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ORGANIZAÇÃO

WAGNER KUHNEN
ANGELA PEYERL

DIDE BRANDÃO

Do arquivo À arte-educação
Edição: Bruna Rocha Silveira
Revisão: Lúcia loner coutinho
Organização: Wagner Kuhnen
Angela Peyerl
Diagramação e capa: Eloyse Davet

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dide Brandão (livro eletrônico) : do


arquivo à arte-educação / organização
Wagner Kuhnen , Angela Peyerl. -- 1. ed. -
- Porto Alegre, RS : Escreviário, 2021.
ePDF

ISBN 978-65-00-21621-9

1. Artes 2. Arte brasileira 3. Brandão,


Dide, 1922-1976 4. Cubismo 5.
Educação 6. Itajaí (SC) - Descrição I.
Kuhnen, Wagner. II. Peyerl, Angela.

21-63682 CDD-70.981

Índices para catálogo sistemático:

1. Arte brasileira 708.981

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129


dedicatória

Dedicamos este livro a Dide Brandão, que nos


deixou um legado artístico tão ímpar. Que sua
poética continue reverberando em tantos outros,
assim como reverbera em nós.
Nota sobre os autores

Angela Peyerl: Mestra e Doutoranda


em Patrimônio Cultural e Sociedade
pela Universidade da Região de
Joinville (Univille), especialista em
História e Cidade: Patrimônio
Ambiental e Cultural pela
Universidade do Extremo Sul
Catarinense (UNESC) e bacharel em
Museologia pela Universidade Barriga
Verde (UNIBAVE).

José Isaías Venera: Doutor em


Ciências da Linguagem pela Unisul,
mestre em Educação pela Univali,
graduado em Comunicação Social
(habilitação em Jornalismo) pela
Universidade do Vale do Itajaí
(Univali). Possui formação em
psicanálise na Maiêutica Florianópolis
Instituto Psicanalítico. É professor no
curso de Jornalismo na Univali e do
curso de Publicidade e Propaganda da
Univille.

Silvana Rocha: Mestra em Educação


pela Univali, especialista em Teoria da
Comunicação pela Cásper Líbero,
graduada em Educação artística pela
UDESC. É professora efetiva da
Prefeitura Municipal de Itajaí.
Nota sobre os autores

Wagner Kuhnen: Artista plástico,


tatuador, músico baterista, e integrante
da Câmara Setorial de Artes Visuais de
Itajaí.
prefácio

José Bonifácio Brandão ou Dide Brandão foi pintor, desenhista


e escultor e durante toda sua vida esteve envolvido com a arte e
memória. A trajetória de sua família revela que a arte sempre fez
parte da vida da família. Uma criança, um artista muito a frente
de sua época, que tinha uma imensa facilidade de aprender
sozinho, fez dele um prodigo ainda muito jovem.
Um jovem que aproveitou cada momento para aprender a criar
uma arte única, preocupado em absorver conhecimentos dos
mais diversos materiais e movimentos artísticos de sua época.
Dide Brandão faz parte da história de Itajaí e sua obra é um
acervo muito importante da sua história pessoal e da história da
cidade, mesmo que a cidade hoje desconheça seu acervo que
pode ser vista no Museu Histórico de Itajaí.
Sua arte considerada acadêmica foi se transformando com a
influência de movimentos da Vanguarda Europeia como a
influência do cubismo em sua obra, mais precisamente com a
obra de Pablo Picasso.
Com sua mudança para o Rio de Janeiro e com a abertura da
sua galeria de artes e tendo sua obra exposta em vários salões
com menção honrosa, consolidou-se no mundo da Arte Nacional.
É de suma importância que a obra de Dide Brandão seja
restaurada e uma pesquisa profunda seja realizada para a
memória da História de Itajaí que precisa rever a história desse
artista consagrado na arte brasileira.
A cidade de Itajaí pode não conhecer sua obra, mas Dide
Brandão traçou uma trajetória no mundo das artes, foi longe,
ganhou vários salões pelo Brasil, se consagrando uma referência
nacional nas artes visuais.
Angela Peyerl nos ajuda a reencontrar Dide Brandão analisando
suas obras e sendo uma detetive descobrindo detalhes escondidos
ou não observados, fazendo com que possamos entender a arte
deste artista.
prefácio

Nesta segunda parte, a Me. Silvana Maria Rocha nos levar a


entender como se dá a compreensão da obra de arte, através da
arte educação, como a arte é apropriada com área de
conhecimento. Entender a Arte Educação como área de
conhecimento é recente, sendo a arte na educação sido relegada a
simplesmente um recurso usado em sala e não como uma área de
transformação do ser humano.
Percorre o histórico de como se deu o processo de arte
educação nas escolas, dos caminhos que nem sempre levaram a
real aprendizagem da arte nas escolas, mas que com os anos de
estudo trouxeram o conhecimento real da arte como disciplina
importante para a formação completa dos alunos.
A história da arte brasileira teve muito avanços e retrocessos
em sua trajetória, fazendo do Brasil um dos países que
absorveram grandes movimentos de arte pelo mundo e o
transformaram em maravilhosas leituras com um olhar
brasileiro. Um exemplo dessa leitura brasileira é a Semana de 22.
Infelizmente a educação através da arte, quando instituída nas
salas de aula configurou as aulas a uma mera atividade de fazer
arte e não pensar o mundo através da arte e dando possibilidades
de modificá-lo.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional o ensino
de artes consegue mostrar sua importância e torna-se uma
disciplina e não mais atividade.
Através da Semiótica e arte seus diferentes pontos de vista, que
a autora nos lança a compreensão de como se dá a aprendizagem
através da arte. Nos leva a compreender a sociedade e a cultura
através da arte e suas obras, e nos colocando como parte
importante dos processos de aquisição de conhecimentos.
Pontos, linhas, texturas, diferentes materiais são mais que meros
recursos, mas instrumentos para criar história, criar mundos e
soluções na caminhada no aprendizado de transformação do
mundo.
prefácio

A obra como expressão da vida, no texto de José Isaías Venera


nos leva a compreender quais foram as motivações e influências
na obra de Dide Brandão, com as análises realizadas por Angela
Peyerl compreendemos como linhas, cores, formas formam
uma obra tão bela e complexa, nos ajudam a compreender que a
vida do artista está impregnadas em suas obras, contando fatos,
não explícitos sobre sua caminhada como homem e como artista.
Dor, mágoa, alegrias, incertezas e certezas, descobertas,
esconderijos, sorrisos, amores estes são os sentimentos que estão
na obra de Dide Brandão, fazendo dele um artista que foi além
de seu tempo, que cruzou as fronteiras do que acontecia ao seu
redor, foi além e se não fosse um trágico acidente poderíamos ter
mais obras magnificas que vão além de sua época e da sua
história que nos conta a história estética do mundo pelo seu
olhar.

CRISTIANE PEDRINI UGOLINI


PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE ARTE
EDUCADORES
Sumário

Parte I - (RE) CONHECENDO DIDE BRANDÃO


ATRAVÉS DO ARQUIVO
.................................................................................0
9

PARTE II: DA OBRA À Arte-educação


.................................................................................48

A obra como expressão da vida


.................................................................................4
9

Estética e reação estética...............................54

O Olhar do Artista:
Um relato autobiográfico sobre o
encontro com a obra de Dide
Brandão.................................................................81
(RE) CONHECENDO DIDE
BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO
PARTE I
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

ANGELA PEYERL

O arquivo de artista oferece inúmeras possibilidades de


mobilização e articulação poética e propicia atravessamentos
temporais, no fazer que impulsionou o ato de arquivar e na
característica pela multiplicidade de caminhos que os artistas
acionam para narrar suas poéticas.
Manchetes podem ser usadas para chamar a atenção do leitor
sobre uma parte específica (ou principal) do artigo. O redator
pode também fornecer fatos ou informações detalhadas,
seguindo respostas para perguntas gerais como: quem, o que,
quando, onde, por que e como.
Evocar o arquivo do artista é perguntar-se sobre os possíveis
fluxos e pontos de tensão existentes, identificar que durante o
processo a poética passa por flutuações que expõem lacunas
temporais, mudanças que conforme as experiências vão sendo
aglutinadas no cotidiano do artista e refletem na produção e
documentos e registros que a posteriori se tornam registros de si.
O arquivo pessoal do artista traz registros da vida pública e
privada, das relações estabelecidas com instituições, circuito de
arte, críticos, galerias.
Os artistas, portanto, vão estabelecendo relações com o seu
próprio testemunho de experiências de vida, vão narrando não
só a criação de um trabalho, mas a sua autobiografia e a sua
construção como sujeito artista. Assim, ocorre uma transposição
e o artista se torna o arquivista de si, envolve-se em uma escrita
autobiográfica e estabelece uma relação de cumplicidade com os
documentos gerados.
Ao acionar o arquivo de Dide Brandão, descobrimos a
importância desse artista para a arte não somente de Itajaí, mas
para a arte brasileira. José Bonifácio Brandão ou Dide Brandão
foi um dos maiores expoentes artísticos entre as décadas de 50 a
70 Reconhecido academicamente em âmbito nacional, estudou
na extinta Escola Nacional de Belas Artes, onde recebeu
inúmeros prêmios, foi um exímio pintor, desenhista e escultor.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

José Bonifácio Brandão (J. Brandão) nasceu em Itajaí, Santa


Catarina, no dia 6 de agosto de 1924. Desde criança o mundo das
artes já era uma vivência em sua casa. Seu avô, Manoel Marques
Brandão, em 1897 deu início ao teatro na cidade de Itajaí,
utilizando a sua sala de visitas como a primeira sala de
espetáculos da cidade. Ao se discorrer sobre o Sr. Manoel
Marques Brandão aparece logo sua caraterística maior: era
conhecido como uma pessoa de cultura invejável, também
conhecedor de pintura e música.
No pequeno teatro que montou em sua residência, era
ensaiador e cenógrafo, tendo pintado lindos cenários e um
magnífico pano de boca com a reprodução da entrada da Barra,
vendo-se o morro da Atalaia. Do primeiro corpo cênico faziam
parte os filhos João, Apolinário e José Marques Brandão, além de
Henrique e Eurico Fontes, João Nóbrega da Silveira, Carlos
Serapião Gonçalves e Lázaro Bastos.” (D’Ávila, 1981).
Manoel Marques Brandão também possuía uma coleção que
contemplava desde artefatos indígenas, documentos e
publicações, e com a junção deste acervo compôs um “museu”.
Sua coleção tornou-se significativa e bastante conhecida e o dito
museu de Manoel Marques Brandão passou a ser local de
referência histórica, memória, lazer e de cultura na cidade.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Livro de registro do Museu de Manoel Marques Brandão

Fonte: Acervo de João Brandão.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Pode-se, seguramente, dizer que este foi o primeiro ensaio dessa


instituição em Itajaí, porém com o falecimento do pai a coleção
ficou aos cuidados de Joca Brandão que, posteriormente, em
1930, acabou doando todo o acervo existente ao Seminário de
Azambuja (em Brusque), em troca da gratuidade dos estudos de
um de seus filhos, Alcino Brandão que deu entrada em 1933 no
Seminário Menor Metropolitano Nossa Senhora de Lourdes.
O museu foi criado primeiramente com o nome de Museu Joca
Brandão, posteriormente mudou para Museu Arquidiocesano Joca
Brandão e atualmente é conhecido por Museu Arquidiocesano
Dom Joaquim, segundo informações do museu que está no site
do seminário, o museu tem como objetivo “recordar a história da
colonização teuto-italiana em Santa Catarina, sua época e seu
ambiente”. O museu está situado em Azambuja, no município de
Brusque em Santa Catarina. O Museu Arquidiocesano Dom
Joaquim foi o primeiro instalado no sul do país em seu gênero e
especificidade.
Desta forma, Dide realmente teve influências de seu pai João
Marques Brandão, mais conhecido por Joca Brandão, destacava-
se como ator, encenador e orador. No ano de 1897, quando ainda
tinha 17 anos, foi eleito o primeiro presidente da hoje conhecida
Sociedade Guarani onde, no mesmo ano, juntamente com seus
irmãos Félix e Apolinário, cria o Corpo Cênico de Itajaí, um
grupo precursor de teatro amador.

Faleceu no dia 10 de novembro de 1930, quando discursava à beira do


túmulo de seu maior amigo, Dr. Pedro Ferreira. Faleceu de sinopse
cardíaca devida à comoção enquanto discursava. Suas últimas palavras
foram: Rezemos um Padre-Nosso pela alma deste que tanto bem fez a
Itajaí... E, enquanto orava, tombou falecido sobre o túmulo de seu
amigo. (Brandão, 1887, s.p.)

Com isso, Joca tornou-se uma das figuras de grande


importância para a história da cidade, sua morte de forma
inusitada, foi muito sentida por grande parte das pessoas que
residiam em Itajaí. J. Brandão era o décimo terceiro filho de uma
família composta por quinze irmãos, segundo consta numa
caderneta de registros que seu avô Manoel Marques deu início

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

em 1878 e seu irmão Alcino deu continuidade após a morte de


seu avô. Desses quinze irmãos, existem dois dos quais ele ignora
as respectivas datas de falecimento (Brandão, A., 1878).

Dide Brandão e irmãos (da esquerda para a direita: João, Manoel,


Alcino, Arnaldo e Dide)

Fonte: Acervo pessoal de João Brandão.

Dide Brandão iniciou seus estudos no Colégio São José, em


Itajaí (SC), aos 10 anos de idade já era autodidata, até que, anos
depois, resolveu aprimorar sua técnica e iniciar seus estudos com
professores particulares e logo após na Escola Nacional de Belas
Artes no Rio de Janeiro.

Mas, ao mesmo tempo que se nutre da subjetividade, há outra


importante parcela da compreensão da arte que é constituída de
conhecimento objetivo envolvendo a história da arte e da vida, para que
com esse material seja possível estabelecer um grande número de
relações. Assim, a fim de contar essa história de modo potente, efetivo,
a arte precisa ser repleta de verdade. Precisa conter o espírito do tempo,
refletir visão, pensamento, sentimento de pessoas, tempos e espaços.
(Canton, 2009, p.13)

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

J. Brandão já vinha dentro de um circuito de arte, quando


entrou na Escola Nacional de Belas Artes em 1956. Já era um
artista um tanto quanto consolidado, havia estudado com
professores particulares que lhe ensinaram a técnica, o traço, a
pincelada. Professores estes que influenciaram sua obra, pois
Dide produziu algumas obras nas quais se evidenciam os traços
ensinados por seus mestres.

Catálogos Salão Nacional de Belas Artes

Fonte: Acervo CDMHI.

Ao ingressar na Escola Nacional de Belas Artes, entra em contato


com outras técnicas e períodos. Por estar dentro do circuito de
arte, neste caso o Rio de Janeiro, automaticamente entrou em
contato com outras manifestações artísticas. Passou do
academicismo ao modernismo. Pintava, geralmente, em seu
ateliê, usando materiais em diversos suportes como: juta, tela,
papelão e metal. As telas e as molduras eram produzidas por ele
mesmo.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Inscreveu-se na Escola Nacional com uma produção, em meio


busto, de Jesus Cristo, com moldura em madeira e gesso,
decorada com motivos florais em alto relevo na cor dourada. A
tela possui uma inscrição na parte inferior direita, datada de 1947
e em seu verso apresenta o seguinte dizer: “Querida Mamãe, com
beijos de seu filho Dide”. Esta obra que, segundo a sobrinha do
autor, Vanda Maria em carta à Casa de Cultura Dide Brandão, em
25 de maio de 1993 na abertura da exposição Retrospectiva da
Vida e Obra de Dide Brandão, relata que certa vez Dide entrou
em casa e disse para sua mãe:
Vou tirar este quadro da parede, vou fazê-lo sumir, pois é do
tempo em que eu fazia cópias, não é uma Obra de Arte.
E foi pegando o quadro em que pintara o rosto de Cristo, que
recebia quem entrava na casa de Vovó Alcina.¹

João, Dide, Alcino, Arnaldo, Manoel e Alcina

Fonte: Acervo pessoal de João Brandão.

¹ Carta de Vanda Maria – sobrinha de Dide Brandão- quando da abertura da exposição


retrospectiva da obra do artista em 1993 em Itajaí, na casa de cultura que leva o nome do
artista.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Atualmente, a tela permanece em reserva técnica no Museu


Histórico de Itajaí, cedida em regime de comodato pela sobrinha
do pintor, bem como todo o acervo de J. Brandão que faz parte
da coleção de arte do Museu Histórico de Itajaí, suas telas,
escultura em metal italiano, algumas gravuras, porcelanas e, até a
palheta, que ele utilizava encontram-se no museu. As gravuras e
documentos pessoais fazem parte do Fundo Brandão que fica
salvaguardado no Arquivo Histórico e Centro de Documentação
e Memória Histórica de Itajaí.

Tela Jesus Cristo

Fonte: Arquivo de Angela Peyerl.

J. Brandão fez sua primeira exposição individual em 1954 no


Hotel Lux em Florianópolis, passando depois disso por
Blumenau no Teatro Carlos Gomes, em anos diferentes fez
exposições em Joinville no Salão Harmonia Lyra, Lages, no Salão
Clube 14 de Junho. No ano de 1955 retorna a Santa Catarina e faz
sua primeira exposição em sua terra natal, Itajaí. O local
escolhido foi a Sociedade Guarani no qual sua família tem laços

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

históricos desde a criação do local.

Exposição Guarani

Fonte: CDMHI.

Observando a produção artística de J. Brandão são muito claros


os sinais, os significados, que estão impregnados nas suas obras,
que reflete claramente o passar do tempo e a mudança na qual
ele mesmo passava. É uma leitura que está ligada diretamente a
semiótica, ciência esta que estuda todos os tipos possíveis de
signos (a linguagem verbal e não verbal), uma ciência que abarca
todas as linguagens, com enfoque interdisciplinar, abrangendo
uma área de estudo muito vasta e complexa, visto que estuda a
realidade cultural, o contexto.
A Semiótica entende signos como:
Algo que, de um certo modo e numa certa medida,
intenta representar, quer dizer, estar para, tornar
presente, alguma outra coisa, diferente dele, seu objeto,
produzindo, como fruto dessa relação de referência, um
efeito numa mente potencial ou real. (Santaella, 2000, p.
159)

As bases da semiótica são as categorias de primeiridade,


secundidade e terceiridade, que contribuem de forma
significativa para se compreender a obra de arte, neste estudo, a
pintura moderna de J. Brandão e pensar as questões estéticas.
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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Ao afirmar que José Bonifácio Brandão já era um artista de


trajetória consolidada, em sua cronologia é possível ver que no
período pré ENBA suas obras já eram premiadas em salões de
arte. No período que vai de 1952 a 1962, Brandão se fez presente
em todos os Salões Nacionais de Belas Artes (RJ). Ao se trazer
para a atualidade e se pensar no conceito de arte que se tem
hoje, onde os artistas para serem reconhecidos como tal, devem
estar inseridos dentro de um circuito de arte, ou seja, em salões,
em exposições de arte, Dide foi um artista que esteve sempre
dentro do circuito artístico da época

Exposição Guarani

Fonte: CDMHI.

No período em que Dide estudou com professores particulares é


possível ver em suas obras iniciais as influências de seus mestres,
no Rio de Janeiro de 1946 a 1949, Carlos Chambelland foi com
quem Dide iniciou seus estudos. Acredita-se que Chambelland
foi a maior influência deste início de Dide. Foi possível localizar
no Fundo Brandão uma fotografia de Carlos Chambelland e,
juntamente com ela, outra fotografia de uma obra na qual Dide
Brandão fez um retrato de Chambelland, com a inscrição na
lateral esquerda C. Chambelland – Rio – 1946.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Carlos Chambelland deixou uma bagagem artística não


muito numerosa, mas de boa qualidade. Sua pintura, a
princípio desenvolvida nos moldes de seus velhos
mestres, modificou-se depois para tomar uma feição
mais liberta, com tendências impressionistas. (...)
Embora fizesse a paisagem, a natureza-morta e flores
com bastante sentimento, sente-se que a figura humana é
o seu ponto mais alto. Com muita emoção e sensibilidade
pintava o retrato, procurando com toda intensidade de
seu espírito o caráter e o fundo psicológico do retratado.
(Costa, 1973-1980, s.p.)

Carlos Chambelland / Retrato de C. Chambelland

Fonte: CDMHI.

Durante os anos de 1950 e 1951, o professor de Dide foi Rodolfo


Chambelland, que era irmão de Carlos Chambelland, também
era retratista e pintor de figuras, durante sua trajetória artística e
como professor ficou mais conhecido por pintar cenas de
costumes e de gênero.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Logo após, Dide iniciou as aulas com Aldo Cardarelli, em


Campinas, SP, no período de 1952 a 1953. Durante essa
temporada é possível observar nas obras de Dide a grande
influência de Aldo, em especial em suas naturezas mortas e
paisagens, um exemplo bem claro é a obra Recanto Feliz
(Floresta da Tijuca)², Pescador, e Jarro com Laranjas.

Paisagem / Floresta da Tijuca

Fonte: Acervo Museu Virtual / Fundo Brandão - CDMHI.

E, por fim, Caterina Baratelli no Rio de Janeiro de 1954 a 1956. O


interessante é que durante o decorrer da pesquisa, entrando em
contato com o MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo)
que tem em seu arquivo o catálogo do XVIII Salão Paulista de
Artes de 1952 no qual Dide expôs a obra Natureza Morta junto
com Aldo e Caterina, talvez ali tenha sido o momento em que
tenha entrado em contato com o trabalho e com a própria
Catarina.
² Apenas consta como registro uma fotografia tirada por Dide Brandão no Fundo
Brandão.- Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Novamente pontuam-se as influências que Dide teve: foi um


seguidor de seus mestres na sua fase inicial. Pois durante a
pesquisa sobre obras de Catarina é possível ver nas fotos abaixo
uma semelhança no traço das mãos e na pincelada da obra
Menina de Rosa, obra que hoje está no acervo do MARGS
(Museu de Arte do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre). O
quadro foi comprado em 1956, e segundo informações dos
responsáveis pelo acervo, esta foi a nona aquisição da história
do MARGS.

Menina de Rosa / Carmen

Fonte: Acervo MARGS / Acervo MHI.

A obra Carmen de Dide, que foi feita para Carmen Ehrhardt,


itajaiense que concorreu ao Miss Santa Catarina em 1958 e
posteriormente foi quarta colocada na competição para Miss
Brasil do mesmo ano, era uma das exigências para o concurso de
miss. No mesmo ano a obra concorreu ao Salão de Belas Artes de
1958 e foi premiada.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Carmen Ehrhardt e Dide Brandão

Fonte: CDMHI.

A partir daí, Dide Brandão inicia seus estudos na ENBA que vai
de 1956 a 1960, e é nesse momento que suas obras começam a se
modificar. Suas obras, que tinham uma grande influência
acadêmica, uma vez que seus professores também tiveram essa
formação clássica, passam a se modificar, aos poucos. A pincelada
começa a ser mais quadrada. Em alguns trabalhos, as figuras que
eram apenas esboços em papéis de prontuário médico, passam
para as telas e entalhes.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Rascunhos

Fonte: CDMHI.

Ao se pensar na Escola Nacional de Belas Artes através de um


princípio aristotélico, em não há uma desconstrução, e que J.
Brandão já tinha uma visão mais intuitiva, foi neste momento
que sua produção toma outro rumo. Os traços mais modernos
(cubistas) que estavam somente em suas gravuras, passaram do
papel para a tela, para o entalhe e às porcelanas.
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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Dentro da ENBA, Dide entrou em contato com outras técnicas,


com outros olhares e linguagens artísticas. Entre seus professores,
neste período, destacam-se Carlos Del Negro, Alberto Zaluar,
Jordão de Oliveira e Visconte Cavaleiro. Acredita-se que durante
a ENBA, a ruptura com o esse ponto de vista acadêmico não se
deu por completo. Essa postura foi assumida e é visível em seus
trabalhos pós-1960, sendo também este um período em que o
país e o próprio artista passavam por mudanças. Dide termina a
ENBA e se muda para Brasília. O espírito inquieto de artista
reflete muito em sua obra, um exemplo disso é o Rosto de Cristo
como está intitulada na ficha de catalogação do Museu Histórico
de Itajaí, onde é possível observar uma forma completamente
cubista de ver Jesus, e que foi modificada durante a execução.
Outro exemplo de obra que foi um marco e, praticamente, uma
obra que encerra um final de tempo e de mudança na arte e que
traduz a ligação de Dide com o Modernismo é a A Arte Chora
Picasso. Aqui, os traços continuam seguindo a tendência do
cubismo, formando figuras geométricas, que lembram círculos,
retângulos, triângulos que revelam a proximidade do artista
catarinense com a arte de Picasso.

A arte chora Picasso / Esboço de A arte chora Picasso

Fonte: MHI / Acervo de Angela Peyerl.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Utilizando de formas cubistas percebem-se alguns traços que


lembram Les Demoiselles d’Avignon de Picasso. Neste trabalho é
possível observar uma mulher sentada em uma mesa, apoiando o
cotovelo e elevando a mão para ir até a cabeça. Tal gesto (signo)
denota desolação, o olhar é de uma tristeza profunda, (re)velando
que aquele era o momento em que a arte expirava. Tal
interpretação é possível, pois a tela é contemporânea à morte de
Picasso. Caracterizava-se, assim, não somente um marco para a
história da arte, mas sim um marco para a arte, para a instituição
artística. A ampulheta no canto inferior esquerdo mostra o final
de um tempo ou de um ciclo.
Dide teve algumas fases durante seu percurso artístico, dentre
elas as que mostram um pouco de sua trajetória e linguagem
artística, listadas abaixo:

·Paisagismo: no qual retratou a floresta da Tijuca no Rio de


Janeiro, cidade em que residiu por muitos anos até se mudar
para Brasília. Intitulou a obra de Recanto Feliz em que a
paisagem se transpõe e faz com que a tela tenha uma
impressionante perspectiva e a real expressão do recanto.

·Terceira Dimensão: A tela intitulada Copos de Leite foi


adquirida pelo então prefeito de Itajaí Paulo Bauer para sua
sala na Prefeitura Municipal e, mais tarde, doada à Fundação
Genésio Miranda Lins. O quadro causa a impressão de que os
Copos de Leite estão saindo da tela.

·Rosas: Tem características peculiares: uma delas é que todas


as rosas possuem uma gota de orvalho.

·Estudos em Branco: Todas em motivos com ovos. Exemplo é


a obra Natureza Morta premiada no Salão Nacional de Belas
Artes. Atualmente faz parte do acervo de arte do Museu
Histórico de Itajaí.

·Quadros em Metal: Madona do Sol em metal dourado e


vermelho, e Lua predominando a cor azul em fundo de metal
prateado.
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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

·Angélico: Os Sete Anjos pintados em sépia na arcada da Igreja


Imaculada Conceição em Itajaí. Esta obra tem uma
particularidade, o artista levou suas sete irmãs uma a uma
para ver a obra recém-concluída. Cada uma delas se
identificou com um anjo não com a aparência, mas sim na
personalidade. Outra característica importante da obra é que
quem vê a pintura, a imagina como uma escultura. Todavia, a
única forma em relevo é a mão de um dos anjos. O mais
curioso de todos os outros, o que se apoia no arco da igreja
com o olhar inclinado.

Arco da Igreja Imaculada Conceição - Itajaí / Natureza Morta /


Copos de Leite

Fonte: Acervo Angela Peyerl.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Logo após completar seus estudos na ENBA em 1963, Dide se


transfere do Rio de Janeiro para Brasília e inaugura sua Galeria
de arte, a Banga, nome este que se originou de uma casinha que
seu pai construiu no fundo do quintal de casa, quando ainda era
criança e foi ali que surgiram as primeiras criações. A galeria
Banga era o local de referência em arte na capital federal onde
Dide Brandão também fundou a Associação de Artistas Plásticos e
recebeu o título de Professor Emérito.

J. Brandão na Banga

Fonte: CDMHI.

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(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Dide tornou-se um artista consolidado e esteve dentro de um


circuito privilegiado das artes, pois participou dos salões de
grande importância, ganhando inúmeros prêmios, dentre eles
em 1952 uma Menção Honrosa no V Salão Municipal de Belas
Artes – RJ. Em 1953 é agraciado novamente com Menção
Honrosa, no VI Salão de Belas Artes Sociedade de Artistas
Nacionais. Também foi homenageado com o prêmio João Dault
de Oliveira em 1953 com a obra o Trabalho na Arte, sem contar
que, no ano de 1958, ganhou Medalha de Bronze no LX Salão
Nacional de Belas Artes - RJ com a obra NaturezaMorta que
também se encontra em Reserva Técnica no Museu Histórico de
Itajaí. Quando ainda aluno da Escola Nacional, ganhou o Prêmio
Tribuna da Imprensa no I Salão de Alunos, ENBA e o Prêmio
Escultura – I Salão de Alunos ENBA com a obra intitulada Três
Marias, ambos no ano de 1960.

Aquarela s/título)

Fonte: CDMHI.

ANGELA PEYERL 29
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Nestes salões, Dide expôs com grandes nomes da arte brasileira


como Djanira, Portinari, Manabu Mabe, Tomie Ohtake, entre
outros. Poder-se-ia aqui citar mais alguns nomes, porém
acredita-se que esse é o ponto forte de querer que ele seja
(re)conhecido, afinal em sua cidade, sua história foi apagada.
Poucos itajaienses conhecem quem foi Dide Brandão, mesmo
com a Casa de Cultura da cidade levando o nome dele. A escolha
foi por conta dele ter estudado fora, ter sido um artista de
renome fora da cidade.
Em 1974, depois de tanto trabalho Dide teve seu reconhecimento
com seu nome incluído no Dicionário Brasileiro de Artistas
Plásticos, uma edição do Instituto Nacional do Livro e do
Ministério da Educação e Cultura, organizado por Carlos
Cavalcanti um dos mais importantes críticos de arte da época.
Porém, em uma fatalidade na cidade de Itajaí, em uma tarde de
domingo do dia 1° de fevereiro de 1976, um acidente na BR-101,
nas proximidades de Itajubá, tirou a vida de Dide, deixando,
assim, os familiares, amigos e a cidade de luto pela perda de um
dos seus mais importantes artistas plásticos.

Segundo informações extraoficiais, o acidente foi


motivado por um dos veículos Dodge tentando
ultrapassar uma jamanta, colidindo de frente com a
Kombi, que se dirigia no sentido norte-sul. Faleceram, no
local, Josué Maia, Gilda Zanatta, que se encontrava no
Dodge de São Paulo e José Brandão, que também viajava
na Kombi. (A Nação, 1976, p. 01)

No ano de 1988 foi criado o Indicador Catarinense das Artes


Plásticas, que tinha como intenção reunir o maior número
possível de currículos de artistas que viveram ou nasceram em
Santa Catarina. Foram distribuídos mais de 1300 questionários
aos artistas que estavam cadastrados no MASC, mas somente 360
desses questionários retornaram e nessa primeira edição J.
Brandão não foi citado. Doze anos depois, em 2001, foi
editado novamente o Indicador e, nessa segunda edição, J.
Brandão tem seus dados incluídos com uma errata na sua data de
nascimento.

ANGELA PEYERL 30
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Análises científicas

As análises científicas são fruto de um trabalho minucioso de


conservação e restauro do acervo, a implicação da visão da
conservação estética para a comunicação, pesquisa museológica e
para a teoria da arte onde é importante lembrar que a
conservação preventiva é considerada a mais importante das
ações em favor da obra de arte. É essencial para que ela não
necessite de intervenções diretas restauradoras. Mesmo assim,
obras de arte envelhecem com o tempo. Por isso, se deve
persistentemente ter cuidados e propor ações de salvaguardá-la
para que não sofram com alterações ambientais, com
vandalismos e com o esquecimento.
Um dos primeiros teóricos da conservação do patrimônio
histórico, Viollet-le-Duc, é considerado um dos mais polêmicos.
Suas ideias tiveram repercussão em meados do século XIX, tanto
na França quanto no resto do mundo, mostrava-se favorável
quando questionado sobre as intervenções. Já o inglês John
Ruskin era o contrário defendia a corrente anti-intervencionista,
enquanto isso Camilo Boito, era uma mistura do pensamento de
Ruskin e Viollet-le-Duc, acreditava que a restauração só deveria
ser feita em último caso.
Desta forma, surgiu o interesse em pesquisar este assunto,
entendendo, conforme Zamboni que:
Pesquisar é desejar solucionar algo, mas pode-se, em
condições muito especiais, até encontrar algo que não se
estava buscando conscientemente, sem que essa solução
ocorra através da pesquisa. (Zamboni, 2006, p. 51)

Neste estudo utilizou-se a pintura do artista J. Brandão para


demonstração e aplicação dos processos de análises voltadas para
a conservação e informação da obra. A pesquisa foi dividida em
duas partes, uma referente à parte teórica onde se busca
informações para dar embasamento sobre a temática e a
trajetória artística, os salões, a ENBA e a biografia de Dide
Brandão. Na segunda parte, buscou-se utilizar ações práticas de
conservação das obras de arte, como a utilização do raio-x, UV
(luz Ultravioleta), IV (radiação infravermelha) e luz transversal,
além de imagens macros em detalhes da obra.
ANGELA PEYERL 31
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Deste modo, foram realizados registros fotográficos e anotações


dos trabalhos das análises e de todo o processo, bem como as
referências teóricas utilizadas para a realização do trabalho.
J. Brandão era um artista que utilizava os materiais que tinha em
mãos pintava geralmente em seu ateliê usando materiais em
diversos suportes como: juta, tela, papelão e metal. As telas eram
produzidas por ele mesmo e as molduras eram também armadas
por ele, para a conservação muitos dos materiais que ele utilizou
hoje sofrem com a ação do tempo.

Palhaço - a data oculta e a luz como prevenção

IDENTIFICAÇÃO
N° de Inventário: COMODATO
Instituição Responsável: Museu Histórico de Itajaí.
Técnica: Óleo/Acrílico sob Tela
Título: Palhaço
Artista: José Bonifácio Brandão
Período: 8-1967

Palhaço (frente)

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

ANGELA PEYERL 32
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Pintura de Cavalete de formato retangular vertical, tamanho


médio. Os materiais empregados nessa obra são mistos. A tela é
de linho, porém é possível notar na figura do Palhaço em relevo
que esta forma se dá por conta da tinta acrílica, os tons ao fundo
são feitos em tinta óleo. A obra apresenta a figura de um Palhaço
triste ao centro, a assinatura do artista fica no canto superior
esquerdo, no verso, apresenta a assinatura do artista e duas faixas
pretas abaixo das quais apresentam alguma informação que o
artista decidiu “apagar”.
A obra Palhaço é uma das obras mais expoentes de J. Brandão.
Nessa fase pós ENBA (Escola Nacional de Belas Artes), e é uma
obra que afirma a identidade modernista que Dide assumia.
Novamente as linhas e formas, fazem a ligação do artista em
relação à arte de Picasso. Os traços lembram figuras geométricas,
tanto compondo o rosto do palhaço como se evidencia nas
roupas.
J. Brandão (passaporte) / Palhaço (detalhe)

Fonte: CDMHI / Acervo de Angela Peyerl.

ANGELA PEYERL 33
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Ao fazer uma análise da obra é possível perceber uma


similaridade nos traços do Palhaço com o autorretrato. Aqui
Brandão utilizou a máscara do artista que promove a alegria o
palhaço, escondendo a dor da figura do homem na máscara do
palhaço, aquele que a todos encanta e faz o outro se sentir
maravilhado. Nesse momento, começa a externalizar a dor e a
tristeza. São as cores alegres de um triste palhaço.
Se comparar o retrato de J. Brandão com a obra Palhaço, é claro
como ele se retratou nesta obra. A testa e o olhar são os traços
mais marcantes, o signo da lágrima que escorre sobre a
maquiagem do rosto representa tudo o que ele passava naquele
momento. Outra marca bastante perceptível é, sem dúvida, a
influência da vanguarda cubista do início do século XX, mas que
no Brasil, como já foi explicitado, teve seu auge no final da
década de 50 e nos anos 60 data a qual a obra foi concebida.
Esta obra visivelmente não apresenta quase nenhum problema
que possa comprometer o estado de conservação, não apresenta
nenhum ataque de térmita, não apresenta fungos, apenas
apresentas algumas sujidades (poeira) e em determinado ponto
está iniciando um desprendimento, porém isso está em ponto
isolado. Fora isso, a olho nu está em bom estado de conservação,
porém aqui se chama a atenção para utilidade de alguns métodos
simples e baratos de análise que evitaram um dano maior e
podem ser aplicados em todos os museus que possuem obras de
arte em seu acervo.

Estudo de imagem

Informação Técnica
Tomadas realizadas: tomada final, composta de uma placa
Análises: Identificar pigmentos, materiais de metal e uma frase
que se encontra apagada no verso da obra
Nome do analista: Guilherme Valente de Souza
Equipamento: Sound-Eklin modelo Tour 1109 portátil.
Parâmetros de tomadas: Os parâmetros usados para a tomada
definitiva foram os seguintes

ANGELA PEYERL 34
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Raio x "Palhaço" - frente

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

Primeiramente o que se estava investigando era a possibilidade


de leitura de uma frase no verso da obra, a qual o artista apagou,
passando uma camada de tinta por cima, porém não foi possível
fazer esta leitura, pois a camada que o artista utilizou para pintar
é a chave deste resultado.
Não foi possível ser feita a leitura porque o preto é uma cor de
pigmento vegetal e não metálico, mas aqui a tinta branca que
aparece é possível do pigmento óxido de titânio ou zinco, a
penetração do raio X também depende das camadas diferentes
que existem na concepção da obra.

ANGELA PEYERL 35
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Raio x "O Palhaço" - lateral

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

Porém outras leituras foram possíveis ao observar o resultado


do raio X. Observaram-se os pregos, pois contém metal. Com o
raio X também é possível obter informações da área de história
de arte, da técnica de pintura ou sobre o estado de conservação.
Na obra Palhaço, o raio X penetrou na tela quase que
inteiramente. Com este contraste, foi possível observar alguns
danos que a obra vem sofrendo, neste caso, com craquelês onde
possivelmente ocorrerá um desprendimento, se, em breve, não
for realizada a consolidação.

Exame: Luz Rasante - Transmitida ou Reversa e Fotomacrografia


Data: 06/12/2012
Etapa de Tratamento: Inicial
Equipamento Câmera: Nikon D60.
Escala de Número: f/4.5
Distância Focal: 28mm
ISO: 200

ANGELA PEYERL 36
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Vel./diaf.: 1.30 s segundos / entre 9 – 11 de diafragma


Abertura máxima: 4.3

Luz rasante

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

Para realizar os exames organolépticos (luz rasante, reversa e


fotomacrografia) foram realizados em sala escura, apenas com a
incidência de uma lâmpada de foco direcional. O método de
aplicação da luz rasante foi desenvolvido com a obra deitada sob
uma a bancada, a lâmpada posicionada nas laterais da obra. O
exame de luz rasante consiste em incidir sobre a superfície da
tela uma fonte de luz visível que forme um ângulo entre 5º a 30º
em relação à obra.
Com este procedimento é possível fazer um registro topográfico
da face da obra, pois ele destaca seus empastes e deformações do
suporte. Para melhor aplicação do método é indispensável que a
projeção da luz sob a obra seja realizada nos quatros lados da tela,
nas laterais superior e inferior.

ANGELA PEYERL 37
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Fotomicrografia

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

A fotomicrografia é a fotografia ampliada de um detalhe da


obra, permite uma leitura muito mais precisa das pinceladas do
artista e das cores que ele empregou na tela. Com a micrografia e
a luz rasante foi possível observar na obra de Brandão, além da
sua pincelada, alguns detalhes como o desprendimento de
camada pictórica, fissuras e craquelês.
Luz transversa

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

ANGELA PEYERL 38
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

O exame de luz transversa dispersa sobre o verso da obra gera


uma fonte de luz. Essa técnica demonstra as áreas onde
apresentam perdas e abrasões na camada pictórica, algum tipo de
defeito no suporte ou desenhos como esboços. Para que esse
exame fosse realizado foi necessário o auxílio de mais uma
pessoa, pois a obra tinha que ficar na posição vertical com a luz,
incidindo sobre o verso, enquanto outra fotografava a parte da
frente da obra.
Esse exame tem como auxiliar diretamente o processo de
conservação preventiva de uma obra. É importante ressaltar que
durante os exames organolépticos foi possível detectar vários
problemas desde a camada pictórica até o suporte.
Uma das mais importantes descobertas durante esse processo
foi durante o exame que se fez no verso da obra, primeiramente
ele passou por todos os outros de luz UV, microfotografia,
rasante e por fim direcionamos na parte preta do verso abaixo e
acima da assinatura do artista, pois é aparente a presença de algo
que J. Brandão escreveu e optou em apagar posteriormente.
Com uma lanterna pequena foi possível descobrir apenas o que
estava na parte inferior da obra, uma data cuja escrita se remete a
8 - 1967. Foi feito o raio X desta obra, porém não foi possível
detectar o que tinha ali, pois a camada de tinta é muito
superficial, apenas realmente para apagar o que ali estava. Na
parte superior acredita- se que é o nome da obra e novamente
aparece algo ligado a uma série, pois aparece Nº 7.

08- 1967 / Nº 7

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

ANGELA PEYERL 39
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Essas informações acabam trazendo de uma forma indireta à


conservação, o status de aliada para a teoria da arte, pois
querendo ou não, cada descoberta modifica o jeito de olhar para
a trajetória de um artista, a cada descoberta ocorre uma
modificação dentro da teoria da arte por conta de algum detalhe
que antes passava despercebido.
Ao empregar o uso desses métodos no museu tanto pode salvar
a obra de um processo de degradação muito maior, como
também colaborar como um meio de informação histórica, os
custos são baixos dependem apenas de uma lâmpada normal
para os exames de luz rasante, fotomacrografia e transversal e
uma luz UV ou, como é encontrada nas lojas, como luz negra,
para que se faça essa prevenção.

Rosto de Cristo – Arrependimento

IDENTIFICAÇÃO
N° de Inventário: COMODATO
Instituição Responsável: Museu Histórico de Itajaí
Proprietário: Museu Histórico de Itajaí
Técnica: Óleo sobre Eucatex
Título: Jesus
Artista: José Bonifácio Brandão
Período: C.1970
Jesus

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

ANGELA PEYERL 40
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Estudo estético – histórico

Obra em tamanho pequeno com formato retangular, os


materiais empregados são óleo sobre Eucatex. A obra num
primeiro olhar dá a impressão de ser um “gafanhoto”, com o
decorrer da pesquisa, e vendo a ficha catalográfica dela no MHI
(Museu Histórico de Itajaí) trata se de um Rosto de Cristo.
Aqui se pode dizer que Brandão já tinha completamente
abortado a ideia de pintor acadêmico, e como ele mesmo dizia,
deixou de fazer cópias, os traços dessa obra são completamente
cubistas o que deixa bem claro que durante a trajetória dele foi
uma constante, no período que compreende o final da década de
1960 e início da década de 1970, pois durante este tempo, sua
maior produção apresentava tais traços, assim como acredita-se
que as influências que recebeu pós ENBA (Escola Nacional de
Belas Artes) foram cruciais para definir esta postura.
Das obras analisadas anteriormente, bem como esta do Rosto
de Cristo, todas têm uma particularidade, que são as cores as
quais o artista utiliza. Na obra A Arte Chora Picasso há uma
excedente quantidade de tons verdes e azulados, já na obra do
Palhaço há a utilização de muita cor laranja e verde o que se
repete nesta obra do Rosto de Cristo. É um ponto no qual ainda é
possível de se debruçar posteriormente, visto que os tons que ele
utiliza em suas obras podem ser estudados por meio de outras
análises de laboratório, o que facilita esse estudo é que a paleta de
cores que Brandão utilizava, se encontra em reserva técnica do
MHI.

Raio X e a conservação como informação histórica

Tomadas realizadas: tomada final, composta de uma placa


Análises: Identificar pintura arrependimento
Nome do analista: Guilherme Valente de Souza
Equipamento: Sound-Eklin modelo Tour 1109 portátil
Parâmetros de tomadas: Os parâmetros usados para a tomada
definitiva foram os seguintes

ANGELA PEYERL 41
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Equipamento de Raio x

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

O exame de raio X está ligado diretamente ao desempenho dos


materiais, quando são atravessados pela radiação X. Todos os
materiais que estão ocultos na pintura que absorvem a radiação X
e, consecutivamente, são revelados na chapa radiográfica. Em
alguns casos, as massas inadequadas provenientes de alguma
alteração na imagem, danos por ataques de xilófagos, remendos e
lacunas preenchidas e áreas de repinte com materiais
inapropriados também são revelados.
Quanto ao suporte, o exame apresenta os pregos de reforço, o
tipo de junta para unir a madeira utilizada para fazer o chassi ou,
até mesmo, ser suporte da obra, o que dependendo da dimensão
os suportes de madeira são feitos de uma ou mais pranchas e
unidos por juntas, cujo formato varia de acordo com a região de
montagem do suporte.
A opção de utilizar o raio X como um meio para comprovar
que a conservação pode ser um agente de comunicação e que é
capaz de alterar a trajetória artística, apresentando informações
históricas, os vestígios surgiram durante o processo de pesquisa
no qual ao fazer o levantamento fotográfico de todo o acervo de
J. Brandão que existe no Museu Histórico de Itajaí para um
diagnóstico geral da coleção, no decorrer das fotografias ao

ANGELA PEYERL 42
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

chegar nesta obra um detalhe foi possível observar pela própria


tinta e por conta das lacunas que existe alguns traços abaixo da
camada pictórica.
Jesus - vestígio

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

A obra foi colocada sob uma placa, primeiramente foi


realizado o raio X do verso da obra, mas não foi identificado
nada. Logo após, a obra foi invertida e na parte da frente do raio
X sob a camada pictórica foi possível realmente constatar que
existiam alguns traços abaixo da camada pictórica.

ANGELA PEYERL 43
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Exame - aparelho

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

Os traços aparentes são um arrependimento que ocorre


quando o artista faz uma alteração em sua obra, na maioria dos
casos, não gostou do resultado anterior e preferiu mudar a
linguagem. Normalmente, a mudança é feita com um propósito
estabelecido pelo próprio artista que sabe qual a intenção que
deseja expressar. No caso da obra de Brandão o arrependimento
foi identificado, pois no CDMHI (Centro de Documentação e
Memória Histórica de Itajaí) no Fundo Brandão. Há uma pasta
que contém todos os desenhos e esboços que Dide fez, dentre
eles o desenho desse Rosto de Cristo ao qual na hora da
execução, ele muda de ideia e transforma a forma final da obra.

ANGELA PEYERL 44
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Exame - arrependimento

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

Desenho de J. Brandão / Raio x - parte inferior

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

ANGELA PEYERL 45
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Os traços que estão no desenho abaixo se unem e formam uma


outra figura, traços cubistas diferentes dos que Dide idealizou no
papel. Isso só reforça ainda mais que além de ser um artista que
estava numa constante construção, que tinha uma inconstância e
que estava disposto a transformar e mudar sua obra sem medo.
A conservação estética aqui foi um meio para se chegar às
informações, novamente trazendo a relação que se faz com uma
obra dentro do museu como um emissor de comunicação através
do objeto museológico, o olhar para a obra com a intenção de
investigação e não somente como mais uma dentro do seu acervo
faz toda a diferença.
A partir do momento em que a obra começou a ser revelada,
não só outra figura foi descoberta ao fundo, como o raio X
também revelou outros aspectos da obra, como os pregos
utilizados para unir as madeiras, uma raspagem que está próxima
ao olho direito, a moldura em que a obra se encontra também
teve a pincelada do artista e que, posteriormente, ele utilizou
outra tinta para cobrir aquela, mostrou a ausência de camada
pictórica e, também, outros danos que a obra apresenta em sua
parte inferior.
Contorno arrependimento

Fonte: Acervo de Angela Peyerl.

ANGELA PEYERL 46
(RE)CONHECENDO DIDE BRANDÃO ATRAVÉS DO ARQUIVO

Ao final da pesquisa, pode-se dizer que os objetivos traçados


puderam ser cumpridos, a preservação da estética dos quadros
como fonte de informação histórica e a união de arte, ciência e
museologia foram possíveis e aplicadas por meio das análises
informativas que aqui foram realizadas.
A aplicação da conservação estética nas obras de J. Brandão
pode ser utilizada não somente como um fim em si mesma, mas
também como um meio, uma forma de comunicar, sendo um
suporte para a informação histórica que revela um artista que
está ligado diretamente com o cotidiano dele, com a vida que ele
levara, os seus ídolos, seus sonhos e, dentro de sua trajetória
artística, ele arriscava e mudava toda sua obra durante o seu
processo de criação. A conservação se torna imprescindível não
só para manter a vida útil de uma obra, mas sim para a
comunicação, estabelecendo uma ponte entre sujeito versus obra
de arte onde os elementos que compõem a obra têm sua história
e memória.

O processo de trabalho, principalmente em arte, não é


algo linear, é um processo de idas e vindas, de intuição e
de racionalidade que se interpõem no caminho da
reconstrução representativa de uma realidade. (Zamboni,
2006, p. 67)

Pesquisar é tentar solucionar algum questionamento, é possível


encontrar algo que não se está sequer procurando, e quando se
trata de pesquisa ligada à arte inevitavelmente se encontra algo
que não estava nos planos. A escolha do método exploratório se
dá pois a conservação estética ainda não é algo que está
construído, e sim em construção, não há ainda um conceito
formulado, ainda é pouco explorada.
Reconhecendo a história de J. Brandão, foi possível buscar
fragmentos que comprovaram a influência de sua vida em suas
obras. A obra Palhaço apresenta a visão de um artista até então
reprimido, A Arte Chora Picasso, a admiração que o mesmo tinha
pelo artista espanhol, o quanto os seus professores influenciaram
sua trajetória, como cada um deles pode contribuir para a sua
formação.
ANGELA PEYERL 47
DIDE BRANDÃO: DO ARQUIVO À ARTE-EDUCAÇÃO

DA OBRA À Arte-educação

PARTE II
A OBRA COMO EXPRESSÃO DA VIDA

JOSÉ ISAÍAS VENERA

A sublimação eleva “o objeto


à dignidade da Coisa”
Lacan, 2008.

A arte poderia ser um significante de uma vida? Para isso, a


interpretação de uma obra dependeria das relações estabelecidas
(ela não significa por si só), integrando uma cadeia significante a
partir da qual sentidos emergem. Em parte, Angela Peyerl
constrói a trama em que o itajaiense José Bonifácio Brandão se
faz enquanto Dide Brandão, seu nome artístico, entrelaçando
suas criações com as influências artísticas, sua presença nos
circuitos culturais, sua formação no Rio de Janeiro e sem perder
os laços familiares, acentuando a importância do avô Manoel e
do pai Joca.
Seu avô, Manoel Marques Brandão, iniciou o teatro em Itajaí,
em 1897, ao fazer a sala de sua casa palco de espetáculos.
Ambiente artístico que possibilitou a transmissão de uma
experiência para os familiares que se integrariam, como o neto,
José, que nasceu em 1924. Podemos chamar de acontecimento
este ambiente artístico criado por seu avô, em uma cidade e um
tempo histórico marcados mais pelo provincianismo do que o
cosmopolitismo.
Esta transmissão que integra o ambiente familiar nos dá pistas
também da sintomia com as mudanças culturais vivenciadas em
âmbito internacional, sobretudo com as vanguardas artísticas.
Essa hipótese de um ambiente cosmopolita (além da evidência
artística) é importante para reforçar a conclusão de Angela
Peyerl, no seu estudo científico sobre a obra Palhaço (1967), de
Dide Brandão: “foi possível buscar fragmentos que comprovam a
influência de sua vida em suas obras. A obra Palhaço apresenta a
visão de um artista até então reprimido”.
A afirmação se cruza com o lugar da arte no século XX, de
transformação, de estranhamento, de mudanças subjetiva, de
amarrar de vez o artista na arte. Evidentemente, as pistas dessa
afirmação estão claras, sustentadas por episódios da vida do
artista entrelaçadas com Picasso – lembremos da homenagem

JOSÉ ISAÍAS VENERA 49


A OBRA COMO EXPRESSÃO DA VIDA

feita – assim como a relação que Angela faz da obra contendo


traços de seu autorretrato. De um lado, o estilo lembra Picasso,
de outro, a forma tem similaridade com a imagem do artista,
Dide Brandão.
Esse entrelaçamento com Picasso, assim como a autocitação na
pintura, ecoa uma expressão maior, da arte em transformação,
sobretudo, como já citado, com as vanguardas do início do século
XX, cuja representação mimética cede lugar ao acaso, ao
imprevisto etc. A arte como espelho da natureza cede lugar à
expressão subjetiva ou a afirmação da bidimensionalidade da
pintura até romper por completo com o suporte.
Essa mudança no campo da arte não está desconectada com um
plano maior, como observou a psicanalista Tania Rivera (2005,
p.7), “nós pertencemos à revolução cézanniana e freudiana, como
lembra o filósofo francês Jean-François Lyotard”.
Cézanne talvez tenha sido para a arte o que Freud foi para os
estudos da psique. Enquanto o primeiro abre caminho para a
desfiguração da forma, o segundo evidencia que o ego não é
senhor em sua própria morada, o mesmo que colocar o
inconsciente como mobilizador do sujeito e não a consciência.
Na leitura de Merleau-Ponty (1980, p. 128):
Cézanne não acreditou ter que escolher entre a sensação
e o pensamento, como entre o caos e a ordem. Ele não
quer separar as coisas fixas que aparecem ao nosso olhar
e sua maneira fugaz de aparecer, quer pintar a matéria
em vias de se formar, a ordem nascendo por uma
organização espontânea.

Não é de estranhar o mesmo contexto em que Freud inicia seus


estudos e escritos, final do século XIX, destituindo a razão do
centro da constituição do sujeito. Por isso, sua afirmação de que
"o ego não é o senhor da sua própria casa" (Freud, 1996, p. 178),
acaba por golpear o narcisismo do homem moderno que se
colocava no centro de suas decisões.
O Cubismo se desenvolveu, em certa medida, sob a influência
também de Cézanne. A referência de Dide Brandão a Picasso não
vem sem um preço a pagar, de se posicionar nesse plano de
transformação na qual a criação talvez diga mais sobre quem a
JOSÉ ISAÍAS VENERA 50
A OBRA COMO EXPRESSÃO DA VIDA

criou do que aquilo ao que a arte faz referência. No caso da obra


Palhaço, essa relação está explícita, como buscou evidenciar
Angela.

A arte como estranhamento

A arte como estranhamento tem origem no crítico literário,


Viktor Chklovski (1973), ao publicar, em 1917, o ensaio “A arte
como procedimento”. O formalista russo desenvolve o
estranhamento (singularização) entre espectador e a obra que
aparece como mola propulsora para a experiência. Chklovski
cunhou o neologismo ostranenie (estranhamento), de difícil
tradução, para dar conta desse acontecimento. No ensaio, a
definição:
O objetivo da arte é dar uma sensação do objeto como
visão e não como reconhecimento; o processo da arte é o
processo de singularização [ostranenie] dos objetos e o
processo que consiste em obscurecer a forma, aumentar a
dificuldade e a duração da percepção. O ato de percepção
em arte é um fim em si mesmo e deve ser prolongado; a
arte é um meio de experimentar o devir do objeto, o que
é já “passado” não importa para a arte (Chklovski, 1976,
p. 45).

O estranhamento vem como efeito de romper com a


representação daquilo que já foi feito. Por isso, a percepção da
arte é um meio sem fim que nos faz estranhar o mundo. Para
Chklovski (1976), a busca pelo não familiar no processo de criação
libertaria o espectador do automatismo perceptivo. A libertação
do espectador dependeria dessa experiência com a arte que
obscurece a forma para, assim, “aumentar a dificuldade e a
duração da percepção” (Chklovski, 1976, p. 45). É no não familiar,
ou seja, no estranhamento, que o espectador se liberta do
automatismo perceptivo.
Em Freud, o estranho também adquire o paradoxo de um
estranho familiar. O que Chklovski (1976) apresenta como o ato
da percepção de se prolongar na obscuridade (estranhamento) da
forma, para o psicanalista é o retorno de um estranho familiar.

JOSÉ ISAÍAS VENERA 51


A OBRA COMO EXPRESSÃO DA VIDA

Na própria definição de estranho de Freud, trata-se de “algo


recalcado que retorna” (Freud, 1969, p. 300).
Para Garcia-Roza (2003, p. 24), “só há Unheimlich se houver
repetição. O estranho é algo que retorna, algo que se repete, mas
que, ao mesmo tempo, se apresenta como diferente”. Essa é uma
via, por exemplo, para entender as manifestações de raiva contra
pessoas que fazem, para o observador, usos diferentes da
sexualidade. A raiva viria em ver no outro esse estranho familiar.
Opondo-se à noção de reprodução, repetição tem o sentido de
diferença, de novo, por isso um estranho familiar que sempre
retorna e ao mesmo tempo não pode ser representado.
Enquanto para Chklovski (1976) o estranho estaria relacionado
com a obscuridade da forma, em Freud (1969) ele aparece como
categoria de assustador, que, desde sempre, retorna mantendo-se
obscuro: “O estranho é aquela categoria do assustador que
remete ao que é conhecido, de velho, e há muito familiar”
(FREUD, 1969, p. 297). Isso que se mantém obscuro, por esse
motivo sempre novo, só pode se repetir como diferente, já que o
estranho permanece em sua estranheza – para usar uma
formulação lacaniana –, porque não se deixa simbolizar. Isso
podemos chamar de repetição diferencial.

Dialética do olhar

No Seminário 11, o psicanalista francês Jacques Lacan (1997) fala


da dialética do olho e do olhar, em que não há coincidência de
um com o outro. Para ilustrar, “no amor [...] o que há de
fundamentalmente insatisfatório e sempre falhado, é que -
Jamais me olhas lá de onde te vejo” (Lacan, 1997, p. 100).
Inversamente também é válido: “O que eu olho não é jamais o
que quero ver” (Lacan, 1997, p. 100). Entre um e outro, há o
irrepresentável, ou há o punctum, o ponto singular que nos
punge e não pode ser compartilhado, isto para fazer uma
referência a obra A câmara clara, de Barthes (1984).
Palhaço de Dide Brandão não é a reprodução à sua maneira das
várias versões de palhaços nas obras de Picasso, mas a sublimação
da coisa (das ding) irrepresentável. Ao invés de recalcar (reprimir)
JOSÉ ISAÍAS VENERA 52
A OBRA COMO EXPRESSÃO DA VIDA

a pulsão (energia), e transformá-la em sintoma, a sublimação é


um destino pela via da criação. A sublimação não é condição de
um artista, mas a forma como o sujeito se relaciona com o que
ele faz. A sublimação são processos (pela via da arte, da educação,
da pesquisa) de retirada da libido do sintoma, da inibição e da
angústia.
Quando Angela afirma que a obra Palhaço “apresenta a visão de
um artista até então reprimido”, poderíamos interpretar que a
obra é a sublimação de uma pulsão que poderia ser recalcada,
mas que pela via da arte foi sublimada. Nessa passagem, a
sublimação, como lerá Lacan (2008), eleva o objeto à dignidade
de coisa (dar ding), a uma satisfação sem representação.

REFERÊNCIAS

BARTHES, R. A câmara clara: notas sobre a fotografia. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

CHKLOVSKI, V. A arte como procedimento. In: Teoria da


literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1976.

FREUD, S. “O estranho”. In: FREUD, S. História de uma neurose


infantil. Rio de Janeiro: Imago, 1969. v. 17.

FREUD, S. Uma dificuldade no caminho da psicanálise [1917].


In: Obras Completas de Sigmund Freud, Vol. XVII. Rio de
Janeiro: Imago Ed., 1996.

LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos


fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

MERLEAU-PONTY. A Dúvida de Cézanne. São Paulo: Editora


Abril Cultural, 1980.

RIVERA, Tania. Arte e psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2005.
JOSÉ ISAÍAS VENERA 53
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

SILVANA MARIA ROCHA

Os conceitos de estética e de reação estética diferem de autor


para autor, entretanto, considera-se que existem pontos
convergentes que poderão alicerçar o entendimento deste
trabalho.
Na fala de Costa (1999, p. 29), “[...] a estética como ciência de
pensar a respeito daquilo que identifica a beleza tornou possível
o desenvolvimento do conceito de arte, nome dado aquilo que o
homem produz com o principal objetivo de despertar nos outros
a emoção estética”.
Observa-se que a estética aparece como uma invenção humana,
a partir dos elementos que a compõem. Não é da natureza animal
e sim, fruto da compreensão do espaço no qual está inserido.

Do conceito de cultura são excluídos os aspectos do ser


humano que são inatos ou determinados pela genética.
Em outro termo, natureza e cultura representam campos
distintos que se contrapõem, sendo este último o
definidor da especificidade do humano (Pino, 2005 p.
71).

Sendo variável no tempo e permeável ao ambiente, vem


alterando sua concepção desde a Grécia Antiga, onde o estético
clássico e o belo eram percebidos como formas simétricas,
harmoniosas, que demonstravam equilíbrio e proporcionalidade.
Na Idade Antiga houve a inserção de valores morais e
percepções pessoais, como horror e medo; unindo-se à filosofia,
pôde-se perceber distinções de beleza. Na Idade Média
reforçaram-se os valores morais, adjetivando-se o belo como
pecaminoso para o bem útil, o bem deleitável que pode levar à
luxúria; a bondade se funde ao belo, modificando a reação
estética. No Renascimento, com o teocentrismo, o pecado cede
espaço para a arte, ampliando-se como um estudo do belo ou
teoria da arte. Já no século XX, fundem-se os conceitos de
estética e inteligibilidade, permitindo que as reações estéticas
sejam percebidas como fruto do cognitivo: a invenção humana
da estética recobre-se de sentimento.

54
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Significados ou efeitos de sentido tornam-se características do


belo contemporâneo, distanciando-se em muito do clássico, pois
aqui deixa de ser senso comum e a percepção individual pode
tornar o que antes era feio em belo. Contesta e imprime seu
movimento em sentido a transgredir a própria estética para
dessacralizar o artista e a própria arte. Esta antiarte seria uma
reação estética ao feio e ao belo (Oliveira, 2005).
Portanto, percebe-se que as reações estéticas, em indivíduos
diferentes num mesmo tempo e espaço, são disparadas e
percebidas de formas diferenciadas pela interferência do
cognitivo, do inteligível, da história de vida e referenciais que são
solicitados no momento da associação às significações de cada
pessoa ao mesmo objeto ou imagem. Um mesmo indivíduo pode
ter processos de observação e reações estéticas diferenciadas,
tanto no tempo quanto no espaço, dependendo da associação que
dá o significado àquele objeto naquele momento. Demonstra-se
que o estético para um indivíduo, como uma parcela é cognitiva,
está em constante mutação, e o que é belo, atualmente ou no
passado, pode não ser mais no futuro, sendo igualmente válido
para o inverso.

Objeto de arte e imagem

A categoria objeto refere-se a toda coisa. É aquilo que é exterior


a pessoa e é capaz de ser interiorizada a partir das sensações,
observações e experimentações. Para melhor entendimento,
Durkheim (2007, p. 21) define coisa:

Como todo objeto do conhecimento que a inteligência


não penetra de maneira natural, tudo aquilo de que não
podemos formular uma noção adequada por simples
processo de análise mental, tudo o que o espírito não
pode chegar a compreender senão sob condição de sair
de si mesmo, por meio da observação e da
experimentação, passando progressivamente dos
caracteres mais exteriores e mais imediatamente
acessíveis para os menos visíveis e profundos.

SILVANA MARIA ROCHA 55


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Esta natureza torna-se importante na medida em que o mesmo


objeto pode ser apreciado ou não, colocado (ou não) em uma
posição de arte ou objeto de arte. A discussão acerca do objeto de
arte é uma ampliação das possibilidades interpretativas do
objeto, a partir da imagem projetada ou adquirida.
Conforme Pino (2006) a imagem é algum tipo de reprodução
das coisas (objetos, eventos, figuras, pessoas etc.), que permite ao
sujeito torná-las presentes e evocá-las quando estão ausentes.
Figura-se a representação do objeto a partir da significação e
como ela é internalizada pelo sujeito. Os objetos são fontes de
sinais físicos ou químicos, observados pela sua imagem, posto
que nunca lidamos com o objeto puro. Sendo assim, as
significações podem ser alteradas mesmo quando os sinais ou
objetos tornam-se imutáveis. Os sinais podem ser emanados
tanto do mundo natural quanto cultural, quando percebemos a
criação humana a partir das relações entre ele e o objeto,
permitindo ao interpretador recompor sua imagem por sua
própria significação no mundo cultural, encontrando a arte e a
obra de arte.

Ensino e aprendizagem de artes

O ensino e a aprendizagem da arte fazem parte, de acordo com


normas e valores estabelecidos em cada ambiente cultural, do
conhecimento que envolve a produção artística em todos os
tempos. No entanto, a área que trata da educação escolar em
artes tem um percurso relativamente recente, que coincide com
as transformações educacionais características do século XX em
várias partes do mundo.
A mudança radical que deslocou o foco de atenção da educação
tradicional (centrado apenas na transmissão de conteúdos), para
o processo de aprendizagem do aluno, também correu no âmbito
do ensino de Arte. As pesquisas desenvolvidas a partir do início
do século XX em vários campos das ciências humanas, trouxeram
dados importantes sobre o desenvolvimento da criança, o
processo criador, a arte de outras culturas, das tendências
SILVANA MARIA ROCHA 56
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

estéticas da modernidade, surgindo autores que formularam os


princípios inovadores para o ensino de artes plásticas, música,
teatro e dança. Esses princípios influenciaram o que se chamou
“Movimento da Educação através da Arte”, fundamentado
principalmente nas ideias do filósofo inglês Herbert Read, teve
como manifestação mais conhecida a tendência da livre
expressão que, ao mesmo tempo, foi largamente influenciada
pelo trabalho inovador de Viktor Lowenfeld, divulgado no final
da década de 1940. Lowenfeld, entre outros, acreditava que a
potencialidade criadora se desenvolveria naturalmente em
estágios sucessivos, desde que se oferecessem condições. Tais
princípios reconheciam a arte da criança como manifestação
espontânea e auto-expressiva: valorizavam a livre expressão e a
sensibilização para a experimentação artística, como orientações
que visavam o desenvolvimento do potencial criador, ou seja,
eram propostas centradas na questão do desenvolvimento do
aluno.
É importante salientar que tais orientações trouxeram uma
contribuição inegável no sentido da valorização da produção
criadora da criança, o que não ocorria na escola tradicional. Mas
o princípio revolucionário que advogava a todos,
independentemente de talentos especiais, era a necessidade e a
capacidade da expressão artística que foi, aos poucos, sendo
enquadrado em palavras de ordem, como por exemplo, o que
importa é o processo criador da criança e não o produto que
realiza e aprender a fazer, fazendo. Estes e muitos outros lemas
foram aplicados mecanicamente nas escolas, gerando
deformações e simplificações na ideia original, o que redundou
na banalização do deixar fazer, ou seja, deixar a criança fazer
arte, sem nenhum tipo de intervenção.
Ao professor destinava-se um papel cada vez mais passivo. A
ele não cabia ensinar nada e a arte adulta deveria ser mantida
fora dos muros da escola, pelo perigo da influência que poderia
transgredir a espontânea expressão infantil. O objetivo
fundamental era o de facilitar o desenvolvimento criador da
criança, no entanto, o que se desencadeou como resultado da
SILVANA MARIA ROCHA 57
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

aplicação indiscriminada de ideias vagas e imprecisas sobre a


função da educação artística foi uma descaracterização
progressiva da área. Tal estrutura conceitual foi perdendo o
sentido, principalmente para os alunos. Na entrada da década de
1960, arte educadores, principalmente americanos, lançaram as
bases para uma nova mudança de foco dentro do ensino de Arte,
questionando basicamente a ideia do desenvolvimento
espontâneo da expressão artística da criança e procurando definir
a contribuição específica da arte para a educação do ser humano.
A reflexão que inaugurou uma nova tendência, cujo objetivo era
precisar o fenômeno artístico como conteúdo curricular,
articulou-se num duplo movimento: de um lado, a revisão crítica
da livre expressão; de outro, a investigação da natureza da arte
como forma de conhecimento. O pensamento produzido por
esses autores estava estreitamente vinculado às tendências do
conhecimento da época, manifestadas principalmente na
linguística estrutural, na estética, na pedagogia, na psicologia
cognitivista, na própria produção artística, entre outras. Assim, a
crítica à livre expressão questionava a aprendizagem artística
como consequência automática do processo de maturação da
criança.
No início da década de 1970, E. B. Feldmann e Elliot Eisner,
ancorados em John Dewey e na escola pragmática, afirmavam
que o desenvolvimento artístico é resultado de formas complexas
de aprendizagem e, portanto, não ocorre automaticamente à
medida que a criança cresce, sendo tarefa do professor propiciar
essa aprendizagem por meio da instrução. Segundo esses autores,
as habilidades artísticas se desenvolvem por meio de questões
que se apresentam à criança no decorrer de suas experiências ao
buscar meios para transformar ideias, sentimentos e imagens
num objeto material.
Mas como afirmou Dewey, e é uma lição que vale a pena
reaprendermos, a solução para a excessiva rigidez não é
o laissez-faire, e também não é a solução adotar o meio-
termo. O que se deve fazer é elaborar um programa de
prática educacional baseada em uma concepção adequada
da experiência. Para a experiência ter valor e significado

SILVANA MARIA ROCHA 58


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

educacional, o indivíduo deve experimentar


desenvolvendo a habilidade de lidar inteligentemente
com o problema que ele encontrara no mundo. Para os
arte educadores, são as artes, e as artes visuais em
particular, que fornecerão isto. Programas de ensino de
arte que são significativos para a criança capacitam-na a
pensar mais inteligentemente sobre a arte e suas diversas
manifestações no mundo. (Eisner, 1997, p. 82)

Tal experiência pode ser orientada pelo professor, consistindo


em sua contribuição para a educação da criança no campo da
arte.
A partir desse novo foco de atenção, desenvolveram-se muitas
pesquisas, dentre as quais se ressaltaram as que investigam o
modo de aprender dos artistas. Tais trabalhos trouxeram dados
importantes para as propostas pedagógicas, que consideram
tanto os conteúdos a serem ensinados, quanto os processos de
aprendizagem dos alunos. As escolas brasileiras têm manifestado
a influência das tendências ocorridas ao longo da história do
ensino de Arte em outras partes do mundo.
A educação estética das crianças pode ser obtida através
do estudo da música, dança, teatro, arte, literatura ou
combinação destes. Mas não é essencial que uma criança
seja um artista lapidado em cada uma destas artes a fim
de lidar com o sucesso no seu ambiente. Na verdade, ela
não precisa ser um artista lapidado em nenhuma delas
uma vez que a linguagem distinta de pelo menos uma das
artes esteja disponível para ela como instrumento de
entendimento e prazer. O que importa não é o modo
como a criança obtém seus insights, mas sim o fato que
ela os obtém. Os professores talvez precisem ter uma
especialidade, mas as crianças não. (Feldmann, 1997,
p.47)

O ensino de arte é identificado pela visão humanista e filosófica


que demarcou as tendências tradicionalistas e escola novistas.
Embora ambas se contraponham em proposições - métodos e
entendimento dos papéis do professor e do aluno - ficam
evidentes as influências que exerceram nas ações escolares de
Arte. Essas tendências vigoraram desde o início do século XX e
ainda hoje participam das escolhas pedagógicas e estéticas de

SILVANA MARIA ROCHA 59


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

professores de Arte (Brasil, 1997).


A disciplina Desenho, apresentada sob a forma de Desenho
Geométrico, Desenho do Natural e Desenho Pedagógico, era
considerada mais por seu aspecto funcional do que uma
experiência em arte, ou seja, todas as orientações e
conhecimentos visavam uma aplicação imediata e a qualificação
para o trabalho.
De acordo com Edwards (1984, p 86), “[...] por volta dos dez ou
doze anos de idade a paixão da criança pelo realismo está no seu
ápice. Quando os desenhos não saem certos – ou seja, quando
não parecem realistas – as crianças geralmente desanimam e
pedem ajuda ao professor”. Nesta fase, observa-se a diminuição
da subjetividade não havendo a visão raio X ou transparências;
casas que deixam a mostra camas, armários, fogão e pessoas,
estão agora mais realistas e proporcionais.
Nesses parâmetros, Antônio e Guimarães (2005) relacionam o
estágio das operações concretas com o realismo visual, Di Leo
(1985), com base nos pressupostos de Piaget (1964; 2003),
estabelecendo critérios para a compreensão do processo de
desenvolvimento do desenho na criança apoiado nos estágios de
desenvolvimento cognitivo infantil. No Estágio das Operações
Concretas (dos 07 a 12 anos) há a diminuição da subjetividade e a
criança passa a desenhar a realidade visível. As figuras humanas
tornam-se mais proporcionais, sem transparências e as cores são
mais convencionais em virtude do realismo visual.
Esta preocupação com o realismo é uma tentativa de como ver
as coisas de um modo diferente, de acertar a maneira de ver as
coisas, os objetos e a realidade, quase uma busca filosófica da
verdade. Para Edwards (1984, p.90), as crianças de 10 anos “estão
dispostos a dedicar-se com grande energia e esforço à tarefa,
contando que os resultados sejam animadores. Poucas crianças
têm a sorte de descobrir acidentalmente o segredo: como ver as
coisas de um modo diferente”.

SILVANA MARIA ROCHA 60


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Ensino de artes no Brasil

O ensino das artes tem sua origem, no período colonial, desde o


descobrimento do nosso país, foi marcada pelo fato de que
Portugal não tinha nenhum interesse que o Brasil se
desenvolvesse ou que tivesse identidade própria e preservada. A
cultura dos índios foi execrada, instalando-se aqui uma versão
mais pobre da cultura europeia, situação muito caricata do filme
Carlota Joaquina, a Princesa do Brazil, de Carla Camurati (1995).
Consequentemente, nossa cultura originou-se de um transplante
da cultura europeia, gerando uma cultura distante da identidade
que pouco tinha a ver com as heranças culturais deste país.
Em 1808, com a transferência da corte para o Brasil, fez-se
necessária uma ampliação cultural. Assim D. João VI, príncipe
regente, ordenou a vinda da Missão Francesa para iniciar
oficialmente o ensino das artes, fundando-se a Academia de Belas
Artes que trouxe os princípios neoclássicos. “Aqui chegando, a
Missão Francesa já encontrou uma arte distinta e originaria dos
modelos portugueses e obras de artistas humildes. Enfim, uma
arte de traços originais que podemos designar como barroco
brasileiro”. (Barbosa, 2002, p.19).
A elite brasileira, aderindo ao moderno, rejeita o barroco como
manifestação secundária da cultura, provocando um
distanciamento das classes menos favorecidas às artes e
reforçando o preconceito de que a arte é um acessório da cultura
elitista. Esta distância entre arte popular e erudita, perdura no
ensino das artes que nas escolas oficiais aprendia-se desenho
técnico e industrial, e as chamadas belas artes eram ensinadas
para as classes mais nobres.
Com a Proclamação da República em 1889, o positivismo de
Augusto Conte influenciou os métodos de ensino como afirma
Duarte Jr. (1988, p. 123): “[...] a arte era vista somente como uma
preparação do intelecto para atividades mais elevadas, assim a
arte tinha importância para a contribuição ao estudo da ciência”.
A palavra liberal vem do latim Liber - livre. O liberalismo
estabeleceu a ideia do ensino da arte para o desenvolvimento
industrial.
SILVANA MARIA ROCHA 61
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Tais pensamentos combinavam com a ideia de que a liberdade


comercial iria ser benéfica a todos e, percebendo indícios do
capitalismo, o ensino das artes destinava-se auxiliar na invenção
e produção industrial, “entretanto, a partir de 1901, passaram a
exigir uma gramática comum, o desenho geométrico, que era
proposto nas escolas primárias e secundárias como um meio não
um fim em si mesmo” (Duarte Jr., 1988, p. 123).
Entre os anos de 1920 e 1970, as escolas brasileiras viveram
outras experiências no âmbito do ensino e aprendizagem de arte,
fortemente sustentadas pela estética modernista e com base na
tendência escola novista. O ensino de Arte voltava-se para o
desenvolvimento natural da criança, centrado no respeito às suas
necessidades e aspirações, valorizando suas formas de expressão
e de compreensão do mundo. As práticas pedagógicas, que eram
diretivas, com ênfase na repetição de modelos e no professor, são
redimensionadas, deslocando-se a ênfase para os processos de
desenvolvimento do aluno e sua criação.
As aulas de desenho e artes plásticas assumiram concepções de
caráter mais expressivo, buscando a espontaneidade e
valorizando o crescimento ativo e progressivo do aluno. As
atividades de artes plásticas mostravam-se como espaço de
invenção, autonomia e descobertas, baseando-se principalmente
na autoexpressão dos alunos. Os professores da época estudavam
as novas teorias sobre o ensino de Arte divulgada no Brasil e no
exterior, as quais favoreciam o rompimento com a rigidez
estética, marcadamente reprodutivista da escola tradicional sob
outro enfoque, quando a música pode ser sentida, tocada,
dançada, além de cantada.
No período que vai da década de 1920 aos dias de hoje, faixa de
tempo concomitante àquela em que se assistiu a várias tentativas
de se trabalhar a arte também fora das escolas, vive-se o
crescimento de movimentos culturais, anunciando a
modernidade e a vanguarda. Destaca-se na caracterização de um
pensamento modernista a “Semana de Arte Moderna de São
Paulo”, em 1922, na qual estiveram envolvidos artistas de várias
modalidades: artes plásticas, música, poesia, dança etc.
SILVANA MARIA ROCHA 62
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Esses momentos de aproximação, que já se anunciaram quando


algumas ideias e a estética modernista influenciaram o ensino de
Arte, são importantes, pois sugerem um caminho integrado à
realidade artística brasileira, considerada mundialmente original
e rica.
Em 1971, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a
arte é incluída no currículo escolar com o título de Educação
Artística, mas é considerada “atividade educativa” e não
disciplina. A introdução da Educação Artística no currículo
escolar foi um avanço, principalmente se considerar que houve
um entendimento em relação à arte na formação dos indivíduos,
seguindo os ditames de um pensamento renovador. No entanto,
o resultado dessa proposição foi contraditório e paradoxal.
Muitos professores não estavam habilitados e, menos ainda,
preparados para o domínio de várias linguagens que deveriam
ser incluídas no conjunto das atividades artísticas (artes plásticas,
educação musical, artes cênicas). Para agravar a situação, durante
os anos 1970-1980, tratou-se dessa formação de maneira
indefinida: “[…] não é uma matéria, mas uma área bastante
generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das
tendências e dos interesses” (Brasil, 1997, p. 24). A Educação
Artística demonstrava, em sua concepção e desenrolar, que o
sistema educacional vigente estava enfrentando dificuldades de
base na relação entre teoria e prática.
Os professores de Educação Artística, capacitados inicialmente
em cursos de curta duração, tinham como única alternativa
seguir documentos oficiais (guias curriculares) e livros didáticos
em geral, que não explicitavam fundamentos, orientações
teórico-metodológicas ou mesmo bibliografias específicas. As
próprias faculdades de Educação Artística, criadas especialmente
para cobrir o mercado aberto pela lei, não estavam
instrumentadas para a formação mais sólida do professor,
oferecendo cursos eminentemente técnicos, sem bases
conceituais. Desprestigiados, isolados e inseguros, os professores
tentavam equacionar um elenco de objetivos inatingíveis, com
atividades múltiplas, envolvendo exercícios musicais, plásticos,
SILVANA MARIA ROCHA 63
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

corporais, sem conhecê-los bem, além de justificados e divididos


apenas pelas faixas etárias.
De maneira geral, entre os anos de 1970 e 1980, os antigos
professores de Artes Plásticas, Desenho, Música, Artes Industriais,
Artes Cênicas e os recém-formados em Educação Artística,
viram-se responsabilizados por educar os alunos (em escolas de
ensino médio) em todas as linguagens artísticas, configurando-se
a atuação do professor polivalente em Arte.
A partir dos anos de 1980, constitui-se o movimento Arte-
Educação, inicialmente com a finalidade de conscientizar e
organizar os profissionais, resultando na mobilização de grupos
de professores de arte, tanto da educação formal como da
informal. O movimento Arte-Educação permitiu que se
ampliassem as discussões sobre a valorização e o aprimoramento
do professor, que reconhecia o seu isolamento dentro da escola e
a insuficiência de conhecimentos e competência na área. As
ideias e princípios que fundamentam a Arte-Educação
multiplicam-se no país por meio de encontros e eventos
promovidos por universidades, associações de arte educadores,
entidades públicas e particulares, com o intuito de rever e propor
novos andamentos à ação educativa em Arte.
Em 1988, com a promulgação da Constituição, iniciaram-se as
discussões sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que seria sancionada apenas em 20 de dezembro de
1996. Convictos da importância de acesso escolar dos alunos de
ensino básico também à área de Arte, ocorreram manifestações e
protestos de inúmeros educadores contrários a uma das versões
da referida lei, que retirava a obrigatoriedade da área.
Com a Lei n. 9.394, de 1996, revogam-se as disposições
anteriores e Arte é considerada obrigatória na educação básica,
destaca-se seu artigo 26, parágrafo 2º “[...] o ensino da arte
constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos
níveis da educação básica, de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos”.
Vê-se que da conscientização profissional que predominou no
início do movimento Arte-Educação evoluiu-se para discussões
SILVANA MARIA ROCHA 64
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

que geraram concepções e novas metodologias para o ensino e a


aprendizagem de arte nas escolas.
É com este cenário que se chegou ao final da década de 1990,
mobilizando novas tendências curriculares em Arte, pensando-se
no terceiro milênio. São características desse novo marco
curricular as reivindicações de identificar a área por Arte (e não
mais por Educação Artística) e de incluí-la na estrutura curricular
como área, com conteúdos próprios ligados à cultura artística e
não apenas como atividade.
Dentre as várias propostas difundidas no Brasil na transição
para o século XXI, destacam-se aquelas que têm se afirmado pela
abrangência e por envolver ações que, sem dúvida, estão
interferindo na melhoria do ensino e da aprendizagem de arte.
Trata-se de estudos sobre a educação estética e a estética do
cotidiano, complementando a formação artística dos alunos.
Ressalta-se ainda o encaminhamento pedagógico-artístico que
tem por premissa básica a integração do fazer artístico, a
apreciação da obra de arte e sua contextualização histórica.

Semiótica e arte: diferentes pontos de vista

Como toda obra cultural do homem, a obra de arte tem uma


dupla dimensão: material e simbólica. De um lado, ela é uma
realidade material, objetivação da experiência subjetiva do
artista; do outro, ela é portadora de uma significação: a que lhe
confere seu autor, no caso o artista, e a que lhe atribui àquele que
a contempla. Isto nos remete ao papel da semiótica na arte, em
grande parte diferente ao que ela desempenha em outros
domínios da atividade humana, particularmente na linguagem.
Em razão disso, o recurso ao modelo semiótico proposto por
Peirce (1990) nos parece totalmente justificado, uma vez que ao
permitir a análise semiótica em domínios culturais outros que os
da linguística, o torna mais adequado para a análise semiótica no
domínio da produção artística.
O modelo peirceano de Signo, a unidade da ciência da
Semiótica, faz parte de uma (a principal), das múltiplas tríades
SILVANA MARIA ROCHA 65
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

que ele deduz das suas análises da teoria das Ideias. odelo
peirceano de Signo, a unidade da ciência da Semiótica, faz parte
de uma (a principal), das múltiplas tríades que ele deduz das suas
análises da teoria das Ideias. Como aparece numa das várias
definições que o autor nos dá do signo, ele tem uma estrutura
triádica, ou seja, é composto da unidade de três elementos
diferentes. Para Peirce (1990) um Signo ou Representamen, diz
ele, é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa
alguma coisa para alguém.
Os elementos que constituem essa definição do signo de Peirce
(1990), sem dúvida a mais simples de todas as que ele dá, fazem
dele, como aponta Pino (2005), um sistema de relações triádicas
com uma estrutura em “T”, como é mostrado na figura 01:

Representação do Sistema de Relações Triádicas

Fonte: Adaptado pela autora de Peirce (1990).

A figura 01 deve ser lida, conforme a definição dada


anteriormente, da seguinte forma: O primeiro elemento, o
“Representamen ou Signo – está no lugar do segundo, o Objeto,
ao qual representa torna-o perceptível, o que é o papel do Signo”.
(Pino, 2003, p. 128). Este ato de representação, cria entre esses
dois elementos uma relação cuja razão deve ser procurada pelo
intérprete no terceiro elemento, o Interpretante, o qual, nos
termos da análise peirceana constitui a razão ou princípio da
relação.
Como lembra ainda Pino (2003, p. 127), o Signo desempenha
duas funções principais (Peirce 1990, p. 143): a primeira é tornar
eficazes relações não eficazes, o que quer dizer que o Signo,
instrumento criado pelo Homem, cria relações onde elas não
SILVANA MARIA ROCHA 66
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

existiam naturalmente, ou seja, que a Natureza não criou; a


segunda é tornar possível a produção de conhecimento, uma vez
que, como diz Peirce (1990), um Signo é algo por meio de cujo
conhecimento conhecemos algo mais a respeito do Objeto.
Isso permite, como tem tentado mostrar Pino (2003, p.292) em
alguns dos seus trabalhos, criar o que ele denomina de “Rede
Semiótica” como aparece na figura 02:

Representação gráfica da Rede Semiótica

Fonte: Pino (2003, p. 292).

Nela, é possível perceber que o Interpretante1 de um Signo


constitui para o intérprete um conhecimento a respeito do
Objeto e que, ao ser relacionado com o mesmo Objeto
(tornando-se o Signo dele), gera um novo conhecimento
(Interpretante2) e assim sucessivamente. Aplicado ao campo
artístico, poder-se-ia dizer que uma obra de arte admite
diferentes interpretações ou Interpretantes, sendo que cada uma
delas pode permitir a descoberta de outras a respeito da mesma
obra. É a isso que chamamos de polissemia.
Na produção artística, podemos considerar obra inovadora, ou
obra-prima, aquela que possui características atemporais, ou seja,
capazes de produzir nos seus contempladores experiências
semióticas e estéticas sempre velhas e novas. O que faz a
Monalisa de Leonardo Da Vinci atravessar o tempo intocável? O
que faz o Hamlet de Shakespeare, tão presente atualmente?

SILVANA MARIA ROCHA 67


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Não existir uma fórmula única ou um tempo exato, pois a obra


de arte é simbólica, não estando limitada nem ao tempo nem a
uma única interpretação.
“A obra de arte (como qualquer fenômeno) pode ser estudada de
aspectos inteiramente diversos; permite um número infinito de
interpretações, uma multiplicidade de enfoques, em cuja riqueza
inesgotável está a garantia do seu sentido imorredouro”
(Vygotsky, 1999, p. 17).
O pensamento de Vygotsky (1999) está fundamentado nas
principais categorias do paradigma do materialismo histórico e
dialético de Marx e Engels. Numa perspectiva histórica, as obras
de arte, como outras produções culturais humanas,
desempenham uma função de mediação entre os homens, graças
particularmente à sua dimensão simbólica humana, estas
apropriadas e ampliadas pelas sucessivas gerações humanas
existentes até o dia de hoje. O materialismo determina, através da
produção econômica de cada tempo, o desenvolvimento
histórico e as demais manifestações culturais, incluindo a arte. A
ideia de totalidade de Vygotsky (1999) é um pressuposto
marxista, onde o todo é feito de partes em constante diálogo.
Esse pressuposto se aplica às diferentes instâncias que constituem
a sociedade e a cultura, em forma geral e, de forma particular, ao
campo das artes, que nos ocupa aqui, onde cada uma das obras
artísticas se relaciona a todas as outras através da “mediação
semiótica”, qual seja, do seu valor significativo. A dialética reforça
a relação entre o todo e a parte como elementos opostos, mas
mutuamente constitutivos; sem as partes ou detalhes, não existe
todo ou obra e, sem o todo ou obra não há como falar de partes
ou detalhes.
A educação estética é uma alternativa para não tornar o ensino
da arte fechado em si, reduzindo-o a meras práticas técnicas e
vivências cotidianas. “O sentimento estético deve ser objeto de
educação tanto quanto os demais, só que em formas específicas.
Do mesmo ponto de vista cabe enfocar também o ensino
profissionalizante da técnica desta ou daquela arte.” (Vygotsky,
2004, p. 350).
SILVANA MARIA ROCHA 68
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

A educação estética torna a técnica um aprendizado criador


quando ultrapassa a técnica em si, fundamentando-o no
entendimento e na percepção das obras de arte. É de suma
importância possibilitar às crianças o acesso às obras clássicas ou
história da arte, ao mesmo tempo em que ela acessa a produção
local, permitindo-se mostrar o caráter histórico e dialético da
produção artística como componente da cultura humana,
fenômeno universal e particular. Isso permite ampliar a
experiência pessoal e limitada da criança, incluindo-a na rede
mais ampla da realidade humana.
Para Vygotsky, a educação deve estabelecer contato entre “[...]
o psiquismo da criança e as esferas mais amplas da experiência
social acumulada, como que incluir a criança na rede mais ampla
e possível da vida” (Vygotsky, 1999, p.17)
Desta forma, diferenciamos pela etimologia da palavra a
denominação de que o professor de arte não é nem monitor
(aquele que admoesta, dá conselhos ou lições, adverte, aquele que
numa escola toma conta dos alunos, para dirigir os estudos) nem
mediador (aquele que intervém, árbitro), pois em momento
algum o professor ou arte educador, por ser esta a denominação
mais específica, deve dirigir ou intervir na interpretação do aluno
e assim, auferir a crítica subjetiva.
A contextualização está para interpretação como ferramenta
para a formação de conceitos e contribui para um julgamento.
Segundo Feldmann (1970), para a interpretação de uma obra são
necessárias inteligência e sensibilidade para dar significado ao
que foi observado e descrito. Uma interpretação crítica é uma
declaração sobre uma obra de arte que permite com que as
observações visuais que fizemos anteriormente encaixem e
façam sentido. Em outras palavras, que ideia simples, genial ou
conceito parece somar ou unificar todos os traços separados do
trabalho?
Essa contextualização deve conduzir àquilo que já está definido,
e não ao que o professor, monitor ou arte educador pensa sobre
o objeto observado, considerando que este procedimento pode
mudar a interpretação, acrescentando conceitos, não os
modificando.
SILVANA MARIA ROCHA 69
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Conforme Feldmann (1970, p. 47) “O aluno de arte deve dar


passos na direção de se tornar sua própria autoridade, seu
próprio guia para excelência artística”.
Enfim, por Signo entendemos aqui a unidade desse ramo
científico chamado de ciência da semiótica, cujo objetivo é o de
determinar as leis pelas quais, em toda inteligência científica, um
signo dá origem a outro signo, um pensamento dá origem a
outro pensamento.
Para Pillar (1993, p.77) e colaboradores “Ler uma imagem seria,
então compreendê-la, interpretá-la, descrevê-la, decompô-la e
recompô-la para apreendê-la como objeto a conhecer. Uma
imagem, ao contrário de um texto, propicia uma infinidade de
leituras devido às relações que seus elementos sugerem”.
Estas leituras vão se complementando e se sobrepondo,
possibilitando uma infinidade de interpretações cambiáveis ao
longo do tempo. Edmund Feldman (1970) propôs um sistema de
leitura que consiste em quatro grandes estágios: a descrição, a
análise, a interpretação e o julgamento. A análise objetiva da
imagem é fundamentada nos estágios de descrição e análise, e a
análise subjetiva, nos estágios de interpretação e julgamento.
A Descrição distancia-se do objeto, fazendo uma descrição do
que se vê. Abordam-se aspectos técnicos, os objetos contidos,
suas cores, texturas, formas, espaços e volumes. Exime-se de
questões mais empíricas e sentimentais, demonstrando o
conhecimento que se tem sobre a mecânica da obra de arte, ou
seja, a técnica utilizada como o encaixe de uma escultura ou o
tipo de pincel que se utilizou para imprimir determinada
dimensão à tinta aplicada na pintura. Nesta fase é desejável
objetividade e gradação quanto ao nível de detalhamento do
objeto observado.
A partir da descrição, o autor supracitado afirma que, ao se
visualizar um objeto de arte, deve-se descobrir as influências que
as formas exercem entre si, consequentemente influenciadoras
do olhar (tamanhos, pares, conjuntos, cores e texturas etc.),
analisando-se a relação espaço-volume e todos os traços visíveis
da obra, que complementam o exame do objeto, evitam
SILVANA MARIA ROCHA 70
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

conclusões precipitadas, constroem habilidades de observação e


formam uma interpretação crítica.
Segundo Feldmann (1970) é um erro acreditar que arte e
técnica estão separadas. Um meio de descobrir ideias numa obra
de arte é estudando a técnica que criou o objeto de arte em
primeiro lugar. Por isso, é através da interpretação que são
decididos os significados das observações, fazendo emergir
ideias, conceitos ou problemas que a obra tenta revelar, mesmo
que o autor, muitas vezes, não teça essas tramas conscientemente.
Por esta interpretação avalia-se o seu valor pelo julgamento,
quando se enquadram categorias e filosofias artísticas como
forma de se explicar academicamente o que se vê.
Considerando os preceitos apresentados, é notório o fato de
que Feldmann (1970) trabalhava no contexto de museus,
orientando seu trabalho para a formação de críticos de arte.
Contudo, Ott (1997, p. 113) trazia um olhar mais pedagógico,
voltado à formação de apreciadores de arte “Mas o museu e o
ensino de arte na escola não ocupam a mesma posição no ensino
da arte. Professores com boa formação profissional percebem
que as galerias de um museu não são uma oficina de arte, e que
não devem ser tratadas como uma sala de aula […]”.
Para Ott (1997) o espaço de museus não deve ser encarado
como uma sala de aula, mas sim um espaço de reflexão, de
guarda da cultura e um espaço para se buscar amparo no ensino
em sala de aula. O professor deve encarar o museu como recurso
pedagógico, lugar de ampliação do ensino e não para ensino da
arte. Os monitores não substituem a atuação do professor nem as
suas práticas pedagógicas. “A arte, ensinada no contexto das
coleções dos museus, reflete os valores estéticos intrínsecos da
obra de arte e as preferências cognitivas dos alunos que estão
nesse processo de aprendizagem, mas arte nos museus também
reflete as condições culturais da sociedade” (Ott, 1997, p. 112).
O método Image watching, criado por Robert Ott – professor
da Penn State University, prevê cinco práticas pedagógicas:
descrevendo, analisando, interpretando, fundamentando e
revelando.
SILVANA MARIA ROCHA 71
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Este conjunto “[…] proporciona um completo sistema de crítica


de arte perceptivo, conceitual e interpretativo que gera
conhecimento a partir de obras de arte para serem expressos no
trabalho de ateliê” (Ott, 1997, p. 128).

·Descrevendo: é o momento em que a percepção é priorizada


e a enumeração do que está sendo visto e efetuado.

·Analisando: enfoque no desenvolvimento dos aspectos


conceituais da leitura da obra de arte, utilizando para a análise
formal da obra percebida conceitos da crítica e da estética.

·Interpretando: é o momento das respostas pessoais à obra


objeto da apreciação, quando as pessoas expressam as suas
sensações, emoções e ideias a partir do contato com sua
materialidade, seu vocabulário, gramática e sintaxe.

·Fundamentando: Acrescenta uma extensão que não era


encontrada na época em outros sistemas de crítica. É o
momento de trazer o conhecimento adicional disponível no
campo da história da arte, a respeito da obra e do artista que
são objeto do conhecimento. A intenção é de ampliação do
conhecimento e não do convencimento do aluno a respeito
do valor da obra.Para Ott (1997) a fundamentação deve
auxiliar o aluno na compreensão da obra de arte, de embasar
sua experiência estética e garantir a capacidade de escolha e,
consequentemente, de deleite e prazer à obra artística. Tanto
o autor supracitado quanto Feldmann (1970) defendem a
postura de independência crítica para os alunos.

·Revelando: É entendido como um momento de culminância


no processo de ensino da arte através da crítica da arte. Neste
momento o aluno tem a oportunidade de revelar o processo
de construção de conhecimento por ele vivenciado.

SILVANA MARIA ROCHA 72


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

A abordagem triangular de Ana Mae Barbosa (1991; 1995) foi


apresentada como outra forma de fazer em sala (não única), cuja
estrutura aprecia a história da arte para que contextualizem o
tema em questão, não que isto implique no professor de arte
tornar-se exímio crítico ou historiador de arte, mas que tenha
conhecimento para situar o conteúdo.

Com esse parâmetro, o DBAE da Getty Foundation e a


Proposta Triangular preconizada por Ana Mae Barbosa, e
considerando o contexto atual da educação no Brasil,
questionamos o ensino da arte como um fim em si
mesmo. Defendemos a ampliação do conceito de arte
educação: não apenas ensinar arte, mas ensinar através
da arte. Trata-se de operacionalizar o conceito mais
globalizado do ensino como formação, como educação do
indivíduo. Ensinar a ler as imagens das obras de arte,
capacitando o indivíduo a ler as imagens do mundo. Não
se faz aqui referência à polemica entre essencialistas e
contextualistas. Pensamos em Galileu e sua metáfora do
livro mundo e em Guimarães Rosa para quem a leitura
decifração é uma questão de sobrevivência. (Novis, 1994,
p.12)

Conhecida inicialmente como metodologia triangular, a


proposta triangular se apoia no tripé crítica de arte e estética,
história da arte e fazer artístico, ou seja, leitura de imagem,
contextualização histórica e fazer artístico.
Diz Barbosa (1991, p. 10) “[...] o que a arte na escola
principalmente pretende é formar o conhecedor, fruidor e
decodificador da obra de arte […]. A escola seria a instituição
pública que pode tornar o acesso à arte possível para a vasta
maioria dos estudantes em nossa nação […]”.
No Brasil, nosso maior problema é a alfabetização, isto é, há a
necessidade urgente de se enfatizar a leitura de palavras, gestos,
ações, imagens, prioridades, desejos, expectativas. Como explicita
ainda Barbosa (1995, p. 63): “Num país onde os políticos ganham
eleições através da televisão, a alfabetização pela leitura da
imagem é fundamental, e a leitura da imagem artística,
humanizadora”.

SILVANA MARIA ROCHA 73


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Para Pino (2005), o nascimento cultural da criança (diferente


do biológico) é a porta de acesso desta ao universo das
significações humanas. O acesso a essas significações culturais
implica na apropriação dos meios de localização ou sistemas
semióticos; em outros termos, a linguagem em suas várias
formas. Aqui nosso foco é a linguagem visual, por possibilitar
uma amplitude de signos e objetos.
Aceitando a possibilidade da arte como instrumento de grata
sui (de prazer) e objeto de conhecimento, para os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) a arte e a ciência respondem a
necessidade do ser humano de construir objetos de
conhecimento somados às relações sociais, políticas e
econômicas, sistemas filosóficos e éticos. Todos estes setores da
vida cultural formam o conjunto de manifestações simbólicas de
uma determinada cultura.
A obra de arte situa-se no ponto de encontro entre o
particular e o universal da experiência humana. Cada
obra de arte é, ao mesmo tempo, um produto cultural de
uma determinada época e uma criação singular da
imaginação humana, cujo valor é universal. Por isso, uma
obra de arte não é mais avançada, mais evoluída, nem
mais correta do que qualquer outra. (Brasil, 1997, p.28)

Admitir o caráter científico da arte não anula a função de


deleite e prazer que ela nos proporciona. Assim como Umberto
Eco (2002) descreve que uma das funções (não a única) da
literatura é a de gratia sui, como afirma no livro Sobre a
Literatura, podemos dizer que a obra de arte visual nos obriga a
um exercício de fidelidade e respeito à liberdade da
interpretação. Assim, seria uma heresia ler na obra aquilo que
nossos mais incontroláveis impulsos nos sugerirem. “A obra
literária nos convida à liberdade da interpretação, pois propõe
um discurso com muitos planos de leitura e nos coloca diante das
ambiguidades da linguagem e da vida.” (Eco, 2002, p.12).
Este pluralismo da arte, muitas vezes próximo da incerteza de
classificá-la, reflete na postura do professor de arte em sala de
aula ou em galerias e museus, pois a criança possui uma análise
perceptiva inata.
SILVANA MARIA ROCHA 74
ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Para Arnheim (2000), a análise perceptiva é muito sutil e aguça


a visão para a tarefa de penetrar uma obra de arte até os limites
mais impenetráveis, a razão do nosso fracasso não está em
entender a arte, mas do uso de uma linguagem de via direta ao
sensório. Para nomear o que vemos, ouvimos e pensamos
devemos codificá-los através da análise perceptiva. Concluindo o
pensamento:
Nossos olhos foram reduzidos a instrumentos para
identificar e para medir, daí sofremos de uma carência
de ideias exprimíveis em imagens e de uma capacidade
de descobrir significado no que vemos. É natural que
sintamos perdidos na presença de objetos com sentidos
apenas para uma visão integrada e procuremos refúgio
num meio mais familiar o das palavras. O mero contato
com obras-primas não é o suficiente. Pessoas em demasia
visitam museus e colecionam livros de arte sem
conseguir acesso a mesma. A capacidade inata para
entender através dos olhos está adormecida e deve ser
despertada. (Arnheim, 2000, p. 13)

Admitir o caráter científico da arte não anula a função de


deleite e prazer que ela nos proporciona. Assim como Umberto
Eco (2002) descreve que uma das funções (não a única) da
literatura é a de gratia sui, como afirma no livro Sobre a
Literatura, podemos dizer que a obra de arte visual nos obriga a
um exercício de fidelidade e respeito à liberdade da
interpretação. Assim, seria uma heresia ler na obra aquilo que
nossos mais incontroláveis impulsos nos sugerirem. “A obra
literária nos convida à liberdade da interpretação, pois propõe
um discurso com muitos planos de leitura e nos coloca diante das
ambiguidades da linguagem e da vida.” (Eco, 2002, p.12).
Este pluralismo da arte, muitas vezes próximo da incerteza de
classificá-la, reflete na postura do professor de arte em sala de
aula ou em galerias e museus, pois a criança possui uma análise
perceptiva inata.
Despertar e não adquirir ao expor a criança a esses elementos,
pois ela possui a predisposição de observar como a alma de
artista; e esta qualidade acaba por si em alguma fase da infância,

SILVANA MARIA ROCHA 75


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

que não vamos discutir aqui. “A criança vê tudo como novidade;


ela sempre está inebriada. Nada se parece tanto com o que
chamamos de inspiração quanto à alegria com que a criança
absorva a forma e a cor”. (Baudelaire, 1997, p. 19).

Releitura de obras de arte

Nas últimas três décadas, mudanças significativas no ensino da


arte no Brasil colocaram em xeque a ideia de que o
desenvolvimento artístico da criança se processa de maneira
espontânea, firmando a tendência da livre expressão, esta
centrada em dar a liberdade de criação que não seguia normas ou
métodos, nem um planejamento prévio das atividades de artes
em sala, tornando-a uma tendência mais terapêutica do que
didática.
Tantas mudanças na arte brasileira, como a Semana de Arte
Moderna, Movimento Pau Brasil e novas propostas no ensino da
arte, trouxeram muitas possibilidades de atividades para os
professores em sala de aula. A mais difundida e polêmica foi a
Metodologia Triangular, hoje Proposta Triangular, sistematizada
pela arte educadora Ana Mae Barbosa, que sugere a atividade em
sala de aula através de três vertentes: o fazer artístico, a leitura da
obra de arte e a contextualização da arte.
Todavia, a partir da década de 1970, autores como Edmund
Feldman (citado anteriormente) defenderam o desenvolvimento
artístico como resultado de afetividade e cognição, incorporando
a crítica de arte pela contextualização da obra.
Independente da qualidade, as crianças precisam ser
capazes de lidar com o ambiente visual eficazmente uma
vez que tanta coisa que elas aprendem e se tornam
dependente de ver com inteligência, sensibilidade e com
prazer. O esforço organizado para aprender sobre o
homem e o mundo, estudando arte, é parte integral da
educação estética. Aprender a confrontar o mundo com
significado, criando arte também é parte da educação
estética. Contudo, não é possível aprender ou ensinar
num programa deste sem referência a exemplos
específicos de olhar fazer, ouvir e entender na presença

SILVANA MARIA ROCHA 76


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

de obras específicas. Em outras palavras a educação


estética deve ser enfocada através de exemplos concretos
da criatividade humana ao invés de princípios gerais que
presumivelmente estão por trás de todos os tipos de
criatividade. (Feldman, 1970, p. 382-383)

A leitura da obra de arte deve estar bem próxima ao fazer


artístico, ou a releitura da obra, em nome da Proposta Triangular.
Muitos professores trabalham a releitura como cópia da obra,
mas ela está muito distante da reprodução. Usa-se a cópia para o
aprimoramento da técnica (pintura, escultura etc.), não como
uma forma de interpretação da obra, porém, na releitura há
possibilidade de criação com referência às obras lidas.
Existe uma grande preocupação do professor de artes de não
influenciar o processo criativo da criança, mas oferecer
referências para criar e produzir atividades e, por que não, obras
originais. Para Barbosa (1990) o original é diferente de tudo que
já vimos ou conhecemos, o que implica em se trabalhar com
comparações (A diferente de B, C ou D, por ser original). Essas
comparações são feitas com base em conhecimentos anteriores,
pertencentes a algum momento do passado. Por isso, a autora
afirma que esta comparação se configura em ipso facto, histórica.
A análise de obras favorece o pensar sobre soluções para um
problema de criar significados com a linguagem das artes visuais.
A história da arte está para a Proposta Triangular como
referência para comparações e, não como modelos de cópias.
Assim, é importante direcionar a atividade de leitura e da
releitura que se propõe o professor de arte para o
aprimoramento da técnica ou o exercício de interpretação.
Enfim, releitura é dar novos significados, apropriar,
reinterpretar, fazer relações entre obra e realidade.
A leitura da obra de arte deve estar bem próxima ao fazer
artístico, ou releitura da obra em nome da Proposta Triangular,
divergindo das práticas pedagógicas de se “copiar obras”.

SILVANA MARIA ROCHA 77


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Há uma grande distância entre releitura e cópia. A cópia


diz respeito ao aprimoramento técnico sem
transformação, sem interpretação, sem criação. Já na
releitura há transformação, interpretação, criação com
base num referencial, num texto visual que pode estar
explícito ou implícito na obra final. (Pillar, 1999, p. 18)

Para ilustrar esta apropriação podemos citar a obra de Picasso


Almoço na Relva onde o artista faz a releitura da obra de Eduard
Manet, de mesmo nome, datada do século XIX. Picasso utiliza
toda a composição da obra de Manet no estilo cubista, técnica
que fez Picasso o maior representante deste estilo na história da
arte.

Almoço na Relva, de Manet /Almoço na Relva, de Picasso

Fonte: Acervo pessoal de Silvana Maria Rocha.

SILVANA MARIA ROCHA 78


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Para Pillar (1999, p17) “[...] compreender uma imagem implica


olhar construtivamente a articulação de seus elementos, suas
tonalidades suas linhas e volumes. Enfim, apreciá-la. Ler uma
imagem é saboreá-la em seus diversos significados, criando
distintas interpretações”. Desse modo, a releitura de uma obra de
arte é uma maneira diferente de dialogar com a própria obra na
obtenção de outras formas de interpretação.
Não há uma leitura superficial de cores e formas para uma
reprodução, mas o “descobrir” o tempo em que foi elaborada, o
contexto ao qual pertencia (assim como o autor), o que aqueles
traços representam e expressam, criando-se visões críticas de
mundo que se contrapõe com a realidade do aluno.
Consideramos que o espaço escolar é privilegiado para o
desenvolvimento integral dos alunos. Local onde a criança possa
desenvolver suas habilidades, expressão criativa, as experiências
diversas e o exercício de diferentes linguagens. Este espaço deve
valorizar – da mesma forma que valoriza a leitura e a escrita – a
cultura e as artes. Muito embora o espaço escolar ser diferente
(por princípio, fins e estrutura) da organização de recintos
públicos de museus ou galerias (destinadas a preservar e atualizar
o patrimônio histórico e cultural de uma civilização), a escola
pode e deve valer-se destas instituições como ferramentas que
favorecem o desenvolvimento integral das pessoas.
Cabe à escola perceber os museus e galerias como fontes de
pesquisa e recursos pedagógicos. O seu uso (ou de seus acervos,
inclusive na modalidade virtual) pode garantir um duplo
objetivo, de ampliar o repertório cultural das crianças,
garantindo melhores condições de reflexão e crítica. Em outra
via, é preciso pensar que os museus podem, também, adaptar o
modelo tradicional de “altar”, no qual o patrimônio cultural é
exposto como produtos extraordinários da humanidade,
viabilizando o acesso.
Não se trata de transformar o museu em sala de aula. O que
pretendemos defender aqui é a função de preservação do
patrimônio e do ensino da arte.

SILVANA MARIA ROCHA 79


ESTÉTICA E REAÇÃO ESTÉTICA

Os museus são recursos essenciais para a arte educação por


abrigar várias manifestações, significado expresso por segmentos
da sociedade em muitas vivências culturais. Para Ott (1997, p. 112),
“[...] a arte ensinada no contexto das coleções dos museus, reflete
os valores estéticos intrínsecos da obra de arte e as preferências
cognitivas dos alunos que estão neste processo de aprendizagem,
mas arte nos museus também reflete as condições culturais da
sociedade”.
Assim como o museu preserva a memória que não deve estar
atrelada somente ao passado, mas a produção cultural do
presente, a educação nos museus devolve a alma às instituições,
uma vez que:

O museu tem como intenção voltar-se o máximo possível


à preservação dos objetos, os quais não serão apenas
tomados em seu aspecto físico e sim tratados enquanto
objetos de estudo e ensinamentos. Da minha parte
arrisco a pensar que quanto menos os museus e galerias
se submeterem aos propósitos da educação mais perder-
se-ão como instituições sonolentas e inúteis (Cole, 1853
apud Ott, 1997, p. 115).

A realidade das escolas públicas com suas dificuldades de


logística mostra que as metodologias de museus não suprem as
demandas das escolas, o serviço está disponível, porém a escola,
não. Por exemplo, a falta transporte constitui um empecilho
objetivo que inviabiliza a aproximação da escola ao museu.
Portanto, a arte vai até a escola, não para banir a ida dos alunos
aos museus, mas para aplicar uma educação voltada à prática da
arte e percepção estética. Consideramos, inclusive, que o uso
desta metodologia pode suscitar, nas crianças, o desejo de
conhecer os espaços museológicos na companhia dos pais, por
exemplo.
A possibilidade da fusão de metodologias aprimora o ensino da
arte, pois acrescenta informações para estabelecer relações, com
a arte produzida na região, no país e no mundo, compreendendo
criticamente aquelas originadas pela mídia para democratizar o
conhecimento e ampliar as possibilidades sociais do aluno.

SILVANA MARIA ROCHA 80


O OLHAR DO ARTISTA:
UM RELATO AUTOBIOGRÁFICO SOBRE O ENCONTRO COM A
OBRA DE DIDE BRANDÃO

WAGNER KUHNEN

Quando pequeno, minha mãe me levava ao centro da cidade de


Itajaí para irmos ao supermercado comprar mantimentos, lojas
de roupa para atualizar o guarda-roupa, terminal rodoviário para
pegar passes de ônibus e, também, para outras tarefas que não
podiam ser feitas no meu antigo bairro.
Eu vinha notando tudo que me cercava, admirava os vitrais da
igreja Matriz que, de forma colorida, contavam a história de Jesus
Cristo, desde a partilha do pão até a crucificação. Eu me benzia
na água benta e entortava o pescoço teto acima, deslumbrado
com as pinturas celestiais carregada de santos, anjos e símbolos.
Atravessava a rua e dava de cara com o Museu Histórico, com
sua bela arquitetura, janelas arqueadas uma ao lado da outra.
Adorava aquela escadaria ornamentada com rígidos corrimãos,
que terminavam nas lustrosas pedras que serviam de calçamento
na Rua Hercílio Luz. Mas o que mais me chamava a atenção era a
Casa de Cultura Dide Brandão. Largava a mão da mãe e passava
correndo de uma porta a outra, antes mesmo dela notar minha
falta, e naquele avanço pelos corredores da casa Dide, eu já me
encontrava dentro da arte, pois capturava de forma momentânea
tudo que estava acontecendo naquele ambiente, que era recheado
de artes plásticas, pessoas fantasiadas saindo do curso de teatro,
bonecos de pano e fantoches, músicos carregando seus
instrumentos e também um enorme painel de madeira entalhado
com as figuras de índios Botocudos nus.
Saia extasiado da casa Dide Brandão, que pra mim era o nome
de alguma mulher muito querida, já que me sentia abraçado
sempre que adentrava a Casa de Cultura.
Anos se passaram, e eu ainda continuava frequentando a Casa
Dide, pois era lá que aconteciam os cursos de desenhos, as
oficinas relacionadas ao Festival de Música de Itajaí e algumas
peças de teatro.
Até que um dia me questionei quem seria essa mulher chamada
Dide Brandão, o que ela teria feito de tão valoroso pra nossa
cidade a merecer tal homenagem.

WAGNER KUHNEN 81
O OLHAR DO ARTISTA:
UM RELATO AUTOBIOGRÁFICO SOBRE O ENCONTRO COM A
OBRA DE DIDE BRANDÃO

Para minha surpresa, Dide Brandão era um homem, vinha de


uma família com vários irmãos, quase todos envolvidos com
política e arte, todos foram grandes nomes que fizeram parte do
crescimento cultural de Itajaí. E aqui começo a relatar a função
que caiu em minha mão, estudar a obra deste grande itajaiense.
Dou oficinas de artes visuais pelo programa Arte nos Bairros na
cidade de Itajaí, mais precisamente no bairro São Vicente, que é
onde nasci, cresci e me formei.
Todo meu trabalho é voltado para a valorização da cultura local,
sempre focado nas arquiteturas, pontos turísticos e
personalidades itajaienses, que vai desde algum músico
consagrado até chegar no bêbado divertido que andava sempre
com a camisa do Marcílio.
Mas até então eu desconhecia a obra de José Bonifácio Brandão,
conhecido nacionalmente como Dide Brandão. Foi só a partir da
dúvida sobre o nome da Casa de Cultura que tive contato de
verdade com sua obra, onde pude buscar leituras sobre ele, tive
acesso a documentos históricos através do Museu Histórico de
Itajaí, e fiquei deslumbrado por tudo que ele fez durante sua
curta trajetória de vida.
Dide Brandão nasceu na década de 20, teve sua adolescência e
início da juventude na década de 40, época de grande explosão
artística e cultural, e de grande ebulição na cena musical global,
onde todos estavam dispostos a quebrar regras e mostrar o novo.
Dide vinha de uma família já envolvida com as Artes.
Começando pela sala da casa de seu avô, Manuel Marques
Brandão, que em 1897 serviu como teatro, o primeiro da nossa
querida Itajaí.
Seu Manuel Brandão além de um grande pintor, era ensaiador e
cenógrafo, confeccionava painéis com lindos cenários para os
atores apresentarem suas peças. Dide Brandão já tinha contato
com as paisagens retratadas através do pincel de seu avô, muitas
delas inspiradas nas praias de Itajaí com seu verde mar e suas
rochas intactas. A magia da arte já havia lhe tocado. Nessa mesma
casa, que servia como sala de teatro, havia também um museu
improvisado por Manuel, com artefatos indígenas, obras de artes
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de lugares que ele havia visitado e muitos documentos históricos.


O acesso livre ao povo da cidade fez a casa da família Brandão ser
conhecida em toda região.
Quando o cenógrafo e admirador das Artes Manuel Brandão
veio a falecer, seus pertences ficaram a cargo do seu décimo
terceiro filho, Joca Brandão, pai de Dide, que hoje também é
nome de rua no centro da cidade.
Quando tive acesso a história de Dide, através de um estudo
feito pela museóloga Angela Peyerl, soube de fatos marcantes
sobre a família Brandão. Pois, além de fazer um reconhecimento
sobre todas as obras do artista que dá nome a Casa de Cultura, ela
esmiuçou particularidades, conversou com parentes vivos,
amigos próximos, pessoas que emprestaram obras de Dide para
serem estudadas e analisadas por ela.
Um dos fatos marcantes, que não poderia deixar de mencionar,
foi a morte de Manuel Brandão. Grande orador, acostumado as
apresentações teatrais, foi discursar sobre o túmulo de seu grande
amigo, Dr. Pedro Ferreira, também nome de rua. Enquanto pedia
a oração de um Pai Nosso pelo amigo, que muito fez pela querida
Itajaí, tombou sobre o túmulo de Pedro. Seu coração não
aguentou a comoção e, como numa encenação Shakespeariana,
caiu morto.
Seu filho Joca se desfez do museu que havia ficado sob sua
responsabilidade. Trocou por gratuidade nos estudos teológicos
no Seminário de Azambuja para seu filho Alcino Brandão, na
cidade de Brusque. O atual Museu Arquidiocesano Dom Joaquim,
onde atualmente são mantidas as peças que por muito tempo
foram expostas na sala da casa de Manuel Brandão.
Dide Brandão já produzia suas artes de forma autodidata desde
os dez anos de idade, e com professores particulares foi se
aprimorando, já fazendo parte de um circuito artístico quando
resolveu ingressar na ENBA na Escola Nacional de Belas Artes no
Rio de Janeiro.
Na ENBA aprimorou tudo a que já vinha se dedicando em
nossa cidade, melhorou seus desenhos, pinturas, e também se
dedicou a escultura e entalhes, tendo como professor o Grande
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Rodolfo Chambelland, na época já um renomado retratista, e na


sequência foi pra Campinas estudar com Aldo.
Dide começou a impor sua história e todas as mudanças que
estavam acontecendo na sociedade em suas obras, e foi nisso que
foquei meus estudos.
A pandemia de COVID-19 trouxe muita desgraça para nosso
planeta, especialmente para a classe artística, na qual me insiro, e
portanto, posso falar pessoalmente o quanto fui afetado, direta e
indiretamente.
Sou músico, tatuador e artista plástico, do dia para a noite fiquei
sem ter lugares para tocar, os bares foram fechando, meu estúdio
foi fechado pelas medidas de restrição, e ninguém mais queria
ter contato físico, o que impossibilita a tatuagem, mesmo
cumprindo todos os protocolos de segurança. Venda de telas?
Ninguém mais ousava gastar com artes sem ter a certeza do
futuro. O povo chegou a estocar papel higiênico.
Até que eu soube de uma lei emergencial para ajudar os artistas
que já vinham contribuindo para a sociedade através de seus
trabalhos e seus impostos. Eu possuo um registro de
microempreendedor (MEI) regulamentado, e resolvi inscrever
um projeto com o auxílio da museóloga Angela Peyerl e a
historiadora Evelise Moraes Ribas.
O nome da Lei é Aldir Blanc, e ajudou não só a mim, mas
também a muitas pessoas que se envolveram nesse projeto.
Buscando mostrar quem foi este grande artista itajaiense que nos
representou Brasil afora, e colocou nossa cidade no mapa
artístico do País, junto a Florianópolis que já havia sediado
algumas exposições e Blumenau com seus artistas alemães. Tive
acesso ao Museu Histórico de Itajaí, e numa vídeo aula mostrei
um pouco da Arte de José Bonifácio Brandão, apelidado
carinhosamente de Dide.
Depois que li todos os documentos e registros que Angela tinha
escrito sobre a vida e obra do Dide, fui procurar saber mais sobre
ele através de pessoas próximas. Para minha surpresa achei uma
obra de Dide Brandão no ateliê de Susete Zukoski, conhecida
professora formada em Belas Artes na cidade de Curitiba, e
moradora de Itajaí.
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Perguntei como aquela obra estava ali, e ela observou ser


apenas uma cópia, e que muitas pessoas antigas gostariam de ter
uma obra de Dide em suas residências. Mostrando assim a
importância desse itajaiense no cenário regional, suas obras já
estavam sendo copiadas numa época em que não existia fotos
coloridas e muito menos copiadoras.
Marquei uma reunião com a historiadora Evelise Ribas,
funcionária do Museu Histórico da cidade em que resido, e
escolhi para inscrever o projeto, questionando sobre a
possibilidade de ter acesso as obras do Dide Brandão. Ela
gentilmente me explicou que o museu não estava aberto a
visitações, e que as obras estavam todas embaladas, mas que
conseguiria me ajudar, levando em consideração o valor histórico
que esta videoaula teria, já que muitos passam diariamente em
frente à Casa de Cultura Dide Brandão e nunca tiveram acesso a
uma obra dele exposta.
Chegado o dia da visita, contratei a equipe da Âmbar
Audiovisual para documentar aquele momento, onde eu teria
contato visual e físico com muitas das telas que Dide preparou e
pintou, com os mais variados materiais, que foi de papelão, juta,
tecido e madeira, misturando tintas acrílicas, à óleo, giz pastel, e
tintas orgânicas feitas com terra e resíduos de flores e rochas.
Na entrada do Museu passei por uma higienização gigantesca,
mantive a máscara que já utilizava e também coloquei luvas de
cirurgia pra poder tocar e sentir as texturas das obras. Foi um
momento mágico, pois muitas das telas eu conhecia apenas por
fotos, outras só por histórias, caso da tela Rosto de Cristo, que
havia sido catalogada como Gafanhoto muitos anos atrás, e só
depois de um raio x e minucioso trabalho feito por uma equipe
técnica é que descobriram se tratar do rosto de Cristo retratado
de forma cubista. Dide fez da imagem santa algo
extraordinariamente colorido e impactante.
Tive acesso as flores pintadas à óleo, camada por camada,
sempre com uma gota de orvalho a escorrer de alguma pétala,
como se fosse uma assinatura artística de Dide, também vi o
retrato pintado de forma sutil em homenagem ao seu irmão, o
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seminarista Alcino Brandão, uma tela que se você ver de perto,


enxerga apenas pequenos borrões, mas quando se afasta, o
semblante pintado se enche de detalhes.
A tela que me marcou foi a obra intitulada O Palhaço, com um
rosto triste e cabisbaixo, feito com a junção de vários tipos de
tintas e pincéis, marcada com golpes de espátula. Eu estava diante
de uma tela de mais de 50 anos com uma carga emotiva
embutida tão grande, que quase me derrubou. Evelise, que
acompanhava a gravação do minidocumentário, sugeriu que
aquele Palhaço talvez tenha sido um autorretrato do José
Bonifácio, me trouxe uma foto do Dide em Preto e Branco e
começou a comparar detalhes, queixo, entradas capilares,
formato do nariz e por último a lágrima, escorrendo pelos sucos
do rosto, como todas as gotas de orvalho que acompanhavam
suas obras.
Não deixando passar despercebido as telas de paisagens, muitas
delas conhecidas pelo nosso povo, o caminho das praias com suas
rochas características, pescadores com seus balaios e puças com
barcos, canoas e ilhas compondo obras inesquecíveis, Dide foi
um grande retratista de seu povo litorâneo.
A gravação ocorreu de forma invejável, Lenon César me dirigia
e gravava takes fechados das obras que eu mostrava, valorizando
cada detalhe impresso em telas pelo magnífico artista itajaiense.
Enquanto eu tecia comentários básicos de arte sobre as telas de
Dide, Angela Peyerl me complementava de forma acadêmica,
dando muitos detalhes sobre os enigmáticos quadros e esculturas
de Dide Brandão, tecendo comentários também sobre a vida
particular desse artista que teve a vida ceifada num trágico
acidente de carro.
O vídeo foi divulgado pelo Museu Histórico de Itajaí e teve
bastante compartilhamentos e visualizações, mas após tanto
estudo sobre a vida e obra de Dide, achei necessário que mais
pessoas pudessem valorizar o trabalho artístico desse grande
homem, que fez de sua curta vida, uma grande obra de arte.
Me surgiu a ideia de fazer um estudo coletivo em alguma escola
de Itajaí. Infelizmente, no início da pandemia muitas escolas
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pararam, inclusive a que eu dou oficinas semanais de artes


visuais.
Foi quando, num encontro com o professor Osmar Domingos
de Oliveira Neto, que leciona artes na escola Unificado, pude
falar e explicar sobre o projeto e trabalho que eu estava fazendo
para divulgar a obra de Dide Brandão. Ele logo se interessou pela
ideia e resolveu somar a este estudo.
Professor Osmar é conhecido em nossa cidade por fazer parte
da Setorial de Artes, e por sua contribuição ao teatro de Itajaí,
além de todo o conhecimento empregado e distribuído
diariamente dentro das salas de aula em que leciona.
Por meio de vídeo chamadas, fomos conversando com as
turmas A e B da quarta série do ensino fundamental do Colégio
Unificado do bairro São Vicente, bairro onde resido e escola que
minha filha frequenta.
Com muita empolgação, as crianças tiveram contato com as
obras de Dide e puderam escolher a que mais se identificavam
para fazerem uma releitura, com adição de algum elemento que
eles julgassem necessário para composição da arte.
Minha filha, Elis, me pediu ajuda para escolher a obra que ela
tentaria fazer a releitura, deixei-a livre para escolher, mostrei e
comentei cada um dos quadros que ela poderia usar de
referência, e ela acabou escolhendo o Rosto de Cristo na forma
de Gafanhoto, desenhou as formas geométricas com lápis e
depois veio pintando com giz de cera, foi algo magnífico ver ela
trabalhando em cima de uma tela tão emblemática, a qual ele
teve acesso apenas pela tela do computador.
Os alunos estavam dispostos a mostrar o resultado de suas
releituras, me chamavam online para falar sobre as telas,
mostrando algumas inacabadas, outras que estavam fazendo com
a ajuda dos pais, e alguns até arriscaram a copiar mais de uma.
Essa criançada, de dez anos de idade estava consumindo as obras
de Dide de uma forma gostosa e divertida, sem mesmo saber que
essas releituras ganhariam uma exposição no Museu Histórico de
Itajaí.

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Foi com essa notícia dada pelo professor Osmar que eles
explodiram em felicidade, e se empenharam muito mais na
entrega dos resultados artísticos.
Cada criança mostrou seu lado artístico com sua releitura,
muitas optaram por retratar as arquiteturas das igrejas que Dide
pintava de forma realista e cubista, igrejas na cor laranja, céu com
nuvens rosas. Outras se dedicaram a copiar os rostos que Dide
retratava, inclusive reproduzindo a imagem da Miss Santa
Catarina - retrato comissionado a Dide, para ser enviado ao Rio
de Janeiro, para a inscrição no concurso de Miss Brasil. A grande
maioria das crianças optou por copiar as artes abstratas de Dide,
explorando as cores e formatos, pelo qual Dide foi reconhecido
quando largou a Academia de Belas Artes e resolveu explorar esta
nova linguagem.
Evelise encarregou-se da exposição de forma virtual, através
das redes sociais do Museu. E assim que for liberada a entrada
para visitação, uma exposição com as 40 obras feitas por esses
dedicados alunos será exposta no Museu Histórico de Itajaí.
Eu estudei tanto sobre a forma de pintar de Dide Brandão, que
também acabei por pintar uma tela inspirado nele, revisitando
todos seus estilos, cores e formas – tela esta que serve de capa
para este livro, pintada ao vivo em frente à Casa de Cultura que
leva o nome deste maravilhoso artista.
E agora essa tela ficará exposta para visitação junto a todas as
obras feitas carinhosamente pelos alunos do 4º ano do Colégio
Unificado, através da aula histórica feita pelo professor Osmar
Neto.
Gostaria de agradecer a todos que de uma forma ou outra,
contribuíram para que eu pudesse realizar este trabalho, também
a Fundação Cultural de Itajaí que me auxiliou em tudo que eu
precisei.
O resultado deste estudo pode ser conferido no link do vídeo, e
também acompanhando as redes sociais do Museu Histórico de
Itajaí.
VIVA A ARTE!
VIDA DIDE BRANDÃO!
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UM LIVRO PRODUZIDO POR:

PROJETO CONTEMPLADO PELO EDITAL 011/2020 - CREDENCIAMENTO DE PRÊMIOS E


PROJETOS ARTÍSTICOS CULTURAIS - LEI DE EMERGÊNCIA CULTURAL ALDIR BLANC

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