Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Imperatriz
2020
1
Imperatriz
2020
2
APROVADA EM / /
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Prof. Tanira Alves Novaes de Oliveira
(titulação)
_________________________________________________________
Membro da banca
(titulação)
_________________________________________________________
Membro da banca
(titulação)
3
RESUMO
ABSTRACT
The present work deals with institutional racism, which is a reality of Brazilian society
in the criminal sphere. It outlines the historical context of racism and the constitution of
prisons and how it is implicitly manifested by the ideology of meritocracy, which through
democratic formality masks the disparities between classes, since what the positivated
laws and principles determine - ideals of equality and justice for all without distinction
- this is not the case in reality. It is observed how the social structure is dynamized,
showing how the educational deficiency for a large part of the population generates
serious consequences, in order to naturalize the country's inequalities and justifying
the privileges of some in return for the subordination of others, where the public policy
of The country's security, which is more reprehensible, has preferential targets, which
results in a massive incarceration of the black population, which has suffered from the
state's helplessness since the times of slavery.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 6
2 RACISMO ...................................................................................................... 8
2.1 Contexto histórico do racismo no Brasil ................................................ 8
2.2 Racismo Institucional ............................................................................... 12
3 SISTEMA PENAL .......................................................................................... 15
3.1 Como ocorre a seletividade dentro do sistema penal através da
manifestação do racismo ............................................................................... 17
3.2 Sistema penal brasileiro ........................................................................... 21
4 RACISMO INSTITUCIONAL E A MERITOCRACIA ....................................... 24
4.1 Como o racismo institucional atrelado à meritocracia influencia no
cárcere .............................................................................................................. 25
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 29
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 31
6
1 INTRODUÇÃO
2 RACISMO
O país possui 520 anos de história e, nesse lapso temporal, 388 anos foram
com escravidão, isto é, mais tempo de história com trabalho escravo do que com o
trabalho livre. Portugal conquistou a África nos séculos XV e XVI, buscando ouro,
especiarias e mão de obra. Quando o açúcar foi introduzido no Brasil, os portugueses
venderam os negros para a América portuguesa, principalmente para a região
nordeste, onde se situavam os engenhos de açúcar.
O que muitos não lembram é que os primeiros escravos nas terras brasileiras
foram os indígenas, que os portugueses denominavam de negros da terra. Eles
trabalharam no início da colonização, na construção dos engenhos e na produção
agrícola, e, por uma série de fatores, o índio foi aos poucos sendo substituído pela
mão de obra escrava africana.
Um dos motivos mais importantes que ocasionou essa substituição é o fato de
que eles não geravam renda para a Coroa, pois eram capturados dentro do Brasil e
já se tornavam escravos. Os africanos, por sua vez, eram capturados em outro
1
Fala do especialista em genética humana pela Universidade de Manitoba (Canadá), Sérgio Danilo
Pena, em 04 de março de 2010.
9
resistiu até 1694, chegando a ter uma população de vinte e cinco mil pessoas. Pode-
se dizer que era um complexo populacional. A estrutura política e religiosa era muito
rígida e existia um líder político e um líder religioso.
Zumbi dos Palmares, uma das principais figuras do movimento negro de
resistência no Brasil, em 1678 assumiu a liderança do Quilombo dos Palmares e
chefiou a comunidade por catorze anos, resistindo a vários ataques dos portugueses,
principalmente dos bandeirantes. Porém, em 1694, o bandeirante chamado Domingos
Jorge Velho atacou a comunidade, muitos negros foram mortos, outros recapturados
e Zumbi acabou tendo que fugir. Um ano depois foi encontrado, morto e decapitado,
ficando a sua cabeça ficou exposta em Recife, com o objetivo de mostrar a todos os
negros que, se resistissem, teriam o mesmo fim que o líder da resistência. Com isso,
teve fim o Quilombo dos Palmares. Somente em 1888, teve fim a escravidão de
pessoas negras no Brasil através da assinatura da Lei Áurea.
O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão. Em
1888, mesmo livres, um milhão e meio de pessoas negras foram colocadas na
sociedade brasileira sem nenhum suporte. E, por conta dessa herança histórica vindo
de centenas de anos de escravidão, é que nasce o que é chamado de racismo.
que são racializados, essas estruturas devem funcionar de maneira afinada. Então o
racismo é estrutural no sentindo de que ele só funciona se houver essas estruturas.
Agora pode-se definir a diferença entre o estrutural e o funcional. Para uma
estrutura social funcionar, é necessário que existam instituições reprodutoras de
comportamentos, que transformem o indivíduo em sujeito que vai naturalizar a
existência de raça, e tornar normal a existência de certos limites jurídicos estatais; ou
seja, a instituição é um resultado da própria estrutura.
Na concepção institucional, o racismo desloca-se da esfera do individual e
passa a transitar no funcionamento das instituições, isto é, quando as instituições
tanto públicas como privadas colocam a pessoa negra em condição de inferioridade.
Racismo Institucional, em suma, é tratar de forma diferente por questões de
raça dentro de organizações, associações, grupos, empresas e instituições. Ou seja,
é colocar de frente negros e brancos, tratando-os de maneira diferente, optando por
um em detrimento do outro, dando e tirando privilégios sem qualquer respaldo legal.
É como o Estado se comporta com uma pessoa negra diante dos direitos.
15
3 SISTEMA PENAL
Santo Ofício, que era uma instituição formada pelos tribunais da Igreja Católica que
perseguiam, julgavam e puniam pessoas acusadas de se desviar de suas normas de
conduta.
Durante a Idade Moderna, o cenário político era caracterizado pelas
monarquias absolutistas. Nesse período, o rei, a figura detentora de poder absoluto,
desconhecia limites, impondo de forma bárbara os mais diversos tipos de punições e
não havia a necessidade de uma justificativa para as crueldades das penitências
imputadas aos indivíduos encarcerados, bem como as condutas puníveis. Questionar
tais atos era o mesmo que pôr à prova a própria soberania do rei.
O conceito de prisão como pena autônoma ainda não era conhecido. Sendo
assim, nessa época, o cárcere ainda tinha como utilidade apenas guardar o
condenado para aplicação da pena final.
No século XVIII, as prisões foram afetadas significativamente pelo iluminismo
e as dificuldades econômicas que acometeram a população. Os suplícios já não
saciavam a sede de justiça. Assim, houve a transformação das penas de castigos
cruéis para privação de liberdade. Tudo isso pelo motivo do aumento da pobreza que
consequentemente aumentou a taxa de crimes patrimoniais e as penas de morte já
não eram mais tão temidas. Surgiram então as penas privativas de liberdade como
nova forma de controle social.
Michel Foucault (1987, p. 70), em "Vigiar e Punir”, descreve um novo conceito
sobre as penas da época. Pode-se muito rapidamente entender a obviedade da prisão
como a pena em si. Desde o final do século XVIII e início do século XIX, a consciência
de sua novidade está intimamente ligada ao próprio desenrolar de uma sociedade que
começava a desenvolver ideais reformadores modificando todos os estratos sociais.
Tal posicionamento de Foucault se relaciona a ideais iluministas. O iluminismo
foi um movimento político, cultural e intelectual que propagava concepções de
liberdade econômica e política, causando grandes revoluções na história.
De acordo com o pensamento de Nilo Batista (2007), hoje o sistema penal é
dividido em três setores, os quais são instituição policial, que é a responsável por
investigar os crimes, instituição judiciária, que tem o papel de aplicar as leis e, por fim,
a instituição penitenciária, em que ocorre a execução das normas, pondo em prática
as medidas de privação da liberdade.
Esses setores são independentes entre si e não obedecem a uma ordem
cronológica. No entanto, podem a qualquer momento interferir um na esfera do outro,
17
tem-se em torno de 72% de reincidência. Isso significa que sete em cada dez pessoas
que foram presas e libertas voltam a cometer crimes. Portanto, aquilo que é função
da cadeia não está sendo cumprido.
O funcionamento interno das prisões não segue exatamente o que está
positivado no Código Penal ou na Constituição Federal; direitos básicos que são
constitucionalmente garantidos não são obedecidos. Os casos de corrupção interna
por parte da má administração acabam colaborando com as facções organizadas
dentro dos presídios e a realidade assustadora é: quem “comanda” os
estabelecimentos prisionais são as próprias facções que chefiam as mais diversas
operações criminosas diretamente de dentro da cadeia. Todos esses fatos
consequentemente levantam o questionamento: pode a superlotação ser um ponto
lucrativo e colaborar com as facções? Ao que tudo indica, a resposta é sim, porém
este não é foco do presente trabalho, portanto, não se desenvolverá aqui tal questão.
Outro grande problema do Judiciário brasileiro é a sua morosidade nos
julgamentos. Essa lentidão traz péssimos resultados e é demonstrada de forma
gravíssima: grande parte das pessoas que estão presas no Brasil ainda não sofreram
nenhuma condenação; sendo assim, são presos provisórios, gerando uma massa
gigantesca de pessoas. Cerca de 40% dos casos do Brasil aguardam julgamento,
portanto, não foram penalizados ainda. Verifica-se que se prende muito por crimes
não violentos: segundo o INFOPEN, em 2019, 31% dos presos estavam encarcerados
por tráfico ou furto.
A saúde precária dentro dos presídios é um dado também preocupante. Tal fato
é denunciado pelo médico e professor Drauzio Varella, em sua obra, Estação
Carandiru, que aponta como certas questões de saúde pública, principalmente como
algumas doenças que praticamente são controladas na sociedade civil brasileira,
dentro dos presídios são assustadoramente fortes, como por exemplo a sífilis. A
morosidade dos julgamentos contribui para o crescimento do volume de pessoas
dentro dos presídios e colabora para proliferação de doenças e contaminação em
massa. Outro exemplo explícito é a tuberculose, doença que tem cura, é controlada
na sociedade brasileira, mas que nos presídios ainda assusta muito.
Por fim, todos esses problemas são potencializados pelo fato de que é cultural
que a punição para qualquer tipo de infração seja a privação de liberdade, não
importando o grau da conduta. As penas alternativas muito raramente são usadas. O
23
quão injusto é colocar em uma mesma cela um indivíduo que cometeu uma simples
infração junto com outro que cometeu um crime grave como o de homicídio?
O Brasil possui uma das maiores taxas de encarceramento do mundo e a
maioria dos apenados é negra. É possível observar como a questão racial estrutura
as relações sociais brasileiras e afeta a construção de políticas de aprisionamento,
gerando um quadro assustador de violência contra a população negra.
2
Fala de Sidney Chalhoub, historiador da Unicamp e de Harvard, em entrevista ao Jornal da Unicamp,
em 07 de junho de 2017
26
principalmente para a população negra, o que facilmente pode ser exemplificado pela
comparação das condições de vida dos cidadãos negros e dos cidadãos brancos, o
que, por consequência, acaba abrangendo o mercado de trabalho.
Devido a toda essa cadeia estrutural, “naturalmente” vemos
predominantemente as pessoas negras em condições de subalternidade, ou seja,
representando as classes mais desfavorecidas e destituídas de condições suficientes
para se ter uma vida digna na sociedade. Assim, o perfil dominante dos estudantes
das universidades e dos cargos mais almejados no setor público, e também em todos
os sistemas de ensino, ratifica a imagem que o coletivo tem de que a competência e
o mérito são inerentes à branquitude. Nesse sentindo, Hasenbalg (2005) sinaliza o
fato de que a discriminação e o preconceito são mecanismos que mantêm
preservados os privilégios, obtenção de bens materiais e elevado status social que os
brancos adquirem por meio da exclusão de competição dos não brancos.
Dessa forma, além de serem postos à margem da sociedade, não só por
ausência de oportunidades, resultado da falta de qualificação gerada pela carência
educacional, que é consequência da não materialização dos seus direitos, a
população negra também é criminalizada. A estrutura toda funciona de forma a
normalizar as injustiças e desigualdades, transformando-as em situações “justas”.
Assim, “raça e racismo se diluem no exercício da razão pública, onde deve imperar a
igualdade de todos perante a lei” (ALMEIDA, 2018, p. 63).
A criminalização das pessoas de pele negra, na contemporaneidade, é velada
pelo manto da guerra às drogas. Essa política social de segurança pública surgiu nos
anos 60, liderada pelo então presidente do Estados Unidos, Richard Nixon, a qual se
referia a um conjunto de políticas de proibição de drogas por meio do policiamento,
separando os países entre produtores e consumidores, direcionando a
responsabilidade da produção para a América Latina e outros países de regiões
periféricas, e assim estava criada a divisão internacional das drogas, passando a
prevalecer no imaginário social que os afro-americanos e os imigrantes mexicanos,
entre outros grupos, consumiam muitos mais drogas do que as pessoas brancas.
Os argumentos que escutamos hoje para acabar com as drogas são de que
precisamos proteger os adolescentes e prevenir a dependência geral.
Presumimos que essas deveriam ser as razões para o conflito ter começado,
mas não. Eram apenas motivos secundários. A razão principal para banir as
drogas – a obsessão dos homens que lançaram essa guerra – era que essas
substâncias estavam sendo usadas por negros, mexicanos e chineses,
27
fazendo-os esquecer qual era seu lugar; ameaçando assim, a posição dos
brancos (HARI, 2018, p. 42).
No Brasil, a primeira lei antimaconha foi criada em 1890, dois anos após a
abolição da escravatura. Essa mesma lei que proibia a canabis também proibia a
capoeira e cultos de religiões de matrizes africanas, ou seja, era uma lei racial, porque
tudo que era ligado aos escravos era mal visto, a maconha sendo uma delas, pois
chegou ao Brasil trazida pelos africanos e era chamada de fumo de Angola.
Em 2006, foi criada a Lei nº 11.343/2006 (Lei das Drogas) (BRASIL, 2006), que
em síntese dá ao Estado o poder de decidir se a quantidade de droga é para o uso
próprio ou para o tráfico, uma vez que não ficou claramente definida pela redação do
dispositivo a quantidade de droga que irá classificar em usuário ou traficante. É nesse
momento que o racismo se destaca, quando o jovem branco do bairro nobre sempre
será usuário, enquanto o jovem negro da periferia sempre será traficante.
A proibição aumentou a guerra pelas drogas, o que faz aumentar ano a ano o
número de assassinatos registrados no Brasil. Aparentemente alguns policiais
acreditam ter o poder de executar qualquer pessoa que seja suspeita de vender
drogas, situações em que os suspeitos são em sua maioria homens, pobres,
periféricos e negros. O Estado, com sua política antidrogas, é tão problemático que
esse tipo de assassinato mata mais que as próprias drogas. De acordo com a ONU,
o índice de mortes por overdose no Brasil é de cerca de 1,2 para cada um 1 milhão
de habitantes, enquanto a secretaria de segurança pública do Rio de Janeiro registra
que 59,4% das mortes cometidas por policiais são por suspeitas de tráfico.
Existe uma abordagem repressiva e sensacionalista na questão das drogas,
fortalecendo a visão de que esse é um problema de segurança e não de saúde
pública, o que garante uma política de exclusão, combate, genocídio e
encarceramento em massa da população negra e pobre do Brasil. Isso faz com que o
Estado fuja da responsabilidade de dar suporte para que toda a população sem
28
exclusão tenha condições para uma vida digna, uma vez que a noção de cumprimento
dos deveres, obrigações e princípios iguais para todos, positivados na Carta Magna,
mantém os negros numa posição inferior, a partir do momento em que eles não
atingem um elevado status social e econômico. A justificativa é a falta de vontade e a
incapacidade, já que teoricamente todos recebem o mesmo tratamento e possuem as
mesmas condições e “não existem outros fatores” influenciando na dinâmica social de
cada indivíduo.
Um dos grandes óbices, experienciados em sociedades capitalistas,
transpassadas por antagonismos e conflitos de classes, sexuais e de raça,
compatibilizando as desigualdades com critérios culturais que têm como base
ideologias absolutas e cosmopolitas e, assim sendo, neutras e impessoais, fundadas
em uma igualdade formal, é constatado que “em um país desigual como o Brasil, a
meritocracia avaliza a desigualdade, a miséria e a violência, pois dificulta a tomada de
posições políticas efetivas contra a discriminação racial, especialmente por parte do
poder estatal” (ALMEIDA, 2018, p. 59).
29
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luís de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG):
Letramento, 2018.
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2007.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 16.ed. São Paulo: Saraiva,
2012.
DORNELLES, João Ricardo W. O que é Crime. 2. ed. São Paulo: Editora Brasileira,
1992.
MBEMBE, Achille. A crítica da Razão Negra. Tradução de Marta Lança. 3.ed. Lisboa:
Antígona, 2014.
MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
VIEIRA, A. Sermões. Tomo XI. Porto: Lello & Irmão, 1951 (adaptado).