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NA CONTEMPORANEIDADE
Richard Gomes
Doutorando em História da Arte (PPGHA /UERJ)
richardgomes.arq@hotmail.com
A Semiótica da Arquitetura
Assim, como expressão de uma Igreja que, nas últimas décadas, tem almejado
projetar-se como uma religião “pobre” e “servidora”, a arquitetura sacra pós conciliar,
por sua vez, vem buscando uma maior sobriedade na concepção dos espaços litúrgicos,
focada primordialmente em sua função de acolher a comunidade e ativamente reuni-las
em torno do altar (Figura 1).
Fonte: <https://archello.com/story/16676/attachments/photos-videos/1>.
Acesso em: 01/05/2020.
Contudo, este estudo parte da premissa de que o simbólico permanece nas formas
e nos diversos elementos do espaço sagrado contemporâneo, mesmo na “ausência” dos
ornamentos, buscando expressar narrativas que se relacionam com a liturgia (e, portanto,
“presentificar” o divino), e com a arte cristã como um todo, de modo especial do período
medieval, fonte primária de todo o arcabouço simbólico da cristandade.
Tal afirmativa justifica-se, a partir da análise sobre as funções das imagens cristãs
do historiador medievalista Jerôme Baschet que, em seu ensaio, apontou ao mesmo tempo
para o papel autônomo da Arquitetura no contexto litúrgico, ao afirmar que: “(...) a
imagem adere a um objeto ou a um lugar, que tem ele mesmo uma função em uma
utilização, quer se trate de um altar, (...), ou [mesmo] das paredes entre as quais têm lugar
os ritos cristãos” (BASCHET, 1996, p.9).
O semiólogo Umberto Eco (1932-2016), por sua vez, em seus estudos sobre
Semiótica da Arquitetura, colocou que uma das funções da Arquitetura é justamente o de
comunicar (Cf. ECO In: BROADBENT, 1981, pp.55-86), o que reforça a ideia de que a
arquitetura sacra cristã conteria em si, os seus próprios discursos e narrativas
independentes da presença das imagens.
A obra de São Bernardo (1090-1153), abade de Clairvaux (ou Claraval), destaca-
se neste contexto, durante o surgimento das ordens monásticas no século XII, por
preconizar que os mosteiros da Ordem de Cister não deveriam receber nenhuma escultura
esculpida ou pintada, além de proibir o emprego de vitrais coloridos.
Assim, o claustro cisterciense recusava todo o adorno dando lugar a um total
despojamento, em: “um espírito de renúncia, [fazendo] banir todo ornamento da igreja.
[E, portanto], nada de imagens” (DUBY, 1979, p.126)1:
1 A rejeição às imagens por São Bernardo, portanto, se dava em parte, limitando-se ao claustro, para que elas não
dispersassem os monges durante as suas meditações. Isso acabava por estabelecer “uma distinção entre os lugares
reservados aos clérigos, cuja a austeridade [deveria] estar de acordo com a ascese da prece, enquanto para as igrejas
abertas aos laicos, (...) o abade cisterciense admitia a utilização de imagens” (BASCHET, 2004, p.496).
modelos arquitetônicos expostos pelo Vaticano na XVI Bienal de Arquitetura de Veneza,
ocorrida em 2018, o “Pavilhão Asplund”, colocando o tema, tanto sob o tema da recepção
das linguagens da arte e arquitetura cristã medieval, como também de seus discursos, na
concepção dos espaços sacros na contemporaneidade.
A Igreja nunca considerou um estilo como próprio seu, mas aceitou os estilos
de todas as épocas, segundo a índole e condição dos povos e as exigências dos
vários ritos, criando deste modo no decorrer dos séculos um tesouro artístico
que deve ser conservado cuidadosamente. Seja também cultivada livremente
na Igreja a arte do nosso tempo, a arte de todos os povos e regiões, desde que
sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e
ritos sagrados. Assim poderá ela unir a sua voz ao admirável cântico de glória
que grandes homens elevaram à fé católica em séculos passados (PAULO VI,
1963, Item 123).
Figura 3 - Capela de Francesco Magnani e Traudy Pelzel, (Vista Externa) Pavilhão da Santa Sé,
Veneza, 2018.
2O “Classicismo Nórdico” foi uma tipologia arquitetônica que se desenvolveu de maneira efêmera nos países nórdicos
(Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia) entre 1910 e 1930, caracterizado por uma combinação de influências diretas
e indiretas da arquitetura vernácula (nórdica, italiana e alemã).
Fonte: <https://www.archdaily.com.br/br/899372/conheca-o-interior-das-capelas-do-vaticano-
na-bienal-de-veneza-com-este-video-do-spirit-of-space>. Acesso em: 01/05/2020.
Figura 5 - Capela de Francesco Magnani e Traudy Pelzel, (Vista Interna) Pavilhão da Santa Sé,
Veneza, 2018.
Fonte: <https://www.objekt-international.com/vatican-chapels-reveals-pavilion-of-the-holy-
see/obj_alpi-asplund-pavilion-venice-biennale-9/>. Acesso em: 01/05/2020.
As Narrativas das Stavkirker
Logo, ao mesmo tempo, que a madeira utilizada nas stavkirker fazia pensar na
madeira sagrada, evocada pela densa série de troncos, e das árvores das quais as toras
foram retiradas, a concepção cristã medieval, do espaço sagrado como imitação da
“Jerusalém Celeste”, era sobreposta à ideia de local sagrado pagão.
A homilia utilizada durante o rito de dedicação dessas igrejas (o Kirkjudagsmál),
tinha como base o Raptionale divinorum officiorum, tratado mais importante sobre o
simbolismo da arquitetura das igrejas, elaborado pelo bispo inglês Guilherme Durand de
Mende (1230-1296) durante o século XIII.
Guilherme Durand afirmava que “a igreja material [significava] a igreja espiritual.
E, por isso que, ao entrar no recinto sagrado, os fiéis [deveriam] sentir que eles entravam
no Reino de Deus ou, pelo menos, em uma ordem de realidade que é uma figura da
“Jerusalém Celeste” (BASCHET, 2004, p.508).
A sacralidade do lugar liga-se ao fato de que se trata de um microcosmo, pela qual
as igrejas gozam de uma existência transcendente, espiritual e incorruptível, que lhe
conferem um status sagrado em contraposição ao espaço externo, profano (CF. ELIADE,
1992, p.34).
A igreja sendo, portanto, uma totalidade sagrada, globalmente separada do mundo,
ativa, desse modo, a oposição entre o interior valorizado e o exterior negativo. Logo, as
igrejas medievais nórdicas buscavam, por consequência, expressar essa dualidade através
da própria concepção arquitetônica. Tal que, os telhados e madeiras escuros eram
utilizados na composição da parte externa da edificação, enquanto as madeiras mais claras
eram utilizadas na construção do espaço interno (Figura 6).
Referências Primárias
DUBY, George. No tempo das Catedrais. A arte e a sociedade. 980 -1420. Lisboa:
Editorial Estampa, 1979,
DUBY, George. São Bernardo e a Arte Cisterciense. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
Artigos Acadêmicos
CARLI, Renzo e PANICCIA, Maria Rosa. The Norwegian stavkirke and the spazio anzi.
Continuity and discontinuity in social representation and in myth. (Tradução Livre).
In: Rivista di Psicologia Clinica, Nº 2, 2011.
Referências Eletrônicas
CLASSICISMO NÓRDICO
Disponível em: <https://www.hisour.com/pt/nordic-classicism-28574/>. Acesso em:
25/04/2021.
PAULO VI, Papa. Constituição Conciliar Sacrosantum Concilium – Sobre a Sagrada
Liturgia. 1963.
Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/index_po.htm>.
Acesso em: 29/11/2017.
STAVKIRKE.INFO
Disponível em: <http://www.stavkirke.info/english.html>. Acesso em: 25/04/2021.