Himmelmann, “From Barber to
Surgeon—The Process of professionalization”, Svensk Medicinhistorisk Tidskrift 11 (2007):
69–87.
[ 44 ] J. Kroll e B. Bachrach, “Sin and Mental Illness in the Middle Ages”, Psychological
Medicine 14 (1984): 507–14.
[ 45 ] Heinrich Kramer e Sprenger Jacob, Malleus Maleficarum (1487).
[ 46 ] Beatriz Quintanilla, “Witchcraft or Mental Illness?” Psychiatric Times, 21 de junho
de 2010, https://www.psychiatrictimes.com/view/witchcraft-ormental-illness (acessado em
14 de outubro de 2018).
[ 47 ] E, sim, tenho um exemplar.
[ 48 ] Albert Roberts e Linda Kurtz, “Historical Perspectives on the Care and Treatment of
the Mentally Ill”, Journal of Sociology and Social Welfare 14 (1987): 75–94.
[ 49 ] Roberts e Kurtz, “Historical Perspectives on the Care and Treatment of the Mentally
Ill”.
[ 50 ] O professor de psicologia Brent Robbins sugere que com muita frequência a profissão
médica passou a ver os pacientes como, na verdade, futuros cadáveres, reduzindo a empatia
na prática médica. Brent Robbins, The Medicalized Body and Anesthetic Culture (Nova York:
Palgrave Macmillan, 2018).
[ 51 ] Whitaker, Mad in America.
[ 52 ] Whitaker, Mad in America.
[ 53 ] American Psychological Association, Clinical Practice Guideline for the Treatment of
Posttraumatic Stress Disorder (PTSD), 2017, www.apa.org/ptsdguideline/ (acessado em 6 de
outubro de 2018).
[ 54 ] Christiane Steinert, Thomas Munder, Sven Rabung, Jürgen Hoyer e Falk
Leichsenring, “Psychodynamic Therapy: As Efficacious as Other Empirically Supported
Treatmentments? A Meta-Analysis Testing Equivalence of Outcomes”, American Journal of
Psychiatry 174 (2017): 943–53. Também Joseph Carpenter, Leigh A. Andrews, Sara M.
Witcraft, Mark B. Powers, Jasper A. J. Smits e Stefan G. Hofmann, “Cognitive Behavioral
Therapy for Anxiety and Related Disorders: A Meta-Analysis of Randomized Placebo-
Controlled Trials”, Depression and Anxiety (no prelo). Enquanto servia como voluntário no
Conselho de Representantes da APA, eu os informei da meta-análise de Carpenter, mas a
APA não manifestou interesse em levá-la em consideração ou revisar suas diretrizes clínicas
de acordo com isso.
[ 55 ] American Psychological Association, Timeline of APA Policies & Actions Related to
Detainee Welfare and Professional Ethics in the Context of Interrogation and Natonal Security,
2018, www.apa.org/news/press/statements/interrogations.aspx (acessado em 6 de outubro
de 2018). Deve-se notar que os problemas da APA não terminaram com as acusações de
cumplicidade com tortura. Depois que seu relatório interno (o “Relatório Hoffman”) foi
publicado, a organização foi acusada de não seguir o devido processo legal no caso de
muitos indivíduos mencionados no relatório, e no momento em que escrevo é processada
por difamação. A APA está agora em um beco sem saída, e fica claro para mim que sua
abordagem da ética é egoísta, predatória e preocupada com o bem-estar da própria
organização e não com o público em geral. Espera-se que isso mude no futuro.
[ 56 ] David Rosenhan, “On Being Sane in Insane Places”, Science 179 (1973): 250–58.
[ 57 ] Para ser justo, acaba de sair um livro desafiando a validade desse experimento.
Consulte https://www.nature.com/articles/d41586-019-03268-y.
[ 58 ] Jack Drescher, “Queer Diagnoses Revisited: The Past and Future of Homosexuality
and Gender Diagnoses in DSM and ICD”, International Review of Psychiatry 27 (2015):
386-95.
[ 59 ] Aniko Maraz, Róbert Urbán, Mark Damian Griffiths e Zsolt Demetrovics, “An
Empirical Investigation of Dance Addiction”, PLoS ONE 10 (2015),
http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0125988 (acessado em 5
de outubro de 2018).
[ 60 ] News Media, Public Education and Public Policy Committee, An Official Division
46 Statement on the WHO Proposal to Include Gaming Related Disorders in ICD-11, 2018.
https://div46amplifier.com/2018/06/21/an-official-division-46-statement-on-the-who-
proposal-to-include-gaming-related-disorders-in-icd-11/ (acessado em 5 de outubro de
2018).
[ 61 ] Anthony Bean, Rune K. L. Nielsen, Antonius J. van Rooij e Christopher J.
Ferguson, “Video Game Addiction: The Push to Pathologize Video Games”, Professional
Psychology: Research and Practice 48 (2017): 378–89.
[ 62 ] Para ser justo, alguns clínicos consideram isso positivo, argumentando que permite
que os indivíduos recebam tratamento em vez de serem excluídos caso os sintomas
depressivos sejam uma reação ao luto. Ver, por exemplo, Ronald Pies, “How the DSM-5
Got Grief, Bereavement Right”, PsychCentral (2013), https://psychcentral.com/blog/how-
the-dsm-5-got-griefbereavement-right/ (acessado em 5 de outubro de 2018). Esse
raciocínio tem bons argumentos, mas no geral desconfio que o potencial de abuso é
considerável e dilui ainda mais nossa conceituação de doença mental.
[ 63 ] Kevin Douglas, Laura Guy e Stephen Hart, “Psychosis as a Risk Factor for Violence
to Others: A Meta-Analysis”, Psychological Bulletin 135 (2009): 679–706.
[ 64 ] Christopher J. Ferguson, “Video Games and Youth Violence: A Prospective Analysis
in Adolescents”, Journal of Youth and Adolescence 40 (2011): 377–91.
[ 65 ] Eric Hickey, Serial Murderers and their Victims (Nova York: Cengage, 2015).
[ 66 ] Importante notar que alguns estudiosos afirmam que a psicopatia é uma subclasse do
transtorno de personalidade antissocial (TPA) que é mais propensa à violência. Esse ponto
de vista é razoável, embora não tenha feito seu caminho até sistemas de diagnóstico como o
DSM. Ver Robert Hare, Without Conscience: The Disturbing World of the Psychopath among
Us (Nova York: Guilford Press, 1999). No passado, o uso de termos como psicopatia e
sociopatia tendia a refletir posições ideológicas sobre o transtorno, fosse de base biológica
(psicopatia) ou de aprendizado (sociopatia). O DSM, tentando evitar esses debates
ideológicos sobre a causa, adotou o rótulo TPA. No entanto, este rótulo certamente causa
alguma confusão porque, para o leigo, tende a sugerir indivíduos que evitam os outros, o
que não é tipicamente o caso do TPA.
[ 67 ] Dessa forma, fazendo um alerta de que o uso de uma afirmação por esses grupos
fornece pouco valor probatório da veracidade de tais afirmações. Associações profissionais e
órgãos governamentais tendem a endossar posições vistas como benéficas para essas
organizações, não necessariamente aquelas que são “verdadeiras” em um sentido objetivo e
científico.
[ 68 ] David Adams, S. Barnett, N. Bechtereva, Bonnie Carter, Jose Delgado, José-Luis
Díaz, Andrzej Eliasz, Santiago Genoves, Benson Ginsburg, Jo Groebel, Samir-Kumar
Ghosh, Robert Hinde, Richard Leakey, Taha Malasi, J. Ramirez, Federico Zaragoza,
Diana Mendoza, Ashis Nandy, John Scott e Riitta Wahlstrom, “The Seville Statement on
Violence”, American Psychologist 45 (1990): 1167–68.
[ 69 ] Frans de Waal, “Aggression as a Well-Integrated Part of Primate Social
Relationships: A Critique of the Seville Statement on Violence”, em Aggression and
Peacefulness in Humans and Other Primates, org. James Silverberg e J. Patrick Gray, 37–56.
(Nova York: Oxford University Press, 1992). É uma tradição consagrada de “declarações
consensuais” chegar a tais consensos simplesmente não convidando ninguém que poderia
discordar do consenso desejado.
[ 70 ] Soo Rhee e Irwin D. Waldman, “Genetic and Environmental Influences on
Antisocial Behavior: A Meta-Analysis of Twin and Adoption Studies”, Psychological
Bulletin 128 (2002): 490–529; Christopher J. Ferguson, “Genetic Contributions to
Antisocial Personality and Behavior: A Meta-Analytic Review from an Evolutionary
Perspective”, Journal of Social Psychology 150 (2010): 160–80.
[ 71 ] Kevin Beaver, Joseph A. Schwartz e Jamie M. Gajos, “A Review of the Genetic and
Gene-Environment Interplay Contributors to Antisocial Phenotypes”, em The Development
of Criminal and Antisocial Behavior: Theory, Research and Practical Applications, org. Julien
Morizot e Lila Kazemian, 109–22 (Nova York: Springer, 2010).
[ 72 ] Elizabeth Moes, “Ted Bundy: A Case of Schizoid Necrophilia”, Melanie Klein &
Object Relations 9 (1991): 54–72.
[ 73 ] Jess Wakefield, “Wonderful Tonight: How Old Is Eric Clapton, What Happened to
His Son, What Are the ‘Tears in Heaven’ Singer’s Biggest Songs e Who Is His Wife?”
Sun, 30 de junho de 2018, www.thesun.co.uk/tvandshowbiz/6657776/eric-clapton-son-hit-
songs-wife/ (acessado em 6 de outubro de 2018).
[ 74 ] Muitos dos membros da comissão eram eles próprios cruzados antipornografia, um
conflito de interesses bastante óbvio. Como resultado, a comissão pareceu ter escolhido a
dedo e distorcido as descobertas científicas para apoiar uma agenda antipornografia. Ver
Daniel Linz, Edward Donnerstein e Steven Penrod, “The Findings and Recommendations
of the Attorney General’s Commission on Pornography: Do the Psychological ‘Facts’ Fit
the Political Fury?” American Psychologist 42 (1987): 946–53.
[ 75 ] Christopher J. Ferguson e Richard D. Hartley, “The Pleasure Is Momentary… the
Expense Damnable? The Influence of Pornography on Rape and Sexual Assault”,
Aggression and Violent Behavior 14 (2009): 323–29.
[ 76 ] Taylor Kohut, Jodie L. Baer e Brendan Watts, “Is Pornography Really about ‘Making
Hate to Women’? Pornography Users Hold More Gender Egalitarian Attitudes than
Nonusers in an Representative American Sample”, Journal of Sex Research 53 (2016): 1–11.
[ 77 ] Compreender as mentes e os motivos daqueles que são atraídos por assassinos
famosos — o que não é uma exclusividade de Bundy — seria um estudo psicológico
fascinante.
[ 78 ] Stanley Milgram, “Behavioral Study of Obedience”, Journal of Abnormal and Social
Psychology 67 (1963): 371–78.
[ 79 ] Philip Zimbardo, O efeito Lúcifer: Como pessoas boas se tornam más (Rio de Janeiro:
Record, 2012).
[ 80 ] Stephen Reicher e S. Alexander Haslam, “Rethinking the Psycology of Tyranny: The
BBC Prision Study”, British Journal of Social Psychology 45 (2006): 1–40.
[ 81 ] Peter Gray, “Why Zimbardo’s Prison Experiment Isn’t in My Textbook”, Psychology
Today, 19 de outubro de 2013, www.psychologytoday.com/us/blog/freedom-
learn/201310/why-zimbardo-s-prison-experiment-isn-t-in-my-textbook (acessado em 15
de outubro de 2018); Greg Toppo, “Time to Dismiss the Stanford Prison Experiment?”,
Inside Higher Ed, 20 de junho de 2018, www.insidehighered.com/news/2018/06/20/new-
stanford-prison-experiment-revelations-question-findings (acessado em 15 de outubro de
2018).
[ 82 ] Matthew M. Hollander e Jason Turowetz, “Normalizing Trust: Participants’
Immediately Post-hoc Explanations of Behavior in Milgram’s ‘Obedience’ Experiments”,
British Journal of Social Psychology 56 (2017): 655–74.
[ 83 ] Gina Perry, Behind the Shock Machine: The Untold Story of the Notorious Milgram
Psychology Experiments (Nova York: New Press, 2012).
[ 84 ] Wendy Lower, Hitler’s Furies: German Women in the Nazi Killing Fields (Nova York:
Houghton Mifflin Harcourt, 2013).
[ 85 ] Tom Clark, The Beautiful Beast: Why Was Irma Grese Evil?
www.academia.edu/2183067/The_beautiful_beast_Why_was_Irma_Grese_evil (acessado
em 15 de outubro de 2018).
[ 86 ] Para ser justo, mesmo hoje a história continua a ser reescrita pelas lentes dos
costumes contemporâneos.
[ 87 ] Suetônio, The Life of Caligula,
https://facultystaff.richmond.edu/~wstevens/history331texts/caligula.html.
[ 88 ] Os pretorianos eram uma unidade militar de elite que servia como guardiã do
imperador. Eles também matavam muitos imperadores sempre que se cansavam deles. Vai
saber.
[ 89 ] Fílon, On the Embassy to Gaius, www.earlychristianwritings.com/yonge/book40.html.
[ 90 ] Ver, por exemplo, Aloys Winterling, Caligula: A Biography (Oakland: University of
California Press, 2009).
[ 91 ] Anthony Barrett, Caligula: The Corruption of Power (New Haven, CT: Yale University
Press: 1990).
[ 92 ] José Léon-Carrión e Francisco Javier Chacartegui-Ramos, “Brain Injuries and
Violent Crime”, em Violent Crime: Clinical and Social Implications, org. Christopher J.
Ferguson, 99–118 (Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 2010).
[ 93 ] Barrett, Caligula.
[ 94 ] Dio, Roman History, www.loebclassics.com/view/LCL083/1917/volume.xml.
[ 95 ] Calígula morreu antes de conseguir fazer isso, se é que realmente tinha essa intenção.
[ 96 ] Barrett, Caligula.
[ 97 ] Então, olhando para o Congresso, o quão pior um cavalo poderia se sair?
[ 98 ] Nicholas H. Taylor, “Popular Opposition to Caligula in Jewish Palestine”, Journal for
the Study of Judaism 32 (2001): 54–70.
[ 99 ] Versões anteriores do DSM deixavam isso mais explícito, colocando os transtornos de
personalidade, juntamente com as deficiências intelectuais (ou “retardo mental”, como era
chamado até 2013), sob sua própria classificação ou “eixo”. Presumivelmente, a distinção
entre transtornos nesse eixo e outras condições mentais envolvia a natureza essencial e a
permanência dessas condições.
[ 100 ] De fato, os indivíduos com esquizofrenia costumam desfrutar de uma infância
perfeitamente normal, com sintomas que começam apenas na adolescência ou no início da
idade adulta.
[ 101 ] Não deve ser confundido com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), um
transtorno de ansiedade. O transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva (TPOC) é
semelhante aos conceitos populares de personalidades “tipo A” ou “anal-retentiva” focadas
na limpeza, ordem e na maneira “adequada” de fazer as coisas, muitas vezes imposta
agressivamente aos outros. Se você já discutiu veementemente sobre a maneira “adequada”
de dobrar toalhas, pode ter TPOC. É possível se divertir com pessoas com TPOC
redobrando as roupas delas das formas mais absurdas (enrolar toalhas em tubos, por
exemplo). Em contraste, o TOC é marcado por ansiedade excessiva e pensamentos
intrusivos e desagradáveis (obsessões). Comportamentos compulsivos como contar, verificar
fechaduras, lavar as mãos e assim por diante são adotados como rituais para reduzir a
ansiedade. Os indivíduos com TOC não são particularmente arrumados e organizados,
nem particularmente preocupados com a maneira “adequada” de fazer as coisas, pelo menos
não no sentido de impor aos outros um tipo de superioridade moral.
[ 102 ] Por exemplo, mais de uma vez em meu próprio consultório, fui contratado por pais
que queriam que eu “consertasse” adolescentes com interesses incomuns, geralmente
crianças góticas que adotaram estilos atípicos de vestimenta ou preferências artísticas.
Nesses casos, ajudar os pais a compreender e valorizar seus filhos únicos (que muitas vezes
experimentam transtornos de personalidade esquizotípica ou histriônica) e aceitá-los e
amá-los pelo que são, em vez de esperar pelo milagre da transformação em crianças
“normais”, é mais construtivo do que tentar remodelar uma personalidade estabelecida.
Sendo claro: a maioria dos indivíduos góticos não tem transtornos de personalidade,
embora indivíduos com certos transtornos de personalidade possam gravitar em direção a
estilos de vida mais exóticos.
[ 103 ] E não é pequeno o número na academia, observa-se.
[ 104 ] Pela minha experiência clínica, o transtorno de personalidade limítrofe costuma ser
equivocadamente diagnosticado como transtorno bipolar, apesar de ser muito mais comum.
No transtorno de personalidade limítrofe, as alterações de humor não são por natureza
delirantes, podem mudar muito rapidamente e tendem a ser reações exageradas a
acontecimentos da vida real. Por outro lado, as fases maníaca e depressiva costumam ter
longa duração no transtorno bipolar (uma semana para episódios maníacos, duas semanas
ou mais para episódios depressivos) e com frequência incluem componentes delirantes
durante as fases maníacas, como a crença em que o toque pode curar o doente, em um
esconderijo secreto de milhões de dólares ou em poder voar.
[ 105 ] Yana Weinstein, Marci E. J. Gleason e Thomas F. Oltmanns, “Borderline but Not
Antisocial Personality Disorder Symptoms Are Related to Self-Reported Partner
Aggression in Late Middle-Age”, Journal of Abnormal Psychology 121 (2012): 692–98.
[ 106 ] Sarah L. Desmarais, Andrea Gibas e Tonia L. Nicholls, “Beyond Violence against
Women: Gender Inclusivenes in Domestic Violence Research, Policy and Practice”, em
Violent Crime: Clinical and Social Implications, org. Christopher J. Ferguson, 184–206
(Thousand Oaks, CA: Sage, 2010).
[ 107 ] Nadia Cattane, Roberta Rossi, Mariangela Lanfredi e Annamaria Cattaneo,
“Borderline Personality Disorder and Childhood Trauma: Exploring the Affected
Biological Systems and Mechanisms”. BMC Psychiatry 17 (2017),
https://bmcpsychiatry.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12888-017-1383-2 (acessado
em 16 de novembro de 2018).
[ 108 ] O narcisismo esteve no centro de uma alegação duvidosa de que a geração dos
millennials experimentava uma “epidemia de narcisismo”. Defendida por alguns psicólogos
como Jean Twenge, essa alegação foi posteriormente desmentida. Ver, por exemplo, Eunike
Wetzel, Anna Brown, Patrick L. Hill, Joanne M. Chung, Richard W. Robins e Brent W.
Roberts, “The Narcissism Epidemic Is Dead; Long Live the Narcissism Epidemic”,
Psychological Science 28 (2017): 1833–47. Isso prova que os livros que depreciam as gerações
mais jovens tendem a vender muito bem para velhos rabugentos, talvez uma lição que eu
devesse ter aprendido melhor.
[ 109 ] Adrian Furnham, Steven C. Richards e Delroy L. Paulhus, “The Dark Triad of
Personality: A 10 Year Review”, Social and Personality Psychology Compass 7 (2013): 199–
216.
[ 110 ] Alan Bullock, Hitler and Stalin (Nova York: Alfred A. Knopf, 1992).
[ 111 ] Bullock, Hitler and Stalin.
[ 112 ] O livro de estudos de caso de Walter Langer apresenta hipóteses mais chocantes
sobre a sexualidade de Hitler. Langer escreveu durante a guerra e previu com sucesso alguns
resultados, como o suicídio de Hitler. Outros elementos do livro parecem um tanto
anacrônicos psicanaliticamente, mas é um exemplo interessante de como os líderes norte-
americanos contemporâneos procuraram entender a mente de Hitler. Walter Langer, The
Mind of Adolf Hitler: The Secret Wartime Report (Nova York: New American Library, 1972).
[ 113 ] Leonard Heston e Renate Heston, The Medical Casebook of Adolf Hitler (Briarcliff
Manor, NY: Stein & Day, 1979).
[ 114 ] O mito de que Hitler ou outros líderes nazistas não apresentavam patologias
mentais significativas é muitas vezes disseminado por fontes que deveriam ser mais bem-
informadas. Por exemplo, às vezes até livros de psicologia afirmam que Hitler tinha “alta
autoestima”, uma observação canhestra que é perigosamente enganosa. Consulte Uli
Shimmack, “Auditing Social Psychology Textbooks: Hitler Had High Self-Esteem”,
Replicability Index (2018), https://replicationindex.com/2018/12/28/socpsytextbookch2self
(acessado em 26 de dezembro de 2018).
[ 115 ] Susan C. South, Robert F. Krueger, Gun Peggy Knudsen, Eivind Ystrom, Nikolai
Czajkowski, Steven H. Aggen, Michael C. Neale, Nathan A. Gillespie, Kenneth S.
Kendler e Ted Reichborn-Kjennerud, “A Population Based Twin Study of DSM-5
Maladaptive Personality Domains”, Personality Disorders: Theory, Research, and Treatment 8
(2017): 366–75.
[ 116 ] Um fato pouco discutido é que a Polônia, em última instância vítima da agressão
nazista que deu início à Segunda Guerra Mundial no teatro europeu, invadiu e anexou
parte da Tchecoslováquia quando aquela nação se desfez sob a pressão nazista. Uma
alternativa interessante a considerar é se a Alemanha poderia ter unido grande parte da
Europa Oriental, incluindo a Polônia, contra a União Soviética. Infelizmente, isso não
aconteceria, já que a Segunda Guerra Mundial na Europa começou com a invasão da
Polônia em 1939. Obviamente, tudo bem, já que uma vitória nazista na Segunda Guerra
Mundial é algo horrível de se considerar.
[ 117 ] Para uma história detalhada, ver David Faber, Munich, 1938 (Nova York: Simon &
Schuster, 2009).
[ 118 ] Embora seja obviamente menos claro por que motivo alguém desejaria que fosse
esse o caso.
[ 119 ] Análises históricas sugerem que Stálin planejava invadir a Alemanha em 1942. Ver
Constantine Pleshakov, Stalin’s Folly: The Tragic First Ten Days of WWII on the Eastern Front
(Nova York: Houghton Mifflin, 2005).
[ 120 ] A Ucrânia sofreu particularmente com as políticas agrícolas de Stálin na década de
1930, quando ele confiscou a maior parte dos grãos, permitindo que talvez um quarto da
população morresse de fome.
[ 121 ] Embora Hitler não estivesse particularmente interessado em uma guerra com o
Reino Unido, vingar a desonra da derrota na Primeira Guerra Mundial decerto estava em
sua mente no que diz respeito à França.
[ 122 ] A Alemanha terminou a guerra com tanques muito melhores — incluindo os
Panzer IV, Panther e Tiger, bem como com excelentes armas de assalto, especialmente
depois que os defeitos provocados pela produção apressada foram eliminados — do que a
maioria de seus inimigos (a não ser os tanques russos reconhecidamente excelentes). Em
1944, a Alemanha tinha caças a jato, mísseis de cruzeiro, bombas guiadas, mísseis
balísticos, submarinos avançados e um rifle de assalto produzido em massa (o Sturmgewehr
44). Com um pouco mais de tempo, a Alemanha poderia ter projetado um bombardeiro
estratégico eficaz, algo de que carecia, um decente caça de escolta de longo alcance e uma
marinha de superfície.
[ 123 ] Ver Ervin Staub, The Roots of Evil (Cambridge: Cambridge University Press, 1992)
para uma teoria abrangente, a partir de uma perspectiva social, de como os genocídios
ocorrem.
[ 124 ] Esses mesmos estudantes universitários, bem envergonhados, também expõem um
dilema moral interessante: se tais assassinatos com a viagem no tempo fossem possíveis, é
mais perverso assassinar um bebê que até aquele momento não havia cometido nenhum ato
maligno, ou permitir que aquele bebê viva, sabendo do sofrimento que infligirá a
incontáveis milhões de outras pessoas? Felizmente, não deixamos nossas máquinas do
tempo aos cuidados de jovens sob a influência de substâncias curiosas.
[ 125 ] Daí o termo compatibilismo. Para um debate interessante, ver Daniel Dennett e
Gregg Caruso, “Just Deserts”, Aeon, 4 de outubro de 2018, https://aeon.co/essays/on-free-
will-daniel-dennett-and-gregg-caruso-go-head-to-head (acessado em 22 de novembro de
2018).
[ 126 ] John A. Bargh, Mark Chen e Lara Burrows, “Automaticity of Social Behavior:
Direct Effects of Trait Construct and Stereotype Activation on Action”, Journal of
Personality and Social Psychology 71 (1996): 230–44.
[ 127 ] Stéphane Doyen, Olivier Klein, Cora-Lise Pichon e Axel Cleeremans, “Behavioral
Priming: It’s All in the Mind, but Whose Mind?” PLoS ONE 7 (2012),
https://journals.plos.org/plosone/article?
id=10.1371/journal.pone.0029081#pone.0029081.s001 (acessado em 24 de novembro de
2018).
[ 128 ] Open Science Collaboration, “Estimating the Reproducibility of Psychological
Science”, Science, 349 (2015): 1–8; Colin Camerer, Anna Dreber, Felix Holzmeister, Teck-
Hua Ho, Jürgen Huber, Magnus Johannesson, Michael Kirchler, Gideon Nave, Brian A.
Nosek, Thomas Pfeiffer, Adam Altmejd, Nick Buttrick, Taizan Chan, Yiling Chen, Eskil
Forsell, Anup Gampa, Emma Heikensten, Lily Hummer, Taisuke Imai, Siri Isaksson,
Dylan Manfredi, Julia Rose, Eric-Jan Wagenmakers e Hang Wu, “Evaluating the
Replicability of Social Science Experiments in Nature and Science between 2010 and
2015”, Nature Human Behavior 2 (2018): 637–44.
[ 129 ] Rafi Letzter, “Scientists Are Furious after a Famous Psychologist Accused Her
Peers of ‘Methodological Terrorism’”, Business Insider UK,
http://uk.businessinsider.com/susan-fiske-methodological-terrorism-2016-9?r=US &IR=T
(acessado em 24 de novembro de 2018).
[ 130 ] Joseph F. Rychlak, “In Search and Proof of Human Beings, Not Machines”, Journal
of Personality Assessment 85 (2005): 239–56.
[ 131 ] Ver, por exemplo, Mikkel C. Vinding, Mads Jensen e Morten Overgaard, “Distinct
Electrophysiological Potentials for Intention in Action and Prior Intention for Action”,
Cortex: A Journal Devoted to the Study of the Nervous System and Behavior 50 (2014): 86–99;
Também J. Miller e W. Schwartz, “Brain Signals Do Not Demonstrate Unconscious
Decision Making: An Interpretation Based on Graded Conscious Awareness”,
Consciousness and Cognition 24 (2014): 12–21.
[ 132 ] Roy F. Baumeister, “Constructing a Scientific Theory of Free Will”, em Moral
Psychology, vol 4: Free Will and Moral Responsability, org. Walter Sinnott-Armstrong, 235–
55 (Cambridge, MA: MIT Press, 2014).
[ 133 ] Este preceito, em homenagem ao filósofo francês Charles Renouvier, tem uma
semelhança óbvia com a aposta de Pascal, o que sugere que é melhor acreditar em Deus só
por garantia, uma vez que não há recompensas eternas por estar correto sobre o ateísmo.
[ 134 ] Susan Hatters Friedman e Renée Sorrentino, “Postpartum Psychosis, Infanticide,
and Insanity—Implications for Forensic Psychiatry”, Journal of the American Academy of
Psychiatry and the Law 40 (2012): 326–32.
[ 135 ] Patricia Pearson, When She Was Bad (Nova York: Penguin, 1997).
[ 136 ] S. Fernando Rodriguez, Theodore R. Curry e Gang Lee, “Gender Differences in
Criminal Sentencing: Do Effects Vary across Violent, Property, and Drug Offenses?” Social
Science Quarterly 87 (2006): 318–39.
[ 137 ] Ver Patrick T. Galligan, Report on Certain Matters Related to Karla Homolka,
https://drive.google.com/file/d/0B3ORC8Ev2VnnaDg5LWVWVjJzUGM/view (acessado
em 25 de novembro de 2018).
[ 138 ] Anne McGillivray, “‘A Moral Vacuity in Her Which Is difficult if Not Impossible
to Explain’: Law, Psychiatry and the Remaking of Karla Homolka”, International Journal of
the Legal Profession 5 (1998): 255–88.
[ 139 ] Pearson, When She Was Bad, 46. A discrepância nas avaliações psicológicas também
mostra a falta de confiabilidade de tais avaliações e como elas podem ser fruto de
estereótipos e preconceitos.
[ 140 ] “Homolka’s Psychiatric Report Released”, Globe and Mail, 5 de junho de 2005,
www.theglobeandmail.com/news/national/homolkas-psychiatric-report-
released/article20422606/ (acessado em 25 de novembro de 2018).
[ 141 ] Particularmente Pearson, When She Was Bad.
[ 142 ] Tania Kohut, “Convicted Killer Karla Homolka Volunteers at Her Children’s
Montreal School: Reports”, Global News, 31 de maio de 2017,
https://globalnews.ca/news/3491735/karla-homolka-school-montreal/ (acessado em 25 de
novembro de 2018).
[ 143 ] Oeindrila Dube e S. P. Harish, Queens, NBER Working Paper Nº 23337 (abril de
2017), www.nber.org/papers/w23337.pdf (acessado em 25 de novembro de 2018).
[ 144 ] Barnaby Rogerson, The Last Crusades (Nova York: Overlook, 2009).
[ 145 ] Os turcos acabariam por vencer, mas não antes de 1669, muito depois da morte de
Ibrahim.
[ 146 ] Jason Goodwin, Lords of the Horizons (Nova York: Henry Holt, 1998).
[ 147 ] Uma das concubinas de Ibrahim que sobreviveu ao seu reinado, Turhan Hatice
Sultan, tornou-se regente do Império Otomano, uma das mulheres mais poderosas de sua
história. Houve rumores de que sua sogra, a mãe de Ibrahim, Kösem Sultan, foi assassinada
como parte de sua ascensão ao poder. A vida era difícil no Império Otomano.
[ 148 ] Compartilhei o vídeo com um colega biólogo da Universidade Stetson, que
especulou que o outro macho podia ser um mais velho que havia perdido o status. Isso
também pode explicar a hostilidade particular do macho alfa para com ele.
[ 149 ] Os estudos sugerem que os machos alfa de fato têm mais estresse do que os “betas”
— machos de status alto, mas não máximo. Ver Laurence Gesquiere, Niki Learn, M.
Carolina Simão, Patrick O. Onyango, Susan C. Alberts e Jeanne Altmann, “Life at the
Top: Rank and Stress in Wild Male Baboons”, Science 333 (2011): 357–60.
[ 150 ] T. Nishida, “Alpha Status and Agonistic Alliance in Wild Chimpanzees (Pan
Troglodytes Schweinfurthii)”, Primates 24 (1983): 318–36. Também Nicholas E. Newton-
Fisher, “Hierarchy and Social Status in Budongo Chimpanzees”, Primates 45 (2004): 81–
87.
[ 151 ] Thomas Hobbes, Leviathan, 1651.
[ 152 ] Grant McCall e Nancy Shields, “Examining the Evidence from Small-Scale
Societies and Early Prehistory and Implications for Modern Theories of Aggression and
Violence,” Aggression and Violent Behavior, 13 (2008): 1–9.
[ 153 ] Nicole Hess, Courtney Helfrecht, Edward Hagen, Aaron Sell e Barry Hewlett,
“Interpersonal Aggression among Aka Hunter-Gatherers of the Central African Republic:
Assessing the Effects of Sex, Strength, and Anger”, Human Nature 21 (2010): 330–54.
[ 154 ] Ian Armit, “Violence and Society in the Deep Human Past”, British Journal of
Criminology 51 (2011): 499–517.
[ 155 ] Steven Pinker, The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined (Nova
York: Viking, 2011). O medo do crime costuma ser apresentado como mais comum entre
os idosos. De modo interessante, a pesquisa sugere que isso não é verdade. Ver Derek
Chadee e Jason Ditton, “Are Older People Most Afraid of Crime? Revisiting Ferraro and
LaGrange in Trinidad”, British Journal of Criminology 43 (2003): 417–33.
[ 156 ] Isso inclui o abate de bebês. Os chimpanzés, como os humanos, podem ser criaturas
horríveis. Jane Goodall, “Infant-Killing and Cannibalism in Free-Living Chimpanzees”,
Folia Primatologica 28 (1977): 259-82 e “Life and Death at Gombe”, National Geographic
155 (1979): 595–621.
[ 157 ] Isso não significa que seja certo, claro, apenas nos ajuda a entender como pode ter
acontecido.
[ 158 ] O que, claro, levou os otomanos à solução lógica, embora brutal, do fratricídio,
conforme discutido no capítulo 3.
[ 159 ] Dio, Roman History, www.loebclassics.com/view/LCL083/1917/volume.xml.
[ 160 ] Herodiano, History of the Roman Empire since the Death of Marcus Aurelius.
[ 161 ] Heliogábalo também se circuncidou, ao que parece publicamente, o que não era
comum entre os romanos.
[ 162 ] Não fica claro se a vestal virgem em questão, Júlia Aquilia Severa, teve muito a dizer
sobre isso ou sobre seu destino final. A pena por quebrar o voto de castidade para as vestais
virgens costumava ser a execução.
[ 163 ] Andrew Flores, Jody Herman, Gary Gates e Taylor Brown, How Many Adults
Identify as Transgender in the United States? (Los Angeles: Williams Institute, 2016). Nesse
estudo, o número de indivíduos transexuais que não se identificaram como um gênero ou
outro (definitivamente masculino ou feminino) foi tão pequeno que não pôde ser medido
de forma confiável.
[ 164 ] Ver, por exemplo, C. Roselli, “Neurobiology of Gender Identity and Sexual
Orientation”, Journal of Neuroendocrinology 30 (2018): 1–8, ou Dick Swaab e E. Fliers, “A
Sexually Dimorphic Nucleus in the Human Brain”, Science 228 (1985): 1112–15, entre
muitos outros que indicam claramente um núcleo sexualmente dimórfico no hipotálamo
que parece determinar a noção de masculinidade ou feminilidade. Mesmo para um pequeno
número de indivíduos que não se identificam como homens ou mulheres, essa fluidez de
gênero provavelmente ainda resulta dessa região do cérebro. Então, coloque seus meninos
para brincar de boneca o quanto quiser, isso não fará nenhuma diferença em sua identidade
de gênero (eles são mais propensos a dobrar a boneca e fazer dela uma arma).
[ 165 ] Dick Swaab e Alicia Garcia-Falgueras, “Sexual Differentiation of the Human Brain
in Relation to Gender Identity and Sexual Orientation”, Functional Neurology 24 (2009):
17–28.
[ 166 ] Bonnie Auyeung, Simon Baron-Cohen, Emma Ashwin, Rebecca Knickmeyer,
Kevin Taylor, Gerald Hackett e Melissa Hines, “Fetal Testosterone Predicts Sexually
Differentiated Childhood Behavior in Girls and in Boys”, Psychological Science 20 (2009):
144–48. Na verdade, os pais muitas vezes tratam meninos e meninas biológicos de formas
distintas esperando diferenças bastante previsíveis de sexo e gênero que são biologicamente
determinadas. No entanto, tais comportamentos de socialização parecem ter pouco impacto
causal real na identidade de gênero. Por outro lado, podem causar mais disforia naqueles
indivíduos cuja identidade de gênero não corresponde ao seu sexo biológico. Infelizmente,
em busca do objetivo admirável de maior sensibilidade e inclusão para indivíduos cujos
comportamentos de gênero não correspondem às expectativas da sociedade, alguns
militantes criaram o mito de que a identidade de gênero é divorciada de fatores biológicos e
pode ser fortemente moldada apenas pela socialização.
[ 167 ] Milton Diamond, “Sexual Identity, Monozygotic Twins Reared in Discordant Sex
Roles and a BBC Follow-Up”, Archives of Sexual Behavior 11 (1982): 181–86.
[ 168 ] Associated Press, “David Reimer, 38, Subject of John/Joan Case”, New York Times,
12 de maio de 2004, www.nytimes.com/2004/05/12/us/david-reimer-38-subject-of-the-
john-joan-case.html (acessado em 7 de dezembro de 2018).
[ 169 ] Mas todos sabemos que é realmente uma minissaia. Isso não é um juízo de valor.
[ 170 ] O casamento de Isabel com Fernando de Aragão uniu os reinos de Castela e
Aragão, uma união incômoda que até hoje produz uma marola independentista em regiões
da antiga Aragão (Catalunha).
[ 171 ] Se o próprio Colombo pode ser chamado de louco é uma questão polêmica. Sua
reputação varia dependendo de se os historiadores se concentram em sua persistência e suas
realizações notáveis ou em sua teimosia de achar que havia descoberto uma rota para a
Índia e o impacto genocida de sua chegada sobre os nativos da região.
[ 172 ] Barnaby Rogerson, The Last Crusaders (Nova York: Overlook Press, 2009).
[ 173 ] Mary Erickson, “Rethinking Oedipus: An Evolutionary Perspective of Incest
Avoidance”, American Journal of Psychiatry 150 (1993): 411-16; Liqun Luo, “Is There a
Sensitive Period in Human Incest Avoidance? “ Evolutionary Psychology 9 (2011): 285–95.
[ 174 ] Eu limito minha discussão a relacionamentos incestuosos consensuais entre adultos.
O incesto sem consentimento, que ocorre no contexto de abuso sexual infantil ou estupro
entre irmãos, naturalmente traz consigo uma série de outras questões emocionais, de saúde
e jurídicas.
[ 175 ] Robin Bennett, Arno Mutulsky, Alan Bittles, Louanne Hudgins, Stefanie Uhrich,
Debra Lochner Doyle, Kerry Silvey, C. Ronald Scott, Edith Cheng, Barbara McGillivray,
Robert D. Steiner e Debra Olson, “Genetic Counseling and Screening of Consanguineous
Couples and Their Offspring: Recommendations of the National Society of Genetic
Counselors”, Journal of Genetic Counseling 11 (2002): 97–119.
[ 176 ] Isso foi promovido ativamente, por exemplo, pela rainha Vitória, que tinha parentes
em famílias reais de muitas nações e, é claro, manteve um casamento por amor com seu
primo em primeiro grau, o príncipe Albert. Esses laços familiares não impediram a eclosão
da Primeira Guerra Mundial.
[ 177 ] Que, ao contrário de seus primos espanhóis, seria expulso do poder somente após a
Primeira Guerra Mundial.
[ 178 ] Dizem que Maria Antonieta, uma Habsburgo que eu estudo em um capítulo
posterior, tinha um toque disso, criando um lábio inferior projetado.
[ 179 ] Como no caso das doenças hereditárias, nem todos os Habsburgo tinham a
mandíbula Habsburgo. As mulheres da família parecem ter sido poupadas das piores
consequências desse traço, embora seja menos certo se foram poupadas de outros elementos
da consanguinidade.
[ 180 ] Gonzalo Alvarez, Francisco Ceballos e Celsa Quintiero, “The Role of Inbreeding in
the Extinction of an European Royal Dynasty”, PLoS One 4 (2009):
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0005174 (acessado em 9
de dezembro de 2018).
[ 181 ] J. H. Elliot, Imperial Spain 1469–1716 (Nova York: Penguin: 2002).
[ 182 ] Alvarez, Ceballos e Quintiero, “The Role of Inbreeding in the Extinction of a
European Royal Dinasty”.
[ 183 ] Anne teve em torno de 17 gestações, das quais apenas cinco resultaram em filhos
nascidos vivos e apenas uma criança que sobreviveu à infância. A criança morreu aos 11
anos.
[ 184 ] Tecnicamente, isso ocorreu em 1701, alguns anos após a queda de Jaime II, visto
que os últimos Stuart protestantes não produziram herdeiros.
[ 185 ] Uma régua de cálculo pode ajudar a acompanhar as contas.
[ 186 ] E assim perdeu a oportunidade de quebrar uma linha absurdamente longa de Jorges.
[ 187 ] Seu primeiro-ministro chefe durante a guerra, Lord North, tentou renunciar várias
vezes citando sua própria incapacidade de administrar a guerra, mas Jorge III ignorou seus
esforços.
[ 188 ] Barbara Tuchman, March of Folly (Nova York: Random House, 1985).
[ 189 ] Janice Hadlow, A Royal Experiment: The Private Life of King George III (Nova York:
Henry Holt, 2014).
[ 190 ] Hadlow, A Royal Experiment.
[ 191 ] Francis Willis e o tratamento dispensado ao rei Jorge III são o tema dos famosos
peça e filme As loucuras do Rei George, embora seja improvável que o tratamento de Willis
tenha sido tão útil quanto o filme sugere.
[ 192 ] Tecnicamente, ele era o príncipe de Gales enquanto Jorge III ainda estava vivo.
[ 193 ] Hadlow, A Royal Experiment.
[ 194 ] Esse sintoma provavelmente ajudou a criar a crença absurda de que a porfiria
estivesse relacionada a mitos sobre vampiros.
[ 195 ] Ida Macalpine e Richard Hunter, “The ‘Insanity’ of King George III: A Classic
Case of Porphyria”, British Medical Journal 1 (1966): 65–71.
[ 196 ] Timothy Peters e Allan Beveridge, “The Madness of King George III: A
Psychiatric Re-Assessment”, History of Psychiatry 21 (2010): 20–37.
[ 197 ] Crianças do ensino fundamental, por outro lado, acham isso legal.
[ 198 ] Para ser justo, há especulações a respeito de um possível surto anterior da doença
em 1765, embora poucos registros médicos tenham sobrevivido e não fique claro se os
sintomas de saúde mental estavam envolvidos.
[ 199 ] Ver também Dean Keith Simonton, “Mad King George: The Impact of Personal
and Political Stress on Mental and Physical Health”, Journal of Personality 66 (1998): 443–
66.
[ 200 ] Timothy Cox, Nicola Jack, Simon Lofthouse, John Watling, Janice Haines e
Martin J Warren, “King George III and Porphyria: An Elemental Hypothesis and
Investigation”, The Lancet 366 (2005): 332–35.
[ 201 ] O arsênico, apesar de conhecido como veneno, às vezes era misturado a outros
medicamentos proposital ou acidentalmente. Ôps.
[ 202 ] Vassiliki Rentoumi, Timothy Peters, Jonathan Conlin e Peter Garrard, “The Acute
Mania of King George III: A Computational Linguistic Analysis”, PLoS ONE 12 (2017),
www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5362044/ (acessado em 13 de dezembro de
2018).
[ 203 ] John O’Farrell, An Utterly Impartial History of Britain (Londres: Transworld
Publishers, 2007).
[ 204 ] O que foi bom para o Reino Unido, que tinha de gastar recursos defendendo o
principado alemão, com o qual tinha pouco em comum além do monarca compartilhado.
[ 205 ] Karen McComb, Lucy Baker e Cynthia Moss, “African Elephants Show High
Levels of Interest in the Skulls and Ivory of Their Own Species”, Biology Letters 2 (2006):
26–28. Eles, entretanto, não constroem cemitérios ou realizam sessões espíritas.
Exatamente o que os elefantes podem estar pensando ou sentindo permanece
desconhecido, pois os elefantes raramente concordam em participar de pesquisas.
[ 206 ] Ian Tattersall, “Once We Were Not Alone”, Scientific American, janeiro de 2000,
https://www.scientificamerican.com/article/once-we-were-not-alone/ (acessado em 15 de
dezembro de 2018).
[ 207 ] Significando que não há evidências para refutar tais crenças. A questão de saber se
alguma forma de vida nos espera após a morte simplesmente está além do alcance da
ciência. Poderia ser concebido um experimento, embora os participantes, de forma bastante
inconveniente, fossem incapazes de trazer relatos. Isso, é claro, significa que os ateus são tão
culpados quanto os indivíduos religiosos por afirmar que suas crenças são fatos, quando elas
não podem ser confirmadas pela ciência.
[ 208 ] John A. Terrizzi, “Is Religion an Evolutionously Evoked Disease-Avoidance
Strategy?” Religion, Brain & Behavior 7 (2017): 328–30.
[ 209 ] Ara Norenzayan, Azim F. Shariff, Will M. Gervais, Aiyana K. Willard, Rita A.
McNamara, Edward Slingerland e Joseph Henrich, “The Cultural Evolution of Prosocial
Religions”, Behavioral and Brain Sciences 39 (dezembro de 2014).
[ 210 ] Ara Norenzayan e Azim F. Shariff, “The Origin and Evolution of Religious
Prosociality,” Science 322 (2008): 58–62.
[ 211 ] Lee A. Kirkpatrick, “Toward an Evolutionary Psychology of Religion and
Personality”, Journal of Personality 67 (1999): 921–52.
[ 212 ] Dominic Johnson e Jesse Bering, “Hand of God, Mind of Man: Punishment and
Cognition in the Evolution of Cooperation”, Evolutionary Psychology 4 (2006): 219–33.
[ 213 ] Andrea M. Yetzer, Tom Pyszczynski e Jeff Greenberg, “A Stairway to Heaven: A
Terror Management Theory Perspective on Morality”, em Atlas of Moral Psychology, org.
Kurt Gray e Jesse Graham, 241–51 (Nova York: Guilford Press, 2018).
[ 214 ] Não exatamente uma característica unicamente humana. O mundo natural é
violento, cruel e brutal mesmo dentro das espécies.
[ 215 ] Normalmente, 85% do peso corporal mínimo é usado como parâmetro, embora o
DSM-5 mais recente tenha removido o número específico. AN não deve ser confundida
com outras formas de anorexia provocadas por condições médicas como quimioterapia ou
câncer de estômago.
[ 216 ] Christopher J. Ferguson, “The Devil Wears Stata: Thin-Ideal Media’s Minimal
Contribution to Our Understanding of Body Insatisfaction and Eating Disorders”, Archives
of Scientific Psychology 6 (2018): 70–79.
[ 217 ] Michael B. King e Gillian Mezey, “Eating Behaviour of Male Racing Jockeys”,
Psychological Medicine 17 (1987): 249–53.
[ 218 ] Desculpem, jóqueis!
[ 219 ] Fernando Espi Forcen e Carlos Espi Forcen, “The Practice of Holy Fasting in the
Late Middle Ages: A Psychiatric Approach”, Journal of Nervous and Mental Disease 203
(2015): 650–53.
[ 220 ] Diz-se que Catarina teria resistido um pouco mais, raspando a cabeça, usando um
véu e suportando o trabalho braçal exigido dela como punição por desobedecer aos pais. E
as crianças de hoje com Cristo e cabelos!
[ 221 ] Isabella Sukkar, Madeleine Gagan e Warren Kealy-Bateman, “The 14th Century
Religious Women Margery Kempe and Catherine of Siena Can Still Teach Us Lessons
about Eating Disorders Today”, Journal of Eating Disorders 5 (julho de 2017),
https://jeatdisord.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40337-017-0151-5 (acessado em
18 de dezembro de 2018).
[ 222 ] Eu brinco, mas é claro que AN não é motivo de riso para aqueles que a
experimentam. Procure ajuda caso esteja passando por isso.
[ 223 ] R. Bianucci, P. Charlier, P. Evans e O. Appenzeller, “Temporal Lobe Epilepsy and
Anorexia Nervosa in St. Catherine of Siena (1347-1380)”, Journal of the Neurological
Sciences 379 (2017): 122–23.
[ 224 ] Bianucci, Charlier, Evans e Appenzeller, “Temporal Lobe Epilepsy and Anorexia
Nervosa in St. Catherine of Siena”.
[ 225 ] Sukkar, Gagan e Kealy-Bateman, “The 14th Century Religious Women”.
[ 226 ] Francesco M. Galassi, Nicole Bender, Michael E. Habicht, Emanuele Armocida,
Fabrizio Toscano, David A. Menassa e Matteo Cerri. “St. Catherine of Siena (1347–1380
d.C.): One of the Earliest Historic Cases of Altered Gustatory Perception in Anorexia
Mirabilis”, Neurological Sciences (no prelo).
[ 227 ] Albert Rothenberg, “Eating Disorder as a Modern Obsessive-Compulsive
Syndrome”, Psychiatry: Interpersonal and Biological Processes 49 (1986): 45–53. Ver também
Joy D. Humphreys, James R. Clopton e Darcy A. Reich, “Disordered Eating Behavior and
Obsessive Compulsive Symptoms in College Students: Cognitive and Affective
Similarities”, Eating Disorders: The Journal of Treatment & Prevention 15 (2007): 247–59.
[ 228 ] Felicity Ng, “The Interface between Religion and Psychosis”, Australasian Psychiatry
15 (2007): 62–66.
[ 229 ] Dominiek D. Coates, “‘Cult Commitment’ from the Perspective of Former
Members: Direct Rewards of Membership versus Dependency Inducing Practices”,
Deviant Behavior 33 (2012): 168–84.
[ 230 ] Wendy Gale Robinson, “Heaven’s Gate: The End?” Journal of Computer-Mediated
Communication 3 (1997), https://academic.oup.com/jcmc/article/3/3/JCMC334/4584381
(acessado em 21 de dezembro de 2018). O culto também era conhecido por sua aparência
andrógina, incluindo castração para muitos dos homens (irc!) e roupas idênticas.
[ 231 ] Seu nome de batismo era Vernon Howell; ele se renomeou David Koresh para ter
um nome com conotação bíblica.
[ 232 ] William L. Pitts, “Davidians and Branch Davidians”, Handbook of Texas Online,
Texas State Historical Association, 2010,
https://tshaonline.org/handbook/online/articles/ird01 (acessado em 22 de dezembro de
2018).
[ 233 ] Robert R. Agne, “Reframing Practices in Moral Conflict: Interaction Problems in
the Negotiation Standoff at Waco”, Discourse & Society 18 (2007): 549–78.
[ 234 ] US Departament of Justice, Report to the Deputy Attorney General on the Events at
Waco, Texas (Washington, DC: US Departament of Justice, 1993),
www.justice.gov/archives/publications/waco/report-deputy-attorney-general-events-waco-
texas (acessado em 22 de dezembro de 2018).
[ 235 ] Simultaneamente, os Texas Rangers começaram a investigar se o ataque do ATF ao
Ramo Davidiano teria vazado.
[ 236 ] Committee on Government Reform, The Tragedy at Waco: New Evidence Examined
(Washington, DC: Government Printing Office, 2000),
www.congress.gov/106/crpt/hrpt1037/CRPT-106hrpt1037.pdf (acessado em 22 de
dezembro de 2018).
[ 237 ] Robert R. Agne, “Reframing Practices in Moral Conflict: Interaction Problems in
the Negotiation Standoff at Waco”, Discourse & Society 18 (2007): 549–78.
[ 238 ] Dick Reavis, Ashes of Waco: An Investigation (Syracuse, NY: Syracuse University
Press, 1998).
[ 239 ] A. Adityanjee, “Jauhar: Mass Suicide by Self-Immolation in Waco, Texas”, Journal
of Nervous and Mental Disease 182 (1994): 727–28.
[ 240 ] David Holley, “Japanese Guru: A Youthful Bully’s Quest for Power”, Los Angeles
Times, 27 de março de 1995, https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1995-03-27-mn-
47649-story.html (acessado em 23 de dezembro de 2018).
[ 241 ] Alexander E. Raevskiy, “Psychological Aspects of the Aum Shinrikyo Affair”,
Psychology in Russia: State of the Art 7 (2014): 34–39.
[ 242 ] Robert Jay Lifton, “Aum Shinrikyo: The Threshold Crossed”, Journal of Aggression,
Maltreatment & Trauma 9 (2004): 57–66.
[ 243 ] Lifton, “Aum Shinrikyo”.
[ 244 ] Ian Reader, “Scholarship, Aum Shinrikyô, and Academic Integrity”, Nova Religio 3
(2000): 368–82.
[ 245 ] William Rosenau, “Aum Shinrikyo’s Biological Weapons Program: Why Did It
Fail?”, Studies in Conflict & Terrorism 24 (2001): 289–301.
[ 246 ] Lifton, “Aum Shinrikyo”.
[ 247 ] Benjamin Beit-Hallahmi, “Apocalyptic Dreams and Religious Ideologies: Losing
and Saving Self and World”, Psychoanalytic Review 90 (2003): 403–39.
[ 248 ] Kyle B. Olson, “Aum Shinrikyo: Once and Future Threat?” Emerging Infectuous
Diseases 4 (1999): 513–16,
www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2627754/pdf/10458955.pdf (acessado em 24 de
dezembro de 2018).
[ 249 ] Olson, “Aum Shinrikyo”.
[ 250 ] “Tokyo Sarin Attack: Aum Shinrikyo Cult Leaders Executed”, BBC News, 6 de
julho de 2018, www.bbc.com/news/world-asia-43395483 (acessado em 24 de dezembro de
2018).
[ 251 ] Uso o termo para indicar aqueles que foram criados em uma cultura majoritária
vagamente cristã, mas que podem exibir vários graus de fé real, que vão do
fundamentalismo ao ateísmo.
[ 252 ] U.S. Government Accountability Office, Countering Violent Extremism
(Washington, DC: United States Government Accountability Office, 2017),
www.gao.gov/assets/690/683984.pdf (acessado em 26 de dezembro de 2018).
[ 253 ] Adam Lankford, “A Comparative Analysis of Suicide Terrorists and Rampage,
Workplace, and School Shooters in the United States from 1990 to 2010”, Homicide
Studies: An Interdisciplinary & International Journal 17 (2013): 255–74.
[ 254 ] Inspectors General of the Intelligence Community, Central Intelligence Agency,
Departament of Justice and Departament of Homeland Security, Unclassified Summary of
Information Handling and Sharing Prior to the April 15, 2013 Boston Marathon Bombings
(Washington, DC: Office of Inspectors General, 2014),
https://oig.justice.gov/reports/2014/s1404.pdf (acessado em 26 de dezembro de 2018).
[ 255 ] Phillip Martin, “Is the Waltham Triple Murder Investigation at a Dead End?”
WGBH, 12 de abril de 2018, www.wgbh.org/news/2018/04/12/news/waltham-triple-
murder-investigation-dead-end (acessado em 26 de dezembro de 2018).
[ 256 ] Massachusetts Emergency Management Agency, After Action Report for the Response
to the 2013 Boston Marathon Bombings, December 2014,
www.mass.gov/files/documents/2016/09/uz/after-action-report-for-the-response-to-the-
2013-boston-marathon-bombings.pdf (acessado em 26 de dezembro de 2018).
[ 257 ] Ann O’Neill, “Boston Marathon Bomber Dzhokhar Tsarnaev Sentenced to Death”,
CNN, 15 de maio de 2015, www.cnn.com/2015/05/15/us/boston-bombing-tsarnaev-
sentence/index.html (acessado em 26 de dezembro de 2018).
[ 258 ] O’Neill, “Boston Marathon Bomber Dzhokhar Tsarnaev Sentenced to Death”.
[ 259 ] Saeed Ahmed, “Who Were Rizwan Farook and Tashfeen Malik?”, CNN, 3 de
dezembro de 2015, www.cnn.com/2015/12/03/us/syed-farook-tashfeen-malik-mass-
shooting-profile/index.html (acessado em 30 de dezembro de 2018).
[ 260 ] Tentar descrever o comunismo sucintamente em algumas frases é, obviamente, uma
tarefa árdua. O comunismo é uma filosofia política complexa com muitas vertentes, mas
aqueles interessados em entendê-lo por completo podem começar lendo o Manifesto
Comunista de Marx e Engels. Não é longo e está convenientemente disponível na internet
para revolucionários iniciantes de todos os cantos. Karl Marx e Friedrich Engels,
Communist Manifesto (1948), www.slp.org/pdf/marx/comm_man.pdf (acessado em 1º de
janeiro de 2019).
[ 261 ] O caso de Nicolau e Alexandra era presença garantida neste livro, dadas suas
neuroses pessoais e os desastres causados por elas. Nicolau geralmente é visto pela história
como um marido e pai decente, mas um péssimo czar. Principalmente porque meio que não
era a coisa dele. Ele poderia ter sido um contador ou dentista perfeitamente razoável. Mas
czar? Não. Ele e Alexandra se amavam de verdade, mas seu filho nasceu com hemofilia,
uma condição dolorosa e, na época, intratável e fatal. A doença do filho criou neuroses
significativas em Alexandra, por fim fazendo com que se envolvesse com o notório
charlatão Rasputin. O caos que Alexandra e Rasputin criaram no governo de São
Petersburgo, a capital, decerto não pode ser totalmente culpado pela queda do governo
czarista, mas claramente não ajudou. É interessante estudar as neuroses de Alexandra e
como elas contribuíram para a revolução russa.
[ 262 ] Robert K. Massie, The Romanovs: The Final Chapter (Nova York: Random House,
2012).
[ 263 ] A Alemanha, inimiga da Rússia, ajudou, abençoada seja.
[ 264 ] Stálin foi um apelido que ele assumiu mais tarde na vida, significando “homem de
aço”. Isso foi, é claro, pré-Super-Homem. Também é perceptível uma vaidade um tanto
descarada na escolha de tal apelido.
[ 265 ] A data é dada como sendo 1878 ou 1879.
[ 266 ] Alan Bullock, Hitler and Stalin (Nova York: Alfred A. Knopf, 1992).
[ 267 ] Um estudioso usa o termo “salsichas encharcadas de excremento” para descrever os
bebês enfaixados da época. Ver Stephanie Shakhireva, “Swaddled Nation: Modern Mother
Russia and a Psychohistorical Reassessment of Stalin”, Journal of Psychohistory 35 (2007):
34–60.
[ 268 ] Shakhireva, “Swaddled Nation”.
[ 269 ] Stephen Kontin, Stalin: Paradoxes of Power, 1878-1928 (Nova York: Penguin, 2015).
[ 270 ] A esta altura vou parar de alimentar este moedor de carne com nomes russos que
soam exóticos. Basta dizer que, na época em que a Segunda Guerra Mundial estourou, a
maioria dos homens de alto escalão que haviam sido camaradas de Stálin durante o tempo
de Lênin e aliados nos anos após a morte de Lênin estava morta por ordem de Stálin.
[ 271 ] A distinção entre o que se entende por “camponês” ou “servo” é, reconhecidamente,
insatisfatoriamente vaga.
[ 272 ] Esse número é quase o dobro do número de judeus que se estima terem morrido
durante o Holocausto nazista.
[ 273 ] Alan Bullock, Hitler and Stalin.
[ 274 ] Talvez o mais famoso tenha sido Konstantin Rokossovsky, que se tornaria um dos
mais célebres comandantes soviéticos na guerra contra a Alemanha após ser libertado da
prisão.
[ 275 ] Precursor do KGB.
[ 276 ] Michael Ellman, “Soviet Repression Statistics: Some Comments”, Europe-Asia
Studies 54 (2002): 1151–72.
[ 277 ] Eles ainda não haviam assinado o Pacto Tripartite.
[ 278 ] Bullock, Hitler and Stalin.
[ 279 ] Constantine Pleshakov, Stalin’s Folly: The Tragic First Ten Days of the WWII on the
Eastern Front (Nova York: Houghton Mifflin, 2005).
[ 280 ] Viktor Suvorov, The Chief Culprit: Stalin’s Grand Design to Start World War II
(Annapolis, MD: Naval Institute Press, 2013).
[ 281 ] David Glantz, Stumbling Colossus (Lawrence: University Press of Kansas, 1998).
[ 282 ] Pleshakov, Stalin’s Folly.
[ 283 ] Um excelente resumo das evidências de todos os lados deste debate é de Ia. S.
Drabkin, “‘Hitler’s War’ or ‘Stalin’s War’?” Journal of Russian and East European Psychology
40 (2002): 5–30.
[ 284 ] Jonathan Fenby, Alliance: The Inside Story of How Roosevelt, Stalin and Churchill Won
One War and Began Another (Nova York: Simon & Schuster, 2008).
[ 285 ] “Russians”, de Sting, é minha preferida.
[ 286 ] Vtadimir Hachinski, “Stalin’s Last Years: Delusions or Dementia?” European Journal
of Neurology 6 (1999): 129–32.
[ 287 ] Hachinski, “Stalin’s Last Years”.
[ 288 ] Hachinski, “Stalin’s Last Years”.
[ 289 ] Ver, por exemplo, Lee Feigon, Mao: A Reinterpretation (Chicago: Ivan R. Dee,
2002), para uma interpretação muito mais positiva de Mao do que você encontrará aqui.
[ 290 ] Um ex-Guarda Vermelho, ou jovem militante pró-Mao, cuja família foi perseguida
pelo regime comunista depois de rejeitar sua violência.
[ 291 ] Jung Chang e Jon Halliday, Mao: The Unknown Story (Nova York: Alfred A. Knopf,
2005).
[ 292 ] Gregor Benton e Lin Chun, Was Mao Really a Monster? The Academic Response to
Chang and Halliday’s “Mao: The Unknown Story” (Abingdon, UK: Routledge, 2010).
[ 293 ] Delia Devin, “Dark Tales of Mao the Merciless”, em Was Mao Really a Monster? The
Academic Response to Chang and Halliday’s “Mao: The Unknown Story”, org. Gregor Benton e
Lin Chun, 15-20 (Abingdon, Reino Unido: Routledge, 2010). Os editores do livro, em sua
introdução, parecem estar entre aqueles que veem as mortes por fome sob Mao como sendo
acidentais, não fruto de insensibilidade ou indiferença intencional, comparando-a a outras
fomes evitáveis. Isso destaca a incerteza quanto a se as ações de Mao devem ser
comparadas, digamos, à implantação insensível e proposital por Stálin da fome dos
ucranianos na década de 1930, ou talvez à incompetência e indiferença burocrática com que
o Reino Unido tratou os irlandeses durante a fome da batata dos anos 1800, que também
era evitável. Como qualquer dessas fomes persistiu por anos sem correção nos esforços ou
preocupação para com os moribundos e mortos, isso me parece discutir minúcias. Dizer
que o Reino Unido também é responsável por atrocidades contra outros (o que é verdade)
faz pouco para descartar a culpa de Mao nas mortes de seus próprios cidadãos. Este é um
clássico “e que tal aquilo?”.
[ 294 ] E isso, curiosamente, parece ser mais consistente para os homens do que para as
mulheres.
[ 295 ] Alexander V. Pantsov e Steven L. Levine, Mao: The Real Story (Nova York: Simon
and Schuster, 2013).
[ 296 ] O último imperador Qing, o menino-imperador Pu Yi, tem sua própria história
fascinante, tema do filme O último imperador. Pu Yi, no fundo um homem comum
impedido de ter um desenvolvimento normal em sua infância, tornou-se o imperador
fantoche dos japoneses na Manchúria durante a Segunda Guerra Mundial. Isso obviamente
não funcionou para ele a longo prazo, mas depois da guerra ele foi reabilitado pelos
comunistas chineses como uma espécie de ferramenta de propaganda. Surpreendentemente
para alguém manipulado por China, Japão e Rússia, ele morreu de causas naturais em 1967.
[ 297 ] Edgar Snow, Red Star over China (Nova York: Grove Press, 1938).
[ 298 ] Chang e Halliday, Mao: The Unknown Story.
[ 299 ] Barbara W. Tuchman, Stilwell and the American Experience in China: 1911–1945
(Nova York: Random House, 2017).
[ 300 ] Andrew Jacobs, “China Is Wordless on Traumas of Communists’ Rise”, New York
Times, 1º de outubro de 2009,
www.nytimes.com/2009/10/02/world/asia/02anniversary.html (acessado em 13 de janeiro
de 2019).
[ 301 ] Mao Yushi, “Lessons from China’s Great Famine”, CATO Journal 34 (2014): 483–
90.
[ 302 ] Frank Dikötter, Mao’s Great Famine: The History of China’s Most Devastating
Catastrophe, 1958-62 (Nova York: Walker, 2010).
[ 303 ] David Lester, “Suicide and the Chinese Cultural Revolution”, Archives of Suicide
Research 9 (2005): 99–104.
[ 304 ] Chang e Halliday, Mao: The Unknown Story.
[ 305 ] Stephen Uhalley Jr. e Jin Qiu, “The Lin Biao Incident: More Than Twenty Years
Later”, Pacific Affairs 66 (1993): 386–98.
[ 306 ] Nicholas D. Kristof, “Suicide of Jiang Qing, Mao’s Widow, Is Reported”, New York
Times, 5 de junho de 1991, www.nytimes.com/1991/06/05/obituaries/suicide-of-jiang-
qing-mao-s-widow-is-reported.html (acessado em 14 de janeiro de 2019).
[ 307 ] Ver Derek Watkins, “What China Has Been Building in the South China Sea”,
New York Times, 27 de outubro de 2015,
www.nytimes.com/interactive/2015/07/30/world/asia/what-china-has-been-building-in-
the-south-china-sea.html (acessado em 14 de janeiro de 2019). As ilhas estão sendo usadas
pela China para controlar as vias navegáveis na área, que ela reivindica, apesar das
reivindicações de países vizinhos como Vietnã e Filipinas. Se eles fizerem uma ilha tropical
para mim, talvez eu escreva biografias mais simpáticas de Mao no futuro.
[ 308 ] Steve Jackson, “Papers Reveal Mao’s View of Women”, BBC News, 13 de fevereiro
de 2008, http://news.bbc.co.uk/2/hi/asia-pacific/7243500.stm (acessado em 14 de janeiro
de 2019).
[ 309 ] Zing-yang Kuo e Yut-hang Lam, “Chinese Religious Behavior and the Deification
of Mao Tse-Tung”, The Psychological Record 18 (1968): 455–68.
[ 310 ] Que, sendo um grande realizador, assassinou entre um quarto e um terço da
população de seu país.
[ 311 ] Férias? Certamente. Embora veremos se consigo um visto depois desta biografia de
Mao.
[ 312 ] Herbert E. Krugman, “The Role of Hostility in the Appeal of Communism in the
United States”, Psychiatry: Journal for the Study of Interpersonal Processes 16 (1953): 253–61.
Por ser da década de 1950, o periódico embrulha isso em uma baboseira psicanalítica, então
fique atento.
[ 313 ] George Windholz, “Karl Marx’s Paranoid Ideation in the Communist Manifesto”,
Imagination, Cognition and Personality 20 (2000): 257–73.
[ 314 ] H. J. Eysenck e Thelma T. Coulter, “The Personality and Attitudes of Working-
Class British Communists and Fascists”, Journal of Social Psychology 87 (1972): 59–73.
[ 315 ] Incluo aqui o Império Bizantino como o terço final da história de Roma, embora
durante a maior parte da existência de Bizâncio a própria cidade de Roma não tenha feito
parte desse império. No entanto, o Império Bizantino foi simplesmente a metade
sobrevivente do Império Romano após a queda da metade ocidental no século V d.C.
[ 316 ] É interessante que alguns dos nomes mais famosos da história da república romana
tenham sido, de fato, inimigos da república. Outro exemplo seria Pirro, o sujeito de quem
recebemos o termo “vitória de Pirro”, significando uma vitória tão cara que provavelmente
resultará na perda da guerra como um todo.
[ 317 ] Normalmente a justificativa ideal para agendas morais insidiosas.
[ 318 ] Caso você ache que estou sendo polêmico, foi mais ou menos o que aconteceu com
Sócrates. É verdade que provavelmente não acontecia muito.
[ 319 ] Lívio, The History of Rome, http://mcadams.posc.mu.edu/txt/ah/Livy/.
[ 320 ] Anthony Everitt, The Rise of Rome (Nova York: Random House, 2013).
[ 321 ] Everitt, The Rise of Rome.
[ 322 ] O socialismo chega a Roma!
[ 323 ] Segundo a história, durante um confronto Tibério apontou para sua cabeça, um
sinal tradicional de que estava em apuros, mas o Senado, de um modo um tanto sem
sentido, interpretou isso como a busca de uma coroa.
[ 324 ] Plutarco, Lives, https://oll.libertyfund.org/pages/plutarch-s-parallel-lives.
[ 325 ] Plutarco, Lives.
[ 326 ] Plutarco, Lives.
[ 327 ] Suetônio, The Lives of the Twelve Caesars, www.perseus.tufts.edu/hopper/text?
doc=Perseus:text:1999.02.0132.
[ 328 ] Kit Morrell, “Cato and the Courts in 54 B.C.” Classical Quarterly 64 (2014): 669–
81.
[ 329 ] Os franceses gostavam de seus Luíses.
[ 330 ] Antonia Fraser, Marie Antoinette: The Journey (Nova York: Anchor Books, 2001).
[ 331 ] Evelyn Farr, I Love You Madly: Marie-Antoinette and Count Fersen: The Secret Letters
(Londres: Peter Owen, 2016).
[ 332 ] Nancy Barker, “Let Them Eat Cake: The Mythical Marie Antoinette and the
French Revolution”, The Historian 55 (1993): 709–24.
[ 333 ] De quem, de fato, deriva o termo “mesmerizar”.
[ 334 ] Daniel Ricciuto, “Anton Mesmer and Mesmerization: Past and Present”, Historical
Review 83 (2005): 135–37.
[ 335 ] Ryan Fogg e Stephen A. Boorjian, “The Sexual Dysfunction of Louis XVI: A
Consequence of International Politics, Anatomy, or Naivete?”, BJU International 106
(2010): 457–59.
[ 336 ] Evelyne Lever, Marie Antoinette: The Last Queen of France (Nova York: St. Martin’s
Griffon, 2000).
[ 337 ] Para esta análise de Steve Jobs, exceto quando indicado o contrário, confiei em duas
biografias. Uma foi a biografia oficial de Walter Isaacson, Steve Jobs (São Paulo: Companhia
das Letras, 2011). A outra foi a narrativa clara e vívida de Karen Blumenthal, Steve Jobs: The
Man Who Thought Different (Nova York: Feiwel and Friends, 2012). Este último é bom para
quem deseja uma leitura rápida ou para leitores mais jovens, enquanto a biografia de
Isaacson é um livro muito mais aprofundado.
[ 338 ] Ver Katy Waldman, “‘Small Fry’, Reviewed: Lisa Brennan-Jobs’s Mesmerizing,
Discomfiting Memoir”, New Yorker, setembro de 2018, www.newyorker.com/books/page-
turner/small-fry-reviewed-lisa-brennan-jobss-mesmerizing-discomfiting-memoir (acessado
em 2 de fevereiro de 2019); Jordan Valinsky, “Laurene Powell Jobs Pushes Back on her
Stepdaughter’s Memoir”, CNN, 28 de agosto de 2018,
https://money.cnn.com/2018/08/28/technology/laurene-powell-jobs-statement/index.html
(acessado em 2 de fevereiro de 2019).
[ 339 ] Jodi Kantor e David Streitfeld, “Inside Amazon: Wrestling Big Ideas in a Bruising
Workplace”, New York Times, 16 de agosto de 2015,
www.nytimes.com/2015/08/16/technology/inside-amazon-wrestling-big-ideas-in-a-
bruising-workplace.html?_r=0 (acessado em 2 de fevereiro de 2019).
[ 340 ] Carolyn Johnson, “Elizabeth Holmes, Founder of Blood-Testing Company
Theranos, Indicted on Wire Fraud Charges”, Washington Post, 15 de junho de 2018,
https://www.washingtonpost.com/business/economy/elizabeth-holmes-founder-of-blood-
testing-company-theranos-indicted-on-wire-fraud-federal-authorities-
announce/2018/06/15/8779f538-70df-11e8-bd50-b80389a4e569_story.html (acessado em
2 de fevereiro de 2019).
[ 341 ] Jim Ruttenberg, “A Long-Delayed Reckoning of the Cost of Silence on Abuse”,
New York Times, 22 de outubro de 2017, www.nytimes.com/2017/10/22/business/media/a-
long-delayed-reckoning-of-the-cost-of-silence-on-abuse.html (acessado em 3 de fevereiro
de 2019).
[ 342 ] Ronan Farrow, “From Aggressive Overtures to Sexual Assault: Harvey Weinstein’s
Accusers Tell their Stories”, New Yorker, 10 de outubro de 2017,
www.newyorker.com/news/news-desk/from-aggressive-overtures-to-sexual-assault-harvey-
weinsteins-accusers-tell-their-stories (acessado em 3 de fevereiro de 2019).
[ 343 ] Graham Bowley e Joe Coscarelli, “Bill Cosby, once a Model of Fatherhood,
Sentenced to Prison”, New York Times, 25 de setembro de 2018,
www.nytimes.com/2018/09/25/arts/television/bill-cosby-sentencing.html (acessado em 3
de fevereiro de 2019).
[ 344 ] Stephanie Pappas, “Bill Cosby Deposition: What Is Somnophilia?” LiveScience,
www.livescience.com/51562-what-is-somnophilia.html (acessado em 3 de fevereiro de
2019).
[ 345 ] Christopher J. Ferguson e D. Cricket Meehan, “An Analysis of Females Convicted
of Sex Crimes in the State of Florida”, Journal of Child Sexual Abuse: Research, Treatment, &
Program Innovations for Victims, Survivors, & Offenders 14 (2005): 75–89.
[ 346 ] Randy Thornhill e Craig T. Palmer, A Natural History of Rape: Biological Bases of
Sexual Coercion (Cambridge, MA: MIT Press, 2000).
[ 347 ] Richard Prum, The Evolution of Beauty: How Darwin’s Forgotten Theory of Mate
Choice Shapes the Animal World—and Us (Nova York: Doubleday, 2017).
[ 348 ] Martin Gottschalk e Lee Ellis, “Evolutionary and Genetic Explanations of Violent
Crime”, em Violent Crime: Clinical and Social Implications, org. Christopher J. Ferguson,
57–74 (Thousand Oaks, CA: Sage, 2010).
[ 349 ] Cathy Young, “Feminists Treat Men Badly: It’s Bad for Feminism”, Washington
Post, 30 de junho de 2016,
https://www.washingtonpost.com/posteverything/wp/2016/06/30/feminists-treat-men-
badly-its-bad-for-feminism/; Leslie Knight, “Enough with the Male-Bashing”, Forbes, 26
de abril de 2011, www.forbes.com/2011/04/26/enough-with-the-male-
bashing.html#58b005ed6e5c (acessado em 3 de fevereiro de 2019).
[ 350 ] Maria Puente, “Asia Argento Shock: Could #MeToo Be Damaged by Statutory
Rape Allegation against Her?” USA Today, 20 de agosto de 2018,
www.usatoday.com/story/life/people/2018/08/20/metoo-damaged-rape-allegation-agains-
leader-asia-argento/1042473002/ (acessado em 7 de fevereiro de 2019).
[ 351 ] Grace Panetta, “Sen. Dianne Feinstein Denies Withholding Christine Blasey Ford
Allegations Against Brett Kavanaugh for Policial Reasons”, Business Insider, setembro de
2018, www.businessinsider.com/dianne-feinstein-refutes-accusations-she-withheld-ford-
allegations-political-ploy-2018-9 (acessado em 6 de fevereiro de 2019).
[ 352 ] Christal Hayes, “‘I Was Angry and I Sent It’: Another Kavanaugh Accuser Refered
to FBI after Recanting”, USA Today, 2 de novembro de 2018,
www.usatoday.com/story/news/politics/2018/11/02/brett-kavanaugh-acuser-refered-fbi-
doj-investigation/1863210002/ (acessado em 8 de fevereiro de 2018).
[ 353 ] Talvez o mais famoso nos últimos anos tenha sido o caso de estupro do time de
lacrosse de Duke em 2006. Nesse caso, três estudantes brancos foram acusados de estupro
por uma estudante afro-americana de outra universidade que também trabalhava como
stripper. Apesar das inconsistências nos relatos dela, os promotores prosseguiram com o
caso, e diversos acadêmicos assinaram uma carta presumindo a culpa dos acusados. As
acusações acaram sendo retiradas e os jogadores de lacrosse, inocentados. O promotor do
caso foi suspenso por improbidade. A acusadora neste caso foi condenada pelo assassinato
de um namorado vários anos depois.
[ 354 ] Greg Hampikian, Emily West e Olga Askelrod, “The Genetics of Innocence:
Analysis of 194 U.S. DNA Exonerations”, Annual Review of Genomics and Human Genetics
12 (2011): 97–120.
[ 355 ] Lara Bazelon e Jennifer Thompson, “Christine Blasey Ford Memory of her Assault
Isn’t a Case of Mistaken Identity”, Slate, outubro de 2018, https://slate.com/news-and-
politics/2018/10/brett-kavanaugh-christine-blasey-ford-mistaken-identity.html (acessado
em 9 de fevereiro de 2019).
[ 356 ] Elizabeth Loftus, “Memory Faults and Fixes”, Issues in Science and Technology 18
(2002): 41–50.
[ 357 ] Louisa Lim, “Who Murdered China’s Emperor 100 Years Ago?” NPR, novembro
de 2008, https://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=96993694 (acessado em
13 de fevereiro de 2019).
[ 358 ] Sério. Engula seu constrangimento e tome sua penicilina.
[ 359 ] Ruth A. Sibbett, Tom C. Russ, Alison Pattie, John M. Starr e Ian J. Deary, “Does
Incipient Dementia Explain Normal Cognitive Decline Determinants? Lothian Birth
Cohort 1921”, Psychology and Aging 33 (2018): 674–84.
[ 360 ] Infelizmente não lembro quem disse isso, mas lembro de ter lido alguns anos atrás.
Infelizmente, esta citação em particular não terá créditos.
[ 361 ] Embora o estudo a seguir também inclua o caso de um palhaço de circo anão que
foi ferido várias vezes como parte de um número de “arremesso de anão”, no qual foi
repetidamente nocauteado. E você acha que tem um trabalho difícil. Ann McKee, Robert
Cantu, Christopher Nowinkski, E. Tessa Hedley-Whyte, Brandon E. Gavett, Andrew E.
Budson, Veronica E. Santini, Hyo-Soon Lee, Caroline A. Kubilus e Robert A. Stern,
“Chronic Traumatic Encephalopathy in Athletes: Progressive Tauopathy After Repetitive
Head Lesions”, Journal of Neuropathology and Experimental Neurology 68 (2009): 709–35.
[ 362 ] Dietrich Blumer, “The Illness of Vincent van Gogh”, American Journal of Psychiatry
159 (2002): 519–26.
[ 363 ] Dirk Lachenmeier, David Nathan-Maister, Theodore Breaux, Eva-Maria Sohnius,
Kerstin Schoeberl e Thomas Kuballa, “Chemical Composition of Vintage Preban Absinthe
with Special Reference to Thujone, Fenchone, Pinocamphone, Metanol, Copper, and
Antimony Concentrations”, Journal of Agriculture and Food Chemistry 56 (2008): 3073–81.
[ 364 ] Presumivelmente, a oferta e a demanda desempenham um papel nisso. A morte de
um artista necessariamente reduz a oferta, aumentando o valor de cada peça de arte.
Verdade que isso não é uma panaceia para o escrevinhador não apreciado. Muitos pintores
vão para o túmulo com suas obras efetivamente jogadas no caixão com eles.
[ 365 ] Embora o consumo de álcool possa causar diretamente alguma perda de tecido
cerebral, a maior parte dos danos vem da deficiência de tiamina provocada pelo consumo
crônico de álcool.
[ 366 ] A Alemanha tentou convencer o México a lançar uma invasão ao sul dos Estados
Unidos, então é justo.
[ 367 ] M. Dennis, “Looking Backward: Woodrow Wilson, the New South and the
Question of Race”, American Nineteenth Century History 3 (2002): 77–104.
[ 368 ] H. W. Brands, Woodrow Wilson (Nova York: Henry Holt, 2003).
[ 369 ] Um sujeito bastante decente que teve a infelicidade de estar espremido entre Teddy
Roosevelt e Woodrow Wilson, de modo que ninguém se lembra dele.
[ 370 ] Embora deva ser dito que, naquela época, os democratas não eram necessariamente
liberais, como muitas vezes se supõe hoje.
[ 371 ] E agradeço à televisão a cabo e à internet por nos resgatar.
[ 372 ] Tecnicamente, são apenas eles até agora, mas a temporada eleitoral de 2020 se
aproxima com um monte de candidatas.
[ 373 ] A. Scott Berg, Wilson (Nova York: G. P. Putman’s Sons, 2013).
[ 374 ] Obviamente estou resumindo muita história complexa de forma bastante rápida
aqui. Para ler mais eu recomendaria Barbara Tuchman, The Guns of August (Nova York:
Random House, 1994) e Robert K. Massie, Dreadnought (Nova York: Random House,
1991).
[ 375 ] Matthew White, Atrocities: The 100 Deadliest Episodes in Human History (Nova
York: W.W. Norton, 2012).
[ 376 ] Essa, na verdade, foi uma fonte de tensão que levou à guerra. Ironicamente, os
alemães tinham vergonha de testar sua nova frota, em grande parte mantendo-a desativada
durante a guerra. Na única vez em que a deixaram ir para a frente durante a Batalha da
Jutlândia, em 1916, a frota alemã sem dúvida teve um desempenho melhor do que a
britânica. Os alemães provavelmente venceram a batalha por pontos (mais navios inimigos
afundaram), mas ficaram nervosos e devolveram seus navios ao porto, onde permaneceram
pelo resto da guerra. Isso fez da batalha uma vitória estratégica britânica, apesar das perdas
maiores.
[ 377 ] Os irlandeses se rebelariam contra os britânicos em 1916 durante o Levante da
Páscoa. Embora militarmente malsucedido, conquistou apoio à independência irlandesa
tanto na Irlanda quanto no Reino Unido.
[ 378 ] Ainda menos realista, a Alemanha fantasiou que o Japão também poderia aderir.
Não funcionou.
[ 379 ] Antes da guerra, a Itália havia se aliado às Potências Centrais, mas ficou fora dos
conflitos iniciais e depois mudou de lado em 1915.
[ 380 ] Brands, Woodrow Wilson.
[ 381 ] De qualquer maneira ele realmente pensou nisso, apesar do derrame.
[ 382 ] Lou Cannon, President Reagan: The Role of a Lifetime (Nova York: Public Affairs,
2000).
[ 383 ] Robert E. Gilbert, “Ronald Reagan’s Presidency: The Impact of an Alcoholic
Parent”, Political Psychology 29 (2008): 737–65.
[ 384 ] Patti Davis, The Way I See It (Nova York: Putnam, 1992).
[ 385 ] Sem querer zombar do incidente, mas a piada é com Hinkley, já que Foster mais
tarde reconheceu ser gay.
[ 386 ] 100th Congress, Senate Report #216: Iran Contra Investigation Report, 1987,
https://archive.org/stream/reportofcongress87unit#page/n7/mode/2up (acessado em 24 de
fevereiro de 2019).
[ 387 ] Seymour M. Hersh, “The Iran-Contra Committees: Did They Protect Reagan?”
New York Times, 29 de abril de 1990, www.nytimes.com/1990/04/29/magazine/the-iran-
contra-committees-did-they-protect-reagan.html?pagewanted=all&src=pm (acessado em
24 de fevereiro de 2019).
[ 388 ] L. Backman, S. Jones, A. Berger, E. Laukka e B. Small, “Multiple Cognitive
Deficits during the Transition to Alzheimer’s Disease”, Journal of Internal Medicine 256
(2004): 195–204.
[ 389 ] Craig Shirley, Last Act: The Final Years and Emerging Legacy of Ronald Reagan
(Nashville, TN: Nelson Books, 2015).
[ 390 ] Lawrence K. Altman, “A Recollection of Early Questions about Reagan’s Health”,
New York Times, 15 de junho de 2004, www.nytimes.com/2004/06/15/health/the-doctor-s-
world-a-recollection-of-early-questions-about-reagan-s-health.html (acessado em 24 de
fevereiro de 2019).
[ 391 ] Alex Spillius, “Ronald Reagan Had Alzheimer’s ‘While in White House’ His Son
Claims”, Telegraph, www.telegraph.co.uk/news/worldnews/us-political/8262924/Ronald-
Reagan-had-Alzheimers-while-in-White-House-his-son-claims.html (acessado em 25 de
fevereiro de 2019).
[ 392 ] Visar Berisha, Shuai Wang, Amy LaCross e Julie Liss, “Tracking Discourse
Complexity Preceding Alzheimer’s Disease Diagnosis: A Case Study Comparing the Press
Conferences of Presidents Ronald Reagan e George Herbert Walker Bush”, Journal of
Alzheimer’s Disease 45 (2015): 959–63.
[ 393 ] François Boller e Margaret Forbes, “History of Dementia and Dementia in
History: an Overview”, Journal of the Neurological Sciences 158 (1998): 125–33.
[ 394 ] Uma das primeiras descrições vem da China. Ver Jia Liu, Lu-ning Wang e Jin-zhou
Tian, “Recognition of Dementia in Early China”, Neurobiology of Aging 33 (2012):
2948.e11-2948.e13.
[ 395 ] P. Stride e K. Lopes Floro, “Henry VIII, McLeod Syndrome and Jacquetta’s
Curse”, Journal of the Royal College of Physicians, Edinburg 43 (2013): 353–60.
[ 396 ] E, para que fique registrado, a doença de Alzheimer ocorre na minha própria
família, então eu sei do que estou falando.
[ 397 ] Gary Greenberg, The Book of Woe (Nova York: Blue Rider Press, 2013).
[ 398 ] Há, tenho certeza, um lugar muito especial no inferno para Samuel Cartwright.
[ 399 ] S. B. Hunt, “Dr. Cartwright on ‘Drapetomania’”, Buffalo Medical Journal 10 (1855):
438–42, https://books.google.com/books?
id=coBYAAAAMAAJ&pg=PA438#v=onepage&q&f=false (acessado em 2 de março de
2019).
[ 400 ] A loucura, por outro lado, sempre foi uma característica da política.
[ 401 ] Termos como esses, agora bastante pejorativos, foram na verdade considerados
grandemente técnicos durante o século XIX. Pego esta citação em particular de Edward
Wakefield, que na verdade era um reformista preocupado. Edward Wakefield, “Plan of an
Asylum for Lunatics”, The Philanthropist 2 (1812): 226–29.
[ 402 ] A maioria dos governos ainda era de monarquias centralizadas. Quando tais
governos tinham alguns trocados, o que não era tão frequente quanto você possa pensar,
esses monarcas tinham a escolha óbvia de financiar serviços para os doentes mentais ou,
digamos, comprar um novo pônei. Basta percorrer os grandes palácios do mundo para ver
qual escolha a realeza costumava fazer.
[ 403 ] Talvez não a grande perda que podemos imaginar, como veremos em breve.
[ 404 ] Ian McMillan, “Insight into Bedlam: One Hospital’s History”, Journal of
Psychosocial Nursing and Mental Health Services 35 (1997): 28–34.
[ 405 ] Laura Wright, “Syntactic Structure of Witnesses’ Narratives from the 16th-
Century Court Minute Books of the Royal Hospitals of Bridewell and Bedlam”,
Neuphilologische Mitteilungen 96 (1995): 93–105.
[ 406 ] Rainha “virgem” e tudo mais, sabe.
[ 407 ] McMillan, “Insight into Bedlam”.
[ 408 ] Presumivelmente ele e Samuel Cartwright são companheiros de beliche no inferno.
[ 409 ] As proteções legais para indivíduos mentalmente doentes confinados melhoraram
desde a maior parte da história de Bedlam.
[ 410 ] James Gilligan, “The Last Mental Health Hospital”, Psychiatric Quarterly 72
(2001): 45–61.
[ 411 ] E obrigado, caro leitor, por ajudar com isso.
[ 412 ] Gilligan, “The Last Mental Health Hospital”.
[ 413 ] Lawrence French, “Victimization of the Mentally Ill: An Unintended Consequence
of Deinstitutionalization”, Social Work (novembro–dezembro 1987): 502–5.
[ 414 ] Joni Lee Pow, Alan A. Baumeister, Mike F. Hawkins, Alex S. Cohen e James C.
Garand, “Deinstitutionalization of American Public Hospitals for the Mentally Ill before
and after the Introduction of Antipsychotic Medications”, Harvard Review of Psychiatry 23
(2015): 176–87.
[ 415 ] É difícil encontrar bons números sobre a falta de moradia, como se pode imaginar.
As estimativas variam de acordo com as fontes e os parâmetros de avaliação. A estimativa
aproximada de 500 mil é para o ano inteiro e foi citada em 2017 pelo governo dos Estados
Unidos. Se pensarmos em quantas pessoas ficaram sem teto em determinado período de
determinado ano, esse número pode ser várias vezes maior.
[ 416 ] Pow, Baumeister, Hawkins, Cohen e Garand, “Deinstitutionalization of American
Public Hospitals”.
[ 417 ] Gilligan, “The Last Mental Health Hospital”.
[ 418 ] Pow, Baumeister, Hawkins, Cohen e Garand, “Deinstitutionalization of American
Public Hospitals”.
[ 419 ] Pow, Baumeister, Hawkins, Cohen e Garand, “Deinstitutionalization of American
Public Hospitals”.
[ 420 ] Pow, Baumeister, Hawkins, Cohen e Garand, “Deinstitutionalization of American
Public Hospitals”.
[ 421 ] Esses fuzis são comumente chamados de “fuzis de assalto”, mas essa terminologia é
tecnicamente incorreta.
[ 422 ] Nos últimos anos, os criminologistas têm argumentado contra revelar os nomes de
perpetradores de homicídios em massa. O argumento é que alguns (embora certamente não
todos) buscam a fama, e não usar seus nomes é uma forma de reduzir esse incentivo. Minha
própria leitura dos dados é que, embora alguns atiradores certamente expressem interesse
pela fama, isso não é de modo algum universal entre os atiradores e, quando ocorre, é
provavelmente apenas uma pequena parte de sua motivação. Portanto, não acredito que a
omissão de nomes venha a desempenhar um papel importante na redução dos assassinatos
em massa. No entanto, pouco se perde ao fazer isso, então vou seguir essa convenção e me
referir ao autor do crime simplesmente como o atirador de Sandy Hook.
[ 423 ] Christopher J. Ferguson, Mark Coulson e Jane Barnett, “Psichological Profiles of
School Shooters: Positive Directions and One Big Wrong Turn”, Journal of Police Crisis
Negotiations 11 (2011): 141–58.
[ 424 ] State’s Attorney for the Judicial District of Danbury, Report of the State’s Attorney for
the Judicial District of Danbury about the Shootings at Sandy Hook Elementary School and 36
Yogananda Street, – Newtown, Connecticut on December 14 2012, 2013.
[ 425 ] O termo “videogame violento” é amplamente sem sentido. Tem pouco valor
científico, sobretudo por ser um termo emocionalmente evocativo. Afinal, não falamos
muito sobre “livros violentos”, embora, é claro, essas coisas existam e incluam muitos textos
religiosos.
[ 426 ] Christopher J. Ferguson, “Do Angry Birds Make for Angry Children? A Meta-
Analysis of Video Game Influences on Children’s and Adolescents’ Aggression, Mental
Health, Prosocial Behavior, and Academic Performance”, Perspectives on Psychological
Science 10 (2015): 646–66.
[ 427 ] S. Fazel e M. Grann, “The Population Impact of Severe Mental Illness on Violent
Crime”, American Journal of Psychiatry 163 (2006): 1397–1403.
[ 428 ] Kevin S. Douglas, Laura S. Guy e Stephen D. Hart, “Psychosis as a Risk Factor for
Violence to Others: A Meta-Analysis”, Psychological Bulletin 135 (2009): 679–706.
[ 429 ] Christopher J. Ferguson. “Video Games and Youth Violence: A Prospective
Analysis in Adolescents”, Journal of Youth and Adolescence 40 (2011): 377–91.
[ 430 ] Greenberg, The Book of Woe.
[ 431 ] Robert L. Spitzer e Joseph L. Fleiss, “A Re-Analysis of the Reliability of
Psychiatric Diagnosis”, British Journal of Psychiatry 125 (1974): 341–47.
[ 432 ] Thomas S. Szasz, “The Myth of Mental Illness”, American Psychologist 15 (1960):
113–18.
[ 433 ] Brett J. Deacon, “The Biomedical Model of Mental Disorder: A Critical Analysis
of Its Validity, Utility, and Effects on Psychotherapy Research”, Clinical Psychology Review
33 (2013): 846–61.
[ 434 ] Greenberg, The Book of Woe.
[ 435 ] Michael B. First, “The Importance of Developmental Field Trials in the Revision of
Psychiatric Classifications”, Lancet Psychiatry 3 (2016): 579–84.
[ 436 ] Há os que defendem a inclusão de muitos desses transtornos no DSM ou no CID,
mas no momento eles não são diagnósticos oficiais.
[ 437 ] Provavelmente eles se cansaram de explicar que V não era de Vingança.
[ 438 ] Para um relato completo e intrigante disso, consulte Gary Greenberg, The Book of
Woe: The DSM and the Unmaking of Psychiatry (Nova York: Blue Rider Press, 2013).
[ 439 ] Allen Frances, “The British Psychological Society Condemns DSM-5”, Psychology
Today, julho de 2011, www.psychiatrictimes.com/dsm-5/british-psychological-society-
condemns-dsm-5 (acessado em 16 de março de 2019).
[ 440 ] Thomas Allen, Tories: Fighting for the King in America’s First War (Nova York:
Harper Paperbacks, 2011).
[ 441 ] Normalmente creditado a Winston Churchill, embora não pareça ter tido origem
com ele.
[ 442 ] Tucídides, The Complete Writings of Thucydides, trad. R. Crawley (Nova York:
Random House, 1934).
[ 443 ] Em essência, Sócrates foi executado por ser irritante, teimoso e chato, mas
corrupção da juventude e incentivo à delinquência estavam entre as acusações.
[ 444 ] O nome da prova atlética vem dessa batalha e da lendária história de um hoplita
grego que correu do local da batalha de volta a Atenas para anunciar a vitória antes de cair
morto de exaustão. Uma história adorável, mas parece ser, na melhor das hipóteses, uma
confusão de eventos reais.
[ 445 ] Donald Kagan, The Outbreak of the Peloponnesian War (Ithaca, NY: Cornell
University Press, 1969).
[ 446 ] Esparta provavelmente ganhou por pontos.
[ 447 ] Como nos Coríntios da carta de Paulo na Bíblia.
[ 448 ] As coisas sempre ficam piores quando os parentes estão envolvidos, não é?
[ 449 ] A princípio, digitei incorretamente como “democrazy” e pensei que talvez devesse
deixar assim.
[ 450 ] Peter Green, Armada from Athens: The Failure of the Sicilian Expedition, 415-413
(Londres: Holder and Stoughton, 1970).
[ 451 ] Green, Armada from Athens.
[ 452 ] Xenofonte. Hellenica, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?
doc=Perseus:text:1999.01.0206.
[ 453 ] Xenofonte, Hellenica.
[ 454 ] Para ser justo, podemos considerar o longo Império Bizantino principalmente um
empreendimento dirigido pelos gregos, mas se concentrou sobretudo em Constantinopla,
nem tanto em Atenas, Esparta, Corinto ou Tebas. Atenas permaneceu importante e enfim
recuperou seu status de capital da Grécia recém-independente no século XIX.
[ 455 ] De fato, Tucídides basicamente deixa de mencionar Epidamnus após os estágios
iniciais da guerra.
[ 456 ] Por exemplo, tendo trabalhado em campi universitários durante anos, posso dizer,
claro, que definitivamente há alguns ideólogos enchendo a cabeça dos jovens com bobagens
horríveis, a maioria dos quais é de esquerda. Mas a maioria dos professores universitários
está mais preocupada em ensinar química, matemática ou psicologia do que em fazer os
alunos votarem em qualquer candidato à presidência em particular.
[ 457 ] Elaine Kamarack, Alexander Podkul e Nick Zeppos, Political Polarization and Voters
in the 2016 Congressional Primaries, Brookings Center for Effective Public Management,
2017, www.brookings.edu/wp-content/uploads/2017/01/primaries-paper-ii.pdf (acessado
em 27 de março de 2019).
[ 458 ] John Sides, Chris Tausanovich e Christopher Warshaw, “On the Representativeness
of Primary Electorates”, British Journal of Political Science (no prelo).
[ 459 ] David Brady, Hahrie Han e Jeremy Pope, “Primary Elections and Candidate
Ideology: Out of Step with the Primary Electorate?”, Legislative Studies Quarterly 32
(2007): 79–105.
[ 460 ] Michael Rogin, “Politics, Emotion, and the Wallace Vote”, British Journal of
Sociology 20 (1969): 27–49.
[ 461 ] Shigeo Hirano, James M. Snyder Jr. e Michael M. Ting, “Distributive Politics with
Primaries”, Journal of Politics 71 (2009): 1467–1480.
[ 462 ] Michael D. Henderson, Sunshine Hillygus e Trevor Tompson, “‘Sour Grapes’ or
Rational Voting? Voter Decision Making among Thwarted Primary Voters in 2008”, Public
Opinion Quarterly 74 (2010): 499–529.
[ 463 ] Scott O. Lilienfeld, Joshua D. Miller e Donald R. Lynam, “The Goldwater Rule:
Perspectives from, and Implications for, Psychological Science”, Perspectives on Psychological
Science 13, nº 1 (janeiro de 2018): 3–27.
[ 464 ] Lilienfeld, Miller e Lynam, “The Goldwater Rule”.
[ 465 ] Brandy X. Lee, The Dangerous Case of Donald Trump: 27 Psychiatrists and Mental
Health Experts Assess a President (Nova York: Thomas Dunne Books, 2017). Curiosamente,
para um livro em que o diagnóstico de narcisista é feito com grande frequência, o editor e
os colaboradores têm seus próprios momentos, como quando o autor se gaba de ter cinco
grandes editoras brigando pelo livro.
[ 466 ] Donald J. Trump e Tony Schwartz, The Art of the Deal (Nova York: Random House,
1987).
[ 467 ] Michael Kranish e Marc Fisher, Trump Revealed: An American Journey of Ambition,
Ego, Money, and Power (Nova York: Scribner, 2016). Desenvolvido pelo Washington Post,
este livro faz pouco esforço para parecer imparcial, a começar por um prólogo bastante
debochado.
[ 468 ] Verdade que não está claro se Trump vê dessa forma, já que ele tende a não
expressar muita tristeza pelas exigências de seu pai.
[ 469 ] Kranish e Fisher, Trump Revealed.
[ 470 ] Quando a questão foi levantada durante a eleição presidencial de 2016, Trump
lembrou que o marido de sua adversária Hilary Clinton, o ex-presidente Bill Clinton, havia
sido acusado por várias mulheres de agressão sexual e, em grande medida, foi deixado em
paz.
[ 471 ] Washington Post Staff, “Full Text: Donald Trump Announces a Presidential Bid”,
Washington Post, 16 de junho de 2015, www.washingtonpost.com/news/post-
politics/wp/2015/06/16/full-text-donald-trump-announces-a-presidential-bid/?
utm_term=.e8b9aaee886f (acessado em 1º de abril de 2019).
[ 472 ] Michael T. Light e Ty Miller, “Does Undocumented Immigration Increase Violent
Crime?”, Criminology 56 (2018): 370–401.
[ 473 ] Michelangelo Landgrave e Alex Nowrasteh, Incarcerated Immigrants in 2016: their
Numbers, Demographics and Countries of Origin, The Cato Institute, 2018,
www.cato.org/publications/immigration-research-policy-brief/their-numbers-
demographics-countries-origin (acessado em 1º de abril de 2019).
[ 474 ] Jeb Bush concorreu contra Trump nas primárias republicanas e perdeu. Caso fosse
eleito presidente, teria sido o terceiro Bush na Casa Branca durante minha vida, e eu não
sou tão velho.
[ 475 ] Os republicanos, por enquanto, em grande medida marcharam sob o comando de
Trump.
[ 476 ] Drew M. Parton e Michael R. Ent, “Vulnerable Narcissism Predicts Greater
Spiteful Punishment of a Third-Party Transgressor”, Journal of Research in Personality 76
(2018): 150–53.
[ 477 ] Ressalvando que ambos são termos muito abrangentes.
[ 478 ] Anthony N. Washburn e Linda J. Skitka, “Science Denial across the Political
Divide: Liberals and Conservatives Are Similarly Motivated to Deny Attitude-Inconsistent
Science”, Social Psychological and Personality Science (no prelo).
[ 479 ] Donald Braman, Dan M. Kahan e James Grimmelmann, “Modeling Facts,
Culture, and Cognition in the Gun Debate”, Social Justice Research 18 (2005): 283–304.
[ 480 ] Dan M. Kahan, Asheley Landrum, Katie Carpenter, Laura Helft e Kathleen Hall
Jamieson, “Science Curiosity and Political Information Processing”, Political Psychology 38
(2017): 179–99.
[ 481 ] Aja Hoggart, “An Author Canceled Her Own YA Novel over Accusations of
Racism. But Is It Really Anti-Black?”, Slate, janeiro de 2019,
https://slate.com/culture/2019/01/blood-heir-ya-book-twitter-controversy.html (acessado
em 1º de abril de 2019). Esclarecendo, eu não li Blood Heir porque, você sabe, ele foi
suspenso.
[ 482 ] Andrew Sullivan, “When Racism Is Fit to Print”, New York Magazine, agosto de
2018, http://nymag.com/intelligencer/2018/08/sarah-jeong-new-york-times-anti-white-
racism.html (acessado em 1º de abril de 2019).
[ 483 ] American Psychological Association, APA Guidelines for Psychological Practice for
Boys and Men, agosto de 2018, www.apa.org/about/policy/boys-men-practice-
guidelines.pdf (acessado em 3 de abril de 2019).
[ 484 ] Este é o inverso de como a terapia costuma ser feita, com os terapeutas tentando
entender o ponto de vista do paciente em vez do oposto. Em uma discussão que tive com
um dos autores, ele reconheceu que teorias feministas e interseccionais eram a base das
diretrizes. Não estou dizendo que tais teorias não têm valor, mas talvez não fossem o ponto
de partida correto para a compreensão da saúde mental dos homens.
[ 485 ] A esta altura, “má-fé” é algo que se aplica à esquerda.
[ 486 ] De fato, durante minha vida a censura foi defendida com maior frequência pela
direita. É decepcionante ver a esquerda assumir essa posição mais recentemente.
[ 487 ] Na verdade, posso dizer por experiência própria que outros países, incluindo o
México, que com frequência é a bête noire dos atuais debates sobre imigração nos Estados
Unidos, têm políticas de imigração mais rígidas. Certa vez tive negado meu visto de
entrada na Austrália. Felizmente, depois de tempo e dinheiro nada triviais, consegui
convencer os australianos de que não sou um criminoso condenado.
[ 488 ] Alex Lockie, “Conclusive Proof That Is Trump’s Policy to Separate Children from
their Families at the Border”, Business Insider, junho de 2018,
www.businessinsider.com/trump-administration-policy-separating-children-border-cbp-
dhs-2018-6 (acessado em 3 de abril de 2019).
[ 489 ] Steven Pinker, Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism and
Progress (Nova York: Viking, 2018).
[ 490 ] Geralmente considerado um dos mais sábios imperadores chineses.
[ 491 ] Fundadora do movimento de emancipação das mulheres no Reino Unido. Tive a
honra de me hospedar uma vez na casa de seu filho.
[ 492 ] É importante notar que estar livre da doença mental não era um critério. Sabe-se
que a doença mental está presente em muitos grandes governantes, incluindo Lincoln e
Winston Churchill, ambos sofrendo de uma depressão não trivial.
[ 493 ] Na verdade, a distribuição étnica dos perpetradores de homicídios em massa é
aproximadamente equivalente à das populações nacionais de onde eles vêm. E, claro, a
grande maioria dos muçulmanos não apoia ataques em massa contra civis.
[ 494 ] Muzafer Sherif, “Superordinate Goals in the Reduction of Intergroup Conflict”, em
Intergroup Relations: Essential Readings, org. Michael A. Hogg e Dominic Abrams, 64–70
(Nova York: Psychology Press, 2001).
[ 495 ] Lutfy N. Diab, “A Study of Intragroup and Intergroup Relations between
Experimentally Produced Small Groups”, Genetic Psychology Monographs 82 (1970): 49–82.
[ 496 ] Paul J. C. Adachi, Gordon Hodson, Teena Willoughby, Carolyn Blank e Alexandra
Ha, “From Outgroups to Allied Forces: Effect of Intergroup Cooperation in Violent and
Nonviolent Video Games on Boosting Favorable Outgroup Attitudes”, Journal of
Experimental Psychology: General 145 (2016): 259–65.
[ 497 ] Estou ansioso por meu diploma honorário em ciência política por chamar atenção
para isso.
[ 498 ] Embora minha postura não esteja muito distante disso. Eu acredito em direitos
vegetais.
[ 499 ] Achava-se que altas velocidades esmagariam corpos humanos ou sugariam o ar de
seus pulmões.
[ 500 ] Ainda falamos sobre “detonar” nossa comida, algo que vem das preocupações
iniciais com os fornos de micro-ondas.
[ 501 ] Amy Orben e Andrew Przybylski, “The Association between Adolescent Well-
Being and Digital Technology Use”, Nature: Human Behavior 3 (2019): 173–82.
[ 502 ] Esse é um assunto para outro livro que, tenho certeza, alguém já escreveu.
[ 503 ] E, para deixar claro, não pretendo de forma alguma depreciar os homens das
cavernas.
[ 504 ] Encontrei Joe Biden uma vez. Ele não cheirou meu cabelo.
[ 505 ] Seja moralmente certo ou errado, desconfio de que foi estrategicamente brilhante
separar-se de um Partido Democrata que, enquanto este livro era escrito, parecia estar em
perpétua turnê de desculpas.
[ 506 ] Como se costuma dizer, mesmo um relógio parado está certo duas vezes por dia.
[ 507 ] Snopes.com, “Are Bert and Ernie Gay?” www.snopes.com/fact-check/open-sesame/
(acessado em 14 de abril de 2019).
[ 508 ] A última coisa que ouvi enquanto escrevia foi que uma versão editada foi
programada para lançamento futuro. No entanto, os censores autodesignados venceram.
[ 509 ] The Knight Foundation, Free Expression on Campus: A Survey of U.S. College
Students and US Adults, 2016, https://knightfoundation.org/wp-
content/uploads/2020/01/FreeSpeech_campus.pdf (acessado em 14 de abril de 2019)
A África e os africanos na história e
nos mitos
Silva, Alberto da Costa e
9786556402666
208 páginas

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Em "A África e os africanos na história e nos mitos", Alberto da


Costa e Silva, cujos 90 anos comemoramos em 2021, mais uma vez
empresta seu vasto conhecimento aos leitores que queiram entrar
em contato com a história daquele continente e de seu povo. Esta é
uma viagem às várias Áfricas que coexistem, motivada pelo prazer
intelectual e pela alegria das descobertas, pela possibilidade de
estabelecer aproximações, perceber diferenças, descortinar
múltiplos enfoques de determinado tema. Para tanto, Costa e Silva
reuniu fragmentos de histórias orais, transcrições de época,
tradições e relatos de povos, líderes, linguistas, viajantes e
estudiosos, tudo muito bem urdido e narrado com tantas cores que
nos sentimos transportados no tempo e no espaço.

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Apologia de Sócrates
Platão
9788520928561
88 páginas

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Discípulo de Sócrates, outro grande filósofo da Antiguidade, Platão


deixou impressa de tal forma em sua obra a influência do mestre
que nem sempre é fácil para os estudiosos distinguir as ideias de
um e de outro. Numa tentativa de evocar um discurso proferido por
Sócrates em defesa própria perante seus acusadores, Platão redigiu
a Apologia de Sócrates, texto considerado por muitos as mais belas
páginas de eloquência que nos foram legadas pela Antiguidade,
uma síntese da filosofia socrática.
Tradutor: Maria Lacerda de Moura
Gisele Garcia: Tradução e apêndice
Colaborador - Alceu Amoroso Lima
Gisele Garcia - Introdução

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Poliana Moça
Porter, Eleonor H.
9788520931349
200 páginas

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"Poliana" cresceu e é uma adolescente encantadora, amada por


todos os que com ela aprenderam o famoso "jogo do contente". Sua
fama vai além dos limites de Beldingsville, a cidadezinha onde vive
com a tia, e Poliana recebe um convite para passar uma temporada
em Boston. Lá existe uma pessoa que precisa muito dela... mas
Poliana vai enfrentar vários obstáculos e verá, perplexa, a
indiferença das pessoas. Ao retornar para a sua cidade se
apaixonará por um jovem e descobrirá a felicidade e as inquietações
do amor. Tradutor: Paulo Silveira

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A ingênua libertina
Colette
9788520943977
160 páginas

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Um verdadeiro tratado sobre a liberdade, o desejo feminino, o


casamento e a maternidade, A ingênua libertina foi publicado por
Colette em 1909, mas sua leitura em nada nos parece datada ou
antiquada. A escritora francesa consegue, com sua protagonista e
com uma linguagem lírica e ao mesmo tempo sagaz, fazer um
retrato vívido da condição feminina no início do século XX, tantas
vezes podada pelas mãos de uma sociedade que exige tudo das
mulheres, menos a independência. Nesta que é uma das obras mais
espirituosas de Colette, conhecemos Minne, uma menina atrevida e
irreverente que sonha em se juntar a um bando de criminosos de
Paris e se aventurar pelo mundo ao lado de um grande amor. Mais
tarde, já adulta e casada com um primo, mas frustrada com os
rumos que sua vida tomou, ela se lança em casos extraconjugais
em busca de prazer e descobertas, embora suas escapadas não
saiam exatamente como o esperado. Mas, um dia, tudo parece
mudar... A ingênua libertina é um romance que traz muito da
biografia de sua autora, uma personalidade literária peculiar e
virtuosa que desafiou as convenções da sua época e que soube ser
original e popular, encantando, assim, a França e o mundo.
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Auto da compadecida
Suassuna, Ariano
9788520942833
208 páginas

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O "Auto da Compadecida" consegue o equilíbrio perfeito entre a


tradição popular e a elaboração literária ao recriar para o teatro
episódios registrados na tradição popular do cordel. É uma peça
teatral em forma de Auto em 3 atos, escrita em 1955 pelo autor
paraibano Ariano Suassuna. Sendo um drama do Nordeste
brasileiro, mescla elementos como a tradição da literatura de cordel,
a comédia, traços do barroco católico brasileiro e, ainda, cultura
popular e tradições religiosas. Apresenta na escrita traços de
linguagem oral [demonstrando, na fala do personagem, sua classe
social] e apresenta também regionalismos relativos ao Nordeste.
Esta peça projetou Suassuna em todo o país e foi considerada, em
1962, por Sábato Magaldi "o texto mais popular do moderno teatro
brasileiro".

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