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Formação Litúrgica

“Reforma-da-Reforma,
hermenêutica da continuidade”,
em Bento XVI
2
Reforma da Reforma
Sua Santidade o Papa Bento XVI, com seu Mestre de Cerimônias o Revmo. Mons. Guido
Marini tem apresentado nas Celebrações Litúrgicas algo que, muitos têm chamado de
rompimento com o Concílio Vaticano II. Certos (a) Liturgista(s) que criam laboratórios de
liturgia, opinam ser isso algo inaceitável em pleno século XXI. Mas não é sobre a opinião de
pessoas que não conhecem o inexaurível tesouro litúrgico da Santa Igreja Romana que quero
falar. Mas para todos nós que estamos com o Santo Padre isso é voltar as Fontes. Não existe
expressão melhor para designarmos tal atitude: “Voltar as Fontes!”

Como muito bem nos apresentou o Revmo.


Padre Paulo Ricardo, nas palestras publicadas
em seu site, dizendo sobre “A Igreja e o Mundo
Moderno”, o Pe. Ratzinger defendia que a Igreja
deveria voltar às fontes, aos primórdios, ao
âmago do Cristianismo e com essa atitude
pudesse viver na Práxis Litúrgica a sua
Espiritualidade.

A Espiritualidade Litúrgica jamais poderia ser


encontrada se em cada região fosse inculturados
elementos de sua realidade, isso seria um rompimento não “apenas” com a Tradição da
Igreja, mas com Nosso Senhor. Será que na Bahia Jesus Cristo morreria caracterizado com
as vestes populares de lá? No Rio ele morreria de sunga? Na África ele usaria um turbante?
Não. Então isso não deve acontecer nas Celebrações Litúrgicas, essa falsa interpretação nos
leva ao abismo, ao erro. Não se deve incrementar a Liturgia com essas particularidades, pois
ela é um Culto de Adoração a Deus e não para satisfazer o homem.

A Santa Missa é momento de reunidos em Comunidade, através do Sacerdote ofertarmos


nossa vida a Deus e pelo Sacerdote é oferecido o Sacrifício único, perfeito e incruento da
Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor, para Nossa Salvação. Essa falsa doutrina de
Povo, de Comunidade, que muitas vezes vemos em livros de “liturgia”, em músicas do
jornalzinho Dominical, não condiz com a realidade. A Participação do povo não é de junto
com o Sacerdote oferecer o Sacrifício, mas é aquilo que diz São Pio de Pietrelcina: “... Assistir
a Stª Missa assim como Nossa Senhora e São João estavam no Calvário”. Essa é a melhor
forma de se participar da Santa Missa, com um Coração Adorante e Grato a Nosso Senhor
por magna expressão de Amor e Doação.

Não é dançando na Missa, não é inventado Missas... (Uma opinião minha: “Hoje em dia
existe „Missas‟ de todos os tipos, será que não teremos a Missa de Nosso Senhor celebrada
dignamente?! Não estou dizendo que o Sacrifício não é válido nessas celebrações, se tem ou
não validade não cabe a mim, mas que se distancia tanto de uma Celebração Litúrgica, pelo
menos se distancia de um Culto Católico”).

A Constituição Sacrossanctum Concilium não permiti que se invente uma nova forma de
celebrar. Como Sua Santidade o Papa Bento XVI sabe que a “pregação converte, mas o
testemunho arrasta”. Com sua maneira simples e não arrogante como muitos diziam, sem
querer impor, parte dele a iniciativa de “ensinar o padre como que se reza a Missa” (não me
entendam mal!). Para não ficar naquilo que diz o ditado popular “faça o que eu falo, mas não
faça o que eu faço” ele apoiado por seu Mestre de Cerimônias tem dado a toda Igreja uma
excelentíssima pregação Evangélica, a maneira como ele Celebra a Stª Missa.

É pela Sagrada Liturgia que nós seremos salvos, como diz Pe. Paulo Ricardo: “Se salvarmos
a Liturgia, seremos salvos por ela”. Nossa Sociedade hodierna tem perdido o valor do
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Sacrifício. Já não sabemos nem o que é sacrificar-se, por essa razão tem sido desvalorizado o
Valor Salvífico da Oblação Perfeita e Cruenta de Nosso Senhor no Calvário.

Com exemplo do St° Padre nós Católicos


do mundo inteiro, posso dizer com essa
propriedade, pois é de fato desejamos que
em nossas Paróquias o verdadeiro povo de
Deus receba a maior Libertação, a da
escravidão do pecado, através do Santo
Sacrifício dignamente celebrado, mesmo
que com os objetos mais simples, mas que
sejam dignos de Nosso Senhor. Os filhos e
filhas de Deus têm mais fome de
participarem da Santa Missa bem celebrada
do que fome de pão.

O alimento fisiológico é necessário, mas o alimento da alma é indispensável. Se como diz


São Pio: “É mais fácil a Terra viver sem o Sol do que sem a Santa Missa”, podemos dizer, é
mais fácil vivermos sem pão físico, do que sem o Pão da Vida Eterna, assim como viveu no
término de sua caminhada cristã, Beata Alexandrina.

Com a graça de Nosso Senhor exerço a função de Mestre de Cerimônias em minha


Comunidade Paroquial e a exemplo do Sucessor de São Pedro, Vigário de Nosso Senhor aqui
na Terra, tivemos a graça de no dia 18 de Julho no Retiro Trono de Adoração, organizado
pela Missão Trono de Adoração, a qual faço parte, que tem como Chamado a Adoração
Eucarística a Nosso Senhor Sacramentado, o Anúncio Missionário e a Consagração dos
Lares ao Imaculado Coração de Nossa Senhora. Sob o zelo Espiritual do Revmo. Padre José
Olavo Píres Trindade, EP, termos a Celebração da Santa Missa dignamente. E aproveitamos
para na ocasião ornarmos o Altar com o “Arranjo Beneditino”.

Foi uma grande alegria para o meu coração, como Cerimoniário, Católico e também para
todo o povo presente, vimos também o que estava expresso nas palavras do Celebrante
quando na homilia e ao final da Cerimônia expressou sua gratidão por jovens quererem
viver a Fé Católica em obediência ao Santo Padre.

O que é mais interessante, não é “simplesmente” como estava ornada e como foi celebrada a
Santa Missa (Isto é de fato importante), mas sim, o fato de os corações também estarem
preparados para tal, a celebração que teve quase duas horas de atraso, porque Pe. Olavo
ficou atendendo os presentes em confissão. Os que participavam, ali estavam com o Coração
Adorador, tivemos também algumas partes cantadas em Latim. Esse é o desejo do Papa
Bento XVI com a Reforma da Reforma, recriar em nós uma verdadeira Espiritualidade
Eucarística, essa que não pode ser inventada, mas é Dom de Nosso Senhor a todos os que
desejam. Nós Desejamos!1

Início estas reflexões com este texto para percebermos na prática como é essa
“Reforma da Reforma, hermenêutica da continuidade”, que o Santo Padre, Bento
XVI tem suscitado no Coração da Igreja.

1
Texto publicado no site: http://cerimoniariovaldeci.wordpress.com, por ocasião da celebração do Retiro Trono de Adoração
nos dias 16, 17 e 18 de Julho de 2010.
4
“ R eforma da Reforma,
hermenêutica da continuidade ”
“O ensinamento de Bento XVI sobre a unidade inseparável entre fé professada, ação
litúrgica e novo culto, resulta ser um desenvolvimento do n. 7 da Constituição Sacrosanctum
Concilium: "cada celebração litúrgica, enquanto obra de Cristo sacerdote e do seu corpo, que
é a Igreja, é ação sagrada por excelência, e nenhuma outra ação da Igreja é igual à sua
eficácia com o mesmo título e o mesmo grau". A doutrina de Bento XVI a este propósito
representa um paradigma de recepção dos textos conciliares. Estamos aqui na presença da
hermenêutica da continuidade que o Santo Padre recordou explicitamente como necessária
chave de compreensão e recepção do Vaticano II (cf. n. 3, nota 6). ”2

'Reforma' da reforma
litúrgica, pede mestre de
cerimônias do Papa 3

O mestre de cerimônias do Papa, monsenhor Guido Marini, indica que é preciso uma nova
reforma litúrgica, que se alinhe com a tradição da Igreja e respeite as sugestões do Concílio
Vaticano II.
O pedido da "reforma da reforma litúrgica" foi expresso em uma palestra que Marini
proferiu no último dia 6, organizada pela Confraria do Clero Católico da Austrália e dos
Estados Unidos.
O sacerdote explicou que esta reforma deveria representar um passo a frente na
compreensão do verdadeiro espírito da liturgia.O responsável pela liturgia no Vaticano
assegurou que a renovação da liturgia deveria refletir "a ininterrupta tradição da Igreja",
incorporando as sugestões do Concílio Vaticano II no seio dessa tradição. As reformas
conciliares, insistiu, devem ser entendidas no contexto de continuidade com as tradições de
séculos anteriores.
"A única disposição que nos permite manter o verdadeiro espírito da liturgia é considerar
tanto a liturgia atual quanto a passada como um único patrimônio em constante
desenvolvimento".
Mons. Marini lamentou que a necessidade de renovação seja evidente, especialmente devido
à extensão mundial dos abusos litúrgicos. "Não é difícil perceber o quanto alguns
comportamentos estão distantes do verdadeiro espírito litúrgico", disse o sacerdote,
acrescentando que "nós, os sacerdotes, somos os principais responsáveis por isso."
Citando as obras do então cardeal Ratzinger, antes de sua eleição como Bento XVI, o
liturgista italiano enfatizou que a forma da liturgia é estabelecida pela Igreja e não pode ser
alterada arbitrariamente por qualquer padre.
Nesse sentido, Mons. Marini condenou o "comportamento despótico" dos sacerdotes que
fogem às regras litúrgicas e enfatizou que a liturgia "não está disponível para que façamos
uma interpretação pessoal dela".
"Que loucura é, efetivamente, que reclamemos para nós o direito de mudar, subjetivamente,
os sinais sagrados que o tempo foi moldando, através dos quais a Igreja fala de si mesma, de
sua identidade e de sua fé!", exclamou.

Voltados para Deus

2 Conferência De Apresentação da Exortação Apostólica Pós-Sinodal "Sacramentum Caritatis" De Sua Santidade Bento XVI, Ii, 3
3
Leonardo Meira Da Redação, com Catholic News Service e InfoCatólica (tradução de CN Notícias)
5
O liturgista vaticano também defendeu a celebração tradicional "ad orientem" (ou versus
Deum, em que tanto o padre quanto o povo ficam voltados para o altar), que tem suas raízes
nas origens do cristianismo.
"Em nosso tempo, o conceito de 'celebrar de frente para o povo' entrou no nosso vocabulário
comum. Se a intenção de usar essa frase é para descrever a localização do padre, que hoje se
encontra de frente para a comunidade devido à posição do altar, isso é aceitável. Mas seria
absolutamente inaceitável no momento em que fosse utilizada como uma proposição
teológica. Teologicamente falando, a Santa Missa, de fato, é sempre dirigida a Deus através
de Cristo, nosso Senhor, e seria um grave erro imaginar que a orientação principal do ato de
sacrifício é a comunidade".
Monsenhor Marini explicou que cada um dos aspectos da liturgia deve estar destinado a
promover a adoração. O clérigo assinalou que o Papa Bento XVI iniciou a prática de dar a
comunhão aos fiéis na língua enquanto estão ajoelhados, que é um "sinal visível de uma
atitude apropriada de adoração diante da grandeza do mistério da presença eucarística do
nosso Senhor.
Ao mesmo tempo em que animou de coração a uma participação de todos na liturgia,
Marini também disse que ela "não seria realmente uma participação ativa se não conduzisse
à adoração do mistério da salvação em Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou por nós".

Introdução ao espírito da
liturgia 4

por Mons. Guido Marini,


Mestre de Cerimônias das Celebrações Litúrgicas do Papa

Proponho focar em alguns aspectos ligados ao espírito da liturgia


e refletir sobre eles convosco; na verdade, pretendo abordar um
aspecto que vai exigir bastante de mim. Não apenas porque é uma
tarefa exigente e complexa falar sobre o espírito da liturgia, mas
também porque muitas obras importantes sobre este assunto já
foram escritas por autores de alto calibre inquestionável em
teologia e liturgia. Penso em duas pessoas em particular dentre
muitos: Romano Guardini e o Cardeal Joseph Ratzinger.

Por outro lado, atualmente é mais do que necessário falar sobre o


espírito da liturgia, especialmente para nós membros do sacerdócio
sagrado. Mais ainda, há uma necessidade urgente de reafirmar o
“autêntico” espírito da liturgia, tal como está presente na tradição
ininterrupta da Igreja e atestado, em continuidade com o passado,
nos ensinamentos mais recentes do Magistério: desde o Concílio
Vaticano II até o presente pontificado. Uso a propósito a palavra
“continuidade”, uma palavra muito querida pelo nosso atual Santo
Padre. Ele tem feito desta palavra o único critério fidedigno pelo
qual alguém pode interpretar corretamente a vida da Igreja, e mais
especificamente, os documentos conciliares, incluindo todas as
reformas propostas contidas ali. E como poderia ser diferente? Poderia alguém falar de uma
Igreja do passado e de uma Igreja do futuro como se alguma ruptura histórica no corpo da
Igreja tivesse ocorrido? Poderia alguém dizer que a Esposa de Cristo viveu sem a assistência
do Espírito Santo em algum período particular do passado, de maneira que sua memória
devesse ser apagada, esquecida propositalmente?

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Uma Conferência para o Ano Sacerdotal 06 de Janeiro de 2010 / Tradução: Fabiano Rollim
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Mesmo assim parece às vezes que alguns indivíduos são verdadeiramente partidários de
certa forma de pensar que pode se definir justa e propriamente como uma ideologia, ou
melhor, uma noção preconcebida aplicada à história da Igreja que não tem nada a ver com a
verdadeira fé.

Um exemplo do fruto produzido por essa ideologia enganadora é a distinção recorrente


entre a Igreja pré-conciliar e a pós-conciliar. Tal maneira de falar pode ser legítima, mas
apenas na condição de que não se entenda com isso duas Igrejas: uma pré-conciliar, que não
tem mais nada a dizer ou a dar porque está ultrapassada, e uma segunda, a Igreja pós-
conciliar, uma nova realidade nascida do Concílio e, por seu presumido espírito, sem
continuidade com o seu passado. Esta maneira de falar e ainda mais, de pensar, não deve ser
a nossa. Além de estar incorreta, já está superada e é antiquada, talvez sendo compreensível
de um ponto de vista histórico, mas conectada a um período da vida da Igreja agora já
concluído.

O que discutimos até agora com respeito à “continuidade” tem alguma coisa a ver com o
assunto que nos foi pedido tratar nesta palestra? Sim, completamente. O autêntico espírito
da liturgia não habita onde não é abordado com serenidade, deixando de lado todas as
polêmicas com respeito ao passado recente ou remoto. A liturgia não pode e não deve ser
uma ocasião de conflito entre aqueles que acham bom só o que veio antes de nós e aqueles
que, pelo contrário, quase sempre acham ruim o que veio antes. A única atitude que nos
permite ater-nos ao autêntico espírito da liturgia, com alegria e apreciação espiritual
verdadeira, é considerar a liturgia do presente e do passado da Igreja como o mesmo
patrimônio em contínuo desenvolvimento. Em consequência, trata-se de um espírito que
temos que receber da Igreja e que não é fruto de nossa própria fabricação. Um espírito, posso
acrescentar, que leva ao que é essencial na liturgia, ou, mais precisamente, à oração
inspirada e guiada pelo Espírito Santo, em quem Cristo continua a se tornar presente para
nós hoje, a emergir em nossas vidas. Na verdade, o espírito da liturgia é a liturgia do
Espírito Santo.

Não tenho aqui a pretensão de abordar com profundidade o assunto proposto, nem de
tratar todos os diferentes aspectos necessários para um entendimento panorâmico e
completo da questão. Limitar-me-ei a discutir apenas uns poucos elementos essenciais à
liturgia, especificamente com referência à celebração da Eucaristia, tal como a Igreja os
propõe, e da forma como tenho aprendido a aprofundar meu conhecimento a respeito deles
nestes dois últimos anos a serviço de nosso Santo Padre, Bento XVI. Ele é um autêntico
mestre do espírito da liturgia, seja pelos seus ensinamentos, seja pelo exemplo que dá na
celebração dos ritos sagrados.

Se, durante o curso destas reflexões sobre a essência da liturgia, eu apontar certos
comportamentos que não considero em completa harmonia com o autêntico espírito da
liturgia, farei isso apenas como uma pequena contribuição para fazer este espírito aparecer
sempre mais em sua beleza e verdade.

1. A Sagrada Liturgia, um grande dom de Deus para a Igreja

Estamos todos bem cientes de como o Concílio Vaticano II dedicou inteiramente seu
primeiro documento à liturgia. Trata-se da Sacrosanctum Concilium, também chamada de
Constituição sobre a Sagrada Liturgia.

Quero sublinhar o termo “sagrado” em sua aplicação à liturgia, devido a sua importância.
Na verdade, os Padres conciliares pretenderam desta forma reforçar o caráter sagrado da
liturgia.

O que, então, queremos dizer por sagrada liturgia? Os Orientais falariam, neste caso, da
dimensão divina na Liturgia, ou, para ser mais preciso, daquela dimensão que não é deixada
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ao arbítrio do homem, porque é um dom que vem do alto. Refere-se, em outras palavras, ao
mistério da salvação em Cristo, confiado à Igreja de maneira a torná-lo disponível em cada
momento e em cada lugar por meio da natureza objetiva dos ritos litúrgicos e sacramentais.
Esta é uma realidade que nos ultrapassa, que deve ser recebida como um dom, e que deve
poder nos transformar. O Concílio Vaticano II afirma: “… cada celebração litúrgica, porque é
uma ação de Cristo sacerdote e de Seu Corpo que é a Igreja, é uma ação sagrada que
ultrapassa todas as outras…” (Sacrosanctum Concilium, n.7).

Desta perspectiva não é difícil se dar conta de quão distantes algumas formas de conduta
estão do autêntico espírito da liturgia. De fato, alguns indivíduos têm conseguido subverter a
liturgia da Igreja de várias maneiras sob o pretexto de uma má entendida criatividade. Isso
tem sido feito em nome do princípio de adaptar-se à situação local e às necessidades da
comunidade, apropriando-se do direito de remover, adicionar ou modificar o rito litúrgico
com fins subjetivos e emocionais. Nós sacerdotes somos grandemente responsáveis por isso.

Por esta razão, já em 2001, o então Cardeal Ratzinger afirmava: “Há necessidade, ao
menos, de uma nova conscientização litúrgica que possa por um fim à tendência de tratar a
liturgia como se fosse um objeto aberto à manipulação. Chegamos a um ponto onde equipes
litúrgicas montam a liturgia do Domingo por sua própria conta. O resultado é certamente o
produto imaginativo de uma equipe de indivíduos capazes e habilidosos. Mas desta forma se
reduz o espaço onde se pode encontrar o “totalmente outro”, no qual aquele que é santo se
oferece a Si mesmo como dom; aquilo com que me encontro é apenas a habilidade de um
grupo de pessoas. É aí que nos damos conta de que estamos procurando por algo mais. O que
temos é muito pequeno e, ao mesmo tempo, diferente. O mais importante hoje é adquirir um
novo respeito pela liturgia, e estar consciente de que ela não está aberta à manipulação.
Aprender novamente a reconhecer em sua natureza uma criação viva que cresce e que nos foi
dada como dom, através do qual participamos da liturgia celeste. Renunciar a procurar nela
a nossa própria auto-realização para que possamos vê-la como um presente. Isto, creio eu, é
de primária importância: vencer a tentação de um comportamento despótico, que concebe a
liturgia como um objeto, propriedade do homem, e despertar de novo o sentido interior do
sagrado.” (do livro “God and the World”).

Afirmar, desta forma, que a liturgia é sagrada pressupõe o fato de a liturgia não estar
sujeita a modificações esporádicas e invenções arbitrárias de um indivíduo ou de um grupo.
A liturgia não é um círculo fechado no qual decidimos nos encontrar, talvez para
encorajarmos uns aos outros, para sentir que somos protagonistas de alguma festa. A
liturgia é a convocação de Deus para que o seu povo esteja em Sua presença; é o advento de
Deus entre nós; é Deus que nos encontra neste mundo.

Certas adaptações a situações locais particulares são previstas e devidas. O próprio Missal
indica onde adaptações podem ser feitas em algumas de suas seções, ainda que somente
nessas e não arbitrariamente em outras. A razão para isto é importante e é bom reafirmá-la:
a liturgia é um dom que nos precede, um tesouro precioso que nos foi entregue pela antiga
oração da Igreja, o lugar no qual a fé encontrou no tempo sua forma e expressão orante. Ela
não está à disposição de nossa subjetividade. Está indisponível à nossa subjetividade para
estar integralmente à disposição de todos, ontem, assim como hoje e também amanhã.
“Atualmente também,” escreveu o Papa João Paulo II em sua carta Encíclica Ecclesia de
Eucharistia, “deveria ser redescoberta e valorizada a obediência às normas litúrgicas como
reflexo e testemunho da Igreja, una e universal, que se torna presente em cada celebração da
Eucaristia.” (n.52)

Na brilhante Encíclica Mediator Dei, que é tão frequentemente citada na Constituição sobre
a Sagrada Liturgia, o Papa Pio XII define a liturgia como “… o culto público… o culto integral
do corpo místico de Jesus Cristo, ou seja, da cabeça e de seus membros.” (n. 20) Como para
dizer, entre outras coisas, que na liturgia, a Igreja oficialmente se identifica no mistério de
sua união com Cristo como esposa, e onde ela oficialmente revela a si mesma. Com que
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insana inconsequência podemos reclamar para nós mesmos o direito de mudar de maneira
subjetiva os santos sinais que o tempo depurou, através dos quais a Igreja fala de si mesma,
de sua identidade e de sua fé?

O povo de Deus tem um direito que não pode ser ignorado nunca, em virtude do qual a
todos se deve permitir aproximarem-se do que não é meramente o pobre fruto do esforço
humano, mas a obra de Deus, e precisamente porque é a obra de Deus, é uma fonte de
salvação e de vida nova.

Quero prolongar minha reflexão um pouco mais sobre este ponto, o qual, posso
testemunhar, é muito caro ao Santo Padre, partilhando convosco uma passagem da
Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, de Sua Santidade o Papa Bento XVI, escrita
após o Sínodo sobre a Sagrada Eucaristia. “Ao ressaltar a importância da arte da
celebração,” o Santo Padre escreve, “põe-se em evidência o valor das normas litúrgicas… A
celebração eucarística é frutuosa quando os sacerdotes e os responsáveis da pastoral
litúrgica se esforçam por dar a conhecer os livros litúrgicos em vigor e as respectivas
normas… Talvez se dê por adquirido, nas comunidades eclesiais, o seu conhecimento e devido
apreço, mas freqüentemente não é assim; na realidade, trata-se de textos onde estão contidas
riquezas que guardam e exprimem a fé e o caminho do povo de Deus ao longo dos dois
milênios da sua história.” (n.40)

2. A orientação da oração litúrgica

No meio de tantas mudanças que caracterizaram, durante o curso do tempo, a arquitetura


das igrejas e os lugares onde a liturgia acontece, uma convicção sempre permaneceu clara
dentro da comunidade cristã, quase até o presente dia. Refiro-me à oração voltada para o
oriente, uma tradição que remonta às origens do Cristianismo.

O que se entende por “oração voltada para o oriente”? Refere-se à orientação do coração
orante em direção a Cristo, de quem a salvação vem, e para quem se dirige tanto no começo
como no fim da história. O sol nasce no leste, e o sol é um símbolo de Cristo, a luz que nasce
no Oriente. A passagem messiânica do cântico Benedictus vem prontamente à mente: “Pela
bondade e compaixão de nosso Deus, o Sol nascente nos veio visitar”.

Estudos recentes e muito confiáveis provaram efetivamente que, em cada época de seu
passado, a comunidade cristã soube encontrar a forma de expressar nos sinais litúrgicos,
externos e visíveis, esta orientação fundamental para a vida da fé. É por isso que
encontramos igrejas construídas de tal maneira que a abside[1] é voltada para o oriente.
Onde tal orientação do espaço sagrado não era possível, a Igreja recorria ao uso do Crucifixo
colocado sobre o altar, no qual todos podiam focar a atenção. Com o mesmo propósito
muitas absides eram decoradas com representações resplandecentes do Senhor. Todos eram
convidados a contemplar essas imagens durante a celebração da liturgia eucarística.

Sem precisar recorrer a uma análise histórica detalhada de desenvolvimento da arte cristã,
gostaríamos de reafirmar que a oração voltada para o oriente, mais especificamente,
voltada para o Senhor, é uma expressão característica do autêntico espírito da liturgia. É
neste sentido que somos convidados a voltar nossos corações para o Senhor durante a
celebração da liturgia eucarística, como o diálogo introdutório do Prefácio bem nos recorda.
Sursum corda “Corações ao alto”, exorta o sacerdote, e todos respondem: Habemus ad
Dominum “O nosso coração está em Deus.” Ora, se tal orientação deve ser sempre adotada
interiormente pela comunidade cristã inteira quando reunida em oração, deveria ser
possível encontrar esta orientação expressa externamente também através de sinais. O sinal
externo, além disso, não poderá ser verdadeiro, a não ser que através dele a atitude
espiritual correta se torne visível.
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Esta é a razão para a proposta feita pelo então Cardeal Ratzinger, e reafirmada agora
durante o curso de seu pontificado, de colocar o Crucifixo no centro do altar, de tal modo que
todos, durante a celebração da liturgia, possam concretamente se voltar e olhar para o
Senhor, e assim orientar também suas orações e corações. Escutemos diretamente as
palavras de Sua Santidade, Bento XVI, que no prefácio do primeiro volume de suas “Obras
Completas”, dedicado à liturgia, escreve o seguinte: “A idéia de que o sacerdote e o povo
devem ficar de frente um para o outro durante a oração nasceu apenas no cristianismo
moderno, e é completamente alheia à Igreja antiga. O sacerdote e o povo certamente não
rezam um para o outro, mas para o único Senhor. Logo, eles olham para a mesma direção
durante a oração: seja para o oriente como um símbolo cósmico do Senhor que vem, ou, onde
isto não é possível, para a imagem de Cristo na abside, para um crucifixo, ou simplesmente
para os céus, como Nosso Senhor mesmo fez em sua oração sacerdotal na noite anterior à
Sua Paixão (Jo 17,1). Vemos que a proposta feita por mim no final do capítulo que trata desta
questão no meu livro “O Espírito da Liturgia” está felizmente se tornando mais e mais
comum: em vez de realizar transformações mais profundas, simplesmente colocar o crucifixo
no centro do altar, ao qual tanto o sacerdote quanto o povo possam se voltar e ser levados
desta forma em direção ao Senhor, a quem todos se dirigem juntos na oração.”

Que não se diga, portanto, que a imagem de nosso Senhor crucificado obstrui a visão que os
fiéis têm do sacerdote, porque eles não estão ali para olhar para o celebrante naquele ponto
da liturgia! Eles estão ali para voltar seus olhares para o Senhor! Da mesma maneira, o
presidente da celebração também deve ser capaz de se voltar na direção do Senhor. O
crucifixo não obstrui nossa visão; em vez disso ele expande nosso horizonte para ver o
mundo de Deus; o crucifixo nos leva a meditar no mistério; nos introduz no céu de onde vem
à única luz capaz de dar sentido à vida nesta terra. Nossa visão, na verdade, estaria cega e
obstruída se nossos olhos permanecessem fixos naquelas coisas que mostram apenas o
homem e suas obras.

Desta forma pode-se entender porque hoje ainda é possível celebrar a Santa Missa nos
altares antigos, quando as características arquitetônicas e artísticas de nossas igrejas assim
o permitirem. Também nisto, o Santo Padre nos dá um exemplo quando celebra a sagrada
eucaristia no antigo altar na Capela Sistina na festa do Batismo do Senhor.

Em nosso tempo, a expressão “celebração voltada para o povo” entrou no vocabulário


comum. Se a intenção ao usar esta expressão é descrever a localização do sacerdote que, nos
dias de hoje frequentemente se encontra voltado para a assembléia devido à posição do altar,
tal expressão é aceitável. Todavia, tal expressão seria categoricamente inaceitável a partir
do momento em que viesse a expressar uma proposição teológica. Teologicamente falando, a
Santa Missa, na realidade, é sempre dirigida a Deus por Cristo Senhor, e seria um grave erro
imaginar que a orientação principal da ação sacrifical é a comunidade. Logo, tal orientação,
de se voltar em direção ao Senhor, tem que animar a participação interior de cada indivíduo
durante a liturgia. É igualmente importante que esta orientação seja bem visível como sinal
litúrgico também.

3. Adoração e união com Deus

A adoração é o reconhecimento cheio de admiração, e poderíamos mesmo dizer com êxtase


(porque nos faz sair de nós mesmos e de nosso mundo pequeno), o reconhecimento do poder
infinito de Deus, de sua majestade incompreensível e de Seu amor sem limites que nos é
oferecido com absoluta gratuidade, de Seu Senhorio onipotente e providente.
Consequentemente, a adoração leva à reunificação do homem e da criação com Deus, ao
abandono do estado de separação, de aparente autonomia, à perda de si mesmo, que é, além
do mais, a única maneira de ganhar a si mesmo.

Diante da inefável beleza da caridade de Deus, que toma forma no mistério da Encarnação
do Verbo, que por nós morreu e ressuscitou, e que encontra sua manifestação sacramental na
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liturgia, não nos resta mais nada a não ser estar em adoração. O Papa João Paulo II afirma
na carta Ecclesia de Eucharistia: “Há, no evento pascal e na Eucaristia que o atualiza ao
longo dos séculos, uma capacidade realmente imensa, na qual está contida a história inteira,
enquanto destinatária da graça da redenção. Este enlevo deve invadir sempre a assembléia
eclesial reunida para a celebração eucarística.” (n.5)

“Meu Senhor e meu Deus,” fomos ensinados a dizer desde a infância no momento da
consagração. Desta maneira, tomando emprestadas as palavras do apóstolo São Tomé,
somos levados a adorar o Senhor, feito presente e vivo nas espécies da sagrada eucaristia,
unindo-nos a Ele e reconhecendo-O como nosso tudo. Dali torna-se possível prosseguir nosso
caminho diário, tendo encontrado a ordem correta da vida, o critério fundamental pelo qual
viver e morrer.

Aqui está a razão pela qual tudo no ato litúrgico, através da nobreza, da beleza, e da
harmonia dos sinais exteriores, tem que conduzir à adoração, à união com Deus: isto inclui a
música, o canto, os períodos de silêncio, a maneira de proclamar a Palavra do Senhor, a
maneira de rezar, os gestos empregados, as vestes litúrgicas os vasos sagrados e outros
acessórios, assim como o edifício sagrado em sua totalidade. É sob esta perspectiva que a
decisão de Sua Santidade, o Papa Bento XVI, deve ser entendida, que, começando a partir da
festa de Corpus Christi do ano passado, começou a distribuir a Sagrada Comunhão aos fiéis
ajoelhados e diretamente na língua. Pelo exemplo dessa conduta, o Santo Padre nos convida
a tornar visível a atitude própria de adoração diante da grandeza do mistério da presença
eucarística de Nosso Senhor. Uma atitude de adoração que tem que ser promovida tanto
mais ao se aproximar da santíssima Eucaristia das outras formas permitidas nos dias de
hoje [2].

Gostaria de citar mais uma vez outra passagem da Exortação Apostólica Pós-Sinodal
Sacramentum Caritatis: “Quando a reforma dava os primeiros passos, aconteceu às vezes
não se perceber com suficiente clareza a relação intrínseca entre a Santa Missa e a adoração
do Santíssimo Sacramento; uma objeção então em voga, por exemplo, partia da idéia que o
pão eucarístico nos fora dado não para ser contemplado, mas comido. Ora, tal
contraposição, vista à luz da experiência de oração da Igreja, aparece realmente destituída
de qualquer fundamento; já Santo Agostinho dissera: „Nemo autem illam carnem manducat,
nisi prius adoraverit; [...] peccemus non adorando – ninguém come essa carne, sem antes a
adorar; [...] pecaríamos se não a adorássemos‟ De fato, na Eucaristia, o Filho de Deus vem
ao nosso encontro e deseja unir-se conosco; a adoração eucarística é apenas o
prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de
adoração da Igreja: receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração daquele
que comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só com ele e,
de algum modo, saboreamos antecipadamente a beleza da liturgia celeste.” (n. 66)

Creio que, entre outras, a seguinte passagem do texto que acabei de ler não deve passar
despercebida: “[A celebração eucarística] é, em si mesma, o maior ato de adoração da
Igreja.” Graças à sagrada eucaristia, Sua Santidade, Bento XVI, nos diz mais uma vez: “A
imagem do matrimônio entre Deus e Israel torna-se realidade de um modo anteriormente
inconcebível: o que era um estar na presença de Deus torna-se agora, por meio da
participação na doação de Jesus, comunhão em seu corpo e sangue, torna-se união.” (Deus
Caritas Est, n.13) Por esta razão, tudo na liturgia, e mais especificamente na liturgia
eucarística, tem que levar à adoração; tudo no desenrolar do rito tem que ajudar a se entrar
na adoração da Igreja ao seu Senhor.

Considerar a liturgia como local de adoração, para unir-se com Deus, não significa perder
de vista a dimensão comunitária da celebração litúrgica, muito menos esquecer o imperativo
da caridade em relação ao próximo. Pelo contrário, somente através de uma renovação da
adoração a Deus em Cristo, que toma forma no ato litúrgico, nascerá uma autêntica
comunhão fraterna e uma nova história de caridade e amor, sustentada por aquela
11
capacidade de maravilhar-se e de agir heroicamente, que somente a graça de Deus pode dar
aos nossos pobres corações. As vidas dos santos nos recordam e nos ensinam isso. “A união
com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos os outros aos quais Ele Se entrega. Eu não
posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-Lhe somente unido a todos aqueles que se
tornaram ou que se tornarão Seus. A comunhão tira-me para fora de mim mesmo,
projetando-me para Ele e, desse modo, também para a união com todos os cristãos.” (Deus
Caritas Est, n.14)

4. A Participação Ativa

Foram realmente os santos que celebraram e viveram o ato litúrgico participando


ativamente. A santidade, como resultado de suas vidas, é o testemunho mais bonito de uma
participação verdadeiramente ativa na liturgia da Igreja.

Justamente, então, e por providência divina, o Concílio Vaticano II insistiu tanto na


necessidade de promover uma autêntica participação da parte dos fiéis durante a celebração
dos sagrados mistérios, ao mesmo tempo em que lembrava à Igreja do chamado universal à
santidade. Essa instrução exigente do concílio tem sido confirmada e proposta mais e mais
por tantos documentos sucessivos do magistério até o presente dia.

Apesar disso, nem sempre tem havido um entendimento correto do conceito de


“participação ativa”, de acordo com aquilo que a Igreja ensina e exorta os fiéis a viver. Na
verdade, há participação ativa quando, durante o curso da celebração litúrgica, cada um
cumpre seu próprio papel; também há participação ativa quando se tem uma melhor
compreensão da palavra de Deus quando a mesma é ouvida ou das orações quando as
mesmas são ditas; também há participação ativa quando se une a própria voz às demais
vozes no canto… Tudo isso, entretanto, não significaria uma participação verdadeiramente
ativa se não levasse à adoração do mistério de salvação em Cristo Jesus, que por nossa causa
morreu e ressuscitou. Isto porque só aquele que adora o mistério, recebendo-o de bom grado
em sua vida, demonstra ter compreendido o que está sendo celebrado, e então está
verdadeiramente participando da graça do ato litúrgico.

Como confirmação e respaldo para o que acaba de ser dito, ouçamos novamente as
palavras de uma passagem do então Cardeal Ratzinger, do seu estudo fundamental
“Introdução ao Espírito da Liturgia”: “Mas em que consiste esta participação ativa? O que se
faz aí? Infelizmente, o sentido dessa palavra facilmente leva a equívocos, pensando-se que se
trata de um ato geral e apenas exterior, como se todos tivessem de – quanto mais possível
tanto melhor – ver-se em ação. Contudo, a palavra „participação‟ (ou „ter participação‟)
remete para uma participação principal, na qual todos devem participar… Nas fontes,
entende-se sob ação da Liturgia a oração eucarística. A verdadeira ação litúrgica, o
verdadeiro ato litúrgico, é a oração… Essa oração – a oração eucarística, o „Cânone‟ – é
certamente mais do que uma alocução, ela é ação no sentido mais elevado do termo.” (edição
portuguesa, pp.127-8) Cristo é feito presente em toda a sua obra salvífica, e por esta razão a
ação humana se torna secundária e cede espaço à ação divina, à obra de Deus.

Logo, a verdadeira ação que é executada na liturgia é a ação do próprio Deus, sua obra de
salvação em Cristo, da qual participamos. Esta é, entre outras coisas, a verdadeira novidade
da liturgia cristã em relação a todos os outros atos de culto: o próprio Deus age e realiza o
que é essencial, enquanto o homem é chamado a abrir-se à atividade de Deus, a deixar-se
transformar. Consequentemente, o aspecto essencial da participação ativa é superar a
diferença entre a ação de Deus e nossa própria ação, de forma a que possamos ser um com
Cristo. Por isso eu poderia enfatizar o que foi dito até agora: não é possível participar sem
adoração. Escutemos outra passagem da Sacrosanctum Concilium: “É por isso que a Igreja
procura solícita e cuidadosa, que os cristãos não entrem neste mistério de fé como estranhos
ou espectadores mudos, mas participem na ação sagrada, consciente, ativa e piedosamente,
por meio duma boa compreensão dos ritos e orações; sejam instruídos pela palavra de Deus;
12
alimentem-se à mesa do Corpo do Senhor; dêem graças a Deus; aprendam a oferecer-se a si
mesmos, ao oferecer juntamente com o sacerdote, que não só pelas mãos dele, a hóstia
imaculada; que, dia após dia, por Cristo mediador, progridam na unidade com Deus e entre
si, para que finalmente Deus seja tudo em todos.” (n. 48)

Comparado com isso, tudo o mais é secundário. Estou me referindo em particular às ações
externas, lembrando que as mesmas são importantes e necessárias, e previstas, sobretudo
durante a Liturgia da Palavra. Menciono as ações externas porque, caso se tornem a
preocupação essencial, a liturgia será reduzida a um ato genérico, e neste caso o autêntico
espírito da liturgia não terá sido compreendido. Segue-se que uma autêntica educação para
a liturgia não pode consistir em simplesmente aprender e praticar ações exteriores, mas em
uma introdução à ação essencial, à obra de Deus, ao mistério pascal de Cristo, que
precisamos permitir que nos encontre, nos envolva e nos transforme. Que a mera execução de
gestos externos não seja confundida com o correto envolvimento de nossos corpos no ato
litúrgico. Sem excluir nada do significado e importância da ação externa que acompanha o
ato interno, a Liturgia demanda muito mais do corpo humano. Requer, de fato, seu esforço
total e renovado nas ações diárias da vida. Isto é o que o Santo Padre Bento XVI chama de
“coerência eucarística”. Propriamente falando, o exercício oportuno e fiel de tal coerência é a
expressão mais autêntica da participação, inclusive corporal, no ato litúrgico, a ação
salvífica de Cristo.

Gostaria de discutir mais este ponto. Estamos realmente certos de que a promoção de uma
participação ativa consiste em fazer com que tudo seja imediatamente compreensível até os
mínimos detalhes? Será que o ingresso no mistério de Deus não pode ser facilitado e,
algumas vezes, até melhor acompanhado por aquilo que toca principalmente as razões do
coração? Não acontece, em alguns casos, que uma quantidade desproporcional de espaço é
dada a um discurso vazio e trivial, esquecendo-se que pertencem à liturgia diálogo e silêncio,
canto e música, imagens, símbolos e gestos? Não pertenceriam, talvez, a essa diversidade de
linguagem que nos conduz ao centro do mistério e, portanto, à verdadeira participação,
também a língua latina, o canto Gregoriano e a polifonia sacra?

5. A música sacra ou litúrgica

Não há dúvidas de que uma discussão que se proponha a ser uma introdução autêntica ao
espírito da liturgia não pode silenciar quanto ao assunto música sacra ou litúrgica.

Limitar-me-ei a uma breve reflexão para orientar a discussão. Poderia-se pensar por que a
Igreja, através de seus documentos, mais ou menos recentes, insiste em indicar um certo tipo
de música e canto como particularmente consonantes com a celebração litúrgica. Já no
Concílio de Trento a Igreja interveio no conflito cultural que se desenvolvia na época,
restabelecendo a norma pela qual a conformidade da música com o texto sagrado era de
suma importância, limitando o uso de instrumentos e indicando uma clara distinção entre
música profana e sacra. A música sacra, inclusive, não pode mais ser entendida como
expressão de pura subjetividade. Ela está ancorada nos textos bíblicos ou da Tradição que
devem ser cantados durante o curso da celebração. Mais recentemente, o Papa São Pio X
interveio de maneira análoga, procurando remover o canto operístico da liturgia e
selecionando o canto Gregoriano e a polifonia do tempo da contra-reforma Católica como o
padrão para a música litúrgica, distinguindo-a assim da música religiosa em geral. O
Concílio Vaticano II não fez nada além de reafirmar o mesmo padrão, assim como os
documentos magisteriais mais recentes.

Por que a Igreja insiste em propor certas formas como características da música sagrada e
litúrgica, fazendo-as distintas de todas as outras formas de música? Por que, também, o
canto Gregoriano e a polifonia sagrada clássica se tornaram as formas exemplares, à luz das
quais a música litúrgica e mesmo a popular deveriam continuar a ser produzidas hoje?
13
A resposta a estas questões reside precisamente naquilo que procuramos discorrer a
respeito do espírito da liturgia. São propriamente aquelas formas de música – em sua
santidade, bondade e universalidade – que traduzem em notas, melodias e canto o autêntico
espírito litúrgico: levando à adoração do mistério celebrado, favorecendo uma participação
autêntica e integral, ajudando o ouvinte a perceber o sagrado e, logo, a primazia essencial de
Deus agindo em Cristo, e finalmente permitindo um desenvolvimento musical que esteja
ancorado na vida da Igreja e na contemplação de seu mistério.

Permitam-me uma última citação de Joseph Ratzinger: “Gandhi destaca três espaços vitais
no cosmos e mostra como cada um deles comunica seu próprio modo de ser. Os peixes vivem
no mar e são silenciosos. Os animais terrestres gritam, mas os pássaros, cujo espaço vital é o
céu, cantam. O silêncio é próprio do mar, gritar é próprio da terra, e cantar é próprio do céu.
O homem, entretanto, participa dos três: ele leva em si a profundidade do mar, o peso da
terra e a altura dos céus; é por isto que todos os três modos de ser pertencem a ele: silêncio,
grito e canto. Hoje… vemos que, despojado da transcendência, tudo o que resta ao homem é
gritar, porque ele deseja ser somente terra e busca transformar em terra mesmo os céus e a
profundeza do mar. A verdadeira liturgia, a liturgia da comunhão dos santos, lhe restitui sua
totalidade. Ela o ensina de novo como ser silencioso e como cantar, abrindo para ele as
profundezas do mar e ensinando-o novamente a voar, a natureza de um anjo; elevando seu
coração, faz ressoar nele mais uma vez aquela canção que tinha de certo modo adormecido.
De fato, podemos mesmo dizer que a verdadeira liturgia é reconhecível especialmente
quando nos liberta da forma comum de viver, e nos restaura as profundezas e as alturas,
silêncio e canção. A verdadeira liturgia é reconhecível pelo fato de ser cósmica, e não feita
sob medida para um grupo. Ela canta com os anjos. Ela permanece em silêncio com as
profundezas do universo em espera. E desta forma ela redime o mundo.” (Cantate al Signore
un canto nuovo, pp. 153-4)

Concluo. Já há alguns anos, várias vozes têm sido ouvidas dentro da Igreja falando sobre a
necessidade de uma nova renovação litúrgica. De um movimento, de alguma forma análogo
àquele que formou as bases para a reforma promovida pelo Concílio Vaticano II, que seja
capaz de operar uma reforma da reforma, ou melhor, um passo adiante no entendimento do
autêntico espírito da liturgia e de sua celebração; seu objetivo seria levar a cabo aquela
providencial reforma da liturgia que os Padres conciliares iniciaram, mas que nem sempre,
em sua implementação prática, encontrou um cumprimento oportuno e feliz.

Não há dúvidas de que nesta nova renovação litúrgica somos nós sacerdotes que devemos
recuperar um papel decisivo. Com a ajuda de Nosso Senhor e da Bem Aventurada Virgem
Maria, mão de todos os sacerdotes, possa este desenvolvimento ulterior da reforma também
ser o fruto de nosso sincero amor pela liturgia, em fidelidade à Igreja e ao Santo Padre.5

A Liturgia em Ratzinger (Bento


XVI)
Constitui uma das contribuições fundamentais oferecidas pelo cardeal à reflexão da Igreja
nas últimas décadas, embora não entre, como tema específico,
nas competências da Congregação para a Doutrina da Fé.
Desde os anos do Concílio, da discussão sobre a Constituição
litúrgica do Vaticano II, e depois com o encaminhamento da

5
[1] Nota do tradutor: A abside de uma igreja é a cabeceira do templo, onde fica o altar-mor. Geralmente a abside se projeta
para fora do edifício de forma semi-cilíndrica e tem o remate superior geralmente em forma de semi-cúpula ou abóbada.
[2] Nota do Tradutor: o autor se refere ao recebimento da Sagrada Comunhão de pé e nas mãos.
14
reforma pós-conciliar muito para além do que tinha ficado decidido e das intenções dos
Padres, Joseph Ratzinger teceu sem rodeios considerações originais e contracorrente.
Importa desde já salientar, para evitar equívocos, que as posições do cardeal não se
assemelham de forma alguma às das facções tradicionalistas de monsenhor Lefebvre:
Ratzinger não tem, nem nunca teve intenção de regressar ao passado, não é um saudosista
aguerrido cujo sonho é derrubar os altares como antigamente nem reintroduzir o ritual de
São Pio V que vigorou até ao Concílio. Pelo contrário, foi um precursor e admirador do
movimento litúrgico que antecedeu o Concílio Vaticano II. Ainda que, demonstrando mais
uma vez ser mais liberal que muitos dos que o acusam, afirme não compreender o motivo por
que o antigo ritual tridentino terá sido abandonado com tanta rapidez e de forma tão
definitiva.

Na sua autobiografia6, quando nos fala dos anos passados em Ratisbona, Ratzinger
explica-nos que um dos acontecimentos mais importantes ocorridos nessa época foi “a
publicação do missal de Paulo VI, com a proibição quase na totalidade do missal
precedente, após uma fase de transição de cerca de seis meses”. “O facto de, após um período
de experimentações que muitas vezes tinham transfigurado profundamente a liturgia,
tornarmos a dispor de um texto litúrgico vinculativo”, explica o cardeal, “era sem dúvida um
acontecimento de louvar. Mas causou-me espanto a proibição do missal precedente, uma vez
que nunca se tinha verificado nada semelhante na história da liturgia. Foi dada a impressão
de que tudo aquilo era normal. O missal anterior tinha sido criado por Pio V em 1570,
no seguimento do Concílio de Trento; por conseguinte, era normal”, acrescenta Ratzinger,
“que, quatrocentos anos mais tarde e após um novo Concílio, um novo Papa publicasse um
novo missal. A verdade histórica é porém outra. Pio V limitara-se a mandar reformular o
missal romano que estava então em uso, como no decurso da História se verificara em todos
os séculos. Tal como ele, também muitos dos seus sucessores tinham mandado reformular
novamente o missal, sem nunca contrapor um missal a outro. Tratou-se sempre de um
processo contínuo de crescimento e purificação, que, no entanto, nunca deixava de ter em
consideração a continuidade. Não existe um missal de Pio V que tenha sido criado pelo
próprio. Existe apenas a reformulação que ele mandou fazer, enquanto fase de um longo
processo de crescimento histórico”.

“O novo missal, após o Concílio de Trento, foi de outra


natureza: a irrupção da reforma protestante concretizara-se
sobretudo na perspectiva das “reformas” litúrgicas. Não havia
simplesmente uma Igreja católica e uma Igreja protestante,
lado a lado; a divisão da Igreja processou-se de forma quase
imperceptível e encontrou a sua manifestação mais visível, e
mais incisiva do ponto de vista histórico, na alteração da
liturgia, que, por sua vez, se revelou bastante díspar a nível
local, tanto que se tornava às vezes difícil de definir os limites
entre aquilo que era católico e aquilo que já não o era. Neste
contexto de confusão, que apenas foi possível pela ausência de
uma normativa litúrgica unitária e pelo pluralismo litúrgico
herdado da Idade Média, o Papa decide que o Missale
Romanum, o texto litúrgico da cidade de Roma, uma vez que
não havia dúvida que era católico, devia ser introduzido em
todos os locais onde não fosse possível reclamar uma liturgia que remontasse a pelo menos
duzentos anos antes”.

“ Nos locais em que isto se verificava”, continua a explicar o cardeal, “era permitido manter
a liturgia precedente, dado que o seu carácter católico se podia considerar seguro. Como tal,
não é possível falar de uma proibição no que diz respeito aos missais anteriores e aprovados
de forma regular até àquele momento. Nessa altura, pelo contrário, a promulgação da
6
RATZINGER, A minha vida, pp. 110 - 113
15
proibição do missal que tinha sido desenvolvido ao longo dos séculos, desde o tempo dos
rituais da antiga Igreja, comportou uma ruptura na história da liturgia, cujas consequências
não podiam deixar de ser trágicas. Tal como já acontecera em muitas ocasiões anteriores,
era perfeitamente razoável e concordante com as disposições do Concílio que se procedesse a
uma revisão do missal, sobretudo no que se referia à introdução das línguas nacionais.
Todavia, o que aconteceu nessa altura foi outra coisa: destruiu-se completamente o edifício
antigo e construiu-se outro, ainda que com os materiais de que era feito o primeiro e
utilizando até os projectos anteriores”.

“ Não resta qualquer dúvida de que este novo missal”, observa Ratzinger na sua
autobiografia, “continha sob muitos aspectos autênticos melhoramentos e um verdadeiro
enriquecimento, mas o facto de ter sido apresentado como um edifício novo, em oposição
àquele que se tinha vindo a construir no decorrer da história, de se ter proibido este último e
de se fazer surgir a liturgia já não como um processo vital, mas como um produto da
erudição dos especialistas e da competência dos juristas, acarretou-nos prejuízos de extrema
gravidade. Deste modo, desenvolveu-se na verdade a ideia de que a liturgia é “feita”, que não
se trata de algo cuja existência nos precede, qualquer coisa de “dado”, mas que depende das
nossas decisões. Consequentemente, daí resulta que esta capacidade de decisão não seja
reconhecida apenas aos especialistas ou às autoridades centrais, mas que, em suma, cada
“comunidade” queira criar a sua própria liturgia. Todavia, quando a liturgia passa a ser
algo que cada um faz por si, deixa de nos dar aquela que é a sua qualidade mais genuína: o
encontro com o mistério, que não é produzido por nós, mas antes a nossa origem e a nascente
da nossa vida”.

A partir de 1984, e depois com maior determinação desde o cisma dos lefebvrianos, em
1988, João Paulo II concedeu um indulto para permitir a realização de Missas segundo o
antigo ritual para os fiéis mais tradicionalistas. A aplicação da
directiva papal foi contudo deixada à sensibilidade e à decisão
última dos bispos diocesanos, que podem decidir se, quando e
como conceder eventualmente estas celebrações a grupos de fiéis
que as solicitem. Acontece com frequência os tradicionalistas
depararem-se com um “não” decisivo. Recentemente, Ratzinger
afirmou7: “Para uma correcta tomada de consciência em matéria
litúrgica, é importante que prevaleça menos a atitude de
suficiência perante a forma litúrgica em vigor desde 1970. Todo
aquele que hoje em dia defende a continuação desta liturgia ou
participa directamente em celebrações desta natureza, é posto no
índex; a tolerância aplica-se a todos os aspectos menos a este. Ao
longo da história, nunca se verificou nada semelhante; desta
forma, é todo o passado da Igreja que é menosprezado. Como se
pode confiar no seu presente se as coisas se encontram neste
ponto? Para falar com franqueza, nem sequer compreendo o
porquê de tanta submissão, por parte de alguns colegas bispos, perante esta intolerância,
que mais parece um tributo obrigatório ao espírito dos tempos, e que parece opor-se, sem que
se veja motivo para tal, ao processo de reconciliação necessário no seio da igreja”

Ratzinger não acredita que seja possível (“nem, talvez, desejável”) tornar a celebrar as
Missas inteiramente em latim. “Diria que ao menos o serviço da palavra deve ser mantido na
língua materna; mas, em qualquer caso, serei a favor de uma maior abertura no que se
refere ao latim. Hoje em dia, utilizar o latim na Missa parece-nos quase um pecado. Contudo,
assim impede-se também a possibilidade de comunicação entre falantes de diferentes
línguas, tão preciosa em territórios mistos. Em Avinhão, por exemplo, o pároco da Catedral
contou-me que, num domingo, compareceram inesperadamente à missa três grupos
7
PETER SEEWALD, Dios y El Mundo, las opiniones de Benedicto XVI sobre los grandes temas de hoy, Galáxia Gutenberg,
Barcelona, 2005, pp. 393 – 394.
16
diferentes, cada um falando a sua própria língua, e todos três desejosos de celebrar Missa.
Ele propôs-lhes então recitar o cânone todos juntos em latim, de forma a poderem celebrar
todos a Missa. Contudo, todos eles rejeitaram imediatamente a proposta: não, cada um
deveria encontrar qualquer coisa de seu. Ou podemos pensar também nas localidades
turísticas, onde seria bonito podermos reconhecer-nos todos em algo comum. É preciso
termos isto também presente. Se nem ao menos nas grandes liturgias se pode cantar o Kyrie
e o Sanctus, se já ninguém sabe sequer o que significa o Gloria, então estamos perante um
empobrecimento cultural e a ausência de elementos comuns. Sob esta perspectiva, eu diria
que o serviço da palavra deve em qualquer caso ser feito na língua materna, mas deveria
haver uma parte recitada em latim que nos garanta a possibilidade de encontrarmos algum
laço que nos una”8.

As observações e as reflexões de Ratzinger em matéria litúrgica, contidas


sobretudo em dois ensaios em particular (La fiesta de la fe, Ensayo de Teologia
Litúrgica, Desclée de Brouwer, 1999; e Introdução ao Espírito da Liturgia,
Lisboa, Paulinas, 2001) encontram-se sempre inseridas num vasto contexto de
abordagem do tema, num contexto cósmico, de oração comum com a toda a
criação.

Através da liturgia, escreve o cardeal, “a linguagem da mãe (a Igreja) torna-se a nossa


linguagem; aprendemos a falar sobre ela e com ela, de forma que as suas palavras assomam
lentamente aos nossos lábios como as nossas palavras: a dádiva proveniente da palavra, que
brota do seu diálogo de amor de muitos milénios com aqueles que desejam unir-se a ela
numa única carne, transforma-se na dádiva da fala, a única que me permite tornar-me
efectivamente em mim próprio, e reintegrar-me, entregar-me a todos os outros, a partir de
Deus e, por conseguinte, ser livre”9.

Ratzinger baseia as suas ideias nos textos de Romano Guardini, um dos fundadores do
Guardini insistia em que uma visão católica da liturgia se encontra ligada à fé dogmática, de
acordo com a qual, não obstante a fragilidade humana da Igreja, por vezes notável, continua
a estar presente nela o Senhor incarnado. Se não tivermos consciência de que na Igreja é
Cristo que vive entre nós, não pode existir uma verdadeira liturgia. Na verdade, a liturgia
não consiste na simples reevocação do triunfo pascal, mas na sua real presença, e como tal
na participação no diálogo entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A Igreja, enquanto
“comunhão de santos” de todos os tempos e de todos os lugares, é o verdadeiro tema da
liturgia, que assim deixa de ser exposta ao arbítrio de qualquer grupo ou indivíduo, quer se
trate de sacerdotes, quer de especialistas. Qualquer acto de criatividade que aspire a ser
expressão da autonomia humana encontra-se no pólo oposto relativamente à criatividade
litúrgica, que nasce da disponibilidade de receber e de partilhar. No seguimento de Guardini,
Ratzinger identifica as “três dimensões ontológicas” da liturgia como a dimensão cósmica, a
histórica e a do mistério. É através do descrédito sistemático destes elementos que se chega,
de acordo com o cardeal, à liturgia do “faça você mesmo”, que se caracteriza por o “arbítrio
como forma necessária do recusa de qualquer norma vigente; o carácter único, porque a
repetição seria sinal de dependência; o artifício, porque se deve tratar de uma criação
exclusiva do homem”10.

Com grande liberdade e coragem, Ratzinger invoca um eventual regresso à prática da


celebração da missa virada a oriente. E augura, com humildade, num convite à meditação e
à reflexão, e portanto sem qualquer intenção de causar polémica, mas ao mesmo tempo com
uma lucidez notável, a criação de um novo movimento litúrgico vindo de baixo, que envolva
os fiéis, para permitir ao povo de Deus a redescoberta do sentido profundo da liturgia e a

8
Ibidem, p. 395.
9
JOSEPH RATZINGER, La fiesta de la fe. Ensayo de Teologia Litúrgica,Desclée De Brouwer, 1999, pp. 39 - 40
10
JOSEPH RATZINGER, “Liturgia e musica sacra”, in Christus in Ecclesia cantat, Roma, 1986, pp. 53 - 54
17
recuperação do sentido do sagrado em tantas celebrações que mais pareça que a comunidade
se celebra apenas a si própria.

“Agora, de facto”, escreve Ratzinger11, “o sacerdote, ou o “presidente”, como se preferir


chamá-lo, assume-se como o verdadeiro ponto de referência de
toda a celebração. Tudo fica a seu cargo. É para ele que se deve
olhar, é nas suas acções que se toma parte, é a ele que se
responde; é a sua criatividade a sustentar o conjunto da
celebração. É portanto compreensível que se procure limitar este
papel que lhe vem sendo atribuído, distribuindo diversas
actividades e entregando-as à “criatividade” dos grupos que
preparam a liturgia, que desejam acima de tudo “dar de si
próprios”. A atenção está cada vez menos dirigida para Deus e
assume cada vez maior importância aquilo que fazem as pessoas
que aqui se encontram e que não desejam de forma alguma
submeter-se a um “esquema preparado de antemão”. O sacerdote
voltado para os fiéis dá à comunidade a impressão de ser um todo
fechado em si próprio. Esta deixa de estar, na forma como se
apresenta, aberta para a frente e para cima, mas fecha-se sobre si
mesma. O acto através do qual todos se viravam para o oriente
não era “uma celebração para as paredes”, não significava que o
sacerdote “virava as costas para o povo”: a verdade é que não lhe
era atribuída assim tanta importância. De facto, tal como na sinagoga se orientavam todos
para Jerusalém, também aqui os fiéis se voltavam “na direcção do Senhor”.

Ratzinger não encara este gesto como um regresso ao passado. “Nada prejudica mais a
liturgia do que estarmos continuamente a arranjar confusões, ainda que aparentemente não
se trate, de facto, de novidades… Nos casos em que não é possível voltarem-se todos para
oriente de forma explícita, a cruz pode funcionar como um oriente interior da fé. A cruz
deveria encontrar-se no centro do altar, num ponto para o qual possam dirigir os seus
olhares tanto o sacerdote, como a comunidade de fiéis… Considero que um dos fenómenos
verdadeiramente absurdos do nosso tempo é a colocação da cruz de um dos lados para
permitir que os olhares se concentrem no sacerdote. Mas então a cruz, durante a eucaristia,
constitui um incómodo? O sacerdote é mais importante que o Senhor? Este erro deveria ser
corrigido com a maior brevidade possível, e isto é sem novas intervenções arquitectónicas. O
Senhor é o ponto de referência. É ele o Sol nascente da história”.

Ao falar sobre a “participação activa” na liturgia, a fórmula hoje em dia adoptada para
introduzir de tudo nas Missas, nas celebrações que, sempre nas palavras de Ratzinger, por
vezes degeneram em espectáculo, o cardeal acrescenta: “A verdadeira educação litúrgica não
pode consistir na aprendizagem nem no exercício de actividades exteriores, mas na
introdução do poder transformador de Deus, que, através do acontecimento litúrgico
pretende transformar-nos a nós e ao mundo. Neste aspecto, a educação litúrgica dos
sacerdotes e dos leigos é hoje deficitária a um nível preocupante. Há nesta área muito a
fazer”.
A propósito da dança, que frequentemente integra as Missas-espectáculo da Europa, onde
os párocos e os padres “modernos” infligem aos fiéis celebrações que cada vez menos têm que
ver com o sagrado, Ratzinger observa que “não se trata de uma forma de expressão da
liturgia”. “No século III, círculos gnóstico-docetas procuraram introduzi-la na liturgia cristã.
Para estes círculos, a crucifixão não passava de uma encenação: antes da Paixão, Cristo
abandonara o seu corpo, que nunca fizera verdadeiramente seu; por este motivo, a liturgia
da cruz poderia ser substituída pela dança, uma vez que a cruz não passara de uma mera
encenação. As danças rituais das diversas religiões têm diversas finalidades: exorcismo,
encantamento analógico, êxtase mística; nenhuma destas formas corresponde à orientação
11
Idem, Introdução ao Espírito da Liturgia, Paulinas, 2001, p. 59.
18
para o interior da liturgia do “sacrifício de acordo com a palavra”. É absolutamente
contraditório que, numa tentativa de tornar a liturgia mais “atraente”, se introduza nela
pantominas sob a forma de dança, onde for possível, recorrendo a grupos de dançarinos
profissionais, que muitas vezes terminam em aplausos (o que seria correcto se decorrente do
seu talento artístico em sentido estrito). Nos casos em que na liturgia são dirigidos aplausos
à obra humana, encontramo-nos perante um sinal claro de que se perdeu por completo a
essência da liturgia, substituindo-a por uma espécie de entretenimento com fundo religioso.
Um tal atractivo não dura muito tempo; no mercado das ofertas de tempos livres, que
assume cada vez mais as formas do religioso para despertar a curiosidade do público, torna-
se difícil resistir à concorrência. Eu próprio já assisti a uma celebração em que o acto
penitencial foi substituído por uma representação dançada que, como é óbvio, terminou com
um grande aplauso; seria possível, contudo, um maior afastamento daquilo que é a
verdadeira penitência?”.

“ A liturgia não é um espectáculo, um espectáculo que necessite de


realizadores geniais nem de actores de talento. A liturgia não vive
de surpresas “simpáticas”, de ideias “cativantes”, mas de
repetições solenes, não deve exprimir a actualidade e o efémero,
mas o mistério do Sagrado. Foram muitos os que pensaram e
disseram que a liturgia deve ser “feita” por toda a comunidade,
para que seja verdadeiramente sua. Trata-se de uma visão que
conduziu a que o seu “sucesso” passasse a ser avaliado em termos
de eficácia espectacular, de entretenimento. Deste modo, porém,
perdeu-se o proprium litúrgico, que não deriva daquilo que nós
fazemos, mas daquilo que aqui acontece. Uma coisa que nós, em
conjunto, não podemos de facto fazer. Na liturgia opera uma
força, um poder que nem sequer toda a Igreja pode outorgar-se:
aquilo que aí se manifesta é Algo completamente diferente que,
através da comunidade (que, como tal, não é senhora, mas serva,
mero instrumento) chega a nós… Para os católicos, a liturgia é a
Pátria comum, a própria fonte da sua identidade: também por esta razão deverá ser
“predeterminada”, “imperturbável”, porque através do ritual manifesta-se a Santidade de
Deus. Ao invés, a revolta contra aquela que foi chamada a “velha rigidez rubricista”, acusada
de limitar a “criatividade”, veio envolver também a liturgia na voragem do “faça você
mesmo”, banalizando-a, porque a colocou ao nível da nossa medíocre medida”.

Qualquer reflexão sobre a liturgia que levante alguma objecção a certos aspectos de
aplicação da reforma pós-conciliar está destinada a enfrentar uma oposição acérrima por
parte dos liturgistas. É-se imediatamente carimbado de “tradicionalista”, “lefebvriano”,
“anticonciliar”. Estas contribuições de Ratzinger foram acolhidas com um certo mal - estar
em determinados círculos eclesiásticos. “Alguns responsáveis”, declarou Ratzinger,
desejariam fazer crer que todas as ideias que não se encaixem perfeitamente nos seus
esquemas constituem um regresso nostálgico ao passado… Já não se pode mais! Dizem isso
apenas por terem uma ideia preconcebida. É preciso reflectir seriamente nas coisas e não
acusar os outros de serem “partidários de São Pio V”. Trata-se de um sectarismo que já não
consigo aceitar… Cada geração tem o dever de melhorar e aproximar mais a liturgia do
espírito das suas origens. E creio que hoje em dia há efectivamente motivo para trabalhar
muito este aspecto, e “reformar a reforma”. Sem revoluções (sou um reformista, não um
revolucionário), mas as mudanças são de facto necessárias. Declarar a priori que qualquer
melhoramento é impossível parece-se um dogmatismo absurdo”.

O Santo Padre Bento XVI, desde quando ainda Cardeal Ratzinger, pedia que se
criasse um Movimento Litúrgico (Motus Liturgicus), para que se possa recupar
o VERDADEIRO Espírito Litúrgico do Vaticano II.
19
Quando a Liturgia se volta
para o culto do homem 12

do Adversus Haereses de Daniel

Quando se Torna mera brincadeira.


“A história do bezerro de ouro alerta
para um culto autocrático e egoísta em
que, no fundo, não se faz questão de
Deus, mas sim em criar um pequeno
mundo alternativo por conta própria. Aí,
então a Liturgia se torna mera
brincadeira. Ou pior: ela significa o
abandono do Deus verdadeiro,
disfarçado debaixo de um tampo sacro.”
13

“Este culto torna-se uma celebração da


comunidade para com ela própria; ele é uma auto-afirmação. A adoração de Deus torna-se
num rodopio em volta de si próprio: o comer, o beber, o divertir-se; A dança em volta do
bezerro de ouro é a imagem do culto à procura de si, tornando-se numa espécie de auto-
satisfação frívola.” 14

QUANDO SE TORNA CELEBRAÇÃO DE SI

“Cada vez menos é Deus que se encontra em destaque, cada


vez mais importância ganha tudo o que as pessoas aqui
reunidas fazem e que em nada se querem submeter a um
“esquema prescrito”. O sacerdote que se volta para a
comunidade forma, juntamente com ela, um círculo fechado
em si. A sua forma deixou de ser aberta para cima e para
frente; ela encerra-se em si própria. Voltar-se em conjunto
para o Oriente, não era uma “celebração da parede” e não
significava do sacerdote “virar costas ao povo”: no fundo,
isso não tinha muita importância. Porque da mesma
maneira como as pessoas na Sinagoga se voltavam para
Jerusalém, elas voltavam-se aqui em conjunto “para o
Senhor15

“Considero as inovações mais absurdas das últimas décadas aquelas que põem de lado a
cruz, a fim de libertar a vista dos fiéis para o sacerdote. Será que a cruz incomoda a
eucaristia? Será que o sacerdote é mais importante do que o Senhor”16

QUANDO VIRA DIVERSÃO DE GÊNERO RELIGIOSO

12
Postado por Seminarista Allan Lopes Veja mais em: Liturgia
13
(RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.16)
14
(RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.16)
15
”. (RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.59)
16
(RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.62)
QUANDO VIRA DIVERSÃO DE GÊNERO RELIGIOSO
20
“A dança não é uma forma de expressão cristã. Já no século III, os círculos gnósticos-
docéticos tentaram introduzi-la na
Liturgia. Eles consideravam a crucificação
apenas como uma aparência: segundo eles,
Cristo nunca abandonou o corpo, porque
nunca chegou a encarnar antes de sua
paixão; consequentemente, a dança podia
ocupar o lugar da Liturgia da Cruz, tendo a
cruz sido apenas uma aparência. As danças
cultuais das diversas religiões são
orientadas de maneiras variadas,
invocação, magia analógica, êxtase
místico; porém, nenhuma dessas formas
corresponde à orientação interior da
Liturgia do “sacrifício da Palavra”. É totalmente absurdo, na tentativa de tornar a Liturgia
“mais atraente”, recorrer a espetáculos de pantominas de dança, possivelmente com grupos
profissionais, que muitas vezes, terminam em aplauso. Sempre que haja aplauso pelos
aspectos humanos na Liturgia, é sinal de que a sua natureza se perdeu inteiramente, tendo
sido substituída por diversão de gênero religioso.” 17

Papa Bento XVI recupera o


Sagrado
O sinal foi inequívoco. Primeiro o Corpus Domini em Roma,
depois se viu em visão mundial em Sidney. Bento XVI exige
que diante dele a comunhão seja recebida de joelhos. É uma
de tantas reconquistas (ou: recuperações) deste pontificado:
o latim, a missa tridentina, a celebração com as costas
voltadas para os fiéis.
Papa Ratzinger tem um desígnio, e o Mons. Malcolm
Ranjith, de Sri Lanka, que o pontífice quis consigo no
Vaticano como secretário da Congregação para o Culto, o
delineia eficazmente. A atenção à liturgia, ele explica, tem o
objetivo de uma “abertura ao transcendente”. A pedido do
pontífice, preanuncia Ranjith, a Congregação para o Culto
está preparando um Compêndio Eucarístico para ajudar os
sacerdotes a “dispor-se bem para a celebração e a adoração
eucarística”.

A comunhão de joelhos vai nesta direção?


“Na liturgia se sente a necessidade de encontrar novamente o sentido [ou: senso] do
sagrado, sobretudo na celebração eucarística. Pois nós cremos que o que acontece no altar
vai muito além do que nós podemos humanamente imaginar. E, por conseguinte, a fé da
Igreja na presença real de Cristo nas espécies eucarísticas é expressa através de gestos
adequados e comportamentos diversos daqueles da cotidianidade [da vida cotidiana]”.

Marcando uma descontinuidade?


“Não nos encontramos diante de um chefe político ou uma personagem da sociedade
moderna, mas diante de Deus. Quando desce sobre altar a presença de Deus eterno, devemos
colocar-nos numa posição mais apta para adorá-lo. Na minha cultura, em Sri Lanka,

17
(RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.147)
21
deveríamos prostrar-nos com a testa no chão, como fazem os budistas e os muçulmanos em
oração”.

A hóstia na mão diminui o sentido [ou: senso] da transcendência da Eucaristia?


“Em certo sentido, sim. Expõe o comungante a senti-la quase como um pão normal. O Santo
Padre fala muitas vezes da necessidade de salvaguardar o senso do além na liturgia em toda
a sua expressão. O gesto de tomar a hóstia sagrada e colocá-la nos mesmos na boca e não
recebê-la, reduz o profundo significado da comunhão”.

Há a intenção de se opor a uma banalização da missa?


“Em alguns lugares perdeu-se aquele senso do eterno, sagrado ou do celeste. Houve a
tendência a colocar o homem no centro da celebração e não o Senhor. Mas o Concílio
Vaticano II fala claramente da liturgia como actio Dei, actio Christi (ação de Deus, ação de
Cristo). Em certos círculos litúrgicos, ao invés, quer por ideologia quer por um certo
intelectualismo, difundiu-se a idéia de uma liturgia adaptável a várias situações, na qual se
deveria dar espaço à criatividade, para que seja acessível e aceitável a todos. Depois, quiçá
há quem introduziu inovações sem respeitar nem o sensus fidei e os sentimentos espirituais
dos fiéis”.
Às vezes, também bispos tomam o microfone e vão ao auditório com perguntas e respostas.
“O perigo moderno é que o sacerdote pense ser ele o centro da ação. Assim, o rito pode
assumir o aspecto de um teatro ou da performance de um apresentador de televisão. O
celebrante vê as pessoas que olham para ele como ponto de referência e há o risco que, para
ter mais sucesso possível com o público, invente gestos e expressões, fazendo o papel de
protagonista”.

Qual seria a atitude certa?


“Quando o sacerdote sabe que não é ele quem está no centro, mas Cristo. Em humilde
serviço ao Senhor e à Igreja, respeitar a liturgia e suas regras, como algo recebido e não
inventado, significa deixar mais espaço ao Senhor, para que, através do instrumento do
sacerdote, possa animar [estimular] a consciência dos fiéis”.
São desvio também as homilias pronunciadas por leigos?

“Sim. Porque a homilia, como diz o Santo Padre, é a maneira como a Revelação e a grande
tradição da Igreja é explicada a fim de que a Palavra de Deus inspire a vida dos fiéis nas suas
escolhas cotidianas e torne a celebração litúrgica rica em frutos espirituais. E a tradição
litúrgica da Igreja reserva a homilia ao celebrante. Aos bispos, aos sacerdotes e aos diáconos.
Mas não aos leigos”.

Absolutamente não?
“Não porque eles não sejam capazes de fazer uma reflexão, mas porque na liturgia os
papéis são respeitados. Existe, como dizia o Concílio, uma diferença „em essência e não
somente em grau‟ entre o sacerdócio comum de todos os batizados e aquele dos sacerdotes”.
Já o Cardeal Ratzinger lamentava nos ritos a perda do sentido do mistério.
“Muitas vezes a reforma conciliar foi interpretada ou considerada de uma maneira não
totalmente conforme a mente do Vaticano II. O Santo Padre define esta tendência como anti-
espírito do Concílio”.

Um ano após a plena re-introdução da missa tridentina, qual é o balanço?


“A missa tridentina contém valores muito profundos que espelham toda a tradição da
Igreja. Há mais respeito diante do sagrado através dos gestos, genuflexões, silêncios. Há
mais espaço reservado à reflexão sobre a ação do Senhor e também à devoção pessoal do
celebrante, que oferece o sacrifício não apenas pelos fiéis, mas também pelos próprios
pecados e a própria salvação. Alguns elementos importantes do antigo rito poderão ajudar
também a reflexão sobre o modo de celebrar o Novus Ordo. Encontramo-nos num caminho”.

Algum dia no futuro verá um rito que tome o melhor do antigo e do novo?
22
“Pode ser, eu talvez não o verei. Penso que nos próximos decênios se caminhará rumo a uma
valorização em conjunto, seja do rito antigo como do novo, salvaguardando o eterno e
sobrenatural que acontece no altar e reduzindo todo protagonismo, para deixar espaço ao
contato efetivo entre o fiel e o Senhor, através da figura não predominante do sacerdote”.

Com posições alternadas do celebrante? Quando o sacerdote estaria voltado para a


abside(parede)?
“Poder-se-ia pensar no ofertório, quando as ofertas são levadas para o Senhor, e daí até o
fim da oração eucarística, que representa o momento culminante da „transsubstantiatio‟ e da
„communio‟”.
O sacerdote que vira as costas desorienta os fiéis.
“Está errada esta expressão. Pelo contrário, juntamente com o povo ele se volta para o
Senhor. O Santo Padre, no seu livro O espírito da liturgia, explicou que, quando as pessoas se
sentam ao redor [da mesa], olhando cada um a face do outro, forma-se um círculo fechado.
Mas quando o sacerdote e os fiéis olham juntos para o Oriente, rumo ao Senhor que vem, é
um modo de abrir-se ao eterno”.

Nesta visão insere-se também a recuperação do latim?


“Não me agrada a palavra recuperar. Realizamos o Concílio Vaticano II, que afirma
explicitamente que o uso da língua latina, salvo um direito particular, seja conservado nos
ritos latinos. Por conseguinte, ainda que tenha sido dado espaço à introdução das línguas
vernáculas, o latim não é abandonado completamente. O uso de uma língua sacra é tradição
em todo o mundo. No Hinduísmo, a língua de oração é o sânscrito, que não é mais em uso.
No Budismo usa-se o Pali, língua que hoje somente os monges budistas estudam. No Islã se
emprega o árabe do Alcorão. O uso de uma língua sacra ajuda-nos a viver a sensação do
além”.

O latim como língua sacra na Igreja?


“Certo. O Santo Padre mesmo fala disso na exortação apostólica Sacramentum caritatis, no
parágrafo 62: „A fim de exprimir melhor a unidade e a universalidade da Igreja, quero
recomendar o que foi sugerido pelo Sínodo dos Bispos, em sintonia com as diretrizes do
Concílio Vaticano II: excetuando as leituras, a homilia e a oração dos fiéis, é bom que tais
celebrações sejam em língua latina.‟ Fica entendido: durante encontros internacionais”.

Dando de novo força à liturgia, aonde quer chegar Bento XVI?


“O Papa quer oferecer a possibilidade de acesso à maravilha da vida em Cristo, uma vida
que, embora sendo vivida aqui na terra, já nos faz sentir a liberdade e a eternidade dos filhos
de Deus. E tal experiência se vive fortemente através de uma autêntica renovação da fé a
qual pressupõe o antegozar das realidades celestes na liturgia, que se crê, se celebra e se vive.
A Igreja é, e deve tornar-se, o instrumento válido e o caminho para esta experiência
libertadora. E a sua liturgia, aquilo que a torna capaz de estimular tal experiência nos seus
fiéis”.

Entrevista sobre a situação


litúrgica com Pe. Paulo
Ricardo18
Como V. Revma vê hoje a questão da Liturgia no Brasil e no mundo?
Nós estamos vivendo uma fase nova na história da Liturgia. Nós tivemos durante todo o
século 20 um movimento litúrgico extraordinário de retorno as fontes; um progresso imenso
no estudo da liturgia. Depois, com execução da Reforma Litúrgica do Vaticano II, houve

18
Entrevista realizada com Pe. Paulo Ricardo para o site http://www.salvemaliturgia.com
23
infelizmente uma aplicação muito errada da Reforma. Ela foi, de certa forma, positiva, mas
muito mal aplicada. Agora vivemos uma terceira fase: a fase em que retomamos aquilo que
poderíamos chamar de o “bonde perdido”, retomamos o “trem perdido”. Nós estávamos no
movimento litúrgico, que foi interrompido por um processo revolucionário da década de 70 e
80, e agora estamos retomando aquele processo litúrgico anterior, para colher os frutos de
um verdadeiro movimento litúrgico. É isso que o Papa Bento XVI, pelo menos espera colocar
em ato, e aquilo que ele prevê no seu livro “introdução ao Espírito da Liturgia”.

Qual a importância do latim na celebração litúrgica? E do canto gregoriano?


A Liturgia só tem sentido quando ela é recebida do passado. Nós precisamos compreender
que um rito litúrgico é algo recebido da tradição, recebido dos nossos pais. E é essa a
importância do latim e do canto gregoriano. Ao se fazer orações em latim na Liturgia e ao se
cantar cantos que foram cantados por gerações e gerações de cristãos antes de nós, nós
tomando a consciência de que estamos vivendo algo que não foi inventado por nós, mas que
nos une a uma multidão de santos e santas que viveram antes de nós, e que santificarem com
aqueles textos e com aqueles cantos; se eles chegaram a se salvar e estar junto de Deus,
também nós podemos fazer.

É possível resgatar um uso mais regular da língua latina mesmo na forma ordinária do
Rito Romano, ou seja, na forma aprova pelo Papa Paulo VI? Como dar os passos para isso?
Não somente é possível como é desejável. Aliás, o próprio Papa Paulo VI e o Concílio
Vaticano II sua constituição Sacrassanctum Concilium pediam isso: que os fiéis soubessem
recitar e cantar orações em latim e usando o canto gregoriano. Agora, é evidente que tudo
isso pode e deve ser feito dentro um processo, de um movimento gradual. Eu costumo sempre
dizer que eu odeio tanto revoluções que as rejeito até quando elas são a meu favor. Uma
revolução que de repente coloque tudo em latim e em gregoriano seria tão detestável quando
a revolução da qual nós estamos querendo nos livrar. O povo de Deus não se move por
decreto. O povo de Deus deve ser respeitado e educado lenta e gradualmente, trazido para a
plenitude da fé católica e da beleza da Liturgia Católica, porque do contrario seria violentar
o povo.

Quanto a Santa Missa “orientada” ou celebrada em “Versus Deum” (“Voltados para Deus”,
isto é, com sacerdotes e fiéis voltados para a mesma direção), que o Cardeal Ratzinger, hoje
Papa Bento XVI, recomenda que se faça no seu livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”:
essa disposição pode ser utilizada mesmo na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa
Paulo VI? Qual o seu significado?”
Na verdade as rubricas do Missal aprovado por Paulo VI foram
escritas pensando nas duas possibilidades: a Missa voltada para o
povo ou a Missa voltada para Deus (também chamada de Missa
orientada, já que as Igrejas eram construídas de tal forma que o
sacerdote pudesse celebrar voltado para o lugar onde nasce o sol).
Muita gente fala da Missa voltada para o povo como sendo uma das
“conquistas” do Vaticano II. A verdade é que os documentos do
Concílio nem tratam do assunto.
A Missa voltada para o povo foi uma adaptação introduzida pelos
padres alemães celebravam assim em seus acampamentos com
jovens e escoteiros. Isto que era uma situação completamente
excepcional tornou-se regra quando da implantação da Reforma
Litúrgica.
Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum
fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a
verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe
completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum
outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática.
A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e
colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma
24
direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino
Sacrifício Eucarístico.
O que fazer então? Segundo o Papa Bento XVI, no livro que você citou, a caminho de
retorno, sem que o povo sofra violências, é colocar a cruz de volta no centro do altar. Desta
forma o sacerdote celebrante pode olhar claramente para o Crucificado durante a Liturgia
Eucarística e não dar ao povo a errada impressão de que está falando com a assembleia.

O Santo Padre Bento restaurou, recentemente, a Comunhão de joelhos e na boca em suas


Missas celebradas em Roma. Muitos se surpreenderam com essa atitude do Papa. O que
pensar disso?
Eu devo confessar uma coisa: eu, durante vários anos como padre, insisti terminantemente
que as pessoas comungassem na mão, devido aos meus estudos. Eu estudei as catequeses
mistagógicas de São Cirilo, e lá ele ensina a comungar na mão. E eu insistia nisso, porque
afinal das contas, são os Santos Padres que estão nos ensinando; é a volta às fontes. E eu
insistia nisso, e ficava até com raiva quando um seminarista vinha comungar na boca. Mas
vejam: eu sou canonista, e também sabia que o seminarista tinha o direito de receber a
comunhão na boca. Por isso, eu não proibia, só ficava incomodado. Tudo isso era o que eu
lutava e cria até a pouco tempo atrás, até que Bento XVI me deu uma rasteira.
Bento XVI começou a dar a comunhão na Liturgia do Papa para os fiéis de joelhos, num
genuflexório e na boca. Eu fiquei inicialmente chocado com aquilo, até que eu fui estudar. Por
que ele é Papa! Se ele está tomando uma atitude, alguma razão tem. Então eu fui estudar
quais são as razões, e como é que surgiu a comunhão na mão.
A primeira coisa que me espantou: descobri que a comunhão na mão – que é algo que
podemos fazer, porque foi permitido – ela é uma excessão, segundo a lei canônica; ou seja,
canonicamente a forma normal, comum, corriqueira , de se comungar, é na boca. É isso que
foi colocado na legislação por Paulo VI e está nas várias legislações de João Paulo II.
Mas desde que Paulo VI concedeu a comunhão na mão, ela é claramente uma exceção,
permitam-me a redundância, excepcionalíssima. Vamos ficar com a verdade: a atual
legislação da Igreja diz que a comunhão normal é na boca.
No Missal de Paulo VI , quando ele foi aprovado em 1969 e 1970 – são as primeiras
aprovações do Missal que nós celebramos – não existe nenhuma referência à comunhão na
mão. A coisa surgiu depois. E investigando, eu descobri que nos países do Norte da Europa –
Holanda, Alemanha… – o pessoal começou a comungar na mão por iniciativa própria, por
desobediência. O Papa ficou sabendo, e o Vaticano disse: parem com isso! Mas o pessoal
continuou. Então chegou uma hora em que, para não ter uma rebelião em massa, o Vaticano
deu uma autorização as Conferências Episcopais – como a CNBB, aqui no Brasil, por
exemplo – para que elas, se acharem oportuno, peçam permissão a Santa Sé e a Santa Sé
então dá permissão para a Conferência receber a comunhão na mão; mas o normal continua
sendo a comunhão na boca. E isso eu descobri lendo um livro de um Arcebispo que foi
responsável por toda a Reforma Litúrgica: Dom Annibale Bugnini (La Riforma Liturgica
1948 – 1975, Roma: CVL). Foi ele o chefe da comissão responsável por elaborar o Missal que
nós temos hoje. E isso ele disse claramente, é ele que narra; eu não ouvi isso de uma fofoca.
Quais são as razões de Bento XVI agora estar dando a comunhão na boca e de joelhos? O
Papa já falou algumas vezes, quando ele era cardeal, e ultimamente ele tem falado através
dos seus ajudantes. Portanto, as informações que vou passar aqui são de ajudantes do Papa,
como seu mestre de cerimônias, Mons. Guido Marini; o ex-secretario da Congregação para o
Culto Divino, Dom Ranjith, e o atual Prefeito da Congregação para o Culto Divino, cardeal
Cañizares.
O Papa acha que nós estamos correndo um risco muito grande de perder a devoção e a fé na
Eucaristia. Infelizmente, em alguns lugares da Igreja, a Presença Real de Jesus na Eucaristia
está se tornando uma piada: ninguém acredita mais.
São Cirilo de Jerusalém, em suas Catequeses Mistagógicas, recomendava aos seus fiéis que
recebessem a comunhão nas mãos, e eu não estou recriminando isso: não é pecado receber a
comunhão na mão. Mas São Cirilo não vive nos nossos dias, e eu duvido que na época dele
houvesse esse tipo de escândalo que existe hoje, de gente que perdeu a fé na Presença Real de
Jesus na Eucaristia. Isso é muito grave e nós precisamos fazer alguma coisa.
25
Não é uma questão de arqueologia litúrgica: se formos fazer arqueologia, é evidente que a
comunhão na mão é muito mais antiga, é muito mais tradicional, do que a comunhão de
joelhos e na boca. Mas o problema é que nós estamos em uma época em que a Presença Real
de Jesus na Eucaristia está sendo esquecida, deixada de lado, e isso mudou a minha opinião:
o Papa tem razão. Uma pessoa que recebe a comunhão de joelhos está se inclinando diante
da Majestade de Deus: Deus é Deus, eu não sou nada. A pessoa que está recebendo a
Comunhão na boca porque até a migalha mais pequenina da Hóstia Consagrada é preciosa;
não somente é pedagógico, mas é verdadeiramente adoração, é verdadeira devoção
eucarística, é verdadeira entrega a Deus.
Nos tempos que correm, nós não podemos nos dar ao luxo de arqueologismos litúrgicos. No
primeiro milênio não tinha comunhão na boca, mas também não tinha herege que não
acreditava na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Nós estamos em um tempo diferente, e a
Igreja evolui também na sua forma de demonstrar devoção a Cristo. Foi de mil anos para cá
que começaram aquelas heresias que negaram a Presença de Cristo na Eucaristia que
culminaram com a reforma protestante, que a negou de vez, e agora estamos nessa situação.
O Papa está nos dando exemplo de devoção eucarística, de verdadeira união a tradição da
Igreja, mas uma tradição que sabe evoluir ao longo dos tempos; a Igreja sabe, como mãe e
mestra, colocar o remédio certo na hora certa. E em um tempo em que, infelizmente,
acontecem abusos e padres que perdem a fé na Presença de Jesus na Eucaristia, a Igreja
como mãe e mestra quer renovar essa fé.

E quanto à forma extraordinária do rito romano, a ”Missa Tridentina”? Como vê V. Revma.


esse aumento dos pedidos dos leigos para que se a celebre?
O Missal anterior aquele que nós celebramos hoje é um Missal que santificou gerações e
gerações de cristãos. As pessoas vêem que existe algo de errado na forma de se celebrar hoje
em dia, e por isso tem a tendência de imputar essas dificuldades ao Missal de Paulo VI. Ou
seja, “se a Liturgia vai mal, é porque o Missal de Paulo VI é mau”. Eu respeitosamente
discordo dessa opinião. Eu acho que se nós executássemos o Missal de Paulo VI, se nós
obedecêssemos a ele, teríamos uma Liturgia esplendorosa e magnífica. O problema é que não
o fazemos. Então existem muitos equívocos com relação ao Missal de Paulo VI. Nós vemos,
por exemplo, na internet, com freqüência, abusos litúrgicos que são fotografados e colocados
dizendo: “Vejam o Missal de Paulo VI!” Quando isso é incorreto, ou seja, aquilo não é o Missal
de Paulo VI, aquilo é o abuso dele. Não posso imputar ao Missal de Paulo VI os atos daqueles
que estão destruíndo este Missal. Agora, esses pedidos que aumentam cada vez mais de se
celebrar a Liturgia conforme o Rito Extraordinário são pedidos de pessoas bem
intencionadas que querem voltar a tradição da Igreja, e por isso devem ser valorizados e
respeitados, ao mesmo tempo em que essas pessoas deveriam ser esclarecidas, para que se
compreendesse que a atual situação de desrespeito da Liturgia não é devida ao Missal, mas
exatamente a ausência de respeito ao Missal.

Quais são as causas, na visão de V. Revma., de tanto desleixo para com a Liturgia no
Brasil? A Teologia da Libertação, o modernismo, condenado por São Pio X, bem como o
marxismo cultural e a Revolução, têm que parcela de culpa?
Sem duvida alguma, aquilo de negativo que nós encontramos na atual vida litúrgica do
Brasil, é fruto de um processo revolucionário. Mais uma vez eu gostaria de enfatizar o que é
a mentalidade revolucionária:a mente revolucionário é aquela que está muito convencida da
verdade das suas idéias, e quer impor ao mundo as suas idéias. Os liturgos revolucionários
no Brasil tem a tendência de confeccionar uma liturgia mental, o ideal daquilo que seria a
Liturgia para eles. E então aplicar essa idéia de Liturgia na prática. Ora, pouco importa que
a matriz revolucionária desses pensamentos seja marxista, da Teologia da Libertação,
modernista ou liberal; trata-se sempre de um único e mesmo mecanismo. O liturgista se
propõe como demiurgo da Liturgia. Ele faz, ele cria, nesse sentido esses liturgistas que
pretendem ser tão democráticos, na verdade, não passam de déspotas porque impõem a
assembléia litúrgica as suas idéias de Liturgia. Nada de mais anti-democratico do que um
liturgista revolucionário ou uma equipe litúrgica revolucionaria, que é uma pequena elite
que impõe ditatorialmente ao povo de Deus as suas concepções de Liturgia. E o Direito
26
Canônico diz claramente que o povo de Deus tem direito de receber dos seus Sagrados
Pastores a Liturgia da Igreja.
Como V. Revma. avalia que o Santo Padre Bento XVI, em sua proposta de “reforma da
reforma”, tem sido apoiado pela demais autoridades litúrgicas de Roma, Cardeal Cañizares,
Cardeal Arinze, como Mons. Guido Marini, Mons. Ranjith?
Essas pessoas citadas são todas pessoas de confiança direta do
Santo Padre e que receberam o encargo de por em ação esse novo
movimento litúrgico. Muitas pessoas reclamam da lentidão com
que Roma estaria realizando esta Reforma da Reforma, mas eu
creio que a lentidão faz parte desse processo. Não é necessário dizer
que qualquer decreto vindo de Roma não tem efeito algum se não
houver uma recepção na base, e que portanto, mais importante do
que exarar decretos, é por em ação um movimento, principalmente
entre os jovens, onde a sensibilidade para com a Liturgia da Igreja
e a Tradição seja mais presente. É exatamente isto que esses
homens estão fazendo.

Aos que querem a Missa mais sóbria, de acordo com as normas, com incenso, latim,
paramentos bonitos, logo se lhes acusam de “rubricistas” ou de “obtusos”, “antiquados” e até
de “fariseus”. Dizem que a Missa tem que ser “alegre”, com improvisação, sem se prender a
fórmulas. Alegam que pra Jesus, “o que importa é o coração, é o interior”. Como responder a
tudo isso?
“Unum facere et alium non omittere”, Fazer uma coisa e não omitir a outra. Ou seja,
observar as normas litúrgicas e obedecê-las não é algo que está divorciado com o coração. É
necessário escolher as duas coisas. Obediência das normas e soprar sobre estas normas, que
são letra morta, o Espírito com o qual elas foram elaboradas. O espírito que é uma
verdadeira tradição espiritual da Igreja. Por isso, essa dicotomia é uma falsa alternativa.
Seria como pedir a uma pessoa que escolhesse entre o corpo e a alma, dizendo a ela ou ela
fica com a alma ou ela fica com o corpo. A única resposta possível é dizer: eu não escolho, eu
fico com os dois. Eu fico com a norma litúrgica e fico com o coração.

Por fim, uma palavra de incentivo aos leitores do Salvem a Liturgia, e o seu pensamento a
respeito do nosso Apostolado.
Penso que é de extrema importância colocar a Liturgia no centro dos debates e da vida
eclesial. O Papa Bento XVI escolheu a Liturgia como a grande contribuição do seu
pontificado. Aos leitores do salvem a Liturgia, eu gostaria de dizer que continuem amando e
fazendo o bem a Igreja, da forma que estão fazendo, porque se salvarmos a Liturgia, seremos
salvos por ela.19

“Se salvarmos a Liturgia, seremos salvos por ela!”


Padre Paulo Ricardo de Azevedo Junior
Presidente do Tribunal Eclesiástico de Cuiabá (MT)

19
Entrevista realizada com Pe. Paulo Ricardo para o site http://www.salvemaliturgia.com

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