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2. Ao mesmo tempo que esse processo cultural acontece, se verifica também uma
situação nova na igreja.
As “scholae cantorum” não estão encontrando mais oportunidades de seguirem
com seu repertório habitual de música sacra polifônica no contexto das
celebrações litúrgicas.
O motivo disso se deve à iniciativa de executar esta forma de música sacra nas
igrejas apenas em forma de concerto. O mesmo ocorre com o canto gregoriano,
que passou a fazer parte dos programas de concerto dentro e fora das igrejas.
Outro fato importante ocorre pelas iniciativas dos “concertos espirituais”, pois as
músicas neles utilizadas podem ser consideradas religiosas, pelo tema que
tratam, pelo texto que a melodia acompanha, pela ocasião em que essas execuções
ocorrem.
Podem incluir, em alguns casos, leituras, orações e silêncio. Por essas
características podemos assimilá-los a um “exercício piedoso”.
3. A acolhida progressiva dos concertos nas igrejas traz aos párocos e reitores
algumas perguntas, às quais é necessário responder.
Se uma permissividade geral das igrejas a todo tipo de concertos provoca reações
e sentimento de culpa por parte de tantos fiéis, também uma recusa
indiscriminada corre o risco de ser mal interpretada por parte dos organizadores
dos concertos, dos musicistas e dos cantores.
Primeiramente é importante ressaltar o verdadeiro significado das igrejas e a sua
finalidade. Para isso a Congregação para o Culto Divino considera oportuno
propor às conferências episcopais e, conforme suas competências, às comissões
nacionais de liturgia e música sacra, alguns tópicos de reflexão e interpretação
das normas canônicas sobre o uso de diversos gêneros de música nas igrejas:
música e canto para a liturgia, música com inspiração religiosa e música não
religiosa.
2. Elementos de Reflexão
O Órgão
7. O uso do órgão durante as celebrações litúrgicas hoje se limita a poucas
intervenções. No passado o órgão substituía a participação ativa dos féis e
prestava assistência aos que eram “mudos e inertes espectadores” da celebração
(Pio X, Divini Cultus, 9).
O órgão pode acompanhar e sustentar o canto sacro durante as celebrações, tanto
da assembléia como da schola. Mas o som do órgão não pode se sobrepor à oração
ou ao canto do sacerdote, nem mesmo às leituras proclamadas pelos leitores ou
pelo diácono.
O silêncio do órgão deverá ser mantido, conforme a tradição, também nos tempos
penitenciais (Quaresma e Semana Santa), durante o Advento e na liturgia dos
defuntos. O som do órgão, nessas circunstâncias, é permitido apenas para
acompanhar o canto.
Será muito bom que o órgão seja usado largamente para preparar e concluir as
celebrações.
É sumamente importante que em todas as igrejas, mas especialmente nas mais
relevantes, não faltem musicistas competentes e instrumentistas musicais de
qualidade. Que se tenha um cuidado especial com os órgãos antigos, que são
sempre preciosos por suas características.
3. DISPOSIÇÕES PRÁTICAS
8. O regulamento para o uso das igrejas é determinado pelo cânone 1210 do
Código de Direito Canônico: “Em lugar sagrado só se admita aquilo que
favoreça o exercício e a promoção do culto, da piedade, da religião; e proíba-se
tudo quanto for destoante da santidade do lugar. Todavia, o Ordinário, em
casos concretos, pode permitir outros usos, não porém contrários à santidade
do lugar.”
O princípio que a utilização da igreja não deve ser contrária à santidade do lugar
determina o critério conforme o qual se deve abrir a porta da igreja a um
concerto de música sacra ou religiosa, e se deve fechá-la a todo outro tipo de
música. A mais bela música sinfônica, por exemplo, não é por si religiosa. Essa
qualificação deve se basear explicitamente no destino original das peças
musicais e no seu conteúdo. Não é legítimo programar em uma igreja a
execução de músicas que não sejam de inspiração religiosa e que foram
compostas para contextos profanos, sejam elas músicas clássicas,
contemporâneas, de alto nível ou populares, pois desta forma se desrespeitará
o caráter sagrado da igreja, e a obra musical estará em um contexto estranho a si
mesma.
Espera-se das autoridades eclesiásticas exercitarem livremente seus poderes
sobre os locais sacros (conforme can. 12131), assim como regularem a utilização
das igrejas, salvaguardando seu caráter sacro.
9. A música sacra, ou seja, a que foi composta para a liturgia, mas que por razões
contingentes não pode ser executada durante uma celebração litúrgica, assim
como a música religiosa, ou seja, que é inspirada na Sagrada Escritura ou na
Liturgia e que remete a Deus, à Virgem Maria, aos Santos ou à Igreja, podem ter
seu lugar na igreja; mas fora das celebrações litúrgicas o som do órgão e outras
execuções musicais, sejam vocais ou instrumentais, possam “servir ou favorecer
a piedade e a religião”. Possuem, portanto, suas utilidades particulares:
a) Para a preparação das principais festas litúrgicas, dando-as uma maior
festividade, mesmo fora das celebrações;
b) Para acentuar as características particulares dos diferentes tempos
litúrgicos;
c) Para criar nas igrejas um ambiente de beleza e meditação, que ajude e
favoreça, mesmo aos que estão longe da igreja, uma disposição a aceitar os
valores do espírito.
d) Para criar uma atmosfera que permita de modo mais eficiente e
acessível a proclamação da Palavra de Deus, por exemplo, uma leitura
contínua do Evangelho.
e) Para manter vivo o tesouro da música da igreja, que não deve se perder:
músicas e cantos compostos para a liturgia, mas que não podem como um
todo ou com facilidade entrarem nas celebrações litúrgicas atuais; músicas
espirituais, como oratórios, cantatas religiosas que continuam sendo
veículos de comunicação espiritual.
f) para ajudar os visitantes e turistas a compreenderem melhor o caráter
sacro da igreja, através de concertos de órgão previstos em horas
determinadas.
1 “Nos lugares sagrados a autoridade eclesiástica exerce livremente os seus poderes e funções.”
10. Quando um concerto é proposto pelos organizadores para ser realizado em
uma igreja, o ordinário deverá permitir a concessão “per modum actus”. Isso deve
ser entendido relativo a concertos ocasionais. Se exclui, portanto, concessões
cumultivas, por exemplo, para um festival ou um ciclo de concertos.
Quando o ordinário considerar necessário, poderá, conforme previsto no CDC
Can 1222 §22, destinar uma igreja que não serve mais ao culto, “ad auditorium”
para a execução da música sacra ou religiosa, e também para execuções de música
profana, desde que estejam adequadas à santidade do lugar.
11. As disposições práticas acima visam ajudar os bispos e reitores das igrejas
no esforço pastoral que eles têm para manter o caráter das igrejas em todos os
momentos, destinadas a celebrações, oração e silêncio.
Essas disposições não devem ser consideradas como um desinteresse pela arte
musical.
2“Quando outras causas graves aconselharem a que alguma igreja deixe de empregar-se para o
culto divino, o Bispo diocesano, ouvido o conselho presbiteral, pode reduzi-la a usos profanos não
sórdidos, com o consentimento daqueles que legitimamente sobre ela reivindiquem direitos, e
contanto que daí não sofra detrimento o bem das almas.”
3 “Por causa grave, é lícito conservar a santíssima Eucaristia, sobretudo durante a noite, noutro
lugar mais seguro e que seja decoroso.”
O tesouro da música sacra permanece como testemunha da maneira com que a fé
cristã pode promover a cultura humana.
Mantendo em justo valor a música sacra ou religiosa, os músicos cristãos e os
meritórios membros das “scholae cantorum” devem sentir-se encorajados a
continuarem esta tradição e a mantê-la viva a serviço da fé, conforme o convite
feito desde o Concílio Vaticano II, em sua mensagem aos artistas:
“Não vos recuseis a colocar o vosso talento ao serviço da verdade divina. (...) O
mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero. A
beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração dos homens. (...) E isto por
vossas mãos.” (cf. Concílio Vaticano II, Mensagem aos artistas, 8 de dezembro de
1965).