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UNIVERSIDADE DE LISBOA | FACULDADE DE ARQUITETURA

O PENSAMENTO ORGANICISTA NA ARQUITETURA

Uma análise das vertentes conceituais orgânicas aplicadas na arquitetura:


passado, presente e futuro

Dissertação de Natureza Científica para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura

Brenda Poubel Thedim Nóbrega


(Licenciada)

Orientação Científica:

Professor Doutor Jorge Luís Firmino Nunes


Professor Doutor Paulo Jorge Garcia Pereira

Júri:

Presidente: Professor Doutor Maurício Santos de Jesus


Vogal: Arquiteto Fernando Sanchez Salvador
Orientador: Professor Doutor Paulo Jorge Garcia Pereira

Lisboa, FA Ulisboa, Setembro, 2020


2
UNIVERSIDADE DE LISBOA | FACULDADE DE ARQUITETURA

O PENSAMENTO ORGANICISTA NA ARQUITETURA

Uma análise das vertentes conceituais orgânicas aplicadas na arquitetura:


passado, presente e futuro

Dissertação de Natureza Científica para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura

Brenda Poubel Thedim Nóbrega


(Licenciada)

Orientação Científica:

Professor Doutor Jorge Luís Firmino Nunes


Professor Doutor Paulo Jorge Garcia Pereira

Júri:

Presidente: Professor Doutor Maurício Santos de Jesus


Vogal: Arquiteto Fernando Sanchez Salvador
Orientador: Professor Doutor Paulo Jorge Garcia Pereira

Lisboa, FA Ulisboa, Setembro, 2020


II
RESUMO
Título:
O PENSAMENTO ORGANICISTA NA ARQUITETURA - Uma análise das vertentes conceituais
orgânicas aplicadas na arquitetura: passado, presente e futuro

Nome:
Brenda Poubel Thedim Nóbrega
Orientação:
Professor Doutor Jorge Luís Firmino Nunes
Professor Doutor Paulo Jorge Garcia Pereira

FA-UL

A arquitetura orgânica nasce da ideia de um desenvolvimento natural, integrado a uma


dinâmica complexa de partes organizadas em um todo harmônico, em que a criação
arquitetônica dialoga com o entorno de forma simbiótica, como um organismo único. A chave
central desta investigação explora a compreensão de que a noção global de Arquitetura
Orgânica não se encerra em princípios estilísticos ou estéticos estritos, apesar de haver uma
teorização acerca do tema, especialmente na obra de Frank Lloyd Wright, que encontra raízes
nos processos naturais e na integração da obra com o meio.
Embora amplamente difundida, a teoria orgânica apresenta-se com ramificações que em
razão de origens históricas e abordagens diversas acabou por criar um conceito fluido,
percebido de diferentes formas, por vezes complementares e difusas, que possuem
similaridades entre si, porém se observadas sob aspectos específicos, se afastam
conceitualmente.

O objetivo da investigação passa por identificar as interfaces da arquitetura com a


natureza, em suas diversas abordagens: aquela que preza pela ordem natural, a que busca a
estética natural, a que se preocupa com a integração com a paisagem, a que enfatiza os
materiais naturais, entre outras, além de apresentar suas origens históricas, pensamentos
relacionados e análise de projetos representativos.

Palavras-chave:

ARQUITETURA ORGÂNICA / ORGANICISMO / FRANK LLOYD WRIGHT / ARQUITETURA


SUSTENTÁVEL / EXPRESSIONISMO

III
IV
ABSTRACT

Title:
THE ORGANIC THOUGHT IN ARCHITECTURE - An analysis of the organic conceptual strands
applied in architecture: past, present and future

Name:
Brenda Poubel Thedim Nóbrega
Adviser:
Professor Jorge Luís Firmino Nunes
Professor Paulo Jorge Garcia Pereira

FA-UL

Organic architecture comes from the idea of a natural development, integrated to a


complex dynamic of organized parts in a harmonic whole, in which the architectural creation
dialogues with its surroundings in a symbiotic way, as a single organism. The central key of
this investigation explores the understanding that the global notion of Organic Architecture is
not defined by a stylistic or aesthetic strict principle, although there is a theorization about
the theme, especially in the work of Frank Lloyd Wright, which find roots in natural processes
and in the integration of architecture and environment.
Despite its diffusion, the organic theory presents ramifications, due to its historical origins
and diverse approaches that created a fluid concept, perceived in different ways, sometimes
complementary or diffuse, which have similarities, however under specific aspects, diverge
conceptually.

The objective of the investigation is to identify the interfaces between architecture and
nature, in its different approaches: the one that values the natural order, the one that seeks
natural aesthetics, the one that is concerned with integration with the landscape, the one that
emphasizes the natural materials, and others, in addition to presenting their historical origins,
related thoughts and analysis of representative projects.

Keywords:

ORGANIC ARCHITECTURE / ORGANICISM / FRANK LLOYD WRIGHT / SUSTAINABLE


ARCHITECTURE / EXPRESSIONISM

V
VI
AGRADECIMENTOS

Agradeço à Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, pela contribuição na minha


formação.

Agradeço aos meus pais e namorado pelo apoio em todos os momentos.

Um agradecimento especial aos meus orientadores, Paulo Pereira e Jorge Nunes, pela
atenção e contribuições prestadas, por terem acreditado neste trabalho desde o início do
processo. Por toda a inspiração, paciência, estímulo, ensinamentos e disponibilidade, sem os
quais este trabalho não teria sido possível.

Muito obrigada.

VII
VIII
ÍNDICE

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 1
1. A FILOSOFIA ORGANICISTA ............................................................................................................................. 3
2. AS ORIGENS DO ORGANICISMO ARQUITETÔNICO ........................................................................................ 5
2.1. Iluminismo ___________________________________________________________________________ 5
2.1.1. A cabana primitiva __________________________________________________________________ 6
2.1.2. O neoclassicismo e a arquitetura “falante”: Ledoux e La Saline em Arc-et-Senans. Os projetos
utópicos. ______________________________________________________________________________ 7
2.2. Romantismo __________________________________________________________________________ 9
2.2.1. Horatio Greenough: escultura na definição de arquitetura orgânica avant la lettre _____________ 10
2.2.2. A arquitetura gótica e o regresso da “cabana primitiva”: James Murphy ______________________ 12
2.2.3. O revivalismo e o nacionalismo: a floresta primitiva ou Urwald: Palácio da Pena________________ 14
2.2.4. A reinvenção do gótico: o contributo de John Ruskin _____________________________________ 15
2.2.5. A arquitetura medieval: a modernidade mecânica e material de Viollet-le-Duc _________________ 17
2.3. Arts & Crafts _________________________________________________________________________ 18
2.3.1. William Morris a “desindustrialização” industrial_________________________________________ 20
2.4. Art Nouveau _________________________________________________________________________ 21
2.4.1. Victor Horta: pioneirismo na Arte Nova ________________________________________________ 22
2.4.2. Hector Guimard: Arte Nova popularizada ______________________________________________ 23
2.4.3. Antoni Gaudí: as colunas como caules _________________________________________________ 24
2.4.4. Henry Van de Velde ________________________________________________________________ 25
2.5. O ecletismo nacionalista e a geração de 90. ________________________________________________ 26
2.5.1. Charles Rennie Mackintosh e A Escola de Glasgow _______________________________________ 26
2.5.2. Hermann Muthesius e Das englische Haus______________________________________________ 27
2.5.3. Raul Lino e a Casa Portuguesa _______________________________________________________ 28
2.6. Movimento Moderno __________________________________________________________________ 30
2.6.1. Bauhaus _________________________________________________________________________ 31
2.6.2. Brutalismo _______________________________________________________________________ 33
2.7. Expressionismo _______________________________________________________________________ 34
2.7.1. Erich Mendelsohn e o expressionismo radical: o caso da Torre Einstein _______________________ 35
2.7.2. Hugo Häring: organicismo, funcionalismo: conjunto habitacional na Goebelstraße: Großsiedlung
Siemensstadt (Charlottenburg, Berlim) _____________________________________________________ 35
2.7.3. Hans Scharoun - A Filarmônica de Berlim: as novas formas_________________________________ 37
2.7.4. Alvar Aalto e o Auditório de Viipuri ___________________________________________________ 38
2.7.5. O “regionalismo crítico” na arquitetura contemporânea (Kenneth Frampton) _________________ 40
2.7.6. Bruno Taut e o Der Ring ____________________________________________________________ 40
3. AS VERTENTES CONCEITUAIS ORGÂNICAS ................................................................................................... 43
3.1. Organicismo radical (Co-expressionismo): __________________________________________________ 45
3.1.1. Rudolf Steiner: Organicismo radical e a antroposofia: o Goetheanum e Dornach _______________ 45

IX
3.2. Organicismo arquitetônico de investigação livre “puro” ______________________________________ 49
3.2.1. O conceito Wrightiano _____________________________________________________________ 49
3.2.2. Le Corbusier _____________________________________________________________________ 58
3.2.3. Álvaro Siza Vieira: o modernista comprometido. Organicismo e regionalismo crítico ____________ 61
3.3. Organicismo imitativo: _________________________________________________________________ 64
3.3.1. Arquitetura Biomórfica (Matila Ghyka e Joseph Rykwert: visão ortodoxa e visão crítica) _________ 64
3.3.2. Arquitetura Biomimética ___________________________________________________________ 65
3.4. Organicismo por apropriação do passado remoto organicista. _________________________________ 67
3.4.1. Arquitetura Biofílica: da longa tradição biofílica do Feng Shui ao conceito moderno ____________ 67
3.4.2. Bio-utilização ou biodesign __________________________________________________________ 68
3.5. Organicismo funcional _________________________________________________________________ 70
3.5.1. Arquitetura Sustentável ____________________________________________________________ 70
3.5.2. Arquitetura Gentil _________________________________________________________________ 72
3.6. Organicismo plástico __________________________________________________________________ 74
3.6.1. Lina Bo Bardi: organicismo e reencontro: Wright e o “tropicalismo” _________________________ 75
3.6.2. Oscar Niemeyer: escultura, arquitetura e free-form: o supermoderno _______________________ 75
3.7. Organicismo historicista ________________________________________________________________ 77
3.7.1. Casa do Cipreste __________________________________________________________________ 77
3.8. Organicismo formalista ________________________________________________________________ 78
3.8.1. Casa da Música, Rem Koolhaas ______________________________________________________ 78
3.9. Organicismo contemplativo: espelho fenomenológico ________________________________________ 79
3.9.1. Joshua Tree House, Kendrick Bangs Kellogg_____________________________________________ 79
3.9.2. Casa na Mata ____________________________________________________________________ 79
4. AS ANÁLISES PROJETUAIS ............................................................................................................................. 81
4.1. Análise morfológica ___________________________________________________________________ 81
4.1.1. Duldeck Haus – Rudolf Steiner _______________________________________________________ 83
4.1.2. Casa da Cascata – Frank Lloyd Wright _________________________________________________ 87
4.1.3. Casa Milà – Antoni Gaudí ___________________________________________________________ 93
4.1.4. Bosco Verticale – Stefano Boeri ______________________________________________________ 99
4.1.5. Moradia de professores em Gando – Francis Kéré ______________________________________ 106
4.1.6. Casa das Canoas – Oscar Niemeyer __________________________________________________ 112
4.1.7. Casa do Cipreste – Raul Lino ________________________________________________________ 120
4.1.8. Maison à Bordeaux – Rem Koolhaas _________________________________________________ 125
4.1.9. Secular Retreat – Peter Zumthor ____________________________________________________ 130
4.2. Análise comparativa e considerações ____________________________________________________ 134
5. O FUTURO DA ARQUITETURA ORGANICISTA ............................................................................................. 137
5.1. Micélio ____________________________________________________________________________ 137
5.2. Baubotanik buildings _________________________________________________________________ 138
6. CONCLUSÕES ............................................................................................................................................... 141
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................................. 143

X
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Representação do conceito de Rizoma _______________________________________________________ 4
Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Figura-02-Fonte-Raven-1996-Representacao-do-rizoma-e-seus-corpos-
fixadores-de_fig2_312889650
Figura 2: Diagrama dos movimentos e correntes de pensamento influentes no organicismo arquitetônico ________ 5
Fonte: autoria própria
Figura 3: Frontispício de Marc-Antoine Laugier: Essai sur l'architecture 2ª ed. 1755 por Charles Eisen (1720-1778) __ 6
Fonte: https://pt.qwe.wiki/wiki/The_Primitive_Hut
Figura 4: Perspectiva da “la ville de Chaux" de Claude-Nicolas Ledoux ______________________________________ 8
Fonte: https://i.pinimg.com/originals/cb/10/4d/cb104d7e8d22c8cb787b8a90ae121055.jpg
Figura 5: Segundo plano da Salina Real de Arc-et-Senans por Claude-Nicolas Ledoux __________________________ 8
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Royal_Saltworks_at_Arc-et-
Senans#/media/File:France_arc_et_senas_saline_royal_main_building_1.jpg
Figura 6: Parque e Palácio Nacional da Pena, Sintra, Portugal ____________________________________________ 15
Fonte: http://www.martasantos.pt/fotos/designfinal.pdf
Figura 7: Palácio de Westminster (construído em 1840-1876). Arquitetos: Augustus Pugin e Charles Barry _______ 17
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Palace_of_Westminster
Figura 8: Design do papel de parede "Trellis", por William Morris, 1862 ___________________________________ 19
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Arts_and_Crafts_movement
Figura 9: Red House, 1860. Projeto de Philip Webb e William Morris ______________________________________ 21
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Red_House,_Bexleyheath
Figura 10: Casa Batlló, Barcelona. Arquiteto: Antoni Gaudí ______________________________________________ 22
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Casa_Batll%C3%B3
Figura 11: Hotel Tassel. Arquiteto: Victor Horta _______________________________________________________ 23
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Victor_Horta
Figura 12: Escadaria do Hotel Tassel, Bruxelas. Victor Horta _____________________________________________ 23
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/H%C3%B4tel_Tassel
Figura 13: Entrada de estação de Metrô em Paris. Hector Guimard _______________________________________ 23
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Hector_Guimard
Figura 14: Detalhe da lâmpada em forma de flor de estação de Metrô em Paris. Hector Guimard ______________ 24
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Hector_Guimard
Figura 15: Lâmpadas e sinalização de estação de Metrô em Paris ________________________________________ 24
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Hector_Guimard
Figura 16: Continental Havana Company em Berlim. Henry van de Velde, 1899 _____________________________ 26
Fonte: https://www.apollo-magazine.com/henry-van-de-velde-richard-hollis-review/
Figura 17: Escola de arte de Glasgow _______________________________________________________________ 27
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_Arte_de_Glasgow
Figura 18: Casa Bernhard, 1905- 1906. Hermann Muthesius. Berlim, Alemanha _____________________________ 28
Fonte: http://intranet.pogmacva.com/es/obras/55299
Figura 19: Casa Roque Gameiro. Raul Lino ___________________________________________________________ 29
Fonte: https://www.cm-amadora.pt/cultura/casa-roque-gameiro.html
Figura 20: Padronagem do silhar do quarto do Torreão. Casa Roque Gameiro ______________________________ 29
Fonte: http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/5394/1/ral_8_10.pdf
Figura 21: Silhar da Cozinha. Casa Roque Gameiro ____________________________________________________ 29
Fonte: http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/5394/1/ral_8_10.pdf
Figura 22: Bauhaus Dessau _______________________________________________________________________ 32
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bauhaus
Figura 23: Wassily chair. Marcel Breuer _____________________________________________________________ 32
Fonte: https://www.knoll.com/product/wassily-chair
Figura 24: Eixo Monumental visto a partir da Torre de TV. Brasília ________________________________________ 33
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%ADlia
Figura 25: Catedral Metropolitana. Brasília __________________________________________________________ 33
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%ADlia
Figura 26: Edifício do Congresso Nacional. Brasília_____________________________________________________ 33

XI
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%ADlia
Figura 27: Fachada do Palácio da Alvorada. Brasília ____________________________________________________ 33
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%ADlia
Figura 28: Ponte Juscelino Kubitschek. Brasília ________________________________________________________ 33
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bras%C3%ADlia
Figura 29: St. Joseph’s Hospital. Arquiteto: Bertrand Goldberg. Tacoma, Estados Unidos, 1974 _________________ 34
Fonte: https://architizer.com/blog/inspiration/collections/this-brutal-world/
Figura 30: Torre Einstein. Arquiteto Erich Mendelsohn._________________________________________________ 35
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Torre_Einstein
Figura 31: Großsiedlung Siemensstadt. Hugo Häring ___________________________________________________ 36
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Gro%C3%9Fsiedlung_Siemensstadt
Figura 32: Filarmônica de Berlim. Arquiteto: Hans Scharoun _____________________________________________ 37
Fonte: https://www.archdaily.com/108538/ad-classics-berlin-philharmonic-hans-scharoun
Figura 33: Villa Schminke. Arquiteto Hans Scharoun ___________________________________________________ 38
Fonte: https://www.iconichouses.org/houses/haus-schminke
Figura 34: Biblioteca Viipuri. Alvar Aalto _____________________________________________________________ 39
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/757070/restauro-da-biblioteca-viipuri-de-alvar-aalto-vence-o-2014-
modernism-prize
Figura 35: Forro do auditório da Biblioteca Viipuri. Alvar Aalto ___________________________________________ 39
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/757070/restauro-da-biblioteca-viipuri-de-alvar-aalto-vence-o-2014-
modernism-prize
Figura 36: Hufeisensiedlung. Bruno Taut ____________________________________________________________ 41
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Hufeisensiedlung
Figura 37: Plano da zona de Dornach com os edifícios de Rudolf Steiner ___________________________________ 45
Fonte: https://www.goetheanum.org/fileadmin/vk/9999_infos/Besuchinfo_ES.pdf
Figura 38: Legenda do plano de Dornach ____________________________________________________________ 46
Fonte: https://www.goetheanum.org/fileadmin/vk/9999_infos/Besuchinfo_ES.pdf
Figura 39: Glashaus. Rudolf Steiner _________________________________________________________________ 46
Fonte: https://www.flickr.com/photos/isaiahj/4605028784/in/photostream/
Figura 40: Schreinerei. Rudolf Steiner _______________________________________________________________ 47
Fonte:
https://www.researchgate.net/publication/328137603_Dr_Rudolf_Steiner's_Shed_The_Schreinerei_at_Dornach#rea
d
Figura 41: Goetheanum I. Rudolf Steiner ____________________________________________________________ 48
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Goetheanum
Figura 42: Interior do Goetheanum II. Rudolf Steiner __________________________________________________ 49
Fonte: https://www.designboom.com/architecture/rudolf-steiners-goetheanum-anthroposophical-expressionist-
concrete-architecture-gesamtkunstwerk-06-21-2019/
Figura 43: Interior do Goetheanum II. Rudolf Steiner __________________________________________________ 49
Fonte: https://www.designboom.com/architecture/rudolf-steiners-goetheanum-anthroposophical-expressionist-
concrete-architecture-gesamtkunstwerk-06-21-2019/
Figura 44: Interior do Auditório do Goetheanum II. Rudolf Steiner ________________________________________ 49
Fonte: http://www.imgrum.net/media/1073101589896912575_1491598478
Figura 45: Goetheanum II. Rudolf Steiner ____________________________________________________________ 49
Fonte: https://www.goetheanum.org/
Figura 46: Wingspread. Frank Lloyd Wright __________________________________________________________ 56
Fonte: https://www.scjohnson.com/en/a-family-company/architecture-and-tours/frank-lloyd-wright/wingspread-
frank-lloyd-wrights-largest-prairie-style-house-was-home-to-the-johnsons
Figura 47: Museu Solomon R. Guggenheim, Manhattan. Frank Lloyd Wright. _______________________________ 57
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Solomon_R._Guggenheim
Figura 48: Molusco Thatcheria mirabilis _____________________________________________________________ 57
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Thatcheria_mirabilis
Figura 49: Molusco Nautilidae _____________________________________________________________________ 57
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Nautilidae
Figura 50: Weltzheimer/Johnson House em Oberlin, Ohio. Frank Lloyd Wright ______________________________ 58

XII
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Weltzheimer/Johnson_House
Figura 51: Capela de Ronchamp. Le Corbusier ________________________________________________________ 59
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-16931/classicos-da-arquitetura-capela-de-ronchamp-le-corbusier
Figura 52: Interior da Capela de Ronchamp. Le Corbusier _______________________________________________ 59
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-16931/classicos-da-arquitetura-capela-de-ronchamp-le-corbusier
Figura 53: Carapaça de caranguejo _________________________________________________________________ 60
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carapace_of_Cancer_irroratus.jpg
Figura 54: Mesquita de Sidi Bahim, Argélia ___________________________________________________________ 60
Fonte: https://www.flickr.com/photos/morio60/8289645089/in/photostream/
Figura 55: Serapeum da Villa Adriana. Tivoli __________________________________________________________ 60
Fonte: https://www.teggelaar.com/en/tivoli-day1/
Figura 56: Capela Sul, Ronchamp. Le Corbusier _______________________________________________________ 60
Fonte: https://docplayer.com.br/85561438-Couto-raquel-alexandra-inacio-do-a-janela-na-arquitectura.html
Figura 57: Église Saint-Pierre de Firminy. Le Corbusier _________________________________________________ 61
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/799483/classicos-da-arquitetura-igreja-em-firminy-le-corbusier
Figura 58: Casa de Chá da Boa Nova. Álvaro Siza Vieira _________________________________________________ 61
Fonte: https://www.publico.pt/2012/03/16/jornal/casa-de-cha-da-boa-nova-em-leca-fecha-hoje-ainda-sem-data-
para-reabrir-24193827
Figura 59: Piscina das Marés. Álvaro Siza Vieira _______________________________________________________ 63
Fonte: https://www.online24.pt/piscinas-de-mares-de-leca-da-palmeira/
Figura 60: Planta Piscina das Marés. Álvaro Siza Vieira _________________________________________________ 63
Fonte: http://farquitecturar.blogspot.com/2012/05/alvaro-siza-vieira-swimming-pools-leca.html
Figura 61: Templo Expiatório da Sagrada Família. Antoni Gaudí __________________________________________ 65
Fonte: https://www.getyourguide.com.br/activity/barcelona-l45/barcelona-sagrada-familia-half-day-tour-with-hotel-
pick-up-t138584?utm_force=0
Figura 62: TWA terminal, Eero Saarinen _____________________________________________________________ 66
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/800964/classicos-da-arquitetura-terminal-da-twa-eero-saarinen
Figura 63: Vista aérea da Casa Folha. Mareines + Patalano Arquitetura ____________________________________ 67
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-14796/casa-folha-mairenes-mais-patalano
Figura 64: Casa Folha. Mareines + Patalano Arquitetura ________________________________________________ 67
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-14796/casa-folha-mairenes-mais-patalano
Figura 65: Loja em Macau. Foster & Partners _________________________________________________________ 68
Fonte: https://casavogue.globo.com/Arquitetura/Edificios/noticia/2018/07/nova-loja-da-apple-em-macau-e-um-
oasis-de-tranquilidade.html
Figura 66: Baubotanik. Sistema construtivo criado a partir de elementos vegetais ___________________________ 68
Fonte: https://materialdistrict.com/article/baubotanik-living-tree/
Figura 67: Meadow Farm House. Arquiteto: William McDonough ________________________________________ 69
Fonte: https://williammcdonoughpartners.com/projects/meadow-farm/
Figura 68: Escola Primária de Gando. Arquiteto: Francis Kéré ____________________________________________ 72
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/786882/escola-primaria-em-gando-kere-architecture
Figura 69: Desenho de Malcolm Wells descritivo da Arquitetura Gentil ____________________________________ 73
Fonte: https://www.atlasobscura.com/articles/living-underground-a-surprisingly-bright-idea
Figura 70: Cape Cod Home. Arquiteto Malcolm Wells __________________________________________________ 74
Fonte: www.malcolmwells.com
Figura 71: Vista lateral Cape Cod Home. Arquiteto Malcolm Wells ________________________________________ 74
Fonte: www.malcolmwells.com
Figura 72: Cape Cod Home. Arquiteto Malcolm Wells __________________________________________________ 74
Fonte: https://www.forbes.com/sites/alyyale/2018/12/17/architect-malcolm-wells-underground-cape-cod-home-
hits-the-market/#7210b0ad57fc
Figura 73: Cobertura Cape Cod Home. Arquiteto Malcolm Wells _________________________________________ 74
Fonte: https://www.forbes.com/sites/alyyale/2018/12/17/architect-malcolm-wells-underground-cape-cod-home-
hits-the-market/#7210b0ad57fc
Figura 74: Casa de vidro. Arquiteta: Lina Bo Bardi _____________________________________________________ 75
Fonte: http://www.rcbm.com.br/casa-de-vidro/
Figura 75: Igreja de São Francisco de Assis, Pampulha, Belo Horizonte. Oscar Niemeyer ______________________ 76

XIII
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_S%C3%A3o_Francisco_de_Assis_(Belo_Horizonte)
Figura 76: Edifício Copan. Oscar Niemeyer ___________________________________________________________ 77
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Copan
Figura 77: Casa do Cipreste. Raul Lino _______________________________________________________________ 78
Fonte: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-
patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70825
Figura 78: Implantação Casa da Música. Rem Koolhaas _________________________________________________ 78
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/765378/casa-da-musica-oma
Figura 79: Casa da Música. Rem Koolhaas ___________________________________________________________ 78
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_da_M%C3%BAsica
Figura 80: Joshua Tree House. Arquiteto: Kendrick Bangs Kellogg ________________________________________ 79
Fonte: https://365arq.tumblr.com/post/97981551320/kendrick-bangs-kellogg
Figura 81: Interior Joshua Tree House, Kendrick Bangs Kellogg ___________________________________________ 79
Fonte: https://www.architecturaldigest.com/story/doolittle-house-joshua-tree
Figura 82: Casa na Mata. Arquiteto: Márcio Kogan ____________________________________________________ 80
Fonte: http://www.arcstreet.com/2017/11/marcio-kogan-studio-mk27-built-casa-na-mata-in-the-brazilian-jungle-in-
guaruja-sao-paulo.html
Figura 83: Duldeck Haus. Rudolf Steiner _____________________________________________________________ 84
Fonte: http://www.rudolf-steiner.com/
Figura 84: Localização Duldeck Haus. Google Earth ____________________________________________________ 84
Fonte: Google Earth
Figura 85: Esquema de setorização, adaptação própria sobre plantas baixas da Duldeck Haus _________________ 85
Fonte: Kindergarten architecture: Space for the imagination, Mark Dudek, 2nd ed. Routledge. ISBN: 041924520
Figura 86: Localização Casa da Cascata. Google Earth __________________________________________________ 87
Fonte: Google Earth
Figura 87: Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright _______________________________________________________ 88
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_da_Cascata
Figura 88: Varanda Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright ________________________________________________ 88
Fonte: http://www.historiadaarquitetura.com/analise-da-obra-casa-da-cascata-de-frank-lloyd-wright/
Figura 89: Janela Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright__________________________________________________ 89
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-53156/classicos-da-arquitetura-casa-da-cascata-frank-lloyd-wright
Figura 90: Escada de acesso ao rio. Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright ___________________________________ 90
Fonte: http://www.historiadaarquitetura.com/analise-da-obra-casa-da-cascata-de-frank-lloyd-wright/
Figura 91: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa do nível 1 - Casa da Cascata __________ 91
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-53156/classicos-da-arquitetura-casa-da-cascata-frank-lloyd-wright
Figura 92: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa do nível 2 - Casa da Cascata __________ 91
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-53156/classicos-da-arquitetura-casa-da-cascata-frank-lloyd-wright
Figura 93: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa do nível 3 - Casa da Cascata __________ 91
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-53156/classicos-da-arquitetura-casa-da-cascata-frank-lloyd-wright
Figura 94: Interior Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright ________________________________________________ 92
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-53156/classicos-da-arquitetura-casa-da-cascata-frank-lloyd-wright
Figura 95: Interior Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright ________________________________________________ 92
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-53156/classicos-da-arquitetura-casa-da-cascata-frank-lloyd-wright
Figura 96: Localização Casa Milà. Google Earth _______________________________________________________ 93
Fonte: Google Earth
Figura 97: Casa Milà. Antoni Gaudí _________________________________________________________________ 94
Fonte: https://www.dosde.com/discover/la-pedrera-casa-mila/
Figura 98: Portão de entrada da Casa Milà. Antoni Gaudí _______________________________________________ 94
Fonte: https://www.dosde.com/discover/la-pedrera-casa-mila/
Figura 99: Cobertura da Casa Milà. Antoni Gaudí ______________________________________________________ 95
Fonte: https://www.dosde.com/discover/la-pedrera-casa-mila/
Figura 100: Forma escultórica da cobertura da Casa Milà. Antoni Gaudí ___________________________________ 95
Fonte: https://www.lapedrera.com/en/la-pedrera/architecture
Figura 101: Forma escultórica da cobertura da Casa Milà. Antoni Gaudí ___________________________________ 95
Fonte: https://www.lapedrera.com/en/la-pedrera/architecture

XIV
Figura 102: Interior da Casa Milà. Antoni Gaudí _______________________________________________________ 96
Fonte: https://www.lapedrera.com/en/la-pedrera/architecture
Figura 103: Planta Baixa - Casa Milà. Antoni Gaudí ____________________________________________________ 96
Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Barba-Corsini-Proposta-intermitja-dapartaments-a-La-Pedrera-de-
Gaudi_fig1_329247715
Figura 104: Arcos parabólicas de sustentação da cobertura. Casa Milà - Antoni Gaudí ________________________ 98
Fonte: https://www.dosde.com/discover/la-pedrera-casa-mila/
Figura 105: Design da guarda na Casa Milà - Antoni Gaudí ______________________________________________ 98
Fonte: https://www.dosde.com/discover/la-pedrera-casa-mila/
Figura 106: Abertura na Casa Milà - Antoni Gaudí _____________________________________________________ 98
Fonte: https://www.dosde.com/discover/la-pedrera-casa-mila/
Figura 107: Esquadria Casa Milà - Antoni Gaudí _______________________________________________________ 98
Fonte: https://www.dosde.com/discover/la-pedrera-casa-mila/
Figura 108: Maçaneta Casa Milà - Antoni Gaudí _______________________________________________________ 98
Fonte: https://www.dosde.com/discover/la-pedrera-casa-mila/
Figura 109: Vista aérea do Bosco Verticale. Stefano Boeri _______________________________________________ 99
Fonte: https://archello.com/pt/project/bosco-verticale
Figura 110: Localização Bosco Verticale. Google Earth ________________________________________________ 100
Fonte: Google Earth
Figura 111: Planta de implantação do Bosco Verticale. Stefano Boeri ____________________________________ 101
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/778367/edificio-bosco-verticale-boeri-studio
Figura 112: Esquema de variação das cores da vegetação de acordo com a estação do ano __________________ 102
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/778367/edificio-bosco-verticale-boeri-studio
Figura 113: Estrutura do Bosco Verticale em construção. ______________________________________________ 103
Fonte: https://www.peri.com.vn/projects/skyscrapers-and-towers/il-bosco-verticale.html
Figura 114: Varanda Bosco Verticale. Stefano Boeri __________________________________________________ 103
Fonte: https://magazine.designbest.com/en/projects/the-bosco-verticale-in-milan-luxury-comforts-and-
breathtaking-views/
Figura 115: Setorização da Torre 1 - Bosco Verticale. Stefano Boeri ______________________________________ 104
Fonte: https://www.imed.edu.br/Uploads/Elton%20Konzenti(1).pdf
Figura 116: Setorização da Torre 2 - Bosco Verticale. Stefano Boeri ______________________________________ 104
Fonte: https://www.imed.edu.br/Uploads/Elton%20Konzenti(1).pdf
Figura 117: Interior de apartamento do Bosco Verticale. Stefano Boeri ___________________________________ 105
Fonte: http://www.matteonunziati.com/top-interior-design/residential/penthouse-at-bosco-verticale-milan/
Figura 118: Localização Moradia de professores em Gando. Google Earth_________________________________ 106
Fonte: Google Earth
Figura 119: Planta baixa - Moradia de professores em Gando. Francis Kéré _______________________________ 107
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/788329/moradia-para-os-professores-de-gando-kere-architecture
Figura 120: Vila tradicional de Burkina Faso _________________________________________________________ 107
Fonte: https://www.researchgate.net/figure/The-royal-compound-of-Tiebele-Burkina-Faso-1996-photograph-by-
Thierry-Joffroy_fig3_330718031
Figura 121: Moradia de professores em Gando. Francis Kéré ___________________________________________ 108
Fonte: https://www.archdaily.com/785956/gando-teachers-housing-kere-architecture
Figura 122: Fachadas Moradia de professores em Gando. Francis Kéré ___________________________________ 108
Fonte: https://www.archdaily.com/785956/gando-teachers-housing-kere-architecture
Figura 123: Moradia de professores em Gando e comunidade local ______________________________________ 109
Fonte: https://www.archdaily.com/785956/gando-teachers-housing-kere-architecture
Figura 124: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa - Moradia de professores em Gando _ 110
Fonte: https://divisare.com/projects/242941-kere-architecture-teachers-housing#
Figura 125: Abertura na Moradia de professores de Gando ____________________________________________ 111
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/788329/moradia-para-os-professores-de-gando-kere-architecture
Figura 126: Moradia de professores de Gando. Francis Kéré ____________________________________________ 111
Fonte: http://kere-foundation.com/en/our-work/teacher-houses
Figura 127: Croquis com estudo de vistas para a Casa das Canoas. Oscar Niemeyer _________________________ 112

XV
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-14512/classicos-da-arquitetura-casa-das-canoas-oscar-
niemeyer/esquissos
Figura 128: Localização da Casa das Canoas. Google Earth _____________________________________________ 113
Fonte: Google Earth
Figura 129: Casa das Canoas. Oscar Niemeyer _______________________________________________________ 113
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-14512/classicos-da-arquitetura-casa-das-canoas-oscar-
niemeyer/14512_15201?next_project=no
Figura 130: Vista aérea da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer ___________________________________________ 113
Fonte: https://www.pinterest.dk/pin/688628599264451441/
Figura 131: Corte da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer ________________________________________________ 114
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-14512/classicos-da-arquitetura-casa-das-canoas-oscar-niemeyer
Figura 132: Casa das Canoas, Oscar Niemeyer. _______________________________________________________ 114
Fonte: https://noholodeck.blogspot.com/2011/06/oscar-niemeyer-casa-das-canoas.html
Figura 133. Rocha da Casa das Canoas, Oscar Niemeyer. _______________________________________________ 114
Fonte: http://introduccioncasadascanoas.blogspot.com/p/analisis.html
Figura 134: Croquis de estudo de Oscar Niemeyer para a Casa das Canoas ________________________________ 115
Fonte: http://introduccioncasadascanoas.blogspot.com/p/analisis.html
Figura 135: Plantas baixas dos níveis inferior e superior da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer _________________ 116
Fonte: https://casasbrasileiras.wordpress.com/2010/09/20/casa-das-canoas-oscar-niemeyer/#more-99
Figura 136: Esquema de setorização da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer ________________________________ 117
Fonte: https://pt.slideshare.net/ifes9002/apresentao-casa-das-canoas
Figura 137: Esquema de acessos da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer ___________________________________ 117
Fonte: http://introduccioncasadascanoas.blogspot.com/p/analisis.html
Figura 138: Interior do piso superior da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer ________________________________ 118
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-14512/classicos-da-arquitetura-casa-das-canoas-oscar-niemeyer
Figura 139: Escadas de acesso ao piso inferior da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer ________________________ 118
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-14512/classicos-da-arquitetura-casa-das-canoas-oscar-niemeyer
Figura 140: Esquadrias variadas da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer ____________________________________ 118
Fonte: http://introduccioncasadascanoas.blogspot.com/p/analisis.html
Figura 141: Forro com aberturas da casa de banho ___________________________________________________ 119
Fonte: http://introduccioncasadascanoas.blogspot.com/p/analisis.html
Figura 142: Panos de vidro na sala da Casa das Canoas ________________________________________________ 119
Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-14512/classicos-da-arquitetura-casa-das-canoas-oscar-niemeyer
Figura 143: Localização da Casa do Cipreste. Google Earth _____________________________________________ 120
Fonte: Google Earth
Figura 144: Casa do Cipreste - Fachada lateral, vista a partir das Escadinhas Raul Lino _______________________ 121
Fonte: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-
patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70825
Figura 145: Fachadas e Planta de Cobertura da Casa do Cipreste. Raul Lino _______________________________ 121
Fonte: http://riodasmacas.blogspot.com/2011/02/casa-do-cipreste-de-raul-lino.html
Figura 146: Fachada ocidental da Casa do Cipreste, vista da Calçada de São Pedro __________________________ 122
Fonte: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-
patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70825
Figura 147: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa - Casa do Cipreste ________________ 123
Fonte: http://tracodoarquiteto.cm-sintra.pt/raul-lino/projectos-de-raul-lino/habitacao-unifamiliar-1912-casa-do-
cipreste
Figura 148: Pormenor da janela da fachada principal da Casa do Cipreste _________________________________ 124
Fonte: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-
patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70825
Figura 149: Localização da Maison à Bordeaux. Google Earth ___________________________________________ 125
Fonte: Google Earth
Figura 150: Maison à Bordeaux. Arquiteto: Rem Koolhaas _____________________________________________ 126
Fonte: https://www.archdaily.com/104724/ad-classics-maison-bordeaux-oma
Figura 151: Ascensor da Maison à Bordeaux ________________________________________________________ 126
Fonte: https://www.archdaily.com/104724/ad-classics-maison-bordeaux-oma

XVI
Figura 152: Vista lateral da Maison à Bordeaux ______________________________________________________ 126
Fonte: https://simplesarquitetura.wordpress.com/2013/11/20/maison-bordeaux/
Figura 153: Vista lateral da Maison à Bordeaux ______________________________________________________ 126
Fonte: https://simplesarquitetura.wordpress.com/2013/11/20/maison-bordeaux/
Figura 154: Planta baixo do piso inferior - Maison à Bordeaux __________________________________________ 127
Fonte: https://www.picuki.com/media/1948045385533982116
Figura 155: Planta baixo do piso intermediário - Maison à Bordeaux _____________________________________ 127
Fonte: https://www.picuki.com/media/1948045385533982116
Figura 156: Planta baixo do piso superior - Maison à Bordeaux _________________________________________ 128
Fonte: https://www.picuki.com/media/1948045385533982116
Figura 157: Corte com setorização da Maison à Bordeaux _____________________________________________ 128
Fonte: https://www.slideshare.net/shb92/revisiting-prededence
Figura 158: Interior da Maison à Bordeaux __________________________________________________________ 129
Fonte: https://www.greelane.com/pt/humanidades/artes-visuais/maison-a-bordeaux-rem-koolhaas-178058/
Figura 159: Localização Secular Retreat. Google Earth_________________________________________________ 130
Fonte: Google Earth
Figura 160: Corte Secular Retreat. Peter Zumthor ____________________________________________________ 131
https://divisare.com/projects/316378-peter-zumthor-jack-hobhouse-the-secular-retreat
Figura 161: Secular Retreat. Arquiteto: Peter Zumthor ________________________________________________ 131
Fonte: https://www.dezeen.com/2018/10/29/peter-zumthor-secular-retreat-living-architecture-villa-devon/
Figura 162: Secular Retreat. Arquiteto: Peter Zumthor ________________________________________________ 131
Fonte: https://www.dezeen.com/2018/10/29/peter-zumthor-secular-retreat-living-architecture-villa-devon/
Figura 163: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa - Secular Retreat _________________ 132
Fonte: https://www.architectsjournal.co.uk/buildings/spirit-of-place-peter-zumthors-secular-retreat
Figura 164: Aberturas dos dormitórios. Secular Retreat _______________________________________________ 133
Fonte: https://www.dezeen.com/2018/10/29/peter-zumthor-secular-retreat-living-architecture-villa-devon/
Figura 165: Vista da paisagem a partir da Secular Retreat ______________________________________________ 133
Fonte: https://www.dezeen.com/2018/10/29/peter-zumthor-secular-retreat-living-architecture-villa-devon/
Figura 166: Casa de Banho - Secular Retreat ________________________________________________________ 133
Fonte: https://www.dezeen.com/2018/10/29/peter-zumthor-secular-retreat-living-architecture-villa-devon/
Figura 167: Rangthylliang bridge. Raízes foram guiadas para atravessar rio e alcançar o solo, resultando em uma
ponte na Índia ________________________________________________________________________________ 137
Fonte: https://inhabitat.com/interview-how-one-man-is-fighting-to-save-the-worlds-last-living-root-
bridges/nongsteng-bridge/
Figura 168: Mycotree. Estrutura autoportante utilizando micélio, criada pelo arquiteto Dirk Hebel e pelo engenheiro
Philippe Block _________________________________________________________________________________ 138
Fonte: https://architizer.com/blog/practice/materials/mycelium-
architecture/#:~:text=Over%20the%20past%20couple%20of,web%20of%20branching%20called%20hyphae
Figura 169: Pavilhão da galeria MoMA PS1 de 2014 - torres construídas com tijolos de talos de milho e micélio __ 138
Fonte: https://www.dezeen.com/2014/07/01/tower-of-grown-bio-bricks-by-the-living-opens-at-moma-ps1-gallery/
Figura 170: Estrutura criada com o sistema Baubotanik _______________________________________________ 139
Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Baubotanik-tower-after-completion-2009-left-in-the-second-growth-
period-middle-and_fig7_319987765
Figura 171: Fotografias e Alçados da Plane-Tree-Cube Nagold, na Alemanha ______________________________ 139
Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Baubotanik-tower-after-completion-2009-left-in-the-second-growth-
period-middle-and_fig7_319987765

XVII
ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: Metodologia para a análise formal das obras arquitetônicas selecionadas, indicando as
características chave de avaliação ____________________________________________________ 82
Tabela 2: Sobreposição das vertentes organicistas nos projetos estudados ___________________ 134
Tabela 3: Verificação de determinadas características nos projetos estudados ________________ 136

XVIII
INTRODUÇÃO
A usualmente referida “arquitetura orgânica” é considerada uma vertente do Movimento
Modernista e teve como principal expoente o arquiteto estadunidense Frank Lloyd Wright,
com forte expressão na América do Norte, porém com exemplares de obras em todo o globo.

Ao contrário de correntes ou estilos arquitetônicos, a “arquitetura orgânica” não possui


princípios estéticos ou regras estilísticas que a definam estritamente, em razão da sua
subjetividade intrínseca. Trata-se de uma designação atribuída às edificações que em seu
conceito e partido levam em consideração o entorno imediato, partindo deste para a sua
concepção formal. De forma genérica, em sítios naturais, a arquitetura emerge do contexto e
se inspira nele, busca-se uma semelhança com as estruturas naturais para atingir um aspecto
de unicidade e simbiose em sua organização.

A conceituação da arquitetura orgânica torna-se complexa à medida que são identificadas


as variadas contribuições teóricas e apresentações formais desenvolvidas ao longo do tempo,
o que torna a tarefa rica e pouco afeita a objetividades ou simplificações. O entendimento do
oposto da arquitetura orgânica - ou o que ela não é - pode contribuir para a percepção geral
desta noção. A arquitetura orgânica não é afeita a regras estilísticas ou dogmas estritos de
composição, como identificado em diversas correntes arquitetônicas, neste quesito ela é livre,
e por isso se apresenta de forma tão diversificada.

O organicismo, porém, desde à antiguidade esteve presente na arquitetura, se


considerarmos a arquitetura que de alguma forma se encontra ligada à natureza. Porém,
variantes, casos evolutivos e ramificações foram originados ao longo do tempo, gerando uma
série de vertentes e formas de expressão que tornaram o campo conceitualmente fluido,
culminando num conceito de delimitação tênue.

O termo “Arquitetura orgânica” cunhado por Wright, define que o meio ambiente do
entorno e suas fontes naturais se dão como elementos determinantes na criação da forma
arquitetônica. Em outras palavras, o ecossistema e a arquitetura projetada formariam um
organismo único, integrado de forma harmônica. A arquitetura orgânica pode prezar pelos
fundamentos de Wright, mas também pode se manifestar de diversas outras formas, como
empregando materiais naturais e recursos renováveis; de outro modo, pode tão somente
possuir em sua morfologia, formas curvilíneas similares às encontradas na natureza.

Ao considerar a emergência da preocupação ambiental, em termos de sustentabilidade e


conservação natural, as obras arquitetônicas mais ambientalmente engajadas passaram a
adotar sistemas passivos de controle climático e ambiental, tendo em conta as trocas
energéticas internas e externas, a chamada arquitetura bioclimática. A chamada arquitetura
sustentável também aqui se insere enquanto categoria da arquitetura orgânica.

1
A partir da percepção da multiplicidade de entendimentos em relação ao termo, surgem
alguns questionamentos: Seriam estas, afinal, ramificações de um mesmo princípio? Ou
teriam origens diversas? Se questiona, então: como o tempo e contextos históricos de
momentos e países distintos interferiram nas vertentes conceituais orgânicas? Como
relacionar as diferentes conceituações de organicismo na arquitetura a partir da análise dos
projetos existentes?

Para cada uma das diferentes definições de arquitetura orgânica, certamente há uma
correspondência de hipótese para o seu surgimento. Sua origem é determinada por um plano
de fundo histórico, acontecimentos, contextos e caminhos que levaram a tais pontos. Passa
pelo objetivo deste trabalho então, identificar as condicionantes dessas origens e,
paralelamente, verificar as manifestações destes conceitos nos feitos arquitetônicos.

A partir do entendimento e constatação destas variações, começa a se delinear o escopo


deste trabalho. Esmiuçando as vertentes a serem estudadas, o caminho de pesquisa passará
a se materializar, sendo definidos então os principais pensadores de cada corrente, principais
obras, suas influências e influenciados e a filosofia por trás das suas obras.

No caminho do entendimento principal, encontra-se a fase de descobrimento das origens.


Dada esta sequência de pesquisa, o trabalho desenvolve-se como uma linha do tempo, na qual
será preciso entender o ponto inicial, as correntes de pensamento antecessoras, o trajeto com
todas as suas condicionantes e as manifestações materializadas. Partindo deste pressuposto,
se explica qual foi o objeto de inspiração para as criações dos conceitos de arquitetura
orgânica.

É o principal ponto, e em nossa opinião, o mais importante contributo deste trabalho, partir
da análise morfológica e do estudo de projetos e escritos de arquitetos selecionados, através
de critérios a serem apresentados posteriormente, de modo a apontar o que se verifica como
“evolução” nas formas, materialidade, volumes, eixos, compartimentação e funcionamento,
relativamente à arquitetura orgânica. Assim, almeja-se verificar concretamente as faces
históricas e suas projeções reais nos projetos e conceitos-chave envolvendo o organicismo na
arquitetura.

A pesquisa, a partir de fontes bibliográficas, métodos de observação e investigação, que


incluem o estudo de contextos históricos, efeitos na arquitetura orgânica e a análise de
escritos de arquitetos e projetos realizados, mostra-se decisiva por possibilitar o
estabelecimento de uma correlação direta entre as ideias, momentos e projeções práticas,
além de uma comparação de similaridades e particularidades nas obras dos arquitetos.

Busca-se, assim, como objetivo geral, desenvolver este tema e sua transformação à luz do
tempo, tendo em conta as implicações do contexto histórico e local nos preceitos desta
expressão arquitetônica, contribuindo para o aprimoramento do debate acerca da arquitetura
orgânica.
2
1. A FILOSOFIA ORGANICISTA
A noção geral de organicismo, empregada por outros campos de conhecimento, contribui
para o entendimento da teoria da arquitetura orgânica. A ideia do “orgânico” como algo
decorrente de um desenvolvimento natural, integrado a uma dinâmica complexa de partes
organizadas em um todo harmônico fazem parte da definição desta noção global.

Para entendermos inicialmente o fundamento da filosofia organicista é preciso retroceder


às suas bases, centradas na teoria materialista. O Materialismo se baseia na ideia de que a
matéria é a única substância existente, tudo é composto por matéria e todos os fenômenos
resultam da interação material. É uma filosofia que se contrapõe fundamentalmente ao
metafisicismo e ao vitalismo.

O organicismo, por vezes entendido como “holismo”, é uma perspectiva filosófica


pertencente ao materialismo. Seu princípio elementar defende que o todo compreende mais
que a soma das partes, já que cada componente tem suas propriedades determinadas
somente tendo em conta o contexto1 (GILBERT; SARKAR, 2000). Sendo assim, o universo e
suas partes seriam como organismos vivos. As propriedades não podem ser atribuídas às
partes componentes individualmente, já que derivam das interações entres elas.

A filosofia organicista tem raízes teóricas longínquas, que remontam a pensadores mais
recentes como Friedrich Schiller (1759-1805), Immanuel Kant (1724-1804), Johann Wolfgang
von Goethe (1744-1832) até à antiguidade, tendo cabido a Platão, segundo Giordano Orsini
em “The ancient Roots of the Modern Idea”2, a tarefa de ser o primeiro filósofo a elucidar o
termo “orgânico”. Porém, se assumimos estes antecedentes de caráter filosófico, verificamos
também que eles perduraram no tempo, e como acima se disse, foram se transformando e
mutando em termos arquitetônicos e epistemológicos, pelo que, apesar dos séculos
transcorridos, esta teoria se reflete também incorporando princípios subjacentes, nada mais
nada menos do que, por exemplo, e de forma ímpar, ao movimento moderno: funcionalismo,
racionalismo e expressionismo.

Segundo Merfyn Davies, em “The embodiment of the concept of organic expression: Frank
Lloyd Wright”3, Platão se propôs a relacionar os conceitos de arte e vida. Do seu diálogo Fedro
(c. 370 a.C.), extrai-se, ao atribuir tais palavras a seu mestre Sócrates, a ideia de que uma
composição artística deveria expressar uma analogia orgânica, assim sendo, deveria se

1
GILBERT, Scott F.; SARKAR, Sahotra - Embracing Complexity: Organicism for the 21st Century. Developmental
Dynamics. New York: Wiley-Liss, 219 (2000), p. 1-9.
2
ORSINI, Giordano - The ancient Roots of the Modern Idea. In ROUSSEAU, George Sebastian - Organic Form: The
Life of an Idea Hardcover. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1972. ISBN 0710072465, p. 11.
3
DAVIES, Merfyn - The embodiment of the concept of organic expression: Frank Lloyd Wright. Architectural
History. SAHGB Publications, Vol. 25 (1982), p. 120-130+166-168.

3
expressar como um ser vivo, que possui corpo, tronco e membros adaptados para operarem
em sistema, ou seja, colaborando entre si e com o conjunto.

Para este trabalho não cabe o aprofundamento deste debate terminológico e histórico, por
ser longo embora rico, já que para tanto podemos consultar estudos históricos acerca do
tema. Com efeito, se faz necessário o entendimento das implicações deste pensamento na
arquitetura projetada e executada ao longo dos anos – ou dos séculos. O conceito foi discutido
ao longo da Idade Média e durante o Renascimento e voltou a ser estudado por filósofos do
Romantismo Alemão, como se verá.

Nas ciências biológicas modernas, o organicismo, citado pela primeira vez pelo fisiologista
John Scott Haldane (1860-1936) em 1917, é a visão que destaca a organização e não a
composição dos organismos.

Leon Battista Alberti (1404-1472) foi o primeiro teórico da arquitetura a enunciar um


preceito acerca de uma unidade orgânica aplicada à arquitetura, tinha uma perspectiva de
forma arquitetônica muito baseada em proporções matemáticas e orgânicas. Defendia que os
métodos da natureza fossem imitados, que os arquitetos estudassem às leis naturais a fim de
exprimir beleza na concepção arquitetônica, atingindo assim a dita “concinnitas”, ou beleza
da arquitetura, baseada no equilíbrio entre as partes de um edifício.

A arquitetura organicista contemporânea nos remete também ao conceito de Rizoma, um


modelo descritivo da teoria filosófica de Gilles Deleuze e Félix Guattari, derivado da estrutura
de plantas não arborescentes cujos brotos se ramificam em qualquer um dos pontos da
estrutura. Um sistema baseado na “autossimilaridade” onde não há raízes, ou seja,
proposições mais elementares que outras. Aplicado à estrutura da formação de
conhecimento, pode-se entender que este não resulta de princípios primeiros, pelo contrário,
de desenvolve simultaneamente a partir de todos os pontos, consoante a novas e diferentes
observações.

Figura 1: Representação do conceito de Rizoma

A natureza e arquitetura se relacionam de diversas maneiras ao longo do tempo, antes da


formalização dos princípios da arquitetura orgânica. Muitos arquitetos fizeram esta
associação, seja incorporando a natureza, se inspirando em seus processos ou formas, ou por
meio de outras relações que esta dissertação pretende explorar.
4
2. AS ORIGENS DO ORGANICISMO ARQUITETÔNICO
Alguns movimentos, correntes de pensamento e fatos históricos desencadearam no
organicismo tal como conhecemos hoje. Neste capítulo pretende-se explorar quais foram as
principais condicionantes e circunstâncias partícipes da origem e desenvolvimento das
variantes orgânicas, bem como apresentar os arquitetos e teóricos expoentes e as obras
simbólicas destas marcas históricas.

Cabe ressaltar, dada a multiplicidade e complexidade do organicismo, que este se forma


gradualmente ao longo do tempo tomando contribuições de cada uma das origens citadas a
seguir. Vale destacar principalmente que o organicismo não almeja uma correspondência
direta e completa com estes movimentos e correntes - que até mesmo podem se distanciar
da noção do orgânico em determinado aspecto - pelo contrário, de cada um deles toma
inspirações e encontra raízes que somadas, nos ajudam a traçar um panorama do conceito
abrangente de arquitetura orgânica.

Figura 2: Diagrama dos movimentos e correntes de pensamento influentes no organicismo arquitetônico

2.1. Iluminismo

O organicismo se destaca como um caminho de exaltação do “natural” e respeito ao que


se estabelece como inerente às formas de vida. Viriam a ser considerados os grandes celeiros
desta expressão no campo da arquitetura as Ilhas Britânicas, mas especialmente a França e a
América do Norte. Mas o organicismo encontra suas origens no contexto do Iluminismo, na
segunda metade do século XVIII, no qual surge o romantismo que se contrapõe à corrente
racionalista.

O Iluminismo foi uma corrente de pensamento dominante no século XVIII na Europa, em


que o espírito racional, ou luz, era defendido em detrimento de qualquer obscurantismo
5
persistente da época das trevas, a Idade Média (Absolutismo Monárquico, Poder da Igreja),
pregando, dentre outras doutrinas, liberdade econômica e política. A partir do Iluminismo,
que tenta romper e se distanciar de forma crítica das convicções sistêmicas, diversas
transições políticas, econômicas e sociais se iniciaram, com o lema “liberdade, igualdade e
fraternidade”. As tradições do passado começam a ser negadas e ditas como falhas.

O principal foco do Iluminismo pode ser considerado o Antropocentrismo, ou seja, a


valorização da Ciência e da Razão em vários campos, inclusive na arquitetura. Foram dois os
caminhos arquitetônicos gerados a partir do Iluminismo: o Racionalismo e em eventual
contraponto, dialético e ambíguo, o Organicismo - que consistiria, de início, numa forma de
racionalismo naturalista.

2.1.1. A cabana primitiva

Num período histórico em que a busca pelas leis naturais foi priorizada, o campo da
arquitetura não se diferenciou. A teoria da cabana primitiva foi criada aproximadamente em
1753 pelo teórico arquitetônico Marc-Antoine Laugier (1713-1769), na sua publicação “Ensaio
sobre a Arquitetura”. Aí, indaga-se sobre qual seria o propósito maior que a arquitetura
deveria alcançar: o suprimento da necessidade de abrigo sem o uso da ornamentação e
fundamentando-se no que é primordial. Sendo assim, a arquitetura ideal seria aquela que
regressa às origens, rejeita o que é produto da cultura do homem, as “leis naturais da
arquitetura” conduzem à ideia da cabana primitiva.

A imagem ao lado, do frontispício de Laugier, ilustra essa


premissa. A cabana primitiva é apresentada com destaque,
enquanto observamos cornijas e capiteis, que aqui se mostram
como a representação do supérfluo classicista, em ruínas, ao
que se subentende que devam ser abandonadas.

Figura 3: Frontispício de Marc-Antoine Laugier: Essai sur l'architecture


2ª ed. 1755 por Charles Eisen (1720-1778)

O conceito de Laugier perpassa o pensamento de Jean-Jacques Rousseau. A imagem do


homem natural e a ideia de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe, levariam
idealmente a uma vida próxima à natureza, o que se reflete na ideia cabana primitiva.

6
2.1.2. O neoclassicismo e a arquitetura “falante”: Ledoux e La Saline em Arc-et-Senans. Os
projetos utópicos.

No campo cultural, o Neoclassicismo desponta como a expressão dos ideais iluministas,


com forte impacto na arte e cultura do ocidente até a primeira metade do século XIX. Na
arquitetura, a valorização da cultura da Antiguidade Clássica é renovada, como vimos,
juntamente com os princípios de moderação, equilíbrio e idealismo; e alguns aspectos
experimentais são priorizados, dentre eles: i) funcionalismo, que seria a tendência de
incorporar os métodos exatos à arquitetura; ii) a exaltação ao encontro com a natureza; iii)
purismo e iv) retórica monumental.

Pode-se compreender o Iluminismo na arquitetura como um período de formação de ideias


precursoras, superando a tradição renascentista-barroca, que passou a ser rejeitada com seus
excessos decorativos e dramáticos, que estão na origem do Movimento Moderno. Muitos
autores consideram os chamados “arquitetos da Revolução” (da Revolução Francesa,
entenda-se) como verdadeiros “pioneiros”. A crítica ao Classicismo, pese embora o apego às
formas puras da Antiguidade Clássica, elevava-se agora a um grau de purismo ainda maior.
Não já os edifícios deveriam tão somente obedecer a uma lógica consagrada em manuais e
em Tratados - ou especialmente em Tratados, que eram inúmeros - mas antes numa
reinvenção das Ordens Clássicas, com preferência para o conceito originário grego, onde
residiria a relação mais clara entre natureza e arquitetura. E os edifícios deviam respeitar
acima de tudo a função, e exprimir essa função, com as roupagens estilísticas de um
Classicismo depurado e desarmado de toda a carga ornamentalista.

Um dos principais expoentes da arquitetura neoclássica foi o francês Claude-Nicolas


Ledoux (1736-1806), que se tornou conhecido por seu viés utópico e considerado um
arquiteto visionário procurando ressignificar a representação arquitetônica. A obra
arquitetônica de Ledoux mais emblemática foi a da Salina Real de Arc-et-Senans (1774-1779),
considerada sua obra-prima, um projeto inovador e ambicioso de uma fábrica de manufatura
de sal no final do século XVIII, ponto focal a partir do qual criou um plano para uma cidade
utópica - a cidade utópica de Chaux - com expressões formais e estruturais da chamada
architecture “parlante”, ou arquitetura “falante”, e com um design destinado a melhorar a
vida em sociedade.

7
Figura 4: Perspectiva da “La ville de Chaux" de Claude-Nicolas Ledoux

A visão da relação entre civilização e natureza, explorada por filósofos do século XVIII, como
Jean-Jacques Rousseau, estava expressa no plano da cidade de Chaux, através da expressão
das forças elementares da natureza, de um modo de vida em proximidade com a natureza
edílica e do gênio organizador do homem. A cidade ideal, de delimitação circular, teria apenas
duas vias de entrada e saída; os desenhos dos espaços públicos foram pensados em formatos
semicirculares para se expressarem como ambientes harmônicos e completamente
integrados, circunscritos ao círculo; a imagem do jardim inglês romântico, de paisagem,
também está presente no plano.

A exaltação da natureza, o entendimento de que o natural é o caminho para a beleza, a


oposição entre natureza e cultura e a ideia de Rousseau - de que a sociedade corrompe a
bondade do homem - são diretrizes norteadoras do plano de Chaux, fato observável pela
proximidade e integração das construções com a natureza e pela ausência de prisões ou
trancas nas portas, visto que neste panorama, o homem não cometeria o mal.

A geometria das formas circulares foi concebida, segundo a visão de Ledoux, para evocar a
harmonia da existência humana com a natureza, como uma metáfora física das formas
naturais, como o curso dos planetas, por exemplo. Para ele, estas variações formais
representavam a configuração natural, e por consequência se materializavam como um
campo harmônico para a vida em sociedade.

Figura 5: Segundo plano da Salina Real de


Arc-et-Senans por Claude-Nicolas Ledoux

8
"Everything is circular in nature;
The stone that falls into the water propagates infinite circles;
(...) the air and the seas move in perpetual circles,
so the town of Chaux is an immense circle with a form as pure as that described by the sun...
The line intersecting the diameter of the salt works crosses the Loue river, immense
plains, the town, the forest, the Geneva canal, the Swiss pastures;
to the left lie [the great rivers], the port of Antwerp, and the North Seas carry the first
and much desired fruits of our labor, commerce and arts, to the very deserts of Siberia." 4 (LEDOUX)

O plano teve duas propostas, a primeira, mais imaginativa do que palpável - por não se
vincular a nenhum sítio específico e utilizar artifícios que para o rei Luís XV foram considerados
característicos de templos religiosos, como determinadas colunas por exemplo -, foi
descartada inicialmente e a segunda nunca chegou a ser finalizada, sua construção teve
apenas a primeira fase iniciada.

A arquitetura falante é definida como aquela cuja forma explica a sua própria função ou
identidade. No plano para Chaux, algumas edificações possuíam formas metafóricas
consoantes a função a elas designada, em alguns casos de forma bastante explícita, como por
exemplo as casas de toneleiros, cujas formas eram reproduções exatas de barris.

2.2. Romantismo

O Romantismo como movimento artístico, político e filosófico (1790-1880) seguiu as ideias


do Iluminismo, mas surge agora como uma reação ao Neoclassicismo do século XVIII – mesmo
que o idealismo grego tenha tomado parte numa primeira fase romântica de imitação
arqueológica de uma “nova” Antiguidade conhecida agora arqueologicamente -, buscando um
desprendimento das convenções acadêmicas, e substituindo-as pela expressão livre dos
artistas, provocada muitas vezes pela observação das paisagens. Contextualmente, de forma
mais ampla, o Romantismo conviveu com a construção de uma história científica, com um
nacionalismo progressista e com o liberalismo.

As principais características do Romantismo são a valorização da emoção, da fantasia, do


sonho, da originalidade, a exaltação da natureza, a defesa da liberdade individual e do povo,
além do interesse pela cultura medieval, bem como pelos monumentos do passado. Neste
panorama, através de simbologia, a história era revisitada.

4
LEDOUX, Claude-Nicolas.
Tradução livre da autora: “Tudo é circular na natureza; a pedra que cai na água propaga círculos infinitos; (…) o
ar e os mares se movem em círculos perpétuos, então a cidade de Chaux é um imenso círculo com uma forma
tão pura quanto aquela descrita pelo sol… A linha que cruza o diâmetro da salina atravessa o rio Loue, imensas
planícies, a cidade, a floresta, o canal de Genebra, as pastagens suíças; à esquerda estão [os grandes rios], o
porto de Antuérpia e os Mares do Norte levam os primeiros e muito desejados frutos de nosso trabalho, comércio
e artes, até os próprios desertos da Sibéria”. HarvardX. Ledoux's Utopian City of Chaux. [registo vídeo]. 2017.
9
A arquitetura orgânica americana, cujos expoentes maiores são Frank Lloyd Wright e Louis
Sullivan, teve forte influência do Romantismo e seus ideais de prevalência do sentimento
frente à razão e da natureza frente à artificialidade.

É notável também na obra e nos pensamentos de Frank Lloyd Wright, a influência de


Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), poeta que conjuntamente a William Wordsworth (1770-
1850), fundou o Romantismo na Inglaterra. Wright implementou à sua arquitetura o princípio
de estruturação “de dentro para fora”, princípio igualmente presente na literatura Romântica,
aqui, naturalmente, para expressar a veia intimista se materializando na escrita e na fala.

Aliás, fazendo-se um paralelo com a literatura Romântica, para a qual a forma orgânica se
define como aquela originada pelo próprio conteúdo tratado pelo autor, a estrutura cresceria
“de dentro” como o crescimento de uma planta, um crescimento natural, livre de regras
artificiais pré-estabelecidas, fazendo um contraponto à dinâmica de um crescimento
mecânico. Esta mesma lógica se aplica à arquitetura orgânica, a forma literária estaria para a
forma arquitetônica, assim como a temática abordada estaria para o entorno da construção.

A partir de meados do século XVIII, o termo “romântico” passa a ser entendido como a arte
que opera sobre a natureza ao invés de imitá-la e que a modifica e adapta aos sentimentos
humanos e sociais.

2.2.1. Horatio Greenough: escultura na definição de arquitetura orgânica avant la lettre

O Transcendentalismo teve forte influência na teoria arquitetônica da América como um


todo até o século XX, por meio de seus autores que permearam o meio arquitetônico com
suas raízes estéticas funcionalista e orgânica. Mas foi somente com Greenough que uma teoria
sistemática sobre o tema foi alcançada.

Horatio Greenough (1805-1852), foi um escultor estadunidense que, influenciado pelas


ideias transcendentalistas, do funcionalismo orgânico levantadas por Henry David Thoreau
(1817-1862) e Ralph Waldo Emerson (1802-1882), as traduziu para a teoria arquitetônica por
meio de seus artigos de arte, design e arquitetura.

Greenough criticava a arquitetura moderna vigente nos Estados Unidos por acreditar que
esta havia descartado os valiosos princípios do passado e tão somente buscava importar
estilos estéticos presentes na arquitetura histórica europeia. Rejeitava regras de estilo e
proporções impostas arbitrariamente.

Em seus escritos, firmou sua concepção sobre a beleza estética natural e via esta beleza
expressa no design de maquinários e navios, que em sua visão eram dimensões que
incorporavam os princípios desta analogia natural de forma excepcional, sendo capazes de
incorporar em seus designs as proporções e relações anatômicas naturais. Para o campo da
arquitetura, Greenough transmitiu seu pensamento, defendendo que a expressão formal
10
deveria ser obrigatoriamente uma característica inerente à função do edifício, teoria análoga
ao de seu compatriota, Louis Sullivan.

Com a pretensão de impulsionar um novo estilo de arquitetura que expressasse princípios


notáveis de construção e fosse de encontro às relações naturais, Greenough pontuou que este
deveria se basear exclusivamente num retorno às leis naturais, onde se encontraria uma fonte
de beleza. A busca por estes princípios eventualmente levaria à dimensão natural. Justamente
por este motivo, exaltava a observação e inspiração estética no reino animal, como por
exemplo, nos esqueletos e peles de exemplares animais, reconhecidas fontes de beleza.

Como a forma de um organismo revela sua funcionalidade, um edifício deveria expressar a


sua função por meio de sua forma. Para Greenough, a principal característica dos organismos
naturais são a harmonia das partes justapostas.

“Is the consistency and harmony of the parts juxtaposed, the subordination of details to masses,
and of masses to the whole. The law of adaptation is the fundamental law of nature in all structure” 5.
(GREENOUGH, 1843)

Um aspecto da teoria funcionalista defendido por Greenough era a ideia de que a


edificação deveria ser entendida como um esqueleto coberto por uma pele. Greenough
defendia a criação formal de um edifício a partir do seu interior, inicialmente se projetaria o
que seria o núcleo: o layout do edifício, a disposição dos compartimentos com suas respectivas
necessidades espaciais, e a partir de então, indo no sentido do exterior, a envoltória ou
analogamente, o esqueleto, se firmaria quase que automaticamente em decorrência deste
processo, restando então apenas a “pele”, ou o que entendemos como envoltória, a ser
projetada. Novamente vemos a alegoria do “crescimento natural” sendo introjetada na teoria
arquitetônica pela contribuição de Greenough, assim como de tantos outros arquitetos e
teóricos ao longo da história.

Outra metáfora que remete a teoria de Greenough à dimensão natural seria a sua
percepção de que uma edificação orgânica deve ser formada com referências ao tipo abstrato
de espécie à qual pertence. Dado que para ele, a edificação orgânica é aquela que é formada
para atender às necessidades dos seus usuários, cada uma das possíveis necessidades teria
características específicas que seriam perceptíveis em seus aspectos formais.

Para além das teorias formuladas sobre a criação e a forma do edifício em si, Greenough
também se dispôs a discorrer sobre as relações de interdependência de um edifício para com

5
GREENOUGH, Horatio - The United States Magazine and Democratic Review v. 13. American Architecture, 1843,
p. 208.
Tradução livre da autora: “É a consistência e a harmonia das partes justapostas, a subordinação dos detalhes às
massas e das massas ao todo. A lei da adaptação é a lei fundamental da natureza em todas as estruturas”.

11
o seu sítio de inserção. Pode-se compreender, a partir da leitura dos escritos de Greenough,
que a ligação da construção com o seu entorno tem peso, na expressão de uma boa
arquitetura, equivalente às conexões estabelecidas entre as partes do edifício entre si.

Com relação ao aspecto ornamental das construções, Greenough estendia esta mesma
linha de pensamento, ou seja, a ornamentação deveria corresponder à natureza funcional de
uma determinada edificação e ser implementada tão somente se estivesse em conformidade
com a função intrínseca do conjunto edificado. Os elementos estritamente decorativos
perdem valor na proposição “minimalista” de Greenough, que prefere abandoná-los na busca
por uma beleza de origem funcional e natural. Mesmo tendo consciência de que sua visão
poderia “desnudar” a arquitetura, idealizava esta metodologia de construção como um novo
estilo arquitetônico nacional do seu tempo. Neste quesito, percebemos a possível influência
de Ledoux no pensamento de Greenough, visto que aquele anteriormente preconizava a
arquitetura livre de ornamento.

Greengough, acompanhara, enfim, o pensamento de Ralph Waldo Emerson e o vitalismo,


o “unitarismo” e o panteísmo que dele emanava, fazendo sua a frase de Ralph segundo o qual
“Nature who made the mason, made the house”6. O que veio a escrever sobre arquitetura só
se tornou conhecido a partir de 1930, uma época seminal para o organicismo, uma vez que só
então os seus escritos foram publicados num volume intitulado muito concretamente, “Form
and Function: Remarks on Art, Design and Architecture”7. Desta obra retira-se a sua frase mais
célebre e que resume de forma lapidar o seu pensamento: “Beauty is the promise of
Function”8.

2.2.2. A arquitetura gótica e o regresso da “cabana primitiva”: James Murphy

James Cavanah Murphy (1760–1814) foi um arquiteto irlandês que dedicou parte da sua
carreira a estudar e aprofundar o conhecimento sobre a arquitetura e o estilo gótico, até
então pouco explorado pelos teóricos, dado o entendimento de que seria um estilo de origem
bárbara. Em 1788 foi convidado a Portugal para desenhar o Mosteiro da Batalha, em todos os
seus detalhes e escalas, foi então que passou alguns meses no país e ao retornar, fez uma
publicação com os desenhos que havia produzido, como plantas, cortes e elevações, e como
introdução elaborou uma minuciosa reflexão sobre o que seriam os princípios da arquitetura
de estilo gótico.

Sua opinião era de que o estilo vinha sendo negligenciado e não havia esforço em
documentá-lo, registrá-lo e explorá-lo conceitualmente em seus sistemas estruturais,
aspectos construtivos e estéticos, embora tenha sido amplamente executado em continente

6
EMERSON, Ralph Waldo - Essays: Second Series. 1841, p. 183. Tradução livre da autora: “A natureza que fez o
pedreiro, fez a casa”.
7
GREENOUGH, Horatio - Form and Function: Remarks on Art, Design and Architecture. Berkeley: University of
California Press, 1947. ISBN: 9780520005143.
8
Tradução livre da autora: “A beleza é a promessa da função”.
12
europeu. No texto da publicação, explora a questão do arco ogival, que destaca como sendo
o principal atributo da arquitetura gótica, a partir dessa percepção, sinaliza que não só este
modelo característico de arco, como também outras estruturas presentes na arquitetura
gótica, tem suas arestas confluindo para um ponto.

“If we take a comprehensive view of any of these structures externally, we shall perceive that not
only the arch, but every vertical part of the whole superstructure terminates in a point”. 9 (MURPHY,
1795)

Murphy se dedica a analisar pormenorizadamente as diversas partes componentes na


arquitetura gótica, pórticos, naves, arcos, as visadas e suas impressões, formas e tendências.
Pontua, dentre outros aspectos, que as formas góticas têm uma tendência de apresentar um
aspecto piramidal em suas diversas partes componentes.

Conclui de forma lógica, portanto, que o principal componente formal da arquitetura


gótica, o arco ogival, derivado do Romanesco, é a forma mais evidente a ser utilizada para o
propósito deste estilo arquitetônico, visava-se uma forma que fosse esbelta, alta, que
trouxesse a sensação de leveza e de alcançar os céus e simultaneamente precisaria suportar
uma grande carga estrutural, por isso precisaria ser forte. Ao mesmo tempo também
expressaria o aspecto piramidal desejado. Ou seja, nenhum outro tipo de arco seria capaz de
cumprir estas funções e atender a esta estética.

A arquitetura gótica, estudada por Murphy, eclodiu no continente europeu na Idade Média,
ao final do século XII e se desenrolou até o século XV com diversos exemplares construtivos
de relevância em muitos países. Este estilo tem como um dos mais importantes conceitos a
elevação aos céus, o paraíso, ideia que é responsável por determinar o partido a ser adotado
em suas formas. Por isso, a altura é enaltecida e priorizada em todos os aspectos, este é o
fundamento para a expressão estética das altas torres e arcos, por exemplo.

Verticalidade, luminosidade e leveza são consideradas os maiores princípios da arquitetura


gótica. Observa-se enormes paredes com vitrais coloridos que são capazes de iluminar
naturalmente o grande espaço anterior com raios coloridos, que acabam por criar uma
atmosfera que faz referência ao paraíso.

A arquitetura gótica surgiu num contexto histórico de grandes ameaças, dentre elas a peste
negra, fome, guerra e depressão econômica, fatos que geraram grandes transformações no
comportamento da sociedade medieval, como por exemplo o recurso à religião. Portanto,
despontou como uma arquitetura inspiradora neste contexto desesperançoso.

9
MURPHY, James – The Principles of Gothic Architecture. In DE SOUSA, Fr. Luis - Plans, Elevations, Sections and
Views of the Church of Batalha, in the Province of Estremadura in Portugal. Londres: I. & J. Taylor, High
Holborn, 1795, p. 3.
13
O conceito da cabana primitiva de Laugier, citado anteriormente, vem de encontro ao que
prega o estilo gótico, em sua defesa do regresso à essência, rejeição ao que é decorativo ou
acessório e a promoção da estrutura como uma unidade com a forma arquitetônica, sendo
assim, fundamentalmente, uma visão orgânica que mais especificamente desenvolve a
premissa de estabelecimento do ambiente natural como alicerce para a criação arquitetônica
ideal. A ligação antropológica entre ambiente natural e humano é priorizada à medida que a
arquitetura incorporaria os elementos naturais e rejeitaria os ornamentos e os elementos do
passado.

No sentido mais lato da indagação, os ideais dos estudiosos do gótico, reencontram, enfim,
o tema da “cabana primitiva”, como ele foi sendo expresso em diversos tratados, muitos deles
do período iluminista. Mas interpretam-na, agora, à luz de uma visão estética, uma vez mais
de encontro entre natureza e arquitetura, ou tomando a arquitetura como uma emulação da
natureza: os ramos e os troncos da cabana primitiva, e bem assim seus atributos que resultam
de um processamento mínimo do objeto que a natureza oferece (pedra, madeira, folhagem)
teria também ela uma expressão intensa na arquitetura gótica, fosse por causa das formas
que se tornam estrutura - como o arco ogival sobre altas colunas/árvores, recriando a floresta
e as copas entrelaçadas da vegetação alta - , e que são organismos, fosse porque a estrutura
da catedral se aparenta a um esqueleto coberto de pele – tal como ensinaria Greengough.

2.2.3. O revivalismo e o nacionalismo: a floresta primitiva ou Urwald: Palácio da Pena

O Palácio da Pena, localizado na serra de Sintra, foi um dos primeiros “castelos ideais” do
primeiro romantismo arquitetônico na Europa, e seu projeto final coube ao arquiteto amador
e mineralogista germânico Barão von Eschwege por encomenda. Está inserido em uma área
arborizada de aproximadamente 200 hectares, onde se encontram, além da vegetação,
algumas construções como pontes, grutas, bancos e fontes.

D. Fernando II de Saxe-Coburgo Gotha, rei consorte de D. Maria II foi o responsável por


adquirir em 1838, juntamente com a mata do entorno, o antigo Mosteiro da Pena, à época
em ruínas devido à destruição causada por raios que atingiram a construção e ao sismo de
1755 que também provocou estragos, e reconstruí-lo, transformando-o no Palácio, que viria
a se tornar moradia de alguns reis e rainhas de Portugal. Entre 1847 e 1852 a reforma estaria
praticamente finalizada.

O Palácio está erigido sobre uma topografia bastante irregular, composta por grandes
rochas e apresenta uma variedade de influências estilísticas em sua construção, quase como
um modelo de ecletismo. É possível perceber em sua estética aspectos dos estilos
neogótico, neomanuelino, neo-islâmico, neorrenascentista, motivos mouriscos e traços
indianos, uma mistura justificada pelo romantismo do século XIX, cujo gosto pelo exótico é
exacerbado.

14
O plano do parque do entorno, lançou mão da introdução de espécies de árvores de regiões
distantes, criando um arvoredo composto com algumas construções, a fim de criar cenários
naturais que emolduram o Palácio. Mais tarde, algumas espécies raras da América do Norte e
outras regiões como Brasil, Austrália e Japão, foram introduzidas ao repertório dos jardins, ao
gosto da Condessa d’Edla, segunda esposa de D. Fernando, a quem ele deixaria o Palácio e o
Parque como herança no seu testamento, anos mais tarde. A porção primitiva da floresta que
envolve o Palácio, é composta em sua majoritariamente pela espécie “quercus” (carvalho).

Figura 6: Parque e Palácio Nacional da Pena, Sintra, Portugal

2.2.4. A reinvenção do gótico: o contributo de John Ruskin

John Ruskin (1819-1900) foi um teórico político, pensador social e crítico de arte, dentre
outras funções. Embora à primeira vista contrastantes, os campos das ideias as quais Ruskin
teorizava e criticava, eram na sua visão interligados e interdependentes. Acreditava que a
beleza da arte, juntamente com a prática política eram os meios de transformação essenciais
à criação de uma sociedade mais socialmente e economicamente justa e de um mundo belo.

No campo político, defendia a reforma social na Inglaterra no século XIX, criticava as


fundações morais estabelecidas da sociedade e o capitalismo moderno. No campo da arte,
seu pensamento está vinculado ao Romantismo, enfatiza a sensibilidade subjetiva e a emoção,
colocando a razão numa posição de inferioridade e menor relevância neste contexto. Ruskin
vai de encontro ao classicismo e ao encontro do medievalismo, tendo exercido uma
fundamental importância ao revivalismo do Movimento Gótico no começo do século XIX. Mais
tarde, viria a influenciar o Movimento Arts & Crafts e William Morris.

O estilo Gótico, efervescente entre os séculos XII e XV, surgiu como uma reação ao
Neoclassicismo que dominava a arquitetura desde o Renascimento. Já no começo do século
XIX, e com o advento da Revolução Industrial, a sociedade passa a manifestar um certo
desconforto e entendimento das manifestações negativas do industrialismo, percebendo-as
como prejudiciais tanto para os indivíduos quanto para o ambiente e a sociedade como um
conjunto. Alguns desses efeitos seriam a poluição, ruído e a difusão e intensificação da
miséria. Dado este cenário, no contexto da arte e da arquitetura, desponta em alguns grupos
da sociedade uma valorização dos tempos áureos da Idade Média, apreço pelos seus valores

15
e desejo de se produzir arte e arquitetura com significado novamente, indo contra o que se
praticava no cenário naquela altura. O escape ao cenário daquela época caracterizado pelas
cidades modernas com as indústrias e edifícios preocupados com o aspecto funcional acima
de tudo, se dava através do refúgio na arte medieval, esta retomada deu início ao Revivalismo
Gótico. Neste panorama, o “pitoresco”, ou seja, as paisagens e cenários naturais se firmaram
mais uma vez na história da arte e da arquitetura, como objetos de inspiração, dignos de
representação, seja na pintura, escultura, decoração ou arquitetura.

Para Ruskin, o Naturalismo era o terceiro fator característico em ordem de importância


para a construção do espírito Gótico. Em “The Stones of Venice”10, Ruskin lista estes fatores
característicos que, combinados entre si mesmo que em diferentes proporções, definiriam o
espírito Gótico de uma obra. Ruskin não hesitava em defender que estes seis fatores descritos
não eram necessariamente imperativos às obras góticas, estas seriam consideradas como
góticas bastando apresentar a maior parte destes fatores característicos.

Savageness – Selvagem,
Changefulness – Mudança,
Naturalism – Naturalismo,
Grotesquenes – Grotesco,
Rigidity – Rigidez,
Redundance – Redundância.

A visão ruskiniana vislumbra uma criação arquitetônica com referências das linhas curvas.
Profundamente interessado em entender as formas naturais, infere que a linha observável
nos elementos da natureza é a linha curva11.

Aprofundando-nos no aspecto naturalista apresentado por Ruskin, percebemos em The


Stones of Venice, que este se define como a proposição de representar os elementos naturais
o mais fidedignamente possível, se isentando de perseguir os vícios das leis
estilísticas/artísticas estabelecidas, o foco era o aspecto real do elemento e sua
representação:

“There is however, one direction in which the Naturalism of the Gothic workmen is peculiarly
manifested; and this direction is even more characteristic of the school than the Naturalism itself; I
mean their peculiar fondness for the forms of vegetation. To the Gothic workman the living foliage
became a subject of intense affection and he struggled to render all its characters with as much
accuracy as was compatible with the laws of his design and the nature of his material”12. (RUSKIN,
1851).

10
RUSKIN, John - The stones of Venice, v. II. Londres: Smith, Elder, and Co., 1851.
11
RUSKIN, John - Modern Painters. Boston: Dana Estes, 1843-1860.
12
RUSKIN, John - The stones of Venice, v. II. Londres: Smith, Elder, and Co., 1851.
Tradução livre da autora: “Há, entretanto, uma direção na qual o naturalismo dos operários góticos se manifesta
de maneira peculiar; e essa direção é ainda mais característica da escola do que o próprio Naturalismo; refiro-
me ao seu gosto peculiar pelas formas da vegetação. Para o operário gótico, a folhagem viva tornou-se objeto
16
Figura 7: Palácio de Westminster (construído em 1840-1876). Arquitetos: Augustus Pugin e Charles Barry

2.2.5. A arquitetura medieval: a modernidade mecânica e material de Viollet-le-Duc

Viollet-le-Duc (1814-1879) foi um arquiteto francês, notoriamente reconhecido pelos seus


contributos ao campo da restauração. Elaborou um método científico original de restauro, no
qual pauta as decisões de intervenção na edificação em um trabalho árduo de documentação,
análise, levantamentos e relatórios.

Seu método de restauro, se caracteriza pela complementação do edifício original em


ruínas, para um estado alcançado por meio de estudos, que pode até mesmo nunca ter
existido. Seu trabalho era o principal meio de valorização da arquitetura medieval, pela qual
le-Duc tinha grande interesse.

O senso de organicismo na arquitetura se estabelece com Viollet-le-Duc, quando define a


noção de que a adequação da forma à função, bem como da estrutura à forma e dos
ornamentos ao conjunto construtivo, deve seguir princípios verdadeiros, independente do
estilo adotado na construção, fundamentalmente retomando a ideia de Laugier, citada
anteriormente, na qual o “orgânico” se materializa como a ligação primordial estabelecida
entre a estrutura e a função. Por isso, ao realizar acréscimos nas edificações com danos
estruturais que restaurou, procurava seguir as regras de composição, proporção e aspectos
formais da época da construção original. Le-Duc defendia o contraste compositivo da
modernidade das novas estruturas propostas, usualmente em ferro fundido, com os
elementos construtivos remanescentes da construção antiga, como forma de valorizar a
arquitetura original, diferenciando visualmente de forma rápida os elementos das duas
épocas e criando um conjunto harmônico e coerente.

de intensa afeição e ele lutou para representar todos os seus caracteres com a precisão compatível com as leis
de seu projeto e a natureza de seu material”.

17
Le-Duc foi o responsável pela restauração da Notre-Dame de Paris no século XIX, no ano de
1844. A construção medieval, que estava destruída, teve como um dos principais marcos
propostos neste trabalho de restauro a construção da nova flecha, emblemática por sua
verticalidade acentuada. O elemento não estava presente ou mesmo previsto no projeto
original. Porém, le-Duc decidiu por bem acrescentá-la ao conjunto, pois de acordo com suas
análises, chegou ao entendimento de que se na altura da construção, os recursos tecnológicos
da sua época já existissem e os arquitetos góticos a eles tivessem acesso, teriam construído
uma torre bem verticalizada, seguindo os preceitos os quais o estilo gótico se propunha a
cumprir. Sendo assim, le-Duc aplicava a nova tecnologia dos materiais, como o ferro fundido,
novas tecnologias construtivas e estruturais, e avanços nos cálculos estruturais da sua época
para implementar, segundo sua interpretação fundamentada em dados e análises, novos
elementos às edificações a serem restauradas, elementos estes que só não foram feitos
originalmente porque à época os recursos necessários ainda não estavam disponíveis aos
arquitetos e construtores responsáveis pela construção.

2.3. Arts & Crafts

O movimento estético Arts & Crafts surge na segunda metade do século XIX,
aproximadamente no ano de 1863, na Inglaterra, na época em que a Revolução Industrial,
ocasionada pelo surgimento das máquinas a vapor, o que impulsionou as produções fabris,
criando oportunidade ao desenvolvimento da produção em larga escala, atingindo grandes
volumes e atendendo massas de consumidores. Este pano de fundo histórico, responsável por
viabilizar o advento das indústrias e suprimir a posição até então ocupada pelos artesãos, com
a manufatura e o trabalho manual levou, como consequência, ao declínio das oficinas e da
produção artesanal.

Os efeitos gerados por esta transformação radical ocorrida nos modos de produção,
acabaram sendo percebidos por alguns artistas, que viriam a se tornar críticos desta
industrialização indiscriminada. A falta de um estilo artístico sólido, falta de significado
intrínseco e qualidade estética nos artefatos produzidos industrialmente, bem como as
imitações ordinárias de ornamentos com valor artístico feitas nas fábricas eram alguns destes
efeitos negativos que incomodavam e foram apontados.

A partir desta compreensão, alguns nomes das artes se uniram, e juntos inspiraram as
ideias e ideologia do movimento, dentre eles William Morris, John Ruskin e Augustus Pugin.
Seus objetivos comuns passavam por estabelecer uma reforma nas “artes e ofícios”,
substituindo na medida do possível a produção em massa industrial que tanto criticavam por
uma produção artesanal cuidadosa, meticulosa e artística que teria seu valor artístico
intrínseco assegurado, preservando assim as tradições e técnicas de trabalhos manuais.
Originalmente, a ideia era baseada no acesso à arte significativa para a sociedade, objetivo
este que com o passar do tempo acabou por se tornar inviável devido aos altos valores

18
agregados às peças que as tornaram inalcançáveis pela maior parcela da população, ficando
então restrita aos níveis mais altos da pirâmide social.

Os idealizadores do Arts & Crafts tinham a noção de que a produção industrial não cessaria,
por isso, o cerne das suas ideias era a exposição dos problemas gerados por aquele modo de
produção e assim disseminar o gosto pelo que seria uma arte “autêntica”.

“We do not reject the machine, we welcome it. But we would desire to see it mastered”13 (ASHBEE,
1894).

Para William Morris, a produção industrial vinha tornando a sociedade menos criativa e
ceifando habilidades e técnicas manuais de fabricação, o que precisaria ser combatido. Foi um
dos fundadores da Companhia Morris, Marshall and Faulkner & Co., que produzia peças de
mobiliário e ornamentação baseados nos princípios do movimento, como simplicidade das
formas, valorização das formas lineares e planas e o intento de unir forma, função e
decoração.

Figura 8: Design do papel de parede "Trellis", por William Morris, 1862

Os princípios do movimento Arts & Crafts, consideravelmente impactado pelo revivalismo


gótico, são: o interesse pela época e pelo design medievais, por se acreditar ser possível
reproduzir os altos padrões atingidos no passado e até mesmo superá-los; emprego de cores
e formas fortes; padronagens alusivas a elementos da natureza, como a fauna e a flora
(aspecto que podemos considerar como um fator influente no design e na arquitetura
biofílica, nos quais nos aprofundaremos adiante); simplicidade e equilíbrio entre forma,
função e ornamento, sendo a extravagância e ornamentação supérflua características

13
ASHBEE, Charles Robert - A few chapters in workshop re-construction and citizenship. Londres: The Guild and
School of Handicraft, 1894.
Tradução livre da autora: “Não rejeitamos a máquina, damos as boas-vindas a ela. Mas gostaríamos de vê-la
dominada”.
19
indesejadas e rejeitadas (nota-se nesta última característica, uma confluência notável com o
pensamento de Frank Lloyd Wright).

William Morris, influenciado pelos escritos de John Ruskin, prezava em seus trabalhos as
marcas visíveis deixadas pelo artesão nas peças produzidas, seriam como marcas de
personalidade e singularidade da produção manual.

O movimento Arts & Crafts teve abrangência global e pode-se dizer que não teve fim, já
que seus objetivos e ideais perduram até os dias atuais. Podemos hoje, por exemplo, traçar
um paralelo entre os fundamentos e práticas do movimento com as construções
arquitetônicas sustentáveis, as quais se preocupam, em maior ou menor grau, com a utilização
de materiais regionais e técnicas construtivas tradicionais, como meio de minimizar os
impactos ambientais gerados pela construção. A atenção, entretanto, conferida pela
contemporaneidade à arquitetura vernacular também tem grande identificação com a
filosofia do Arts & Crafts.

2.3.1. William Morris a “desindustrialização” industrial

William Morris (1834-1896) foi um designer britânico de grande relevância que se


preocupou com a destruição da manufatura e do artesanato que a mecanização da produção
advinda da Revolução Industrial tenderia a ocasionar, juntamente com a extinção das
tradições artísticas e habilidades manuais. Encontra na arquitetura gótica forte influência,
principalmente pela sua manifestação orgânica da forma, que evolui a partir da estrutura,
obedecendo à ordem da essência construtiva e ao retorno a uma verdade construtiva.

Morris criou uma companhia de itens de decoração, que se encarregava tanto do design
quanto da produção de peças como papéis de parede, tapeçaria e mobiliário. Os itens eram
produzidos por meio de métodos tradicionais, feitos à mão, um modo de produção alternativo
que ia de encontro à produção em massa que dominava o mercado no século XIX. Morris
sofreu expressiva influência do design medieval.

A Red House, projeto de Philip Webb e William Morris, concluída em 1860, é uma edificação
residencial em Bexleyheath, na Inglaterra, ícone do Arts & Crafts. Com inspiração no
medievalismo e no neogótico, possui planta em “L”, 2 pisos e um telhado bastante alto na cor
vermelha. A disposição das janelas, bem como seus formatos, obedece estritamente à
conformação interior da casa. Não havendo qualquer bloqueio devido à regularidade ou
simetria externa. Não há ornamentação desnecessária, os elementos decorativos do projeto
são os que exercem funções construtivas.

20
Figura 9: Red House, 1860. Projeto de Philip Webb e William Morris

2.4. Art Nouveau

O Art Nouveau foi um movimento artístico decorativo inaugurado entre o final do século
XIX e início do século XX no continente europeu, mais especificamente na Bélgica, com
influências estéticas do movimento Arts & Crafts, das gravuras japonesas, do barroco e do
rococó francês. O Art Nouveau eclodiu num contexto histórico caracterizado pela primeira
guerra mundial (1914-1918), na Belle Époque, quando se inaugurava a rapidez das
comunicações e muitas inovações despontavam num cenário cultural diverso e farto.

A partir da segunda metade do século XIX, diversas mudanças despontaram nas Artes,
seguindo a tendência de inovação, a principal das quais se configura como o rompimento com
a inspiração na antiguidade e as formas baseadas no Renascimento. A oposição ao
historicismo e ao estilo produzido no passado, somada às inovações industriais e das técnicas
gráficas da época incentivaram a criação de um estilo decorativo único que transmitia esta
aura de originalidade, sanando um desejo iminente da burguesia.

O Art Nouveau se fez presente no design, decoração, artes gráficas e na arquitetura, sendo
suas principais características: a intensa utilização de vidro, madeira e cimento; exploração
das novas tecnologias e materiais que favoreciam as inovações formais e construtivas; espírito
racional e valorização da ciência; oposição ao Romantismo; ornamentação elaborada e exótica
abordando temáticas naturais, formas orgânicas, como folhagens por exemplo; aplicação de
traços e formas tendentes a transmitir uma ideia de movimento, através da utilização de
contornos sinuosos, assimetrias, arabescos, formas femininas, curvas e ondas.

O Art Nouveau viria a influenciar posteriormente, filosoficamente o Movimento


Modernista e, no âmbito estético, a arquitetura biomórfica, relações que serão tratadas no
próximo capítulo. Também podemos considerar a influência do Art Nouveau na arquitetura
biomimética, aquela que se inspira nas soluções naturais para resolver problemas funcionais
das construções.

21
Figura 10: Casa Batlló, Barcelona. Arquiteto: Antoni Gaudí

2.4.1. Victor Horta: pioneirismo na Arte Nova

Victor Horta (1861-1947), foi um arquiteto e designer de origem belga, um dos maiores
expoentes e considerado um dos fundadores do movimento Art Nouveau.

Horta foi o arquiteto responsável pelo projeto do Hotel Tassel, localizado na cidade de
Bruxelas, Bélgica, que foi construído entre os anos de 1892 e 1893. O edifício icônico é
considerado o primeiro do mundo a sintetizar os princípios do Art Nouveau, movimento que
vinha simultaneamente se consolidando nas outras artes. A partir de então, o Art Nouveau
começa a ser aplicado no campo da arquitetura, seguindo alguns princípios norteadores,
como por exemplo seu caráter decorativo fortemente expressivo e a estrutura se destacando
por expressar um caráter decorativo além do aspecto funcional.

O Hotel Tassel tem como uma de suas características principais a aplicação de técnicas
construtivas e de materiais oriundos da Revolução Industrial, já que aço e vidro são utilizados
com protagonismo na materialidade, além do emprego de pedras de forma diferenciada na
construção. Sua estrutura metálica se conjuga com as aberturas com vidro, já sua planta
estreita e longa induziu à utilização de cúpulas e claraboias em vidro para favorecer a entrada
da iluminação natural.

22
Figura 11: Hotel Tassel. Arquiteto: Victor Horta
Figura 12: Escadaria do Hotel Tassel, Bruxelas. Victor Horta

2.4.2. Hector Guimard: Arte Nova popularizada

Guimard (1867-1942) foi um arquiteto e desenhista industrial francês, reconhecido como


ícone do Art Nouveau da França. Seu trabalho englobava o design de móveis e a produção de
objetos de decoração.

Suas mais famosas obras, pelas quais é conhecido até os dias atuais, são as originais
entradas das estações de metrô da cidade de Paris, construídas por volta de 1900: no todo,
foram mais de cem exemplares construídos à época da inauguração da rede de metrô da
cidade, no contexto da realização de um grande evento, para o qual se fez pertinente a
construção, a fim de facilitar a circulação de pessoas no território.

Figura 13: Entrada de estação de Metrô em Paris. Hector Guimard

As entradas das estações foram construídas em ferro fundido pintado a verde, com o uso
de vidro e caracterizadas pela ornamentação com motivos vegetais.

23
Guimard marca com seus trabalhos um ponto de transição na trajetória do Art Nouveau.
Anteriormente, o estilo era associado a itens de mobiliário e decoração caros, produzidos para
os extratos sociais mais abastados da sociedade. Passa agora a incorporar um componente
popular, a partir do momento da instalação das estações, sendo desde então dedicado
também ao usufruto da população em geral e a ser confeccionado em grande quantidade.

A composição morfológica das estações se destaca pela sua originalidade, constituídas por
formas orgânicas que fazem alusão ao design de vegetações. O projeto mescla funções
estruturais e decorativas, os caules e galhos, por exemplo, sustentam a iluminação e a
sinalização das estações. Relativamente à cobertura da estação, esta nos remete à forma de
conchas, pelo seu design em gomos e seu perímetro semi-circular.

Na obra de Guimard, verificamos não só a representação estrita das formas naturais, além
disso, o movimento, desenvolvimento e dinamismo orgânicos estão impressos no projeto,
inclusive os processos de transformação e crescimento orgânicos estão ali espelhados. Um
destes casos é a eloquente configuração do poste de iluminação das estações, onde a lâmpada
é a representação de uma flor ainda por desabrochar, sustentada por um caule.

Figura 14: Detalhe da lâmpada em forma de flor de estação de Metrô em Paris. Hector Guimard
Figura 15: Lâmpadas e sinalização de estação de Metrô em Paris

Este conceito de criação de elementos com desenho inspirado em formas presentes na


natureza, propostos a fim de solucionar problemas de ordem funcional num projeto, se refere
a um termo de origem mais recente, denominado biomimetismo, no qual nos
aprofundaremos mais adiante.

2.4.3. Antoni Gaudí: as colunas como caules

Antoni Gaudí (1852-1926) foi um arquiteto catalão que criou edificações singulares em
apelo estético. Por isso, muitas vezes é considerado como tendo um estilo próprio, embora
nas diferentes fases da sua carreira possamos observar traços característicos de alguns
movimentos artísticos que trataremos adiante.

Gaudí viveu num contexto de industrialização, foi viver em Barcelona, primeira região do
Mediterrâneo a se industrializar, num local e época em que a burguesia têxtil se encontrava

24
em plena ascensão, e então era demandada uma “arte burguesa” moderna que atendesse aos
anseios desta classe.

Aplicava em seus projetos conceitos como a lógica da natureza, como quando adota a curva
catenária, forma comum na natureza; e o que podemos chamar de “obra de arte total”, aquela
em que o arquiteto pensa em todos os detalhes da construção minuciosamente, desde o
sistema estrutural, passando pelo mobiliário, até os pequenos ornamentos, todos os detalhes
que compõem a construção são desenvolvidos com o mesmo empenho e cuidado. Também
incorpora constantemente em suas obras o conceito de dualidade, presente tanto nos
contrastes provocados entre as luzes e as sombras quanto os choques gerados entre o
construído e o natural.

Para Gaudí nenhum espaço era igual ao outro, regras e padrões dimensionais ou estéticos
não estavam no seu repertório criativo, também cabe mencionar que o simbolismo se
configura como um princípio nos seus projetos, nenhum elemento constituinte das suas obras
é adicionado sem algum significado poético ou conceitual. Tudo que é adicionado, o é por
algum motivo, que geralmente se explica no contexto do projeto.

Gaudí exerceu uma carreira pautada por algumas fases estilísticas diversas, em alguns
momentos suas obras apresentam formas, cores, materiais e princípios que revisitam o estilo
gótico, o mourisco, as técnicas orientais, mas a tendência principal é enquadrar o seu trabalho
no movimento Art Nouveau. É classificado como constituinte do Movimento Modernista
Catalão, devido ao seu anseio por inovações técnicas e plásticas que se consolida sem ignorar
as tradições. Sofreu grande influência do trabalho de Viollet-le-Duc e com o passar do tempo
passou a adotar cada vez mais uma linguagem escultórica.

Sua obra prima é considerada o Templo Expiatório da Sagrada Família, localizado em


Barcelona, projeto que assumiu aos 31 anos de idade, modificando o projeto original: aqui se
inicia então o maior trabalho de sua carreira, no qual trabalhará por mais de uma década.

A componente organicista da sua obra traduz-se nas superfícies redondas, corpóreos dos
seus edifícios. Mas também, aspectos da estruturação dos edifícios, a existência de plantas
inventivas em apartamentos, com predomínio das elipses e das curvas sinuosas, além do uso
material de inovações construtivas e sua combinatória, alinham Gaudí do lado do organicismo
com traços biomórficos e biomiméticos, já que tanto conjugam a forma vegetal (mineral
também - a gruta, a estalactite e a estalagmite) quanto à forma animal, numa amálgama
ambígua e fortemente evocativa de uma arquitetura “em crescimento”, brotando da terra.

2.4.4. Henry Van de Velde

Henry Van de Velde (1863-1957), arquiteto, designer e pintor belga, foi um dos pioneiros
do Art Nouveau. Sua obra fazia referência às formas naturais, bem como sua teoria artística,

25
que se baseava nos processos naturais para criar expressões associativas. Uma das fortes
influências ao seu estilo foi o Japonismo, que valorizava as representações das formas vegetais
e animais. Seu trabalho e teoria se desenvolveram na intenção de produzir uma nova
arquitetura, que fosse totalmente baseada nos princípios naturais, em que o ornamento fosse
nada mais que a estrutura da forma.

Van de Velde segue os princípios que Morris seguiu, buscando uma arquitetura funcional e
orgânica, para ele a funcionalidade se sobrepunha ao decorativo, que deveria fazer parte da
construção como um todo, não sendo apenas um item acessório. Entendia a combinação
entre arte e indústria como algo importante, porém defendia que o artista fosse um criador
com liberdade, fato que vai contra às restrições e condicionantes da indústria.

Figura 16: Continental Havana Company em Berlim. Henry van de Velde, 1899

2.5. O ecletismo nacionalista e a geração de 90.


2.5.1. Charles Rennie Mackintosh e A Escola de Glasgow

Charles Rennie Mackintosh (1868-1928) foi um arquiteto e designer de origem escocesa,


seu trabalho mesclava uma inspiração no design gráfico japonês, somado a Art Nouveau, mas
sem ignorar a tradição escocesa, foi também influenciado pelo trabalho de William Morris.
Em dado momento seu trabalho passa a agregar uma nova interpretação do movimento
artístico Art Nouveau, através de uma abordagem diferenciada, como a utilização de
arabescos de formas e linhas mais lineares, acréscimos em madeira e metal.

O sentimento nacionalista e simbolista permeava seu trabalho. Seu trabalho também é


fortemente reconhecido pelo seu extremo racionalismo geométrico, sua formação baseada
na corrente Neogótica, o instigou a uma abordagem artesanal sobre a arquitetura, tendo
também produzido peças de mobiliário.

Integrou, juntamente com outros artistas, dentre eles pintores, decoradores e arquitetos,
a Escola de Arte de Glasgow, um centro de divulgação da arquitetura moderna entre o final
do século XIX e início do século XX, onde se desenvolve um método de planejamento de
construções inovador, indo contra a ornamentação não-racional das edificações, pensamento,
26
neste aspecto, diametralmente oposto ao Art Nouveau. Optava-se por uma estrutura em ferro
ortogonal, que permitia uma distribuição mais organizada e racional dos compartimentos
dentro do edifício, além de oferecer maior resistência. Também se lançava mão de grandes
panos de vidro e paredes em pedra nas fachadas.

Se não podemos atribuir ao arquiteto escocês uma veia organicista no sentido mais
ortodoxo do termo, a lição historicista “etnográfica” (com recurso a formas conhecidas e
readaptadas às novas condições de vida), a busca em uma harmonização entre o construído
e o entorno, numa tentativa de modernização da paisagem edificada sem rupturas formais, e
uma atenção à estrutura funcional, decidem o seu lugar entre os pioneiros de um “regresso à
ordem” com fatores humanos e uma estética consensual.

Figura 17: Escola de arte de Glasgow

2.5.2. Hermann Muthesius e Das englische Haus

Adam Gottlieb Hermann Muthesius (1861-1927) foi um arquiteto alemão que ficou
conhecido por promover as ideias do movimento Arts & Crafts na Alemanha e sua posterior
influência no princípio do Movimento Modernista na Alemanha, como é o caso da Bauhaus.

Trabalhou no atelier do arquiteto do Reichstag, Johann Paul Wallot e em 1891 também


atuou para o Ministério Prussiano de obras públicas. Em determinado período de sua carreira,
Muthesius viveu em Londres, onde passou a investigar a fundo o modo de vida britânico,
particularmente, analisando a arquitetura residencial e o design doméstico que observava. O
produto desta investigação minuciosa foi a publicação de 3 volumes “Das englische Haus”,
datado originalmente de 1904. Nas duas décadas seguintes, Muthesius projetou uma série de
residências na Alemanha que consideravam todos os princípios por ele expostos na
publicação.

Seu interesse pela prática do movimento Arts & Crafts na Inglaterra o fez vislumbrar uma
possibilidade de obtenção de benefício econômico nacional, devido a ênfase do movimento
na função, na individualidade, o equilíbrio na escolha e utilização dos materiais aliados ao
27
design industrial, além de se configurar como uma alternativa viável ao historicismo e
ornamentação largamente utilizada, característica da arquitetura alemã no século XIX.
Muthesius considerava a Art Nouveau superficial. Mas por isso mesmo, procurava reencontrar
o espírito orgânico da vivência rural germânica, modernizando os discursos que, afinal,
provinham de raízes relacionadas com uma certa ideia de germanidade, culminado talvez
desta forma, e em especial para as casas unifamiliares, aquilo que deveria ser uma arquitetura
alemã, em sintonia com a natureza.

Foi responsável por liderar uma associação alemã de artesãos, a Deutscher Werkbund, que
se destinava a elevar os padrões do design e da produção em massa, que influenciou
arquitetos relevantes como Le Corbusier (1887-1965), Walter Gropius (1883-1969) e Mies van
der Rohe (1886-1969).

Figura 18: Casa Bernhard, 1905- 1906. Hermann Muthesius. Berlim, Alemanha

2.5.3. Raul Lino e a Casa Portuguesa

Raul Lino da Silva (1879-1974) foi um arquiteto, desenhador, escritor e decorador


português que projetou cerca de 700 habitações em sua carreira e se tornou conhecido pela
sua defesa e estudos a respeito da casa portuguesa, um conceito de arquitetura residencial,
planejamento e modo de vida essencialmente portugueses, embora, analisando a fundo,
possamos verificar algumas influências estrangeiras, como por exemplo a marroquina.

No final do século XIX, o naturalismo era o estilo dominante nas artes plásticas na época e
as mudanças latentes tiravam o passado de cena enquanto traziam novos ares no cenário
europeu, porém em Portugal, estas transformações não eram facilmente notáveis, exceto
pela burguesia lisboeta ascendente, o país ainda mantinha seu aspecto essencialmente rural.

Raul Lino desenvolveu ao longo dos anos, após suas andanças pelo território português,
uma teoria idealista que pregava a existência de uma arquitetura tipicamente portuguesa, que
era necessário divulgar e defender. Partindo deste pressuposto, das ideias que incorpora da
Art Nouveau e da influência dos princípios do Romantismo alemão, Lino tangencia seus feitos
em sua carreira como arquiteto.

28
Figura 19: Casa Roque Gameiro. Raul Lino

A Casa Roque Gameiro, junto à Amadora, é uma das suas obras mais conhecidas, e foi
construída em duas fases: a primeira, no ano de 1898, foi concebida em conjunto por Roque
Gameiro e Raul Lino já a segunda fase, relativa à parte norte da casa, foi construída em 1900
e idealizada apenas por Lino.

A primeira fase da obra tem um estilo pouco definido e pode-se observar a ampla utilização
dos azulejos com motivos decorados. Na segunda fase, já é possível observar nitidamente as
características que nortearam o trabalho de Lino ao longo dos anos: larga utilização de
azulejos, motivos da arquitetura popular portuguesa e a aplicação de painéis de Rafael
Bordalo Pinheiro.

Figura 20: Padronagem do silhar do quarto do Torreão. Casa Roque Gameiro


Figura 21: Silhar da Cozinha. Casa Roque Gameiro

A casa Monsalvat, de 1901, é concebida tendo como mote a homenagem ao Marrocos e à


música, já que foi idealizada para um músico, na sequência da viagem de Lino ao Norte de
África, que tanto haveria de o influenciar. Nesta obra, um exemplo perfeito da teoria
formulada por Lino, é possível observar todas as suas ideias concebidas acerca da arquitetura
materializadas: uma noção aguçada do ritmo dos passos aplicada, a relação dual entre luz e
sombra, a utilização diversa de materiais, a junção criativa de variados estilos, espaços
voltados a pátios internos, e sobretudo a relação harmoniosa com a natureza verificada pela
articulação da edificação à paisagem. Raul Lino não hesitava em integrar a tradição portuguesa
com as correntes europeias do início do século XX.

29
Aliado à composição orgânica, preservação da tradição na concepção formal, materiais
tradicionais com caráter decorativo integrado, mas primordialmente funcionais, de acordo
com os princípios do Arts & Crafts, Lino aplicava em suas obras o conceito de obra de arte
total, no qual projetava além da edificação em si, o mobiliário, jardins e pormenores. Lino ao
longo de sua trajetória também se propôs a elaborar textos teóricos que abordavam a
problemática da arquitetura doméstica popular.

“A natureza é uma natureza participada, que não se define em oposição ao Homem, mas na sua
continuidade”14. (LINO)

Pode parecer estranha a inclusão de Raul Lino numa digressão sobre o organicismo. Porém,
como se conclui do que acima explicamos, é a sua noção de equilíbrio entre a tradição e a
modernidade, ao mesmo tempo que refutava as condições extremas do industrialismo e
favorecia a harmonia rural, bem como fatos ainda pouco conhecidos da sua biografia como
seja a sua eventual relação com algumas ideias da “antroposofia”, fundada por Rudolf Steiner
– um ideólogo, religioso humanista e extraordinário arquiteto organicista (protagonista cujo
contributo aprofundaremos mais adiante) - , certamente adquiridas durante a sua estadia na
Alemanha, que explicam as pontas dos beirais revirados, como se se tratasse de captar as
energias da terra, telúricas, que se deveriam dissipar, ou as energias celestes, que convinha
captar.

2.6. Movimento Moderno

O Modernismo é um movimento arquitetônico que teve início no século XX, num contexto
de drásticas mudanças culturais no período do pós-guerra, em que se verificava na sociedade
em geral um desejo estratégico de reinvenção, que trouxesse uma reinterpretação da história
passada recente e ao mesmo tempo ofuscasse a atmosfera de destruição dominante. Sua
influência foi tamanha, que não se limitou a uma forma de expressão artística apenas, pelo
contrário, influenciou as artes como um todo, a música, o design de mobiliário, o design
gráfico, a arquitetura, configurando-se como algo além de um estilo.

No campo da arquitetura, as novas tecnologias emergentes permitiram o desenvolvimento


de novos materiais e novas formas de utilização dos materiais já existentes. Este cenário
instigou arquitetos da época a empregarem estes novos materiais e técnicas massivamente
nos seus projetos, como é o caso do betão, do vidro e do aço.

Os artistas do modernismo em geral levavam adiante uma ideia otimista e abrangente a


respeito da função social do design, seu ideal pregava que o design poderia contribuir para a
formação de uma sociedade melhor. Além disso, principalmente no ramo da arquitetura, o

14
MANOEL, Bernardo d´Orey - Fundamentos da arquitectura em Raul Lino. Lisboa: Universidade Lusíada Editora,
2012.

30
ornamento mais uma vez na história, é visto como elemento desnecessário à composição
formal, estabelecendo-se como um desperdício no intento projetual, unicamente a função
deveria ditar a forma, como apontado na célebre frase de Ludwig Mies van der Rohe: “Less is
more”15.

Bruno Zevi (1918-2000), crítico da arquitetura modernista, tem papel importante no


entendimento da arquitetura orgânica, visto que propagou um discurso em prol de um
organicismo empregue tanto na arquitetura quanto no urbanismo. Para Zevi, o racionalismo
é o conceito que se contrapõe diametralmente ao organicismo. O romantismo orgânico surge
de uma evolução a partir do racionalismo funcionalista, em função de suas falhas que
passaram a ser vistas como necessidades latentes, dentre as quais: poética, ritmo, diversidade
e complexidade das formas. Portanto, o organicismo viria a ocupar este espaço, agora livre de
ordens lógicas preconcebidas, sendo a escala humana o fator crucial para a concepção
arquitetônica.

Contudo, como visto ao longo deste trabalho, o organicismo virá no decorrer do tempo a
incorporar princípios presentes também no racionalismo. Alguns arquitetos e obras orgânicas
não são dissociáveis de princípios racionalistas, como verificamos em obras de Hans Scharoun,
Antoni Gaudí, Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, por exemplo.

2.6.1. Bauhaus

A Bauhaus foi uma escola de arte vanguardista alemã, a de maior expressão modernista.
Foi fundada em 1919 em Weimar, por Walter Gropius e muitos outros artistas de relevância
mundial e diferentes origens integraram seu corpo docente.

A Bauhaus (numa tradução livre: “casa da construção”, “casa da obra”, “oficina”), se


estabeleceu como um novo tipo de escola de arte em que não se estudava apenas uma
modalidade, seu conceito se baseava na ideia de fusão entre as artes, onde se mesclava,
artesanato, arquitetura, design e industrialização. Planejava reconciliar as artes e ofícios com
a intenção de criar um novo estilo de vertente industrial, o que hoje chamamos de design.
Para tanto, a Bauhaus oferecia cursos em diversas disciplinas de arte e design aos seus alunos,
a produção em massa era parte do conteúdo ensinado, já a componente histórica do currículo,
por exemplo, era lecionada apenas no final do ciclo de estudos, evitando que influenciasse as
criações artísticas dos alunos.

15
Tradução livre da autora: “Menos é mais”.
31
Figura 22: Bauhaus Dessau
Figura 23: Wassily chair. Marcel Breuer

Alguns pensamentos permeavam a filosofia da Bauhaus, os princípios racionais deveriam


tomar a posição dos padrões herdados do passado e a ornamentação desnecessária, sem
qualquer função integrada ou meramente decorativa, deveria ser eliminada, como podemos
perceber nesta citação de Walter Gropius:

“We want to create the purely organic building, boldly emanating its inner laws, free of untruths or
ornamentation.” 16

A ideia de design minimalista, funcionalismo, simplicidade e pureza geométrica são


referenciais que conduziram a performance da Bauhaus. Sua influência atingiu diversos
campos no desenvolvimento das artes e em especial da arquitetura no ocidente europeu,
América do Norte, Brasil e Israel nas décadas seguintes e se manifesta até os dias atuais.

A exemplo do projeto da cidade de Brasília, de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, onde


podemos perceber claramente as influências da Bauhaus na sua composição, seja no plano
piloto, nas construções residenciais ou nas edificações públicas, a ideia de um funcionalismo
primordial e um modernismo latente estão presentes.

16
Tradução livre da autora: “Queremos criar a construção puramente orgânica, emanando corajosamente suas
leis internas, livre de inverdades ou ornamentação.”
32
Figura 24: Eixo Monumental visto a partir da Torre de TV. Brasília
Figura 25: Catedral Metropolitana. Brasília
Figura 26: Edifício do Congresso Nacional. Brasília
Figura 27: Fachada do Palácio da Alvorada. Brasília
Figura 28: Ponte Juscelino Kubitschek. Brasília
2.6.2. Brutalismo

O Brutalismo foi uma vertente do Movimento Modernista arquitetônico, que decorreu nas
décadas de 1950 e 1960 e se desenvolveu a partir da radicalização de alguns preceitos do
modernismo. Surgiu após a segunda guerra, como uma reação à concepção vigente de estados
fortes que regem a sociedade de massas. Os últimos projetos da carreira de Le Corbusier
costumam ser apontados como um prenúncio deste movimento, embora outros cedam a uma
liberdade projetual que nos atrevemos a qualificar como organicistas.

O uso dos materiais construtivos e exposição dos mesmos, a exemplo do betão aparente,
é uma opção frente à concepção formal amplamente defendida no Brutalismo, a dita “verdade
estrutural” dos edifícios é uma qualidade a ser exposta à primeira vista e não mais escondida
como de costume. Portanto, as vigas e pilares, além das suas funções estruturais dentro do
sistema das edificações passam a integrar o conceito estético dos edifícios, desempenhando
então uma dupla função, sendo estas: estética e estrutural. Assim como, os perfis metálicos
das estruturas ganham destaque frente à expressão plástica do edifício. A crítica do
modernismo ao ornamento desnecessário também se faz presente na filosofia brutalista.

33
“In order to be Brutalist, a building has to meet three criteria: the clear exhibition of structure, the
valuation of materials ‘as found’ and memorability as image.”17 (BANHAM, 1966)

Muito embora a expressão formal dos edifícios da vertente brutalista se imponha de uma
forma bastante rígida, houve um ramo deste movimento que contraditoriamente, tendia a
utilizar formas e contornos mais orgânicos, compondo uma poesia rígida que supostamente
pode parecer paradoxal, mas acaba por demonstrar uma expressão visual interessante e
complexa.

Figura 29: St. Joseph’s Hospital. Arquiteto: Bertrand Goldberg. Tacoma, Estados Unidos, 1974

O Complexo hospitalar St. Joseph, é uma edificação que exemplifica perfeitamente a


vertente brutalista orgânica, sua fachada é composta por uma superfície de formas onduladas
e simultaneamente o betão armado de sua estrutura fica completamente aparente.

2.7. Expressionismo

O expressionismo é um termo que foi comumente utilizado na Alemanha a partir de 1910


para descrever a arte de vanguarda da época. Emergiu nos centros da Alemanha e da Áustria,
partindo dos trabalhos de artistas simbolistas, como Paul Gauguin, Edvard Munch e Vincent
Van Gogh.

Na arte de espírito expressionista, os sentimentos primordialmente são enfatizados, acima


das impressões. Algumas das características principais da arte expressionista são: o uso
arrojado da cor, principalmente na pintura; as formas são propositalmente exageradas;
procura-se um escape da tradição formal, seja ela a antiga tradição das ordens clássicas seja
também, curiosamente, o modernismo novecentista. Após a segunda guerra, ocorre uma
redescoberta e uma recuperação da arte expressionista como integrante da herança alemã.

17
BANHAM, Reyner - The New Brutalism. Londres: Architectural Press, 1966.
Tradução livre da autora: “Para ser considerado brutalista, um edifício deve atender a três critérios: a exibição
clara da estrutura, a valorização dos materiais na forma bruta e a memorização como imagem”.
34
A arquitetura expressionista é caracterizada por buscar sempre a novidade, pela
modelagem da forma com o objetivo de suscitar emoções, supressão de expressões estilísticas
e priorização da experiência interior, o uso da temática dos fenômenos naturais, atribuindo à
obra um caráter mais mineral do que natural ou vegetal, como é o caso da Art Nouveau.

Conceitualmente, a arquitetura expressionista não se limita à criação de um conceito


necessariamente único, uma obra pode ter diversos conceitos agregados, constituindo um
conceito híbrido. A arquitetura expressionista é vista como obra de arte e projetada como tal.

2.7.1. Erich Mendelsohn e o expressionismo radical: o caso da Torre Einstein

Erich Mendelsohn (1887-1953) foi um arquiteto alemão adepto do expressionismo e


pioneiro no Art Déco, que desenvolveu uma dinâmica funcionalista nos seus projetos. Seu
trabalho é fortemente marcado pela liberdade formal, formas curvas integradoras e
referências biomórficas. Relativamente ao diálogo entre edificação e construção, Mendelsohn
buscou explorar em seus projetos a integração entre a volumetria e a paisagem.

A Torre Einstein é um observatório astrofísico, situado em Potsdam, na Alemanha, projeto


de Erich Mendelsohn, que foi construído entre 1920 e 1921 com formas plásticas e linhas
curvas em betão, finalizado em tijolo coberto com estuque. Em uma visita à edificação, foi
definida por Albert Einstein em uma palavra: “orgânica”.

Figura 30: Torre Einstein. Arquiteto Erich Mendelsohn.

2.7.2. Hugo Häring: organicismo, funcionalismo: conjunto habitacional na Goebelstraße:


Großsiedlung Siemensstadt (Charlottenburg, Berlim)

Hugo Häring (1882-1958) foi um arquiteto alemão precursor do expressionismo


arquitetônico. Também se notabilizou pelos seus escritos teóricos a respeito da arquitetura
orgânica e suas contribuições ao debate acerca do funcionalismo nas décadas de 1920 e 1930.
35
Para Häring, a arquitetura orgânica é aquela que se desenvolve espontaneamente em
harmonia com a natureza e a ela se referencia, respeitando às condicionantes do entorno.
Häring buscou implementar tais ideias em sua obra.

“Die Gestalt der Dinge kann identisch sein mit geometrischen Figuren – wie beim Kristall – doch
ist, in der Natur, die geometrische Figur niemals Inhalt und Ursprung der Gestalt. Wir sind also gegen
die Prinzipien Corbusiers – (doch nicht gegen Corbusier).“18 (HÄRING, 1925)

Embora tenha poucas obras executadas ao longo de sua carreira, Häring desenvolveu a
ideia de que cada edifício deveria ser projetado explorando as demandas específicas dos
usuários e do local em que está inserido, tendo em conta que cada lugar e região tem um
caráter e especificidades. Uma de suas obras mais relevantes é o conjunto habitacional
Großsiedlung Siemensstadt, cujo masterplan foi projetado por Hans Scharoun, construído
entre 1929 e 1931.

O conjunto habitacional foi construído numa região de paisagem natural de floresta, com
acessos difíceis e praticamente inabitada à época. Representa um marco do novo tipo de
habitação social na era moderna, e viria a representar também uma influência ao
desenvolvimento urbano, além do arquitetônico.

Os blocos de alojamentos possuem de três a quatro andares dispostos paralelamente, com


alguns exemplares de edifícios projetados por diferentes arquitetos.

Figura 31: Großsiedlung Siemensstadt. Hugo Häring

18
HÄRING, Hugo - Wege zur Form nr. 1, 1925.
Tradução livre da autora: “A forma das coisas pode ser idêntica às figuras geométricas - como acontece com o
cristal - mas, na natureza, a figura geométrica nunca é o conteúdo e a origem da forma. Portanto, somos contra
os princípios de Corbusier - (mas não contra Corbusier)”.
36
A ideia principal do seu artigo “Wege zur form” se baseia na crença de que a forma não
deve ser imposta, pelo contrário, a forma exposta seria o objetivo final. Häring apresenta a
dicotomia entre as qualidades orgânicas e geométricas como algo derivado do embate
clássico versus gótico. Para ele, a natureza é a primeira fonte de inspiração e referência a ser
seguida.

2.7.3. Hans Scharoun - A Filarmônica de Berlim: as novas formas

Bernhard Hans Henry Scharoun (1893-1972), foi um arquiteto alemão expoente da


arquitetura orgânica e expressionista. Seus escritos sobre o conceito de “organ-like building”
tiveram grande notabilidade e os trabalhos de Hugo Häring foram uma fonte de influência
para o arquiteto.

Diferentemente de Häring, Scharoun teve uma carreira bastante ativa no pós-guerra,


quando projetou uma série de edificações residenciais unifamiliares. Seus trabalhos
manifestam uma valorização da função em superioridade à forma. Na abordagem de
construção que Häring desenvolve, o design é derivado da essência do uso da edificação, em
que o programa é formalmente expresso.

O projeto da Filarmônica de Berlim, construído no ano de 1963 foi objeto de uma


competição no ano de 1956. O conceito do projeto se desenvolve a partir da ideia de colocar
a música no centro, a partir disso se cria uma área pequena, mas facilmente observável. A
expressão formal das suas obras leva em conta na fase de criação, a noção de movimento no
espaço e os desdobramentos que decorrerão dentro dele.

Figura 32: Filarmônica de Berlim. Arquiteto: Hans Scharoun

A Villa Schminke foi um projeto desenvolvido por Hans Scharoun na Alemanha em 1933. A
residência possui um volume de formas majoritariamente curvas, em que as circulações
verticais são feitas externamente à edificação, propiciando um contato constante com o
entorno, através das varandas e escadas externas.

37
Figura 33: Villa Schminke. Arquiteto Hans Scharoun

Segundo Scharoun, uma única lógica se aplica tanto a evolução natural quanto a evolução
humana, ambas passam de um estágio pré-geométrico, no qual podemos considerar que
foram feitas as ferramentas por exemplo, para um outro estágio mais avançado, o geométrico,
no qual se insere a formação de cristais, por exemplo, antes de adentrar ao estágio orgânico,
que seria o estágio mais avançado destas evoluções.

2.7.4. Alvar Aalto e o Auditório de Viipuri

Alvar Aalto (1898-1976) foi um arquiteto finlândes, adepto da vertente orgânica da


arquitetura modernista da primeira metade do século XX. Algumas características presentes
nas suas obras arquitetônicas que podemos mencionar são: a relação dialética com a
natureza, arquitetura e design indissociáveis entre si e do conjunto em que se inserem e a
rejeição aos padrões formais consolidados.

Aalto percorreu algumas fases distintas em sua carreira, que variaram de acordo com os
estilos presentes nos projetos executados em cada uma delas. A primeira pode ser classificada
como classicismo nórdico, a segunda seria o Modernismo racional, ou International Style, já
na terceira fase é quando Aalto passa a produzir um Modernismo mais voltado para o caráter
orgânico.

Alvar Aalto também se propõe a produzir a chamada obra de arte total, assim como outros
arquitetos ao longo da história, se preocupando com o projeto do edifício, além do design do
mobiliário, luminárias e outros elementos que virão a compor determinada construção.

Na fase classicista, Aalto reage ao estilo dominante até então, o Nacional Romantismo, e
veio a anteceder a transição ao Modernismo.

38
Na fase funcionalista, Aalto absorve influências de Le Corbusier, Walter Gropius e outros
arquitetos chave do Movimento Moderno na Europa Central, mas também começa a
introduzir gradualmente alguns princípios e referências orgânicas nos seus projetos.

"We should work for simple, good, undecorated things (…) but things which are in harmony with the
human being and organically suited to the little man in the street."19 (AALTO, 1957).

Aalto também passou por uma fase de experimentação, decorrida na década de 1930, na
qual começa a ensaiar em suas obras o uso da madeira laminada em diferentes roupagens, da
escultura, do relevo abstrato e a utilização de formas curvas irregulares. Aalto trabalha
bastante com a flexibilidade da madeira, criando formas muito complexas e diferenciadas,
método pouco comum de se trabalhar.

No monumentalismo, Aalto projeta obras chave em Helsinki, como o projeto do centro da


cidade, adjacente à Baía de Töolo. Neste projeto, Aalto propõe uma linha de edifícios
revestidos de mármore, localizados em frente à baía, sendo estes destinados à instalação de
instituições culturais, sala de concertos, Museu de Arquitetura e sede da Academia
Finlandesa, embora nem todos tenham sido construídos.

Uma de suas obras, a Biblioteca de Viipuri, localizada na Rússia, que na época de sua
construção fazia parte do território Finlandês, foi construída entre os anos de 1933 e 1935 e
foi uma das primeiras expressões do modernismo regional, conhecida pelas suas formas
onduladas presentes no forro do auditório.

Figura 34: Biblioteca Viipuri. Alvar Aalto


Figura 35: Forro do auditório da Biblioteca Viipuri. Alvar Aalto

Acrescente-se, à guisa do trabalho de avaliação, que uma das marcantes discussões em


torno de Alvar Aalto, e de outras obras de arquitetos que poderíamos chamar, sem errar,
“obras de contexto” levaram o conhecido crítico e professor de arquitetura Kenneth Frampton

19
AALTO, Alvar. Conferência em Londres, 1957.
Tradução livre da autora: “Devemos trabalhar por coisas simples, boas, sem decoração (…) mas coisas que
estejam em harmonia com o ser humano e organicamente adequadas ao pequeno homem na rua”.
39
a cunhar a expressão “regionalismo crítico” na arquitetura contemporânea de modo a explicar
a idiossincrasia de tais obras.

2.7.5. O “regionalismo crítico” na arquitetura contemporânea (Kenneth Frampton)

O “regionalismo crítico” condena a falta de localização e identidade no estilo internacional,


bem como o individualismo caprichoso e a ornamentação da arquitetura moderna e pós-
moderna. Propõe uma arquitetura enraizada, evidentemente, na tradição moderna, mas
ligada ao contexto geográfico e cultural do local.

Os “regionalistas” no sentido, digamos, ortodoxo, sustentam que a arquitetura moderna e


pós-moderna são problemáticas. Frampton (1930-), tem uma diferente abordagem do
“regionalismo crítico”. Para ele, o “regionalismo crítico” deveria adotar a arquitetura moderna
“criticamente”, ou seja, tomar como boas suas qualidades progressistas universais, sendo,
porém, que o valor da obra deveria ser colocado no contexto geográfico do edifício. Assim,
em vez da impressão visual, deve ser colocada grande ênfase na topografia, no clima, na luz,
e na forma tectônica com o argumento de que deve ser baseado na fenomenologia e no
sentido do toque. Convoca, para o efeito, como dissemos, a fenomenologia, mas também
uma potencialidade poética que decorre da interpretação do lugar, embora a obra final não
deva mostrar concessões a qualquer tradicionalismo retrógrado: antes, deve afirmar-se por
uma pesquisa profunda da forma certa em dado lugar, colocando-a assim ao nível de um
“organicismo” que diríamos táctico, mas conducente a uma harmonização com as condições
naturais, com o entorno físico mas também com as tradições antigas ou modernas locais, mas
sem qualquer concessão de linguagens regressivas.

Robert Venturi (1925-2018), arquiteto estadunidense, corrobora o pensamento de


Frampton acerca do contextualismo como fator determinante na concepção arquitetônica.
Para ele, a arquitetura deve se aproximar o máximo possível da realidade em que se insere,
tendo em consideração os contextos culturais, econômicos e sociais aos quais está envolta.
Se declara contrariamente ao balanceamento usual entre forma e função, bem como a
simplicidade que implica em falta de significado explorados pelo Movimento Moderno,
configurando-se como um defensor da complexidade arquitetônica.

2.7.6. Bruno Taut e o Der Ring

Bruno Taut (1880-1938) foi um arquiteto, urbanista e teórico alemão atuante na época
da República de Weimar, se tornou reconhecido pelos seus escritos e projetos notáveis, tendo
como pano de fundo sua filosofia idealista em relação à arquitetura, a qual via como uma
expressão física, funcional e de propósito espiritual. Taut enxergava na arquitetura, talvez por
sua visão idealista, um potencial de elevar a consciência do povo.

40
Demonstrava ambições futuristas e ideais técnicos, o que o classifica como modernista e
em especial expressionista. Foi introduzido ao conceito de cidade-jardim o qual adotou como
forte influência em sua filosofia por Hermann Muthesius.

Projetou o Glass Pavilion em Colônia, Alemanha, no ano de 1914, no intento de construir


uma edificação toda em vidro, não apenas como um elemento decorativo ou no seu uso
tradicional como superfície, o que demonstra materialmente seus anseios vanguardistas.

Além do uso do vidro, Taut também utilizou amplamente materiais como o aço, pois tinha
um intuito de dar uma nova roupagem à arquitetura de sua época, condizente com as
inovações tecnológicas inerentes à época das máquinas, ou seja, um novo enfoque deveria
ser dado à arquitetura industrial. Taut também é bastante reconhecido pelo uso diferenciado
das cores, o que o difere de arquitetos modernistas da sua época, os quais utilizavam
amplamente o branco puro como acabamento de suas obras, Taut pelo contrário, fazia uso
das cores como princípio criativo, de modo a expressar uma alegria de viver da época.

Bruno Taut sofreu influências de Le Corbusier, da teoria da cidade linear, e da teoria da


cidade-jardim, ou dos complexos residenciais de Julius Posener.

Figura 36: Hufeisensiedlung. Bruno Taut

Bruno Taut integrou um coletivo de arquitetura denominado Der Ring, o qual, fundado no
ano de 1926 em Berlim. Surgiu da arquitetura expressionista incorporando alguns anseios
como o funcionalismo. O Der Ring tinha por objetivo promover a arquitetura Modernista e
consequentemente fazer frente ao historicismo, nesta linha, buscava criar novas formas de
design e construção.

Embora o Der Ring pregasse diretrizes formais, não possuía um background ideológico.
Mies van der Rohe e Walter Gropius seguiam a linha da construção industrial; mas já Hugo
Häring e Hans Scharoun, por exemplo, seguiam o funcionalismo orgânico.

41
42
3. AS VERTENTES CONCEITUAIS ORGÂNICAS
O conceito orgânico na arquitetura, engloba algo além das simplificações funcionais:
preocupa-se, ademais, com os aspectos estéticos, subjetivos e simbólicos em suas vertentes.

Duas linhas mestras moldam estas vertentes: uma observa a relação da edificação com o
seu entorno e seu desenvolvimento próprio, e a outra observa como a edificação pode se
beneficiar de aspectos bio, per se. Cada uma das vertentes aborda essas linhas mestras em
maior ou menor grau. Eventualmente, podem abordar exclusivamente uma delas.

Segundo Caroline van Eck, em “Organicism in the Nineteenth-Century Architecture”, o


organicismo como arquitetura existe desde a antiguidade e até o século XIX se expressava
como a arte com características de imitação da natureza, visando imprimir nas artes as
qualidades e métodos desta, como se a arquitetura fosse parte da natureza, dado que não é
possível fazer cópias perfeitas em produtos inanimados. Ainda para Caroline van Eck, Frank
Lloyd Wright foi o responsável, na história da arquitetura, por transplantar a conjectura
organicista para a matéria construída da forma mais formalizada e clara quanto possível na
primeira metade do século XX.

A arquitetura orgânica não se define, assim, como um estilo arquitetônico, nada mais é do
que uma abordagem que dita as diretrizes da concepção de um conceito e de um partido
estético. Segundo David Pearson, a arquitetura orgânica poderia ser chamada “the other
tradition” e suas origens podem ser remetidas a um passado que vai desde a Grécia Antiga ao
movimento artístico Art Nouveau, surgido no final do século XIX.

São de Pearson diretrizes que se podem considerar, pelo menos parcialmente, como
definidoras do organicismo, a saber:

"Let the design:


• be inspired by nature and be sustainable, healthy, conserving, and diverse.
• unfold, like an organism, from the seed within.
• exist in the "continuous present" and "begin again and again".
• follow the flows and be flexible and adaptable.
• satisfy social, physical, and spiritual needs.
• "grow out of the site" and be unique.
• celebrate the spirit of youth, play, and surprise.
• express the rhythm of music and the power of dance". 20

20
PEARSON, David - New Organic Architecture: The Breaking Wave. 1a ed. Los Angeles: University of California
Press, 2001. ISBN: 0520232895.
Tradução livre da autora: “Deixe o design: ser inspirado pela natureza, sustentável, saudável, conservador e
diverso; desdobrar-se, como um organismo, a partir da semente interna; existir no "presente contínuo" e
"começar de novo e de novo"; seguir os fluxos e ser flexível e adaptável; satisfazer as necessidades sociais, físicas
e espirituais; "crescer fora do sítio" e ser único; celebrar o espírito da juventude, brincar e surpreender; expressar
o ritmo da música e o poder da dança”.
43
Ainda para Pearson, a arquitetura vernacular primitiva se configurava instintivamente
como orgânica, à medida que seus métodos e materiais construtivos se baseavam em formas
estruturais naturais e derivavam dos recursos naturais locais, respectivamente. (PEARSON,
2001)

Segundo Merfyn Davies, o organicismo incorpora princípios das teorias associadas ao


Movimento Moderno arquitetônico, do funcionalismo, racionalismo e do expressionismo.
Mas diferentemente de teorias mais simplificadas, o organicismo se preocupa, além da
estética, em conectar os princípios destas teorias à subjetividade.

Ao longo da história da humanidade, muitas convenções arquitetônicas se inspiraram na


natureza, assim como vários outros campos do conhecimento o fizeram e ainda o fazem.
Partindo deste entendimento, pode-se compreender que em maior ou menor grau, muitas
destas podem ser consideradas orgânicas, seja em sua filosofia, geometria, funcionamento ou
materialidade.

Mas para o maior nome da arquitetura orgânica, Frank Lloyd Wright, esta não se define
como algo que tem a “naturalidade” como fonte de inspiração, mas sim aquela que
compreende o elemento arquitetônico e o entorno natural como um ecossistema único e
interdependente.

As vertentes estudadas dialogam de diferentes maneiras com a arquitetura orgânica, por


aspectos relativos ao natural, sejam eles relativos à forma, inspiração, integração, alusão ou
outros. As classificações apresentadas a seguir, buscam enquadrar as variantes organicistas
em grupos de acordo com suas intenções, conceitos e expressões.

Dentre as categorias mais gerais, que englobam vertentes com qualidades em comum,
trataremos de algumas subcategorias que se destacam por motivos particulares,
apresentando também alguns exemplares arquitetônicos de relevância para melhor ilustrar
as ideias representadas e demonstrar a diversidade presente em cada categoria.

44
3.1. Organicismo radical (Co-expressionismo):

Desenvolve-se de uma ideia de base anterior (por exemplo antroposofia, ou derivada de


outra áreas do saber), que levam a que a concepção arquitetônica obedeça a princípios que
se aproximem o mais possível dos processos naturais, quer nos materiais usados, quer nas
formas, mesmo se os materiais forem sintéticos.

3.1.1. Rudolf Steiner: Organicismo radical e a antroposofia: o Goetheanum e Dornach

Rudolf Steiner (1861-1925) foi filósofo, educador, artista e fundador da Antroposofia, além
de profundo conhecedor das ideias de Johann Wolfgang Goethe. Em sua trajetória,
desenvolveu importantes contribuições em diversos campos do conhecimento. Sua
arquitetura tem raízes nos seus estudos sobre a teoria da metamorfose de Goethe, e se
caracteriza pela veia expressionista e orgânica, em que a morfologia é composta buscando
representar movimento, plástica e forma estrutural, como uma metamorfose da forma.

O siedlung de Dornach: um conjunto para a comunidade antroposófica

Steiner fundou a Sociedade Antroposófica em 1913 e planejou um complexo de edifícios


ao redor do que viria a ser a sede do Movimento em Dornach, na Suíça, o Goetheanum I, que
foi destruído por um incêndio em 1922 e posteriormente substituído pelo Goetheanum II.

Figura 37: Plano da zona de Dornach com os edifícios de Rudolf Steiner

45
Figura 38: Legenda do plano de Dornach

Dentre os edifícios construídos, vale mencionar a Glashaus e o Schreinerei:


A Glaushaus, de 1914, é uma edificação que se assemelha ao primeiro Goetheanum, possui
uma cobertura com 2 cúpulas e se abstém das linhas retas, apresentando formas mais
orgânicas e curvas. É o edifício de Steiner mais antigo, feito em madeira com cobertura em
ardósia.

Figura 39: Glashaus. Rudolf Steiner


46
O Schreinerei é um galpão anterior ao Goetheanum I, que foi instalado para auxiliar na
construção da edificação principal. Seria temporário, englobando as funções de casa de
máquinas e de oficina. Feito em madeira, com estrutura composta por pórticos curvos,
proporciona um grande vão sem pilares internos, possui claraboias e um telhado de duas
águas.

Figura 40: Schreinerei. Rudolf Steiner

O Goetheanum foi construído para receber palestras e conferências da Escola de Ciências


Espirituais da Sociedade Antroposófica. O complexo no seu entorno abrangia residências,
instalações de pesquisa, instalações institucionais e de educação para a comunidade e foi a
materialização dos ideais orgânicos de Steiner em variadas expressões.

Steiner rompeu com o que era a concepção arquitetônica tradicional vigente, baseada em
eixos ortogonais e ângulos retos, optando pelas formas mais plásticas e linhas curvas, tanto
no Goetheanum I quanto no Goetheanum II, nos quais foi capaz de expressar conceitos como
espiritualidade, ciência, metamorfose e cosmos, em consonância com a sua filosofia.

O Goetheanum I de madeira (1920)

Inaugurado em 1920, o primeiro Goetheanum foi uma construção icônica em madeira,


marcada pelas suas cúpulas interseccionadas na cobertura. Uma construção orgânica como
uma planta, em que cada parte e cada propriedade (como forma ou cor), estava em perfeita
relação com o conjunto. O todo era composto por partes em diferentes estágios
metamórficos.

A obra quase inteiramente feita em madeira, precisou de construtores de barcos para


viabilizar a sua construção, dada a complexidade das formas curvas em madeira, pouco
convencionais. Possuía janelas com vidros coloridos e suas cúpulas eram pintadas pelo
interior. Uma construção na qual todos os elementos e escolhas expressam mensagens e
significados estritamente relacionados à filosofia de Steiner, através das formas, cores, design
e fenomenologia.

47
Steiner buscou atribuir um significado espiritual à obra em todos os elementos e no
conjunto deles se estabeleceu como uma obra de arte total, na qual artistas, pintores e
escultores participaram da construção.

A construção se apresenta como uma estrutura em madeira de formas curvas, sobre uma
base em betão também curva, encerradas pela cobertura de 2 cúpulas agrupadas.

Figura 41: Goetheanum I. Rudolf Steiner

O Goetheanum II de betão (1928)

O projeto do segundo Goetheanum começou a ser feito no mesmo ano do incêndio que
destruiu o primeiro, porém foi inaugurado somente em 1928, 3 anos após a morte de Rudolf
Steiner, ainda com trechos por finalizar. É uma obra-prima da arquitetura expressionista,
sendo a maior construção da Colina de Dornach, feita em betão armado, com a tonalidade
exterior lembrando a textura de montanhas, o que pode ter sido uma inspiração.

O Goetheanum II é, também, um edifício monumental pioneiro no uso de formas plásticas


em betão aparente.

Possui elementos estruturais escultóricos que são reinterpretações daqueles presentes no


primeiro Goetheanum. Uma grande porta de vidro conecta o espaço interno com o exterior,
um terreno rochoso.

Internamente, o Goetheanum II é como o interior de uma escultura que transmite ideias


de expressividade, organicismo, antroposofia e metafisicismo, principalmente no seu
auditório principal, com suas luzes e cores da pintura e dos vitrais coloridos, que preenchem
o espaço sugerindo reflexão, como numa experiência espiritual e emocional.

Externamente, suas janelas de diferentes formatos indicam a função dos espaços nos quais
estão inseridas e sua volumetria em betão aparente desperta a expressão mais orgânica e
espiritual. A forma escultórica em escala arquitetônica é revolucionária para a época, uma

48
inovação tanto técnica quanto estilística na qual espírito e matéria inspiram um exemplar
filosófico-arquitetônico.

Figura 42: Interior do Goetheanum II. Rudolf Steiner


Figura 43: Interior do Goetheanum II. Rudolf Steiner
Figura 44: Interior do Auditório do Goetheanum II. Rudolf Steiner
Figura 45: Goetheanum II. Rudolf Steiner

3.2. Organicismo arquitetônico de investigação livre “puro”

Concepção arquitetônica que persegue a harmonização com a natureza e com o máximo


dos seus fenômenos, biológicos, químicos, atmosféricos, climatológicos, e que procede a uma
intersecção entre o conceito de habitar (do homem) e conceito de existência (do homem e da
natureza), em função dos vários fatores que definem a natureza, em especial os objetos
orgânicos. Pode agregar-se a este a busca de referentes históricos, ou melhor pré-históricos
ou proto-históricos, como motivo de inspiração e referenciação, atendendo ao prestígio
desses modelos.

3.2.1. O conceito Wrightiano

O conceito remonta ao trabalho escrito e construído de Frank Lloyd Wright (1867 – 1959),
considerado um dos arquitetos mais importantes do século XX, que se contrapunha ao
International Style e se notabilizou pela sua arquitetura denominada orgânica. Em 1908, pela

49
primeira vez, Wright usa o termo “orgânico” como uma categoria arquitetônica, apresenta a
ideia de que o ecossistema e a arquitetura projetada formam um organismo único, integrados
de forma harmônica. Neste paradigma, busca-se unir o meio aos ambientes internos,
preservar a conexão visual com o entorno e, quando possível, permear os interiores com
elementos externos.

“By organic architecture I mean an architecture that develops from within outward in harmony
with the conditions of its being, as distinguished from one that is applied from without”.21 (WRIGHT,
1914).

A obra de Frank Lloyd Wright tem como influências o classicismo e o gosto pelos padrões
decorativos de Louis Sullivan (1856-1924), a arquitetura vernacular inglesa, ligada ao
movimento Arts & Crafts europeu. É também marcante a ligação com a arquitetura tradicional
japonesa, cujos traços estão em toda sua obra, mas igualmente com a tradição arquitetônica
“nativa” (entendida como “native american” ou ameríndia) e das civilizações (também
ameríndias mas centro e sul-americanas) cultural e politicamente sofisticadas como a dos
Astecas e Maias.

Analisando os trabalhos e escritos de Wright, verifica-se a influência que alguns autores


tiveram no desenvolvimento do seu pensamento de base organicista que viria a se firmar
posteriormente. No período de seis anos em que trabalhou com Sullivan no seu ateliê, entre
os anos de 1887 e 1893, teve contato com obras ensaísticas de Ralph Waldo Emerson, além
de Henry David Thoreau e poemas de Walt Whitman.

Emerson, Thoreau e Whitman foram figuras importantes do movimento


transcendentalista, uma doutrina filosófica originada como movimento literário nos anos de
1830, que dentre outros traços definidores, reage ao racionalismo do século XVIII, exalta o
indivíduo nas relações com o meio natural, privilegia: a natureza e o seu simbolismo em
detrimento da estrutura religiosa vigente, a subjetividade em lugar dos dogmas religiosos,
bem como o instinto em lugar das convenções sociais. O Transcendentalismo estava ligado ao
movimento romântico e seus aspectos-chave eram: Igualdade, individualismo,
autossuficiência, integridade e otimismo.

Emerson, escritor e filósofo estadunidense, com sua visão organicista e transcendentalista,


era figura admirada por Wright, proferia uma correspondência entre razão e natureza e
defendia a presença da divindade nestas.

Whitman, poeta, ensaísta e jornalista estadunidense, expoente do movimento


transcendentalista, explora em suas obras a relação entre homem e natureza e o valor da
mente e do espírito. É considerado o "pai do verso livre”.

21
GUTHEIM, Frederick - In the Cause of Architecture: Essays by Frank Lloyd Wright for Architectural Record 1908-
1952. New York: McGraw-Hill, 1975. ISBN: 0070720312.

50
O Transcendentalismo, bem como o conceito de simplicidade presentes no pensamento
Wrightiano também têm raízes nas obras de Henry David Thoreau, quem sempre associou a
natureza à liberdade e à simplicidade. Thoreau era defensor da visão de que uma descoberta
da verdadeira natureza humana seria possível através de uma cultura ligada à Natureza ela-
mesma.

A principal premissa da arquitetura orgânica e principal significado que pode-se extrair dos
trabalhos de Wright é a impressão de que cada edifício deve parecer como que se crescesse
no sítio em que se insere, e como se tivesse sido modelado pela natureza para aquela
paisagem, não fazendo sentido se estivesse inserido em outro contexto. A organicidade no
sentido de Wright, significa a integração entre as partes da construção na concepção de um
todo. A integralidade seria a alma da organicidade na visão de Wright.

Por organicismo, Wright incorporou muitos significados e pontuou algumas características


determinantes deste modelo de arquitetura. Por muitas vezes ao longo de sua trajetória,
Wright procurou exemplificar os princípios norteadores da arquitetura orgânica. Na primeira,
no começo da sua carreira, formulou 6 princípios descritos em artigos entre 1908 a 1953, que
nos fazem perceber as ideias que guiaram seus projetos, apresentados a seguir:

O mais relevante é a simplicidade, sendo considerada por Wright como característica


primordial em uma obra de arte, sendo inclusive determinante para mensurar o valor de uma
obra. Consiste na não utilização de supérfluos e elementos que destoem do contexto.

Wright notoriamente procurava simplificar os elementos estruturais das edificações.


Sempre que possível, os compartimentos da planta eram pensados em função da sua
integração no todo e a quantidade de fechamentos internos em suas obras era reduzida, bem
como o mobiliário, que em seus projetos eram majoritariamente partes fixas integrantes do
conjunto da construção. Constatação a partir da qual se pode perceber que esquadrias e
mobiliário, ao contrário do senso comum, são concebidos como parte do todo na arquitetura
orgânica wrightiana.

“Simplicity and repose are the qualities that measure the true value of any work of art”22. (WRIGHT,
1908).

O segundo reconhece que deve existir uma plasticidade no projeto, em que forma e função
devem ser indivisíveis e indiferenciáveis. Bem como os materiais devem se estabelecer como
um crescimento natural e não serem apenas justapostos.

22
GUTHEIM, Frederick - In the Cause of Architecture: Essays by Frank Lloyd Wright for Architectural Record 1908-
1952. New York: McGraw-Hill, 1975. ISBN: 0070720312.
Tradução livre da autora: “Simplicidade e repouso são as qualidades que medem o verdadeiro valor de qualquer
obra de arte”.
51
“Not until we raise the dictum, now a dogma, to the realm of thought, and say: Form and function
are one, have we stated the case for architecture”23. (WRIGHT, 1953)

O terceiro princípio prega a integridade na paisagem, decreta a simbiose entre arquitetura


e o entorno, natureza e topografia. O ambiente externo e interior são indivisíveis e uniformes.
Também se pontua que as partes do projeto devem harmonizar com o todo e entre si.

O quarto princípio, referente à natureza dos materiais, indica que as cores dos materiais
da construção devem harmonizar e se inspirar pelo meio do entorno. Suas propriedades físicas
devem ser exaltadas e seus potenciais explorados pela arquitetura.

O quinto, relativo à continuidade, é desmembrado em dois aspectos: espacial e físico. O


espacial reflete a integração fluida entre os espaços externos e internos, abdicando da ideia
de compartimentação dos cômodos. A continuidade física considera a fachada como um único
plano, sem interrupções.

O último princípio da arquitetura orgânica proclamava a integridade espiritual na


arquitetura, chamada de gramática. A construção e seus elementos como um todo devem
harmonizar de tal maneira a refletir um único discurso.

Na segunda vez que destrinçou os princípios, no fim da carreira, em 1953 no artigo "The
Language of Organic Architecture", Wright pretendia esclarecer o que havia sido mal
entendido sobre o tema. Desta vez, os pontos citados por ele foram nove:

O primeiro ponto refere-se à natureza, em sentido denotativo e conotativo, como


paisagem e no sentido de princípio intrínseco às coisas. Segundo Benévolo (1989), a ideia de
natureza para Wright tem uma conotação imaginária capaz de ser expressa em aspectos
formais, como nas linhas curvas, inspiradas em formas naturais, que no entanto não
descartam as linhas e ângulos retos, também característicos da arquitetura orgânica, dado
que, se relacionam com a natureza em sentido conotativo, pois tais geometrias podem
imprimir na arquitetura a característica de unidade e organicidade advindas da natureza. O
meio natural, portanto, para além de inspirar formalmente a arquitetura, se daria como uma
fonte de ensinamento do que é perfeição, para os arquitetos que almejam verdadeiras
criações orgânicas. A maneira como o edifício é composto e como seus materiais se unem
expressam a natureza dos seus elementos e materiais utilizados.

O segundo ponto, a organicidade, se refere à integralidade, na qual se enfatiza que as


partes do projeto harmonizam com o todo e vice-versa. A responsividade em relação ao
ambiente circundante está abarcada neste quesito. Frank Lloyd Wright destaca a importância
da unicidade, pontuando que a beleza está em não existir nada que seja supérfluo.

23
WRIGHT, Frank Lloyd - The future of architecture. New York: Horizon Press, 1953, p. 296.
Tradução livre da autora: “Não até elevarmos a máxima, agora um dogma, ao reino do pensamento, e dizer:
Forma e função são um, declaramos a questão para a arquitetura”.
52
Wright aparentemente defende a edificação como algo vivo, assim como qualquer ser vivo,
esta deve crescer a partir de dentro para fora e se adaptar perfeitamente ao seu meio
ambiente.

“Organic means Part-to-Whole-as-Whole-is-to-Part. So Entity as integral is what is really meant by


the word Organic”24 (WRIGHT, 1953).

A interação entre as partes, preceito do materialismo e componente essencial às relações


orgânicas, está presente no pensamento de Wright. Assim, edifícios, paisagens e atividade
humana seriam agentes de uma perfeita interação orgânica. Aqui, fica evidente a
preocupação de Wright não apenas com a interpretação formal do “orgânico”, uma vez que
para além deste aspecto, preocupa-se com o sucesso deste relacionamento entre as partes.

A máxima cunhada por Sullivan “A forma segue a função” teve grande influência no
trabalho de Wright e foi incorporada ao seu discurso organicista, porém adaptada a seu modo.
Criada no contexto da revolução industrial, quando se tornou necessário criar arquiteturas
práticas e voltadas exclusivamente ao desenvolvimento pleno de suas funções internas, os
ornamentos definem-se como supérfluos. Wright absorve este conceito e passa a integrá-lo
em sua filosofia e suas obras, menciona então que “forma e função são um”. Para Wright, a
imaginação poética é capaz de fazer transcender a forma derivada da função, sem prejuízos
formais.

Louis Sullivan, arquiteto estadunidense, com quem Wright trabalhou em seu ateliê em
Chicago por seis anos entre 1887 e 1893, foi seu grande mestre, abertamente admirado e com
forte influência em seus trabalhos. Ambos concordavam com a ideia de que a natureza nos
concede lições que são indispensáveis à prática arquitetônica.

Louis Sullivan foi um dos pioneiros da Escola de Chicago. Segundo Mark Mumford, o
conceito de Sullivan advém da teoria romântica do século XIX. Sullivan relacionava a função à
forma observando as relações da natureza e aplicava este ideal de forma e função em sua
arquitetura.

“We, in our art, are to follow Nature’s processes, Nature’s rhythms, because those processes, those
rhythms are vital, organic, coherent, logical above all book-logic, and flow uninterrupted from cause to
effect”25. (SULLIVAN, 1918)

24
WRIGHT, Frank Lloyd - The Language of Organic Architecture. Spring Green, 1953.
Tradução livre da autora: “Orgânico significa parte para o todo como o todo é para a parte. Então a entidade
como algo integral é o que realmente significa a palavra Orgânico”
25
SULLIVAN, Louis - Kindergarten Chats and other writings. New York: Dover publications, 1918.
Tradução livre da autora: "Nós, em nossa arte, devemos seguir os processos da Natureza, os ritmos da Natureza,
porque esses processos, esses ritmos são vitais, orgânicos, coerentes, lógicos acima da lógica dos livros, e fluem
ininterruptamente da causa para o efeito”.
53
Sullivan defendia que a forma de uma edificação devia corresponder à sua função, e
consequentemente sua função é percebida por meio de sua forma. E encontra na natureza a
justificativa e razão de ser da sua declaração mais emblemática:

“It is the pervading law of all things organic, and inorganic, of all things physical and metaphysical,
of all things human and all things superhuman, of all true manifestations of the head, of the heart, of
the soul, that the life is recognizable in its expression, that form ever follows function”26. (SULLIVAN,
1896)

Pelo princípio Romance/Poesia, Wright parece, por seu lado, enfatizar a arquitetura como
arte de criação, concepção formal. Priorizava as expressões humanas da forma em detrimento
da mecanização da construção.

“Poetry of Form is as necessary to great architecture as foliage is to the tree, blossoms to the plant
or flesh to the body.”27 (WRIGHT, 1953).

As diversas possibilidades formais relativas à forma, cores, padrões, texturas, proporção,


ritmo e crescimento são demonstradas na natureza. Embora não sejam aspectos a serem
imitados na arquitetura orgânica, estas se configuram como fonte de inspiração.

O International Style era por Wright rejeitado, à medida que entendia sua existência como
algo mecânico e por consequência, diametralmente oposto ao organicismo, sendo então algo
incoerente com o seu modo de produzir arquitetura.

Para Wright, a tradição original gera diversas outras, que acabam por destruir a primeira.
Ou seja, incorporam inovações que as diferem da original, que seria a verdadeira tradição,
aquela que é plenamente interligada à natureza. Wright refere-se à tradição como a
“verdade”. Pregava a abdicação das tradições estilísticas, para que a arquitetura desse espaço
a formas geradas pela natureza dos materiais construtivos e pela paisagem do entorno.

“So here I stand before you preaching organic architecture: declaring organic architecture to be the
modern ideal and the teaching so much needed if we are to see the whole of life, and to now serve the
whole of life, holding no ‘traditions’ essential to the great TRADITION. Nor cherishing any preconceived
form fixing upon us either past, present or future, but—instead—exalting the simple laws of common
sense—or of super-sense if you prefer—determining form by way of the nature of materials...” 28
(WRIGHT, 1954)

26
SULLIVAN, Louis - The Tall Office Building Artistically Considered. Philadelphia: J.B. Lippincott Co, 1896.
Tradução livre da autora: “É a lei que permeia todas as coisas orgânicas e inorgânicas, todas as coisas físicas e
metafísicas, todas as coisas humanas e sobre-humanas, todas as verdadeiras manifestações da cabeça, do
coração, da alma, que a vida é reconhecível em sua expressão, que a forma sempre segue a função”.
27
WRIGHT, Frank Lloyd - The future of architecture. New York: Horizon Press, 1953, p. 296.
Tradução livre da autora: “A poesia da forma é tão necessária para uma grande arquitetura quanto a folhagem
é para a árvore, floração para a planta ou a carne para o corpo”.
28
WRIGHT, Frank Lloyd - The natural house. 1a. ed. New York: Horizon Press, 1954. ISBN: 0818000074.
54
Para Wright, o ornamento deveria ser parte integrante da estrutura e não simplesmente
agregada a ela: como se dela brotasse, assim como a florescência de uma árvore. Precisaria
“fazer parte”, emergir da estrutura. Por isso, muitas vezes em suas obras, o mobiliário e
sistemas mecânicos são constituídos dos mesmos materiais estruturais da edificação,
caracterizando-se então pela unicidade. Alguns exemplos são padrões moldados em betão ou
esculpidos em pedra.

O espírito de uma arquitetura, assim como as outras qualidades da arquitetura orgânica,


denota o que vem de dentro para fora, uma substância inerente da própria arquitetura, não
sendo algo externo conferido a ela.

“Spirit grows upward from within and outward,” existing “within a thing itself as its very life.”29
(WRIGHT, 1953).

Ao contrário da profundidade como dimensão espacial, a terceira dimensão para Wright


seria no sentido de profundidade, interpretada como uma qualidade intrínseca à estrutura.

“A sense of depth which issues as of the thing not on it”30 (WRIGHT, 1953).

Podendo ser considerado o princípio orgânico mais vago citado por Wright, o espaço/estilo
refere-se ao espaço como sentido de ação, e não como algo físico. Seria a força motivadora,
com suas palavras: “the continual becoming: invisible fountain from which all rhythms flow to
which they must pass. Beyond time or infinity”31 (WRIGHT, 1953).

Para Wright, a natureza é dinâmica, à medida que seus elementos evoluem ao longo do
tempo, sendo assim, a Arquitetura Orgânica seria também mutável.

A arquitetura orgânica busca idealmente incorporar todos estes princípios, embora nem
mesmo Frank Lloyd Wright tenha conseguido alcançá-los plenamente em todas as suas obras.
Wright reconhecia o caráter utópico de sua arquitetura orgânica: “The complete goal of the
ideal of organic architecture is never reached. Nor need be. What worthwhile ideal is ever
reached?”32 (WRIGHT, 1943).

Tradução livre da autora: “Portanto, aqui estou eu pregando a arquitetura orgânica: declarando a arquitetura
orgânica como o ideal moderno e o ensinamento tão necessário se quisermos ver a integralidade da vida, e agora
servir a vida integral, sem nenhuma 'tradição' essencial à grande TRADIÇÃO. Nem acalentando qualquer forma
preconcebida fixada em nós, seja no passado, presente ou futuro, mas - em vez disso - exaltando as leis simples
do bom senso - ou do supersenso, se preferir - determinando a forma por meio da natureza dos materiais...”.
29
WRIGHT, Frank Lloyd - The Language of Organic Architecture. Spring Green, 1953.
Tradução livre da autora: “O espírito cresce de dentro para fora, existindo em algo, como sua própria vida”.
30
Tradução livre da autora: “Uma sensação de profundidade que resulta da coisa, não a partir dela”.
31
Tradução livre da autora: “O contínuo devir: fonte invisível de onde fluem todos os ritmos para onde devem
passar. Além do tempo ou do infinito”.
32
WRIGHT, Frank Lloyd - Frank Lloyd Wright: an autobiography. New York: Duell, Sloan and Pearce, 1943.
Tradução livre da autora: “O objetivo completo do ideal da arquitetura orgânica nunca é alcançado. Nem precisa
ser. Que ideal valioso é alcançado?”
55
Frank Lloyd Wright, em seus escritos e obras, não procurava impor a arquitetura orgânica
como um “estilo”, mas outrossim que os princípios seguidos por ele continuassem a ser
valorizados e utilizados pelos arquitetos de sua época e subsequentes. Wright defendia que a
arquitetura de sua época era falha e incoerente, visto que se estabelecia como um insulto à
paisagem. A partir do seu redirecionamento para a valorização da paisagem e exploração dos
valores estéticos naturais, seu trabalho ganhou notoriedade e relevância para a arquitetura
do século XX.

Na sua arquitetura orgânica, a materialidade se destaca pelo uso de poucos materiais,


tanto no interior quanto no exterior. Além disso, a construção deve oferecer uma sensação
de refúgio. O entorno, quase que utopicamente, deve ser aprimorado pela inserção do edifício
em seu território, assim como o edifício emerge sua forma através da natureza deste entorno.
Esta característica pode ser atingida por similaridade ou por contraste.

As “casas de pradaria” (prairie) das quais Wright projetou mais de uma centena nos
primeiros dez anos do século XX, se inserem como exemplo da similaridade. É uma designação
referente às casas urbanas construídas nos subúrbios de algumas cidades, sítios de enormes
extensões planas e de áreas verdes, em que se inserem com uma implantação horizontal,
procurando se estabelecer organicamente neste contexto. Em alguns casos, isto se dá por
contraste, como na Casa da Cascata.

As “casas de pradaria” têm influência dos ideais do movimento Arts and Crafts, que teve
início no final do século XIX na Inglaterra. Levado da Europa por Henry Hobson Richardson
(1838-1886) e Louis Sullivan, foi constituído como o braço americano do movimento.

Figura 46: Wingspread. Frank Lloyd Wright

Em ambientes naturais, as construções podem se abrir, como nas casas Usonianas. Mas em
ambientes urbanos, pelo contrário, as edificações se voltam para o interior, como no Museu
Solomon R. Guggenheim, em Manhattan.

56
Figura 47: Museu Solomon R. Guggenheim, Manhattan. Frank Lloyd Wright.

Inaugurado em 1959, o prédio do Museu Solomon R. Guggenheim se destaca pela


originalidade e pelo contraste com as edificações do entorno. As formas orgânicas e plásticas
construídas em betão se diferem dos prédios ortogonais e lineares ao redor, ao mesmo tempo
que se insere organicamente à frente do Central Park. Suas formas espirais remetem a formas
de moluscos e o partido adotado baseia-se nas formas geométricas puras em todos os seus
elementos, como o cilindro, cone ou círculo.

Figura 48: Molusco Thatcheria mirabilis


Figura 49: Molusco Nautilidae

The Natural House e o Usonian System

Em sua publicação “The Natural House”, de 1954, Whight propôs um método e conceito de
construção residencial simplificador, a casa usoniana, planejado para que os proprietários
pudessem construir com custo acessível e obter benefícios estéticos e de bem-estar, valores
que o arquiteto já aplicava em seus projetos. O sistema consistia em alvenarias de betão que
o proprietário poderia assentar ou mesmo fabricar e seus objetivos passavam pela
integralidade ao entorno, aos habitantes e a integralidade do ambiente, seguindo plenamente
sua filosofia orgânica.

A Weltzheimer/Johnson House foi construída entre os anos de 1948 e 1949, em Oberlin,


Ohio, nos Estados Unidos da América e é reveladora de algumas características típicas das
57
casas usonianas. A casa tem apenas um piso, com uma planta em "L" para proporcionar um
jardim no recuo, visando agregar uma liberdade pretendida por Wright. O telhado é plano
com grandes saliências em consola visando benefícios térmicos passivos. O uso de materiais
nativos é priorizado, em conjunto com a baixa exposição na fachada frontal e abertura total
ao exterior nos fundos da residência.

Figura 50: Weltzheimer/Johnson House em Oberlin, Ohio. Frank Lloyd Wright

O urbanismo e Broadacre City

O Broadacre City foi um modelo de cidade ideal proposto por Wright em 1932 e aprimorado
ao longo de sua carreira. Consiste em um desenvolvimento urbano pautado na relação do
indivíduo e do edifício com a paisagem natural e em oposição ao planejamento direcionado
ao automóvel ou ao modelo da cidade industrial.

Embasamento plenamente sintonizado com o organicismo, a estrutura urbana seria


enraizada na paisagem natural, buscando uma relação harmoniosa entre os avanços
tecnológicos e os recursos naturais disponíveis, a serviço da vida humana. Sua disposição era
descentralizada e não haveria separação entre campo e cidade, já que o contato direto com a
natureza levaria ao desenvolvimento pleno dos habitantes e a finalidade, uma “democracia
orgânica”, seria atingida.

3.2.2. Le Corbusier

Le Corbusier (1887-1965), arquiteto franco-suíço de inúmeras contribuições à história e


teoria da arquitetura, foi um dos mais importantes arquitetos do século XX. Lançou a teoria
dos 5 pontos para uma nova arquitetura, firmando as bases do Movimento Moderno
funcionalista, do qual a Villa Savoye é o maior exemplar. Mas suas inclinações ao
funcionalismo, racionalismo, ao ângulo reto e ao purismo, foram substituídas por ideias
orgânicas no final da sua carreira, como podemos verificar em obras como a capela de
Ronchamp e Firminy.
58
A capela de Ronchamp e a ultrapassagem do modernismo (1951-1961)

A Chapelle Notre-Dame-du-Haut, em Ronchamp, na França, foi concluída em 1955 e


representa a revolução ideológica e estilística na obra de Le Corbusier. Localizada no topo da
colina de Bourlémont, se apresenta como um marco na paisagem, em contato estreito com o
sítio, dialoga com o entorno de forma única, com suas formas livres e riqueza plástica. Se
destaca por seus contrastes próprios, entre o claro e escuro e as dimensões altas e baixas
proporcionadas pela cobertura inclinada.

A edificação possui paredes grossas, curvilíneas e dinâmicas e estrutura em betão armado,


que sustentam a cobertura escultórica em betão. Entre a cobertura e as paredes existe uma
fenda que causa a impressão de que a cobertura flutua sobre a edificação. Pequenos vãos
irregulares possibilitam a entrada da luz solar por todos os lados, que adentra de forma
suavizada pela atenuação causada pelos elementos verticais da fachada.

Figura 51: Capela de Ronchamp. Le Corbusier


Figura 52: Interior da Capela de Ronchamp. Le Corbusier

A arquiteturologia, ou ciência da concepção arquitetônica, do projeto da Capela remete a


diversas fontes que podem ter inspirado Le Corbusier na concepção da forma arquitetônica.
Uma destas, e a mais orgânica, é a carapaça de um caranguejo, que encontrou numa praia em
Long Island, que tem semelhanças notáveis com a cobertura, o que seria uma componente
biomórfica e biomimética.

A luz na capela de Ronchamp é trabalhada de forma pincelada, formulando um espaço


interno de iluminação heterogênea. Também são observáveis referências a algumas
construções distintas, dentre as quais cabe destacar a mesquita Sidi Brahim, na Argélia, que
inspirou os nichos para entrada de luz, e o Serapeum da Villa Adriana, que inspirou a forma de
captação da iluminação zenital nas capelas, como na construção em Tivoli, onde era realizada
por poços verticais.

59
Figura 53: Carapaça de caranguejo
Figura 54: Mesquita de Sidi Bahim, Argélia

Figura 55: Serapeum da Villa Adriana. Tivoli


Figura 56: Capela Sul, Ronchamp. Le Corbusier

Église Saint-Pierre de Firminy (póstuma)

A Église Saint-Pierre de Firminy é um dos últimos projetos de Le Corbusier, datado de 1954,


cuja construção foi finalizada 41 anos após a sua morte. Foi projetada para integrar o conjunto
urbano da Vila modelo de Firminy-Vert, na França, de autoria de Le Corbusier.

Sua base e cobertura se fundem, formando um único corpo em betão de aparência maciça,
no qual os dois primeiros pisos são conectados por uma rampa externa à edificação. O último
grande projeto de Corbusier se destaca pelo forte apelo plástico e pela forma marcante.

De destacar, neste caso, a configuração da cobertura troncocônica e troncopiramidal, e os


tubos de areação e iluminação, que serão, conscientemente, pontos de observação estelares,
religando a arquitetura à cúpula celeste e ao cosmos. De concepção livre, é, verdadeiramente,
uma forma escultórica que se impõe na paisagem, tanto como templo, mas também como
“monumento” puro.

60
Figura 57: Église Saint-Pierre de Firminy. Le Corbusier

3.2.3. Álvaro Siza Vieira: o modernista comprometido. Organicismo e regionalismo crítico

O arquiteto português Álvaro Siza Vieira (1933-), é um dos arquitetos de maior relevância
mundial atualmente. Sua obra arquitetônica é caracterizada pela especial atenção à relação
das edificações com o entorno imediato e ao contexto, tanto geográfico quanto cultural do
local em que se insere. Por este motivo, foi elegido por Kenneth Frampton entre os que, de
acordo com ele, seguem o “regionalismo crítico”.

Casa de Chá da Boa Nova

A Casa de Chá da Boa Nova (1958-1963) em Matosinhos, Portugal, é um projeto de Siza


Vieira que conta com uma integração ao entorno de apuro formal ímpar, segundo críticos e
estudiosos, também constitui um “ponto de viragem” na sua obra.

Figura 58: Casa de Chá da Boa Nova. Álvaro Siza Vieira

61
“O que se pode dizer de Siza é que, com ele, e na continuidade do trabalho de Fernando Távora,
interpretou nas obras de inícios dos anos 50 os dados fornecidos pelo Inquérito à Arquitetura Popular
Portuguesa mas fundindo-os com uma atitude que se costuma dizer “poética”, de firme atenção a duas
outras variantes: o lugar e o contexto social. Entenda-se lugar, não como uma abstracção
fenomenológica, mas antes como uma interpretação física do local. E ao dizer-se “local”, a expressão
reflecte não apenas o lugar e contexto de implantação, mas também o sentido “local”, da tradição
construtiva moderna de um quadro regional, nacional ou universal.”33 (PEREIRA, 2016)

A edificação se assenta sobre um conjunto de pedras, como se fosse moldada in loco. Em


profunda e estreita relação com o mar à sua frente, possui uma conformação orgânica que
priorizou um pano envidraçado na fachada voltada ao mar. Sua cobertura de águas é feita
com a típica telha portuguesa, porém apresentando um aspecto de modernismo quase
radical: o grande beiral que se estende em direção ao mar com grande balanço.

“Ao longo do caminho de acesso, a casa surge e desaparece, mas nunca se deixa ver e compreender
totalmente. Junto à entrada, quando se esperava uma ascensão final para um horizonte
simultaneamente artístico, objectual e de sentido, é-se obrigado, pelo contrário, a descer. E,
franqueada a porta, aparece de facto o horizonte – mas enquadrado por uma janela rasgada sobre as
escadas que descem para o acesso às salas. A horizontalidade e a pertença à paisagem são, assim, o
resultado de um enquadramento, ou seja, de uma operação artificial de apontar, de designar, que é
não-naturalista; quem olha está separado física e mentalmente do horizonte olhado.” 34(GOMES, Paulo
Varela cit. in PEREIRA, 2016)

“No dizer dos críticos, que exprimem bem a experiência, já que “no interior o trabalho de planos e
de organicismo das diversas soluções, entre as quais a da cozinha que se enrola à volta da casa, liberta
as áreas convencionais de recepção, de estar e de refeição.”35 (PEREIRA, 2016)

Piscina das Marés, Leça da Palmeira

No projeto da Piscina das Marés (1966), Siza Vieira propõe uma relação que vai no sentido
de simbiose e mimesis entre a obra e o entorno, ou entre a piscina e a praia. A piscina se
apresenta de forma não simplória, pelo contrário, com repertório moderno ou neomoderno,
porém não almeja se sobressair em meio a paisagem ou se estabelecer como monumento,
inclusive toma partido das cavidades e reentrâncias das rochas para encontrar a perfeita
localização da estrutura, buscando a zona de melhores afloramentos de água para a piscina
natural.

33
PEREIRA, Paulo – Decifrar a Arte em Portugal, vol. 6, Arte Contemporânea. 1a. ed. Lisboa: Círculo de Leitores
(6 vols.), 2016. ISBN 978-972-42-4961-2.
34
GOMES, Paulo Varela; PORTAS, Nuno; TRIGUEIROS, Luiz – Casa de Chá di Boa Nova – Boa Nova Teehouse –
Álvaro Siza. Lisboa: Editorial Blau, 1999. ISBN: 9789728311483.
35
PEREIRA, Paulo – Decifrar a Arte em Portugal, vol. 6, Arte Contemporânea. 1a. ed. Lisboa: Círculo de Leitores
(6 vols.), 2016. ISBN 978-972-42-4961-2.
62
Figura 59: Piscina das Marés. Álvaro Siza Vieira

“Aqui, o “jogo é fundir o mar com a edificação, e deixar o mar fazer tudo o que lhe compete fazer:
dar “horizonte”, “cor” e, claro, a “água” e até uma pequena ondulação, serena e convidativa.” 36
(PEREIRA, 2016)

Figura 60: Planta Piscina das Marés. Álvaro Siza Vieira

“Piscina natural à beira do mar, acaba por ser uma praia “moderna”, mas sem praia, e uma piscina
sem “piscina”, no sentido mais material do termo. Os materiais usados na construção poderiam
imediatamente desmentir esta atitude ou frustrá-la. Com efeito, a obra é em concreto, cimento à vista,
cinzento, escuro. Mas curiosamente, esta funde-se com os rochedos que servem de limite e de lugar de
incrustação das piscinas. Junto à marginal, quase não se dá por elas”.37 (PEREIRA, 2016)

36
PEREIRA, Paulo – Decifrar a Arte em Portugal, vol. 6, Arte Contemporânea. 1a. ed. Lisboa: Círculo de Leitores
(6 vols.), 2016. ISBN 978-972-42-4961-2.
37
PEREIRA, Paulo – Decifrar a Arte em Portugal, vol. 6, Arte Contemporânea. 1a. ed. Lisboa: Círculo de Leitores
(6 vols.), 2016. ISBN 978-972-42-4961-2.
63
3.3. Organicismo imitativo:

Inspiração nos elementos naturais, geralmente de caráter biológico – animais, plantas –


para uma criação arquitetônica de capacidade evocativa que é considerada esteticamente
válida e agradável ou de uma criação arquitetônica que busca referências na natureza para
soluções de questões funcionais.

3.3.1. Arquitetura Biomórfica (Matila Ghyka e Joseph Rykwert: visão ortodoxa e visão crítica)

A chamada arquitetura biomórfica, tem suas raízes nas obras dos surrealistas e no Art
Nouveau. O termo "biomorfismo" foi cunhado pelo escritor naturalista Geoffrey Grigson em
1936.

O biomorfismo reflete esteticamente as formas presentes na natureza, notadamente


formas arredondadas, ondulações, espirais, círculos e curvas. Nestas escolhas pode-se criar
também uma dimensão simbólica, cuja implicação remete para a arquitetura metafórica,
dado que tais formas fazem alusão a um conceito abstrato percebido pelo usuário. A
arquitetura biomórfica reflete a natureza.

Em Palladio, seguramente a arquitetura biomórfica encontra antecedentes. Para o


arquiteto italiano, a lógica natural deveria ser seguida também, nas criações humanas, tanto
arquitetônicas quanto nas outras artes.

“Since architecture, like all the other arts, imitates nature, nothing in it can satisfy that is foreign
from whats is found in nature”38 (PALLADIO, 1570).

Também é possível traçar um paralelo entre o biomorfismo e a “cabana primitiva”. Em “On


Adam’s House. The idea of the primitive hut in architectural history”, Joseph Rykwert (1926-)
analisa as origens da arquitetura e aponta a “cabana primitiva” como marco do significado
original dos edifícios para pessoas, analisando as manifestações do conceito através das
teorias arquitetônicas de Frank Lloyd Wright, Le Corbusier, Adolf Loos e Vitruvius. E reflete
sobre as referências arquetípicas do abrigo ao longo dos tempos, orbitando em torno de um
ideal em que a arquitetura pudesse retornar ao estado de plena adaptação à natureza.

Na publicação “The geometry of art and life”, Matila Ghyka (1881-1965) analisa a estética
das proporções na natureza e concomitantemente nas artes, desenvolvendo a proposição de
que todos os seres vivos acompanham um ritmo de alguma forma relacionado à proporção
áurea. Reflete sobre o conceito, que remonta à Pitágoras, para afirmar que o entendimento
dos padrões matemáticos presentes nas formas vivas é essencial à expressão artística, dado
que tais padrões seriam coincidentes.

38
PALLADIO, Andrea - I Quattro Libn dell’Architettura. Venice: Appresso Dominico de' Franceschi, 1570.

64
Ghyka iria ser muito influente em duas vertentes de trabalho sobre a arte e a arquitetura:
por um lado, foi decisivo para a busca de matrizes geométricas nas obras de escultura e
pintura, no que concerne à composição; por outro, por causa destas matrizes, foi pioneiro e
inspirador do estudo da proporções geométricas musicais (entendidas como música-
matemática), na elaboração de plantas e alçados arquitetônicos harmônicos e definidores
daquilo a que poderíamos chamar uma arte sagrada, que foi abraçada também por
esoteristas.

Figura 61: Templo Expiatório da Sagrada Família. Antoni Gaudí

3.3.2. Arquitetura Biomimética

A chamada arquitetura biomimética é originada em 1997 com o livro Biomimicry:


Innovation Inspired by Nature de Janine Benyus, no qual define o movimento como aquele
que se inspira processos da natureza para resolver problemas humanos. A biomimética vê a
edificação como algo vivo feito para um ser vivo, e não como uma máquina para morar.
Portanto, incorpora no edifício soluções funcionais inspiradas em processos desenvolvidos na
natureza. Enquanto a arquitetura biomórfica não enfatiza as funções, mas sim as formas e a
estética, a arquitetura biomimética não enfatiza a estética, mas sim as funções naturais. A
arquitetura biomimética aprende com a natureza. O termo provém das palavras gregas bios,
que significa vida e mímesis, que significa imitação.

TWA Flight Center

Como exemplo eloquente, o TWA Flight Center é um terminal do aeroporto Internacional


John F. Kennedy em Nova Iorque, concluído em 1962, um projeto de Eero Saarinem
visivelmente inspirado em uma ave em pleno voo. Sua cobertura em betão simula duas
grandes asas que, além da associação simbólica, conferem estabilidade ao corpo central e à

65
edificação horizontalizada. A biomimética passa, então, pelo entendimento das regras que
regem a dinâmica natural e não simplesmente pela cópia de um código estilístico.

Figura 62: TWA terminal, Eero Saarinen

Para citar outros exemplos, encontramos construções que têm como pilares estruturais
inspirações em galhos e troncos de árvores, fechamentos inspirados na resistência de teias de
aranha, geometrias de colméias, coberturas inspiradas em conchas ou analogias com flores.
Estas inspirações podem ter duas finalidades: um objetivo formal, quando se visa apenas a
estética da construção ou um objetivo técnico, quando se procura na natureza a referência de
uma abordagem que visa solucionar um problema de ordem funcional (um bom exemplo são
as já citadas obras de Guimard).

Casa Folha

A Casa Folha, de autoria do Estúdio Mareines + Patalano, localiza-se em Angra dos Reis, no
Rio de Janeiro, Brasil. É um projeto residencial construído em 2008, que incorpora em seu
conceito e partido arquitetônicos, princípios da arquitetura biomimética.

A cobertura em forma de grandes folhas é o maior destaque desta arquitetura que


incorpora o método natural de escoamento de água, ou seja, o caimento das folhas das
árvores, que viabiliza o escoamento da água das chuvas e proporciona proteção da radiação
solar aos usuários. Por vezes os problemas funcionais encontram soluções nos processos
naturais, este é o princípio da biomimética.

Além da clara inspiração em soluções funcionais naturais, o projeto arquitetônico se


inspirou também na arquitetura indígena brasileira. Repleta de espaços abertos, intercalados
com os ambientes internos, a residência se destaca por este aspecto social envolvido em sua
concepção.

66
Figura 63: Vista aérea da Casa Folha. Mareines + Patalano Arquitetura
Figura 64: Casa Folha. Mareines + Patalano Arquitetura

3.4. Organicismo por apropriação do passado remoto organicista.

Utilização dos saberes tradicionais e milenares como o “dragão da terra” (Feng Shui; Lung
Mei etc.), (Japão (fūsui), Coreia (pung-su) e Vietnam (phong-thủy), e mais recentemente, no
Ocidente, através das noções de “espírito da terra” (earth spirit) ou que buscam uma
aproximação criada direta ou indiretamente com a natureza e seus elementos. Muitas vezes
subsumem-se em propostas episódicas e só parcialmente integradas num projeto, às vezes
com uma componente estritamente poética, outras em obediência à sua eficácia eventual.

3.4.1. Arquitetura Biofílica: da longa tradição biofílica do Feng Shui ao conceito moderno

A arquitetura biofílica, por sua vez, advém do termo “Biofilia”, que por sua vez pode ser
sintetizado como “amor à vida”. Um termo que foi introduzido pelo biólogo Edward O. Wilson
em seu livro Biophilia (1984). Com a expressão “biophilia hypothesis”, também conhecida
como BET, Wilson sugere que existe uma tendência inata na biologia do ser humano em
buscar conexões com a natureza e os outros seres vivos devido à nossa dependência destes
para nossa sobrevivência e realização pessoal, desenvolvida ao longo do processo da
Evolução. A teoria biofílica tem raízes na filosofia de Aristóteles, que elaborou sobre o
conceito de “amor à vida” como fonte de felicidade.

A arquitetura biofílica incorpora elementos naturais direta ou indiretamente na edificação,


com o objetivo de criar um vínculo entre os usuários e o ambiente natural, gerando benefícios
de saúde, ambientais e econômicos para os usuários. Parte-se do pressuposto de que o ser
humano tem a necessidade de se conectar com a natureza, para incorporar experiências que
remetam ao ambiente natural no contexto de uma edificação. Como o uso de verdes em um
ambiente interno ou referências indiretas à natureza.

Cabe aqui uma chamada de atenção para o Feng Shui, uma tradição milenar chinesa de
busca pelo equilíbrio perfeito entre indivíduos e ambiente, que recorre a forças energéticas
67
para orientar escolhas projetuais na concepção arquitetônica de edificações. Através de
códigos e regras, visa proporcionar um nível de bem-estar e energia gerado pela aproximação
com as forças do universo e da natureza em suas variadas formas.

Figura 65: Loja em Macau. Foster & Partners

3.4.2. Bio-utilização ou biodesign

Em resumo, a bio-utilização é um conceito que expressa a incorporação da natureza à


arquitetura. A bio-utilização na arquitetura, ou biodesign, consiste no emprego de elementos
naturais com fins majoritariamente funcionais na edificação. Como por exemplo, coberturas
verdes para beneficiar o conforto térmico ou o arrefecimento evaporativo. Em outras palavras
a bio-utilização incorpora processos biológicos e organismos vivos na edificação com fins
funcionais, a fim de incrementar a utilização do espaço.

Figura 66: Baubotanik. Sistema construtivo criado a partir de elementos vegetais

68
Meadow Farm House

A Meadow Farm House é um projeto de uma residência em meio a uma fazenda orgânica
concluído no ano de 2013, na Califórnia, Estados Unidos da América, de autoria do arquiteto
de renome mundial William McDonough, conhecido por seu trabalho voltado aos princípios
sustentáveis. Este projeto recebeu a certificação LEED Platinum, que certifica construções que
adotam recursos e práticas sustentáveis, por uma série de sistemas incorporados no projeto.

Figura 67: Meadow Farm House. Arquiteto: William McDonough

O projeto incorpora elementos em madeira controlada de reflorestamento com certificado


FSC e paredes estruturais em terra batida/taipa, retirada do solo do próprio sítio, alternativas
de bio-utilização na própria estrutura da casa principal.

Um dos artifícios sustentáveis e componente forte da bio-utilização, é o sistema biológico


de tratamento de águas residuais. As águas a serem tratadas são descarregadas em valas de
biofiltração, onde os resíduos sólidos são decantados, e onde espécies vegetais e colônias de
bactérias atuam como filtros, sendo responsáveis por eliminar as impurezas.

69
3.5. Organicismo funcional

A busca de configurações, que se inspiram em biomorfismos, ou a arquitetura tradicional


vernacular (uso de têxteis, cabanas, tendas), como forma de atribuir significado, mas também
funcionalidades ecológicas e sustentáveis e uma tectónica específica que sirva ao programa
em causa.

3.5.1. Arquitetura Sustentável

A sustentabilidade, conceito recorrente na arquitetura atual mais ecologicamente


engajada, deu ainda mais destaque ao trabalho de Frank Lloyd Wright na nossa
contemporaneidade. Ao longo de sua trajetória profissional, antes de o termo ser cunhado e
alcançar a importância que hoje possui, Wright já utilizava alguns preceitos e estratégias que
visavam os mesmos objetivos e resultados obtidos com os sistemas utilizados nas edificações
sustentáveis atuais.

“Sustainability is a word that, like organic, is used sloppily, carelessly. Wright, however, would
have enjoyed this word, because it captures the idea that he was trying to express through his
career—a sustainable ecosystem comprising nature, the built environment, and human life, in which
each component supports the other components and all thrive as a result”.39 (GRAFF, 2018)

O conceito de desenvolvimento sustentável pode ser definido como aquele que supre as
carências do presente, vislumbrando o futuro, ou seja, preservando e racionando para não
inviabilizar o atendimento das necessidades das futuras gerações.

A sustentabilidade, além do fator social, também engloba as questões sociais e


econômicas. A interação de um sistema entre os seres e o meio no qual se inserem deve prezar
pela justiça social e viabilidade econômica, objetivando a preservação das condições para as
gerações futuras. Dada a interdependência destes fatores, se um destes é desprezado, todo o
sistema fica prejudicado e o futuro torna-se insustentável.

A arquitetura sustentável, podendo ser chamada também ecoarquitetura ou arquitetura


verde, possui alguns aspectos que se correlacionam com a arquitetura orgânica. Seus
princípios visam conceber o projeto arquitetônico sob o espectro da sustentabilidade, dentre
eles, cabe destacar: a otimização dos recursos naturais do entorno e sistemas que minimizem
o impacto ambiental da construção, máximo desempenho com menor impacto, estratégias
passivas de conforto ambiental descartando o uso de sistemas artificiais, – como sejam
iluminação e ventilação naturais – prioridade na utilização de materiais de construção eficazes

39
GRAFF, Stuart - Organic Architecture and the Sustaining Ecosystem. 2018.
Tradução livre da autora: “Sustentabilidade é uma palavra que, como orgânico, é usada de maneira descuidada.
Wright, no entanto, teria gostado dessa palavra, porque captura a ideia que ele tentava expressar na sua carreira
- um ecossistema sustentável que compreende a natureza, o ambiente construído e a vida humana, em que cada
componente apoia os outros componentes e como resultado, todos prosperam”.
70
e de baixo consumo energético, priorizando as energias renováveis. Na construção
sustentável são observados os aspectos referentes tanto a pré-construção, o durante e a
ocupação, com a utilização das edificações pelo usuário e o fim, como materiais
biodegradáveis. Portanto são considerados materiais de baixo consumo energético para a
produção e que minimizam a emissão de gases de efeito estufa, materiais que na construção
sejam de baixo impacto ambiental e na pós-construção favoreçam o conforto ambiental
passivo, dispensando ao máximo o uso de energia elétrica. Os edifícios construídos buscam
considerar as condições climáticas, hidrográficas e o ecossistema do entorno.

A necessidade de minimizar o consumo de energia ganhou maior atenção nas últimas


décadas, e a Sustentabilidade na arquitetura passou a abranger novos campos à medida que
se preocupou em minimizar o impacto ambiental da construção e das fases anteriores a esta,
como na fabricação de materiais e busca por sistemas construtivos mais responsáveis
ecologicamente e não somente na fase de utilização do edifício.

Além do racionamento da energia elétrica, outro recurso natural que carece de uso
consciente é a água. Para sua preservação, nas iniciativas da Arquitetura Sustentável, pode-se
lançar mão de sistemas que captam água da chuva, reutilizam e otimizam seu uso.

Note-se as diligências de vários arquitetos como Francis Kéré, um arquiteto


contemporâneo que alia em seus projetos estratégias da arquitetura tradicional com
inovações técnicas a fim de suprir demandas sociais e gerar impacto mínimo ao meio
ambiente. Para Kéré o uso de materiais locais e mesmo técnicas vernaculares e sustentáveis,
pode proporcionar uma construção eficaz, de baixo investimento financeiro e que alcança
uma eficiência energética numa filosofia “menos é mais”. O mesmo acontece com o
recrudescimento - em Portugal, em Espanha, no Norte de África, mas também na América
Latina e no próximo e Médio Oriente, mas também, no que é uma longa tradição local, no
Japão - em investigar estes materiais autóctones, de uma tradição ancestral que são
motivados por fatores distintos, desde a manutenção mais barata, o acesso aos materiais
propriamente dito em ambiente natural, a resistência sísmica, e a resiliência ao calor, entre
outros pressupostos.

Segundo Edwards, “A arquitetura tradicional de todas as regiões do mundo pode ajudar de


forma significativa na compreensão do projeto e da construção sustentáveis. A arquitetura
vernacular utiliza materiais disponíveis no local, fontes de energia locais, em sua grande
maioria renováveis, e adota métodos construtivos que incentivam a reciclagem e o respeito
pela natureza. Essas características podem ser observadas nas residências rurais, assim como
nas edificações urbanas, especialmente na África, Ásia e Europa pré-industrial”40. (EDWARDS,
2008, p. 85)

40
EDWARDS, Brian - O guia básico para a sustentabilidade. 2a. ed. Barcelona: Itinerário, 2008. ISBN:
9788425223266.
71
Além disso, na arquitetura vernacular são observadas as técnicas construtivas tradicionais
da região e população do local, o que também é uma forma de resgatar e preservar uma
identidade e memória daquela comunidade.

Podendo ser considerada um nicho na temática da Sustentabilidade, a Arquitetura


Bioclimática despontou como uma alternativa aos sistemas artificiais de aquecimento ou
arrefecimento dos ambientes internos e à iluminação artificial, indiscriminadamente
utilizados, que elevam o consumo de energia a níveis muito altos. Como afirmado
anteriormente, cada vez mais valoriza-se a adaptação das construções às condições climáticas
do local em que estão inseridas e estratégias passivas de suprir as necessidades de conforto
ambiental, o que minimiza o uso dos sistemas artificiais de climatização e iluminação e por
consequência reduz o consumo da energia elétrica, fator imprescindível na Sustentabilidade.

Figura 68: Escola Primária de Gando. Arquiteto: Francis Kéré

3.5.2. Arquitetura Gentil

A arquitetura gentil, introduzida por Malcolm Wells (1926-2009) em “Gentle Architecture”,


1982, enfatiza o natural como belo e aborda a questão de como a arquitetura pode se
beneficiar de forma simbiótica da natureza do entorno. Para tanto, o arquiteto Wells concebe
técnicas construtivas cujos objetivos, além de bioclimáticos, consistem em minimizar a
interferência da edificação na paisagem e até mesmo reincorporar à dinâmica natural
preexistente sobre à construção. Exemplos destas técnicas são a construção subterrânea e a
cobertura com terra.

Wells foi um arquiteto estadunidense, considerado um dos maiores nomes da arquitetura


subterrânea moderna (ou “Earth-sheltered architecture”), foi influenciado pelo trabalho de
Frank Lloyd Wright e ao longo de toda a sua trajetória, defendeu esta modalidade de
arquitetura como um estilo de vida necessário à civilização preocupada com a preservação e
o mínimo impacto ambiental, tendo escrito dezenas de publicações acerca deste tipo de
construção.

Em sua teoria e arquitetura, Wells procurava enterrar os edifícios sob o solo, criando uma
espécie de arquitetura subterrânea, com a finalidade de impactar minimamente o meio

72
ambiente e o ecossistema do local, dado que a cobertura do edifício tenderia a funcionar
como antes da construção, abrigando vegetação e animais e cumprindo o mesmo papel
anterior. Além da estética, a arquitetura de Wells priorizava eficiência energética, preservação
ambiental e a durabilidade dos materiais empregados na construção.

“Why is it that every architect can recognize and appreciate beauty in the natural world and yet so
often fail to endow his own work with it?”41 (WELLS, 1982).

Figura 69: Desenho de Malcolm Wells descritivo da Arquitetura Gentil

41
WELLS, Malcolm - Gentle Architecture. McGraw-Hill, 1a. ed., 1982. ISBN: 0070692572
Tradução livre da autora: “Por que todo arquiteto pode reconhecer e apreciar a beleza do mundo natural e, ainda
assim, muitas vezes falhar em dotar seu próprio trabalho com ela?”
73
Cape Cod Home

A Cape Cod Home, residência localizada no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos,
é um projeto de Wells construído em 1979, exemplar da sua arquitetura subterrânea,
originalmente possuía cobertura de terra. Nesta arquitetura, o tecido da terra não é removido,
ele é simplesmente relocado para o topo da construção, como um empréstimo de terra, que
é feito no ato da construção e devolvido ao final dela.

A vegetação sobre a construção pertencia às mesmas espécies do entorno, o que gera a


harmonização e esta escolha projetual também agrega benefícios térmicos e acústicos à obra.
A topografia de níveis variantes ajuda a suavizar a extensa fachada, pois as elevações de terra
envolvem boa parte das paredes da casa.

Figura 70: Cape Cod Home. Arquiteto Malcolm Wells


Figura 71: Vista lateral Cape Cod Home. Arquiteto Malcolm Wells
Figura 72: Cape Cod Home. Arquiteto Malcolm Wells
Figura 73: Cobertura Cape Cod Home. Arquiteto Malcolm Wells

3.6. Organicismo plástico

Desenho livre, free style, em ultrapassagem ao cânone modernista mais severo (no caso
as propostas de Loos, Mies, Le Corbusier até 1950, etc.) de modo a conferir ao edifício uma
poética que excede as limitações tectônicas da arquitetura até então praticada em clave
modernista. Repertório liberto, prevalência do traço solto, imperativo da invenção na tábua
de desenho, antropomorfismos e arquiteturomorfismos, ou seja, como arquitetura da
74
arquitetura, com um índice autoral muito vincado; inspira-se diretamente em movimentos
artísticos, na plástica (escultura), na arte do movimento, e mobiliza formas libertas de
constrangimentos mecânicos pelo uso de técnicas construtivas novas e de engenharia “de
ponta”.

3.6.1. Lina Bo Bardi: organicismo e reencontro: Wright e o “tropicalismo”

Casa de Vidro (1951)

A Casa de Vidro, obra da arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992), fica localizada em São Paulo.
Construída em meio à Mata Atlântica, numa altura em que não havia nenhuma outra
construção na região.

O projeto privilegia as vistas para o exterior por meio dos panos de vidro que circundam a
planta da casa, privilegiando a contemplação da natureza, as estruturas de aço agregadas ao
pátio livre provocam a sensação de leveza desejada. A configuração natural do terreno foi
preservada com sua topografia acidentada, o que acabou por inspirar o uso dos pilotis para a
frente da residência. A porção posterior ficou apoiada em uma base de rochas, criando um
contraste interessante no projeto.

Figura 74: Casa de vidro. Arquiteta: Lina Bo Bardi

3.6.2. Oscar Niemeyer: escultura, arquitetura e free-form: o supermoderno

Oscar Niemeyer (1907-2012) foi um arquiteto brasileiro expoente da arquitetura


modernista, explorou bastante a plasticidade em betão armado, criando uma arquitetura
particular, marcada pelas formas inusitadas e curvas. Algumas de suas obras mais conhecidas
são os edifícios cívicos da capital Brasília, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, a Casa das
Canoas e o Edifício Copan.

75
Igreja de São Francisco de Assis, Pampulha (1943)

A Igreja São Francisco de Assis da Pampulha, em Belo Horizonte, Brasil, inaugurada


em 1943, é um dos projetos de Oscar Niemeyer em betão armado de grande originalidade.
Neste caso, Niemeyer criou uma cobertura estrutural que simultaneamente cumpre a função
de envoltória, uma abóbada parabólica. Neste projeto, Niemeyer concebe a sua assinatura
criativa, as formas curvas marcadas pela plasticidade, construídas em betão armado.

Figura 75: Igreja de São Francisco de Assis, Pampulha, Belo Horizonte. Oscar Niemeyer

Edifício Copan em São Paulo (1951)

O edifício Copan, localizado na cidade de São Paulo, no Brasil, projeto de Oscar Niemeyer
se consolidou como um marco da arquitetura modernista brasileira. Com sua estrutura em
betão armado conseguiu atingir uma morfologia motivada por linhas sinuosas e leves,
atingindo um nível de organicismo que também leva em consideração a dissolução do lote,
em pleno centro de uma grande metrópole, integrando a edificação à paisagem do seu
entorno.

Com este projeto, Niemeyer estabeleceu uma ruptura com os usuais ângulos retos, eixos
ortogonais e ornamentos típicos, ao mesmo tempo que destacou a arquitetura na paisagem
urbana, através da liberdade formal, que nesta altura passou a se mostrar cada vez mais
autêntica.

76
Figura 76: Edifício Copan. Oscar Niemeyer

3.7. Organicismo historicista

Busca pela essência orgânica do habitar de determinados povos e regiões com ou sem
intuitos nacionalistas / rácicos.

Repertório com soluções funcionais de iconografia própria, considerada, geralmente, ideal


e autêntica.

Resistência ao “mecanismo industrial”, preza pelo vernacularismo, historicismo


nacionalista, tradições, saberes e memória de um povo.

3.7.1. Casa do Cipreste

A Casa do Cipreste de autoria do arquiteto português Raul Lino está localizada na Serra de
Sintra, é uma residência de características únicas, com uma planta irregular com ambientes
de formas muito diversas. Sua conexão com o ambiente do entorno é de total integração, a
natureza se faz presente no cotidiano dos moradores, devido à conexão permanente como
pátio da residência. Uma análise mais sistemática deste projeto será apresentada mais
adiante.

77
Figura 77: Casa do Cipreste. Raul Lino

3.8. Organicismo formalista

Muitas das peças arquitetônicas contemporâneas que buscam apenas o efeito da


arquitetura espetáculo como forma de afirmação autoral. Peças isoladas na paisagem e
imposição de modelos com uma matriz inventiva extra-arquitectônica: projetos “de fora para
dentro”, com secundarização dos aspetos funcionais.

3.8.1. Casa da Música, Rem Koolhaas

Um projeto da contemporaneidade que vale mencionar é a Casa da Música, uma casa de


concertos localizada no Porto, em Portugal. Projeto do arquiteto holandês Rem Koolhaas, que
teve sua obra concluída em 2005.

Localizada na praça da histórica Rotunda da Boavista, a morfologia do edifício atinge uma


forma geométrica facetada em betão na cor branca, contrastante com as edificações
tradicionais do entorno. Sua implantação foi estudada de modo a conferir simbolismo e
visibilidade ao edifício e sua função na cidade: por isso é isolado no lote, redefinindo a relação
entre edifício e o entorno.

Figura 78: Implantação Casa da Música. Rem Koolhaas


Figura 79: Casa da Música. Rem Koolhaas
78
3.9. Organicismo contemplativo: espelho fenomenológico

Prática de conceitos obedientes a uma tradição moderna ou neomoderna, mas resultando


de uma reflexão em torno dos efeitos da arquitetura na paisagem, na organização do interior
do edificado, sempre com uma componente funcional, mas que visa despertar os sentidos e
a intelecção espacial, tanto através dos materiais, da morfologia ou do conceito.

3.9.1. Joshua Tree House, Kendrick Bangs Kellogg

Residência projetada por Kendrick Kellogg (1934-), um arquiteto estadunidense, discípulo


de Frank Lloyd Wright. Projeto de 1980, localizado no Parque Nacional Joshua Tree, na
Califórnia no encontro de dois ecossistemas desérticos (Mojave e Colorado), possui formas
futuristas que se misturam visualmente com as rochas do entorno, tanto pela cor, quanto pela
morfologia e acabamento alusivo ao processo de erosão, como blocos de pedra moldados
pelo tempo.

A construção subverte o conceito estabelecido de estrutura, envoltória e cobertura como


elementos separados, nesta obra estes são indivisíveis, a cobertura torna-se pilar e parede,
que por sua vez, se funde ao terreno rochoso. Os blocos são organizados de modo a serem
intercalados por grandes janelas de vidro, que trazem o exterior para dentro dos espaços
internos, os usuários podem sentir a luz natural e observar o decorrer do dia do interior da
casa.

Sua vista superior faz uma alusão a vértebras. Feitas em betão, uma morfologia escultórica,
orgânica e radical perfeitamente integrada ao entorno, uma vez que a paisagem é exuberante
por si só.

Figura 80: Joshua Tree House. Arquiteto: Kendrick Bangs Kellogg


Figura 81: Interior Joshua Tree House, Kendrick Bangs Kellogg

3.9.2. Casa na Mata

Projeto do arquiteto Márcio Kogan (1952-), a Casa da Mata fica localizada no litoral do
estado de São Paulo, Brasil, em uma região de densa Mata Atlântica, em um terreno de
desníveis bastante irregulares.
79
Os declives do terreno foram preservados e a conexão com a natureza foi um ponto bem
explorado no projeto. O bloco principal foi criado para parecer engastado na montanha
existente e toca o solo através de dois pilares apenas.

Os materiais utilizados no projeto foram majoritariamente madeira e betão aparente. A


iluminação e ventilação natural foram pontos bem trabalhos, inclusive nos dormitórios, os
quais contam com brises-soleil em todas as janelas.

A interação do usuário com o entorno natural se dá por meio das conexões visuais e pela
vegetação integrada com os elementos de projeto no pavimento térreo, onde pode-se circular
por entre as árvores existentes.

Figura 82: Casa na Mata. Arquiteto: Márcio Kogan

80
4. AS ANÁLISES PROJETUAIS
Serão feitas análises visuais das plantas, croquis e fotografias de obras arquitetônicas,
selecionadas pelo critério de influência histórica e relevância arquitetônica, e procurar-se-á
identificar elementos que expressam os preceitos orgânicos em cada uma delas, através de
reflexões, elaboração de esquemas e leitura espacial. Feito isso, será desenvolvida uma
comparação entre as diferentes vertentes orgânicas estudadas e suas manifestações
projetuais, pretendendo extrair conclusões acerca dos desdobramentos do trabalho de
investigação.

Os projetos selecionados serão analisados graficamente no âmbito de suas setorizações.


Serão analisados apenas projetos residenciais para se ter um referencial de programa único,
o que permitirá algum nível de comparação entre estes, embora tenha-se em conta que a
comparação visual entre os projetos é uma metodologia com limitações, dado que variam em
época, autor, localização e contexto. Por isso, priorizar-se-á analisar os projetos sob a ótica
das intenções dos seus autores, verificando aplicações e incongruências relativamente a estes
discursos.

Como os projetos estudados são escolhidos pelo fator de influência histórica e relevância,
não há restrição geográfica ou temporal das suas localizações. Todos são datados a partir de
1906 até o ano de 2018.

Os representantes foram classificados de acordo com a existência de fortes componentes


de projeto que podem os enquadrar em determinada variante organicista. Vale lembrar
novamente que isto não significa que estejam encerrados em tais variantes, já que as
definições são fluidas e podem se sobrepor em determinados aspectos. Ao final das análises
dos projetos, será apresentada uma breve avaliação das variantes organicistas observáveis em
cada estudo de caso.

4.1. Análise morfológica

A metodologia de análise de cada projeto será baseada na observação e interpretação dos


atributos listados abaixo, buscando avaliar a forma de apresentação destes nos projetos,
examinando algumas características apresentadas a seguir. Cabe mencionar que cada aspecto
será analisado consoante a sua pertinência ao projeto em questão, observando a relevância
do aspecto para a compreensão do conceito referente à obra.

81
Obra arquitetônica:
Paisagem Inserção na paisagem: relação com o entorno;
escolha fenomenológica do lugar;
estudo de dominantes paisagísticas; alinhamentos;
domínio de vistas;
servidões;
orientação.
Volumetria Expressão dos volumes: combinação dos volumes;
Volumes dominantes (cubo / paralelepípedo/ curva ou
onda / angulações).
Materialidade Materiais usados:
Terra;
Água;
Pedra;
Argamassas;
Ferro;
Vidro;
Cimento armado;
Betão;
Atributos a serem analisados

Aço;
Plástico.
Vernacularidade Formulação de acordo com região; formulação de
acordo com a procura de uma identidade nacional
(nacionalismo identitário); formulação de acordo com
o contexto econômico/social (rural, urbano, industrial-
produtivo, artesanal).
Compartimentação Distribuição dos espaços;
Funções a desempenhar; arquitetura “de fora para
dentro” e “de dentro para fora”;
Acessos;
Distribuição;
Interligações.
Fenomenologia Poética da forma, modo de expressão, compreensão e
sentimento atribuído pelo edificado, consoante aos
aspectos de paisagem, volumetria, materialidade e
demais características pertinentes.
Implantação e orientação Modo de inserção da edificação no terreno e
orientação das suas funções em relação a trajetória
solar.
Iluminação e ventilação Funcionalidades relativas à iluminação e ventilação
naturais, adoção de estratégias passivas de
aproveitamento dos recursos naturais para conforto
térmico e luminoso.
Ornamentação Elementos ornamentais: biomiméticos ou biomórficos,
entre outros.
Tabela 1: Metodologia para a análise formal das obras arquitetônicas selecionadas, indicando as características chave de
avaliação

82
Vertentes e obras residenciais a serem analisadas:
1. Organicismo radical: Duldeck Haus – Rudolf Steiner
2. Organicismo de investigação livre: Casa da Cascata – Frank Lloyd Wright
3. Organicismo imitativo: Casa Milà – Antoni Gaudí
4. Organicismo por apropriação: Bosco Verticale – Stefano Boeri
5. Organicismo funcional: Moradia de professores em Gando – Francis Kéré
6. Organicismo plástico: Casa das Canoas – Oscar Niemeyer
7. Organicismo historicista: Casa do Cipreste – Raul Lino
8. Organicismo formalista: Maison à Bordeaux – Rem Koolhaas
9. Organicismo contemplativo: Secular Retreat – Peter Zumthor

4.1.1. Duldeck Haus – Rudolf Steiner

Breve introdução

Nos arredores do Gotheanum, Steiner projetou uma série de outros edifícios relacionados.
Dentre eles podemos mencionar a Glashaus (casa de fabricação de vidros) e a Duldeck Haus,
que juntamente com o Goetheanum foram declarados patrimônios nacionais.

A Duldeck Haus foi o primeiro projeto residencial de Rudolf Steiner, teve sua construção
iniciada no ano de 1915, para servir de moradia à família de Emil Grosheintz, um dos principais
doadores do terreno para o projeto do Goetheanum. Grosheintz foi presidente da associação
de construção do Goetheanum, o projeto foi então uma forma de agradecimento de Steiner
à família e acabaria por se estabelecer como um dos projetos residenciais em betão armado
mais inovadores.

A casa localizada em Dornach, na Suíça, se destaca por sua originalidade, afasta-se do que
era tradicional nas construções da época. Para Steiner, a Casa Duldeck se estabeleceu então
como um manifesto contra as noções arquitetônicas vigentes.

“É importante que tal casa pudesse ser construída uma vez. Porque é um protesto vivo contra
tudo o que é tradicional no estilo arquitetônico e na construção” 42 (STEINER, 1916).

42
STEINER, Rudolf - Das Rätsel des Menschen, Die geistigen Hintergründe der menschlichen Geschichte,
Kosmische und menschliche Geschichte. Dornach: Steiner Verlag, 1992. ISBN: 3727417005
83
Figura 83: Duldeck Haus. Rudolf Steiner

Paisagem: Construção situada a oeste do Goetheanum, com outras edificações espaçadas no


seu entorno. A zona tem outras edificações projetadas por Rudolf Steiner.

O plano para o local levou em conta tanto a distribuição dos edifícios pretendidos e dos
equipamentos urbanos, numa visão programática considerando os seus respectivos usos,
quanto também, com a devida importância, o cuidado com a paisagem em si e com a
diversidade ecológica do local.

Figura 84: Localização Duldeck Haus. Google Earth

Implantação e orientação: Implantada em lote plano de forma centralizada, com zona de


serviços voltada a Oeste, maior parte da zona social a Sul e a fachada principal voltada a
Nordeste, onde estão os dormitórios. Aberturas em todas as direções.

Volumetria: Existe uma relação plástica bastante nítida entre a Casa Duldeck e o segundo
Goetheanum. A volumetria, cores e traços da Casa Duldeck se assemelham aos da construção
principal e para além destas características, também pela proximidade entre as duas
edificações, a comparação entre ambas flui quase automaticamente. Não são opostas e nem

84
cópias uma da outra, mas possuem similaridades que convergem para essa assimilação. Para
citar alguns exemplos destes traços em comum, podemos considerar: as formas robustas, o
tom de areia do betão aparente das bases contrastante com a cor mais escura da cobertura,
a evidente simetria das formas e o contraste entre os sulcos e os relevos existentes em ambas
as fachadas principais.

As duas formas cilíndricas das fachadas principais fazem uma referência as duas cúpulas
presentes na cobertura do primeiro Goetheanum. A cobertura tem uma expressão plástica
inusitada e orgânica, de formas fluidas.

O trabalho de Steiner na Casa Duldeck nos remete a uma manipulação da forma, muito ao
modo expressionista, em que distorções, superfícies deformadas e curvas moldadas estão
presentes. Essas características criam uma atmosfera dinâmica ao edifício.

A Casa Duldeck é de construção anterior ao segundo Goetheanum e se mostra como uma


previsão do que viria a ser o edifício icônico, com seu dinamismo orgânico e expressionista.

Materialidade: Foi construída em betão armado. Sua cobertura é em ardósia norueguesa,


similar à do primeiro Goetheanum.

Compartimentação: A residência possui dois pisos e a forma simplificada da sua planta é


similar a um trapézio. Os acessos se dão por todas as fachadas.

Os ambientes se relacionam de forma articulada, com as divisões estipuladas de modo a


compartimentar as diferentes funções.

Planta nível 1 Planta nível 2

Figura 85: Esquema de setorização, adaptação própria sobre plantas baixas da Duldeck Haus
Legenda:
Setor Social

Setor de serviços

Setor Íntimo

85
Fenomenologia: Se compreende como uma metamorfose da construção principal, o
Goetheanum II, ou como este viria a ser em outro estágio de evolução, mais embrionário. O
segundo Goetheanum seria então uma forma evoluída da residência.

Fazendo-se um paralelo à metamorfose da planta, em que o ser arquétipo da planta sofre


metamorfoses até chegar a sua forma final, Steiner atribui à obra arquitetônica esta
qualidade, no momento em que a justaposição das formas que concebe, tendem a criar uma
ideia de crescimento e evolução ainda não finalizada.

Ornamentação: Os pormenores estruturais, o design do mobiliário e todo o interior da


residência, bem como o seu entorno, foram idealizados e projetados por Rudolf Steiner em
colaboração com o arquiteto alemão Hermann Ranzenberger.

86
4.1.2. Casa da Cascata – Frank Lloyd Wright

Breve introdução

Obra do arquiteto Frank Lloyd Wright, localizada em Mill Run, Pensilvânia, nos Estados
Unidos da América, a Casa da Cascata (Fallingwater) de 1937, é um exemplar de arquitetura
residencial que pode ser considerado o maior símbolo da Arquitetura Orgânica. Neste projeto,
Wright procurou realizar uma integração total do edificado com a natureza do entorno, a
principal característica do conceito utilizado.

A preservação do meio ambiente preexistente foi fator primordial na concepção do


projeto, destaca-se o fato de que não foi necessário alterar o curso do riacho e também foi
mínima a intervenção e retirada da vegetação original durante a execução da obra.

“I want you to live with the waterfall, not just to look at it.” 43 (WRIGHT, Frank Lloyd, 1935).

Paisagem: Localizada em meio à mata. Sua concepção integra uma cascata e rochas pré-
existentes no terreno, fazendo-as serem percebidas como parte do projeto. A intenção do
arquiteto era que o som da queda d’água fosse ouvido por toda a residência.

Figura 86: Localização Casa da Cascata. Google Earth

43
Tradução livre da autora: “Quero que você viva com a cascata, não apenas olhe para ela”.
87
Figura 87: Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright

Implantação e orientação: O arquiteto utilizou as pedras como base da residência. A


implantação da residência é isolada em relação ao terreno de característica acidentada e
rochosa com queda d’água. A fachada principal, por onde se dá o acesso, fica voltada à Leste.
Os dormitórios têm aberturas voltadas a Sul. A zona social de conceito aberto, se entende
desde Norte até Sul.

Volumetria: Volumes regulares planos compostos de forma aditiva. O elemento vertical


revestido em pedra ganha destaque na fachada pela sua magnitude e relevância, atribuídas
em projeto, em consonância com as faixas de horizontalidade bem marcadas, criadas a partir
das varandas e coberturas da casa. Este núcleo vertical, localizado em uma das extremidades
da construção, é o eixo estrutural a partir do qual se ramificam as varandas em consola,
mencionadas adiante, ele engloba a chaminé da lareira, e em torno deste elemento se dá a
área social da residência.
A fachada é constituída por amplas varandas em consola que se apresentam em todos os
pisos do edifício, de certa forma com uma menção de estarem avançando para o meio
exterior, fato que convida os usuários a contemplarem a natureza ao redor, como se estas
fossem mirantes sobre a mata. Se apresentam, ao mesmo tempo, como elementos funcionais
e escultóricos na concepção plástica da edificação.

Figura 88: Varanda Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright

88
O aspecto volumétrico geral da residência demonstra uma horizontalidade, característica
presente nas Prairie houses de Frank Lloyd Wright, assim como a definição da planta livre. As
janelas da Casa da Cascata são bem peculiares, pela possibilidade de serem abertas também
nos ângulos das quinas das paredes, o que para quem está dentro da residência cria uma
atmosfera de contato ainda maior com a natureza circundante, à medida que a configuração
de caixa da construção é suavizada.

Figura 89: Janela Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright

Materialidade: Os principais materiais utilizados na construção foram o betão armado, o aço


e o vidro. Para o revestimento optou-se pelas pedras, material que remete à cascata e
reafirma a intenção de elevá-la e trazê-la para integrar a residência, inclusive nos seus espaços
interiores.
A rocha da cascata existente no terreno, sobre a qual a residência se baseia, exerce uma
função estrutural no projeto, pois foi incorporada como fundação da residência. Porém, para
além deste uso, a rocha também é conjugada aos ambientes do projeto, desta vez como um
elemento decorativo, capaz de trazer a natureza para dentro dos espaços, fortificando ainda
mais o valor orgânico do projeto. Mais do que uma simples introdução de elementos naturais
nos interiores, Wright explora a natureza e a arquitetura como um único organismo, a pedra
faz parte da construção literalmente.

Compartimentação: Todos os espaços internos se integram ao meio externo, cada um de sua


maneira, como por exemplo na sala de estar, onde há uma escada de acesso direto ao curso
d’água, local que a família poderia aproveitar com frequência durante o verão.

89
Figura 90: Escada de acesso ao rio. Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright

A Casa da Cascata possui três pisos, sendo o primeiro destinado à área social, que se dá em
torno da lareira, onde se encontram uma sala de estar ampla e uma cozinha, no segundo piso
está localizada a suíte principal, já no terceiro piso está o local de estudos e dormitório do
filho do casal para o qual a residência foi projetada.

A edificação residencial se divide em duas porções, uma delas a casa principal, apresentada
aqui, que é a parte projetada para o casal de clientes, que foi construída entre os anos de 1936
e 1938. Existe também uma área destinada ao abrigo de hóspedes, que foi finalizada no ano
de 1939.

Wright fez questão de causar uma experiência e sensação específica aos usuários da
residência, quando estes circulassem pelos ambientes. Ao passearem pela circulação, sua
intenção era de que sentissem um enclausuramento e conforme fossem avançando em
direção aos espaços principais, sentissem naturalmente o contraste entre as atmosferas
distintas dos ambientes. Para alcançar este objetivo, projetou as circulações internas de
maneira que fossem estreitas e também sem muita iluminação, ao passo que os espaços
principais eram bastante amplos e iluminados. Este artifício também acaba por incentivar a
permanência dos usuários nestes espaços principais, dado que proporciona um conforto
ambiental ao usuário.

A organização dos espaços no piso térreo é feita de forma a interseccionar ambientes de


funções diferentes, criando espaços amplos comuns destinados às áreas sociais. O piso do
dormitório principal relaciona os ambientes de forma articulada, contando com circulação
para interligar os espaços.

90
N

Figura 91: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa do nível 1 - Casa da Cascata

Figura 92: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa do nível 2 - Casa da Cascata

Figura 93: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa do nível 3 - Casa da Cascata

Legenda:
Setor Social

Setor de serviços

Setor Íntimo

91
Fenomenologia: A Casa da Cascata se apresenta como uma arquitetura única e pertencente
ao seu sítio, dando a entender que esta não poderia existir fora daquele local. Percebe-se uma
intenção clara de ofuscar o conceito de estanqueidade do espaço interior perante o exterior.
A residência não se encerra no perímetro da envoltória, pelo contrário, prolonga-se, como se
adentrasse no meio circundante e a ele se fundisse de forma plena.

Iluminação e ventilação: Zona social e íntima recebem a luz do sol durante todo o dia. Há
incidência de luz solar direta pelas aberturas dos terraços e indireta pela janela do estar do
pavimento térreo. As grandes aberturas, além da visão para o exterior, viabilizam a iluminação
e ventilação naturais, fator potencializado pelo conceito aberto da zona social.

Ornamentação: Wright incorporou as pedras da área do projeto nos próprios ambientes


internos, de forma planejada, com o objetivo de trazer a natureza para dentro da residência.
Assim, as pedras estão localizadas nas áreas sociais, próximas à lareira e também é usada
como revestimento em algumas divisórias.
Grande parte do mobiliário escolhido para a casa foi feito embutido nas paredes, de forma
que não fosse possível realizar alterações de layout.

Figura 94: Interior Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright


Figura 95: Interior Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright

92
4.1.3. Casa Milà – Antoni Gaudí

Breve introdução

Obra modernista da fase de maturidade criativa da carreira de Antoni Gaudí, inspirada em


formas naturais, foi construída entre 1906 e 1912. Foi projetada para residência de uma
família abastada em Barcelona. À época de sua construção, a população em geral a
considerava muito original, visto que em comparação aos padrões da época, se destacava por
completo em todos os aspectos, e este fator foi visto por algum tempo como uma
característica negativa. É uma obra de relevância histórica e forte expressão global, listada
como patrimônio mundial pela Unesco, e pode ser identificada como um exemplar da
arquitetura biomórfica.

Paisagem: Localizada no coração de Barcelona, numa via arterial, movimentada, rodeada por
edifícios. Na época de sua construção, o Paseig de Gràcia, como é chamado, se configurava
como o marco da burguesia local, o qual com toda a opulência da classe ascendente era local
disputado para a construção de novas moradias.

Figura 96: Localização Casa Milà. Google Earth

93
Figura 97: Casa Milà. Antoni Gaudí

Implantação e orientação: Está situada em terreno plano, em uma esquina, possuindo,


portanto, 3 fachadas, sendo uma delas o chanfro, tradicional no Plano Cerdá. A de maior
comprimento é a da Carrer de Provença. A fachada do acesso principal é voltada à Sul. Há
apartamentos voltados a todas as direções e pátios internos.

Volumetria: O volume composto em pedra joga com a organicidade das formas onduladas da
face da fachada e suas varandas. As janelas e varandas se distribuem de forma heterogênea,
não repetindo a mesma sequência em todos os andares, o que confere dinamismo e interesse
à expressão visual do projeto.

Os portões de acesso, com suas peculiares formas e desenhos que remetem ao casco de
tartarugas, são feitos em ferro e vidro e, por sua translucidez, a ideia de comunicação entre o
exterior e o espaço interior se faz presente.

Figura 98: Portão de entrada da Casa Milà. Antoni Gaudí

Na cobertura, Gaudí propôs formas escultóricas de linhas curvas e heterogêneas, que


harmonizam com as formas da fachada e criam níveis ligados por escadas de diferentes
tamanhos e formas. Estas formas organizam as saídas de escadas, chaminés e prismas de
ventilação presentes. Sugerem, a uma primeira vista, traços de figuras humanas e voltam a
evocar o aspecto orgânico presente na totalidade da construção.
94
Figura 99: Cobertura da Casa Milà. Antoni Gaudí

Figura 100: Forma escultórica da cobertura da Casa Milà. Antoni Gaudí


Figura 101: Forma escultórica da cobertura da Casa Milà. Antoni Gaudí

Materialidade: Pedras de cor areia com textura, utilizada largamente nas fachadas do prédio,
material que fez a construção ficar conhecida como “La Pedrera”, sofre variações na
tonalidade consoantes à altura e localização da iluminação solar ao longo do dia e a depender
da estação do ano, o que gera a sensação de dinamismo. Utilização de revestimentos
cerâmicos do tipo azulejar, de compostos e reagrupados, numa evocação de colônias de coral.

Compartimentação: O edifício possui nove níveis, sendo estes: subsolo, piso térreo, mezanino,
piso principal para moradia da família, 4 andares superiores para aluguel e ático. No piso de
acesso a ideia de dinamismo e fluidez está presente e marcada pelas formas de acesso à
edificação e pelas transições entre os ambientes. A forma natural e fluida de passagem entre
os espaços traz consigo a essência da organicidade. Percebe-se nas paredes a intenção clara
de Gaudí ao expressar as formas curvas e orgânicas. Não existem quinas e ângulos agudos,
estes são suavizados por acabamentos curvos e nem mesmos os forros são retos,
acompanhando este conceito de organicidade, criando formas onduladas que por vezes
aparentam naturalidade ao não apresentarem um padrão explícito.

95
Figura 102: Interior da Casa Milà. Antoni Gaudí

No pavimento térreo, existem dois pátios internos e uma trama de corredores que
cumprem a função de zonas de transição que anteveem às habitações. Gaudí aproveita estes
pátios, eixos verticais já estabelecidos do projeto, para posicionar as escadas que dão acesso
aos pavimentos superiores.

Figura 103: Planta Baixa - Casa Milà. Antoni Gaudí

Gaudí explora o sistema da planta livre na definição interna da edificação. Ou seja, como
um esqueleto, o sistema estrutural do edifício se dá por ramificação, por colunas, vigas e lajes
que suportam as cargas dos pavimentos e as distribuem até o solo, o que permite que a

96
compartimentação interna seja bastante flexível, já que as paredes podem variar de
localização em cada pavimento, por não possuírem função estrutural, serem meramente
fechamentos. Esta característica permitiu não só a aplicação de configurações diferentes
entre os pavimentos, abrangendo uma gama de possibilidades de uso dos usuários, quanto a
posterior modificação interna para suprir necessidades específicas de compartimentação.

Fenomenologia: A Casa Milà se mostra uma construção acima de tudo orgânica, no sentido
mais denotativo do termo, aquilo que se desenvolve naturalmente. Em seu conjunto formal,
pouco se propõe a refletir formas naturais específicas ou literais, pelo contrário, atinge um
nível ainda maior de organicismo, ao expressar materialmente, formações que os processos
naturais seriam capazes de produzir, por mais que não o tenham feito. Gaudí o faz, levando
em conta um pouco da aparente aleatoriedade da natureza, como num desenvolvimento
orgânico e dinâmico, desde a sua estrutura mais primária até o coroamento, com as formas
escultóricas da cobertura, que numa composição sistêmica, à primeira vista quase ilógica,
acaba por resultar num todo dinâmico e harmônico.

As transições entre as diversas temáticas alusivas que estão presentes na Casa Milà são
outro ponto a se considerar. Os aspectos visíveis na obra, apontados anteriormente, como a
alusão a figuras humanas, ao casco da tartaruga ou a ramos de vegetações, se apresentam de
forma desconexa ao observador que avalia as partes da edificação separadamente, mas
integradas ao todo, possuem uma poética na qual se desenrolam como uma história sendo
contada, em que não há lacunas por preencher e a coesão é plena na obra.

Iluminação e ventilação: Os pátios internos projetados para a Casa Milà são conectados às
áreas de acesso principais e cumprem um papel funcional dentro do sistema do edifício, são
responsáveis por aprimorar a ventilação e a iluminação naturais dentro dos espaços de
habitação, à medida que viabilizam a ventilação cruzada e possibilitam que a luz natural
penetre nos ambientes mais internos ao edifício. As varandas circundantes do edifício
permitem aberturas em todos os lados, mantendo o afastamento das edificações vizinhas.

O pavimento superior do edifício se destaca dos demais por sua função suplementar. Neste
pavimento não existem habitações, mas funciona como uma camada de isolamento térmico,
que protege os pisos inferiores das trocas de calor principalmente nos casos de temperaturas
muito altas ou muito baixas. A cobertura é apoiada sobre uma trama de arcos parabólicos de
tijolos em variadas escalas, que compõem um desenho orgânico e dinâmico.

97
Figura 104: Arcos parabólicas de sustentação da cobertura. Casa Milà - Antoni Gaudí

Ornamentação: Gaudí, seguindo seu princípio de projeto como obra de arte total, se
encarrega de planejar cada elemento da sua criação, baseando-se para tanto em formas e
aspectos encontrados na natureza ou enquanto projeção de uma natureza-naturante, em
plena formação. Desenha formas sugestivas, que remetem direta ou indiretamente à
morfologia da natureza, às vezes fazendo uma conotação, em outras, de forma bastante
direta, pelo que podemos encontrar nesta obra muitos elementos que remetem a animais,
vegetação, relevos, como por exemplo as guardas, esquadrias, etc.

Figura 105: Design da guarda na Casa Milà - Antoni Gaudí


Figura 106: Abertura na Casa Milà - Antoni Gaudí
Figura 107: Esquadria Casa Milà - Antoni Gaudí
Figura 108: Maçaneta Casa Milà - Antoni Gaudí

98
4.1.4. Bosco Verticale – Stefano Boeri

Breve introdução

O Bosco Verticale é um projeto residencial multifamiliar localizado em Milão, Itália, de


autoria do estúdio do renomado arquiteto Stefano Boeri. Foi concluído no ano de 2014 e
configura-se como um exemplar da arquitetura biofílica, mesclando princípios de
sustentabilidade e arquitetura bioclimática em seu conceito.

É um edifício autossuficiente energeticamente, que sana suas próprias demandas de


energia elétrica através do sistema de geração de energia limpa e renovável com painéis
solares implantados, além da filtragem de águas residuais para uso posterior para irrigação
das espécies vegetais.

“Like the precursor of organic architecture Frank Lloyd Wright, Boeri also professes hybridism
and the disappearance of the city in nature, but he prefers the intensity of the skyscraper to the
nostalgia for single-family homes”44. (GIACOMETTI, 2020)

Figura 109: Vista aérea do Bosco Verticale. Stefano Boeri

44
GIACOMETTI, Alessio - La città al tempo del riscaldamento globale. 2020.
Tradução livre da autora: “Como o precursor da arquitetura orgânica, Frank Lloyd Wright, Boeri também professa
o hibridismo e o desaparecimento da cidade na natureza, mas prefere a intensidade do arranha-céu à nostalgia
das casas unifamiliares”.
99
Figura 110: Localização Bosco Verticale. Google Earth

Paisagem: O Bosco Verticale se estabelece no cenário urbano como uma enorme floresta
vertical, destacando-se pela sua grandiosidade e originalidade características. A paisagem ao
seu redor, totalmente urbana, é constituída por tipologias convencionais, tanto
contemporâneas como também históricas. A área em questão foi objeto de um projeto de
revitalização.

O conceito geral do projeto vislumbrava a instalação de uma floresta vertical construída


em meio urbano que contribuísse de diversas formas com o meio do seu entorno: através do
melhoramento do ecossistema e microclima da região, filtragem do ar, produção de umidade,
preservação da biodiversidade, dentre outras vantagens.

O Bosco Vertical se integra com a paisagem do entorno, como se estivesse repondo no local
a paisagem natural perdida ao longo do tempo, e por sua grande escala e densidade, acaba
por representar uma quantia significativa de vegetação, fazendo jus ao seu nome, que poderia
ser traduzido como floresta vertical.

Implantação e orientação: A implantação do edifício, em terreno plano, contempla um parque


urbano aberto e arborizado, o Giardino na via de Castillia, uma área verde aberta ao público,
com 8.000 metros quadrados, localizado na lateral e fundos das torres, que engloba a
construção e conta com passeios, ciclovias e áreas relvadas. O parque cria, assim, uma área
que faz a transição visual entre as edificações dos arredores e a “floresta vertical”,
configurando-se com sua vegetação intermediária no quesito densidade. O edificado se
relaciona com a malha urbana e com o entorno, harmonizando-se com o parque arborizado.

100
Em ambos os blocos, as áreas sociais são prioritariamente voltadas a sul e leste, enquanto
as áreas íntimas se voltam para todas as direções. Para melhor aproveitamento da orientação
solar, optou-se por alocar as circulações do edifício nas áreas centrais, bem como as áreas de
serviços.

Figura 111: Planta de implantação do Bosco Verticale. Stefano Boeri

Volumetria: O prédio é composto por duas torres de apartamentos, de alturas diferentes,


conectadas por uma base em formato de “L”, cujas fachadas abrigam vastas vegetações de
variadas escalas, o equivalente a 20.000 m² de vegetação, que representam quase que a
totalidade do que é percebido visualmente pelo observador a nível da rua.

Nesta obra, as espécies vegetais utilizadas cumprem papéis fundamentais, já que para além
da utilização usual, elas são exploradas como partido de projeto, integram a materialidade e
expressão formal do edifício.

A composição em planta, organiza os apartamentos de forma alinhada, com o acréscimo


de varandas em balanço dispostas de maneira irregular, sendo o corpo central de cada bloco
regular e de formato retangular, embora com dimensões diferentes entre um bloco e outro.

Materialidade: Especialmente neste projeto, a vegetação empregada no edifício pode ser


entendida como parte integrante da materialidade, visto que, incorporada às fachadas do
edifício, pelo que aqui exerce funções usualmente desempenhadas pelos materiais e
elementos construtivos, sendo estas tanto estéticas quanto construtivas. Por exemplo, a cor
das espécies cria o aspecto visual das fachadas, com a mudança das estações do ano e da cor
das folhas: assim, o prédio também se transforma completamente, como exemplificado no
esquema abaixo:

101
Figura 112: Esquema de variação das cores da vegetação de acordo com a estação do ano

A vegetação também desempenha funções de isolamento térmico e acústico, atenuação


da incidência solar direta ou do vento, bloqueador da visibilidade interna, funções usualmente
exercidas por brise-soleils, persianas, isolantes térmicos, entre outros elementos tradicionais.
Também contribui para a manutenção da limpeza interna dos apartamentos, à medida que
bloqueia eventuais entradas de poeira.

A disposição das espécies e tipologias vegetais utilizadas varia piso a piso, pois foi planejada
tendo-se em conta orientação solar e alturas nas fachadas, observando no resultado
esperado, os requisitos e prioridades de cada uma e do conjunto.

A estrutura da edificação é de betão armado e suas fachadas contam com grandes peles
em vidro e acabamento em grês porcelânico em cor escura em contraste com o mesmo
material em cor mais clara nas bases das varandas. Estes materiais de acabamento se
apresentam como coadjuvantes neste cenário em que a vegetação é o grande destaque.

“Rather than just a simple architectural object therefore, the presence of the plant component
means that the Vertical Forest is more akin to a set of processes – partly natural, partly man-managed
– that accompany the life and growth of the inhabited organism over time”45.

45
Stefano Boeri Architetti.
Tradução livre da autora: “Em vez de apenas um objeto arquitetônico simples, a presença do componente
vegetal significa que a Floresta Vertical é mais semelhante a um conjunto de processos - parcialmente naturais,
parcialmente gerenciados pelo homem - que acompanham a vida e o crescimento do organismo habitado ao
longo do tempo”.
102
O projeto ainda adotou alguns sistemas construtivos e complementares de tecnologia de
ponta agregada, como o sistema isolante na base do edifício, capaz de amortecer as vibrações
que a linha de metrô que cruza o edifício por baixo produz, além do sistema de irrigação
altamente complexo da vegetação das fachadas, que inclui a captação e reaproveitamento de
água das chuvas.

Figura 113: Estrutura do Bosco Verticale em construção.

Compartimentação: As entradas principais do edifício se localizam em lugares estratégicos e


pouco visíveis ao público geral. Uma vez que é uma área aberta com acesso à população,
optou-se por localizá-las de forma mais discreta. À entrada encontra-se um grande espaço
multifuncional de uso coletivo dos moradores.

São 113 apartamentos ao total, cada um conta com no mínimo uma sacada exclusiva, local
em que se tem o contato direto com a vegetação da fachada. As tipologias dos apartamentos
variam em número de quartos e de pisos, existindo alguns compactos com dois quartos até
os maiores do tipo cobertura e duplex.

A organização dos espaços internos é de forma aglomerada, os apartamentos são


justapostos formando a geometria retangular dos blocos, alocados em forma de “L” com um
corpo central.

Figura 114: Varanda Bosco Verticale. Stefano Boeri

103
A divisão interna dos apartamentos é disposta da maneira convencional, dividida em áreas
íntimas, de serviço e áreas sociais. As varandas por vezes têm acesso pelas áreas sociais, como
salas de estar e jantar e por vezes seu acesso se dá através das áreas íntimas, como os quartos.

Figura 115: Setorização da Torre 1 - Bosco Verticale. Stefano Boeri


N

Figura 116: Setorização da Torre 2 - Bosco Verticale. Stefano Boeri


104
Os espaços internos se veem rodeados pela vegetação, seja diretamente, como é o caso
das varandas, seja indiretamente, como é o caso dos espaços mais internos que tem com a
vegetação das varandas uma conexão visual, relação que gera a sensação de estar em
permanente ligação com a natureza.

Fenomenologia: Percebe-se a clara ideia de “retomada”, “reapropriação pelo natural”: a


natureza toma posse da construção, retomando o espaço que foi perdido com a urbanidade.
Uma floresta vertical densa e tridimensional, que assim como a natureza nativa, também
passa por periódicas transformações biológicas com reflexos estéticos. Relação com a
natureza revelada por uma intenção de Fugere urbem limitada, que se dá em meio ao cenário
urbano.

Iluminação e ventilação: A fachada vegetada cria um sombreamento capaz de diminuir


naturalmente as temperaturas internas, conferindo aos ambientes um conforto ambiental
térmico, em que nos dias mais quentes reduz as temperaturas e ameniza a entrada da
radiação solar, o que evita ofuscamento e entrada excessiva da iluminação natural. Para os
dias de temperatura extremamente alta, está previsto um sistema complementar passivo, que
explora a temperatura das águas subterrâneas e gera um resfriamento artificial da
temperatura interna por meio do pavimento.

A edificação possui grandes aberturas de portas e janelas, o que favorece a ventilação e


iluminação naturais e maximiza a conexão visual com a vegetação. Em contraste, a
possibilidade da ventilação cruzada é quase que totalmente eliminada nos espaços, haja vista
a disposição implementada dos apartamentos, um justaposto ao outro.

Figura 117: Interior de apartamento do Bosco Verticale. Stefano Boeri

105
4.1.5. Moradia de professores em Gando – Francis Kéré

Breve Introdução

As casas foram construídas em 2004, com a finalidade de proporcionar moradia para


professores e suas famílias que iriam para a região rural de Burkina Faso, para trabalhar nas
escolas que também foram projetadas pela Kéré Architecture, que naquele momento carecia
de professores por conta da dificuldade no acesso ao local.

Paisagem: Burkina Faso está localizada na África Ocidental, na faixa do Sahel, e possui um
clima de característica quente e seca. Localizado em área de campo, com poucas construções
no seu entorno e pouca vegetação.

Figura 118: Localização Moradia de professores em Gando. Google Earth

Implantação e orientação: As casas foram dispostas em terreno plano ao sul da escola, em


forma de arco, lembrando a disposição das casas vernaculares das vilas tradicionais de Burkina
Faso, cuja geometria é semelhante a uma elipse.

Setor íntimo orientado a Sul, acessos e serviços a norte e o setor social orientado a leste.

106
Figura 119: Planta baixa - Moradia de professores em Gando. Francis Kéré

Figura 120: Vila tradicional de Burkina Faso

Volumetria: O método de construção das casas é baseado em uma modulação de peças


adaptáveis, que podem ser dispostas de diferentes maneiras e resultar em tipologias
residenciais diversas. O estilo da construção foi inspirado nas cabanas circulares típicas da
região. A cobertura tem forma ondulada e há um vão entre ela e as paredes.

107
Figura 121: Moradia de professores em Gando. Francis Kéré

Figura 122: Fachadas Moradia de professores em Gando. Francis Kéré

Materialidade: Os telhados são feitos de blocos de terra comprimidos formando abóbodas de


berço, objetivando uma eficiência climática. O pavimento é argila compactada.

As paredes são construídas com o tijolo de solocimento, que é feito de areia, água, argila e
cimento, e não passa pela etapa de cozimento, o que o faz ser considerado um tijolo mais
ecológico. Porém, são prensados como no sistema adobe.

Os blocos, além de serem ecológicos em sua produção, possuem uma componente


bioclimática desejável, auxiliam no conforto térmico interno das construções em que são
utilizados. São capazes de diminuir as temperaturas no interior em até 9 ºC, característica
imprescindível nesta região, que atinge facilmente os 45 ºC ou mais, nos dias mais quentes.

108
Vernacularidade: A comunidade da região participou ativamente da construção, tanto da
escola quanto da moradia para os professores. Foram instruídos a produzir os blocos que
seriam utilizados para erguer as paredes e a compactar o solo.

Uso da terra como material de construção, sustentável. Simplicidade e materiais obtidos


localmente. O arquiteto concilia de forma harmônica a arquitetura vernacular e as tecnologias
contemporâneas que teve contato enquanto arquiteto.

Kéré explorou a arquitetura vernacular como meio de prezar pela sustentabilidade e de


suprir, paralelamente, uma condição daquela comunidade, pois os recursos eram escassos.
Por isso, o uso de materiais locais era necessário e foi o ponto chave, optando-se neste caso
pela terra. As estratégias de ventilação passiva e arquitetura bioclimática também eram
indispensáveis tendo em conta as temperaturas altas predominantes no local e a inviabilidade
financeira de se instalar um sistema artificial de ventilação.

Figura 123: Moradia de professores em Gando e comunidade local

Compartimentação: Existem dois acessos para a casa. A partir da área social, desenvolvem-se
a área íntima e de serviços, exceto a casa de banho que fica localizada fora do volume
principal. Não há circulações internas, os ambientes são justapostos e articulados
diretamente. Existe uma circulação externa em toda a volta das residências, que contaria com
um jardim previsto em projeto.

Ornamentação: As coberturas de forma ondulada e disposição das casas têm inspiração em


formas naturais sinuosas, o que contribui para a plasticidade estética das edificações, que
possuem pouco empenho ornamental.

109
Figura 124: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa - Moradia de professores em Gando

Legenda:
Setor Social

Setor de Serviços

Setor Íntimo

Fenomenologia: A coloração dos materiais utilizados inevitavelmente remete à cor do solo da


região, criando uma correlação de identidade com o local em que a construção se insere, como
se crescesse a partir daquele solo para conceder abrigo aos moradores. A conexão da
comunidade com os recursos naturais provenientes da região se intensifica a partir disso.

A edificação foi construída pelos próprios moradores para os novos vizinhos que estavam
por vir, o que expõe um especial sentimento de acolhida nestas casas particulares. Sua
configuração formal é cara aos habitantes por remeter a um passado e cultura locais,
mantendo viva a “memória do lugar”, com suas tradições, saberes e peculiaridades.

Iluminação e ventilação: A ventilação passiva é atingida pela especificação de amplas janelas


e uma disposição que permite que a ventilação cruzada ocorra, através de diversas aberturas
estrategicamente posicionadas.

110
Figura 125: Abertura na Moradia de professores de Gando

A cobertura metálica foi necessária para proteção contra as chuvas dos blocos das paredes.
Mas ao contrário do uso tradicional, foi instalada de forma a facilitar a ventilação passiva no
interior. A cobertura combina duas peças de alturas diferentes, que são sobrepostas e entre
elas cria-se um vão que contribui para a entrada da iluminação natural e circulação do ar e
saída de ar quente, o chamado efeito chaminé.

Figura 126: Moradia de professores de Gando. Francis Kéré

111
4.1.6. Casa das Canoas – Oscar Niemeyer

Breve introdução

A Casa das Canoas é uma edificação residencial construída entre os anos de 1950 e 1954,
no bairro de São Conrado, cidade do Rio de Janeiro, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer,
onde pretendia morar com a esposa, a ideia se concretizou por alguns anos, até que Niemeyer
saísse do Brasil.

Obra característica da arquitetura moderna, em que Niemeyer engloba a natureza como


elemento condicionante da concepção arquitetônica. As formas curvas e sinuosas também
são emblemáticas nesta obra, lembram as formas naturais e simultaneamente se fundem
harmonicamente com a natureza do entorno.

“Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O
que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso
sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas
é feito todo o Universo – o Universo curvo de Einstein.” (NIEMEYER)

Figura 127: Croquis com estudo de vistas para a Casa das Canoas. Oscar Niemeyer

Paisagem: O ponto de partida é a natureza e a busca pela interpretação da paisagem. Porém,


a pala ocorre num contexto de afirmação, de gesto profundamente moderno de liberdade de
traço. Acolhe e simultaneamente aponta para a casa e para a água em sua frente - Dir-se-ia
que se trata de um exemplo bem alicerçado de um projeto “de dentro para fora”, sem
descurar a evidência do edificado, sem o procurar esconder por um mimetismo (que aqui seria
estéril). Porém, o que se depreende do edifício é uma calma e uma gradual fusão com a
112
floresta, a que também não é estranho a inclusão, pura, bruta, orgânica, da pedra nativa, do
afloramento que como que indica logo que o que ali pousou não desfez a natureza, antes a
interpretou.

Figura 128: Localização da Casa das Canoas. Google Earth

Implantação e orientação: A construção está inserida entre o mar e a montanha, isolada num
terreno muito acidentado - do qual Niemeyer toma partido no projeto - numa região densa
de Mata Atlântica. A mata e a construção atuam em conjunto como num mecanismo em que
um elemento ressalta a beleza do outro. Indo mais a fundo nesta coexistência lado a lado,
Niemeyer opta por encrustar a rocha na construção, tornando-as então elementos
interdependentes. Esta escolha projetual em especial, juntamente com outros fatores,
reafirma o caráter orgânico da construção.

A orientação privilegiou as áreas sociais, que ficaram voltadas a Norte, direção de maior
recebimento de luz solar durante o dia, já a área de serviços ficou a Sul e os ambientes íntimos
do piso inferior estão equidistribuídos.

Figura 129: Casa das Canoas. Oscar Niemeyer


Figura 130: Vista aérea da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer
113
“Minha preocupação foi projetar essa residência com inteira liberdade, adaptando-a aos
desníveis do terreno, sem o modificar, fazendo-a em curvas, de forma a permitir que a vegetação
nelas penetrasse, sem a separação ostensiva da linha reta.” 46 (NIEMEYER, 1982).

Figura 131: Corte da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer

Volumetria: A laje de mínima espessura, juntamente com a incorporação da rocha na


construção são sem dúvidas grandes marcos do projeto. A rocha encrustada na casa, é um
recurso utilizado que nos faz perceber natureza e obra arquitetônica como um organismo
único e interdependente, como se um não existisse sem o outro.

Figura 132: Casa das Canoas, Oscar Niemeyer.


Figura 133. Rocha da Casa das Canoas, Oscar Niemeyer.

Os pilotis de cor preta, que sustentam a cobertura, se mimetizam no cenário envolvente,


por conta da cor da mata e das sombras criadas pela volumetria da casa.

A Casa das Canoas se caracteriza pela escala baseada no corpo humano, fato percebido ao
se observar, entre outros aspectos, o pé direito relativamente baixo dos dois pavimentos.

46
NIEMEYER, Oscar - Residência Canoas, Rio de Janeiro. Módulo, Rio de Janeiro, n.70, p.48, 1982.
114
Figura 134: Croquis de estudo de Oscar Niemeyer para a Casa das Canoas

Materialidade: A casa possui como materiais construtivos, principalmente, o betão, além do


vidro.

A cobertura é uma laje em betão, paredes em betão revestidas em pedra, esquadrias em


alumínio e madeira e persianas de alumínio.

Compartimentação: O nível inferior tem uma circulação mais delimitada e ambientes


compartimentados: é onde ficam os quartos, biblioteca e casas de banho, o qual é acessado
por uma escada localizada ao lado da rocha, e nesta transição Niemeyer passa uma sensação
de recolhimento por meio de um pé-direito mais baixo e de estratégias de iluminação
diferenciadas. Nas áreas íntimas, Niemeyer também prezou pela entrada de luz natural e quis
aproveitar ao máximo as vistas para a mata, objetivos que o levaram a desenhar esquadrias
especiais para a residência.

115
Figura 135: Plantas baixas dos níveis inferior e superior da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer

116
Figura 136: Esquema de setorização da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer

Os acessos da casa se dão separadamente, um acesso social por uma rampa que chega
próximo à piscina e um acesso para veículos. Não existe garagem, os veículos ficam
estacionados em um platô afastado da casa, a partir do qual os pedestres descem a pé.

Figura 137: Esquema de acessos da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer

Niemeyer desenvolve as áreas íntimas no nível inferior, adaptando a construção à


inclinação do terreno, o que atribui uma maior privacidade a esta zona, enquanto todo o setor
social da residência – sala de estar, sala de jantar, cozinha, uma varanda aberta e lavabo – fica
situado no piso térreo, voltado para o mar, com uma vista privilegiada, que é onde está
também o nível de acesso à malha urbana. Este piso tem um layout aberto com circulação
livre e é conectado visualmente ao exterior quase por completo, por conta do uso significativo
dos panos de vidro curvos.

117
Figura 138: Interior do piso superior da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer
Figura 139: Escadas de acesso ao piso inferior da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer

Fenomenologia: A fusão entre exterior e o espaço interior é quase completa, aspecto atingido
pela transparência dos fechamentos em vidro em conjunto com a leveza dos esbeltos pilotis.
A construção parece não querer se esconder ou mesmo se sobressair ao ambiente natural. Ela
se mostra timidamente através da laje na cor branca que difere do contexto, e
contrabalanceando-se a isto, se recolhe na sua posição subordinada à natureza, por meio da
ausência de paredes e pela localização estratégica do piso inferior, disfarçando o elemento
edificado no contexto.

Iluminação e ventilação: São empregados diferentes modelos de aberturas e janelas ao longo


da edificação, buscando atender a demandas específicas de iluminação, ventilação e vista para
o exterior. As janelas dos quartos possuem um desenho que as projeta para fora, criando
quatro faces, a fim de aproveitar melhor a vista para a mata, muito embora sejam pequenas,
o que confere uma atmosfera mais aconchegante e intimista.

Figura 140: Esquadrias variadas da Casa das Canoas. Oscar Niemeyer

As casas de banho têm um forro em alumínio com aberturas que permitem a entrada da
luz natural.
118
Figura 141: Forro com aberturas da casa de banho

Os panos de vidro curvos do piso térreo, além de viabilizar a conexão visual com o entorno,
permitem a entrada da luz natural, enquanto os beirais bastante projetados da laje atuam
como suavizadores da incidência direta dos raios solares, evitando o aquecimento excessivo.
O clima da região é tropical seco, com uma variação térmica baixa, variando entre 19 e 28 ºC.

Figura 142: Panos de vidro na sala da Casa das Canoas

Ornamentação: A ornamentação e mobiliário da casa foram projetados por Oscar Niemeyer


em conjunto com sua única filha Anna Maria Niemeyer. No jardim e piscina, localizam-se
esculturas de formas femininas de Alfredo Ceschiatti, um artista amigo do arquiteto.

A rocha que se insere na piscina e parece crescer a partir dela, é simultaneamente tomada
como base de uma parede e atravessa a fachada adentrando no ambiente da sala, pareada
com um elemento paisagístico, pelo que também se insere como um elemento ornamental
da construção. As formas sinuosas dos elementos construtivos conferem um aspecto
ornamental particular à construção, mas não adjetivada, antes se fundindo com a
forma/estrutura, numa ambiguidade própria às obras de Niemeyer.

119
4.1.7. Casa do Cipreste – Raul Lino

Breve Introdução

A Casa do Cipreste, que foi projetada no ano de 1912, em São Pedro de Sintra, em meio a
Serra de Sintra, como uma casa do próprio arquiteto Raul Lino, em que passava temporadas
nos verões, e onde também por vezes trabalhava. Foi implantada sobre uma antiga pedreira,
com vista para o Palácio Real, estando concluída no ano de 1914.

A conexão entre a natureza envolvente e a obra arquitetônica é o aspecto mais marcante


neste projeto, perceptível tanto na relação da obra com o entorno como no próprio
funcionamento interno. O pátio interno com jardim elaborado no projeto e a disposição dos
ambientes da casa ao redor da natureza externa são amostras da importância que Lino dava
ao orgânico.

Paisagem: Esta casa se integra harmonicamente à paisagem, se insere sobre uma antiga
pedreira, a partir da qual parece se desenvolver, ao mesmo tempo, privilegia as vistas que a
Serra de Sintra proporciona, com sua vasta vegetação. Lino explora estas condicionantes ao
criar aberturas estratégicas, ao definir conexões visual e espaciais, como a escada de aspecto
rústico que liga o lago à residência e projetando o pátio interno da casa que traz uma amostra
do meio natural para dentro do convívio familiar.

Figura 143: Localização da Casa do Cipreste. Google Earth

Lino implanta a residência nesta pedreira, propriamente sobre um rasgo, a partir de onde
se tem uma vista da natureza do entorno e em alguns pontos sobre as copas das árvores.

120
Figura 144: Casa do Cipreste - Fachada lateral, vista a partir das Escadinhas Raul Lino

Implantação e orientação: A casa está erigida num terreno com grande declividade e se
desenvolve em cinco pisos, sendo 2 caves além da cobertura. Sendo a fachada principal
voltada à oeste e sudoeste.

O pátio está localizado à sul da residência, para onde se voltam os cômodos de maior
privacidade, enquanto as áreas de serviço ficam voltadas para o norte.

Figura 145: Fachadas e Planta de Cobertura da Casa do Cipreste. Raul Lino

Volumetria: Sua morfologia é concebida buscando ocupar com melhor aproveitamento o


terreno e seu declive e se adaptar de forma orgânica ao ambiente, para isso congrega blocos

121
de diferentes alturas e formatos justapostos, com ênfase aos telhados de duas a oito águas
que criam uma estética complexa e multifacetada.

A natureza se faz presente na edificação de três formas: representada nos desenhos e


padrões decorativos escolhidos por Lino, visualmente através da relação das aberturas com a
paisagem e sensorialmente, à medida que a casa de adapta perfeitamente ao entorno natural
e permite uma vivência integrada dos moradores com o ambiente.

Figura 146: Fachada ocidental da Casa do Cipreste, vista da Calçada de São Pedro

Materialidade: Paredes autoportantes, alvenaria mista, cantaria de calcário, estuque, ferro


forjado e madeira.

Vernacularidade: Pinturas tradicionais de azulejo, modos tracionais de produção com


influência do Arts & Crafts, artesanato. Incorporação de elementos decorativos tradicionais,
usados em um contexto diferente e inovador.

Compartimentação: A circulação tem um tratamento peculiar neste projeto, tem uma


trajetória sinuosa e conforme seu percurso fica mais próximo da área da sala de estar, sua
largura vai ficando maior.

A planta se desenvolve de maneira articulada, tendo os ambientes formatos diferentes e


transições distintas, parecem se voltar em direção ao pátio, com exceção às áreas de serviço.

A planta é poligonal e irregular, e segue a seguinte distribuição funcional: o acesso principal


se dá na fachada nordeste numa cota mais alta do terreno, chegando num ambiente
denominado na planta por vestíbulo, onde se encontra a escada de acesso aos pisos
superiores e a partir do qual sai uma circulação de arestas chanfradas, que dará acesso aos
demais cômodos da residência; a área social tem orientação à oeste e sudoeste, onde ficam a
sala de estar de planta octogonal, espaço com a vista mais privilegiada da casa para a Serra de

122
Sintra; e a sala de jantar de formato excêntrico, como uma elipse, toda revestida em pintura
mural, tendo inclusive o aparador seguindo este desenho. Voltados para a fachada Sul estão
os ambientes íntimos, onde se localiza o jardim da residência e para o qual as janelas se abrem.

Uma arcada em L, que dá acesso ao atelier, e uma varanda estão em contato direto com o
jardim e são valorizados por vão em arco de volta perfeita. O jardim é o grande espaço
conector entre os extremos da residência.

Figura 147: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa - Casa do Cipreste

Legenda:
Setor Social

Setor de Serviços

Setor Íntimo

Fenomenologia: A interface entre a obra de Lino e seu entorno é híbrida. Por um lado, usa de
transições demarcadas entre a paisagem e a construção que se acomoda sobre o relevo, por
outro lado, usa de artifícios construtivos para articular a arquitetura e o substrato natural pré-
existente, criando um cenário contínuo que evolui e culmina na edificação.

A edificação, em contraponto ao aspecto bruto da rocha, proporciona um clima


aconchegante, oriundo do tradicionalismo empregado. Ademais, Lino busca criar atmosferas

123
especiais e diversificadas para os espaços internos, ao mesmo tempo que incorpora o cenário
natural ao convívio da casa.

Iluminação e ventilação: Lino trabalha muito cuidadosamente as luzes e sombras nos


ambientes, preocupando-se com as experiências dos moradores dentro da residência e com
a iluminação natural adentrando os ambientes. As aberturas para o pátio ajardinado são
postas de forma generosa, prezando pela máxima integração com o meio.

São criados jogos de luzes e sombras consoantes à hora do dia e local da casa, que em
determinados momentos realçam as cores das telhas verdes e acastanhadas, que se
confundem propositalmente com a cor das árvores do entorno, demonstrando a preocupação
de Lino em não intervir tão abruptamente no cenário preexistente.

Ornamentação: Nesta casa, Lino projetou de tudo, incluindo os pormenores decorativos do


interior como: maçanetas, apliques, candeeiros, desenhou alguns padrões dos azulejos
coloridos utilizados na cozinha, circulação e sala de jantar - embora não os tenha ele mesmo
pintado –, mobiliário, que em alguns casos seguia o desenho curvo das paredes, e muitos
outros objetos.

Os padrões dos azulejos seguem, em grande parte, motivos de ordem natural, ao


representar folhagens, ramos e flores.

Figura 148: Pormenor da janela da fachada principal da Casa do Cipreste

124
4.1.8. Maison à Bordeaux – Rem Koolhaas

Breve Introdução

Projeto residencial feito pelo atelier de Rem Koolhaas, arquiteto reconhecido pelos seus
projetos inovadores, morfologicamente e tecnologicamente, pela adoção ao construtivismo e
desconstrutivismo. A construção foi concluída em 1998, situada nos subúrbios da capital
francesa, em uma colina com vista para a cidade de Bordeaux para a moradia de uma família
em que um dos integrantes tinha necessidades especiais de locomoção, fato que definiu e
direcionou muitas escolhas projetuais. Por isso, integrou de forma inédita e inventiva, um
elevador de grande capacidade em coluna hidráulica/pistão. Este elevador permite mudar o
pavimento onde se instala o usuário: em baixo, em espaço aberto ou semipúblico; na
biblioteca e escritório; ou na zona íntima.

O conceito do projeto, neste contexto, se baseia na ideia de “máquina de morar” móvel.


Os acessos e percursos internos da casa – e o poço vertical – foram os pontos cruciais da
reflexão projetual. Para tanto, Koolhaas elaborou recursos visualmente expressivos que
tinham função na vida cotidiana da família. Pode-se considerar que neste caso o conceito do
projeto buscava atender também a um aspecto funcional.

Paisagem: A residência se localiza numa colina com mata circundante e vistas exuberantes
para a cidade de Bordeaux e para o Rio Garonne, e está rodeada por um parque arborizado.

Figura 149: Localização da Maison à Bordeaux. Google Earth

Implantação e orientação: Implantado de forma isolada no terreno com desníveis, ao qual se


adapta perfeitamente.

125
A zona íntima da residência se localiza no piso superior e tem aberturas voltadas a todas as
direções, enquanto o piso inferior é semienterrado e abrange os setores de serviços. Já o piso
intermediário, onde está a área social, tem uma conformação de open plan, o que permite
que receba luz solar a qualquer hora do dia.

Volumetria: A morfologia do projeto é simples, suas formas e aberturas se resumem a formas


geométricas: são três paralelepípedos sobrepostos: os três níveis da residência. Compõem um
jogo de cheios e vazios, no qual o piso intermediário é aberto (pela sua translucidez dos
fechamentos em vidro) e delimitado pelas superfícies dos pisos acima e abaixo. Cria-se então,
mentalmente, a ideia de três blocos sólidos. O nível mais baixo se instala respeitando os
desníveis existentes no terreno e o nível superior tem aparência que contrasta com o volume
imediatamente abaixo dele, – ou a desejada impressão da falta de base – solução projetual
que cria a sensação de que o bloco mais alto flutua sobre a paisagem, impressão reforçada
pela parcela do bloco em consola.

Figura 150: Maison à Bordeaux. Arquiteto: Rem Koolhaas


Figura 151: Ascensor da Maison à Bordeaux

Materialidade: Aço e betão o como materiais estruturais e o vidro como material de


fechamento. Pistão do elevador cromado, evidenciando ainda mais o recurso tecnológico.

Figura 152: Vista lateral da Maison à Bordeaux


Figura 153: Vista lateral da Maison à Bordeaux

Compartimentação: A disposição interna é complexa e dinâmica, contraditoriamente à


volumetria espacial simples.

126
Foi projetada uma circulação vertical automatizada, central à edificação, que atende a
todos os pisos, para viabilizar a mobilidade dos moradores e em especial do cadeirante. Este
elevador é também o gabinete da residência, configurando-se assim, em síntese, em um
ambiente que se desloca entre os pisos, solução inovadora que cria um layout flexível, em
constante mutação, que reconfigura a organização espacial do interior da casa
periodicamente. Além do elevador, também existem escadas na residência.

No nível mais baixo, esculpido nas encostas rochosas de forma a se adaptar à topografia
do terreno, se localizam ambientes sociais e de serviço, são eles: a cozinha, a adega,
lavandaria, pátio e sala de TV. É também por onde se dá o acesso principal à casa.

No nível intermediário, no térreo, encontram-se as áreas sociais da casa, nomeadamente


a sala de jantar e a sala de estar que se estende para o exterior. Este nível tem conexão visual
com o entorno, em todos os lados, não possuindo fechamentos opacos, apenas panos de
vidro, criando uma conexão intensa com o jardim.

No nível superior estão os ambientes íntimos da residência, os quartos dos filhos e do casal
e casas de banho. Sua posição visa aproveitar os melhores ângulos de visão da paisagem do
entorno, incluindo alguns espaços com claraboias. Se constitui num bloco de aparência bruta,
que possui inúmeras aberturas de forma circular, como furos em uma caixa, as janelas que
dão vistas para a paisagem em 360 graus a partir dos quartos, de alturas variadas visando
atender a todos os moradores da residência.

Figura 154: Planta baixo do piso inferior - Maison à Bordeaux


Figura 155: Planta baixo do piso intermediário - Maison à Bordeaux

127
Figura 156: Planta baixo do piso superior - Maison à Bordeaux

Figura 157: Corte com setorização da Maison à Bordeaux

Fenomenologia: A Maison à Bordeaux é repleta de ambiguidades, tanto visuais, quanto de


ordem funcional. Beirando o paradoxal, Koolhaas foi capaz de criar blocos brutos (da base e
do topo) evidenciados pelas suas faces fechadas e pelos seus materiais, contrastantes com o
“não-bloco” intermediário, que é criado espacialmente pelas suas delimitações superior e
inferior. Koolhaas também cria um layout funcional que está em constante transformação, a
casa rejeita a monotonia e se transforma essencialmente de acordo com a vontade de
circulação do seu morador. Cheios e vazios, sombra e luz, leve e pesado são impressões que
Koolhaas foi capaz de despertar no observador através de escolhas projetuais, formas e
materiais.

Iluminação e ventilação: O piso térreo da residência recebe iluminação natural abundante por
conta dos seus panos de vidro que envolvem este nível. Para suavizar os momentos de maior
radiação solar, foram instaladas cortinas automatizadas. No último nível existem várias janelas
128
circulares, conforme mencionado anteriormente, as quais facilitam a ventilação cruzada e
proporcionam uma entrada de luz natural. Também se contam aí com grandes janelas
redondas/óculos, com um mecanismo de abertura instalado na altura apropriada para o
morador cadeirante ter fácil acesso.

Figura 158: Interior da Maison à Bordeaux

129
4.1.9. Secular Retreat – Peter Zumthor

Breve introdução

Residência de autoria do arquiteto suíço Peter Zumthor, vencedor do prêmio Pritzker, o


Secular Retreat, ou Retiro Secular, é uma criação de declarada inspiração e homenagem às
Villas de verão do arquiteto renascentista italiano Andrea Palladio. Zumthor criou este projeto
tendo como uma das condicionantes a proposição da presença dos materiais, o controle dos
espaços e os contrastes entre luz e sombra observáveis nas obras de Palladio.

Paisagem: Localizada numa região de campo em South Devon, na Inglaterra. Entorno natural,
num projeto onde a contemplação e conexão visual com a natureza foram priorizadas. A casa
é rodeada por árvores que atuam quase como suavizadores da radiação, além de
representarem um pano de fundo que compõe o cenário visto pelas janelas.

Figura 159: Localização Secular Retreat. Google Earth

Implantação e orientação: Isolada no terreno plano em uma área de campo. Poucas árvores
no entorno imediato e nenhuma construção a sua volta.

O setor social foi privilegiado nessa residência, recebendo a melhor orientação solar,
voltada a Sul, onde a luz solar permanece por mais tempo, muito provavelmente devido ao
fato de esta ser uma residência de veraneio, onde o aspecto social é valorizado e passa-se
pouco tempo nos setores íntimos. A zona social é de conformação livre, reunindo salas e
cozinha. No entanto os setores íntimos, distribuídos em duas alas, dispõe de circulações de
acesso e se distribuem à Norte da residência.

130
Figura 160: Corte Secular Retreat. Peter Zumthor

Volumetria: A obra quase monocromática e sua morfologia horizontalizada, buscam preservar


as vistas do local emolduradas nas janelas e concedem a posição de destaque visual ao
entorno, que com suas cores, sua vegetação, relvado e horizonte, é contemplado e celebrado.
A cobertura é plana.

Contrasta com as linhas sinuosas da paisagem natural a serem contempladas a todo


momento, devido à envoltória majoritariamente translúcida em vidro e as grandes aberturas
presentes nos compartimentos por toda a extensão da fachada.

Figura 161: Secular Retreat. Arquiteto: Peter Zumthor


Figura 162: Secular Retreat. Arquiteto: Peter Zumthor

Materialidade: Construída com uma técnica de betão armado batido à mão, feito com
camadas que formam listras nas paredes de forma quase artesanal, sem revestimento,
deixando exposta a rigidez do material em toda a residência. O betão adquire uma leve
tonalidade proveniente das formas de madeira. No betão batido à mão, cada camada visível
nas paredes representa um dia de trabalho dos construtores. O piso foi feito em placas de
calcário de diferentes tamanhos, se adequando às medidas dos ambientes em que se inserem
e muito vidro foi utilizado, visando criar grandes aberturas, por vezes do piso ao teto, a fim de
emoldurar a paisagem e conectá-la à edificação.

Vernacularidade: Técnica artesanal de construção em betão armado e batido manualmente,


que cria camadas aparentes à medida que as paredes são erguidas.

131
Laje da cobertura feita em pedra em placas de variados tamanhos, extraída de uma
pedreira local, refletindo a riqueza dos recursos naturais locais.

Compartimentação: A casa se desenvolve em um piso, organizando-se em duas alas de


quartos. No espaço de ligação entre as duas alas, se dá a zona social da residência, de
conformação livre, integrando cozinha e salas que se unem formando um amplo ambiente.

Figura 163: Esquema de setorização, adaptação própria sobre planta baixa - Secular Retreat

Legenda:
Setor Social

Setor de Serviços

Setor Íntimo

Fenomenologia: Zumthor busca uma aparente simplicidade nas formas, nos materiais e na
delimitação dos espaços, que visualmente se mostram e se compreendem facilmente, a fim

132
de instigar - através da relação entre obra e paisagem - uma experiência de percepção do
homem no lugar, tanto natural quanto construído.

Iluminação e ventilação: A área social voltada a sul recebe a melhor iluminação natural da
residência, sua configuração de open plan permite uma melhor ventilação cruzada no espaço
e iluminação homogênea. A área íntima tem grandes aberturas intensificando a ventilação e
o recebimento da iluminação natural. A escolha pelos grandes panos de vidro faz desta casa
uma edificação bastante iluminada naturalmente.

Ornamentação: Peter Zumthor foi responsável pelo design da maior parte do mobiliário
utilizado na casa, seguindo a sua visão de minimalismo e ruptura com o ornamento.
Os espaços internos contam com assoalhos de madeira, e elementos em pedra e betão.

Figura 164: Aberturas dos dormitórios. Secular Retreat


Figura 165: Vista da paisagem a partir da Secular Retreat

Figura 166: Casa de Banho - Secular Retreat

133
4.2. Análise comparativa e considerações

Após as análises dos projetos apresentadas e consequente projeção da teoria explorada


em casos práticos, torna-se relevante estabelecer relações de aproximação e afastamento
baseadas na observação das similaridades e contrastes entre as vertentes conceituais
orgânicas estudadas.

As vertentes conceituais exploradas são fluidas e podem apresentar-se conjuntamente nas


obras arquitetônicas. Foi observado que tais vertentes muitas vezes se sobrepõe e coexistem
nos projetos, estando os casos de estudo classificados de acordo com a presença de uma
componente forte relativa às vertentes observadas, como explicado anteriormente. Na tabela
abaixo, destacam-se os vestígios das vertentes conceituais presentes em cada caso de estudo.
VERTENTE Historicista Radical Investigação Imitativo Funcional Plástico Formalista Por Contem-
ORGANICISTA livre apropriação plativo

EXEMPLAR
ARQUITETÔNICO
Duldeck Haus –
Rudolf Steiner ✓
Casa da Cascata –
Frank Lloyd ✓ ✓
Wright
Casa Milà –
Antoni Gaudí ✓ ✓ ✓
Bosco Verticale –
Stefano Boeri ✓ ✓
Moradia de
professors de ✓ ✓
Gando –
Francis Kéré
Casa das Canoas –
Oscar Niemeyer ✓ ✓ ✓
Casa do Cipreste –
Raul Lino ✓ ✓
Maison à
Bordeaux – ✓ ✓ ✓
Rem Koolhaas
Secular Retreat –
Peter Zumthor ✓ ✓
Tabela 2: Sobreposição das vertentes organicistas nos projetos estudados

Foi possível extrair algumas considerações acerca das conceituações, a principal delas é a
propriedade fluida das vertentes, as quais não se encerram em princípios estritos, nem
mesmo se impõem com exclusividade nos projetos em que se fazem presentes.
Outra reflexão decorrente das análises é a constatação da diversidade de abordagens à
paisagem nas vertentes conceituais e nos projetos. A paisagem se apresenta em um
balanceamento com a obra arquitetônica em níveis diferentes de destaque visual: por vezes
apresenta-se com superioridade em relação à obra, por outras com inferioridade e outras
ainda, em perfeito equilíbrio.
Apresentam-se também diferentes níveis de interação entre obra arquitetônica e natureza,
que podem se dar a nível de uma vivência integrada entre ambas ou de forma mais
distanciada, em um nível de mera observação paisagística.

134
Os elementos naturais, como já citado anteriormente, se apresentam de forma
diversificada nas concepções arquitetônicas estudadas, seja como inspiração, como substrato
construtivo, entre outros. Tal fato pode ser sintetizado levando em conta os diferentes
estágios de incorporação da natureza nos projetos, que pode ser: preexistente, sendo então
incorporada como inspiração, como elemento definidor do conceito, como material
construtivo, entre outros; plantada, como quando é deliberadamente inserida a fim de
produzir um ambiente natural de contexto; ou “criada”, no sentido metafórico, como nos
casos em que torna-se produto da criação artística do arquiteto – destacam-se aqui as obras
de Antoni Gaudí e Rudolf Steiner.
Uma generalidade observável é a prevalência de características organicistas em projetos
destinados a usuários de diferentes níveis econômicos, sendo plausível a aplicação da teoria
para atender meramente a necessidades humanas basais, como no sentido de suprir a
necessidade de segurança e abrigo - o regresso à “cabana primitiva” - e até mesmo às mais
elevadas, como as necessidades de status, busca estética ou transcendência espiritual.
Na tabela a seguir buscou-se analisar características específicas em relação as suas
presenças ou ausências nos projetos estudados, buscando sistematizar ao máximo as
constatações feitas, ainda assim, ressaltando a limitação que representa analisar tais obras
limitando-se a observância destas características.

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EXEMPLAR Duldeck Casa da Casa Bosco Moradia de Casa das Casa do Maison à Secular
ARQUITETÔNICO Haus – Cascata Milà – Verticale – professores Canoas Cipreste Bordeaux Retreat –
Rudolf – Frank Antoni Stefano de Gando – – Oscar – Raul – Peter
Steiner Lloyd Gaudí Boeri Francis Kéré Niemey Lino Rem Zumthor
Wright er Koolhaas

CARACTERÍSTICAS
VERIFICADAS
Formas naturais
inspiradas na natureza ✓ ✓ ✓ ✓
Formas naturais de
inspiração vegetal +
mineral ✓
(biomorfismo puro)
Função como elemento
determinante do ✓ ✓ ✓ ✓ ✓
desenho / projeto
Arquitetura de pedra
seca e perda enxilhada
Formas tradicionais ✓
“anônimas”
Filosofias humanistas e
religiosas
Antroposofia
Teosofia
Simbologia do sagrado
(simbioso ou referência
a uma religião ou
filosofias de vida: ✓
(taoísmo/
cristianismo/islamismo/
hinduísmo/pré-história
arcaica/ civilizações
antigas ou pré-antigas)

Nacionalismo e
vernacularidade: o
precedente da ✓ ✓
identidade e da
definição local/regional
Funcionalismo
arquitetônico: cabana,
tenda, casa arcaica, ✓
lareira.

Imitação de animais
(biomorfismo +
biomimetismo animal). ✓
Pássaros, mamíferos,
sáurios
Utiliza materiais e
recursos naturais locais ✓ ✓
Tabela 3: Verificação de determinadas características nos projetos estudados

136
5. O FUTURO DA ARQUITETURA ORGANICISTA
A humanidade foi capaz de integrar arquitetura e ambiente de maneira harmônica e
uníssona ao longo do tempo. Esta característica é extrapolada, por exemplo, ao criar-se
construções com uso de árvores vivas, ou ao guiar raízes objetivando uma forma específica,
ou seja, usando os recursos naturais e moldando-os na medida do necessário.

Figura 167: Rangthylliang bridge. Raízes foram guiadas para atravessar rio e alcançar o solo, resultando em uma ponte na
Índia

Tal como a dinâmica orgânica, o meio natural e os sistemas vivos, a arquitetura de raízes
organicistas evolui, se adaptando e apresentando de variadas formas ao longo do tempo,
como foi descrito anteriormente, o que torna sua trajetória evolutiva imprevisível. A
manutenção desta tendência é evidente, no entanto, somos incapazes de antecipar os
caminhos que serão explorados futuramente em termos de conceituação e partidos
arquitetônicos, em razão disso, nos limitaremos a abordar o ramo tecnicista de uma
arquitetura orgânica para o futuro. Com um exercício de reflexão, torna-se possível projetar
um futuro plausível, avaliando algumas das técnicas, métodos e materiais que se encontram
em um estágio inicial de desenvolvimento e aplicação, indo em direção a uma arquitetura viva
e natural, que dialoga com algumas variantes organicistas identificadas.

5.1. Micélio

Micélio é a parte vegetativa de um fungo, que nos últimos anos vem ganhando espaço
gradativamente no mercado de construção civil, usado como um material construtivo. Se
constitui de uma teia de colônias bacterianas, que cresce em uma variedade de matérias
orgânicas. Sua aplicação na construção deriva do fato de que, se tratado adequadamente, o
micélio se qualifica como um material extremamente resistente a tensões estruturais e à
prova d’água.

Ainda não é produzido em escala industrial, porém seu uso experimental revela uma
predisposição deste biodesign sustentável no campo da arquitetura. O potencial do produto,
137
permite aplicações em mobiliário, estruturas e envoltórias, seja combinado com a madeira,
bambu ou outros materiais. Ainda em fase de testes a fim de explorar seus efeitos,
propriedades e aplicações, já é possível prever a utilização do micélio com uma função
estrutural de uma edificação de até dois pisos.

Figura 168: Mycotree. Estrutura autoportante utilizando micélio, criada pelo arquiteto Dirk Hebel e pelo engenheiro Philippe
Block
Figura 169: Pavilhão da galeria MoMA PS1 de 2014 - torres construídas com tijolos de talos de milho e micélio

5.2. Baubotanik buildings

O chamado “Baubotanik buildings” é um sistema construtivo que se utiliza de árvores vivas


para criar estruturas. Criado por volta do ano de 2005 por Oliver Storz, Ferdinand Ludwig e
Hannes Schwertfeger, consiste na orientação do desenvolvimento das árvores, por meio da
utilização de estruturas industriais, de modo a atingir as formas desejadas.
Através da intervenção humana, as árvores são moldadas por processos de poda, flexão,
entre outros, e se tornam estruturas vivas, que são potenciais candidatas para o uso futuro
nas cidades. Utiliza-se além do elemento vegetal, outros materiais em conjunto, como metais,
e conforme a árvore envelhece, as articulações fundidas e sua propriedade estrutural ficam
ainda mais resistentes.

Esta técnica foi aplicada na construção de uma torre de oito metros e de um edifício de três
pisos, chamado Plane-Tree-Cube Nagold, em contexto urbano, na Alemanha, no ano de 2012.
Alguns benefícios deste tipo de construção envolvem o combate a erosão do solo, produção
de oxigênio, melhoria da qualidade de corpos d’água e redução no escoamento das águas
pluviais.

138
Figura 170: Estrutura criada com o sistema Baubotanik

Figura 171: Fotografias e Alçados da Plane-Tree-Cube Nagold, na Alemanha

139
140
6. CONCLUSÕES

Este trabalho investigou as origens e influências da arquitetura orgânica, a qual se


apresenta nas diversas vertentes aqui analisadas, estabelecendo-se em épocas, locais e com
abordagens diversas – tal qual a natureza, adaptando-se ao contexto.

Embora relativamente abstrata a tentativa de delimitar precisamente as expressões


formais da arquitetura orgânica, foram identificadas e agrupadas nove vertentes nesta
dissertação: Organicismo radical, de investigação livre, imitativo, por apropriação, funcional,
plástico, historicista, formalista e contemplativo – que relacionam arquitetura e natureza sob
óticas distintas, seja por meio da construção, concepção, função, forma, processos ou
inspiração.

Ainda que haja distinções complexas entre as vertentes exploradas, podemos destacar os
seguintes princípios integradores:

Totalidade. A interação das partes componentes da obra arquitetônica entre si e em


relação ao conjunto, assim como em um desenvolvimento orgânico.

Essencialidade. Oposição a tudo que é supérfluo, nada sobra ou falta, o conjunto é


harmônico e completo.

Liberdade formal. Rejeição de princípios estilísticos pré-determinados, a liberdade formal


consoante ao contexto e paisagem em que se insere é um valor a ser perseguido.

Não obstante as distinções conceituais complexas referidas, este trabalho também avaliou
e contrastou projetualmente distintos representantes das vertentes contempladas, tornando-
se possível estabelecer um panorama de similaridades e oposições entre as teorias
organicistas identificadas, sendo relacionadas em razão de: i) grau de apresentação de
determinadas características e; ii) presença/ausência de algumas determinantes, dentre
outras observações.

Em posse dessa análise comparativa, propôs-se avaliar perspectivas pragmáticas para o


futuro da arquitetura orgânica, relativamente aos métodos construtivos, no que destacamos
as técnicas do micélio e baubotanik, capazes de fazer do organicismo uma hipérbole, na
medida em que trazem à luz uma componente bioconstrutiva às edificações.

Por fim, este trabalho, diante da impossibilidade de ser exaustivo, abre novas direções de
investigação, no que tange ao aprofundamento e identificação das novas tendências relativas
à arquitetura orgânica e reconhecimento de vertentes conceituais orgânicas não abordadas
nesta pesquisa.

141
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