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Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras

AS REPRESENTAÇÕES DE ARQUITETURA NA PINTURA DO


RENASCIMENTO EM PORTUGAL. MODELOS, FORMAS E SIGNIFICADOS.

Mestrado em História da Arte e Património

Mariana Real Mota

2022

Dissertação especialmente elaborada para a obtenção do grau de Mestre, orientado por


Prof.º Doutor Fernando Jorge Grilo e coorientada pelo Prof.º Doutor Ricardo Jorge
Nunes da Silva

0
ABREVIATURAS

BNP - Biblioteca Nacional de Portugal


Fig. - Figura
Figs. - Figuras
MCM - Museu Carlos Machado
MGV - Museu Grão Vasco
MNAA - Museu Nacional de Arte Antiga
MNAz - Museu Nacional do Azulejo
MNFMC - Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo
MNMC - Museu Nacional Machado de Castro
P. - Página
PP. - Páginas
Vol. - Volume

1
AGRADECIMENTOS

Inevitavelmente, as minhas primeiras palavras de agradecimento são dirigidas ao


meu orientador, Prof. Doutor Fernando Grilo, e coorientador, Prof.º Doutor Ricardo
Silva, por me terem aceite como orientanda e por toda a disponibilidade e ajuda
prestada e entusiasmo demonstrado durante o decorrer deste trabalho, e sobretudo pelo
apoio apresentado durante os momentos mais críticos deste trabalho. Ao Prof. Doutor
Fernando Grilo queria ainda fazer um especial agradecimento, por ter despertado o
interesse pela pintura do Renascimento português, tendo sempre apoiado e investido,
sem reservas, na progressão dos meus conhecimentos teóricos e práticos.
Cumpre-se também agradecer a duas instituições e aos seus respetivos
colaboradores, a referir, o Museu Carlos Machado, nas pessoas do Dr. João Constância,
Dra. Ana Fernandes e Dra. Sara Maio, e a Santa Casa da Misericórdia de Viana do
Castelo, na pessoa de Rita Cunha, por terem cedido imagens de duas obras sobre a qual
se desenvolveu esta dissertação.
À minha família e amigos, por todo o apoio, confiança e amor que me deram
desde sempre, e que me fazem sempre acreditar, mesmo nos momentos mais difíceis,
contribuindo para a conclusão desta dissertação.
Um especial agradecimento tem de ser feito à minha mãe, cujo incondicional
amor, confiança e apoio, me foi sempre dado e por me ter demonstrado que
conseguimos dar sempre o melhor de nós, pessoalmente e profissionalmente, e acima de
tudo, pela presença constante e por todos os ensinamentos que me deu e continua a dar,
compreendendo o emprego e a dedicação que empreguei nesta dissertação.

2
RESUMO

A presente dissertação tem como objeto de estudo das representações


arquitetónicas na pintura do Renascimento em Portugal.
Dado ao elevado número de espécimes pictóricos do século XVI onde se
verificam representações de arquitetura no espaço fundeiro, elegemos somente um
núcleo de seis pinturas e que se tornam representativos dos nossos pontos de vista.
Optámos por seguir o critério de seleção partindo do abstrato para o concreto,
miscigenando aquilo que é real com aquilo que não é, respeitando a cronologia das
pinturas selecionadas e evidenciando o fator regional, quem encomenda e em que
circunstâncias. Para alcançar os objetivos propostos e para complementar estudos
antecedentes, visualizamos as pinturas selecionadas, de representação perspética e
iconográfica, numa tentativa de entender qual o peso de cada elemento na composição,
sendo que nada aparece na composição pictórica que não tenha uma razão de ser.
Recorremos ainda aos espaços de arquitetura que contém a cena principal, numa
abordagem da arte e da pintura sob uma perspetiva holística e alargada face aos critérios
traçados por Isabel Policarpo, ou seja, assumindo que este trabalho irá colmatar a parca
informação bibliográfica, renovando assim o estado da questão sobre o tema em causa.
Cruzamos esta informação com as diversas influências, originalidade, qualidade
pictórica e vontade do encomendante. Neste contexto, seguem-se os avanços possíveis,
que esperamos que contribuem para o reconhecimento e funcionalidade dos fundos de
arquitetura e paisagem, fingida ou real.

Palavras-chave
Pintura; Arquitetura; Portugal; Manuelino; Renascimento

3
ABSTRACT

The object of this dissertation is to study architectural representations in


Renaissance painting in Portugal.
Given the large number of pictorial specimens from the 16th century where we
can see representations of architecture in the founding space, we have chosen only a
nucleus of six paintings that become representative of our points of view. We have
chosen to follow the selection criteria from the abstract to the concrete, mixing what is
real with what is not, respecting the chronology of the selected paintings and
highlighting the regional factor, who commissions and under what circumstances. To
reach the proposed objectives and to complement previous studies, we visualized the
selected paintings, of perspicacious and iconographic representation, in an attempt to
understand what is the weight of each element in the composition, since nothing appears
in the pictorial composition that does not have a reason for being. We also resorted to
the architectural spaces containing the main scene, in an approach to art and painting
from a holistic perspective and broadened in view of the criteria outlined by Isabel
Policarpo, i.e., assuming that this work will fill in the scarce bibliographic information,
thus renewing the state of the question on the subject in question. We cross-reference
this information with the various influences, originality, pictorial quality and the
commissioner's wishes. In this context, possible advances follow, which we hope will
contribute to the recognition and functionality of architectural and landscape
backgrounds, pretended or real.

Keywords
Painting; Architecture; Portugal; Manuelino; Renaissance

4
“Já Alberti tinha aproximado a pintura da história, ao afirmar: Posso muito
bem deter-me a contemplar um quadro (…) com o mesmo prazer que sentiria lendo
uma boa narrativa histórica, pois ambos – pintor e historiador – são pintores; um pinta
com a palavra, o outro com o pincel”

Leon Battista Alberti, De re aedificatoria, lib. VII, cap. X

5
ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO .................................................................................................................7
ESTADO DA QUESTÃO ...............................................................................................19
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PINTURA PORTUGUESA COM A EUROPA
DO SÉCULO XVI .........................................................................................................37

1.1 O desenvolvimento das relações artísticas entre Espanha, Itália e Flandres com
Portugal................................................................................................................42
1.2 O estatuto social dos artistas na Europa versus a realidade portuguesa ..............51
1.3 O fenómeno da mobilidade artística, transmissão de conhecimentos e os mode-
los na pintura portuguesa quinhentista ................................................................66
1.3.1 A importância da gravura para a construção de modelos pictóricos ..........72
1.3.2 As leituras da Tratadística e a sua importância no contexto da pintura por-
tuguesa .................................................................................................................80
1.3.3 As novas linguagens expressivas: a pintura manuelina e joanina e o gosto
italianizante..........................................................................................................91
1.4 Os locais de aprendizagem e a importância dos mestres ...................................103
2. AS REPRESENTAÇÕES DE ARQUITETURA NA PINTURA DO RENASCI-
MENTO EM PORTUGAL. CASOS DE ESTUDO..................................................112

2.1 Tipologias de representação. Da realidade à arquitetura imaginada .................127


2.2 Os diversos modos de “ver e fazer obra de arquitectura”: “ao romano”, “ut pin-
tura architectura”, “micro-arquiteturas” e fundo de arquitetura figurada, imagi-
nada e decorativa ...............................................................................................153
2.3 Fundo de arquitetura como desenho. A conceção espacial entre produção pictó-
rica e arquitetura representada nos fundos de pintura .............................................165
2.4 Fundos de pintura como espaço imaginado ou a imagem da arquitectura figurada
no Renascimento em Portugal .................................................................................174
CONCLUSÃO ...............................................................................................................185

BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................193

WEBGRAFIA ...............................................................................................................203

ANEXOS (gráfico, documental) ..................................................................................204

6
INTRODUÇÃO

Nesta dissertação de mestrado propomo-nos estudar o tema “As representações


de arquitetura na pintura do Renascimento em Portugal. Modelos, Formas e
Significados”. Na nossa perspetiva, trata-se de evocar a complexidade das relações
culturais e dos valores artísticos que enunciam nos alvores século XVI, sob os reinados
de D. Manuel I (1495-1521) e de D. João III (1522-1557). Tipologicamente podemos,
desde já, definir que as arquiteturas figuradas que surgem em segundos planos da
composição pictórica, podem ser figurados a partir do real, da imaginação, da
iconografia ou assumirem o papel simbólico ou essencialmente decorativos. A
arquitetura na pintura é um dos veículos mais importantes e o pintar em arquiteturas em
fundos permite espelhar como o pintor perceciona o presente da sua atividade e as suas
influências culturais e artísticas.

É mais complexo do que ser só um fundo de arquitetura, é uma cultura dentro de


uma outra cultura, uma cultura pictórica que interage com a cultura arquitetónica e isso,
espelha não só como o pintor estava atento aquilo ao que se encontrava a ser executado
em outros ambientes artísticos, por outro lado espelha a posição do encomendador que
quer ver a modernidade arquitetónica, ou não, ali expressa, ou seja, a pintura utiliza a
arquitetura como elemento compositivo, ordenador de espaço, de proporção e como
indicador de modernidade. Decidimos que vamos partir do abstrato para o concreto,
quer isto dizer, miscigenar aquilo que é real com aquilo que não é, vamos respeitar a
cronologia da pintura selecionada e vamos evidenciar o fator regional, quem encomenda
e em que circunstâncias. Estes são fatores de extrema importância, porque nem todos os
mecenas vivem em sintonia, como o conhecimento da modernidade, como a pintura do
Renascimento, como da tratadística e modelos do Renascimento face ao Tardo-gótico e
nem todos os artistas conseguem ter o mesmo acesso às fontes de informação (gravuras,
tratados, frontispícios de livros, entre outros) (capítulos 1.3.1 e 1.3.2), assim, como nem
todos eles reconhecem a importância de Itália, nem da arquitetura.

Partimos de uma visão atualizada das obras dos pintores Vasco Fernandes,
Gregório Lopes, Cristóvão Fernandes, Garcia Fernandes e André de Padilha, que
redefiniram, no seu tempo, o panorama artístico nacional, enquanto precursores de uma
nova viragem estética, da produção artística de Quinhentos. Aqui iremos visualizar

7
determinadas produções pictóricas como a confluência de vários fatores, não só de
representação perspética ou iconográfica, mas também numa tentativa de perceber qual
o peso de cada elemento compositivo da representação. Posto isto, o pintor é o principal
criador da obra e face a esta afirmação, nada aparece na composição pictórica que não
tenha um significado ou uma razão de ser.

Na realidade, assumimos que este tema se torna relevante devido a um estudo


incompleto sobre a arquitetura do Renascimento, nomeadamente nas representações de
arquitetura na pintura do Renascimento em Portugal. Assumimos que o tema em causa é
bastante parco no que corresponde à produção bibliográfica. No entanto, este trabalho
que agora levamos a cargo, permite, por um lado, colmatar esta lacuna, por outro,
renova o estado de questão sobre o tema em causa. A par da questão anterior, esta
dissertação permite demonstrar que quando trabalhamos representações de arquitetura,
não estamos somente a referir-nos apenas a casas e castelos, mas sim a espaços
arquitetónicos que contém a cena principal (capítulo 2). A minha abordagem irá
resumir-se a um estudo da pintura e da arte sob uma perspetiva holística e não, apenas
iconográfica, estética ou técnica como dos demais autores, que cito no estado da
questão. Urgimos revisitar e alargar os critérios traçados por Isabel Policarpo, a outros
pintores da época devido a um maior conhecimento ao tempo, de hoje, sobre estes
artistas, pelo que é relevante renovar o que se pode dizer deles e assim, encontrar um
novo enfoque para a representação da arquitetura.

As obras de Gregório Lopes (figs. 19, 34, 91, 102, 143, 170, 182, 183, 206, 212,
213, 221, 224, 232 e 246) constituíram o momento da viragem face a introdução de
novos ecos italianizantes, o designado Primeiro Maneirismo de Antuérpia, sob uma
revisão de valores pré-existentes, dos influxos renascentistas por via antuerpiana, numa
conversão precursora do Maneirismo na pintura portuguesa, que prevaleceu. Estes
segundos planos, de diversas influências dependiam da originalidade e qualidade
pictórica auferida pelo pintor, sendo que apesar da vontade do encomendante, estes
preenchiam os planos fundeiros mediante a temática que mais lhes comprazia e onde,
lhes era possível demonstrar os conhecimentos artísticos que dotavam, sem se afastarem
da temática e da iconografia religiosa a que estavam associados. Os pintores aplicavam,
nas suas obras, conhecimentos de uma teoria artística e arquitetónica que dirigia o olhar
do espectador para os pormenores e para as estruturas arquitetónicas dos planos
fundeiros. Os fundos de arquitetura detinham uma funcionalidade, acompanhar as

8
composições de uma forma idealizada ou mediante a cópia de obras de outros pintores.
Todavia estas arquiteturas poderiam ser suscetíveis de uma arquitetura fingida, ou
pintada, e uma arquitetura precursora da real, ou seja, construída, numa tentativa de “ir
além” da arquitetura idealizada pelos arquitetos, pela evolução das formas, que nem
sempre são passíveis de ser realizáveis (capítulo 2.1). Estes segundos planos, de
arquitetura ou de paisagem, adquirem uma real relevância no contexto pictórico,
dignificam a cena principal da composição, situação idêntica que se passava no
Renascimento espanhol, tendo como exemplo a pintura “Martírio de Santa Inês”, de
Juan Vicente Masip.

As gravuras (capítulo 1.3.1) eram utilizadas essencialmente como elemento


referencial, cuja cópia detinha um caráter meramente decorativo, nomeadamente as
soluções all’antico, os apontamentos fundeiros de ornamento e as propostas de
construção temática. As oficinas e os artistas portugueses demarcaram-se desta rígida
tutela compositiva, a cópia, de natureza essencialmente decorativa. As gravuras
serviram para abrir uma via de conhecimento face a modelos artísticos italo-flamengos e
franco-germânicos, tal metodologia que ascenderá com o Maneirismo, situação que se
revela visível na obra de quinhentos, nomeadamente de Gregório Lopes, exemplo
modelar deste contexto de mudança, resultante de uma maior liberdade compositiva que
impera nestes segundos planos, quer na representação de arquiteturas quer de paisagens.

Aqui é revelada uma autonomia, por parte do pintor, que passa pela associação
de uma paisagem construtiva, para transmitir pictoricamente, de forma expressiva,
fundos arquitetónicos reais ou fictícios, ou melhor dizendo demonstrar a capacidade
pictórica de evocar referências retidas pela memória e ainda a mestria do pintor, em
representar uma singularidade inexistente. A arquitetura retratada na pintura da Idade
Moderna expressa o desejo da transformação do mundo e da realidade através de uma
atividade construtiva, segundo formas de utopias edificatórias, de cidades ideais e de
utopias insulares, ou seja, o desejo de transformação do mundo “visto serem um dos
diversos modos de “ver e fazer obra de arquitetura”, sob o sopro renovador de
inspiração italiana”1.

1
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português. Dissertação de Mestrado em História da Arte
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1996, p. 3.

9
O principal objetivo desta dissertação de mestrado é estudar um património
conhecido, contudo abordando metodologias diferenciadoras das demais utilizadas,
enquadrando esse património introduzido noutros conceitos, ou seja, identificando um
património que é referido, fundamentalmente, na história da pintura, mas também como
eco de preocupação que regressava na sociedade portuguesa da época, sendo neste caso,
no meio artístico sobre as questões de arquitetura. O que pretendemos aqui, é
demonstrar que um património estudado pode e deve ser lido de variadíssimas formas a
par de questões estritas a representações iconográficas, de primeiro plano e que fazem a
narrativa da obra, porém existem outros elementos passíveis de interpretação. É aqui,
que nos interessa chegar, perceber como os fundos de arquitetura evoluem em Portugal.

A historiografia sempre deu pouca relevância aos fundos compositivos, contudo


estas revelam-se de extrema importância devido à linguagem que criam e aos conceitos
de narrativa que difundem. Para alcançar tal objetivo, determinámos um núcleo de seis
pinturas, Menino Jesus entre os Doutores (1520-1530) (fig. 31), de Cristóvão de
Figueiredo, Chegada das Relíquias de Santa Auta (c. 1522) (fig. 34), de Gregório
Lopes, Os Santos Mártires de Lisboa (1530) (fig. 55), de Garcia Fernandes, Nossa
Senhora da Misericórdia (1535-1536) (fig. 65), de André de Padilha, Cristo em casa de
Marta e Maria (1535-1540) (fig. 72), de Vasco Fernandes, e Martírio de São Sebastião
(1536-1538) (fig. 92), de Gregório Lopes, contudo dado o número elevado de obras que
a historiografia detém com fundos de arquitetura, iremos anexar outros exemplos ao
longo do desenvolvimento do trabalho científico.

Aqui, o nosso maior objetivo é exibir a arquitetura como um dos principais


veículos de modernidade, a par da decoração. O pintor quando decide apresentar alguma
modernidade opta por patenteá-la nos fundos de arquitetura e não na figura humana. À
medida que o século vai avançado, o pintor torna-se profundamente mais livre na
representação dos fundos arquitetónicos. Os pintores, deste tempo, raramente viajavam
e, por isso, a maioria acabava por recorrer daquilo que tinha por perto.

Também foi nosso objetivo confrontar e compreender não só o modo singular do


tema, mas sim o modo integral do desenvolvimento do Renascimento em Portugal. O
pensar a arquitetura como pintura, leva-nos a estruturar algumas questões impostas por
nós, que irão ser abordadas no decorrer da investigação com o objetivo de compreender

10
as representações da arquitetura na pintura do ponto de vista dos modelos, formas e
significados. Como era a disseminação da tratadística em Portugal, ao tempo do
Renascimento? Que ideias circulavam? Como a tratadística está patente nos edifícios
que estão figurados em pintura? Como representam a arquitetura? Qual a razão de ser
figurada a arquitetura em pintura? É somente real ou imaginada? Como é espelhado o
modo como o pintor perceciona o presente da sua atividade e as suas influências
culturais e artísticas? Existem representações convencionais, iconográficas invocativas
de modernidade? Os edifícios pintados são pré-existentes ou projetam-se traças que não
existem? As influências culturais e artísticas atingiram a pintura do Renascimento em
Portugal?

Tal como refere, Isabel Policarpo o estudo da arquitetura do Renascimento só


fica completo com a envolvimento dos fundos de arquitetura, caracterizando os mesmos
como sendo um dos seus capítulos mais notáveis e progressivos a níveis de
modernidade a atingir. Esta pesquisa de critérios de representação de arquitetura na
pintura do Renascimento em Portugal valida o saber e a objetividade com que os
pintores portugueses detinham em concretizar arquiteturas reais ou fingidas nas suas
obras, tendo sempre em conta os fatores de influência que aí convergem, assim como as
dissemelhantes configurações de adequação materializadas por estas arquiteturas
pintadas2 (capítulo 2.1).

A dissertação desdobra-se nos seguintes moldes: iniciamos com uma


contextualização da pintura portuguesa com a Europa, da primeira metade do século
XVI (capítulo 1), abordando o desenvolvimento das relações artísticas entre Espanha,
Itália e Flandres (capítulo 1.1) e o estatuto social dos artistas na Europa versus a
realidade portuguesa (capítulo 1.2).

2
“o estudo da arquitectura do Renascimento não ficaria completo sem a inclusão dos fundos
arquitectónicos, que se revelam como um dos seus capítulos mais interessantes e inovadores (…) A
análise conjunta dos vários critérios de representação da arquitectura na pintura renascentista
portuguesa visa então um maior conhecimento sobre a objectividade destes pintores ao materializarem
as arquiteturas fingidas pela pintura, tendo em conta os vários fatores de influência que aí confluem, e
ainda sobre as diferentes formas de adequação realmente concretizadas por estas arquitecturas
pintadas.”: POLICARPO, Isabel. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 3.

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A ligação ao mundo dos literatos e o acesso a fontes de informação deveu-se ao
progressivo aumento de encomendas de obras de arte, no século XV, que beneficiou
com a ascensão do estatuto do artista na Europa, situação de clivagem entre o artista e o
artesão. O artista era um oficial intelectual livre, contudo, para além das restrições a que
estavam sujeitos, o pintor era obrigado a uma atividade polivalente, ou seja, fruto das
exigências do mercado e das diretrizes dos encomendantes: pintor de dourado e
estofado, pintor de têmpera e fresco e pintor de imaginária de óleo, três modalidades
distintas, todavia não haveria nenhuma diferenciação entre elas3 (capítulo 1.3). No
entanto, esta situação alterou-se com o surgimento do Maneirismo, em Portugal,
manifestação estética que resultou de um gosto dominante de soluções anti-
renascentistas e da terrabilità que invadiram as composições pictóricas, subordinadas a
uma outra iconografia e a um novo gosto.

A cultura burguesa das cidades do Renascimento favoreceu com uma das


maiores conquistas deste período da história, a consciência do artista e da arte e, de
modo consequente “se procurava associar ao artista não apenas a virtù e o ingenium
mas também a sciencia, a técnica da execução, que resulta de uma aprendizagem.”4. A
profissão de pintor, nesta época, desenrolava-se através de círculos próximos e
fechados, acabando os pintores por criar laços familiares com outros artistas e oficinas,
tendo como maior exemplo o pintor Jorge Afonso e as suas relações familiares5.

Como pontos seguintes, abordamos mais detalhadamente o fenómeno da


mobilidade artística, a transmissão de conhecimentos, a disseminação de modelos na
pintura portuguesa quinhentista (capítulo 1.3), a importância da gravura para a
construção de modelos pictóricos (capítulo 1.3.1), as leituras da Tratadística (capítulo
1.3.2), a sua importância no contexto da pintura portuguesa e as novas linguagens
3
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses. Colecção Arte e Artistas,
Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1983, p. 50.
4
DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal. Dissertação de Doutoramento em História (História da Arte) apresentada à
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2008, p. 99.
5
“as relações familiares do pintor Jorge Afonso, cunhado do também pintor Francisco Henriques, do
pedreiro Marcos Pires e do carpinteiro Pêro Anes. Aquele pintor viria a casar uma das filhas com um
dos seus discípulos, Gregório Lopes, tornando-se também tio de outros oficiais do seu atelier,
nomeadamente Cristóvão de Figueiredo e Garcia Fernandes e, ainda, do escultor João de Ruão que
casaria, por sua vez, com outra das filhas de Pêro Anes.”: Idem, p. 104.

12
expressivas – manuelino-joanino e o gosto italianizante (capítulo 1.3.3) “A
originalidade do Manuelino decorre por um lado de aspectos intrínsecos, dada a sua
linguagem formal, espacial e estilística inovadora e inconfundível, mas resulta
igualmente do facto histórico, mais “acidental”, da sua extrema difusão
intercontinental e transoceânica, seguindo os caminhos da Expansão Marítima
portuguesa. (…) entendemos o Manuelino sobretudo como um estilo e uma prática de
carácter experimentalista, procurando alegremente inovar, quer as formas e espaços
arquitectónicos quer as soluções decorativas.”6, seguindo depois para os locais de
aprendizagem e a importância do mestre.

A segunda parte da dissertação é dedicada ao tema central – “As representações


de arquitetura na pintura do Renascimento em Portugal. Modelos, Formas e
Significados”. A este ponto segue-se a identificação e discussão das seguintes
tipologias, que podem ser encontradas na representação pictórica da arquitetura do
nosso país:

1) Ao romano;

2) Ut pintura architectura;

3) Micro-arquiteturas;

4) Fundo de arquitetura figurada, imaginada e decorativa.

As arquiteturas de fundo coexistem a par de estudos e de representações reais e


imaginadas. Os fundos arquitetónicos reais permitem ser identificados através de
documentação e de elementos característicos definidores de um local, testemunho
importante das arquiteturas realizadas na época. Nas representações ditas imaginadas, o
espaço arquitetónico é uma idealização de uma arquitetura sugerida, sendo que estas
construções constituem uma unidade autónoma para o estudo da pintura e da arquitetura
do Renascimento e Maneirismo português. Este trabalho estabelece um conjunto de
critérios para a análise das arquiteturas representadas em planos de fundo na pintura do
Renascimento em Portugal, segundo conhecimentos materializados sobre arquiteturas
figuradas, imaginadas e decorativas nas obras dos pintores representativos desta

6
ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos
descobrimentos. Congresso Internacional Sphera Mundi - Arte e Cultura no Tempo dos Descobrimentos,
Caleidoscópio, Lisboa, 2015, pp. 371-372.

13
temática – Vasco Fernandes, Gregório Lopes, Cristóvão de Figueiredo, Garcia
Fernandes e André de Padilha.

No que respeita aos casos de estudo, procurámos entender qual seria o grupo de
obras a analisar e, feita essa pesquisa, verificou-se a recolha de treze imagens, porém
estreitámos o grupo de estudo para seis, Chegada das Relíquias de Santa Auta (c. 1522),
de Gregório Lopes, Menino Jesus entre os Doutores (1520-1530), de Cristóvão de
Figueiredo, Os Santos Mártires de Lisboa (1530), de Garcia Fernandes, Nossa Senhora
da Misericórdia (1535-1536), de André de Padilha, Cristo em casa de Marta e Maria
(1535-1540), de Vasco Fernandes, e Martírio de São Sebastião (1536-1538), de
Gregório Lopes.

A escolha recaiu sob uma abordagem cingida a um conjunto de categorias,


selecionadas por nós, de “ao romano”, “ut pictura architectura”, “micro-arquiteturas”
e fundo de arquitetura figurada, imaginada e decorativa (capítulo 2.2), que são na
realidade categorias que melhor se aplicam, fundamentalmente, à maioria das pinturas,
inserindo-as numa valorização espacial dos planos fundeiros da pintura portuguesa do
século XVI, revelando uma autonomia pictórica oriunda de uma arquitetura cópia, a
partir de gravuras, uma arquitetura experimental, de desenhos e tratados, uma
arquitetura real, com base em valores de observação do mundo real, e a uma arquitetura
de estereótipos, segundo a fonte de influência e não necessariamente do ideal, como
algumas das arquiteturas que nos aparecem em representações de cidades fundeiras, sem
qualquer referência ao real, quer na lógica construtiva quer na tipologia de modelos
apresentados.

Isto significa que estes pintores beneficiaram de uma pintura de ar livre que
despontou com a autonomia e modernidade ofertada pelo Maneirismo. Segundo Isabel
Policarpo, até que ponto podemos atentar que as arquiteturas pintadas nos fundos das
pinturas foram de alguma forma anunciadoras das construções reais, ou seja, como é
possível transitar a ideia de pintura para arquitetura, e sobretudo para o facto de as
arquiteturas imaginárias pela pintura se adiantarem à arquitetura realizada pelos
arquitetos. Nesta dualidade entre pintor/arquitetura reflete-se a atualidade equiparada a

14
uma modernidade inventiva que se traduziu numa arquitetura experimental decisiva no
desenrolar da arquitetura do Renascimento e Maneirismo português e europeu7.

A categoria de ao romano, patente nas obras Menino Jesus entre os Doutores


(fig. 31) e Martírio de São Sebastião (fig. 92), denuncia uma abertura aos referentes
culturais e artísticos italianizantes, ao novo “modo de Itália”. O alcance do italianismo,
em Roma, carece de uma noção de importância para o tema global, a fim de intensificar
um estudo sobre a arte romana na atividade pictórica, o estabelecimento de artistas
portugueses em Itália e, a difusão de fontes artísticas italianas, tendo, sempre, em conta
a modernidade das obras e a adoção, assumida, dos novos modelos ao romano. A
abertura progressiva à cultura italiana beneficiou com os principais centros do
humanismo europeu e com a permanência, em Roma, de D. Miguel da Silva,
embaixador pontifício, figura do Renascimento, amigo de vários humanistas, detentor
de uma vasta biblioteca e de coleções de moedas antigas e de moldes de estátuas
romanas e mecenas do pintor Vasco Fernandes8. Outro fator decisivo das relações
artísticas entre Portugal e Itália, na centúria de Quinhentos, foi a difusão de estampas e
de livros italianos, originais e cópias de arte italianas, que permitiram que os pintores
portugueses “bebessem” das fontes artísticas italianizantes, bem como o
estabelecimento de pintores portugueses em Itália, formação exercida pelo contacto
direto com os melhores representantes da técnica e estética italiana, ou seja, uma
reflexão da conjuntura espácio-temporal de personalidade única e com uma maior
abertura à novidade ideológica e artística. O século XVI, marcado pelo reinado de D.
João III, anuncia um momento de rutura com o êxito de um ao romano que se impõe

7
"(...) até que ponto estas arquitecturas pintadas dos fundos das pinturas num momento muito concreto e
específico da estética do Renascimento e proto Maneirismo, foram de alguma forma precursoras das
construções reais. Ou seja, como foi possível transitar da ideia de "assim como a pintura a arquitectura"
para o facto de as arquitecturas fingidas pela pintura se adiantaram à arquitectura dos arquitectos (…)
Nesta "paragona" pintor/arquitecto, espelha-se certamente a actualidade, versus uma rebeldia virtual
que inova, traduzindo assim até que ponto esta arquitectura experimental foi realmente importante e
crucial no desenrolar da arquitectura do Renascimento e do Maneirismo": POLICARPO, Isabel.
Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos arquitectónicos na pintura do Renascimento
português, Coimbra, 1996, pp. 156-159.
8
“De tal modo a sua personalidade se constituiu à sombra tutelar da magna Roma, que dele se diria que
«fala, vive e obra como italiano «Cristóvão de Sousa).”: PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa. História
Essencial. Círculo dos Leitores e Temas e Debates, Lisboa, 2017, pp. 275-276.

15
face às correntes tradicionalistas que perduram e, com a difusão de uma nova linguagem
pictórica anticlassicista, à maniera de Itália.

A categoria “ut pintura architectura”, visível nas obras Menino Jesus entre os
Doutores (fig. 31), Chegada das Relíquias de Santa Auta (fig. 34), Nossa Senhora da
Misericórdia (fig. 65), Cristo em casa de Marta e Maria (fig. 72) e Martírio de São
Sebastião (fig. 92) indicam uma manifestação entre modernidade e antiguidade numa
tentativa de adaptação ao “modo de Itália”. A abertura produzida pelo desenho, pintura,
arquitetura e escultura, denota importância para o tema global segundo novos conceitos
perspéticos traduzidos nas obras pictóricas portuguesas. A pintura do Renascimento em
Portugal, durante o período manuelino-joanino “As sucessivas componentes estilísticas,
espaciais e formais provindas da arte europeia (…) iriam florescer em Portugal (…)
num novo tipo de arte e arquitectura – correspondendo ao “grande salto” de
desenvolvimento económico e social do País nesta época. Esse florescimento traduzir-
se-ia num conjunto de produção arquitectónica de grande originalidade, que a
historiografia de Oitocentos designou por Manuelino, do nome do rei que cronológica e
principalmente lhe correspondeu.”9, denota picturalmente elementos retrógrados
paralelamente a elementos de influência flamenga, o denominado Primeiro Maneirismo
de Antuérpia. A introdução de ideais italianizantes surgiu através da divulgação de
tratados, da vinda, tardia, de pintores estrangeiros para Portugal e da adoção de fórmulas
maneiristas contra os valores vigentes. A pintura portuguesa foge do convencionalismo
da iconografia habitual das composições pictóricas, onde melhor se espelha a veia
italianizante, de atividade humanística e, a rigidez estrutural das composições, a
característica do desenho e o colorido, dado pela luz das escolas flamengas,
representativos nos fundos de paisagem e de arquitetura, na pintura portuguesa do
século XVI.

A categoria de “micro-arquiteturas”, notório nas obras Menino Jesus entre os


Doutores (fig. 31), Chegada das Relíquias de Santa Auta (fig. 34), Nossa Senhora da
Misericórdia (fig. 65) e Cristo em casa de Marta e Maria (fig. 72) é um exercício de
contração e de redução de espaços. A arquitetura e a escultura manifestam relevância
para o tema global na valorização espacial da pintura portuguesa do século XVI, criando
ambientes e interligações de espaços, através de estudos aprofundados de desenhos,
9
ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos
descobrimentos, Lisboa, 2015, p. 371.

16
gravuras, tratadística e da realidade quotidiana, conferindo uma unificação de espaço e
uma sintaxe de vocabulário onde a estrutura micro-arquitetónica procura uma integração
com a sua envolvência. Esta ligação, arquitetura e pintura, advém da nova mentalidade
humanística de ideal artístico renascentista e de fontes teóricas, o que permitiu
enquadrar as cenas em profundidade e relacioná-las com as figuras, estabelecendo
diferentes relações espaciais.

A categoria de fundo de arquitetura figurada, imaginada e decorativa,


comprovada nas obras Menino Jesus entre os Doutores (fig. 31), Chegada das Relíquias
de Santa Auta (fig. 34), Os Santos Mártires de Lisboa (fig. 55), Nossa Senhora da
Misericórdia (fig. 65), Cristo em casa de Marta e Maria (fig. 72) e Martírio de São
Sebastião (fig. 92) insere-se na valorização espacial dos planos fundeiros compositivos
da pintura portuguesa. O fundo de arquitetura torna-se relevante para o tema global
como forma de compreender as influências arquitetónicas “figuradas”, “imaginadas” ou
“decorativas” do Renascimento em Portugal (capítulo 2.2). As arquiteturas de fundo
coexistem a par de estudos e de representações reais e imaginadas. Os fundos
arquitetónicos reais permitem ser identificados através de documentação e de elementos
característicos definidores de um local, testemunho importante das arquiteturas
realizadas na época. Nas representações ditas imaginadas, o espaço arquitetónico é uma
idealização de uma arquitetura sugerida, sendo que estas construções constituem uma
unidade autónoma para o estudo da pintura e da arquitetura do Renascimento. As
“construções imaginadas” influenciam os arquitetos para o facto de as mesmas serem
suscetíveis de ser realizadas, numa definição estrutural de novos modelos
arquitetónicos.

Relativamente à obra de interior Cristo em casa de Marta e Maria e, exterior


Chegada das Relíquias de Santa Auta, Nossa Senhora da Misericórdia, Martírio de São
Sebastião e Os Santos Mártires de Lisboa pretendemos demonstrar exemplos
diferenciadores que ilustram as categorias e critérios anteriormente mencionados. A
nossa seleção assentou numa abordagem criteriosa cingida em fundos arquitetónicos,
que enriqueceram os planos secundários e, que permitiram que os artistas explorassem o
sentido da novidade e modernidade, sob uma análise de critérios de representação da
arquitetura na pintura renascentista portuguesa segundo conhecimentos materializados
sobre arquiteturas figuradas, imaginadas e decorativas nas obras de diversos pintores,
tendo sempre em conta os diversos fatores que os influenciaram e, acima de tudo as

17
diversas formas de representação destas arquiteturas produzidas picturalmente. Em
suma, as obras escolhidas são representativas destas categorias, na singularidade da
reprodução de arquitetura pela capacidade de representar a perspetiva e pelo tratamento
da composição das paisagens e dos fundos arquitetónicos, figurativos, ou de inspiração
construtiva "Todas estas obras (…) estão já deliberadamente integradas num gosto
renascentista, áulico e refinado, de ressaibos cortesãos, onde as orientações iniciais se
diluem em favor de uma nova organização dos espaços e de um desenho mais ousado,
nas suas formas sinuosas, nos seus rostos oblongos e nos fundos agitados de paisagem
e ricas arquitecturas virtuais, com elaboradas rovine clássicas e casario de nervosa
pincelada, povoadas de figurinhas em movimento (…)."10

Neste sentido, este trabalho permitirá visar um estudo sobre as arquiteturas


pintadas, “fingidas” ou reais, de modelos clássicos, descritos nos tratados de arquitetura
e, em qualquer uma das obras propostas, será analisada a representação arquitetónica,
entre a ideia tipológica de arquitetura recriada do “real” e, fingida, por inspiração de
estampas, desenhos ou gravuras.

Por último, remetemo-nos para as considerações finais relativas a esta temática.

10
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo. Editorial Presença,
Lisboa, 2002, p. 87.

18
ESTADO DA QUESTÃO

A historiografia portuguesa relativamente ao tema “As representações de


arquitetura na pintura do Renascimento em Portugal. Modelos, Formas e Significados”
remete-nos para vários autores que trataram esta problemática, ainda que nenhum deles
está de acordo com o enfoque que proponho, são quatro as direções essenciais da
bibliografia que consultei Isabel Policarpo11, Vítor Serrão12, Ethan Kavaler13 e o
catálogo de exposição14, do Museu Nacional de Arte Antiga.

Encontramos, na dissertação de Isabel Policarpo uma abordagem aproximada do


que constitui o principal objetivo de estudo do presente trabalho de investigação, um
estudo inicial e de consolidação de um problema. O olhar da autora centrou-se,
exclusivamente, na obra do pintor régio Gregório Lopes, tendo sempre em conta, os
segundos planos em que estão exibidos os fundos arquitetónicos representativos da
versatilidade e ecletismo que impera a pintura dos reinados de D. Manuel I e de D. João
III15. Contudo no campo da investigação, esta dissertação contribuiu, a nosso ver, para a
relevância do estudo da arquitetura do Renascimento, o modo de “ver e fazer obra de
arquitetura” sobre o olhar atento dos fundos arquitetónicos, sob inspiração italiana.

A pintura renascentista portuguesa baseou-se sobre um conjunto de critérios que


permitiram visualizar o conhecimento e a clareza destes pintores, ao materializarem as
arquiteturas pintadas nestes segundos planos, uma autonomia que transita da inspiração
e da capacidade construtiva de evocar paisagens regionais ou locais, retidas pela
memória, transpondo a uniformidade de formas e conceitos entre arquiteturas

11
POLICARPO, Isabel. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos arquitectónicos na
pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996.
12
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002.
13
KAVALER, Ethan Matt. Renaissance Gothic: Architecture and the Arts in Northern Europe, 1470-
1540. Yale University Press, New Haven, 2012.
14
PIMENTEL, António Filipe. A arquitectura imaginária. Pintura, escultura, artes decorativas, Lisboa,
MNAA-INCM, 2012.
15
“segundos planos aí patentes, são inerentes fundos arquitectónicos particularmente representativos da
versatilidade e ecletismo que caracteriza a pintura dos reinados de D. Manuel I e de D. João III,
nomeadamente da chamada “escola de Lisboa”: POLICARPO, Isabel. Gregório Lopes e a “ut pictura
architectura”: os fundos arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 3.

19
inventadas ou imaginadas e reais perante um estudo conjunto da tratadística da
arquitetura Renascentista e da compreensão de um nova linguagem arquitetónica e
pictural. A figura de Gregório Lopes permitiu-nos entender e definir, no tempo e no
espaço, o desenvolvimento da arquitetura do Renascimento em Portugal, patente nas
obras arquitetónicas, sob um levantamento exaustivo do elenco documental e
iconográfico das representações arquitetónicas fingidas e reais, não descurando a
aplicabilidade dos modelos clássicos que se encontram descritos na tratadística, assim
como recorrerem a desenhos, estampas e gravuras, como modelos de inspiração, que
influenciaram a representação da arquitetura nos fundos da pintura do início do século
XVI.

A autora, através do tema da sua dissertação, relança o surgimento dos primeiros


tratados e o virar de uma nova corrente estética e artística, concluindo que o
Renascimento caracteriza-se como um movimento artístico baseado na alteração das
formas e sobretudo das ideias16, tendo em vista a Antiguidade Clássica e todos os
valores que dela advém, com especial atenção nas fontes greco-latinas da cultura
Europeia, determinando assim um culto representativo pelo all’antico e o triunfo pela
liberalidade, o que possibilitou uma transformação das mentalidades face às diferentes
formas de estar e fazer Renascimento17. Os primeiros momentos desta nova era artística
basearam-se nas frequentes viagens de artistas europeus a Itália, perante o fascínio pela
vigente cultura humanística e pelos reflexos desta com as restantes áreas, ofertando um
maior destaque à literatura a par da difusão da tratadística, com Francesco di Giorgio
Martini ou Cesare Cesariano, pois nem Vitrúvio, nem Alberti, arquiteto, pintor e
humanista, que iniciou uma série de questões basilares da teoria e da crítica da arte ao
longo da Idade Moderna, com a elaboração de dois tratados De Pintura (1436) e De re
aedificatoria (1452) na época do Renascimento18. Todavia é relevante referir que os

16
POLICARPO, Isabel. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos arquitectónicos na
pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 8.
17
“A Antiguidade clássica e todos os valores que são inerentes ao regresso às fontes greco-latinas da
cultura Europeia, impondo um culto pelo all’antico e o triunfo da liberalità, num movimento que teve
início em Itália, vão servir de modelo e influir a todos os níveis (artísticos, cultural, filósofos, literário),
permitindo que uma transformação das mentalidades anteceda todas as outras formas de “estar” e de
“fazer” do Renascimento.”: Idem, ibidem.
18
“(…) arquitecto, pintor, humanista (…) iniciando em definitivo a generalização da escrita de tratados
no Renascimento e inaugurando uma panóplia de questões que se irão tornar basilares da teoria e da

20
tratados são indissociáveis do desenho, tal como acontece com Palladio, Sérlio, Vicenzo
Scamozzi, entre outros.

Em Portugal, o conceito de Humanismo19 nasceu cem anos depois do seu


surgimento em Itália, ou seja na era de Quinhentos, por via de humanistas italianos que
se deslocam a Portugal para ensinar, e de portugueses que viajam para Génova,
Florença, Milão, Veneza, Bolonha, Roma, Toulouse e Paris, para absorverem o
conhecimento da “fonte”, de modo direto, a “sede” do Humanismo. A cosmopolitização
da corte de D. João III proporcionou uma abertura ao humanismo, e com ela conduziu a
uma valorização da memória da Antiguidade e dos modelos ao all’antico, numa
inegável vontade de direcionar para novos caminhos o pensamento nacional20.

O panorama cultural e mental em Portugal, é alterado face ao processo de


mudança pictórica. A divulgação da gravura e da tratadística possibilitou a expansão de
horizontes das obras de arquitetura portuguesa. As estampas franco-alemãs e italo-
flamengas revelaram-se fundamentais no campo dos fundos arquitetónicos ao romano e
nos motivos clássicos, como referenciais de temáticos-iconográficos, todavia, as
pinturas revelam um grau de liberdade e de originalidade fortíssimo face às gravuras.
Em Portugal, a gravura não era utilizada na sua íntegra, comumente os pintores
empregavam várias estampas numa só obra ou apenas exploravam a composição global,
ou então, copiavam alguns aspetos, suprimindo outros, substituindo-os por outros, ao
gosto da época.

O panorama artístico, da primeira metade do século XVI, permite constatar uma


pintura do Renascimento português tendencialmente envolta numa obstinação de
elementos pictóricos primitivos a par de uma introdução de elementos do denominado
Primeiro Maneirismo de Antuérpia, de influência da pintura flamenga. Em Portugal, os

crítica da arte ao longo de toda a Idade Moderna. (…) escreveu os tratados De Pintura (1436), De re
aedificatoria (1452) (…)”: ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no
tempo dos descobrimentos, Lisboa, 2015, p. 171.
19
RAMALHO, Américo da Costa. Estudos sobre o século XVI. IN/CM, Temas Portugueses, 2ª edição,
Lisboa, 1983; RAMALHO, Américo da Costa. Os Humanistas e a Divulgação dos Descobrimentos. In
Actas do Congresso O Humanismo e os Descobrimentos Portugueses, Coimbra, 1991.
20
“(…) internacionalização da corte de D. João III e da sua abertura ao humanismo, trazendo consigo a
valorização da memória da Antiguidade, numa indiscutível vontade de orientar para novos caminhos o
pensamento português”: POLICARPO, Isabel. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 3.

21
ideais italianizantes foram introduzidos mais tarde e, apresentados segundo a divulgação
de tratados e da presença de artistas estrangeiros no nosso país, segundo as diretrizes
das fórmulas maneiristas, resultado da rebelião contra as normas correntes. No caso
português, a nível pictórico vai prevalecer o sentimentalismo tradicional das escolas
flamengas, sem esquecer os traços nacionais. A pintura portuguesa desta época é
marcada por mestres que se diferenciam no desenho, na luz, nos fundos de paisagem e
de arquitetura, fatores que permitem uma singularidade pictural que até então era
espelhada por um convencionalismo de uma iconografia constante a nível compositivo.

A atividade humanista vivenciada, a nível nacional, vai ser guiada por uma veia
italianizante paralelamente à relação ao flamenguismo, de formas rígidas, contudo de
grande versatilidade, entendimento esse, realçado pelo pitoresco das arquiteturas
regionais traduzido nas paisagens e nos fundos arquitetónicos. O monarca D. João III
vai assinalar um momento de rutura, pelo valor da nova corrente estética ao romano,
pela difusão de tratados, Cesare Cesariano ou Diego de Sagredo, com a obra original do
tratado Medidas del Romano (1526), pela mão de Chanterene (as suas obras apontam
nesse sentido), que pela sua relevância vai ser editado em 1542, em Portugal, e de
gravuras italianizantes, pela vinda de artistas estrangeiros e pelos estágios em Roma de
artistas portugueses, que lá encontram o Maneirismo como corrente artística vigente, e é
precisamente isso que trazem para Portugal, todavia sem o sentido profundo de rebeldia
que caracteriza o movimento em Itália.

O século XVI é marcado pelos Descobrimentos, pela Expansão portuguesa e


pelo propagandismo, maioritariamente, régio e religioso, período em que o artista do
renascimento continua a trabalhar no seio das oficinas, um trabalho coletivo que se
manifestava frequentemente por meio de colaborações em forma de parcerias entre
artistas conhecidos e anónimos. No campo da pintura, a situação maneirista portuguesa
centrou-se na ideologia da Igreja contra-reformista, sob uma propaganda régia e
política, contudo em meados de 1536, novos ecos eram debatidos em Portugal,
nomeadamente sobre valores associados a uma mudança cultural que o Maneirismo
acarretava “(…) à luz da nova teorização de sinal italianizante da defesa de liberalità e
da nobilità do artista, fruto da consciencialização da importância e individualidade do
pintor e da própria arte de pintar (…)”21. O Maneirismo, na pintura, adota novos temas

21
Idem, p. 35.

22
da teatralidade, os valores da nova maniera italiana e regula a noção de individualidade
do pintor, uma renovação de valores e de mentalidades, onde artistas passam a assinar
as suas obras e a debater pontos de vista com os clientes, os termos e os pagamentos dos
contratos, ou seja, um subjacente reconhecimento social e cultural de um estatuto
vinculado à liberalidade.

O pintor Gregório Lopes foi uma das figuras basilares da pintura do


Renascimento e do Primeiro Maneirismo de Antuérpia em Portugal, exemplo de
mudança e modernidade no seio da pintura portuguesa do segundo quartel do século
XVI. Gregório Lopes, discípulo do pintor Jorge Afonso, em cuja oficina fez a sua
formação, veio a tornar-se um representante notável da denominada “escola de Lisboa”
com base em dois fundamentos: pelo prestígio da sua oficina e pelo impacto que gerou,
com a sua arte, fatores que levaram à atribuição de todas as obras que não detinham
provas documentais de identificação, à autoria do pintor régio e pelo recurso ao regime
de parcerias. A obra pictural de Gregório Lopes destaca-se pelos planos fundeiros, de
requinte cenográfico aberto à contemporaneidade alongando toda a composição, quer
pela introdução de figuras, em primeiro plano e, as arquiteturas fundeiras que
transmitem o detalhe e a profundidade em jogos prospéticos, inserindo quase um quadro
dentro de outro. O tratamento das arquiteturas fundeiras permitem envolver a cena
principal. A característica que maior define a obra de Gregório Lopes é a aplicabilidade
da sua liberdade criadora em produzir o enquadramento secundário, de diferentes planos
arquitetónicos que se envolvem entre si, tendo como referências a representação de
edifícios góticos com renascentistas e, a uma decoração à maniera flamenga e italiana.

A cultura renascentista e o emprego de novas formas all’antico, coincidiram


com a alteração de estatuto do pintor à condição de artista como agente ativo,
paralelamente à introdução da pintura do seio das artes liberais, sob o olhar atento do
Humanismo, que dignificou a arte da pintura.

Na pintura portuguesa, da década de trinta, surge os primeiros sinais da


modernidade, uma nova linguagem italianizante, na decoração das composições, pelo
emprego de pilastras decoradas ao romano e pelas construções de edifícios
renascentistas, edificações reinterpretadas, nos fundos da pintura, de gravuras ilustradas
que circulavam em Portugal, prevalecendo as arquiteturas de cariz religioso. Importa
aqui ressalvar que durante as primeiras décadas da centúria de Quinhentos a arquitetura

23
da pintura adiantava-se face à arquitetura dos arquitetos, o que possibilitou a um maior
descerramento para as investigações vindouras e para as visões imaginárias 22. As
arquiteturas pintadas, edifícios e cidades, representadas nos fundos da pintura,
explicitam a real importância do papel das mesmas dentro da pintura e do testemunho
aplicado face a uma cultura arquitetónica ligada a uma nova conceção espacial e de
tridimensionalidade, quer em espaços interiores como exteriores.

Em Portugal e ainda durante o período manuelino-joanino, de filiação flamenga,


francesa, peninsular e italiana, os pintores auxiliam-se, como primeiros exemplos, de
espaços renascentistas que servem de base a fundos tradicionais de cenas de iconografia
religiosa. Revela-se também importante o pintor deter algum conhecimento
arquitetónico para saber fazer qualquer ornamento com base em medidas e proporções,
como também o arquiteto possuir saber sobre aplicar a perspetiva de modo a realizar um
melhor exercício com base na imaginação da elaboração de um edifício com os devidos
adornos, resumindo tudo isto deriva das cinco ordens aplicadas no tempo da
Antiguidade23. A capacidade exímia do desenhar a arquitetura permite constituir os
factos narrados, em ambiente físico, qualidade pictórica do Quattrocento italiano,
cânone que prefigurará nos primeiros anos do século XVI e que afirmará o poder dos
pintores em arquiteturar composições em planos fundeiros. A arquitetura pintada, em
Portugal, maioritariamente acompanhou e antecipou a arquitetura construída, à
semelhança de Itália, pelo surgimento prematuro de elementos arquitetónicos do novo
movimento conjugado com os tradicionais, transformando-se num campo de ensaios de
uma modernidade nítida de inspiração renascentista, que é afirmada por noções de
espacialidade e tridimensionalidade. Aqui existe uma perceção traduzida em fontes
teóricas, tratados, desenhos, projectos e escritos teóricos de diversa índole24 que é
proporcionada pela materialização dos fundos da pintura sobrepondo as arquiteturas

22
DOMINGUEZ, Juan António Ramírez. Cinco Lecciones sobre Arquitectura y Utopia. Departamento de
Historia del Arte de la Universidad de Málaga, Málaga, 1971, p. 177.
23
“… assim como ao pintor convém ter notícia da arquitectura para saber fazer o ornamento com base
em medidas e proporções, também ao arquitecto interessa saber a perspetiva porque com esse exercício
melhor imagina todo o edifício já com a ornamentação… tudo deriva das cinco ordens que usavam na
Antiguidade”: GAMBUTI, Alessandro. L’architettura dei Pittori nel Quattrocento italiano. Alinca
Editrice, Firenze, 1994, p. 5.
24
DOMINGUEZ, Juan António Ramírez. Cinco Lecciones sobre Arquitectura y Utopia, Málaga, 1971,
pp. 175-178.

24
pintadas às arquiteturas reais, traduzindo a adoção de ideias e, não de práticas, oriundas
da influência dos tratados.

O estudo aprofundado dos desenhos, das gravuras e da tratadística proporcionou


as primeiras representações arquitetónicas na pintura “os fundos de arquitetura cuja
qualidade é digna de acompanhar as composições, só o podendo fazer de forma
idealizada ou mediante a cópia de obras de outros pintores, seja da cena principal ou
das arquitecturas fundeiras”25, tendo sido uma realidade quotidiana privilegiada por
Vasco Fernandes, Garcia Fernandes, Cristóvão de Figueiredo, Gregório Lopes, entre
outros. As arquiteturas fundeiras coexistem a par da cópia da gravura e de invocações
idealizadas, ou seja, de construções imaginárias pintadas em grande influência das
arquiteturas reais, contudo a arquitetura construída prevalece no seio das obras dos
demais pintores. As representações construídas permitem-nos colocar em determinado
sítio o espaço onde o pintor se encontrava aquando da execução da obra, e sob outra
perspetiva, testemunhava as arquiteturas da época, fatores contributivos para a datação e
atribuição de certas obras e da arquitetura portuguesa da época, de monumentos
desaparecidos ou transformados. As representações pictóricas menos “construídas” vão
ser representadas, por norma, como uma “idealização” de uma arquitetura sugerida,
associada a uma obrigatoriedade de preencher os segundos planos de uma pintura.

A arquitetura pintada revela-se suscetível a ser realmente construída, “pode ter


grande influência na real, em virtude dos pintores antecipadamente arquitectarem na
pintura, em simultâneo é privilegiada a construída, que, por sua vez, transparece nas
obras de muitos pintores.”26 Relativamente às construções ilusórias, estas
desempenham a funcionalidade de um quadro dentro de um quadro, integrando assim
uma unidade autónoma dentro do estudo da arquitetura do Renascimento e do
Maneirismo.

A pintura renascentista portuguesa baseia-se em três níveis de critérios:


representações reais, representações ideais e representações decorativas. As
representações reais, de “espelho do real”, resultam da visualização de arquiteturas ao
vivo, de edifícios e de cidades construídas ou da idealização decorrente de cópias, não

25
POLICARPO, Isabel. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos arquitectónicos na
pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 91.
26
Idem, ibidem.

25
descurando o facto dos pintores já as terem visualizado e estudado a gramática
construtiva e ornamental a partir de desenhos, gravuras e tratados “vai funcionar não só
em termos das imagens em si, como dos novos critérios construtivos aí contidos (…)
estes vão ser transmitidos também pelas arquitecturas pintadas, com um carácter que
se pode considerar experimental, porque ligado ao intuito de uma renovação
construtiva, atingido a própria arquitectura realmente construída.”27. As
representações ideais advêm das ditas arquiteturas imaginárias e utópicas, de cidade
ideal, que poderão evoluir no sentido de uma arquitetura concreta de idealização, uma
ligação simbólica entre referência espacial e temporal, a par de um caráter iconográfico
de ligação à ideia transmitida pela pintura, que objetifica uma experimentação
construtiva. Já as representações decorativas que derivam da cópia de gravuras italo-
flamengas, que circulavam, foi primordial para a assimilação dos artistas flamengos da
arte romana do Renascimento28, sobretudo pelos elementos mais influentes, como
colunas, balaústres e capitéis.

Os fundos tornam-se mais “arquitetónicos” sob um reflexo da obsessão pela


arquitetura na pintura do Renascimento, todavia nem sempre as arquiteturas
representadas constituem a arquitetura local, podendo naturalmente ser arquiteturas
meramente imaginárias, ou pelo menos, diferenciadas das construções reais. Segundo a
autora, estes fundos arquitetónicos estão longe de induzir qualquer obrigatoriedade face
a valor como documento histórico, e até mesmo podem levar ao fornecimento
desnecessário de informações fiéis sobre o movimento e a arte da época em que foram
pintadas29.

Em suma, Isabel Policarpo, assume que deve realiza-se uma menção para as
relevantes arquiteturas que delimitam a cena principal, o que nos permite estabelecer
uma agradável ligação entre as figuras de primeiro plano e os planos fundeiros,
compostos por arquitetura30. A mesma afirma que a arquitetura pode ter influenciado a
27
Idem, p. 133.
28
Idem, ibidem.
29
“nem sempre as arquitecturas pintadas refletem necessariamente a arquitectura contemporânea ou
local, podendo simplesmente ser puramente imaginárias, ou pelo menos, distintas das construções
verdadeiras (…) Estes fundos de arquitetura, longe de obrigatoriedade terem qualquer valor como
documento histórico, podem ser mesmo absolutamente inúteis para fornecer informações fiéis sobre o
estilo e a arte da época em que foram pintadas”: Idem, p. 110.
30
Idem, p. 131.

26
real “e, por outro, é possível verificar que se trata de uma arquitectura
experimental/virtual, de inovação, ligada ao intuito de uma renovação construtiva,
tanto pela susceptibilidade de ser construída, como pela reprodução de um real.”31

O catálogo de exposição, “A arquitetura imaginária: pintura, escultura, artes


decorativas”32, do Museu Nacional de Arte Antiga, alude-nos a referências do tema em
questão, nomeadamente no conceito da palavra arquitetar, que significa edificar,
projetar, planear, engendrar, imaginar, inventar, de construir mentalmente paralelamente
às potencialidades expressivas de trabalhar o património para além das temáticas
comuns, a pintura, a cerâmica, os retábulos, entre outros. Isolar o espaço da arquitetura
permite-nos refletir e demonstrar o especial enfoque destes segundos planos no campo
de produção artística do património português. Esta exposição promoveu os espaços da
arquitetura imaginária numa área artística alargada: pintura, escultura e artes
decorativas. A arquitetura é apropriada pelo domínio da pintura, o que convoca, neste
sentido, um papel catalisador no território ficcional e no plano das ideias, reforçando o
poder ilustrativo de uma composição pictórica. A apropriação da arquitetura permite-
nos representar enquanto fonte e matéria-prima, um espaço pictórico e, uma ideia de
cidade ideal, o construir à base da utopia, afirmando os valores simbólicos e
representativos da cultura do renascimento sob os valores compositivos que se afirmam
como veículos de um discurso codificado. Resumindo, a arquitetura narra valores
compositivos projetados, planeados, engendrados, inventados e, de construção metal e,
sobretudo mais tarde, assume potencialidades de uma natureza ideal, suportada pelo
marco da imaginação.

O Renascimento convoca a arquitetura enquanto ordem, ou seja, reabilita o


sistema compositivo, num sentido de ordem enquanto princípio e, enquanto matriz
intelectual, por essa mesma razão, a arquitetura centrar-se-á na exaltação da tradição e
do ideal clássico e numa autoridade decorrente da própria produção teórica, decorrente
da disseminação de fontes, textos e gravuras. A arquitetura imaginária nasce sob o
desenvolvimento do Renascimento, no decurso de uma viagem de formas e ideias e,
num processo transversal que acompanha a cultura portuguesa entre os Descobrimentos
31
Idem, ibidem, p. 131.
32
PIMENTEL, António Filipe. A arquitectura imaginária. Pintura, escultura, artes decorativas, Lisboa,
MNAA-INCM, 2012.

27
e a Expansão, numa modernidade imposta pela renovação de conhecimentos, suscetível
de ser representada no domínio compositivo da pintura portuguesa. Tal como refere
Delfim Sardo, podemos considerar a arquitetura como uma prática artística presente na
pintura, um imaginário espacial ou, um espaço que existe para ser vivido. Neste sentido,
o termo imaginário induz-nos à produção de situações que unificam a produção de
espaço, efeito da imersão do espetador a organizações arquitetónicas.

Já, Rafael Moreira33 sustenta a ideia de que Portugal beneficiou de uma


arquitetura muito própria do Renascimento, todavia precoce, relativamente aos países
Espanha e França. Na pintura, o pintor procurava visualizar no espaço, através do
recurso das artes decorativas, a idealização experimental da arquitetura a partir de
maquetas ou de «quadros vivos» antes de proceder à tábua, situação passada pelos
nossos primitivos e, menos, durante o Maneirismo, que se auxiliava de um realismo
puro e de imaginário abstrato. Aqui a definição designada de «Primitivos Portugueses»
partilha a conceção do Gótico e do Renascimento, e das suas variantes «Tardo-Gótico»
e «Pré-Renascimento», que se relacionam com os campos adjacentes, com apenas
fatores externos, que necessitam de identidade pela sua expressão e eixo de
desenvolvimento estilístico pela sua manifestação no tempo e no espaço.

Uma das maiores conquistas do século na arte foi a consciência do construir ao


modo antigo, da Antiguidade e das ordens arquitetónicas, capacidades espelhadas na
forma de racionalizar um discurso de ordem prática, apontamento que faltou na maneira
como Portugal fundamentou a formalização da cultura clássica a partir dos textos “Não
há em Portugal edifício que se possa ligar diretamente a Alberti mas o sentido,
humanista primeiro, e só depois clássico por filiação, que o italiano imprimiu em toda
a arquitetura europeia faz com que o rasto das suas lições se colem inevitavelmente a
uma prática e a uma cultura teórica que privilegia o conhecimento e a obtenção dos
níveis de prazer e bem-estar. Uma corrente de pensamento que varreu toda a Europa a
partir do século XVI e chegaria também a Portugal.”34

O autor, Paulo Pereira35 reforça a ideia de bidimensionalidade desenhada patente


na arte portátil, a pintura, em que a arquitetura revela um papel expressivo de finalidade

33
Idem, pp. 32-62.
34
Idem, p. 50.
35
Idem, pp. 92-127.

28
narrativa ou acessória. O campo da pintura, a rota é percorrida por uma arquitetura
«pintada» ou «gravada», tendo sempre por base a formulação das representações
arquitetónicas que produzem, maioritariamente, um efeito linguístico, o da metáfora, ou
seja, imagens que simulam, equivalem ou induzem a uma “metarrealidade” de
estruturas arquitetónicas. A iconografia do lugar provoca, através da arquitetura, um
poder evocador de lugares imaginários. Paulo Pereira menciona que o tema «fundos na
arquitetura» merece uma abordagem isolada das demais, dado que se trata de uma
tradução plástica de elementos com valor cenográfico, mais acertadamente no campo
arquitetónico, porém são as construções, as protagonistas da ação, a parte integrante da
narrativa compositiva, embora, a maioria dos fundos sejam cópias ou adaptações das
fontes de inspiração que circulavam no nosso país, nomeadamente gravuras. As obras,
das principais oficinas, da primeira metade do século XVI, denunciam um classicismo
«contra o tempo», pelas plantas dos edifícios figurados e, nos elementos arquitetónicos
que tendem para o antigo, paralelamente a um gosto e, a uma evolução estilística, tendo
como exemplo a obra Aparição de Cristo à Virgem atribuída a Jorge Afonso que marca
o particular interesse formal pelo Renascimento por parte deste pintor e dos demais
pintores do século XVI, sendo que a este interesse desenvolvesse o interesse simbólico
que só a arte da pintura pode manifestar36.

Lurdes Craveiro37 alude-nos a uma ideia de «saber fazer», reforçada pela cultura
humanista do Renascimento aliada a uma teoria do conhecimento das ordens clássicas,
traduzida nos tratados e gravuras disponíveis para a época:

“Por via do universo tratadístico (que só se instala verdadeiramente no século


XVI), dos efeitos de retorno da presença portuguesa na Itália, das marcas
deixadas por intelectuais e artistas (como o debatido caso de Sansovino) em
território português, dos contactos políticos, económicos e diplomáticos, da
gravura em circulação ou das obras importadas do norte da Europa ou da
Itália, as referências a utilizar chegavam de várias frentes. O material icónico
provindo de áreas como a iluminura ou o desenho gravado assumiu um papel

36
Idem, p. 99.
37
Idem, pp. 128-147.

29
formativo por excelência no enfrentar do repto face à organização e gestão das
ordens.”38.

Portugal, a partir do reinado de D. João II, relacionou-se com Itália e as cortes


europeias através de uma política diplomática, de contactos comerciais, da novidade
importada e da pressão estabelecida pelo império, em crescimento. Durante este reinado
destaca-se o melhor da cultura e da estética italiana, em particular com a circulação das
teorias renascentistas e com a contratação de arquitetos italianos ou da deslocação de
artistas portugueses para Itália, tendo os casos de Francisco de Holanda e Duarte
Coelho, como exemplos39.

O caso português, no século XVI, denota uma perceção das ordens, sobretudo
com a divulgação de Vitrúvio (tradução de Cesare Cesariano, 1521) e dos textos de
Diego de Sagredo (Toledo, 1526; e Lisboa, 1541 e 1542), nomeadamente por via das
Medidas del Romano que gerou o espaço orgânico que a cultura humanista modelou
com maior evidência em Tomar ou Coimbra40.

Já o autor, Vítor Serrão41 coloca em perspetiva um dos períodos áureos da


história da arte portuguesa, do Renascimento ao Maneirismo, a par de um trabalho do
ponto de vista iconográfico e da representação daquilo que é a arquitetura pintada. A
produção artística, desta época, pauta-se pela regionalidade paralelamente a uma
cenografia aberta a modelos estilísticos provenientes do estrangeiro. Esta liberdade, na

38
Idem, p. 135.
39
“No reinado de D. João III acentua-se o melhor da cultura e a estética italiana. A circulação das
teorias renascentistas não só se fazia através das traduções de obras importantes, mas com contratação
de arquitetos italianos ou da deslocação de artistas portugueses para Itália como foi o caso de Francisco
de Holanda ou de Duarte Coelho e João Castilho (…)”: ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João.
Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos descobrimentos, Lisboa, 2015, pp. 11-12.
40
“Disso dá conta a divulgação de Vitrúvio (sobretudo na tradução de Cesare Cesariano, 1521) e dos
textos de Sagredo (Toledo, 1526; e Lisboa, 1541 e 1542), na exposição desse grau de fantasia e
inventividade com que se interpretam as lições de Vitrúvio sem, no entanto, comprometer as grandes
linhas de força que presidem ao corpo teórico avançado desde o século XV. Por via das Medidas del
romano, de Sagredo, construiu-se também, afinal, o espaço orgânico que a cultura humanista plasmou
com maior visibilidade em Tomar ou em Coimbra.”: PIMENTEL, António Filipe. A arquitectura
imaginária. Pintura, escultura, artes decorativas, Lisboa, MNAA-INCM, 2012, p. 133.
41
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo (1500-1620), Lisboa,
2002.

30
nossa produção artística, surge impulsionada pelo predomínio de materiais e tecnologias
inferiores, todavia esta denominação é inadequada face às matérias-primas empregues,
calcário, madeira de castanho e de carvalho, granito, entre outros. A idade de ouro
manuelina, ano de 1500, beneficiou com a economia, as condições de exportação, o
tempo da tradição artística goticizante, o papel das feitorias portuguesas do Norte e as
novidades estilísticas do classicismo all’antico difundidas pelo Humanismo cristão de
raiz italiana. A partir de 1557, assumimos uma nova cultura italianizante de doutrinação
neoplatónica e, de sentido maneirista aliado, posteriormente à conjuntura da Contra-
Reforma e, aos efeitos da instalação do Santo Ofício e da Companhia de Jesus.

A produção artística, em Portugal, baseou-se num convencionalismo


denominado «Primitivos Portugueses»42 à pintura executada no nosso país, no tempo do
reinado de D. Manuel I (1495-1521) e de D. João III (1522-1557), assumindo uma
caracterização sui generis que melhor a individualiza como «escola» no contexto da
Europa, sob o peso da modernização da gravura importada, fonte utilizada pelas oficinas
e clientes. Apesar de a nossa História de Arte relevar que a nossa pintura produzida
alude a uma pretensa falta de originalidade a nível compositivo, esta demonstra uma
verdadeira inovação enquanto «escola» autónoma e, na compreensão das
dissemelhanças que a individualizam e no realçar da sua modernidade no contexto da
pintura europeia. A influência da imprensa revelou-se importante no mercado pictural
português, contudo as oficinas e os artistas portugueses do Gótico Final ao
Renascimento souberam demarcar-se da inflexível tutela compositiva, socorrendo-se
das estampas como elemento referencial de soluções all’antico, de apontamentos
fundeiros ou, de propostas de construções. Na realidade, a individualização da produção
pictural, como «escola», beneficiou com a difusão da gravura importada e da imprensa,
inovações plásticas de uma corrente modernizadora das fontes utilizadas pelas oficinas
nacionais e pela sua clientela, como forma de abertura cultural a modelos ítalo-
flamengos e franco-germânicos. Aqui, “a arte da pintura assumiu contornos da
verdadeira originalidade enquanto «escola» artística autónoma face às suas

42
A partir do século XX, o termo «primitivos» serviu para designar os mestres anteriores ao
Renascimento, todavia também para os pintores que constituíram uma cultura a nível nacional.
CANDEIAS, António; DIAS, Cristina; RODRIGUES, Dalila; CAETANO, Joaquim Oliveira; BRITO,
Joaquim Pais de; CARVALHO, José Alberto Seabra; MIRÃO, José; PIORRO, Luís; AFONSO, Luís
Afonso; REIS, Pedro Cabrita; VALADAS, Sara. Primitivos Portugueses 1450 – 1550 - O século de Nuno
Gonçalves. Museu Nacional de Arte Antiga, Athena, Lisboa, 2010, p. 16.

31
congéneres italianas”43. As obras que saíram das oficinas do país traçam uma linha
dominante de inspiração nos modelos flamengos. As nossas oficinas exploraram a via
pessoal, de cada artista, enquanto «escola», numa via de propaganda pela imagem. A
linguagem plástica portuguesa, tradicional, que procura incessantemente inspiração
noutras zonas artísticas da Europa:

“Recorda-se que, na época dos primitivos flamengos os artistas organizavam-se


e produziam pintura em ateliers, apelando ainda à colaboração e à sob
contratação de serviços. Os conjuntos de modelos constituíam "um bem
precioso" partilhado por vários artistas resultando, com isso, fruto de
colaboração, com génese complexa e difícil de destrinçar o que é executado
diretamente pelo mestre daquilo que é executado por colaboradores. Esta é uma
matéria de relevada importância; é um assunto sempre em debate que,
consoante o ponto de vista de quem interpreta, desperta novas teorias.”44.

A «escola portuguesa» apreciou o trabalho coletivista, as técnicas locais de


preparação das tábuas e, à originalidade face ao modo da Flandes e ao modo ao
romano, modelos que permitiram localizar a interpretação pictórica. A pintura
portuguesa afirmou-se durante o tempo áureo das Descobertas, na compreensão das
diferenças de cada artista e na modernidade patente nas obras, face a um contexto
europeu, numa altura em que “a pintura é arma significativa de pedagogia
propagandística”45.

O pintor André de Padilha, ativo de 1517 a 1561, assume, nas suas obras, um
interesse pelos fundos de pintura de paisagem e de liberdades de paisagismo, com
influências hispano-flamengas (fig. 65). Já Vasco Fernandes (1501-1543) atende sob

43
CANDEIAS, António; DIAS, Cristina; RODRIGUES, Dalila; CAETANO, Joaquim Oliveira; BRITO,
Joaquim Pais de; CARVALHO, José Alberto Seabra; MIRÃO, José; PIORRO, Luís; AFONSO, Luís
Afonso; REIS, Pedro Cabrita; VALADAS, Sara. Primitivos Portugueses 1450 – 1550 - O século de Nuno
Gonçalves, Lisboa, 2010, p. 78.
44
TAQUENHO, Maria. Pintura flamenga em Portugal. Os retábulos de Metsys, Morrison e Ancede;
estudo técnico e material. Dissertação de Doutoramento em História da Arte apresentada à Universidade
de Évora, Évora, 2013, p. 57.
45
CANDEIAS, António; DIAS, Cristina; RODRIGUES, Dalila; CAETANO, Joaquim Oliveira; BRITO,
Joaquim Pais de; CARVALHO, José Alberto Seabra; MIRÃO, José; PIORRO, Luís; AFONSO, Luís
Afonso; REIS, Pedro Cabrita; VALADAS, Sara. Primitivos Portugueses 1450 – 1550 - O século de Nuno
Gonçalves, Lisboa, 2010, p. 80.

32
uma vertente de dominância flamenga em proveito de um referencial baseado no
contexto arquitetónico clássico-italiano, sem abandonar as paisagens fragosas, rasgadas
de grutas e povoadas de misteriosos castelos e sem deixar de revelar a pureza das
atmosferas, as gradações tonais nas representações fundeiras e o naturalismo dos valores
plásticos na sua obra pictórica (figs. 71, 106, 107, 161 e 176). A figura de Gregório
Lopes (figs. 19, 34, 91, 102, 143, 170, 182, 183, 206, 212, 213, 221, 224, 232 e 246),
que emergiu da oficina de Jorge Afonso, é a mais desejada face uma representação
evoluída do Renascimento português, artista que afirmou nas suas obras os cânones
flamengistas, conhecimento adquirido na oficina de Jorge Afonso, sem deixar de
descurar os fundos agitados de paisagem e ricas arquiteturas virtuais. O painel do
Calvário (fig. 224) reporta uma Cidade de Deus, que aduz a “ruínas clássicas, entre um
portal ciclópico, diversas torres, sinuosidades de ruas, arcos, praças e muros
acastelados, e o corpo centralizado da Civitas Dei como simbolização neoplatónica da
ilha da Utopia.”46, já o Martírio de São Sebastião (fig. 92) abre portas a um
Maneirismo com evocação ao all’antico da Roma Antiga.

A produção pictural portuguesa do Renascimento assumiu um convencionalismo


comum nas composições da iconografia religiosa, “uma pretensa falta de originalidade
sob o ponto de vista compositivo”47 contudo, a vontade dos encomendantes regeu-se
sob os novos ideais do Humanismo Renascentista, onde imperava dois relevantes
conceitos, a originalidade e a liberdade, representativos na caracterização das paisagens
e da arquitetura nos segundos planos da pintura. A «escola portuguesa» segundo os
padrões estéticos assumiu uma criação pictural original sob uma via de propaganda pela
imagem, numa linguagem que se sobrepôs à cópia, ou seja, é de salientar a inovação
estética perante os modelos estilísticos flamengos. Paralelamente a todas estas fórmulas,
os pintores demonstraram as suas capacidades artísticas ao assimilarem as fórmulas
renascentistas do Primeiro Maneirismo de Antuérpia através de uma autonomia que se
inseriu numa pintura marcada pela utilização fantasiosa das estruturas arquitetónicas,
pelas poses rebuscadas das figuras e, pelo gosto pelos adereços ornamentados.

46
Idem, p. 126.
47
Idem, p. 77.

33
O Renascimento, em Portugal, revelou-se um período transitório e fugaz. O
Maneirismo48 substituiu o Renascimento, como movimento oficial na segunda metade
do século XVI, sob o decurso progressivo de renovação e modernidade latente na
consciência dos artistas portugueses de Quinhentos.

A primeira metade de Quinhentos ficou marcada por uma tendência de cariz


tradicional, goticista e de inspiração renascentista, tendo como exemplos os pintores
Mestre da Lourinhã, Vasco Fernandes e Gregório Lopes. Todavia esta centúria não
ofertava uma saída credível para a posteridade, contudo os pintores que trabalharam na
direção de Gregório Lopes, como Diogo de Contreiras que procurou empreender uma
arte moderna à base de soluções pictóricas do Maneirismo de Antuérpia, florentinas e
romanas. O Maneirismo revelou-se, no panorama da pintura portuguesa, um movimento
artístico marcado pela modernidade a par dos valores de crise que acabou por assumir,
no século XVI, assim como as marcas da renovação estética que atuavam na Europa
pós-renascentista, sintomas expressos nas obras finais de Gregório Lopes e de Garcia
Fernandes. Em Portugal, os modelos vigentes, na pintura portuguesa, consistiram na
influência italiana interligada a um Maneirismo italiano, livre dos modelos tradicionais,
todavia os primeiros maneiristas seguiram os passos dos mestres italianos. As obras de
Gregório Lopes designam este “modo de Itália” através da força plástica e das
cenografias espaciais das arquiteturas de fundo, ainda sobre fontes antuerpianas de
Vries, Heemskerck e Cook. Todavia Diogo de Contreiras domina as referências do
Maneirismo romano e agita as composições com minuciosos fundos de paisagem e
casario. Os artistas portugueses, a partir de 1570-1580, conferiram o sentido da ilusão e
dos efeitos cenográficos, tendo como modelo o pintor Gaspar Dias pela espacialidade da
construção arquitetónica exibida nas suas obras.

Adriano de Gusmão constatou que “é interessante notar que a pintura


portuguesa não conheceu aquele estilo galante do Maneirismo de Fontainebleau, nem

48
“O Maneirismo vinha substituir os valores estabelecidos de ordem, harmonia, equilíbrio,
normatividade e rigor classicistas, por um vocabulário artístico feito de irrealismos, tensões deliberadas,
ambiguidades, bizarria, desconstrução das ordens, terribilità, teatralidade, nostalgias, caprichos. Mais:
o Maneirismo fazia-se herdeiro, fora de Itália, de uma situação de modernidade que a conjuntura tardia
de recepção dos vários «renascimentos» não tornara possível: uma frenética busca de novos temas,
efeitos tonais, complexidade dos espaços e composições e, sobretudo, uma nova e afirmada
individualidade dos artistas”: Idem, p. 168.

34
aquele fino e inquieto nervosismo do primeiro Maneirismo florentino, o de um Rosso e
de um Pontormo. Mas – aqui está o nosso problema, que verdadeiramente pomos pela
primeira vez – distingue-se num vasto grupo das nossas pinturas do final do século XVI
uma nítida influência vasariana, não só no desenho e composição (que poderia ser
explicada através da circulação de gravuras), mas na cor, no tom de certos amarelos e
certos alaranjados e violáceos”.49

O livro “Renaissance Gothic”, de Ethan Matt Kavaler, obrigou-nos a observar


as obras de arte sob um olhar totalmente diferenciador, oferecendo-nos um novo
paradigma para a periodização das artes que contraria uma tendência italiana dominante
no norte da Europa, presente na pintura e noutras formas artísticas, nomeadamente as
microarquiteturas, na escultura e na ourivesaria, campos férteis para a idealização
experimental da arquitetura. O livro conduz-nos através de uma análise notável sobre a
ornamentação arquitetónica de 1470 a 1540, no entanto, oferece-nos muito mais, uma
vez que o autor Kavaler explora, sensivelmente, as preferências estéticas e as escolhas
estilísticas de artistas e patronos da Europa, deste tempo. O autor convida-nos a
examinar os edifícios e, as suas decorações, que refletem o gosto duradouro e evolutivo,
de tipologia gótica, onde as formas arquitetónicas antigas são reavivadas pelo
Renascimento, o verdadeiro movimento moderno presente na Europa. Em Espanha,
França e Holanda, a definição de moderno foi utilizada para distinguir o Gótico do
antigo. O autor revela que a prevalência e o prestígio do Gótico foi difícil para muitos
estudiosos de uma Renascença do norte da Europa, onde considera, muitas vezes, como
uma manifestação lítica da Idade Média que ultrapassava os seus limites. Kavaler
descreve o título do seu livro como uma união de termos que sinalizam dois tempos
históricos, radicalmente opostos, o Gótico e o Renascimento. Kavaler exorta o Gótico
como o movimento arquitetónico de eleição, no século XVI, para edificações religiosas
e as suas ornamentações, enriquecendo estas narrativas mais enraizadas no
desenvolvimento da Renascença do Norte. Em vez de libertar-se do Gótico Tardio,
Kavaler exorte o pluralismo estilístico deste período, demonstrando a verdadeira
preferência pan-europeia pelo Gótico. O realismo e o naturalismo, frequentemente
citados como traços principais da Renascença do Norte, aplicam-se melhor à pintura do
que à arquitetura e à escultura. Kavaler enfatiza o papel crescente do espectador, onde
estes oferecem enigmas visuais, desenhos espaciais intrincados, cuja estrutura ou ordem

49
Idem, p. 238.

35
subjacente já só foi revelada após exames minuciosos. Esta introdução fornece uma
historiografia sucinta do tardo-gótico e, de como esta se difere dos períodos
antecedentes. Kavaler, acentua o seu estudo e gosto sensorial pelo ornamento, a
indumentária pendida no corpo da estrutura, um ornamento vivo que exprime e melhor
enquadra o sentido estético por direito. A geometria surge como tema central, não como
processo de construção de edifícios, mas sim como objetos de experiências visuais “the
paradigm of very late Gothic architecture was the complex figured vault”50. O autor
define “microarchitecture stood somewhere between conventional sculpture and
architecture proper”51, como uma microarquitectura em forma de estar, entre a
escultura convencional e a arquitectura própria, ou seja, uma extrapolação das formas
matemáticas de um só espaço, onde a notabilidade do mestre entra em destaque, criando
trabalhos relevantes e de pequena escala ou, projectos que conseguiriam ser edificados
do real todavia poderiam ser estruturalmente impossíveis ou, exigir décadas até serem
totalmente construídos.

50
KAVALER, Ethan Matt. Renaissance Gothic: Architecture and the Arts in Northern Europe, 1470-
1540, New Haven, 2012, p. 133.
51
Idem, p. 167.

36
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PINTURA PORTUGUESA COM A EUROPA
DO SÉCULO XVI

Efetivamente, a pintura portuguesa inscreve-se numa reflexão extensível e


privilegiada de diálogo intraeuropeu. O período cronológico coincide e articula-se
construtivamente com os modelos conceptuais do Gótico Final e com o apogeu do
Renascimento italiano, ou com um Renascimento que retorna à teoria das ordens
clássicas e aos modelos artísticos clássicos. Muitos dos renascimentos aplicados na
Europa do século XVI foram orientados no sentido da geografia, na construção das
várias linguagens no largo período do Renascimento, sendo fundamentados nas
alterações culturais e artísticas de região para região. Esta alteração vivenciada em
Portugal é acompanhada pela afirmação de poderes centralizados e pela descoberta de
novas paragens, a par de uma realidade pragmática concretizada pela expansão europeia
que ficou marcada por diversos conflitos, no início do século XVI. Estes conflitos
deram origem a um período de transformações e de crise sociopolítica e religiosa,
igualmente vivenciado em Portugal, numa época marcada pela Era dos Descobrimentos.

Afirma Paulo Pereira que “Muitos dos elementos percussores destes


renascimentos existiam já desde os séculos XIII e XIV e só uma história da arte
baseada na teoria das vanguardas e das ruturas, assente no formalismo, poderá
ignorar outras ruturas o mesmo continuidades que procederam a renovações de monta
ao nível das linguagens artísticas, da ética, da filosofia e da estética.”52. Tal situação
aconteceu no Norte da Europa e em Portugal, durante o reinado de D. Manuel I (1495-
1521).

Foi isso que ocorreu no reinado de D. Manuel I, sobretudo pela situação de


prosperidade e estabilidade favorável às artes, nomeadamente no que diz respeito à
introdução de novas profissões, e em especial ao cargo de artífice estrangeiro que se
estabeleceu em Lisboa e em outras cidades de Portugal, situação acompanhada por um
surto progressivo da atividade urbana ao nível económico e mercantil. A abertura de
novos mercados pela expansão ultramarina, a facilidade de aquisição de matérias-
primas, o melhoramento de contactos internos entre diversas regiões, a direção
mercantil conferida à nossa política diplomática e à elevação crescente de formas de

52
PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa. História Essencial, Lisboa, 2017, p. 507.

37
exploração capitalista, são aspetos fundamentais para uma melhor compreensão da
sociedade dos inícios de Quinhentos53.

O notável reinado de D. Manuel I foi marcado por vários acontecimentos


políticos, económicos, sociais e culturais que deixaram evidentes marcas:

“A partir da Corte, os empenhados bispos, “altos funcionários” ao serviço do


rei, definiam o alcance dessas reformas [reforma manuelina] imobilizavam os
recursos financeiros e artísticos necessários para as concretizar. A itinerância
dos artistas, tanto fora para dentro do país, como das cidades mais prósperas e
activas do litoral para o interior, assim como as suas recorrentes associações -
a formação de equipas de trabalho, por vezes de distintas modalidades
artísticas, com vista a uma resposta rápida e eficaz -, era estimulada por este
movimento Renovador, que ia promovendo, paralelamente, a fixação de um ou
outro artista em locais menos prováveis.”54.

Portugal era um país de poder centralizado e culturalmente sabedor do que se


fazia na Europa, socialmente estável e economicamente florescente no que diz respeito
às riquezas que se faziam chegar ao reino, fazendo com que aqui desembocassem
diversos mercadores estrangeiros que tornavam o comércio português altamente
dinâmica, sobretudo pela abertura de novas fontes de matérias-primas que propiciou a
abertura de novos mercados que, por sua vez favoreceram a circulação de mercadorias.
Contudo, importa mencionar que a manutenção da hegemonia do comércio atlântico
forçava a gastos volumosos e de gentes, situação essa difícil de suportar para um país de
pequenas dimensões.

Culturalmente, no que diz respeito às artes o panorama do reino português e dos


territórios apresenta uma dinâmica nunca alcançada e um valor de modernização sob
tutela centralizada. Esta exaltação de uma idade de ouro é refletida por um poder
absoluto e centralizado, que deteve na reflexão da exposição da arquitetura e das artes
decorativas manuelinas55. O monarca D. Manuel I personaliza claramente a

53
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 67.
54
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco. Alêtheia Editores, Lisboa, 2007, p. 40.
55
“O panorama de crescimento do Reino português e dos territórios mostra, a propósito do ambiente de
trabalho artístico então desenvolvido, uma dinâmica nunca antes atingida e um grande esforço de
modernização sob tutela centralizada (…) Essa euforia de uma idade de ouro, que se consubstancia no

38
perseverança, a obstinação e o sentido de oportunidade que se revela parte importante
da identidade portuguesa, tanto em momentos de gesta grandiosa como de amorfa e
desencantada existência, onde vai assumir uma importância determinante na introdução
do Renascimento. Desta forma, e de tal maneira, o Renascimento e os Descobrimentos
conformam um genuíno ensaio dos limites do saber do Homem do mundo e da
reformulação dos conceitos e das formas. O legado artístico dos séculos XV e XVI
garante-nos a elevação da experiência histórica de renovação conseguinte dos
Descobrimentos e do Renascimento enquanto Revolução Cultural, contribuindo para a
criação dos conceitos formados do que se identifica como Modernidade. Por esse
motivo, o vasto deslumbramento que o Renascimento formalizou sobre as distintas
transformações do Modernismo56.

Todavia, no campo da produção artística do seu tempo, D. Manuel I fez-se


apresentar pelo denominado manuelino-joanino:

“(…) a génese do manuelino é simples de identificar: sobre a estrutura do


gótico quatrocentista pós-batalhino, é acrescentada uma poderosa carga
ornamental que chegará ao ponto de transfigurar os edifícios; a isto soma-se a
influência do mudéjar e obtemos a receita inesperada do «manuelino».”57.

Este gosto eclético imperava sob uma modernidade que ressalvava na Europa
ocidental, já as novidades estéticas que derivavam de Itália representaram a
transformação cultural e educacional que o monarca procurava levar a cabo em
Portugal, com o decorrer do conhecimento da iconografia e da funcionalidade dos

esforço de um poder absoluto e centralizado, teve imensa repercussão no discurso da arquitetura e das
artes decorativas manuelinas (…)”: ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e
cultura no tempo dos descobrimentos, Lisboa, 2015, p. 186.
56
“Assim, tanto o Renascimento como os Descobrimentos configuram uma autêntica experiência dos
limites, tanto no conhecimento do Homem do mundo como na reinvenção dos conceitos e das formas. A
herança artística dos séculos XV e XVI fala-nos, pois, directamente, da exaltante a experiência histórica
de mudança decorrente tanto dos Descobrimentos como do Renascimento enquanto Revolução Cultural
sem precedentes, comparticipando como temos vindo a dizer, na génese dos conceitos estruturadores do
que se reconhece como Modernidade. Daí advém, sem dúvida, uma grande parte do fascínio que o
Renascimento exerceu e continua a exercer sobre as diferentes metamorfoses do Modernismo.”:
PEREIRA, Fernando António Baptista. O legado do Renascimento, Faculdade de Belas Artes, Lisboa,
2000, p. 28.
57
PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa. História Essencial. Lisboa, 2017, p. 414.

39
espaços litúrgicos “Tratava-se de verificar a existência em Portugal de um
Renascimento partícipe do grande movimento de mutação das estruturas mentais que
transformou a cultura europeia XV e XVI – um conceito periodológico que, convirá
dizê-lo, entendemos no seu sentido mais “clássico” tal como definido na própria época
(Vasari) (…); e ao mesmo tempo de o posicionar no conjunto dos restantes
Renascimentos europeus nascidos dos influxos que desde data recuada se propagaram
a partir da Itália em vagas, ritmos e cambiantes muito variados.”58.

Sendo Portugal uma plataforma de comercialização e de transações, as novas


rotas proporcionaram um maior fluxo de importação de obras de arte para o território
português, assim como a presença de mestres flamengos, italianos, espanhóis, franceses
e alemães em colaboração com os artistas locais, na construção de edifícios, na
produção de pintura de retábulos ou na execução de esculturas. A facilidade de
circulação na Europa proporcionou a mobilidade dos artistas e o aumento do número de
encomendas59.

A pintura portuguesa do século XVI esboçou uma arte de transição, ou seja,


duma forma diferente da já manifestada no século XV, influenciada pelas correntes
estrangeiras, flamenga, alemã, italo-flamenga e italiana. A pintura portuguesa do
primeiro quarto do século XVI foi submetida a uma metodologia deliberada à moda
flamenga. Equitativamente, a arquitetura do reinado de D. Manuel e dos primeiros anos
do reinado de D. João III extremam as linguagens regionais, nomeadamente os tardo-
góticos e o manuelino-joanino como fatores de modernidade versus o Renascimento,

58
MOREIRA, Rafael. A arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o
Moderno e o Romano. Dissertação de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1991, pp. 1-2.
59
“No capitulo da pintura (…) para se deslocaram os grandes artistas do Reino, na peugada da Côrte,
como era natural, e os mestres estrangeiros que em Portugal, (…), se tinham fixado (…) copiosa
quantidade de pintores portugueses, alguns flamengos originais, outros nascidos cá, castelhanos,
alemães e italianos, dos géneros de óleo e têmpera, tiveram suas oficinas na cidade, e causa espanto
como tantos e bons artistas mantinham o nível de compra numa Terra interior, com poucos atractivos
naturais, mas populosa e então opulenta de bom gosto, tradição religiosa, mais riqueza e principalmente
cultura artística para distribuir, com exuberância, como jamais se repetiu. Mas não é apenas a pintura
que floresce: paralelamente a uma rica produção arquitectónica (…)”: VILELA, José Stichini.
Francisco de Holanda – Vida, Pensamento e Obra. Biblioteca Breve, Instituto de Cultura e Língua
Portuguesa, Ministério da Educação e das Universidades, Lisboa, 1982, p. 11.

40
todavia, similarmente a pintura foi palco de uma declaração afirmativa de gosto e
desafeição, com a asseveração da arte da encomenda a ganhar aos italianismos no
decorrer dos primeiros quarenta anos do século XVI, sendo que foi na pintura à
flamenga e não à italiana que se pintou60.

Conseguiu-se um novo gosto artístico, uma nova concepção pictórica, uma nova
mentalidade, uma nova forma de civilização, e o mais importante, alteraram-se as
correntes espirituais que perduravam no país nesta centúria “Com efeito, sabemos que
se o primeiro período (o século XV) e exprimia ainda a psicologia da história heróica,
por assim dizer, local, do Portugal «gótico», país continental, quase fechado no
interior das suas fronteiras europeias, mas dominados já pelo sonho do seu destino
marítimo, o segundo período, período de realizações e transições, é o período da
pintura, num certo sentido, internacional.”61.

A renovação dos domínios da cultura, artes e ensino surgiu exatamente a partir


de 1530, no reinado de D. João III (1502-1557) devido às ligações culturais
estabelecidas com os diversos centros da cultura humanista e à adesão ao classicismo
italiano em Portugal, sendo que o monarca procurava extrair uma representação
humanística da arquitetura do contexto da tradição gótica, dispondo-a ao serviço da
nova constituição do poder régio62. A conjuntura de prosperidade vivenciada em
Portugal alterou-se, em meados da centúria devido à profunda crise económica atingiu o
reinado de D. João III, contudo o monarca estabelecera a continuidade dos
empreendimentos em curso, sendo que o novo gosto português manifestou-se através da
aquisição de obras de arte e da circulação de tratados e gravuras, quebrando com as
regras culturais e ideológicas manuelinas.

Todavia, é de ressalvar que D. Manuel I e D. João III, levaram à edificação ou


restauro de mosteiros, igrejas e capelas dispersas por todo o reino, sobretudo nos
principais centros como Lisboa, Évora, Tomar, Coimbra, Porto ou Braga, sem esquecer

60
PEREIRA, Paulo. Arquitetura Portuguesa. História Essencial. Temas e Debates. Círculo dos Leitores,
Lisboa, 2022, p. 275.
61
JIRMOUNSKY, Myron Malkiel. Pintura à sombra dos mosteiros. A pintura religiosa portuguesa dos
sécs. XV e XVI. Edições Ática, Lisboa, 1957, p. 29.
62
MOREIRA, Rafael. A arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o
Moderno e o Romano, Lisboa, 1991, p. 3.

41
os territórios ultramarinos. Isto permitiu o progresso de uma classe nacional de artistas,
tal como a afluência de estrangeiros que foram surgindo no país, nomeadamente
arquitetos, escultores, entalhadores, pintores, iluminadores, ourives, canteiros,
marceneiros e outros artesãos, como convidados ou atraídos pela conjuntura propícia de
trabalho. A maioria dos pintores estrangeiros que laboravam em Portugal, na primeira
metade do século, eram de origem flamenga, e muitos deles fundavam oficinas e
estabeleciam-se em regime de parcerias ou por laço de parentesco com pintores
portugueses.

Sabemos, assim, que a pintura portuguesa beneficiou com todos estes momentos
de viragem, onde chegaram obras, ideias, tratados, gravuras e, sobretudo, experiências
de testemunhos diretos, nomeadamente através da passagem de artistas portugueses por
outras cidades da Europa.

1.1 O desenvolvimento das relações artísticas entre Portugal, Itália e Flandres

No período de Quinhentos, o desenvolvimento artístico prosperou a par do


avanço mental e estético onde o universo assentava sobre uma doutrina baseada na
liberalidade, constituindo a arte com símbolo de virtuosismo. No início do século XVI,
com a mudança do eixo económico, Mediterrâneo para Atlântico, assistiu-se à perda da
supremacia económica italiana e intensificou-se os contactos com os centros europeus,
particularmente com as cidades flamengas, Bruges e Antuérpia, onde os portugueses,
através da instalação das suas feitorias, conseguiram atingir os mercados europeus.
Portugal e a Flandres permaneceram conexos durante século e meio, por vínculos
económicos, políticos e culturais, sendo que Portugal possuía um ambiente favorável às
coisas esteticamente aprazíveis que se concebiam nas cidades flamengas, sobretudo
graças às mercadorias que conseguiram comercializar depois da abertura das rotas
marítimas pelos navegadores portugueses63.

63
GORDO, Ana Rita. A Anunciação. Estudo e conservação de uma pintura do séc. XVI. Relatório de
Estágio de Mestrado em Conservação e Restauro apresentado ao Instituto Politécnico de Tomar, Escola
Superior de Tecnologia de Tomar, Tomar, 2011, p. 14. In DIAS, Pedro. Portugal e a arte flamenga na

42
As relações entre Portugal e Flandres foram fundadas desde 1159, devido ao
estabelecimento de laços dinásticos e à ida, em comitiva, de muitos portugueses
incluindo mercadores e artistas, para Bruges.

A fixação da feitoria portuguesa na Flandres permitiu a circulação, livre e


intensa, de bens e de pessoas, tendo como referência artistas e humanistas italianos que
se deslocaram a Portugal, como foi o caso do humanista Cataldo Parisio Sículo64, e o
caso de artistas portugueses que se deslocaram a Itália, nomeadamente Álvaro Pires 65,
referido nas Vite de Giorgio Vasari, e João Gonçalves66, ativo em Florença em 143567.
Portanto, os refinamentos que metamorfosearam a arte europeia entre os séculos XIV e
XVII não se deveram unicamente a Itália, porém os homens do Renascimento
vivenciam que a Itália lhes conduzia a uma liberdade e a uma civilização transcendente,
especialmente porque lhes restituía os valores olvidados do mundo antigo68.

A feitoria funcionava como centro cultural, onde os feitores colocavam em


prática a contratação de artistas flamengos para laborarem no Reino e dinamizarem a

época dos descobrimentos, Tomar, 2011; PORTUGAL. Museu Nacional de Arte Antiga; AMARAL,
Maria da Conceiçãot; DIAS, Pedro. No tempo das feitorias: a arte portuguesa na época dos
descobrimentos, vol. I, p. 115.
64
Humanista italiano que chegou a Portugal, em 1548, chamado por D. João III, e que marcou a
introdução do Humanismo em Portugal. In COSTA, José Maria Martins da. [Recensão a] Cataldo
Parísio Sículo – Epístolas IUParte. Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras, da
Universidade de Coimbra, Coimbra, 2005, p. 496.
65
Álvaro Pires de Évora é o mais antigo pintor nascido em Portugal documentado na região da Toscana,
em Itália. Aqui trabalhou entre 1410-1434, deixando uma marca no retábulo da Igreja de Santa Croce de
Fossabanda, perto de Pisa, e onde de refere oriundo de Évora. O historiador Giorgio Vasari refere-se a
este pintor como «Alvaro Piero di Portogallo». In Catálogo de Exposição: Alvaro Pirez d’Évora - Um
pintor português em Itália nas vésperas do Renascimento. Museu Nacional de Arte Antiga, Polo Museale
della Toscana, Imprensa Nacional, Lisboa, 2019.
66
Pintor português do século XV, que viveu e trabalhou na zona da Toscana, pintando à maneira dos
mestres florentinos.
67
LOPES, Rui Oliveira. A função da imagem artística: segundo a tradição medieval da igreja e a prática
da pintura portuguesa do renascimento. Arte Teoria, número 9, Lisboa, 2007, p. 37.
68
“Por conseguinte, os refinamentos que transformaram a arte europeia entre os séculos XIV e XVII não
se deveram apenas à Itália. No entanto, os homens do Renascimento sentiam que a Itália lhes trouxera
uma libertação, uma civilização superior, principalmente porque lhes devolvia os valores há muito
esquecidos do mundo antigo. Este sentimento não era apenas uma miragem.”: DELUMEAU, Jean. A
civilização do Renascimento. Edições 70, Lisboa, 2021, p. 83.

43
importação de obras de arte. Em Portugal, o grande número de obras flamengas que
aqui se encontram advém da importação conduzida pelos feitores portugueses, entre o
século XV e o ano de 1548.

A inumerável produção artística nacional deveu-se a uma afirmação de Portugal


na Europa a nível diplomático e económico, através de uma política de casamentos
principiada por D. João I. O comércio atingiu grandes dimensões a partir da fundação
das feitorias portuguesas na Flandres, contudo é de destacar a abertura da feitura de
Bruges, até 1488, onde decorriam transações de trabalhos. Todavia a mesma fora
deslocada para a cidade de Antuérpia, em 1499, até 1548, ganhando em organização e
estrutura, transferência que terá beneficiado com a exportação de açúcar da ilha da
Madeira e com a abundância de encomendas que chegaram à ilha, de pintura
flamengas69. Portugal e ilha da Madeira recorriam maioritariamente à importação dos
materiais que serviriam de suporte, principalmente de madeiras. A importação da
pintura sobre tábua resultou do ato de encomendas reservadas a ofertas diplomáticas
entre monarcas, onde dignatários e reis rogavam por escrito o pedido a determinado
artista ou oficina, atitude conduzida por feitores da Flandres, ou por embaixadores ou
representantes de origem portuguesa70.

As relações económico-artísticas com as cidades flamengas tornaram-se uma


referência a nível do crescimento do sistema financeiro e das facilidades de pagamento
e transporte, prova disso é o facto de nobres e altos dignitários da Igreja da Europa
quererem comprar diversas obras de arte, o que, reforçou o incremento artístico e
favoreceu a expansão económica71.

As possantes ligações comerciais com o Norte da Europa e as feitorias


portuguesas, em Bruges e Antuérpia, favoreceram uma natural assimilação do gosto
bem como com a entrada, em Portugal, do pensamento humanista daquela zona da
Europa. Sensivelmente 1500, Antuérpia já se tinha transformado num centro de

69
CLODE, Luiza – A arte flamenga na ilha da Madeira, Madeira, 1997. In PEREIRA, Fernando António
Baptista Pereira – Arte Flamenga, Madeira, 1997.
70
SALGUEIRO, Joana. A pintura portuguesa quinhentista de Vasco Fernandes: estudo técnico e
conservativo do suporte. Dissertação de Doutoramento em Conservação de Pintura apresentada à
Universidade Católica Portuguesa, vol. I, Lisboa, 2012, p. 29.
71
DESTERRO, Maria Teresa. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, p. 97.

44
distribuição internacional com exatamente com igual gama de produtos de Bruges,
todavia a nação portuguesa transferiu-se na sua totalidade em 1510-1511 para
Antuérpia72. Falamos de uma época em que o intercâmbio de mercadorias e de
indivíduos era altíssimo, o que favoreceu ao encadeamento de um intercâmbio cultural e
artístico, sobretudo pela riqueza que aqui se proporcionou a Portugal com a importação
de pinturas encomendadas por monarcas, nobres e clero. Este fluxo artístico foi,
essencialmente, motivado pela difusão de obras de arte como por pintores de origem
flamenga. Alguns destes mestres flamengos vieram para Portugal onde aportuguesaram
o seu nome que, ainda nos dias de hoje, se desconhecem o verdadeiro local de origem,
tendo como maior exemplo os pintores de Frei Carlos e Francisco Henriques. Todavia,
importa referir também a ida de Eduardo, o Português, para a Flandres, local onde terá
trabalhado na oficina de Quentin de Metsys e colaborado com um seguidor de Hugo van
der Goes73. Esta envolvência pode estar intimamente relacionada na corrente da
importação do mestre Quentin para Portugal, e na circunstancial passagem de
conhecimentos/aprendizagens que avançaria revelar a pintura portuguesa da primeira
metade do século XVI74.

Esta riqueza artística demarcou-se na área da pintura, verificando-se diversas


encomendas régias e da nobreza, a oficinas de artistas portugueses e/ou a estrangeiros
que laboravam em Portugal, como ainda a atribuições diretamente oriundas aos pintores
do Norte da Europa, pelas iniciativas das feitorias portuguesas.

Esta pintura que se caracteriza flamenga, em Portugal, desenvolve-se a partir do


gosto da época, sobretudo com D. Leonor, esposa de D. João II, e D. Manuel I. Todavia,
é de ressalvar que a necessidade dos artistas flamengos baseava-se na adaptação a novos
gostos, tendo como propósito a ampliação de contactos, o que proporcionou um elevado
número de encomendas, o que forçou, de certo modo, a evolução técnica pictural, sem
desmaterializar os princípios da pintura de origem flamenga:

72
TAQUENHO, Maria. Pintura flamenga em Portugal. Os retábulos de Metsys, Morrison e Ancede;
estudo técnico e material, Évora, 2013, p. 11.
73
MOURA, Maria. As peças de ourivesaria presentes nas pinturas tendo por tema a Adoração dos
Magos – Tipologia de peças, circulação de modelos e evolução estilística. Dissertação de Mestrado em
História da Arte e Património apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa,
2021, p. 68.
74
PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa. História Essencial, Lisboa, 2017, p. 474.

45
“Importante, embora difícil, é saber qual o perfil do cliente, isto é: quem é que
na sociedade portuguesa possuía os instrumentos de valoração critica e a
imprescindível capacidade de desencadear estímulos criativos nas oficinas de
pintura. Tanto a nível de produção artística como ao nível das importações, o
mecenato parece desenvolver-se em torno de dois polos fundamentais: a corte,
tendo como figuras centrais o rei D. Manuel e a rainha D. Leonor (1458-1525),
viúva de D. João II e a Igreja, que tem no bispado, alguns representantes
exemplares”75.

Aqui, o gosto do encomendante altera o modo de ver e fazer a pintura flamenga


sob novos temas, técnicas e formatos pictóricos, exportados para modo de pintar a nível
nacional.

O principal centro do comércio da Europa fora Antuérpia, aqui eram realizadas


anualmente duas feiras de arte que, contribuíram para o florescimento económico, na
medida em que atraíam compradores e artistas provenientes de diversas cidades
europeias à procura de notoriedade e patrocínios, como Albrecht Dürer, pintor,
gravador, impressor, matemático e teórico alemão. Foi ele que estreou a disseminação
de modelos de arte clássica na Europa Central, especialmente através de gravuras,
propiciado pelo saber da arte italiana, que alcançou durante as suas expedições76.

Para além da existência das feiras de arte, os artistas detinham a possibilidade de


alugar espaços denominados panden, onde podiam vender e adquirir obras de arte
“eram uma espécie de combinação entre uma feira de saldos e galeria, constituindo
uma exposição permanente, onde artistas e negociantes podiam alugar um espaço com
possibilidade de venda e aquisição diária.”77. Estas ditas galerias são reputadas como
as mais proeminentes instituições dedicadas ao mercado de arte na Europa, porém
conta-se que existiam entre catorze a dezasseis panden a operar em Antuérpia, na
primeira metade do século XVI, o que depreende a produção de uma vasta quantidade
de objetos artísticos reservados a este mercado aberto e ao fastigioso grau alcançado

75
TAQUENHO, Maria. Pintura flamenga em Portugal. Os retábulos de Metsys, Morrison e Ancede;
estudo técnico e material, Évora, 2013, p. 22.
76
ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos
descobrimentos, Lisboa, 2015, p. 175.
77
DESTERRO, Maria Teresa. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, p. 73.

46
pela sua comercialização. Tendo como exemplo a distinta Guilda de São Lucas78 (fig.
1), que atingiu o seu auge em meados do séculos XVI e que outorgou benefícios na
venda de objetos artísticos à mais afamada galeria de venda de retábulos e pinturas, que
subsistia desde 1460, a Onser Liever Vrouwen Pand.79. Nas respetivas guildas, as peças
vendidas tinham de ser certificadas através de um selo antes de serem colocadas à
venda, sendo que os objetos artísticos vendidos cingiam-se, maioritariamente, a pintura,
escultura, tapeçarias e iluminuras.

O progresso económico e a intensidade de encomendas propiciaram-se a uma


política promovida pelo mecenas de arte, D. Manuel I, sendo que neste segmento a
produção artística era concretamente correspondida pelo artista no âmbito do
encomendante e dos contratos associados ao processo de realização de cada obra.

Aqui os artistas correspondiam aos pedidos do encomendante, modalidade de


importação mais utilizada, e a eles se agregavam os contratos de conceção de cada obra,
a cumprir por ambas as partes, sem esquecer quem as encomendava, sendo que, na sua
maioria, eram ofertas diplomáticas entre monarcas, onde dignitários e reis rogavam por
escrito o seu pedido, definindo artista ou oficina.

A maioria dos artistas na Flandres eram empregados ou assalariados, o inverso


do que se verificava em Portugal ou Itália, o que lhes permitia uma maior liberdade
artística consoante as mudanças ao nível estilístico. As relações estabelecidas entre
Portugal e Flandres, no que diz respeito à importação/exportação de obras e artistas,
resultou do alargamento dos recursos criativos de origem nórdica, que se verificou
noutras modalidades artísticas, entre elas, tapeçaria, escultura, retábulos, pintura sobre
tábua, entre outros, protagonizado pela Coroa, influenciando os nossos mestres de
oficinas e o gosto da clientela, particularmente uma elite social e a Igreja, todavia é
relevante referir que existe um espólio de obras denominadas “Portuguese-Flemish
school of painting”80, fundadas por artistas de origem flamenga, tal como o pintor
Francisco Henriques, ou formados à maneira dos flamengos:

78
A mais famosa guilda de pintores e de outros artífices da Europa da Idade Moderna.
79
DESTERRO, Maria Teresa. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, p. 73.
80
SALGUEIRO, Joana. A pintura portuguesa quinhentista de Vasco Fernandes: estudo técnico e
conservativo do suporte, Lisboa, 2012, p. 30.

47
“um significativo volume de pinturas serviu de valor de troca nas transacções
efectuadas pela comunidade de negociantes portugueses estabelecidos na
Flandres, com destino à Ilha da Madeira. Paralelamente e à medida que os
contingentes da importação aumentava, aumentaria também o fenómeno de
adesão às novidades importadas por parte de artistas e artesãos, estimulados
(pressionados), há um tempo, pela generalização do gosto da clientela (…)
quanto pela influência dos artistas do Norte da Europa que se deslocavam para
o Sul.”81.

Os feitores portugueses, dados ao comércio e às artes, foram peças cruciais para


a obtenção, quer por compra quer por oferta de diversas obras, tal como indica o Diário
de Albrecht Dürer, nas folhas dos anos de 1520 e 1521, onde se localizam diversas
informações de dádivas a Francisco Pessoa, Rodrigo de Portugal e João Brandão, com o
resultado de duzentas e vinte e uma obras, em especial vinte e quatro gravuras em
cobre, cento e oitenta e seis de madeira, seis retratos, cinco pinturas a óleo e uma
escultura82.

As cidades do norte da Europa detinham oficinas destinadas só à exportação,


sendo a Península Ibérica um dos seus maiores clientes. Podemos exemplificar este caso
com a Dinastia de Avis que estabeleceu grande contacto com pintores, por via dos
casamentos reais, particularmente com o pintor Jan van Eyck que se deslocou à cidade
de Lisboa para D. Isabel, filha de D. João I, que mais tarde viria a casar com o duque
Filipe de Borgonha “(…) para a distribuição da riqueza que Portugal trazia das suas
possessões. Essas relações estreitaram-se quando Filipe o Bom, Duque de Borgonha,
casou com a Infante D. Isabel, filha de D. João I, em 1430. Dois anos antes, o pintor
Jan Van Eyck estivera em Portugal integrado na embaixada que vinha preparar o
casamento. Por todas estas razões, a influencia flamenga na pintura portuguesa foi
sempre muito marcante (…)”83. Todavia, Émile Bertaux afirma que a permanência de

81
Idem, ibidem.
82
“No Diário de Albrecht Dürer, nas folhas dos anos de 1520 e 1521, encontram-se muitas indicações de
dádivas aos nossos compatriotas, nomeadamente Francisco Pessoa, Rodrigo de Portugal e João
Brandão, de nada mais nada menos que duzentas e vinte e uma obras: vinte e quatro gravuras em cobre,
cento e oitenta e seis de madeira, seis retratos, cinco pinturas a óleo e uma escultura”: Idem, p. 29.
83
SALGUEIRO, Joana. A pintura portuguesa quinhentista de Vasco Fernandes: estudo técnico e
conservativo do suporte, Lisboa, 2012, p. 28.

48
Jan Van Eyck, em Portugal, em 1428, não provocou qualquer impacto na arte nacional,
todavia importa mencionar que só no período manuelino-joanino é que vemos a criação
de uma escola de pintura flamengo-portuguesa, que caminha na direção dos mestres
oriundos de Bruges e de Antuérpia do século XVI84.

Este género de presentes, pintura e não só, alfaias religiosas, livros, tapeçarias,
vieram a ser um dos importantes veículos de criação de um gosto pela arte flamenga,
arte essa divulgada nos novos mundos pelos portugueses.. A expansão marítima
proporcionou transportar alfaias de culto, mobiliário, pintura, escultura, retábulos,
frontais de altar e tapeçarias para África, ilhas Atlânticas, Brasil e várias zonas da Ásia,
sendo que estes produtos artísticos mais apreciados viriam a integrar o acervo das novas
igrejas erigidas além-mar.

O estabelecer do contacto direto com as diversas regiões dos restantes


continentes desenvolveu uma economia-mundo que possibilitou o aproximar de
culturas, costumes, crenças e o intercâmbio de técnicas, pensamentos e formas
artísticas.

Já o período do Renascimento define-se como um movimento virado para e que


sobretudo pretende o retorno às origens do pensamento e da beleza85. Aqui não existe
um conceito de arte, pintura, arquitetura ou escultura, mas sim um conceito transversal,
a todas estas disciplinas, onde o artista, tal como menciona Jirmounsky86 diferenciava-
se por um parecer do mundo e do indivíduo. Isto quer dizer que o mundo exterior
propicia a realidade para os artistas, nomeadamente através das formas individuais, com
a figura do homem ao centro, natureza e a sua vida terrena. Esta transformação
intelectual do artista do Renascimento alterou a sua forma de laborar, a sua técnica,

84
CARVALHO, José Alberto Seabra. A Exposição. Cem Anos de Primitivos Portugueses. In
CANDEIAS, António; DIAS, Cristina; RODRIGUES, Dalila; CAETANO, Joaquim Oliveira; BRITO,
Joaquim Pais de; CARVALHO, José Alberto Seabra; MIRÃO, José; PIORRO, Luís; AFONSO, Luís
Afonso; REIS, Pedro Cabrita; VALADAS, Sara. Primitivos Portugueses 1450 – 1550 - O século de Nuno
Gonçalves, Lisboa, 2010, p. 16.
85
“(…) definiu-se a si mesmo como um movimento virado para o passado – sentido aparentemente
oposto ao do nosso mundo moderno virado para o progresso. (…) queria regressar às origens do
pensamento e da beleza.”: DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa, 2021, p. 73.
86
JIRMOUNSKY, Myron Malkiel. Pintura à sombra dos mosteiros. A pintura religiosa portuguesa dos
sécs. XV e XVI, Lisboa, 1957, p. 111.

49
sobretudo a partir dos novos movimentos vigentes, volvendo assim a técnica das artes
mais artificial e ornamental87.

Todavia, o Renascimento português respirou os ares da modernidade, onde o


modelo italiano surgiu como alternativa à tradição flamenga. Esta singularidade teve de
se adaptar a uma predominância de origem flamenga, onde se trata, sobretudo, de
pormenores técnicos e materiais, numa sistematização de especialidades pictóricas.

Segundo Fernando Baptista Pereira, alguns historiadores apresentam uma


oposição real entre Descobrimentos e Renascimento, nomeadamente no que diz respeito
à cultura europeia de Quinhentos, sobretudo entre a ideal de recuperação do Mundo
Antigo e a cultura aplicada aos Descobrimentos dos Novos Mundos. Isto significa um
paralelismo entre o legado dos que possuem um vasto conhecimento sobre o
Humanismo, a reinterpretação dos artistas face aos modelos do Classicismo e a cultura
científica e técnica envolta nos Descobrimentos. Esta complementaridade resulta num
cruzamento frutífero entre os diversos campos do saber (filósofos, científicos,
antropológicos e estéticos) e do ensaio estético, que resulta numa precisa agregação
entre cultura renascentista e humanista de intelectuais e artistas do Renascimento, ou
seja na recuperação e reinterpretação da cultura clássica, e do crescente saber do mundo
que os Descobrimentos proporcionaram disseminar. Posto isto, o contexto cultural
italiano e europeu dos séculos XV e XVI determina-se por um profundo estudo dos
autores clássicos, assinalado pela capacidade criatividade (nível poético, literário e
artístico) e pelo interesse face às descobertas científicas, antropológicas e culturais
disponibilizadas pela ligação entre os Novos Mundos, e pela reestruturação do ensino e
pela abertura da atividade missionária no além-mar88.

87
“(…) distinguiam-se já por uma nova concepção do mundo e do indivíduo. O «mundo exterior»
adquire realidade para eles (…), com as suas formas individuais, com homem real ao centro, natureza e
a sua vida terrestre. Esta mudança de psicologia do artista do Renascimento, mudou também a sua
maneira de trabalhar, a sua técnica, surgida dos estilos novos e variados. (…) A técnica das artes
ressente-se, vivamente, dessa evolução psicológica. Acima de tudo, torna-se mais artificial e também
mais ornamental.”: Idem, ibidem.
88
PEREIRA, Fernando António Baptista. O legado do Renascimento, Lisboa, 2000, pp. 27-28.

50
1.2 O estatuto social dos artistas na Europa versus a realidade portuguesa

A cultura sempre sobrevalorizou, até ao século XVII, as artes liberais sobre as


artes mecânicas, ou seja, o intelecto sob o corpo. Esta questão inscreve-se no corpo do
estatuto social e laboral do artista e debate-se à luz dos dados documentais, no entanto
as singularidades dos locais detêm peso na conjuntura cultural, mental, socioeconómica
e administrativa, tal como é o caso português, distinto dos demais países da Europa, e
em particular o caso vivenciado em Itália que, desde o século XV, propagava o novo
estatuto social e laboral do artista (visual)89:

“(…) entendido como um intelectual, possuidor de engenho, de conhecimento


científico e dominando as artes liberais (da aritmética e da geometria),
colocando a perspectiva [ciência do visual, técnica de representação, filosofia
natural, interpretação matemática da capacidade visual ao serviço da sua
profissão]. O artista, em contextos humanistas, seria o mesmo que o artífex
polytecnhes, perito em arquitectura, escultura e pintura, práticas que exercia de
acordo com as suas necessidades, ou com as necessidades do mercado. (…) A
assunção da dignidade do artista aconteceria a partir do século XV e,
particularmente, durante o século XVI italiano, com fortes repercussões
europeias. Este fenómeno também se comprova à medida das crescentes
assinaturas de obra que traduzem o orgulho e a individualidade de cada artista,
ainda que inscrito numa conjuntura corporativa que tende a dilui-la.”90.

Os artistas, no início do Quattrocento, estavam sujeitos ao regime dos oficiais


mecânicos, no caso italiano, submetiam-se às regras dos grémios, no Norte da Europa,
às guildas, e na Península Ibérica, às corporações. As corporações detinham como
principal finalidade, evitar a concorrência entre os artesãos, em espaço geográfico
amplo, de pequena, média e grande dimensão, e ajustar a produção ao consumo local,
fixando sobretudo sobre o preço do produto, a qualidade das mercadorias, a quantidade
de matérias-primas e o pagamento aos artífices.

89
GONÇALVES, Carla Alexandra. A oficina de João de Ruão: os escultores, a relação oficinal e a
gestão do trabalho. Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2020, p. 111.
90
Idem, ibidem.

51
O estatuto do artista alterou-se, nos finais do século XV, nomeadamente com o
aumento das remunerações. Contudo é importante expor que depende, a nível europeu,
do centro artístico a que nos estamos a referir, tendo como exemplo, o caso de Itália,
que beneficiou significativamente com o número de encomendas, por parte da Cúria
papal, importante cliente do mercado de arte. Todavia, é de ressalvar, que a Itália do
Quatrocentro redefiniu o sentido de estatuto do artista plástico.

A cultura burguesa das cidades do Renascimento favoreceu com uma das


maiores conquistas deste período da história, a consciência do artista e da arte, e de
modo consequente “Defendia-se a ideia que, se um dom concedido por Deus e pela
natureza não podia ser pago, de onde não poder ser adquirido, já a aquisição de um
determinado número de regras e técnicas, essas sim, poderiam tornar realizável a
concretização de uma virtude inata.”91. Ao artista procurava-se associar a virtù, o
ingenium, a sciencia, ou seja a técnica da execução, que advém de uma aprendizagem
que com efeito já Cennino Cennini, no seu Il Libro dell’arte, denominava a pintura
como um produto da ciência92.

Os humanistas limitaram-se a comprovar a veracidade dos artistas, posição que


outrora detinham devido à existência de um mercado próspero, no âmbito do
reconhecimento social de um novo estatuto para os artistas, contudo Arnold Hauser
afirma que a tutela dos humanistas às artes não integra incitação suficiente,
independentemente de representar em termos culturais, para a ascensão social dos
artistas no contexto social93. Todavia, importa referir que este desenvolvimento deveu-
se ao surgimento de novos senhores e principados, e do crescimento e engrandecimento
das cidades, porém ocorreu uma desproporção entre a oferta e a procura, cada vez
menor, no mercado da arte:

“(…) todo o movimento das guildas (corporações) deve a sua origem à luta
para evitar tal desproporção no interesse dos produtores; as autoridades da
guilda só fechavam os olhos às infracções dos seus estatutos quando a falta de
trabalho já não parecia uma ameaça. Os artistas ficaram devendo a sua
independência, não à boa vontade dos humanistas, mas ao facto de esse perigo
91
DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, pp. 98-99.
92
Idem, p. 99.
93
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 57.

52
se tornar cada vez mais insignificante. (…) a referida Independência do
produtor de arte não deve ser considerada, mesmo no caso italiano do século
XV, de forma linear. Ainda em meados da centúria, Lorenzo Valla não inclui os
artistas na sua lista de profissões liberais, e, bastante mais tarde, ainda os
escultores e os pintores aparecem classificados como «oficiais mecânicos»”94.

O progressivo aumento de encomendas de obras de arte, no século XV,


beneficiou com a ascensão do estatuto do artista na Europa, situação equiparada à
condição de artesão, trabalhador intelectual livre, contudo, para além das restrições a
que estavam sujeitos, o pintor era obrigado a uma atividade polivalente: pintor de
dourado e estofado, pintor de têmpera e fresco, e pintor de imaginária de óleo, três
modalidades distintas, todavia não haveria nenhuma diferenciação entre elas95:

“O pintor de óleo desde sempre inscreveu a sua actividade e a sua subsistência


neste quadro artesanal, como mero artífice de mester, desenvolvendo no âmbito
deste quadro uma actividade «mecânica» polivalente, que levava tanto a
executar quadros avulsos e retábulos, como a encarnar imagens, dourar varas e
estandartes, andores de procissão, caixas, arcos e colunas, dentro de um restrito
panorama que coartava, de facto, a liberdade criadora, e nivelava a produção
de imagens e a actividade artística com a mera produção técnica e manual.”96.

O artista definia-se como alguém “destro em alguma arte”, seja ela liberal ou
mecânica, sendo de sublinhar que o conceito de artista é totalmente diferente do que
vigora nos dias de hoje. Francisco de Holanda defendeu que o essencial do artista não é
a obra em si, mas sim a conceção mental do mesmo. Os artistas eram incentivados a ir
para as cortes em virtude de maior liberdade criativa que aí lhes era proporcionada, ao
passo que nas cidades, os clientes eram meticulosos em não infringir as tradições já pré-
estabelecidas, procurando-se uma conformidade apropriada, ou seja, nas cortes
procurava-se privilegiar a novidade e a originalidade diferenciadora em contraposição à
convencional.

As primeiras academias manifestaram-se como meio de emancipação dos


artistas das guildas, porém, também procuravam ser instituições educadoras,

94
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, pp. 57-58.
95
Idem, p. 50.
96
Idem, ibidem.

53
organizadas e hierarquizadas, de instrução aos artistas. O reconhecimento das atividades
artísticas conduziu à nobilitação dos próprios artistas. As primeiras formas de nomeação
foram familiaris e “valet de chambre”, títulos que traziam prestígio aos artistas e
deixava-os mais próximos dos seus protetores, ou seja, estes dois títulos resumiam-se à
condição que integrava o artista à família doméstica, conotação estabelecida através da
relação de confiança com o rei, ou protetor97. Com o avançar dos anos, torna-se
frequente a concessão de títulos nobiliárquicos aos artistas.

Na Itália do Cinquencento ocorreu uma grande mudança visto que aí os mestres


reconhecidos já não precisavam da proteção dos seus patronos para fazer valer a sua
arte, tendo como maior exemplo, o caso de Rafael Sanzio que residia no seu próprio
palácio, em Roma.

A teorização italiana propagou-se durante a centúria de Quinhentos sob os


princípios da atividade artística da Antiguidade Clássica, e a arte da pintura, sendo que
neste campo é evidente o esforço de aggiornamento com modelos renascentistas
europeus, tanto de origem flamenga como de repercussão italiana, a par da definição
«modos de fazer» que reconhecemos à vista como portugueses98 e da escultura, revelou
real importância através do apoio prestado aos artistas por figuras de títulos de nobreza
e outros mecenas, tal como cita Anthony Blunt “the great value was attributed to cases
in which it could be found that a great man had actually practised painting. For the
distinction between the liberal and mechanical arts was that the former were practised
by free men, the latter by slaves; and an art adquired much reflected glory from being
practised by a royal artist (cfr. Alberti, “Della Pittura”)”99.

A realidade portuguesa equiparada à italiana é substancialmente desigual,


principalmente no que diz respeito aos modelos do Renascimento, nunca exatamente
declarados, devido à implantação das formas estéticas tradicionalistas100. Todos os
pintores, ourives, escultores, entre outros desenvolviam as suas obras manualmente,
atividades que dependiam do corpo, as designadas mecânicas. Não eram considerados

97
DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, pp. 100-101.
98
ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos
descobrimentos, Lisboa, 2015, p. 186.
99
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 58.
100
Idem, p. 11.

54
“artistas”, mas sim “artesões” devido à sua arte ser considerada desprestigiada dada a
sua ligação ao trabalho manual de utilidade prática e não estética.

O caso português estava envolto sob contornos cingidos a uma atividade


pictórica baseada em regimes de parceria rígidas, subjugados ao autodomínio das
cooperações mesterais e à imaleabilidade dos examinadores, que decretavam os custos
dos produtos e limitavam a livre atividade criadora dos artistas, visto que podiam obter
as empreitadas de grande importância e operar somente como intermediários, nomeando
por si demais oficiais da profissão para efetivarem, por eles, tais encomendas101.

Os pintores detiveram sempre o estatuto de artífice livre, como se pode


testemunhar pela circunstância de nunca terem pertencido à Casa dos Vinte e Quatro e,
especialmente, dado que já em 1481, D. João II, nas cortes de Évora, indefiniu impor os
Mestres de Ofício a atingirem a esse estatuto sem exame visto que “não quer fazer
neste particular inovação” e por “não dever tolher a cada um a liberdade em usar um
ofício que aprendeu”102. Segundo Langhans a grande regalia do oficial examinado era o
de executar sem restrições ou limitações o seu mister e alcançar o grau de mestre, com
todos os benefícios intrínsecos, sendo que um dos direitos inerentes era o de candidatar
às eleições do ofício e da Casa dos Vinte e Quatro ou dos doze, donde se conclui que
surgiam relevantes proveitos, e pelo meio encontram-se as inúmeras magistraturas dos
ofícios mecânicos, que são consequência de decorrentes direitos: os de juiz de povo e de
procuradores de mesteres103.

A Casa dos Vinte e Quatro foi criada por D. João I, em 1383, com o intuito de
acolher as corporações mesterais das doze Bandeiras de ofícios, dois de casa mester, nos
meios urbanos, que se organizavam por ofícios. O termo «Bandeira dos Ofícios» foi
reconhecido por todos como um agrupamento de profissões livres que protegem os seus
interesses, todavia denunciam autoridades próprias dos ofícios embandeirados,
nomeadamente juízes, escrivão e mordomos, e autoridades de cada ofício revelado,
sobretudo examinadores-vedores encarregados da examinação dos mesterais e das suas
obras. Esta é a entidade que efetivamente está na significação especial da Casa dos

101
Idem, p. 61.
102
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas. Caleidoscópio, Lisboa, 2011, p. 31.
103
LANGHANS, Franz-Paul de Almeida. A casa dos vinte e quatro de Lisboa: subsídios para a sua
história, Impresa Nacional de Lisboa, Lisboa.

55
Vinte e Quatro, colaborando anualmente com dois homens, com idade superior a
quarenta anos, por bandeira, para formação daquela Casa, que no que lhe concerne
nomeava o juiz do povo, medianeiro máximo dos ofícios junto do poder central e do
rei.104 (fig. 2 e 3). Esta organização permitiu conferir à classe dos artistas, que incluía
pintores, escultores, ourives de ouro ou prata, iluminadores, mestres de pedraria, entre
outros, uma consequente malha de subordinações, incumbências e contribuições devidas
face ao regimento das respetivas Bandeiras gremiais, sem hipóteses de emancipação
social, cooperando periodicamente com pesadas contribuições para as festividades e
procissões das suas cidades105.

Apesar de certos pintores de óleo, como Francisco Henriques, deterem estatuto


de cortesão, estes não deixavam de estar sob proteção régia e anonimamente inseridos
num cosmos socialmente secundarizado e obrigado a uma sucessão de incumbências
gremiais análogas aos de qualquer outro oficial mecânico. Estes mestres demonstram
uma prática heterogénea de atividade: executam retábulos de óleo, oradores e
estofadores de imaginária e marcenaria (como exemplo Jorge Afonso), debuxadores de
quadros, livros, tapeçaria e heráldica (como exemplo Cristóvão de Figueiredo),
examinadores do ofício em inúmeras modalidades, iluminadores de nobiliários e
missais, cartógrafos, «pintores de cartas de marear», policromomadores de arcos
festivos ou caixas de esmolas, fresquistas de «grotesco» ou de figuras, decoradores de
proas de navio ou caixas de esmolas, avaliadores de retábulos, entre outros. Estas
modalidade artesanais ou de âmbito artístico especializado resumem as atividades
correntes que qualquer mestre pintor do século XVI106.

A centúria de Quinhentos ficou marcada pelo sistema gremial e corporativo,


basta mencionar que o Regimento dos Oficiais Mecânicos da Cidade de Lisboa, de
1539, continuava a integrar os pintores de óleo, sendo que neste regime oficial terão
estado inúmeros pintores desconhecidos que trabalhariam em regimes de constante
associação. Deste modo conferimos que os pintores de óleo estavam sujeitos ao
aparelho corporativo dos «oficiais mecânicos» e, sem sentido figurado, acorrentados à
condição servil de artesãos, tal como ocorrera em séculos passados107. A partir da

104
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 51.
105
Idem, p. 84.
106
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002, p. 85.
107
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 70.

56
regulamentação de 1539, a classe de pintores movimentou-se no sentido da desanexação
dos encargos da Bandeira de S. Jorge “A questão da proeminência entre os diversos
ramos das Artes Liberais, que movimentou a classe dos pintores de óleo por um novo
estatuto de classe, que desse reconhecimento a «nobreza» e «liberalidade» da sua
profissão, prende-se - como vimos - com dois aspectos essenciais, ambos inerentes à
realidade do século XVI europeu: - a renovação de valores e situação sócio-económica
dos produtores de arte, inseridos na estrutura medieva das corporações dos «ofícios
mecânicos».”108. Ambos os pontos de vista, possibilitam evidenciar a luta dos pintores
de óleo em oposição aos pintores-artesãos da Bandeira de S. Jorge, às autoridades
administrativas e aos avultados impostos e encargos a que estavam sujeitos, face a uma
renovação de valores, gosto e ideais que se evidenciava na própria crise da época109.

Tal como é mencionado por Manuel Batoréo, os pintores desta centúria


trabalhavam para a corte110. Esta afirmação normaliza estilisticamente as diferenças
identificadas numa obra realizada por várias “mãos”, todavia a liberdade criativa ficava
condicionada pelo que o encomendador pretendia ver reproduzido, sinal possivelmente
de afirmação de poder.

O historiador Joaquim Oliveira Caetano declara que existe uma insistência no


prosseguimento de um número considerável de pintores junto da corte, transformando-
se a figura do artista cada vez mais relevante conforme a corte se internacionalizava, o
gosto pelo fausto expandia, e que tanto a importação como a evolução da pintura
nacional criavam um interesse maior pela obra pintada e, por consequência um maior
reconhecimento do seu autor111. A par da relevância dos instrumentos de trabalho dos

108
Idem, p. 76.
109
Idem, ibidem.
110
“os nossos pintores (…) serão, sobretudo, fornecedores da corte (mesmo quando se trata de pintores
do rei ou tenham recebido vários privilégios e distinções) e não criados da corte ou operários submetidos
a um modo de produção que, sendo em boa parte oficinal, não era colectivista (…)”: BATORÉO,
Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização Instrumental de
Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, pp. 31-32.
111
Idem, p. 32.

57
pintores, Michael Baxandall enuncia a diferenciação entre o valor do material precioso e
o valor do trabalho hábil com materiais112.

Nos meios mais pequenos, de norte a sul de Portugal, reinava o caráter das
oficinas que ditavam a regionalização das empreitadas:

“A oficina de pintor, onde a divisão interna do trabalho se encontra


restritamente desenvolvida e ao sabor de um poder de resposta limitado,
aparece-nos hierarquizada com rigidez, dentro das normas estritas do
«regimento» do mester, e o poder de especialização no seio do «ofício»
corresponde apenas ao topo da escala do aparelho artesanal, ou seja, ao
mestre, condicionado ainda assim ao tipo de solicitações da clientela. Uma
divisão de trabalho respeitada com fidelidade, escrupulosamente controlada
pela corporação do ofício, quase impossibilita ao artesão médio a um
aperfeiçoamento técnico dentro da profissão. O acesso a posição de mestre do
ofício, sobretudo em fases de afluxo da actividade com a subsequente nem à
procura do produto pela clientela, é difícil: depende de rígidas normas de
examinação por parte de membros da corporação para esse fim eleitos, e não
garante só por si a autonomia artesanal do novo mestre, depois que a abertura
de uma « loja» (oficina) é dificultada também por outras estipulações mais ou
menos rígidas, desde o número de aprendizes e assalariados a admitir a
tributações fiscais.”113.

No século XVI, qualquer pintor, de óleo ou têmpera, para exercer legalmente a


sua atividade tinha de estar enquadrado numa instituição criada pela Câmara,
denominada corporação de ofícios114. Estas corporações de ofícios eram organizações

112
“(…) é decisiva para o nosso raciocínio ponto essa é uma distinção que não é estranha para nós. Na
verdade, é perfeitamente compreensível, embora habitualmente não seja elemento fundamental no nosso
modo de pensar os quadros. No início da Renascença, contudo, essa distinção constituía o ponto central.
A dicotomia entre a qualidade do material e a qualidade da habilidade técnica se repetia regularmente e
de forma evidente em todos os debates sobre pintura e escultura”: Idem, ibidem.
113
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 56.
114
As corporações de ofício, em geral, eram constituídas por dois juízes, um escrivão, dois mordomos e
um examinador, cujas funções foram-se alterando à medida que as regulamentações se iam alterando.
Inicialmente cabia aos juízes, inspecionar as oficinas dos mestres e verificar se as prescrições eram
cumpridas. O escrivão servia para acompanhar os juízes enquanto os mordomos eram os responsáveis por
convocar os oficiais para os ajuntamentos, determinavam penas a quem faltasse, guardavam a bandeira,

58
de classe que congregavam os mesterais de determinado grupo de artífices, e que
cooperavam para a normatização singular das relações laborais dentro de cada mester,
sendo que as corporações ditavam aos mesterais a observância das normas inflexíveis de
produção, normas essas a que os denominados «regimentos» procediam de forma
regular. Deste modo, cada profissão manual ou ofício surge-nos disposta segundo
diretrizes rígidas de exercício do mester, do qual desempenho ficavam sujeitos todos
aqueles que se acolhiam no contexto da corporação, desde o mestre ao mero aprendiz115.

O regimento instituía a regularização da atividade mesteral, ou seja a nível


mecânico, a hierarquia do mester, aprendiz, artífice e mestre, a fim de garantir a
qualidade do trabalho através das normas de produção, as relações laborais, o género de
empreitada, a fixação do preço dos produtos e dos salários, o controlo da aprendizagem,
a qualidade das mercadorias e a quantidade e qualidade de matérias-primas, bem como
os encargos inerentes ao ofício relativamente a cada corporação. Segundo a investigação
realizada pelo autor Joaquim Oliveira Caetano, existiam cerca de quatro dezenas de
pintores ativos entre 1434-1540, desde o cargo de pintores régios a figuras de corte que
detinham benefícios diversos, a começar na isenção de pagamento de impostos, na
prestação de serviço militar a nobilitação e na atribuição de hábitos de cavaleiros de
Santiago, onde tantos pintores foram favorecidos por uma nítida mudança de classe e
concludentemente modificação de responsabilidades corporativas116. A afirmação
anterior concluí que o trabalho do pintor não era anónimo nem gremial porque todos os
contratos eram firmados nominalmente e não com qualquer grupo, contudo é relevante
mencionar que o regimento aplicava ainda uma taxa sobre os salários, já o valor das
encomendas era estabelecido no campo de ação das eleições internas, e o género de
contribuição dos mesterais para as festividades eram decorrentes no burgo ou para as
obras de cariz público em curso no município117.

os castelos e as insígnias da procissão do Corpo de Cristo e ainda arrecadavam e ordenavam as despesas


do ofício. O examinador, como o próprio nome indica, averiguava o exame de mestria. Estes cargos
representavam uma dignidade para quem os exercia. LANGHANS, Franz-Paul. As antigas corporações
dos ofícios mecânicos e a Câmara de Lisboa. Lisboa, 1942, pp. 17-18.
115
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 49.
116
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 31.
117
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, pp. 49-50.

59
Armando Vieira Santos afirma “O conhecimento do clima espiritual serviu de
base a estas condições de trabalho é essencial para quem quiser estudar, com
imparcialidade, as razões de ser da pintura portuguesa dos séculos XV e XVI e
compreender melhor quais foram os seus objetivos e limitações. Às tendências
individualistas reveladas pelos pintores sobrepunha-se a sua natural aceitação das
tarefas colectivamente realizadas, visando o perfeito acabamento das obras
encomendadas, tanto na sua contextura formal virgula como ideológica”118.

Todavia, já no século XVI, Portugal beneficiou com o regime de parceria entre


pintores, tal como aconteceu com as guildas flamengas e as compañias espanholas,
originando o coletivismo e o anonimato das obras de arte. A profissão de pintor, nesta
época, desenrolava-se através de círculos próximos e fechados, acabando os pintores
por “prenderem-se” familiarmente a outros artistas, tendo como exemplo, as ligações
familiares do pintor Jorge Afonso119. Contudo, a maioria dos artistas, provenientes de
estratos inferiores da sociedade, estavam subjugados a um grupo marcado pelo
descrédito, o que impedia que atingissem ou ocupassem lugares de relevância na
organização social ou, que alcançassem quaisquer privilégios, tendo, como exceção, o
pintor régio Gregório Lopes, a quem o monarca D. João III conferiu em 1522, o
prestigiante estatuto de Cavaleiro da Ordem de Santiago de Palmela.

As corporações, a partir do século XVI, adotaram a Bandeira dos ofícios,


bandeira pintada com o seu Santo protetor, sempre que se reuniam ou participavam em
atos públicos. Este estatuto regia-se por uma liberdade, sob um ofício aprendido,
todavia sofreu com uma alteração imposta durante o reinado de D. Manuel até ano de
1539. Neste mesmo ano, D. João III, de acordo com a regulamentação de Lisboa,
decretou que todos os pintores, independentemente da modalidade que praticavam,
estavam associados à Bandeira de S. Jorge120 (fig. 4), “Assim, em carta de 30 de Agosto

118
Idem, p. 53.
119
“(…) cunhado do também pintor Francisco Henriques, do pedreiro Marcos Pires e do carpinteiro
Pêro Anes. Aquele pintor viria a casar uma das filhas com um dos seus discípulos, Gregório Lopes,
tornando-se também tio de outros oficiais do seu atelier, nomeadamente Cristóvão de Figueiredo e
Garcia Fernandes e, ainda, do escultor João de Ruão que casaria, por sua vez, com outra das filhas de
Pêro Anes.”: DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a
Flandres, Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, p. 104.
120
Ferradores, espadeiros, pintores, bate-folhas, ferreiros, coronheiros, bainheiros, fundidores de
artilharia, guardamecileiros, lanceiros, douradores, serralheiros, cutileiros, besteiros, latoeiros,

60
de 1539, o monarca [D. João III] ordenou a revisão dos «regimentos» existentes através
de uma nova lei orgânica, regulamentando a nova seriação dos ofícios embandeirados,
os processos de eleição para o órgão dos Vinte e Quatro e dentro de cada mester
específico, e a primazia de alguns ofícios-cabeças dentro das Bandeiras - esforço
legislativo tendente a fortalecer o sistema sócio-económico, a atenuar eventuais
conflitos de classe, e a melhorar significativamente a qualidade da produção e a
economia de mercado”121 padroeiro dos que trabalhavam o ferro e fogo, atividade que
nada tinha a ver com a dos pintores, sendo que a classe dos pintores dependia de uma
das doze bandeiras mesteirais, a Bandeira de S. Jorge, na qual se mantinha ainda em
1539122.

Esta regulamentação imposta pelo monarca traduziu-se num controlo sobre as


vendas e o arruamento dos respetivos oficiais mecânicos, sobretudo nas regras da livre
concorrência e na intervenção praticada por membros dos mesteres, decretando multas
aos trabalhadores que não produzissem corretamente, e outros géneros de penalizações.
Todavia, D. João III distribuía benesses e títulos aos mesterais mais produtivos e
habilitados, como também os destacava para servir a corte, ou seja, o respetivo cargo de
pintor régio.

Importa salientar que os contratos realizados durante a Época Moderna


resumiram-se a algumas condições gerais para o aprendiz:

“a sua duração podia variar entre os três e os nove anos, sendo em média de
cinco; a idade do aprendiz situava-se entre os catorze e os dezasseis anos
(havendo casos em que até já era mais velho); este tinha obrigação de servir o
mestre tanto na arte que aprendia, como noutras tarefas servis; o ensino da dita
arte incluía modalidades diversas relacionadas com a mesma, desde a

caldeireiros, etc, são os estratos mecânicos anexos à Bandeira de S. Jorge, embandeirado com cabeça dos
barbeiros e armeiros. SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses,
Lisboa, 1983, pp. 68-69.
121
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, pp. 67-68.
122
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 31.

61
preparação dos materiais, numa primeira fase, à possível colaboração com o
mestre, numa fase final, entre outras.”123.

Já os mestres recebiam regularmente aprendizes oriundos de diversas partes,


basta referir como exemplo o de Garcia Fernandes, um dos aprendizes de Jorge
Afonso.124. Aqui, seguramente é a notoriedade do mestre que atrai o artista até à oficina
do mestre.

Já o automatismo de assinar, idêntico na pintura europeia do Renascimento, é


em Portugal ainda restrito, durante a primeira metade da centúria de Quinhentos,
situação que origina à maioria dos pintores o anonimato, visto que não detinham o
hábito de assinar as suas obras. Já o ato de assinar arroga uma relevância característica,
porque advém de um período em que a consciência da personalidade artística está em
construção, o que compromete a demanda de o refletir à luz do contexto em que
desponta, mas também visto que a criação visual da assinatura e a sua incorporação no
campo representativo possibilita-nos decifrar a relação, ou pelo menos parte dela, que o
pintor designou com a sua obra e certamente com as pessoas a quem a obra é
remetida125.

Este anonimato na execução confirma-se sendo uma prática no trabalho em


regime de parcerias, em que dois ou três mestres se uniam para a execução de uma
determinada obra, tendo como maior exemplo o caso da tríade Mestres de Ferreirim:
Garcia Fernandes, Cristóvão de Figueiredo e Gregório Lopes. Este caso era distinto
daquilo que ocorria com as guildas do Norte da Europa, as corporaciones do reino

123
DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, p. 105.
124
“(…) Jorge Afonso com D. Manuel I (…) não deixaram de percorrer caminho similar ao de todos os
pintores-artesãos corporativamente organizados: exerceram a sua actividade profissional após lenta
aprendizagem na «tenda», tendo passado por todos os graus do ofício, tiveram carta de examinação
integraram-se em «parcerias» nelas diluindo em parte o seu individualismo de criadores, e estiveram
obrigados, em dose maior ou menor, às obrigações da respectiva Bandeira.”: SERRÃO, Vítor. O
Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, pp. 55-56.
125
RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo de Vasco
Fernandes (1500-1542). Dissertação de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra, vol. I, Coimbra, 2000, p. 277.

62
vizinho e com os grémios italianos. Uma significativa parte das obras da primeira
metade do século XVI revelam o produto de parcerias. Esta proposta foi formulada por
Reynaldo dos Santos face a atribuição de determinada obra a determinado pintor, como
Frei Carlos, Garcia Fernandes ou Cristóvão de Figueiredo. Esta situação era revelada
através métodos de exame e análise como meios complementares de identificação e/ou
atribuição, que permitiam identificar os pigmentos e visualizar os desenhos subjacentes,
as técnicas empregues, as sobreposições de camadas de pintura e as várias fases
decorrentes do processo criativo, nas quais os pintores dissolviam a sua individualidade
e liberdade expressa com outros artistas, num contexto artístico marcado pela rigidez
das formas.

No caso de português, os pintores, pouco ou nada, assinavam as suas obras,


entrave com que se acaroam os historiadores de arte no que diz respeito à identificação
dos artistas, na caracterização dos artistas nas obras conjuntas que resulta de parcerias
“(…) da nossa pintura dita «primitiva» revela bem como o trabalho criativo se
processava a nível colectivo e oficinal, através de «parcerias» de pintores e dentro da
severa disciplina das corporações.”126 que se estabeleciam com alguma periodicidade,
sobretudo quando as encomendas eram maiores, razões que explicam por que
continuamos a adotar designações que derivam dos locais para onde se executaram
determinadas obras, dando o exemplo do “Mestre de Abrantes” ou “Mestre de Arruda
dos Vinhos”, sendo que podemos afirmar que é possível estabelecer com o mestre de
uma “escola” ou, apenas estabelecer o anonimato referente à pintura que produzimos:

“Na pintura portuguesa dos séculos XV e XVI, (…), o grande número de obras
executadas por mestres desconhecidos (…) se tem procurado estabelecer
identificações mais ou menos engenhosas. (…) pareceu-nos ser, por ora, mais
indicado limitar as atribuições àquelas obras de que os contratos ou as
assinaturas apostas nos quadros documentam a autoria, ou sempre que esta
apareça assentar em bases que não sofram discussão. Não nos esqueçamos
porém que nesses tempos recuados as encomendas realizadas em parceria eram
as usuais; que elas eram sempre efetuadas em apertada colaboração de mestres,

126
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 53.

63
oficiais e aprendizes e que, por vezes, os contratantes não eram os executores
das obras”127.

Por outro lado, temos de ter em conta a itinerância dos pintores, ou seja, a
dispersão geográfica das suas obras, sendo que este fator predomina artistas de trabalho
reconhecido e valorizado. É precisamente o que se passa com Garcia Fernandes,
justificando-se deste modo a existência de obras de parceria em zonas do nosso país
como Ferreirim, Évora, Lisboa, Montemor-o-Velho e Vila Viçosa.

As associações anteriormente descritas tendem a dar lugar a parcerias


pontualmente firmadas, associando-se os seus intervenientes apenas para a realização de
determinados trabalhos ditados por razões de especialidade laboral, embora fosse
também um modo de granjear mais clientela, pois só assim seria possível desenvolver
diversas obras em simultâneo. A testemunhar comprovam-se as parcerias estabelecidas
entre pintores tão marcantes do século XVI quanto o próprio pintor régio, Gregório
Lopes, que se compromete com Cristóvão de Figueiredo e Garcia Fernandes, a terminar
as pinturas do Tribunal da Relação de Lisboa, inacabadas em virtude da morte de
Francisco Henriques. Garcia Fernandes e Cristóvão de Figueiredo eram “compadres e
amigos e companheyros em as obras que fazem e comem e bebem juntos”128, parceria
que lhes conferiu a denominação de “Mestres de Ferreirim”.

Tal como refere Myron-Malkiel-Jirmounsky “um costume de trabalhar nas


parcerias já citadas, associações intimamente unidas, queria estilos de oficina, nos
quais os pintores utilizam processos determinados seguindo as mesmas «receitas»,
conforme às regras ensinadas pelos seus mestres. E nessas obras colectivas, mais ou
menos niveladas, descobre-se às vezes uma certa disparidade de pormenores (…)”129.

Durante a segunda metade de Quinhentos e ainda no século subsequente, a


noção de liberdade e individualidade do artista assume gradual importância, contudo a

127
CARVALHO, José Alberto Seabra. “Que hacen los conservadores?” A propósito do incomodativo
problema da existência de mestres desconhecidos nas tabelas dos museus. Revista de História da Arte,
Instituto de História da Arte – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, nº 8,
Lisboa, 2008, p. 140.
128
DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, p. 106.
129
JIRMOUNSKY, Myron Malkiel. Pintura à sombra dos mosteiros. A pintura religiosa portuguesa dos
sécs. XV e XVI, Lisboa, 1957, p. 31.

64
parceria entre pintores portugueses continua a ser frequente130. No entanto, é de
ressalvar, que a criação destas associações se baseava para o facto das obras serem de
tal modo de grandes dimensões que só o trabalho em parceria poderia corresponder às
espectativas e às necessidades dos encomendantes, ou seja, privilegiando a celeridade
na resposta dos pintores ao associar a um sem número de solicitações, para as quais as
parcerias eram o único meio para levar a cabo os vários compromissos.

Vítor Serrão menciona que o estatuto social, em Portugal, só assumiu contornos


a partir do último quartel do século XVI, enquanto arte liberal em oposição às artes
mecânicas, classe essa que até então fora subestimada:

“Nunca antes essa inserção no mundo dos artífices e mesterais fora posta em
causa pelos pintores! Independentemente das benesses concedidas a alguns
artistas da modalidade de óleo, já sob a égide do ideário renascentista -
sabemos de casos de pintores que ocuparão cargos importantes dentro dos
quadros da nobreza -, é facto que o amplo edifício corporativo dinamizado em
sequência da revolução burguesa de 1383-1385 se mantinha sólido, fechado e
inflexível. Agora, e pela primeira vez, se desenham sintomas de um afã
reivindicativo e individualizante - que é extremamente curioso verificar quando
o sabemos nascido em pleno ciclo de intolerância contra-reformista -, o qual
põe em causa a inferior situação social do pintor de óleo.”131.

Em suma, o século XVI, proporcionou com uma maior liberalidade no campo


artístico da pintura a óleo, em Portugal, devido a uma rutura progressiva dos modelos
tradicionais e, consecutivamente, os pintores associaram-se a autonomia que resultou
num afastamento obrigacional face ao “regimento” da Bandeira gremial, o que diz bem
da situação vivenciada, que não evoluiu, comparativamente aos centros artísticos
europeus. Todavia, a Europa não viveu da mesma forma a progressiva libertação dos
artistas do sistema gremial, sendo que nem todos desfrutaram do conceito verdadeiro de

130
“À parte alguns casos esporádicos de artistas que são contemplados pela corte, ascendendo a cargos
de nobreza, sem por isso se verem dissociados do estatuto artesanal, a generalidade da classe continua
abrilhoada aos «regimentos» dos «oficiais mecânicos» como classe servil e obscura, adstrita ao mundo
dos pequenos assalariados. O pintor não deixa de ser ainda um artesão, mesmo quando aufere,
excepcionalmente, de altas tarefas (…)”: SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores
portugueses, Lisboa, 1983, p. 66.
131
Idem, p. 12.

65
liberalità. Diego de Sagredo, em 1526, publicou em Toledo, as Medidas del Romano,
que são uma sequência de ideais sobre as artes mecânicas e liberais, que diferenciam a
pintura, a escultura e a arquitetura, como artes liberais:

“Aqellos se llamã oficiales mecanicos q trabajan con el imgenio y cõ las manos:


como son los Canteros, Plateros, Carpêteros, Carrageros, Lãpaneros y otros
oficiales q sus artes requieren mucho saber y ingenio. Pero liberales se llaman
los q trabajan solamête con el espiritu y con el ingenio: como son los
Gramaticos, Logicos, Retoricos, Aritmeticos, Musicos, Geometricos, Astrologos:
con los qualles son numerados los Pintores y Esculptores: cuyas artes son tã
estimadas por los antiguos que aun no son por ellos acabadas de loar: dizêndo
q no puede ser arte mas noble ni de mayor prorogativa q la pintura q nos pone
ante los ojos las hystorias y hazañas delos passados: las q[ua]les q[ua]ndo
leemos, o hazemos leer, nos q[ue]brãtan las cabeças y nos perturbã y fadigã la
memoria. Has otrosi de saber q architeto es vocablo griego: quiere dezir
principal fabricador: y assi los ordenadores de edificios se dizê propriamête
architectos. Los q[ua]les segû parece por nuestro Vitruvio: son obligados a ser
exercitados en las sciências de philosophia y artes liberales [...].”.

1.3 O fenómeno da mobilidade artística, transmissão de conhecimentos e os


modelos na pintura portuguesa de quinhentista

O fenómeno da mobilidade artística, transição de conhecimentos e modelos na


pintura portuguesa desta época, são alguns dos estudos que remetem para esta realidade.
Portugal deparava-se sob diversas influências e estilísticas, e por outro lado, permanecia
sob o impacto da influência artística da escola de Bruges e de Antuérpia, e de tantas
outras influências, nomeadamente das escolas espanholas, alemães e, sobretudo as
italianas. A partir daqui, surgem algumas oficinas de pintura a nível nacional, em
especial, na escola cosmopolita de Lisboa, e nas escolas dos centros mais pequenos do
nosso país, tendo como exemplo, Coimbra, Viseu e Évora. Aqui, observam-se uma
evolução veemente de diversos movimentos representativos num retábulo ou numa

66
única peça artística. Nesta individualidade artística, o mestre concebia um esboço ou
modelo com base no gosto de quem encomendava.

A pintura portuguesa quinhentista atestou uma problemática na falta de


originalidade, e uma pretensa influência das fontes gráficas, nomeadamente das
gravuras, contudo socorreu-se de um gosto oriundo do Norte da Europa e Itália132. Na
sequência desta ideia, podemos considerar, e até afirmar, que alguns pintores
portugueses vieram do Norte da Europa para Lisboa, como é o caso de Francisco
Henriques, Frei Carlos, Mestre da Lourinhã133, Mestre da Charola de Tomar e Jorge
Afonso, onde detiveram formação artística no seio dessa região134. Esta migração
artística levou pintores a ir além-fronteiras, o que possibilitou uma transferência de
conhecimentos, de formas, de formação técnica e práticas artísticas de trabalho. É à luz
desta circulação de artistas que viabilizou uma renovação e atualização de modelos
pictóricos que não deixaram de se ajustar às circunstâncias do território português.
Deixa também visível a área da mobilidade dos pintores, nomeadamente entre Portugal
e Espanha, Norte da Europa e Itália, por via direta e indireta, do centro da criação
artística.

É particularmente interessante associar este gosto pelo “modo da Flandres” pela


influência e valores adquiridos no Norte da Europa pelos pintores portugueses que
adotaram técnicas e tendências que marcaram o legado artístico nacional. Os pintores
Francisco Henriques135 e Frei Carlos136, provavelmente, vieram de Bruges por

132
“No séc. XV a pintura flamenga assumiu, a par do Renascimento italiano, características muito
próprias e que os pintores desenvolveram nos anos seguintes.”: TAQUENHO, Maria. Pintura flamenga
em Portugal. Os retábulos de Metsys, Morrison e Ancede; estudo técnico e material, Évora, 2013, p. 56.
133
Os autores Vítor Serrão e Manuel Batoréo defendem a ideia de que o Mestre da Lourinhã é o
iluminador Álvaro Pires. LOPES, Rui Oliveira. A função da imagem artística: segundo a tradição
medieval da igreja e a prática da pintura portuguesa do renascimento, Lisboa, 2007, p. 39.
134
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, pp. 32-33.
135
““Estão neste caso Francisco Henriques, que deve ter chegado a Portugal por volta de 1500”:
CASIMIRO, Luís Alberto. Pintura e Escultura do Renascimento no Norte de Portugal. Revista da
Faculdade de Letras, Ciências e Técnicas do Património, I Série, vol. V-VI, Universidade do Porto, Porto,
2006-2007, p. 91.
136
“um frade hieronimita que poderá ter vindo da Flandres com Francisco Henriques, numa altura em
que este lá se deslocou (…) Frei Carlos que se fixou no convento hieronimita do Espinheiro nas

67
intermédio da Feitoria Portuguesa, local que erradia influência flamenga. Por efeito do
governo de D. Manuel I, confirmou-se a sucessão de intercâmbio comercial, cultural,
diplomático e artístico entre Portugal e Flandres, cuja relação originou a importação de
obras de arte e a circulação de pintores entre Portugal e os Países Baixos “(…) são os
pintores oriundos de outras latitudes que adaptam a sua pintura aos valores nacionais,
embora deixando a marca do seu país de origem, enquanto os pintores portugueses
recorrem a um vocabulário muito próprio que os distingue dos seus pares e dão ao
Renascimento português a sua aura de especificidade e de originalidade.”137.

Segundo Reynaldo dos Santos a obra do pintor Frei Carlos (figs. 111, 112 e 121)
é a que melhor revela o prosseguimento da tradição flamenga através de uma pintura
“«que se encontra embebida da ternura de Memling e de Gérard David».”138, todavia
reconhecemos também outras influências de pintores flamengos na sua obra,
nomeadamente Albert Bouts, Quentin Metsys ou Jan Provost, mantendo-se, contudo,
absorto de influências italianas. Isto leva a particularidades conferidas à sua obra,
especialmente uma incontestável imagem arcaizante, situação a que não será distanciada
o seu isolamento no mosteiro hieronimita, porém importa salientar que efetuou a sua
atividade em exclusividade para encomendas da sua ordem religiosa139.

No que diz respeito ao gosto flamengo que impera na obra de Francisco


Henrique este emerge nas oficinas nacionais sob o cosmopolitismo de Lisboa, “(…)
poderá hoje dar-se um perfil correcto do que foi o produto pictural deste período
através da «amostragem» da obra de uma dúzia de artistas - todos de Lisboa -, que se
devem considerar mais representativos e podem ser cronologicamente agrupáveis, para
facilidades de estudo evolutivo, em quatro «gerações» distintas, correspondendo a
primeira (fase experimental) ao meado do século XVI, a segunda (consolidação
italianizante) ao terceiro quartel do século, a terceira (apogeu do estilo) ao último
quartel de Quinhentos e a última ao ocaso do estilo, adentro já do século XVII e em
confronto com as primeiras manifestações protobarrocas.”140 e consecutivamente,

imediações de Évora”: CASIMIRO, Luís Alberto. Pintura e Escultura do Renascimento no Norte de


Portugal, Porto, 2006-2007, pp. 91-96.
137
Idem, p. 91.
138
Idem, p. 96.
139
Idem, ibidem.
140
SERRÃO, Vítor. A pintura maneirista em Portugal. Biblioteca Breve, 3ª edição, Lisboa, 1991, p. 15.

68
causa impacto na cultura artística portuguesa. Todavia esta influência não só se operou
na obra de Francisco Henriques como se cingiu a um leque vasto de artistas da oficina
de pintura de Jorge Afonso, onde emergiram seguidores desta reforma de linguagens e
técnicas, como Gaspar Vaz, Gregório Lopes, Cristóvão de Figueiredo e Garcia
Fernandes, com as oportunidades abertas pela perspetiva e com a mestria de patentear
os dissemelhantes tempos de uma história no espaço de representação pictórica. Esta
situação veio a advir da experiência renascentista, tanto na Itália como na Flandres141.

A influência flamenga detém peso nas representações pictóricas na pintura


portuguesa de Quinhentos e faz-se assinalar através de diferentes formas, desde a
importação de obras que eram estudadas até ao mais ínfimo pormenor, a vinda de
artistas flamengos a Portugal, que aqui se fixaram e que empregaram pintores
portugueses como seus auxiliares, e a ida de inúmeros artistas portuguesas à Flandres,
para aprimorar a arte do Norte da Europa. Não detemos conhecimento de todos os
nomes dos artistas que trabalharam na Flandres, devido a duas referências: não foram
célebres, como os restantes pintores, e não foram nomeados pelos historiadores. A
pintura flamenga não é auxiliada por nenhum manual técnico, todavia é coadjuvada por
documentos soltos com narrações descritivas e visuais de como operavam os ateliers.

Em 1946, Adriano de Gusmão já “(…) chamara a atenção para a existência de


um património artístico devido a “artistas portugueses, quando não nacionalizados
pela fixação no nosso solo e ligações familiares”, e salientava o facto de, para haver
escola, “ser necessária a presença de certas afinidades e relações, certa conformidade
e uniformidade nas suas produções” (…) “um estilo, que nos foi grato até muito tarde;
e praticando-o longe dos centros criadores (…) não nos pudemos esquivar a imprimir à
pintura um pouco do nosso temperamento e experiência cotidiana. Era natural que
assim sucedesse”142, ou seja, o historiador define que a produção pictórica portuguesa é
reinterpretada a partir de “um modo de fazer”, todavia esta afirmação não deve ser
interpretada como uma menorização da criatividade de qualquer pintor desta centúria.

A mobilidade de artistas foi acompanhada, essencialmente, pela influência


exercida pela importação de objetos de arte “Neste período, Pero d’Evora, Simão o

141
LOPES, Rui Oliveira. A função da imagem artística: segundo a tradição medieval da igreja e a
prática da pintura portuguesa do renascimento, Lisboa, 2007, p. 44.
142
Idem, p. 33.

69
Português, Afonso Castro e Eduardo o Português trabalham na Flandres, enquanto a
permanência de vários artistas flamengos entre nós está atestada. Destes podemos
mencionar Vitor Vizeti, Roëlfe Van Velpen, além de outros que se limitaram a curtas
estadias. Num processo semelhante ao referido quanto à escultura, é por esta via que se
começa a fazer sentir a influência da pintura do Renascimento e não por relação
directa com arte italiana. Só mais tarde se começa a verificar o seu impacto directo
através dos pintores D. João III. Mas a actividade destes desenvolveu-se apenas depois
do termo do período que nos interessa e que limitamos a 1540. E só depois «a onda
avassaladora do italianismo tudo vai submergir, tirando a pintura nacional o seu
profundo carácter nacionalista e ilírico»”143.

Este conhecimento artístico com Itália foi declarado pela tomada de contacto dos
pintores portugueses com a Antiguidade Clássica, todavia Francisco de Holanda declara
que o paradigma artístico português ficou aquém do eclodir do verdadeiro
Renascimento, que imperava em território italiano144. Aqui, Holanda identifica a
diferença incontestável entre as artes pictóricas de Itália e Portugal. Contudo, apesar do
fenómeno de mobilidade artística e a transição de conhecimentos realizada
presencialmente ou através de fontes (tratadística, gravura, desenhos), a pintura que se
executa em Portugal não é a mesma que se pinta em Itália, ou seja, o Renascimento
vivenciado em Portugal é deveras diferenciador do Renascimento ao modo de Itália, tal
como menciona Miguel Ângelo, em Diálogos em Roma, onde defende que a boa pintura
é exclusivamente italiana e completamente inconfundível145. Esta afirmação é legítima,
todavia não pode nem deve vincular a «pintura de Portugal».

O que podemos compreender aqui é que uma boa obra pictórica italiana não se
prende só com o modo italiano de pintar, mas sim com o pintar ao modo ao antigo
“Assim que não se chama pintura de Itália qualquer pintura feita em Itália, mas
qualquer que for boa e certa (…) Porém, do Antigo ainda ficou em nossa Itália mais
143
VILELA, José Stichini. Francisco de Holanda – Vida, Pensamento e Obra, Lisboa, 1982, pp. 18-19.
144
“Mas de uma cousa é infamada Spanha e Portugal; e esta é que em Spanha, nem em Portugal, não
conhecem a pintura, nem fazem a boa pintura; nem tem seu honor a pintura.”: LOUSA, Maria Teresa
Viana. Francisco de Holanda e a Ascensão do Pintor. Dissertação de Doutoramento em Belas Artes, na
especialidade em Ciências da Arte, apresentada à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa,
Lisboa, 2013, p. 99.
145
“E mais digo (…) que de quantos climas ou terras alumia o Sol e a Lua, em nenhuma outra se pode
bem pintar senão em o reino de Itália.”: Idem, p. 100.

70
que em outro reino do mundo, e nela cuido eu que acabará.”146, o que reforça a
importância da Antiguidade e o protagonismo de Itália na sua redescoberta.

Aqui, a importância do antigo é levada ao extremo pela convivência dos pintores


italianos com o património riquíssimo das obras da antiguidade:

“Porque continuamente ve llegar muchos artífices de aqui y de allá, que


estudian las bellas antíguas figuras de mármol y a veces de cobre, que o yacen
esparcidas por cualquier parte o están pública o privadamente guardadas y
tenidas en gran estima, y los arcos y las termas y los teatros y los otros edificios
que todavia conservan alguna de sus partes en pie, y (…) cuando proyectan una
obra nueva, miran esos ejemplos y, buscando el parecido a através de su
artificio, asemejan sus nuevas obras a las antíguas, porque saben y vem que las
antíguas se acercan más a la perfección del arte que las que se hicieron desde
entonces hasta hoy”147.

Todavia, em Portugal, a situação era deveras diferenciadora, sobretudo pelo


efeito da maioria dos pintores portugueses não experienciarem o paradigma da
experiência classicista. Porém, importa ressalvar que apesar da história do
Renascimento italiano e a sua migração de conhecimentos arribar para os demais países
europeus, continua a ocupar uma boa parte da História da Arte Moderna, no que diz
respeito ao desenvolvimento e à representação de trabalhos simbólicos do ideal clássico,
numa abordagem formalista que, resultou em escola.

Um dos fatores principais desta desigualdade foi o estatuto e o reconhecimento


das artes e dos artistas, que em Portugal tardiamente chegou, visto que qualquer pintor
era considerado um mero artífice, executor de encomendas e mal remunerado pelo seu
ofício, ou seja, tudo isto se resume a uma total ignorância acerca da pintura e das artes.

146
Idem, pp. 100-101.
147
CANTERA, María José Redondo. El arte de la Roma antigua y moderna en la obra de Alonso
Berruguete. In DACOS, Nicole. Roma qvanta fvit ipsa rvina docet. Jesús Palpmero Páramo (Eds.)
Universidad de Huelva, Huelva, 2016, p. 21.

71
1.3.1 A importância da gravura para a construção de modelos pictóricos

O século XVI ficou marcado pela arte da impressão, elemento difusor do


humanismo e da Reforma Protestante. A frequente reprodução de gravuras e desenhos
proporcionou a rápida difusão internacional, a visualização das novidades estéticas
vigentes e das obras realizadas pelos grandes mestres europeus. A utilização de modelos
gravados serviu para a execução de pinturas de mestres emblemáticos e desconhecidos,
que procuravam modelos de oficinas de gravadores de renome. A limitação de fontes
terá tido a ver com a possibilidade de existência de intensas ligações entre os mestres
que, com toda a viabilidade, usufruíram de um intercâmbio de materiais de trabalho
resultante do sistema que detém o poder da notável oficina régia de Jorge Afonso como
das ligações familiares do mestre com Francisco Henriques, Gregório Lopes e Garcia
Fernandes. Os pintores Vasco Fernandes e Mestre da Lourinhã, que influenciam as
primeiras décadas de Quinhentos da pintura portuguesa, obtiveram novas informações
de fontes gráficas em especial desde os finais dos anos vinte e, surpreendentemente,
seguindo modelos que foram empregues basicamente nos baixos-relevos narrativos de
Nicolau Chanterene, e com ele se reconhecem as primeiras aplicações esquemáticas dos
modelos de Albrecht Dürer148.

A oficina de Nuremberga marcou a Europa, incluindo o nosso país, com as suas


gravuras produzidas, por artistas-gravadores. As gravuras mais desejadas e copiadas, em
Portugal, foram de gravadores holandeses, Cornelis Cort e Philippe Galle, dois dos
maiores protagonistas na difusão de obras de mestres flamengos e italianos149, contudo
chegaram também gravuras oriundas da Alemanha, França, Itália, Holanda e Bélgica,
particularmente de Antuérpia, todavia foram as gravuras alemãs que suscitaram um
especial interesse na pintura portuguesa do início do século XVI, com Martin
Schongauer150 (c. 1440-1491), Israhel van Meckenem (1450-1503), Michael Wolgemut

148
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 270.
149
LOPES, Rui Oliveira. A função da imagem artística: segundo a tradição medieval da igreja e a
prática da pintura portuguesa do renascimento, Lisboa, 2007, pp. 136-137.
150
“um novo estádio na qualidade das gravuras”: BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a
Gravura do Norte da Europa – A Utilização Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 52.

72
(1434-1519) e Albrecht Dürer (1471-1528), essencialmente na oficina de Viseu, de
Coimbra e de Lisboa.

As gravuras estrangeiras detiveram uma grande repercussão na pintura


portuguesa, onde pintores e oficinas passaram a deter mais uma ferramenta de trabalho,
elemento que influenciou essencialmente em termos temáticos, iconográficos e
compositivos, a pintura antiga151, sem deixar de descerrar campo aos pintores para os
seus sentidos plásticas. Manuel Batoréo afirma que as fontes gráficas empreendem a sua
ligação com as pinturas que delas se reúnem como instrumente de trabalho ou meio de
produção. Esta forma de produção não envolve a forma como o pintor segue o modelo,
sendo usual o não emprego da sua integralidade, assim como a sequente reinterpretação
do seu sentido. Concludentemente, o resultado na sua formalidade nem sempre
corresponde com a imagem da fonte gráfica152. Esta pesquisa permitiu assegurar a
afirmação avançada por Dagoberto Markl, que a nossa pintura se socorria de um ou
duas gravuras diferentes na mesma obra. A presença de modelos e padrões gráficos
narrativos italianos só surgem em pleno período maneirista, a partir do segundo terço do
século XVI.

O caso nacional coincidiu com as inspirações conduzidas pela circulação de


gravuras e de artistas oriundos do Norte da Europa, especialmente a influência
flamenga, contudo as viagens efetuadas dos nossos artistas ao estrangeiro, foram fruto
das relações diplomáticas e comerciais executadas com estes países. O interesse pela
produção de estampas e incunábulos originários do norte da Europa suscitou
curiosidade aos artistas da época, fator que resultou da comparação realizada com a
pintura portuguesa do século XVI, tal como menciona o autor Manuel Batoréo “é na
gravura do norte da Europa que se encontra a quase totalidade das imagens utilizadas
na narrativa da pintura portuguesa da primeira metade do século XVI”153.

151
DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Lisboa, 2008, pp. 132-133.
152
AFONSO, Luís Urbano. A pintura mural portuguesa entre o Gótico Internacional e o fim do
Renascimento: formas, significados, funções. Vol. I. Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a
Ciência e a Tecnologia, Lisboa, 2009, p. 119.
153
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 12-13.

73
Contudo torna-se relevante referir que o surgimento da imprensa em território
nacional deteve uma importância hegemónica na importação de tendências artísticas
conduzidas pelos impressores, contudo, desde o século XV, que Bruges possuía um
comércio especializado na venda de gravuras154. A influência da gravura leva-nos a
afirmar que a mesma circulava de mão em mão, como legado ao sucessor de qualquer
oficina, e que muitas dessas gravuras deram exemplos de imagens que objetivassem ser
reproduzidas a óleo155. É de denotar de tímido desenvolvimento, em Portugal, quando
comparado com os restantes países europeus, sendo que o mercado de gravuras, no
nosso país, era inexistente e, por isso estas gravuras utilizadas pelos pintores, provinham
da aquisição destas, em feiras internacionais ou nacionais.

Segundo Manuel Batoréo, a influência vindoura do norte da Europa e a


organização oficinal que floresceu durante os reinados de D. Manuel I e de D. João III,
foi resultante das trocas comerciais de obras de arte e da chegada de pintores oriundos
da Flandres para a Península156. Todavia a importação de livros e gravuras estrangeiras
pertencentes a livrarias reais e a livrarias de mosteiros, eram uma via a considerar157. O
reinado de D. Manuel I terá ficado marcado pela implementação, a nível nacional, da
arte tipográfica, um novo modo de ver e fazer sob uma inspiração de modelos
estrangeiros. As primeiras obras que surgem impressas, em Portugal, foram produzidas
por artífices estrangeiros, especializados na arte da impressão e que se terão deslocado
para o nosso país, por incentivo régio para ensinar a arte da tipografia e da gravura.

Em Portugal, a influência flamenco-alemã fez-se denotar a nível compositivo


das tarjas e nos módulos da arte da impressão, tendo como exemplo a proveniência de
Sevilha, até 1540, sendo que a partir desse mesmo ano, começou a surgir uma
vinculação, patente no reinado de D. João III, de gosto maneirista com a aplicação
arquitetural italianizante. A introdução do novo gosto, vigente, a par da imposição da
inquisição, determinou o abandono da ornamentação em defesa da simplicidade de

154
Idem, p. 51.
155
LOPES, Rui Oliveira. A função da imagem artística: segundo a tradição medieval da igreja e a
prática da pintura portuguesa do renascimento, Lisboa, 2007, p. 39.
156
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 30.
157
Idem, p. 46.

74
formas e da retidão estrutural, à maneira ao romano158. A gravura prosperou, em
Portugal, ao sabor das conjunturas que o país atravessava, uma vez que, no final do
século XVI, as oficinas especializadas e o número de gravadores e tipógrafos, de origem
portuguesa e estrangeira, multiplicaram-se no nosso país.

Na pintura portuguesa, o problema da influência da gravura resumiu-se a


problemas associados a moda, gosto e fausto, todavia os modelos empregues decorriam
dessas mesmas problemáticas. As gravuras atuaram como modelos de fontes gráficas,
de caráter instrumental, para a elaboração de diversas pinturas, contudo este carácter
não deve ser confundido com a procura incessante, dos nossos artistas, na procura pela
modernidade.

As estampas estão denominadas como fonte de inspiração para a pintura, todavia


são consideradas ferramentas de trabalho, objetos de oficina e utensílios constituintes de
uma agregação onde vão interceder, em especial nos modos de composição, de
perspetiva e de obrigações iconográficas159. A utilização da gravura permitiu suprir as
precisões de execução na pintura, a partir de modelos iconográficos e formais, em
situações ocorridas, em contexto oficinal:

“O artífice, transportado o desenho escolhido, ao bloco de madeira, bem limpo


e de superfície lisa, escava, por meio de um buril, ou do canivete, todos os
intervalos que na impressão devem conservar-se brancos, deixando, portanto
salientes os valores do desenho a representar: gravura em relevo. Aplicando em
seguida com um rolo uma delgada camada de tinta na parte saliente e
sujeitando a folha de papel ou de pergaminho a uma pressão violenta contra o
bloco, obtinha a reprodução do desenho perfeito e correcto em todos os seus
valores”160.

158
“Procurava-se então fazer vingar aquilo que na altura se designava por obra ao antigo ou obra ao
romano, ou seja, a arquitectura de modelo antiquizante e clássico, de inspiração italianizante.”:
PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa. História Essencial, Lisboa, 2017, p. 416.
159
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 12-13.
160
BATISTA, Jorge. Contributos para o percurso e evolução da gravura em Portugal entre os séculos
XVI e XVII. MODOS. Revista de História da Arte, nº. 2, Campinas, 2018, p. 114.

75
Os modelos adotados foram integrados através da perspetiva geral da
composição pictórica, questão essa que fora, na maioria dos casos, desenvolvida e
idealizada, entre o pintor e o encomendante, tal como constata Manuel Batoréo, que nos
elucida sobre o facto de que os pintores portugueses trabalhavam, essencialmente, por
encomenda, e não para uma eventual clientela161. Todavia os temas representados
denotavam uma diversidade iconográfica insignificativa, uma vez que existiam regras
que condicionavam a liberdade criativa, de quem produzia uma gravura, levantando
questões relativas à temática iconográfica162.

A única questão que aqui se coloca é que, as gravuras para os artistas serviram,
maioritariamente, como instrumento de trabalho e fonte de inspiração, numa primeira
fase do processo criativo, o que conduz a uma reprodução seletiva e não integral, da
gravura, cujas figuras e fundos arquitetónicos são os mais copiados aquando da
realização artística de uma pintura, de modo a alcançar resultados formais ou
iconográficos163. De forma predominante, as gravuras serviram para desenvolver a
inventividade e não para a subjugar, prova disso é o menor emprego de propostas de
modelos quanto maior é as particularidades da produção. As fontes gráficas foram
somente uma ferramenta empregue justamente na primeira fase da metodologia criativa

161
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 270.
162
“[…] o assunto é […] popular e por vezes infantil; animais, plantas, aves, o sol, a lua, as estrelas,
demónios de expressões insofridas e homens de desmesurados troncos e diminutos membros inferiores.
[…] Nas outras composições mais apuradas revela-se o artista, rasgando a madeira com mão firme e
definindo todo o pensamento do debuxador; são quase sempre assuntos de carácter religiosos os
inspiradores desses trabalhos. Influências estrangeiras acentuam o vigor do desenho e a execução da
gravura. Vêm elas até nós da Alemanha ou da Itália, trazidas pelos primeiros impressores oriundos
dessas nações. E, ainda que algumas dessas composições possam ter tido execução no nosso país, como
o revelam o assunto puramente nacional e a adaptação à obra que ilustram, natural será que o artista
tenha sido trazido até nós pelos seus conterrâneos aqui estabelecidos. Pode por isso afirmar-se, com
propriedade, resultante deste estudo comparativo, que o trabalho de xilogravura é de assunto popular e
o de gravura artística de motivos religiosos e raras vezes nacionais”: BATISTA, Jorge. Contributos para
o percurso e evolução da gravura em Portugal entre os séculos XVI e XVII, Campinas, 2018, p. 117.
163
ANTUNES, Vanessa; SERRÃO, Vítor; COROADO, João; CARVALHO, Maria Luísa. Preparar a
imagem: as camadas de preparação na pintura portuguesa dos séculos XV-XVI – a gravura e a
preparação. ARTIS - Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa,
Conservar Património, Número 27, Lisboa, 2018, p. 46.

76
e pelo motivo do gosto, da capacidade técnica e das exigências expressivas que foram
crescendo, enquanto a aplicação dos apoios se foi resumindo164.

Segundo Dagoberto Markl existe uma influência direta, indireta e com a


qualidade do que é intencional dos modelos iconográficos165. A influência direta recai
sobre uma reprodução completa, a influência indireta, a mais frequente, determina-se
pela utilização de alguns detalhes da gravura e a intencionalidade dos tipos
iconográficos, denota uma mestria quer por parte do artista, quer do próprio comitente,
que pretende reter a relevância do significado, de uma gravura, tendo como exemplo
pormenores da obra Cristo em casa de Marta e Maria (fig. 5), encomendada pelo Bispo
de Viseu, D. Miguel da Silva166, figura chave para compreender as decisivas mudanças
que ocorreram na arte portuguesa dos anos trinta do século XVI.

Conforme refere Manuel Batoréo “No que refere à Oficina de Viseu temos ainda
de considerar uma obra onde Dagoberto Markl considera terem sido utilizadas
gravuras de Dürer com toda a intencionalidade, isto é, relevando “do grau de cultura,
seja do encomendador e/ou ideólogo, seja do artista, que conheceriam o significado,
por vezes pouco óbvio, da gravura utilizada, conferindo-lhe uma relação concreta no
contexto da cena representada”. A pintura em questão é Cristo em casa de Marta e
Maria, proveniente do Paço Episcopal de Fontelo para onde foi encomendada pelo
bispo D. Miguel da Silva, que será feito representar na cena e cujas armas foram

164
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 271.
165
LOPES, Rui Oliveira. A função da imagem artística: segundo a tradição medieval da igreja e a
prática da pintura portuguesa do renascimento, Lisboa, 2019, p. 38.
166
“D. Miguel da Silva (filho do Conde de Portalegre, valido do Venturoso), o qual completara os seus
estudos em humanidades e teologia na Universidade de Paris, como agente de D. Manuel junto da Cúria
Romana, cujo mecenato em Viseu, à frente da cátedra episcopal se revelaria determinante na divulgação
do formulário renascentista em Portugal, é também sintomático do novo espírito intelectual que grassava
entre alguns círculos eruditos. (…) o D. Miguel da Silva, que permanecera em Roma como embaixador
pontifício durante três pontificados (1515-1525), homem de cultura italiana e amigo de humanistas como
Lattanzio Tolomei ou Baltasar Castiglione. Detentor de uma vastíssima biblioteca, além de magníficas
colecções de moedas antigas e moldagens de estátuas romanas, o prelado traria um arquitecto de
Roma”: DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Tomar, 2008, p. 178-181.

77
inscritas nos plintos das colunas.”167. Vasco Fernandes engloba duas gravuras:
Melancolia I (1514), que retrata Maria, contemplativa, em primeiro plano (fig. 6), e O
Filho Pródigo (c. 1496), numa reprodução similar da paisagem de fundo (fig. 7), a
partir dos modelos das gravuras de Albrecht Dürer (fig. 72). Graças ao programa de
renovação artística impulsionado por Francisco Cremona168, Viseu passou a ser um dos
espaços de receção da nova linguagem classicista.

As gravuras de Dürer eram, possivelmente, provenientes de Nuremberga, como


oferta do mestre aos feitores portugueses, em Antuérpia169 “A partir de finais do
primeiro quartel do século XVI encontramos uma mais evidente utilização de modelos
durerianos, sobretudo nas sugestões compositivas e no modo pictórico das gravuras do
mestre de Nuremberga. Esta chegada de novos modelos estará relacionada não apenas
com o contacto de mestres como Chanterene com as obras de Dürer mas também com o
conhecimento pela corte portuguesa das centenas de gravuras e, sobretudo,
xilogravuras oferecidas pelo pintor aos feitores portugueses em Antuérpia. As estampas
terão sido enviadas ao rei logo após a viagem de Dürer aos Países-Baixos, em 1521, e
a partir desse momento dadas a conhecer aos pintores da corte. (…) Durante a década
de trinta são várias as pinturas onde pormenores de figuras ou modos de composição
reflectem o conhecimento das estampas de Dürer, sobretudo em aspectos compositivos,
modo de traçar e utilização clara de figuras isoladas como, por exemplo, o “lansknet”,
do Calvário gravado em 1503-1504, ou a Melancolia.”170, todavia Cochlaeus declara
que os mercadores de Itália, França e Península Ibérica procediam à compra de gravuras
de Albrecht Dürer como modelos para os pintores das suas regiões171. O gravador e
pintor alemão, Albrecht Dürer deteve ligações a Portugal através de contactos que
realizou com feitores portugueses, em Antuérpia, nomeadamente em confraternizações

167
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, pp. 258-259.
168
“vindo também a transformar-se no principal mecenas do pintor Vasco Fernandes.”: DESTERRO,
Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres, Espanha e Portugal,
Tomar, 2008, p. 181.
169
Idem, p. 19.
170
Idem, pp. 270-271.
171
BATORÉO, Manuel. “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 53.

78
de banquetes e trocas de presentes, entre os quais, especiarias, animais exóticos,
doçaria, panos de luxo, e sobretudo a oferta de gravuras, desenhos e pinturas, do artista.

Segundo Manuel Batoréo “Será interessante verificar-se que a perspetiva


corrente de que são de Albrecht Dürer as gravuras mais utilizadas pelos pintores
activos em Portugal não corresponde à realidade, pelo menos na extensão que se
admitia ter, como não é menos relevante a descoberta da grande proximidade entre
painéis das duas primeiras décadas do século XVI e imagens produzidas na
Flandres”172. A pintura portuguesa, de 1500 a 1540, auxiliou-se de fontes gravadas de
um número restrito de gravadores, a partir de uma relação de capacidade comercial das
oficinas e, não por preferências estilísticas dos nossos pintores.

Tal como se pode constatar, este género de fontes de reprodução serviu de


referencial aos artistas da época, todavia esta determinação serviu de base para um
melhor entendimento da pintura nacional do século XVI, como fenómeno social e
histórico-cultural. A pintura, do início do século, até meados de 1540, aproximou-se das
demais gravuras do norte da Europa, afirmação que pode estar interligada com a
capacidade de comercialização de estampas, e não propriamente com a opção estilística
adotada pelos pintores deste século. É particularmente interessante perceber que a
gravura influenciou, serviu de referencial e de forma transversal o seio de uma cultura
artística e visual, que englobou a pintura e a escultura portuguesa, do século XVI. No
seio do trabalho oficinal os pintores portugueses centravam o seu trabalho nas questões
relacionadas com o modo como narravam as suas habilidades pictóricas, tendo sempre
como preocupação transmitir esses saberes aos seus aprendizes “que, com demasiada
frecuencia eran analfabetos y basaban su formación en la transmisión oral de los
conocimientos de los ofícios y el uso de estampas”173.

A gravura enriqueceu os artistas e artífices portugueses ao nível da experiência e


do conhecimento importado, todavia é de ressalvar que a maioria das estampas
produzidas em Portugal eram, maioritariamente, cópias de obras reconhecidas a nível
internacional, e que dificilmente os nossos artistas detinham o acesso às mesmas sem
ser por esta via. As artes associadas à impressão, além de material fundamental de
172
Idem, p. 18.
173
ANTUNES, Vanessa; SERRÃO, Vítor; COROADO, João; CARVALHO, Maria Luísa. Preparar a
imagem: as camadas de preparação na pintura portuguesa dos séculos XV-XVI – a gravura e a
preparação, Lisboa, 2018, p. 38.

79
trabalho, revelaram-se meios técnicos de expressão e difusores de novidade, ideia que
resultou da sugestão que havia de copiar as gravuras dos melhores mestres para
aperfeiçoar a técnica “… to take pain and delight in always copying the best things that
he can find by the hand of great masters (Libro dell’Arte de Cennino Cennini, Florença,
c. 1390)”174. A generalidade dos artistas portugueses e gravadores, em particular,
possuíam escassos recursos económicos para se deslocarem ao estrangeiro e, contactar,
de perto, com as obras de grandes mestres.

Depreende-se, portanto, que os artistas portugueses, tanto do campo anónimo do


trabalho em parceria como do trabalho mais individualizado, fugiram em regra geral à
cópia direta, evitando que a referência a temas artísticos europeus se transvertesse em
monótonas repetições de cópias, com resultado em pretensas faltas de originalidade.
Situamo-nos diante de um campo de investigação interessante, que nos possibilita
interligar diversas linhas histórico-artísticas, nomeadamente o enfileiramento por
modelos gravados como o papel prestigioso que deteve na arte portuguesa do
Renascimento: pintura, escultura, iluminuras, talha, mobiliário, esgrafito e na decoração
pétrea. Além de que, esta tradição da Europa quinhentista aludiu a referências com base
em modelos gravados ítalo-flamengos de grandes mestres com suporte a obras
importadas ou à disposição de um olhar. Aquilo que aqui ocorre é que esse hábito em
laboral realentou um ensaio baseado na originalidade e na multiplicidade de processos.

1.3.2 As leituras da Tratadística e a sua importância no contexto da pintura


portuguesa

O período que vai desde o final da Idade Média até ao início do século XVII
produziu uma literatura distinta dedicada à história, à crítica e à interpretação das artes
visuais, tanto na esfera sagrada como na secular, influência essa espelhada na Europa,
que forneceu os principais temas da educação artística académica, moldando a perceção
e a prática da arte e da história da arte presente nos séculos XV-XVII. O panorama

174
SMITH, Paul; WILDE, Carolyn. A Companion to Art Theory. Blackwell Publishing, Companions in
Cultural Studies, UK, 2002, p. 56.

80
artístico em Portugal e a nível europeu resultou de uma realidade pautada pelo decurso
da Idade Moderna, por forma a reconhecer as tradições decorrentes de uma arte
acompanhada da tratadística, da reflexão e teoria:

“A Historiografia da arte sempre conferiu um elevado estatuto e relevância ao


papel da tratadística na cadeia de transmissão teórica da arte. Consta-se, no
entanto, que o seu grau de difusão de padrões intelectualizantes e de vanguarda
encontra-se circunscrito a uma reduzida elite, dividindo-se claramente em duas
dimensões distintas: livros de carácter científico vs. compilações de modelos e
receituário pré-definido.”175.

É necessário definir quais os tratados (Sagredo e Serlio) que estavam à


disposição dos nossos artistas e mecenas, e segundo os quais influenciaram a produção
artística portuguesa, desde a arquitetura, pintura e escultura. Independentemente da
explosão de tratados sobre arte na Europa, o caso português vivenciou o inverso, pelo
parco número de produção documentada. Considera-se a presença e a divulgação de
manuscritos a par com os tratados mais relevantes para a historiografia, sendo
praticamente todos elaborados em Itália, e adivinha-se o seu propósito176. A tratadística
circulou em Portugal durante a Época Moderna, e por isso torna-se fundamental refletir
a proveniência e a sobrevivência dos tratados de arte, a par das traduções que
dificultavam a receção dos tratados em alguns países, incluindo o nosso:

“A tratadística sobre a arte da Pintura em Portugal nos séculos XVI e XVII não
abunda de protagonistas e de textos verdadeiramente significativos. Salvo os
escritos de Francisco de Holanda e Félix da Costa Meesen, não dispomos de
uma produção original de testemunhos estéticos sobre a essência dessa arte,
para além do que marginalmente integra os receituários e os manuais práticos
de trabalho de pintores, iluminadores e desenhadores.”177.

175
MEDEIROS, Vasco. A Ciência Pictórica na Europa: 1430-1530. Iconopoiese e Ensino, Confluência e
Singularidade. Dissertação de Doutoramento no ramo de História, na especialidade de História da Arte,
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vol. I, Lisboa, 2019, p. 13.
176
PEREIRA, Paulo. Arquitetura Portuguesa. História Essencial, Lisboa, 2022, p. 273.
177
SERRÃO, Vítor. Tratados de pintura, iluminura e caligrafia no Maneirismo português: entre Giraldo
Fernandes de Prado (1560-1561) e o anónimo autor do Breve Tractado de Iluminaçam (c. 1635). In
MOREIRA, Rafael; RODRIGUES, Ana Duarte. Tratados de Arte em Portugal. Editora Scribe, Lisboa,
2011, p. 73.

81
É de ressalvar que cada tratado de arte era alvo de várias edições, e
consequentemente traduzido em várias línguas. Nesta época, as línguas mais acessíveis
para os portugueses eram o latim, o espanhol, o francês e o italiano.

Tal como refere Rafael Moreira, num tratado de arte participam relatos e guias
de viagens a efeitos de descrição de edifícios reais ou imaginados, a biografias de
artistas e mecenas a monografias acerca de obras concretas, de fórmulas técnicas a
observações estéticas178, todavia Françoise Choay define, de forma restrita, tratado
como um género da literatura da arte, porém correta através de cinco pontos chave:

“(1) é um livro, apresentado como uma totalidade organizada; (2) esse livro é
assinado por um autor (que pode ser anónimo ou pseudónimo) o qual reivindica
a sua paternidade e escreve na primeira pessoa; (3) o seu discurso é autónomo,
não se quer subordinado a nenhuma disciplina ou tradição; (4) tem como
objetivo o método de concepção, a elaboração de princípios universais e de
regras generativas que permitam a criação, e não a Transmissão de preceitos
ou receitas; (5) tais princípios e regras destinam-se a gerar e a cobrir a
totalidade de um campo”179.

Na Época Moderna, a tratadística serviu de base para o desenvolvimento das


artes nacionais em Portugal, com pressupostos teóricos vitruvianos180. A obra de
Vitrúvio181 não se sabe ao certo quando foi conhecida em Portugal, todavia existem dois
exemplares da edição florentina de 1522, realizada pela oficina dos Giunti.

178
MOREIRA, Rafael; RODRIGUES, Ana Duarte. Tratados de Arte em Portugal, Lisboa, 2011, p. 9.
179
Idem, ibidem.
180
“O fenómeno admirável da tratadística moderna que percorre a Europa do século XV ao século
XVIII, após a Itália do Renascimento e a sua “redescoberta” de Vitrúvio (25 a.C.), não deixou Portugal
à margem, como repetia a doutrina na aceite por pura inércia.”: Idem, p. 8.
181
“os tratados vitruvianos recentemente aparecidos em Itália e que rapidamente chegaram até nós.
Vitrúvio era então um nome perfeitamente desconhecido em Portugal. Aparece pela primeira vez citado
no inventário da biblioteca do arcebispo de Braga D. Jorge da Costa (1485-1501) pelo ano de 1500, sob
o nome Betruvio de Architectura. (…) infelizmente desaparecido com a dispersão da biblioteca capitular
já no século XVIII”: MOREIRA, Rafael. A arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A
Encomenda Régia entre o Moderno e o Romano. Dissertação de Doutoramento em História da Arte
apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1991,
pp. 287-288.

82
O surgimento da impressão e do tratado impresso com ilustrações foi um dos
maiores desenvolvimentos transformadores da história da arquitetura, e por isso é de
ressalvar que os tratados de arquitetura, a partir de 1520, passaram a ser ilustrados por
gravuras, tornando-se, em regra geral, modelos visuais para a construção de novos
edifícios ou como resultado de inspiração para produção pictórica, sobretudo para os
planos fundeiros, todavia, Mario Carpo afirma que esta reprodução mecânica eliminou a
deriva criativa inerente a um sistema de cópias182. Em suma, estas cópias demonstram
que o advento da impressão da tratadística não deve ser entendido estritamente como
uma mudança de paradigma, mas sim como uma alteração à prática arquitetónica, que
acelerou face a rápida difusão de uma variedade de modelos, altamente ornamentados, e
afirmou a importância dos detalhes arquitetónicos na prática artística renascentista.
Nesta época, como poucos artistas tinham viajado a Roma, as cópias de desenhos
arquitetónicos eram uma prática extremamente comum da atividade na Renascença, e
acabaram por circular por toda a Europa, no século XV e XVI.

A tratadística permitiu a difusão de ideias e teorias que promoveram a criação


artística e estilística nas artes, mas também a sobrevivência da cultura clássica e a sua
divulgação, e por esta razão torna-se relevante estudar o impacto que a mesma deteve a
nível nacional. Ao longo do século, os tratados de arquitetura mudaram-se para o centro
da historiografia da Renascença, resultado do meio primário pelo qual os historiadores
tentaram compreender a produção arquitetónica durante a época moderna.

A tratadística em Portugal começou a ser entendida a partir de 1528 com o


mestre Nicolau Chanterene na elaboração do retábulo do mosteiro da Pena, em Sintra183,
a par do conhecimento e divulgação da publicação das Medidas del Romano de Diego
de Sagredo184, editado em 1526. O tratado de Sagredo dividiu-se sobre os princípios
clássicos, as proporções do corpo humano e o formulário vitruviano, todavia este ciclo

182
WATERS, Michael J. A Renaissance without Order Ornament, Single-sheet Engravings, and the
Mutability of Architectural Prints. Institute of Fine Arts, New York University, New York, 2012, p. 489.
183
“Talvez os seus novos privilégios o dispersassem pela Corte, em Lisboa, ou o seu carácter humanista
e o seu entendimento do “estatuto de artista” o orientassem na fruição da beleza, da leitura e do estudo,
distanciando-o do trabalho contínuo, próprio dos oficiais mecânicos.”: HENRIQUES, Francisco. O
Retábulo da Pena de Nicolau Chanterene – Geometria e Significação. Dissertação de Mestrado em
Teorias da Arte apresentada à Faculdade de Letras de Belas-Artes, Lisboa, 2006, p. 42.
184
Impresso em Lisboa, na oficina de Luís Rodrigues, a 10 de Junho de 1514.

83
de viragem estética resumiu-se a uma influência italiana desarticulada à maneirista. No
que diz respeito à arte nacional, este tratado proporcionou a difusão de motivos ao
romano, bem como o primeiro autor que escreveu, exclusivamente, sobre as ordens
clássicas de arquitetura na Península Ibérica e também o primeiro quem nela distingue o
perfil dos arquitetos (liberais) dos canteiros (oficiais mecânicos) (fig. 8): “aqellos se
llamã oficiales mecanicos q trabajan con el con o ingenio y con las manos: como son
los canteros (...). Em oposição, Diego de Sagredo, define o arquiteto sob o seguinte
desígnio: liberales se llaman los que trabajan solamente con el espiritu y con el
ingenio”185. Terá sido a partir da publicação do Medidas del Romano de Diego de
Sagredo que o termo «arquitecto» se torna público por toda a Península Ibérica, tal
como refere Carlos Ruão186.

Todavia importa ressalvar que o título oficial de arquiteto surgiu paulatinamente


antes do fecho da centúria de quinhentos, nomeadamente em discursos humanistas de
denominação antiquária:

“É reconhecido que este emprego literário do termo denuncia quase sempre o


magistério de Vitrúvio ou de Alberti, ainda que seja de admitir, em alguns
casos, certo conhecimento direto ou indireto da realidade socioprofissional
italiana. (…) do uso corrente do termo, registaram-se de início limitações
semânticas semelhantes: serviu sobretudo para aludir aos profissionais,
geralmente italianos, cuja atividade se reconhecia ser diferente da dos artistas
nacionais. (…) já a relutância em adotar o título de «Arquitecto», prolongada
por mais sete décadas, é uma exceção digna de nota. Tal renitência não só
ultrapassou os reinados de D. Manuel I e D. João III – tempo durante o qual se
consumou a transição de formas e métodos de trabalho à imagem dos do
moderno architectus vitruviano-albertiano (…) De resto, o título de «Arquiteto»
teve finalmente representação nos cargos oficiais portugueses em 1631, quando

185
SAGREDO, Diego de. Medidas del Romano, Toledo, Remon de Petras, 1526, folio 7v. In SILVA,
Ricardo. O paradigma da arquitetura em Portugal na Idade Moderna. Entre o Tardo-Gótico e o
Renascimento: João de Castilho “O mestre que amanhece e anoitece na obra”. Dissertação de
Doutoramento em História, na especialidade de História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018, pp. 414-415.
186
SILVA, Ricardo. O paradigma da arquitetura em Portugal na Idade Moderna. Entre o Tardo-Gótico
e o Renascimento: João de Castilho “O mestre que amanhece e anoitece na obra”, Lisboa, 2018, p. 413.

84
foi aplicado pela primeira vez a Mateus de Couto (…) então titulado
«arquitecto, do officio de mestre de obras»”187.

Por outro lado, este e outros tratados em Portugal constituíram matéria


ordenadora da arquitetura, pintura e escultura, sendo que a vinda de artistas italianos
para Portugal e a ida de portugueses a Itália pesou na afirmação da arquitetura clássica
com o contributo de Nicolau Chanterene, escultor francês que esculpe o retábulo da
Pena, em Sintra, e sobretudo de João de Ruão, escultor e arquiteto francês. O escultor
Nicolau Chanterene deve ser estimado como um sério artista do Renascimento, tanto
pelas inquietações que revela nas obras que realiza, as influências estilísticas que adota,
tanto pelo avanço estilístico que denuncia como também pelo seu vínculo aos meios
eruditos da corte, sendo dos únicos artistas que preservaram um vínculo real aos
humanistas que entre nós integravam o núcleo do pensamento teórico e da legítima
exaltação pela Antiguidade188. Esta divulgação só foi possível, na segunda metade do
século XVI, após a divulgação da tratadística renascentista de Sagredo e Serlio, ao
mesmo tempo, que todo o programa arquitetónico, escultórico e iconográfico é
conhecedor de todo um reportório de gravuras e tratadística.

Outro tratado que também circulavam em Portugal eram da autoria de


Sebastiano Serlio189 (1535-1554) e de Giacomo Barozzi de Vignola (1507-1573). As
reproduções impressas do tratado de Serlio codificam um cânone facilmente
reproduzível, com base na prática de cópias de desenhos, sobretudo os da antiguidade, e
são reconhecidos na arquitetura portuguesa, tendo como exemplo o Palácio da
Fronteira, e em algumas tipologias arquitetónicas, tais como o portal da Quinta do
Bonjardim (fig. 9), em Sintra, e o claustro do Convento de Cristo, em Tomar. Em suma,

187
ABREU, Susana. «Arquitecto, do Officio de Mestre das Obras». A introdução do título de Arquiteto
em Portugal: ambiguidades de uma questão em aberto - Parte I. História da arquitetura: perspetivas
temáticas, CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, Universidade
do Porto, Porto, 2018, pp. 329-331.
188
GRILO, Fernando. Andrea Sansovino e Nicolau Chanterene. As duas faces da introdução do
Renascimento em Portugal. Actas do Colóquio A arte da Península Ibérica ao tempo do Tratado de
Tordesilhas, 1994, p. 267.
189
“Os textos de maior impacto no Portugal renascentista do século XVI serão, porventura, os de
Sebastiano Serlio, presentes na generalidade das Casas religiosas e nas mãos da encomenda e da mão-
de-obra de prestígio.”: CRAVEIRO, Maria de Lurdes. A arquitetura “ao romano”. Arte Portuguesa da
Pré-História ao Século XX. Fubo Editores, Vila Nova de Gaia, 2009, p. 16.

85
a impressão foi o principal agente de mudança, que ao seu nível mais básico, tentou
impor um sistema de ordens, a partir de 1537, soltando uma infinidade de modelos que
desafiaram a sistematização e tornaram-se um ponto de entrada para o mundo da
Antiguidade (fig. 10), e importantes referências de transmissão que derivavam de uma
variedade de fontes desenhadas, entre elas as ordens dórica, jónica, coríntia, toscana e
compósita. Já a obra de Vignola permitiu ilustrar a teoria da arquitetura de tal forma que
se tornou mais fácil empregar as ordens clássicas e onde o novo método baseou-se
numa única unidade de medida denominada módulo.

Para além destes dois tratados, temos conhecimento que o tratado De re


aedificatoria de Alberti (1485) (fig. 11) surgiu em meados do século XVI em Portugal
com a edição latina de 1541190 e a edição italiana de 1565191, traduzida por André de
Resende, sendo que uma das cópias da primeira edição do tratado encontra-se
preservada na BNP, todavia nada se sabe sobre a sua proveniência ou antigos
proprietários.

Já o tratado De Architectura de Vitrúvio (fig. 12) influenciou intensamente os


artistas do Renascimento, primeiramente em Itália e só posteriormente, em França e
Espanha. Num instante, os arquitetos, Alberti, Palladio, Philibert de L’Orme, entre
outros, pleitearam-se por honrar a estrutura matemática da beleza, sobretudo sobre
questões relacionadas com as proporções dos monumentos que deviam resumir-se às do
homem, criado por Deus192 (fig. 13), refletindo a arquitetura da Antiguidade Clássica
“obra abrangente sobre construção, resultante da experiência e da reflexão (fabrica e
ratiocionatio), que estabelece normas pormenorizadas a ter presentes não só pelos
arquitectos como também pelos proprietários e pelos detentores dos poderes
públicos.”193, os conhecimentos sobre arquitetura e os raciocínios que lhe são inerentes.
O tratado de Vitrúvio não sendo renascentista foi descoberto ao longo da Idade Média, e

190
Os três exemplares da edição latina foram conservados no Mosteiro de São Vicente de Fora, na
Biblioteca das Necessidades e na Biblioteca Pública de Évora. MOREIRA, Rafael; RODRIGUES, Ana
Duarte. Tratados de Arte em Portugal, Lisboa, 2011, pp. 25-26.
191
A edição italiana traduzida por Cosino Bartoli era propriedade do Colégio de São Roque da
Companhia de Jesus. MOREIRA, Rafael; RODRIGUES, Ana Duarte. Tratados de Arte em Portugal,
Lisboa, 2011, p. 26.
192
DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento, Lisboa, 2021, p. 95.
193
MOREIRA, Rafael; RODRIGUES, Ana Duarte. Tratados de Arte em Portugal, Lisboa, 2011, p. 43.

86
essa foi a metodologia avançada por Leon Battista Alberti, que estabeleceu um rumo
teórico para transformar a prática artística e florescer o Renascimento194.

O estudo vitruviano figura como referência obrigatória pelo público em geral, e


como símbolo da arte da Antiguidade:

“«o mito da Antiguidade e o apelo à Antiguidade precedem a sua imitação: a


decisão de renovar não é o efeito, mas a premissa do ressurgir efectivo, vasto e
concertado do mundo clássico». O verdadeiro «antigo», mais do que o modelo a
copiar, deve ser «o estimulante de uma espécie de competição» que fazem
emergir a nova cultura. O Renascimento, ao inventar a consciência aguda da
rutura com o passado imediato, deseja principalmente afirmar em emergência e
a pujança criativa de uma nova cultura, de uma nova ordem visual e até de uma
nova tecnologia da comunicação.”195.

Posto isto, Pedro Nunes196 traduziu o tratado vitruviano em 1541 “em 1541 que
devemos atribuir a recepção em Portugal do De Architectura num contexto de teoria
das ciências matemáticas (…). É no De Architectura de Nunes, nos diagramas, plantas
e esquemas geográficos que a deviam ilustrar, e na sua “leitura científica” oposta à
“leitura artística” de artistas como Nicolau Chanterene, João de Ruão, Manuel Pires,
João e Diogo de Castilho e Torralva, que a arquitetura portuguesa realmente
construída a partir dos últimos anos da década de 40 do século XVI por homens como
Miguel de Arruda (…)”197. O manuscrito da tradução de Vitrúvio foi levado por Juan de
Herrera para Madrid, porém, como refere Manuel Justino Maciel nada se sabe do seu
paradeiro, poderá estar num arquivo espanhol, esquecido ou até mesmo encadernado de
forma anónima, como tantos outros manuscritos198.

A sensibilidade portuguesa apurou-se com a personalidade de Francisco de


Holanda (fig. 14), humanista, desenhador, aguarelista, iluminador, pintor, miniaturista,
que ocupou um lugar privilegiado na corte, e deteve conhecimento de um elite cultural e

194
ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos
descobrimentos, Lisboa, 2015, p. 171.
195
PEREIRA, Fernando António Baptista. O legado do Renascimento, Lisboa, 2000, p. 31.
196
Matemático e cosmógrafo-mor. MOREIRA, Rafael; RODRIGUES, Ana Duarte. Tratados de Arte em
Portugal, Lisboa, 2011, p. 60.
197
Idem, pp. 60-61.
198
Idem, p. 61.

87
de um círculo cortesão e humanista português que lhe permitiu ir, na comitiva do
embaixador D. Pedro de Mascarenhas, a Itália, em 1538, talvez por influência do
Infante D. Luís, a casa do qual Holanda pertencia como Moço de câmera, tomar
contacto com a Antiguidade, com o próprio Renascimento e os seus valores, e
relacionar-se e estabelecer contactos, que lhe proporcionaram conviver com Vittoria
Colonna e Michelangelo Buonarroti, o maior artista vivo do seu tempo:

“Esta Visão de Roma, completada com a arquitectura e a pintura, conduzem


Francisco de Holanda a um elogio permanente da Antiguidade e nos seus
Diálogos em Roma a repetir a famosa ideia das três idades da arte: «Há aí
grande diferença entre o antigo que é muitos anos antes que Nosso Senhor Jesus
Cristo encarnasse, na monarquia da Grécia e também na dos Romanos: e entre
o antigo a que chamo velho, que são as coisas que que se faziam no tempo velho
dos Reis de Castelo e Portugal. (…) Porque também aquele primeiro antigo é o
excelente e elegante; e este velho é péssimo e sem arte. E o que hoje se pinta,
onde se sabe pintar, que é somente em Itália, podemos-lhe também chamar
antigo sendo feito hoje em este dia.» É a famosa sequência do nascer-dormir-
acordar, este ano implícita na situação o estado velho da arte portuguesa.”199.

Escreveu extensivamente sobre a pintura como mãe de todas as arti del disegno,
e por isso também anotou algumas linhas sobre arquitetura, sendo o primeiro autor
renascentista a defender, numa base centrada na teoria, a atividade multifacetada do
arquiteto preeminentemente motivados e guiados pelo desenho.

Francisco de Holanda deslocou-se a Roma, e aí completou a sua formação


artística e intelectual. Em Roma foi apresentado como representante do Cardeal-Infante
o que lhe proporcionou o contacto direto com os círculos eruditos locais e com D.
Martinho de Portugal. O contacto que Francisco de Holanda estabeleceu com D. Miguel
da Silva permitiu-lhe conhecer Vittoria Colonna e Miguel Ângelo, que estima como seu
pai espiritual e artístico, cuja relação de amizade originou ao livro Diálogos com Miguel
Ângelo (Lisboa, 1549) do seu primeiro tratado, Da Pintura Antigua (1548)200.

199
MOREIRA, Rafael; RODRIGUES, Ana Duarte. Tratados de Arte em Portugal, Lisboa, 2011, pp. 90-
91.
200
“Nessa viagem viveu experiências únicas e fantásticas, que o transformariam num dos homens mais
cultos e cosmopolitas da sua época em Portugal, sendo um neoplatónico convicto e o primeiro tratadista

88
Ao regressar a Portugal, após a sua viagem a Itália, de ano e meio (de 1538 a
1540), Francisco de Holanda revestiu-se da importância da introdução da maniera
italiana e as influências de Miguel Ângelo, para além da coleções de desenhos e
gravuras que trouxe de Polidoro da Caravaggio, Marcantonio Raimondi, Ugo da Carpi,
Marco Dente, Agostino Veneziano e as mais recentes edições, nomeadamente de
Vitrúvio por Fra Giocondo, o De Sculpture, de Gauricus, as Cartas, de Aretino, a
tradução da História Natural, de Plínio, e a Divina Comédia, de Dante, o Livro IV do
tratado De Architettura, de Serlio, entre outros, todavia deteve pouca relevância na
introdução do Renascimento em Portugal “Se é passado o primeiro decénio do século
XVI que surgem em Portugal os primeiros sinais do novo estilo, só para muito mais
tarde se puder marcar a implantação de uma arte de orientação que nas Renascentista.
Este facto deve se tanto a persistência dum naturalismo de origem flamenga e da forma
do gótico tardio que foi o Manuelino, como ao gosto por um exotismo orientalista, fruto
das viagens marítimas, que se verifica também em toda a Europa depois da Embaixada
de D. Manuel a Leão X.”201, empreendeu a elaboração do tratado Da Pintura Antiga
(1548), seguido de Do Tirar pelo Natural (1549). Ambos os textos criticam a forma de
pintar, à flamenga, “sem razão nem arte”202.

À chegada a Portugal, Francisco de Holanda deparou-se com um gosto


generalizado pelas novas formas importadas de Itália, afirmação esta que coincide com
a implantação da arte do Renascimento em Portugal203, que até então analisava esta
situação com outro olhar, “Mas de uma cousa é infamado Spanha e Portugal; e esta é
que nem em Spanha nem em Portugal, não conhecem a pintura, nem fazem boa pintura;

a fazer a aplicação da Idea platónica à Teoria da Arte, tentando alargar as suas teorias a dimensões
universais, num verdadeiro espírito renascentista, dedicando inclusivamente um capítulo da Pintura
Antigua à arte do Novo Mundo e do Extremo Oriente.”: DESTERRO, Maria. Francisco de Campos
(c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres, Espanha e Portugal, Tomar, 2008, p. 184.
201
VILELA, José Stichini. Francisco de Holanda – Vida, Pensamento e Obra, Lisboa, 1982, pp. 15-16.
202
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002, p.
173.
203
“(…) eu fui o primeiro que n’este Reino louvei e apregoei ser perfeita a antiguidade, e não haver
outro primor nas obras, e isto em tempo que todos quasi querião zombar d’isso. (…) E o conhecer isto
me fez desejar de ir ver Roma, e quando d’ella tornei não conhecia esta terra, como quer que não achei
pedreiro ou pintor que não dixesse que o antigo (a que elles chamão modo de Itália) que esse levava a
tudo”: VILELA, José Stichini. Francisco de Holanda – Vida, Pensamento e Obra, Lisboa, 1982, pp. 40-
41.

89
nem tem seu honor a pintura. Definem-se, assim, três aspectos deste tema: o
desconhecimento do que seja «a boa pintura», ou seja, do estilo clássico; a inexistência
de artistas que o pratiquem; e, por fim, a desvantajosa posição da arte e dos artistas em
Portugal.”204, todavia tece duras críticas aos pintores portugueses, de grande nível, da
primeira metade do século XVI, pelo desconhecimento do primor da pintura antiga e
pela ausência dos modelos classicistas, situação equiparada à vivenciada e conhecida
por Holanda, em Itália, e referindo também que desconsiderava os modos de expressão
da pintura flamenga, que deteve real impacto na pintura portuguesa nas primeiras
décadas de quinhentos.

O valor que Francisco de Holanda tenta passar com o tratado Da Pintura Antiga
tem a ver com a sua reflexão e o seu posicionamento na História, a par da separação
rigorosa que estabelece entre o antigo e o velho, ou entre o antigo e o novo:

“os diversos problemas relacionados com a arte «antiga» renascida, único


caminho para a sua reabilitação no país. Esta intenção não se cansa o autor dia
afirmar nos dois prólogos e na conclusão do livro, além de várias outras
passagens, nomeadamente: «Posto que a minha tenção não era mais que
mostrar aos portugueses que stão muito alheios d’isso, que cousa é pintura, se é
arte, se ofício, se é cousa nobre ou inobre, se é com os a leve e ridícula, ou mui
gravíssima o intelectual, a qual dúvida não nasce não entre os engenhos inobres
e tristes; tudo havia já que a pena tomei na não, não me quero escusar de dar
mais alguns avisos e declaração n’esta arte, assi ao meu próprio natural, como
da experiência e studo que tenho da antiguidade; e isto não prometo eu de
maneira que ensine pintar a quem o não sabe, mas ao menos darei algum
conhecimento para se sentir a pintura, ainda que sou tido por de má condição, e
fallo de má vontade n’ella, e isto não de me desprezar d’esta arte virgula que eu
tenho por divina e decida da estrelas, como cuidão alguns, mas por quam
raramente se acha quem entenda a perfeição da pintura, nem inda d’aquelles
que o presumem e são d’ella officiaes”205.

Francisco de Holanda defende intrinsecamente a Antiguidade como modelo,


onde a primeira consequência da pintura do seu tempo resume-se à emergência de

204
Idem, p. 40.
205
VILELA, José Stichini. Francisco de Holanda – Vida, Pensamento e Obra, Lisboa, 1982, pp. 39-40.

90
valores e à dualidade existente entre boa e má pintura a ser praticada. Esta remissão de
valores é estabelecida na medida em que o moderno só será bom se tiver como
paradigma a presença do antigo, sendo que é a partir daqui que se fundamenta a teoria
da história do Renascimento, da mesma maneira que o ato de reconhecer a
proeminência da pintura de Itália será um dos seus resultados206, ou seja, esta ideia é
reforçada pela importância da Antiguidade e pelo protagonismo de Itália face à sua
redescoberta.

Afirma também que a pintura é uma atividade meramente realizada pelo


intelecto, e que procura as formas puras, mentais, em detrimento de uma atividade
manual, marcada pela sujidade dos materiais e dos processos laborais:

“Holanda insiste na analogia de Deus como pintor «Deos quando quis pintar
tudo o que vemos, como perfectissimo pintor, sobre a escuridade e trevas que
cobria o grão retauolo do mundo, começou logo com o claro, e por isto he mas
nobre o claro que o escuro». É por isso que Francisco de Holanda insisto na
importância da formação intelectual dos artistas, os quais deveriam ter uma
cultura sólida e diversificada nas letras, nas ciências, nas escrituras e nas
disciplinas próprias desta arte (geometria, perspectiva, matemática, etc.).”207.

A imprensa gráfica foi o principal agente para a transmissão de conhecimentos e


de ideias a partir da circulação da tratadística, situação essa que permitiu a cópia destes
e de tantos outros tratados impressos.

1.3.3. As novas linguagens: a pintura manuelina e joanina e o gosto italianizante

O Renascimento, em Portugal, encontra-se cronologicamente delimitado entre os


anos de 1450 e 1550, situação particularmente tardia comparativamente a outros países

206
RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo de Vasco
Fernandes (1500-1542). Dissertação de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra, vol. I, Coimbra, 2000, p. 35.
207
AFONSO, Luís Urbano. A pintura mural portuguesa entre o Gótico Internacional e o fim do
Renascimento: formas, significados, funções, Lisboa, 2009, p. 149.

91
europeus “A nossa cultura artística da segunda metade do século XV e do primeiro
terço do século XVI, porque tradicionalmente arreigada ao espírito do Gótico
internacional e aos modelos nórdicos, recebeu tardiamente também, e sob formas
difusas ou polémicas, o sopro classicista emanado da Itália da Renascença. Se o
pensamento humanístico florescente desenvolvia, em círculos restritos aliás, uma
produção cultural que assimilava tais valores, a actividade artística resistiu a esses
valores – fosse no seu património construído, que prolongava a lição do Outono
medieval através do brilhante ciclo do «Manuelino», fosse na pintura, na iluminura e
noutros sectores (…)”208, sendo que esta introdução baseou-se em diversos fatores: na
prorrogação do movimento literário entusiasta da Antiguidade; na evolução das riquezas
e da vida cortesã; e na vinda de artistas italianos e na ida de artistas da Península Ibérica
a Itália209.

A viragem do século XV para o século XVI favoreceu a emergência de


novidades artísticas e de singulares soluções criativas que até então não se vinham a
manifestar em Portugal, no campo da pintura e na instância singular do processo de
cada pintor, ou até mesmo da produção de cada oficina. A produção artística nacional
verificou-se durante os reinados de D. Manuel I (1495-1521) e D. João III (1521-1557),
sendo que aqui reconhece-se a força da expressão do manuelino-joanino que contou
com uma efêmera duração em Portugal, somente as duas primeiras décadas da centúria
de Quinhentos. Sem demora, a vitalidade desta expressão dissipou-se sem qualquer
manifestação de entrave às formas concorrentes da Renascença. Este súbito abandono à
vista das novas formas clarifica por que motivo as obras iniciadas dentro de uma
conceção manuelina são definidas de acordo com o gosto clássico, tendo como maior
exemplo a arquitetura dos Jerónimos210.

Este novo gosto que se impôs, na pintura portuguesa, entre 1500-1540, decorreu
de circunstâncias históricas, sobretudo com a subida ao trono de D. Manuel I, situação
essa, que determinou a rutura com o gosto dos seus antecessores, e consequentemente

208
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, pp. 32-33.
209
“Podemos acrescentar a menção dos italianos, aventureiros ao contatos, espanhóis, já educados ou
praticantes nos novos estilos, que entre nós estiveram em maioria na execução das obras renascentistas
dos primeiros tempos”: VILELA, José Stichini. Francisco de Holanda – Vida, Pensamento e Obra,
Lisboa, 1982, p. 16.
210
Idem, p. 19.

92
procurou-se o que de melhor se fazia na Europa, ou seja, um novo olhar sob a pintura
manuelino-joanino, um realismo da pintura do Norte da Europa pautado na produção
portuguesa, particularmente, em situações de grandes encomendas de corte ou de cariz
religioso211 e a vinda de pintores oriundos da Flandres, ou de regiões mais próximas, é a
prova de que o gosto estava a mudar, e sobretudo com as regiões que se estabeleciam
relações comerciais mais próximas.

A conjuntura económica e a política de ostentação e de exibição de grandeza


promovida por D. Manuel I geraram um ambiente que influenciou a importação, a partir
dos mercados do Norte da Europa, nomeadamente os Países Baixos meridionais, e o
começo de uma nova dinâmica de produção regional que impulsionou a pintura
portuguesa dos primeiros anos da centúria de quinhentos. A descoberta marítima teve
influência direta na linguagem expressiva do manuelino-joanino212, com o monarca D.
Manuel I que ordenou construir alguns monumentos de verdadeira beleza,
grandiosidade e originalidade de expressão, tendo como principais referências Batalha,
Tomar, Jerónimos, entre outros. A não esquecer que no tempo do monarca D. Manuel
Lisboa foi, uma das primeiras cidades do mundo civilizado, sobretudo pela sua
exuberância e suntuosidade213.

211
“1500, ano-chave do estabelecimento de uma espécie de «idade de ouro» manuelina, de largo
desafogo económico e condições excepcionais de exportação, tempo de perenidade da tradição artística
goticizante (não só na tipologia nas obras realizadas de arquitectura, escultura, pintura, iluminura,
ourivesaria, etc., mas também no quadro anónimo, corporativo e colectivista em que se situam muitos
dos seus praticantes), de reforço do papel das feitorias portuguesas do Norte, e em que se processa a
lenta mas eficaz abertura às novidades do classicismo all’antico difundidas, entretanto, pelo Humanismo
cristão de raiz italiana (através de mecenas como Frei Brás de Barros, D. Miguel da Silva, o Infante D.
Luis o Frei António de Lisboa na fase joanina), ciclo este de experimentação do antigo que tem na figura
do « rei-imperador» D. Manuel I, o Venturoso, o seu primeiro e principal agente empreendedor.”:
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002, p. 12.
212
“Este período de navegações e de empresas coloniais grandiosas é acompanhado de um
extraordinário incremento da vida artística, tão rica, completa e fulgurante termina uma era brilhante -
de curta duração é certo - em que Portugal pôde aspirar, no Universo, à hegemonia material e
espiritual.”: JIRMOUNSKY, Myron Malkiel. Pintura à sombra dos mosteiros. A pintura religiosa
portuguesa dos sécs. XV e XVI, Lisboa, 1957, p. 8.
213
“Era aqui que entravam em contacto as 3 grandes civilizações, diversas e originais: a simbolização
romano-gótica europeia, a civilização árabe - os restos do domínio mourisco - e a civilização hindu,

93
Já com a subida ao trono de D. João III, a nova conjuntura cultural procurará nos
modelos all’antico a sua linguagem, onde a referência visual deixa de ser a Flandres e
passará a ser o que então se apontava como “modo de Itália”. Efetivamente consistia
mais num conjunto de regras absorvidas por via literária, do que por via de uma
experiência visual regular, tal como se passava no seio das artes visuais em Itália. Os
motivos decorativos all’antico invadiram praticamente todas as áreas das artes, ao longo
da década de 1530, todavia na pintura careceram quase de modo completo
conhecimentos diretos, no entanto, em contrapartida, a arquitetura usufruiu dos tratados
e dos arquitetos com experiências e noções em meios classicistas. Isto não
impossibilitou a que os pintores portugueses fossem recetivos ao gosto, da nova
clientela relacionada com a corte humanista de D. João III214.

Este clima vivenciado no nosso país reforçou o número de encomendas de


pintura a oficinas portuguesas, o que significou a dinamização decorativa de novos e
renovados espaços de públicos, privados e de culto, sobretudo palácios e igrejas de
Portugal. O clima de euforia vivenciado no país generalizou-se devido às encomendas e
à aquisição de pinturas, todavia há que reconhecer que todo este processo implicava
verbas avultáveis para a obtenção das obras de arte, que decorriam, particularmente, das
custas da Coroa portuguesa.

O desenvolvimento desta nova linguagem expressiva revelou-se, inicialmente,


como novo elemento decorativo integrado pelas formas existentes, substituindo
paulatinamente a temática naturalista da decoração do manuelino-joanino ou
misturando-se com eles:

“Dentro do que geralmente se define por «estilo manuelino» conjuga-se, pois,


toda uma série de «rotas» artísticas que vão do tardo-gótico, sequencial do
gosto vernacular de construção quatrocentista, a ressaibos mudéjares,
platerescos e mesmo nórdicos, a novidades proto renascentistas italianas, a

trazida do outro lado dos oceanos. Este triplo cruzamento, realizado de maneira particularmente feliz na
arte monumental, na arquitetura, deixou um cunho singular na própria vida da capital.”: Idem, ibidem.
214
CANDEIAS, António; DIAS, Cristina; RODRIGUES, Dalila; CAETANO, Joaquim Oliveira; BRITO,
Joaquim Pais de; CARVALHO, José Alberto Seabra; MIRÃO, José; PIORRO, Luís; AFONSO, Luís
Afonso; REIS, Pedro Cabrita; VALADAS, Sara. Primitivos Portugueses 1450 – 1550 - O século de Nuno
Gonçalves, Lisboa, 2010, p. 25.

94
«motivos de retorno», inspirados no contacto com os modos de ver e sentir de
outros povos (Índia, África, Brasil)”215.

O gosto clássico demora a integrar-se totalmente na estrutura arquitetónica das


obras portuguesas, nomeadamente nas primeiras obras levadas a cabo no novo gosto
pelos arquitetos portugueses, tendo como caso exemplar a Igreja da Graça, em Évora,
que evidencia uma estética maneirista mais do que uma inspiração clássica216. No que
diz respeito à pintura só a partir do primeiro terço da centúria de Quinhentos é que a sua
singularidade estilística é quebrada a nível nacional pela inserção das propostas
provenientes de Itália217 (fig. 15).

Por outro lado Luís Urbano Afonso afirma que:

“o Manuelino não é mais do que uma vertente regional do Tardo-Gótico


(enquanto movimento europeu), pelo que em termos teóricos não faz muito
sentido diferenciá-los, ainda que a realidade empírica demonstre a utilidade
desta separação. Por outro lado, existe alguma hesitação na forma como se
evoluiu a partir dos paradigmas góticos para os paradigmas renascentistas,
uma vez que o valor «icónico» da representação dos santos (hieratismo,
frontalidade, isolamento face aos fundos, etc.) levou bastante tempo até ser
substituído por um maior naturalismo tipicamente renascentista, sobretudo nas
anatomias, nos gestos, nas roupagens e no tratamento dos fundos. Quando
estamos diante destas soluções, naturalmente, as pinturas em causa são obras
do Renascimento (…), ainda que tenhamos de entender este conceito de forma
muito elástica, (…), mais facilmente aplicado à decoração do que às figuras
humanos ou ao espaço.”218.

Durante este período áureo da pintura nacional, a primeira metade do século


XVI, sofreu algumas novidades estilísticas, nomeadamente em certos pintores, com

215
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002.
216
“É todo um problema de estudo da trajectória dos modelos artísticos, para considerar
individualmente em cada caso e em que seria necessário determinar os elementos que (…) resultam
apenas da inabilidade ou deficiente expressão estética que se queria, de facto, clássica. (…)”: VILELA,
José Stichini. Francisco de Holanda – Vida, Pensamento e Obra, Lisboa, 1982, p. 18.
217
Idem, ibidem.
218
AFONSO, Luís Urbano. A pintura mural portuguesa entre o Gótico Internacional e o fim do
Renascimento: formas, significados, funções, Lisboa, 2009, p. 90.

95
obra identificada e mais relevante, tendo como exemplo Cristóvão de Figueiredo,
Garcia Fernandes e Gregório Lopes, todavia importa referir que para além da oficina de
Lisboa existiram outras de real importância no panorama da produção nacional, como a
de Viseu, com Vasco Fernandes e Gaspar Vaz, com a de Évora, com Frei Carlos e como
a de Minho, com André de Padilha. O conjunto dos exemplares das grandes oficinas
portuguesas conjeturam o reconhecimento de um sentido de unidade e de uma
sobreposição de processos, entre pintores estabelecidos em determinado local ou nas
mesmas regiões e que preservaram colaborações mais ou menos incessantes, como é o
caso da obra de Gregório Lopes, próxima da do pintor Cristóvão de Figueiredo do que
da de Vasco Fernandes. Estes ditos conjuntos contêm a consequência de procedimentos
individuais e a singularmente declarada, no entanto, quando se fala em oficina de
Lisboa, evoca-se a dimensão coletiva de um ou mais núcleos ou a individualidade e
modos de expressão objetivos219.

Já a origem do italianismo na pintura quinhentista portuguesa advém de uma


fase obscurecida, todavia a produção artística saiu desta zona que foi menosprezada
injustamente ao longo dos séculos, tal como repara Adriano de Gusmão. O processo de
italianização não se encontra suficientemente esclarecido na historiografia artística
portuguesa, contudo a presença de elementos italianizantes denota-se nas primeiras
décadas do século XVI, sobretudo no campo figurativo da composição, o que mais
pormenoriza os fundos arquitetónicos.

No que diz respeito à arquitetura, esta aliou a última fase da arte gótica às
formas de expressão do Renascimento, numa aliança de formas diversas com elementos
nacionais, antigos e exóticos:

“A era do rei D. Manuel, período do pleno desabrochar das possibilidades


intelectuais, artísticas, políticas e materiais de Portugal, e ao mesmo tempo a
era da criação de um «estilo» original que não se exprime somente nos
monumentos da época, mas renova também e completa as obras do passado,
dando-lhes o aspecto tão característico deste período. Este estilo manuelino (a
expressão deve-se a Varnhagen, 1842) é interpretado diversamente na história
da arte: ora o consideram como um reflexo bastardo gótico espanhol do último

219
RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo de Vasco
Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000, p. 417.

96
período (Joaquim de Vasconcelos), ora como um ramo meio colonial da
«monstruosa» arte hindu introduzida na Europa (Haupt), ora como um produto
original do naturalismo nacional português (Ramalho Ortigão e Herculano),
ora, enfim, como um complexo invisível de todos esses elementos com um cunho
nítido da tradição mourisca (W. Crum Watson).”220.

Este novo programa iconográfico e de estrutura formal inspira-se nas soluções


construtivas e decorativas do gótico e do manuelino-joanino, em conjugação, com o
desenvolvimento da linguagem ao romano.

A pintura portuguesa revelou a abertura ao “modo d’Itália” com a viragem das


orientações tardo-góticas e de influência flamenga para uma recetividade ao classicismo
italiano, sendo que esta abertura ao classicismo italiano adveio do favorecimento à
mudança, principalmente graças à vinda de eruditos para Portugal e à viagem de uma
geração de letrados pela Europa, que frequentaram universidades estrangeiras, tais como
Damião de Góis, André de Resende, Diogo de Teive, entre outros 221.

Aqui já é possível identificar a mudança cultural que o reinado de D. João III, na


década de trinta, trouxe, uma rutura com o quadro cultural e ideológico da linguagem
expressiva do manuelino-joanino. Já a necessidade de novidades importadas conduziu a
pintura portuguesa a afastar-se de soluções criativas do Norte da Europa, sobretudo do
processo de flamenguização, de matriz flamenga (dos Países Baixos meridionais),
todavia esta matriz de contributo nórdico não desapareceu por completo, foi introduzida
em elementos de feição italianizante, e com a linguagem expressiva do Manuelino. Em
traços gerais, podemos entender esta nova linguagem, o Renascimento, como esquema
representativo, e até mesmo dotado de realidades europeias, Flandres e Itália, numa
realidade meramente nacional em busca da sua própria marca a nível de pensamento
artístico.

220
JIRMOUNSKY, Myron Malkiel. Pintura à sombra dos mosteiros. A pintura religiosa portuguesa dos
sécs. XV e XVI, Lisboa, 1957, pp. 23-24.
221
“(…) Portugal foi, no início do século, participante do movimento humanista que colocou em contacto
intelectuais de toda a Europa graças à universalidade da língua latina”: SANTOS, Helena. O pintor
Francisco João (act. 1563-1595): materiais e técnicas na pintura de cavalete em Évora na segunda
metade do século XVI. Dissertação de Doutoramento em Conservação e Restauro de Pintura apresentada à
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2012, p. 41.

97
Esta relação entre os dois processos, influência flamenga e italiana, ocorreu num
período cronológico reduzido, o primeiro nas três primeiras décadas de Quinhentos e o
segundo atuou prontamente numa inscrição e redimensionamento do outro. A título de
exemplo, designamos o percurso dos pintores da primeira geração manuelina Cristóvão
de Figueiredo e Vasco Fernandes favorável a este processo, cujas formações decorreram
no seio de um ambiente flamengo. Já os pintores, mais jovens, Gregório Lopes e Garcia
Fernandes dignificam o processo de italianização. Como se verá, este novo processo de
renovação irá operar em simultâneo com a difusão do Humanismo e com a afirmação e
valorização das formas artísticas renascentistas, a partir de diversos testemunhos
documentais, nomeadamente a tratadística e a gravura, que circulam de forma
generalizada pelo território português.

Com o reinado de D. João III foi notório a promoção e o esforço de uma


atualização ao nível intelectual e cultural do país a uma abertura ao classicismo italiano,
o que possibilitou a abertura aos ideais humanistas, de cariz erasmiano, associado à
redescoberta e ao impulso da cultura greco-latina, à valorização do ensino e do saber
livresco e ao favorecimento com a circulação de artistas e intelectuais humanistas, de
textos antigos, gravuras e obras de arte:

“Como se verá, não é difícil identificar, na viragem do séc. XV para o séc. XVI,
(…) a emergência de novidades artísticas, de novas soluções criativas,
relativamente ao que se vinha produzindo no País, no campo da pintura. Já
relativamente ao processo de italianização (…) é necessário atender também a
factores de natureza intrínseca. A necessidade de tornar mais penetrantes essas
novidades importadas parece ter conduzido a pintura portuguesa a uma
progressiva demarcação do contributo nórdico. Considerando que o processo
de construção representativa, de acordo com os pressupostos estéticos
importados dos Países Baixos meridionais, se desenvolve a partir do mundo
sensível e da visão natural – o que pressupõe uma centralidade dada ao
descritivo, uma atitude mimética do pintor –, o sentido de autonomia parece
decorrer como uma consequência inevitável. Quer isto também dizer que a
circunstância dos pintores passarem a incorporar elementos de feição

98
italianizante no campo figurativo não significa de modo algum que a matriz
nórdica tenha sido substituída pela italiana.”222.

Na década de trinta do século XVI, já é possível denotar o percurso de alguns


mestres que anseiam demonstrar em obra o desejo de modernização, quer dizer, uma
linguagem pictórica mais dinâmica através da expressividade das formas e das novas
soluções compositivas e espaciais. Este processo vagaroso de feição italianizante
realçou o interesse dos clientes eruditas e a extensão de fontes oriundas de Itália, mas
também a partir dos circuitos nórdicos, e muito menos dos ensaios inovadores na área
da arquitetura e da escultura. Como se verá a pintura, a construção do espaço pictórico
não deixou de revelar, de modo emblemático, a política de profunda mudança cultural
implicada com a com o reinado de D. João III, que quebrou com as relações ideológicas
da linguagem expressiva do Manuelino. Este novo processo de renovação trilhou um
caminho em paralelo com a difusão do Humanismo e a valorização das formas e
modelos artísticos da renascença italiana223. Ambos os processos beneficiaram de
distintos testemunhos documentais, entre eles plásticos e escritos, e da célere difusão
geográfica pelo território nacional.

Torna-se redutor afirmar que a pintura portuguesa do Renascimento era baseada


numa reprodução de modelos dos grandes centros artísticos europeus, e por isso
constatamos que a nossa pintura ainda se subjugou a uma tradição medieval da Igreja
sobre o uso da imagem, tal como denota Francisco de Holanda “Mostremos
primeiramente que cousa he esta ciencia que de que queremos tratar para sermos
melhor entendidos e digamos que cousa he a pintura, quanto ao que d’ella entendemos.
A pintura diria eu que era uma declaração do pensamento em obra vesivil e
contemplatiua, e segunda natureza. É imitação de Deos e da natureza prontíssima. É
mostra do que passou, e do que inda será. É imaginação grande que nos põe ante os
olhos aquilo que se cuidou tão secretamente da idea, mostrando o que se inda não viu,
nem foi por ventura, o qual é mais. É também ornamento e ajuda das obras diuinas e
naturaes, dando o aruor do homem que as raízes traz do ceo o maravilhoso fructo da

222
RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo de Vasco
Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000, p. 98.
223
Idem, p. 99.

99
pintura”224. A pintura aqui é compreendida como uma configuração visível do
pensamento e uma materialização da função da imagem que caminha para o sentido
intrínseco da ideia.

Já entre 1530-1540 a pintura portuguesa vivenciou a experiência tardia


renascentista comparativamente com o Quatroccento italiano, em paralelo com a forte
permanência flamenga que persistiu no tempo do século XVI. Já o sistema criativo
nacional beneficiou com a valorização da componente classicista italiana225, ainda que o
impacto nos modos de expressão dos nossos pintores tenha sido uma experiência de
caráter relativamente tardio, ganhando expressão a partir de 1530. O percurso de alguns
pintores portugueses presenteia um excelente exemplo da carência de interligar a
sensibilidade italianizante com as experiências que a precedem, a algumas históricas,
que se manifestam neste novo gosto e nas preferências da clientela.

No panorama nacional, Évora assumiu o papel de centro humanista por


excelência, que enuncia o gosto ao romano de D. João III. Até então a pintura
portuguesa não ostentava uma linguagem tão romanizada como a que é reconhecida por
pintores oriundos de outros países europeus “celebrados pella excelencia de sua
Arte”226, todavia Garcia Fernandes, Gregório Lopes e Vasco Fernandes espalharam bem
o sentido da evolução italianizante:

“Italianizámo-nos, sem dúvida, mas, em regra, sem uma subordinação perfeita


aos modelos italianos, ainda que num decidido caminho de modernização. Os
nossos artistas como que souberam, por instinto, incorporar, em certas
constantes tradicionais, a nova expressão cultural que seduzia quase toda a
Europa. Não já, bem entendido, a renascentista propriamente dita, que não

224
LOPES, Rui Oliveira. A função da imagem artística: segundo a tradição medieval da igreja e a prática
da pintura portuguesa do renascimento, Lisboa, 2007, p. 36.
225
“(…) O pintor inicia com esta obra um processo de autonomização crescente do seu estilo,
progressivamente mais aberto a modelos italianizantes com uma nova noção da importância da figura,
pelo seu isolamento, pela idealização dos modelos femininos e pela forma como os panejamentos se vão
moldar ao corpo.": CASIMIRO, Luís Alberto. Aspetos desconhecidos das pinturas portuguesas do
Renascimento, p. 199.
226
RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo de Vasco
Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000, p. 60.

100
recolhêramos em devido tempo, vinculados então aos flamengos, quem sabe se
para guardar o nosso próprio carácter.”227.

A adoção da nova linguagem manifestou-se na introdução de elementos


decorativos e nos fundos paisagísticos com arquiteturas renascentistas por alguns
pintores formados na oficina de Jorge Afonso:

“(…) pode afirmar-se que o processo de flamenguização assumiu o alcance de


uma ruptura – e os limites de averiguação são impostos pelo raro, heterogéneo
e enigmático corpus de pintura quatrocentista, e não pelo abundante corpus da
pintura quinhentista, fundamentalmente do tipo retabular –, enquanto o
processo de italianização não é alheio a um sentido de “normalização”, a um
certo “adensamento” das experiências anteriores, ainda que efective, com um
fulgor novo e uma outra sensibilidade, um momento de expressiva mudança. A
relação sequencial entre os dois processos e a circunstância de ambos
ocorrerem num período cronológico relativamente curto – o primeiro
sensivelmente nas três primeiras décadas de Quinhentos, e o segundo logo de
seguida – obriga a que um se inscreva e redimensione no outro, até pela
circunstância dos pintores que os protagonizam serem os mesmos ou, pelos
menos, os mesmos nos exemplos mais marcantes e expressivos que chegaram
até nós. A título de exemplo, o percurso de Cristóvão de Figueiredo e de Vasco
Fernandes, mestres da primeira geração manuelina, cuja formação decorreu no
âmbito de um ambiente de insuspeita flamenguização, ilustram essa relação
sequencial de uma forma paradigmática, ainda que o de Gregório Lopes e o de
Garcia Fernandes, mais jovens, e cuja obra ilustra com maior clareza, do que a
daqueles, a espessura do processo de italianização, não se desviem
substancialmente do mesmo quadro, isto é, de um reequacionamento sem
ruptura.”228.

A assimilação da modernidade italianizante parece ser um recurso de aquisição


de conhecimentos e experiência no campo da arquitetura na pintura, com uma faculdade
da qual se apodera o entendimento da construção representativa a partir do mundo real

227
SERRÃO, Vítor. A pintura maneirista em Portugal, Lisboa, 1991, p. 12.
228
RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo de Vasco
Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000, pp. 97-98.

101
ou imaginário, papel que cabe ao pintor provocar tal sensibilidade no que diz respeito à
introdução de classicismo italiano no panorama pictórico português de Quinhentos,
procurando rececioná-las através de soluções e formas compositivas e espaciais mais
arrojadas229. Esta mudança de gosto, que resultou da sua receção e desenvolvimento,
evidencia ser um dos resultados da diligência de modernização cultural que a sociedade
portuguesa se sujeitou ou da “batalha do Humanismo português que ferozmente se
travava no tempo”230.

Tal como refere Vítor Serrão “A nossa História da Arte tem insistido, por vezes,
na questão de uma pretensa falta de originalidade, sobre o ponto de vista compositivo,
do acervo de pintura produzido no território português, como se esse acervo tivesse
sido globalmente subvertido por uma totalitária dominação de modelos flamengos. Na
realidade, o que se verifica é que a produção pictural portuguesa (…) assumiu uma
determinante caracterização sui generis que melhor a individualiza como «escola» no
contexto da Europa coetânea. Se essa individualização foi condicionada, por exemplo,
pelo peso da gravura importada, tal deverá ser observado como um fenómeno alargado
e corrente de modernização das fontes utilizadas pelas oficinas e seus clientes.”231, ou
seja, a pintura portuguesa assumiu contornos originais enquanto «escola» artística
independente face aquilo que se produzia na restante Europa, todavia não fecha portas a
inspiração oriunda de outras zonas influentes, nomeadamente modelos flamengos e
italianizantes.

Por esta razão, há que encontrar referências basilares quer de cariz artístico e
cultural, quer do ponto de vista da forma, das ideias ou até mesmo da organização
formal de espaço e de composição pictórica, inclusive até ao segundo quartel do século
XVI, toda a pintura portuguesa espelha na sua execução plástica e nos valores
imagéticos sobre a qual foi criada, uma forte espiritualidade que orientou os nossos

229
“(…) para identificar objectivamente os factores que estão na origem do prestígio da arte italiana e
na emergência de uma nova sensibilidade artística são extraordinariamente escassos. Tal como sucedeu
na arquitectura, na escultura, na ourivesaria e nas demais formas de expressão (…)”: Idem, p. 137.
230
CAETANO, Joaquim Oliveira. Ao modo de Itália: a pintura portuguesa na idade do Humanismo. A
Pintura Maneirista em Portugal, (cat. exp.), Lisboa, 1995, p. 104.
231
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002, pp.
77-78.

102
artistas e a integridade oficinal em que foi conferida e elaborada232, sem esquecer a
linguagem renascentista que os nossos quiseram narrar sob temas devocionais233.

1.4 Os locais de aprendizagem e a importância dos mestres

Os primeiros trintas anos da centúria de quinhentos foram realmente operosos,


em que oficinas nacionais se ocupavam de colaborações e de discípulos, que laboravam
num sistema de parcerias, nas quais a entidade do pintor dilua-se conforme as
hierarquias234. Todavia importa ressalvar que a integração dos pintores portugueses em
trabalho oficinal advém de um esquema de aprendizagem e de trabalho de tradição
medieval, com as devidas obrigações gremiais que resultaram de uma associação
equiparada à dos oficiais mecânicos, durante a primeira metade do século XVI. Estes
pintores eram solicitados para concretizar diversas tarefas:

“eram executantes de retábulos de óleo, mas também douradores e estofadores


de imaginária e marcenaria (caso de Jorge Afonso), debuxadores de quadros,
de livros, de tapeçarias e de “divisas” nobres (caso de Cristóvão de
Figueiredo), examinadores de ofício nas suas várias modalidades, iluminadores
de nobiliários e missais, cartógrafos ou “pintores de cartas de marear”,
policromadores de arcos festivos ou caixas de esmolas, fresquistas de

232
SERRÃO, Vítor. A pintura maneirista em Portugal, Lisboa, 1991, p. 12.
233
“Até fins do século XVI, a semelhança desempenhou um papel construtivo no saber da cultura
ocidental. Foi ela que orientou em grande parte a exegese e a interpretação dos textos: foi ela que
organizou o jogo dos símbolos, permitiu conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de as
representar.”: FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas – uma arqueologia das ciências humanas,
Lisboa, 2002, p. 73.
234
“Por assim ser, o agrupamento dos pintores do período, segundo nexos geracionais (tanto mais que
se estabeleceram entre eles laços de parentesco significativo de um mundo corporativo, de algum modo
fechado e marcado por aprendizagens partilhadas) é um útil método de abordagem, apto a distinguir,
dentro de um aparente gosto unitário, aquilo que vão sendo contributos ou inovações de uma tradição do
goticismo tardio de uns para o partido mais classicizante de outros.”: PEREIRA, Paulo. Arte
Portuguesa. História Essencial, Lisboa, 2017, p. 475.

103
“grotesco” ou de figuras, decoradores de proas de navios, avaliadores de
retábulos, etc.(…)”.235.

Assim o ambiente laboral, em Portugal, reflete a continuidade de rígidos hábitos


de trabalho, ou seja, no espaço de um espírito anónimo, coletivista e gremial. Os
pintores de óleo figuram no Regimento dos Oficiais Mecânicos até ao ano de 1539, e
surgem equiparados ao campo artesanal, abrangendo os pintores de têmpera e de
dourado. Esta situação é bem expressiva pela escassa relevância que os pintores
detinham e pela continuidade das regras laborais de tradição medieval.

Em Portugal, o Regimento dos Oficiais Mecânicos “(…) continha aquelas


normas da profissão que se referiam à técnica do seu exercício, à moral social e à
disciplina interna do seu desempenho, ao exame dos candidatos a mestres, à instituição
das autoridades e à discriminação dos seus deveres”236 e elucidava, em certa medida,
as razões da uniformidade referente à execução e ao nivelamento de gostos, não só no
interior das oficinas, como também nas expressões pictóricas portuguesas do século
XVI. Este regulamento regia-se pela inspeção, realizada por juízes e examinadores
especiais, a todas as obras de pintura a óleo e a têmpera executadas a nível nacional:

“Esta inspecção devia realizar-se todos os meses com o direito e ainda a


obrigação (sob pena de sanções) de fazer parar todo o trabalho em desacordo
com a maneira e o gosto admitidos oficialmente. Conceda-se ainda uma certa
latitude as expressões e estilos por pouco individuais que sejam, uma inspecção
deste género impunha necessariamente uma estética obrigatória, um gosto
«comum» estabelecido rigidamente. Assim, o regime medieval das profissões,
compreendidas como corporações muito uniformes dominou sempre em
Portugal, pelo menos até ao fim do século XVI (e provavelmente mais tarde).
Mesmo a possibilidade do não-conformismo, da coexistência de escolas e de
estilos contrários, como os de um Tintoreto ou de um Correggio, com a sua
linha «aberta», opostos aos de um Miguel Ângelo ou de um Rafael, com a sua

235
PESTANA, Maria Isabel. Das coisas visíveis às invisíveis: contributos para o estudo da pintura
maneirista na Ilha da Madeira (1540-1620). Dissertação de Doutoramento em História da Arte da Época
Moderna apresentada à Universidade da Madeira, Funchal, 2004, p. 54.
236
SALGUEIRO, Joana. A pintura portuguesa quinhentista de Vasco Fernandes: estudo técnico e
conservativo do suporte. Dissertação de Doutoramento em Conservação de Pintura apresentada à
Universidade Católica Portuguesa, vol. I, Lisboa, 2012, p. 87.

104
linha «fechada» -estilos que esteticamente, se contradizem e não podem
harmonizar-se, - isto era totalmente impossível em Portugal.”237.

As soluções artísticas deste período da história da pintura portuguesa denotam as


características de cada mestre e a sua oficina, sob um processo de renovação criativo a
par das transformações socioculturais e das relações comerciais. Tal como refere
Manuel Batoréo é plausível admitir que nos reinados de D. Manuel e de D. João III
havia uma forte influência do Norte da Europa não apenas nos modelos estílicos e
técnicas de execução, mas também no modo de dispor o trabalho nos locais de
aprendizagem, sendo que esta afirmação pode ser pautada por uma vinda de pintores
flamengos a Portugal e uma vasta quantidade de encomendas de obras no Norte da
Europa238.

A primeira metade de Quinhentos vivenciou dois momentos transformadores a


nível sociocultural e de expressiva mudança, o processo de dominação de modelos
flamengos e o processo de italianização, que ocorreram durante um período curto: o
primeiro nas primeiras três décadas da centúria, e o segundo prontamente se manifestou.
Os pintores pelas circunstâncias, protagonizaram exemplos expressivos de uma
linguagem de matriz flamenga e de influência italiana. A título de exemplo, Cristóvão
de Figueiredo e Vasco Fernandes inscreveram-se na primeira geração primitiva de
mestres, cuja formação desenrolou-se num ambiente traduzido da flamenguização,
enquanto Gregório Lopes e Garcia Fernandes, pintores mais jovens, possuem uma
pintura italianizante.

O trabalho oficial em Portugal, no século XVI, resume-se a diversas «escolas»


cosmopolitas, como a de Lisboa, Coimbra e Évora (Espinheiro), e as oficinas regionais
localizadas em Viseu e Viana do Castelo, locais onde alguns pintores portugueses foram
formados com os mestres Jorge Afonso, em Lisboa, e Vasco Fernandes, em Viseu “O
papel das equipas, até nas obras dos maiores mestres foi muito mais importante do que
geral se pensa. Simplesmente, encontramos, noutros países, ao lado de pinturas
colectivas, quadros mais pessoais, dominados pela individualidade de um grande
mestre, datados, assinados, descritos nos documentos da época, reconhecidos pelos
237
JIRMOUNSKY, Myron Malkiel. Pintura à sombra dos mosteiros. A pintura religiosa portuguesa dos
sécs. XV e XVI, Lisboa, 1957, p. 38.
238
BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 30.

105
seus autores e que podem fornecer alguns pontos de referência para identificar o papel
dos seus criadores, até mesmo nas grandes obras colectivas.”239. As circunstâncias, em
Portugal, foram totalmente diferenciadoras, sendo que as morfologias arquitetónicas em
si, farão parte das influências recebidas por parte do pintor e da sua oficina ou da oficina
a que pertence, como veio a surgir com o caso das arquiteturas construídas, a verificar
nas relações estabelecidas entre pintor e arquiteto.

Todavia, em Portugal, com a facilidade de acesso ao auge do ofício, parece que a


solução para maiores empreitadas foi a agregação de pequenas oficinas, com os seus
discípulos. Com efeito, tudo leva a admitir que a ideologia portuguesa não criava
grandes problemas de concorrência, favorecia a pequena oficina com possantes
correlações plásticas, de aprendizagem, afeição e familiaridade, que distribuíam as
obras maiores, sem o invento de grandes oficinas ou ao recurso a um mercado mais ou
menos amplo de oficiais sem oficina. As oficinas mais solicitadas a nível de
encomendas operavam como locais de formação e de produção do seu tempo, e como
consequência, tiveram maior poder de irradiação pelo país, no que diz respeito aos
modelos compositivos que configuravam entre oficinas e mestres, adequando-se aos
gostos das clientelas. As técnicas empregues para a execução de uma obra, permitiram
alcançar e compreender momentos históricos, a partir de particularidades claras de
determinadas oficinas e dos regimentos dos ofícios que as dirigiam240.

Nas oficinas, o trabalho regulava-se por um conceito que derivava da


individualização e, mais tarde, da hierarquização onde imperava as empreitadas
conjuntas e os trabalhos executados em parceria, todavia, torna-se relevante afirmar que
eram escassas as obras firmadas, o que originava uma dificuldade em distinguir as
diversas mãos e as contribuições específicas de cada pintor.

239
JIRMOUNSKY, Myron Malkiel. Pintura à sombra dos mosteiros. A pintura religiosa portuguesa dos
sécs. XV e XVI, Lisboa, 1957, p. 32.
240
“um estatuto importante pela exigências de aprofundamento da história material destas obras, de
avaliação da sua planificação e construção primitivas necessariamente associadas à sua situação e
função originais ponto. E ainda, quanto à verificação, também nesses aspetos, de potenciais afinidades
ou diferenças recíprocas ou com outras obras da mesma época, abrindo por vistas quanto à
caracterização e individualização de práticas tradicionais de oficina que colaboravam na realização de
conjuntos retabulares”: SALGUEIRO, Joana. A pintura portuguesa quinhentista de Vasco Fernandes:
estudo técnico e conservativo do suporte, Lisboa, 2012, pp. 22-23.

106
Esta afirmação ocasionou que alguns historiadores reportassem uma obra a uma
determinada oficina ou parcerias, designação pautada pelo trabalho coletivo de diversos
pintores, e consequentemente realizado por várias mãos, que dificultou a identificação
segura dos seus intervenientes:

“O estudo do ambiente de trabalho vigente em Portugal (…) é essencial para


melhor se compreender o espírito das obras remanescentes e, também a fluida
identidade das diversas “escolas” cosmopolitas que, de Lisboa, trabalham, para
os quatro cantos do Império, muitas delas geradas no seio da oficina desse
enigmático Jorge Afonso. É caminho que persiste por decifrar e que no caso da
nebulosa Ferreirim se torna imperioso seguir: se Gregório Lopes (pintor e
cavaleiro da Ordem de Santiago, com obras absolutamente identificadas:
Charola do Convento de Cristo de Tomar, Santuário do Bom Jesus de
Valverde…) escapará com o seu estilo mais pessoalizado a esse panorama
geralmente colectivista, já as obras dos seus contemporâneos Garcia
Fernandes, Cristóvão de Figueiredo (…) e confundem muitas vezes entre si,
precisamente por agirem no quadro de rígidas “parcerias”.”241

A produção em oficina permitiu aplicar métodos e estratégias que possibilitaram


diminuir custos, para além das colaborações entre artistas. Os mestres recorriam ao
trabalho dos aprendizes, mas também à utilização de modelos recorrendo a coleções de
gravuras e desenhos, materiais fundamentais de trabalho, de modo a representar novos
géneros pictóricos. As gravuras detiveram um papel fundamental na pintura portuguesa
e europeia, e serviu de base como meio de difusão de conceitos, bem como no suscitar
aos artistas a ideia de que ao copiar qualquer gravura, esta serviria de aperfeiçoamento
da técnica. A cópia era considerada bem vista pela capacidade que o artista detinha em
seguir as novidades, ou até mesmo inovar a partir de determinada gravura que chegava
de fora.

Encontramos inúmeros quadros de vários gostos, e em paralelo, documentação


que revela diversos nomes de pintores cujas obras são desconhecidas, ou então não
atribuídas ao verdadeiro autor “Diversos documentos mencionam, por exemplo um

241
BATORÉO, Manuel; SERRÃO, Vítor. O retábulo de São Bartolomeu da Sé de Lisboa. Garcia
Fernandes numa obra de "Parceria”. in Garcia Fernandes. Um pintor do Renascimento eleitor da
Misericórdia de Lisboa, Lisboa, 1998, pp. 97-100.

107
Vasco Fernandes (…). Ainda hoje atribuem a esse mestre quadros de estilos muito
diferentes, de uma técnica notável em certos casos e de uma franqueza rudimentar
noutros, muito «flamingantes» umas vezes e de um estilo mais pessoal noutras, etc. A
despeito de toda a evolução possível em uma longa atividade artística, temos
dificuldades em reconhecer nessas obras a mão de um mesmo e único mestre. Não
esqueçamos que o artista pode mudar de estilo, mas não de temperamento. A mesma
observação deve ser feita quanto às obras atribuídas a um Jorge Afonso ou Francisco
Henriques, a um Gregório Lopes, a um Cristóvão de Figueiredo, etc. (…)”242.

Já o estatuto dos artesões estava dividido em três categorias: aprendiz, oficial e


mestre. Ao aprendiz, no decurso de instrução prática, era-lhe imposto noções de leitura,
escrita e aritmética e só depois entrava na oficina de um mestre. O aprendiz de pintura
completava os anos acordados no contrato, contudo a maioria terminava após três a seis
anos de aprendizagem, a realizar tarefas díspares na oficina do mestre que abrangia:

“tanto a moagem de tintas, como a preparação e engessamento das tábuas e


suportes, a ajuda ao mestre nas suas empreitadas, a técnica do óleo, da têmpera
e do fresco, mas também o dourado, policromia e estofo de imaginária, etc.”243
“por exemplo os pintores, começavam por aprender a preparar tintas e pincéis,
materiais de suporte, imprimir gravuras, passando só depois à aquisição de
conhecimentos de pintura propriamente ditos.”244 (figs. 16 e 17).

Os pintores, inicialmente, começavam por preparar tintas e pincéis, materiais de


suporte, imprimir gravura e só depois, adquiriam conhecimentos de pintura. O aprendiz
disponha no seu contrato, nome, naturalidade, morada e outros dados relativos à sua
pessoa, evidenciando tais particularidades, o seu valor, tempo de aprendizagem e a
vinculação de ambas as partes, no entanto eram tratados pelos seus mestres como
“prestadores de serviços”, onde incluíam os géneros de ajuda, para além da
aprendizagem profissional. Após terminar os anos de aprendizagem, o aprendiz era

242
JIRMOUNSKY, Myron Malkiel. Pintura à sombra dos mosteiros. A pintura religiosa portuguesa dos
sécs. XV e XVI, Lisboa, 1957, p. 33.
243
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002, p. 83.
244
DESTERRO, Maria Teresa. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres,
Espanha e Portugal, Tomar, 2008, p. 97.

108
submetido a um exame final245, não na oficina, mas sim, junto das “tendas” dos
mesteres, conforme diz o regimento, e se o superasse, poderia abrir a sua própria oficina
e ter os seus próprios aprendizes, ou então poderia continuar a trabalhar com o seu
mestre, em trabalhos de parceria ou como assalariado, adquirindo assim o estatuto de
oficial.

O pintor só ganha plena autonomia quando deixa de ser “obrigado” a frequentar


como aprendiz a oficina do mestre, contudo as dificuldades económicas dificultaram a
abertura de oficinas autónomas, situação confrontada pelos pintores portugueses do
século XV e XVI, e não só.

A gravura de Jan Collaert I246 (fig. 18) é um dos exemplos mais representativos
daquilo que seria um interior de uma oficina de um mestre, todavia é de ressalvar que a
maioria das oficinas detinham semelhanças à representada na imagem. Relativamente
ao caso português não detemos nenhuma informação referente à organização oficinal,
bem como às tarefas desempenhadas pelo aprendiz, oficial e mestre.

A respeito de uma obra encomendada à oficina, esta pode ficar ou não ao critério
do pintor dependendo do contrato estabelecido entre encomendante e pintor e, entre
outros fatores, tema, dimensões da obra, materiais a utilizar, o prazo de execução e as
datas de pagamento:

“O contrato assinado em 4 de Setembro de 1506 entre o bispo de Lamego e


Vasco Fernandes começa por indicar as medidas que os painéis deveriam ter e,
consequentemente, estabelecida os limites físicos de cada uma das pintura do
retábulo, assim como a sua disposição, de acordo com o programa iconográfico
determinado pelo bispo. O facto de estarem indicadas as dimensões e os temas a
tratar nas vinte tábuas do conjunto implica, desde logo, que o pintor teria de se
submeter a essas medidas e fazer as suas opções estilísticas e iconográficas em

245
O exame decorria em casa do juiz e o candidato a pintor tinha de levar uma tábua de quatro ou cinco
palmos em quadra, onde pintava a imagem que lhes era indicada, sendo desta forma colocadas à prova as
suas aptidões tanto em pintura, como em marcenaria. In SANTOS, Sofia Martins dos. Francisco Correia,
o mesmo nome para dois pintores maneiristas. Estudo artístico e técnico-material das suas obras,
documentadas e atribuídas, Lisboa, 2014, p. 61.
246
Gravura intitulada “New Inventions of Modern Times [Nova Reperta], The Invention of Oil Painting,
plate 14”, de c. 1600 do artista Jan Collaert I. In Search the Collection | The Metropolitan Museum of Art
(metmuseum.org).

109
função delas. Isto é, os debuxos prévios, ou as fontes gráficas utilizadas que as
apoiaram, teriam de obedecer não apenas a limitações físicas impostas pela
obra como, decorrente disto, a sua colocação e ângulos de observação.”247.

Se o tema da obra não ficar especificado em contrato, o pintor socorre-se da


tratadística, ou seja, como deve ser representado cada tema religioso e cada
personagem, da gravura ou dos frontispícios de livros, que serviam de modelo248.

Todavia importa salientar que a produção de encomendas é impulsionada pelas


circunstâncias do mercado religioso e aristocrático, não só na metrópole como também
nas “faixas do Magrebe, a costa africana, as ilhas atlânticas, a Índia, Malaca, o
Brasil.”249. Considera-se exemplo o trabalho que Garcia Fernandes realizou para a Sé
de Goa, tratando-se de uma obra além-mar, de notável importância, na afirmação de
Goa pelos portugueses, numa época em que a pintura era considerada símbolo de
propaganda e as oficinas nacionais cresciam a par da relevância da pintura, como meio
de instrução religiosa e como sinal ideológico do poder nacional.

Deste modo, compreender o clima de trabalho oficinal é deveras relevante para


os dias de hoje, a fim de estabelecer-mos uma noção factual sobre o caráter da pintura
portuguesa da primeira metade da centúria, comummente produzida no anonimato e no
coletivismo oficinal, que correspondia a uma marca de gostos dissemelhantes. O
trabalho em regime de parcerias, em que várias oficinas se reuniam era uma prática
comum para o cumprimento de uma empreitada, mas também a envolvência de mestres
regionais, como Frei Carlos e André de Padilha, com nomes mais marcantes da pintura
deste tempo, como Francisco Henriques, Vasco Fernandes, Gregório Lopes e Cristóvão
de Figueiredo. Assim, o estudo do ambiente oficinal em Portugal permite-nos
compreender a inspiração das obras como também a natural identidade das “escolas”

247
BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 26.
248
“A originalidade da representação não é um valor, como hoje. Por isso, não é de estranhar que, por
vezes, a um pintor seja encomendada uma obra igual a outra que já tinha realizado antes, ou que uma
obra, qualquer que seja o estatuto do seu autor, se materialize em mais do que um exemplar.”: CRUZ,
António João. A oficina do artista, ou as relações entre a ciência e a arte a propósito de uma imagem.
Revista Interacções, nº3, Instituto Politécnico de Santarém, Escola Superior de Educação, Santarém,
2006, pp. 90-91.
249
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002, p. 80.

110
cosmopolitas criadas no seio da oficina de Jorge Afonso e de outros mestres. O pintor
Gregório Lopes escapou com o seu estilo individual, de rasgos ondulantes e de
referências eruditas, já os demais pintores e seus contemporâneos, como Garcia
Fernandes e Cristóvão de Figueiredo, se confundem entre si, possivelmente devido a
ambos terem frequentado o mesmo ambiente de trabalho de Jorge Afonso.

111
2. AS REPRESENTAÇÕES DE ARQUITETURA NA PINTURA DO
RENASCIMENTO EM PORTUGAL. CASOS DE ESTUDO.

A importância do tema em epigrafe suscita como o conceito de Renascimento


nasceu e se estruturou na historiografia da arte portuguesa. No caso concreto português
e a sua aplicabilidade à pintura deste período, resulta da sua subordinação com o
classicismo da experiência artística italiana e a experiência artística flamenga, ou dos
seus empregos, independente destas especificidades, fundamentadas em diversos
critérios e vetores de estudo. Em torno destes dois fatores é exequível organizar esta
contribuição historiográfica dos sistemas criativos vigentes na Europa: a matriz de
origem nórdica, que abrange a definição comum de «Primitivos», que rotula os
dissemelhantes fenómenos artísticos, e à italiana, conexa ao conceito de
«Renascimento», como forma de ver e representar o mundo, sob o modo ideal de
representar a Antiguidade.

O Renascimento é designado, tanto por nós como por Gombrich, como


movimento artístico “Il est certain que la Renaissance (...) présent toutes
caractéristiques d’un mouvement. Elle a pénétré petit à petit les milieux les plus évolués
de la société et a eu une influence diverse mais inégale sur les comportments. Le
gothique tradif et le maniérisme, pour autant que je puisse en juger, n’étaient ni l’un ni
l’autre l’embleme d’un quelconque mouvement”250, isto é, uma tradução que alude à
oferta de sensibilidade italianizante, que ganha expressão a partir de 1530, tal como os
ensaios que a antecedem e aos que lhe são paralelos, e em alguns determinantes
históricos, baseados no gosto e nas preferências da clientela. Esta relação cruza o
movimento artístico e a valorização de uma abordagem centrada nos planos fundeiros
de um conjunto de pinturas portuguesas, com a finalidade de definir as dominantes
representações arquitetónicas e os diversos modos de aplicabilidade compositivas.

Em Portugal, o gosto da clientela culta, aberta a uma cultura renascentista


permitiu fundar uma pintura de evolução natural da escola manuelina sob características
da pintura portuguesa do século XVI, como paisagens, fundos azulados e cuidados no
tratamento dos panejamentos, e de grande ecletismo e versatilidade manifestada nos

250
GOMBRICH, Ernst Hans. En quête de l’histoire culturelle. Gerard Monfort, 1992, pp. 61-62.

112
fundos arquitetónicos dos planos fundeiros, que até então eram condicionados pelo
convencionalidade imposto pela Igreja e que por norma era estipulado em contratos a
iconografia de temática religiosa nas composições pictóricas.

Neste sentido, é essencial a temática, arquiteturas fundeiras aplicadas na pintura,


que compreende o fenómeno artístico vivenciado no Renascimento português. Aqui
procurámos selecionar um corpus artístico de diversos pintores e estudar aspetos
relacionados com os fundos de arquitetura e de paisagem neles presente, de modo a
compreender melhor as fontes de inspiração e os processos de criação que os pintores
utilizaram para construir um espaço arquitetónico nas suas obras. No seguimento desta
prática de estudo, indicamos os casos de estudo selecionados: Menino Jesus entre os
Doutores (1520-1530) (fig. 31), de Cristóvão de Figueiredo, Chegada das Relíquias de
Santa Auta (c. 1522) (fig. 34), de Gregório Lopes, Os Santos Mártires de Lisboa (1530)
(fig. 55), de Garcia Fernandes, Nossa Senhora da Misericórdia (1535-1536) (fig. 65),
de André de Padilha, Cristo em casa de Marta e Maria (1535-1540) (fig. 72), de Vasco
Fernandes, e Martírio de São Sebastião (1536-1538) (fig. 92), de Gregório Lopes,
porém, importa referir que no decorrer da investigação introduziremos outras obras que
patenteiam um vocabulário arquitetónico de interesse, para o estudo em questão.

Segundo Reynaldo dos Santos (1959) a representação da paisagem na pintura


portuguesa de Quinhentos é analisada como uma atualizada revisão desse estudo, o que
nos possibilita excluir determinadas zonas de paisagem e arquiteturas, que desconexos
do tema principal, melhor assinalam o formato da conceção original251, ou seja, os
pintores desta centúria distinguem-se pelo enquadramento que respeita o grande sentido
de individualidade. Esta característica é notada pelo sentido de liberdade criadora, nas
figuras tratadas e na utilidade de planos arquitetónicos, de excelente perspetiva, que
ambientam todo um cenário de notáveis arquiteturas dos planos fundeiros, planos esses,
que maioritariamente, se relacionam e criam afinidades, intercalando, até, diferentes
gostos em diferentes edifícios numa só cena de influência flamenga e italiana, tendo
como maior exemplo as obras: Santa Margarida e Santa Maria Madalena (c. 1520)
(fig. 19), que pertence ao retábulo do Paraíso, de Gregório Lopes, que dignifica uma

251
“Passam assim a constituir pequenos quadros, verdadeiras surpresas valorizadas pela autonomia que
a reprodução do pormenor lhes confere”: SANTOS, Reynaldo dos. A Paisagem e o Naturalismo dos
Segundos Planos nos Primitivos Portugueses. Colóquio, Revista de Artes e Letras. Vols. 5-6, 1959, pp. 1-
23.

113
cidade acastelada, com edifícios de diferentes tipologias, salientando este um
paisagismo através de sfumatos, S. Pedro (c. 1529), de Vasco Fernandes (fig. 20), que
ilustra uma cidade, também ela amuralhada, e Santo António Pregando aos Peixes (c.
1535-1540), que é definida por um enquadramento arquitetónico, marcado, do lado
direito, por uma arcaria gótica, ao fundo, por um edifício profundamente renascentista
(fig. 21) e ao lado desse edifício, sobressai uma janela de gosto mudéjar (fig. 22).

Contudo, Sónia Azambuja considera que existem cinco tipologias de paisagens


aplicadas à pintura portuguesa do século XVI: paisagem de símbolos, paisagem
fantástica, paisagem ideal, paisagem de factos e paisagem real (ar livre). A paisagem de
símbolos é caracterizada como essencialmente simbólica, influenciada pela ideia do
Jardim do Éden, onde surgem montanhas, fundos rochosos, florestas, entre outros (fig.
23). A paisagem fantástica remete-nos ao fantástico e ao misterioso, assinalando a
tradição bizantina das rochas recortadas e a tradição do Norte da Europa das árvores
retorcidas, todavia importa referir que as viagens, a época dos Descobrimentos, o Novo
Mundo, tiveram impacto nesta tipologia de paisagem (fig. 24), com a introdução de uma
arte reveladora do Novo Mundo, numa aliança entre as ciências, a fauna e flora, e as
artes. A paisagem ideal está intimamente ligada à tipologia de paisagem de símbolos,
devido à ideia da harmonia utópica entre o Homem e a natureza e onde a idealização da
natureza é inspirada na poesia, ut pictura poesis (fig. 25). A paisagem de factos é mais
factual e menos inventiva, todavia de maior realismo e de maior atenção à paisagem,
através da pintura ao ar livre (fig. 26). Esta tipologia é influenciada pela iluminura da
Escola Flamenga, pela utilização da câmara escura e pela ilustração científica da
paisagem, fauna e flora. A paisagem real corresponde ao desenho ao ar livre de
paisagens reais, transpostas, posteriormente, para fólios iluminados e pintura retabular e
de cavalete, sendo que no âmbito da pintura retabular, a arte portuguesa do século XVI
revela originalidade na procura de soluções plásticas e no conjunto de conhecimentos e
modelos, embora as fontes artística sugestionem os modelos do Norte da Europa,
sobretudo de Bruges e Antuérpia, e as formas iconográficas de composição seguem a
ser várias vezes as das xilogravuras alemãs e flamengas252.

Importa referir que as práticas arquitetónicas portuguesas, até à data de 1550,


eram solidárias com os métodos empregues pelos arquitetos italianos. Estes métodos

252
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal: O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002, p. 87.

114
eram apreendidos através de livros impressos (com elementos gravados) e gravuras, tal
como testemunham as dezenas de tratados de arquitetura e não só, muitos livros do final
do século XV e sobretudo da primeira metade do século XVI apresentam páginas com
gravuras e iluminuras com elementos arquitetónicos, sobretudo elementos decorativos e
portadas.

Estes livros impressos e gravuras são maioritariamente oriundos de Itália, sendo


que a generalidade dos mesmos encontram-se, hoje, guardados nas bibliotecas
portuguesas. Todavia, é de ressalvar o livro impresso Livro de Horas de D. Manuel253,
cronologicamente balizado entre 1495 e 1557254, tomando como alusões à aclamação de
D. Manuel e à morte de D. João III, podendo integrar esta obra no período mais rico da
iluminura portuguesa, de inspiração ganto-brugense255 dos seus temas, tal como afirma
Reynaldo dos Santos e Adriano de Gusmão256 “Somos (…) levados a concluir que pelas
iluminuras do Livro de Horas dito de D. Manuel perpassem influências, que partindo
do dealbar do Renascimento, terminam na pujança da 1.ª geração maneirista (…)”257.
Quanto às cenas, estas podem ser alusivas às atividades dos meses, cenas da bíblia,
nomeadamente os santos, as suas vidas e martírios, e na decoração de algumas tarjas,
onde encontramos elementos fitomórficos, zoomórficos, arquitetónicos e decorativos.

253
“Da importância de António de Hollanda como principal artista do Livro de Horas dito de D.
Manuel, embora não considerado como autor único, nos falam os documentos. (…) a produção de
António de Hollanda poderá realmente contribuir para um melhor conhecimento da sua colaboração no
principal Livro de Horas saído, na 1.ª metade do século XVI, de uma oficina marcadamente portuguesa,
embora subsidiária da escola ganto-burgense onde, provavelmente, Hollanda terá feito a sua
aprendizagem antes de rumar para Portugal, num período fértil de contactos luso-flamengos.”:
MARKL, Dagoberto. Livro de Horas de D. Manuel. Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1983,
pp. 46-47.
254
“Durante estes 62 anos, são recenseáveis, contando com os forais, as cartas de nobreza, os
compromissos das Misericórdias, e os exemplares cartográficos, centenas de trabalhos de iluminura,
com maior ou menor grau de perfeição, mais ou menos inspirados nas oficinas lisboetas.”: Idem, p. 11.
255
“Maria Alice Beaumont (…) escreve (…) «O grande centro de produção dos Livros de Horas foi, a
partir do século XV, o norte de França e a Flandres. Daí o estabelecerem-se em certas páginas,
sobretudo nas do calendário, modelos mais ou menos seguidos. Não admira portanto, dadas as nossas
estreitas relações culturais e comerciais com a Flandres, que, vindos para Portugal muitos Livros de
Horas flamengos, aqueles que eram feitos e iluminados no nosso país se inspirassem nesses
protótipos».”: Idem, p. 14.
256
Idem, ibidem.
257
Idem, p. 47.

115
A questão mais levantada aqui é por que razão o Livro de Horas é
tradicionalmente como pertencente a D. Manuel. José de Figueiredo afirma que temos
de colocar a feitura do livro em 1538258, contudo esta declaração torna-se discutível. No
decorrer do estudo realizado por Dagoberto Markl indica-se a data de 1517259,
reconhecida por Ramalho Ortigão, como início das Horas ditas de D. Manuel, e o
período de feitura acabado por volta de 1538, todavia “(…) mas que começava em 1517,
e isso em virtude desta última data figurar nas duas iluminuras com que abre o Livro e
ilustram a parte relativa ao cálculo do número áureo e da letra dominical. (…) Assim, e
nada tendo com a sua realização a data de 1517, o que se conclui é que o livro deve ter
sido encomendado dentro do quarto decénio do século XVI e terminado no começo do
decénio seguinte.”. Em consequência desta afirmação, alguns historiadores sustentam a
ideia de que a feitura do livro tenha sido terminada em 1551260, pela última cena que
ilustra o Ofício dos Mortos (fólio 130) (fig. 27), cena essa que está intimamente
relacionada com as cerimónias fúnebres, enterro e transladação dos restos mortais de D.
Manuel I para o Mosteiro dos Jerónimos, em 1551. À vista desta declaração, a obra terá
sido concluída no reinado de D. João III (1521-1557), filho e sucessor de D. Manuel.

Já as primeiras edições dos tratados de Vitrúvio e Alberti que expunham os


fundamentos da disciplina acompanharam o início do reinado de D. Manuel I, todavia
fora no reinado de D. João III que as edições de Vitrúvio se multiplicaram,
possibilitando um maior entendimento de certos conceitos difíceis de apreender sem
qualquer apoio visual, tendo ainda em conta fatores como a ordem, o decorum, a
harmonia utilitária e o equilíbrio, como parte integrante do regulamento arquitetónico e
dos princípios racionais do tratamento dos materiais e das técnicas construtivas
(capítulo 1.3.2).

258
“(…) O facto de se ver nele o enterro de D. Manuel bastava para o darmos como feito após a morte
desse monarca, falecido em Dezembro de 1521. Essa data tem porém de ser trazida para depois daquele
ano, visto algumas moedas que se vêem na «Adoração dos Magos» terem sido cunhadas em 1538», e
mais adiante, «Para quem foi feito este Livro de Horas? (…) Não é também fácil dizê-lo, embora o facto
da iluminura do Paço da Ribeira servir para enquadrar e ilustrar o começo do Evangelho de S. João,
com que abre a parte comum do Livro, torne plausível a hipótese de este ter sido feito para D. João III,
ou quem sabe se mesmo para o filho, o Príncipe D. João, nascido em Évora a 3 de Junho de 1537. Esta
última hipótese é talvez mesmo a mais provável».”: Idem, p. 15.
259
Idem, p. 55.
260
MatrizNet (dgpc.pt)

116
Para além destas duas referências, torna-se relevante mencionar que o manual
Medidas del Romano de Diego de Sagredo e o livro de Sebastiano Serlio detiveram
importância em Portugal, nomeadamente na divulgação das mais notáveis antiguidades
romanas e na explicação da aplicabilidade do sistema arquitetónico clássico em novos
edifícios. Estes tratados estimularam o gosto pela cópia dos antigos ao “modo de Itália”
e ajudaram ao progressivo abandono das formas goticizantes do Manuelino, que
perduraram até às primeiras décadas do reinado de D. João III. Ou seja, a tratadística
impulsionou a aprendizagem do architectus vitruviano ou a versão moderna de Alberti,
e até mesmo da geração seguinte que impulsionou uma arquitetura de detalhes formais e
técnicos ao “modo de Itália”261 (capítulo 1.3.2).

A interpretação das representações fundeiras como desenho são elaboradas de


um modo mais pessoal, o que evidência o quanto o pintor denota o caráter da arquitetura
como conceção do espaço e a sua representação fundeira, fator inerente na grande parte
dos artistas de Quinhentos, que através da produção pictórica tentam ir além do
produzido pelo arquiteto, isto significa que a forma como projetam estas edificações
será modificada, numa tentativa de evolução face aos modelos até então apresentados,
sendo que estes “pintores-arquitetos”, de forma livre e complexa, alteram as formas
arquitetónicas, o que implica a uma difícil reprodução fiel e real à construída
pictoricamente, pelas suas formas labirínticas de que estes pintores começam a
patentear nos seus planos fundeiros (capítulo 2.3). Deste modo, os pintores auxiliavam-
se dos fundos arquitetónicos como forma de modernidade, pelo facto que, na maioria
dos programas pictóricos dos contratos existentes para os fundos de arquitetura não
estabelecerem quais os temas ou critérios representativos a seguir, nos planos fundeiros
da composição, tendo como exemplo o contrato celebrado entre Bartolomeu Fernandes
e Bartolomeu de Paiva, em 1518 “e os ditos quadrros sserram pimtados de artesoes
bem feitos e bem aleuamtados e os uãos sserram de azull fino e demtrro huma rrosa de
pemtura e asy pimtarra o emtauolamento todo arredor de huma crraraboia e os campos

261
“Com as possibilidades abertas pela perspectiva, a capacidade de representar os diversos tempos de
uma istoria no espaço de representação pareciam infinitas. E assim veio a acontecer, logo no arranque
da experiência renascentista, tanto na Itália (…), como na Flandres (…)”: AZAMBUJA, Sónia Talhé.
Plantas, Animais e Paisagem: da iconografia à iconologia na pintura dos séculos XV e XVI em Portugal,
Lisboa, 2021, p. 33.

117
azues de azull fino”262, que na sua generalidade apenas se preocupa com as cores, figura
humana e tratamento dos panejamentos, deixando para trás, qualquer alusão aos
pormenores das arquiteturas fundeiras, todavia, na realidade, embora, em número
reduzido de contratos, existe a referência relativamente ao que deve ser pintado nos
fundos de pintura. Aqui, a descrição de “campos” corresponde aos planos fundeiros, de
arquitetura e de paisagem, que dignificam a cena principal.

Tal como refere Carlos Ruão, foi a partir da publicação do «Medidas del
Romano» que o termo «arquitecto» se tornou conhecido por toda a Península Ibérica263.

Já a gravura deteve um papel primordial na representação da arquitetura nos


fundos da pintura do Renascimento em Portugal, não só pelo primado da sua difusão
como pelos contactos obtidos entre os pintores e gravadores face aos modelos artísticos
italo-flamengos e franco-germânicos, desse modo, é passível de se verificar um
progressivo aumento expressivo de modernização por parte de alguns mestres, que se
verte no subterfúgio de uma linguagem artística que se baseia em novas soluções
compositivas e espaciais (capítulo 1.3.1). Paralelamente a esta modernização, os mestres
permaneceram atentos aos incitamentos de uma clientela erudita, à ampliação das fontes
que os circundavam e inspiravam, umas diretamente de Itália, e outras subjugadamente,
a partir dos circuitos nórdicos, e aos ensaios modernos que lhes eram alheios no campo
da arquitetura e da escultura264.

262
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 93.
263
RUÃO, Carlos. O Eupalinos Moderno Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal (1550-
1640). Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
policopiada, Coimbra, 2006, p. 114.
264
“Pelos anos trinta do séc. XVI, é já possível identificar no percurso de alguns mestres um expressivo
desejo de modernização, que se traduz no recurso a uma linguagem mais ousada, quer dizer, fundada
numa concepção dominantemente expressiva da forma e no recurso a novas soluções compositivas e
espaciais. A este processo de lentas sedimentações, em grande parte traduzidas em ensaios tímidos de
novas experiências criativas, não foram seguramente alheios os estímulos de uma clientela erudita, o
alargamento de fontes inspirativas (directamente de Itália, mas também, e talvez dominantemente, a
partir dos já tradicionais circuitos nórdicos), e muito menos as experiências inovadoras no campo da
arquitectura e da escultura.”: PEREIRA, Fernando António Baptista. O legado do Renascimento,
Lisboa, 2000, p. 99.

118
Esta assimilação dos artistas flamengos do gosto all’antico, permitiu que os
pintores portugueses optassem por construir os seus próprios ideais compositivos,
influenciados pelas fontes de essência decorativa no campo da arquitetura.
Paralelamente, ao campo das gravuras, a influência da tratadística e dos desenhos
superou o imaginado face ao estudado por diversos pintores e arquitetos que
teoricamente funcionam como imagem e como novos critérios construtivos, que mais
tarde, irão ser construídos pictoricamente, e que se pode considerar como experimental
ou imaginado, de renovação construtiva, atingindo uma arquitetura totalmente real e
contruída. Contudo, só alguns pintores portugueses conseguiram esta adequação dos
fundos arquitetónicos nesta nova realidade da arquitetura pintada, onde é manifestada
sob uma maior versatilidade para a cena principal da composição, feito direto da
liberdade triunfal que os pintores detiveram na construção do espaço compositivo e na
inserção de elementos arquitetónicos e escultóricos no campo pictural.

A arte do Portugal manuelino-joanino caminhou no sentido da criatividade e


originalidade face ao experienciado no Norte da Europa, e muitos dos gravados são
provenientes da feitoria de Antuérpia, local donde deriva as composições de Albrecht
Dürer. Porém, importa ressalvar, que a ação mecenática de D. Isabel de Portugal,
duquesa da Borgonha e condessa da Flandres (1397-1471), refletiu o modo
determinante como a corte introduziu as novidades no campo cultural, artístico ou
político, e sem esquecer, para o facto de enviar para Portugal peças de notável
qualidade, após recorrer a artistas e a obras que detinha à sua disposição, circunstância
essa, que desempenhou um papel preponderante na formação do gosto ao modo da
Flandres na corte portuguesa de quinhentos. Isso mesmo refere Maria João Grilo
quando refere que:

“No seu tempo, toda a Europa culta conhecia, admirava e adquiria pintura,
cujo realismo era louvado, livros iluminados, somente igualados pelos italianos
(…) Outro sector da produção artística e cultural da Flandres que contribuiu de
um modo evidente para o prestígio da região foi a produção de livros ricamente
iluminados.”265.

265
GARCÍA, Bernardo José; GRILO, Fernando. Ao modo da Flandres: disponibilidade, inovação e
mercado da arte na época dos Descobrimentos (1415-1580). Actas do Congresso Internacional,
Universidade de Lisboa e Fundación de Carlos Amberes, 2005, pp. 83-84.

119
Todavia, a feitoria portuguesa em Antuérpia deteve uma enorme influência na
articulação com o comércio português com o Norte da Europa, desde 1411 até ao
encerramento da mesma por D. João III, em 1549: “o tempo do Renascimento
correspondeu economicamente a tempos difíceis e o investimento na cultura e na arte
foi um risco assumido. Há que saber decifrar o tempo em que as competências culturais
e artísticas mais se evidenciam, o ritmo a que se expandem, a linguagem artística
escolhida.”266, sendo que a evolução e a vontade artística explicam a relação do
mecenatismo, a nível individual e de grupo com os portugueses, bem como os contactos
que se estenderam com Albrecht Dürer, numa tradição à novidade, exprimindo a riqueza
de uma época, disseminando o gosto e a arte flamenga no Portugal dos Descobrimentos.
Nesta época encomendavam-se peças de ourivesaria ou de matais preciosos, tecidos
para vestuário ou para decoração, tapeçarias, pinturas, esculturas e livros iluminados267.

O mecenato de portugueses em Antuérpia estava intimamente relacionado com a


origem social dos membros da comunidade que o praticavam, nomeadamente de cariz
aristocrático e principesco, sendo que é exercido por homens de confiança régia que
ocupavam os altos cargos da feitoria, e que atuavam em nome do monarca português. E
consequentemente, acentua-se o caráter mercantil, num sentido de preferências e gostos
que adquirem no seu percurso social, numa vertente e forma de ver a arte influenciada
pela atividade comercial. Este gosto difundiu-se e refletiu-se na vida da restante
sociedade que passa a encomendar e adquirir obras de arte, uma realidade
eminentemente vivenciada na Flandres.

Olhar para a arquitetura na pintura é separar aquilo que é uma arquitetura real de
uma arquitetura imaginada, sendo que as pessoas preferem que os fundos sejam tratados
com representações não reais, segundo um conjunto de sentidos e de valores que não
são parecidos aos de Itália nem aos da Flandres, e inclusive existe em Portugal um
conjunto relativo de pintura flamenga comparativamente à italiana, que é parca, todavia
sobrevalorizada. Os retábulos flamengos completavam o discurso religioso, político e
mitográficos, num sentido de arte pública, destinada a uma comunidade social, e nesse
sentido, seduzir pela emoção e pelos sentidos, numa prática de representação de fundos
arquitetura e paisagem que a comunidade não tinha conhecimento nem tinha visualizado
“Talvez seja, por conseguinte, verdade, ao invés do que foi afirmado, que se aderia à
266
Idem, p. 51.
267
Idem, p. 170.

120
Flandres por ostentação e à Itália por devoção.”268. Na altura não se tinha
conhecimento disso, mas a arte da Flandres era denominada como pináculo da
expressão artística em Portugal, ou seja, o gosto era dominantemente flamengo, à
maneira da Flandres, e onde a presença da pintura italiana era declinada quase por
completo, tendo como maior exemplo o políptico de Lamego (c.1506-1511) (fig. 28), de
Vasco Fernandes, onde se observa a influência flamenga bem patente, todavia com um
ou outro motivo nacional e com alguns reflexos de um italianismo aceite por via
indireta269, dando primazia, por parte dos pintores portugueses, à reprodução de cenários
flamengos, que eram copiados, maioritariamente, de desenhos ou estampas adquiridos
ou pertencentes aos seus mestres, para compor e adaptar às figurações desejadas ou às
necessidade das encomendas:

“As pinturas de Vasco Fernandes são, mais que um testemunho da estética


quinhentista (…) reflecte ainda muitas outras realidades portuguesas do tempo,
por balança entre as influências da Flandres, onde tanto comprávamos e para
onde tanto vendíamos, e da Itália, referência obsessiva dos humanistas e
intelectuais fascinados pelos fumos da Renascença, ao mesmo tempo que
retratava as gentes e as paisagens rudes dos seus próprios horizontes.
Acompanhou as mudanças no gosto em Portugal e nos principais centros
eruditos da Europa (…)”270.

Aqui, a influência italianizante é compreendida como moderna, mas também de


vanguarda, todavia a prática artística portuguesa não é tão vanguardista quanto isso, é,
até em alguns momentos, conservadora durante o reinado de D. Manuel.

As encomendas a oficinas prestigiadas e a mestres consagrados foi uma


constante na relação entre Portugal e a Flandres, sendo a oficina de Viseu um excelente
exemplo disso. Na oficina visiense denota-se o prestígio que a arte flamenga deteve
entre nós, como na sua prática de importação de diversas obras de arte, como no
ressalvar das relações artísticas e no contacto direto e indireto com a arte flamenga,
tendo em consideração os trabalhos que Vasco Fernandes efetuou com entalhadores
flamengos:

268
Idem, p. 167.
269
MOURA, Vasco Graça. Vasco Fernandes, ou a pintura entre a Flandres e as Beiras, pp. 11-12.
270
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco e a pintura europeia do Renascimento, Lisboa, 1992, pp. 25-26.

121
“Este importante centro pictórico, cortesão e cosmopolita, integrava então
diversos aprendizes, auxiliares e pintores já formados de actividade autónoma,
alguns dos quais de origem e formação nórdica. (…) Se as duas primeiras
décadas do século XVI ficaram marcadas pelas relações artísticas com a
Flandres – quer pela presença de artistas flamengos, que trabalharam em Viseu
e Lamego – quer por um gosto determinado, que se traduziu na importação das
obras (…) A pluralidade linguística que se pode identificar em inúmeras obras
deste período confirma a transição do modelo nórdico do Renascimento para o
italiano que, não sem alguma conflitualidade ainda algo confusamente
estudada, se afirma tardiamente em Portugal.”271.

O conjunto retabular da Sé de Viseu (fig. 29), confirma e atesta, estilisticamente,


a integração da corrente estética flamenga, mas sobretudo como este modelo se afirmou
em Portugal.

Certamente importante é a conjuntura cultural e artística que serviu de veículo


de difusão formal e compositiva da gravura de origem nórdica, cuja procura se
intensificou a partir de 1500. Tal informação, clarifica a ampla difusão deste gosto e a
sua aplicabilidade na pintura, nomeadamente gravuras de Albrecht Dürer, Martin
Schongauer, Lucas de Leyden e de outros tantos gravadores alemães e flamengos.

A influência flamenga na pintura em Portugal, do século XVI, é objeto de


estudo, havendo um campo suficiente para novos campos de estudo, nomeadamente o
das representações fundeiras, pela disseminação desta influência e consequentemente
pela formação de um gosto formal baseado na importação de gravuras e no contacto
com obras de arte importadas. Nos primeiros trinta anos do século XVI, é assinalado
uma forte influência da pintura nórdica nos nossos pintores, tanto pela opção do gosto
dos encomendadores cortesãos como do gosto que corria na Europa. Com D. Manuel,
salientou-se o trabalho oficinal da Flandres e a possibilidade de um grande número de
obras importadas ou ofertadas à corte nacional, quer por pintores de origem flamenga
que trabalhavam em Portugal como daqueles que se adaptavam ao nosso gosto sem,
alvorar ao gosto da época. Adriano de Gusmão realçou que o resultado deste movimento
adveio de um «estilo que nos foi grato», onde patenteava um «realismo, repassado de

271
RODRIGUES, Dalila. Vasco Fernandes, ou a contemporaneidade do diverso, p. 52.

122
poesia», contudo conferiu à pintura europeia «um pouco do nosso temperamento e
experiência quotidiana»272.

Sabemos porém, que a maioria dos mestres são de nacionalidade portuguesa, e


que não foram formados em oficinas do Norte da Europa. O radiante ciclo de pintura
portuguesa do primeiro terço do século XVI acorrenta ligações estéticas aos modelos
arcaizantes do Norte da Europa, nomeadamente de Bruges e Antuérpia, tal como atesta
a obra de Frei Carlos (fig. 23), Mestre da Lourinhã (fig. 25), e em certa dimensão a de
Vasco Fernandes (figs. 71, 161 e 176). Já a isolada concordância das formas
renascentistas de Antuérpia resultou da influência de pintores como Quentin Metsys,
Gossaert de Mabuse ou Van Orley, que é bem patente nas tábuas de Jorge Afonso e da
sua oficina, nomeadamente com os pintores Cristóvão de Figueiredo e Gregório Lopes,
todavia sem excluir os vestígios tardo-góticos que sempre estiveram presentes na
pintura desta centúria273.

Do mesmo modo, determinamos que Jorge Afonso e Vasco Fernandes


produziram atividade flamenga, sem o serem. O pintor Francisco Henriques, flamengo,
trabalhou em Viseu, Évora e Lisboa, Frei Carlos, «flamengo» de Lisboa, com atividade
para os mosteiros da sua ordem, nomeadamente o convento do Espinheiro, em Évora, já
o Mestre da Lourinhã tem uma formação flamenga mais tradicionalista. Na nossa
opinião e de Joana Salgueiro, o políptico da Sé de Évora (1495-1510), do Mestre de
Évora, é um dos maiores exemplos da pintura flamenga em Portugal (fig. 30)274.
Estilisticamente e iconograficamente o retábulo patenteia influências colhidas no meio
ganto-brugense, sem esquecer o facto de ser uma obra de arte dominada pelo ecletismo,
manifestada nos planos estilístico, formal e iconográfico. Neste retábulo, a obra
Encontro na Porta Dourada (fig. 30) evidencia a entrada da cidade e um muro de
272
BATORÉO, Manuel. O Mestre da Lourinhã e a pintura luso flamenga em Portugal no primeiro terço
do século XVI. In GARCÍA, Bernardo José; GRILO, Fernando. Ao modo da Flandres: disponibilidade,
inovação e mercado da arte na época dos Descobrimentos (1415-1580), Congresso Internacional, 2005,
p. 193.
273
SERRÃO, Vítor. A pintura maneirista em Portugal, Lisboa, 1991, pp. 31-32.
274
“(…) aparece-nos como inovador no quadro da história da pintura em Portugal, inaugurando dois
aspectos essenciais da pintura nacional nas décadas seguintes, a hegemonia do gosto à maneira
flamenga, e a construção de grandes retábulos historiados, desenvolvendo-se na vertical em várias
fiadas de painéis.”: SALGUEIRO, Joana. A pintura portuguesa quinhentista de Vasco Fernandes: estudo
técnico e conservativo do suporte, Lisboa, 2012, p. 33.

123
alvenaria que delimita o desenrolar da cena principal, em primeiro plano, todavia esta
transição de espaços de arquitetura e paisagem acentuam a profundidade da
composição, através do emprego de sucessivos planos, nomeadamente o do casario, do
lago, das arquiteturas e paisagens esfumadas que encontramos nos últimos planos da
composição, já o plano fundeiro da obra Casamento da Virgem (fig. 30) revela um
interior religioso, com esculturas de vulto encimadas por colunas, que se abre para o
exterior de uma cidade de influência flamenga.

É claro, que o processo de renovação interdisciplinar, italiana e flamenga,


revolucionou artisticamente o Portugal do século XVI, tendo o gosto nacional
privilegiado a referência ao mercado flamengo, proporcionado pelo recurso à produção
nacional pelas influências artísticas flamengas, e sobretudo pelo contacto direto com
mestres que trabalharam em Portugal e pela proximidade das obras que eles aqui
executaram, como pelas obras adquiridas nesses mercados internacionais.
Comparativamente à introdução dos modelos formais flamenguizantes, a disseminação
dos ideais artísticos e estéticos do Renascimento italiano constituíram a influência de
um mestre que os formou, como pelo regresso e formação de mestres locais, fatores
esses que originaram uma arte que se aproximou de uma formulação de base dos ideais
renascentistas, todavia empregou outras linguagens estéticas, baseadas nos
regionalismos. Sem esquecer em ambos os casos, a constituição pela influência de
tratados teóricos e de gravuras que circularam por toda a Europa, em grande número.

Um facto de reconhecimento em Portugal, é a qualidade plástica notável que a


pintura portuguesa denotava, mesmo sabendo nós, das obediências a que estavam
sujeitas, estilisticamente, plasticamente e compositivamente, e era nos fundos de
arquitetura e paisagem que os pintores portugueses se poderiam esmerar e seguir
referenciais, sendo que estes serviam para decorar ou ambientar a narrativa principal.
Importa salientar, que estes quadros eram peças de devoção, portanto apesar de se
pretender uma peça áulica, deseja-se, acima de tudo, um certo distanciamento
geográfico e temporal, onde não se reconheça a representação dos planos fundeiros. O
encomendante, e posteriormente o devoto, não pretende reconhecer o representado, a
arquitetura ou paisagem, mas sim encontrar, visualizar e ficar maravilhado com o
detalhe e a execução fundeira, de um espaço idealizado com arquitetura ou paisagem
idealizada, não reais, onde as personagens se movem. O que interessa aqui, é o fator
novidade, não conhecer aquilo que está representado nos planos fundeiros, sendo que

124
arquitetonicamente ou paisagisticamente, não é a minha terra, mas sim a terra real ou
ideal, de quem executa a obra, ou seja não é o nosso referencial de paisagem, é
caracterizado como uma desmaterialização do real para ajudar a complementar a
narrativa iconográfica, e é neste sentido que a arquitetura pode ingressar,
nomeadamente quando esta é ligada à tratadística, o que resulta numa declaração
assumida de modernidade.

E é aqui que a arte portuguesa de quinhentos constata que existe, de uma forma
geral, uma liberdade compositiva de representações que opera nos planos fundeiros,
onde aqui se tratam representações arquitetónicas e paisagísticas, não impedindo
qualquer interação com alguma influência artística “La arquitectura, permanente o
efímera, y la ciudade tenían capacidades metafóricas, podían “transmutarse” en
espacios escenográficamente construidos (…)”275.

A pintura portuguesa apresenta sinais de renovação nos inícios da década de


vinte, onde se fazem sentir a mudança e os “ventos da modernidade” a par da
aglomeração de novas linguagens italianizantes, desde a decoração ao romano aos
fundos arquitetónicos com edifícios tipologicamente renascentistas e flamenguizantes,
duas correntes que evidenciaram o processo de transição que encontrou eco em vários
ramos da cultura portuguesa. Aqui, a tratadística que prolifera em Portugal, como a de
Sagredo e depois de Serlio, detém real importância na própria arquitetura portuguesa da
época, quer seja a edificada ou a representada pictoricamente. Assim, os planos
fundeiros da pintura destas representações arquitetónicas denunciam os ecos religiosos,
que no decorrer do seu entendimento apresentam certas características impostas pela
circulação e difusão da gravura, de influência flamenga e italiana, ideia que funciona
como corrente paralela e denunciadora destas influências mencionadas, e que para
muitos autores esta afirmação resume-se nas palavras do historiador de arte Juan
Antonio Ramirez “… durante as primeiras décadas do século XV a arquitectura da
pintura adianta-se à arquitectura dos arquitectos e durante os séculos seguintes
manterá maior abertura para as aplicações de vanguarda e para as visões utópicas”276.
Assim, podemos afirmar que os pintores portugueses vivenciam diversas fases distintas,

275
HERNÁNDEZ, Luis. Ut architectura poesis: relaciones entre arquitectura y literatura en la Nueva
España durante el siglo XVII. Universidad Iberoamericana, México, 2013, p. 176.
276
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 97.

125
sobretudo pelas fontes que detinham em sua posse, sendo estas indutoras de uma
capacidade construtiva relacionada com a dos denominados mestres-de-obras ou
arquitetos, ou caracterizadas por uma reprodução de uma construção real.

A arquitetura de linguagem italianizante surgiu, primeiramente, nas descrições


literárias e só posteriormente nas representações gráficas, quanto a esta declaração é-nos
permitido afirmar a relevância dos edifícios e das cidades picturalmente ilustradas nos
quadros do século XV e XVI, não só pelo papel que atestam dentro e fora da pintura,
mas também pela cultura dentro de uma outra cultura. É no seguimento da cultura
arquitetónica que surgem as primeiras representações relacionadas com a espacialidade
e a tridimensionalidade, quer estejamos a mencionar espaços interiores como exteriores.
Só no período manuelino-joanino é que surgem as primeiras pinturas, em Portugal, de
derivação flamenga e com os primeiros exemplos de espaços arquitetónicos
renascentistas que servem de fundo e auxiliam a cena principal277.

Na realidade, os reportórios de imagens sobrepõem-se ao contruído, na Flandres


e na Itália. A pintura portuguesa, a partir do segundo quartel de Quinhentos, orientou-se
no sentido da assimilação dos valores classicistas italianos, especialmente nas
arquiteturas enquanto espaço cénico ou nos fundos arquitetónicos longínquos, sem
esquecer que se certifica alguma dicotomia relativamente ao modelo flamengo que
influenciou o trabalho artístico de alguns pintores portugueses, e sem que se verificasse
uma rutura estética do modelo classicista italiano, o que motivou o poder inventivo e a
transformação da categorização espacial baseada num ecletismo ou pluralidade
linguística278, o que possibilitou a uma exploração de novos aspetos e conceitos, a partir
do ponto de fuga e do emprego dos fundos arquitetónicos que definem e constroem uma
qualquer cena urbanística, com intenção de erigir uma “Cidade Ideal”279, que detém o
amparo da teoria albertiana e filaretiano280, ou uma cidade completamente imaginária. A

277
“… assim como ao pintor convém ter notícia da arquitectura para saber fazer o ornamento com base
em medidas e proporções, também ao arquitecto interessa saber a perspectiva porque com esse exercício
melhor imagina todo o edifício já com a sua ornamentação… tudo deriva das cinco ordens que usavam
na Antiguidade”: POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os
fundos arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 97.
278
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco e a pintura europeia do Renascimento, Lisboa, 1992, p. 64.
279
SCIOLLA, Gianni Carlo. La città ideale nel Rinascimento. Utet, Torino, 1975.
280
António Averlino, conhecido como Filarete, descreve cidade imaginária como Sforzinda, em
homenagem ao duque de Milão, Francesco Sforza. Esta nova forma de propor uma nova cidade

126
“Cidade Ideal”, imaginada ou idealizada, segue as novas teorias intelectuais de cada
pintor, e que por sua vez implica a uma incursão de elementos definidores que irão
servir de referencial de espaço e tempo, cujo caráter iconográfico e iconológico está
intimamente ligado a uma ideia transitada pela arquitetura pintada, tendo como objetivo
primitivo o da experimentação representativa de arquiteturas não existentes.

2.1 Tipologias de representação. Da realidade à arquitetura imaginada

Nas representações fundeiras o pintor pode auxiliar-se da realidade das


representações arquitetónicas ou refugiar-se, única e exclusivamente da imaginação,
revelando a sua capacidade intelectual, dando asas, à sua mestria inventiva, que
comparativamente a muitos dos planos fundeiros de origem flamenga aufere
determinados convencionalismos e as representações de origem italiana vinculam-se ao
all’antico das ideias pictóricas. Por vários motivos, é que o pintor realça,
maioritariamente, nos segundos planos, o pitoresco das arquiteturas ditas regionais, as
figuras do quotidiano e o tratamento dos diversos planos e perspetivas. Já a perspetiva e
o espaço pictural são notados pelos sentidos teóricos e práticos dos seus progressos e
desenvolvimentos, sendo observados por um duplo ponto de vista: os distintos graus de
realismo que os pintores perseguem alcançar e os problemas de composição e as
respostas a que os pintores darão vida, especialmente as distintas teorias sugeridas no
domínio da perspetiva e da ligação destas com os conhecimentos contemporâneos281 e,
por último, o fator da luminosidade. A produção pictórica do Quattrocento italiano
deriva de uma capacidade significativa de desenhar a arquitetura que constitui o
ambiente físico da narrativa pictórica, o que propicia a uma arquitetura esboçada pelos
pintores, e que posteriormente assume uma certa solidez nos primeiros anos da centúria
de quinhentos.

influenciou a construção de cidades feitas de raiz, numa disposição exterior baseada num duplo quadrado,
semelhante à da cidade de Milão, rodeada por muralhas. MURTINHO, Vítor. Alberti e Filarete: da
perspetiva à cidade ideal. Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2017, pp. 235-246.
281
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 111.

127
Quanto às diversas representações arquitetónicas nos planos fundeiros, estas são
de árdua análise pelas múltiplas referências e influências que lhes estão subjacentes.
Tudo isto a par da já referida capacidade intelectual de representar a realidade e do
auxílio à imaginação:

“A pintura diria eu que era uma declaração do pensamento em obra visível e


contemplativa e segunda natureza. É imaginação grande, que nos põe ante os
olhos aquilo que se cuidou tão secretamente da ideia, mostrando o que se ainda
não viu, nem porventura foi… Quando o vigilante e excelentíssimo pintor quer
dar algum princípio a alguma empresa grande, primeiramente na sua
imaginação fará uma ideia e há-de conceber na vontade que invenção tenha tal
obra… A ideia na pintura é uma imagem que há-de ver o pintor com olhos
interiores em grandíssimo silêncio e segredo, a qual há-de imaginar e escolher
a mais rara e excelente que a sua imaginação e prudência puder alcançar
(…)”282.

Mais do que isto, acresce-se o descrito pelo encomendante nos contratos de


pintura nesses fundos de pintura, em que o tema central da composição era realçado
pelo caráter religioso. Até aos dias de hoje, conhecem-se escassos contratos onde são
referidos a forma arquitetónica estipulada na composição pictural.

Deve notar-se que estes segundos planos dependiam mais do pintor do que a
propriamente da vontade do encomendador, bem como da qualidade pictórica deste,
que, apesar de não se distanciar do tema ou da iconografia habitual, a religiosa,
preenchia os planos fundeiros com a temática que mais lhe aprazia, e onde, sobretudo,
poderia exibir os seus dotes e conhecimentos artísticos em paisagens, arquiteturas de
interiores ou de ar livre:

“Apenas no campo da arquitetura portuguesa, em data tardia e no magro


número de edifícios de restritas dimensões (…) vamos encontrar exemplos de
um por classicismo italianizante e refinado, frágil e delicado. Mas estas peças
de verdadeira arquitetura experimental não originaram sequência visível. já no
campo da nossa escultura, o surto extraordinário impulsionado por mestres de
raiz francesa - Filipe Odarte, Nicolau Chanterene, João de Ruão - impôs um
foco renascentista mais firme e duradoiro, que fez sentir a sua influência e

282
SERRÃO, Vítor. A pintura maneirista em Portugal, Lisboa, 1991, pp. 19-20.

128
irradiação, ainda que, também este, a intendência localizada (Coimbra, Évora).
De facto, o classicismo italiano insinuou-se apenas nos nossos programas
artísticos a um nível semântico, e com inegável caráter de experimentação,
tendo passado em geral despercebido de clientes e de artistas.”283.

Por vários motivos, deve notar-se a aplicabilidade de diversos pintores na ou da


marca dos conhecimentos de uma teoria artística e arquitetónica, como Cristóvão de
Figueiredo, Gregório Lopes, Garcia Fernandes e André de Padilha, e assimilado por
todos as formas de representação de estruturas arquitetónicas, como predecessores da
função de arquiteto, fator de permissão, no que diz respeito, à inevitável conclusão de
que a arquitetura fingida pode ser antecipadora da real:

“Mas a especial opulência cromática e os fascinantes fundos de paisagem,


resultantes da experimentação bem sucedida de recursos espaciais de carácter
tonal, são aspectos que contribuem igualmente para efectivar essa relação.
Paralelamente, o recurso a instrumentos de trabalho comuns, seja das correntes
dos modos de marcação de motivos decorativos, ou mesmo do recurso à cópia -
os pintores portugueses copiaram, com diversos graus de fidelidade, exemplares
flamengos importados -, materializa uma série de mimetismos de alcance formal
e simbólico. (…) se o processo de construção representativa, apoiado na visão
natural, proporcionou um vastíssimo quadro de relações e articulações, também
é verdade que não poderia deixar de ser promovido o contrário, ou seja, um
quadro de significativas diferenças, em grande parte resultantes da observação
investigação do mundo sensível, em si mesmo tão diverso.”284.

Há novamente uma preocupação com o tratamento dos planos fundeiros a par


da ligação à iconografia religiosa manifestada pelo encomendante, que pretende
dignificar a cena principal com os fundos arquitetónicos e paisagísticos na pintura.

As arquiteturas de fundo coexistem a par de estudos e de representações reais e


imaginadas. Os fundos arquitetónicos reais permitem ser identificados através de
documentação e de elementos característicos definidores de um local, testemunho
importante das arquiteturas realizadas na época, já nas representações ditas imaginadas,
o espaço arquitetónico é uma idealização de uma arquitetura sugerida, sendo que estas

283
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 2002, p. 42.
284
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco, Lisboa, 2007, p. 44.

129
construções constituem uma unidade autónoma para o estudo da pintura e da arquitetura
do Renascimento português.

Este trabalho estabelece um conjunto de critérios para a análise das arquiteturas


representadas em planos de fundo na pintura do Renascimento em Portugal, segundo
conhecimentos materializados sobre arquiteturas figuradas, imaginadas e decorativas
nas obras dos pintores representativos desta temática – Vasco Fernandes, Gregório
Lopes, Cristóvão de Figueiredo, Garcia Fernandes e André de Padilha.

Cristóvão de Figueiredo285 foi uma das figuras marcantes da pintura portuguesa


de quinhentos, tendo sido sempre associado à tríade de Garcia Fernandes e Gregório
Lopes. A obra Menino Jesus entre os Doutores (1520-1530) (fig. 31), que pertencia ao
Convento da Encarnação, em Lisboa, reflete uma cena compositiva onde encontramos o
Menino de pé sob um plinto a dialogar com os doutores, que se agrupam, no interior do
edifício, em semicírculo, em conjunto com a Virgem e São José, de pé. Esta cena é
construída por planos progressivos num interior bem interessante, de arquitetura
italianizante com colunas de marmoreado vermelho, que terminam na parede fundeira
rasgada por uma arcaria dupla, sendo também de ressalvar, no interior da cena, a
tapeçaria de aparato, as vestes e os bancos com arcos trilobados, formados por arcos
traçados a partir de três centros distintos, empregues, maioritariamente, em mobiliário
português e na arquitetura (figs. 32 e 33).

O pintor Cristóvão de Figueiredo estabelece, no interior da composição, formas


simplificadas, sendo a questão dos motivos ornamentais da parede um aspeto
interessante em toda a questão. A conceção e o tratamento da composição é notório pela
ampliação da narrativa com o tratamento do fundo compositivo, tipicamente
renascentista, pela aplicabilidade de motivos clássicos de natureza microarquitetural, a
referir: colunas e arcos de volta perfeita.

Gregório Lopes é um dos pintores régios da centúria de quinhentos e o autor da


obra Chegada das Relíquias de Santa Auta (1522) (fig. 34), que pertencia ao Mosteiro
da Madre de Deus, em Xabregas. Esta obra estava colocada, originalmente, na capela
onde guardavam as relíquias de Santa Auta oferecidas pelo imperador Maximiliano, em

285
“(…) dos pintores provenientes da maneira manuelina, foi ele que acabou por fornecer às gerações
seguintes mais elementos de contaminação, o que, só por si, traduz a maior atualização que, no
panorama português, a sua pintura deteve, sensível a um italianismo precoce (…)”: Idem, ibidem.

130
1517, todavia, hoje, encontra-se no MNAA, em Lisboa. Iconograficamente, o que se
revela no quadro é a chegada ao convento, em solene procissão, das relíquias de Santa
Auta, as quais ainda se encontram na riquíssima igreja do convento. Estas relíquias
foram ofertadas a D. Leonor pelo imperador Maximiliano I, do Sacro Império Romano-
Germânico, seu primo. A rainha D. Leonor encontra-se revelada muito discretamente no
quadro, vestida de preto, em sinal de luto pois já tinha enviuvado, e de mãos postas, ao
fundo à esquerda.

Na Chegada das Relíquias de Santa Auta, Gregório Lopes apresenta uma


arquitetura real286, onde se ergue a fachada do Convento da Madre de Deus, com o
majestoso portal tardo-gótico287 (figs. 35 e 36), com possíveis alusões ao portal do
antigo Convento da Conceição (fig. 37), em Leça da Palmeira, e da Igreja Matriz da
Golegã (fig. 38). O portal é flanqueado por colunelos e rematado em arco canopial (fig.
39), semelhante ao da Sé de Guarda (fig. 40), e cogulhos (fig. 41), e decorado com
motivos vegetalistas (fig. 42), semelhantes ao representado na imagem (fig. 43), e
encimado com as divisas de D. João II, com o símbolo do pelicano 288 (à esquerda) e da
rainha D. Leonor, com o camaroeiro (à direita), e ao centro, o escudo português (fig.
44), sendo o portal ladeado por dois botaréus torsos encimados por coroas reais (fig.
45), tal como acontece na Sé da Guarda (fig. 46) e na Igreja Matriz da Golegã (fig. 47).

Na composição também encontramos um dos vários tondi289 que o convento


possuía290, este em particular com a Virgem e o Menino (fig. 48), importado de

286
“Esta pintura é (…) a representação de uma paisagem real, o Convento da Madre de Deus, Lisboa
(atual Museu Nacional do Azulejo)”: RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco, Lisboa, 2007, p. 265.
287
O portal manuelino no centro da composição desta obra de arte serviu de inspiração para o restauro
do Convento da Madre de Deus no século XIX, com a colocação de um portal neomanuelino idêntico na
fachada sul.”: Idem, ibidem.
288
“O emblema do rei D. João II era o pelicano, que surge na fachada do convento; o pelicano é um
símbolo do sacrifício de Cristo, devido à lenda segundo a qual esta ave picava o próprio peito para
alimentar as crias com o seu sangue.”: Idem, ibidem.
289
“(…) o gosto pelas superfícies brilhantes e lustrosas, como no mármore polido e cerâmicas orientais,
com a preferência franciscana por materiais pobres (…) de grande êxito cada vez mais voltada à
produção em série e à venda para o exterior (…) destinados a enquadrar-se na arquitectura. O que tem
sido ignorado, é que o mais antigo testemunho hoje conhecido da exportação dessas obras em terracota
vidrada de Florença destinou-se a Portugal, e precisamente ao Conde de Ourém. Uma anotação
referente ao carregamento de sete caixas (7 chasse di lavorj de terachotta envetriata del Marchese di
Valenza) surge, ao lado de embalagens de salitre e brocado carmesim, numa lista de bens entregues a 28

131
Florença, das oficinas dos irmãos Della Robbia (fig. 49), envolto numa cercadura de
festões de folhagem acastanhada e com frutos amarelados, e colocado sobre uma mísula
e debaixo da janela retangular, e o telhado de telhas mouriscas de três fiadas cor-de-rosa
separadas por faixas amarelas, e uma gárgula gótica no ângulo (fig. 50), similares às
originais do convento (fig. 51), que encerra o plano mais recuado da obra, do lado
direito da composição, e num contraposto face a localização do mosteiro, sobretudo
pelo emprego fictício do rio Tejo e as caravelas (fig. 52), que supostamente deveria
estar à frente como verdadeiramente acontece, deixando a composição livre para a Santa
e o cortejo processional.

É uma das obras mais deslumbrantes da pintura portuguesa do primeiro quartel


do século XVI, onde comprova e ilustra, em diálogo permanente, o que está reproduzido
na composição através de uma imagem (figs. 53 e 54), nomeadamente na fachada
principal do portal manuelino da igreja do convento e da riqueza decorativa das
ourivesarias, dos panos de brocado de ouro, com ramagens, e das vestes, e pela
semelhança do medalhão azul de Andrea della Robbia, idêntico ao pintado, que serviu
de diálogo entre imagem e comunidade conventual.

Celebre pintor português do século XVI, Garcia Fernandes é considerado um


dos mais excecionais artistas da história da pintura portuguesa. Desta figura,
cronologicamente, nada sabemos antes de 7 de julho de 1514, porém a partir desse ano
com a cedência de um foro de uma das casas de Gregório Lopes descobre-se a
identidade do pintor291. Casado com uma das filhas do pintor flamengo Francisco

de Maio de 1454 em Pisa a um Bernardo de Évora, a fim de serem embarcadas para Lisboa (che lo
mãdasi a Lisbona).”: MOREIRA, Rafael. A arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A
Encomenda Régia entre o Moderno e o Romano, Lisboa, 1991, pp. 16-17.
290
“No início do século XVI, a fachada deste convento possuía um medalhão de Della Robbia, com a
escultura da Virgem com o Menino, envoltos em cercadura de folhagem.”: RODRIGUES, Dalila. Grão
Vasco, Lisboa, 2007, p. 265.
291
“é nessa data (…) que pintor surge a testemunhar um protocolo notarial, em que o Convento de S.
Domingos de Lisboa autoriza os negros foros Pedro Álvares e Beatriz Lopes a cederem a Gregório
Lopes, pintor, o aforamento de umas casas do mosteiro situadas próximo da ermida de Nossa Senhora da
Estada. Testemunham a transacção, ocorrida nas casas do pintor régio Jorge Afonso, que era sogro de
Gregório Lopes, Pero Vaz, Gaspar Vaz e Garcia Fernandes, «todos pintores que lavram em casa do dito
jorge afomso».”: CAETANO, Joaquim Oliveira. Garcia Fernandes. Um Pintor do Renascimento Eleitor
da Misericórdia de Lisboa, (catálogo de exposição). Santa Casa da Misericórdia de Lisboa/Museu de S.
Roque, Lisboa, 1998, p. 20.

132
Henriques, Garcia Fernandes, sub cuja direção trabalhava em 1518-1519, nas
decorações desaparecidas, para o Tribunal da Relação de Lisboa, primeira referência à
sua existência, relacionar-se-á por parentesco e ofício com Cristóvão de Figueiredo,
pintor do Cardeal Infante D. Afonso. Independentemente da oficina à qual pertenceu,
Garcia Fernandes surge relacionado, desde o primeiro momento, aos mais importantes
pintores do seu tempo, enquadrado no grupo da aristocracia mesteiral associado à
encomenda de corte. Esta ligação é comprovada por um documento, sem indicação do
ano, onde Bartolomeu de Paiva escreve a Afonso Monteiro292, retratando a rivalidade do
meio artístico lisboeta, o olhar sob os intermediários, artista e encomenda régia e sob a
tríade Cristóvão de Figueiredo, Gregório Lopes e Garcia Fernandes293, que aqui é
descrita e que posteriormente irá funcionar como «parceiros» nas empreitadas dos
retábulos de Ferreirim. Estes pintores, dos mais notáveis do seu tempo, estiveram
ligados à oficina de Francisco Henriques e, ao pintor régio Jorge Afonso, mestre da
oficina de Lisboa.

A obra, Os Santos Mártires de Lisboa (1530) (fig. 55), encontra-se, hoje, no


Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada, e pertence a um conjunto de quatro cenas
da vida dos Santos Mártires de Lisboa, Veríssimo, Máxima e Júlia, três irmãos, filhos
de um senador romano, que foram martirizados, em Lisboa, no século IV, ao tempo do
Imperador Diocleciano294. Esta pintura religiosa, vincula estilisticamente o realismo

292
“It. Hesses pintores que hão de pintar há hobra da rrolaçam tem lla huma pouca deferença sobre a
dita pintura a saber Handre Gonsaluez com Gregorio Lopez e Figuejredo e Gracja Fernam e porque sua
allteza tem já detremjnado ho que sobre yso hãoo de fazer há quall he que ho Handre Gonsaluez pjnte na
hobra de Sãoo Gjhãao e os outros tres na hobra da rrolaçam”: CAETANO, Joaquim Oliveira. Garcia
Fernandes. Um Pintor do Renascimento Eleitor da Misericórdia de Lisboa (catálogo de exposição),
Lisboa, 1998, p. 21.
293
“Tratam-se de artistas de elevada qualidade que percorreram o país dando resposta a diversas
encomendas facto que comprova o grande apreço que havia na época pela actividade destes artistas.”:
CASIMIRO, Luís Alberto. Pintura e Escultura do Renascimento no Norte de Portugal, Porto, 2005, p.
98.
294
“Segundo a lenda transmitida pelos séculos, os três Santos Mártires de Lisboa, Veríssimo, Máxima e
Júlia, viveram na época em que ocorreram as grandes perseguições aos cristãos e surgiram numerosos
mártires dos quais destacaríamos São Vicente, provavelmente o mais importante no culto português, e
também os irmãos São Crispim e São Crispiniano, só reconhecidos entre nós a partir da conquista de
Lisboa, por ter sido a 25 de Outubro que a cidade foi tomada aos mouros. Todavia, é importante notar
que, nessa mesma data, já Veríssimo, Máxima e Júlia eram venerados em Lisboa, como atesta o relato do

133
oriundo do Renascimento do Norte da Europa, do primeiro quartel do século XV, pelo
espaço e revelo que as figuras ocupam na composição, característica que até então não
era atribuída, reforçando a ideia de símbolo identitário e de fundo compositivo:

“A Anunciação do Martírio, primeiro painel da série, mostra os três irmãos


recebendo o “Anuncio” da sua viagem para a conquista da glória em defesa da
palavra suprema. A sua postura e expressões acentuam quer a obediência quer
a convicção do significado da missão que lhes está a ser atribuída. Sendo uma
pintura religiosa, como era toda a pintura do tempo – pelo menos a que chegou
até nós –, não deixa de se vincular estilisticamente ao realismo que o
Renascimento do Norte da Europa havia desenvolvido desde o primeiro quartel
do século XV. As figuras, fossem de santos ou de personagens bíblicas,
passaram nessa altura a ocupar um espaço e um relevo que anteriormente não
lhes era atribuído.”295.

O fundo de pintura e as figuras que nela ocupam espaço ajudam-nos a perceber a


distância e a noção de escala das arquiteturas representadas (fig. 56), sem esquecer para
o facto de nos remeter para a cidade de Roma, onde a composição arquitetónica faz-nos
identificar edifícios arquitetónicos da Roma antiga, com a possível alusão ao Palácio
Papal, Castelo de Sant’Angelo e Panteão (figs. 57 e 58) “Conforme indicam os textos,
os três santos encontravam-se em Roma quando o anjo lhes apareceu. E é de Roma a
imagem que vemos ao fundo. O pintor não terá lá estado, mas foi recolher a imagem a
uma xilogravura, provavelmente de Michael Wolgemut, inserida na Crónica de
Nuremberga, o incunábulo ilustrado com maior divulgação a partir de finais do século
XV e fonte de inspiração para muita da pintura portuguesa da primeira metade do
século XVI. Pelo que podemos identificar, à esquerda, em baixo, está o Castelo de

cruzado Osberno, em duas passagens do seu texto, escrito muito pouco tempo depois. Vale a pena citar:
Sob o domínio dos reis cristãos, antes que os mouros a tomassem, num lugar junto da cidade, e que se
chama Campolide, venera-se a memória dos três mártires Veríssimo, Máxima e Júlia, virgem, de cuja
igreja, totalmente arrasada pelos mouros, restam somente três pedras como lembrança da sua
destruição, as quais nunca dali puderam ser retiradas.”: BATORÉO, Manuel. A iconografia dos Santos
Mártires de Lisboa em quatro pinturas do século XVI: linguagem e significados. Cultura Revista de
História e Teoria das Ideias vol. 27, Lisboa, 2010, p. 188.
295
BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 120.

134
Sant’Angelo e, ao cimo, o Palácio papal na construção anterior ao edifício barroco que
hoje conhecemos.”296 (figs. 59 e 60).

Contudo, importa também salientar que o plano fundeiro também poderá realçar
a arquitetura do Palais des Papes, em Avinhão (fig. 61), construído em 1335 e
considerado como o maior palácio gótico do mundo.

Todavia, a referência à cidade de Lisboa297 torna-se também uma possibilidade


pela referência arquitetónica de edifícios portugueses e pela proximidade com o rio
Tejo, onde à esquerda, encontramos a Torre de Belém (fig. 62) e, em cima, o Paço da
Ribeira298 (fig. 63), palco de uma série de cerimónias maiores na vida do Reino “A cena
principal decorre num contexto urbano, com a vista provável da Rua Nova dos
Mercadores, em Lisboa, vendo-se do lado direito um templo circular renascentista
inspirado em tratados de arquitetura.”299 e pelo facto dos três irmãos desembarcam no
que parece ser o Paço da Ribeira, local esse não referido nos textos.

A construção fundeira remete-nos para alguns edifícios arquitetónicos da cidade


de Lisboa, como a representação do Paço da Ribeira para onde o monarca transferiu a
sua residência real. Este edifício longitudinal dispõe de três andares: o piso térreo, onde
se abre uma galeria composta por arcaria, em quatro arcos contínuos, em toda a sua
extensão, para o exterior (para o Paço da Ribeira), e os subsequentes dois pisos estão
resolvidos por janelas de pequenas dimensões, “não pudemos deixar de notar, (…) que
a ideia de uma praça polarizadora das principais funções dinâmicas da cidade
(comerciais, políticas e religiosas) vem da Antiguidade, chegando ao Renascimento no
tratado de Vitrúvio (que propõe uma praça rodeada de arcaria), sendo, logo em 1450,

296
BATORÉO, Manuel. A iconografia dos Santos Mártires de Lisboa em quatro pinturas do século XVI:
linguagem e significados, Lisboa, 2010, p. 192.
297
“A identificação da cidade de Lisboa estará sempre conectada com o rio Tejo e o seu estuário que nos
aproxima do oceano. As construções portuguesas mantiveram sempre essa relação com o mar, que
acentuava a conquista das rotas comerciais dominadas pelas naus e depois pelas caravelas (…)”:
ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos descobrimentos,
Lisboa, 2015, pp. 16-17.
298
“qualquer panorâmica quinhentista de Lisboa, todas dominadas pelo longo edifício perpendicular ao
rio, tornará tudo o que podemos saber sobre este palácio evidente”: SENOS, Nuno. O Paço da Ribeira
(1501-1581), Lisboa, 2002, p. 18.
299
AZAMBUJA, Sónia Talhé. Plantas, Animais e Paisagem: da iconografia à iconologia na pintura dos
séculos XV e XVI em Portugal, Lisboa, 2021, p. 281.

135
retomada no tratado de Alberti. (…) realmente original é a localização deste paço junto
ao rio, às portas (fluviais e as mais importantes da cidade, constituindo-se assim, por
força da sua configuração longitudinal, perpendicular ao rio, projectando-se para lá
da antiga linha muralhada, do ponto de vista formal, em elemento forte da sua fachada
de aparato, e do ponto de vista simbólico, em metáfora da sua ligação ao mar.” 300 (fig.
64). Já a representação distorcida alude-nos ao baluarte de Belém, em Lisboa, um dos
símbolos dos Descobrimentos portugueses, construído no reinado de D. Manuel I, e
projetado pelo arquiteto, em estruturas defensivas, Francisco de Arruda, que dirigiu as
obras de execução do monumento dedicado a São Vicente301. O baluarte é denominado
obra ímpar de veículo de poder real, do gosto manuelino, que indicia um gosto que, a
pouco e pouco, se vai estender à sociedade portuguesa quinhentista, indicador esse
proporcionado pela não existência arquitetónica de nada igual ou similar noutra parte do
mundo, e que defendia a cidade, junto a barra do rio Tejo302.

Quanto a André de Padilha (1517-1561), este foi um pintor quinhentista,


regional, do norte de Portugal, nomeadamente de Viana do Castelo, e Galiza, esquecido
pela historiografia da arte portuguesa, e convenientemente reavivado pelo historiador
Vítor Serrão, “que lamenta o facto de se ter dado mais importância às grandes escolas
de pintura actuantes durante a época dos Descobrimentos, esquecendo as periferias

300
SENOS, Nuno. O Paço da Ribeira (1501-1581). Notícias Editorial, Lisboa, 2002, p. 18.
301
“A designação de forte, fortim, fortaleza, baluarte, torre, torreão e castelo na identificação da “Torre
de Belém” é conectada com a sua função de defesa e também de representação do poder político.
Poderemos afirmar que a sua simbologia sobrepôs-se hoje à sua relação funcional e forma, mas é nesse
sentido que é um “baluarte” dos Descobrimentos e do reinado de D. Manuel I, o “Príncipe”,
constituindo neste caso da modernidade defensiva associada e conectada com a representação política.
Com Alberti designa o edifício como objecto-monumento, a Torre de Belém é erguida e projectada como
edifício-monumento com um significado histórico-ideológico, e a sua forma representa a modernidade
baseada na forma original como estabelece o diálogo entre a torre medieval e a forma poligonal do
baluarte.”: ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos
descobrimentos, Lisboa, 2015, p. 20.
302
“A denominação de baluarte e não torre a esta edificação representa uma perspectiva moderna de
fortaleza. Por outro lado, o rei D. Manuel I designava esta edificação por “Castelo de São Vicente a par
de Belém” que reflecte a simbologia da encomenda, que se vai também incidir numa linguagem de
transição para os parâmetros renascentistas, reinterpretando elementos tarde-góticos numa perspectiva
nacionalista para enfatizar e epopeia dos Descobrimentos.”: Idem, p. 14.

136
artísticas.”303. É um pintor que apresenta recursos interessantes dentro da estética do
Renascimento, e revela, na sua obra pictórica, influências flamengas e do norte de Itália
que se complementam304. Vítor Serrão demonstra-nos o quanto foi revelante este pintor
para o contributo pictórico português sob um foco de renovação na arte, na era
quinhentista, nas linhas de ação dos novos modelos do Renascimento:

“A identificação tinha um artista com esta qualidade, contemporâneo exacto de


Jorge Afonso, de Vasco Fernandes, de Cristóvão de Figueiredo, de Garcia
Fernandes e de Gregório Lopes, vem chamar a atenção da História da Arte
portuguesa para um facto seguramente ignorado: a presença, no extremo norte
do país, de algumas oficinas de pintura habilitadas nos seus processos e no seu
«receituário» estilístico.”305.

O painel Nossa Senhora da Misericórdia (1535-1536) (fig. 65)306 foi elaborado


com o intuito de ocupar o altar da igreja da Misericórdia de Viana do Castelo 307 onde
figura a Virgem representada de pé, rodeada de figuras genuflexionadas, em adoração, e
envoltas num amplo manto azul, segurados por dois pares de anjos. Trata-se de uma
pintura de grande preparação técnica, onde a qualidade dos fundos de paisagem revelam
um processo que denota muita personalidade derivada de um receituário renascentista
aqui aplicado, numa evidente abertura ao gosto clássico, face a uma possível formação
de caráter tradicional que o pintor vianense deteve:

303
CASIMIRO, Luís Alberto. Pintura e Escultura do Renascimento no Norte de Portugal, Porto, 2006-
2007, p. 101.
304
“assumindo os contornos de um mestre regional eivado de singular originalidade quer no desenho
solto, quer na largueza da composição, quer no cromatismo opulento, quer na sensibilidade ao “ar
livre” quer na abertura que revela às novidades do Renascimento de um mundo ainda tradicionalmente
alheio aos confins da estética do outono da Idade Média”: Idem, ibidem.
305
SERRÃO, Vítor. André de Padilha e a pintura quinhentista entre o Minho e a Galiza, Lisboa, 1998, p.
35.
306
“A obra remanescente mostra-nos um artista muito personalizado, sempre respeitado e bem pago
pelos seus clientes, já adestrado numa linguagem renascentista que é de superação da tradicional raiz
hispano-flamenga (…)”: Idem, p. 27.
307
“Estamos, sem dúvida, perante uma rara e valiosa pintura da primeira metade de Quinhentos, mas
que nem por isso tem deixado passar despercebida do grosso dos estudiosos da antiga arte portuguesa.”:
Idem, p. 32.

137
“Não se trata (…) de obra saída dos círculos de influência ou inspiração
flamenguizante da «escola» de Lisboa, e muito menos de obra importada do
Norte da Europa (…). A despeito da sua superior qualidade, podemos atestar
que esta pintura se filia numa oficina renascentista regional, oficina essa activa
na antiga vila de Viana da Foz do Lima (hoje cidade de Viana do Castelo)
durante o final do reinado de D. Manuel I e todo o reinado de D. João III,
reveladora de um nível inventivo que poderemos classificar como de muito forte
expressão clástica, e que se mantinha, até hoje, totalmente ignorada.”308.

Esta obra é identificada “como um contributo para melhor se iluminarem as


estratégias periféricas da nossa pintura manuelina-joanina nos «centros» exteriores a
Lisboa.”309 e num estilo de aparente produção média dos pintores portugueses da
centúria de quinhentos, num contributo onde é visível, o esforço e a adaptação, à
modernidade, no seio de um figurino artístico de formação regional goticista, de
referências hispano-flamengos. Temos a consciência que o pintor assume uma
singularidade e originalidade tal, ao revelar-se um mestre regional, todavia estes
contornos renascentista são assumidos no desenho solto, na largueza da composição, na
sensibilidade de exibir uma composição ao ar livre, e na introdução das novidades
estilísticas do Renascimento, modo totalmente diferenciador ao apresentado pelo pintor,
que se regia por uma estética centrada na Idade Média “O problema do pretenso
vanguardismo do artista, no que diz respeito a uma sua abertura a aceitação possível
do «receituário» renascentista, redobra o interesse pela figura aqui estudada, tanto
mais que se formara num ambiente pautado pela tradição, isto é, nos confins do mundo
«goticizante» hispano-flamengo. Este aspecto torna-se mais óbvio quando ele se nos
depara em «situações de periferia», permitindo ao historiador de arte iluminar e
conceptualizar o fenómeno artístico no seio de uma sociedade burguesa de mareantes e
mercadores, como era a Viana manuelina-joanina.”310. Desta citação, podemos assumir
que esta tábua atua como um gesto de vanguarda, na medida em que o pintor desejou
romper com os horizontes vivenciados nos anos 30, com uma estética virada para o
anacronismo, todavia era algo que ainda perdurava no gosto do mercado nacional.

308
Idem, p. 34.
309
Idem, p. 110.
310
SERRÃO, Vítor. André de Padilha e a pintura quinhentista entre o Minho e a Galiza, Lisboa, 1998, p.
114.

138
Esta tábua alude-nos a uma composição que indicia ainda o gosto pelo gótico-
flamenguizante, e que inspira a uma referência à xilogravura do Compromisso da Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa (fig. 66), de 1516, de Hermão de Campos, definida de
uma forma menos rígida e convencionalizada em comparação ao representado na
estampa, nomeadamente pelo rasgar da composição com a introdução de paisagem. A
composição pictórica é repartida em dois, religiosos à esquerda, e aristocratas e
burgueses à direita, sob o manto azul da Virgem Maria, distribuindo-se a sociedade do
tempo, numa renovação da fé e numa atemporalidade dos poderes terrenos, todavia as
potencialidades da obra encontram-se, na medida em que, a construção do espaço,
sobretudo os fundos de paisagem e de arquitetura que ladeiam o grupo de figuras, numa
suavização específica no campo da perspetiva “(…) a qualidade plástica desta pintura é
indiscutível e obriga-nos a imaginar as estradas aventureiras de um mestre regional
que se formou certamente em destacado convívio com os meios de pintura hispano-
flamenga do dealbar do Renascimento, num percurso à margem dos círculos realengos
lisboetas da «escola de Jorge Afonso», e aberto, por aquela via, a penetração de
modelos e receitas neerlandesas renascentistas.”311.

No plano do fundo compositivo, à esquerda, admiramos um fundo de montanhas


clivosas, com uma arquitetura militar contruída, nomeadamente um castelo elevado
numa colina, com montes por detrás (lado esquerdo), com possíveis referências ao
Castelo do Lindoso, em Lindoso (fig. 67), ao Castelo de Doiras, em Doiras (fig. 68), e
ao Castelo de Pambre, em Pambre (fig. 69), e um casario gótico decorado com um
pórtico de inspiração medieval (lado direito), de indicação na malha da vila de Viana do
tempo de quinhentos, e encimado por torreões (fig. 70), sendo que, à direita, detemos
uma paisagem bucólica, onde os verdes predominam (fig. 71). Em termos
exclusivamente fundeiros, André de Padilha disponibilizou-se a desbravar caminho no
sentido de um paisagismo ao “modo de Itália”, numa representação de algo visualizado
ou imaginado pelo pintor.

Vasco Fernandes é um dos pintores portugueses mais celebrados ao longo da


centúria de quinhentos312, e nacionalmente reconhecido como Grão Vasco, cujo nome

311
SERRÃO, Vítor. André de Padilha e a pintura quinhentista entre o Minho e a Galiza, Lisboa, 1998, p.
127.
312
“Grão Vasco é um dos pintores portugueses mais interessantes e o que mais foi celebrado ao longo
dos séculos. (…) era uma espécie de pintor-herói, a cujo nome se associavam todas as pinturas antigas,

139
era associado a todas as pinturas antigas que eram autenticadas com alguma
particularidade313. Este pintor viveu e trabalhou no seio de região geográfica provincial,
em Viseu:

“Um outro elemento da fantasiada história (…) diz respeito a sua formação,
concretamente a uma viagem que teria efectuado a Itália, a expensas de um
bispo ou, numa variante julgo mais tardia, de um padrinho rico seu homónimo.
É também Pietro Guarienti (…) que dá ao tema aparente “credibilidade
científica”, ao afirmar que “parece pela sua particular maneira que havia
estudado na escola de Perugino, havendo desenhado com primor sobre o estylo
daquele século e expressado com atitude e evidencia a commoção do espírito”.
Mas é também o já citado cónego José de Oliveira Berardo, autor do exaustivo
levantamento das informações orais e da primeira pesquisa de arquivo, que
tenta demonstrar a significativa densidade histórica da informação, quando
afirma que ouvira “contar a um velho que existia já em 1730, que, pela
protecção de bispo de Vizeu, Grão Vasco tinha ido estudar a Itália.”314.

Este levantamento de informações relativas à ida de Vasco Fernandes a Itália


não é mencionado em nenhum documento histórico, todavia “Por outro lado, as
pinturas de autoria certa (…) denunciam uma aprendizagem num outro quadro de
referências, isto é, seguramente marcado pelos processos da pintura flamenga e não
pelos da italiana, cuja influência pontua bastante mais tarde a mente e de modo difuso
no seu percurso estético.”315, sendo que a expansão das soluções criativas nórdicas

de norte a sul do país, é que se reconhecia alguma qualidade [século XIV]. (…) por ter sido o
protagonista de um período brilhante da pintura numa região geográfica que não tinha neste campo
qualquer expressão, e que não teve depois contributos com mérito igualável ao seu ou mesmo ao dos seus
colaboradores e imitadores”: RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco, Lisboa, 2007, p. 7.
313
“Além do famoso Vasco, cujo apelido se havia perdido com o uso recorrente do epíteto “Grão”, e de
outros nomes que se mantêm ainda enigmáticos na historiografia actual (sem obra atribuída e sem dados
biográficos suficientemente elucidativos), emergem à luz da História os maiores protagonistas daquele
período, nomeadamente Jorge Afonso, Frei Carlos, Cristóvão de Figueiredo, Gregório Lopes e Garcia
Fernandes (…)”: RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo
de Vasco Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000, p. 79.
314
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco, Lisboa, 2007, pp. 18-20.
315
Idem, p. 20.

140
influenciou o pintor e o gosto da sua clientela, sobretudo a elite social e a Igreja 316. A
obra do Viseense testemunhava, na sua globalidade, o reflexo das novas realidades
vivenciadas para aquele tempo, balanceando as influências oriundas da Flandres e Itália,
por via humanista, fatores que permitiram revelar a mudança de gosto ao nível nacional.

Paulo Pereira alude a cidade manuelina como uma modernidade praticável, não
abrangendo as cidades renascentistas e longe de ser indicada como “Cidade Ideal”
renascentista, no que diz respeito à arquitetura, todavia quando nos referimos à pintura,
os pintores tentam representar e até mesmo transformar todas as cidades numa nova
cidade romana “Muito embora o urbanismo tivesse surgido já com D. Manuel, no que
respeita à criação e redefinição de praças, a abertura de ruas, a racionalização diários
preexistentes ou às transformações de espaços arquitectónicos de acordo com as novas
concepções do poder, fazia-se ainda de forma incipiente, abrindo, não obstante,
caminho para uma escola de urbanismo português e, o que só irá acontecer num
segundo tempo. A representação de cidades nos fundos das pinturas renascentistas
portuguesas, funciona sobretudo como um marco referencial do espaço e do tempo, o
que não impede, que, nalguns casos, possam ser completamente indiferentes em relação
à cena principal, geralmente carácter religioso.”317. Esta situação é visualizada em
pintores como Vasco Fernandes ou Gregório Lopes, nas suas representações fundeiras
de arquiteturas que nos levam a idealizar uma cidade.

A obra, Cristo em casa de Marta e Maria (fig. 72), que pertencia à Capela de
Santa Maria do antigo Paço Episcopal do Fontelo, hoje, ao MNGV, reflete os ideais do
encomendante humanista e o programa artístico de D. Miguel da Silva318 (fig. 73), bispo

316
“um significativo volume de pinturas serviu de valor de troca nas transacções efectuadas pela
comunidade de negociantes portugueses estabelecidos na Flandres, com destino à Ilha da Madeira.
Paralelamente e à medida que os contingentes da importação aumentavam, aumentaria também o
fenómeno de adesão às novidades importadas por parte de artistas e artesãos, estimulados
(pressionados), a um tempo, pela generalização do gosto da clientela (…) quanto pela influência dos
artistas do Norte da Europa que se deslocaram para o Sul.”: SALGUEIRO, Joana. A pintura portuguesa
quinhentista de Vasco Fernandes: estudo técnico e conservativo do suporte, Lisboa, 2012, p. 30.
317
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 115.
318
“D. Miguel da Silva (c.1480-1556) fazia parte dos círculos intelectuais de Roma, para onde foi 151,
como primeiro embaixador de D. Manuel junto da corte papal de Leão X, tendo aí convivido com
primeiras figuras do humanismo, tais como Baldassare Castiglione - Que, inclusivamente, lhe dedicará o

141
de Viseu (1525-1540) “Voltando a Portugal, em 1525, cedo se vê, naturalmente,
deslocado num ambiente onde prevaleciam valores ainda cavaleirescos (ou seja,
manuelinos) e onde o sentido humanista e antiquizantes da cultura renascentista
ensaiava os seus primeiros passos. Foi D. João III quem, ao chamá-lo
propositadamente de volta a Portugal, o impediria de ascender então à dignidade
cardinalícia, sendo feito depois, porém, bispo de Viseu.”319, através da ideia da
supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal “(…) a relação do pintor com o
bispo D. Miguel da Silva, o encomendante, precisamente, das pinturas monumentais
que se exibiam na sé no período dois séculos em que a história mítica do Grão Vasco -
em estreita relação com as pinturas, diga-se - se foi construindo. Proveniente da corte
papel romana por decisão régia, e nomeado bispo da diocese de Viseu em 1525, D.
Miguel da Silva teve uma acção decisiva não apenas no percurso artístico do Grão
Vasco, mas nas reformas que promoveu na cidade, devendo este traço fantasioso ser
visto como um valioso testemunho dizem que as tuas, relação entre artista e
cliente.”320, numa linguagem que se traduz através das expressões fllamenguização e
italianização.

No domínio da arquitetura, D. Miguel da Silva promoveu uma renovação da arte


portuguesa e um programa introdutório de uma linguagem nova, entre ideias e a arte do
seu arquiteto, de origem e formação italiana, todavia, o campo pictórico ficou associado
a alterações do modo de pintar321. Esta relação impulsionou uma cultura artística entre
mecenas e artistas, que estabeleceram, numa primeira instância, uma materialização sob
uma linguagem baseada na arquitetura, ao nível de elaborados cenários compositivos.
Apesar de ter sido o mecenas do pintor Vasco Fernandes, D. Miguel da Silva teve como
principal papel, na zona de Viseu, renovar o programa artístico. No entanto, este homem
de cultura italiana contribuiu, primordialmente, para a vinda de Itália, em 1525,
Francisco de Cremona, tido como mestre dos mestres, tendo sido seu arquiteto privado,

livro fundamental para a cultura renascentista que é Il cortegiano (Veneza, 1528)”: PEREIRA, Paulo.
Arquitetura Portuguesa. História Essencial, Lisboa, 2022, p. 275.
319
Idem, p. 276.
320
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco, Lisboa, 2007, p. 20.
321
“o inquestionável gosto de D. Miguel pela Antiguidade, seja filológico seja arqueológico e artístico, a
sua obsessão pelas lápides comemorativas com caracteres clássicos”: RODRIGUES, Dalila. Modos de
expressão na pintura portuguesa. O processo criativo de Vasco Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000,
p. 260.

142
e daí a introdução dos modelos clássicos terem surgido na arquitetura do Renascimento
português devido à contribuição deste mestre pedreiro romano. Assim, como se viu,
facilitou o conhecimento e assimilação do saber construir ao romano face a este
contacto direto com influências oriundas de Itália.

A monumentalidade da obra torna-se relevante pela manifestação do gosto pela


Renascença, o denominado “modo de Itália”, e onde todas artes, pintura, escultura e
arquitetura instituem encadeamentos “(…) beneficiou de uma conjuntura favorável e
um contexto particularmente estimulante em termos criativos. E que esse contexto ficou
marcado por dois momentos-chave: as reformas manuelinas das catedrais de Viseu e
de Lamego na viragem do século XV para o século XVI; e a reforma renascentista
promovida por D. Miguel da Silva, pelos anos 1530, na mesma catedral viseense e na
sua residência episcopal, na quinta de Fontelo. Estes dois acontecimentos têm, de facto,
iniludível expressão na obra que realizou, configurando um período inicial mais
estritamente flamenguizante, explicável no quadro das complexas soluções estéticas do
manuelino e nas usuais parcerias entre artistas, e num período de mais expressiva
modernidade, marcado pela abertura a soluções e modelos de derivação italiana e a
pontuais referentes classicizantes.”322, e onde a resistência ao tempo recaiu na autoria
de praticamente toda a sua pintura, que assume uma importância capital face aos demais
pintores323.

Aqui, o próprio encomendante D. Miguel da Silva participa em pessoa no


acontecimento pintado, sob a forma de retrato324, realisticamente, na personagem
sentada à mesa de Cristo, e simbolicamente, através da representação das suas armas, o
leão, que decora as cartelas dos plintos centrais (fig. 74), o que permite estabelecer com
objetividade os contornos da ligação entre cliente e pintor. Vasco Fernandes figura o

322
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco, Lisboa, 2007, p. 25.
323
“uma das tábuas mais interessantes da Escola de Viseu, pela variedade e profusão de aspectos que
apresenta, e pelos problemas que sugere, afigura-se-me característica de Vasco no motivo central e nos
dois retratos masculinos do segundo plano; semelhante ao Presumível Gaspar Vaz no ponto de vista do
colorido; e ao pintor António Vaz no desenho de certos pormenores e, em especial, no desenho de
algumas roupas femininas”: RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa. O
processo criativo de Vasco Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000, p. 260.
324
“À formulação desta hipótese não é alheia a circunstância de se incluir o retrato de D. Miguel no
outro painel destinado ao mesmo espaço, o Cristo em Casa de Marta e Maria.”: PEREIRA, Fernando
António Baptista. O legado do Renascimento, Lisboa, 2000, p. 258.

143
autorretrato de D. Miguel da Silva, embaixador junto do Papa Leão X, em 1514,
tornando-se o segundo representante de Portugal, junto da Cúria romana, no Concílio de
Latrão, tendo permanecido em Roma, durante três pontificados: o de Leão X (1513-
1521), o de Adriano VI (1522-1523) e o de Clemente VII (1523-1534), sendo que fora,
em 1525, chamado a retornar a Portugal para receber a nomeação do episcopado de
Viseu “Mas será importante não esquecer que o encomendador, o bispo D. Miguel da
Silva era o “perfetto corttegiano” com profunda formação nos meios humanistas
italianos.”325. Com esta representação o pintor tem como objetivo enaltecer e dar a
conhecer a figura do encomendante e como ele procurará, através do campo das artes
portuguesas, reproduzir o ambiente romano.

A pintura configura, segundo os princípios da perspetiva, um episódio de uma


cena bíblica, a ceia de Jesus Cristo, sendo que o ponto de fuga se situa na cabeça de
Cristo326. A cena desenrola-se sobre um “segundo” pavimento ladeado por duas
colunas, de estilo coríntio, como afirmação de modernidade, iguais às colunas do
claustro da Sé de Viseu (figs. 75 e 76), mandadas erigir por D. Miguel da Silva, em
1526, que enquadram a cena, que inspirou a oficina viseense de Vasco Fernandes, a
desenvolver teorias da proporção humana, geometria, fortificações e invenções
imagéticas, reproduzidas com um enorme realismo no plano fundeiro da composição,
enquanto os capiteis pintados a dourado denunciam algo meramente pictórico, com
motivos vegetalistas e zoomórficos, e com as volutas volvidas para cima (figs. 77 e 78).

325
BATORÉO, Manuel. A iconografia dos Santos Mártires de Lisboa em quatro pinturas do século XVI:
linguagem e significados, Lisboa, 2010, p. 261.
326
“Mas ao contrário do que sucede com a Última Ceia, cremos ser mínima a participação de Vasco
Fernandes nesta pintura. Apesar dos múltiplos repintes que lhe desvirtuam valores, e das inegáveis
semelhanças com o seu repertório figurativo, é uma pintura francamente distante da sua habilidade
compositiva e da sua personalizada e elaborada escrita pictural. De resto, será importante notar que à
concepção da Última Ceia, em determinados pormenores iconográficos, parecem não ter sido alheias
idênticas fontes inspirativas. É de todo provável que Vasco Fernandes estivesse já a trabalhar em
Coimbra no momento em que D. Miguel vê concluídas as obras da sua magnífica quinta de Fontelo e
encomenda as duas pinturas em questão. Mas é também provável que tenham sido feitas em simultâneo,
na oficina, e que o mestre tivesse tomado maior encargo na concepção do tríptico.”: PEREIRA,
Fernando António Baptista. O legado do Renascimento, Lisboa, 2000, pp. 262-263.

144
Já a forma de concha, semelhante à da Igreja do Grilo, do Porto (fig. 79 e 80), é
um dos reportórios do renascimento de base tratadística e não manuelina, numa abertura
que desemboca, ao que parece ser, uma capela iluminada por dois vitrais (fig. 81):

“Em primeiro lugar, há que assinalar que a pintura em questão prolonga a


linguagem figurativa dos grandes retábulos da Sé de Viseu, especialmente ao
nível da arquitectura que enquadra a cena. Os capitéis do primeiro e do último
plano, ainda que os fustes estriados possam imitar os do claustro, então já
concluído, surgem como prolongamento do S. Pedro e do Pentecostes. Embora
numa simplificação desconcertante, repete-se a forma simétrica da concha do
espaldar do trono do apóstolo, na abertura que dá acesso ao espaço contíguo
do fundo, bem como o tecto apainelado do Pentecostes. Os motivos dos azulejos
do pavimento são iguais a um dos que surge também nestas duas pinturas. E a
relação entre a forma das pequenas janelas do fundo, à esquerda, com as dos
painéis do retábulo de Lamego é também visível.”327.

A relevância desta obra, de modelos renascentistas de influência do norte da


Europa, é direcionada como um dos exemplos de vontade de arquiteturar o espaço
compositivo, característica do Renascimento, sendo que a arquitetura de fundo dada
pela voluta central que proporciona visualizar, as casas do burgo, numa paisagem de
fundo inspirada na gravura “Filho Pródigo” de Albrecht Dürer, de 1496 (figs. 82 e 83),
e na gravura “Melancolia I” para a conceção da figura de Maria (figs. 84 e 85).

Aqui, o fundo de pintura tornou-se mais arquitetónico através do emprego das


estruturas renascentistas depois da utilização do pavimento em perspetiva (fig. 86), em
que situam as figuras, e sem uma ordem, criam um espaço compositivo renascentista,
ainda que com a capacidade artística do pintor implica o relacionamento de diversos
elementos fundeiros nitidamente flamengos, onde revelam, na janela da esquerda,
paisagens verdejantes e esfumadas, a denotar montanhas, casarios tipicamente
flamengos, uma ponte e respetivo rio, e na janela da direita, “Santa Marta dominando o
Dragão”, numa perspetiva interessante da lenda de origem provençal, numa relação
entre a cena e o campo fundeiro (fig. 87), que figura uma cidade que se entende a partir
da porta principal, já a ponte sugere profundidade bem como outro lado da cidade, que

327
REIS-SANTOS, Luís. Vasco Fernandes e os Pintores de Viseu do Século XVI, Lisboa, 1946, pp. 403-
404.

145
não é observado no campo visual que o pintor pretendeu executar, com uma composição
fundeira semelhante à da gravura “The Return of the Prodical Son”, de Lucas van
Leyden (figs. 88 e 89), sem esquecer as figuras que nos dão a noção da escala dos
edifícios.

Uma das implicações da utilização da perspetiva resultam no debuxar da


arquitetura sob as normas da “nova” espacialidade, tanto na representação da arquitetura
existente, como na futuramente construída328, onde os vãos abertos, nas paredes, ao
centro e à direita da cena, se abrem para o mundo exterior329. Assim, a imitação realista
e o emprego da cor e da luz sublinham a profundidade do espaço e a densidade de
qualquer objeto, recurso presente também em obras do pintor Mestre de Abrantes
(Cristóvão Lopes?), sobretudo na obra Circuncisão (1550) (fig. 90), com possíveis
referências ao plano fundeiro da gravura do Mestre IAM de Zwolle (fig. 91). Esta obra
ostenta um extraordinário fundo de arquitetura sacra, onde se realça um deambulatório
com colunas de ordem clássica, com capitéis coríntios, e tetos com abóbadas de cruzaria
de ogiva, porém esta arquitetura religiosa ainda apresenta soluções do tardo-gótico.

Este painel define com uma maior objetividade o relacionamento entre o cliente,
o pintor e as fontes gráficas foram ofertadas, a ver, pelo próprio mecenas. Nesta obra
pictórica, a arquitetura remonta-nos a um monumento ao romano, numa tentativa de
renovação artística da cidade de Viseu por parte do bispo D. Miguel da Silva, numa
protagonização que se espelha nas arquiteturas nacionais, maioritariamente em obras
religiosas, onde mais imperou a arquitetura clássica experimental de Francisco de
Cremona. Importa ressalvar que a corte D. João III viveu nas áreas de Lisboa e Évora330.

328
“Em Portugal (…), transparece uma certa “artesanalização” da perspectiva científica na análise
espacial das pinturas, em que prevalecem fórmulas de certo modo empíricas (baseadas em princípios
geométricos extremamente elementares como o paralelismo, a simetria e a proporcionalidade), numa
paradoxal simbiose com a perspectiva racional italiana.”: POLICARPO, Isabel Ponce de Leão.
Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos arquitectónicos na pintura do Renascimento
português, Coimbra, 1996, p. 113.
329
“É também essa a via para as paisagens, de bosques e de escarpas, rasgando se através de
arquitecturas regulares, no recorte das janelas, ou nos vãos de colunatas e arcadas que abrem para o
céu azul-ferrete esvaindo-se até ao horizonte (…)”: RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco e a pintura
europeia do Renascimento, Lisboa, 1992, p. 13.
330
“Évora, não sendo a segunda cidade do reino, que era o Porto, pesava fortemente pela frequente
presença da corte e da multidão clientelar que a acompanhava”: PARDAL, Rute. As elites de Évora ao

146
A cidade de Évora adquiriu relevância ao longo dos séculos XV e XVI tornando-se a
capital do Humanismo, sendo que já neste período, Nicolau Chanterene é homem de
corte e Miguel de Arruda, mestre arquiteto, dá os primeiros passos.

Segundo a opinião de Luís-Reis Santos e Reynaldo dos Santos esta é “uma obra
de colaboração, certamente com Gaspar Vaz, em cujas paisagens encantadoras paira
uma sugestão cosmopolita, quase giorgionesca, estranha ao espírito e à sensibilidade
de Grão Vasco”331, todavia Dagoberto Markl aponta-a como uma totalmente atribuível
a Vasco Fernandes. Apesar desta hipótese prevalecer na historiografia portuguesa, é a
associação do encomendante, D. Miguel da Silva, e a utilização das gravuras, de
Albrecht Dürer, que marcam um parecer, face a uma chamada de atenção de uma
linguagem marcadamente renascentista pelo seu interior doméstico paralelamente a um
exterior tipicamente flamengo.

Gregório Lopes é a figura central da pintura do Renascimento e do Primeiro


Maneirismo de Antuérpia em Portugal, com base na ornamentação patente nos
grotescos e no orientalismo das figuras, dando sempre uma certa relevância aos fundos
arquitetónicos ou paisagísticos. Fez a sua formação, em Lisboa, na oficina do pintor
Jorge Afonso, acabando este por ser seu sogro, tonando-se um digno representante da
“escola de Lisboa” e pelo impacto da sua arte, nomeadamente em fatores relacionados
com a mudança e modernidade “É um dos mais brilhantes artistas da primeira metade
do século XVI e pode considerar-se, de certa forma, um homem de inspiração
renascentista (por via neerlandesa), ainda que a dado momento da sua carreira
manifeste já preciosos ressaibos de experimentação maneirista (o «Martírio de S.
Sebastião»,), que impelem a visioná-lo esteticamente como um inovador.”332.

A obra Martírio de S. Sebastião (1536-1538) (fig. 92) encontra-se, hoje,


localizada no MNAA, sendo que outrora pertencia a um conjunto de quatro painéis
retabulares de um dos doze nichos do deambulatório da Charola do Convento de Cristo,
em Tomar (figs. 93 e 94), um primitivo templo românico dos Templários, datado do
século XII, e convertido, posteriormente, por D. Manuel I, em cabeceira da igreja,

tempo da dominação filipina: estratégias de controlo do pode real (1580-1640). Biblioteca – Estudos &
Colóquios, nº 14, Publicações do Cidehus, Edições Colibri, Évora, 2007.
331
RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa. O processo criativo de Vasco
Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000, p. 403.
332
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, pp. 64-65.

147
passando o seu tambor interior a funcionar como capela-mor. Durante a centúria de
quinhentos, a Charola foi enriquecida por obras de pintura retabular e mural, estuque,
talha dourada e escultura em madeira.

O convento de Cristo (fig. 95), denominado ex-libris da cidade de Tomar e um


dos maiores conjuntos monumentais da história da arquitetura portuguesa, é
representado diversas vezes nas obras de Gregório Lopes, o que não nos surpreende
devido a dois fatores, a reforma da Ordem e a ação de João de Castilho333. Aqui, o que é
importante é estabelecer o caráter de importância relativo à iconografia deste
monumento e a simbólica adjacente, pois era a construção que mais se aparentelava com
o Templo de Jerusalém, que surgia, recorrentemente, nos planos fundeiros da pintura de
origem flamenga. Estas construções arquitetónicas podem ser apontadas como
representações ideais.

O autor Joaquim Oliveira Caetano fundamenta que a obra pintada foi para um
local onde a perspetiva da pintura não se subordinava:

“o que Lopes faz é estudar organização perspéctica do quadro não subordinada


um ponto de vista, mas sim a dois, colocando o observador não no centro do
quadro mas nos dois locais onde primeiramente tomava contacto com a obra,
harmonizando-se depois os vários elementos da pintura com esta visão através
de distorções sabiamente calculadas dos elementos arquitectónicos de fundo e
das principais linhas de fuga do painel.”334.

Por esta razão “Julgamos que o movimento da figura de S. Sebastião e o jogo


perspéctico com os fundos de arquitectura e as personagens que povoam o espaço
intermédio pode ter resultado, também, de um interessante jogo de observação da
gravura em directo e em contraposto. Olhando a pintura nos seus pormenores
iconográficos e compositivos verificamos que há uma tentativa de aproveitamento das
sugestões da gravura adaptando-as aos sucessivos posicionamentos do olhar

333
“Todo o convento de Cristo corresponde a um programa iconográfico específico, onde, no dizer de
Paulo Pereira, está patente a avaliação formal e o entendimento estético do Manuelino, os seus
exotismos estruturais e decorativos, a simbologia do Poder Real, constituindo-se como objecto de uma
iconologia aplicada.”: POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura
architectura”: os fundos arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 117.
334
BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 250-251.

148
terminados pelos sentidos de percurso da Charola, posicionamentos estes
acompanhados pelo formato da pedra sobre os pés de S. Sebastião.”335.

Gregório Lopes reforça a ideia de uma narrativa passada na cidade Roma (fig.
96), palco do suplício do guarda pretoriano, e da representação de um dos mais
significativos monumentos da Antiguidade Clássica, o Coliseu de Roma (fig. 97), no
fundo compositivo, muito embora, o pintor se afaste, decididamente dos modelos do
Renascimento clássico italiano, para uma abertura aos novos valores do Maneirismo,
testemunhando um valor de avanço a nível estrutural e pictural. A composição é
particularmente interessante porque no centro reflete S. Sebastião, ladeado por dois
archeiros que manejam as suas armas em direção ao corpo do santo, amarrado a um
poste e crivado de setas num espaço aberto com uma cidade por fundo, e por outro, o
processo de viragem “anti-renascentista” de transição maneirista que se começa a
manifestar a partir de 1536, perdendo progressivamente os modelos manuelinos de
grande limpidez cromática, de perfeição técnica a nível de aplicabilidade dos
pigmentos, do desaparecimento da habitual clareza clássica da narrativa e de
interpretação rigorosa e deleitosa dos pormenores do dia-a-dia e da própria relação de
proporções na construção dos espaços de forma ambígua.

Aqui esfumam-se os ecos goticizantes sob um tratamento cromático dinamizado


por movimentos antagónicos e pelo jogo de formas característicos de uma
“modernidade maneirista”, resultante desta transição que denuncia o intenso realismo
do plano fundeiro de dramática representação de um auto-de-fé e das gradações de cor,
ousando o espaço da composição336. Importa referir que esta modernidade que impera,
nesta centúria, resulta de várias linhas que podem ser traçadas: existe uma evolução da
figura humana; o espaço pictórico é reinventado com base na proporção, medida e
módulo; os planos de paisagem/geografia, fundos idealizados, cidades ideais e
arquiteturas idealizadas que procuram ser modernas estabelecem relações com a
335
BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 250-251.
336
“ao ano de feitura de um quadro como o «Martírio de S. Sebastião» de Gregório Lopes (…), painel
esse onde as propostas conflituais no tratamento do espaço pictural, no novo figurino e jogo ambíguo de
proporções, assinalam sintomas de reflexão e de viragem muito importantes. esse painel de Gregório
Lopes (…) tem a curiosidade de incluir, num dos fundos, uma cena dramática de um auto-de-fé, pintada
com extremo realismo e em agitadas e sinuosas gradações cromáticas.”: SERRÃO, Vítor. O Maneirismo
e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 33.

149
iconografia, ou seja, a imagem tem de cumprir com a sua função, funciona com uma
linguagem de comunicação.

O que importa aqui referir é o processo de síntese, de construção da realidade e


os efeitos de luz e de profundidade a par de uma rutura do modelo clássico, do culto da
individualidade, da importância dada ao desenho e às composições com uma
organização movimentada, ao dramatismo e ao cromatismo vibrante que acentua a
vivacidade das cenas e as proporções e atitudes dinâmicas das figuras. De qualquer
modo, a relação entre as figuras e fundos resume-se a modernidade, solução essa que
Gregório Lopes adotou face a uma cena que se desenrola horizontalmente e onde a
profundidade é denunciada pela composição através de diferentes pontos de fuga que se
interligam337. Estes curiosos jogos perspéticos permitem ressalvar os detalhes e o nível
de profundidade das arquiteturas patentes nos planos fundeiros, tornando-se em certa
medida vislumbrar um outro quadro inserido no primeiro “(…) por razões que se
prendem mais com a solução final da perspectiva e composição do que com a fonte
gráfica eventualmente utilizada, tanto mais que a gravura de Albrecht Dürer não
contém elementos que sugiram as angulações, os contrapostos e a perspectiva que a
obra final apresenta.” 338 (fig. 98).

Sendo que é nos planos fundeiros que se espelha, da melhor forma, a


sensibilidade artística do pintor, e onde ressaltam os motivos da natureza, os
pormenores da paisagem e, sobretudo, os conjuntos de arquitetura que dão vida à
composição e envolvem a cena principal, com possível alusão à obra da Rua Nova dos
Mercadores (figs. 99 e 100). No século XVI, sobretudo nas obras da década de trinta, é
patente os fundos de ruínas ou motivos all’antico (fig. 101), onde as características
deste pintor estão inseridas.

Na década de quarenta, chegaram novos ecos italianizantes, todavia os modelos


flamengos findaram a sua representação, e consequentemente, foram designados por

337
“quer pela introdução de figuras num plano intermédio entre a cena em primeiro plano e as
arquitecturas fundeiras, onde a perspectiva da praça, as casas de telhados esconços e, o grande edifício
redondo quase inclinado (…)”: POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura
architectura”: os fundos arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 42.
338
BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização
Instrumental de Fontes Gráficas, Lisboa, 2011, p. 249.

150
Primeiro Maneirismo de Antuérpia, com base na ornamentação dos grotescos e na
importância desempenhada pelos fundos arquitetónicos ou paisagísticos:

“Ainda que a directa influência italiana tenha sido em todo este processo
essencial, não deveremos também desapreciar outras vias de «penetração
italianizante» ao tempo verificadas. A tradicional influência flamenga continuou
a verificar-se na segunda metade do século XVI, quer através de mestres
maneiristas que entre nós trabalharam (…)”339.

Até então, esta penetração renascentista que imperava através de Bruges e


Antuérpia, e que detinha ligações a uma tradição tardo-gótica, foi revista pelo momento
de viragem proposto pelo pintor Gregório Lopes, que reviu os valores e converteu-os,
tornando-se o precursor do Maneirismo na pintura portuguesa:

“«Quando os artistas se abeiraram de meados do século XVI», escreve Adriano


de Gusmão, «tudo o que até então havia sido cultivado com esmero entrou em
dissolução, acusando a quebra dos planejamentos, as atitudes das figuras e o
seu próprio desenho e o dos acessórios, um convencionalismo que denunciam o
esgotamento de toda uma experiência estilística. É o que se verifica nas obras
finais da parceria dos Mestres de Ferreirim, muito particularmente em Gregório
Lopes e Garcia Fernandes». É em tendências localizadas (Lisboa, Abrantes,
Évora) que se desenvolvem - por via nórdica embora - as primeiras
manifestações maneiristas que, sem continuidade aparente, conseguiram
todavia superar aquela tendência de convencionalismo e de saturação de
modelos.”340.

O Maneirismo é o resultado de uma renovação interna da Igreja contra-


reformista que se desenvolve sob rigidez e intolerância, todavia, sem esquecer, a
modernização que advém, condicionada por uma situação de crise. Esta nova
manifestação estética resulta de um gosto dominante de soluções anti-renascentistas que
invade as composições pictóricas subordinadas de uma nova iconografia e a um novo
gosto, ligado à realidade, ou melhor, a uma imitação a partir da construção mimética da
realidade, isto porque a cópia da mimese da natureza não é suficiente, e por isso reduz-

339
SERRÃO, Vítor. O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses, Lisboa, 1983, p. 42.
340
Idem, pp. 37-38.

151
se os objetos à sua versão mais simplificada, criando assim uma imagem o mais real
possível da realidade.

Em Portugal, a arquitetura apresentou, na centúria de quinhentos, sinais


profundos de mudança e avanço, nomeadamente, no que diz respeito, à concretização de
estruturas imaginadas no decorrer de uma linguagem alcançada pelos pintores,
influenciados por diversas fontes, gravuras, tratados e desenhos, situação essa que
permitiu o impulsionamento da representação de uma realidade do quotidiano do artista.
Estas figuras estavam abertas a novas sugestões estéticas, tendo como maior exemplo, o
pintor Gregório Lopes que evoca cidades de Lisboa, Tomar e Coimbra nas
representações arquitetónicas fundeiras das suas obras, todavia estas construções
coexistem a par da cópia de gravuras, tornando-as idealmente construções imaginárias.
Em muitas das obras, este espelho coexiste numa influência de representações
imaginárias na real, em consequência detemos o privilégio dos pintores arquitetaram
construções nas composições pictóricas, todavia é priorizado a arquitetura construída.
Habitualmente, nestas representações eram exibidos elementos exemplares de um ou
outro lugar, o que nos permite, deste então, identificar o local físico onde o pintor se
situava quando executou a obra, ou até mesmo, como testemunho das arquiteturas da
época.

Tal como referido por Flórido de Vasconcelos, as representações arquitetónicas


contribuíam, de certa forma, para a datação como para a atribuição de certas obras a
determinados pintores, assim como permitiram identificar elementos de monumentos
desaparecidos ou transformados341. Em muitas obras, para além de representações
arquitetónicas, estas patenteiam pormenores regionalistas e locais de valor documental
“como Reynaldo dos Santos tão insistentemente frisaram, não é também esquecido,
contudo, este regionalismo peculiar que se encontra nos fundos de arquitectura destes
segundos planos, como preferencialmente são referidos, reflectindo uma visão pictórica
muito própria”342.

341
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 118.
342
Idem, Ibidem.

152
2.2 Os diversos modos de “ver e fazer obra de arquitectura”: “ao romano”, “ut
pintura architectura”, “microarquiteturas” e fundo de arquitetura figura-
da, imaginada e decorativa

Na centúria de Quinhentos a definição decorativa ao romano 343 surge e chama à


atenção de Portugal, nomeadamente com o exercer de uma prática que recebe um novo
sentido decorativo com fonte de inspiração oriunda de Itália, a par de uma imagem
criada por Cesariano, adaptada às circunstâncias culturais vivenciadas no caso
português, e que posteriormente, vem a ganhar raízes entre nós, o fenómeno
denominado Renascimento, de cultura classicizante, e pela decoração à maneira
“Manuelina” que aplicou e convergiu os valores plásticos em voga, através de
ornamentos empregues em janelas (fig. 102), portais, nervuras de abóbadas, livros
iluminados, peças de ourivesaria, cadeirais, marcenarias dos retábulos e pinturas de
altar:

“Na ausência de uma teoria consistente e acessível em Portugal, os ensaios que


inauguram no País a versão romanizada da decoração sondam ainda o terreno
escorregadio da pesquisa experimental, fruto da confluência feliz da vontade de
modernização da encomenda e da categoria da mão-de-obra presente. A (…)
importância do ornamento enquanto instrumento de persuasão na leitura do
espaço decorado cresceu gradualmente à medida que em Portugal iam entrando
a literatura (…) com os novos modelos. (…) Desta forma, a cultura que, ao
longo do século XV, se foi forjando na Itália renascentista sustentada pela força
dos textos escritos não deixou de pensar a eficácia do ornamento, integrá-lo
num sistema ordenado de racionalização do espaço construído e atribuir-lhe um
grau de potencialidades geradoras de harmonia, equilíbrio e felicidade. Assim

343
“(…) designava-se na época por moderno e por ao romano aquilo que nós hoje chamamos de
“gótico” e de “renascentista”, numa inversão dos respectivos sentidos históricos (…) Esse aparente
paradoxo põe, afinal, a nu o choque de concepções da História e de modelos de cultura que separava o
mundo medieval do que dele nascia e reclamava a diferença (…)”: MOREIRA, Rafael. A arquitectura do
Renascimento no sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o Moderno e o Romano, Lisboa, 1991, p. 5.

153
chegaria a Portugal pelos mesmos canais em que se escoaria também o
“pacote” mais global do Renascimento artístico.”344.

A década de trinta do século XVI denomina-se como o período crucial na


história da arquitetura e escultura renascentistas portuguesas, sendo, precisamente, na
data de 1529, que sucedeu a primeira ocorrência em português, na escrita oficial do
notariado, da expressão ao romano para indicar o modo ao romano ou all’antico da
Itália, desde a centúria de Quatrocentos, situação oposta ao tardo-gótico e manuelino-
joanino, que eram apontados de modernos, por conseguinte da tradição e de uma
“moda” multicentenária345. Desde o início do século XVI, que a utilização do termo ao
romano coexistiu a par do termo all’antico. Apesar de ambos os termos serem
entendidos como sinónimos, ambos foram suficientemente expressivos pela sua
referência à Roma antiga346, cujas ruínas e ornamentos foram procurados como
paradigma de uma nova arte, encontrando a sua expressão mais completa e prestigiada
nas formas de arquitetura e nos motivos decorativos, patenteados nos planos fundeiros.
Esta decoração deve ser tanto entendida como novidade transportada como capacidade
construída, no campo das formas e espaços, não esquecendo que os sistemas
decorativos assumem-se como veículos condutores num estatuto que ganha forma e
sentido no seio de uma composição arquitetónica.

O modo ao romano denuncia uma consciência do valor da pintura, pelo seu


posicionamento na História, e a importância relativa nos fundos arquitetónicos e nos
motivos clássicos, sobretudo como referenciais de origem temática e iconográfica, numa
proveniência desses gravados, que assumiram na pintura uma dimensão plural que
atravessou a centúria de Quinhentos, e por isso, esta afirmação é notória pela liberdade
de representação dos modelos gravados:

344
CRAVEIRO, Maria de Lurdes. A arquitetura “ao romano”. Arte Portuguesa da Pré-História ao
Século XX, Vila Nova de Gaia, 2009, p. 13.
345
MOREIRA, Rafael; RODRIGUES, Ana Duarte. Tratados de Arte em Portugal, Lisboa, 2011, p. 58.
346
“Quando, num acto contratual, se estabelece a obrigação de fazer “obra romana”, está-se em
presença de uma cultura arquitectónica que forja alternativas face à “obra moderna”, ou seja, a
tentativa de abrir caminho à imposição de comportamentos de clássica definição, ultrapassando a
“maneira gótica” que rege ainda a arquitectura portuguesa na transição do século.”: CRAVEIRO,
Maria de Lurdes. A arquitetura “ao romano”. Arte Portuguesa da Pré-História ao Século XX, Vila Nova
de Gaia, 2009, p. 9.

154
“A oposição romano vs. moderno, isto é a fase inicial de um Renascimento
perfeitamente entendido no seu conflito de vida ou de morte contra um
Manuelino moribundo e um tardo-gótico já debilitado - o eclodir de uma nova
visão da vídeo do mundo mais humana, racionalista, moderna e materializável à
imitação dos Antigos - domina toda esta década de 30 do século XVI,
avançando quase de ano para ano com novas fundações - palácios rurais,
igrejas paroquiais, conventos, obras públicas - de senhores da alta aristocracia
não comprometidos com o regime de D. Manuel e, muito ao contrário, fiéis ao
filho D, João III (1521-57) na sua clara política de abertura ao Humanismo.
Ambos os “modos” (estilos) rivalizam, convivem, justapõem-se, por vezes numa
mesma obra, mas sem nunca se fundirem, pois que um significava a morte do
outro, conduzindo por fim a vitória em toda a linha do “modo Romano” ao
barrir irreversivelmente qualquer lembrança do Manuelino ou traço de
goticismo e ser adoptado pela encomenda régia (…)”347.

A gravura é invulgarmente reproduzida na sua integra pelos pintores


portugueses, que, empregavam diversos gravados numa só composição, por vezes,
copiavam-nas ocultando diversos aspetos que eram substituídos por outros ao gosto da
época manuelina-joanina, tal como ocorre nas arquiteturas dos fundos das pinturas que
detêm um papel preponderante em aspetos relacionados com a originalidade da
representação construtiva dos modelos arquitetónicos.

A título de curiosidade, Francisco de Holanda, no seu tratado Da Pintura Antiga,


no capítulo XI e XII, estabelece uma centrada e precisa ideia sobre a separação entre o
antigo e o velho, e entre o antigo e o novo348. Aqui, a par da defesa da Antiguidade

347
MOREIRA, Rafael. A arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o
Moderno e o Romano, Lisboa, 1991, p. 58.
348
“Há aí grande diferença entre o antigo, que é muitos anos antes que Nosso Senhor Jesus Cristo
encarnasse, na monarquia de Grécia e também na dos Romanos; e entre o antigo a que eu chamo velho,
que são as coisas que se faziam no tempo velho dos reis de Castela e de Portugal, jazendo a boa pintura
ainda na cova. Porque aquele primeiro antigo é o excelente e o elegante; e este velho é o péssimo e sem
arte (PA I, 11). (…) «porque se celebra a Pintura Antigua e que cousa é», e que diz o seguinte: porque
não cuide alguem que são algumas velhices desacostumadas por que ao menos tão nova coisa é ela em
Espanha e Portugal que estou em afirmar que nunca ainda foi vista nele (PA I, 12).”: RODRIGUES,
Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa. O processo criativo de Vasco Fernandes (1500-
1542), Coimbra, 2000, pp. 34-35.

155
emergem valores de remissão, onde o moderno só será denominado bom se envolver o
paradigma do antigo.

Aqui, a linguagem dos ornamentos ao romano ou all’antico acentua a


intelectualidade dos espaços e das formas dos saberes clássicos mesclados com outros
modelos construtivos, sendo que a intenção do caráter estrutural e espacial é dado,
preferencialmente, pela perspetiva na arquitetura. Devido a este modo ao romano, a
cidade tornou-se num lugar que figura o encontro entre o passado e o presente,
particularmente pelo gosto de transição que corresponde a elementos de nítida
influência clássica presente nas estruturas e nos ornamentos das ordens, e significa
também, a direção a um acolhimento de uma cultura romanizada, com novas propostas
decorativas. O panorama vivenciado no nosso país enuncia, tardiamente, os sintomas de
uma gramática de sintaxe classicista do Renascimento a despontar nos fins do reinado
de D. Manuel I:

“No reinado de D. Manuel, a terminologia “ao romano” aparecia então


cristalizada nas fórmulas contratuais, indicando uma vontade explícita em
oposição à sensibilidade gótica e abrindo caminho a uma decoração que
firmava uma identidade mais global através da integração do ornamento de
matriz classicizante. Os motivos de grutesco geraram regularidade e simetrias,
tal como aderiram a uma cultura plástica de fantasia na visão metamorfoseada
do mundo que, por sua vez, também não se esgotou no período
historiograficamente designado de “Primeiro Renascimento”.”349.

O conceito de ut pictura architectura denuncia o uso sistemático de arquiteturas


na pintura, procurando a modernidade e abertura à Antiguidade através dos planos
fundeiros e das decorações ornamentais. Francisco de Holanda foi o criador e o
precursor do conceito de prisca pictura, conceito esse paralelo ao de prisca theologia,
defendido por Marsílio Ficino. Esta origem divina, no tempo e no espaço, estava
relacionada com a elevação da pintura ao nível da teologia, ponto fundamental no seu
tratado Da Pintura Antigua. A definição de prisca pictura está inteiramente relacionada
com a pintura antiga que para Francisco Holanda toda a arte era produzida pelo
desenho, sobretudo pintura, escultura e arquitetura, que patenteasse as proporções da

349
CRAVEIRO, Maria de Lurdes. A arquitetura “ao romano”. Arte Portuguesa da Pré-História ao
Século XX, Vila Nova de Gaia, 2009, p. 7.

156
Antiguidade Clássica350. O humanista Francisco de Holanda defende que a cidade de
Roma é o local onde se encontram as mais dignas obras de pintura e cultura, como que
evocando as maravilhas do universo centrado nas ruínas de um passado grandioso,
sendo um ponto de concentração e de acumulação de obras de arte, no geral, todavia,
manifesta que a arte romana não é das mais belas manifestações, no que diz respeito à
pintura da antiguidade. Quanto a isto, Holanda designa pintura antiga como toda a arte
produzida pelo desenho, conferindo esta o título de pintura oriunda de Itália.

A inclusão de microarquiteturas, na maioria das composições pictóricas,


destinava-se a dar uma relevância singular a determinadas representações de
arquiteturas reais ou imaginadas, transferindo o conhecimento e o gosto do pintor por
uma nova linguagem, sendo na sua maioria referências a representações de origem
clássica ou flamenga:

“A microarquitetura (…) desvenda-nos esse campo fértil de expansão de um


domínio arquitetónico de puro formalismo, uma vez mais em processo de
apropriação simbólica (…). Não por acaso, é no declinar da Idade Média, com
a paulatina emergência do Estado-mecenas, da sociedade de Corte e das suas
apetências representativas, e com o Gótico como fenómeno internacional (…),
que se ativa a circulação de ideias e formas, a um tempo tirando proveito do
território experimental constituído pelas outras disciplinas artísticas e do valor
simbólico da arquitetura enquanto continente. E é nesse contexto que se assiste,
em simultâneo, a adaptações mais ou menos seriáveis (custódias, arquitetura
retabular) e à produção de objetos de exceção, num diálogo transversal, que o
Renascimento prolongará, e terá tido certamente repercussões em ambos os
domínios da conceção: da assimilação, pelas outras disciplinas, dos valores
compositivos da arquitetura (e não apenas da sua linguagem) ao seu uso
enquanto território experimental, testando ideias e soluções a edificar.”351.

350
“Esta pintura a que chamo antigua, se acha somente nos edifícios e statuas e pilos das obras da
grande Roma, ou onde quer que houver outras taes como aquellas, também ali chamarei Roma (…)”:
DESTERRO, Maria. Francisco de Campos (c.1515-1580) e a Bella Maniera: entre a Flandres, Espanha
e Portugal, Tomar, 2008, p. 257.
351
PIMENTEL, António Filipe. A arquitectura imaginária. Pintura, escultura, artes decorativas, Lisboa,
2012, p. 9.

157
Estamos, pois, perante casos de estudo selecionados e a outras referências
artísticas, às quais observamos a aplicabilidade da microarquitetura, que assumiu desde
logo e ao longo da centúria, diferentes feições, sendo notório nas obras Menino Jesus
entre os Doutores (fig. 31), Chegada das Relíquias de Santa Auta (fig. 34) e Cristo em
casa de Marta e Maria (fig. 72), todavia, este modo de caracterização cenógrafa
caracteriza-se através de significativas presenças arquitetónicas miniaturizadas e
decorativas, entre elas:

• Abóbadas, estruturas arqueadas que cobrem o espaço entre dois apoios e


formam a cobertura do edifício. No renascimento adotou-se as formas
mais simples, mas por vezes com dimensões espetaculares, tendo como
maior exemplos as obras Casamento da Virgem (1527), de Gregório
Lopes (fig. 103), de estrutura arquitetónica similar à igreja manuelina do
Convento de Cristo, em Tomar (figs. 104 e 105), e Casamento de Santo
Aleixo (1541), de Garcia Fernandes (fig. 106), sendo que ambas
patenteiam o mesmo género de abóbada, a de aresta em ogiva;
• Colunas, elemento que serve para decorar e suportar outros elementos
estruturais, estas podem ser de mármore, de veios polidos ou de uma cor
avermelhada, tendo como exemplos as obras Pentecostes (1534-1535)
(fig. 107), de adesão aos valores do Renascimento italiano, evidenciado
pelo ecletismo das componentes classicistas, e Última Ceia (c. 1535-
1540), ambas de Vasco Fernandes (fig. 108);
• Capitéis, que a partir do Renascimento retornam às ordens clássicas,
dórica, jónica, coríntia, toscana e compósita. Exemplos Adoração dos
Magos (1520-1523) (fig. 109), de Gregório Lopes, Anunciação (c. 1523),
de Frei Carlos (fig. 110), Jesus na casa de Marta e Maria (c. 1535-
1540), de Vasco Fernandes (fig. 111);
• Loggias ou galerias, que se abrem para o exterior. Exemplos: O Bom
Pastor (c. 1520), São João Evangelista (c. 1530), de Frei Carlos (figs.
112 e 113), e O Desembarque em Lisboa dos três Santos Mártires
Veríssimo, Máxima e Júlia (c. 1530), de Garcia Fernandes (fig. 114), que
exibe o Paço da Ribeira, em Lisboa (figs. 115 e 116);
• Ornamentação escultórica, ou seja, conjuntos de motivos e elementos
puramente decorativos que embelezam uma obra, gerando uma harmonia

158
entre o objeto e o estilo, tendo como principal fonte a natureza ou a
índole abstrata e geométrica (brasões, medalhões, tondi, vieiras, escudos,
cartelas, entre outros)352. Exemplos: Chegada das Relíquias de Santa
Auta (c. 1522), de Gregório Lopes (tondi) (fig. 117) e São Pedro (c.
1529) de Vasco Fernandes (escudo e concha) (figs. 118 e 119).
As microarquiteturas denotam uma vontade inquestionável que o pintor detinha
em patentear, nas suas composições pictóricas, construções espaciais que combinavam
com o novo vocabulário arquitetónico, italiano e flamengo, que surgia na era de
Quinhentos, mas também é verdade que, por vezes estes artistas geraram estruturas e
espaços que se ligaram aos seus modelos, não só formalmente, mas também no seu
significado narrativo:

“Esta é uma das razões pela qual podemos distinguir entre uma
«microarquitetura», em que a miniaturização do construído obedece a uma
coerência arquitetónica, e a utilização decorativa, mais morfológica que
sintática, de elementos da decoração arquitetónica, utilizados contudo de uma
forma subordinada ao objeto em que se apresentam.”353.

A inclusão destas microarquiteturas projetaram, na arte portuguesa, um toque de


modernidade e novidade, com visita guiada pelo espaço compositivo, e não só pela cena
central da pintura, sendo que aqui procuravam representar fundos arquitetónicos
imaginados ou reais, todavia a inventio do artista imperava aqui, através de uma
idealização figurada dos modelos all’antico na idealização das construções edificatórias
ou parte delas, auxiliadas, em parte, pelo largo programa de gravuras nórdicas e das
imagens inseridas nos tratados de arquitetura, que detinham em sua posse “A busca
incessante de novidade e de complexidade (…) fez com que no final do século XV e nas
primeiras décadas do século XVI a microarquitetura se tornasse um «veículo para o

352
“O ornamento é entendido como elemento isolado e potencialmente destacável da totalidade mas que,
de facto, não adquire leitura fora do contexto a que pertence. O mesmo é dizer que, idealmente, as
unidades ornamentais podem ser submetidas a uma interpretação diferenciada daquela que adquirem
quando integradas num conjunto de uma dinâmica articulada com outros elementos decorativos. Por seu
turno, a decoração projecta-se em ritmos de continuidade que abordam o ornamento numa expressão de
coerência formal e interpretativa.”: CRAVEIRO, Maria de Lurdes. A arquitetura “ao romano”. Arte
Portuguesa da Pré-História ao Século XX, Vila Nova de Gaia, 2009, p. 9.
353
PIMENTEL, António Filipe. A arquitectura imaginária. Pintura, escultura, artes decorativas, Lisboa,
2012, p. 45.

159
mais avançado desenho arquitetónico, a exploração espacial e uma forma de escultura
arquitetural abstrata»”354. Esta linguagem que impulsionou o poder criativo do artista
português do século XVI incorporou uma inevitável comunicação entre os meios,
pintura, escultura e arquitetura, e um ensaio de formas da arte de construir e um
complexificar das formas arquitetónicas associadas ao designado manuelino e a novos
gostos exigidos pelos novos tempos, de inspiração clássica e flamenga:

“A liberdade com que os motivos arquitetónicos são dispostos, a utilização da


linguagem das ordens clássicas para dar ritmo e legibilidade à estrutura da
peça, mas funcionando com certa autonomia em relação aos outros elementos
decorativos, permitem-nos conceptualmente distinguir entre uma
«microarquitetura», isto é, a modelização das formas arquitetónicas edificáveis
em pequena escala, e o uso decorativo de uma gramática arquitetural
subordinada sempre (…)”355.

Importa ressalvar, que as microarquiteturas detém uma aplicabilidade constante


na pintura, escultura (fig. 120)356 e ourivesaria (fig. 121), de ideação experimental da
arquitetura, sendo que, estas:

“procuram, por um lado, representar o real com maior ou menor fidelidade, por
outro, partir para a imaginação alegórica dos modelos arquitectónicos (quase
sempre ao romano) e, por último, ensaiar soluções virtuais e fantásticas e, por
último, ensaiar soluções virtuais e fantásticas e, por estes motivos, irrealizáveis.
Em alguns casos, as arquitecturas por eles utilizadas nos retábulos não são
mais do que a reprodução de modelos ou exemplos da realidade artística que
tiveram ensejo de apreender pelos vários territórios por onde passaram.”357.

Toda esta miscigenação reflete-se na modernização da cultura portuguesa, e ao


mesmo tempo, este caminho veta um novo rumo na sociedade, o que permitiu, à época,

354
Idem, p. 64.
355
Idem, p. 113.
356
As arquiteturas fundeiras aqui representadas evocam a arquitetura do tempo de D. Manuel I, e ao estilo
do primeiro Renascimento francês. In FLOR, Pedro. Imagens da Cidade – os fundos de arquitectura na
escultura retabular em pedra do Renascimento em Portugal (1500-1550), Lisboa, 2003, p. 150.
357
Idem, ibidem.

160
uma adequação mental face à presença do Humanismo português e da influência externa
que se fazia sentir no país.

O século XVI, sobretudo a partir do segundo quartel, ficou marcado,


fundamentalmente, pela vertente clássica, adaptando as representações arquitetónicas ao
“modo de Itália”, apontando nas obras pictóricas os novos conceitos perspéticos que
tornavam-se cada vez mais frequentes. Os pintores despontam diversas representações e
formas arquitetónicas: arquiteturas reais, simbólicas, experimentais ou imaginadas.

O espelho do real vai ganhando asas nestas representações fundeiras trabalhadas


através de uma versatilidade de modelos flamengos, repletos de convencionalismos, e
italianos, baseados no peso do ao romano e all’antico nas arquiteturas, maioritariamente
denominadas por arquiteturas regionais, no caso português, sobretudo devido a dois
fatores: ao tratamento dos planos, e por consequência, às suas perspetivas, e à
luminosidade, que auxilia o pintor na referida autonomia e singularidade compositiva.
Devemos ter em conta que qualquer plano fundeiro com arquiteturas reais, simbólicas,
experimentais ou imaginadas, demonstra a qualidade plástica do pintor bem como os
seus conhecimentos, tanto de natureza artística como arquitetónica, o que faz acrescer a
vontade do artista em afastar-se das temáticas recorrentemente representadas, de índole
religiosa, o que não lhes permite apreender nas suas obras novos métodos estilísticos e
empregar estruturas arquitetónicas nos planos fundeiros, fatos traduzidos na
modernidade que pretendiam ilustrar e fazer se sentir na pintura portuguesa do século
XVI.

Em tudo isto, a arquitetura imaginada é definida, em termos genéricos, como


uma viagem de formas e de ideias de modernidade, enquanto ato inventivo e
imaginativo, nas mais diversas áreas da criação artística e de renovação do
conhecimento. Este género de produção leva-nos a refletir sobre os valores edificáveis,
enquanto projeção do ideal artístico e como espaço operativo do próprio debate
arquitetónico, sobretudo no desvendar de cada uma das obras, nomeadamente no quadro
dos recursos da arquitetura e dos objetivos representativos, compositivos, cénicos e
ornamentais que o pintor tencionava manifestar e configurar na sua obra, passível a ser
construído “Nesse sentido, a arquitetura convocada a um tal conclave é a que não se
edifica, mas tão- -só se idealiza, concebe, projeta, planeia, engendra, ou imagina, com
destino objetivo ao território ficcional dos múltiplos suportes onde a reconhecemos,

161
mesmo que, no plano das ideias, estes possam ter desempenhado, algures no tempo, um
papel catalisador.”358.

De facto, a arquitetura imaginária opera e aprimora no sentido da representação


virtual de arquitetura enquanto ideia, assente na principal referência de legado cultural
de Alberti e nos valores representativos, onde o sistema utópico se assume como um
plano irrealizável, todavia em grande escala na pintura portuguesa da centúria de
Quinhentos “Mas há, acima de tudo, uma viagem de ideias, em torno da capitalização
retórica desta arquitetura imaginária, por um lado, e do sentimento, por natureza não
delimitável, da importância deste espólio, enquanto campus, para a própria evolução
do pensamento arquitetónico que por natureza convoca.”359.

A partir daqui, podemos concluir que, em qualquer arquitetura pintada, de


natureza simbólica, experimental ou imaginária pode ser precursora de uma construção
arquitetónica real. Esta afirmação permite-nos transmitir os conhecimentos e a
sabedoria que a pintura deteve nas artes em geral, nomeadamente no sentido rigoroso e
perspético da arquitetura, que é digna de ser representada nos fundos de arquitetura,
com a qualidade digna de uma realidade que impera no sentido da idealização, do
emprego de fontes ou da cópia de obras de outros artistas, seja pela cena principal ou
pelas representações fundeiras denotadas nas composições pictóricas.

O fundo de arquitetura decorativa salienta o pormenorizado do tratamento dos


pormenores, do caráter áulico da composição e da decoração do ambiente. Como
exemplos desta arquitetura de pendor decorativo, salientam-se as seguintes obras:
Aparecimento de Cristo à Virgem (fig. 122), Investidura de um Mestre da Ordem de
Santiago (fig. 137) e Apresentação de Jesus no Templo (fig. 152).

A obra Aparecimento de Cristo à Virgem (fig. 122)360, denuncia diversos


elementos arquitetónicos e decorativos a realçar, num interior abobadado, ao jeito do

358
Idem, p. 8.
359
Idem, p. 11.
360
“Os quadros saídos da oficina do flamengo Frei Carlos (…) revelam uma crescente atracção pelos
fundos arquitectónicos de carácter renascentista, com capitéis e molduras à antiga, medalhões e colunas
balaustres em posição de relevo (com destaque para a “Aparição de Cristo à Virgem”, de 1529, (…) com
certas sugestões espaciais que a pintura manuelina desconhecia.”: MOREIRA, Rafael. A arquitectura do
Renascimento no sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o Moderno e o Romano, Lisboa, 1991, p.
224.

162
Renascimento, nomeadamente pelas colunas candelabro de mármore vermelho (fig.
123), com uma estrutura semelhante à representação realizada no tratado Medidas del
Romano de Diego de Sagredo, de 1526 (fig. 124) e à gravura de Bernandim Ribeiro
(1482-1552) (fig. 125), e ao colunelo idêntico da obra ao patenteado no retábulo da
Pena da capela-mor do mosteiro de São Marcos, de Chanterene (figs. 126 e 127). A
coluna é encimada por um putti que segura uma cartela com a data da feitura da obra
(fig. 128). A cena principal é separada da secundária por uma arcaria (fig. 129), de
influência renascentista, onde surgem os justos saídos do limbo pela intervenção de
Cristo, destacando-se em primeiro plano as figuras do Antigo Testamento: Adão e Eva
(fig. 130). Já a arcaria é sustentada por uma coluna central, e encimada por um tondi
com a referência ao Antigo Testamento, o sacrifício de Abraão e Isaque (figs. 131 e
132). O pintor faz com que a obra sobressaia pelo seu carater inventivo na construção
diferenciadora dos cinco capiteis exibidos (fig. 133), sendo de ressalvar o capitel
tipicamente gótico (fig. 134), com elementos discoides, patenteando ao que parece ser
um conjunto de contas e rosário em todo o perímetro, da janela, com portadas (fig. 135),
que se abrem para o exterior, com estruturas urbanas góticas (fig. 136), numa
transformação ou tentativa de criar um capitel ao nível do Renascimento.

Já a obra Investidura de um Mestre da Ordem de Santiago (1520-1525) (fig.


137), do Mestre da Lourinhã361 “um flamengo que sabe aproveitar o conhecimento e a
convivialidade das múltiplas estéticas que em Portugal no [seu] tempo confluem”362,
remete-nos à igreja de Santiago - Castelo de Palmela (fig. 138), num interior religioso
de arquitetura simples, com três naves, ou seja, dividido em três soluções pelas colunas
decoradas, com motivos de fauna e flora, semelhantes às exibidas nas gravuras (figs.
139 e 140). Do lado esquerdo, é percetível o teto de masseira363, em caixotões,

361
“A arte do Mestre da Lourinhã (…) assume-se com nitidez neste clima “intelectualizado” e
humanístico do Portugal manuelino, em que os valores do Renascimento desabrocham e colidem com a
forte tradição goticista de raiz nórdica”: AMARAL, Maria da Conceição; DIAS, Pedro. No tempo das
feitorias: a arte portuguesa na época dos descobrimentos, vol. 2, MNAA, Lisboa, 1992, p. 85.
362
CARVALHO, José Alberto Seabra. Dois mestres luso-flamengos: Mestre da Lourinhã e Frei Carlos.
In Primitivos Portugueses 1450 – 1550 - O século de Nuno Gonçalves, Lisboa, 2011, p. 156.
363
“Os tectos decorativos em madeira são uma marca histórica e arquitectónica da herança patrimonial
portuguesa. As suas primeiras manifestações em Portugal datam do século XV onde eram
maioritariamente utilizados em edifícios religiosos (…)”: MOREIRA, Maria Irene. Tectos decorativos

163
semelhante ao modelo apresentado na capela do Noviciado do Convento de Cristo, em
Tomar (figs. 141 e 142), e no livro impresso (fig. 143), sendo que ao centro, detemos o
altar da igreja iluminado por duas estreitas janelas e coberto por uma abóbada de
cruzaria, com seis arestas, e à direita, apenas visualizamos o óculo da nave.

Na obra A Virgem, o Menino e Anjos (1536-1539) (fig. 144), de Gregório Lopes,


já é relativamente notório as influências detidas pelo pintor, que aqui se auxilia dos
modelos nórdicos do Maneirismo de Antuérpia, designadamente de Van Scorel, que se
caracteriza, particularmente, por um rigor cenográfico onde os planos fundeiros são o
ponto-chave da composição, que se alonga em profundidade, com um pano fundeiro de
paisagem exuberante, já numa manifestação sintomática da viragem anti-clássica que
tomou o século XVI. Aqui a arquitetura pintada é representada, tanto pelo valor
iconológico e como pela idealização do castelo e convento de Cristo, em Tomar (figs.
145 e 146), lugar terreno e não celeste, e inspirada na ut arquitetura poesis “un
extraordinario panegírico del “arte de la arquitectura”, otorgándole las cualidades
(literarias) más destacadas (invenciones, primores, sutilezas, artificios, grandezas,
altiveces, presunciones), resultando fácil concluir no solamente que existe en esas
palabras un propósito literario de exaltación, sino también que los medios y cualidades
atribuidos a la arquitectura son “retóricos” en su naturaleza y, por lo tanto,
meceredores de ser homologados a los de la literatura.”364, como também denuncia, no
segundo plano da composição, um jardim com uma fonte decorada por esculturas
italianizantes do Renascimento (fig. 147), semelhantes à iluminura do Livro de Horas
de D. Manuel (fig. 148) e à Hore beate Marie Virginis ad usum Parisiensem totaliter ad
lõgum sine require (fig. 149) e a nível de paisagem, vegetação, sem esquecer a posição
dos anjos igual à da iluminura do Livro de Horas de D. Manuel (figs. 150 e 151).

A concepção espacial de um fundo de arquitetura resulta numa disposição


cenográfica365, isto é, numa exclusividade refletida numa repartição de planos,
compartimentada numa relação entre ação e espaço, e onde as figuras são elevadas

em madeira em edifícios patrimoniais portugueses. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de


Engenharia da Universidade do Porto, Porto, 2010, p. 1.
364
HERNÁNDEZ, Luis. Ut architectura poesis: relaciones entre arquitectura y literatura en la Nueva
España durante el siglo XVII, México, 2013, p. 35.
365
“o teatro do drama divino que se desenrola sob os nossos olhos”: PIMENTEL, António Filipe. A
arquitectura imaginária. Pintura, escultura, artes decorativas, Lisboa, MNAA-INCM, 2012, p. 99.

164
consoante a sua dimensão, na composição pictórica, enquanto interesse formal por parte
dos pintores da era do Renascimento, tendo como maior exemplo Apresentação de
Jesus no Templo, de Garcia Fernandes (fig. 152), obra que constitui uma das principais
revelações de um desenrolar de cena num fundo monumental, numa mistura entre
Gótico e Renascimento, com arquiteturas de grande escala, em modo de templo aberto
em quatro faces, o que contraria o representado até então. A obra exibe, ao centro, um
belíssimo pórtico (fig. 153) que nos remete, com evidente ligação e semelhança, ao
gravado Hypnerotomachia Poliphili (fig. 154), de Francesco Colonna, e a um dos
desenhos do tratado Medidas del Romano de Diego de Sagredo (fig. 155), e com
colunas candelabro (fig. 156), estruturalmente similares às do retábulo da capela-mor da
Igreja do mosteiro de S. Marcos (1522-23), atribuído a Nicolau Chanterene (fig. 157),
com capitéis da ordem coríntia (fig. 158), com acantos e vegetalismos do gótico, que
nos remonta aos capiteis de Diego de Sagredo (fig. 159). Importa ressalvar ainda a
correlação com a estrutura do Arco de Constantino, em Roma, devido às suas
reentrâncias e pilastras avançadas (figs. 160 e 161), tal como exibe portal da obra em
questão. Todavia a composição fundeira abre-se para o exterior através de janelões que
nos permitem visualizar uma paisagem verdejante, sendo que a restante cena exibe
arcos apontados, decorados com motivos vários e colunas com capitéis e escultura de
vulto.

2.3 Fundo de arquitetura como desenho. A conceção espacial entre produção


pictórica e arquitetura representada nos fundos de pintura

Numa abordagem à conceção espacial, é inteligível o ambientar a produção


pictórica, nomeadamente na inserção de envolvências arquitetónicas nos fundos de
pintura “O espaço-tempo figurativo do Quattocento e do Cinquecento não
permaneceria incólume a recuperação da teoria das «três unidades» do classicismo
antigo (espaço, tempo e acção): a sucessão de episódios de uma istoria tão
característica do Renascimento, se sucede a progressiva concentração espácio-
temporal, o «momento» que revela a istoria (…)”366. O recurso a arquiteturas pinturas é

366
PEREIRA, Fernando António Baptista. O legado do Renascimento, Lisboa, 2000, p. 31.

165
maioritariamente interpretado como um sintoma cultural e como objetos ambicionados,
indispensáveis e concordantes, que resultam numa projecção de uma imagem que tende
a construir uma arquitetura-arquitetura, com base num classicismo latente nas oficinas
ativas do século XVI, em Portugal, todavia esta referência acompanha uma evolução
estilística e de gosto.

As representações arquitetónicas ambientam um espaço pictórico evoluindo


exponencialmente para uma valorização espacial, criando ambientes ou interligando
zonas a outras:

“Para compreender mecanismos e o alcance e a abrangência deste processo


será necessário deslocar o eixo de observação para uma mudança profunda de
cenário, ocorrida no reinado de D. João III. Alguns exemplos eloquentes, como
é o caso de Gregório Lopes em Tomar, e de Vasco Fernandes em Santa Cruz de
Coimbra, vêm confirmar a sua relação directa com as reformas de grandes
casas religiosas, tanto no espiritual, quanto no temporal, promovidas pelo Rei.
Tal como sucedera algumas décadas antes, é a partir da Corte que esta
sensibilidade parece ganhar expressão e alcance geográfico em termos de
concretização. E se a acção mecenática do bispo humanista D. Miguel da Silva,
pelo que tem de iniciativa pessoal, pode ser equacionada à margem desse
cenário concreto, não será de menorizar a influência que teria exercido sobre os
seus pares, os bispos das dioceses.”367.

A arquitetura define-se, aqui, como símbolo ordenador de espaço, pois é através


destas envolvências que nos é permitido interpretar o contexto da cena e nos
proporcionar uma sensação de envolvimento com a ambiência, controlada pela
perspetiva linear. Estes são alguns dos exemplos em que a estrutura arquitetónica
enquadra-se dentro do desenrolar da ação: Casamento da Virgem (1527) (fig. 102), de
Gregório Lopes, numa cena que demonstra o conhecimento da perspetiva e que decorre
numa igreja cujo interior se prolonga num espaço abobadado e com paredes rasgadas
por janelas, espaço esse ao qual se tem acesso através de um arco ladeado por pilastras
com nichos decorados por estátuas encimadas por baldaquinos, e São Pedro (1529) (fig.
162), de Vasco Fernandes, numa cena que se divide em três momentos, duas delas pelas

367
RODRIGUES, Dalila. Modos de expressão na pintura portuguesa: o processo criativo de Vasco
Fernandes (1500-1542), Coimbra, 2000, p. 137.

166
janelas abertas para o exterior, com dois dos episódios evangélicos da vida do Apóstolo,
à esquerda, O Chamamento do Pescador, e à direita, Quo Vadis?, e o trono pontifical,
que se dispõe ao centro, de inspiração italiana e de extrema riqueza decorativa, com
possíveis referências às gravuras de dois Livros de Horas: Ces presentes heures a
lusaige de Rôme so[n]t au lo[n]g sa[n]s req[ue]rir.... (fig. 163) e Ces presentes heures
a lusage de Chalons toutes au long sa[n]s req[ue]rir: auec les figures et signes de
lapocalipse: les miracles nostre dame les accide[n]s de lho[m]me: et plusieurs austres
hystoires.... (fig. 164), cujo espaço central superior é ocupado pela concha, que nos
remete à igreja dos Grilos, do Porto (figs. 165 e 166), seguida de uma moldura de
enrolamentos, enquanto a superfície restante é adornada por diversos elementos
decorativos, nomeadamente por duas coroas suportadas por escudos papais, que
definem os remates laterais do trono, já que nos braços do mesmo encontramos dois
putti, animais, semelhantes aos representados no Ces presentes heures a lusaige de
Rôme so[n]t au lo[n]g sa[n]s req[ue]rir.... (figs. 167 e 168), e escudos. Esta loggia que
se abre para ambos os planos fundeiros, revela uma arquitetura imaginária de duas
cidades de influência flamenguizante (figs. 169 e 170).

O influxo mecenático do humanista D. Miguel da Silva, cuja formação passou


por terras italianas, contribuiu por via da influência o pintor Vasco Fernandes, ou
reconhecido como Grão Vasco, pela aposta compositiva de novos espaços que foram
criados na base das leis da perspetiva e da simetria “Habla el maestro de Architectura,
Vitruvio, de la composición de los Templos Sagrados, y dice que consta de la
Symmetría; esta nace de la proporción; y la proporción está en la mutua
correspondencia, y consonancia de las partes iguales al todo del edificio (…) y esta
proporción, dice, y Symmetría, no la tendrá el Templo (…)” 368, tendo em conta a obra
pictórica S. Pedro (fig. 162), pelos apontamentos de cariz fundeiro definido pelo
rigoroso geometrismo, dividido pelo trono pontifical, de mármore e com soberbos
elementos decorativos, de arquitetura italianizante que se abre em duas aberturas iguais
sobre duas paisagens distantes, e Cristo em Casa de Marta e Maria (fig. 72) pela casa
renascentista donde decorre a cena “(…) aos sumptuosos cenários de interior, às
elaboradas arquitecturas dos fundos de paisagem, às figuras ricamente ataviadas ou a
profusão de objectos decorativos de marcante efeito visual, Grão Vasco opõe um

368
HERNÁNDEZ, Luis. Ut architectura poesis: relaciones entre arquitectura y literatura en la Nueva
España durante el siglo XVII, México, 2013, p. 153.

167
universo simples e familiar a olhar dos seus devotos destinatários. (…) o objetivo
parece ser o de activar o diálogo com o espectador, criando-lhe a ilusão de que o
espaço da representação é, ou poderá ser, o prolongamento do seu próprio espaço.”369.

Já as posições centrais dos planos fundeiros funcionaram como um marco de


valor simbólico, mais do que uma composição pictórica para situar as figuras num
espaço de representatividade e importância do ponto de vista das construções pintadas,
tendo em vista o sustentar de algum ideal nos fundos arquitetónicos, tendo como
exemplo a obra Morte da Virgem (1527) (fig. 171), de Gregório Lopes, onde se sente
uma heterogeneidade de cores, um detalhismo dos tecidos e dos pormenores, quer pelo
tratamento das figuras, quer pela atmosfera criada pelos sucessivos planos, assinalada
por uma majestosa passagem escultórica, de linguagem original, análogo ao retábulo da
Igreja do Mosteiro de S. Marcos (fig. 172) e com características estruturais semelhantes
à gravura Ces presentes heures a lusaige de Rôme so[n]t au lo[n]g sa[n]s req[ue]rir
(figs. 173 e 174), onde é visível diversas microarquiteturas desenhadas, no qual o
cenário se abre para o interior com uma arquitetura decorativa ao romano que, por sua
vez, se abre, novamente, para um outro espaço compositivo rasgado por uma janela.

No que diz respeito aos motivos de ordem perspética, estes derivam das
múltiplas linhas de perspetiva que aludem a uma noção de alongamento compositivo em
profundidade de toda a composição pictórica, situação que pode estar associada à
inclinação do templo. A entrada para o anfiteatro é alcançada por uma escadaria, tendo
na sua passagem para o interior, um arco de volta perfeita encimado por uma gramática
ornamental que remonta à arte moçárabe. Não deve ser incluída, neste caso, a
denominação de arquiteturas idealizadas, tendo em conta o seu sentido iconográfico.

Quanto à teorização da arquitetura e a viabilidade construtiva que impera nesta


composição, esta induz a uma arquitetura de cariz concreto, o que não implicou ao
pintor copiar as fontes na sua totalidade, mas sim parcialmente “That which first gives
pleasure... comes from the copiousness and variety of things... the soul is delighted by
all copiousness and variety. For this reason copiousness and variety please in painting.
An istoria is most copious in which in their place are mixed old, young, maidens,

369
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco, Lisboa, 2007, p. 36.

168
women, youths, young boys, fowls, small dogs, birds, horses, sheep, buildings,
landscape and all similar things. (Tratado De Pictura, Leon Battista Alberti, 1973)”370.

Na outra metade da obra, mais precisamente do lado esquerdo, a estrutura


compositiva alude-nos a um campo figurativo de uma cidade corrente ou do quotidiano,
que nos faz reconhecer e comparar com uma outra pintura, igualmente quinhentista, que
pertence a um autor desconhecido. Esta referência faz-nos acreditar que esta cidade dita
anónima, patenteia a cidade habitada pelo pintor, sendo que o mesmo residia em Lisboa,
perto do mosteiro de S. Domingos, a poucos metros da Rua Nova dos Mercadores.

Deste modo, posso considerar que existe uma ambiguidade de critérios


relativamente à representação da arquitetura como desenho na pintura portuguesa do
século XVI, nomeadamente, no que diz respeito, à adequação construtiva da arquitetura
na pintura, e daí denominarmos este caráter experimental pela correspondência destes
novos pintores-arquitetos e a relação destes com as fontes pictóricas, gravuras e
tratadística, e por outro lado, o tratamento de uma arquitetura retirada do real. Antes de
avançar, este critério de adequação da representação da arquitetura na pintura
corresponde ao espelho do real, visto que influi na arquitetura edificada, sendo que, ao
mesmo tempo, pode ser influenciada por ela. Esta representação do real é intitulada no
que diz respeito à relevância da arquitetura pintada, como exequível prenunciadora da
real, ou seja, da representação da arquitetura construída, embora não nos possamos
esquecer da representação da arquitetura latente, que embora não exista, é também um
dos exemplares.

A obra Martírio de São Sebastião (fig. 92) é um dos principais exemplos de um


realce latente sob os fundos de arquitetura, inserida numa contextualização do real, onde
se destaca um hibridismo ou um ecletismo típico desta centúria, com um fundo e uma
praça caracteristicamente flamenga miscigenada por elementos tipicamente italianos,
em particular o anfiteatro romano, disposto em três andares, ritmado pelas pilastras
circundantes e pelos nichos que se abrem para a colocação de estátuas, sem esquecer a
sobreposição de ordens que se constata nos capitéis (fig. 175). Esta marca espacial
evoca a oportunidade a uma pesquisa ao mundo antigo, sobretudo pelo conhecimento da
cidade clássica, que albergava edifícios de prestígio, e pelo emprego de ruínas clássicas,
pórticos e colunatas, que constituem uma marca no expediente comum dos pintores do

370
SMITH, Paul; WILDE, Carolyn. A Companion to Art Theory, UK, 2002, p. 57.

169
Renascimento europeu (fig. 176), a destacar no evidente italianismo da obra S.
Sebastião (1530-1535) (fig. 177), de Vasco Fernandes. Aqui, à esquerda, encontramos
uma cidade “esfumada”, mais elevada (fig. 178), comparativamente com a restante,
todavia, à direita, destaca-se a possível “entrada” da cidade (fig. 179), de influência
flamenga, idêntica à gravura de Lucas van Leyden (fig. 180), podendo afirmar que
poderia ter sido um possível referial na produção da obra por parte do pintor português,
já para não mencionar o pormenor decorativo das janelas mudéjares que ornamentam o
varandim (fig. 181), aproximado do exemplo de arquitura da Catedral de Santa María de
Medievilla, em Teruel (fig. 182). Já as personagens indicam o quanto são indiferentes à
arquitetura, de diversas tipologias edificatórias.

Em alguns casos, tal como acontece na Anunciação (c. 1539-1541) (fig. 183), de
Gregório Lopes371, a própria cena entra na organização interna do edifício e conquista
os elementos decorativos, procurando tratar os motivos formais e recriar uma ambiência
a partir do vocabulário e da estrutura arquitetónica criada e impulsionada na intenção de
relacionar o primeiro plano das figuras com os motivos de microarquitetura. Esta
dinâmica permite enquadrar o desenrolar da ação e o desviar da atenção do observador
da envolvência da cena pictórica, ainda que a noção de profundidade sublinha um
alinhamento de relevância. Já na obra, Fuga para o Egipto (c. 1523) (fig. 184), o pintor
Gregório Lopes aproveita o plano fundeiro para o adornar a paisagem nórdica de colinas
e declives, numa arquitetura edificada à beira do precipício (fig. 185), e onde se
destacam os torreões, o aqueduto, possivelmente o da Água da Prata, em Évora (figs.
186 e 187), e outros edifícios, elementos esses que possibilitam decifrar a história
compositiva da ação principal, à maneira flamenga, bem como a função decorativa que
a arquitetura aqui transmite através das formas irreais a que os edifícios foram sujeitos
para a cena.

371
“Gregório Lopes é, sem dúvida, um dos pintores mais representativos, seja pela sua invulgar
capacidade de representar a perspectiva, seja pela liberdade, ousadia e soltura que demonstra no
tratamento da composição das paisagens e fundos arquitectónicos. A singularidade da reprodução de
conjuntos de arquitectura, ponto e serem tanto as “arquitecturas” de carácter decorativo com realce
para a ornamentação, como os edifícios aqui experimentalmente construídos, é realçada pelo pitoresco
de arquitecturas regionais, de cidades como Lisboa ou Tomar, em pormenores de execução minuciosa
que toma forma na obra deste pintor régio”: POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a
“ut pictura architectura”: os fundos arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra,
1996, p. 3.

170
No que concerne ao desenho, os pintores portugueses destacam-se pela liberdade
compositiva, pelo debuxo mais livre e pela apresentação das arquiteturas fundeiras que
se agarram à correta utilização da perspetiva, tendo como exemplo a obra Santo António
pregando aos peixes, de Garcia Fernandes (fig. 188), de sublime utilização perspética,
todavia de menor liberdade pictórica, embora os planos de fundo de cariz arquitetónica
tivessem, possivelmente, sido herdados da tratadística, notório pelo tratamento de
origem gótica, tanto ao nível da forma como do conteúdo compositivo, presente na
decoração das janelas góticas do torreão. Aqui está patente uma mistura entre
arquitetura gótica (arcos) (fig. 189), renascentista (portal) (fig. 190) e do Norte da
Europa (torres) (fig. 191).

O portal renascentista ostenta três fases de colunas, sendo que a principal leva de
colunas é sustentada por plintos ao jeito de Diego de Sagredo (figs. 192 e 193), e é
decorado na parte central por uma representação de um carro alegórico clássico. A
estrutura apresenta um entablamento e um frontal triangular decorado com esculturas
em baixo-relevo. Na estrutura arquitetónica anexa, a fachada central serve de exemplo
semelhante à Basilica di Sant’Andrea, em Mântua (figs. 194 e 195), já a loggia
patenteia colunas balaustradas ao jeito de Diego de Sagredo, e a grilhagem exibe
elementos de grotescos. O aspeto mais interessante e relevante da obra são as duas
janelas com ajimez mudéjar (fig. 196), aproximado ao exemplo apresentado (fig. 197),
patente no edifício circular ao fundo da composição (fig. 198), semelhante às estruturas
da Iglesia de Santiago del Arrabal, em Toledo (fig. 199) e do Mosteiro de Castro de
Avelãs, em Castro de Avelãs (fig. 200). No que concerne ao edifício, do lado direito da
composição, este é decorado com arcos góticos cegos e rematado, no piso superior, por
uma cúpula, estrutura essa aproximada do exemplo arquitetónico ortogonal da Catedral
de Toledo, em Toledo (figs. 201 e 202).

Quanto à obra Visitação (c. 1550) (fig. 203), do Mestre de Arruda dos Vinhos,
insere-se nos fundos de arquitetura figurada, como contextualização do real, que recorre
ao estudo da tratadística para uma melhor representação de uma arquitetura dita
experimental. Aqui é notável a tentativa de inserir as leis da perspetiva, todavia com
uma certa dificuldade em empregá-las, contudo adapta-as a uma arquitetura de tipologia
circular de um quase tempietto, com semelhanças ao representado no plano fundeiro da
tábua Santo António pregando aos Peixes (figs. 204 e 205). Do mesmo políptico,
detemos uma outra obra Encontro de Sant’Ana e S. Joaquim (c. 1550) (fig. 206), do

171
Mestre de Arruda dos Vinhos, onde se evidencia, num primeiro plano, um trecho de
arco dourado, e no plano fundeiro, uma arquitetura invulgarmente real.

A obra Visitação (1523) (fig. 207), de linhas arquitetónicas flamengas, é todavia


de longe de utilização correta da perspetiva do pintor Gregório Lopes, esboça no plano
fundeiro uma pequena exposição arquitetónica com esconsos telhados nórdicos (fig.
208), de término cónico, semelhante ao representado no Livro de Horas de D. Manuel
(fig. 209) e na gravura do livro impresso De optimo reip. statu, deque nova insula
Utopia, libellus vere aureus, nec minus salutaris quàm festivus, clarissimi
disertissimiq[ue] viri Thomae Mori inclytae civitatis Londinensis civis & Vicecomitis
(fig. 210), para além do templo circular que acompanha a composição construtiva com o
edifício de telhado esconso, onde se destaca a loggia com uma arcaria composta por
finas colunas. No fundo arquitetónico desta obra está, visivelmente, presente a fonte de
gravados de Albrecht Dürer, “onde é patente o já referido compromisso entre o Norte
flamengo mais pictural e a perspectiva humanista de Itália, aliando ao detalhismo
filigranado das cidades e templos dos segundos planos, uma capacidade extraordinária
de caracterização figurativa no agrupamento das personagens e multidões.”372.

Na pintura, as microarquiteturas fundeiras a par da paisagem adquirem, cada vez


mais, relevância cénica no decorrer da centúria de quinhentos. De uma forma geral, o
artista procurou que a arquitetura sustentasse a cena, nunca esquecendo como
referencial os tratados e as estampas que detinham fundos arquitetónicos. Assim, os
fundos de pintura representativos de uma arquitetura ideal valorizam a iconografia da
arquitetura “a cidade ao fundo cria um cenário que impede a leitura do horizonte
longínquo, embora contribua para a caracterização iconográfica da narrativa.”373,
como se verá nestas construções de ideologia ilusória que são incitadoras das
representações reais e pintadas. Esta representação de arquitetura ideal alia-se
comumente a uma arquitetura experimental com conexões à tratadística, todavia, é já,
na verdade, uma arquitetura que não existe, ou seja, imaginária e com profundos
vínculos à iconografia, sobretudo ao Templo de Jerusalém, e à utopia da “Cidade Ideal”.

372
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, pp. 126-127.
373
BATORÉO, Manuel. A iconografia dos Santos Mártires de Lisboa em quatro pinturas do século XVI:
linguagem e significados, Lisboa, 2010, p. 192.

172
Esta ligação é exemplificada na pintura portuguesa desta centúria no sentido que
qualquer arquitetura ideal poderá vir a tornar-se uma arquitetura concreta.

Na verdade, existe uma relação entre as construções reais e a utopia virtual, que
não existe, com lugar a representações de arquitetura na pintura portuguesa, em quatro
níveis, tal como enuncia Isabel Policarpo:

“Representações decorativas, ligadas essencialmente à cópia de gravuras italo-


flamengas; representações reais, conquanto idealizadas, resultantes quer dessas
mesmas cópias quer ainda do facto de terem visto, e sobretudo estudado,
desenhos vírgulas tampas e tratados com desenhos; representações reais ainda,
mas resultantes da visualização de edifícios ou cidades concretas, portanto, da
arquitectura ao vivo, construída; e, finalmente, representações ideais em
absoluto (arquitectura efémera), de certo modo utópica, ligadas a casos como o
Templo de Jerusalém ou o convento de Cristo em Tomar, e ainda aos
primórdios das “cidades ideais” com base nas obras de um Colonna ou de um
Filarete.”374.

Deste modo, qualquer fundo de pintura pode, ou não, refletir uma representação
pintada, e exibir uma arquitetura local ou regional, sem descurar o simples facto de a
representação ser somente imaginária, ou diferenciada das reais, com valor nos
documentos históricos. Em muitos dos casos, este valor como documento histórico de
nada serve, e de longe fornece alguma informação útil sobre o fundo de arquitetura.

Mais ainda, são as representações arquitetónicas em ruínas, a céu aberto, e as


arquiteturas relacionadas com lugares “abandonados”, assim, veja-se, em muitos dos
pintores portugueses, sobretudo na primeira metade do século, se encontram em
Adoração dos Reis Magos (c. 1540) (fig. 211), do Mestre de Abrantes (Cristóvão
Lopes?), em que estão presentes estes elementos goticistas, tendo como exemplo a
janela mainelada que remata o edifício em ruínas, com os diversos pórticos clássicos
(fig. 212). Aqui, segue o interesse pela representação arquitetónica, que imagina um
conjunto edificado, onde predominam as formas clássicas. Na obra pictórica, Adoração
dos Pastores (1540-1545) (fig. 213), de Gregório Lopes, a arquitetura dos fundos
detém, aqui, em termos representativos uma evolução construtiva, destacando-se um

374
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 110.

173
pórtico com elementos decorativos de um Renascimento clássico, em que se evidenciam
medalhões para figuras nos diafragmas, a arquitrave de linhas direitas dividida
horizontalmente, decorada com folhagens, um frontão de pequenas dimensões
interrompido por um nicho para imagem, e também as colunas balaústres e os
contrafortes/pilastras que surgem no tratado de Sagredo, decorados com motivos
grotescos com enrolamentos, seja percetível esta evolução também na arquitetura, e
ainda a particularidade de a composição de abrir através de uma janela aberta para o
fundo de paisagem.

Já na obra Ressurreição de Lázaro (c. 1540), de Gregório Lopes (fig. 214), a


utilização perspética é novamente empregue, o que nos indica um estudo prévio das
fontes. A representação da cidade, no plano fundeiro da composição, patenteia o que foi
visto em Tomar pelo pintor, à esquerda da pintura deparamo-nos com edifícios
habitacionais, todavia com pormenores marcadamente interessantes, nomeadamente
janelas rústicas, uma pequena loggia (fig. 215), que nos remonta a contornos clássicos e
às estruturas do MNMC (fig. 216) e da Sé de Santarém (fig. 217), um pórtico de
características renascentistas e um torreão circular tipicamente medieval (fig. 218), com
seteiras no topo, sendo que, à direita da obra detemos um templo octogonal (fig. 219),
de dois andares, de linhas simples, de influência gótica pela emprego de janelas duplas
de mainel e tímpano, com uma estrutura similar à igreja de Santa Maria dos Olivais, em
Tomar (fig. 220) e à igreja de Santa Clara, em Santarém (fig. 221). Aqui, podemos
denunciar dois géneros de arquiteturas: uma visivelmente experimental pela tentativa de
construir algo na pintura e uma predominantemente real pelo que o pintor visualiza,
como contextualização do real.

2.4 Fundos de pintura como espaço imaginado ou a imagem da arquitectura


figurada no Renascimento em Portugal

O ambiente físico de uma arquitetura fundeira coexiste a par de uma


intencionalidade temática, todavia a globalidade destas representações recriam
utopicamente edifícios construídos e existentes, o que nos permite consignar, que
muitas das vezes, estas arquiteturas imaginadas exercem, pictoricamente, uma maior

174
influência que as reais, pelo caráter inovador que exercem. Assim, podemos rematar
esta problemática arquitetónica com a denominação de uma iconografia do lugar, ou
melhor, a concepção de uma arquitetura de lugar imaginário, de natureza clara e
plausível na identificação entre a prática arquitetónica e aquilo que foi visualizado pelo
pintor. Perante este género de representação, o tema não deve ficar sujeito à inquietação
da identificação da iconografia tradicional, pois a arquitetura imaginada é uma mera
ilustração de um ideal construtivo. Assim, veja-se o exemplo da obra Natividade (1523)
(fig. 222), de Gregório Lopes, que apesar de não utilizar a arquitetura claramente
visível, opta pelo aparecimento de ruínas, a céu aberto, e as arquiteturas como símbolo
de lugar abandonado, situação visível para consciência do pintor em auxiliar-se dos
fundos de pintura como conceção de um espaço imaginado, ambiente este similar ao
presentado na iluminura do Livro de Horas do D. Manuel (figs. 223 e 224).

Portugal, desde muito cedo, fruiu de uma arquitetura do Renascimento muito


própria, mesmo tendo em conta os países vizinhos, Espanha e França, consequência de
uma aplicabilidade de soluções mediterrâneas clássicas, pela influência direta de Itália,
e às necessidades que imperavam com a expansão e a conservação do império mundial
do Reino, mantido pelo crescente papel estratégico que a arquitetura militar detinha sob
as rotas marítimas “A entrada do Renascimento em cena faz-se de um modo
experimental ou isolado, com objetos sem continuidade, isto é, obras- -primas sem
sequência imediata, elementos de refrescamento de uma cultura que, pelo depoimento
que veiculavam, se diferenciavam aristocraticamente e, por acréscimo, obrigavam a
uma certa flexibilidade plástica dos executantes escolhidos.”375. Precocemente, os
pintores portugueses utilizaram certos elementos arquitetónicos do gosto renascentista
para integrar as mais tradicionais formas, permitindo visualizar os fundos de pintura
como arquitetura pintada como espaço de experimentação que acompanhou ou
antecipou a arquitetura construída, à semelhança do passado em Itália, todavia distante
do rigor perspético e do racionalismo presente e até mesmo definido no Renascimento
italiano, sobrepondo-se, em alguns casos, os primórdios de origem flamenga, todavia
“Será preciso aguardar ainda alguns anos para que o sentido novo de um espaço claro

375
PIMENTEL, António Filipe. A arquitectura imaginária. Pintura, escultura, artes decorativas, Lisboa,
2012, p. 96.

175
e racional transmita-se a toda a composição, e passe das arquiteturas pintadas às
construídas.”376.

O “modo de Itália” inclui e demonstra os primeiros sinais de modernidade, na


pintura portuguesa da centúria de quinhentos, todavia, esta evolução de nítida inspiração
renascentista identifica as principais formas clássicas, de inspiração italiana, e que se
alia ao trabalho dos arquitetos, na altura denominados mestre-de-obras, e com quem os
pintores manteriam contactos. Esta realidade, pode observar-se em alguns obras de
artistas portugueses, que, sem dúvidas, apresenta uma criatividade e maturidade artística
ao nível do espaço compositivo, nunca visto na pintura nacional. Estes fundos
arquitetónicos suplantam, na sua maioria, os arquitetos renascentistas da época, sendo
que a mudança da organização de trabalhos nos estaleiros de arquitetura decorreu entre
as décadas de vinte e quarenta da centúria de quinhentos. Na obra Calvário (1544) (fig.
225), encontramos um dos mais belos planos fundeiros da centúria de quinhentos, linha
essa privilegiada pelo pintor Gregório Lopes, quer pelos elementos arquitetónicos reais
ou ideais que aqui se encontram, sendo de ressalvar o templo com portal renascentista
(fig. 226), com referência ao retábulo da Pena (fig. 227), sobretudo pela estrutura
central e as figuras alegóricas (figs. 228 e 229), do escultor Nicolau Chanterene377:

“Chanterene foi cada vez mais atraído pelo apelo da arquitectura como fonte de
todas as artes, tendo mesmo sido o primeiro artista a explorar de um modo
sistemático, quase obsessivo, as potencialidades semânticas das regras da
Perspectiva. (…) No caso português, a sedução da Arquitectura só pode fazer
sentido se tiver o valor de uma descoberta. Artista de passado gótico embalado
na aprendizagem do idioma do Renascimento, é no contexto duma crescente
familiaridade com o seu vocabulário e do manejo dos seus princípios
sintácticos, com entusiasmo e uma desenvoltura que superam o virtuosismo
escultórico para chegar à experimentação e beirar o vanguardismo, cujas
portas o estudo da arquitectura abria-lhe, que podemos entender o papel de
Chanterene. (…) No que diz respeito à sua actividade como arquitecto, em
paralelo à sua carreira oficial de “imaginário” ou escultor (…), ela permite-nos

376
MOREIRA, Rafael. A arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o
Moderno e o Romano, Lisboa, 1991, pp. 224-225.
377
GRILO, Fernando. Nicolau Chanterene e a afirmação da escultura do Renascimento na Península
Ibérica (c. 1511-1551), Lisboa, 2000.

176
captar momento a momento a própria transformação da cultura arquitectónica
nacional na sua busca do Renascimento.”378.

Aqui, a tratadística de arquitetura proporcionou a formação e a valorização da


profissão de arquiteto379. Assim, tal como o arquiteto, o pintor constrói a arquitetura
pintada, isto é, a arquitetura é totalmente passível de ser construída, prova essa da
existência de uma ligação entre as representações imaginárias dos pintores e as
materializações dos arquitetos “…the painter cannot produce any form or figure… if
first this form or figure is not imagined and reduced into a mental image (idea) by the
inward wits. And to paint, one needs acute senses and a good imagination with which
one can get to know the things one sees in such a way that, once these things are not
present anymore and transformed into mental images (fantasmi), they can be presented
to the intellect. In the second stage, the intellect by means of its judgement puts these
things together and, finally, in the third stage the intellect turns these mental images…
into a finished composition which it afterwards represents in painting by means of its
ability to cause movement in the body.”380

Na realidade, as primeiras representações arquitetónicas nos fundos de pintura


denunciam o estudo aprofundado dos desenhos, das gravuras e da tratadística:

“é o facto destas “arquitecturas pintadas” serem decalcadas a estilete, através


da marcação dos contornos e das perspectivas, enquanto o resto da composição
era dada só a pincel. Deste modo, existia um “projecto” previamente definido
pelo pintor, e posteriormente executado na prática, à imagem e semelhança

378
MOREIRA, Rafael. A arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o
Moderno e o Romano, Lisboa, 1991, pp. 253-254.
379
“O quadro renascentista é uma janela aberta para o imaginário. foi o grande teórico do quattrocento
Leon Battista Alberti que o disse, no seu tratado De Pictura (1435): «em primeiro lugar, inscrevo na
superfície a pintar um rectângulo do tamanho que me aprouver, feito de ângulos rectos, e que é para mim
como uma janela aberta, através da qual observe a istória, e aí determina o tamanho que quer dar aos
homens da minha pintura»”: PEREIRA, Fernando António Baptista. O legado do Renascimento, Lisboa,
2000, p. 31.
380
SMITH, Paul; WILDE, Carolyn. A Companion to Art Theory, UK, 2002, pp. 53-54.

177
desta nova atitude tomada pela figura do “arquitecto”, que, recém-nascida, se
vai agora impor à do “mestre-de-obras”.”381.

A autora Isabel Policarpo afirma que em Espanha, o panorama da arquitetura


delata uma ausência total de pintores-tratadistas que seguem a exaltação de Itália,
todavia a situação vivenciada em Portugal posiciona-se de forma inversa, facto que
proporciona, eventualmente, a representação de arquiteturas fingidas na pintura.

Prova evidente é a antecipação das representações da arquitetura pintada na


pintura portuguesa, e tal como enuncia Isabel Policarpo estes são alguns destes
exemplos, o convento de Cristo, plenamente conseguido pelos mestres Diogo de Arruda
e João de Castilho, e por personalidades que ali trabalharam, Diogo de Torralva e Filipe
Terzi, o claustro principal, contruído no Alto Renascimento do segundo quartel do
século XVI, considerado por muitos uma verdadeira obra-prima de arquitetura ao nível
mundial “que terá sido o maior e mais florido do Primeiro Renascimento em toda a
Península (…) o famoso Claustro de Torralva, obra-prima mundial do classicismo
renascentista. No espaço de 4 décadas uma sucessão de reviravoltas político-religiosas
e de oscilações do gosto promoveu, pois, a mais dispendiosa e radical metamorfose
estilística de que há memória, tão profunda e inexplicável que quase parece um
capricho absurdo.”382, com ambos os pisos ao romano (fig. 230), a charola do mesmo
convento (fig. 231) e a ermida de Nossa Senhora da Conceição (fig. 232).

Nestes locais podemos encontrar empreitadas do pintor Gregório Lopes, onde os


fundos arquitetónicos de obras como S. Sebastião e Degolação de S. João Baptista
(1538-1539) (fig. 233), exibem conceitos de espacialidade e da própria conceção da
arquitetura. Na obra Degolação de S. João Baptista é evidenciado diversos pontos de
fuga que nos guia para um fundo arquitetónico direcionado para uma cidade da qual nos
expõe arcadas, telhados, edifícios e os habitantes desta localidade. Quando à arquitetura
de fundo, esta glorifica a originalidade que imperava em alguns pintores da época,
incluído Gregório Lopes. Todo o conjunto fundeiro denota uma cidade, menos
convencional das habituais representações que recuperamos do Norte flamengo e do
território italiano, o que nos permite compreender onde termina a cópia de fontes e onde
381
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 104.
382
MOREIRA, Rafael. A arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A Encomenda Régia entre o
Moderno e o Romano, Lisboa, 1991, p. 4.

178
começa o fator imaginação pelos moldes e capacidade criativa do artista na composição.
Aqui estão representados palácios, casas, galerias, varandas e pórticos que transparecem
as particularidades das habitações portuguesas, reportando-nos para cidades como
Lisboa ou Tomar, que tanto o pintor bem conhecia, todavia no corpo principal, circular,
“Pela forma arredondada, lembra um pouco (…) charola do convento de Cristo em
Tomar (…) irá representar em muitas das suas obras, mas que neste caso apresenta
significativas diferenças, quer pela quase medievalidade em termos arquitectónicos,
que pelo tipo de acesso lateral, feito por uma original escadaria circular de dois
lanços, elemento que dificilmente se vai encontrar em qualquer outro fundo de
arquitectura desta época, nem tão pouco da arquitectura real.”383 vê-se encontramos
referências a característica arquitetónicas renascentistas a par de pormenores goticistas,
pela presença de contrafortes exteriores e de janelas de mainel e tímpano, e no pórtico
principal deparamo-nos com um frontão em forma de concha, ladeado por figuras
alegóricas e, à esquerda, uma varanda apoiada por colunas jónicas, e que forma uma
galeria que origina o acesso ao exterior do palacete, e onde podemos observar diversas
janelas ogivais com vestígios da arquitetura gótica (fig. 234). Todo o conjunto fundeiro
compila uma série de referências: a igreja de São João Baptista, em Tomar, pela zona da
lanterna384 (figs. 235 e 236), a loggia do MNMC, em Coimbra (figs. 237 e 238), de
Terzi, ao gosto maneirista romano, ou à iluminura do Livro de Horas de D. Manuel (fig.
239), e os Meninos da Graça que o escultor Chanterene criou para o frontão da igreja da
Graça, em Évora, com os suas figuras “gigantes” (figs. 240 e 241), elementos esses
provenientes da tratadística, inspiradores do frontispício da igreja385 (fig. 242). Aqui, o
pintor, permite-se a evidenciar o plano fundeiro em relação à cena principal da
composição, onde o detalhismo e a profundidade das arquiteturas dos fundos se
destacam em jogos prospéticos. Assim, os fundos de arquitetura ou de paisagem
transmitem uma invulgar sensação de economia de espaço, numa inserção detetável de
um quadro inserido no outro, de uma forma delicada e rica em pormenores.

383
Idem, p. 137.
384
Remate de uma cúpula ou cobertura, que serve para iluminar o interior da igreja através dos seus vãos
laterais.
385
Edição de Vitrúvio, por Cesare Cesariano, 1521. PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa. História
Essencial, Lisboa, 2017, p. 528.

179
Neste desenrolar cénico predomina o estilo renascentista em todos os edifícios
desta composição detalhada e pitoresca proveniente de uma originalidade ímpar que
compreende a influência tal que esta representação fundeira poderá vir a deter numa
edificação na real, característica intrínseca na representação das arquiteturas nos planos
fundeiros da pintura do renascimento português.

É bem patente, que a arquitetura e a pintura estabelecem uma relação intrínseca,


devido a dois fatores, o comprometimento destes homens, arquitetos e pintores, com
uma nova mentalidade centrada no humanismo e com um ideal artístico do
Renascimento, bem como da utilização de fontes teóricas por estes artistas.

Contudo, as representações arquitetónicas menos contruídas denunciam uma


arquitetura que não é antecipadamente traçada, todavia denominada como uma
idealização representativa de uma arquitetura sugerida. Esta morfologia era idealmente
empregue nas representações ditas religiosas como obrigatoriedade de não deixar vagar
os planos fundeiros. Na primeira metade do século XVI, a pintura portuguesa regia-se
por um possante sentido do real no campo da idealização, do visível e da “Cidade
Ideal”, conceitos também esses presentes nas representações arquitetónicas imaginárias,
sem deixar o intento de fora do contexto iconológica da obra.

Assim, qualquer representação arquitetónica de cariz ilusório opera como um


quadro dentro do quadro, o que faz refletir sob uma clara autonomia da arte da
arquitetura dos pintores face à estabelecida na história da arquitetura dos arquitetos. No
caso dos pintores portugueses, estes experimentaram ir além desta arquitetura,
auxiliavam-se de novas propostas estruturais e urbanísticas que correspondiam a uma
idealização compositiva, todavia a par desta relação, os pintores recorriam à teoria,
gravuras, tratados, estudos e desenhos, como alicerço à arquitetura construída pela
figura do pintor que desempenha as funções do arquiteto na pintura, ponto de situação
evidente na transição entre a arquitetura como complemento decorativo ou como
contextualização do real. É bem patente que as representações imaginárias podem ser
suscetíveis de ser edificadas, solução de influência para qualquer arquitetura que
procura erigir tal reprodução para o mundo real. Note-se que estas arquiteturas ditas
experimentais, que nunca passaram do papel, e concludentemente, jamais construídas,
as designadas utopias arquitetónicas, que gozaram de uma representatividade crucial na

180
representação da arquitetura na pintura do Renascimento português e na significação
morfológico dos novos modelos arquitetónicos que até então surgiram.

Na realidade, a arquitetura na pintura desta época transmite uma fixação com ao


romano e ao all’antico, implicado, também, no vocabulário tratadístico da arquitetura
clássica e na racionalidade da perspetiva linear, como ilusão espacial. Insistindo nos
planos fundeiros estes tornam-se cada vez mais arquitetónicos no decorrer da
aplicabilidade de soluções renascentistas e clássicas e no emprego da perspetiva
tridimensional e geométrica, como forma de criar um espaço compositivo aliado a uma
arquitetura de caráter real ou fingido, ao modo italiano, tal como acontece na a obra
Pentecostes (c. 1520) (fig. 243), pois as representações de monumentos da Antiguidade
Clássica resultam dos monumentos mais simbólicos para a pintura do período da
renascença, num claro sintoma de mudança de gosto e de paradigma estético. Esta obra,
de carater experimental, sugere uma obsessão clara pela aplicação do ponto de fuga, que
fora aplicada, evidentemente, abaixo da linha mediana do painel, o que originou a uma
aceleração, por parte do pintor, do uso da perspetiva, desde o pavimento aos alçados da
cobertura arquitetónica, dado pelo teto de masseira, sobretudo na aplicabilidade do
duplo arco que encontramos ao fundo da composição (fig. 244), e a sua semelhança com
a gravura do Mestre monogramista “AG” (fig. 245). É de ressalvar também a
representação de colunas de marmoreado com distintas tonalidades de pedra, que se
distingue da demais composição pela sua riqueza ornamental (fig. 246). Já na obra
Adoração dos Magos (1520-1525) (fig. 247), de Gregório Lopes, o gosto pelo antigo é
manifestado pelo emprego de elementos de natureza clássica (fig. 248), dando como
exemplos, colunas sobre plintos, capitéis coríntios, entablamentos divididos
horizontalmente ou ruínas ao romano.

Assim, os elementos arquitetónicos renascentistas destas obras sobrepõem-se a


outras estruturas arquitetónicas, que envolvem a cena principal, como é o caso de S.
Pedro, onde coexiste elementos da renascença com arquiteturas de outros gostos, pois
envolve uma loggia italianizante que se abre para o exterior “A obra do Grão Vasco
pode ilustrar o modo extraordinário como a pintura e os pintores provenientes dos
Países Baixos meridionais marcaram a pintura ibérica. Não exactamente porque essa
influência tenha sido mais profunda no seu processo ou porque a tenha assimilado de
forma especialmente interessante. A este nível, pode dizer-se que não difere
substancialmente dos pintores seus contemporâneos, pois a influência da matriz

181
flamenga no gosto da clientela e no trabalho dos motores, coincidindo o seu auge com
o fulgurante período manuelino, foi decisiva a ponto de provocar um muito expressivo
fenómeno de descontinuidade. (…) a obra do Grão Vasco, na medida em que se
inscreve num circuito de produção e de consumo provincial - numa região do interior
do país relativamente isolada e sem qualquer tradição no domínio da pintura -, tem
ainda a possibilidade de testemunhar a notável abrangência geográfica desde
fulgurante movimento de renovação. (…) a matriz flamenga de que foi profundamente
subsidiário não o impediu de afirmar a sua individualidade e de incorporar outras
referências, é tendencialmente considerado pela historiografia da pintura portuguesa
do fundador como um dos pintores que mais precocemente contribuiu para a “escola
portuguesa de pintura”.”386 Segundo Reynaldo dos Santos, Vasco Fernandes “pela
imaginação, intenção expressiva das formas, panejamentos e carácter regional da
paisagem, [foi] o primeiro grande mestre da escola portuguesa no período do
renascimento quinhentista”387, já Adriano de Gusmão reitera “ainda tão brujense no
magnífico retábulo de Lamego (1506-1511) conservará sempre algo reservado e
distanciado, por temperamento e educação artística, da expressão referida pelos
pintores mais novos das oficinas de Lisboa, chefiadas por Jorge Afonso.”388.

Quanto à noção de espacialidade e de tridimensionalidade, estas afirmam-se no


Martírio de S. Sebastião (fig. 92), de Gregório Lopes, pela presença do templo circular
a par de todas as linhas perspéticas que conduzem o olhar do espectador para diferentes
direções. Estas noções são construídas ao serem pintadas, sobrepondo-as ao que era
praticado na arquitetura, que na realidade, este uso de uma gramática ornamental
clássica era aplicado sob um conjunto tipológico diverso, no que diz respeito à
arquitetura de estrutura gótica ou manuelina, no entanto, esta linguagem liberta-se face
aos encomendantes humanistas de uma pressão humanista. Estes pintores, a nível
compositivo, adotam elementos planimétricos, tipológicos e formatos fora da prática
dita comum, ou seja, “existe uma nova consciência traduzida em tratados, desenhos,
projectos e escritos teóricos de diversa índole”389. Esta perspetiva é materializada e

386
RODRIGUES, Dalila. Grão Vasco, Lisboa, 2007, p. 35.
387
Idem, pp. 35-36.
388
Idem, p. 36.
389
POLICARPO, Isabel Ponce de Leão. Gregório Lopes e a “ut pictura architectura”: os fundos
arquitectónicos na pintura do Renascimento português, Coimbra, 1996, p. 101.

182
proporcionada pela utilização da perspetiva e do representar uma cidade ideal, situação
que interrelaciona o pensamento urbanístico-arquitetónico, isto é, permite-se que a ideia
compositiva se sobreponha à visualizada, ou seja, arquitetura pintada versus arquitetura
real.

A importância e a influência da tratadística tornou-se evidente e extremamente


relevante para os fundos da pintura portuguesa, real, pintada ou imaginada, todavia
também simples desenhos, gravuras e estampas revelaram-se veículo elementar para a
transmissão de linguagens e formas. Na realidade, este acesso às fontes foi marcante,
tanto como legado cultural como de demonstração da atividade arquitetónica executada,
mas é particularmente interessante ilustrar esta afirmação com o caso da escola de
Lisboa, ligada, exclusivamente, à corte e aos pintores régios, e onde surgem
representações de arquitetura nos planos fundeiros. No período do Renascimento, a
procura de representações arquitetónicas tornou-se obrigatório para patentear as
composições pictóricas segundo certas exigências formais e técnicas, porém foi nesta
centúria que a arquitetura reconheceu a função laboral do arquiteto como profissional
liberal, que antes da prática, conjetura um programa técnico e formal, situação
semelhante com a arte da pintura, que é ressalvada pela conquista da liberdade artístico
do pintor, denominada arte liberal.

Em virtude, deve ressalvar-se que a pintura italiana foi levada a cabo por uma
sucessão de experimentações que surgiram pela difusão das fontes disponíveis ao dispor
dos nossos pintores portugueses, tal como dos arquitetos, que alargaram o seu espetro
gramatical construtivo e ornamental através da tratadística, caminhando para a
modernização, o que influenciou a arquitetura representada nos fundos fundeiros da
pintura, ainda que estes modelos arquitetónicos, na sua maioria, revelam problemas
compositivos, todavia, com o decorrer dos anos, os pintores expandem as suas
capacidade artísticas, estilísticas e técnicas. Sendo assim, os arquitetos foram
influenciados a construir edificações reais de nova estética pelas representações
arquitetónicas experimentais e pintadas nos planos fundeiros, o que faz com que os
pintores detivessem uma visão privilegiada sob a idealização de construções meramente
ilusórias, seja através de uma arquitetura proposta ou determinada como utopia
arquitetónica, de “Cidade Ideal”.

183
Todavia, é de ressalvar, que a cultura renascentista e o surgimento de novas
formas, derivada do clássico e do all’antico, sucedeu, simultaneamente, não por acaso,
com a mudança do estatuto liberal do pintor, outrora um mero artesão mecânico,
alteração essa presenciada pela introdução da pintura no seio do panteão das artes
liberais:

“As artes ditas maiores, a pintura, a escultura e a arquitectura, sem dúvida que
a defesa da profissão, implicou, em particular a mudança de estatuto de artes
mecânicas para artes liberais. Esta passagem exigiu um processo intelectual,
desenvolvendo em pouco tempo um corpus de conhecimento que legitimou as
actividades do pintor, do escultor e do arquitecto como actividades liberais.
Artes liberais clássicas até ao Renascimento eram a lógica (ou dialética), a
gramática, a retórica, a aritmética (a teoria dos números), a música (a
aplicação prática da teoria dos números), a geometria (a teoria do espaço) e a
astronomia (a aplicação práctica da teoria do espaço). (…) As academias foram
as novas instituições que legitimaram as actividades artísticas como artes
liberais que promoveram, regulamentaram e prestigiaram esse processo, por
oposição às formas de organização anteriores dessas atividades: corporações,
grémios, irmandades, que ainda assim, continuaram ao longo de toda a idade
moderna a conviver com as academias, as oficinas e ateliers. A principal
diferença entre os grémios e as academias é o facto de estas terem passado a
tratar as artes como temas científicos, que se ensinavam tanto na teoria como
na prática, enquanto que nas corporações se conservavam as tradições
técnicas.”390.

Com estes novos conceitos a surgir sob o olhar atento do Humanismo, a pintura
e a escultura são colocadas ao mesmo nível da arquitetura, o que nos permite, hoje e
sempre, reunir na mesma linha de composição, diferentes frentes artísticas que gerem
uma inter-relação entre as artes no percurso pictórico.

390
ALMEIDA, Isabel Cruz; NETO, Maria João. Sphera Mundi: arte e cultura no tempo dos
descobrimentos, Lisboa, 2015, p. 167.

184
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No âmbito da nossa investigação científica elaborámos um estudo aprofundado


das arquiteturas representadas nos planos fundeiros das composições pictóricas
quinhentista portuguesa. Na presente dissertação intitulada: “As representações de
arquitetura na pintura do Renascimento em Portugal. Modelos, Formas e
Significados”, desvendámos, igualmente, os diferentes modos de representações
fundeiras (capítulo 2.1), as relações entre as figuras de primeiro plano e os fundos de
arquitetura, quais as suas fontes e o seu caráter de invenzione que encontramos em
muitas das obras portuguesas e onde num discurso de substância maior, colocámos no
tempo, estes seis casos de estudo que vão ser paradigmáticos de uma evolução do
tratamento dos fundos de arquitetura.

A produção pictórica portuguesa do Renascimento assumiu um


convencionalismo comum nas composições da iconografia religiosa, “uma pretensa
falta de originalidade, sob o ponto de vista compositivo”391. Contudo a vontade dos
encomendantes regeu as novas ideias do Humanismo Renascentista, originalidade e
liberdade, dois aspetos representativos na caracterização das paisagens e da arquitetura
nos segundos e terceiros planos da pintura. Na realidade, a individualização da produção
pictórica, como «escola», beneficiou com a gravura importada e nacional e a imprensa,
inovações plásticas de uma corrente modernizadora das fontes utilizadas pelas oficinas
nacionais e pela sua clientela (capítulo 1.3.1). Aqui, “a arte da pintura assumiu
contornos da verdadeira originalidade enquanto «escola» artística autónoma face às
suas congéneres italianas”392.

Ao nível da invenzione, o discurso que a pintura e os pintores deste período


declararam ter na Itália e no Norte da Europa um princípio orientador, embora em
distintos momentos, e portanto com olhares centralizados em dissemelhantes correntes,
contudo esta correlação inaugura uma importância na declaração de uma determinada
modernidade num período brilhante da pintura portuguesa, fator esse determinante para
o fascínio que a qualidade pictórica exerceu sobre as sucessivas gerações, prova essa

391
SERRÃO, Vítor. História da Arte em Portugal – O Renascimento e o Maneirismo, Lisboa, 2002, p.
77.
392
Idem, p. 78.

185
que resulta do reconhecimento da capacidade de representar o real, mas também, e
fundamentalmente, da noção de que a capacidade de arquiteturar uma composição
pictórica é planificada pelo pintor no sentido da sua globalidade, ou seja, o pintor sabe
rigorosamente o momento em que vai introduzir o espaço e a figura humana, e
consequentemente, como os vai articular.

A pintura e os pintores provenientes do Norte da Europa detiveram um papel


primordial no que são as constantes iconográficas e criativas da pintura portuguesa do
século XVI é uma clara certeza, contudo a conjuntura que auxiliou esta norma não se
restringe a contextos económicos benéficos e à política promovida por D. Manuel,
marcados por relações económicas e laços diplomáticos e familiares enraizados
progressivamente na sociedade portuguesa. A corte foi decisiva na história da pintura
portuguesa pela sua geografia, que deteve um papel deliberativo na corrente de um
gosto definido, mas também nas conexões entre pintores e oficinas e na definição do
espaço laboral de cada um. Aqui, o binómio imagem-realidade ou imagem-imaginada
são sem dúvida o eixo primordial do debate deste estudo e o ponto fulcral de onde
emergem e para onde se convergem as inovações artísticas. A consecução de efeitos
visuais são cada vez mais razoáveis nas representações, o que provocou a
experimentação de recursos globais, e sobretudo, espaciais muito diversos,
fundamentada, maioritariamente, na matriz nórdica, de visão natural, que se desenvolve
a partir da observação e do mundo sensível. Todavia o conceito de verossimilhança ou
da ilusão do real orientou a uma série de procuras e de aprimoramentos da técnica e a
novos estratagemas e articulações figurativas, a unificar a relação real e simbólica.

À luz destas circunstâncias deve-se avaliar os caminhos que estas novidades


artísticas foram tomando, sobretudo, posteriormente ao modelo flamengo, com os
ventos oriundos de Itália, através da abertura do país à cultura humanista italiana, que
despertou os pintores portugueses para um esforço de modernização. Este italianismo
provocou essencialmente alterações no campo material e figurativo, o que prossupõe a
uma transferência do eixo geográfico das influências. Contudo, é por via do Norte da
Europa que a gravura e a pintura importada, difundem as formas all’antico.

Já a «escola portuguesa», segundo os padrões estéticos, foi quem assumiu uma


criação pictural original numa via de propaganda pela imagem, numa linguagem que se
sobrepõe à cópia, ou seja, salientando a inovação estética perante os modelos estilísticos

186
flamengos. Paralelamente a estas fórmulas, os pintores demonstraram as suas
capacidades ao assimilarem as fórmulas renascentistas do Primeiro Maneirismo de
Antuérpia através de uma autonomia que se inseriu numa pintura marcada pela
utilização fantasiosa das arquiteturas, pelas poses rebuscadas das figuras e pelo gosto
pelos adereços ornamentados. Contudo, foi no reinado de D. Manuel I que se
proporcionou uma intensa produção artística e arquitetónica traduzindo-se num dos
períodos mais enriquecedores da arte portuguesa, pelo gosto particular do monarca e
estabelecimento de uma identidade visual e simbólica do novo ramo da dinastia de
Avis, a par de uma disponibilidade económica e importância política que a expansão
territorial deteve no nosso país e no interesse pelas formas renovadas de representação
artística através de diversas áreas distintas, e novas como a pintura, a produção
documental e o desenvolvimento da imprensa, de natureza religiosa, literária, técnica,
pedagógica e administrativa.

Nesta problemática, uma das grandes conclusões a reter é que em diversas


propostas de representações arquitetónicas, a arquitetura é um dos veículos, a par da
decoração, símbolos representativos de modernidade, no plano da pintura renascentista
portuguesa, onde “… a originalidade de concepção, junto à novidade dos processos
técnicos; é a forma sui generis pela qual o artista traduz as ideias peculiares,
características, de uma época nacional, quando essa época marca o ponto culminante
da cultura de um povo”393. Sendo que aqui, o nosso principal objetivo foi ampliar o
estudo de um património artístico conhecido, todavia abordando metodologias
diferenciadoras e atualizadas das demais referências de base, expondo esse património
dentro de outros conceitos da história da pintura portuguesa, referindo-os como
principal eco de preocupação que regressava na sociedade artística da época, sobretudo
sobre questões arquiteturais.

Não sendo esta uma dissertação de iconografia, interessou-nos mostrar um


património edificado, imaginado ou meramente decorativo, que pode ser compreendido
sob diversos pontos de vista (capítulo 2.2). Por este motivo, para além das questões
figurativas estritamente relacionadas com as representações iconográficas de primeiro
plano e que nos fazem interpretar a narrativa do quadro, existem outros elementos
passíveis de serem observados e decifrados a nível compositivo, sendo que aqui
393
VASCONCELOS, Joaquim de. A Pintura Portuguesa nos séculos XV e XVI. Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1929, p. 9.

187
interessou perceber a evolução da arquitetura ao longo da centúria de Quinhentos “O
assunto dos «fundos na arquitetura» merece um enfoque autónomo, uma vez que se
trata da tradução plástica de elementos com valor não apenas cenográfico, mas
propriamente arquitetónico – o que parece uma redundância, mas não o é –, uma vez
que, em muitas circunstâncias, são os edifícios os protagonistas da ação, parte
integrante de uma sintaxe que permite dar a entender a narrativa – pese embora o facto
de muitos desses fundos serem tributários da gravura, sendo delas cópias ou
adaptações, mas não só.”394.

Os fundos arquitetónicos que analisámos ao longo do nosso trabalho revelam


que se trata de arquiteturas quer áulicas quer chãs, onde, em alguns casos, se junta a
paisagem. Neste contexto, desmontámos estes fundos e demos exemplos, separando
aquilo que é artificial daquilo que é arquitetura de tudo mais, contudo importa salientar
que não convém fechar os olhos a tudo mais, porque é muito provável que alguns destes
artistas mencionados no decorrer do trabalho tenham aplicado tratadística, gravuras e
iluminuras para a representação da arquitetura, e gravuras e iluminuras para a paisagem,
juntando-as numa só composição pictórica. A presente realidade nem sempre permite
alcançar avanços possíveis no que diz respeito a esta prática, nomeadamente na
fidelidade das referências das fontes, podendo caracterizar as mesmas como fidedignas
ou meramente ilustrativas de uma possível alusão ao representado.

Havendo esta prática, o pintor teve ao seu dispor fonte de informação passível de
ser recolhida “A prática deve estar sempre fundada numa sólida teoria…”395. Esta
afirmação sumaria a proximidade entre as artes e ciência, como comprovativo da teoria
da arte renascentista, que se caracteriza, essencialmente pela formação teórica e,
posteriormente, neste caso, pelo atingir do domínio da prática da arquitetura e da pintura
numa base construtiva do campo pictural, onde a “arte da pintura é na verdade produto
de mentes livres e nobres intelectos”396.

Pelas pinturas aqui analisadas Menino Jesus entre os Doutores (1520-1530) (fig.
31), de Cristóvão de Figueiredo, Chegada das Relíquias de Santa Auta (c. 1522) (fig.

394
PIMENTEL, António Filipe. A arquitectura imaginária. Pintura, escultura, artes decorativas, Lisboa,
MNAA-INCM, 2012, p. 98.
395
CALADO, Margarida. Arte /Ciência - Criação /Investigação: reflexões sobre a Teoria da Arte no
Renascimento e Maneirismo. Faculdade de Belas Artes, da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2010, p. 3.
396
Idem, ibidem.

188
34), de Gregório Lopes, Os Santos Mártires de Lisboa (1530) (fig. 55), de Garcia
Fernandes, Nossa Senhora da Misericórdia (1535-1536) (fig. 65), de André de Padilha,
Cristo em casa de Marta e Maria (1535-1540) (fig. 72), de Vasco Fernandes, e Martírio
de São Sebastião (1536-1538) (fig. 92), de Gregório Lopes, é possível caracterizar e
diferenciar as tipologias fundeiras. Paralelamente a isto, constituímos o conceito de
fundo de arquitetura figurada, imaginada e decorativa como o mais completo e onde se
inserem os casos de estudo, sob uma valorização espacial dos planos compositivos da
pintura portuguesa do Renascimento, ou seja, estas arquiteturas fundeiras coexistem a
par de estudos e de representações reais e imaginadas (capítulo 2.2). Os fundos
arquitetónicos reais permitem ser identificados através de documentação,
nomeadamente de tratadística, gravura e iluminuras (capítulos 1.3.1 e 1.3.2), e de
elementos característicos definidores de um local, como exemplo as obras Chegada das
Relíquias de Santa Auta, Os Santos Mártires de Lisboa, Cristo na Casa de Marta e
Maria e Martírio de São Sebastião. Nas representações ditas imaginadas Menino Jesus
entre os Doutores e Nossa Senhora da Misericórdia, o espaço arquitetónico é uma
idealização de uma arquitetura sugerida, sendo que estas construções constituem uma
unidade autónoma para o estudo da pintura e da arquitetura do Renascimento.

Foi objetivo confrontar e compreender as formas do manuelino-joanino através


da tratadística (Sagredo e Serlio) e das diversas fontes do mundo gráfico (gravuras e
iluminuras). Deste ponto de vista, o gosto de base tratadística permite-nos trazer
respostas a esta problemática, assim como explanar o modo de alcançar essas mesmas
formas, que muitas vezes são implicadas numa representação ao all’antico. A
identidade do autor, Diego de Sagredo, bem como a data do manuscrito, 1526 (Medidas
del Romano, edição de Toledo) assume especial relevância no decurso da pintura da
primeira metade do século XVI, e posteriormente com edição portuguesa do mesmo
tratado, em 1528 (capítulo 1.3.2).

Ao mesmo tempo, a execução destes planos fundeiros terá de ser lido à luz das
gravuras e livros impressos (iluminuras) que ao tempo circulavam pelo espaço
peninsular e europeu, tornando-se, em regra geral, modelos visuais para a construção de
novos edifícios ou como resultado de inventividade e inspiração para a produção
pictórica, num laborioso trabalho fundeiro que acompanhava a composição (capítulo
1.3.1). De qualquer modo, não existem dúvidas de que Cristóvão de Figueiredo,
Gregório Lopes, Garcia Fernandes, Vasco Fernandes, Mestre de Abrantes (Cristóvão

189
Lopes?), Frei Carlos e Mestre da Lourinhã recorreram às fontes (tratados, gravuras e
iluminuras) para enriquecer o seu reportório formal e iconográfico, sendo que, também
é certo que os pintores o fizeram com uma enorme liberdade inventiva e de sentido
interpretativo.

Já, no que diz respeito, às representações fundeiras o pintor podia ainda auxiliar-
se da realidade das representações arquitetónicas ou refugiar-se, única e exclusivamente
da inventividade, como ideia de renovação construtiva alusiva à utopia de “Cidade
Ideal”. A inclusão destas microarquiteturas projetadas nos planos fundeiros, na arte
portuguesa, revelaram modernidade e novidade ao espaço compositivo, e não só pela
cena central da pintura, sendo que aqui os pintores procuravam representar fundos
arquitetónicos reais ou imaginados, todavia a inventio do artista imperava aqui, através
de uma idealização figurada dos modelos all’antico na idealização das construções
edificatórias ou parte delas.

Assim, para este estudo foi qualificada determinadas tipologias de fundos de


arquitetura representativas na pintura portuguesa do século XVI, passíveis de serem
enquadradas em conjuntos distintos. Na realidade, quanto aos dados ao nosso dispor foi-
nos passível de identificar três tipologias principais que se desdobram a partir das fontes
(tratados, gravuras, livros impressos e iluminuras), do real e do imaginado.

A tipologia estilística das fontes compõem-se nos seguintes exemplos: Menino


Jesus entre os Doutores (fig. 33), Chegada das Relíquias de Santa Auta (fig. 43), Os
Santos Mártires de Lisboa (figs. 60 e 63), Cristo em casa de Marta e Maria (figs. 78,
83, 85 e 89), Circuncisão (fig. 91), Martírio de São Sebastião (figs. 96 e 98), O
Desembarque em Lisboa dos três Santos Mártires Veríssimo, Máximo e Júlia (figs.
116), Aparecimento de Cristo à Virgem (figs. 124 e 125), Investidura de um Mestre da
Ordem de Santiago (figs. 140 e 143), A Virgem, o Menino e Anjos (figs. 148, 149 e
151), Apresentação de Jesus no Templo (figs. 154, 155 e 159), São Pedro (figs. 163,
164 e 168), Morte da Virgem (figs. 174), São Sebastião (fig. 180), Santo António
Pregando aos Peixes (fig. 193), Visitação (figs. 209 e 210), Natividade (fig. 224), A
Degolação de São João Baptista (figs. 239 e 242) e Pentecostes (fig. 245).

A tipologia do real segue com os exemplos das seguintes obras: Chegada das
Relíquias de Santa Auta (figs. 36, 37, 38, 40, 46, 47, 49, 51), Os Santos Mártires de
Lisboa (figs. 58, 61, 62), Nossa Senhora da Misericórdia (figs. 67, 68 e 69), Cristo em

190
casa de Marta e Maria (figs. 76 e 80), Martírio de São Sebastião (figs. 96 e 100),
Casamento da Virgem (fig. 105), O Desembarque em Lisboa dos três Santos Mártires
Veríssimo, Máxima e Júlia (fig. 116), Aparecimento de Cristo à Virgem (fig. 127),
Investidura de um Mestre da Ordem de Santiago (figs. 138 e 142), A Virgem, o Menino
e Anjos (fig. 146), Apresentação de Jesus no Templo (figs. 157 e 161), São Pedro (fig.
166), Morte da Virgem (fig. 172), São Sebastião (fig. 182), Fuga para o Egipto (fig.
187), Santo António Pregando aos Peixes (figs. 195, 197, 199, 200 e 202), Ressurreição
de Lázaro (figs. 216, 217, 220, 221), Calvário (figs. 227 e 229), A Degolação de São
João Baptista (figs. 236, 238 e 241).

No que concerne à tipologia do imaginado concentram-se as obras: Menino


Jesus entre os Doutores (fig. 31), Nossa Senhora da Misericórdia (figs. 70 e 71), Cristo
em Casa de Marta e Maria (fig. 87), Última Ceia (fig. 108), O Bom Pastor (fig. 112),
São João Evangelista (fig. 113), Aparecimento de Cristo à Virgem (figs. 131, 133, 134,
135 e 136), São Pedro (figs. 169 e 170), São Sebastião (fig. 178), Fuga para o Egipto
(fig. 185), Adoração dos Reis Magos (fig. 212), Adoração dos Magos (fig. 213),
Ressurreição de Lázaro (fig. 218) e Adoração dos Magos (fig. 247).

Neste encadeamento de ideias, tornou-se relevante o fundo de arquitetura como


tema global e como forma de compreender as diversas influências arquitetónicas deste
tempo, bem como a sua coexistência a par de estudos e de representações reais e
imaginadas (capítulos 2.3 e 2.4) “(…) a pintura difere das outras ciências porque
implica a produção de uma obra de arte material que por sua vez reproduz certa parte
da natureza. Mas a imitação da pintura é um acto científico e não um simples processo
mecânico. (…) Para além disso, o artista é também um criador e, nesse sentido, pode
inventar monstros, paisagens desconhecidas, montanhas, etc.”397. Todavia é ainda
incerto caracterizar alguns dos fundos de arquitetura da pintura portuguesa daquele
tempo, nomeadamente, por escassez de estudos completos e por falta de divulgação de
fontes e, sobretudo se tratados, gravuras e iluminuras que estavam à disposição dos
pintores no tempo da feitura das obras. Porém, o ponto de partida essencial para o
desenvolvimento do trabalho foi tentar entender até que ponto o espaço arquitetónico é
uma invenção ou até mesmo, que importância detém na declaração de uma determinada

397
Idem, p. 5.

191
modernidade, e qual a sua preocupação de perspetiva nos fundos, fator relativo na
representação da figura humana.

Entendemos, em síntese, que nem todas as objeções traçadas nos são passíveis
de serem conclusivas. Porém, é nossa certeza que foi alcançado um olhar renovado
sobre a arquitetura na pintura portuguesa da década de vinte, trinta e quarenta do século
XVI, e sobretudo a forma de evidência que assumimos com as propostas de
entendimento que se oferecem como base objetiva para futuras progressões.

192
BIBLIOGRAFIA

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ANEXOS

Fig. 1 - Iluminador Eugénio de Frias Serrão, Frontispício do Compromisso da Irmandade de São Lucas -
São Lucas pintando a Virgem, 1608, MNAA (in LIMA, Luís. «Naturezas-Mortas» antes da Natureza-
Morta: bases para o estudo e contemplação das formas preliminares da Natureza-Morta em Portugal, p.
31).

204
Fig. 2 - Casa dos Vinte e Quatro, Lisboa (in Casa dos 24 | Coisas para fazer | Avenida da
Liberdade/Príncipe Real, Lisboa (timeout.pt)).

Fig. 3 - Casa dos Vinte e Quatro, Lisboa (in Conheça as Casas dos 24 do Porto e de Lisboa (timeout.pt)).

205
Fig. 4 - Álvaro Pires de Évora, Bandeira de São Jorge, c. 1427-1430, Museu Hermitage, S. Petersburgo
(in São Jorge The State Hermitage Museum - Representações de São Jorge na pintura – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)).

206
Fig. 5 - Vasco Fernandes, pormenores da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540, MGV (in
Cristo em Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture).

Fig. 6 - Albrecht Dürer, gravura Melancolia I, 1514, Metropolitan Museum of Art (in Albrecht Dürer |
Melencolia I | The Metropolitan Museum of Art (metmuseum.org)).

207
Fig. 7 - Albrecht Dürer, gravura O Filho Pródigo, 1496, Coleção Privada (in O Filho Pródigo, c. 1496 de
Albrecht Dürer (meisterdrucke.pt)).

208
Fig. 8 - Diego de Sagredo, edição portuguesa do Tratado Medidas del Romano, 1541 (in Medidas del
Romano agora nueuamente impressas y añadidas de muchas pieças e figuras muy necessarias alos
officiales que quieren seguir las formaciones delas basas, colunas,capiteles, y otras pieças de los edificios
antiguos | Europeana).

Fig. 9 - Portal da Quinta do Bonjardim, Sintra (in Caminhando à Descoberta da Mata de Belas |
Caminhando).

209
Fig. 10 - Sebastiano Serlio, as cincos ordens arquitetónicas, (in WATERS, Michael J. A Renaissance
without Order Ornament, Single-sheet Engravings, and the Mutability of Architectural Prints, Institute of
Fine Arts, New York University, 2012, p. 502).

210
Fig. 11 - Leon Battista Alberti, Tratado De re aedificatoria, 1485 (in Na arte do edifício – HiSoUR Arte
Cultura Exposição).

Fig. 12 - Vitruvius Pollio, Tratado de Architectura (in FACES DA ARQUITETURA).

211
Fig. 13 - As proporções do homem segundo Vitrúvio (in DELUMEAU, Jean. A civilização do
Renascimento, p. 95).

Fig. 14 - Retrato de Francisco de Holanda, in De Aettatibus Mundi Imagines, Biblioteca Nacional de


Espanha, Madrid (in Mostrar Francisco de Holanda como um dos grandes do Renascimento | Artes |
PÚBLICO (publico.pt)).

212
Fig. 15 - Igreja e Convento da Graça de Évora (in Igreja e Convento da Graça · História da Arquitetura
Portuguesa (hap.pt)).

Fig. 16 - (a) Aprendizes a preparar as tintas, (b) aprendiz a fazer esboços, (c) aprendiz a preparar a paleta
para o mestre (in Jan Collaert I | New Inventions of Modern Times [Nova Reperta], The Invention of Oil
Painting, plate 14 | The Metropolitan Museum of Art (metmuseum.org)).

213
Fig. 17 - Jan Collaert, aprendizes desenham busto e retrato a partir do natural, c. 1600, Metropolitan
Museum of Art (in Jan Collaert I | New Inventions of Modern Times [Nova Reperta], The Invention of
Oil Painting, plate 14 | The Metropolitan Museum of Art (metmuseum.org)).

Fig. 18 - Jan Collaert, gravura de oficina técnica em desenvolvimento da técnica a óleo, c. 1600,
Metropolitan Museum of Art (in Jan Collaert I | New Inventions of Modern Times [Nova Reperta], The
Invention of Oil Painting, plate 14 | The Metropolitan Museum of Art (metmuseum.org)).

214
Fig. 19 - Gregório Lopes, pormenor de arquitetura em Retábulo do Paraíso, Santa Margarida e Santa
Maria Madalena, c. 1520, MNAA. Fotografia de José Pessoa, 1995, DGPC.

Fig. 20 - Vasco Fernandes, pormenor de arquitetura da obra São Pedro, 1529, MNGV (in
https://artsandculture.google.com/asset/s-pedro-vasco-fernandes/0wHHnmIp5r79VA?avm=3).

215
Fig. 21 - Garcia Fernandes, pormenor de arquitetura da obra Santo António Pregando aos Peixes, do lado
direito, arcaria gótica, e ao fundo, um edifício renascentista, 1535-1540, MNAA. Fotografia de Mariana
Real.

Fig. 22 - Garcia Fernandes, pormenor da janela de gosto mudéjar da obra Santo António Pregando aos
Peixes, 1535-1540, MNAA. Fotografia de Mariana Real.

216
Fig. 23 - Frei Carlos, paisagem de símbolos: Assunção da Virgem, 1520-1530, MNAA (in Ficheiro:Frei
carlos, assunzione di maria, 1520-30 ca. 01.jpg – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

217
Fig. 24 - Vasco Fernandes, paisagem fantástica de Cristo em Casa de Marta e Maria, 1535-1540, MNGV
(in GraoVasco.jpg (10068×9806) (wikimedia.org)).

Fig. 25 - Mestre da Lourinhã, paisagem ideal de São João Evangelista em Patmos, c. 1510-1520, Santa
Casa da Misericórdia da Lourinhã (in AZAMBUJA, Sónia Talhé. Plantas, Animais e Paisagem: da
iconografia à iconologia na pintura dos séculos XV e XVI em Portugal, p. 104).

218
Fig. 26 - António de Holanda (?), Livro de Horas da Condessa de Bertiandos (II), 1515-1530 (in
AZAMBUJA, Sónia Talhé. Plantas, Animais e Paisagem: da iconografia à iconologia na pintura dos
séculos XV e XVI em Portugal, p. 104).

219
Fig. 27 - Ofício dos Mortos (fólio 130), Livro de Horas de D. Manuel, MNAA, Lisboa, 1517-1551 (in
Uma outra representação da Rua Nova dos Mercadores, em Lisboa: a tábua do “martírio de S.
Sebastião”, de Gregório Lopes (openedition.org)).

220
Fig. 28 - Vasco Fernandes, políptico de Lamego [reconstituição], c.1506-1511, Museu de Lamego (in
Políptico da Capela-mor da Sé de Lamego – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

Fig. 29 – Grão Vasco, Políptico da Capela-mor da Sé de Viseu (1501-1506), MNGV (in Políptico da
Capela-mor da Sé de Viseu (1501-1506) - Vasco Fernandes e Francisco Henriques — Google Arts &
Culture).

221
Fig. 30 - (1) Encontro na Porta Dourada e (2) Casamento da Virgem, 1495-1510, Políptico da Sé de
Évora, Museu de Évora (in 1 Políptico Évora IMG 2728 - Políptico da Sé de Évora – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)).

222
Fig. 31 - Cristóvão de Figueiredo, Menino Jesus entre os Doutores, 1520-1530, MNAA (in Cristóvão de
Figueiredo - Menino de Jesus entre os Doutores - Menino Jesus entre os Doutores (Cristóvão de
Figueiredo) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

Figs. 32 e 33 - Bancos com arcos venezianos (1) (in Cristóvão de Figueiredo - Menino de Jesus entre os
Doutores - Menino Jesus entre os Doutores (Cristóvão de Figueiredo) – Wikipédia, a enciclopédia livre
(wikipedia.org)) e (2) RES-322-V, BN, p. 37 [Liturgia e ritual
Hore intemerate Virginis marie secundu[m] usum Romanum cum pluribus oratio[n]ibus tam in gallico
q[uam] in latino. - Paris : par Thielman keruer imprimeur deluniuersite de Paris : pour Gillet Remacle
libraire demourant sur le pont Saint Michel a lenseigne de la Licorne, 1503. - [96] f. : il. ; 8º (19 cm)].

223
Fig. 34 - Gregório Lopes, Chegada das Relíquias de Santa Auta, c. 1522, MNAA (in Retábulo de Santa
Auta - Crotos (zone47.com)).

Figs. 35 e 36 - (1) Pormenor do portal manuelino da obra Chegada das Relíquias de Santa Auta (in
Retábulo de Santa Auta - Crotos (zone47.com)) e (2) Portal neomanuelino da fachada sul do MNAz (in
The Museu Nacional do Azulejo - Lisbon For 91 Days).

224
Figs. 37 e 38 - (1) Portal do antigo Convento da Conceição, em Leça da Palmeira (in Portais - Brasões -
Aldrabas - Tranquetas - Taramelas - Batentes - Caravelhos - etc...: Portal Manuelino - Quinta da
Conceição (manueljosecunha.blogspot.com)) e (2) Portal da Igreja Matriz da Golegã (in Igreja Matriz da
Golegã - Portugal | See where this picture … | Flickr).

Figs. 39 e 40 - Arco canopial (1) obra Chegada das Relíquias de Santa Auta (in Retábulo de Santa Auta -
Crotos (zone47.com)) e (2) Sé da Guarda (in sé da guarda – Arte Medieval (vmribeiro.net)).

225
Fig. 41 - Cogulho da obra Chegada das Relíquias de Santa Auta (in Retábulo de Santa Auta - Crotos
(zone47.com)).

Figs. 42 e 43 - (1) Motivos vegetalistas da obra Chegada das Relíquias de Santa Auta (in Retábulo de
Santa Auta - Crotos (zone47.com) e (2) Motivos vegetalistas D. Manuel I: o Venturoso, Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, 2022 (in Apresentação do PowerPoint (dglab.gov.pt)).

226
Fig. 44 - Divisas de D. João II (pelicano) e de D. Leonor (camaroeiro) e, ao centro, o escudo português da
obra Chegada das Relíquias de Santa Auta (in Retábulo de Santa Auta - Crotos (zone47.com)).

227
Figs 45, 46 e 47 - Botaréus torsos encimados por coroas reais (1) obra Chegada das Relíquias de Santa
Auta (in Retábulo de Santa Auta - Crotos (zone47.com)); (2) Sé da Guarda (in sé da guarda – Arte
Medieval (vmribeiro.net)) e (3) Igreja Matriz da Golegã (in IGREJA DE NOSSA SENHORA DA
CONCEIÇÃO, GOLEGÃ, 2012 | FASCÍNIO DA FOTOGRAFIA (wordpress.com)).

Fig. 48 - Tondo Virgem e o Menino da obra Chegada das Relíquias de Santa Auta (in Retábulo de Santa
Auta - Crotos (zone47.com)).

228
Fig. 49 - Tondos semelhantes ao representado na obra Chegada das Relíquias de Santa Auta das oficinas
dos Della Robbia (1) Medalhão da Virgem com o Menino, MNAA, Fotografia de Mariana Real; (2)
Medalhão da Virgem com o Menino, National Gallery, Prague (in File:Andrea della Robbia - The Virgin
and Child.jpg - Wikimedia Commons) e (3) Medalhão da Virgem dos Lírios de Luca della Robbia, The
Walters Art Museuam, Baltimore, Maryland (in The Virgin of the Lilies | The Walters Art Museum).

229
Figs. 50 e 51 - Gárgulas pintadas versus originais do convento (1) (in Retábulo de Santa Auta - Crotos
(zone47.com)) e (2) (in BARREIRA, Catarina. Gárgulas: representações do feio e do grotesco no
contexto português. Séculos XIII a XVI. Dissertação de Doutoramento, Belas-Artes (Ciências da Arte),
Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Vol. II, 2011, pp. 683-684).

Fig. 52 - Caravelas e rio Tejo da obra Chegada das Relíquias de Santa Auta (in Retábulo de Santa Auta -
Crotos (zone47.com)).

230
Fig. 53 - Vista do Convento da Madre de Deus (in Convento da Madre Deus - Paixão por Lisboa
(sapo.pt)).

Fig. 54 - Fachada principal da Igreja do Convento da Madre de Deus (in Convento da Madre Deus -
Paixão por Lisboa (sapo.pt)).

231
Fig. 55 - Garcia Fernandes, Os Santos Mártires de Lisboa, 1530, MCM. Fotografia do Centro de
Documentação do Museu Carlos Machado.

Fig. 56 - Garcia Fernandes, pormenor arquitetónico da obra Os Santos Mártires de Lisboa, 1530, MCM.
Fotografia do Centro de Documentação do Museu Carlos Machado

232
Fig. 57 - Pormenores arquitetónicas da obra Os Santos Mártires de Lisboa, 1530, MCM.

Fig. 58 - Alusão aos edifícios de Roma (1) Palácio Papal (in The Apostolic Palace - Vatican | The
Apostolic Palace is the… | Flickr), (2) Castelo de Sant’Angelo Nicolas Beatrizet, estudo arquitetónico,
1558-1577, British Museum (in print | British Museum) e (3) Panteão (in Wikipédia da História da Arte /
Panteão (pbworks.com)).

233
Figs. 59 e 60 - (1) Pormenor fundeiro da obra Os Santos Mártires de Lisboa, 1530, MCM, versus (2)
Pormenor da vista de Roma, Crónica de Nuremberga, fl. LXVIII (in BATORÉO, Manuel. Os
“Primitivos Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização Instrumental de Fontes
Gráficas, p. 231).

234
Fig. 61 - (1) Pormenor fundeiro da obra Os Santos Mártires de Lisboa, 1530, MCM, versus Palais des
Papes, em Avinhão (in Avignon, Palais des Papes depuis Tour Philippe le Bel by JM Rosier - Palácio dos
Papas de Avinhão – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

235
Figs. 62 e 63 - Pormenores arquitetónicas da obra Os Santos Mártires de Lisboa, 1530, MCM, versus (1)
Torre de Belém, Lisboa (in DIVAGAR SOBRE TUDO UM POUCO - Poemas, Flores, Pinturas, Férias:
Torre de Belém (algarve-saibamais.blogspot.com)) e (2) Paço da Ribeira, em Lisboa. Livro de Horas dito
de D. Manuel, atribuído a António de Holanda, 1517-1551. Lisboa, MNAA, N.º de Inv. 14/fl. 25v. (in
Paço da Ribeira, em Lisboa. Livro de Horas dito de D. Manuel, atribuído... | Download Scientific
Diagram (researchgate.net)) e

Fig. 64 - Paço da Ribeira, Lisboa, gravura em cobre, Georgius Braunius, Civitates Orbis Terrarum, 1572
(in A Viagem dos ArgonautasDIA DE LISBOA – Falemos desta luminosa urbe – por Carlos Loures).

236
Fig. 65 - André de Padilha, Nossa Senhora da Misericórdia, 1534, igreja da Misericórdia de Viana do
Castelo. Fotografia da Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo.

237
Fig. 66 - Xilogravura do frontispício do Compromisso da Misericórdia de Lisboa, impresso por Hernão
de Campo, 1516 (in SERRÃO, Vítor. André de Padilha e a pintura quinhentista entre o Minho e a
Galiza).

238
Fig. 67, 68 e 69 - (1) Castelo do Lindoso, em Lindoso (in Lindoso - Aldeias de Portugal), (2) Castelo de
Doiras, em Doiras (in La obra para rehabilitar el castillo de Doiras se iniciará antes de que finalice el año
(elprogreso.es) e (3) Castelo de Pambre, em Pambre (in Castelo de Pambre (Lugo) - El turista tranquilo).

Fig. 70 - André de Padilha, pormenor fundeiro da obra Nossa Senhora da Misericórdia, 1534, igreja da
Misericórdia de Viana do Castelo. Fotografia da Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo.

239
Fig. 71 - André de Padilha, pormenor fundeiro da obra Nossa Senhora da Misericórdia, 1534, igreja da
Misericórdia de Viana do Castelo. Fotografia da Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo.

240
Fig. 72 - Vasco Fernandes, Cristo na Casa de Marta e Maria, 1535-1540, MNGV (in Cristo em Casa de
Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture).

241
Fig. 73 - Vasco Fernandes, retrato de D. Miguel da Silva da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-
1540, MNGV (in Cristo em Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture).

Fig. 74 - Plinto central decorado com as armas de D. Miguel da Silva (in Cristo em Casa de Marta -
Gaspar Vaz — Google Arts & Culture)).

242
Figs. 75 e 76 – (1) Pormenor da coluna da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540, MNGV (in
Cristo em Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture) e (2) Claustro da Sé de Viseu (in
Claustro da Sé de Viseu | VISEU (Portugal): Claustro da Sé c… | Flickr)

243
Figs. 77 e 78 - (1) Capitel da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540, MNGV (in Cristo em
Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture) e (2 e 3) Capiteis semelhantes ao representado na
obra, School of Jacopo Ripanda, column capitals, ink drawing, ca. 1512–17 (Oxford, Ashmolean Mu-
seum, KP668, fols. 1v–2r)

Figs. 79 e 80 - (1) Concha da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540, MNGV (in Cristo em
Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture) e (2) Concha da Igreja do Grilo, do Porto (in
Convento dos Grilos, Oporto, Portugal, 2012-05-09, DD 02 - Convento dos Grilos – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)).

244
Fig. 81 - Vasco Fernandes, pormenor da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540, MNGV (in
Cristo em Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture).

Figs. 82 e 83 - (1) Vasco Fernandes, pormenor da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540,
MNGV (in Cristo em Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture) e (2) Gravura “Filho
Pródigo” de Albrecht Dürer, 1496 (in O Filho Pródigo, c. 1496 de Albrecht Dürer (meisterdrucke.pt)).

245
Figs. 84 e 85 - (1) Vasco Fernandes, pormenor da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540,
MNGV (in Cristo em Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture) e (2) Gravura Melancolia I
(in Albrecht Dürer | Melencolia I | The Metropolitan Museum of Art (metmuseum.org)).

Fig. 86 – Pavimento da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540, MNGV (in Cristo em Casa de
Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture)

246
Fig. 87 - Arquitetura fundeira da janela da esquerda da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-
1540, MNGV (in Cristo em Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture).

Figs. 88 e 89 - (1) Pormenor da ponte da obra Cristo em casa de Marta e Maria, 1535-1540, MNGV (in
Cristo em Casa de Marta - Gaspar Vaz — Google Arts & Culture) e (2) Pormenor fundeiro da gravura
“The Return of the Prodical Son”, de Lucas van Leyden, c. 1510, Leiden University Library (in YAYLA,
Ayşegül. Representations of Architecture in Lucas van Leyden’s Prints, 2018, p. 3.).

247
Fig. 90 - Mestre de Abrantes (Cristóvão Lopes?) Circuncisão, c. 1540, MNAA. Fotografia de Mariana
Real.

Fig. 91 - Gravura do Mestre IAM de Zwolle (in BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos Portugueses” e a
Gravura do Norte da Europa – A Utilização Instrumental de Fontes Gráficas, p. 87.

248
Fig. 92 - Gregório Lopes, Martírio de São Sebastião, 1536-1538, MNAA (in File:Gregório lopes,
martirio di san sebastiano, 1536-39, 01.jpg - Wikimedia Commons).

Fig. 93 - Vista geral da Charola, Convento de Cristo, Tomar. Fotografia de Mariana Real.

249
Fig. 94 - Reprodução fotográfica da obra Martírio de São Sebastião, na Charola do Convento de Cristo,
Tomar. Fotografia de Mariana Real.

Fig. 95 - Convento de Cristo, Tomar. Fotografia de Mariana Real.

250
Fig. 96 - Coliseu de Roma (in Coliseu - Wikiwand).

Fig. 97 - Gregório Lopes, representação arquitetónica do Coliseu de Roma na obra Martírio de São
Sebastião, 1536-1538, MNAA. Fotografia de Mariana Real.

251
Fig. 98 - Albrecht Dürer (e gravura em contraposto) (in BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos
Portugueses” e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização Instrumental de Fontes Gráficas, p. 250).

252
Fig. 99 e 100 - Comparação fundeira entre a obra Martírio de São Sebastião, Gregório Lopes, MNAA,
Fotografia de Mariana Real, e a obra Rua Nova dos Mercadores, em Lisboa. Autor desconhecido, c.
1570-1590. Londres, Kelmscott Manor Collection – Society of Antiquaries of London (in Visão | 'A
Cidade Global': Uma capital em modo de viragem (sapo.pt)).

253
Fig. 101 - Motivos all’antico da obra Martírio de São Sebastião, 1536-1538, MNAA, Fotografia de
Mariana Real.

Fig. 102 - Gravura de duas janelas manuelinas da Batalha, segundo o arquiteto Karl Albrecht Haupt,
1888, com a legenda “Batalha. Wohnhaus des Matheos Fernandes” (in REDOL, Pedro; ORLINDO,
Jorge. Arquitectura civil quinhentista da Batalha: Três peças notáveis, p. 294).

254
Figs. 103 - Gregório Lopes, Casamento da Virgem, 1527, MNAA (in Ficheiro:Casamento da Virgem -
Paraiso.jpg – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

Figs. 104 e 105 - (1) Pormenor fundeiro da obra Casamento da Virgem, 1527, MNAA (in Fichei-
ro:Casamento da Virgem - Paraiso.jpg – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)) e (2) Vista geral
da igreja manuelina do Convento de Cristo, Tomar (in PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa. História Es-
sencial, Lisboa, 2017, p. 450).

255
Fig. 106 - Garcia Fernandes, Casamento de Santo Aleixo, 1541, Museu de São Roque (in
Casamento de Santo Aleixo (1541) - Garcia Fernandes - Casamento de Santo Aleixo (Garcia Fernandes)
– Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

256
Fig. 107 - Vasco Fernandes, Pentecostes, 1534-1535, Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra (in Grão
Vasco, Pentecostes, da capela da portaria do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, 1534-35, assinada
Velasco - Pentecostes (Grão Vasco) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

Fig. 108 - Vasco Fernandes, Última Ceia, 1535-1540, MNGV (in Thelastsupper - Última Ceia (Grão
Vasco) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

257
Figs. 109, 110 e 111 - Pormenores dos capitéis (1) Gregório Lopes, Adoração dos Magos, 1520-1523,
MNAA. Fotografia de Mariana Real. (2) Frei Carlos, Anunciação, c. 1523, MNAA (in Frei Carlos -
Anunciação - Frei Carlos – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)). (3) Vasco Fernandes, Cristo
em Casa de Marta e Maria, c. 1535-1540, MNGV (in Última Ceia (Grão Vasco) – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)).

Figs. 112 e 113 - Ambos de Frei Carlos (1) O Bom Pastor, c. 1520, MNAA, Fotografia de José Paulo
Ruas, 2022, DGPC e (2) São João Evangelista, c. 1530 (in São João Evangelista - Frei Carlos - Frei
Carlos – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

258
Fig. 114 - Garcia Fernandes, O Desembarque em Lisboa dos três Santos Mártires Veríssimo, Máxima e
Júlia, c. 1530, MCM. Fotografia do Centro de Documentação do Museu Carlos Machado.

259
Figs. 115 e 116 - (1) Pormenor fundeiro da obra O Desembarque em Lisboa dos três Santos Mártires
Veríssimo, Máxima e Júlia, c. 1530, MCM. Fotografia do Centro de Documentação do Museu Carlos
Machado; (2) Paço da Ribeira, em Lisboa. Livro de Horas dito de D. Manuel, atribuído a António de
Holanda, 1517-1551. Lisboa, MNAA, N.º de Inv. 14/fl. 25v. (in Paço da Ribeira, em Lisboa. Livro de
Horas dito de D. Manuel, atribuído... | Download Scientific Diagram (researchgate.net)).

Figs. 117, 118 e 119 - Ornamentação escultórica (1) Tondo, Gregório Lopes, Chegada das
Relíquias de Santa Auta. Fotografia de Mariana Real; (2 e 3) Escudo e concha, Vasco Fernandes, São
Pedro (in São Pedro de Grão Vasco, Museu Grão Vasco b - São Pedro (Grão Vasco) – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)).

260
Figs. 120 - Nicolau Chanterene, micro-arquiteturas em escultura (1) São Jerónimo tirando o espinho do
Leão e (2) São Jerónimo e os Mercadores (c. 1522), Mosteiro de São Marcos, Tentúgal (in FLOR, Pedro.
Imagens da Cidade – os fundos de arquitectura na escultura retabular em pedra do Renascimento em
Portugal (1500-1550), p. 152.

Fig. 121 - Gil Vicente, Custódia de Belém, exemplo do gosto pelas microarquiteturas, 1506, MNAA (in
Custódia de Belém | Museu Nacional de Arte Antiga (museudearteantiga.pt)).

261
Fig. 122 - Frei Carlos, Aparecimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA (in Aparecimento de Cristo à
Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture).

262
Figs. 123, 124 e 125 - (1) Pormenor da coluna da obra Aparecimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA
(in Aparecimento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture); (2) Tratado Medidas del
Romano de Diego de Sagredo, de 1526, p. 37; (3) RES. 218 20 V., BN, p. 1 [RIBEI-
RO, Bernardim, 1482-1552, Trouas de dous pastores.s. Siluestre e Amador. / Feytas por Bernaldim [sic]
ribeyro. Nouamente empremidas Com outros dous romãces com suas grosas.... - [Lisboa: Germão Ga-
lharde], 1536. - [4] f.; 4º (22 cm)].

263
Figs. 126 e 127 - (1) Colunelo da obra Aparecimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA (in Aparecimento
de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture) versus (2) Colunelo do retábulo da capela-
mor da Igreja do mosteiro de S. Marcos (1522-23), atribuído a Nicolau Chanterene (in Ficheiro:Retábulo
Nicolau Chanterene Mosteiro de S Marcos de Coimbra IMG 8353.JPG – Wikipédia, a enciclopédia livre
(wikipedia.org)).

264
Fig. 128 - Pormenor do putti com cartela da obra Aparecimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA (in
Aparecimento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture).

Fig. 129 - Pormenor da arcaria de influência renascentista da obra Aparecimento de Cristo à Virgem,
1529, MNAA (in Aparecimento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture).

265
Fig. 130 - Adão e Eva representados na obra Aparecimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA (in Apare-
cimento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture).

Fig. 131 - Tondi com a representação das figuras do Antigo Testamento: Abraão e Isaque na obra Apare-
cimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA (in Aparecimento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google
Arts & Culture).

266
Fig. 132 - Domenichino, The Sacrifice of Isaac, 1627-1628, Museo del Prado, Madrid (in Domenichino /
'The Sacrifice of Isaac', 1627-1628, Italian School. Abraham. Painting by Domenico Zampieri -1581-
1641- - Pixels).

267
Fig. 133 - Pormenor dos capitéis da obra Aparecimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA (in Apareci-
mento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture).

Figs. 134 e 135 - (1) Capitel gótico da obra Aparecimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA (in Apare-
cimento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture) e (2) Portada gótica da obra Apare-
cimento de Cristo à Virgem, 1529, MNAA (in Aparecimento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google
Arts & Culture).

268
Fig. 136 - Pormenores fundeiros: paisagem versus arquitetura da obra Aparecimento de Cristo à Virgem,
1529, MNAA (in Aparecimento de Cristo à Virgem - Frei Carlos — Google Arts & Culture).

269
Fig. 137 - Mestre da Lourinhã, Investidura de um Mestre da Ordem de Santiago, 1520-1525, MNAA.
Fotografia de Mariana Real.

Fig. 138 - Interior da igreja de Santiago - Castelo de Palmela (in Castelo de Palmela - Igreja de Santiago
(Retábulo da capela-mor) (perspectivasdoolhar.blogspot.com)).

270
Figs. 139 e 140 - (1) Pormenor da coluna da obra Investidura de um Mestre da Ordem de Santiago, 1520-
1525, MNAA. Fotografia de Mariana Real; (2 e 3) RES-329-V, BN, pp. 9-45 [Liturgia e ritual. Livro de
Horas. Ces presentes heures a lusaige de Rôme so[n]t au lo[n]g sa[n]s req[ue]rir.... - Paris : pour Symo[n]
vostre Libraire, demourant a la rue neuue nostre dame a leneigne sainct Jehan leuangeliste : par Philippe
pigouchet, [1502]. - [98] f. : muito il. ; 8º (23 cm)].

271
Figs. 141, 142 e 143 - (1) Pormenor decorativo do teto em caixotões da obra Investidura de um Mestre da
Ordem de Santiago, 1520-1525, MNAA. Fotografia de Mariana Real; (2) João de Castilho, teto de
caixotões, capela do Noviciado do Convento de Cristo, em Tomar (in Modelos - Convento de Cristo
(conventocristo.gov.pt)); (3) RES-329-V, BN, p. 61 [Liturgia e ritual. Livro de Horas. Ces presentes
heures a lusaige de Rôme so[n]t au lo[n]g sa[n]s req[ue]rir.... - Paris : pour Symo[n] vostre Libraire,
demourant a la rue neuue nostre dame a leneigne sainct Jehan leuangeliste : par Philippe
pigouchet, [1502]. - [98] f. : muito il. ; 8º (23 cm)].

272
Fig. 144 - Gregório Lopes, paisagem real da obra A Virgem, o Menino e Anjos, 1536-1539, MNAA (in
Gregório lopes, madonna col bambino e angeli, 1536-39 - A Virgem, o Menino e Anjos (Gregório Lopes)
– Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

273
Figs. 145 e 146 - (1) Gregório Lopes, paisagem real do pormenor da evocação do Convento de Cristo, na
mata dos Sete Monges, Tomar (?), da obra A Virgem, o Menino e Anjos, 1536-1539, MNAA. Fotografia
de Mariana Real; versus (2) Vista para o castelo de Tomar, Tomar. Fotografia de Mariana Real.

274
Fig. 147 - Fonte da obra A Virgem, o Menino e Anjos, 1536-1539, MNAA. Fotografia de Mariana Real;
versus (2) Vista para o castelo de Tomar, Tomar. Fotografia de Mariana Real.

Fig. 148 - Iluminura do Livro de Horas de D. Manuel, fol. 9v (in MARKL, Dagoberto. Livro de Horas de
D. Manuel, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1983).

275
Fig. 149 - RES-323-V, BN, p. 108 [Liturgia e ritual
Hore beate Marie Virginis ad usum Parisiensem totaliter ad lõgum sine require. - Paris: Thielman Kerver:
Gillet Remacle, 1502. - [132] f.: il.; 8º (17 cm)].

276
Figs. 150 e 151 - (1) Anjos da obra A Virgem, o Menino e Anjos, 1536-1539, MNAA (in Gregório lopes,
madonna col bambino e angeli, 1536-39 - A Virgem, o Menino e Anjos (Gregório Lopes) – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)) e (2) Anjos na iluminura do Livro de Horas de D. Manuel ((in
MARKL, Dagoberto. Livro de Horas de D. Manuel, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1983).

277
Fig. 152 - Garcia Fernandes, Apresentação de Jesus no Templo, 1538, MNAA (in
Garcia_fernandes,_presentazione_di_gesù_al_tempio,_1538,_01.jpg (2082×2838) (wikimedia.org).

278
Figs. 153, 154 e 155 - (1) Pórtico da obra Apresentação de Jesus no Templo, 1538, MNAA (in
Garcia_fernandes,_presentazione_di_gesù_al_tempio,_1538,_01.jpg (2082×2838) (wikimedia.org)); (2)
Francesco Colonna, gravura Hypnerotomachia Poliphili, 1499, Metropolitan Museum of Art (in
Francesco Colonna | Hypnerotomachia Poliphili | The Metropolitan Museum of Art (metmuseum.org));
(3) Desenho de pórtico do tratado Medidas del Romano de Diego de Sagredo, p. 6.

279
Figs. 156 e 157 - (1) Pormenor da coluna da obra Apresentação de Jesus no Templo, 1538, MNAA (in
Garcia_fernandes,_presentazione_di_gesù_al_tempio,_1538,_01.jpg (2082×2838) (wikimedia.org)); (2)
Coluna do retábulo da capela-mor da Igreja do mosteiro de S. Marcos (1522-23), atribuído a Nicolau
Chanterene (in Ficheiro:Retábulo Nicolau Chanterene Mosteiro de S Marcos de Coimbra IMG 8353.JPG
– Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

280
Figs. 158 e 159 - (1) Pormenor do capitel do portal central da obra Apresentação de Jesus no Templo,
1538, MNAA (in Garcia_fernandes,_presentazione_di_gesù_al_tempio,_1538,_01.jpg (2082×2838)
(wikimedia.org)) e (2) Desenho de capitel do tratado Medidas del Romano de Diego de Sagredo, p. 56.

281
Figs. 160 e 161 - (1) Portal da obra Apresentação de Jesus no Templo, 1538, MNAA (in
Garcia_fernandes,_presentazione_di_gesù_al_tempio,_1538,_01.jpg (2082×2838) (wikimedia.org)) e (2)
Arco de Constantino, em Roma (in ArcoCostLatoSud - Arco de Constantino – Wikipédia, a enciclopédia
livre (wikipedia.org)).

282
Fig. 162 - Vasco Fernandes, São Pedro, c. 1529, MGV (in São Pedro – Museu Nacional Grão Vasco
(museunacionalgraovasco.gov.pt)).

283
Fig. 163 - RES-329-V, BN, pp. 17-33 [Liturgia e ritual. Livro de Horas. Ces presentes heures a lusaige de
Rôme so[n]t au lo[n]g sa[n]s req[ue]rir.... - Paris: pour Symo[n] vostre Libraire, demourant a la rue neuue
nostre dame a leneigne sainct Jehan leuangeliste : par Philippe pigouchet, [1502]. - [98] f.: muito il.; 8º
(23 cm)].

284
Fig. 164 - RES-327-V, BN, p. 73 [Liturgia e Ritual. Livro de Horas
Ces presentes heures a lusage de Chalons toutes au long sa[n]s req[ue]rir: auec les figures et signes de
lapocalipse: les miracles nostre dame les accide[n]s de lho[m]me: et plusieurs austres hystoires.... - A
Paris: pour Symo[n] Vostre libraire, demeura[n]t a la rue neufue, pres la grant esglise, [1512]. - [98] p:
muito il. ; 8º (21 cm)].

285
Figs. 165 e 166 - Concha do trono da obra São Pedro, c. 1529, MGV (in São Pedro – Museu Nacional
Grão Vasco (museunacionalgraovasco.gov.pt)) versus motivo decorativo da igreja dos Grilos (in
File:Convento dos Grilos, Oporto, Portugal, 2012-05-09, DD 02.JPG - Wikimedia Commons).

286
Figs. 167 e 168 - (1) Pormenor dos braços do trono da obra São Pedro, c. 1529, MGV (in São Pedro –
Museu Nacional Grão Vasco (museunacionalgraovasco.gov.pt)) e (2) RES-329-V, BN, p. 23 [Liturgia e
ritual. Livro de Horas. Ces presentes heures a lusaige de Rôme so[n]t au lo[n]g sa[n]s req[ue]rir.... - Paris:
pour Symo[n] vostre Libraire, demourant a la rue neuue nostre dame a leneigne sainct Jehan leuangeliste :
par Philippe pigouchet, [1502]. - [98] f.: muito il.; 8º (23 cm)].

287
Fig. 169 - Lado esquerdo da composição fundeira da obra São Pedro, c. 1529, MGV (in São Pedro –
Museu Nacional Grão Vasco (museunacionalgraovasco.gov.pt)).

288
Fig. 170 - Lado direito da composição fundeira da obra São Pedro, c. 1529, MGV (in São Pedro – Museu
Nacional Grão Vasco (museunacionalgraovasco.gov.pt)).

289
Fig. 171 - Gregório Lopes, Morte da Virgem, 1527, MNAA (in Gregório lopes (o jorge leal), retablo del
paradiso, 1523 circa, 08 dormitio virginis - Lista de pinturas de Gregório Lopes – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)).

290
Fig. 172 - Nicolau Chanterene, Retábulo da Igreja do mosteiro de S. Marcos, 1522-23 (in
Ficheiro:Retábulo Nicolau Chanterene Mosteiro de S Marcos de Coimbra IMG 8353.JPG – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)).

291
Figs. 173 e 174 - (1) Pormenor escultórico da obra Morte da Virgem, 1527, MNAA (in Gregório lopes (o
jorge leal), retablo del paradiso, 1523 circa, 08 dormitio virginis - Lista de pinturas de Gregório Lopes –
Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)) e (2) RES-329-V, BN, p. 82 [Liturgia e ritual. Livro de
Horas. Ces presentes heures a lusaige de Rôme so[n]t au lo[n]g sa[n]s req[ue]rir.... - Paris : pour Symo[n]
vostre Libraire, demourant a la rue neuue nostre dame a leneigne sainct Jehan leuangeliste : par Philippe
pigouchet, [1502]. - [98] f. : muito il. ; 8º (23 cm)].

292
Fig. 175 - Hibridismo: praça flamenga com pormenores tipicamente italianos (nichos, estátuas, pilastras e
capitéis) da obra Martírio de São Sebastião, 1536-1538, MNAA. Fotografia de Mariana Real.

293
Fig. 176 - (1) Andrea Mantegna, Martírio de S. Sebastião, 1480, Museu do Louvre, Paris (in
Ficheiro:Andrea Mantegna - St Sebastian - WGA13975.jpg – Wikipédia, a enciclopédia livre
(wikipedia.org)); (2) Luca Signorelli, Martírio de S. Sebastião, 1498, Città di Castello, Pinacoteca
Comunale (in Ficheiro:Signorelli, Martyrdom of St Sebastian, città di castello.jpg – Wikipédia, a
enciclopédia livre (wikipedia.org)); (3) Hans Memling, Martírio de S. Sebastião, c. 1475, Musées Royaux
des Beaux-Arts, Bruxelas (in Hans_Memling_-_The_Martyrdom_of_St_Sebastian_-_WGA14853.jpg
(944×930) (wikimedia.org)).

294
Fig. 177 - Vasco Fernandes, São Sebastião, c. 1530, MNGV (in São Sebastião - Vasco Fernandes e
Gaspar Vaz — Google Arts & Culture).

295
Fig. 178 - Lado esquerdo da composição da obra São Sebastião, c. 1530, MNGV (in São Sebastião -
Vasco Fernandes e Gaspar Vaz — Google Arts & Culture).

Figs. 179 e 180 - (1) Porta de entrada da cidade da obra São Sebastião, c. 1530, MNGV (in São Sebastião
- Vasco Fernandes e Gaspar Vaz — Google Arts & Culture) e (2) Gravura de Lucas van Leyden, Ecce
Homo, 1510, Engraving, Rijksmuseum Amsterdam (in YAYLA, Ayşegül. Representations of Architec-
ture in Lucas van Leyden’s Prints, Early Modern Culture, 2018, p. 2).

296
Fig. 181 - Pormenor decorativo moçárabe da obra São Sebastião, c. 1530, MNGV (in São Sebastião -
Vasco Fernandes e Gaspar Vaz — Google Arts & Culture).

Fig. 182 - Catedral de Santa María de Medievilla, em Teruel (in El mudéjar de Teruel – Baúl del Arte
(wordpress.com)).

297
Fig. 183 - Gregório Lopes, Anunciação, c. 1539-1541, MNAA (in Anunciação (parte do Retábulo de
Santos-o-Novo) - Gregório Lopes — Google Arts & Culture).

298
Fig. 184 - Gregório Lopes, Fuga para o Egipto, c. 1523, MNAA (in
Gregório_lopes_(o_jorge_leal),_retablo_del_paradiso,_1523_circa,_07_fuga_in_egitto.jpg (2106×2934)
(wikimedia.org)).

299
Fig. 185 - Gregório Lopes, pormenor fundeiro da obra Fuga para o Egipto, c. 1523, MNAA. Fotografia
de Mariana Real.

Figs. 186 e 187 - (1) Pormenor fundeiro do aqueduto da obra Fuga para o Egipto, c. 1523, MNAA.
Fotografia de Mariana Real; (2) Aqueduto da Água da Prata, Évora (in Aqueduto da Água da Prata -
Portal Institucional (cm-evora.pt)).

300
Fig. 188 - Garcia Fernandes, obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540, MNAA. Fotografia de
Mariana Real.

301
Fig. 189 – Pormenor das janelas góticas da obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540, MNAA.
Fotografia de Mariana Real.

Fig. 190 - Portal renascentista da obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540, MNAA.
Fotografia de Mariana Real.

302
Fig. 191 - Torres do Norte da Europa da obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540, MNAA.
Fotografia de Mariana Real.

303
Figs. 192 e 193 - (1) Pormenor do plinto da obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540,
MNAA. Fotografia de Mariana Real; versus (2) Plinto ao jeito de Diogo de Sagredo (in SAGREDO,
Diego de. Medidas del Romano, Toledo, Remon de Petras, 1526, p. 46).

304
Fig. 194 e 195 - (1) Fachada central da obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540, MNAA.
Fotografia de Mariana Real; (2) Basilica di Sant’Andrea, em Mântua (in (7) Pinterest).

Figs. 196 e 197 - (1) Janela com ajimez mudéjar da obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540,
MNAA. Fotografia de Mariana Real; (2) Exemplo de janela com ajimez mudéjar (in ajimez – Glosario
ilustrado de arte arquitectónico (glosarioarquitectonico.com)).

305
Figs. 198, 199 e 200 - (1) Edifício circular da obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540,
MNAA. Fotografia de Mariana Real; (2) Iglesia de Santiago del Arrabal, em Toledo (in Iglesia de
Santiago del Arrabal (Toledo) - Wikipedia, la enciclopedia libre); (3) Mosteiro de Castro de Avelãs, em
Castro de Avelãs (in Igreja/Mosteiro de Castro de Avelãs | Rota da Terra Fria (rotaterrafria.com)).

Figs. 201 e 202 - (1) Edifício circular da obra Santo António Pregando aos Peixes, 1535-1540, MNAA.
Fotografia de Mariana Real; e (2) Torre octogonal flamejante da Catedral de Toledo (in La Catedral de
Toledo - Toledo: Información, tarifas, precios, entradas, cómo llegar, teléfono, horarios, mapa, fotos,
libros y guías, visitas guiadas y tours (inspain.org)).

306
Fig. 203 - Mestre de Arruda dos Vinhos, Visitação, c. 1550, Igreja Matriz de Arruda dos Vinhos (in
Visitação Políptico quinhentista da Matriz de Arruda dos Vinhos - Políptico da Matriz de Arruda dos
Vinhos (maneirista) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

Figs. 204 e 205 - Comparação fundeira entre a obra Santo António pregando aos Peixes, Garcia
Fernandes. Fotografia de Mariana Real; e a obra Visitação, Mestre de Arruda dos Vinhos (in Visitação
Políptico quinhentista da Matriz de Arruda dos Vinhos - Políptico da Matriz de Arruda dos Vinhos
(maneirista) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)).

307
Fig. 206 - Mestre de Arruda dos Vinhos, Encontro de Sant’Ana e S. Joaquim, c. 1550, Igreja Matriz de
Arruda dos Vinhos (in Encontro de Santa Ana e São Joaquim Políptico quinhentista da Matriz de Arruda
dos Vinhos - Políptico da Matriz de Arruda dos Vinhos (maneirista) – Wikipédia, a enciclopédia livre
(wikipedia.org)).

308
Fig. 207 - Gregório Lopes, Visitação, 1523, MNAA (in
Gregório_lopes_(o_jorge_leal),_retablo_del_paradiso,_1523_circa,_03_visitazione.jpg (1855×2596)
(wikimedia.org)).

309
Fig. 208 - Gregório Lopes, pormenor arquitetónico da obra Visitação, 1523, MNAA (in
Gregório_lopes_(o_jorge_leal),_retablo_del_paradiso,_1523_circa,_03_visitazione.jpg (1855×2596)
(wikimedia.org)).

Figs. 209 e 210 - (1) Iluminura do Livro de Horas de D. Manuel, fol. 56v (in MARKL, Dagoberto. Livro
de Horas de D. Manuel, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1983) e (2) 1369522, BN, p. 12
[MORE, Thomas, Santo, 1478-1535. De optimo reip. statu, deque nova insula Utopia, libellus vere
aureus, nec minus salutaris quàm festivus, clarissimi disertissimiq[ue] viri Thomae Mori inclytae civitatis
Londinensis civis & Vicecomitis. Epigrammata clarissimi disertissimiq[ue] viri Thomae Mori, pleraq[ue]
è Graecis versa. Epigrammata Des[iderii] Erasmi Roterodami. - Basileae: apud Joannem
Frobenium..., 1518. - 355, [1] p.: il.; 4º (22 cm).

310
Fig. 211 - Mestre de Abrantes (Cristóvão Lopes?), Adoração dos Reis Magos, c. 1540, MNAA.
Fotografia de Mariana Real.

Fig. 212 - Mestre de Abrantes (Cristóvão Lopes?), pormenores arquitetónicos da obra Adoração dos Reis
Magos, c. 1550, MNAA. Fotografia de Mariana Real.

311
Fig. 213 - Gregório Lopes, Adoração dos Magos, 1540-1545, MNAA (in Ficheiro:Gregório lopes, retablo
di santos-o-novo, 1540-45 ca. 05 adorazione dei pastori 1.jpg – Wikipédia, a enciclopédia livre
(wikipedia.org)).

312
Fig. 214 - Gregório Lopes, Ressurreição de Lázaro, c. 1540, Museu de Olivença (in Gregório Lopes
archivos - Museo de Olivenza).

313
Figs. 215, 216 e 217 - (1) Loggia da obra Ressurreição de Lázaro, c. 1540, Museu de Olivença (in
Gregório Lopes archivos - Museo de Olivenza); (2) Loggia do MNMC (in Fotos de Museu Nacional
Machado de Castro: Ver fotos e Imágenes de Museu Nacional Machado de Castro (expedia.com)); (3)
Loggia da Sé de Santarém (in Homilia – Diocese de Santarém (diocese-santarem.pt)).

Fig. 218 – Torreão circular da obra Ressurreição de Lázaro, c. 1540, Museu de Olivença (in Gregório
Lopes archivos - Museo de Olivenza).

314
Fig. 219 - Templo circular da obra Ressurreição de Lázaro, c. 1540, Museu de Olivença (in Gregório
Lopes archivos - Museo de Olivenza).

Figs. 220 e 221 - (1) Igreja de Santa Maria dos Olivais, em Tomar. Fotografia de Mariana Real; (2) Igreja
de Santa Clara, em Santarém (in Igreja de Santa Clara - Santarém | Guia para visitar em 2022 - oGuia
(guiadacidade.pt)).

315
Fig. 222 - Gregório Lopes, Natividade, 1523, MNAA (in Q96101319 - Wikidata).

316
Figs. 223 e 224 - (1) Pormenor fundeiro da obra Natividade, 1523, MNAA (in Q96101319 - Wikidata)
versus (2) Iluminura do Livro de Horas de D. Manuel, fol. 87 v (in MARKL, Dagoberto. Livro de Horas
de D. Manuel. Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1983).

317
Fig. 225 - Gregório Lopes, Calvário, 1544, MNFMC (in MatrizNet (dgpc.pt)).

318
Figs. 226 e 227 - (1) Pormenor fundeiro da obra Calvário, 1544, MNFMC (in MatrizNet (dgpc.pt)) e (2)
Retábulo da Pena (in File:Sintra, Palácio Nacional da Pena, capela, retábulo do altar-mor.jpg - Wikimedia
Commons).

Figs. 228 e 229 - (1) Estrutural central e figuras alegóricas do templo da obra Calvário, 1544, MNFMC
(in MatrizNet (dgpc.pt)) e (2) Pormenor central e figuras alegóricas do Retábulo da Pena (in File:Sintra,
Palácio Nacional da Pena, capela, retábulo do altar-mor.jpg - Wikimedia Commons).

319
Fig. 230 - Claustro principal do convento de Cristo, Tomar. Fotografia de Mariana Real.

Fig. 231 - Charola do convento de Cristo, Tomar. Fotografia de Mariana Real.

320
Fig. 232 - Ermida de N. Srª. da Conceição, Tomar (in Ermida da Conceição - Convento de Cristo
(conventocristo.gov.pt)).

321
Fig. 233 - Gregório Lopes, A Degolação de São João Baptista, 1538-1539, Igreja de S. João Baptista,
Tomar (in A Degolação de São João Baptista" por Gregório Lopes photo - Dias dos Reis photos at
pbase.com).

322
Fig. 234 - Gregório Lopes, plano fundeiro da obra A Degolação de São João Baptista, 1538-1539, Igreja
de S. João Baptista, Tomar (in "A Degolação de São João Baptista" por Gregório Lopes photo - Dias dos
Reis photos at pbase.com).

Figs. 235 e 236 - (1) Zona da lanterna da obra A Degolação de São João Baptista, 1538-1539, Igreja de S.
João Baptista, Tomar (in A Degolação de São João Baptista" por Gregório Lopes photo - Dias dos Reis
photos at pbase.com) e (2) igreja de São João Baptista, em Tomar (in "A Degolação de São João
Baptista" por Gregório Lopes photo - Dias dos Reis photos at pbase.com).

323
Figs. 237, 238 e 239 - (1 e 2) Loggia da obra A Degolação de São João Baptista, 1538-1539, Igreja de S.
João Baptista, Tomar (in A Degolação de São João Baptista" por Gregório Lopes photo - Dias dos Reis
photos at pbase.com) versus a loggia do MNMC (in Fotos de Museu Nacional Machado de Castro: Ver
fotos e Imágenes de Museu Nacional Machado de Castro (expedia.com)) e a (3) Iluminura do Livro de
Horas de D. Manuel, fol. 129 v. (in MARKL, Dagoberto. Livro de Horas de D. Manuel, Lisboa, 1983)

324
Figs. 240 e 241 – Figuras “gigantes” da obra A Degolação de São João Baptista, 1538-1539, Igreja de S.
João Baptista, Tomar (in A Degolação de São João Baptista" por Gregório Lopes photo - Dias dos Reis
photos at pbase.com) versus as figuras “gigantes” da igreja da Graça, em Évora (in Igreja e Convento da
Graça · História da Arquitetura Portuguesa (hap.pt)).

Fig. 242 - Elementos de composição provenientes da tratadística, inspiradores do frontispício da Igreja da


Graça em Évora, edição de Vitrúvio, por Cesare Cesariano, 1521 (in PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa.
História Essencial, Lisboa, 2017, p. 528).

325
Fig. 243 - Mestre Desconhecido da Oficina de Lisboa, Pentecostes, c. 1520, MNAA (in
Ignoto_portoghese,_pentecoste,_1520_ca._01.jpg (1872×3066) (wikimedia.org)).

326
Fig. 244 - Mestre Desconhecido da Oficina de Lisboa, pormenor do vocabulário classista e emprego da
perspetiva na obra Pentecostes, c. 1520, MNAA. Fotografia de Mariana Real.

Fig. 245 - Gravura do Mestre monogramista “AG” (in BATORÉO, Manuel. Os “Primitivos Portugueses”
e a Gravura do Norte da Europa – A Utilização Instrumental de Fontes Gráficas, p. 87).

327
Fig. 246 - Colunas de mármore da obra Pentecostes, c. 1520, MNAA. Fotografia de Mariana Real.

Fig. 247 - Gregório Lopes, Adoração dos Magos, 1520-1525, MNAA (in File:Gregório lopes e jorge leal,
adorazione dei magi, 1520-25 ca. 01.jpg - Wikimedia Commons).

328
Fig. 248 - Gregório Lopes, pormenor das colunas sobre plinto, com capitéis coríntios, Adoração dos
Magos, 1520-1525, MNAA. Fotografia de Mariana Real.

329

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