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O ensino no conto Conto de Escola de Machado de Assis

Nayara Dias de Arruda

Beatriz Montanhana Teixeira

Resumo: A partir do conto Conto de Escola de Machado de Assis foi elaborado um


vídeo por um grupo de estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Estadual
Paulista de Rio Claro - SP, para a apresentação de um trabalho na disciplina de Língua
Portuguesa, ministrada pela professora Maria Augusta. Nesse vídeo consta a visão dos
alunos participantes sobre a obra e suas características, pois não há figurino da época,
e as imagens não correspondem diretamente com a narração. A obra foi respeitada em
sua íntegra, sendo essa narrada durante todo o vídeo. Assim, esse trabalho foi
elaborado baseado nesse mesmo conto, que está contido na obra Várias Histórias de
mesmo autor, e analisa as características da educação da época e das personagens, de
acordo com a visão do narrador-protagonista do conto. Um dos elementos ao qual o
conto faz referência, e que será analisado dentro desse artigo, é o uso da palmatória,
sinônimo, não só no conto, mas exclusivamente neste, de medo, repressão e castigo.
Também o uso da “pratinha” para o pagamento pelo ensino, visando assim um melhor
aprendizado e a delação por parte de um dos alunos, são outros elementos que serão
analisados e/ou criticados nesse trabalho.

Palavras-chave: Várias Histórias; Machado de Assis; Uso da Palmatória.

The teaching on the tale Tale of School by Machado de Assis

Abstract: This work was based on the tale School Machado's work contained in the
work Several stories, and examines the particulars education of that time, according to
the vision of the tale narrator-protagonist. From this work a video was produced for the
presentation of a work in the discipline Portuguese, taught by Professor Maria Augusta,
in the course of Pedagogy of the Universidade Estadual Paulista in Rio Claro city - SP,
point you to a vision of the tale of the participating students, while the work in full,
narrated throughout the video. The use of paddling is an element that is well noted in
the tale, a synonym of fear, repression, punishment, also the use of the "Pratinha” to
pay for teaching, providing better learning and the denunciation by one of the students,
all this will be analyzed and criticized in this work.

Keywords: Several Stories, Machado de Assis; Use of Paddling.

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Introdução

A história do conto se passa no ano de 1840, período em que o Brasil começou a


ser governado por D. Pedro II, que teve sua maioridade adiantada para poder governar,
pois ainda tinha quatorze anos quando assumiu o trono.

A educação da época era autoritarista. O professor era visto como o único


detentor do saber e era comum o uso da palmatória para castigar quem não soubesse o
que o professor perguntava, ou alunos considerados indisciplinados.

Um ano antes de D. Pedro II assumir seu papel no governo, nascia o escritor


Machado de Assis que anos mais tarde viria a ter importante papel dentro da literatura
Brasileira, sendo considerado um dos mais importantes escritores de todos os tempos.

É dentro desse contexto que a educação no conto de Machado de Assis será


estudada, juntamente com os ensinamentos que o narrador-protagonista recebe na escola
onde se passa a histório do conto, e as características narradas por ele, tanto das
personagens como dos fatos ocorridos.

Um pouco da vida de Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de janeiro em 21 de junho de


1839. Foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico
e ensaísta, tornou-se um renomado autor brasileiro, apesar das diversas dificuldades
enfrentadas quando jovem, pois era mulato, sofria preconceito e sua mãe morrera
quando ainda era muito pequeno, sendo assim criado pela madrasta. Possuía saúde
frágil, era epilético, gago. Frequentou muito pouco a escola pública e a maioria das
coisas que aprendera foram como autodidata.

Aos dezesseis anos publica seu primeiro trabalho literário, o poema Ela, na
revista Marmota Fluminense. Aos dezessete começa a trabalhar como aprendiz de
tipógrafo, escrevendo durante seu tempo livre. Em 1858, como revisor e colaborador da
revista Marmota, integra-se à sociedade lítero-humorística Petalógica, fundada por
Paula Brito. A partir daí começa a publicar obras românticas, recebe convites para
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trabalhar em vários lugares e em 1861 seu primeiro livro, Queda que as Mulheres tem
pelos Tolos, foi impresso. Seu primeiro livro de poesias, Crisálidas, foi publicado em
1864. Casou-se em 1869, com Carolina Augusta Xavier de Novais, que morre em 1904,
e em sua homenagem, Machado de Assis escreve o soneto Carolina. Seu primeiro
romance, Ressurreição, foi publicado em 1872.

Faleceu em 1908, no Rio de Janeiro. Todas as obras de Machado de Assis são de


domínio público, pois, em 1978, expirou o direito do autor pelas mesmas.

Devido à sua importância, a Academia Brasileira de Letras passou a ser chamada


de Casa de Machado de Assis.

Conto de Escola e suas características

Conto de Escola, do escritor Machado de Assis, foi publicado em 1896, e


encontra-se no livro Várias Histórias, de mesmo autor. Sua história se passa no ano de
1840. É narrado por um narrador-protagonista, Pilar, que relembra um fato ocorrido na
sua infância, quando ainda frequentava a escola, e quando aprendeu o significado das
palavras delação e corrupção através de dois meninos, Curvelo e Raimundo,
respectivamente. É um conto do estilo memorialista de Machado de Assis, tem uma
linguagem simples, de fácil entendimento, porém, grande impacto. Traz características
sobre a educação e a escola da época. Nele, o autor utiliza-se muito do pessimismo,
sendo assim considerado um conto da chamada segunda fase do autor. O conto
demonstra bem a característica do autor de retratar o Rio de Janeiro, local onde ele
nasceu e morreu, pois há várias citações de lugares como praias, morros, ruas,
característicos do Rio de Janeiro daquela época.

Todas as percepções, características das personagens e da escola, são dadas pelo


narrador do conto, no caso Pilar.

A história começa situando o local e a data onde tudo ocorrera e os motivos


pelos quais Pilar resolveu ir à escola naquele dia, e, quando já na escola, relata como foi
surpreendido por uma proposta quase que irrecusável, vinda do filho do mestre,
Raimundo, que lhe oferecia uma “pratinha” em troca da explicação da lição de sintaxe.
O mestre era mais severo com o filho, e por isso este temia o castigo caso não soubesse
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a lição. Pilar aceita a proposta, porém percebe que um de seus colegas de sala observava
tudo e minutos depois, o mestre os chama a frente, para serem castigados com a
palmatória, pois o mestre considerada a ação errada. E assim foram castigados, frente a
sala, como explicita o trecho:

“Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos


uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas
vermelhas e inchadas.” (MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias Histórias. São
Paulo:Ática, 2002. p.104).

A palmatória não fora a única forma de castigo, o conto nos deixa claro outra
forma de violência, a violência verbal utilizada pelo mestre para envergonhar os alunos
perante a sala, assim como se pode observar no trecho em que o narrador diz:

“Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos


o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o
sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio!” (MACHADO DE
ASSIS, J.M. Várias Histórias. São Paulo:Ática, 2002. p.104).

Os xingamentos por parte do mestre fizeram com que os alunos Pilar e


Raimundo se sentissem ainda pior, o que pode ser observado no trecho:

“Eu, por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia
todos os olhos em nós. Recolhi-me ao banco, soluçando, fustigado pelos
impropérios do mestre.” (MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias Histórias. São
Paulo:Ática, 2002. p.104).

Depois de castigado, Pilar pensa em vingar-se de Curvelo, porém este foge. Pilar
não conseguia parar de pensar na moeda de prata, que o mestre havia jogado longe, na

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rua. Na noite do episódio, sonhou com a moeda, e no dia seguinte acordou cedinho para
procurá-la. Não encontrou, porém, encontrou patrulheiros que desfilavam ao rufo do
tambor e decidiu segui-los. Não foi à escola, mas voltou para casa aliviado, sem
ressentimento algum na alma e com a consciência de que havia aprendido o significado
das palavras delação e corrupção através dos colegas de classe Curvelo e Raimundo
respectivamente.

Não se sabe ao certo o papel do tambor na história, se de esperança, aquela


contida sempre no universo infantil, ou como algo que atrapalha o intuito do narrador de
ir procurar a moeda de prata, pois ao final da história, o autor se refere à este como: “...o
diabo do tambor...”. Acredita-se mais nessa hipótese, devido à ironia e ao pessimismo
contido nas demais obras do escritor e características da fase do mesmo.

A palmatória se faz presente no conto, antes mesmo de ser utilizada para o


castigo dos dois meninos, como se pode perceber no trecho:

“O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava,
pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era
só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não
era pouca.” (MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias Histórias. São Paulo:Ática,
2002. p.101).

Nesse trecho fica nítido o medo que os alunos possuíam de serem


castigados com a palmatória, e demonstra que não era difícil isso ocorrer, o castigo
pela palmatória era algo comum. A presença da palmatória na sala de aula, sempre
ali, pendurada para todos verem, nos dá a sensação de que ela possuía o papel de
impor o medo perante os alunos, e de certa forma tentar impedir que os alunos
praticassem algo errado, uma situação em que ela pudesse ser utilizada.

A palmatória era um artefato de madeira, muito utilizado no passado nas escolas


pelos professores a fim de castigar alunos indisciplinados, golpeando-a na palma da
mão do aluno castigado e algumas continham furos no círculo, a fim de aumentar a
sensação dolorosa. No Brasil, antigamente era costume nas festas de formatura os
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alunos presentearem seus professores com palmatórias, em sinal de submissão à
autoridade. Atualmente, o uso da palmatória é considerado crime, sendo que o último
país ocidental a abolir o seu uso foi a Inglaterra, em 1989.

O arrependimento de ter aceitado a proposta de Raimundo é constatado no final


da história onde o mesmo diz:

“...Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem
ressentimento na alma...” (MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias Histórias. São
Paulo:Ática, 2002. p.105).

E deixa claro que quem lhe passou os primeiros ensinamentos da delação e da


corrupção no trecho em que diz:

“...E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me
deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação;”
(MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias Histórias. São Paulo:Ática, 2002. p.105).

O uso do termo corrupção não é empregado pelo narrador quando este viveu o
fato e sim, anos mais tarde, demonstrando que quando menino o mesmo não sabia o
significado de tal termo.

Como o conto é narrado pelo próprio protagonista, não se tem ideia do porquê o
fato de o aluno Raimundo ter pago por uma explicação, ter sido delatado ao professor
pelo aluno Curvelo, pois nem o narrador sabe a resposta para tal fato, como deixa claro
quando diz: “...e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos
alguma coisa?...” (MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias Histórias. São Paulo:Ática,
2002. p.105).

Outra coisa que merece destaque é o fato da relação entre pai e filho, no caso, o
pai na história é retratado como o professor, e o filho, como o Raimundo. Nota-se que
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no conto se diz que: “...O mestre era mais severo com ele do que conosco...
“(MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias Histórias. São Paulo:Ática, 2002. p.100),
deixando claro que o pai era mais severo com o filho que com os demais alunos, assim
como também na hora do castigo: “Chegou a vez do filho, e foi a mesma coisa; não lhe
poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos.” (MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias
Histórias. São Paulo:Ática, 2002. p.104), onde na frase: “não lhe poupou nada”
podemos encontrar uma certa inconformidade com o fato de sendo Raimundo o filho do
mestre, ser tratado da mesma maneira e muitas vezes até pior que os demais alunos.

A moeda de prata, a “pratinha”, e seu uso como pagamento para o ensino da


lição é algo que merece destaque também. Não se sabe o motivo pelo qual Raimundo
havia resolvido pagar dessa vez, pois se tem nítido no conto que Pilar já o havia ajudado
outras vezes: “...Se me tem pedido a coisa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo,
como de outras vezes...”. (MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias Histórias. São
Paulo:Ática, 2002. p.102).

Porém, em outro trecho encontramos uma possível explicação, dada por Pilar
sem certeza alguma:

“...o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como
queria, - e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal, -
parece que tal foi a causa da proposta...” (MACHADO DE ASSIS, J.M. Várias
Histórias. São Paulo:Ática, 2002. p.102).

Tenha sido uma simples forma de pagamento, na busca por uma melhor
explicação, ou somente uma forma de retribuir ao colega todas as vezes que o mesmo o
ajudou, não se sabe ao certo. Porém, visto que a escola é um local de formação da
personalidade dos alunos, pois há um convívio social muito grande, a única coisa que se
tem certeza é o sentimento de raiva do personagem Pilar e o seu aprendizado, no caso
do significado das palavras “delação” e “corrupção”.

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Conclusões

O conto mostra como a educação naquela época era diferente da ministrada nos
dias de hoje. Mesmo que numa relação hierárquica, com o uso da palmatória, numa sala
em que beirava o medo, os professores eram respeitados em seu papel.

A abolição do uso da palmatória resultou num ganho e avanço muito grande na


educação e na relação de liberdade professor/aluno, que não é mais baseada no medo, na
repressão, porém, não se sabe se como consequência dessa "violência" que ocorria anos
atrás, ou como consequência da desvalorização do papel do professor, os papéis se
inverteram. Atualmente, a violência é de aluno para com professores, sem que haja uma
justificativa para tal comportamento. Quem tem medo de ir a escola são os professores e
não mais os alunos.

Percebe-se que a relação imposta como autoritária pelo pai, que também era o
mestre, com o menino Raimundo, aluno da escola, é que o faz tomar a decisão de pagar
pela explicação a uma outra pessoa para lhe ensinar o que o mestre/pai já havia
ensinado, mas que ele não aprendera, e pelo medo que tinha do pai, faz o que faz,
demonstrando que essa relação de autoritarismo, uma relação hierárquica não traz
benefícíos para nenhuma das partes.

O mesmo acontece na educação. Sem o respeito, que deve ser "imposto" pelo
professor, e pela sociedade para com o professor, não há como se ter uma troca de
conhecimento saudável, que possa beneficiar tanto professor, como aluno e a sociedade
em si.

É interessante como um conto escrito no século retrasado (XIX) nos mostra ao


mesmo tempo semelhanças do ensino passado no ano de 1840, em relação ao ensino de
hoje, e dessemelhanças muito grandes. Não só no ensino, como nas características
psicológicas das personagens também.

Referências Bibliográficas

Machado Cem Anos Depois: Curiosidades (Obra-38) em FolhaOnline. Acesso: 5 de


outubro, 2008.

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http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas

http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp

http://www.suapesquisa.com/machadodeassis/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Palmat%C3%B3ria

http://biblio.com.br/defaultz.asplink=http://biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/co
ntodeescola.htm

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