Você está na página 1de 228

O selo DIALÓGICA da Editora lnterSaberes faz

referência às publicações que privilegiam uma


linguagem na qual o autor dialoga com o leitor por
meio de recursos textuais e visuais, o que torna
o conteúdo muito mais dinâmico. São livros que
criam um ambiente de interação com o leitor -
seu universo cultural, social e de elaboração de
conhecimentos - , possibilitando um real processo
de interlocução para que a comunicação se efetive.
Sumário
Apresentação 13
Organização didático-pedagógica 17

1 Arte antes do barroco 21


1.1 Arte rupestre no Brasil 24
1.2 Produção cultural indígena 31
1.3 O olhar dos viajantes que transitaram pelo Brasil 40

2 Arte colonial brasileira


2.1 Singularidade do barroco no Brasil
2.2 O triunfo da ressurreição e não o calvário
2.3 Igreja coberta de ouro
2.4 Neobarroco

3 Século XIX: tentativa de alinhamento com a arte europeia 91


3.1 Missão Artística Francesa 94
3.2 Premiados na academia 101
3.3 Um sopro de renovação 105
4 Arte moderna no Brasil 121
4.1 A Semana de 22 revisitada e as exposições de Anita Malfatti e Lasa r Segall 124
4.2 Núcleo do movimento modernista 135
4.3 Desdobramentos da Se mana de 22 143

5 Rumo às abstrações 153


5.1 Guerra e política na capital da República: o Rio de Janeiro 156
5.2 Propostas de insurreição em São Paulo 162
5.3 A 1ª Bienal 165
5,4 Notáveis co nseq uências da 1ª Bienal 169

5
6 Arte contemporânea brasileira
6.1 Formatos inesperados
6.2 Neoconcretismo e experim entalismos no período da ditadura civil-militar
6.3 Protagonismo político na arte
Considerações finais 211
Referências 215
Bibliografia comentada 223
Respostas 225
Sobre a autora 227
Dedico este livro aos meus alun os, à professora Lorena Stedile Perigo (1949 -2007), em
es pecial, e a t odos os professores.

7
Agradeço aos professo res que me inspiraram, Ana Maria Burmester e Fernando Bini,
bem co mo aos que gent ilmente co laboraram com a confecção da obra, Lílian Ávila e
Maria Cristina Perigo.

9
Somos herdeiros de mestres artesãos, escravos, libertos e imigrantes, subjugados pela ideia do "artista"
enquanto erudito trazida junto à Missão Artística Francesa há dois séculos. Toda a construção da
arte "brasileira" se deu posterior a este fato intentando ora desvencilhar-se do julgo europeu, ora
conciliar-se com ele e ora criar uma identidade própria, caracteristicamente "brasileira'~

Luiz Armando Ferrante (aluno de graduação em Artes da Unespar, jul. 2016)

11
Apresentação

O
convite para a redação de um livro sobre a história da arte brasileira logo se transformou em
um grande desafio, uma vez que não é tarefa fácil historicizar a arte. Toda escolha requ er
renúncias, mas, como renunciar a artistas e obras de altíssimo níve l sabe ndo que, em nossa
empreitada, estamos sujeitos a um formato limitador?
No momento da escolha, o historiador descarta artistas e obras que certamente são tão importantes
quanto aqueles que tiveram seu lugar ga rantido na narrativa. Esse profissional j á não almeja relatar a
verdad e dos acontecimentos, porque tem consciência de que se rá sempre do se u ponto de vista qu e os
eventos serão narrados. Assim, inevitavelmente, have rá parcialidade na história escrita por ele. Em sala
de aula, a pesquisadora Ana Maria Burmester, especializada em Teoria da História e Historiografia, abor-
da brilhantemente a problemática que envolve o fazer do historiador. Ela comenta que, não havendo
possibilidade de resgatar a verdade dos fatos, a alternativa é concentrar-se na maneira como eles serão
contados. Para a historiadora, há muito mais do presente na história do que propriamente do passado.
Portanto, é preciso ter o cuidado de não julga r os atores do passado; eles tomaram decisões motiva-
das por outros conceitos, diferentes dos nossos. Para Burmester (2005), o ideal seria tentar resgata r a
história do próprio conceito. Ela enfatiza, ainda, que não se pode partir da ideia de passado estático e
de futuro predeterminado. Nesse terreno repleto de mobilidade, cabe aos historiadores estabelecer a
experi ência com o passado. Dessa forma, as reflexões verbalizadas por Burmester conduzem à clareza
de que é a própria experiência do historiador com o passado da arte brasileira que é narrada.
Temos a consciência de que, por seu ca ráter didático, a história da arte é uma constru ção que au-
xilia na apreensão dos aconteci mentos artísticos. A parcialidade histórica, no entanto, é inevitável'.

A consciênc ia dessa escolha arbi trária resulta da lei tur a de auto res que se debruça ram sobre a hist oriografia da arte, como Ger main
Bazin em História da história da arte, Régis Debray em Vida e morte da imagem: uma história do olhar no ocidente, Hans Belting em O fim da
história da arte e Ar thur Dan to em Após ofim da arte: a arte contemporânea e os limites da história.

13
Gostaríamos que o leitor soubesse qu e não é nossa pretensão abarca r aqui a totalidade da produção
art ística brasileira, muito menos dar uma opinião definit iva no que diz respeito ao t ema. Este livro reúne
apenas reflexões, fruto do t rabalho apaixonado rea lizado na docência.
Preferimos adot ar nest a o bra o encadeamento cronológico dos acontecimentos artísticos,
dada a eficácia dessa form a de abo rdagem. Não há como nega r que nossa linha no rteado ra de assuntos
respeita a linha previamente seguida pela o bra de maio r fô lego so bre históri a da arte no Brasil, História
geral da arte no Brasil, o rga nizada em 1983 po r Wa lt er Za nini. Para a eleição dos tópicos ta mbém nos
amparamos no mat erial o rga nizado por José Ro berto Teixeira Leite, História da pintura brasileira, o bra
de ref erência a qu em se interessa por arte brasileira.
A ideia é a produ ção de uma o bra aberta, se m explicações definitivas, passível de diferentes leit uras
e interpretações. Pensamos em t enta r resgata r o passado no presente po r uma percepção de que há
algo semelhant e ent re os dois, mas consideramos que essa visão t ransfo rma ta nto um qu anto o o ut ro
(Burmest er, 2005). Dessa fo rm a, recorremos à estratégia de ut ilizar obras brasileiras contemporâneas
pa ra incrementar o assunto abo rd ado em cada capít ulo, a fim de brinca r um pouco com a ideia de
passado e present e.
Burmester, com todas as deliciosas provocações, acabo u por ser uma fort e influência no delinea-
mento de nossa postura de historiadores. É nessas reflexões qu e nos amparamos para a escrita deste
livro, o qual se config ura como uma introdução aos principais momentos da arte brasileira .
No Ca pít ulo 1, t ratamos da art e do período pré-colo nial, da qual os primeiros habitantes do Novo
Mundo são os perso nagens principais, seguidos pelo olhar dos art istas qu e, vindos da Europa e de pas-
sagem pelo Brasil, levavam im pressões sobre a fa una, a flo ra, o povo e os costumes daq ui.
No Capítulo 2, enfoca mos o per íodo colonial, com a abordagem do singular barroco brasileiro. Dando
prosseguimento ao debate, no Capít ulo 3, narramos o papel da Missão Art ística Francesa, que chegou
ao Brasil no início do século XIX, a fim de implantar uma academia de arte nos t rópicos com base nos
preceitos neoclássicos europeus.
Os capít ulos seguintes mostram a iniciativa de atores que se esforçaram para ident ifica r o que torna
a arte brasileira singular, ge nuína. Isso acontece no Capít ulo 4, sobre arte moderna, que destaca o

14
esforço dos artistas para erigir um circuito artístico, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, que
bem abrigou os artistas das gerações seguintes. Foram ainda os modernos que operaram a primeira
grande tentativa de ruptura com a tendência de se curvar diante da arte de fora que se fazia presente
havia séculos na arte brasileira.
Aberto o caminho e vencida essa etapa, são abordadas no Capítulos as abstrações que, a partir da
1ª Bienal de São Paulo, acabaram por colocar a produção artística brasileira em pé de igualdade com a
arte de outros países. O Capítulo 6 fica a cargo das obras e artistas cuja narrativa, neste livro, contribui
para elucidar os novos formatos e experimentalismos da arte contemporânea brasileira.
É importante, ainda, frisar que em cada capítulo há um rápido comentário sobre a literatura nos
diferentes períodos históricos, com o objetivo de lembrar que as artes caminham juntas. Por fim, ressal-
tamos que o conteúdo deste livro foi desenvolvido com vistas a uma integração com a web. Dessa forma,
para que seja possível analisar algumas das obras aqui referenciadas, será necessário acessá-las on-line.
Boa leitura!

15
Organização didático-pedagógica
Esta seção tem a finalidade de apresentar os recursos de aprendizagem utilizados no decorrer da obra,
de modo a evidenciar os aspectos didático-pedagógicos qu e nortearam o planejamento do material e
o modo como você, leitor, pode tirar o melhor proveito dos conteúdos para seu aprendizado.

Outrodxloi!ll'Of"laiie éque romomentoentregue,-r.ishouveum.a t end&ici.aN Cur~ao , e to,.

N
oprt'Scrtec;ipi.ub, abordimosr; ...- . U'srupe$-
t re,indig.,.... e do,;~c,i;. 'lloitemwbn: ...-t,:, POO .à Of"ditM. Tr.aLól-w de tr~hosNO dl' todo;,lh:óos.a ç,:rt.is~yksl1j.id.is ~ ~UM<b-5,m.is
rupe~11:.p-~0<110'i...,h"i:vep.iur:<opdo,íl:.., *'Nda;; .aum;i possibAd.idt:delf,il1ff.1m M U,dpdo gr...-.de ptáiiio:;0; v;llori,a,do qur,sloc'li rrgir;,rg-
arqu,tol6gico1NisilllligodD8r.iW:oPMq.,rNaôonilSffl'. i bt.isque singu1-u.-.;am .is n;,,ç<X'S. r.ntlo,s~eque,aorrt....,...-ao fr.isi,Anil.lM..t.at lij.Í l inha
diúpNa'.i,noP6iUÍ,cri.idoem'979.D(lloi$,disclllfffflOS um.a fl'<'di!posif;lop...-.a ~\.lrt;al c;amn'>O,oque f: wnfnn.ió.> qu.irdoc.-4.a wdq,...-.a e...., opr<jr:lo
sd>re r; ce.-imicr; de po,'0'5pri-ntnlno$':.i ce.-ânil::.a deseu!i<=olrg.ismodfff'Í$t a1;de<:f"Ul"um;iil;orogr.1f1.1 1ilpil;Mnentebr~.1(Chiareli,:w.o).
......-,QN",11 e;1 c:>?r.imil::;1 t~&,ir;,11deS.int...-tm,noP.N-.l Oi•eli acn'dl..a quew.ip"OflA'ldit"nl'$$efl'ablmY- 5.ilienl.indoque LowtoNO«.a o úricoa,l'x!o
'11.;,,aeq.,tn:;i;l,ind~sd>re,11dif~u~=utiil;1- jll'4oen:.ifflinhimffl:od.1pnl:1ndi11rt i$1.1equ~N1Nid.idr:,.1mudin;.11ffa$Dlre-spons;lliilidadedl.'b
~di~reo;YO•.ten::ligeN•,.ifim~drixwnuisCWO própra- er.a ~ p.illll a;; mod«nisLóls. lffO podeN "mxular .a hi$16ri.a idr:;,ldomodt'fflismo. Afn.il,
osW1if1c.idoqueNca.Teg.a.P•a isso. dillidmos o tôpico c.....adit"tot.;alçr~~M>....,.,fflo:ntontctx;oi~iw~fl'imcir".igr.il'de...-tist.1~..,,1si:us
m1diasfflinilt"$t~irn'í!,ffliSligd$X1!iseusrilllMS: posttjxla;;p,n;,i,r;,,ç...-.aqudr:<!iquo:-,lr:of'c...,C'nl.r:, 1~q,e'511'1"~a;;!""(Cl"udi,70IO),p.144).
;1pi"IIU'".ilt<.Tpo""...i.wmdnt..quep.-,11;n trii<.J§K.;o:.liwé\l e Arcl\r::dopr~ost.apo.-0,i.Mdlif:;lflrupri~,um;i~q,e"l'ffl.i...:J'"nu:nt...-m.;ísdcmenla;;,.inl.n
~,i,ji:e,11..-tepl~. po<"mriod.un;ÍIS'd;1nposí!;lo dnc;on'!Ílll'l""xl,n,.iD!i dd>An wb~ .apolihnio:;.a ~lodeAnil.iM;llf;,tti e .a «Íli<:.a deMo,t.,.;ru
•f'llnúrii:Mlc.'fflH>f<bindigm.ibfHffO•, re.alU.i<»oo Lowto.Deti.a~esie quep.«e.Mndinio...-.lA'!<:i...-esgoL.ifTlmto.
M~u 0$cM Nimlqff,em Oritll.a,oo M1ode2014-
Abc:..-d- .,;nd,11 o ol'I• dOli • lislr.i ví.;.,,tf:'!i que
tr;ln!IW.im pdo B,-.isi: AR>ct-t [("U-..X, t (161(H-'665t;, f*'l-
t ..- de tipo'i ctnogr.íficos e d'l' ~l....-r:tól$-fflc.rl;n, e F,_,s
.lin,-.:00fl~t('61.2-1680),paisagis~.lmb05residirM11
no pais d1.nn\e o pcriodo dmominado Bm!il lfd/M/Jb.
Cm""8"id;1, d;;N110'Jidc1;t~;10S.-..,.ipi1oro:"Kod•"- Acesieo!ktdoM.-iÔ§C.il(~~(MON)epao;seoepáieipo,;:,,i;lo'1'MiMalf.arú",fl!lilwd.iMI :101!.
pcdiçôes c;ientliç•, de-s1.K;,ndoo...-1$.i ;,h:m~,JONl"n 1,1)'11 M.rseu~.- N~Üf"l~a. AAlU.\b.attl ~Motl" 1>:d1t t,;, •. , . _ . - _ .
M<.Tit, Rugo:~ {1&:n-18!,1:1),q.,e ~""'nopM em dois notllW)«otgJM eipos1111H,e<positOH,•1Ulz.id.il1,l21111à 11til malf.int..Aoesso em: x, Ou. 20t6.
momml.0$ de 1821.i lft2s e mtre 1&4S eoini:iode 18.ç
.......,.,.,........~,,,., ,__,_,._ _ p,,,.... ,,i..;i.,,....._ ........... ~

, ........ - P " . . ."'"'"P•,,,,_pu_0A1- .. c•ht.ol."'

''º

Introdução ao capítulo Para saber mais

Logo na abertura do capítu lo, você é informado a Você pode co nsultar as obra s indicadas nesta
respeito dos conteúdos que nele serão abordados, bem seção para aprofund ar sua aprendizagem.
como dos objetivos que a autora pretende alcançar.

17
Síntese Atividades de autoavaliação
lnióMTI051'5ll' apilulodaoododt"l~UI' à\/Olt.i d.i Mqueólog.i k.Hil'ir.i "lil'de Cuidon Z) BQsl N
dc\t~di:'970. fatoqu,:c....,Írl!Xlcun.ingçlodo lwqueN;,,c~S....-.idaClpiv....-..,noPia.ui, l'ffl
1979-0p~ue,c..-,st ituidop...-m.>Gdequ.-roc;n,t<n~ios~Ul'C.>lógiwi;,pr~.iw-sllgiosdanui!i
M'lt ig.i prl"ll'nr;.a <b homem na Am&ic.i do
5'11 e con,;en,.i rl"!lllui::ffl de 1•ucultur.1 ric.i e complexa,
d~ap0<grupos d!- c;,,çido«-5-colctOft'Sl'Cl'Qffll'õla<s·.igriclAI.Oft'S,qUI' de5l'lllOM'f"im um fll'a<

N;os,:,q.,&-c~~n,smt,imos,isa,-~;11m;ii5,:bbot-;l(U'SdrMM. . e~t..-c'm,noP.-i,r.i~t r05


d<nprffll'inn 8'14'0'i(IUI' .......,.-....,n;oAm.uônY.. 'li;, crdimic;1mM.;u,-;1,dc,sl;,,cMTIO'i ;1dnn,-;,,çlo<b'li
Uf'N'lÍIA'll'f";i.nill; n,11deS~l ..-ém, .ice.ri-nic.1 cerimonaldosimigeN'IT~mm-romai;an-
t«>p<morF.He,IO()ffl(K"f.H. ,_ O((lfpo humanoi;i~ í l,,a,m~~tedils..tiwlitdes•ti,;t.:;a,doswllgeAil!i-O>mh....:-
Cm quid.i, p~os à Mil' indigm.i, c.iolll.l'b505 qlliolllo .-i smtido que dMncK .i e- nw'ifl'5- ;ifw,...~l'no((lntO!UCk,11<!.ld.d<> noc,ólflilt.n, ...._ ;i _,;i .ft('fnaU.;i ((lf~t,
t;,,çÕC'i e ólO'.W"nl ido ~ pd05 qUl' a<s fln,,dwrm. Cm '.W" tr;1t.indode pónt,..-;1ç.,...,.,.-;i1, tht ,am05 <n ;i) A•ll',...,.lrtilndigMi1Dfi511H'iliptoó.ulcb, i0lwet.,do,pl'li5mAlefl!S11dKti'lild.i ;1 §8'ÓKÍl'uud.i
finos dl"ll'rt"ios da trilo do5 lúdiwl:\I, do ~i.n.i mato-gross<T6l"; n;1 ..-le ~mirv, o n.,...,._,i,e
proc"5odet.pi".-m(t ingmmtoda<spmav r oU'iOdl-peN'ln.iW.-,dMa.if'l<tr.iOld11.-udiv«·
sdldedeCD«'5~nl.idipebplum.igl'ffl<a'l.i..est.-.Hill'ir•.
An-spc.,todcKartffl.as~•bl'5,dt-stxMnOS Fl3fls~LeCd.hout.OplilTll'iro~umgrM10ef)M- C) M.Mlospi,it11<ondigMi1Sl' il "'..... ÓO!i,,n. . bo:l<M,~U)~i,Jlll;r.ad05po,dflsp;,"' ;i f.-;Jo
ugGI.I, ç ~ de rr~wi" t odo o pitom;c;odo p.i!; tropic.al'ffl - trlas:; osTndo noskgo<I s<'U pt~ICil depeclll!il'l'.abiflilf, ilctJ,,i1wpo.-.o. ~IOOilm.
gr...:leintn~epdoshml- o:'5,pd,1f...,;oepd,1ílo<-;1dopM. CncrrrMTIO'loc;a,pít..,(omo.-tisl.l d) ôllldiig1Nwcobfeóe ,1domos,pt~Mlfll11!,p.-i1wdill'flNldilrdosilllllfflil 0i.
H'mio R118(.'0da5, o ffliCS imporlM'il.l' dos .-tisW \i~l'S que ~ienm ao Br.Hil, e rcK repatMTIO'i à
3- fi'roycar ft'&llÕH11Kt.abdeoN~e11tealltJ1a.d6001.ififoraT1 t .wrtiállnll'fl,Õesdl511!a pl"°-
l8ila.ilhWI..U.:.sdlaia. dif~ s , ~ s o : n ~ i lil~ afgMil l'il ~"'odo:m;,t.M-..
FiNlrnl'l"lle, par;iM l))í odt'Wl e, MJ"l'Scrnl MTIO'i IA'n inll'rl'S!i.iíllexontecml.'nio (ooll'mpo.-inro:
11 ido:nllnqul'-i1S((lfft)\'~Mcul"""""' (t):
um.10{ll"<içlomodc-rNqUl"rr:fo~osp;i1'!i0'5d;i~if;loó,:nllfu(;ipt;inr;idapo.-Thom;i-s [ ,-,,j.,.-no
( )Alg..ma.obti1\ Dlil5ie.-a.conte°""°d1Wst"1odenui•l5Nudai nosm..-pe,-cle1;im
B,-;isi, l'l"llll'l8'71' 1818, Í;itoquedr:moo5t,.o,....,.~fflt:ntodoil"IU.'~ep,:l;i.-tl'd<l!i .-list.- ~ ~ ' . < .

( )Pod.,os,1fw ma1que ,1\1.iZÕes~ftlllemil\tllbosUlb.l11i1ii1;idot.a1ln\Cffal!ncli5((lfp<lf;i6como


Jltt"f-W''l'> t .ii;oig.,~~ nutop,t.aia.d;,s~mowm os lndigMilsh"~s,1 .;dot•.;odonoos
,1Jflc:.,..is. . .,g~s11bol~U!j.._

..
Síntese Atividades de autoavaliação

Você conta, nesta seção, com um recu rso que o instigará Com estas questões o bjetivas, você tem a oportu nidade
a fazer uma refl exão sobre os conteúdos estudados, de verificar o grau de assimilação dos concei tos
de modo a contribu ir para que as conclusões a que examinados, motivando-se a progredir em seus estu dos
você chegou seja m reafirmadas ou redefinidas. e a se preparar para outras atividades avaliativas.

18
At ividades de aprendizagem Bibl iografia comentada
Q~tõ~ para reflexão
N.i iCldNbóei11.i.11bf~.;o,OUl!i5fillemod.ldesofe1NN1osef\4,;odefúlilfiliO~ecdoci11
Nlttllltlot11ti,t,ca,.,.u,,feipar/tJtoXb...-"""toC1WiOJOlll-*'doll•rncb,~adi>~.aóof,.
blw:osnos~1eámRiidcloi..ôlliOdobrlncol1M11úbcto~tende i1Wmilfltflfco.10
~-locb_...._Voc;f-e-g;;,,wss.;,pr~•.;ilg-.;, ~.1,,c;anoh.'.llrlo~de..:hatalnefllo euit1Co1• ..1,t...~N•C)'Am•alr,.at• w~.....,.,.,.,p..,.~n;id«.;,dade19Ao.~w
dac.;ibeç;;,dosbebb.-~prlmd,o.;,node\üa,c;.....,okef,....do_..,.. , ....,tir.,sk-.,...,l!p<,ado ,;a,..;lefll• po,Jol!l'...,,. r n o n , . . ~ • ~ t i,closull,co,;n,;tll ... ,..Amar.al""treos•...,,.'961

dieKobrlineato,o.ioscoloaflioempa11.am•ftdifeflecl!fi'f>o1q,.,ft ets,&1.Lllpolldo~de&.lsHbra.wtk~iCIDfe•kkil!ile.-,. emiNi.m...10si1>f*:IOi.,Oh10


,..,f.ilfOe-fU' Ófllffli~dedealk.ife§fOO~e, .loswllf",~. ,.,Wfflilliit...lloda.
2. AiOdelbóemodemi,e'11H1.amflltem.itA>,dN1wusgo,1o,S elltibtos,M1g,andep.irteest"'1Jaclos
pdil.iocbepda~de,lnlwmilgr-iepre,oa,paçllocomortgktroMtófoco, f.aeOIIÔO-,d.i flAS&o.u"l,ll{Ofg.). Art eco t1t M1periftükM.twa te<IJl'i1i,dia;ôes, flc9">H,15!f,.1'g'1A.Aliode
t ecMkigbp.i1:1 g..arcbrwmi1 metiilqr.,a"1tllbdedelnfotmac;ôesei55improH8''41iosp;,ri1Aif!f.açô@'i J.illffO:AliosAmboo::l0605,2001.

1.,1......_....,,ontr•oode'"6J..0Sp<M>Sw.diig'"""sloc;,_...;dcirff--h1'*'-.Cf"' Wm.,l@fn
~olw,. óeMt iiCt""SCIDl'e.il ilttecoata1po,Me.. lw.llltir.1,oorgin12.idot111111p111um.;ipo,~óe
t,,iq,-ospet,trAl~..,,....,._...,lualdack e~ nw,nt,,.. ~m~~•g...,.dade-,eg'ostrOfL .ort,g"""°""spo,'"f"fG'"ti~-c.dil__,k>q.,tk1.c:llúllie.Qd•<:.apitak,b~ ,. ..,,. • ...,
lilCjll-.i ieftelóJosollfl!Kit5do6MOÓOsd6t111osdeo,pôl.iÇJoi0e1DC.,.tJri1lecomeRlesobfeosp,ós .,portanlioa,b!.t;,h~ldroait.-i.,,•pt,,..;iók..aa.•19,;o,""tru,.-SL~Oar• e Art,.ft•rlo,dt.;idoi.
e 0&ront1,1sq.,e\Odldntifiaet11alb..m.
.wsk ..,,o,,o.itr,:g111-.comoMn~-flilfl"IOS.,l'.lilllifts.lie . lfiltiwde-,1 01w.i de
tef•kii•~Jftlfflde-~OOl5!Jdodiitll!COOlnlpotliilHIIOl!IJr.ill.
Atividade aplicada: prática
óCZLNCM:\'NIL.ifleOOflf• ildo~XIXeoldodoXX.Ófifl'C'IW""em41t ljX,i,._.dieZltflCM!Wlte.net,,,._
OIK«w,1sd.mlmage• .o q ... Aprlmell;ieibe""1 e~1dacedric.1ôe~t iftffl,cb,1rte Ac@HO Ml; 23 "°"1. 20!6.
lllóigeni br.il'leb;il o.itril, ""1.iHC.,j t. n ~ do i1116U lt.a1o Dfi&IMo ',',ctor àed1ee1('*9,4 195s,).
M.à'II006o,i,c;~..,.,.tos~ õdq..ll\d<lli,Rill,t,.,.desle<:~..ioedewt r,,s lol f e ; d o i ~ ô,m1S111111f*1o~o~1t~lde1NlfflilfjWl'• ~ .. ,~d.i111tebr.Alell.1dosiéc\lbs xix
sollfl!.;ortebr.i4..,,..;o, ro~wru~.1,,d,r...,oib(odei11lelf"...aYd<>ótsllUi6~r.il t JrJL Con..-t• .....,.,_~.,.,..,..••rt~no"""po,~s~f0!1oda•Wdol"ff'do,
eM.xánen1ediit,lli5,porMlprooedNl1esde..mmsnot.,gar,oàilSi.fleffrl,1~0~,5..nee ....,,os ..... ~ ..,...,tos...-U,,,•iu,1"1mpo,UntellAllct:•••w>:tos<:tft""',cr,,t t"'um
. .~~Mllados•"~"'"'.,,."'l"..,,t.....,....d,•n,;b,~ontr..-,_,po,~de..._
IOSlralkrlloso.idll.Ulz.iGIIISffll15tilloW..,o,dl~~f.iW1Nlllril~p«~<klf'ft
de.,_alqúefiw1tiedom.-do.

,,

Atividades de aprendizagem Bibliografia comentada

Aq ui você dispõe de questões cuj o o bjetivo é levá-lo Nesta seção, você encontra comentários
a analisar cri ticamente determinado assunto e a acerca de algum as obras de referência para
aproxim ar conh ecimentos teóricos e práticos. o estudo dos temas examinados.

19
Arte antes do barroco
o presente capítulo, abordamos as artes rupes-

N tre, indígena e dos viajantes. No item sobre arte


rupestre, propomos um breve passeio pelo sítio
arqueológico mais antigo do Brasil: o Parque Nacional Serra
da Capivara, no Piauí, criado em 1979. Depois, discorremos
sobre as cerâmicas de povos pré-cabralinos': a cerâmica
marajoara e a cerâmica tapajônica de Santarém, no Pará.
Na sequência, indagamos sobre a dificuldade na utiliza-
ção da expressão "arte indígena", a fim de deixar mais claro
o significado que ela carrega. Para isso, dividimos o tópico
em duas manifestações indígenas ligadas aos seus rituais:
a pintura corporal, com destaque para as tribos Kadiwéu e
Karajá; e a arte plumária, por meio da análise da exposição
"Plumária: arte maior do indígena brasileiro", realizada no
Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, no ano de 2014.
Abordamos ainda o olhar dos artistas viajantes que
transitaram pelo Brasil: Albert Eckhout (1610?-1665?), pin-
tor de tipos etnográficos e de naturezas-mortas, e Frans
Janszoon Post (1612-1680), paisagista. Ambos residiram
no país durante o período denominado Brasil holandês.
Em seguida, damos destaque ao Brasil pitoresco das ex-
pedições científicas, destacando o artista alemão Johann
Moritz Rugendas (1802-1858), que esteve no país em dois
momentos: de 1821 a 1825 e entre 1845 e o início de 1847.

Deno minam -se pré-cabralinos event os, povos, criações et c. anterio res à
chegada dos portugueses, capitaneados por Ped ro Álvares Cabral, ao
Brasil.

23
Por fim, descrevemos a curiosa expedição realizada na contemporaneidade por artistas que refazem a
histórica expedição científica do artista Thomas Ender (1793-1875) no Brasil do século XIX.

1.1 Arte rupestre no Brasil


Os povos que habitavam o território brasileiro antes da chegada do colonizador deixaram registros do
modo como viviam por meio de artefatos utilitários, desenhos no interior de cavernas etc. 1nfelizmente,
algumas comunidades acabaram se extinguindo em decorrência da mudança nas condições climáticas
e do massacre dos conquistadores europeus. Pesquisas arqueológicas realizadas desde o século XX
revelaram tais indícios mostrando, por exemplo, a presença de animais gigantes em tempos remotos
e de povos que desenvolveram uma surpreendente cosmogonia.
Os vestígios da mais antiga presença do ser humano em solo latino-americano se encontram no pri-
meiro sítio arqueológico brasileiro, atualmente denominado Parque Nacional Serra da Capivara (Figura 1.1).
A arqueóloga brasileira descendente de franceses Niede Guidon (1933-), após passar alguns anos
lecionando em Paris, voltou ao Brasil na década de 1970, com a missão arqueológica de investigar ves-
tígios rupestres nesse local. Veja, a seguir, informações a respeito das descobertas dessa importante
pesquisa realizada no Estado do Piauí.

A região sudest e d o Piauí ocupa uma zona de front eira ent re duas g randes formações geológicas [...]
uma fronteira geológica se ca racteriza pela dive rsidade de seus ecossistemas e pela abun dâ ncia e
diversidade dos prod utos naturais. Nossa hipótese de base foi que essa dive rsidade e ri queza seriam
motivos para facilita r o dese nvolvimento cult ural de povos que aí tenham se estabelecido, o que resul-
taria em uma população relativa mente numerosa, com longa duração no te mpo e co m um padrão social
que permit isse a evolução das tecn ologias, ta nto as de sobrevivê ncia, co mo as ligadas à vid a espirit ual.
Hoj e [2003], t rinta anos depois, podemos afirmar que nossa hipótese de base foi demonstrada [ .. .].

24
Pe nsávamos, então, que esses sítios Figura 1. 1 - Boqueirão da Pedra Furada, Parque
Nacional Serra da Capivara, Piauí
eram recentes pois, co mo todos os
arqueólogos america nos, acreditáva -
mos que a América havia sido povoada
tardiament e e que a América do Sul
havia sido a última parte da Terra a
recebe r represe ntantes do gêne ro
Homo. [...]
As escavações arqueológicas demons-
t ra ram que [...] existiam gra ndes rios
e a região era coberta por fl orestas
tropi cais úmidas [...]. Uma vegetação
abun dante [...] assegu rava a alime n-
t ação pa ra a fauna, majoritariamente
_ ê
........................-... ~

herbívora e de grande porte. (Guidon, importante característica desses grupos foi o desenvolvi-
2003) mento de um sistema de comunicação social por meio de
um registro gráfico de caráter narrativo. Guidon (2003)
Durante milênios, animais de grande porte afirma, ainda, que "Sobre as paredes dos abrigos do
conviveram com os grupos humanos que po- Parque Nacional existe uma densa quantidade de pinturas
voavam a região. As espécies mais comuns rupestres realizadas durante milênios. As representações
eram a preguiça-gigante, o tigre-dentes-de-sa- animais são muito diversificadas [...] ". Entre outros, curio-
bre, o mastodonte, o tatu-gigante, as lhamas samente, há capivaras, veados-galheiros, ca ranguejos,
e os cavalos. Havia também as espécies de jacarés e certas espécies de peixes, hoje desapareci-
médio e pequeno porte, que serviam de ali- das na área, extremamente árida para poder abrigá-las.
mento aos grupos humanos da região. A mais As imagens classificam-se em estilos que caracterizam

25
os grupos étnicos; um desses estilos é Figura 1. 2 - Pinturas do Sítio da Pedra Furada, Piauí

a t radição do no rdeste, cujas caracte-


rísticas são o movimento, o dinamismo
e a encenação de alegria e ludicidade.
A equipe de Guidon encont rou "ves-
t ígios de fo rmas de vida adaptadas ao
meio ambiente, com uma c ult ura rica
e complexa", além de indícios de qu e
possivel mente grupos humanos podem
ter vivido há 60 mil anos em territó-
rio brasileiro, uma descoberta inédita
que contest a teorias j á co nsolidadas.
Primeiramente, nossos ancestrais eram
caçado res-co letores, depo is, ceramis- gerada pela produção de seus alimentos acabou destruin-
tas-agriculto res (lphan, 2016). A ca da do completa mente muitas das inscrições rupestres (G uidon,
descoberta como essa, modifica-se 2003).
a perspecti va que tínhamos da histó- A consciência de preservação dos vestíg ios histó ri cos
ria pré-cabralina. Trat a-se da mais an- é um f enô meno relativa mente recente no Brasil e que
t iga hist ória do país e da que mais se mo biliza grupos de profissio nais e entidades naci onais e
reescreve a ca da nova descoberta na estrangeiros na te ntativa de prese rvar e estudar a histó ri a
contemporaneidade. do Brasil antes da chegada dos port ug ueses. A história re-
Guido n conta ainda que, no início da cente do pa ís está repleta de episódios que narram a pre-
década de 1980, algumas fa mílias ocu- sença de pesquisadores vindos principalmente da Europa
pavam as mesmas cavernas q ue haviam que, enca ntados com as sed uto ras promessas de pesqui-
sido usadas e pintadas pelo homem sas inéditas e com a d iversidade c ult ural, aq ui aca bam
pré-histórico (Figura 1.2), construindo fixa ndo residência. Podemos citar, por exemplo, o art ista
apenas pa redes na frente. A fumaça e pesquisador argent ino Car ybé (1911-1997) e o fotóg rafo
e etnó logo francês Pierre Verge r (1902-1996).

26
Para saber mais
Recomendamos a leitura do texto "Arqueologia da regiã o do Parque Nacional Serra da Capivara: sudeste do
Piauí", de Niede Guidon. Nele você encontra relatos da pesquisadora a respeito das exped ições realizada s
por ela e sua equipe à região do Piauí. Veja a seguir um trecho do relato referente à cidade piauiense São
Raimundo Nonato, onde parte do Parque Nacional Serra da Capiva ra está loca lizado:

As escavações arqueol ógicas permit iram p rovar que os rios corriam na região até a chegada
do co lo nizador [ .. .]. De uma região verde, o pul enta, habitada po r um povo fe liz e rico porque
não passava fome e tinha tempo para criar uma civi lização que nada deve a simi lares de todo
o mundo, passamos a ser uma área em vias de desertificação [.. .]. Os pesquisadores e técnicos
da equipe lutam hoje [2003] para que o imenso tesouro natural e cultu ral da região possa ser
o motor para o desenvo lvimento social e econômico. Assim, a arte rupestre pré-histórica e as
maravi lhas da natureza permitirão que o sudeste do Piauí vo lte a ser o que era até a chegada
dos colonizadores: uma cu ltura de primeiro mundo! (Guidon, 2003)

GUIDON, N. Arqueologia da região do Parque Nacional Serra da Capivara: sudeste do Piauí.


10 set. 2003. Disponível em: <http://www.comciencia.br/ reportagens/arqueologia/ arq1o.shtml>. Acesso
em: 16 nov. 2016.

1.1.1 Cerâmicas marajoara e de Santarém


As cerâmicas encontradas no Piauí exibem simplicidade, mas há outros povos pré-cabralinos cuja pro-
dução é espantosamente elaborada: trata-se das ce râmi cas de Marajó e de Santarém, no Pará. A ce-
râmica e outros vestíg ios materiais dos primeiros grupos humanos que vive ram na Amazônia foram
encontrados no Pará ainda no século XIX.

27
Figura 1.3 - Cerâmica marajoara Graças ao trabalho dos arqueólogos, é pos-
sível conhecer, em Belém do Pará, a impo rta nte
coleção de cerâmica marajoara encont rada.
Ela está no Museu Emílio Goeldi e é compost a
de mais de 2 mil peças. Entre elas, destacam-se
obj etos manufaturados por grupos ind ígenas que
habita ram a região amazônica desde aproxima-
damente 500 a.e. Tendo como base análises da
cerâmica, esses povos foram divididos em cinco
fases arqueo lógicas - ananatuba, mangueiras,
formigas, maraj oa ra e aruã. A fase maraj oa ra,
a quarta na sequência da ocupação da Ilha de
Figura 1.4 - Urna funerária marajoara
Maraj ó, é considerada a mais evoluída. Seus inú-
meros utensíli os - urnas, pratos, vasos e tige-
las ( Figura 1.4) - eram decorados com extremo
apuro e beleza, para utilização ta nto nos afa-
ze res do dia a dia (na preparação de alimentos,
po r exemplo) quanto em rituais de passagem .
O g rande volume de objet os encont rados nas
escavações arqueológicas sugere a im portâ ncia
das festividades loca is, que certamente atraíam
pa rt icipantes provenientes de o ut ros luga res.2
Segundo Amorim (2010, p. 42), ent re os vá-
rios r ituais, havia as cerimônias fúnebres, que
eram "ocasiões propícias para expressar mitos
e crenças e também para a demo nstração de

2 As cerâmicas contidas na Figura 1.3 são peças confeccionadas na atualidade por artesãos locais com base nas orig inais marajoaras
fe itas em tem pos remotos por seus ances trais.

28
poder. A d ecoração mais elabor ada Figura 1.5 - Vaso de cariátides

da urna fun erária demonstrava que


o morto ocupava um lugar de des-
t aque naquela sociedade". Além das
que apresentam form as humanas, ou
ant ropo mo r fas, t ambém há " urnas
com desenhos que po dem represen-
t ar animais, ou de form a híbrida, hu-
mano e animal" (Amo rim, 2010, p. 4 2).
Independente do sexo do indivídu o de-
positado na urna, ela era deco rada de
modo a representar o sexo feminin o.

Para faze r o ente rro de seus


m or tos o povo Ma raj oa ra Vaso de cariát ides. Cerâmica: 13,7 x 20,8 cm. Vaso com apliques zoomorfos e
antropomorfos de cultura Santarém. Restaurado. Cidade de Santarém, PA. Coletor: Curt
desca rnif icava os co r pos. Nimuendaju. Entre os anos 1000 a 1400 a.e. Acervo do Museu Paraense Emflio Goeldi.
So mente os ossos, limpos e
pi ntados de ver melho, eram
depositados nas urn as, po is Em Santarém, outra cidade paraense, foram encontra-
eles acreditavam que os ossos das cerâmicas produzidas pelos ant igos indígenas Tapaj ós.
const it uíam o depós ito da A cerâmica tapajônica ap resenta figuras ant ropomo rfas
alma e as urn as ser iam o meio o u zoomorfas que obedecem a um permanente e invariável
pa ra a passagem a out ra vida. estilo de represe ntação - possivelmente simbolizando algo
Junt o aos ossos ta mbém são muito importante para a vida t ribal - que refl ete a meta-
en cont rados obj etos de uso mo rfose do ho mem com o animal, comum nas crenças
pessoal como ba nco s, tangas, primit ivas. Essa ideia, esboçada por um dos primeiros pes-
pingentes e colares. (Amorim , q uisado res do assunto, comprova -se por meio do estudo
2010, p. 4 2) das etnias indígenas, que revela as cosmologias amazônicas.

29
Assim, pesquisas recentes buscam estabelecer relações entre essas crenças e as representações ar-
tísticas da cerâmica cerimonia l proveniente de acervos museológicos. O conjunto de representações
icônicas associadas a diversas classes de vasilhas cerimoniais aponta para um elemento comum: a me-
tamorfose corporal, característica do xamanismo indígena (Gomes, 2010).
Um exemplo de vasilha cerimonial é o vaso de cariátides, cuja forma sugere um tipo de taça para
consumo de bebida. Sua morfologia também tem implicações simbólicas, uma vez que remete à es-
trutura do cosmos, orientada a partir de um eixo vertical. Esse eixo organiza os três principais pata -
mares cósmicos: o mundo subterrâneo, o mundo dos humanos e o céu, povoado pelos urubus-reis
ou, ainda, pelos urubus-reis de duas cabeças, que recebem as almas dos mortos. "Várias sociedades
sul-americanas partilham da concepção do cosmos em camadas, cujo número[...] é variável, bem como
os va lores atribuídos a elas" (Gomes, 2010).
Os povos da Amazônia consideram a caça e as relações simbólicas com os animais muito importantes.
Essa importância dada aos animais surge do xamanismo praticado por esses povos, uma vez que, para
eles, o mundo seria povoado não só pelos humanos, mas também por outros seres, que seriam preda-
dores e espíritos diversos. Tais seres veem a realidade por uma perspectiva própria. Assim, as onças, por
exemplo, consideram-se seres superiores e veem os humanos como presas, por isso os devoram. Nesse
sentido, o que muda entre os seres é o corpo, uma espécie de roupa ocu ltando a forma real. Entre os in-
dígenas, a possibilidade de mudança corporal está sempre presente,já que certos animais podem assumir
a aparência de outros. Contudo, o xamã é o único capaz de assumir o lugar de outras espécies, transitar
entre os patamares cósmicos, lidar com os espíritos doentes, resgatar as almas capturadas e retornar à
sua condição original. Ao assumir a perspectiva de outros, ele se transforma em onça, por exemplo. A ce-
râmica cerimonial dos Tapajós passa, então, a ser vista como uma tecnologia xamânica, ou seja, artefatos
concretos que serviram de mediadores entre os seres humanos e não humanos, ativando relações entre
os planos cósmicos, por meio do ritual (Gomes, 2010).

30
1.2 Produção cultural indígena
A história oficial não só silencia como nega a história dos indígenas. As formas de resolução dos con-
flitos usadas pelos poderes públicos e pela sociedade civil baseiam-se na violência, no preconceito e
no descaso com esses povos, mas pouco ou nada se costuma falar sobre esse apagamento histórico
(Jesus, 2011) .
Felizmente, esse erro vem sendo corrigido pela historiografia nacional por meio do resgate e da in-
corporação de inúmeros grupos sociais anteriormente marginalizados. Relegados à obscuridade histórica
das vítimas, negados como sujeitos e colocados na invisibilidade, chegou-se ao extremo de afirmar a
completa assimilação e extinção social do povos indígenas. Porém, os movimentos de autodeterminação
que já vêm tomando curso há algum tempo, somados ao crescimento natural dos grupos indígenas e
à tomada de consciência sobre seus direitos como cidadãos brasileiros, desmentem as antigas teorias
e jogam por terra as políticas públicas que anunciavam seu fim. Desde 2011, o conhecimento dos mais
de duzentos grupos indígenas espalhados pelo Brasil impõe à sociedade brasileira a necessidade de
respeito às diferenças e de novas perspectivas em relação aos grupos socialmente marginalizados.
Cada vez mais organizados, são inúmeros os grupos indígenas que vêm afirmando suas identidades e
lutando pela manutenção de seus direitos, sua cultura e seus territórios (Jesus, 2011) .

Para saber mais


Os estudos de Zeneide de Jesus, especialista em história indígena, apresentam um panorama de como
algumas instituições têm tratado a quest ão indígena, bem co mo a possibilidade d e lançarmos novo o lhar
sobre ess as populaçõ es. As colocaçõ es reforçam o espírito no qual procuramos encaminhar a abo rdagem
a respeito da cultura indígena: nossa arte mais g enuína.

JESUS, Z. R. de. Povos indígenas e história do Brasil: invisibilidade, silenciam ento, violência e
preconce ito. ln: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH, 26., 2011, São Paulo. Anais ...
São Paul o, 2011. Dispo nível em: <https://bibliotecaonlinedahisfj.fil es.wordpress.co m/ 201 5/02/
t extozeneiderj.pdf>. Acess o em: 6 dez. 2016.

31
1.2.1 É possível usar a expressão arte indígena?
Utiliza r a expressão arte indígena é no mínimo complicado, visto qu e nós, indivíduos urbanos, elabora-
mos um conceito de art e que não é bem adequado às manifestações dos povos indígenas. Também é
preciso lembrar que os pró prios indígenas não entendem suas ma nifestações como pertencent es ao
âmbito da arte. O que poderia ser encarado, então, co mo arte indíge na? Um arco cerim onial emplu-
mado, uma peneira t rançada qu e ressa lta desenhos decorativos? Sim. Mas não um arco comum e nem
uma peneira comum. Se fo rem o bjetos mais belos do que o necessári o para a sua f unção, é possível
que aí encont remos uma suposta função estética (Zanini, 1983).
Pelos se us afaze res, o indígena, teorica mente, te ri a mais tempo livre para o laze r, para o convívio
humano e as atividades estéticas. Mas o art ista indíge na não se sabe art ista. Ainda assim, é especia l,já
que, além de fazer o que os out ros fazem, faz alg umas coisas melho r do que os o utros: a arte. Para se
ter ideia do papel do "a rt ista" indígena, Darcy Ribeiro conto u que conheceu uma mulher indígena de
60 anos, chamada Anoã, que era uma importa nte dese nhista da t ribo Kadiwé u. Ela era casa da com um
rapaz de menos de 30 anos qu e t inha muito ciúme dela (Zanini, 1983).
A relação qu e o indígena tem com as suas criações não é a mesma relação que nós, urbanos, temos
com as nossas criações. Nós, por exemplo, t emos a necessidade de possuir o objeto, "como pagãos,
preferimos o bezerro de o uro a um incorpóreo Jeová" (Ga rdner, 1996, p. 32). As mais diversas coleções
que fazemos exemplificam bem nossa relação com os o bjetos: colecionamos desde coisas valiosas até
objetos desca rtáveis que ninguém se abaixa ria para pegar. Para o indígena, ao cont rário, o im portante
não é colecionar, mas é ter o art ista ali, fazendo e refazendo.
A memória indígena é passada ent re gerações, geralmente pela oralidade. Tem como caracterís-
t ica o conservado ri smo, o que resulta na preservação do perfil estilístico ao longo do te mpo. As razões
são práticas: "se a t ribo reso lve inova r com flechas, corre o risco de fica r desarmada" (Zanini, 1983) .
A arte acaba refl etindo esse conser va dorismo, uma vez que muitos artefatos produzidos por indígenas
na atualidade se assemelham aos q ue foram pro duzidos há ce nte nas de anos. Cont udo, é bom lembrar
que muitos objetos se perderam, pois suas mais esplendorosas prod uções fo ram e cont inuam sendo
confeccio nadas com materiais perecíveis, e o tempo é im placáve l.

32
A arte produzida por eles est á ligada a manifestações de alegria, mitos, sistema de parentesco, traba-
lho, magia. Infelizmente, po r não ser assimilada pelos colo nizadores, o sent ido da arte indígena se perdeu.
Ao olharmos para as manifestações indígenas recentes, cont udo, podemos imaginar um sent ido para as
peças antigas que ainda persist em em museus.
Mesmo não sendo uma expressão adequada, falaremos de arte indígena at entos ao se ntido qu e
damos a essas manifestações e ao sent ido dado pelos indivíduos que a pro duziram. O que atrai e sur-
preende no estudo dessa art e é pensar que ela não fo i feita para servir e ho nrar uma dominação de
t radição eurocêntrica. Os art ist as indígenas não foram filtrados pela imposição art ística europeia qu e
t ransplantou suas manifestações para a colônia. Dessa forma, poderíamos afirm ar que a arte indíge na
tem uma genuinidade que a nossa perdeu (Zanini, 1983).

1.2.2 Pintura corporal


A t ribo Kadiwéu foi a que manteve os melhores pintores brasileiros que ut ilizaram o corpo co mo su-
porte. Os Kadiwéu, sit uados no pantanal mat o-grossense, pintava m para ident ificar nobres, guerreiros
e o povo comum .

Os finos desenhos corporais realizados pelos Kad iwéu constit uem-se em uma forma notável da
expressão de sua arte. Hábeis desenhistas estampam rostos com desenhos minuciosos e simétricos,
t raçados com a t inta obtida da mistura de suco de jenipapo com pó de carvão, aplicada com uma fi na
lasca de madeira ou taquara. (Povos indígenas no Brasil, 2016)

Essa t ribo, que viveu no te rritório do Mato Grosso do Sul e do Pa raguai, era de t ípicos g uerreiros
com habilidade na montaria e porte f ísico alto e fo rte. No que se refe re aos costumes, há uma curiosi-
dade: as mulheres só t inham filhos de seis em seis anos, o u sej a, quando o anterio r j á pudesse mo nta r
cava los sozinho.

33
Figura 1.6 - Pintura corporal no rosto de mulheres Os padrões abstratos buscam ca-
Kayapó, São Félix do Xingu, Pará
muflar, reestruturar. As mulheres ten-
dem a ser as maquiadoras, mas há
homens que assumiram essa função
e chegaram a se casar com homens.
Um missionário do século XVIII pergun -
tou a um indígena por que ele se pinta -
va, ao que ele teria respondido: "E você,
por que não se pinta? Quer se parecer
com os animais?" (Zanini, 1983).
Algumas tribos saltaram para tatua -
gens indeléveis, mas nenhuma chegou
ao grau de sofisticação das africanas.
Figura 1.7 - Jovens da tribo Karajá exibindo pintura tribal
As tintas são extraídas geralmente da
vegetação: a cor vermelha vem do uru -
cum, a preta esverdeada é extraída do
sumo do jenipapo, a branca da tabatin-
ga. Elas são aplicadas com os dedos,
gravetos, placas ou rolos.
A tribo Karajá, por exemplo, cultiva
a pintura corporal como uma atividade
bastante significativa . Na puberdade,
os jovens de ambos os sexos costuma-
va m submeter-se à aplicação do oma-
rura. Trata-se de dois círculos tatuados

34
nas faces em qu e a mistura da tinta do j enipa- Figura 1.8 - Eduardo Lopes tatuado por Francisco Gusso

po com a fuligem do carvão era aplicada sobre


a face sa ngrada pelo dente do peixe-cachorra.
Hoje, em razão do preconceito da população das
cidades ribeirinhas, os jovens apenas desenham
os dois círculos na época dos rituais. A pintura do
corpo, f eita com o sumo do jenipapo, a fuligem
de carvão e o urucum, diferencia a idade dos in-
divíduos. Alguns dos padrões mais comuns são
as listra s e faixas pretas nas pernas e nos braços.
As mãos, os pés e as faces recebem pequeno
número de padrões representativos da natureza,
especia lmente da fauna (Costa, 1978) .
Atualmente, inúmera s motivações leva m os
indivíduos de sociedades urbanas a realizar ta -
tuagens e outras interferências corporais. Alguns
veem na tatuagem uma forma de completude.
A participação em uma tribo urbana ou o registro
ritualístico de um fato marcante também podem
estar por trás dos motivos. Além da necessidade
de ult rapassar os limites físicos para fortalecer a
alma, a dor, vinculada a muitos dos rituais co n- A arte do circuito oficial, comumente chama-
tempo râneos, é considerada necessária para o da de arte erudita, recentemente tem mantido
amadurec imento. O ho mem urbano não se di- estreitas ligações com as prod uções artísticas
fere, portanto, dos indígenas quando se trata de que comumente têm ficado à marge m desse cir-
marcar o corpo. cuito, como a tatuagem. Tatuadores, ao fl erta r

35
com as instit uições expositivas t radicionais, têm recl amado pra si um luga r de destaque nesse circuito,
visto que alguns corpos tatuados são genuínas o bras de arte. É nesse espírito que damos destaque ao
brasileiro Francisco Gusso (1987-), animado r e diretor de cinema, art ista, ilustrador e tatuado r. Em suas
tatuagens, Gusso resgata elementos de ant igas tatuage ns, inse rindo-se na linha conhecida como O/d
School.

Para saber mais


Confira, nos sites indicados a seguir, exemplos de art istas contemporâneos que utilizam o corpo como
suporte para a arte:

PIUCCO, P. O corpo como tela: body arte pintura corporal. Revista Capitolina, 22 ago. 2014.
Disponível em: <http://www.revistacapitoli na.com.br/body-art-pint ura-corporal/>. Acesso em:
8 dez. 2016.

CO RPO e arte: os art istas que envo lve m o próprio corpo em sua técnica de produção. Blouin
Artlnfo , 30 ago. 2013. Disponível em: <http://br.b louinart info.com/ news/ story/ 952132/corpo-e-arte-
os-art istas-que-envolvem-o-proprio-corpo-em-sua>. Acesso em: 8 dez. 2016.

1.2.3 Arte plumária


A pint ura corporal e a arte plumária indígenas estão ligadas aos rit uais. Na arte plumária há o processo
de tapiragem, q ue consiste em t irar as penas de uma ave e cobrir seu corpo com substâncias extraídas
de ce rtas raízes. Essas substâncias penetram na pele do pássaro, t ingindo as novas penas. Cont udo,
sa bemos que, independentemente desse processo de coloração, nossas aves exibem naturalmente
uma va riedade incrível de be las cores q ue ta mbém são aproveitadas pelos indígenas. É por meio da
arte plumária q ue eles expressam mais vigorosa mente a vo ntade de be leza, o org ulho de si mesmo e
a alegria de viver.
Figura 1.9 - Arte plumária rikbaktsa: grinalda cobre-nuca adornos - como coca res, brincos e colares -
estão relacionadas aos ho mens, ao universo
masculino.
Uma das peças mais importantes da expo-
sição é o Myhara - no me indígena que signi-
fi ca "cobre- nuca", to da emplumada com fios
de ca belos humanos nas laterais. Trata-se de
um ado rno det ento r de uma aura sagr ada.
Há fi os de algodão e flores de penas so bre-
post as e, na parte superi o r da peça, um a
emplumação arminhada, que é rea liza da
exclusivamente pelos indígenas bras ileiros.
A g rinalda é cercada de cuidados, po is há
implicação de po deres maléficos associada
a ela. A confecção da grinalda é uma tarefa
masculina, realizada por ho mens maduros e
com filhos, uma vez que requ er sabedori a e
maturidade. Precisa ser confeccionada em um
Uma grande ex posição ocorrida no Museu t empo certo e as sobras de penas deve m se r
Oscar Niemeye r em Curit iba apresentou peças aproveitadas imediata mente, caso cont rári o
belíssimas da arte plumária brasileira, com o t í- o prod utor e se us fa miliares serão vít imas de
t ulo: " Plumária: arte maior do ind ígena brasileiro" suas forças malignas ( Mart ins, 2014).
(Mart ins, 2014). A propri etá ria do ace rvo, Juliana O cobre-nuca j á fo i muito usado em guer-
Podolan Mart ins, menciono u em palestra qu e se ras interétnicas. Acreditava-se que, ao vesti-lo,
t ratava de uma exposição essencialmente mas- os espíritos da guerra ent ravam em ação, ali-
culina. Segundo ela, a relação de beleza e vaida- mentando toda a nação com coragem para a
de, a sofisticação da plumária, a qualidade dos investida. Até hoje o cobre-nuca orna a cabeça

37
dos comandantes das expedições nos enfrentamen- Figura 1.10 - Ind ígena yanomami

tos cont ra os invasores de suas t erras e nos rit uais de


nominação - aqueles em que se dá no me às crianças
da tribo (Martins, 2014).
Além da indumentária com plumas e das pinturas,
é preciso destacar que há inúmeras o ut ras int erven-
ções corporais. Algumas tribos se dedicam ao cabelo,
realiza ndo cortes em formato de cuia; out ras exi-
bem a testa e a parte de cima da cabeça desbastadas,
exibindo a ca reca; há, ainda, costelet as ras padas
exibindo lo ngas cabeleiras endurecidas com pasta
de urucum e tabatinga. Os ant igos Omáguas, por
exemplo, achat ava m a test a comprimindo o crânio
em tábu as até alcançar uma inclinação de 45º no
primeiro ano de vida do indivíduo, para adquirir um
perfil peculiar (Za nini, 1983).
Algumas t ribos fazem furos nos lobos das o re-
lhas pa ra po rtar brincos o u usa m t o let es de ma-
deira, como a Xava nte. Há os indígenas que asa m-
pliam, como fazem os da tribo Timbira, para encaixar
rodas auriculares do ta manho de um pires de chá.
O ut ras t ri bos fazem o mesmo co m os lábios, pois ex ibem as narigueiras - finos pedaços de ma-
veem nessa prática sím bo los da maturidade mascu- deira no nariz e nas bochechas (Figura 1.10).
lina. Essas intervenções cor po rais vão aumentando Todo esse pa ramento ut iliza do pe los in-
pouco a pouco, da infâ ncia até o casa mento. Os in- dígenas na atualidade atiça a curiosidade e
dígenas costumam deixa r de usar as peças q uando faz imaginar o q uão ri ca deve ter sido essa
nasce o primeiro filho. Há ainda os Yano mami, que cult ura antes da chega da d os po rt ug ueses.
Vej a, a seguir, um t rec ho do documento que po de se r consid erado o mais fa moso da história bra-
sileira, o qual proj eta os ho lofotes no sujeito que fo i protago nista em nosso t erritó ri o há ma is de
500 anos: o indígena.

A Carta de Pero Vaz de Caminha é um documento histórico, co nsiderada como uma cert idão de nascimento
do Brasil. Foi escrita quando do "descob rimento" do país, em 1500, e era dirigida ao Rei D. Manuel 1, de
Po rtugal. Como um diário, a ca r ta narra o primeiro contato dos colonizado res co m as te rras brasileiras
e os indígenas, que são os personagens ce nt rais da narrativa. Leia um t recho:

Neste dia, a horas de véspe ra, houvemos vista de terra! a saber, primeiramente dum grande
monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com gran -
des ar voredos: ao monte alto o cap itão pôs o nome - o Monte Pascoal e à terra - a Terra da
Vera Cruz. [ ...] E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nico lau Coelho para ve r aquele rio.
E tanto que ele começou de ir para lá [...] j á ali havia dezoito ou vinte homens. Eram pardos,
todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos t raziam arcos com
suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os
arcos. E eles os posaram. [...] Afeição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons
rostos e bons narizes, bem -feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. (Caminha, 2016, p. 2-3)

A ca rta o riginal se encont ra no Arquivo da Torre do To mbo, em Lisboa. Em 2000, ela foi t razida ao Brasil,
para as comemo rações dos 500 anos da chegada dos portugueses.

É sabido que os indígenas, primeiros habita ntes do territóri o brasileiro, fo ram explorados, mas-
sacrados e até mesmo dizimados pelos colo nizadores europeus, o que ta mbém ocorreu em o utros
países america nos. A bela narrativa de Pero Vaz, lida tantas centenas de anos mais tard e, soa estranha
aos ouvidos de quem conhece os desdobramentos desse contato ent re o colo nizador e o coloniza-
do. Ao lamento q ue às vezes paralisa, cont rapomos as tantas iniciativas de reavivar a riqueza cult ural

39
indígena do país. Como bem observou Jesus (2011), cabe aos educadores e à historiografia brasileira
resgatar e incorporar grupos marginalizados como os indígenas. Anteriormente negados como sujeitos,
pouco a pouco eles ganham visibilidade por meio dos movimentos de autodeterminação e da tomada
de consciência sobre seus direitos como cidadãos brasileiros.

1.3 O olhar dos viajantes que transitaram pelo Brasil


Após a descoberta do Novo Mundo, as narrativas que chegaram ao Velho Continente atraíram artistas
europeus. Em território brasileiro, eles se ocuparam de registrar, por meio de aquarelas, ilustrações e
gravuras, o exotismo que julgaram testemunhar na fauna, na flora e nos costumes locais.

1.3.1 O Brasil holandês: Albert Eckhout e Frans Post


Em dado momento de nossa história, o Conde João Maurício de Nassau-Siegen permaneceu em Recife
como governador-capitão e almirante-geral do Brasil holandês, entre 1637 e 1644. Trata-se de um
período de importante atividade arquitetônica e artística que se desenvolveu em Pernambuco e em
territórios vizinhos. Esse nobre alemão recebera sólida educação humanística e assim, ao embarcar
para a América do Sul, em fins de 1636, teve a preocupação de trazer muitos artistas plásticos, poetas
e cientistas, pagos não pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, mas por sua própria conta.
Entre os pintores, dois são mais conhecidos: Frans Post, paisagista, e Albert Eckhout, pintor de tipos
etnográficos e de naturezas-mortas, ambos holandeses (Leite, 2000).

A perma nência dos artistas de Nassau no Nordeste representa um episódio isolado e dos mais inte-
ressantes da História da Pintura Brasileira, pois não deixaram discípulos [ ...]. [O período] corresponde
cron ologicamente à prim eira investida da arte holandesa fora do continent e europeu [ ...]. Por não
serem cató licos, esses pintores puderam entrega r-se livremente a gêneros pict óricos até então j amais
praticados no Brasil. (Leite, 2000)

40
Tais artistas debruçaram-se sobre pai- Figura 1.11 - Mulher Tapuia, de Albert Eckhout

sagens, habitantes, fauna e flora. Albert


Eckhout, segundo consta, também teria
feito viagens à Bahia, ao Chile e à costa afri-
cana. Ao contrário de se u companheiro Frans
Post, Eckhout caiu provisoriamente no es-
quecimento, sendo resgatado apenas no sé-
culo XX. Durante a permanência no Brasil,
Eckhout pintava os habitantes, a fauna e a
flora do país, enquanto Post concentrava-se
nos cenários paisagísticos. Embora nem sem-
pre tenha sido assim, hoje há uma tendência a
se considerar Eckhout como um pintor mais
importante do que o conhecido Frans Post,
levando em conta não apenas a qualidade do
que produziu, mas também a modernidade
dessa produção, já que Post foi um artista
mais conservador ( Leite, 2000).
A Mulher Tapuia (Figura 1.11), de Eckhout, tem
como tema central o antropofagismo, mas, ao
contrário de outras obras pictóricas da época,
foi retratada sem alegorias ou clichês indica -
tivos da barbárie, traço comum de uma visão
europeia que tendia a ressaltar exageradamente
tudo aquilo que fugisse aos seus padrões so-
cioculturais. Destituída do forte impacto cau- ECKHOUT,Albert. Mulher Tapuia. 1641. 1. óleo sobre tela: color.; 264 x 159 cm.
Museu Nacional da Dinamarca.
sado pela existência do canibalismo em terras

41
brasileiras, a obra transmite certa tranquilidade, apesar dos membros decepados que a personagem traz
consigo. Estranhamente, t ambém associa uma mulher à prática antropofágica. Acredita-se que Albert
Eckhout fez sua escolha com base em referências da própria cultura indígena, visto que cabia à mulher os
trabalhos referentes à alimentação do grupo e t ambém aos rit uais da refeição canibal. Com referência ao
sentido da prática antropofágica em relação aos inimigos, acredita-se atualmente que os Tapuia praticavam
apenas o chamado endocanibalismo, ou sej a, consumia-se a carne de um parente querido como forma de
homenageá-lo, atit ude que certamente não se aplicaria a um inimigo ordinário. A indígena posa ao lado de
um marimari, árvore que produz vagens de aspect o longo e arredondado, e de um cão guará domesticado
(Instituto Ricardo Brennand, 2016).

De modo geral, as pinturas de Eckhout, obedecem a um esquema composicional único, com predo-
minância de elementos vert icais em oposição a um horizonte baixo, geralmente a um terço da altura
do quadro. Solitár ios, os personagens fita m face a face o espectador, destacando-se em meio à
vegetação no exato centro do espaço pictórico. Acom panham-nos por vezes animais que sublinham
a índole de cada retratado. (Leite, 2000)

Nos personagens de Eckhout, não há os movimentos dinâmicos do barroco, mas, sim, a dureza es-
t ática de muitas obras dos pintores renasce ntist as. Embora certas plantas e veget ais possam ser fa cil-
mente identificáveis, nas suas composições há espécies estilizadas, imaginárias. Além dessa estilização
que cont ribui grandement e para a dramaticidade da obra, o cont raste radica l ent re a postura serena
da indígena e os restos humanos do horrendo festim geram no espectador algo de pert urbador em
relação à Mulher Tapuia. (Leite, 2000).
Frans Janszoon Post era filh o de um pintor de vit rais e irmão mais j ovem de um arquiteto e
ta mbém pintor. Residiu no Brasil ent re 1637 e 1644, onde desenvo lveu grande atividade, documenta n-
do a paisage m e tomando apontamentos de portos e fort ifi cações. Pode também te r visitado out ros
recantos gove rnados pela Companhia Holandesa das Índias, provave lmente a África (Leite, 2000).
Como muitos quadros de Frans Post são assinados, e ce rca de 40 são datados, não é dif ícil realizar
uma reconstrução estilística de sua obra. Podemos dividir a carreira de Frans Postem três períodos:

42
Figura 1.12 - Carro de bois, de Frans Post

POST, Frans. Carro de bois. 1638. 1 óleo sobre tela: color.; 61x 88 cm. Museu do Louvre, Par is.

antes, durante e depois da viage m ao Brasil. Post não produziu muitas obras, tendo executado entre
200 e 300 no decurso de uma carreira de mais de 40 anos. Dessa forma, não teve muitos clientes, a
maior parte deles, quem sabe, antigos colonos no Brasil. Prova disso são os modestos valores que
suas paisagens atingiam no século XV II, indicativos da pou ca popularidade de se u trabalho na época.

43
No Brasil, Post confirmou sua vocação pictórica, transformando-se em um grande paisagista. O pintor
conseguiu traduzir todo o pitoresco do país tropical. Sua composição é clara e avessa a excentricidades,
conferindo um aspecto simples e sem ornamentações desnecessárias às suas obras. É, antes de tudo,
um observador fiel do que está à sua volta, característica dos pintores que acompanhavam a comitiva
de Maurício de Nassau, como era também o caso de Eckhout. A eles fora dada a função de documen-
taristas, ou seja, de recolher material ilustrativo sobre a viagem efetuada pelo Brasil (Leite, 2000).
Apesar da sua função documentarista, não se pode negar o valor estético de suas paisagens tro-
picais, tema que executou com maestria e para o qual não teve adversários à altura. Frans Post deu
seu toque pessoal ao estilo paisagístico holandês da época e, apesar da frieza aparente de suas telas,
criou uma versão realista e ao mesmo tempo poética das paisagens brasileiras. Num momento em que
a Europa dava ênfase a uma arte de inspiração religiosa, foi o primeiro artista a primar por uma visão
fiel da natureza e dos homens em terras americanas, conquistando, sem sombra de dúvida, um lugar
de destaque na história da arte (Leite, 2000).

1.3.2 O Brasil pitoresco das expedições científicas


Com a abertura dos portos ao comércio exterior, em 1808, inúmeros artistas, amadores e profissionais,
começaram a chegar ao país atraídos pela exuberância da natureza e pelo desejo de se aventurar pelas
exóticas terras brasileiras. Alguns apenas de passagem, outros decididos a permanências mais longas,
parte deles vinha buscar nas terras tropicais um novo mundo, uma nova fonte de inspiração para suas
ideias e se us ideais, e pretendiam enriquecer com a natureza primitiva, seus povos e costumes extrava-
gantes. Já outros tantos aportavam no país motiva dos pela tradição romântica das viagens pitorescas,
fartamente documentadas por artistas estrangeiros ou documentaristas engajados nas muitas expe-
dições científicas realizada s pelo interior do Brasil. Tais viagens, graças à técnica da litografia, resulta-
vam em grande volume de trabalhos, desenhos e aquarelas que, transformados em álbuns de imagens,
conquistaram grande sucesso nos países europeus, pleiteados por inúmeros colecionadores do exótico.
Certamente eles foram responsáveis por acender a imaginação de muitos aventureiros, que trocariam
a pátria pela busca de novos horizontes (Leite, 2000).

44
Entre t antos artistas ave ntu reiros, destaca-se a fi gura de Johann Moritz Rugendas, o mais impor-
tante desses viaj antes que passaram pelo país. Descendente de uma família de art istas alemães, deixou
a pátria aos 19 anos em direção ao Brasil, fascinado pelas gravuras do art ista austríaco Thomas Ender,
que retrat avam a natureza do país e foram reunidas numa exposição em Munique, quando Rugendas era
apenas um estudante. Esteve no Brasil em duas temporadas - a primeira ent re 1821 e 1825 e a segunda
ent re 1845 e 1847 -, além de ter viaj ado pa ra outros pa íses america nos, como México, Bolívia e Chile.
Produt ivo, legou à posteridade um acervo de mais de 3 mil desenhos e aquarelas sobre a vida em solo
america no, doado integralmente ao rei da Baviera em t roca de uma pensão vita lícia. Ent re suas obras,
destaca-se Viagem pitoresca através do Brasil, livro com descrições e ilustrações da vida no Brasil desse
período, publicado em Paris no ano de 1834, em alemão e francês, de suma im portância pa ra a história
da arte nacional. Seu t raço sintético e expressivo emociona pelo colorido sensível que imprimiu às suas
pa isagens e pela delicadeza das cenas cotidianas que ret ratou (Leite, 2000) .
A primeira oport unidade de vir ao Brasil surgiu pa ra Rugendas qu ando o Barão Georg Heinrich von
Langsdorff, cônsul no Rio de Janeiro, precisando de um desenhista-documentarista para uma expedi-
ção cient ífica qu e orga nizava, cont ratou-o paraj unta r-se à missão da qu al ele mesmo participaria. Sua
ambiciosa meta era atravessa r o interior do Brasil, subindo do Rio de Janeiro até alcançar as terras do
Amazonas. Foi assim que, em 1821, Ruge ndas desembarcou no Brasil, ju sta mente em meio às pert ur-
bações políticas que culminariam na Independência, em 1822, o que posterga riam por algum tempo
o início da expedição, em razão das obrigações do cargo ocupado por Langsdorff. O artista então
aproveito u sua estadia na cidade para exercer in úmeras e minu ciosas observações que viriam a se
tornar preciosos registros gráficos de sua passagem pelo Rio e imed iações. Essa sit uação permanece u
até 1824, quando Rugendas iniciou uma viage m em companhia do cônsul pela região das Minas Ge rais.
Alguns acontecimentos inesperados ocorridos no período o fizeram desistir da missão Rio-Amazô nia,
como a demência precoce de Langsdorff e a morte t rágica do art ista que subst ituiria o pintor alemão
na expedição. Assim, em 1825, Ruge ndas deixou o Brasil pa ra retornar ao seu país de origem, leva ndo
consigo os originais que deslumbrariam a Europa (Leite, 2000).

45
Figura 1.13 - Viagem pitoresca através do Brasil, Jogo da Capoeira, de Johann Moritz Rugendas

.,,.

JOGO DA CAPOEIRA

RUGENDAS, Johann Morit z. Viagem pitoresca através do Brasil, Jogo da capoeira. 1835. Lâmina 97. Fundação Biblioteca Naciona, Brasil.
Figura 1.14 - Índios botocudos, de Johan n Moritz Rugendas Antes de chega r à Alemanha, o ar-
Jt a:
tista deteve-se por algum tempo em
Paris, onde editou a obra Viagem pito-
resca através do Brasil. Somente após
um intervalo de vinte anos ele retornou
ao Brasil, onde criou fortes laços de
amizade com a família imperial brasilei-
ra, retratando inúmeros de se us mem-
bros. Foi também nessa época qu e o
artista concorreu às Exposições Gerais
de Belas Artes, nos anos de 1845 e
1846 (Leite, 2000).
Assim, Rugendas é, com justiça,
conhecido como o pintor das Américas,
pela qualidade, sensibilidade e expres-
sividade com que retratou a terra, a
gente e os costumes dos países lati-
1fo
Ê no-a meri ca nos Brasil, Peru, Uruguai,
3
o
i3 Argentina, México, Bolívia e Chile.
Tanto nos desenhos como nas aquare-
las ou óleos, soube imprimir uma suave
emoção que fez transparecer nas cores
RUGENDAS, Johann Moritz. Índios botocudos. [ca. 1835]. 1litografia. Fundação Biblio- de suas paisagens e na delicadeza da
t eca Nacional, Brasil.
sua pintura de gênero (Leite, 2000).

47
1.3.3 Revisitando uma expedição científica do Brasil colônia
No dia 26 de maio de 2004, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Teresópolis (RJ), recebeu uma
curiosa visita. Cinco artistas plásticos - dois brasileiros, dois alemães e um americano - desembarcaram
em frente ao Centro de Visitantes, na antiga casa do botânico Karl von Martius (1794-1868), munidos
de filmadoras, blocos de desenhos, câmeras fotográficas e binóculos. À frente do grupo, o historiador
austríaco Robert Wagner indicava o caminho aos exploradores. "Estamos trilhando os passos do pin-
tor austríaco Thomas Ender, que esteve aqui com um grupo de cientistas entre 1817 e 1818", explicou o
pintor Bartolomeo Gel pi, um dos integrantes brasileiros da expedição. "A missão científica original foi
encomendada pelo imperador austríaco Francisco 1, pai da arquiduquesa dona Leopoldina, por ocasião
do casamento da filha com D. Pedro 1, herdeiro do trono português" (Bienal de Arte de São Paulo, 2004),
completa. Os resultados da expedição atual, idealizada pelo americano Mark Dion, foram expostos em
2004 na 26ª Bienal de Arte de São Paulo. A expedição da qual Thomas Ender, professor da Academia
de Belas Artes de Viena, participou percorreu áreas de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, onde
foram produzidos seus desenhos e aquarelas. Logo no início da missão, ao aportar na cidade do Rio, o
paisagista procurou retratar a área urbana e também as cercanias da cidade, como uma visão de 360º
da Baía de Guanabara. A expedição atual resultou de uma parceria entre a Academia de Artes de Viena
e a Fundação da Bienal de São Paulo e foi comandada por Dion e Wagner, que revisitaram os locais
anteriormente retratados por Ender no Rio e em São Paulo (Bienal de Arte de São Paulo, 2004).
A dedicação da equipe de 2004, liderada por Mark Dion na idealização e na execução do projeto para
a 26ª Bienal, é símbolo de um interesse recente de pesquisadores da arte pelos trabalhos dos viajantes.
Recente porque por muito tempo fomos desmotivados pelos ideais modernistas, que contribuíram
para que as obras dos artistas viajantes fossem deixadas de lado, por representarem, na opinião dos
modernos, uma visão tendenciosa e exótica da América.
Síntese
Inicia mos este capítulo dando destaque à vo lta da arqueóloga brasileira Niede Guido n ao Brasil na
déca da de 1970, fato que culminou com a criação do Parque Nacio nal Serra da Ca piva ra, no Piauí, em
1979. O parque, constituído por mais de quatrocentos sít ios arqueológicos, preser va vestígios da mais
ant iga presença do ho mem na América do Sul e conserva resquícios de uma cultura rica e complexa,
deixada po r grupos de caçado res-coleto res e ceramist as-agriculto res, que desenvolveram um impor-
tante sistema de registro gráfico narrativo em épocas remotas.
Na sequ ência, apresentamos as cerâmicas mais elabo radas de Maraj ó e Santarém, no Pará, rastros
dos primeiros grupos que vive ram na Amazônia. Na cerâmica maraj oara, dest aca mos a decoração das
urnas fun erárias; na de Santarém, a ce râmica cerim onial dos indíge nas Tapaj ós, com suas form as an-
t ropomor fas e zoomor fas.
Em seguida, passamos à arte indígena, caut elosos qu anto ao sent ido que damos a essas manifes-
t ações e ao sent ido dado pelos que as produzem. Em se trat ando de pintura corporal, dest acamos os
finos desenhos da tribo dos Kadiwé u, do pantanal mat o-grossense; na arte plumária, o interessante
processo de t apiragem (tingimento das penas) e o uso de penas naturais, dada a extraordin ária diver-
sidade de cores apresenta da pela plumagem das aves brasileiras.
A respeito dos art istas viaj ant es, destacamos Frans Post e Eckho ut. O primeiro foi um g rande pai-
sagist a, ca paz de traduzir todo o pitoresco do país tropical em suas t elas; o segundo nos legou se u
grande interesse pelos habitantes, pela fauna e pela fl ora do país. Encerramos o ca pítulo com o artist a
alemão Rugendas, o mais impo rtante dos art istas viaj antes que vieram ao Brasil, e nos reportamos à
sua maio r o bra: Viagem pitoresca através do Brasil, publica da em 1834.
Finalmente, para arej ar o debate, acrescentamos um interessa nte aco ntecimento co nte mpo râneo:
uma expedição moderna que refez os passos da expedição cient ífica capita neada po r Thomas Ender no
Bras il, ent re 1817 e 1818, fato que demo nstra o renascimento do interesse pela arte dos art istas viaj antes .

49
Atividades de autoavaliação
,. Leia as seguintes colocaçõe s e assinale a correta:
a) As tribos indígenas brasileiras desenvol veram uma elaborada arte de tatuagem como as tribos
africanas.
b) A antiga produ ção artística indígena, de caráter perecível, está inteiramente disponível para ser exposta
e estudada na atualidade.
c) Não sendo conservadores em seu s hábitos, os indígenas não se preocupam com a manutenção das
tradições.
d) Os costumes indígenas são perpetuados entre as gerações, principalmente, por meio da oralidade.

2. O corpo humano é a base física mais frequente das atividades artísticas dos indígenas. Com base nessa
afirmação e no conteúdo estudado no capítuo, assinale a única alternativa correta:
a) A arte plumária indígena brasileira é produzida, sobretudo, pelas mulheres e destinada a ser desfrutada
por elas.
b) As tribos brasileiras, de modo geral, dedicam grande atenção à cabeleira, exibindo centenas de formas
distintas de cortes de cabelo.
c) Muitos pentes indígenas e a maioria dos mais belos leques não são utilizados por ele s para a fun ção
prática de pentear e abanar, a qual supomos que teriam.
d) O indígena se cobre de adornos, principalmente, para se diferenciar dos animais.

3. Provocar reflexões e estabelece r relações entre culturas distintas foram também intenções deste capítulo.
Leia as afirmativas sobre as diferenças e semelhanças entre a arte indígena e a arte moderna brasileira
e identifique-as como verdadeiras (V) ou falsas (F):
( ) Algum as obras bra sileiras contemporâneas e mod erna s apresentadas nos museu s perd eram
a genuinidade observada na arte indígena.
( ) Podemos afirmar que as razões que movem as tribos urbanas a adotar interferências co rporais com o
piercings e alargadores sã o muito próximas das que movem o s indígenas brasileiros a adotar adornos
auriculares, narigueiras e botoques labiais.

50
( ) A atenção à palavra pronunciada est á relacionada à ut ilização de bot oques labiais, como evidenciou a
curadora da exposição de arte plum ária indígena realizada no Museu Oscar Niemeyer.
( ) Na so ciedade urbana atual, opta -se por interferências corporais para se distanciar do padrão de
normalidade assumido pela maioria.

4. Identifiq ue as afirmativas a seguir co mo verdadeiras (V) ou falsas (F) :


( ) As miçangas existem nas aldeias indígenas há séculos, em quantidade espantosa, como um dos maiores
tesouros ad mirados pelos índios.
( ) Uma urna funerária de uma t ribo indígena qualquer não pode ser considerada arte indígena e figurar
num museu ao lado de uma impressionante urn a funerária da ce râmica maraj oa ra, produzida pelos
povos pré-co lombianos.
( ) Em geral, o indígena tem a mesma perce pção que nós, ditos "civilizados", te mos a respeito do artista,
um ser especial que pode ser idolatrado e lembrado por sua habilidade diferenciada.
( ) Os rit uais indígenas são às vezes parecidos com os rit uais da sociedade urbana. Por exemplo,
as ce rimônias de casamento e t oda a preparação que as antecede.

5. Assinale a única alternativa correta:


a) A despeito de todas as leis e cam panhas ecológicas, pássaros são diariamente e espantosamente
sacrifi cados para a constru ção do s adornos plumários indígenas.
b) É possível dizer que os indígenas troca m de adereços plumários e aplica m a pint ura co rp oral de curta
duração, da mesma fo rma que a noss a sociedade "civilizada" se paramenta para diferentes o casiões.
c) As diferente s indumentárias ind ígenas evocam sim plesmente uma opção estética, sem qualquer
relação co m a definição de papéis sociais desempenhados na t ribo.
d) Pode-se afirmar que, durante o século XX, a historiografia brasileira deu ate nção satisfatória a
aspectos relativos à cultura indígena.

51
Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Na sociedade atual brasileira, muitas maternidades oferecem o serviço de furar as orelhas e co loca r
brincos nos bebês recém-nascidos. O uso do brinco é um hábito que tende a se manter com o
crescimento da menina. Você enxerga nessa prática alguma rela ção com o hábito indígena de achatamento
da cabeça dos bebês em seu primeiro ano de vida, como observado em uma tribo brasileira na época do
descobrimento, ou os colocaria em patamares diferentes? Por quê?

2. A sociedade moderna, extremamente mutável em seus gostos e hábitos, em grande parte estimulados
pela moda e pela publicidade, tem uma grande preocupação com o registro histórico, fazendo uso da
tecnologia para guardar uma imensa quantidade de informações e assim preservá -las para as gerações
futuras. Ao contrário de nós, os povos indígenas são conse rvado res em seus hábitos, que se mantêm
íntegros pela tradição, mas deixam à oralidade e à memória dos mais ve lhos a guarda de seus registros.
Faça uma reflexão sobre esses dois modos distintos de organização sociocultural e comente sobre os prós
e os contras que você identifica em cada um.

Atividade aplicada: prática


Observe as duas imagens a seguir. A primeira exibe um exemplar da cerâm ica de Santarém, da arte
indígena brasileira; a outra é uma escultura moderna do artista ítalo-brasileiro Victo r Brecheret (1894-1955).
Munido dos con hecimentos recém-adquiridos na leitura deste capítulo e de outras fontes de pesquisa
sobre arte brasileira, coloque-se na posição de um crítico de arte que analisa duas obras temporal
e culturalmente distintas, porém procedentes de um mesmo lugar, o Brasil. Reflita sobre o que as un e e

52
o que as distancia e comente a segu inte afirmação: muitas ob ras brasileiras contempo râneas e modernas,
apresentadas nos museus, perderam a genuinidade obser vada na arte indígena. Nesse caso, em especial,
você acredita que essa afirmação procede?

Figura A - Vaso de cariátides Figura B - Bailarina, de Victor Brecheret

Vaso de cariátides. Cerâmica: 13,7 x 20,8 cm . Vaso com apliques


BRECHERET, Victor. Bailarina. [ca. 1920]. 1bronze. 29 x 12 x 29 cm .
zoomorfos e antropomorfos de cultura Santarém. Restaurado. Cidade de
Acervo Banco ltaú, Brasi 1.
Santarém, PA. Coletor: Curt Nimuendaju. Entre os anos 1000 a 1400 a.e. Acervo
do Museu Paraense Emílio Goeldi.

53
Arte colonial brasileira
o primeiro item dest e capítulo, destaca mos que,

N no Bras il, o barroco foi tão expressivo quanto


na Itália, o u mesmo nos dema is países eu ropeus,
além de muito singular. Para isso, apresenta mos o mais
impo rtante personagem do barroco no Bras il: Antô nio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738?-1814) , dando desta-
que para a composição das 66 mo numentais estátuas de
cedro que representam a paixão de Cristo e dos 12 prof et as
em pedra-sabão.
No item seguinte, apresentamos a harmo nia co m-
pleta entre arquitetura e o rnamentação d a Ig rej a de
São Francisco de Assis, em O uro Pret o, de auto ri a de
Aleijadinho, para depois cont rapo r os tet os das ig rej as
do europeu Pietro da Corto na (1596-1669) com a pintu-
ra no teto da Igreja de São Francisco de Assis, realizada
po r Mestre Ataíde (1762-1830). Em seguida, explo ramos o
ca rnavalesco barroco brasileiro, destacando suas singula-
rid ades em relação ao barroco euro peu.
No último item, damos evidência à Igrej a da Ordem
Terceira de São Francisco, em Sa lvado r, ao seu interi or
banhado a ouro e ao seu pátio inte rno com ricos painéis
de azulej o do século XVIII, parte de les criada em Lisboa.
Ao fi m, da mos um sa lto temporal até os neobarrocos bra-
sileiros Adria na Varej ão (1964-) e Farnese de Andrade (1926-
1996), destacando as influências barrocas na o bra desses
art istas.

57
2.1 Singularidade do barroco no Brasil
No Brasil, o barroco, também conhecido como estilo colonial, foi tão eloquente quanto na Itália ou nos
demais países europeus. A arte importada erudita atraiu o espírito popular brasileiro.
Durante o século XVII, a Igreja teve um importante papel como mecenas da arte colonial. Pensar em
barroco é pensar na Igreja que pretende se comunicar com os indivíduos, objetivando envolver ainda
mais os fiéis e conquistar novos súditos. O barroco é a arte da persuasão.
No Brasil, esse estilo se caracteriza pela arquitetura sóbria, em alguns casos de aparência monu-
mental, com fachadas despidas de ornamentações profusas e apresentando plantas simples e retilíneas.
Uma arquitetura bem ao gosto maneirista' europeu, como exemplifica a Igreja e Mosteiro de São
Bento, em Olinda ( Figura 2.1). O estilo origina-se no país com o estabelecimento das inúmeras ordens
religiosas que aqui chegaram, como os franciscanos, carmelitas, jesuítas e beneditinos (Enciclopédia
ltaú Cultural, 2016c).
"A arquitetura é para o barroco um esqueleto que deve ser recoberto de carne" (Bardi, 1975, p. 68)
Por fora, muitas igrejas exibem simplicidade, mas o interior é ricamente decorado. Compare a Figura 2.1,
que mostra a fachada da igreja em Olinda, com a Figura 2.2, que mostra seu interior.
O Mosteiro São Bento foi concluído no final do século XVI, mas foi destruído pouco mais de 30 anos
depois por um incêndio que se espalhou por toda a cidade de Olinda na ocasião da invasão holandesa.
A reconstrução começou em 1660 e finalizou cem anos depois. Em relação à decoração interna, o que
mais se destaca é o esplêndido altar principal em madeira de cedro, todo folheado a ouro. Uma curio-
sidade é que o altar foi restaurado no início do século XX e, em seguida, desmontado e exposto nos
Estados Unidos. Na ocasião, foi a principal atração da exposição "Brasil: Corpo e Alma". Posteriormente,
retornou ao se u local de origem.

Em geral, o moviment o maneirista é visto como uma reação contr a a harmonia, a ordem e a per feição do sécu lo XV e do início do
sécu lo XVI. Prevaleceu na Itália at é 1600 e caract erizou-se pelas "composições elaboradas, formas exageradas e movimentos dramá-
ticos" (O livro da ar te, 1999).

58
Figura 2.1 - Fachada da Igreja e Mosteiro São Bento, Olinda, Pernambuco

O interio r das igrejas bras ileiras coloniais é muito admirado por estrangeiros. É possíve l imaginar as
sensações causadas por tão exuberante altar exposto no exterio r. Como vimos, o exterio r dos edifícios
costuma ser mais sóbrio. A afirm ação de Pietro Ma ria Bardi, de q ue a arquitetura no barroco brasilei-
ro é um esqueleto a ser recoberto, é per feitamente cabível quando nos deparamos com as prin cipais
cidades históricas cujas mais notórias igrej as são ricamente preenchidas.

59
Figura 2.2 - Altar-mor no interior da Igreja e
Mosteiro São Bento, Olinda, Pernambuco
2.1.1 Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho
O mais importante personagem do barro co
no Brasil é Aleijadinho, um importa nte artis-
ta e arquit eto do Brasil setecent ista. Era filho
de um mestre de obras e arquiteto port u-
guês com sua escravizada. O conhecimento
que Aleijadinho t inha de desenho, arquitetu-
ra e escult ura foi obt ido de seu pai. Consta
que ele t eria frequentado um internato em
O uro Pret o, onde adquiriu certa erudição.
Event ualm ente assistia o pai nos t rabalhos
que ele rea lizava, t rabalhando ta mbém com
o t io, que era enta lhado r. Abriu uma oficina
e chegou a liderar uma sé rie de outros pro-
fissionais. Vive u em Minas Gerais.
No ensaio críti co "O Aleijadinho", de 1928,
Ma ri o de Andrade analisa a o bra do fa moso
escultor barroco. Sua análise se faz baseada
na conjunt ura histórica e social da época em
que o art ista vive u e com base em sua história
de vida. Segundo Mári o de Andrade, "a pe-
culiaridade do Barroco de Aleijadinho, apesar
do modelo port uguês subj acente, decorre do
contato co m as especifi cidades da cult ura

60
brasileira de Minas Gerais [...]" (Andrade, citado por Figura 2.3 - Detalhe da cena Cris to
carregando a cruz, de Aleijadinho
Gonçalves, 2007). Mario de Andrade enfatiza que o
artista Aleijadinho era mulato e produzia sua arte com
base nas singularidades do Brasil.

A mestiçagem, para ele [Mario de Andrade], é


algo a ser valorizado; é, por excelência, um ele-
mento definidor da cu ltura brasileira, um funda -
mento cultural que explica o que lhe é próprio.
O autor diz: "os mulatos não eram nem melho-
res, nem piores que os brancos port ugueses
ou negros africanos. O que estavam era numa
situação particula r: não t inham classe social,
eram livres, numa liberdade vazia", querendo
dizer com isso que tinham possibilidade de criar
ALEIJADINHO. O Cristo carregando a cruz. 1 escultura em madeira
va lores diferentes, va lores novos. O mestiço
policromada. Santuário de Bom Jesus de Mat osinhos, Minas Gerais.
não é somente u m novo tipo étnico, mas é
sobretudo um tipo social novo. (Gonçalves,
2007)

Mario de Andrade foi um dos primeiros a nota r que a doença dividiu em duas fases nítidas a obra
do Aleijadinho: a fase sã, de Ouro Preto, que se caracteriza pela serenidade equilibrada e pela clareza
mag istral, e a fase da enfermidad e, em que surge um se ntimento muito mais gótico e expressionista.
De fato, foi em Congonhas, no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos,já doente e a partir de 1796,
que Aleijadinho dedico u dez anos àquela que seria a maior obra de sua vida. São 66 monumenta is
estátuas de cedro representando a paixão de Cristo, além dos 12 profetas em pedra-sabão que trans-
figuram a paisagem.

61
Figura 2.4 - Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, Congonh as do Cam po, Minas Gerais

Num percurso de 200 metros, encont ramos um exuberante conjunto de arte barroca q ue concent ra
78 escult uras. As capelas o u o ratórios, com os personagens em tamanho natural, teatralizam a últ ima
ceia, a agonia no ho rto, a prisão de Cristo, sua flagelação e co roação de espinhos, sua subida ao cal-
vário e, finalmente, a cru cificação.
A arte pro duzida no interi or de Minas Gerais ganho u fa ma mundial graças a Germain Bazin, res-
ponsável pela co nse rvação das o bras do Museu do Louvre. Ele torno u a arte de Aleijadinho conhecida

62
internacionalmente com seus livros A arquitetura religiosa barroca no Brasil, de 1956, e Aleijadinho e a es-
cultura barroca no Brasil, de 1963 (Mucci, 2007).

2.1.2 Bíblia de pedra-sabão banhada no ouro das minas 2


No final do século XVII, bandeirantes passavam pela região onde hoje se localiza Congonhas à procura
de ouro. Eles deram esse nome ao local por terem encontrado uma grande quantidade de uma planta
chamada congonha. Por volta de 1757, um bandeirante chamado Feliciano Mendes alcançou uma graça
e construiu o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Mendes iniciou a construção da Igreja e das ca-
pelas no Morro do Alto Maranhão inspirando-se na Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, em Portugal
(lphan, 1984).
Aleijadinho foi chamado para fazer as esculturas que incrementariam a edificação no final do sé-
culo XVIII. Os doze profetas abrilhantam a vista ao longe: Nahum, Isaías, Joel, Ezequiel, Amós, Oseias,
Habacuc, Jeremias, Baruc, Abdias, Daniel e Jonas. No pergaminho da escultura do profeta Daniel
(Figura 2.5), encontram-se os seguintes dizeres: "Encerrado por mandado do rei, na cova dos leões,
sou libertado, incólume pelo auxílio de Deus". Todos os profetas ali representados acompanham um
pergaminho com os dizeres mais importantes de suas profecias.
A expressividade corporal das esculturas, esculpidas em pedra-sabão por Aleijadinho, é surpreen-
dente. Tomemos como exemplo o profeta Jonas (Figura 2.6). Segundo a Bíblia, Jonas era um profeta
que deveria alertar os habitantes de uma localidade chamada Nínive para que mudassem seu com-
portamento, ou se riam castigados por Deus. O profeta Jonas, recusa ndo -se a cumprir o que lhe foi
determinado, resolveu fugir e acabou escondido numa embarcação. Contudo, em certo momento, teve
início uma forte tempestade e Jonas foi jogado ao mar, pois os marinheiros acreditavam que Deus o
havia encontrado e castigava a todos. Arrependido, ele ficou três dias dentro de uma baleia rezando,
até que foi levado por ela ileso à terra firme.

2 Excerto final do poema "Ocaso", de Oswald de Andrad e (1974).


Figura 2.5 - Profeta Daniel, de Aleijadinho Figura 2.6 - Profeta Jonas, de Aleijadinho

ALEIJADINHO. Profeta Daniel. , escultura em pedra-sabão. Sant uário de ALEUADINHO. Profeta Jonas. , escultura em pedra-sabão. Santuário de
Bom Jesus de Matosinhos, Minas Gerais. Bom Jesus de Mat osinhos, Minas Gerais.
Na escultura de Aleijadinho, Jo nas tem a Figura 2.7 - Detalhe de escultura em pedra-sabão

baleia aos seus pés j o rrando um j ato de água


que serpent eia e vai se enro lando em torno
dele. Suas roupas t êm um drapeado realista e
o corpo exibe um gestual dramático. O prof e-
ta ol ha para o cé u, se dirigindo provavelmente
a Deus. Todo esse conj unto de caracter ísticas
é inspirado no barroco europeu. Aleijadinho
captou o mo mento fu gaz: a fi gura humana
está se conduzindo dramatica mente, cada
forma retratada está impregnad a de mo-
vimento, cada movimento refl ete tensão e
esforço.
Espa lhadas pelo pátio e po r seis peque-
nas ca pelas, as escult uras do final do século
XVIII sofrem a ação do tempo, o que crio u
uma polêmica discussão em torn o da ideia
de transf eri-las do se u lugar de o rigem pa ra
um ambiente mais seguro. Os mo rado res da
cidade coloca ram-se radicalmente cont ra a ALEUADINHO. Profeta Ezequiel. 1 escultura em pedra-sabão. Sant uário de
Bom Jesus de Matosinhos, Minas Gerais.
ideia de abr igar as peça s originais em um
museu e exibir cópias no local. Por meio de
um convênio com o governo alemão, técnicos
encont raram um t rata mento para evitar que
fu ngos cont inuem dest ruindo a ped ra-sabão.

65
Contudo, o que já foi perdido não poderá ser recuperado (Vitória ..., 2000) . A pedra-sabão, uma rocha
serpentinosa, quase sempre contém pirite. Havendo oxidação do ferro e caindo a ferrugem, a pedra
se enche de orifícios, depressões e irregularidades (Mucci, 2007).

Figu ra 2.8 - Cen a da Santa Ceia, de Aleijadinho

ALEIJADINHO. A Santa Ceia. Escult uras em madeira policromada. Sant uário de Bom Jesus de Mat osinhos, Minas Gerais.

66
2.1.3 Os passos da paixão
Contratado para esculpir os passos da via-sacra, Aleijadinho confeccionou, com a ajuda de uma equipe,
66 esculturas em madeira cedro. Em escala natural, as imagens são organizadas em torno das estações
da via-sacra, que retratam os momentos dramáticos da Paixão de Cristo, como a última ceia (Figura 2.8)
e a meditação no Monte das Oliveiras.
A estação correspondente à Figura 2.9 exibe o anjo da anunciação, considerado uma das obras-primas
do artista. Quanto à pequena capela que exibe Jesus Cristo no pelourinho (Figura 2.10), acredita-se que
seja uma crítica à escravidão. O fato de os soldados/carrascos não usarem sandálias, mas botas, pode ser
uma referência aos portugueses que usavam tais botas na época em que Aleijadinho viveu (lphan, 1984).
Outra cena (Figura 2.11) exibe a subida do calvário. Nela, Jesus Cristo apresenta uma marca de san-
gue no pescoço, que se julga ser uma crítica ao enforcamento de Tiradentes. Aos pés de Cristo, há um
bobo da corte com vestimentas do século XVIII (lphan, 1984).

"No Aleijadinho, o ressent imento tomou a expressão de revolta social, de vingança de sub-raça opri -
mida", escreveu, em 1936, o sociólogo Gilberto Freyre. "Em sua escultura, as figuras de 'brancos',
'senhores' e 'capitães romanos' parecem deformadas, menos por devoção a Jesus Cristo e sua raiva
de ser mulato e doente, mais por sua revolta cont ra os dominadores da colôn ia". "Por outro lado, ele
coroa, como gênio maior, o período em que a ent idade brasileira age sob a influência de Portuga l.
É a solução brasileira da Colônia. É o mestiço e é logicamente a independência". (Gonçalves, 2007)

As reflexões de Freyre vêm ao encontro das informações apresentadas pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (lphan). A possibilidade de que Aleijadinho tenha incluído em suas obras
menções à escravidão e à exploração da colônia realizada por Portugal tornam sua obra ainda mais
intrigante.
Figura 2.9 - Anjo, de Aleijadinho Figura 2.10 - Jesus açoitado no pelourinho, de Aleijadinho

ALEIJADINHO. Jesus açoitado no pelourinho. Esculturas em madeira poli -


ALEIJADINHO. Anjo. Escultura em madeira policromada. Sant uário
cromadas. Sant uário de Bom Jesus de Matosinhos, Minas Gerais.
de Bom Jesus de Mat osinhos, Minas Gerais.

68
Figura 2. 11 - Jesus carregando a cruz, de Aleijadinho

ALEUADINHO. Jesus carregando a cruz. Esculturas em madeira policramadas. Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, Minas Gerais.
2.2 O triunfo da ressurreição e não o calvário
A arte co mumente conhecida pelo rótulo de barroco brasileiro é a colo nial, predominante desde a che-
gada do colonizado r até meados do século XIX. Em razão das características marcantes, pesquisado res
recent es acreditam, no entanto, que essa pro dução se aprox imaria mais de um rococó (estilo cujo
título deri va da palavra francesa rocaille, qu e significa decoração em form ato de co nchas - caracteri-
zado pela profusão de detalhes e po r se r alegre e decorativo-, e que surgiu na França do século XVIII) .
A abundância de detalhes, a ênfase em curvas sinuosas, espiraladas e o uso das cores demo nstram,
além da fragilidade em aplicar rótulos euro peus, que, na colô nia, a art e do período fo i mais fest iva e
ca rnavalesca do qu e a do colo nizador.

2.2.1 Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto


A Igrej a de São Francisco de Assis (Fig ura 2.12) é uma das raras construções em que o proj eto, a o bra
escultó ri ca e a talha são de autori a de um mesmo art ista, o que confere g rande unidade e harmo nia ao
conjunto. Não há descompassos ent re arquit et ura e o rnamentação. Mesmo a pint ura e o do uramen-
t o - do forro, ret ábulos e laterais-, sob a responsabilidade de Manoel da Costa Ataíde (1762-1830),
encontram-se em perfeita sintonia co m o conjunto. A encomenda para a igrej a, f eita ao então j ovem
esculto r, arquiteto e entalhado r Aleijadinho, efet ivou-se em 1766, logo após a mort e do pai do art is-
ta, que era mestre de o bras local. Aleijadinho altero u o plano primeiro da ig rej a, arredo ndando-lhe as
torres e elabo rando novo fro nt ispício (fachada prin cipal) e o rn amentos que se enriquecem em g raça
e detalhes pela mestri a com que o art ista manejava a arte de esculpir.
O interior da igreja, decorado por Mestre Ataíde, exibe as prin cipais características do bar roco obser-
vadas po r Ferreira Gullar. Pa ra o autor, o estilo busca o delírio, a vert igem, t rabalha a ilusão no espaço
arq uitetônico, como as escadarias que não existe m, fa lsas perspectivas, vazios e cheios, a pint ura que
finge um céu no teto. O espaço todo da ig rej a vira uma ilusão de ótica (G ullar, 1998).

70
Figura 2.12 - Igreja de São Francisco Figura 2.13 - Relevo no pórtico da Igreja de
de Assis, Ouro Preto, Minas Gerais São Francisco de Assis, por Aleijadinho

71
2.2.1.1 Tet os vertiginosos
Conforme dito anteriormente, a pintura no teto da Igreja de São Francisco de Assis foi realizada por Mestre
Ataíde, um pintor, dourador, encarnador, entalhador e professor brasileiro. Importante artista mineiro, teve
grande influência sobre os pintores da sua região, por meio de numerosos alunos e seguidores, os quais, até
a metade do século XIX, continuaram utilizando seu método de composição, particularmente em trabalhos
de perspectiva no teto de igrejas. No inventário de suas posses, relacionam-se manuais técnicos e tratados
teóricos, como o de Andrea Pozzo - Perspectiva Pictorum et Architectorum -, os quais deve ter estudado. Uma
das características da sua expressão artística era o emprego de cores vivas, principalmente o azul, sua cor
preferida. Em seus desenhos, os anjos, as madonas e os santos apresentam traços de povos africanos. Foi
contemporâneo e parceiro de Aleijadinho. Com relação à sua obra-prima na Igreja de São Francisco de Assis,
em Ouro Preto, o forro da nave, em forma de gamela, é totalmente coberto pela pintura, que representa a
ascensão de Nossa Senhora da Conceição (padroeira dos franciscanos, ordem terceira leiga, que construiu
o templo) numa revoada de anjos de várias faixas etárias - crianças,jovens e adultos-, todos mulatos e
músicos (Figura 2.14). Essa imagem é repleta de curvas sinuosas, detalhes e informações e lembra, inclusive,
o estilo decorativo do rococó.
As curvas que serpenteiam no teto da Igreja de São Francisco de Assis lembram muito os trabalhos
do artista europeu Pietro da Cortona (Figura 2.15), que decorava tetos de igrejas repletos de queru-
bins e curvas sinuosas, mas criava um espaço perspectivado e bem realista.
Para Ferreira Gullar (1988), no Brasil aconteceu o contrário: no barroco brasileiro não há a preocupação
com uma representação fidedigna; há claramente falsas perspectivas dentro da arquitetura real da igreja;
há reentrâncias de vazios e cheios; há cores despreocupadas, às vezes até certa ingenuidade na cons-
trução das cenas. A igreja toda, principalmente o teto, vira um lugar de fantasia. Para Gullar, os tetos de
nossas igrejas barrocas são uma expressão bastante carnavalesca: "é religioso, mas uma religiosidade
bastante alegre" (Gullar, 1988, p. 223).

72
Figura 2.14- Pintura no teto da Igreja de São Francisco de Assis,
por Mestre Ataíde

ATAÍDE, Manoel da Cost a. Nossa Senhora cercada de anjos músicos. Pintura. Igreja de
São Francisco de Assis, Minas Gerais.

73
Figura 2.15 - Pintura no teto do salão central do Palazzo Barberini, por Pietro da Cortona

CORTONA, Pietro da. O triunfo da Divina Providência. 1633-1639. Afresco. Palazzo Barberini, Roma.

74
2.2.2 O carnavalesco barroco brasileiro
Uma questão muito interessante é que o barroco brasileiro aconteceu quase concomitantemente ao
europeu. Poucas décadas depois do seu surgimento, por volta de 1620, ele já foi transplantado ao Brasil
por meio de Portugal (Ba rdi, 1975) .
O barroco europeu é propenso à figuração do triunfo da morte, já o brasileiro tenta ser otimista.
Vemos exemplo de tal interpretação na ocasião em que o vigário da Igreja de Santana, do Rio de Janeiro,
recebeu do Papa Gregório XVI os restos mortais de Santa Prisciliana, virgem e mártir, encontrados nas
catacumbas romanas. Rapidamente, o vigário mandou revestir o esqueleto com uma camada de cera
a fim de dar-lhe forma de uma imagem e suavizar seu aspecto mórbido (Bardi, 1975). Para o italiano
Bardi, somos um povo triste e o nosso barroco é carnavalesco, é otimista, opulento de vida. O carnaval
por trás da alegria, do colorido todo, esconde um samba triste, sambas-enredos que giram em torno
de um problema.

Talvez seja útil lembrar que o Barroco está tão arraigado à alma brasileira que simplesmente se encontra
presente ent re nós, como facilmente se poderá detectar ao participar de cordões carnavalescos no nordeste,
ou ao assistir aos desfil es das escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo, no Carnaval brasileiro.
Embora essa festa tão popular no Brasil possa ser considerada como uma manifestação profana e mesmo
dionisíaca, poderia talvez, em um livre exercício de leitura, remeter às ant igas procissões barrocas em sua
sucessão de alas, nas quais irmandades e corporações de ofícios se alternavam exibindo suas bandeiras
com imagens de santos e seus atributos específicos. (Costa, 2010, p. 27-28)

O interessa nte é que, em se us primórdios, o barroco brasileiro já se destacou com um estilo mais
solto, menos rígido, mais festivo. Também devemos considerar que no Brasil a arte do período colo -
nial não passou pelo filtro da rigidez renascentista. Nossas ações foram: improvisar, reso lver, quebrar
regras, cancelar, propor, refazer à vontade, fazer prevalecer. "Tínhamos mais liberdade, não vivemos

75
as crises que levaram os europeus ao Barroco. Importamos alguns aspectos formais, é verdad e, pois
não tivemos as razões que leva ram à crise" ( Bardi, 1975, p. 70-71).
O lamento do triunfo da morte e o otimismo carnavalesco, que exa la a ressurreição, são oposições
características do barroco. Bardi observa que a alegria carna va lesca esconde a tristeza. Também na
literatura brasileira do período é possível encontrar a convivência de oposições. Acompanhe a seguinte
reflexão:

Na literatura, duas figuras marcaram o barroco bra sileiro: Padre Antonio Vieira (1608-1697) e Gregório de
Matos (1623-1696). Padre Antonio Vieira es creveu mais de 200 sermões, que foram pregados na Cor te.
Advogado dos cristãos -novos, provocou o ódio da Inquisição, que lhe cassou o uso da palavra em Portugal.
Confira um trecho do Sermão da Primeira Domingo do Advento, de 1650:

Sairão pois os anjos; vede que suspensão e que t remor será o dos corações dos homens naquela
hora. Sairão os anjos e irão primeiramente ao lugar dos papas: Et separabunt (faz horror só
imaginar que em uma dignidade tão divina e em homens eleitos pelo Espírito Sa nto há de haver
também que separar), Et separabunt ma/os de medio justorum. E separarão os pontífices maus
de entre os pontífices bons. Eu bem creio que serão muito raros os que se hão de co ndenar;
mas haver de dar conta a Deu s de todas as almas do mundo é um peso tão imenso que não
será maravi lha que sendo homens levasse alguns ao profundo. Todos nesta vida se chamaram
padre s sa ntos, mas o Dia do Juízo mostra rá que a santidade não consiste no nome, senão nas
obras. Nesta vida beatíssimos, na outra ma l-aventurados. Oh que g rande miséria! (Vieira , 1954)

Gregório de Matos era advogado, formado pela Univer sidade de Coimbra. Por meio da poesia, satirizava
desafetos pessoais e políticos. Por causa de suas sátira s ganhou o apelido de Boca do Inferno.

76
EPÍLOGOS

Q ue fa lta nesta cidade? .................... Verdade


Q ue mais por sua desonra? .................... Honra
Falta mais que se lhe pon ha? .................... Vergonha
O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,
numa cidade, o nde fa lta
Verdade, Honra, Vergonha.
2

Q uem a pôs neste socrócio? .................... Negócio


Q uem causa ta l perdição? .................... Ambição
E o maior desta loucura? .................... Usura
Notável desaventura
de um povo néscio e sandeu,
que não sabe q ue o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.
( Matos, 1981)

Enquanto os sermões de Vieira objetivavam conquista r um maior número de fi éis, por meio de uma
argumentação engenhosa e explicativa, Gregório objetivava, por exemplo, satirizar grandes figuras e
situação baianas, mas também falava de amor, Deu s e outros temas. Seus objetivos eram diferentes.
A convivência harmônica, na literatura, entre os contemporâneos Vieira e Gregório se deve às oposições
céu e inferno, bem e mal, vida e morte, divino e humano, tão características do barroco. É importante
lembrar que a Europa enfrentava um período conflituoso quando o barroco floresceu.

77
2.3 Igreja coberta de ouro
Ésabido que o ouro brasileiro foi sistematicamente levado para a Europa no período colonial. Contudo,
uma pequena elite, que vivia no Brasil da época, construiu para o seu usufruto edificações religiosas
que, embora tivessem fachadas singelas, tinham um interior majestoso. Foi assim que se investiu, por
exemplo, na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador, cujo interior é todo folheado a
ouro e cujo pátio interno recebeu preciosos azulejos importados de Portugal.

2.3.1 Ig rej a da Ord em Terceira de São Francisco de Assis, em Salvador


Acompanhe o relato de Mozart Costa, autor de um dos mais minuciosos estudos sobre a Igreja de
São Francisco de Assis, em Salvador, uma das mais espetaculares construções arquitetônicas do Brasil:

Como poderá ter sido para a mente dos fiéis, nos séculos XVII e XVIII, em p lena ocorrência do período
Barroco no mundo português, ent rar em um maj estoso templo, com pletamente recoberto por rica
ornamentação enta lhada, dourada e policromada? [ ...] As residências da maior parte das pessoas eram
co nstruídas co m extrema simplicidade, co ntendo poucos móve is e objetos, em meio a um cotidiano,
muitas vezes cheio de privações. Esse t ipo de espaço contrastava muito co m aqueles que se poderia
encont rar nos interiores dos templos relig iosos. A monumenta lidade do espaço arquitetônico somada
à ornamentação que recobria praticamente todas as super fícies dos temp los de maior importância,
mais a presença de g randes painéis pintados, e de painéis de azulejaria, deveriam causa r uma forte
impressão, para possibilitar o imediato arrebatamento dos fiéis pelo fausto e pela magneficência. Como
não havia iluminação e létrica, os temp los eram iluminados pelas chamas das ve las, o que ampliava con-
sideravelmente as possibi lidades de leituras das informações visuais distribuídas por todos os espaços,
causando uma impressão de movimento em cada um dos ornatos, em meio à vasta massa orna mental.
Acentuava -se assim a teatra li dade típica do estilo Barroco. (Costa, 2010, p. 19- 20)

78
Figura 2.16 - Interior da Igreja de São Francisco de Assis, Salvador

Costa lamenta que hoje não é possíve l vislumbrar esses lugares sob esse tipo de iluminação, efeito
que seria inesq uecível. Cont udo, há um proj eto no qual se rea liza uma encenação na referida igrej a em
Salvador, em que tal experiência é possível. No espetáculo, vai se iluminando pouco a pouco cada detalhe
do interior, simulando a luz da vela. A visão se soma a uma narrativa nas vozes de grandes atores brasilei-
ros, como Fernanda Montenegro, descrevendo tais detalhes iluminados. Há, ainda, uma performance com
monges que adent ram o local trazendo velas nas mãos.

79
A respeito da história do edifício, sabe-se que em 1587 um frei, com seus companheiros franciscanos,
chegou a Salvador e fundou um convento o qual, no entanto, foi destruído na invasão holandesa e recons-
truído de 1686 a 1723. Para Lourival Gomes Machado (1978), estudioso apaixonado pelo barroco brasileiro,
a predominância no nosso estilo é a do funcional-construtivo em relação ao ilusório decorativo do euro-
peu. Esse detalhe é facilmente verificável na arquitetura das igrejas barrocas do Brasil, onde não há tanto
investimento desmedido na monumentalidade da arte e na verticalidade das igrejas faraônicas, como na
Europa. Machado (1978) excetua apenas a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador, cujo
interior é todo banhado em ouro.

Figura 2.17 - Exterior da Igreja da Ordem Terceira Figura 2.18 - Detalhe lateral do altar-mor no interior
de São Francisco de Assis, Salvador da Igreja de São Francisco de Assis, Salvador

80
Costa (2010) afirma que o barroco encontrou no interior das igrejas campo fértil para Aorecer. Nos altares,
os retábulos, originalmente contidos em molduras de concepção renascentista, vão a cada manifestação
expandindo e ocupando todo o espaço disponível em suas capelas. Com o tempo, extravasam e passam a
recobrir todo o interior da igreja, criando a misteriosa sensação de cavernas feitas de ouro.

Esse rico repertório ornamental envo lve inumeráveis motivos, como os geométricos e flora is, ou
como os que representam a forma humana, assim como as formas art ificiais, que sofreram mutações
e degenerações através dos sécu los, sendo muitas vezes desconhecidos os significados que encer-
ram e as possibilidades de leitura visual e simbólica, assim como a análise conceituai que esse t ipo de
conhecimento pode possibilitar. (Costa, 2010, p. 23)

O barroco brasileiro soma estilos de várias escolas de arte europeias e ainda acrescenta "a sua
mulatice, um fenômeno do tropicalismo brasileiro" (G ullar, 1988). Há predominância da linha curva e
uma exploração do interior das igrejas como espaço ve rtiginoso, o que explica a sensação de êxtase
dentro desses locais (Gullar, 1988).

2.3.2 A azulej aria na Igreja de São Francisco, em Salvador


A azulejaria, com sua rica ornamentação, também está presente nas igrejas barrocas do Brasil. O pátio
interno da referida igreja em Salvador exibe uma decoração com ricos painéis de azulejo da primeira
metade do século XVIII, parte deles criada por Bartolomeu Antunes de Jesus, em 1737, em Lisboa.
Em Portugal, o azulejo era popular; desenvolveu-se com base na técnica Aamenga e no colorido
desenho voluptuoso dos tecidos indianos. Atingiu uma beleza incompa rável no século XVII, quando uti-
lizado nos murais que revestiam as paredes das igrejas. Em fins do século XVII, teve início em Portugal
um período na azulejaria cuja predominância cromática foi do azul de coba lto, com redução gradual de
cores por infiuência da porcelana chinesa. Naquele momento, era moda o uso de tonalidades de azul
sobre fundo branco. A arte da azulejaria co meçou a chega r ao Brasil a partir do século seguinte, com

81
Figura 2.19 - Detalhe do pátio interno com azulejaria a importação de exemplares de
portuguesa da Igreja de São Francisco de Assis, Salvador
painéis portugueses, executa-
dos com a finalidade de cobrir
as paredes e enriquecer assim
as constru ções arquitetônicas
(Cava lcant i; Cruz, 2002).
A azulej ari a p ort ug uesa,
inspirada na porcelana chin e-
sa, foi utilizada no Brasil co lô-
nia no mesmo período que em
Port ugal. Nessa igrej a em part i-
cular, é int eressa nt e nota r que
cada painel, meticulosa mente
construído, retrat a um a cena
com ensinamentos morais. Elas
foram baseadas no poema de
Horácio (65 a.C-8 a.C) sobre as
virtud es. Há, co ntudo, luga res
em que são exibidos ornamen-
tos co m motivos florais, orgâ ni-
cos ou mesmo abstratos, como
é o caso de alguns azulej os que
aparecem em edificações no
Ma ranhão.

82
Figura 2.20 - Pátio interno com azulejaria portuguesa da Igreja de São Francisco
de Assis, Salvador

2.4 Neobarroco
A ênfase neste pequeno estudo sobre o barroco brasileiro é dada justamente àq uilo que o singulariza.
Costa observou apropriadamente que o Brasil é um país barroco, cujas festas recentes, como o carnaval,
assemelham-se às procissões barrocas. Dado que essa questão permeia nossa rea lidade e que, porta nto,
há um barroco latente, identifica mos que muitas obras contemporâneas estão enraizadas na arte colonial
brasileira: são os chamados neobarrocos. Dessa forma, apresentamos rapidamente dois artistas conside-
rados neobarrocos. Comecemos por Adriana Varejão, que em entrevista discorreu sobre a sua ligação
com o barroco:
Meu primeiro contato com o Barroco se deu através de um livro sobre igrejas barrocas no Brasil. Eu j á
costumava saturar a tela com muita t inta, criando superfícies bastante espessas. Foi quando estive
em Ouro Preto pela primeira vez. Fiquei realmente chocada, em êxtase. Era a primeira vez na vida
em que entrava numa igreja barroca. Essa igreja ficava num dos pontos mais altos de Ouro Preto e se
chamava Nossa Senhora do Rosário dos Pretos do Alto da Cruz, mais conhecida como Santa Efigênia.
Era como se a matéria "dançasse". Forte, viva, potente, pululante. Aqu ilo era para mim uma estranha
alquimia ent re o ouro e o sangue, ent re a riqueza e o drama. Me voltei para Minas, para suas pequenas
cidades históricas, suas montanhas, cachoeiras e pedras, e especialmente para Ouro Preto. Aquelas
igrejas eram caixas de joias que guardavam complexas e fascinantes joias carnívoras, capazes de ingerir
qualquer elemento alheio, fragmentos dispersos, acumulando-os, deformando-os e integrando-os ao
seu universo sagrado. (Varejão, 2005, p. 1)

Observe que Varejão materializa metaforicamente a colocação de Bardi, na qual este afirma que as
igrejas barrocas brasileiras são um esqueleto a ser revestido de carne 3 • A parede que exibe os azulejos
brancos em Celacanto provoca maremoto, por exemplo, parece ser construída de carne. Na obra da artista,
há duas características que impressionam: a técnica e o apelo decorativo. Curiosamente, ambas caracte-
rísticas presentes no barroco (negadas sistematicamente pela arte contemporânea) e responsáveis pela
agitação sensorial provocada no expectador são o que mais seduz na obra de Varejão. Trazido para o
presente, o barroco de Varejão conversa com a tradição, com a azulejaria portuguesa e com os ideais
do belo, adequando-se perfeitamente à agitação que é própria da contemporaneidade (Osorio, 2006).
A artista afirma que sua narrativa é por princípio desco ntínua, sem tempo ou lugar definido, pro-
duzindo uma aglomeração de coisas e histórias. É tanto o corpo quanto a tatuagem, a cerâmica e a
arquitetura, a azulejaria antiga e a moderna, os mapas, as pinturas e também os livros (Va rejão, 2005).
Outro destacado artista em cujo trabalho é possível visualizar a estética barroca é Farnese de
Andrade.

3 Consulte o conjunto das mais impressionantes obras da ar t ista no site da Fu ndação lnh otim e confira o modo como Varej ão transpôs
para a contemporaneidade os elementos do barroco. Disponível em: <http://www.inhotim.org.br/>. Acesso em: 20 dez. 20 16 .
O artista mineiro criou uma obra autobiográfica, que se utiliza da junção ejustaposição de objetos para
falar das suas dores, relações, tristezas, medos, recalques, enfim, de seus sentimentos mais profundos em
relação a si mesmo e à vida. Seus ingredientes eram caros, sobretudo as cabeças de porcelana compradas
em antiquários, as imagens sacras e os ex-votos. O artista passou despercebido por muitos anos. Sua
audiência era pequena, porém aflita e conturbada, "víamos nela [obra] e nele nosso porta-voz". O artista,
que perdeu dois irmãos numa enchente, mudou-se com a família aos 22 anos para o Rio de Janeiro para
tratar da tuberculose. Distante de sua terra natal, reviu elementos de forte tradição mineira: oratórios,
imagens barrocas, santos de vestir, móveis da roça, fotos de família, chaves de ferro, cochos, ferraduras,
elementos de cavalariça, gamelas, licoreiras, relógios de parede etc. De longe, pôde recombiná-los a ponto
de reinventá-los. Farnese, que era homossexual, cresceu sob os auspícios do pecado e com o medo da
punição. Em suas obras, utilizou quase todo o imaginário cristão (Cosac, 2005).

Para saber mais

Você pode conferir as obras dos artistas Adriana Va rejão e Farnese de Andrade nos endereços
indicados a seguir:

ADRIANA VAR EJÃO. Disponíve l em: <http://www.ad rianavarejao.net/pt-br>. Acesso em: 7 dez. 2016.

ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. Farnese de Andrade. Disponível em: <http://enciclopedia.


itaucu ltural.o rg.br/pessoa9245/farnese -de-andrade>. Acesso em: 7 dez. 2016.

Síntese
Iniciamos o ca pítulo destacando as singularidades do barroco brasileiro, afirmando suas qualidades
como arte da persuasão, j á qu e pensar no barroco é pensar na Igrej a, em sua ambição de se comunicar,
envolver e conquista r novos fi éis. Na sequ ência, apresentamos o mais importante artista do barroco
nacional: Aleijadinho, cuja obra pode ser dividida em duas fases: a primeira caracterizada pela se reni-
dade e pelo equilíbrio, e a segunda por uma expressão mais gótica e expressionista.

85
No item seguinte, falamos da igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, uma das raras constru -
ções em que o projeto, a obra escultórica e a talha são de autoria de um mesmo artista - Aleijadinho -,
o que confere unidade e harmonia ao seu conjunto arquitetônico. Na sequência, contrapomos a pintura
barroca do europeu Pietro da Cortona à obra pictórica de Mestre Ataíde, apontando a despreocupação
dos artistas brasieiros para com a representação fidedigna da realidade. Diferente do barroco europeu,
propenso a figurações que retratam o triunfo da morte, o barroco brasileiro é muito mais otimista,
solto e festivo do que o seu congenere.
No último item, afirmamos que a arquitetura barroca brasileira não se interessa pela monumenta-
lidade, com exceção da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco em Salvador, cujo interior é todo
banhado a ouro, salientando também o uso dos painéis de azulejo portugueses, que começaram a
chegar ao Brasil em 1725. Por fim, apresentamos a obra de dois artistas contemporâneos que sofrem
grande influência do estilo: Adriana Varejão e Farnese de Andrade.

Atividades de autoavaliação
1. Sobre o barroco brasileiro, é correto afirmar:
a) O barroco é a arte da persuasão.
b) As igrejas barrocas brasileiras exibem complexidade ornamental por fora e por dentro, pois essa é uma
ca ra cterística do período.
c) O barroco bu sca a represe ntação fided igna da realidade e trabalha com a perspectiva para conseguir
esse efeito dentro dos espaços arquitetônicos.
d) Assim como o barroco europeu, o barroco brasileiro exibe seu gosto pelas representações que falam
da morte.

2. Sobre Aleijadinho e sua obra, identifique as afirmativas a seguir como verdadeiras (V) ou falsas (F):
( ) Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, foi o mais importante personage m do barroco no Brasil.
( ) A maior obra de Aleijadinh o é a realização das miniaturas de estátuas de cedro, representando a figura
humana no caminho do calvário de Jesus Cristo.

86
( ) A Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, é uma das raras constru ções em que o projeto, a
obra escultórica e a talha são de mesma autoria, o que confere unidade e harmonia ao conjunto.
( ) A fama internacional de Aleijadinho veio com Mario de Andrade, que difundiu mundo afora a beleza
escondida no interior das Minas Gerais.

3. Ana lise as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta quanto a Mestre Ataíde, artista do barroco
mineiro:
1) Mestre Ataíde teve grande influência sobre os pintores de todo o Brasil, por meio de numerosos alunos
e seguidores.
li) Uma das ca ra cterísticas da expressão artística de Mestre Ataíde era o emprego de co res vivas.
Ili) Nos desenhos de Mestre Ataíde, os personagens apresentam traços de povos orientais.
a) 1 e li estão corretas.
b) Somente a afirmativa li está correta.
c) li e Ili estão corretas.
d) Todas as afirmativas estão incorretas.

4. Assinale a alternativa correta:


a) A principal ca racte rística que aproxima o barroco europeu do bra sileiro é a propensão à figuração do
triunfo da morte.
b) O barroco, no Brasil, é marcado pel o filtro da rigidez renascentista.
c) Assim como na Europa, há no Brasil muito investimento desmedido na monumentalidade da arte e na
vertica lidade das igrejas faraônicas.
d) A azulejaria da Igreja de São Francisco, em Salvador, foi importada dos portugue ses.

5. Assinale a afirmativa incorreta sobre o neobarroco brasileiro:


a) Na obra de Adriana Va rejão, encontramos duas ca ra cterísticas importantes: a técnica e o apelo
decorativo.
b) Farnese de Andrade revê em suas obras elementos de forte tradição mineira, reinventando -os.
c) Tanto Varej ão quanto Farnese sofreram forte influência do barroco holandês.
d) Alguns artista s da contempo ran eidade têm revisitado o barroco.
Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Por que o barroco brasileiro encontrou no interior das igrejas campo fértil para florecer? Contextua lize
historicamente a sua resposta.

2. Leia os t rechos a seguir:

Atualmente, a biografia e a existência de Aleijadinho são questionadas por alguns críticos. A histo-
riadora Guiomar de Grammont (1963), autora do livro Aleijadinho e o Aeroplano: o Paraíso Barroco e a
Construção do Herói, pub licado em 2008, crit ica a primeira biografia do art ista - escrita em 1858 por
Rodrigo José Ferreira Bretas - e tenta desconstruir o mito criado em torno da sua figu ra. Segundo
ela, Bretas teria composto a biografia baseada na história de Quasímodo, personagem de O Corcunda
de Notre Dame, do escritor francês Victor Hugo (1802-1885) . A paternidade do artista também é posta
em questão. Para Grammont, Bretas teria fa lado de um pai branco para que Aleijadinh o fosse melhor
aceito na época do segundo império brasileiro, tornando-o mestiço.
[...]
No século XX, Aleijadin ho, até então pouco celebrado e reconhecido no Brasi l, é redescoberto por
artistas modernistas, entusiasmados com sua história e sua obra. Exemplo disso é o escritor Mário de
Andrad e (1893-1945) e seu texto Aleijadinho, de 1928. Criticando europeus que com entaram as obras
do escu ltor sem considerá-lo um gênio, Mário enxerga na obra de Aleijadin ho uma i nvenção "que
contém algumas das constâncias mais ínt imas, mais arraigadas e mais étnicas da psicologia nacional".
A imagem do "mu lato" artista, cuj a obra não é mera cópia de esti los europeu s, é apreciada por um
movimento que se propõe a pensar o Brasil mestiço. (Enciclopédia ltaú Cu ltura l, 2016a)

Ao longo do tempo, e principalmente após os modernistas, a obra cred itada a Aleijadinh o eng randeceu a
arte nacional e ganhou fa ma mundial. Após reflexão, analise a situação dessas obras e da historiografia
artística brasileira, caso ficasse comprovado que sua existência foi uma invenção hist órica.

88
Atividade aplicada: prática
Tentamos, no decorrer do capítulo, ca racterizar aproximações e singularidades entre o barroco brasileiro
e o europeu. Ao fim, trouxemos a afirmação de Mozart Costa (2010) : "somos um país barroco". Agora,
analise com atenção as imagens a seguir: a primeira mostra um momento do barroco brasileiro - um teto
pintado por Mestre Ataíde que evoca uma das muitas figuras religiosas arraigadas no espírito cristão,
também considerada uma das obras primas da nossa história da arte; a segunda retrata uma festa profana,
o Carnaval, que tornou -se um evento turístico de grande porte na atualidade e cuja fama representa
o Brasil no exterior. Após reflexão, descreva o que as duas imagens significam para a arte e a cultura
brasileira, analisando o que elas têm em comum.

Figura A - Pintura no teto da Igreja de São Figura B - Desfile da Escola de Samba Vila Isabel,
Francisco de Assis, por Mestre Ataíde no Rio de Janeiro, em 2015

ATAÍDE, Manoel da Costa. Nossa Senhora cercada de anjos


músicos. Pintura. Igreja de São Francisco de Assis, Minas Gerais.
Século XIX: tentativa
de alinhamento com
a arte europeia
este capítulo, tratamos da arte produzida no sé-

N culo XIX, que se caracteriza como uma tentativa


de alinhamento com a arte europeia. No primeiro
item, abordamos a Missão Artística Francesa, que chegou
ao Brasil depois da queda de Napoleão e cujos artistas
organizaram o ensino da arte no Brasil. Seu propósito era
criar uma escola oficial de arte: a Escola Imperial de Belas
Artes - marcada pelas tendência s neoclássicas. O neo-
classicismo foi uma escola artística qu e propôs a reto-
mada dos valores clássicos na arte e o estudo aprofun-
dado da arte grega e da arte renascentista. Costuma ser
conhecido anedoticamente como a escola de um homem
só: Jacques-Louis David (1748-1825), um importante artista
francês divulgador dos ideais da Revo lução Francesa que
contribuiu para disseminar as academias de arte na Europa.
Assim, foi com a Missão que a categoria profissional de ar-
tista se estabeleceu no país. Nesse item, damos destaque
à figura de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) e falaremos
do diálogo que o artista contemporâneo português Vasco
Araújo (1975-) mantém com as obras do pintor francês.
No item seguinte, tratamos dos acadêmicos Pedro
Américo (1843-1905) e Victor Meirelles (1832-1903). Para
isso, damos especial atenção à análise do quadro A primeira
missa no Brasil, produzido por Victor Meirelles em 1861 e
elaborado nos moldes acadêmicos.
Ao fim, abordamos a renovação na arte produzida
antes da Semana de 22 - caracterizada comumente como

93
acadêmica - por meio dos precursores do modernismo brasileiro: Rodolfo Amoedo (1857-1941), Eliseu
Viscont i (1866-1944) e Almeida Júnior (1850-1899) . O objetivo é elucidar que, apesa r de a Semana de
Art e Modern a de 1922 ser considerada um marco da arte modern a no Brasil, a arte que a precedeu j á
fazia parte de um processo vagaroso - so b a influência de outras tendências qu e circulavam na Europa -
que preparava o meio artístico pa ra o moderno.

3.1 Missão Artística Francesa


Durante o século XIX, surgiu um pequeno circuito art ístico formado no Rio de Janeiro com a chegada
da Missão Art ística Francesa a qual, po r sua vez, instit uiu no Brasil uma academia de artes nos mo ldes
europeus. Assim, implantou-se uma corrente de art e erudita que, embo ra constit uída por um grupo
pequeno e seleto, foi ga nhando força com a passage m dos anos. É importante fri sar, contudo, que
a des peito dessa iniciativa no Brasil afora predo minava a arte pro duzida po r autodidat as, de ca ráter
po pular e artesanal.

3.1.1 O significado da Missão


Com a queda de Napoleão, em 1816 chegou ao Brasil a Missão Art ística Francesa, composta de art istas
que organizariam o ensino da arte no Brasil. Entre eles estava m Jean- Baptiste Debret e Nicolas
Antoine Taunay (1755-1830). A Missão t inha o propósito de criar uma escola ofi cial de arte subven-
cionada pelo governo. Essa escola, que foi de fato fu ndada em 1826 e na ocasião se chamo u Academia
Imperi al de Belas Artes, passou a se chamar Escola Nacio nal de Belas Artes, na Repú blica, em 1889.
O ca lor do emocional barroco seri a substit uído então por tendências neoclássicas. O processo de in-
terrupção do barroco afasto u ainda mais a arte do povo.
Mesmo te ndo o bjetivos mais técnicos de formação de mão de o bra, a pedido de D. João VI, que
convidara a Missão a se insta lar no pa ís, a academia se concentrou na o ri entação art ística. Segundo
Ana Mae Barbosa (1978), isso surpreende u certos viaj antes do período, que consideravam ilógico querer

94
ensinar belas artes em um país onde Figura 3.1 - Retrato de Dom João VI, de Jean- Baptiste Debret

faltavam os alicerces da civilização.


É impo rtante saber, co ntudo, que
a Missão, na realidade, era composta
por ex ilados bonapartistas que trou-
xeram um sistema de academia que,
embora tenha sido bastante dissemi-
nado no Brasil, ainda não havia sido
implantado nem mesmo em Portugal.
Le Breton, se u maior organizador, fun-
diu belas artes e ofícios. Assim, o go-
verno começou a pagar pensões anuais
aos mestres franceses cuj a formação
era neocl ássica (Barbosa, 1978). Entre
as motivações para a vinda da Missão,
a busca de asilo político é provavel-
mente a qu e mais a justifica.

3.1.2 Academia no Brasil


Desde as prim eiras experi ências renas-
cent istas, as academias exerceram
forte influência no desenvo lvimento
da arte. Até chega r ao Brasil, o cami-
nho foi longo. A palavra academia oscila, DEBRET, Jean-Bapt iste. Retrato de D om João VI. 1817. 1óleo sobre tela: color.;
60 x 42 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Brasil.
podendo ser compreendida como sinô-
nimo de universidade, mas alcançando

95
sentidos variados. A academia no Brasil é originária da Academia de Arte Francesa, que abrigou o neo-
classicismo na segunda metade do século XVIII e que se impôs como modelo a ser imitado por toda
a Europa (Pevsner, 2005). É a esse modelo acadêmico que vamos nos dirigir, bem como à arte por ele
orientada.
No ensino acadêmico, o modelo grego era o maior ideal. Outro postulado era de que o desenho
deveria ser soberano em relação à cor. No estudo da arte deveriam estar inclusos: geometria, pers-
pectiva, história, mitologia, anatomia, teoria da arte, filosofia. Assim, as academias seriam indispensáveis.
No campo de intervenção da arte acadêmica, na ve rdade foi a arquitetura que primeiro obteve
expansão e amadurecimento no Brasil. De início, a incompatibilidade de os valores neoclássicos serem
absorvidos na pintura e na escultura se devia ao fato de a arte não ter participação nas manifestações
religiosas, uma das principais atividades da população brasileira no período.
Segundo Chiarei li (2002), foi com a chegada da Missão que a categoria profissional de artista
se instituiu no país. Até então, pelo fato de a atividade manual ser realizada por escravizados e libertos,
tal categoria ainda não havia ganhado foro de profissão liberal. De acordo com o autor, para Gonzaga
Duque, historiador da arte brasileira, a maior aspiração dos chefes de famílias abastadas que viviam no
Brasil do século XIX era que seus filhos fossem bacharéis ou doutores para entrarem na política e em
ricos casamentos (Chiarelli, 2002). A arte, que até há pouco tempo era considerada atividade despre-
zível destinada a negros e mulatos, naturalmente ficou reser va da às classes pobres, àquelas que não
podiam educar convenientemente seus filhos para entrarem em escolas com outras profissões. Para
o autor, até o fim do século XIX, os alunos da academia continuavam sendo extraídos das camadas
populares, da mesma forma que acontecia antes da Missão. Portanto, do ponto de vista profissional,
a arte continuava à margem (Chiarelli, 2002).
Ainda para Chiarei li (2002), a produção de caráter oficial e semioficial absorveu apenas a sofisticação
das técnicas e não a erudição que poderia ter adquirido. Havia a barreira da língua, pois os professores
eram estrangeiros e os alunos não sabiam ler nem falar em língua estrangeira. Então, as teorias eram
vaga ro samente traduzidas pelos mestres. Pelo fato de a linguage m artística se r unive rsal, as técnicas
eram mais facilmente absorvidas. Assim, manteve -se na maioria das obras o caráter artesanal de antes.
Ou repetiam soluções já instituídas pela tradição acadêmica anteriormente ou mesclavam elementos
barrocos enraizados no Brasil. O cenário da época era composto pela Academia Imperial de Belas Artes,
o Estado e um pequeno setor da elite interessados em uma produção destinada a enaltecer as glórias
do império, da nobreza e da classe alta (Chiarelli, 2002).
Ainda que estabelecida como categoria profissional, a profissão de artista continuava marginalizada.
Os alunos, na maioria oriundos da classe pobre, aprendiam sobretudo as técnicas, em detrimento da
erudição, e produziam uma arte que enaltecia as classes abastadas.

3.1.3 Debret, o professor


Jean-Baptiste Debret, componente da Missão Artística e depois professor no Brasil, ainda na França
estudou num liceu de artes. Em companhia de seu primo, o neoclassicista Jacques-Louis David, viajou
a Roma em 1784. Essa viagem marca a redescoberta do mundo clássico por David. No ano seguinte,
Debret matriculou-se na Academia de Belas Artes Parisiense. Ganhou prêmios nos salões europeus e
expôs obras até que, em 1816, chegou ao Brasil. Nesse mesmo ano, a escola foi fundada por decreto e
Debret foi contratado como professor por um período de seis anos. Contudo, o prédio da Academia
só foi inaugurado dez anos depois, ocasião em que ela finalmente abriu suas portas (Bandeira, 2006).
A formação de Debret era, portanto, acadêmica e neoclássica. As academias dominavam a França
desde o século XVIII. Nelas, a ênfase era na produção artística dos antigos gregos. Segundo Johann
Joachim Winckelmann (1717-1768), um teórico da arte atuante no século XVIII, para o artista, era mais
fácil descobrir a beleza das estátuas gregas do que da natureza. Os gregos já tinham representado
impecavelmente a natureza por meio da obra de arte, portanto, para o pensador, imitar as estátuas
gregas proporcionaria maior discernimento, sem perda de tempo. Todos os alunos retratava m o mesmo
modelo, às vezes uma cópia de um busto grego de gesso; além disso, o conhecimento era enciclopédico.
Os temas retratados eram grandes acontecimentos históricos, a nobreza, a mitologia. Praticava -se na
arte a ilusão de realismo, o chamado trompe-/'oeil (Pevsner, 2005).

97
Figura 3.2 - Mulata a caminho da fazenda para as festas de Natal, de Jean-Baptiste Debret

DEBRET, Jean-Baptiste. Mulata a caminho da fazenda para as f estas de Natal. 1839. 1litografia sobre papel: p&b; 25,8 x 23 cm. Pinacoteca de São Paulo,
Brasil.

Debret t rouxe essas infl uências para a sua prática doce nte. Mais do que professor, ele é conhecido
por ter retratado a fauna, a flora e os costumes brasileiros. Debret registro u, por exe mplo, terríveis
castigos aplicados aos negros no período da escravidão.
série de conjuntos esc ultóricos
Figura 3.3 - Sapataria, de Jean-Baptiste Debret
que compõem cenas inspiradas
nas narrativas do pintor fran -
cês. As pequenas figura s huma -
nas são retratadas com resina
pintada e representam homens
e mulheres do Brasil colonial
( Figura 3,4). Elas figuram sobre
mesas d e madeira pintada e
acompanham trechos de frases
do Padre Antonio Vieira (1608-
1697) (Mesquita, 2013).
Vasco Araújo promove um
discurso de inspiração barroca,
problematizando a questão dos
códigos comportamentais e
propondo repensá -los no qu e
DEBRET, Jean-Baptiste. Sapataria. 1835. 1litografia sobre papel: p&b; 23 x 32 cm. Pinacoteca de
São Paulo, Brasil. diz respeito ao corpo, à se-
xualidade. É como se em cada
O valor documental desses trabalhos é inestimável e a qua - mesa Padre Antonio Vieira pro-
lidade técnica de execução impecável. É inegável a importância ferisse uma sentença. As cenas
do conhecimento acadêmico em sua produção. Com base numa domésticas de Araújo mostram
sé rie de gravuras de Debret, que retratam justa mente tais epi - o abusado e o abusador e per-
sód ios da história do Brasil, um artista contemporâneo portu- mitem manter aceso o debate
guês, chamado Vasco Araújo, produziu uma exposição em que sobre as formas de violência
se us trabalhos dialogam com os de Debret. Trata -se de uma ( Mesquita, 2013).

99
Figura 3.4 - Debret, de Vasco Araújo Debret viveu no Rio de Ja-
neiro, acompanhando a trans-
formação da cidade de sede do
império português em capital do
Império do Brasil. Durante esses
anos, trabalhou como artista das
Cortes portuguesa e brasileira e
participou ativamente da orga-
nização da Academia Imperial de
Belas Artes. Desfrutou do movi-
mentado ambiente social e, ao
longo de todo o período, reco -
lheu imagens que futuramente
usou como base em livros como
o Viagem pitoresca e histórica ao
Brasil, que constitui um fasci-
nante acervo documental da
história brasileira. A reinvenção
de Debret, proposta por Vasco
Araújo, tem o mérito de trazer
à tona questões fundamentais
exploradas nas gravuras pelo
artista oitocentista.
ARAÚJO, Vasco. Debret. 2013. Escultura - mesa e ovo em madeira pintada, fi guras em fino pinta-
das, metal e grafite: dimensões variáveis. Texto: citações de Padre Antonio Vieira. Fotógrafa: lsabella
Matheus, 2013.

100
3.2 Premiados na academia
Os dois principais representantes da arte acadêmica no Brasil, Pedro Américo e Victor Meirelles,
tiveram o mérito de iniciar um processo local de valorização da profissão de art ista. Premiados no exte-
rior, algumas de suas telas espantosamente grandes e habilidosament e construídas surpreendem ainda
hoje a quem visita o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Imagine o impact o que causaram
na segunda metade do século XIX, qu ando foram expostas pela primeira vez.

3.2.1 Pedro Américo


Os destacados artistas Pedro Américo e Victor Meirelles romperam barreiras e anga riaram fama. Pedro
Américo, como out ros art istas da sua geração, pode ser admirado como desenhist a impecável, retratist a
objetivo, intérprete ent usiasta de temas clássicos e históricos. Ele ingressou na Academia Imperial de Belas
Artes em 1856 e seguiu para Paris com uma bolsa do impe rador, onde viveu de 1859 a 1864. Lá, foi aluno do
neoclassicista Jean-August Dominique lngres (1780-1867). Ao retornar, tornou-se professor da academia
brasileira. Possivelmente, Pedro Américo não teria arriscado ir além dos limites neoclássicos. Sua pint ura
testemunha o apego a eles, e seus mét odos traduzem o gost o do im pe rador D. Pedro li (Canongia, 1986).
Uma conhecida obra de Pedro Américo pode elucidar um pouco as ca ract erísticas da arte produ -
zida na academia brasileira: Independência ou morte! de 1888. Tal obra é de tamanho monumental: tem
7,60 m de comprimento por 4,15 m de alt ura, e está em exposição permanente no Museu Paulista, em
São Pa ulo. Toda ela é construída em um espaço de t radição renascent ista, em que se ut ilizam recur-
sos da perspectiva. Para oferecer um ar so lene à pint ura, as cores são amareladas - apelidadas de
anêmicas pelos modernistas que, para combater a arte acadêmica, julgam-na pejorativa mente. O ar-
t ista soube escolher muito bem o instante que, do seu ponto de vista, melhor represe ntava o sent ido
histórico que desej ava dar à proclamação: é a celebração do acontecimento pela pintura encomendada.
Américo represe nto u o suposto grito proclamatório do então príncipe rege nte, instante resulta nte de
uma série de atos que teriam levado à proclamação. Segundo Chiarelli (2002), o art ista não ilustrou a

10 1
história da proclamação, mas escolheu uma cena síntese; valorizando o ato do personagem, criou uma
representação que deu sentido à ação, uma ce na, e não se preocupou em ser fiel à verdade do fato.
Os uniformes dos soldados, por exemplo, ape nas se ri am co ncebidos e utilizados após a proclamação.
O príncipe ornamentado, os soldados em uniforme de gala, os cavalos garbosos e a paisagem foram
usados pelos conservadores da época para dar brilho à monarquia em decadência. Q uando a indepen-
dência foi proclamada, Amé rico não havia nem nascido ( Fabris, 1998) .
Pedro Américo era o artista oficial da nobreza e por ela foi agraciado com uma bolsa de estudos em
Paris. Américo soube perfeitamente como retribuir a admiração confiada, produzindo inúmeras outras
pinturas qu e enaltece ram a aristocraci a do período.

Figura 3.5 - Independência ou morte! (O grito do lpiranga), de Pedro Américo

PEDRO AMÉRICO. Independência ou morte! (O grito do lpiranga). 1888. 1óleo sobre tela: color.; 415 x 760 cm . Museu Paulista, Brasil.

102
3.2.2 Victor Meirelles
Em 1846, o Conselheiro do Império, em missão do governo, foi a Desterro (atual Florianópolis, Santa
Catarina). Lá entusiasmou-se com o jovem Victor, que na sua presença desenhou uma vista da cidade
e copiou uma litografia. De volta ao Rio de Janeiro, o conselheiro levou os desenhos, que foram mos-
trados ao Diretor da Academia Imperial de Belas Artes, Félix Émile Taunay (1795-1881). O mestre fran cês
aprovou os trabalhos e, com um grupo de amigos, decidiu custear os estudos do jove m na Corte. Então,
Meirelles pôde seguir para o Rio de Janeiro em 1847, com 15 anos incompletos (Manés Ilustres, 2016).
Assim, o cata rinen se se matriculou na Academia Imperial de Belas Artes. Aluno bem -sucedido, em
1852 ganhou um prêmio de viagem e partiu para se aperfeiçoar na Itália. Encerrada a bolsa, conseguiu
prorrogação e, em 1857, foi estudar em Paris na conhecida Escola Superior de Belas Artes. Ao retornar
ao Brasil foi nomeado professo r de Pintura Histórica na academia carioca.
Um dos quadros mais conhecidos de Victor Meirelles é A primeira missa no Brasil, ocasião em que
Pedro Álvares Cabral mandou rezar uma missa para marcar a posse da Terra de Vera Cruz. Todo o quadro
tem tons amarelados, o qu e também dá ares de solenidade à cena. Ele foi pintado em Paris, coroando
o pensionato do artista. Meirelles precisava comprovar alto grau de habilidade para trabalhos com
grandes formatos, composições complexas com grupos integrados de forma harmoniosa, referências
iconográficas de mestres do passado. Na pintura de gênero histórico, o artista tinha também que mostrar
que dominava um lequ e de informações não pictóricas. Assim, Meirelles estudou a ca rta de Pero Vaz
de Caminha, que narra os episódios, bem como a vegetação, os tipos físicos, a indumentária, mais ou
menos como hoj e fazem os autores de film es épicos. Com o quadro, Meirelles inaugurou a participação
brasileira no Sa lão Oficial de Paris em 1861, e por isso foi recebido com triunfo no retorno ao Brasil.

Para saber mais

Confira a pintura A primeira missa no Brasil, de Victo r Meirelles, no link a seguir:

MEIRELLES, Victor. A primeira missa no Brasil. 1860. 1 ó leo sobre tela: co lo r.; 268 x 356 cm.
Museu Nacio nal de Belas Artes, Brasil. Disponível em: <http://www.muse us.gov.br/ wp -content/
upl oads/ 2012/06/ PrimeiraMissaBR_VictorMeirelles.jpg>. Acesso em: 7 dez. 2016.

103
A cerimônia teria sido realizada próxima a uma praia, num plano mais alto, como se fosse um palco.
O ponto forte do quadro é a enorme cruz de madeira com a figura de um sacerdote erguendo um cálice
em sua direção. Ele está todo de branco e sua roupa se destaca em relação às dos demais, cujas tonalidades
são mais escuras. O sacerdote chama-se Frei Henrique e é o centro ótico do quadro que está envolto em um
vazio, o que dá mais destaque à cerimônia. Uma multidão está presente e todos olham a cena. Os europeus
estão ajoelhados, com as mãos em sinal de oração, as cabeças baixas, mais próximos do evento. Os indí-
genas constituem a multidão ao redor, todos nus, como era habitual. A maioria gesticula. Alguns estão em
cima das árvores.
No primeiro plano, um bebê mama sossegadamente no peito da indígena desnuda. Entre os indíge-
nas, parece haver um clima de muita curiosidade; alguns apontam para a cena conversando com suas
companheiras.
Próximos à cerimônia, há dois soldados vestidos com armadura e um deles segura uma lança. Do lado
direito, num plano mais alto, há cidadãos europeus vestidos; já no lado oposto, no plano mais baixo,
predominam os indígenas.
Há um grupo de jesuítas ajoelhados com as cabeças baixas, próximos à cruz. Os portugueses estão
estáticos e os indígenas estão mais descontraídos, em diferentes posições. O velho com a mão no
ombro de uma moça parece explicar a ela o que está acontecendo.
Há uma linha horizontal que separa o quadro em duas metades: a superior e a inferior. A parte de
baixo é repleta de agitação e, a de cima, com o céu, as árvores, a calmaria da natureza, é mais silencio-
sa. O indígena na árvore e o sacerdote fazem a transição entre dois campos horizontais. Estamos tão
habituados à cena que nem nos damos conta de que a pintura é cheia de parcialidade e foi realizada
360 anos depois do acontecimento histó rico.
Quando pensamos no evento histó rico da Independência, logo nos vem à mente a cena retratada
por Pedro Américo. Da mesma forma, a imagem que guardamos da primeira missa é a de Meirelles.
Tais pinturas estão impregnadas de tal forma em nosso imaginário que, mesmo sabendo o quanto elas
são parciais, é difícil pensar para além do que foi retratado.

104
3.3 Um sopro de renovação
A Semana de Arte Moderna de 1922 é considerada o marco do início da arte moderna no Brasil.
Muitos historiadores da arte brasileira se acostumaram a ver a produção artística anterior à Semana
de 22 como um bloco monolítico. Habituaram-se a tratar todas as obras do fim do século XIX e início
do XX indistintamente de acadêmicas.
Somos formados a partir de um olhar moderno que viu a pintura anterior à arte moderna como
acadêmica, hostil a inovações, conformada, retrógrada. Isso porque nossos mais recentes historiadores
são de formação moderna e combateram a arte oriunda da Academia Imperial de Belas Artes. Muitos
modernos se ocuparam de apagar os traços das pegadas rumo ao moderno. Algumas evidências mos-
tram que, mesmo gozando de raras oportunidades de fuga do modelo acadêmico, alguns artistas que
transitavam em torno da academia operaram pequenas resistências.

3.3.1 O contato dos artist as brasileiros


novecentist as com a arte estrangeira
Nossos artistas atuantes anteriores à Semana de 22 sentiram de alguma forma o impacto de outras
tendências que circulavam na Europa, como o impressionismo e o simbolismo.
Diversos artistas brasileiros puderam se aperfeiçoar na Europa, principalmente em Paris, por meio
de prêmios de viagem conquistados na academia ou nas exposições de belas artes. Em Paris, fervilhava
uma movimentação que propunha a renovação das artes. Contudo, os prêmios que tinham sido con-
feridos aos bolsistas brasileiros implicava m a estrita obediência a uma série de rígidos procedimentos
quanto aos mestres e museus a frequentar, métodos de ensino a seguir, roteiros de viagem e mesmo
quanto às obras de arte que deveriam produzir (Leite, 2000).
Os alunos que venciam o prêmio de viagem recebiam como incumbência realizar cópias de obras
de arte consagrada s. A cópia cumpria uma dupla função: sua execução permitia ao aluno desvendar
a "maneira" do mestre no modelado das formas, na paleta de cores, nos recursos para composição e,

105
ao mesmo t empo, qu ando as cópias eram remetidas a suas academias de o rigem, se rviam aos demais
alunos como exemplo de excelência. Então, as referências para os alunos da Academia Imperial de Belas
Artes no Brasil eram, principalment e, gravuras o u cópias ( Pinacoteca de São Paulo, 2016).
Gozando da o portunidade de estudar no ext eri or, os alunos da academia seguiram à risca as exi-
gências que acompanhavam a concessão das bo lsas - realizando cópias, estudando co m prof essores
de o rientação acadêmica. Estando na Euro pa, topavam com a o usadia das obras mo dernas, mas, no
retorno, não podiam, o u não queriam, que sua arte refletisse essas inovações.

3.3.2 Rodolfo Amoedo e Eliseu Visconti


Teixeira Leite (2000) acredita que, ao visita rem as Exposições Universais, que desde 1855 eram reali-
zadas em Paris, os art istas logo percebiam que a art e seg uia um curso j á distant e daquele iniciado no
alvorecer do século XIX, permeada por novas sensibilidades e visões que se renovava m com o passar
do tempo. Respirando nesse ambiente mais liberal, concorrendo a prêmios o u simplesment e viaj ando
a título de novos aprendizados, os art ist as abriam-se mais facilm ente às tendências inovadoras da
arte, o lvidando t emporariamente o academicismo nacional. Contudo, ao regressa rem ao Brasil, suas
inquietações e ideias, que ousava m acrescenta r às suas produções, logo cediam espaço ao maras mo e
à indiferen ça do conserva do rismo, premidos pela reação dos t radicionalistas de plantão (Leit e, 2000)
Co nforme Mig liaccio (2007), um exemplo de ta l ocorrência é o arti sta Rodolfo Amoedo, que
ocupo u uma das cadeiras mais impo rtantes da Escola Nacio nal de Belas Artes e enca rno u, aos o lhos
de seus j ovens alunos atrevidos, o exemplo do art ista mo derno. Amoedo conhece u as pesquisas sobre
ótica, sintonizadas com a poética impressio nista, e preocupava-se muito com a estrut ura das relações
cromáticas e espaciais no q uadro. Em suas pint uras, t ransparecem todos esses conhecimentos for-
mais, tão próprios da arte mo derna, que ele incor poro u à produção art ística brasileira, desde suas
pro duções da mocidade (Migliaccio, 2007).
Amoedo fo i decisivo para a arte nacio nal, dada a eno rm e influência que teve sobre os j ovens ar -
t istas de sua época. O ra marginalizado, o ra reabilita do pelas po lít icas t radicionalistas das instit uições

106
acadêmicas, suas preferências Figura 3.6 - Estudo de mulher, de Rodolfo Amoedo

est éticas foram responsáveis


pela renovação do cenário ar -
t ístico brasileiro. De sua estadia
em Paris, t rouxe a grande admi-
ração pela poesia de Charl es
Baudelaire (1821-1867), de onde
ret irou subsídios para uma inter-
pretação mais moderna da figu-
ra da mulher, vista co mo fonte
de perdição (Migliaccio, 2007).
Para uma sociedade conser-
vadora e t radicionalista co mo a
brasileira da virada do século XX,
escondida sob a capa de uma re-
AMOEDO, Rodolfo. Est udo de mulher. 1884. 1óleo sobre t ela: color.; 150 x 20 0 cm. Museu
ligiosidade puramente oficial e Nacional de Belas Art es, Brasi 1.

de uma moral hipócrit a, algumas


o bras de Amoedo certamente Me ntira o u verd ade, o fat o é que t al relat o vai ao encont ro de
ca usaram comoção. Go nzaga uma situação verídica o bser vada na época: a reação de uma
Duqu e relata um suposto episó- sociedade conser vadora diante de um nu moderno, qu ase uma
dio que indica ria a censura sofri- O lympia' brasileira. Não esq ueça mos, co nt udo, que, apesa r das
da pela obra Estudo de mulher, que inovações, o art ista resistiu a algo mais radical (Migliaccio, 2007).
provocou o comentário incisivo Eliseu Visconti, out ro art ista a ser considerado pré-mo-
de uma dama diante da pint ura: dernista, atuante nas duas primeiras décadas do século XX, foi
"Q ue mulher sem -vergo nha!". estilistica mente um eclético. Sua o bra dispensava contorn os

Referência à obra 0/ympia, de Édouard Manet (1832-1883).

107
e seu colo rid o caminhava na Figura 3.7 - Maternidade, de Eliseu Visconti

direção das va riações impres-


sionist as e neo impressio nistas,
levando-o a opta r por uma pale-
ta variada. Indulgente para com
as novas va nguard as euro peias,
muito embo ra não se aprofun -
dasse em seu entendimento ,
definia-se como um presentista,
afir mando que a arte deve seguir
seu ca minho renovad or e que
" fu t uristas, cubist as, são to das
expressões respeitáveis, artistas
que tateiam, procurando alguma
coisa que ainda não alcança ram"
VISCONTI, Eliseu. Maternidade. 1906. 1óleo sobre tela: color.; 165 x 200 cm. Pinacoteca de São
(Leit e, 2000). Paulo, Brasil.

Historica mente, cont udo, a


visão que se conservo u dele é na Aca demia Imperial de Belas Artes, recebendo em seguida
a de um art ista que encerro u o um prêmio para complementar seus estudos em Paris. Lá, en-
processo de um academicismo t rou em contato com a arte finissecular. A tela representada na
neoclássico, e não a de um ar - Fig ura 3.7 foi pintada em Paris, na qual o art ista retratou sua mu-
tista que tenh a cont rib uído para lher e se us filhos no j ard im de Luxemburgo. Como ocorre em o u-
inaugurar uma nova linguagem t ras telas, a figura vai se dissolvendo na pa isagem. Ta l caracterís-
(Cava lcant i, 2001). t ica demonstra clara influência do impressio nista Pierre-Auguste
O art ista nasceu na Itá lia, Renoir (1841-1919). "As zonas de luz e so mbra se altern am e se
mas veio ao Brasil co m ape- integram pelas infilt rações dos raios de sol, num j ogo sut il de
nas um ano de idade. Estudou captação atmosférica" ( Duprat, 2009, p. 80-81).

108
As obras de Amoedo e Visconti incorporam algumas características modernas e comprovam que
alguns artistas anteriores à Semana de 22 acenavam um modernismo. Dessa forma, entendemos que
a Semana de Arte Moderna de 1922 não aconteceu subitamente, pelo contrário, ela foi preparada aos
poucos.

3.3.3 Almeida Júnior


Comumente se acredita que a matriz moderna do Brasil tenha sido trazida de fora por meio do expres-
sionismo alemão de Lasar Segall (1891-1957), dos estudos de Anita Malfatti (1889-1964) nos Estados
Unidos e na Alemanha e de uma elite culturalmente esclarecida que circulava no exterior. Ignora-se
a existência de processos internos que estavam nos levando ao moderno. Essa apropriada reflexão é
pontuada por Cavalcanti (2001).
Contudo, há um artista que a primeira geração modernista elegeu, por julgar que fugisse à regra,
como sendo um ilustre precursor do modernismo: Almeida Júnior.
O artista de ltu, interior de São Paulo, estudou no Rio de Janeiro, na Academia Imperial de Belas
Artes. Contudo, ao contrário dos artistas já citados, ele não recebe u prêmio algum no encerramento
de seus estudos. Então, voltou a São Paulo para trabalhar como autônomo, atendendo aos pedidos
da elite paulista da época, os barões do café. Lá abriu um ateliê, onde deu algumas aulas de pintura.
Em dada ocasião, o Imperador Dom Pedro 11, em visita a São Paulo, acabou conhecendo os trabalhos
de Almeida Júnior. Fasci nado pelo talento do artista, presenteou-o pessoa lmente com uma bolsa de
estudos para que se aperfeiçoasse na Europa. Como era de praxe, o artista estudou na Academia ofi-
cial em Paris. Ao retornar, foi convidado imediatamente para atuar como professor na Escola de Belas
Artes no Rio de Janeiro, mas recusou o convite. É possível pensar que no Rio de Janeiro o artista se ria
somente mais um entre tantos mestres ilustres que se destacavam - em São Paulo, ele seria o único.

A inovação de sua pintura começa pela adoção da temática regionalista, resgatando a origem brasileira,
que na época atend ia a uma necessidade da elite pau lista de legitimar o sent imento de nacionalidade,

109
uma vez que sua riqueza vinha do cam po. Caipira picando Sem abandonar os ensina-
fumo mostra o homem ligado à terra, sentado na madeira mentos de desenho e compo-
tosca, com os pés desca lços e a ca lça manchada. Pés e mãos sição aprendidos na academia,
com unhas encardidas evocam o traba lho do dia, reforçado Almeida Júnior apresentou as-
pelo aspecto grosseiro de sua pele, adquirido no contato pectos realista s à maneira de
direto com a terra. A grandiosidade e a luminosidade desta Gustave Courbet (1819-1877),
pintura im pactam o observador. (Duprat, 2009, p. 47) retratando a vida tal como é.
Também demonstrou inspiração
impressionista no tratamento
Figura 3.8 - O violeiro, de Almeida Júnior
que deu à luz, ao transformá-la
em tema. Ao falar de Almeida
Júnior, o pesquisador Rodrigo
Naves atenta para um aspecto
inovador do trabalho do artista:
"O sol é o grande personagem
deste caipira picando fumo".
O forte contraste entre as áreas
de luz e sombra, sem tonalida-
des intermediárias, à maneira
de Édouard Manet (1832-1883) ,
intensifica essa sensação. A pa-
rede ao fundo nos faz conhecer
ou rememorar aspectos típicos
da co nstru ção rural. A porta
ALMEIDA JÚNIOR, José Ferraz de. O violeiro. 1899. 1óleo sobre tela: color.; 141 x 172 cm. entreaberta provoca o imaginá-
Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil.
rio, que nos t ransporta para o

110
interior da casa que esse homem habi- Figura 3.9 - Caipira picando fumo , de Almeida Júnior

ta (Duprat, 2009). Na Figura 3.8, temos


um casa l cantando moda de viola sos-
segadamente; j á na Figura 3.9, obser-
vamos um caipira prestes a fumar seu
cigarro de palha: duas típicas situações
do Brasil rural da época. As duas pintu-
ras, entre outras, estão na Pinacoteca
de São Paulo, que é a guardiã do maior
acervo do artista.
O realismo de Courbet, que mantém
semelhanças co m a arte de Almeida
Júnior, antecedeu a arte mod erna - po-
demos dizer que teria mesmo aberto
caminhos para ela. Courbet, que era
oriundo do campo, embora de uma
família de posses, pintava os tipos
sociais de sua época se m maquiá-los,
retratando toda a cru eza da realidade.
Pinto u aind a a indiferença do indiví-
duo absorto em si próprio, tão caracte-
rística da modernidade. Em dada tela,
autorretrato u-se vestido de andarilho,
causando alvoroço na alta sociedade.
ALMEIDA JÚNIOR, José Ferraz de. Caipira picando fumo. 1893. 1óleo sobre tela: color.;
A preocupação com o social fo i uma 44 x 34,5 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil.
constante em sua produção art ística,

111
chamada de realista. O retrato fidedigno operado por Almeida Júnior lembra, portanto, o realismo, um
estilo desenvolvido com maestria também na literatura.

Na segunda metade do século XIX, na literatura brasileira, várias vertentes literárias conviveram. Entre elas está o
realismo. Dessa fase, destaca-se o escritor Machado de Assis (1839-1908), que cultivou um estilo próprio e teve um
papel muito importante como observador constante da história e das mudanças ocorridas no Brasil do período.
Escritor de vasta produção literária, Machado eternizou a personagem Capit u no romance Dom
Casmurro (1899), em que narra a história de Bentinho e Capitu, um casal que se separa em razão das des-
confianças do marido quanto à fidelidade da mulher. O texto é narrado por Bentinho (Dom Casmurro)
e, dessa forma, é ao mesmo tempo uma acusação de adultério e uma autodefesa. A genialidade da ob ra
está na forma como o texto foi construído, sob o ponto de vista de Dom Casmurro (Bentinho já idoso,
sozinho e ensimesmado). Leia o trecho final do ro mance:

Agora, por que é que nen huma dessas caprichosas me fez esquecer a pri meira amada do
meu coração? Talvez porque nenhuma t inha os o lhos de ressaca, nem os de ciga na oblíqua
e dissimulada. Mas não é este propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitu da
Praia da Gló ria já estava dentro da de Mata-cava los, ou se esta foi mudada naquela por efeito
de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus prim eiros ciúmes,
d ir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: "Não ten has ciúmes de tua mulher para que e la não se
meta a enganar-te com a malícia que ap re nder de t i". Mas eu creio que não, e tu concordarás
com igo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da
outra, como a fruta dentro da casca. (Machado de Assis, p. 248)

Vá rios autores j á dialogaram co m essa obra de Machado. O co ntista curitibano Dalton Trevisan (1925-) -
"o vam piro de Curitiba", co mo é con hecido - , em 2003, publicou o livro Capitu sou eu, apropriando-se de
uma das mais famosas e polêmicas personagens da nossa literatura. O título também faz referência ao
julgamento do escrito r francês Gusta ve Fl aube rt (1821-1880), pela " imo ralid ade" da sua obra Madame
Bovary, publicada e m 1856. Sentado no banco dos réus, Flaubert, diante da insistên cia de todos para saber
quem era a adúltera Madame Bovary, declarou: "Madame Bovary sou eu".

112
Voltemos à Almeida Júnior. O críti co Sérgio Milliet (1898-1966), simpatiza nte do moderno, citado
por Chiarelli (2002), afirmo u que na volta do exterior, o art ista ret orno u tão brasileiro quanto antes e
que com ele afirmamos nossa liberdade art ística. Oswald de Andrade (1890-1954) acreditava que ele
era o modelo de uma pint ura tipica mente naci onal, um regionalist a, um anúncio do moderno (Chiarelli,
2002). Isso po rque nosso moderno esteve muito co mpro metido em cri ar uma iconografia que fosse
t ipicament e brasileira - pensemos na ant ropofagia. Para Tadeu Chiarelli, nosso circuito do início do
século XX estava muito volta do ao debate int erno nacionalista. Nosso t raçado e nossas cores foram de
fat o adequadas às técnicas propostas pelas vanguardas. Mas as negávamos quando, ao cont rário delas,
nos preocupáva mos mais com t emas t ipicamente naci onais e menos com a maneira de construção das
obras. Na base da arte moderna est á o interesse em como fazer, e não mais no tema. Chiarelli iro niza
esse conceito afirm ando, inclusive, que nosso moderno está ent re um Almeida Júnior mais radical e
um Picasso mais retrógrado (Chiarelli, 2002).
Para Mareio Docto rs, citado po r Cavalcanti (2001), a eleição de Almeida Júnior como um precurso r
dos modernos se deu, na verdade, pelo fato de que há uma obviedade t emática em se us quadros qu e
atendia a uma necessidade dos modern os em eleger antecedentes.

Síntese
No presente ca pítulo, apresentamos a arte produ zida no século XIX, co meçando pela Missão Artística
Francesa, incentivada por Dom João VI, rei de Port ugal, período no qual t ambém foi cri ada a Academia
Imperial de Belas Artes, de tendências neoclássicas. Destacamos a o bra de Jea n-Bapt iste Debret, qu e
retratou a fa una, a flora e os costumes brasileiros, tornando -se referência para a arte acadêmica do
país. Tratamos ainda do art ista contemporâneo port uguês Vasco Araújo, cuja o bra dialoga com a pro -
dução de Debret.
Em seguida, expomos o t rabalho dos art istas Pedro Américo e Victor Meirelles, que conseguiram
desfazer certas barreiras e alcançar fa ma. Cont udo, Américo, apesa r do seu extrao rdinári o ta lento
pictórico, não se arriscou além dos limites neoclássicos. Já Victor Meirelles fo i o primeiro brasileiro a
part icipar de um Salão Oficial na Europa, na Paris de 1861, com sua tela A primeira missa no Brasil.

11 3
Demonstramos t ambém que, se as tendências que circulava m na Europa, como o impressionismo e
o simbolismo, eram conhecidas e experimentadas pelos arti st as brasileiros quando em trânsito por lá,
seu retorno ao Brasil signifi cava submissão ao conservadorismo perpetuado pela Academia Imperial de
Belas Artes. Ainda assim, Rodolfo Amoedo e Eliseu Visconti trouxe ram muitas inovações para a pintura
nacional, abrindo caminho para a Semana de Arte Moderna de 1922, considerada um marco da hist ó ri a
da arte do Brasil.
Apen as Almeida Júnior, no entanto, foi reconhecido pelos modernist as como o mais importante
artista que antecedeu a Semana de 22 - não t anto pelas suas inovações, mas sobretudo pela sua esco -
lha t emática, que retrat ava os costumes do Brasil. Uma predileção que demonstra a preo cupação dos
brasileiros modernos com a construção de uma t emática naci onalist a.

Atividades de autoavaliação
,. Assinale a alte rnativa correta:
a) A Missão Artística Francesa era composta de art istas que organiza ram o ensino da arte que estava em
vigor no Brasil.
b) A Missão Art íst ica Francesa era composta de exilados bonapartistas que t rouxeram um sistema de
academia bastante disseminado em Portugal.
c) O ensino acadêmico pregava que o desen ho deveria ser imperante em relação à cor.
d) Qua ndo a Missão Art íst ica Francesa chegou ao Brasil, a categoria profissional de art ista j á estava
inst it uída no país.

2. Sobre o pint or Jean-Bapt iste Debret, é correto afirmar:


a) O artista é conhecido por ter retratado a fa una, a fl ora e os cost umes brasileiros.
b) O va lor documental de suas obras é inestimável, mas muit as vezes seus trab alhos pecam em qualidade
técnica.

114
c) Ele trabalhou como artista da Corte brasileira, mas não participou da organização da Academia
Imperial de Belas Artes.
d) Debret registrou os costumes da época, mas não se preocupou em retratar aspectos da escravidão no
país.

3. Ana lise as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta:


1) A pintura de Pedro Américo testemunha o seu apego aos pressupostos neoclássicos e seus métodos
reve lam o gosto do imperador D. Pedro li.
li) As obras de Pedro Américo e Victor Meirelles são con hecidas pela riqueza de detalhes exposta em um
suporte de tamanho bastante pequeno.
Ili) Pedro Américo e Victor Meirelles seguiram à risca os passos de seus professores acadêmicos, por isso
foram muito va lorizados pelos artistas modernos da Semana de 22.
a) 1e li estão in corretas.
b) Somente a afirmativa I está correta.
c) li e Ili estão corretas.
d) Todas as alternativas estão correta s.

4. Sobre o período anterior à Semana de Arte Moderna de 1922, assinale (V) para as afirmativas ve rdadeiras
ou (F) para as falsas:
( ) A arte que a antecede a Semana de 22 é considerada indistintamente como acadêmica.
( ) Somos formados a partir do olhar moderno, que viu a pintura anterior à Semana de 22 como
conformada e retrógrada.
( ) Os artistas precursores sentiram de alguma forma o impacto de tendências como o impressionismo e
o simbolismo.
( ) Em Paris, fervilhava uma movimentação que indicava a renovação das artes, mas nossos artistas viviam
comp letamente alheios a isso.

115
5. Sobre os precursore s da arte moderna no Brasil, assinale (V) para as afirmativas verdadeira s ou (F) para as
falsas:
( ) Rodolfo Amoedo conheceu as pesquisas sobre ótica, mas não tinha preocupação co m as rela ções
cromáticas e espaciais.
( ) A obra de Eliseu Visconti não tem contornos e o colorido é cheio de modulações à maneira
impressionista e neoimpressionista.
( ) Almeida Júnior é considerado pelos modernistas o mais importante artista que antecedeu a Semana
de 22, pois sua temática é típica da terra brasileira.
( ) Artistas brasileiros anteriores à Semana de 22 sentiram de alguma forma o impacto de tendências
modernas que circulavam na Europa.

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
,. Leia o trecho a seguir, transcrito do Sermão de Santo Antonio, de autoria do Padre Antonio Vieira, exemplar
literário do barroco:

Ah peixes, quantas invej as vos tenho a essa natural irregularidade! Quanto melhor me fora não tomar
a Deus nas mãos, que tomá- lo indignamente! Em tudo o que vos excedo, peixes, vos reconh eço muitas
va ntagens. A vossa bruteza é melhor que a minha razão e o vosso instinto melhor que o meu alvedrio.
Eu fa lo, mas vós não ofendeis a Deus com as palavras; eu lembro- me, mas vós não ofendeis a Deus
co m a memória; eu discorro, mas vós não ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero, mas vós
não ofend eis a Deus co m a vo ntade. Vós fostes criados por Deus, para servir ao homem, e conseguis
o fim para que fostes criados; a mim criou-me para o servir a ele, e eu não consigo o fim para que
me criou. (Vieira, 2016)

116
Agora, analise imagem do artista neoclássico Jean- Baptiste Debret a seguir.

Figura A - Engenho manual quefaz caldo de cana, de Jean- Baptiste Debret

e
~

-," ~ - - - - - - - -
DEBRET, Jean-Baptiste. Engenho manual que faz caldo de cana. 1822. 1aquarela sobre papel: color.; 17,6 x 24,5 cm. Museu Castro Maya,
Brasil.

Embora Padre Antonio Vieira seja um exemplo literário do barroco brasil eiro e Debret um repre sentante da
arte neoclássica, o artista co ntemporâneo Vasco Araújo uniu essas duas vertentes em uma série de obras
intitulad a Debret. Reflita sobre o diálogo que o artista estabeleceu entre esses dois estilos e discorra sobre
o s motivos que o teriam levado a essa escolha, analisando as rupturas e continuidad es que existem entre
o barroco e o neoclássico.

117
2. Tadeu Chiarelli (2002) afirma que os modernistas bra sileiros não eram tão alinhad os às vanguardas
europeias como habitualmente se pensava. A escolha de Almeida Júnior como precursor da Se mana de
Arte Moderna de 1922 reafirma esse distanciamento estético em rela ção aos radica lismos no campo das
artes plásticas. Levando em consid eração o contexto sociocultural no Brasil da época, discorra sobre os
fatores que fizeram co m que os modernistas brasileiros não ade rissem à radica lidade dessas vanguardas.
Exemplifique sua análise co m obras brasileiras e europeias do período.

Atividade aplicada: prática


No decorrer do ca pítul o, fizemos uma análise de um dos quadros mais famosos de Victo r Meirelles,
A primeira missa no Brasil. Contextualizamos a cena historicamente, comentamos as cores escolhidas,
o loca l em que a tela foi produzida, o processo de produ ção do artista, bem como descrevemos
detalhadamente a cena, seus pontos mais fortes e seus detalhes mais escondidos. Agora é a sua vez de
tornar-se um crít ico de arte. No site da Enciclopédia ltaú Cultural, você encontra inúmeras imagens de suas
telas. Escolha uma delas e, usando os conhecimentos adquiridos no capítulo e outras fontes de pesquisa,
faça uma análise crítica detalhando a escolha temática, a composição formal, a escolha das cores e demais
ca racterísticas pictóricas da obra.

ENCICLOPÉDIA ITAÚ CU LTURAL. Victor Meirelles. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.


br/pessoa8725/ victo r-meirelles>. Acesso: 21 de nov. 2016.

118
Arte moderna no Brasil
niciamos o capítulo com a brasileira Anna Bella Geiger

1 (1933-), uma das artistas contemporâneas cuja obra


reinventa o debate dos modernistas de 1922. Na se-
quência, no primeiro item dest e capítulo, apresentamos os
artistas precursores da arte moderna no Brasil. Ao tratar
da artista Anita Malfatti (1989-1964) - e sua conturbada
estreia modernista -, apresentamos os antecedentes da
Semana de 22, dando destaque também à obra do pintor
lituano Lasar Sega ll (1891-1957) - que em 1927 se naturali-
zou brasileiro -, marca damente influ enciada pelo colorido
tropical do Brasil.
Em seguida, adentramos o núcleo do movimento mo-
dernista no Brasil, destacando a mudança de centro de re-
ferência artística: do Rio de Janeiro para São Paulo. Quanto
à Semana de 22, o destaque fica a ca rgo do pintor ca rioca
Di Cavalcanti (1897-1976), responsável pela parte dedicada
às artes plásticas no evento. Logo depois, damos evidência
ao escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret (1894-1955).
Enfim, no último item, discutimos os desdobramentos
da Semana de 22, apresentando artistas que não marcaram
presença no evento, mas que em um curto tempo se torna -
ram personage ns do modernismo brasileiro, como Tarsila
do Amaral (1886-1973) - com destaque para a fase antro-
pofágica da artista - e Ismael Nery (1900-1934) - o "pintor
maldito" do modernismo.

123
4.1 A Semana de 22 revisitada e as exposições
de Anita Malfatti e Lasar Sega li
O debate modernista que buscou uma ident idade nacional provou não ter se esgotado com a passagem
dos anos. Com frequência ele veio à to na, reavivado, inclusive, pela o bra de art istas cont emporâneos,
como é o caso de Anna Bella Geiger. Esse é um importa nte desdobramento da Semana de 22, cont udo,
se voltarmos no tempo pa ra o mo mento anterio r a ela, podemos destaca r dois eve ntos marca ntes: a
exposição de Lasar Sega li, em 1913, e a exposição po lêmica de Anita Malfatti, em 1917. Ambas de ca ráter
vanguardista, se vistas retrospectiva mente podem ser resgatadas como episódios que cont ribuíram
pa ra aglut inar art istas e intelectuais em São Paulo em torno da questão do mo derno.

4.1.1 O discurso reinventado na obra da contemporânea


Anna Bella Geiger
O modernismo brasileiro é considerado um marco na te ntativa de atualização da inte lectualidade bra-
sileira rumo a um projeto de brasilidade. Uma das questões cent rais, que nos interessa profunda-
mente, é o anseio de criar nas artes uma iconografia que fosse t ipicamente loca l. O lamento era de que
a arte brasileira, em virt ude da atuação da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, havia se tornado
mera imitação fria do neoclassicismo francês; era preciso, então, arej ar a arte nacio nal e busca r algo
que fosse ge nuinamente nacional. Com o passar dos anos, esse debate aberto pelos mode rnistas de
1922 fo i freq uentemente reinventado. Alguns art istas mais recentes ace rtada mente decidiram t razê- lo
pa ra dent ro da sua própria obra, a fim de reavivar a q uestão. É o caso da art ista Anna Bella Geiger.
Observe a imagem da obra O pão nosso de cada dia, que exibe uma caixa de vidro contendo um saco
de pão ladeado por ca rtões postais com fatias de pão cujo mio lo, em fo rm ato de mapa da Améri ca
Latina e do Brasil, foi removido. Reflita sobre o quanto a o bra de Geiger pode ser metafórica.

124
Figura 4.1 - O pão nosso de cada dia, de Anna Bella Geiger est ão reco bertos pelas seguin-
t es proposições datilografadas:
cor rentes culturais do minantes,
co rrentes cult urais dependen-
t es, correntes culturais reces-
sivas. Essa o bra indica que o
que está em pauta é a relação
entre a cultura bras ileira peri -
f éri ca e as culturas euro peias
e norte-a meri canas, considera-
das cent rais (Cocchiarale, 1980).
Nas suas o bras, a imagem
po de se relacionar de vá rias
maneiras com o t ext o escrito.
GEIGER, Anna Bella. O pão nosso de cada dia. 1978. Série de seis cartões postais p&b e saco de A artista est á interessada nas
pão. Fotos: Januário Garcia. 81,5 x 10 2 cm.
questões sobre as quais se sit ua
o art ist a brasileiro. É bo m fri -
Anna Bella Geiger propõe em sua obra uma profunda reflexão sar que, quando esco lhe o text o
sobre a arte. No proj eto O pão nosso de cada dia (Figura 4.1), ela apropriado, ela se preocupa em
instiga que pensemos sobre a maneira pela qual vem sendo colo- impedi r que a parte iconográfica
cada em prática, na realidade cult ural brasileira, a ideia de c ult ura se t ransforme em mera ilu st ra-
nacional, enraizada diante uma cu ltu ra dependente, colonizada, ção de discursos ext ra -artíst icos.
importada. Os produtores de arte no Brasil enfrentam sempre esse Eles estão presentes co mo ba-
dilema da luta do nativo cont ra o estrangeiro (Cocchiarale, 1980). lizamento est ratégico, mas não
No proj eto O novo atlas, por exe mplo, Geiger most ra image ns podem ser assimilados iso lada-
que são associadas a textos. Numa delas, vemos um mapa- mún- mente (Cocchiarale, 1980).
di no qual os oceanos do Hemisfério Norte e do Hemisfério Sul

125
Geiger iniciou seus estudos no ateliê da artista Fayga Ostrower (1920-2001) na déca da de 1950.
Em 1954, viveu em Nova York, o nde frequentou aulas de histó ria da arte no Museu Metropolitano
de Arte e cursos na Universidade de Nova York como ouvinte. Entre 1960 e 1965, participou do ateliê
de gravura em metal do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde passou a lecionar depois.
Posteriorm ente, novamente em Nova York, ministrou aulas na Columbia University. Em 1982, recebeu
uma bolsa da Fundação John Simon Guggenheim Memorial, ainda na cidade norte-a merica na. A obra
de Anna Bella Geiger é marcada pelo uso de diversas linguagens e a exploração de novos materiais e
suportes. Ela se situa no limite entre a pintura, o objeto e a gravura (Enciclopédia ltaú Cultural, 2016b).
"O país [B ra sil] é economicamente dependente dos centros desenvolvidos do capitalismo. Essa de-
pendência histórica remonta a seu passado co lonial. Logo a cultura brasileira é também dependente.
Éevidente que este esquema tem sua razão de ser [...]" (Cocchiarale, 1980), mas Anna Bella evidencia o
ca ráter mecânico dessa explicação sobre a questão da cultura. Ela quer aprofundar o questionamento.
O meca nismo causal desse enfoque impede de pensar o que há de específi co na produção cultural
brasileira, apesar da dependência. Ela retoma a grande questão em torno da qual grande parte dos
intelectuais brasileiros se concentra há muito tempo: a busca da identidade que passa pelo crivo da
brasilidade. O que Geiger não quer é reforça r as posições perigosamente simplistas (Cocchiarale, 1980) .
O trabalho da artista é resistente à captura por uma análise tradicional. Ao operar um amplo ras-
treamento a respeito do fazer artístico, sua obra não se enquadra em nenhum esquema classificatório.
Seus trabalhos são muito sedutores visualmente e transitam com liberdad e por muitas modalidades
da arte. Ela sempre esteve ate nta às mais complexas questões, circulando com maestria e bom humor
por inúmeras técnicas, isso para o "desespero daqueles que desejariam o conforto de vinculá- la a um
só nicho." (Cava lcanti, 1998-1999). Pintora, possivelmente a melho r artista na arte da gravura de sua
geração e que int rod uziu a videoarte no Brasil, pioneira da arte conceit uai, ela não se deixa enqu adrar
em nenhuma dessas categorias. Ao longo de aproximadamente 40 anos, Geiger tem apresentado em
sua obra questões fundamentais sobre o ca mpo da arte, a ident idade étnica e brasileira e a inse rção
internacio nal e o cosmopolitismo possíve l dessas ident idades. O exame da especificidade de seu loca l

126
de ação desdobrou-se na desconstrução do modernismo e de suas ideias de Brasil como uma totalidade
harmônica (Cavalcanti, 1998-1999).
Agora, adentremos no modernismo brasileiro para nos inteirarmos a respeito do debate ao qual
Anna Bel la Geiger esteve se dirigindo em boa parte de sua produção. Comecemos pelos antecedentes
de 1922. Apresentamos a obra da artista contemporânea Geiger para demonstrar o quanto ainda os
artistas brasileiros procuram reinventar o debate dos modernistas - arejar a arte nacional e refletir
sobre o que possa ser genuinamente brasileiro.

Figura 4.2 - América Latina, de Anna Bella Geiger

GEIGER, Anna Bella. América Latina. 1977- Frottage, crayon e lápis de cor sobre papel. 60 x 97 cm.

127
4.1.2 A valentia de Anita Malfatti
A artista Anita Malfatti, quando jovem, foi enviada à Alemanha para estudar artes. Isso ocorreu porque
seus familiares estavam receosos de que a deficiência que ela tinha no braço a impedisse de se casar.
Então, planejaram lhe garantir uma fonte de renda como professora - ela seguiria, assim, a carreira
da mãe, que, muito jovem e viúva, teve que trabalhar como professora de pintura para sustentar os
filhos. Malfatti esteve na Alemanha no momento em que despontava o expressionismo alemão com
toda a sua transgressão e o fervor revolucionário da arte de vanguarda. Em seguida, com a guerra,
ela se viu obrigada a continuar os estudos nos Estados Unidos e lá acabou conhecendo os artistas de
vanguarda que estavam se refugiando em Nova York, entre eles Marcel Duchamp (1887-1968). O clima
efervescente da cidade contaminou Malfatti que, deslumbrada com o que viu e experimentou, tanto na
Europa quanto nos Estados Unidos, deixou-se influenciar pelas tendências modernistas (Chiarei li, 2010).
Ao retornar ao Brasil em 1917, Anita Malfatti fez uma exposição que rendeu um artigo escrito por
Monteiro Lobato, intitulado "Paranoia ou mistificação?". No texto, publicado no jornal Estado de São
Paulo, em 1917, Lobato fez uma crítica estrondosa.
Após a crítica de Lobato, muitos se solidarizaram com ele, lançando sobre ela hostilidade, ironia,
desconfiança. Quadros que haviam sido vendidos foram devolvidos. A reação da elite paulistana que
confiava nas opiniões de Monteiro Lobato foi imediata. De outro lado, o evento acabou por aglutinar
artistas e intelectuais em torno dela - estes, mais tarde, criaram a Semana de 22. A própria artista
confessou que ficou desanimada com as críticas que, de um lado, renderam inimigos, porém, de outro,
provocaram dedicações à sua volta. Entre os intelectuais que a escoltaram e ampararam, destacam-se
Mario de Andrade e Oswald de Andrade (Almeida, 1976) .
Sobre o evento, ela teria dito:

De um dia para outro me vejo em São Paulo. Meus colegas escrevem uma ca rta de s m ca lcu lando os
dias de marcha pra visitar São Paulo. Vo ltei sem dúvidas, sem preocupações, em pleno idílio pictórico.
Durante esses anos de estudo pintava simplesmente por causa da dor, devo confessar, não fora para

128
iluminar a humanidade, não fo ra para enfeita r as casas, nem fora para ser art ista. Não houve preocu -
pação de glória, e fortu na, nem de oport unidades p roveitosas. Qua ndo viram min has telas, todos as
acharam feias, dantescas, e todos fica ram t ristes, não eram sant inhos dos colégios de freira. Guardei
as telas. (Malfatti, citada por Almeida, 1976)

Três anos depois, em 1920, a artista fez uma nova exposição, mas, de acordo com o amigo Ma rio de
Andrade, seus quadros já não eram tão expressivos. Ele teria escrito na ocasião: "Abandonando sua pri-
meira maneira[...] procurou fazer arte mais de toda gente. Erro gravíssimo. A fraqueza de sua segunda
exposição provou-o claramente. Havia, é certo, 4 ou sobras muito boas, mas tinha-se a impressão de
um artista que tinha perdido a própria alma" (Almeida, 1976).
Com base nesses acontecimentos, a história modernista nos conta que a polêmica exposição de
Malfatti, atacada por Monteiro Lobato, contribuiu para o surgimento da Semana de 22, mas influenciou
negativamente a trajetória artística da pintora, uma vez que se acredita que ela teria retrocedido para
uma arte mais conformada após a repercussão da crítica.
Uma das obras certamente expostas na exposição de 1917 teria sido a obra Negra baiana, que atual-
mente faz parte da coleção da Pinacoteca de São Paulo. Ela teve seu título alterado para Tropical. Se em
outras obras vemos uma clara transgressão à maneira expressionista, nesta vemos uma dualidade. Com
o título Negra baiana a artista quis se referir a um tipo social exclusivamente brasileiro, o que revela
certo projeto focado naquilo que é tipicamente nacional. O rosto é retratado com despojamento e
estilização à maneira vanguardista. O contraste se dá quando nos deparamos com as frutas que são
retratada s com detalhes meticulosos de maneira mais acadêmica (Chiarelli, 2010).
O conteúdo nacionalista tratado de maneira acadêmica estava em sintonia com o projeto de brasil i-
dade de Lobato. Segundo Chiarei li, é possível que a crítica de Lobato tenha levado a artista a aprofundar
esse seu direcionamento artístico, enfocando uma tradição anterior à eclosão das vanguardas históri -
cas. No entanto, não teria sido ele o exclusivo causador do desvio da rota. Malfatti se tornou bastante
atenta ao debate artístico da cidade assim que chegou de seu estágio no exte rior. A pauta nacional
na arte a sensibilizou e ela quis tomar parte desse debate para ajudar a concretizá- lo (Chiarelli, 2010).

129
O utro dado impo rtante é que no mo mento entreguerras ho uve uma tendência na Europa ao retor-
no à ordem. Trata-se de trabalhos não de t odo alheios a certas soluções ligadas às vang uardas, mas
alinhados a uma possibilidade de leitura mais f ácil pelo g rande público, va lo rizando quest ões regio na-
listas que singularizavam as nações. Então, supõe-se que, ao ret o rn ar ao Brasil, Anita Malfatti j á tinha
uma predisposição para seguir t al caminho, o que é confirmado quando ela se depara com o proj et o
de seus colegas mo dernist as de criar uma iconografia tipicamente brasileira (Chiarelli, 2010).
Chiarelli acredita que se aprofundar nesse pro blema - salientando que Lobato não era o único culpado
pelo encaminhamento da pint ura da art ista e que, na realidade, a mudança teria sido respo nsabilidade dela
pró pria - era inviável para os modernistas. Isso poderia " macular a hist ória ideal do modernismo. Afinal,
como dar total credibilidade ao movimento estético ideológico cuja primeira grande art ista abandona seus
postulados para abraça r aqueles que, teoricamente, teriam que ser superados?" (Chiarelli, 2010, p. 144).
A refl exão proposta po r Chiarelli é apropriada, uma vez que ve m a acrescentar mais elementos, antes
desconsiderados, aos debates so bre a po lêmica exposição de Anita Malfatti e a crítica de Monteiro
Lo bato. Debat e est e que parece ainda não anunciar esgot amento.

Para saber mais

Confira, no link a seguir, as o bras de Anita Malfatti:


ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULT URA L. Anita Malfatti. Dispo nível em: <htt p://enciclo pedia.ita ucult ural.o rg.
b r/ pessoa8938/anita -malfatti>. Acesso em: 7 d ez. 2016.

Acesse o site do Museu Osca r Niemeyer (MON) e passeie pela exposição "Anita Malfatti", realizada em 2011.
MON - Museu Oscar Niemeyer. Exposições. Anita Malfatti. Disponíve l em: <http://www.m useuoscar
niemeyer.org.br/exposicoes/exposicoes/ realizadas/2011/anita -malfatti>. Acesso em: 20 dez. 2016.
4.1.3 Um estrangeiro nos trópicos: Lasar Segai!
Ainda muito j ovem, o pintor lituano Lasar Segall estudo u na Academia de Belas Artes de Berlim.
Antes do início da Primeira Guerra Mundial, Berlim foi uma grande vit rine das art es de vanguarda. Foi
nesse momento, então, que ta nto Anita Ma lfatti qu anto Lasa r Sega i! t iveram a o po rt unidade de ve r as
obras dos im pressio nistas e dos pós-im pressio nistas e as primeiras obras das va nguardas do século XX.
No período, também começava a surgir em Be rlim o expressionismo alemão dos art istas às voltas
das revistas A ponte e O cavaleiro azul. As pinceladas enérgicas, a força da co r e a int ensidade emocional
deposita da pelos vanguardistas do expressio nismo influ enciaram Ma lfatti e Sega i!. A pint ura de Sega i!
naquele mo mento j á era surpreendentemente forte. Em 1913, ele fez uma rápida viagem ao Brasil a
convite de um irmão. Na cidade de São Paulo, hospedo u-se na casa da rica fa mília de sobreno me Klabin.
Naq uele mo mento, São Paulo tinh a alguns poucos ricos e influentes fig urões simpatizantes das artes.
Ent re eles, podemos destacar a patronesse Olívia Guedes Penteado (1872-1934) e o senador Freitas
Valle (1870-1958) , o qual costumava promover festas em sua casa chamada Villa Kyri al, ocasiões para
as quais muitos art istas e intelectuais eram convidados.
Na casa aconteciam recitais de poesia, apresentações musicais, mostras de pint uras, pa lestras e
sem dúvida um acalo rado debate a respeito das art es. Freitas Valle event ualmente distribuía bolsas para
alguns dos art istas. Ele não era pro priamente um f ervoroso apreciado r das tendências modernas, mas
admirava muito o ím peto de mudança e renovação e a o usadia da juve nt ude. Po r isso, fazia questão de
atrair ao redor de si o gru po de j ove ns intelectuais paulistas simpatiza ntes do moderno.
Q uando ficou sabendo da chegada do pinto r europeu Lasar Segai!, Freita s Va lle apresso u-se em
oferecer todo o apoio para orga nizar uma exposição do artista. A mostra apresentou quad ros interes-
sant íssimos, bastante relacio nados ao expressionismo alemão, certamente choca ntes para os padrões
da provincia na São Paulo do perío do. Curio samente, a exposição não ga nho u g rande repercussão na
mídia, uma vez q ue as notícia s da época se limitava m a apenas anuncia r o eve nto. Não ho uve crít i-
ca s negativas; ent re elas, a q ue mais poderi a se aprox imar disso é a que se refere ao art ista lit uano
como um j ovem que está numa fase de aprend izagem, com possibilidade de amadurecimento futuro.
Figura 4 .3 - Entre amigos, de Las ar Segai!

SEGALL, Lasar. Entre amigos. 1913- 1óleo sobre tela: color.; 48 x 52 cm. Coleção particular.
Figura 4.4 - Cinco figuras , de Lasar Segai!
Aracy Amaral (1998) acredita que isso se deve
ao fato de o Brasil ser um país que, tradicional-
mente, sempre abrigou respeitosamente o es-
trangeiro. Outro fato se deve ao patrocínio de
Freitas Valle, afinal, que jornal teria coragem de
sustentar uma crítica negativa a um pintor cuja
exposição estava sendo patrocinada pelo influen-
te senador? Em todo caso, Amaral observa que o
fato de tanto a exposição de Lasar Segall quanto
a própria Semana de 22 não terem recebido tanta
atenção da crítica se justifica pelo completo de-
sinteresse pelas artes plásticas (Amaral, 1998).
Sega i! expôs e m São Paulo e, em segui-
da, em Campinas, depois retornou à Europa.
Em 1914, com o início da Primeira Guerra
Mundial, a Alemanha e a Rússia entraram em
conflito. Segai!, cidadão russo, foi expulso da
Academia de Belas Artes de Berlim e confinado
em Meissen, cidade próxima a Dresden. No final
SEGALL, Lasar. Cinco figuras. 1917. 1pont a seca sobre papel: p&b;
do ano de 1916, retornou à cidade lituana de 27 x 21,5 cm. Acervo Museu Lasar Segall - l bram/ MinC. São Paulo, Brasil.
Vil na, sua cidade natal. Na ocasião, encontrou -a
destruída pela guerra e, a partir daquele mo-
mento, produziu g ravu ra s que representam Após o fim da Guerra, Segai! fundou o grupo
todo o horror lá visto por ele (Chiarelli, 2009). Secessão de Dresden, co m artistas co mo o co-
Repare na gravura indicada na Figura 4-4, que nhecido Otto Dix (1891-1969). Em dezembro de
retrata dois adultos deso lados ao lado de cor- 1923 - após a Semana de 22, portanto - , o ar-
pos de crianças inocentes em uma cova. tista mudou-se para o Brasil. No ano seguinte,

133
casou-se com Jenny Klabin, da fa mília qu e o havia hospedado em 1913, e em 1927 naturalizou-se brasi-
leiro. Chegando então ao Brasil para esta belecer residência, modifi cou sua paleta de cores em razão do
fascínio pelo colorido t ro pical. Segall sensibilizou-se com a vivacidade das cores do país e isso acabou
influenciando sua pint ura. É importante frisar que o art ista ainda manteve a estilização da figura hu-
mana, ca racte rística que é marca nte no decorrer de todo o seu t rabalho. É desse momento a pint ura
Bananal, adquirida pela Pinacoteca de São Paulo (Chiarelli, 2009).

Figura 4.5 - Bananal, de Lasar Segai!

SEGALL, Lasar. Bananal. 1927. 1óleo sobre tela: color.; 87 x 127 cm. Acervo da Pinacoteca de São Paulo.

134
Seus primeiros quadros no Brasil já mostram a alteração na sua paleta, que antes era sombria em
tons cinzentos e terrosos. Em Bananal (Figura 4.5), o pintor fez uma obra de grande impacto com poucos
elementos, a simplificação formal das folhas de bananeira, a vasta tonalidade de verdes. A cabeça do
homem negro de traços marcantes remete às máscaras africanas. O modelo teria sido o velho Olegário,
escravizado da fazenda de uma rica família que teria posado várias vezes para o artista (Duprat, 2009).
Em 1957, Segall morreu vítima de doença cardíaca. Dez anos depois, sua esposa também morreu,
e então foi criado em sua antiga residência em São Paulo o Museu Lasar Segall (Chiarei li, 2009).

4.2 Núcleo do movimento modernista


A partir da Semana de 1922, evidenciou-se mais intensamente a mudança de centro de referência ar-
tística do Rio de Janeiro para São Paulo. Compondo o núcleo principal do movimento modernista, en-
contramos o pintor carioca Di Cavalcanti, responsáve l pela organização do primeiro dia do evento, que
foi dedicado às artes plásticas. Entre os artistas contatados por Di Cavalcanti, estava o escultor Victor
Brecheret que, embora não estivesse no país, autorizou que peças suas fossem expostas na ocasião.

4.2.1 Do Rio a São Paulo


O pequeno meio artístico da arte brasileira girava entorno da capital da época, o Rio de Janeiro. Contudo,
pouco a pouco, São Paulo foi ganhando importante espaço na nação. Isso se deu nos campos econô-
mico, político e, logo, cultural. O Estado de São Paulo, que era ligado à agricultura, começava a receber
as primeiras indústrias. O crescimento econômico passou a atrair imigrantes estrangeiros e de outros
estados. "Com seus italianos, portugueses, alemães, espa nhóis, sírios, São Paulo adquire ares de ca-
pital" (Zanini, 1983, p. 503-504). Aos poucos foram surgindo edifícios públicos e residências de grande
porte, monumentos escultóricos e a urbanização co m áreas ajardinadas. Engrandecida e enriquecida,
a cidade imprimia um ritmo rápido às suas atividades culturais. A abertura do solene Teatro Municipal,
em 1911, tornou-se um marco importante, por se tratar de um espaço com capacidade para receber

135
at rações internacionais, a fim de Figura 4.6 - Teatro municipal [ca. 1912], São Paulo

divert ir a pequena elite paulista


que t ransitava ent re a Eu ropa e
o Bras il (Zanini, 1983).
O entusiasmo d os paulis-
tanos em to rn o da arte levou
ta mbém à criação, em 1911, do
prim eiro Salão de Belas Artes,
inspirado em seu congênere do
Rio de Janeiro. A iniciati va, so-
mada à conservadora Pinacot eca
do Est ado (1905) e ao circuito de
expos ições que pululava m nos
espaços improvisados do velho
dos trabalhadores, quadro que em 1922 res ulto u na fundação
cent ro, demo nstra o d esloca-
do Part ido Comunista . A indústria brasileira, embo ra ainda in -
mento cult ural do país do Rio
cipient e, surgiu co m maior ênfase em São Paulo, para o nde se
pa ra São Paulo (Zanini, 1983).
deslocou o eixo da gravidade econô mica do país. O estado de
No Brasil da década de 1920,
coisas achava-se ligado às concepções de t endência modernis-
o sistema capitalist a se fo rta-
ta. São Paulo, fl orescente pela riqueza do caf é espalhado pelo
lece u como co nsequência do
interio r do estado, aumentou vert iginosa mente sua população
conflito mundial. Um dos maio-
de 240 mil habita ntes, em 1910, para 500 mil habita ntes em 1920.
res efeitos desse fato é o desen-
A construção e reco nstrução imobiliária, os empreendimentos
volvimento fa bril concent rado
fi nanceiros e comercia is e, aci ma de t udo, a mult iplicação de
nos rec ursos manufatureiros
oficinas e fá bricas ca racterizam a cidade (Za nini, 1983).
locais. Ao mesmo tempo, ideias
No âmbito das artes visuais, as exposições de Segal l e Malfatti
socia listas se d isseminava m,
configuram-se como os dois episódios mais marca ntes do mo -
junta ndo-se às reivindicações
dernismo brasileiro antes da Semana de 22.
Figura 4 .7 - Capa do catálogo da exposição da
4.2.2 A Semana de 22 Semana de Arte Moderna, de Di Cavalcanti

Aproximava-se o ano de comemoração dos 100 anos


da Indepe ndência do Brasil. Em São Paulo, art istas
e intelectuais j á envolvidos com a questão moder-
na e aglut inados em torn o da polêmica ent re Anita
Ma lfatti e Mont eiro Lo bato verificaram a necessida-
de de que também na área art ística houvesse algum
t ipo de manifestação. Logo surgiu a ideia da criação
da Semana de Arte Moderna.
O pintor ca ri oca Di Cavalcanti, que nessa oca-
sião encont rava-se em São Paulo e que também j á
havia desistido do curso de Direito para se dedi-
car exclusivamente à arte, responsabilizou-se por
orga nizar toda a parte dedicada às artes plásticas.
Também fica ria a ca rgo dele a confecção do cartaz
e do catálogo. Aracy Amaral conta que Di Cavalcanti,
em conversa com o milionário Paulo Prado, teria dito
o seguinte: "Eu sugeri a nossa semana, que seria
um a semana de escâ ndalos literári os e art ísticos
de meter os estribos na ba rriga da burgues iasinha
No primeiro, fora m apresenta das as obras
pa ulista na" (Amaral, 1972, p. 122-123).
de pint ura e escult ura; no segundo, poesia
Dela part iciparam Vicente do Rego Monteiro
e literatura; no terceiro, música. A ideia era
(1899-1970), John Graz (1891-1980), Victor Brecheret,
atualiza r a cult ura art ística do Brasil co m o
Di Cava lcant i, as vigorosas telas de Anita Ma lfatti,
propósito de da r-lhe mais amplit ude.
ent re out ros. A Semana teve t rês dias de duração.

137
Na pequena obra Retrato de moça (Figura 4.8) , que possivelmente esteve presente na Semana de 22,
Di Cavalcanti mostrou o quanto estava conectado com as mudanças da arte europeia do fim do
século XIX. Embora a pintura não esteja em seu perfeito estado de conservação, é possível verificar o
desprezo pelo desenho, que pouco antes era muito valorizado, representava o planejamento, o racional

Figura 4 .8 - Retrato de moça, de Di Cavalcanti Figura 4.9 - Cinco moças de Guaratinguetá, de Di Cavalcanti

OI CAVALCANTI. Retrato de moça. 1921. 1 óleo sobre cartão rígido:


color.; 55 x 46 cm. Acervo Instit uto de Estudos Brasileiros da USP,
São Paulo. OI CAVALCANTI. Cinco moças de Guaratinguetá. 1930. 1óleo sobre
t ela: color.; 92 cm x 70 cm. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo.
e o científico na produção acadêmica. A prioridade nesse retrato são as manchas, massas de cor que
dão a ideia do rosto. O fundo neutro também demonstra inovação, pois já não havia a necessidade de
ambientar o modelo num fundo que parecesse real. O rosto quase espectral mostra a inquietude do
pintor (E luf, 2013).
Depois da Semana, Di Cavalcanti resolveu passar uma temporada na Europa, onde fez amizade com
Pablo Picasso. Após se inteirar da arte de vanguarda e frequentar a boemia dos famosos cafés pari-
sienses, o artista retornou ao Brasil e, ativista político que era, filiou -se ao Partido Comunista, criado
coincidentemente em 1922. Em sua obra, agora já amadurecida, mostrou a mulatice e as exuberantes
cores brasileiras. Exemplo disso é a famosa tela Cinco moças de Guaratinguetá, ( Figura 4.9), em que o
artista adota a estilização da fisionomia da figura humana e acrescenta o colorido tropical.

4.2.3 Vict or Brecheret


Ainda muito jovem, Victor Brecheret, nascido na Itália, porém residente desde a infância no Brasil,
estudou em um liceu de artes e ofícios em São Paulo, onde aprendeu técnicas ligadas às artes aplica-
das ao mobiliário. Logo conseguiu uma bolsa de estudos para estudar escultura na Itália. Lá, acabou
conhecendo os trabalhos do escultor francês Auguste Rodin (1840-1917), que exerceram um verdadeiro
fascínio sobre ele, bem como as obras do cubista Constantin Brancusi (1876-1957). Ao retornar ao Brasil,
foi um dos pouquíssimos competentes escultores atuantes no país. Admirado pelo grupo dos moder-
nistas envolvidos com Anita Malfatti, foi convidado a participar da Semana de 22 com suas esculturas,
já impressionantemente modernas para a época.
Em fevereiro de 1942, para comemorar o 20º aniversário da Semana da Arte Moderna, Mario de
Andrade publicou, no jornal Estado de São Paulo, quatro artigos em que fez um balanço do movimento.
O poeta contou que na época não tinha nem mesmo o apoio de sua família quanto ao seu projeto
moderno, quem dirá da sociedade em geral. Ao abordar essa questão, contou um episódio sobre uma
escultura de Brecheret que havia adquirido. Trata-se de Cabeça de Cristo (Figura 4.11).

139
Figura 4.10 - Bailarina, de Victor Brecheret Figura 4. 11 - Cabeça de Cristo (Cristo de
Trancinhas), de Victor Brecheret

BRECHERET, Vict or. Bailarina. [ca. 1920]. 1bronze. 29 x 12 x 29 cm . Acervo BRECHERET, Vic tor. Cabeça de Cristo (Cristo de
Banco ltaú, Brasil. trancinhas). 1920. 1escultura em bronze: 32 x 14 x 24,2
cm. Coleção Institut o de Estudos Brasileiros.

Foi quando Brecheret me co ncede u passar em bronze um gesso dele que eu gostava, uma "Cabeça de
Cristo", mas co m que roupa! eu devia os olhos da cara! Andava às vezes a pé, por não ter duzentos réis
pra bonde, no mesmo dia em que gasta ra seiscentos mil réis em livros... E seiscentos mil réis era din heiro
ent ão. Não hesitei: fiz mais co nchavos fi nanceiros com o mano, e afinal pude desembrulhar em casa a
minha "Cabeça de Cristo", sensualissimamente fe liz. Isso, a notícia correu num átimo, e aparentada, que
mora va pegado, invad iu a casa pra ver. E pra b rigar. Berravam, berravam. Aqui lo era até pecado morta l!
estri lava a senhora minha tia ve lha, matriarca da fam ília. O nde se viu Cristo de tra ncinha! Era feio! medo-
nho! Maria Luísa, vosso fil ho é um "pe rdido" mesmo. (Andrade, citado por Bosi, 1992)
Na segunda noite da Semana de Arte Moderna de 1922, o escrito r Ronald Ca rva lho (1893-1935) declamou
o poema "Os sapos", do poeta Manuel Bandeira (1886-1968), que t inha a intenção de ridicularizar o pa r-
nasianismo, um movimento literário. Gritos e va ias tornaram esta a noite mais agitada da Semana de 22.
Vej a um t recho do poema:

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra. [...]
O sapo-ta noeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado. [...]
( Bandeira, 2014)

Agora dê uma olhada neste t recho do poema "Poética", do livro Libertinagem, que é quase um manifesto:

Estou farto do lirismo comed ido


Do lirismo bem compo rtado
[...]
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cun ho verná culo
[de um vocábu lo
Abaixo os purista s [ ...]
- Não quero mais saber do lirismo qu e não é libertação.
( Bandeira, 1998)

141
Seguindo a mesma expressividade, destacamos uma pequena parte do poema de Ma rio de Andrade,
"Ode ao burguês", também declamado durante a Semana de 22:

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,


O burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italia no,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
(Andrade, 1922)

Vemos claramente uma crítica do poeta à superficialidade da burguesia de São Paulo, ou seja, a própria
plateia era o alvo do poema.

Até então, apenas assuntos "sublimes" tinham direito indiscutível ao mundo artístico, agora vemos
obras, como é o caso dos poemas "Os sapos" e "Poética", cuja poesia fala da própria poesia, situação
que é conhecida como metapoesia. Nestas, em especial, Manuel Bandeira critica a poesia parnasiana.
Utilizar a própria obra para falar sobre a obra é um recurso largamente observado na arte moderna,
contudo, no Brasil, o modernismo centrava-se mais em temáticas de cunho regional. Na arte moder-
na, ve mos a reivindicação do artista pela valorização do cotidiano, do "prosaico", do "grosseiro" e do
"vulgar" como temas a se rem retratados, em que tudo pode se tornar objeto artístico ou literário, o
que ca racteriza uma abertura temática sem precedentes.
4.3 Desdobramentos da Semana de 22
Anteriormente, o seleto meio artístico do país concentrava -se no Rio de Janeiro, tendo a Escola de Belas
Artes como principal instituição. A cidade de São Paulo, desde o final do século XIX, com a Proclamação
da República, começava a ter mais visibilidade perante a nação. Contudo, nas artes, tudo ainda estava
por fazer; havia apenas pequenas iniciativas, como a do senador Freitas Valle, que promovia eventos e
que introduziu o pensionato artístico do qual gozaram, por exemplo, Anita Malfatti e Brecheret. Na casa
de outra socialite, Olívia Guedes Penteado, havia também um pavilhão moderno destinado a ser uma
vitrine da arte paulista, mas era aberta a poucos convidados. Tarsila do Amaral não participou da
Se mana de 22, mas logo que chegou do exterior travou contatos com o grupo dos modernos. Acabou
se casando com Oswald de Andrade e junto dele, em 1924, organizou uma aventura pelo interior do
Brasil em companhia do poeta francês Blaise Cendrars (1887-1961). Os brasileiros se dispu seram a guiar
o poeta e, no fim das contas, também eles acabaram seduzidos com a redescoberta de um novo Brasil,
antes desconhecido. A viagem também teve o mérito de divulgar a Semana de 22 em outros estados.
O modernismo brasileiro não se encerrou com a Semana de Arte Moderna de 1922 que, ao contrário,
abriu as portas para novas perspectivas artísticas e personagens decisivos para a afirmação dos novos
rumos da arte nacional. Artistas que, embora não estivessem presentes na Semana de 22, logo tomariam
uma posição de destaque no cenário cultural do país, como Tarsila do Amaral, Cícero Dias (1907-2003),
Ismael Nery, Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) e Antonio Gomide (1895-1967) (Leite, 2000).

4.3.1 Tarsila e a antropofagia


Em 1922, Tarsila do Amaral ainda ignorava o movimento modernista deflagrado em São Paulo, perma-
necendo presa ao conser vadorismo dos velhos mestres de Paris. Tal situação mudou em 1923, após
a sua aproximação com Mario de Andrade, Oswald de Andrade e outros integ rantes do movimento.
Ela então se deixou sed uzir pelas novas vanguardas; depois disso, o cubismo foi sua primeira expe-
rimentação e abriu as portas para uma nova etapa em sua carreira. Nos anos seguintes, a artista fez
inúmeras e importantes contribuições ao modernismo brasileiro, com uma produção que pode ser

143
dividida em três fases distintas. A fase Pau-Brasil Figura 4.12 - Abaporu, de Tarsila do Amaral
'
iniciada em 1924 e inspirada na viagem realizada às
cidades históricas do interior de Minas Gerais na
'
companhia de Oswald e Blaise Cendrars, foi o pe-
ríodo em que ela integrou o cubismo europeu e o
colorido brasileiro na execução de temas da cultura
popular. Na fase antropofágica, talvez a mais
importante de sua carreira, viria à tona o Abaporu
(1928) , pintura que surpree ndeu e inspirou Oswald
de Andrade a elaborar seu Manifesto Antropofágico.
A terceira, a fase social, teve curta duração e foi
um desdobramento de uma visita feita por Tarsila
à antiga União Soviética (Leite, 2000).
Caso único da história da arte brasileira, a antro-
pofagia, movimento literário iniciado por Oswald
de Andrade, o rigino u-se do movimento pictórico
AMARAL, Tarsila do. Abaporu. 1928., óleo sobre tela, 85 cm x 73 cm .
iniciado por Tarsila do Amaral. Abaporu, o persona- Colección Costant ini. Buenos Aires, Argent ina.
gem gigante e brutalmente deformado, puro em sua
composição cromática e formal, com sua remissão
encontraram o verbete abaporu, que sig nifi -
ao mítico e ao fantástico, reúne em si as caracterís-
ca ho mem que come carne humana. Pouco
t icas básicas da fa se ant ropofágica da artista (Leite,
depois, Oswald estabeleceu, no Manifesto
2000). Em j aneiro de 1928, no aniversário de Oswald
Antropofágico, as bases do movimento que
de Andrade, Tarsila o presenteou com esta pintura.
ali nascia. Nele, o poeta apresenta a ideia de
Na ocas ião, ele teria dito: "É o ho mem plantado
antropofagia como metáfora pa ra pensar a
na terra" (Ribeiro, 2013, p. 72). Discutiram muito a
forma como os americanos digeriram e as-
respeito do quadro e do título e co ncluíram que era
similaram o modelo europeu ( Ribeiro, 2013).
um antropófago; então, num dicionário tupi-guarani

144
No primeiro número da Revista de Antropofagia, destacam-se as seguintes colocações:

Só a ant ropofagia nos une. Socia lmente. Economicamente. Filosoficamente.


[...]
Tupi or not tupi that is t he question.
[...]
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do ant ropófago.
[...]
Nunca fomos catequizados. Fizemo s foi Carnaval. O índ io vestido de Senador do Império. Fingindo
de Pitt. Ou figurando nas óperas de Ale nca r cheio de bons sentimentos portugueses. (Leite, 2000)

O caso de Amaral é provavelmente o melhor exemplo visualmente concreto a encarnar a atualização


da intelectualidade brasileira rumo a um projeto de brasilidade, o grande projeto de modernismo do país.

4.3.2 Ismael Nery: pintor maldito


Para Chiarelli ( 2002), Ismael Nery é um artista indevidamente desvalorizado pela corrente principal
dos modernistas no Brasil. Segundo o autor, isso ocorreu porque a produção de Nery estava estreita-
mente ligada com o surrealismo mais radical. O artista marginal morreu em 1934, e só a partir dos anos
1960 sua obra sofreu um processo de resgate. É importante destacar que a sua vivência artística era
tão intensa que podemos dizer que ele confundia os limites entre a arte e a vida (Chiarei li, 2002, p. 51).
Veja o seguinte relato sobre a pintura de Nery:

quando pega dos pinceis, todo aquele tumulto mental se organiza em linhas, planos e volumes de uma
concisão ad mirável. Todos os elementos, intelectuais de sua arte são rapida mente reabsorvidos para
só apa recer - em fi na synt heses plásticas - o sent imento agudo do te ma retratado. O que fica de tudo
isso são imagens vividas unas e com as qualidad es mais fascinantes da vida: fo rça, esponta neidade,
graça, sexualidade. Sobretudo sexualidad e. Plasticidade, sexualidade, eis toda a arte ou quase toda a
de Ismael Nery. (Andrade, citado por Lima, 2001, p. 103)

145
O art ist a t eve uma vida breve e intensa, entremeada de acontecimentos t rágicos que marcari am
profundament e sua o bra: perdeu o pai aos 9 anos e o irmão aos 18, fatos que t ransform aram sua mãe
em uma fi gura pert urbada. Ele chegou ao Rio de Janeiro com 9 anos e, em 1915, ingressou na Escola
Nacional de Belas Artes, mas não se adaptou ao carát er acadêmico do curso. Após est adia em Paris,
voltou ao Brasil e passou a "trabalhar como arquitet o do Patrimô nio Nacio nal, o nde conhece[u] o poeta
Murilo Mendes, respo nsável pela preservação da memó ri a e da obra de Nery. O poeta muitas vezes
recuperava os desenhos do amigo da lata do lixo" (Ismael. .., 2016).
Conhecido como o " pinto r maldito" d o modernismo, não alcanço u reconhecimento em vida,
muito embora marcasse presença em inúmeras exposições mo dernist as desde 1927, como o Salão
Revolu cio nário de 1931 e a ex posição da Sociedade Pró-Arte Moderna (S pam) de 1933. Ismael Ner y
nunca vendeu suas telas e, aos 30 anos, após o diagnóstico da t uberculose, diminuiu sua produt ivida-
de t endo em vista as difi culdades provocadas pela do ença e a intern ação no sanatório. A consciência
do fim iminente aguçou seu imaginári o, dando origem a obras que transcendem a realidade, em que
corpos deform ados e viscerais to rnam-se o tema cent ral de sua pint ura. Melancólico, publicou em
1932 sua autobiografia, int it ulada História de Ismael Nery, contada com base em desenhos de sua auto ri a.
As co mplicações da doença leva ram o art ista à mo rte em 1934 (Ismael. .., 2016).
A qu alidade de sua o bra, a t rágica biografi a e a inspiração surrea lista sublinham a presença de Ne ry
na história da arte brasileira. Embora não tendo reconhecimento em vida, a obra do artist a incrementa
o moderni smo, enriqu ecendo-lhe ainda mais. Ner y é mencionado - ainda que brevemente - ao final
deste capít ulo no int uito de demonstrar que em meio às correntes art ísticas históricas costuma haver
art istas estabelecidos e marginais. Va le lembrar q ue o caso brasileiro não é uma exceção, mas uma
sit uação inteiramente comum no ca mpo da arte.
Para saber mais

Confira, no link a seguir, as produções de Ismael Nery:


ISMAEL Nery. MAC-USP. Disponível em: <http://www.mac.usp.br/ mac/templates/ projetos/seculo xx/
modu lo2/ modernismo/art ista s/ nery/index.htm>. Acesso em: 22 nov. 2016.

Síntese
Abrim os o capítulo com o t raba lho da art ista contemporânea Anna Bella Geiger, confirmando o q uanto
o debate mo dernista, em sua busca por uma ident idade nacional e uma iconografia própria, ainda está
latente na atualidade. Em seguida, destaca mos os art istas precursores da arte moderna no Brasil: Anita
Ma lfatti e Lasa r Segai 1. Durament e crit ica da por Monteiro Lo bato, ent re o ut ros, Ma lfatti, que t razia na
bagagem influências va nguardistas, modifico u seu estilo, criando um meio termo ent re o mo derno e o
acadêmico. Já o lit uano Segall se sensibilizou com as co res vibrantes do país t ropica l, fato qu e marco u
profundamente sua pint ura.
De pois, sublinhamos a alteração do centro de referência art ística do Rio de Janeiro para São Pa ulo,
bem co mo a rea lização da Semana de Arte Moderna de 1922, cujo o bjetivo era atualizar a cult ura art ís-
t ica nacional. Durante o eve nto, se destacaram os art istas Di Cavalcant i e Victor Brecheret. O primeiro,
cuja te mática era a mulatice e a exuberâ ncia da cult ura brasileira, fo i o idealizador e o rganizador da
pa rte visual da Semana de 22. O segundo, influenciado por Rodin e Brancusi, to rnou-se um dos mais
competentes escu ltores do Brasil.
Pa ra além da Sema na de 22, destacamos os pintores Tarsila do Ama ral e Ismael Nery, personage ns
marcantes do mode rnismo brasileiro. Tarsila muito cont ri buiu para a pint ura modernista, principalmen-
te co m as produções da fase ant ropofágica, com destaque pa ra a obra Abaporu, de 1928, que inspiro u
o Ma nifesto Ant ropofágico escrito por O swa ld de Andrade. Qua nto à obra de Ismael Ner y, vimos que
não fo i devidamente valo rizada pela corrente principa l dos modernista s brasileiro s, por sua ligação
com o surrealismo mais radica l.

147
Atividades de autoavaliação
,. Sobre o modernismo brasileiro, é correto afirmar:
a) O modernismo brasileiro foi um marco no intuito de atua lizar a inte lect ualidade brasileira em direção
às vanguardas mais radica is.
b) O s modernistas aspirava m à criação de uma iconografia fundada na arte europeia de vangua rda.
c) O s modernistas lamentavam que a arte brasileira t ivesse se tornado mera imitação do neoclassicismo
francês.
d) Ismael Nery, "pintor maldito" do modernismo, t inha como referência o dadaísmo mais radical.

2. Assinale (V) pa ra as afirmativas verdadeiras ou (F) para as fa lsas:


( ) A obra da art ista contemporânea Anna Bella Geiger é marcada pelo uso de diversas li nguagens e
materiais.
( ) Que stões proposta s pelos modernistas cost umam ser revisitada s.
( ) Anita Malfatti sofreu infl uência da arte de vangua rda europe ia, entre elas do expressionismo alemão.
( ) Apesar das críticas exacerbadas de Monteiro Lobato à exposição de An ita Ma lfatti, sua obra se manteve
com as mesmas ca racteríst icas de antes.

3. Assinale somente a alternativa correta:


a) Anita Malfatti e Lasar Sega li são dois dos art istas precursores da arte moderna no Brasil.
b) O núcleo do movimento modernista fi cou cent ralizado na cidade do Rio de Janeiro.
c) Fize ram pa rte da Semana de 22 como organizadores Di Cavalcant i e Tarsila do Amaral.
d) Todas as alternativas são incorretas.
4. Sobre Di Cava lcant i e Brecheret, assinale a alternativa correta:
a) Na Semana de 22, Di Cavalcanti responsabilizou -se por organizar a parte vo ltada à literatura.
b) Em Cinco moças de Guaratinguetá, encontramos uma estilização da figura humana com um colorido
t ropical.
c) Brecheret sofreu forte influ ência do expressionismo alemão, por ter vivido em Berlim.
d) Na Europa, Brecheret sofreu forte influência do neocl assicismo, t ransportando o estilo para suas obras.

5. Assinale a(s) alternativa(s) correta(s). São características da fase antropofágica de Tarsila do Ama ral:
a) Apelo ao fantástico.
b) Exploração de viva paleta de cores.
c) Gigantismo, deformação.
d) Despoj amento composicional.

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Para Tadeu Chiarelli (2002), o art ista Ismae l Ne ry - que em vida não vendeu quadros - foi indevidamente
aquilatado pelos modernistas no Brasil. Além disso, o art ista morreu em 1934 e só a partir dos anos 1960
sua obra passou por um processo de resgate. Sobre a art ista An ita Ma lfatti ta mbém foi lançada muita
host ilidade por parte dos crít icos t rad iciona is. Tomando como base esses fatos, reflita sobre a questão
do reconhecimento no meio artístico, analisando o papel de críticos de arte, ga lerias, museus e bienais na
va loração de um artista e sua obra.

149
2. Analise com atenção a Figura A. Figura A - Saudade, de Almeida Júnior

A pintura de gênero, escolha temática de Almeida


Júnior, cujos temas vão do cotidiano burgu ês
ao ce nário rural , captou a simpatia tanto de
conse rvadores como Monteiro Lobato quanto
de modernistas como Mário de Andrade, embora
ambos estivessem em lados opostos do discurso
nacionalista. Após uma análise crítica da obra,
reflita sobre os motivos que teriam levado
intelectuais, com pontos de vistas tão diferentes,
a aplaudir um mesmo artista.

Atividades aplicadas: prática


1. A artista contemporânea Anna Bella Geiger propõe
uma profunda reflexão sobre a arte. Em uma de
suas obras, ela discute a rela ção entre a cultura
bra sileira periférica e as consid eradas centrais -
europeias e norte-americanas. Você concorda que
existe ess a sepa ração dentro das artes? Por quê?
Faça uma pesquisa e descubra se existem outros
artista s brasileiros preocupados com o tema.

2. No decorrer do capítulo, afirmamos que a


obra da artista Anita Malfatti foi influenciada
pelas tendências modernista s europeias e ALMEIDA JÚNIOR, José Ferraz de. Saudade. 1899. 1óleo sobre tela:
color., 197 x 101cm. Pinacoteca de São Paulo.
norte-americanas. Numa espécie de processo
inve rso, Lasa r Sega li, pintor lituano naturalizado b rasileiro, ao chega r ao Brasil se sensibilizou com as
cores vibrantes do país e começou a pintar com uma nova paleta de cores. Levando em consideração
as características das vanguardas europeias e as peculiaridades do mode rnismo no Brasil, aponte as
influências que ambos operaram sob re esses dois art istas, analisando como eles conduziram o diálogo
ent re essas duas tendências em suas obras. Tome co mo base da sua análise uma obra representativa de
cada art ista.

3. No site oficial da art ista Tarsila do Amaral está exposta sua produção artística. Escolh a uma obra da fase
Pau -Brasil e a cont raponha ao Abaporu, da fase antropofágica, analisando as mudanças na pintu ra da
art ista de uma fase para outra. Indique ru pturas e continuidades.

TARSILA DO AMARAL. Disponível em: <http://ta rsiladoamaral.com.b r/>. Acesso em: 22 nov. 2016.
Rumo às abstrações
o prim eiro ite m deste capítulo, aprese nta mos o

N momento histórico que o pa ís vivia em meados


do século XX - rumo ao progresso - e fazemos
uma menção à Europa devastada pela Segunda Guerra
Mundial. Na sequência, ressalta mos a obra do art ista
Ca ndido Port inari (1903-1962), o pintor oficial do Estado
Novo. A seguir, exploramos o Núcleo Bernardelli, um grupo
bastante inusitado, conhecido como a ala moderada do
modernismo brasileiro dos anos 1930, cujo destaque será
o art ista José Pancetti (1902-1958).
Destaca mos as pro postas de insurreição em São Paulo,
a ca rgo do Grupo Santa Helena, que dividia o piniões em
virt ude de sua demasiada preocupação técnica. Logo de-
pois, damos evidência à obra do abstracionista ingênu o
Alfredo Vo lpi (1896-1988), qu e na década de 1950 ganho u
envergadura pró pria com suas popularmente co nhecidas
"bandeirinhas".
No item seguinte, t ratamos da 1ª Bienal de São Paulo,
realizada em 1951, com intermédio dos mecenas Francisco
Mata razzo Sobrinho, mais conhecido como Ciccilo (1898-
1977), e Yolanda Penteado (1903-1983), que colocou o Brasil
no mapa dos grandes eventos internacionais. Ressaltamos
ta mbém a criação em 1947 do Museu de Arte de São Paulo
(Masp), administ rado pelo marchand italiano Pietro Ma ria
Bardi (1900-1999) . Ao final do ite m, retorn amo s à 1ª Bienal
exibindo reflexões sobre a o bra Unidade tripartida, do ar-
t ista suíço Max Bill (1908-1994), que fico u com o prêmio
máximo em escult ura na referida Bienal.

155
Finalmente, discutimos sobre o predomínio da abstração no Brasil, o concretismo, o Grupo Rupt ura
e o Grupo Frent e.

5.1 Guerra e política na capital da


República: o Rio de Janeiro
Na Segunda Guerra Mundial, enquanto a Eu ropa est ava destruída, o Brasil vivia a promessa de progresso,
momento político conhecido como Estado Novo, os anos da ditadura de Getúlio Va rgas. Na arte, impe-
rava o pintor Ca ndido Port inari, o art ista oficial do Estado. No pequeno circuito art ístico erudito, São
Paulo e Rio de Janeiro ri va lizava m. Eis então que surgiu o Núcleo Bernadelli, um grupo de art istas que,
no Rio de Janeiro, posicionava m-se cont ra a Escola Nacional de Belas Art es e suas premissas. É bom
lembrar, cont udo, que também não abraçavam por complet o a ca usa modernist a.

5.1.1 A Euro pa devast ada e o Brasil rumo ao progresso


As décadas de 1930 e 194 0 foram anos terríveis em razão da Segunda Guerra Mundial. No período, oco r-
reu a disso lução de quase todas as democracias no cont inente Europeu. O tipo de guerra conduzido
por Hitler e sua co ncepção racial de hist ória era um modelo impensado nos conflitos políticos e sociais
do velho mundo. Além disso, o mundo viu a formidável manipulação das massas j amais vist a, a partir
do cinema de propaganda e do rádio, baseada numa absorção de particularidades do sujeito po r um
estado superior a qualquer manifestação do individual. Os personagens eram fantoches, manipulados
por uma ordem a ser seguida. No pa lco, encena-se a t ragédia do mundo e, em especia l, a da Europa,
que até então era a condutora da cultura ocide nta l (Cavalcant i, 2001).
No Brasil, assimilavam-se dois proj etos art ísticos: o primeiro dizia respeito à continuidade instit ucio-
nal do modernismo com a vitória do tenentismo e a ascensão de Getú lio Va rgas ao poder, " uma raposa
política da Primeira Rep ública[...]" (Cavalcanti, 2001, p. 139), que pôs em ca rgos-chave na área da cultura
e na política a nova geração; o segundo foi o que se chamou, com toda a ambiguidade esperada, de
retorno à ordem. O Estado Novo, queira ou não, possibilitou um fio de modernização, o possível num
país basicamente agrário, que convivia até então, segundo o presidente deposto Washington Luiz, com
a lógica de que a luta de classes era caso de polícia. Vargas fez uma ditadura com uma constituição
fascista, tinha a malícia do Velho Regime combinada com a astúcia de manipulação do povo. Em suas
marchas e discursos, que iniciava com autoridade do povo ("Trabalhadores do Brasil", começava o di-
tador), ele julgava que era legitimamente o seu representante máximo e imaculado (Cavalcanti, 2001).
Apesar de algumas iniciativas, predominava o repúdio a qualquer tentativa de modificação da arte no
âmbito oficial, uma vez que se tratava de um ambiente cultural fortemente nacionalista e preocupado
com o poder de comunicação da obra de arte, como era o Brasil da época (Couto, 2004).
Na arena cultural brasileira, os modernistas se moveram com facilidade, ocupando postos. O princi-
pal talvez fosse o do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), o maior conselheiro de Gustavo
Capanema (1900-1985), ministro da Educação e Saúde. Institucionalmente, destacam-se no período a
criação da Sociedade Pró-Arte Moderna (Spam) e um evento modernizador em 1931: o Salão de Arte
Moderna. O episódio sacudiu o debate entre modernos e acadêmicos (Cavalcanti, 2001).
Para Teixeira Leite (2000), o Salão colocou fim ao marasmo artístico em que ainda se encontrava o
Rio de Janeiro (na época capital do Brasil). Era o 38º Salão, conhecido como O Revolucionário ou Salão
dos Tenentes, organizado pelo arquiteto Lúcio Costa (1902-1998), que então dirigia a Escola Nacional
de Belas Artes. A novidade era o fato de ser aberto pela primeira vez aos artistas de orientação mo-
derna (Leite, 2000).

5.1.2 Portinari, o querid o comunist a de Vargas


Nesse mesmo período, surgia um importante artista, Candido Portinari, que fora contemplado com
o prêmio de viagem ao exterior no Salão Nacional de Belas Artes de 1928. Ele partiu quase acadêmico
e retornou como um pintor moderno. Depois disso, sua pintura triunfou, a começar por um prêmio
que ganhou com uma pintura numa mostra internacional promovida em 1935. O prêmio recebido nos
Estados Unidos representou, além da con sagração do artista, o triunfo da arte moderna no Brasil.

157
Portinari se tornou o pintor oficial do Est ado Novo, acumulando uma vast a produção, traduzida em
um grande número de pint uras de cavalete e em grandes murais, que culminaram, em 1958, nos do is
grandes painéis Guerra e Paz, oferecidos pelo Brasil ao edifício-sede das Nações Unidas em Nova York,
onde se localiza m atualmente ( Leite, 2000).
Lançado em agost o de 1938, o retrat o que Po rt inari fez de Getúlio Vargas foi encomendado pelo
então presidente do Banco do Bras il, que o bjetivava substit uir em seu gabinete a fotografia oficial do
presidente por uma tela a ó leo assinada pelo ret ratista de maio r prestígio nos círculos dirigent es do
governo'. At é mes mo o mais distraído observador percebe os flo reios que Portinari f ez nessa compo-
sição (Mice li, 1998).

uma imagem integralmente construída numa chave apologética e ce lebrativa, não destoando em nada
dos chavões visuais com que inúmeros art istas sedimentaram a estampa de base da mais importante
liderança política da história contemporânea do país. Contribui para a produção desse efeito quer a
figu ra engrandecida do modelo, dando a impressão de possuir uma estatura muito maior do que a
sua real, quer a solenidade da casaca de gala com faixa presidencia l, quer o brilho intenso em diversas
áreas do rosto, como que imerso num halo, era enfim o esquema mesmo de modelagem das feições
esma ltadas em todo o cromo. A força dessa tela se apoia no amálgama entre a figu ra do ditador e as
insígnias ativas dos presidentes constitucionais. A exemplo de outros presidentes civis e militares que
o precederam no cargo, Vargas se fez em diversas ocasiões envergando no peito a fa ixa presiden-
cial. A imagem daí resultante operou um traba lho de retoque iconográfico ao lh e conferir atributos
característicos dos ocupante s legitimamente eleitos, como foi o caso do próprio Vargas à testa do
governo constitucional ent re 1934 e 1937. (Mice li, 1998, p. 38)

Port inari, conhecido e premiado no exterio r, era o art ista q ue mais adequadamente t inha condições
de co nverter para a linguagem ofi cial os anseios governistas da época. Have ndo necessidade, ele se
adaptou, mod ifi cando o seu característico t raçado. No retrato que faz de Va rgas em 1938, o t raçado
é mais rea lista, enquanto nos painéis Guerra e Paz, de 20 anos mais tarde, é despoj ado, estilizado e até
mo derno.

Veja a pin tura no site a seguir : <ht tp://www.por tinari.org.br/>. Acesso em: 20 dez. 2016.
Figura 5.1 - Mural Guerra, de Candido Portinari

PORTINARI, Candido. Guerra. 1952-1956. FCO: 3799. CR: 3719. Painel a óleo/madeira compensada:
1400 x 1058 cm. Edif ício-sede das Nações Unidas, Nova York

159
Figura 5.2 - Mural Paz, de Candido Portinari
5.1.3 Um grupo
inusitado:
o Núcleo
Bernardelli
Em 1931, no mesmo ano do
Salão Revolucionário, o Núcleo
Bernard elli foi criad o po r um
grupo de j ovens artistas que j á
não aceitava m o t ipo de ensina-
mento ministrado por seu s ve-
lhos mestres na Escola Nacional
de Be las Artes. Funcio nando de
início nos po rões da pró pria es-
cola, o núcleo não t inha profes-
sores, mas contava com mestres
mais experi entes (Leite, 2000).
O núcleo fi cou conhecido
como a ala moderada do moder-
nismo brasileiro dos anos 1930.
Era voltado principalmente para
os problemas de técnica e de co-
zinha pictó ri ca, a ponto de t rês
dos seus ant igos integrantes
terem se tornado especia listas
em conservação e resta uração

PORTINARI, Candido. Paz. 1952-1956. FCO: 3798. CR: 3720. Painel a óleo/madeira compensada:
1400 x 953 cm. Edif ício-sede das Nações Unidas, Nova York.

160
de pinturas. Eles vislumbravam facilitar e intensificar o estudo da pintura com modelo-vivo todas as
noites e, em aulas ao ar livre, aos domingos. Vejamos algumas características do grupo na fala de seus
próprios integrantes (Leite, 2000):

Éramos todos os fu ndadores do Núcl eo Bernardel li jovens, pobres, românticos e inconformistas.


Queríamos liberdade de pesquisa e uma reformu lação do ensino artístico na Escola Nacional de Belas
Artes e no Rio de Janeiro. A Escola constituía então um reduto de professores reacionários, infensos
às conquistas trazidas pelos modernos. Queríamos a renovação do ensino das artes plásticas

Entre os frequentadores de origem humilde e sem maiores recursos econômicos, estava o jovem
José Pancetti. O conhecido pintor das marinhas morou na Itália na adolescência. De volta ao Brasil,
passou uma temporada em Santos, onde exerceu diferentes atividades profissionais. Em 1922, entrou
para a Marinha brasileira e, dentro de pouco tempo, a bordo de um dos navios, o artista começou a
pintar suas telas com lisas pinceladas e razoável grau de detalhamento. Pancetti abrilhantou uma das
poucas insurgências contra a normativa da Escola Nacional de Belas Artes, o Núcleo Bernardelli, no qual
ingressou em 1933. Pouco a pouco, suas telas foram ganhando mais despojamento, beirando a abstra -
ção. Nessa fase, os elementos são econômicos, resumindo -se à luz, ao céu, à areia e ao mar. No fim da
década de 1950, faleceu no Rio de Janeiro.

Para saber mais


Para ve r algumas das o bra s de Pan cetti, pesquise no site do ltaú Cultural:
ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. José Pancetti. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.
br/pessoa1334/j ose-pancetti>. Acesso em: 20 dez. 2016.

161
5.2 Propostas de insurreição em São Paulo
Como é sabido, São Paulo puxou para si as atenções do país no âmbito cultural. Após a Semana de
Arte Moderna de 1922, artistas e intelectuais co ntinu aram a reaviva r o circuito artístico com eventos
esporádicos e demais estratégias. Foi nesse momento que alguns imigrantes que trabalhavam como
pintores de parede resolveram formar um grupo para realizar seus trabalhos puramente artísticos.
O grupo mantinha se melhanças com o ca rioca Núcleo Bernadelli e passou a atuar no circuito oficia l
erudito g raças ao incentivo dos modernistas. Além disso, um evento que marcaria a história da arte
brasileira estava sendo gerido, a 1ª Bienal de São Paulo.

5.2.1 O Grupo Santa Helena


O Grupo Santa Helena nasceu em meados da década de 1930 e deve seu nome ao palacete de mesmo
nome, situado na Praça da República, o nde Francisco Rebolo (1902-1980) e Mário Zanini (1907-1971)
alugavam duas salas. Misto de depósito e ateliê, o loca l logo se tornou um movimentado núcleo de
discussões e idealizações do modernismo brasileiro, ainda que seus integrantes estivessem voltados
para aspectos diversos da arte e fossem, de certa forma, hostilizado s tanto por acadêmicos quanto
por modernista s. No curso noturno de desenho da Esco la Paulista de Belas Artes, frequentado pela
classe trabalhadora, imigrante e pobre da cidade, Rebolo e Zanini estabeleceriam contato com diversos
companheiros que formariam o Grupo Sa nta Helena, como Alfredo Volpi (Leite, 2000).
Foi durante as ho ras de folga - quando trocavam seus ofícios ordinários do dia a dia pela pintura de
cavalete e pela prática do desenho - , ent re conversas e reflexões, que o grupo se firmou, sem progra -
mas ou manifestos, ga nhando a adesão de inúmeros art istas, geralmente autodidatas. Eram obscu ros
pintores o riundos da classe operária, quase todos imig rantes ou filhos de imigrantes que prestigiavam
o Salão Paulista de Belas Artes, dominado pe los acadêmicos. Vivendo à margem do público e da crít ica,

162
em dado momento, os membros do grupo foram descobertos. Foi praticamente para revelá -los que
se organizou, em 1937, a 1ª Exposição da Família Artística Paulista, da qual participaram todos os inte-
grantes do grupo, Anita Malfatti, entre outros (Leite, 2000).
"Essa exposição inicial não melhorou a posição dos pintores do Santa Helena junto aos modernis-
tas, que os desprezavam por acadêmicos, e nem muito menos junto aos acadêmicos, que os tinham por
perigosos futuristas" (Leite, 2000). Somente a partir da 2ª Exposição, em 1939, e depois da publicação
do célebre artigo de Mario de Andrade "Esta família paulista", no jornal Estado de São Paulo (1939), os
pintores do grupo começaram a ocupar o lugar que de fato mereciam no circuito paulista. No artigo,
Mario de Andrade deu destaque à importância qu e os membros do grupo concediam à técnica, mas
foi justamente por essa ênfase que, de outro lado, eles foram acusados pelo crítico Geraldo Ferraz
(1905-1979) de tradicionalistas. Outro importante crítico, Sergio Milliet (1898-1966), encarava essa
produção como uma reação contra as correntes mais avançadas, mas menos artesanais (Leite, 2000):

O Grupo do Santa Helena não foi uma sociedade, nem constitu iu um movimento: os artistas que o
formaram uniram -se, aliás por bem pouco tempo, por circunstâncias fortu itas, e tinham em comum
a origem proletária e o apego à t radição artesanal da pintura. Eram a ala moderada do Modernismo
paulista, ta l como pela mesma época no Rio de Janeiro os integrantes do Núcleo Bernardelli eram a
ala moderada do Modernismo carioca. Seu mérito maior foi ter reve lado alguns dos mais importantes
pintores brasileiros do Séc. XX, como Alfredo Vo lpi e Aldo Bonadei, por exemplo.

Para se ter uma ideia da vida difícil dos artistas que não eram dotados de heran ça, entre eles muitos
dos que participaram do Grupo Sa nta Helena e do Núcleo Bernardelli, verificou-se que costumavam
doar seus quadros para jornalistas a fim de terem em troca se us nomes divulgados: "vender um quadro
era como ganhar na loteria. Os quadros eram geralmente dados de presente [...]" aos empresá rios ou
engenheiros e, assim, os artistas obtinham alguns trabalhos de pintura de parede (D urand, 1986, p. 102).
5.2.2 Volpi
Alfredo Volpi foi um importante artist a brasileiro que viveu na simplicidade por mais de meio século no
bairro paulista do Cambu ci. Pessoas humildes e milionárias formavam sua client ela. Ele nasceu na Itá lia,
mas veio ao Brasil ainda bebê. Quando j ovem, t rabalhou como pintor decorador de paredes. Um amigo
do artist a conta qu e quando Volpi pegava uma boa encomenda "conseguia sobreviver por uns 3 meses
a base de pão com banana ou com outra coisa, mas se dava ao luxo de um vinhozinho quando podia"
(Araújo, 1986). Em 1927, pouco antes de ingressar no Grupo Santa Helena, Volpi se casou e, uma déca-
da mais ta rde, em decorrência de uma doença, sua esposa foi morar no litoral. Volpi ia vê- la aos fin s
de semana e, nessa rotina, que durou três anos, surgiram suas primeiras obras- primas (Araújo, 1986).
Foi na década de 1950 que a obra de Volpi ganhou enve rgadura própria co m o surgimento das " ban-
deirinhas". Com um estilo muito particular no modernismo brasileiro, sua poética sit ua-se ent re o figu-
rativo e o abstracionismo, tendo como referência t emática aspectos da cult ura popular brasileira,
como as festas e a arquitetura singela dos casa rios, que expressou com refinado lirismo. A preferência
pela têmpera, técnica que exige apurado domínio e co nfere um aspecto de artesa nia às suas obras,
revela sua forte ligação com as tradições art ísticas t razidas ao Brasil pelos imigrantes (Osó rio, 2007).

Para saber mais


Confira, no link a seguir, algumas o bras de Alfredo Volpi:

ENCICLO PÉDIA ITAÚ CULTURAL. Alfredo Volpi. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucu ltu ral.org.
br/pessoa1610/ alfredo-vo lpi>. Acesso em: 8 dez. 2016.
5.2.3 Em vias de abstrair
Em 1945, com a queda do governo ditatorial de Getulio Vargas, Mário Pedrosa (1900-1981), defensor
incondicional da arte abstrata, voltou ao Brasil após anos de exílio nos Estados Unidos e começou a
atuar como crítico de arte para o jornal Correio da Manhã. Em seguida, desempenhou importante papel
na 1ª Bienal de arte do país (Co uto, 2004) .
Outros dois eventos importantes que marcaram as mudanças na orientação artística do país acon-
teceram em 1948 e 1949. Trata-se de uma grande retrospectiva de Alexander Calder (1898-1976), apre-
sentada em 1948 no Ministério da Educação e Saúde, e da colossal exposição inaugural do Museu de
Arte Moderna de São Paulo, chamada "Do Figurativismo ao Abstracionismo". Prevalecia no país, à época,
a ideia de que somente a pintura figurativa poderia exercer uma função social legítima e ser acessível
à compreensão de todos (Couto, 2004, p. 50).
Com a inauguração da 1ª Bienal de São Paulo, em 20 de outubro de 1951, o Brasil apostava na mais
ousada manifestação cultural já sonhada nos trópicos, que de dois em dois anos colocaria o país no
mapa dos grandes eventos internacionais. A Bienal de Veneza, criada em 1895, serviu de modelo a essa
nova ousadia paulistana, realizada em parceria com 20 países, que enviaram em conjunto 1.800 obras.
A exposição teria grande impacto sobre a arte e a crítica nacional (Amarante, 1989).

5.3 A 1ª Bienal
No final da década de 1940, membros da elite paulista iniciavam os preparativos para criar uma grande
mostra internacional de arte contemporânea sediada no Brasil. Foi também nesse período que um im-
portante magnata da área das comunicações empenhou -se na criação do Museu de Arte de São Paulo
(Masp) . A Bienal e o Masp fortaleceram o circuito artístico, tornando-se importantes vitrines da arte
que possibilitaram a sobrevivência de artistas nacionais e acabaram formando o público ao inseri-lo
em meio à arte internacional.

165
A intervenção dos mecenas Matarazzo e Penteado
O mentor intelectua l do desafio foi um industrial de origem italiana, Francisco Matarazzo Sobrinho, co-
nhecido como Ciccilo. Ele foi co missário da representação brasileira da Bienal de Veneza de 1948 e de
lá trouxe o regulamento, adaptando-o às ca racterísticas nacionais. No começo da década de 1950, São
Paulo já reg istrava a maio r conce ntração de renda de todos os estados e também abrigava expressivo
número de imigrantes: era a síntese do Brasil, a sua vitrine para o mundo. A cidade continuava a ascensão
econômica industrial e nos arranha-céus reve lava a sua força material. Havia, porém, um descompasso
entre essa aceleração e os avanços culturais, dessa forma, o sonho do equilíbrio se materializava na
Bienal (Amarante, 1989).
Para Durand (1986), Ciccilo, que largou a faculdade de engenharia na Itália e veio ao Brasil administrar
as indústrias metalúrgicas do tio, tinha um claro propósito: "sou um administrador das artes. Quando me
ca nso do trabalho aqui na fábrica, vou ajudar os artistas e intelectuais: transformar-me no administrador
que eles exigem". A possível justificativa para essas inciativas cu lturais, segundo Durand, gira em torno do
fato de que a família desejava um futuro que os projetasse em dois espaços, nos quais não apresentavam
trunfos: a política e a cultura ( Durand, 1986, p. 131).
Yolanda Penteado, filha de antiga o liga rquia paulista, era na época casada com Ciccilo e se incumbiu
de acionar contatos que mantinha para obter a adesão de um maior número de países no evento, pois
era preciso rem over resistências que vinham do fato de que o Brasil era um país distante e se m tradição
cultural ( Durand, 1986).
O surgimento dessa grande mostra internacional num país subdesenvolvido se deve à iniciativa do
rico e influente casal em parceria com a alta sociedade, o capital estatal e o apoio dos meios de comu -
nicação, cada qual, sem dúvida, com seu s interesses privados, mascarados pelo discurso do bem que
faziam à esfera pública.

166
O Masp e o marchand Pietro Bardi
Nessa altura, dois grandes nomes riva lizavam para mante r o t ítulo de mecenas da cidade: Cicc ilo e
Assis Chateaubriand, jornalista pro prietário do conglo merado Diários Associados, que era co mposto
por j o rnais e e missoras de rádio e de TV. Chateaub riand criou, em 1947, o Masp e convidou o marchand
ita liano Pietro Maria Bardi para administrá-lo. Pietro Ma ria Bardi e Chateaubriand adquiriram para o
Masp uma coleção de va lo r incalcu lável, sem dinheiro algum, t udo po r meio de doações (Amarante, 1989).
A fu ndação do Masp pode se r vista co mo uma ca mpan ha destinada a alimentar de notícias seus ó rgãos
de divulgação. É im por tante frisar, ainda, que o g ru po de comunicação de Chateaubriand era subsidiado
oficialmente pelos Gove rnos Federal e Estadual ou pe la iniciativa privada e m troca de apo io político
(Durand, 1986). Chateaubriand e Ciccilo se aliaram ao magnata norte-a mericano Nelson Rockfeller, que
dispendeu 40 milhões de dólares para fi nanciar uma das compras de quad ros para Bardi e Chateaubriand
em Nova York. Rockefeller, fundado r do Museu de Arte Moderna de Nova Yo rk, aliou-se ta mbém a Francisco
Mata razzo pa ra criar o Museu de Arte Mode rna em São Paulo (MAM), uma espécie de filial da instit uição
norte-americana nos t ró picos (Amarante, 1989).
Ainda que por meios no mínimo discutíveis, Chateaubriand e Bardi compuseram um acer vo importante
de arte inte rnacio nal. No Masp, há t rabalhos raríssimos, como uma co leção de esculturas de Edga r Degas
(1834-1917), uma pi ntura do renascent ista Rafael (1483 -1520) e telas de Vincent Va n Gogh (1853-1890). Elas
costumam ser emprestadas para figurar nas mais impo rta ntes mostras internacio nais. Esse acer vo te m
o mérito de possibilita r um estreitamento ent re o público latino e a arte consagrada no exterio r. É inte -
ressante, ainda, refletir sobre os inte resses que o poderoso g rupo industrial norte americano Rockfeller,
que enca rnava a imagem do capita lismo, t inha em patrocinar ta is investidas cu ltu rais no Brasil do fi nal
da década de 1940.

Pa ra a elite c ult ural paulista na, o clima que antecedeu a 1ª Bienal era de véspera de Copa do Mundo.
Afi nal, os brasileiros ainda amargava m uma derrota em 1950 para os urug uaios, em pleno Maraca nã.
Na Bienal, o art ista suíço Max Bill fico u co m o prêmio máximo em escult ura com sua o bra chamada
Unidade tripartida, a única unanimeme nte aplaudida. Ent re os brasileiros, destaca m-se Victor Brecheret
na escult ura, Alde mir Mart ins (1922-2006) no desenho e Oswa ldo Goeldi (1895-1961) na g ravura. Muitos
artistas e simpatizantes da arte não se conformaram Figura 5.3 - Unidade tripartida, de Max Bill

em ver fora do pódio Lasar Sega li, Cândido Portinari


e Di Cavalcanti. O fato é que o Brasil ingressava defi -
nitivamente no circuito internacional de arte e polê-
micas como essa sempre acompanharam os grandes
salões e as bienais (Amarante, 1989, p. 12-25).
A obra Unidade tripartida não figurou entre as
obras suíças, pois o artista participou do evento
como convidado especial da 1ª Bienal de São Paulo,
apresentando-se, portanto, como independente.
O crítico ejurado argentino Jorge Romero Brest foi o
mais fervoroso defensor do abstracionismo artístico
e também o mais favorável à escolha da escultura
como merecedora do primeiro lugar (García, 2008).
Para Bill, a forma devia ser uma configuração
articuladora entre a função do objeto visual e a sua
beleza, ambos unidos na clareza somente alcançável
BILL, Max. Unidade tripartida. 1949. 1aço inoxidável:
pelo rigor e pela exatidão do ato criativo. A possibi-
114 x 88,3 x 98,2 cm. Acervo MAC-USP, São Paulo.
lidade de traduzir o pensamento numa forma dire-
ta, sem imprevistos e materialmente analisável era
premissa fundamental do trabalho do artista (García, caminhavam na direção do abstracionismo
2008). Ao contrário da Europa, traumatizada pelos (García, 2008). Não tendo encontrado tantos
horrores da guerra e voltada agora para o resgate adeptos na Europa, em contraposição, deste
de suas tradições comunitárias, a arte concreta de lado do Atlântico, o concretismo de Max Bill
Max Bill mostrou-se como algo instigante para os encontrou um forte impulso e o artista foi
meios artísticos da América do Sul, cujas escolhas figura -chave para o movimento.

168
Conforme aponta Aracy Amaral (2006), os países onde a tradição e os valores culturais ancestrais
foram quase extintos, como a Venezuela, o Brasil, a Argentina e o Uruguai, aderiram mais facilmente
à abstração. Há algumas suspeitas que poderiam explicar esse fato: o desejo de ordenação do caos;
a existência de um meio artístico sem tradição diante de uma realidade social complexa; e a impor-
tação das va nguardas por artistas que, em grande parte oriundos de classes mais abastadas, podiam
viajar com frequência aos grandes centros culturais da Europa e dos Estados Unidos (Amaral, 2006).

5.4 Notáveis consequências da 1ª Bienal


A Bienal de 1951 abriu caminho para o abstracionismo, que acabou por alinhar a arte brasileira à dos
grandes centros hegemônicos. Surgiram, então, destacados artistas como os que compuseram o con-
cretismo e o neoconcretismo - este último, um movimento genuinamente brasileiro.

5.4.1 Predomínio da abstração


A 1ª Bienal também se constituiu em espaço para que alguns intelectuais se manifestassem contra certas
atitudes do governo do período. O já citado crítico carioca Mário Pedrosa, amigo de Leon Trotsky (1879-
1940) e um dos principais divulgadores de suas ideias no Brasil, com uma visão mais internacional de arte,
defendia a Bienal e o movimento abstracionista que dominou a sua primeira edição (Amarante, 1989).
Naquele momento, havia um grande debate em torno das questões de engajamento político, co-
munismo e luta de classes. Mário Pedrosa, que era um pensador respeitado, publicou um artigo que
levantava questões da arte moderna, as quais aparentemente não tinham sido analisadas com proprie-
dade. Ao que parece, nem as 1.800 obras da 1ª Bienal foram suficientemente esclarecedoras. Pedrosa,
que era filiado ao Partido Comunista, afirmava que a arte abstrata era acusada de degenerada e bur-
guesa porque não era narrativa, não exibia um discurso político. Para os que pensavam assim, segundo
Pedrosa, os Estados Unidos, o capitalismo, eram os patronos dessa arte. O críti co insistia, ainda, que
pensar dessa forma era desconhecer os precedentes artísticos da Revolução Russa. Isso porque nos
primeiros anos da revolução Moscou foi centro das experiências mais ousadas no domínio artístico,
como o suprematismo de Kasimir Malevich (1879-1935), que chegou a suprimir tantos elementos
na pintura até chegar a um quadrado branco sobre um fundo branco. Pedrosa também enfatizava no
artigo que Malevich criou um movimento sob o calor revolucionário da época (Amarante, 1989).
Apesar da argumentação de Mário Pedrosa, a polêmica entre a figura ção e a abstração se dava no
âmbito das definições da função social da arte. Essa tônica política pode ter sido uma consequência da
politização do circuito artístico, que decorreu da redemocratização do país após a queda de Getulio
Vargas. A opção pelo abstracionismo ia, portanto, contra as diretrizes estéticas da esquerda instituída,
que preferia o realismo social. Artistas como Portinari e Oi Cavalcanti assumiram abertamente com-
promissos com as propostas dominantes na esquerda da época. Assim, a arte abstrata se opunha à
orientação do Partido Comunista Brasileiro (N unes, 2004).
Entre os efeitos provocados pela principal tendência que balizou a primeira edição da Bienal, encon-
tra -se a arte concreta: as primeiras experiências da pintura concretista no Brasil datam de 1949, com
a obra Estrutura plástica, de Waldemar Cordeiro.
Em 1951, o crítico Mário Pedrosa pôs em cheque a arte brasileira mais ou menos oficial e abriu cami-
nho para a renovação do repertório visual, reforçada nos anos seguintes. Ivan Serpa (1923-1973) recebeu
o prêmio de melhor pintor jovem com a tela concretista Formas na 1ª Bienal de São Paulo. O evento
teve uma importância decisiva no desenvolvimento da arte concreta no Brasil, pois na sequência, tanto
em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, grupos de artistas jovens integraram a exploração de formas
e geometrismos (Amarante, 1989).

5.4.2 Concretismo
No mesmo período da bossa nova, do cinema novo e da fundação de Brasília, nascida dos traços de
Oscar Niemeyer (1907-2012) e Lúcio Costa (1902-1998), os anos de 1950 foram também o momento
em que o concretismo e o neoconcretismo ganharam espaço no país. Na década em que o Brasil pare-
cia atravessar as portas da modernidade, o idea l cedeu à matéria e a cria ção submeteu -se à disciplina;
a arte aproximou-se do design e o rigor do projeto substituiu a inspiração, sobrepondo o útil ao fútil.

170
Nesse contexto, o concretismo nasceu como Figura 5.4 - Movimento, Waldemar Cordeiro

movimento int electualmente planejado, o bje-


t ivando ser não apenas mais um novo estilo
entre t antos, mas o alicerce pa ra uma nova
definição de arte. Foi em 1952, no Museu de
Arte Moderna de São Pa ulo (MAM), que se
realizou a prim eira exposição de arte concreta
do Grupo Ruptura2, em cuja abert ura foi dis-
tribuído seu manifesto, misto de t eoria e pla no
de ação, qu e propunha a inauguração de uma
arte mais afeita aos novos tempos (Osório,
2007). Devemos atentar para o fato de que
no Brasil do período havia formas diferentes
de abstrações, esclarecid as no manifesto da
exposição Ruptura. Essa exposição, que foi um
CORDEIRO, Waldemar. Movimento. 1951., têmpera sobre tela: 90,2 x 95 cm.
ma rco na implantação da art e abstrata e con- Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, São
creta no Brasil, po nt uo u a distinção ent re os Paulo.

que criavam novos conceitos em novas formas


e os que criavam novas form as em princípios Gullar (1930-2016). Co m o críti co Má ri o Pedrosa,
velhos (Nunes, 2004). Iva n Ser pa fo i o g rande art iculado r do movimen-
No Rio de Ja neiro, os concretistas forma- to concretista cari oca. Sua atuação co mo profes-
ram o eq uiva lente local do Rupt ura paulista: so r no Muse u de Arte Moderna do Rio de Janeiro
o Grupo Frente, q ue contou com a pa r- ( MAM- RJ) foi notóri a no que diz respeito à mo -
t icipação de Ivan Ser pa, Lygia Clark (1920- t ivação de toda uma geração de j ovens art istas
1988), Hélio Oit icica (1937-1980) e Ferreira brasileiros (Osório, 2007).

2 O Grupo Ruptura surgiu em São Pau lo e era formado por Waldemar Cordeiro, Lothar Charroux, Geraldo Barros, Luiz Saciolotto,
Kazmer Féj er, Ana tol Wladys law e Leopoldo Haar.

17 1
Juntamente de Ser pa, Alu ísio Ca rvão (1920-2001) fo i fig ura fundamental pa ra a pint ura brasileira e
para a relevâ ncia do MAM-RJ como esco la e espaço de agregação, experimentação e dinamização da
arte ca rioca. O movimento aca bou também por exercer papel decisivo na redefi nição da visualidade
cotidiana. No caso de Lygia Pape (1927-2004), por exemplo , a pedagogia fo rmal concretista influen-
ciou o design da marca e das em ba lagens dos biscoitos Piraquê, qu e são de sua auto ria e que há mais
de 50 anos seg uem o mesmo padrão visual, mostrando sua relevância e efi cácia. O desdo bramento
do concret ismo é o neoconcretismo, que t em como um dos textos seminais, além do própri o mani -
f esto, a "Teo ria do não obj eto", de Ferreira Gullar (Osóri o, 2007).
O co ncretismo fo i um movimento que articulo u artes visuais e literatura. Essa parceri a se ve rifica
ta nto em São Paulo quanto no Rio de Janei ro. Os poetas fo ram contagiados visualmente a ponto de,
na apresentação de seus poemas, aparecerem experimentações visuais.

Para saber mais


Confira, nos endereços indicados a seguir, as obras dos representantes do Gru po Ruptura e do Gru po Fre nte:

MAC-USP - Museu de Ar te Contem po rânea da Univer sidade de São Paulo. Grupo Ruptura .
Disponíve l em: <http://www. mac.usp.br/ mac/te mp lates/p rojetos/seculoxx/ modulo3/ ruptura/ ru ptura.
ht ml>. Acesso em: 12 dez. 2016.

_ _. Grupo Frente. Disponíve l e m: <http://w w w.ma c.usp.br/mac/te mplates/proj etos/seculoxx/


modulo3/frente/ index.html>. Acesso em: 12 dez. 2016.
A partir de 1952, Décio Pignatari (1927-2012), Augusto de Campos (1931-) e Haroldo de Campos
(1929-2003) iniciaram a articulação da poesia concreta, em São Paulo, na revista Noigandres, palavra sem
significado e que foi tirada de um poema do poeta americano Ezra Pound (1885-1972). A poesia concreta
se caracteriza por um experimentalismo poético, uma linguagem dinâmica e sintética, pela elimina-
ção do verso tradicional, pela supressão dos vínculos sintéticos (conjunções, pronomes etc.). A poesia
torna -se assim um objeto visual. Veja, na sequência, dois poemas do artista con creto Augu sto de Campos.

lb~l'ie l!baJ.JK9 lt~.!t9 ~ffll'i-9 ll.~l'i@ !M!J.!t9 l!baJJi-9


o
E fb~li:9 l!b~Ji9 !.'91!9 l!,~1',;~ l!l.~Ji@ !,lgJi9 l!baJJi-9
B ~'lfli:@ :tl!!J!:'9 !.!1~9 ~:iiJ.!te :!.'lf.!t@ ~~K-9 :t!Jl!:9
"" ~~1i9 itffl~9 ;t~.!t9?;;9 :!.~1i9 !.ffll'!9
~.,,. :,,~~9 :!bffl.1!9 !)IJJ!9 ~~~9 i!,~1'S:9
..
(Q)
!,~K9 :tffl.!t9 !,~J!91'S:9 ,! ,~Ji9 ~~1'S:9
~

$
IM!J.!t9 !!f.fflJi-9 ft.~11:9 !.!11!.:9 ~~.!t-9 l!b~.!ti' l!b~Ji-9 ~~Ji-9
i !,~~9:tffll'i-9 lffll'!9 ~~!:9 !i~Ji9 !,~~@ !Lfflli~ !tl11i9
o
X !,~.!t9 itlfJi,9 !,~1!9 .l t~~9 !L~Ji-9 !,ig]!1) !,~Ji-9 !t~Ji-9
~

Cidade City Cité


Atrocapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimulti
pliorganiperiodiplastipublirapareciprorusti
sagasimplite nave loveraviva univoracidade
city
cité

O poema "Cidade City Cité" faz parte de uma coletânea de poemas, atualmente publicada pelo Ateliê
Editorial, que vem acompanhada de um CD - no qual se encontram, entre outros, áudios dos dois poem as
em quest ão.

173
5.4.3 Opiniões críticas
O Grupo Ruptura, formado por artistas visuais, e o Noigandres, composto por poetas como Délcio
Pignatari - e, inicialmente, Augusto de Campos e Haroldo de Campos-, eram agrupamentos artísticos
muito próximos. Pignatari, que foi,junto com os irmãos Campos, um dos criadores da poesia concre-
ta, revelou em entrevista informações bastante esclarecedoras a respeito do teor do movimento e
do impacto causado: "O Rio defendia mais a intuição e nós defendíamos uma posição mais raciona-
lista. Sabíamos que a arte estava em nível do sensível mas queríamos um discurso mais preciso, sem
essa coisa de falar em inspiração, em intuição, sensibilidade". O poeta complementou mencionando a
ocasião em que um expertise americano veio ao Brasil. Segundo Décio, ele teria dado a entender que
a "América Latina não pode pretender fazer uma arte universal, a expectativa é essa. Tratem de fazer
bananas, mulatas, papagaios, tucanos, você não pode chegar a pretender fazer arte internacional".
E apresentou outro importante aspecto que fundamentava o concretismo: "Durante 15 anos eu fui um
profissional em publicidade e entendi todo o processo porque a publicidade jogava você nos meios
mais avançados. O artista tinha que fazer o que fosse reprodutivo. Nós éramos contra o objeto único."
(Geiger; Cocchiarale, 1987).
Ronaldo Brito (1985) observa que, na Europa, a falência dos valores estéticos, filosóficos e morais do
século XIX e o confronto com o ilimitado raciocínio vigente no século XX provocaram duas respostas:
de um lado o dadaísmo e o surrealismo; de outro, a abstração. As tendências abstratas acredi-
tavam no progresso, eram apolíneas,já o dadá e o surrealismo eram dionisíacos. Estes últimos eram
influenciados por Marx (1818-1883) e Freud (1856-1939) e estavam confusamente ligados a um projeto
revolu cionário contra as estruturas de poder. No caso brasileiro, para Brito, o concretismo surgiu de
uma tentativa de superar o subdesenvolvimento (Brito, 1985).
A América Latina abandonou o entendimento da arte como história de estilos e passo u a extrair da
arte problemas a desenvolver. Como desdobramento dessa movimentação, temos o poeta e crítico
Ferreira Gullar, participante do concretismo carioca com sua "Teoria do não objeto", discutindo a
morte da pintura. Lembremos que a eliminação do objeto artístico foi vista por Malevich, entre outros,

174
já na primeira década do século XX. "O branco torna visíveis outros aspectos da pintura que não se-
riam tão claros com o uso de outras cores." ( Herkenhoff, 1998, p. 196). Hélio Oiticica, que iniciou seu
trabalho no Grupo Frente para em seguida desdobrá-lo no neoconcretismo, defendeu que "O encon-
tro de dois brancos diferentes se dá surdamente, tendo um mais alvura e o outro, naturalmente, mais
opaco. Para consolidar a diferença, mudava apenas a direção da pincelada" (Herkenhoff, 1998, p. 195).
É interessante observar, por exemplo, que pinturas monocromáticas realizadas por artistas de todo o
mundo indicam a dispersão da ideia de centro da história da arte. A história da arte é produzida onde
está o artista que problematiza o olhar, seja no Brasil, na França ou na Venezuela, seja nos Estados
Unidos ou no Japão (Herkenhoff, 1998).
Infelizmente, verificamos que havia e ainda há uma completa indiferença dos meios culturais de
primeiro mundo pelas invenções e vanguardas da América do Sul. "Os convencionais meios artísti-
cos norte-americanos ou europeus só começaram a perceber os artistas abaixo da linha do Equador"
quando as circunstâncias atuais do meio internacional, somadas à respeitabilidade do crítico Guy Brett
(1942-), começaram a assinalar a sua validade. No caso brasileiro, parece que ocorreu assim (Amaral,
2006, p. 103-104).
O modernismo de 1922 representou uma visível tentativa de alinhamento à arte dos grandes centros
hegemónicos. A apresentação formal das obras modernas fazia menção visual às vanguardas euro-
peias, contudo, em virtude do projeto de brasilidade, os artistas se concentraram demasiadamente
no conteúdo a ser veiculado. Voltando um pouco no tempo, nos deparamos com um barroco no Brasil
que traduziu o desejo do transplante de uma identidade visual europeia para a colônia. Isso também
aconteceu no período de hegemonia da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Todos esses
momentos - por que não aliados ao das abstrações surgidas na década de 1950? - tem por base o
modelo europeu.
Contudo, Brito (1985) observa que agora, nas experiências com a abstração, o que mudou foi que,
aos poucos, os artistas brasileiros deixaram de tomar a sequência ditada pela história da arte europeia
como norma a ser seguida sem questionamento. Para Brito, os brasileiros passaram a refletir mais
sobre suas produções e os problemas que iam surgindo a partir delas. Herkenhoff (1998) endossa essa

175
opinião ao observar que as pinturas inteiramente brancas realizadas no período, em diferentes países,
demonstram que o artista está ocupado com a sua própria tarefa, que é mais ampla do que a mera
tentativa de alinhamento a alguma corrente alienígena. Segundo este último autor, a situação indica o
enfraquecimento da ideia de centro artístico. Contudo, Pignatari pontua que houve forte resistência
à visibilidade artística brasileira no exterior para além dos símbolos nacionais. Amaral verifica que a
Europa e os Estados Unidos só puderam começar a dar o devido valor à produção do Brasil a partir da
luta travada pelos concretistas, após as Bienais e o parecer favorável do respeitado crítico Guy Brett,
que deu notoriedade à toda movimentação.
As abstrações tomaram conta do circuito da arte brasileira por anos. A influência do formalismo,
que é uma corrente de pensamento que privilegiou a análise dos aspectos visuais do fenômeno artístico,
teve uma grande importância na criação de um método de análise e na compreensão das caracterís-
ticas estilísticas específicas das artes visuais. Contudo, em dado momento, da mesma forma que na
Europa e nos Estados Unidos, no Brasil surgiram tentativas de retorno à figuração. Então, novamente
o elemento narrativo se faz presente, principalmente em obras contemporâneas.

Síntese
Neste capítulo, procuramos demonstrar que, se os modernistas evitaram os radicalismos das vanguar-
das, a arte abstrata avançou com mais facilidade no meio artístico nacional, principalmente em virtude
do contexto social, político e cultural no qual se inseriu.
De início, analisamos a atuação de Candido Portinari e, sobretudo, dos grupos de artistas formados
por cidadãos da cla sse trabalhadora, bem como imigrantes ou filhos de imigrantes da década de 1920,
como o Núcleo Bernardelli e o Grupo Santa Helena. Estes, apesar de algumas críticas, principalmente
em relação à predileção pela figura ção, conquistaram um espaço importante no dese nvolvimento da
arte brasileira.

176
Em seguida, destacamos a presença de ricos empresários, como Francisco Matarazzo Sobrinho
(Ciccilo), Yolanda Penteado e Assis Chateaubriand, personagens que, no cenário artístico brasileiro,
foram fundamentais para a criação do Museu de Arte de São Paulo (Masp), do Museu de Arte Moderna
de São Paulo (MAM) e das Bienais.
Finalizamos o capítulo com a 1ª Bienal de 1951, a qual teve um efeito bombástico sobre a arte nacio-
nal, abrindo caminho para o abstracionismo, que colocaria a arte brasileira em pé de igualdade com a
arte dos grandes centros.

Atividades de autoavaliação
1. Em relação ao Núcleo Bernardelli e ao Grupo Santa Helena, assinale (V) para as informações verdadeiras
e (F) para as falsas:
( ) Alguns dos artistas participantes eram imigrantes ou filhos de imigrantes.
( ) Muitos deles doaram seus quadros para j ornalistas a fim de ter em troca seus nomes divulgados.
( ) Verifica-se a predominância da artesania nos dois grupos de artistas.
( ) O Núcleo Bernardelli e o Grupo Santa Helena representaram , respectivamente, o Rio de Janeiro e São
Paul o - importante eixo da arte brasileira.

2. Assinale a alternativa correta:


a) Podemos dizer que a história da arte é produzida onde está o artista que problematiza o olhar, seja no
Brasil , na França ou na Venezuela, seja nos Estados Unidos ou no Japão.
b) Os artistas que formavam o Grup o Santa Helena eram quase todos oriund os de uma classe alta e isso
era decisivo no tipo de arte que produziam.
c) O destacado artista Volpi tinha uma clientela exclusiva mente oriunda das camadas sociais mais ricas do
país.
d) Vo lpi se recusou a participar de qualquer grupo, seguindo carreira solitária.

177
3. Quanto à 1ª Bienal de São Paulo, assinale (V) para as informações verdadeiras ou (F) para as falsas:
( ) Mário Pedrosa foi um importante crítico de arte defensor da arte abstrata, corrente que se sobressaiu
na Bienal de 1951.
( ) A 1ª Bienal de São Paulo colocou o país no mapa dos grandes eventos internacionais de arte.
( ) A possível justificativa para que a família de empresários Matarazzo financiasse a cultura era
possive lmente o fato de que ela desejava um futuro que a projetasse na área cultural e política.
( ) Um trabalho do artista Max Bill, que foi premiado na 1ª Bienal, foi inspirador para o movimento
concretista no Brasil.

4. De acordo co m Aracy Amaral (1998), os países onde a tradição e os valores culturais ancestrais escasseiam,
como a Venezuela, o Brasil, a Argentina e o Uruguai, aderem mais facilmente à abstração. Ela aponta
algumas respostas para justificar esse fato. Entre elas, estão:
a) o desejo de ordenação do caos.
b) a existência de um meio artístico sem tradição diante de uma co mplexa realidade social.
c) a existência de artistas que viajam constantemente, que são cosmopolitas e que importam as últimas
vanguardas.
d) paíse s que pretendem desesperadamente se va ngloriar por suas inovações diante das grandes
potências.

5. Quanto ao movimento concretista, assinale (V) para as informações ve rdadeiras ou (F) para as falsas:
( ) No Brasil do período havia grande polêmica entre a figura ção e a abstração.
( ) Após a 1ª Bi enal de 1951, grupos de artistas integraram a exploração de forma s abstratas e de
geometrismos.
( ) Podemos dizer que co m a arte concretista a figura romântica do artista inspirado e boêmio ressurgiu
co m força desigual.
( ) Décio Pignatari, um dos integrantes do movimento concretista, teria dito: "O artista tinha que fazer o que
fosse reprodutivo. Nós éra mos contra o obj eto único".

178
Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Leia com atenção as segu intes proposições:

Segundo Aracy Ama ral (1998), os países onde a tradição e os va lores culturais ancestrais são escassos,
como a Venez uela, o Brasil, a Argentina e o Uruguai, aderem mais facilmente à abstração.
A artista contemporânea Anna Bella Geige r, em uma de suas obras, discute a relação entre a arte brasileira
periférica e as conside radas centrais - europeias e norte-americanas.
Agora reflita:

a) A aceitação praticamente unânime do estilo abstracionista no Brasil revela a existência de uma divisão
entre centro e periferia no que diz respeito ao circuito das artes? Por quê?
b) Sabemos que a cu ltura pré-co lombiana, a cultura indígena brasileira, nos legou um grande acervo
artístico e cult ural, embora ainda não tenha receb ido o devido va lor na sociedade. Aracy Amaral
enfatiza a falta de "valores cu lturais ancestrais" no país. Reflita a respeito disso contrap ondo
observações sobre o legado das culturas europeias.

2. Na década de 1920, os modernistas visavam atualizar a arte brasileira por meio da cria ção de uma
id entidade nacional e uma iconografia própria, que a singularizasse no cenário art ístico internacional.
Pode-se dizer do concretismo que "a adoção de postulados extremamente racionalista s para a arte
revela a ânsia de superar o atraso tecnológico, a condição espiritua l de país colonizado e de economia
subdesenvolvida, ca racteríst icos da rea lidade bra sileira." (Enciclopédia ltaú Cult ural, 2016f). Artistas
contemporâneos também discutem, por meio de suas obras, a relação centro-periferia das artes em
um contexto de colonizadores e colonizados. Diante dess es pressupostos, podemos observar que as
questões sociais, cu lturais e políticas sempre estiveram presentes no meio artístico nacional, um debate

179
constantemente atualizado em muitos estilos e obras de arte. Pesquise e reflita sob re o modo como tais
questões se inserem na história da arte brasileira e responda: Você vê de forma positiva essa interligação
entre a arte e outras questões fora do seu campo de atuação?

Atividade aplicada: prática


Procure o Manifesto da Exposição Ruptura (dos concretistas) na internet, leia e tente compreender quais
eram as diferentes formas de abstrações que coexistiam no Brasil da época. O manifesto pontuou a
distinção entre essas abstrações, estabelecendo os que criam novos conceitos em novas formas e os que
criam novas formas em princípios ve lhos. Pesquise dois artistas brasileiros da época que exemplifiquem
essas definições do manifesto, escolha uma obra de cada um e faça uma análise crítica de ambas,
concordado ou discordando da crítica concretista.

CHARROUX, L. et ai. Manifesto Ruptura. Museu de Arte Contemporânea, Ruptura. Disponível em:
<http://www. mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo3/ ruptura/ images/ manifesto_ruptura.
jpg>. Acesso em: 7 dez. 2016.

180
Arte contemporânea
brasileira
que agrava a distância entre a arte e o público - cada vez mais perplexo com as ousadias emergentes-,
merece uma breve menção.
Entre outras facetas da arte na contemporaneidade, abordamos a questão da sua desmateriali -
zação, motivada pela negação da obra única e original, objeto das especulações do mercado de arte.
Observamos que a renúncia da obra de arte e a recusa do seu papel institucional surgem principalmente
na utilização de materiais perecíveis e na exposição de trabalhos nas ruas - uma fuga do espaço museo-
lógico. Éentão que entra em cena a efemeridade do graffiti, entre outras intervenções no espaço urbano.
Tratamos, ainda, da arte como agente de comunicação e empoderamento do cidadão comum no
período da ditadura civil -militar no Brasil. Trata -se do projeto operado pelo artista Cildo Meireles (1948-),
que antecipou em pelo menos 30 anos o papel da internet na sua abertura para a comunicação em rede.
Sem poder deixar de lado o debate em torno da relação arte e novas mídias, enfatizamos a videoarte.
Finalmente, abordamos o debate nacional versus estrangeiro encaminhado pela crítica de arte brasilei-
ra Aracy Amaral, que pontua sobre como nos vemos e como somos vistos fora de nossas fronteira s.

6.1 Formatos inesperados


A arte contemporânea costuma ser bastante intrigante para o público, uma vez que, às vezes, é mate-
rializada e apresentada num formato nem se mpre esperado. Fugindo então dos formatos óbvios, ela
nos convida a um exercício de desaprender. Suas formas desconcertantes costumam dialogar, se não
do ponto de vista do artista, do ponto de vista do público, como nas ousadias propostas pelo dadaísta
Marcel Duchamp, um artista icônico do século XX que transfigurava objetos comuns em arte.

6.1.1 Amplitude das modalidades tradicionais de arte


Em 2005, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, Paraná, houve uma importante exposição do artista
brasileiro Nelson Leirner (1932-). Entre os trabalhos expostos, um que se intitula Maracanã atraía as
atenções. Era um agrupamento de vá rias pequenas estatuetas, cada qual simbolizando uma religião,
alguma crendice popular: estátuas de São Jorge, elefantes brancos, gatos da sorte japoneses etc., que

186
simbolizavam a torcida de uma grande part ida de futebol, alg umas represe ntavam os to rcedo res nas
arquibanca das, o ut ras simulava m os jogado res em campo, incl uindo o goleiro. Era um pequeno estádio
formado de o bjetos fa miliares q ue certa mente agradaram a to dos, independent emente de seu nível de
erudição. Leirner enfatizou a diversidade c ult ural, étnica e religiosa e evidenciou co mo ela é deixada
de lado, em um instante, para que todos se concent rem na pa rt ida de fu tebol, qu e se config ura como
um elemento agregado r.
A o bra de Leirner não reúne características que t radicionalmente atribuímos à art e. Cada estatueta,
separadamente, poderi a ser chamada de escult ura, porém, no conjunto, essa seria uma nomenclatura
apropriada? Trata-se de uma instalação, uma modalidade de arte em que o art ista pode, além de ou-
t ras ações, reunir vá rios elementos e apresentá- los como uma obra de arte única. É importante ate nta r
ainda para o fato de que Leirner não conf eccionou sepa radamente cada escult ura, no caso específico
de Maracanã, ele as compro u e as agru pou.
Ao considerarmos alg uns dos componentes t radicio nalmente ligados às artes plásticas - linha, per s-
pectiva, t raço, luz e sombra, forma, espaço-, veremos que os ident ifica mos de imediato na renascença,
no barroco, ou mes mo em algumas das mais recent es vang uardas. Cont udo, na obra contemporânea, a
tentativa de loca lizar esses aspectos frequentement e não faz sent ido. A obra de Leirner, por exemplo,
exige o ut ro t ipo de abordagem, ligada às relações ent re a fo rm a que ela tem e seu conteúdo. O qu e
prevalece em Leirner é a fo rm a que o art ista ut ilizou para mostrar a sua refl exão sobre a diversidade.
A obra contemporânea lida frequentemente com metáfo ras, e o art ista t rabalha nela como o poeta
que mani pula o sent ido das palavras na poes ia, subvertendo-as em relação a sua ut ilidade corriqueira.
Muita s vezes, as obras colocam no centro do debate as confo rmações da sociedade atual e do passado
(Machado, 2001, p. 15) .

Para saber mais


Confi ra, no link a seguir, as obras de Nelso n Leirner. Re co mendamo s que vo cê explore o site indicado a
fim de conhecer todas as li nguagens ut ilizadas pe lo artista em suas produções.

NELSON LEIRNER. O bra. Disponível em: <http://www.nelson leirner.eom.br/ port u/co me rcio.asp?flg_
Lingua=1&flg_Tipo=0 10>. Acess o em: 19 dez. 2016.
Figura 6.1 -A fonte, de M arcel Duchamp
6.1.2 O legado de Marcel
Duchamp
Na contemporaneidad e, o artista sequer necessi-
ta esta r exclusivamente comprometido com um
estilo. Ele pode se manifestar artistica mente por
meio de uma performance - uma ação artística,
congregando um ou mais indivíduos, qu e geral -
mente segue um roteiro. O artista pode, em se- •••
•••
guida, produzir uma escultura e mais adiante uma
pintura, sem achar que está sendo incoerente
(Danto, 2006). Trata-se de um período propício
à infinita liberdade, o que permite justa mente
ao artista Nelson Leirner compor seu trabalho
reunindo pequenas estátuas compradas em lojas.
Ele se esforço u para enco ntrar a maneira mais
DUCHAMP, Marcel. A fonte. 1950 (replica do original de 1917). 1urinol de
apropri ada de dizer arti sticamente aquilo que porcelana: 30,5 x 38,1 x 45,7 cm. Coleção Vera e Ar turo Scharz, Museu de
Israel, Jerusalém.
pretendia exprimir.
Na confecção da obra, o artista co ntempo-
râneo pode fazer parceria com o utros profis- nele uma assinatura. No início do século XX, o
sionais das áreas mais diver sas: engenheiros, art ista inscreve u um mictóri o numa exposição
médicos, cientistas, geógrafos. As proezas de de arte ut iliza ndo um pseudônimo. A co missão
Marcel Duchamp, que j á no início do século o rganizadora, a qual ele próprio integrava, não
XX causou um forte impacto na arte ocidental, expôs o objeto na ocasião. Seu gesto provocativo
estão na orige m dessas proposições t ransgres- configurou-se, contudo, em um marco da história
soras. Duchamp escolheu um obj eto co mum da arte do século XX.
e o transfigurou em arte apenas depositando

188
6.1.3 Performance e happening Figura 6.2 - Divisor Performance, de Lygia Pape
,li

nos trópicos
No fim da década de 1940 e início da seguinte,
Nelson Leirner viveu nos Estados Unidos, de-
pois acabou voltando ao Brasil, onde estudou
artes plásticas. Poucos anos depois, fundou
um grupo controverso - o Grupo Rex - e,
premiado no exterior, logo ganhou notorie-
dade internacional. No período da ditadura
militar, num ato ousado e simbólico, ele se
recusou a participar de duas edições da Bienal PAPE, Lygia. Divisor Petformance. 1968.

de São Paulo (1969 e 1971) e, pouco antes,


em 1967, foi protagonista de um polêmico dança e teatro ao aspecto visual. Com seu happening
episódio que marcou a história da arte brasi- da crítica, Leirner parece forçar o júri do salão e o
leira: Leirner enviou para o 4° Salão de Arte público leitor do jornal a compor sua ação artística.
Moderna de Brasília um porco empalhado e, A pequena reflexão que segue traduz perfeitamente
em seguida, por meio de um jornal, questio- o seu trabalho: "O artista mostra sua posição crítica
nou publicamente os critérios da comissão e irônica ao sistema da arte, ou ainda, a solidarie-
julgadora que selecionou seu trabalho para a dade ao repertório que, embora conceituai, abre
mostra. Trata-se do conhecido happening da brechas ao entendimento do público não iniciado"
crítica. Happening é uma situação artística (Enciclopédia ltaú Cultural, 2016g). Como vimos, a
que envolve um grupo de pessoas que não obra contemporânea, às vezes, critica as situações
se caracterizam como público, mas como in- que ocorrem dentro do sistema artístico. Há oca-
tegrantes da obra. Nos happenings dadaístas, siões em que, para entendê-la, é necessá rio que a
ou mesmo futuristas, ou seja, nas suas pri- pessoa esteja familiarizada com a história da arte,
meiras manifestações, o ambiente integrava que conheça os mecanismos que regem o circuito
concertos musicais, declamações de poesia, artístico.
A obra de arte nem precisa, necessariamente, se materializar em um objeto. A Bienal de São Paulo de
1996 enfatizou a questão da desmaterialização da obra de arte. O artista pode apenas propor uma
situação artística, como é o caso da obra Divisor Performance (Figura 6.2), da artista Lygia Pape (1927-2004).
As fronteiras entre o teatro, a dança, a música, as artes visuais e o cinema foram banidas. Performance de
ação coletiva, a obra realizava-se por meio da interação entre o corpo, o tecido e o movimento.
Envolvida nas mesmas discussões de Hélio Oiticica e Lygia Clark, que primavam pela interação do
observador com a obra, a proposta de Pape era que o público se envolvesse e experimentasse, ele
mesmo, os processos performáticos. Apresentada pela primeira vez em 1968, a obra era constituída
de um grande tecido branco de 30 m, com inúmeros recortes por onde cada participante enfiava a
cabeça, sustentando nos ombros, em conjunto, o envoltório que a todos aproximava num único espa-
ço, o Divisor. A ação se desenvolvia em dois planos distintos, aos olhos de quem participava e de quem
observava. Precisava do individual e do coletivo para acontecer. Cada indivíduo via apenas a cabeça
dos demais, enquanto realizava sua dança particular, um jogo de movimentos que se desenrolava por
baixo do tecido e que estava oculto dos participantes. Apenas quem olhava de fora tinha a visão da
totalidade de corpos em movimento, das inúmeras individualidades imersas num movimento coletivo
( Projeto Lygia Pape, 2011).
A obra do artista brasileiro Flávio de Carvalho (1899-1973) está na origem dessas manifestações
artísticas que, no Brasil, agregam o corpo, o visual, o espaço, a performance.

Em 1931, seus estudos sobre ant ropologia e psica nálise o levam a rea lizar a Experiência nº 2. Nela, atra-
vessa uma procissão em sent ido co ntrá rio. O ato é considerado desrespeitoso pelas pessoas, prin ci -
palmente pelo fato de te r um boné à ca beça. O art ista quase foi lin chado e teve que ser protegido por
policiais. Sua inte nção era testa r os limites de tolerância e a agressividade de uma mult idão religiosa.
(Enciclopéd ia ltaú Cult ural, 2016e)

"A arte que interessa é aquela que procura destruir uma suposta verdade ", foi como o artista de-
finiu certa vez sua postura. Em 1932, ao lado de artistas como Oi Cavalcanti, fundou o Clube dos
Artistas Modernos. Seus estudos transdisciplinares ignoravam a lógica da fragmentação dos saberes.
A sociedade de seu tempo não conseguiu entender a proposta e decodificou o fenômeno da sua ge-
nialidade como loucura (Machado; Alvarado, 2016).
Cada vez mais os artistas eliminavam as fronteiras entre as linguagens artísticas. A arte agora podia
ser uma ação, uma vivência, tendendo a se confundir com o cotidiano. A ideia era reunir arte e vida,
confundi-las, fundir uma na outra. Por suas ações subversivas, que caminhavam na direção dessa fusão,
Flávio de Carvalho e Ismael Nery eram os artistas marginais do modernismo brasileiro. Enquanto Nery
ligava-se ao surrealismo mais radical, as ações de Flávio de Carvalho lembravam as propostas dadaístas.
Sem ser plenamente compreendido nas ocasiões em que executou as ações, o gesto de Carvalho foi
invocado pelas gerações seguintes das décadas de 1960 e 1970.
A ação coletiva de Lygia Pape ilustra como as fronteiras se dissolveram, Flávio de Carvalho é invoca-
do por estar na origem das ações performáticas da arte brasileira, enquanto Leirner propõe a própria
arte como veículo de questionamento do circuito artístico.

6.2 Neoconcretismo e experimentalismos


no período da ditadura civil-militar
Na contemporaneidade, podemos chegar a topar com a desmaterialização da obra de arte, a nega-
ção do objeto único, original e exposto às especulações do mercado. Outra faceta desse período é a
dissolução das fronteiras das diferentes modalidades de arte como a escultura, o desenho e a pintura.
Somadas, essas e outras características propõem uma nova postura do público diante da arte. A im-
portante dupla de artistas de meados do século XX, Lygia Clark e Hélio Oiticica, concretizou essas
mudanças abrindo caminho para experimentalismos e efemeridades em obras compostas por materiais
ordinários e perecíveis.
Figura 6.3 - Da série Bichos, de Lygia Clark
6.2.1 A herança de Lygia Clark
É evidente a dificuldade em conservar, ou
mesmo expor, muitas obras contemporâneas.
Às vezes, o caráter efêmero se relaciona com
uma intenção de que o trabalho não fique
enclau surado no espaço museológico, nem
precise ser guardado como relíquia para a
posteridade.
Isso ocorre com os trabalhos de Lygia
Clark, uma artista-chave da arte contempo-
rânea brasileira. A mineira começou com pintu -
ras concretistas, inspiradas no abstracionismo CLARK, Lygia. Bicho. 1960.

geométrico, para serem penduradas nas pare -


des. Logo, porém, desejou que seus trabalhos
saíssem das paredes e pudessem ser manipu- Clark, de 1980, elucida o momento de amadureci-
lados pelo público. Nessa fase, Lygia trabalhou mento de sua poética. Foi assim que ela trabalhou
com os chamados Bichos (Figura 6.3), placas de com máscaras sensoriais (Figura 6.4) qu e podiam ser
metal que podem ser manipuladas pelo público, usadas pelas pessoas de forma que elas obtivessem
tomando, a cada vez, novos formatos. Clark um nível maior de percepção do que o exclusiva-
pretendia reunir arte e vida propondo obje- mente visual - as máscaras tinham texturas e odores.
tos ou situações que, para serem plenamente Os objetos de Lygia lembram muito objetos de tor-
capturados ou vivenciados, exigiam do público tura ou até mesmo de sadomasoquismo.
o uso de outros sentidos além da visão. Em outra ocasião, a artista propôs uma ação per-
"Comecei co m a geometria mas estava formática chamada Baba antropofágica (Figu ra 6.5),
procurando um espaço orgânico onde se pu - na qual uma pessoa deitada ao centro com várias
desse entrar no quadro" (Clark, citado por outras ao redor, cada uma, com um carretel de linha
Basbaum, 2001) . Essa declaração de Lygia dentro da boca, ia desenrolando-o sobre o corpo do
indivíduo ao centro.

193
Figura 6.4 - Máscaras sensoriais, de Lygia Clark A intensidade das proposições de
Clark era destinada a transformar a
arte em uma ação mais fortemente
significativa para o sujeito. Nos difíceis
tempos da ditadura militar, o corpo era
a única coisa que parecia realmente
pertencer ao indivíduo. Numa socie-
dade que negava o exercício de direitos
essenciais, o corpo agora se transfor-
mava em objeto de arte. Em Lygia Clark,
não se tratava, porém, do corpo do
artista em sacrifício, espetacularizado,
CLARK, Lygia. Máscaras sensoriais. 1960. narcísico. Era, sim, o corpo do pú-
blico, o corpo anônimo. A arte, dessa
Figura 6.5 - Performance Baba antropofágica, de Lygia Clark forma, tornava-se um lugar de exercí-
cio da liberdade.

Para saber mais


No site da Associação Cu ltural
O Mundo de Lygia Clark, você pode
conferir, em ordem cronológica,
todas as obras da artista.

O MUNDO DE LYGIA CLARK.


Biografia. Disponível em:
<http://www.lygiaclark.org.br/
biografiaPT.asp>. Acesso em: 19
dez. 2016.
CLARK, Lygia. Baba antropofágica. 1973.

194
6.2.2 O neoconcretismo de Lygia Clark e Hélio Oiticica
Clark e Oiticica foram os integrantes mais destacados do movimento neoconcreto, o desdobramento
profícuo do concretismo. Um dos trabalhos mais conhecidos de Hélio Oiticica são os parangolés.
Eles lembram os mantos usados pelos mendigos na rua. Contudo, enfatizam não apenas a miséria, mas
o sentido altamente criador e lúdico do brasileiro. O indivíduo pode confeccionar o parangolé seguindo
instruções e usá-lo como bem quiser. Hélio encontra inspiração na favela, no carnaval, no futebol, e
não na arte saturada dos museus. As obras de Oiticica e Clark levam à descoberta do próprio corpo, o
que é importantíssimo em uma época em que a máquina aliena o homem de seus sentidos.
A dupla contribuiu para inscrever definitivamente a arte brasileira nos grandes circuitos internacio-
nais. Para Lygia Clark, seus trabalhos deveriam ser jogados aos montes nas ruas. Esse é o desejo que
narra o livro Arte contemporânea brasileira, de Ricardo Basbaum. Para o autor, a artista confessou que
a melhor forma de apresentar seu trabalho era dar à pessoa um de seus objetos. O grande desejo da
artista parece ser a democratização da arte. Cientes dessa aspiração, muitos têm questionado as for-
mas atuais de apresentação dos trabalhos de Clark nos espaços museológicos, onde às vezes sequer
podem ser tocados (Basbaum, 2001) . Sobre isso, recomendamos a leitura do livro de Cristina Freire,
Poéticas do processo.

Para saber mais

Assista ao curta -metragem experimental H.O., indicado no link a seguir, sobre a obra de Hélio Oiticica:

H.O. Direçã o: Ivan Cardoso. 1979. 13 min. Disponível em: <http://portacurtas.org.br/filme/ ?name=ho>.
Acesso em: 7 dez. 2016.

195
6.2.3 O experimental e o perecível em Artur Barrio
Para os neoconcretos, o experimental signifi cava a busca de uma ident idade na ru ptura dos estatutos
da arte. Em det rimento do o bjeto único e durado uro, os art istas ut ilizava m materiais perecíveis na
confecção do t rabalho, sublinhando a inevitável desintegração com a passagem do t empo. A desmate-
rialização da obra como negação de si mesma é a herança recebida dos neoconcretos. Nos anos
1970, o experim ental, que é forte caracte rística da arte brasileira, signifi cava esta r à margem de qual-
quer instit uição. "Ser marginal é então uma recusa do papel instit ucional da art e (circuito) e ta mbém
uma recusa de si mesmo, que se dá na recusa dos materiais instit uídos para a arte." É este o caso do
Livro de carne de Artur Barrio (1945-) (Bas baum, 2001).
Ba rrio desenvolveu Livro de carne (1978-1979), um livro-registro do processo sofrid o po r um pedaço
de ca rne exposto por po uco mais de 40 dias numa sala lacrada com uma lâmpada de 200 W acesa.
A atit ude circunscreve seu t rabalho no que conhecemos como art e conceit uai. É, sobret udo, um t ra-
balho sobre o perecível e um it em impo rtante que eng lo ba questões sobre experiência e sobre estar
à margem (Basbaum, 2001).
Desde 1970, vemos o experim entalismo e a ef emerid ade da arte co mo forte característica das pro-
duções art ísticas. Art ur Barri o encarna esse papel de art ista marg inal, que recusa não apenas a fun ção
instit ucional da art e, mas ela pró pria, ao não ut ilizar materiais no bres na sua conf ecção. Se, de um lado,
o art ista agride as instit uições mu seológicas e o obj eto único destinado ao mercado, de o ut ro, suas in-
vestidas são registradas fotografica mente o u mesmo film adas. As instâ ncias exposit ivas, tão crit icadas,
acabam po r incor po rar esses registros, suavizando o poder negativo da ação o riginal.

6.3 Protagonismo político na arte


O embate nacio nal versus estrangeiro costuma ser ass unto em obras de muitos art istas no Brasil.
Q uestões como essa, q ue ent ram no âmbito da polít ica, fo ram reavivadas com freq uência no perío do
da ditad ura civil-militar. Os art istas mais recentes ta mbém veem a arte como fo rm a de co nfro nta r as
confo rmações da sociedade, mas, para dar mais notoriedade aos seus discursos, eles tê m optado por
apresentá-las em novos formatos, mais acessíveis e democráticos; entre eles destacamos os tecnoló-
gicos e o graffiti.

6.3.1 A perplexidade do público e o papel dialógico da arte


Conciliatório, o modernismo equilibrou o radicalismo das vanguardas com a pluralidade racial, cultural
e religiosa do país, suavizando assim o contato entre o público nacional e a nova arte importada do
exterior. Na arte contemporânea, algumas das obras de inspiração estrangeira, produzidas por artistas
latinos, são tão alienígenas que se isolam, transformando-se numa produção exótica e totalmente à
parte da comunidade onde surgem. Tal situação corrobora para aumentar a apatia com que o público
tende a tratar a difícil contribuição estética que lhe é oferecida (Amaral, 1983).
Por outro lado,já vem de longa data uma intensa preocupação dos contemporâneos brasileiros com
a democratização da arte. Claro que algumas vezes são propostos trabalhos de difícil compreensão e
que alcançam apenas alguns poucos entendidos. O artista vive o dilema da busca da socialização da
arte com a proposição de obras que traduzem críticas em formatos difíceis de serem assimilados. Esse
paradoxo lembra um vídeo do artista multimídia Paulo Bruscky (1949-), no qual um ator tenta retirar
a água, com um rodo, de um local fechado que não possui escoamento.
Artistas como Lygia Clark, Hélio Oiticica e outros mais recentes colocaram a questão do público
no centro. Cildo Meireles,já na década de 1970, com Inserções em circuitos ideológicos, abordava essa
questão. Seu Projeto Coca-cola visava penetrar o circuito de produção, compra e venda do produto,
trazendo garrafas que traziam interferências feitas pelo artista: um adesivo em letras brancas com os
dizeres "Yankees go home!".
Já o Projeto Cédula ( Figura 6.6), embora partilhasse da mesma lógica de inserção - após a inter-
ferência os objetos eram devolvidos para a circulação - , teve no uso das cédulas de dinheiro a base
para um posicionamento político contra a ditadura militar no Brasil. O artista carimbava nas notas a
pergunta "Quem matou Herzog?", numa clara referência ao assassinato do jornalista Vladmir Herzog,
em 1975, e as introduzia no circuito para que fossem disseminadas pelos mecanismos próprios da

197
Figura 6.6 - Quem matou Herzog?, de Cildo Meireles antecipam em muitos anos o papel da internet
como veículo de comunicação em rede.
Cildo Meireles, então, já na década de 1970,
propôs novos formatos para a arte e uma nova
relação com o público, aproximando-o da arte e
convidando-o a participar. Suas ações lembram
o que ocorre atualmente quando uma obra é
lançada na internet e rapidamente é comparti-
lhada em rede, podendo inclusive sofrer modifi-
cações operadas pelo público. Nesse espírito, o
debate seguinte será em torno dos propósitos
da arte que utiliza novas mídias, comumente na
contramão dos usos comuns que se fazem dos
e equipamentos tecnológicos.
fo
::;:
e
g
i
6.3.2 Novas mídias
6))
.f!
~
A riqueza de informações sobre o mundo e de im-
~
posições de modelos de comportamento chega
~------------------
MEIRELES, Cildo. Inserções em Circuitos Ideológicos: 2 - Projeto Cédula - por meio dos cinemas, dos programas televisivos
Quem matou Herzog?. 1970. Carimbo de borracha sobre cédula. Foto
de Wilton Montenegro. e mesmo de vídeo s encontrados na internet à
disposição de qualquer indivíduo.
Sobretudo o rádio e a TV foram sistemas
movimentação financeira. Já na década de inventados para a transmissão e recepção no
1970, havia a preocupação com a difusão da campo do entretenimento de massa. Inicialmente,
arte. Podemos dizer que essas obras de Cildo porém, veiculavam pou co ou nenhum conteúdo.
A partir da década de 1950, com filmadoras que podiam ser adquiridas por cidadãos comuns, a possibili-
dade da TV na condição de sistema expressivo pôde ser explorada por artistas dispostos a transformá-la
num fato da cultura atual.
A arte do vídeo, segundo Arlindo Machado (2001), nasce u de emissoras de TV de cidades norte-ameri-
ca nas e também de laboratórios experimentais de universidad es americanas e europeias. Mas as grandes
emissoras ig noraram essas produções, e muitas das possibilidades criativas da televisão só puderam
ser exploradas fora dela, num terreno que hoje chamamos generica mente de vídeo. Foi no terreno in-
dependente da videoarte, nascido às margens das produções oficiais, qu e se verifi cou a emergência
de posicionamentos críticos em relação ao convencionalismo das emissoras de TV (Machado, 2001).
O audiovisual foi se firmando como linguagem universa l, diminuindo distâncias territoriais entre
cla sses sociais, entre idiomas - um imaginário comum começou a ser compartilhado por um público
heterogê neo. Detectou-se então um forte objetivo em tornar quase imperceptível o aparato tecno-
lógico das mídias pelo uso cada vez mais abundante da ficção, estimulando os sentidos, as emoções.
O sujeito na atualidade é um novo indivíduo. Na sociedade do audiovisual, ele dese nvolveu capaci-
dades que o permitem experimentar viver, no ambiente virtual, na pele de uma série de personagens
com personalidades diferentes da sua. No entanto, nesse sistema que suposta mente permite mais liber-
dade e experi ências virtuais extraordinárias, não há lugar para respostas, no amplo sentido do termo,
mas somente para escolhas entre as alternativas preestabe lecidas pelos criadores do ambiente virtual.
Na arte, as novas mídias tendem a andar na contramão daquilo que é esperado pelo usuário comum
dos equipamentos e subvertem o ca ráter programado da aparelhagem disponível (Machado, 2001).
Há videoa rtes, por exemplo, que não tê m so m nenhum, são lentas e extensas - sua questão principal
são o tempo e o movimento, frustrando expectativas de dinamismo.
No vídeo Marca registrada, de nove minutos, de 1974, a art ista Letícia Parente (1930 -1991) costura
a sola do pé com agulha e linha preta, bordando os dizeres "Made in Brazi/".

199
Para saber mais
Acesse o site de Letícia Parente e confira as produções da artista. Nessa compilação digital, além
de conhecer o trabalho de Parente com as diversas mídias, você ainda pode baixar o vídeo Marca
registrada.
LETÍCIA PARENTE. Disponível em: <http://www. leticiaparente.net/>. Acesso em: 19 dez. 2016.

A obra de Parente, tal como a de Anna Bella Geiger, reacende o debate nacional versus estrangeiro,
amplamente observado na arte brasileira. A artista utilizou a técnica de ponta disponível em seu tempo
para alertar sobre a questão, cujo debate parece estar longe do esgotamento.
Diante das novas mídias na arte, o público espera ver algo espetacular, surpreendente e que possa ser
instantaneamente apreendido, mas muitas dessas produções frustram essas expectativas (Lévy, 1999).
O objetivo por trás dessas proposições de artistas brasileiros é nobre, mas o problema é o destino
inevitável de toda videoarte: endereçar-se ao circuito elitista dos museus e galerias de arte (Machado,
2001).

6.3.3 O campo expandido: graffiti


A fim de buscar alternativas que mais efetivamente caminhem para uma possível democratização da
arte, elegemos a arte urbana para compor as reflexões deste estudo.
Outra importante faceta da arte contemporânea, que tem se destacado desde a década de 1960, é
o site especific - uma forma de arte que é produzida especialmente para um determinado local. A pro-
posta vem ao encontro do desejo de recusa à institucionalização, à museologização da arte. Irrompe
no espaço urbano cotidiano e pressupõe uma ideia de partilha de informações, geralmente em tempo
real. A arte no espaço público confronta -se com outras esferas de poder e legitimidade (Caeiro, 2008).

200
Figura 6.7 - Arte urbana: graffiti de Heal Quando se fala de arte urbana,
fa la-se ta mbém de graffiti. No iní-
cio do século XXI, ho uve um renas-
cimento do graffiti e uma expansão
do seu conceito. Ele passou a não
se limita r ao mero registro sobre
os muros, deixou de se restringir à
t inta spray sobre paredes, passa ndo
a eng lo bar a fot ografia, o vídeo, as
mídias digitais. O graffititem estreita
ligação com a noção de site speci.fic,
uma vez que os grafiteiros têm sido
convidados a pensar ocupações. Ele
engloba uma maneira de se colocar
no mundo, uma tomada de posição
polít ica e uma escolha de ident idade
(Oliva, 2006).
As go rdinhas do grafiteiro Hea l
(Figura 6.7) são perso nagens es-
pa lhadas por diferentes muros d a
capital pa ranaense. Apesar da pe-
HEAL, Deivid. Sem t ítulo. 2010. Spray sobre concreto. MAC-PR Exposição
sada massa cor poral, elas se equi-
"Possíveis conexões li".
libram em pequeninos e delicados
pézinhos. Alg umas são malabaris-
tas sobre fráge is bo las o u estão

201
enredadas por fios. O grafiteiro - que Figura 6.8 - Arte urbana: grajjiti de Café

chegou a ser estudante de graduação


em artes - é um dos nomes de referência
no graffiti paranaense. Com uma infância
humilde na periferia, Heal acredita que
o graffiti é uma ponte estreita de apro-
ximação entre a arte e o sujeito, princi-
palmente a juventude. Já participou de
inúmeros eve ntos ligados ao graffiti pelo
Brasil e manteve um forte envolvimento
com projetos sociais ligados à arte. Para
muitos grafiteiros, essa forma de arte não
se limita às paredes do museu e não pode
ser enclausurada: o graffiti necessita da
moldura barulhenta do entorno urbano, Café dá destaque à perspectiva africana na formação
do tom abusado de quem se apropriou de da identidade cultural brasileira (Figura 6.8).
um local público, da tensão que embrulha A cidade de São Paulo é conhecida como a capital
algo proibido (Oliva, 2006). internacional do graffiti. Lá, surgiram grafiteiros famo-
Outro representante dessa forma sos, como OSGEMEOS, dupla formada pelos irmãos
de expressão em Curitiba é Cleverson Gustavo Pandolfo e Otávio Pandolfo. Eles come-
Pacheco (1984-), conhecido como Café. çaram pintando os muros de um bairro da capital, mas
Uma das facetas dos graffitis do artista é logo passaram a ser representados por notórias galerias
a crítica às conformações da sociedade de arte norte-ameri canas e europeias. Em São Paulo,
que sustenta um modelo socioeconómico acontecem eventos emblemáticos sobre graffiti que
perverso e excludente. Em seu trabalho, atraem simpatiza ntes de todo o mundo (Oliva, 2006).

202
Em 2007, com outros grafiteiros, OSGEMEOS foram convidados por um conde escocês para pintar
um castelo. A decisão de cobrir o castelo com graffiti surgiu porque a camada de concreto sobre a
qual ele seria composto logo teria que ser removida. O sucesso foi tanto que as pinturas continuam lá
(2015) e o proprietário fez um pedido formal para que a Escócia mantivesse a obra (Catraca Livre, 2015).
Outro destacado paulistano cujo graffiti é conhecido internacionalmente é o artista Zezão, que
começou a inserir seus graffitis em espaços subterrâneos da cidade de São Paulo na década de 1990.
Interessado na exploração de diferentes possibilidades artísticas, abandonou o convencional para inscre-
ver sua arte na paisagem urbana. O artista passou, então, "a trabalhar em paredes de canais de esgoto
e de galerias de águas pluviais, entre dejetos acumulados em casas abandonadas, em becos desertos
e em vãos debaixo de viadutos. Desse modo, atraiu a atenção para paisagens urbanas insólitas". Zezão
registra uma caligrafia abstrata, na cor azul, sobre as superfícies insalubres dos lugares abandonados
e acaba por tornar visíveis lugares comumente despercebidos (Zezão Arts, 2016).

[Zezão] [...] invade espaços subterrâneos criando um co nt raste ent re a rusticidade das paredes e a
delicadeza de uma prese nça toda em límpidos tons de azul. Arte j unto ao lixo, animais mortos e restos
de móveis quebrados em locais à ma rgem da sociedade. O art ista desperta o diálogo e a discussão
sobre o mundo marginal e o mundo superficial que conhece mos. "O lixo que vira luxo": eis onde Zezão
conce nt ra a sua arte que toca em aspectos polít icos. (Zezão Arts, 2016)

Produzir graffitis nas ruas, em lugares notórios ou mesmo inacessíveis, equivale a dizer que os artistas
abriram mão do seu estatuto, do estatuto da arte, da disciplina de origem, do enquadramento acadê-
mico, para se apresentar ao mundo como cidadãos. Assim, colocam à disposição de situações de inter-
subjetividades as suas competências específicas, que são a capacidade de simbolização e significação,
represe ntação, perícia técnica, saber integrado. Sua intenção, nesses casos, parece estar carregada do
interesse pelo destino coletivo representado pela comunidade de um lugar, por exemplo (Caeiro, 2008).

203
Para saber mais
Confira as obras de OSGEMEOS e Zezão nos endereços a seguir:

OSGEMEOS. Disponíve l em: <http://www.osge meos.com. br/pt>. Acesso em: 8 dez. 2016.

ZEZÃO ARTS. Disponível em: <http://www.zezaoarts.com.br/ >. Acesso em: 8 dez. 2016.

Embora existam grafiteiros conhecidos, o graffiti parte das beiradas do circuito oficial da arte.
Identificado como arte marginal, foi citado pelo poeta Paulo Leminski (1944-1989), que via seme-
lhanças entre a poesia e o graffiti. Convidado a eleger a melhor poesia do ano de 1972 em Curitiba, o
poeta escolheu um graffiti que foi insistentemente grafitado, de muro a muro, por algum inconfor-
mado, num percurso da cidade que ia e voltava da rodoviária. Continha os seguintes dizeres: "PQNA
volte". Instigado a falar sobre o assunto, o poeta mencionou as frases pichadas nos muros que faziam
referência à opressão da ditadura militar. Para Leminski, o graffiti surgiu na década de 1970 como uma
forma de poesia marginal, alternativa. O que atraía era o seu caráter contraventor. Era um elemento
de expressão da juventude sufocada por anos. Leminski comentou que, para ele, o graffiti adquiria a
consistência de um grito. Em palestra na Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirmou que "O graffiti
ele está para um texto assim como o grito está para a voz. O graffiti ele é um berro" (Leminski. .., 2011).
O grafiteiro usa a cidade como página, nela inscreve sua poesia.
Fora do eixo Rio-São Paulo, o poeta paranaense Paulo Leminski surgiu na segunda metade do sécu-
lo XX - irreverente, despreocupado com as classificações, com a fidelidade a um modelo ou modismo.
O poeta marginal procurava realiza r a síntese entre o rigor formal e o coloquial em sua poesia rarefeita.

204
Poeta, escritor, crítico literário e compositor, o curitibano Paulo Leminski foi um dos mais expressivos
escritores das déca das de 1970 e 1980. Influenciado pelos criadores da poesia concreta , produziu vasta
obra marcada pelo humor e pela música (fez parceria s musica is com Caetano Ve loso) (Enciclopédia ltaú
Cultural, 2016h). Veja um trecho do poema "Bem no fundo":

No fu ndo, no fu ndo,
bem lá no fu ndo,
a gente gostaria
de ve r nossos problemas
resolvidos por decreto [...]
mas prob lemas não se resolve m,
problemas têm fam ília grande,
e aos domingos
saem todos a passea r
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
(Leminski, 2013a, p. 195)

Poeta marginal, fascinado pela cultura oriental, resgatou o haikai (poema pequeno de origem oriental),
utilizando-se muito de sua concisão ca ra cte rística.

abrindo um antigo cade rn o


foi que eu descobri
antigamente eu era eterno
rio de mistério
que seria de mim
se me levassem a sé rio?
(Leminski, 2013b, p. 235)

205
6.3.4 Nacional versus estrangeiro
A arte brasileira é uma mescla de aspectos internos e importa dos. Para Aracy Amaral (1983), existe um
cent ro em to rno do qual a art e latino-america na gira incessantement e: Nova York, Frankfurt, Lo ndres -
espelhos nos qu ais tenta reflet ir-se não co mo um luga r de produ ção e revisão criativa, mas como con-
sumido ra extasiada de tudo aquilo que americanos e euro peus propõem como fundamenta l no campo
da arte. Tal sit uação, segundo Amaral (1983), precisa ser urgentemente revisada pelos movimentos
artísticos periféricos, pois, se depender dos americanos, narcisist as inco rrig íveis, ou dos euro peus,
encravados nas glórias da erudição, tal sit uação se perpetuará indefinid amente.
A quest ão nacional versus estrangeiro sempre esteve presente em se trat ando de arte brasileira.
Amaral t ambém questiona se essa informação intern acionalista, que fomos buscar no exterio r, brotou
como muda que pega de galho ou se era preciso que germin asse de raízes brasileiras. Na Europa, o
processo de t ransform ação da art e resulto u, po r exemplo, no cubismo, movimento que surgiu de uma
necessidade int erna, e não de uma imposição externa (Amaral, 1983).
Nós nut rimos uma necessidade de det erminar se est amos na vanguarda ou na ret aguarda em rela-
ção a o utros locais. Isso ocorre com os demais estados do Brasil em relação a São Paulo e ocorre com
São Paulo em relação à Europa e aos Estados Unidos. Há uma necessidade de atualização de estilos,
de medição de coeficiente de mo dernidade. Ao mesmo tempo, nos vemos e não nos vemos, somos
vistos e não somos vistos co mo continuidade da cult ura europeia. Esse paradoxo cria o incômodo e a
riqu eza da dúvida (Cava lcant i, 2001).
Nem sempre podemos associar inovação ao cent ro e atraso à pe rife ria. Essas posições são relativas
e não dependem de questões geográficas, mas históricas. É o momento histórico que a loca lidade está
vivendo q ue pode dete rmin ar tais posições.
Para Chiarelli (2002), a pa rt ir dos anos 1980, os art istas brasileiros dialogaram com a produção
popular, a cult ura de massa, o barroco colo nial e art istas eruditos consagrados e não consagrados,
ou mesmo com nossos modernistas. Essa postura, acredita o pesquisador, leva ao amadurecimento
do circ uito art ístico do país. Encont ramos tanto o respeito à pluralidade e às diferenças, a aceitação
do mult icult uralismo, q uanto a defesa da supremacia das cult uras cent rais sobre as periféricas pela

206
política da exclusão eco nômica e racial. É nesse contexto que o artista encontra o seu espaço de atua-
ção (Chiarelli, 2002).
Em meio a esse espaço de atuação, há o publico que lida com trabalhos que estabelecem novos
parâmetros - exigindo um olhar radicalm ente outro. Os contemporâneos nos convidam a aplaudir a
destruição dos valores que ainda cultivamos, sem escla rece r a causa positiva que justifique essa re-
núncia (Battcock, 1986) . Nosso olho agora é um olho integrado à totalidade do co rpo. O espectador,
antes solidamente confortável na primazia do olhar, está definitivame nte convocado a novas explora-
ções sensoriais ante as propostas artísticas da contemporaneidade. O artista, por sua vez, dá o tiro, só
que o alcance da bala o escapa (Morais, 1998).

Síntese
Neste capítulo, estudamos que a arte contemporânea é um momento de liberdade, em grande parte
possibilitada pelas façanhas de Marcel Duchamp, que incorporou novos elementos e processos em seu
fazer artístico. A obra de arte contemporânea brasileira também deixa de lado a mera contemplação e
convida o espectador à reflexão, como bem exemplifica a obra do artista Nelson Leirner.
Libertos, os artistas criticam a própria arte e os circuitos em que ela se movimenta, originando
processos como a desmaterialização da obra de arte, muito presente na contemporaneidade. Nessa
conjuntura, nega-se o objeto único, original e vítima das especulações do mercado, apagando as fron -
teiras entre as diferentes modalidades de arte, que agora podem estar presentes em uma única obra.
As ações coletivas de Lygia Pape ilustram essa dissolução de fronteiras.
Lygia Clark e Hélio Oiticica também criaram obras que convidavam o público a vive nciar a arte e
propuseram novos rumos para a arte brasileira. Com eles, surgiram o experimentalismo e a efeme rid a-
de na arte, fortes características disseminadas a partir de 1970, podendo ser vistas nas obras de Artur
Barrio, que faz uso de materiais ordinários e perecíveis a fim de criti car o papel institucional da arte.
O artista brasileiro Cildo Meireles também propõe um novo formato, convidando o espectador
à reflexão e à participação. Sua intenção ao trabalhar com os Circuitos ideológicos era contaminar o

207
público com a arte e denunciar os crimes e a opressão da ditadura militar, papel que hoje bem poderia
ser cumprido pela internet. Nesse espírito, o debate seguinte girou em torno da arte que utiliza novas
mídias, mas vai na contramão dos usos comuns da tecnologia. Sobre a recusa da museologização da
arte, apontamos a importância do graffiti.
Por fim, analisamos a relação do público com a tamanha transgressão das modalidades tradicionais
de arte que, segundo Aracy Amaral, se traduz numa profunda apatia. Pontuamos também a inesgotá-
vel questão nacional versus estrangeiro, observando que nem sempre é prudente associar inovação ao
centro e atraso à periferia, pois essas categorias têm que ser relativizadas e não dependem de questões
geográficas, mas históricas.

Atividades de autoavaliação
,. Quanto ao público da arte contempo rânea , assinale (V) para as informações verdadeiras e (F) para as
falsas:
( ) Para a co mpreensão da arte, o público pode usar outros sentidos além do olhar.
( ) O público, às vezes, precisa realizar uma interpretação conceituai da obra.
( ) Algumas obras podem parecer incompreensíveis para o público.
( ) Às vezes as obras transgridem os significados que o público tradicionalmente atribui a elas.

2. Sobre a artista Lygia Clark, assinale (V) para as informações verdadeiras e (F) para as falsas:
( ) Clark começou no concretismo e se destacou como uma das principais artistas do neoconcretismo
brasileiro.
( ) Sua obra saiu do plano bidimensional e se expand iu para o plano tridimensional.
( ) Produziu objetos que podiam ser sentidos pelo tato e pelo olfato.
( ) Ajudou a tornar a arte brasileira notória internacionalmente.

208
3. Sobre a arte brasileira analisada neste capítulo, assinale a alternativa correta:
a) Para Aracy Amaral, não existe uma separação centro-periferia no circuito das artes.
b) Nossa arte é infinitamente melhor do que a de qualquer outro país.
c) Lygia Clark e Hélio Oiticica pregavam um retorno à arte criada para simples contemplação.
d) Para a crítica de arte Aracy Amaral, nem sempre podemos associar inovação ao centro e atraso à
periferia, pois é preciso relativizar a questão.

4. Sobre a atuação do artista Nelson Leirner, assinale (V) para as informações ve rdadeiras e (F) para as falsas:
( ) Nelson Leirner se destaca por usar a própria arte para criticar as conformações do circuito da arte.
( ) Certa vez, o artista enviou para um sa lão de arte um porco empalhado, episódio marcante na arte
brasileira.
( ) É conhecido internacionalmente, como alguns poucos artistas brasileiros.
( ) Na ditadura militar, ocupou um cargo importante no governo ao lado dos militares.

5. Fa ça a correspondência entre o nome do artista e a sua mais destacada modalidade de produção:

a) Flávio de Carvalho ( ) Instalação, agrupamento de objetos


b) Nelson Leirner ( ) Happening ou performance
c) OSGEMEOS ( ) Videoarte
d) Letícia Parente ( ) Graffiti

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Com relação à videoa rte Marca registrada, de Letícia Parente, identifiqu e as características que a
classificam como arte contemporânea brasileira conforme as reflexões deste capítulo.

209
2. Esco lha uma obra de arte, não contemplada neste livro, de um(a) artista brasileiro(a), compreendida entre
o período colonial e o contemporâneo, e estabeleça um diálogo com a seguinte reflexão de Aracy Amaral
(1983):

A questão nacional versus estrangeiro sempre esteve presente quando se fa la de arte brasi leira.
Precisamos questionar se essa informação internacionalista que fomos buscar no exterior brotou
como muda que pega de galho ou se era preciso que tais informações germinassem em nossas raízes.
Para ser legítimo, o processo de t ransformação da arte deve nascer de uma necessidade interna e
não de uma imposição estrangeira, como o Cubismo por exemplo, resultado de longos processos de
maturação artística europeia.

3. A ousadia de Marcel Duchamp abriu caminho para novas explorações no campo das artes, inaugurando um
período de maior liberdade, inclusive de crítica contra a própria arte e suas instituições. Na trilha aberta
pelo artista, caminharam inúmeros outros, como o artista bra sileiro Nelson Leirner. Pesquise na internet as
obras de cada autor e faça uma análise crítica em que estejam presentes os seguintes aspectos:
a) enfoque nas semelhanças e diferenças estéticas e ideológicas presentes nas obras;
b) análise do contexto sociocultural em que surgiram;
c) análise da questão periferia -centro abordada pela crítica de arte Aracy Amaral.

Para fundamentar sua análise, utilize outras fontes de pesquisa, além deste livro.

Atividade aplicada: prática


No decorrer do capítulo, afirmamos que o graffiti "engloba uma maneira de se colocar no mundo, uma
tomada de posição política e uma escolha de identidade" (Oliva, 2006). Caso seja possível, dê uma vo lta na
sua cidade, loca lize uma expressão da arte urbana, fotografe -a e analise -a em relação à afirmação anterior.
Não have ndo essa possibilidade, escolha um graffiti de outra fonte de pesquisa.

210
Considerações finais

A
pós a apresentação dos desenhos rupestres figurativos da mais antiga presença do homem
na América do Sul no Estado do Piauí, vimos que os povos pré-cabralinos se sobressaem
também pela cerâmica de Marajó e Santarém, no Pará, espantosamente elaborada. Nossos
ancestrais impulsionaram um breve percurso pela cultura das sociedades indígenas recentes, com vis-
tas a imaginarmos o rico passado de sua indumentária e arte corporal. Após a chegada dos europeus,
artistas viajantes vieram ao Brasil a fim de traduzir o pitoresco país tropical, observado nos costumes
dos habitantes, na fauna e na flora. Fizemos ainda menção ao projeto realizado na contemporaneida-
de por artistas que refizeram, em 2004, para a Bienal de São Paulo, uma expedição científica do Brasil
novecentista.
Na sequência, destacamos a arte colonial, estreitamente conectada com a Igreja, e que tem o escul-
tor Aleijadinho como o seu mais destacado expoente, criador de majestoso conjunto de arte barroca
em Minas Gerais. Foi dado destaque também à Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, Minas
Gerais. Primamos por singularizar seu teto, repleto de querubins e curvas sinuosas, pintado por Mestre
Ataíde. A ênfase foi a expressão carnavalesca de nosso barroco otimista, festivo. Como exemplo da
suntuosidade barroca, apresentamos a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador, cujo
interior é todo banhado em ouro. A narrativa sobre o seu interior foi justaposta à que retrata o pátio
interno, repleto de azulejaria oitocentista portuguesa. Em nosso país, essencialmente barroco, artistas
contemporâneos transitam por esse estilo, reinventando-o. Aqui apresentamos apenas dois: Farnese
de Andrade e Adriana Varejão.
O passo seguinte foi abordar a arte novecentista, quando a Missão Artística Francesa foi observada
à luz de seu papel na criação da Academia Imperial de Belas Artes, caracterizada por tender ao estilo
neocláss ico. Os parâmetros da arte do período foram ilustrados por meio da obra de Jean-Baptiste
Debret, que retratou a fauna, a flora e os costumes da época, incluindo castigos aplicados aos escravos

211
do período. O artista contemporâneo portug uês Vasco Araújo, que produziu obras conectadas às de
Debret, foi citado por sua admirável forma de reavivar as questões retratadas pelo francês. Entre outros
citados, os artistas Pedro Américo e Victor Meirelles se destacam como representantes da arte nascida
no interior da Academia Imperial de Belas Artes. Os ousados Rodolfo Amoedo e Eliseu Visconti sentiram
mais intensamente o impacto de tendências moderna s que circulavam na Europa, mas submeteram -se
às exigências locais. Todos foram execrados pelos modernos da Semana de 22, que consideraram ape-
nas Almeida Júnior co mo o único a merece r o título de percussor da arte moderna brasileira.
O modernismo foi um marco na tentativa de atualização da intelectualidade brasileira em busca de
uma brasilidade, caracterizado pelo desejo de criar uma iconografia tipicamente local. Anita Malfatti
e Lasa r Sega ll foram pioneiros ao apresentar obras alinhadas às vanguard as antes de 1922. Nesse mo-
mento, citamos a artista contemporânea Anna Bella Geiger, por seu interesse em rein ventar o debate
dos moderni stas a respeito da busca do genuinamente brasileiro. Além do Rio de Janeiro, São Paulo
também se tornou centro de ref erência artística e palco da Semana de Arte Moderna de 1922, em que
se destacaram Malfatti, Di Cava lcanti, Victor Brecheret e Vicente do Rego Monteiro. Tarsila do Amaral
ga nhou destaque após a semana por inspirar o Manifesto Antropofágico.
No penúltimo capítulo, narramos como a arte abstrata foi assimilada no Brasil. Após 1922, artistas
da cla sse trabalhadora e imigrantes ou filhos de imigrantes começaram a se agrupar - a presença
desses artistas em nosso território singularizou nossa arte em relação à de outros países. A produção
desses imigrantes foi avaliada como tendendo para uma figura ção incoerente com as transgressões
das vanguard as europeias. Por outro lado, ricos empresá rios se tornaram mecenas da arte e cont ribuí-
ram pa ra a divulgação de info rmação internacionalista no país. Os investimentos se deram na criação
e manutenção do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e na construção da 1ª Bienal de São Paulo. Esta
última, por sua vez, constit uiu -se em um episódio marcante que fez com que dividíssemos a arte do
século XX em termos de antes e depois da 1ª Bienal de 1951. A predominância da arte de orientação
abstrata nessa im portante vit rin e, que inclusive premiou artistas brasileiros que se curva ram ao esti-
lo e provocou o surgimento do concretismo, o primeiro movimento de o rientação abstrata no Brasil.

212
Para finalizar, demos ênfase ao neoconcretismo, o desdobramento do concretismo. Nele, as obras
saem de seu estado bidimensional para ganhar corpo e serem manipuladas pelo público que as apreen-
de com todos os sentidos do corpo humano. Lygia Clark e Hélio Oiticica, os mais importantes artistas
brasileiros do movimento, inspiram uma série de experimentalismos em obras que se configuram em
performances e que requerem a participação do público para serem ativadas. Essa desmaterialização da
obra de arte acabou ocasionando a confecção de obras efêmeras, instalações construídas com objetos
industrializados, arte como processo que chega até a casa do cidadão comum - esta última exemplifi-
cada pelas Inserções em circuitos ideológicos, de Cildo Meireles. Ainda nesse espírito, observamos a recusa
dos espaços expositivos tradicionais operada pelo graffiti. Por ter ligação estreita com a técnica, a arte
se manteve sempre ligada aos avanços da tecnologia. Cientes deste fato, fizemos uma breve reflexão
sobre as consequências desse avanço, trazidas à tona pela arte.

213
Referências
ALMEIDA, P. M. de. De Anita ao museu. São Paulo: Perspectiva, 1976.

AMARAL, A. Arte e meio artístico: entre a feijoada e o X-burguer. São Paulo: Nobel, 1983.

_ _. Artes plásticas na Semana de 22 . São Paulo: Ed. 34 , 1998.

_ _. Artes plásticas na Semana de 22 : subsídios para uma história das artes no Brasil. São Paulo:
Perspecti va/EDUSP, 1972.

_ _. Textos do Trópico de Capricórnio: art igos e ensaios (1980-2005) - circuitos de arte na Amé rica
Latina e no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 2006. v. 2.

AMARANTE, L. As bienais de São Paulo: 1951-1987. São Pau lo: Projeto, 1989.

AMORIM, L. B. de. Cerâmica marajoara: a comu nicação do silêncio. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi,
2010. Catálogo de Exposição.

ANDRA DE, M. Pauliceia desvairada . [s. n.J: São Paulo, 1922.

ANDRA DE, O. Poesias reunidas . Rio de Janeiro: Civilização Brasileiras. 1974. (Obras Reunidas, v. 7).

ANITA MALFATTI. Programa De lá pra cá. 26 out. 2009a. Parte 1. Disponível em: <https://www.yout ube.com/
watch?v=Jim_r WPlsno>. Acesso em: 2 maio 2016.

_ _. _ _. 26 out. 2009b. Parte 2. Disponíve l em: <https://www.youtube.com/watch?v=t6ySGFQaBrU>.


Acesso em: 2 maio 2016.

_ _. _ _. 26 out. 2009c. Par te 3. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=xeM5oru2mQw>.


Acesso em: 2 maio 2016.

_ _. _ _. 26 out. 2009d. Parte 4. Disponível em: <https://www.youtube.co m/ watch?v=VTR9ups lmnl>.


Acesso em: 2 maio 2016.

ARAÚJO, O. T. de. Dois estudos sobre Volpi. Funarte, 1986.

215
CAMINHA, P. V. de. A carta . Dispon ível em: <http://www.do miniopublico.gov.b r/ pesquisa/ DetalheObraFo rm .
do?select_action=&co_o bra=17424>. Acesso em: 17 nov. 2016.

CANONGIA, L. Academismo. Rio de Janeiro: Funarte, 1986. Catá logo do Projeto Arte Brasileira.

CASSUNDÉ, B. Leonilson e a cata logação da vida. Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, Ensaio, 7 fev.
2009. Disponíve l em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cade rno-3/leonilson -e-a-
cata logacao-da -vida-1.654779>. Acesso em 30 abr. 2016.

CATRACA LI VR E. Os Gêmeos grafitam castelo na Escócia . 13 jan. 2015. Disponíve l em: <https://
catracalivre.com.br/gera l/design-urbanidade/ indicacao/os-gemeos-g rafitam -castelo-na-escocia/>. Acesso em:
8 maio 2016.

CAVALCANTI, L. (O rg.). Quando o Brasil era moderno: artes plásticas no Rio de Janeiro 1905-1960. Rio de
Janeiro: Ae roplano, 2001.

CAVALCANTI, L. Exposição ((No princípio •.. " Anna Bella Geiger. Rio de Janeiro, dez. 1998/fev. 1999.
Catálogo.

CAVALCANTI, S.; CRUZ, A. O azulejo na arquitetura civil de Pernambuco: século XIX. São Paulo:
Metalivros, 2002.

CHIARELLI, T. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lem os, 2002.

_ _. Segai realista : algumas considerações sobre a pintura do artista. Instituto Moreira Sall es; M useu
La sar Sega li; Ministério da Cultura, 2009. Catálogo. Dispon íve l em: <http://www.museusegall.o rg.br/pdfs/texto_
Tadeu _C hiarelli.pdf>. Acesso em: 2 maio 2016.

_ _. Tropical, de An ita Ma lfatti: reorientando uma velha questão. ln: PALHARES, T. (O rg.). Arte brasileira
na Pinacoteca do Estado de São Paulo: do século XIX aos anos 1940. São Paulo: Im prensa Oficial; Cosac
& Naify; Pinacoteca, 2010. p. 134-145.

COCCHIARALE, F. La Biennale di Venezia . 1980. Catá logo.

COSAC, C. Farnese: o bjetos. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.

CO STA, M. A. B. da. A talha ornamental barroca na Igreja conventual Franciscana de Salvador.


São Paulo: Edu sp, 2010.

217
COS TA, M. H. F. A arte e o artista na sociedade karajá. Brasília: Funai, 1978.

COU TO, M. de F. M. Por uma vanguarda nacional: a crítica brasileira em busca de uma id entidade artística
(1940-1960). Campinas: Ed. da Uni camp, 2004.

DANTO, A. Após o fim da arte: a arte conte mporânea e os limites da história. São Paulo: Edusp, 2006.

DEBRAY, Régis. Vida e morte da imagem: uma história do olhar no o cidente. Petrópo lis, RJ: Vozes, 1993.

DUPRAT, C. Pinacoteca do Estado de São Paulo. Rio de Janeiro: Mediafashio n, 2009. (Co leção Fo lha
Grand es Museus do Mundo).

DURAN D, J. C. Arte, privilégio e distinção. São Paulo: Perspectiva, 1986.

ELUF, L. Di Cavalcanti. São Paulo: Instituto ltaú Cultural, 2013. (Coleção Fo lha Grandes Pintores Brasileiros,
V. 1).

ENCICLOPÉDIA ITAÚ CU LTURAL. Aleijadinho. Disponível em: <http://encicl opedia.itaucultural.org.br/


pessoa8614/ aleijadinho>. Acesso em: 18 nov. 2016a.

_ _. Anna Bella Geiger. Disponíve l em: <http://encicloped ia.itaucultural.org.br/pessoa296/


anna -bella -geiger>. Acesso em: 21 nov. 2016b.

_ _. Barroco brasileiro. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucult ural.org.br/termo63/


barroco-brasileiro>. Acesso em: 18 nov. 2016c.

_ _. Debret. Disponíve l em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ pe ssoa18749/debret>. Acesso e m: 8 maio


2016d.

_ _. Flávio de Carvalho. Dispo nível em: <http://enciclop edia.itaucultural.org.br/pe ssoa9o16/


flavio-de-ca r va lho>. Acesso em: 8 dez. 2016e.

_ _. Grupo Ruptura . Disponíve l em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo538325/grupo-ruptura>.


Acesso em: 23 nov. 2016f .

_ _. Nelson Leirner. Dispo nível em: <http://encicl opedia.itaucultural.o rg.br/pessoa9429/ nelson-leirner>.


Acesso em: 23 nov. 2016g.

_ _. Paulo Leminski. Dispo níve l em: <http://enciclo pedia.itaucultural.o rg.br/ pessoa2851/paulo-leminski>.


Acesso em: 8 maio 2016h.

218
ENCICLOPÉDIA ITAÚ CU LTURAL. Victor Meirelles. Disponível em: <http://encicloped ia.itaucu ltu ral.o rg.br/
pessoa8725/victor-meirelles>. Acesso em: 8 maio 2016i.

FABRIS, A. Arte e política: algumas possibilidades de leitura. São Paulo: Fapesp, 1998.

FREITAS, C. E. R. Leonilson, 1980-1990. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) - Universidade de São


Paulo, São Paul o, 2010.

GARCÍA, M. A. Ações e contatos regionais da arte concreta: intervenções de Max Bill em São Paulo em 1951.
Revista USP, São Paulo, n. 79, p. 196-204, set./nov. 2008.

GARDNER, J. Cultura ou lixo? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.

GEIGER, A. B.; COCCHIARALE, F. Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos
50. Rio de Janeiro: Funarte, 1987.

GOMES, D. M. C. Os contextos e os sig nifi cados da arte cerâmica dos Tapajós. ln: PEREIRA, E.; GUAPINDAIA, V.
(O rg.) . Arqueologia amazônica. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2010. p. 213 -234.

GONÇALVES, L. R. R. (O rg.). Arte brasileira no século XX. São Paulo: lmesp, 2007. v. 3.

GUIDON, N. Arqueologia da região do Parque Nacional Serra da Capivara: sudeste do Piauí. 10 set.
2003. Disponível em: <http://www.co mciencia.br/repor tagens/arqueologia/arq1o.shtml>. Acesso em: 16 nov.
2016.

GULLAR, F. Barroco: o lhar e ver t igem. ln: NOVAES, A. et ai. O olhar. São Paulo: Companhia das Let ras, 1988.
p. 217-223.

HAUSER, A. História social da arte e da literatura. São Paulo: M. Fontes, 2000.

HERKENHOFF, P. Monocromos. ln: BIENAL DE SÃO PAULO, 24., 1998, São Paulo. Núcleo Histórico:
Antropofagia - Histó rias de canibalismos. Catálogo.

INSTITUTO RICARDO BRENNAND. Mulher tapuia. Disponível em: <http://www.institutoricardobrennand .org.


br/pinacoteca/eckhout/pint17.htm>. Acesso e m: 8 maio 2016.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Naciona l. Parque Nacional Serra da Capivara (PI).
Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/42>. Acesso em: 16 nov. 2016.

219
IPHAN - Instituto do Patrimô nio Histórico e Ar t ístico Nacional. M inistério da Educação e Cultura. Funda ção
Nacional Pró -Me mó ria. Proposta de inscrição na lista do patrimônio mundial da Unesco. 1984.
Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/upl oads/ ckfinder/arquivos/ Dossie%20CONGON HAS.pdf>.
Acesso em: 18 nov. 2016.

ISMAEL Ner y. MAC-USP. Disponíve l em: <http://www.mac.usp.br/ mac/templates/projetos/seculoxx/ modulo2/


modernismo/artistas/ nery/ index. htm>. Acesso em: 22 nov. 2016.

ITÁLIA, A. (Curad.) . Plumária: arte maior do ind ígena brasileiro. Curit iba, 2014. M useu Oscar Niemeyer.
Catá logo de exposição.

JESUS, Z. R. de. Povos indígenas e história do Brasil: invisibilidade, silenciamento, vio lência e preconceito. ln:
SIM PÓSIO NACIONAL DE HISTÓ RIA DA AN PUH, 26., 2011, São Paulo. Anais ... São Paul o, 2011.

LAGNA DO, L. São tantas as verdades: Leonilson. 2. ed. São Paulo: DBA, 2000.

LEITE, J. R. T. História da pintura brasileira . São Paulo: Museu da Caixa, 2000. 1 CD- ROM.

LEMINSKI falando sobre g raffiti. 4 j an. 2011. Dispon íve l e m: <https://www.youtube.co m/


watch?v=cXd KmKU cXAk>. Acesso em: 23 nov. 2016.

LEMINSKI, P. Bem no fundo. ln: _ _. Toda poesia . São Paulo: Companhia das Letras, 2013a. p. 195.

_ _. Haikai. ln: _ _. _ _. São Paul o: Companhia das Letras, 2013b. p. 235.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paul o: Ed. 34, 1999.

LIMA, L. de M. O Palace Hotel: um espaço de va ngua rda . ln: CAVALCANTI, L. (O rg.) . Quando o Brasil era
moderno: artes plásticas no Rio de Janeiro 1905-1960. Rio de Janeiro: Ae roplano, 2001. p. 60 -11 9.

MACHADO, A. Máquina e imaginário. São Paulo: Edu sp, 2001.

MACHADO, L. G. Barroco mineiro. São Paulo: Perspectiva, 1978.

MACHADO, V. S.; ALVARADO, D. V. M. P. de. Flávio de Carvalho. Disponível e m: <http://www. mac.usp.br/


mac/te mplates/ projetos/seculoxx/modulo2/modernidade/eixo/ca m/ ar t istas/ca rva lho3.ht ml>. Acesso em: 23 nov.
2016.

220
MANÉS ILUSTRE S. Personagens que fizeram e ainda vão fazer história . Disponível e m: <http://www.
manezinhodailha.com.br/ llustres>. Acesso em: 21 nov. 2016.

MARTINS, J. P. Plumária: arte maior do indígena brasileiro. Curitiba, 2014. Palestra proferida no Museu Oscar
Nie meyer.

MATOS, G. de. Poemas escolhidos. 2. ed. São Paul o: Cultrix, 1981.

MESQU ITA, 1. (Curad.). Vasco Araújo: Debret. São Paulo, 2013. Pinacoteca de São Paulo. Catá logo.

MICELI , S. Imagens negociadas: ret ratos da elite brasileira. 1998. Catálogo de exposição.

M IGLIACCIO, L. Rodolfo Amoedo. O mestre, deve ríamos acresce ntar. 19&20, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, ab r.
2007. Disponíve l em: <http://www.dezenovevinte.net/ artistas/ ra_migliaccio.htm>. Acesso em: 21 nov. 2016.

MORAIS, F. Arte é o que eu e você chamamos arte: 801 definições sobre arte e o sistema da arte. Rio de
Janeiro: Record, 1998.

MUCO, L. 1. O teatro barroco de O Aleijadinho. Linguagens, Blumenau, v. 1, n. 1, p. 34-42, j an./abr. 2007.


Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/ index.php/ linguagens/articl e/viewFile/175/ 139>. Acesso em: 18 nov. 2016.

MUSEU PARANAENSE. Rituais indígenas e a construção do corpo. Curitiba. Catálogo de Exposição.


Disponível em: <http://www. museuparanaense.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2oo>.
Acesso em: 2 maio 2016.

NUNES, F. V. Waldemar Cordeiro: da arte concreta ao "popcreto". Dissertação (Mestrado e m História) -


Universidade Estadual de Campinas, Campin as, 2004.

O LIVRO DA ARTE. São Paul o: M. Fontes, 1999.

O LI VA, F. O eterno retorno do g raffiti. Revista Bravo!, São Paulo, ano 9, n. 103, p. 46-55, mar. 2006.

OSORIO, L. C. A pintura brasileira nos anos 1950: a conq uista moderna. j an. 2007. Disponível em: <http://
www.raulmendessil va.co m.br/ pintura/ pago1o.shtml>. Acesso em: 2 maio 2016.

_ _. Azulejões: Ad riana Va rejão volta com fo rça ao Rio. O Globo, Rio de Janeiro, 2006. Disponível em:
<http://www.adrianavarej ao.net/sites/default/files/cam ilo_dialogo_enviesado.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2016.

221
PAÇO DAS ARTES. A casa . Disponíve l em: <http://www.pacodasar tes.org.br/storage/ KATIA%20MACIEL.pdf>.
Acesso em: 8 maio 2016.

PE VSNER, N. Academias de arte: passado e presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

PINACOTECA DE SÃO PAULO. Arte no Brasil: uma história na Pinacoteca de São Paul o. São Paulo, 2016.
Catá logo.

POVOS INDÍGENAS NO BRASIL. Kadiwéu . Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/


kadiweu/266>. Acesso em: 8 maio 2016.

PROJETO LYGIA PAPE. Divisor, de Lygia Pape, marca abertura da 29ª Bienal de São Paulo.
25 set. 2011. Disponível em: <http:// lygiapape.org.br/ news/divisor-de-lygia-pape-marca-abertura -da-
29%C2%AA- bienal -de-sao- paulo/>. Acesso em: 8 maio 2016.

RIBEIRO, M. 1. B. Tarsila do Amaral. 2013. (Coleção Folha Grandes Pintores Brasileiros, v. 3).

VAREJÃO, A. Chambre d'échos/ Câmara de Ecos. Entrevista com Hélene Kelmachter, 2004. ln: _ _. Chambre
d'échos/Câmara de Ecos. Fondation Car t ier pour l'art contemporain , Actes Sud, 2005. Disponível em:
<http://www.adrianava rejao.net/sites/default/files/kelmachter_entrevista.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2016.

VIEIRA, A. Obras escolhidas. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1954.

_ _. Sermão de Santo Antonio. Disponível em: <http://www.biblio.eom.br/defaultz.asp?link=http://www.


biblio.com.br/conteudo/ padreantoniovieira/stoantonio.htm>. Acesso em: 8 maio 2016.

VITÓRIA do Aleijadinho. Revista Isto É, Comportamento, n. 1599, 24 maio 2000. Disponível em: <http://www.
istoe.com.br/reportagens/ 37602_ VITORIA+DO+ALEIJADINHO>. Acesso em: 18 nov. 2016.

VOLPI. São Paulo: Círculo do Livro, 1991. (Coleção Grandes Artistas Brasileiro s).

ZANINI, W. História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walte r Moreira Salles; Fundação Djalma
Guimarães, 1983. v. 1.

ZEZÃO ARTS. Disponível em: <http://www.zezaoar ts.eom.br/zezao.php>. Ace sso em: 8 maio 2016.

222
Bibliografia comentada
AMARAL, A. Arte e meio artístico: entre a feijoada e o X-burguer. São Paulo: Nobel, 1983.

Arte e meio artístico: entre a feijoada e o X-burguer é o cu rioso título do livro da respeitada pesquisadora
e crítica de arte brasileira Aracy Ama ral. Trata-se de uma obra pub licada na década de 1980, que se
ca racteriza por ser uma compilação de pequenos textos críticos escritos por Amaral entre os anos 1961
e 1981. Expondo resultados de análises brilh antes sobre arte brasileira em seus muitos aspectos, o livro
é um ra ro exemp lar de uma modalidade de crít ica re sponsável e, às vezes, ácida, raríssima na atua lidade.

BASBAUM, R. (Org.). Arte contemporânea brasileira : texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio de
Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.

Nessa ob ra de destaque sobre a arte contemporânea brasileira, o orga nizador compila uma porção de
artigos escritos por especialistas em cada assunto que lhes coube. Cada capítulo abra nge a obra de um
im portante art ista brasil eiro atuante após a década de 1950, ent re eles Lygia Cla rk e Artur Barrio, citados
neste livro, e outros mais, como Mira Schendel, Nuno Ramos, Daniel Se nise. Trata-se de uma obra de
referência a quem pretende mergulha r no estudo da arte contemporânea no Brasil.

DEZENOVEVINTE: arte no Brasil do sécu lo XIX e início do XX. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/>.
Acesso em: 23 nov. 2016.

O mais comp leto espaço virt ual de materia l para pesquisa a respeito da arte brasileira dos sécu los XIX
e XX. Comporta uma imensa va riedade de artigos escritos por sérios pesquisadores da arte do período,
sobre os mais dife rentes assuntos. Além de conter importante bibliografia de textos crít icos, que trata m
desde aspectos isolados até aspectos mais gerais, é possível, ain da, encontra r uma porção de documen-
tos t ranscritos ou digitalizados em estado bruto, disponíveis pa ra serem t raba lhados por pesquisadores
de qua lquer parte do mundo.

223
Respostas

Capítulo 1 Capítulo 4
1. d 1. e
2. d 2. V, V, V, F.
3. V, V, F, V. 3. a
4. F, F, F, V. 4. b
5. b 5. a, b, e

Capítulo 2 Capítulos
1. a 1. V, V, V, V.
2. V, F, V, F. 2. a
3. b 3. V, V, V, V.
4. d 4. a, b, e
5. e 5. V, V, F, V.

Capítulo 3 Capítulo 6
1. e 1. V, V, V, V.
2. a 2. V, V, V, V.
3. b 3. d
4. V, V, V, F. 4. V, V, V, F.
5. F, V, V, V. 5. B, A, D, C.

225
Sobre a autora
Katiucya Perigo é professora adjunta de História da Arte da Escola de Música e Belas Artes da
Universidade Estadual do Paraná ( Embap/Unespar) . Tem graduação em Educação Artística (1999) e
mestrado em História (2003), no qual compôs a biografia de um artista plástico paranaense. Ambos
foram cursados na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde também realizou o doutorado em
História (2008). Na tese, estudou a constituição do meio artístico moderno, enfocando o campo das
artes visuais. Émembro associado da Anpap (Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas)
no Comitê de História, Teoria e Crítica de Arte.

227

Você também pode gostar