Você está na página 1de 4

A DENÚNCIA SOCIAL NA PINTURA MURAL DE EUGÊNIO SIGAUD1

Márcio Monteiro Rocha2

Este breve relatório tem o objetivo de apresentar um resumo dos destaques que a
Professora Luciana de Fátima Marinho Evangelista3, pesquisadora do Grupo de Pesquisa
Ensino de História da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, faz sobre sua
pesquisa a respeito do artista gráfico, ilustrador, cenógrafo, arquiteto e poeta brasileiro Eugênio
de Proença Sigaud, demonstrando na interface das categorias sagrado e profano, as
contribuições do artista na composição da paisagem cultural e religiosa da cidade de
Jacarezinho-PR.

Neste empreendimento, dois atores sociais são muito significativos: o próprio artista
Eugênio de Proença Sigaud e o Comendador Dom Geraldo de Proença Sigaud. O versátil artista
brasileiro Eugênio Sigaud, nascido em 1899, foi também arquiteto, vitralista e pintor na
Catedral de Jacarezinho. Sigaud é um modernista que atuou com muito protagonismo na Escola
Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro durante o curso de arquitetura. Nas décadas de 1920
e 1930 demonstrou ser um aluno bastante combativo, propondo a renovação do campo artístico
e a implantação do Modernismo no Brasil.

Eugênio Sigaud teve influência de Modesto Brocos na dedicação aos temas raciais.
Entre muitos outros, Sigaud estudou ao lado de Oscar Niemeyer, Cândido Portinari, Edson
Mota e Quirino Campofiorito que foi o responsável pela sistematização da obra de Sigaud,
participando da elaboração de sua biografia intitulada “O Pintor dos Operários”, e do processo
de tombamento das suas pinturas em Jacarezinho.

1
Relatório acadêmico elaborado a partir de vídeo intitulado “Entre o Sagrado e o Profano: Os irmãos
Sigaud e a arte na Catedral de Jacarezinho”, apresentado pela Professora Luciana de Fátima Marinho
Evangelista, solicitado na disciplina Gestão de Turismo, Turismo Religioso e Desenvolvimento Local
II, pelo Prof. Marcus José Takahashi Selonk, curso de Especialização em Ciências da Religião e Ensino
Religioso, 30/11/2022, Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP.
2
Pós-Graduando em Ciências da Religião e Ensino Religioso. E-mail: marcio.mrocha@hotmail.com
3
Possui doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2020), mestrado em História
Social pela Universidade Estadual de Londrina (2012) e graduação em História pela Faculdade
Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Jacarezinho (2007). Atualmente é professora do Instituto
Federal Campus Londrina e professora adjunta da Universidade Estadual de Londrina, atuando na
graduação e no Mestrado em História Social. Desenvolve pesquisa sobre Ensino de História, Arte e
Imagem, bem como Memória e Patrimônio Cultural. Tem experiência como docente na Educação
Básica e no Ensino Superior, Graduação e Pós-graduação. É pesquisadora no GPEH Grupo de
Pesquisa Ensino de História da UENP - Universidade Estadual do Norte do Paraná. (Lattes)
O Ateísmo Comunista teve grande protagonismo na constituição do pensamento
plástico de Sigaud. O “pintor dos operários” era um sujeito de elite que enriqueceu muito como
arquiteto no Rio de Janeiro, mas que se tornou conhecido por incluir a denúncia social em suas
obras artísticas, mesmo quando seu trabalho era desenvolvido a partir de temas religiosos.

Eugênio Sigaud era um grande fã de Aleijadinho e pintou muitas telas que fazem alusão
a personagens bíblicos. A força e a capacidade de mobilização popular demonstrada por alguns
personagens bíblicos como Moisés no processo de libertação do povo da escravidão era o tipo
de grandeza que inspirava o talento artístico de Sigaud. Na Catedral de Jacarezinho, e em outras
igrejas, é possível perceber como Sigaud explora o tema do trabalho e da força humana, criando
vívidos entrecruzamentos na interface das categorias sagrado e profano.

Por outro lado, Dom Geraldo de Proença Sigaud foi um religioso conservador de direita
envolvido com missões que ocupou importantes posições no cenário político nacional e
internacional como bispo e arcebispo anticomunista. Fez seu doutorado em Roma, atuou em
Jerusalém, foi professor na Holanda e participou do Concílio Vaticano II. Sua obra mais
importante intitulada “Catecismo Anticomunista”, de meados do século XX, acaba de ser
reeditada. No livro ele diz que não era a favor da igualdade social, porque sem desigualdade
não tem Caridade, e que a Caridade era um dos pilares da igreja católica.

Dom Geraldo conhecia Artes e era tanto um admirador de Michelangelo quanto de


Eugênio Sigaud. Assumiu a diocese de Jacarezinho em 1947, atuando ao longo da década de
1950, inclusive ao lado de Eugênio Sigaud, e se fixa na cidade em 1954. Nesta época, o Norte
do Paraná está entusiasmado com seu futuro, numa tendência de os brasileiros quererem
conhecer o Brasil, na esteira da construção de Brasília. Os anos 1950 são marcados por projetos
estatais e religiosos de ocupação do interior. A cidade de Jacarezinho era a “rainha do norte do
Paraná” enquanto a cidade de Maringá ainda era apenas uma vila.

Nesse contexto, enquanto Dom Geraldo tem um projeto cultural e político para a região,
construindo a Catedral, colégios, seminários e a própria faculdade de Jacarezinho, hoje UENP,
Eugênio Sigaud tem uma ideia de popularização da Arte, a ideia de uma Arte que seja engajada
e promova uma conscientização social capaz de questionar a euforia de um desenvolvimento
que tendia ao aumento da desigualdade. Assim, Sigaud se deixa inspirar pela condição dos
negros da cidade, dos trabalhadores e das mulheres. Sigaud, por meio das Artes, traz para
dentro da igreja todos esses sujeitos que, de alguma maneira não estavam sendo lembrados
pelas elites católicas.
Nos anos 1920 os modernistas reivindicam seu lugar na semana de Arte Moderna,
formam grupos e compõe a sociedade. A partir dos anos finais da década de 1930, década de
1940 e 1950, os modernistas se institucionalizam. Exemplo disso é a igreja da Pampulha, em
Belo Horizonte, que foi encomendada nos anos 1940 por Juscelino Kubitschek, quando era
prefeito dessa cidade. Entre outros, Juscelino chama Oscar Niemeyer, Cândido Portinari e
Paulo Werneck para uma verdadeira reforma urbana para tornar Belo Horizonte uma cidade do
futuro, reconhecidamente Moderna, mas somente em 1959 a Igreja da Pampulha foi
reconhecida como local sagrado.

Com a Catedral de Jacarezinho foi diferente, pois o tipo de arquitetura Moderna que
Eugênio Sigaud realizava não tinha as mesmas formas de Oscar Niemeyer. A forma como
Sigaud usa os espaços vazios, a maneira como faz a combinação dos elementos decorativos
tem uma função harmonizadora que conduz os olhos para as pinturas murais do espaço
religioso, proporcionando ao sujeito uma experiência estética. Essa elaboração extremamente
moderna não chegou a ser considerada Arquitetura Moderna, mas gerou um grande
estranhamento na forma como representou o Santos e as pessoas que ele escolheu para
homenagear nessas pinturas, chegando a chocar as elites católicas.

Os raios de luz que partem da figura do Cristo Sigaudiano, por exemplo, são mesmo
uma referência à Cristo como Luz do mundo. Mesmo o Ateísmo de Sigaud dedicou-se a esses
personagens bíblicos na sua história de vida. Ao Cristo do sermão da Montanha, Sigaud dá o
rosto do pedreiro que trabalha na Catedral. Na cena do Sermão, as pessoas não prestam atenção
no que Cristo fala, mas lhe dão as costas como a um Cristo comum com rosto de homem
simples e trabalhador.

Quem está no altar da Catedral pode ver à direita, a imagem do Nascimento de Cristo,
e à esquerda, uma moldura vazia. Pela lógica das composições essa seria a imagem da
Ressurreição de Cristo. Conta-se que o Eugênio Sigaud começou a realizar aí uma pintura que
recebeu críticas de Dom Geraldo, e Sigaud a deixou em branco. Mesmo essa moldura vazia é
muito elucidativa da relação entre esses dois irmãos. De um lado o artista que valorizou a
liberdade de expressão, do outro uma espécie de mecenas, o bispo conhecedor das Artes que
reconhecia o talento artístico do irmão.

Essa moldura vazia, no entanto, tornou-se um exemplo concreto do irreconciliável no


exato ponto da Ressurreição de Cristo, da sacralidade do culto e da realidade da fé. O Ateísmo
de Sigaud não pôde fazer o que ele queria, mas também não fez o que o bispo exigiu. O bispo
reconheceu o Modernismo do irmão, a homenagem que fez aos trabalhadores, aos negros e às
mulheres, permitindo a Sigaud realizar seu sonho de ter uma grande obra, interrompida no
ponto de intersecção entre fé e razão. A Catedral de Jacarezinho mantém esse registro como
uma marca da personalidade de Eugênio Sigaud e de Dom Geraldo, que apesar de não admitir
uma grande ousadia por parte do irmão, reconheceu a grandeza do seu trabalho. Nenhum outro
artista ocupou o lugar vazio de Sigaud até o dia de hoje.

Referência

EVANGELISTA, Luciana de Fátima Marinho. Entre o Sagrado e o Profano: Os irmãos Sigaud


e a Arte na Catedral de Jacarezinho. Arquivo de vídeo. Google Drive. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1iAjHYJJ5rVrjihHJh7PituhjrVLt692J/view. Acesso em:
30/11/2022

Você também pode gostar