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Capítulo 2

Discussáo elementar sobre


métodos estatísticos
2.1 Objetivos
Os objetivos deste capítulo incluem discutir algumas propriedades ele
mentares sobre probabilidade, assim comoconsiderar algumas propriedades
eoperações de valores médios para variáveis discretas e contínuas e também
apresentar a hipótese ergódica.

2.2 Alguns conceitos de estatística elemen


tar

não viciado de seis faces


vOIsidere a situação em que se tem um dado
ese probabilidade de obter a face 2em um deter-
deseja descobrir qual é a
que têm igualmente a
ninado lançamento. Uma vez que existem seis faces
probabilidade de se observar olado 2
probabi1/6.lidade de serem observadas, a
OespaçO amostral para
o lançamento de um
dado é o
Portanto, serem observados, que
Conjunto de seis eventos com probabilidade igual de
são,
{1},(2} {3}, {4}. {5}.{6}.
Estatística
Fundamentos da Física
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segunda situação, suponha agora que se deseja obter,,a


Como uma
dois dados distintos eidénticos, ou também do parir
dolançamento de
sucessivo de um mesmo

face 2. Sabemos que, do


dado duas vezes,
duas faces
iguais, por
primeiro lançamento, a probabilidade de
indica oprimeiro
se
laenXçeamnpeobse.lno,ta,
1/6, onde oíndice I
var aface 2 é or2=
identifica a face mostrada. Tal
probabilidade se deve ao fato
Entretanto,
delançameexnisttoiteme2
seis possilbilidades igualmente prováveis. para cada
uma das
possíveis faces mostradas do primeiro lançamento, existem
ainda seis dife.
segundo
rentes possibilidades para serem observadas no lançamento. dDesie
queos eventos sejam completamente independentes, a probabilidade
servar duas faces 2 em dois lançamentos de um mesmo dado é dada.

1 1 1

P2,26 36 (21)

A Figura 2.1 ilustra o espaço amostral dos lançamentos dos dados em


sequência.

1 (1.(2}.(3}.(4}.(5).(6}
’ (},{2}.(3}.[4).(5}.(6}
3 {1}.(2}.(3}),(4}.(5),(6}
4 ’ {1}.{2),(3}.(4}.[5}.{6}
5 + .(2}.(3),(4}).(5).(6}
6 {1},(2),(3},(4),[5),(6}

Figura 2.1 - Ilustração do espaço amostral para o lançamento de dois dados,


não viciados, de seis faces.

Podemos ver então que, como os eventos são


lidade émultiplicativa. independentes,
DiscussÂo clementar sobrc mtodos
estatísticos 59

2.3 Discussao sobre valores médios: aplica


cões emn variáveis discretas

Vamos considerar, nesta seção, aobtenção de algumas propriedades mé-


diasparauma variável aleatória discreta. Considere que temos uma variável

aleatória C, que pode ser tanto inteira quanto real, e que pode assumir M
possiveis valores discretos. Cada valor da variável é sorteado com uma
determinada probabilidade p(æ). Desse modo, se tivermos um conjunto de
rariáveis do tipo T1, T2, T3 e assim sucessivamente, podemos dizer que cada
variável C; Com i= 1,2,3,... está associada à probabilidade (ø(), o)
Entretanto, pela condição de normalização da
pl3) e assim por diante. M
o
nrobabilidade, temoS que i l p(;) = 1. Podemos então determinar
alor médioda variável t que érepresentado por

p(zi)1 + p()a2 +p(r)3+...p(a,)a, (2.2)


p(a1) + p(2) + p(,) + ...p(n)
=

uma notação mais compacta como


eque pode ainda ser escrito em

=
(2.3)
i=1

uma função da variável


Eventualmente pode ser necessário a obtenção de
seja, f(¢). Desse modoo valor médio da função é dado por
* Ou

Tiz)= P()f() (2.4)


T(o)

sejam obtidas e discutidas.


Essa relaço permite que algumas propriedades
Estatística
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2.3.1 Média da soma


obtido seja f() + 9(), onde
Consideraremos que o objeto a ser
Assim temos que
såo funções bem comportadas.
M

f(z) + glz) =
j(e) ol)¯(z) +g(z)],
i=l
M M

=
Splz)f(a:) +p()g(a),
i=1 i=1 (2.5)
0 que n0s leva a obter que

f(z) +g(r) =f(r) + gz). (2.6)


Portanto podemos concluir que ovalor médio da soma de duas funcoes
aleatórias éa soma dos valores médios das respectivas funções.

2.3.2 Valor mnédio do produto de


uma constante por
uma função aleatória
Admita agora que desejamos obter o valor médio de
ma constante. Assim temos que Cf(¢) onde Cé
M

Cf(r) =
i=l plr:)lCf(r),
M

0 que nos leva a concluir


Cpl:)f(z:),
2=1
(2.7)
que

Cf(p) =Ci(r). (2.8)


Portanto 0 valor médio do
ção aleatória é a produto de uma constante real por umna fun-
aleatória. constante real multiplicada pelo valor médio da função
Discussão elenentar sobre métodos
estatísticos 61

2.3.3 Desvio da média


valor médio 7 refere-se ao valor
Ove central da distribuiço de valores para
Ij, Logo, o primeiro momento da média, ou também chamado de desvio da
média,é dado por
Ac= -T. (2.9)
Odesvio da m média admite a propriedade de que o valor médio do desvio da
média se anula, Assim, temos que

= ( - T),
M M

i=1
ol)a,-7)pl), i=1
(2.10)

que fornece a seguinte relação

Az=T-I= 0. (2.11)

da médiaé nulo.
Issoimplica que o valor médio do desvio

2.3.4 Dispers o de z
amplitude dos dados aleató
Finalmente, torna-se necessário estimar a
Dessa forma a obtencão da disperso de z, ou também chamado de
TiOs.
pode ser de grande utilidade.
segundomomento de z em torno da média,
Essa dispersão édefinida como
M

(Ar)? = pl)(i; )'>0,


i=1
M

i=1
M
M M

= )
o(r)a?-27)pz;)a, + /=l ).
i=1 i=l (2.12)
Estatística,
Fundamentos da Física
62

fornece
oque nOs
(Ar)? =z? -7>0.
g2 > .
(2.13)
Assim, éfácil notar então que

2.3.5 Transformação linear

transformar uma variável


Algumas vezes faz-se necessário
em outra variável aleatória y por meio de uma transformação linear do ti
aleatória
t

y= 00+b onde aeb são constantes. Sendo assim, o valor médio da


yédado por
variável
M

olz:)(az, +b),
i=1
M M
=

a)plr)a, +b)i=1 (),


i=1
(2.14)
Oque nos permite concluir que

y= aT +b. (2.15)

2.4 Discussão sobre valores médios: aplica


Ções em variáveis contínuas
Eventualmente
tória
podemos nos deparar com uma função Ou variável alea
que assume valores
soma de contínuos. Dessa forma, em vez de efetuar uma
variáveis discretas devemos integral sobre todos
OS
possíveis valores da variável considerar uma
aleatória. Da condição de normalização da
probabilidade, temos que
olz)dr = 1. (2.16)
Discusso elementar sobre
métodos estatísticos 63
Podemosentäo obter o valor médio de c COmo

T= zpla)d..
(2.17)
De forma
semelhante, o valor quadrático médioéda por

a'pl)de.
(2.18)
Dadomos também defin1r o valor medlo de unm função f(z) como

Ta)= s2)o(2)da. (2.19)


2.4.1 Variáveis aleatórias independentes
Quando temos o caso de duas variáveis
a nrobabilidade de se
aleatórias T e y independentes.
encontrar a variàvel a entre T e + dæ e y entre ue
y+ dy édada por

P(reatde) e (y e ytdy) = a()dr +o,(y)dy. (2.20)


Dessa forma, o valor médio do produto cy é
dado por

ap(r)da yply)dy,
vo(y)dy, (2.21)

Oque nos leva a


obter
(2.22)

Podemos concluir que, pelo fato de serem variáveis independentes, então 0


valor médio do produto das variáveis TY éoproduto do valor médio das
variáveis Te.
64 Fundamentos da Física Estatística

2.4.2 Funções aleatórias independentes


produto de
Vamos agora considerar ocaso do valor médio do duas fun-
ções aleatórias independentes. Assim temos que

f(r)glu) = f(r)ø(r)dr g(u)p(y)dy,

| f()o(z)ds glu)p(u)dy.
(2.23)
0 que nos leva a obter

f(o)gy) = F(a)gy). (2:24)


Podemos então concluir queo valor médio do produto de duas funções obti
das por meio de variáveis aleatórias
independentes éo produto dos valores
médios de cada função aleatória obtido
separadamente.

2.5 Teorema de Liouville


Discutiremos, nesta seção, as implicações do teorema de Liouville na
hipótese ergódica. Considere um sistema clássico descrito por
um hamilto
niano em que a dinâmica édada pelas
equações de Hamilton da seguinte
forma

OH dq
dt =9, (2.25)
dp
dt =-i. (2.26)
Joseph Liouville (1809-1882) foi um
matemático francês que trabalhou em pra
camente todas as áreas da matemática.
Entretanto, ficou
Liouville, também por ter demonstrado a. existência de conhecido pelo teoreute
demonstrar que algumas funções não admitem uma númerOs transcendentas
primitiva.
2William Rowan Hamilton (1805-1865) foi um físico, matemático eastrônomo irlaandês
que desenvolveu trabalhos em
ótica, álgebra e dinâmica.
Discussão elementar sobre métodos
estatísticos 65
Eimportante,salientar que em decorrência do teorema de unicidade de solu-
ve7 dadas as condiçoes iniciais, as soluçöes do sistema, embora
possam ser complicadas, não devem se cruzar no espaço de fases. Assim
associar uma densidade a um conjunto de
podemos pontOS no espaço de
forma
fases da seguinte
p=pla,p,t). (2.27)
Dortanto., o número de pontos no espaço de fases entre pep+dpegeg+da

édado por S2= pla,p, t)dqdp.


De forma natural, podemos determinar uma equação de evolução tem

poral para p, ou seja,


dp +
dt
dp ôp
(2.28)
dt

Utilizando as expressões dadas pelas equaçöes de Hamilton, temos que

dp ôp oH ôp
Ot
(2.29)
dt ôp ôg
Mas do teorema que garante unicidade de soluções, temos que as traje
tórias não podem se cruzar no espaço de fases. Isso implica também que não
podemos ter criação e/ou destruição de pontos no espaço de fases. Desse
modo, utilizando a equação da continuidade temos

S
pV da = - pdV, (2.30)
"Muitas vezes, as solucões do sistema podem ser representadas emn termos de suas
Orbitas, as quais podem ser, inclusive, órbitas caóticas.
Geralmente, o termocaos estáassociado a uma conseguência da evolução dinamica de
sstema, geralmente descrito porequações não lineares,em que ocorre um atastamento
Aponencial de duas órbitas que iniciaram suas dinâmicas suficientemente próximas uma
da outra.
equação da continuidade diz que as linhas de fluxO que avançam para dentro de
una superfície fechada, devem sair dela emn
mesmo número.
66 Fundamentos da Física Estatística

onde usamos que V= (o.p). Utilizando o teorema de Gauss", temos que


f pV ds
lim - (pV). (2.31)
AV’0,Js AV
Desse modo, da Equação (2.30) temos que

(2.32)
ou ainda que
-+ (p +ppp) = (2.33)
onde q e prepresentam os vetores unitários ao longo dos eixOS q e p respec
tivamente. Desenvolvendo oproduto escalar da Equação (2.33)eaplicando
as derivadas conforme regra da cadeia, temos que
ôp
(2.34)
Reagrupando a equação acima usando as equações de Hamilton, temos que

op OH ôp oH
ôg ôp (2.35)
E possível mostrar que o segundo termodo ladoesquerdo da Equação (2.35)
se anula. Desse modo, comparando a Equação (2.35) com a Equação (2.28)
temos que
dp
dt
= 0, (2.36)
logo podemos concluir que pé uma constante.

2.5.1 Hipótese ergódica


Oteorema de ergodicidade foi proposto por Boltzmann e basicamente
diz que, em um sistema ergódico, uma órbita qualquer irápassar suficien
Johann Carl Friedrich Gauss (1777-1855) foi um fisico, matemático eastronomo
alemão que contribuiu enormemente em diversos ramnos da ciência incluindo análise a
temática, geometria diferencial, teoria dos números, eletrostática, astronomia e ótica.
referi-
7Existe uma diferença sutil entre órbita e trajetória. Geralmente, quando nos
longo
mos auma órbita, estamos aludindo ao conjunto de pontos que são evoluídos ao
Discussão elementar sobre métodos estatísticos 67

temente próxima de qualquer ponto no espaço de fases ern um tempo sufici


entemente longo. Portantouma média no tempocorresponde a uma média
noesDaco de fases. Deve-se excluir desse teorema um conjunto de órbitas
Oue tem medida nula no espaço de fases. Tais órbitas podem ter compor
tamentos periódicos e portanto nãO satistazem àcondição de ergodicidade.
Excluindo-se esse conjunt0, pode-se concluir que, em um sistema ergódico,
a média temporal coincide com a média obtida a partir de um conjunto de
condições iniciais distintas.
Considerando a discussão do teorema de Liouville, do teorema da er
godicidade e assumindo que a densidade de pontos no espaço de fases é
uma constante, podemos enunciar o postulado fundamental da mecânica
estatística, ou seja: "Em um sistema estatístico fechado que tenha energia
constante, todos os estados acessíveis ao sistema são igualmente prováveis
de serem observados".

2.6 Resumo
Neste capítulo, fizemos uma breve revisão sobre propriedades estatís
ticas elementares. Vimos que, para se obter a probabilidade de eventos
independentes em sequência, essa probabilidade émultiplicativa.
Uma breve revisão e uma discussão de propriedades de valores médios
para variáveis aleatórias discretas e contínuas também foram apresentadas.
Na discussão foi incluído o desvio da média, dispersão, obtenção de uma
nova variável aleatória a partir de uma transformação linear, assim como
funções aleatórias de variáveis independentes.
Também apresentamos uma consequência importante do teorema de Li
ouville que leva a igualdade de probabilidade aos estados de um sistema
termodinâmico fechado com energia constante. A hipótese ergódica tam
bém foi discutida.
do tempo no espaço de fases, ao passo que trajetória estárelacionada com a evolução
temporal da dinâmica no espaço físico.
68 Fundamentos da Física Estatística

2.7 Exercícios propostos


1. Considere uma variável z que possa assumir os seguintes
cretos 0, 1 e 2, com probabilidade p(0) = 1 valores dis-
P(1) = e p(2)
4
respectivamente. Determine:

a) T;
b) r².
2. Considere que a variável aleatória z seja descrita pela seguinte proba.
bilidade p(r)
plz)dr = 1. (2.37)
Obtenha as expressoes para:
a) T;
b) ¢2,

3. Considere a seguinte expressão para a probabilidade de uma variável


aleatória z>0
P() = Ae-i, (2.38)
onde A e l são constantes não negativas.
a) Obtenha a constante de normalização A;
b) Mostre que
zplz)dr =l. (2.39)

4. Considere uma distribuição de variáveis z; com i= 1,2, 3, .. , Ondt


cada valor de z, é obtido com probabilidade kolz). Encontre a expres
são analítica para:

a) oterceiro momento (Az)8;


b) o quarto momento (Ar).
Discussâo elementar sobre métodos estatísticos 69

5. Seja a variável aleatória z contínua edefinida com igual probabilidade,


no intervalo x ¬ [0,7]. Obtenha:
a) T;

2)

c) cos(z);
d) sin(z);

e) cos?(z);
f) sin'(z).
6. Considere que a variável dinâmica X seja dada por um processo re
cursivo, de modo que n ’ nt 1, e obedeça àseguinte relação:
Xn+1 = Xn - 2e sin(tn+1) onde t 0, 2r é uma variável aleatória
e e>0. Obtenha:

a) Uma expressão para o valor médiode Xn41 Considerando uma mé


dia no ensemble de tE 0, 2|;
n+1 Considerando
b) Uma expressão para o valor quadrático médio X2,
uma média no ensemble de tE 0, 2r].
c) Compare o resultado de (a) após se aplicar a raiz quadrada ao
resultado obtido em (b).

7. Repita oprocedimento do Exercício 6,agora considerando que Xn+1 =


X, -(1+)e sin(tn+1) onde t E [0, 2r] e y <1. Discuta o que ocorre
com a variável X no estado estacionário, ou seja, no limite em que
n ’ O0.

8. Considere que a variável aleatória z¬ [0, oo) é sorteada aleatoriamente


com probabilidade
p(r)= Ae-%, (2.40)
70 Fundamentos da Física Estatística

onde c e D säo constantes não negativas e A éa constante do


malização. Utilizando a propricdade de que a soma sobre toda
probabilidades deve ser igual a 1, obtenha a constante de normaliza
çao A.

9. A variável r ¬ (-0, oo) é sorteada ao acaso com probabilidade dad.


por
o(r)= Ae io
(2.41)
onde k, De Asão constantes positivas. Obtenha a constante ded.
normalização da probabilidade.
10. Considere a seguinte distribuição de probabilidade

p(z,t) = PDI,
V4n Dt
4Dt
(2.42)
onde p e D são constantes, t é o tempo e z identifica uma variável
contínua. Mostre que p(, t) obedece à equação da difusão

D (2.43)
ot
Referências Bibliográficas
BLUNDELL, S. J.; BLUNDELL, K. M. Concepts in thermal physics.
Oxford: Oxford University Press, 2006.

LANDAU, D. P.; BINDER, K. A guide to Monte-Carlo simulations


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REIF, F. Fundamentals of statistical and thermal physics. New


York: McGraw-Hill, 1965.

SALINAS, S. R. A. Introdução à física estatística. São Paulo: Edusp,


1997.

SCHWABL, F. Statistical Mechanics. Heidelberg: Springer Verlag,


2006.

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