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AS FONTES DE EUGÊNIO SIGAUD NA PINTURA MURAL DA CATEDRAL

DE JACAREZINHO 1

Márcio Monteiro Rocha2

Este breve relatório tem o objetivo de apresentar os destaques que a Professora


Luciana de Fátima Marinho Evangelista3, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Ensino de
História da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, faz sobre sua pesquisa a
respeito das fontes que o artista gráfico, ilustrador, cenógrafo, arquiteto e poeta brasileiro
Eugênio de Proença Sigaud, revela em seu trabalho artístico realizado na Catedral de
Jacarezinho-PR.
É importante pensar na Arte da Catedral de Jacarezinho não como um caso
isolado, mas como parte de uma tendência internacional criada por arquitetos e artistas
que pensaram novos conceitos e novas soluções arquitetônicas tanto do ponto de vista
prático da Construção Civil, quanto do ponto de vista estético da Arte Moderna.
Le Corbusier, um arquiteto franco-suíço muito importante responsável pela
Arquitetura da Capela Notre-Dame du Haut (Nossa Senhora das Alturas), ou mais
comumente referida como Ronchamp, uma Igreja modernista francesa, influenciou a obra
de Eugênio Sigaud, arquiteto responsável pela finalização da Catedral de Jacarezinho. Le
Corbusier influenciará outros arquitetos brasileiros que farão parte do mesmo círculo de
Sigaud, como por exemplo, o próprio Oscar Niemeyer.
No Brasil, pode-se pensar essa tendência a partir da Igrejinha da Pampulha,
idealizada por Oscar Niemeyer com as obras artísticas de Cândido Portinari, Paulo
Werneck e outros artistas importantes do Modernismo brasileiro. Essa Igreja é uma

1
Relatório acadêmico elaborado a partir de arquivo de vídeo intitulado “Sagrado e Profano”
apresentado pela Professora Luciana de Fátima Marinho Evangelista, solicitado na disciplina
Gestão de Turismo, Turismo Religioso e Desenvolvimento Local II, pelo Prof. Marcus José
Takahashi Selonk, curso de Especialização em Ciências da Religião e Ensino Religioso,
30/11/2022, Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP.
2
Pós-Graduando em Ciências da Religião e Ensino Religioso. E-mail:
marcio.mrocha@hotmail.com
3
Possui doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2020), mestrado em
História Social pela Universidade Estadual de Londrina (2012) e graduação em História pela
Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Jacarezinho (2007). Atualmente é
professora do Instituto Federal Campus Londrina e professora adjunta da Universidade Estadual
de Londrina, atuando na graduação e no Mestrado em História Social. Desenvolve pesquisa
sobre Ensino de História, Arte e Imagem, bem como Memória e Patrimônio Cultural. Tem
experiência como docente na Educação Básica e no Ensino Superior, Graduação e Pós-
graduação. É pesquisadora no GPEH Grupo de Pesquisa Ensino de História da UENP -
Universidade Estadual do Norte do Paraná. (Lattes)
construção da década de 1940, na cidade de Belo Horizonte, como parte de uma série de
reformas urbanas encomendadas por Juscelino Kubitschek, prefeito da cidade na época.
A Arte na Igrejinha da Pampulha alude ao formato da Cruz, pensa a disposição do
altar, a nave da Igreja e os espaços convencionais do catolicismo, mas apresenta uma nova
solução estética, isto é, o desenho arquitetônico de Oscar Niemeyer, pinturas murais e
azulejos de Cândido Portinari, mosaicos de Paulo Werneck e outros artistas envolvidos
no trabalho da Pampulha.
A Catedral de Brasília, da década de 1950, é outro projeto de Oscar Niemeyer, um
dos maiores arquitetos modernistas brasileiros, bastante comprometido na busca de novas
formas e soluções arquitetônicas. A Arte em Brasília compõe a projeção de uma cidade
modernista com um conceito urbano e moderno em suas construções individuais muito
destacadas por suas soluções arquitetônicas e artísticas.
Brasília será muito importante para a história da Arquitetura e da Arte brasileira.
O Brasil entrará para os grandes debates internacionais a partir da construção de toda uma
Capital Federal do ponto de vista modernista, em um país de dimensões continentais.
Dificilmente se poderia encontrar um exemplo assim na construção de uma cidade.
Brasília se tornará um exemplo de grande destaque do ponto de vista modernista,
arquitetônico, urbano e estético.
Do ponto de vista da Arte Religiosa há muitas vertentes artísticas, passando pela
Igreja Primitiva, Igreja Gótica, Igreja Barroca e Renascentista. São milhares de anos de
História da Arte relacionados com a perspectiva religiosa, podendo-se fazer um recorte
no Modernismo e entender que existe uma pluralidade de possibilidades de pensar Arte e
Religião na configuração de um mesmo ambiente.
No Paraná há dois exemplos de construções da década de 1950 inseridos na
tendência modernista. Ao pensar no caso de Maringá, o desenho arquitetônico está
bastante preocupado em trazer novas soluções estéticas. Quando se olha com cuidado o
uso de seu conjunto arquitetônico, se reconhece algumas disposições tradicionais como o
altar e a nave. Não há uma ruptura, portanto, mas uma nova forma de disponibilizar o
espaço, um novo rosto que se apresenta como espaço sagrado.
Quando se pensa no caso de Jacarezinho, aparentemente não existe uma grande
ruptura. Sigaud, será seu arquiteto e pintor, trará para sua Arquitetura esse traço moderno
de forma não tão explícita em um primeiro olhar, como acontece quando se está diante
da Catedral de Maringá, por exemplo, numa clara alusão ao foguete-satélite Sputnik.
Para se reconhecer essas soluções modernas, essas apropriações que Sigaud faz
na elaboração do seu próprio programa de Arte, Arquitetura e Harmonização das Artes -
termo que ele usa com frequência -, é preciso ter um olhar mais atento. A Arquitetura e a
Arte Moderna de Sigaud são reconhecidas no trabalho realizado na Catedral de
Jacarezinho, uma obra que se inicia na década de 1940 e que se estende ao longo dos anos
1950, sendo finalizada em 1957. É possível perceber o pensamento plástico de Sigaud
identificado em cada disposição interna da Catedral. Mesmo que o projeto inicial não seja
dele, fará intervenções internas significativas que darão uma conotação mais moderna ao
templo religioso.
As inserções artísticas nos Arcos da Catedral são fundamentais para se identificar
em Sigaud um diálogo com Le Corbusier e, num outro nível, com o próprio Oscar
Niemeyer. A partir desse recurso, se observa que a Arquitetura conduzirá a experiência
estética dos sujeitos nessa Igreja. Enquanto arquiteto, ele pensa o uso espacial, o como as
pessoas circulam, o onde irão se sentar, o quando irão tomar as hóstias. Ele considerará
toda essa circulação, todo esse uso para inserir os elementos decorativos que compõe as
formas de conduzir o olhar para as pinturas.
Ao avançar um pouco mais e analisar com mais atenção a parte interna desse
templo, se percebe como as pinturas vão sendo dispostas de acordo com os usos do espaço
sagrado. Ao entrar na Igreja se tem o contato com determinadas obras, ao sentar se depara
com outras obras, todas elaboradas para serem vistas andando ou se sentando a uma
distância confortável, não necessariamente de perto. Se nota que elas sempre são
localizadas em partes altas, que têm todo um trabalho de iluminação com que Sigaud se
preocupou.
De outro ponto de vista é interessante notar como ele vai construindo a própria
pintura, como ela vai sendo contornada, como ele vai criando a perspectiva. Algumas
pinturas revelam que foram pensadas para serem vistas na perpendicular, como é o caso
da obra que ilustra a Crucificação. Se o observador se aproxima e se posiciona logo abaixo
da imagem da Crucificação, terá uma vista pouco privilegiada, mas se estiver sentado nos
bancos, terá o ponto de vista pensado por Sigaud.
É interessante e muito importante conhecer e entender a lógica e o pensamento
plástico desse artista e arquiteto, como ele faz essa combinação, pensando tanto a partir
da experiência arquitetônica, quanto da experiência artística na construção de
perspectivas, profundidades e contornos em relação a esses usos modernos do espaço
sagrado.
As considerações acerca da combinação entre pintura, arquitetura, tendências
nacionais e internacionais do Modernismo, tão importante para Sigaud, destacam o
potencial e o valor da Catedral de Jacarezinho, não somente do ponto de vista religioso,
mas também do ponto de vista da experiência estética e artística. Ao reconhecer Sigaud
como sujeito que tem um testemunho social, que se preocupa em observar a vida cotidiana
da sociedade de Jacarezinho, são identificadas as lógicas internas, como a questão de
gênero e o racismo, ainda tão presentes na sociedade e que ele traz nas pinturas murais da
Catedral.
Na pintura do Sermão da Montanha, Sigaud introduzirá o pedreiro que trabalha
na Catedral como Jesus Cristo. Ele colocará no primeiro plano o trabalhador José Adão,
um sujeito carismático, um homem negro que incomodará algumas pessoas pelo fato de
ser negro. Sigaud inserirá nessa pintura os moradores da cidade de Jacarezinho que
estarão diante de Jesus Cristo como ouvintes do Sermão da Montanha, destacando
“Venham a Mim”, “Bem-aventurados os que sofrem... os que choram” etc.
A imagem de extrema-esquerda, traz a imagem do filósofo Karl Marx que
interpretará, segundo o contexto do século XIX, as contradições sociais, a ascensão do
capitalismo industrial, a análise do triunfo da burguesia - como diz Hobsbawn4 -, e fará
uma série de críticas ao projeto capitalista. Sigaud será o signatário do marxismo, se
colocará como intérprete da sociedade de Jacarezinho, criando como que uma metáfora
entre o discurso religioso e o que ele observa em seus dias.
Sigaud fará uma analogia do Cristo marceneiro com o Cristo pedreiro, quais as
mensagens desse Cristo, qual é seu público-alvo, fazendo uma provocação de fato sobre
uma questão que lhe era muito importante, pois para ele a Arte também é um fazer social,
não meramente um elemento decorativo, mas uma promotora do engajamento social.
No painel central da Catedral, que é o maior da Igreja, Sigaud representará mais
de 100 moradores da cidade de Jacarezinho que, da mesma maneira que no Sermão da
Montanha, levantará uma série de problemáticas pertinentes à questão da justiça social.

4
Eric Hobsbawm (1917-2012) foi um historiador inglês, considerado um dos mais importantes
no âmbito da historiografia contemporânea de orientação marxista. (eBiografia)
Um de seus interesses foi o desenvolvimento das tradições. Seu trabalho é um estudo da
construção dessas tradições no contexto do Estado-nação. Argumentou que muitas vezes as
tradições são inventadas por elites nacionais para justificar a existência e importância de suas
respectivas nações.
Além de representar essa crítica social, o painel é uma possibilidade de pensar um
pouco sobre a própria História da Arte, levando-se em consideração o Pano de Boca5,
uma obra de Eliseu Visconti que se encontra no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Sigaud também se inspira na disposição dessa pintura de Visconti para ajudar na
composição do painel central da Catedral de Jacarezinho.
O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli, também é uma fonte de inspiração
para Sigaud na representação da deusa Vênus como profetisa Judith pairando sobre a terra
vermelha de Jacarezinho, tendo ao fundo o morro da cidade. Por um lado, Sigaud fará
uma referência local, trazendo uma ambientação, mas também a citação de uma obra do
Renascimento muito reconhecida na História da Arte Mundial.
Outra fonte muito importante é a referência à Pietà, de Michelangelo, em que
Sigaud representará a juíza Débora, apropriando-se da pose de Maria, mãe de Jesus, para,
outra vez, trazer a figura da mulher para dentro da Catedral de Jacarezinho.
Todos estes exemplos de Igrejas que têm como horizonte as tendências modernas
da Arquitetura e da Arte Moderna nacional e internacional serão uma fonte de inspiração
ao longo da carreira de Sigaud, mas também para todas as pessoas que visitam a Catedral
de Jacarezinho e que contribuirão para o desenvolvimento e expansão de um sentimento
artístico digno de admiração.

Referências
EBIOGRAFIA. Biografia de Eric Hobsbawm. Disponível em
<https://www.ebiografia.com/eric_hobsbawm/> Acesso em: 18.01.2023
EVANGELISTA, Luciana de Fátima Marinho. Sagrado e Profano (turismo).mp4.
Arquivo de vídeo. Google Drive. Disponível em:
<https://drive.google.com/file/d/1cNR6So7PAU6BnCaMBisYx4Vsy3R6YU_r/view>
Acesso em: 30.11.2022
PROJETO ELISEU VISCONTI. A influência das Artes sobre a Civilização – Pano de
boca do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Disponível em:
<https://eliseuvisconti.com.br/obra/p711/>. Acesso em 18.01.2023

5
O tema para o pano de boca, “A influência das Artes na Civilização”, foi desenvolvido em termos
alegóricos, sendo um dos mais monumentais trabalhos do gênero. O pintor utilizaria figuras
femininas para representar a arte, a ciência, a verdade, a música, a dança e a poesia, em
composição de notável equilíbrio, complementada por retratos de grandes vultos da cultura
nacional e universal. (Projeto Eliseu Visconti).

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