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E A MENSAGEM
Jean Hypronrru
ns
São os próprios teóricos da informação que abrem seus do-
mínios à investigação estética. Weaver, em apêndice à obra de
Shannon, “The Mathematical Theory of Communicetion”, escre-
ve: “A palavra comunicação será usada aqui num sentido muito
amplo, de modo a incluir todos os procedimentos pelos quais
a mente pode afetar uma outra. Isto, por certo, envolve não
apenas a linguagem escrita e otal, mas também a música, as
artes visuais, o ballet e, afinal, todo comportamento humano.”
Se Bense, agora, do ponto de vista estético, pode considerar a
informação como medida para o grau de ordem, correspondente
a uma distribuição improvável, selecionada, excepcional, original
de elementos, como — no seu estado mais alto — ocorre numa
obra de arte, não será preciso muito esforço de argumentação
pata trazer de imediato à cena o “Lance de Dados” de Mallar-
mé — “essa suprema conjunção com a probabilidade” — como
pedra de toque não apenas de uma nova concepção artística,
mas de uma nova fundação estética por extenso. Max Bense
caminha itresistivelmente em sua teorização para este ponto
de confluência com a idéia mallarmaica (e é por isto mesmo
que a omissão do “Coup de dés” em sua obra constitui uma
surpresa): no 3.º volume da Estética ( Aesthetik und Zivilisation),
dedicado à comunicação estética, o processo estético, como pro-
cesso de signos, passa a ser denominado “constelação”; em sua
“Allgemeine Textheorie” (Awgenblick, 5, out./nov. 58) com-
para ele a passagem da estética clássica para a não-clássica, com
a da física clássica para a não-clássica; na física, “é a passagem
da equação diferencial para a amplitude probabilística”; na es-
tética, “a substituição do conceito de criação pelo de realização,
sendo que a realização deve a sua existência e a sua perceptibi-
lidade à construção de fregiiências e suas posições, à seleção, ao
(se processo que calcula o acaso”; na estética moderna, “não se
irrompe no ser a partir do nada, mas se vai de uma desordem
de alta entropia a uma ordem de alta informação”.
Lançando os dados de sua obra máxima em 1897, no
dealbar do século XX e no cutso da Primeira Revolução Indus-
trial, Mallarmé se recusava a “presumir do futuro”. Não obs-
tante, numa extraordinária prospecção, seu poema-crítico se in-
sere em cheio numa superestrututa ideológica de relações de
que só hoje, mais de sessenta anos depois, começamos a ter uma
consciência mais completa, no mundo da Segunda Revolução In-
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dustrial, a revolução da Cibernética, anunciada por Norbert
Wiener. Nesse poema, condensada em poucas páginas, rarefeita
à mais extrema síntese, está toda uma cosmologia, toda uma cpis-
temologia do homem contemporâneo. Epopéia set e
dialética reduzida ao cidos. Nova “Commedia” — humana,
não divina — onde a razão e o absoluto se enfrentam e se cri-
ticam para se resolverem num lance fulgurante e instantânco,
breve ponto-evento, a obra-constelação, medida do homem, que
não abole, mas incorpora o acaso so seu projeto de existência,
ao seu processo de realização,
Ao “Mallarmé obscuro” — delícia dos caçadores do inefá-
vel — nossa civilização técnica não estará em processo de subs-
tituir um Mallarmé alistado, que, por um lance de dados, há
de ser o seu novo Dante?
HaronDo pt CAMPOS
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Quanto a “Le coup de dés de Stéphane Mallarmé et le
message”, gostaria de assinalar que é um ensaio que, nos últimos
anos, tem chamado a atenção da mais exigente crítica francesa,
para a qual, como era de esperar, o poema de Mallarmé passou
à categoria de verdadeiro marco entre os chamados “textos de
ruptura”. Assim, Jacques Derrida, em seu “La double séance”
(La dissémination, Paris, Seuil, 1972), utiliza a noção avan-
çada por Hyppolite de um “matérialisme de Pidée”, para esta-
belecer o “deslocamento” do pensamento mallarmaico em tela-
ção ao idealismo platônico e mesmo hegeliano. Também Julia
Kristeva, “Sémanalyse et production de sens, quelques problê-
mes de sémiotique littéraire à propos d'un texte de Mallarmé:
Un coup de dês... (In A.J. Gteimas, Essais de sémiotique
poétigue, Paris, Larousse, 1972), recorre ao ensaio de Hyppo-
lite, pata concluir que, no texto de Mallarmé, desenha-se uma
contradição, “historicamente situável e explicável: por um lado,
a prática duma análise rigorosa da lógica do significante; por
outto, o enunciado precioso de uma ideologia metafísica que,
na época, sem embargo, ia na confluência da vanguarda do pen-
samento europeu: o hegelianismo.”
H.C.
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ficação no mínimo de matéria”. Como a Lógica de Hegel, que
Mallarmé certamente não ignotava, essa mensagem teria sido a
revelação do Ser, seu Logos, uma metafísica e uma física do
pensamento. “Tudo no mundo existe para culminar num livro,”
Mallarmé, justificando-se com a prova e a ascese de sua vida,
totalmente consagrada a essa tarefa, poderia dizer: “Iiscrevo,
logo sou”, e acrescentaria que esta existência é ao mesmo tem-
po uma «espersonalização: “Sou agora impessoal e não mais
e Stéphane que você conheceu — mas uma aptidão que tem o
Universo espiritual para se ver e se desenvolver através daquilo
que fuí cu.” (2) Esta mensagem evidencia afinal não ter outro
conteúdo senão sua própria forma, ou seja: o problema da
mensagem, «a própria possibilidade da mensagem; tal mensa-
gem da mensapem seria a Idéia da Idéia.
Imaginemos a Lógica de Hegel transformada na discussão
de si própria, inseparável de sua existência, e se empenhando
todavia em refutar ela própria o acaso e substituílo por uma
necessidade intrínseca: teremos assim uma idéia da tentativa
mallarmeana. Inquanto que em Hegel a Idéia é pressuposta
e a Natuteza não existe senão para lhe permitir aparecer atra-
vés de sum alicnação, em Mallarmé a mensagem é um quase-
“impossível, um milagre que surgiu “do fundo dum naufrágio”
para desaparecer quase inevitavelmente, pois “um lance de da-
dos jamais abolirá o acaso”. A mensagem de Mallarmé é
aquilo que os modernos teóricos da informação opõemà en:
tropia. Num sistema fechado, a entropia sempre cresce, o sif-
tema tende ao acaso puro ou à homogeneidade de distribuição;
pode apenas ocorrer que numa zona singular este crescimento Eo
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da entropia seja por um instante evitado, que a otdem exista
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não se pode libertar de sua transmissão e de sua recepção (que
é como sua ressonância interna) deve conter em si mesma a
forma e a originalidade, donde esta singularidade aparente que
a faz misteriosa à força de inteligibilidade acumulada, e inteli-
gível à força de mistério, de disparidade e heterogeneidade no
cerne da forma; é uma forma que se inventa a si própria e deve
inventar-se marcando-se como forma, acaso que se faz necessi-
dade abolindo-se como acaso.
Mallarmé deixou-nos no Coup de dés um testemunho de
sua meditação. Mas como discernir nesse poema o que é essen-
cial do que é arbitrário? Quando contemplamos sob este ponto
de vista suas 9 páginas, essa disposição de brancos e negros,
essas inclinações que evocam o abatimento da vela na tempes-
tade, a dispersão dos caracteres que sugere a própria tempesta-
de, enfim a acentuação dos traços que, como na otquestta, per-
mite passar de um jogo de instrumentos ou de um tema a
outro, perguntamo-nos com inquietude se se trata da grafia
dum louco ou dum maníaco, a qual teria podido ainda ser qual-
quer outta coisa, ou da informação por excelência, da mensa-
gem, “o único Número que não pode ser um outro”. Mallarmé
não dissera a Valéry, ao lhe ofertar a obra: ““Tudo isto não
vos parece afinal insensato, um ato de demência?”, No entanto,
é bem assim a mensagem, na medida em que ela tenta, em vão
talvez, arrancar-se ao acaso e inscrever-se contra ele, engendran-
do a significação que não é nem um modelo a priori, nem o
“não importa o quê” surgindo.
Valeria a pena prosseguir a comparação entre toda a teoria
matemática da informação e o tema da mensagem em Mallarmé;
seria preciso insistir particularmente sobre as possibilidades de
receber a mensagem ou de reconstituí-la quando submersa, tra-
balho de arqueólogo, de tradutor ou de exegeta. Da mesma
maneira que, segundo o teorema de Fourier, as mensagens
podem-se acumular em uma mesma linha para em seguida de-
compot-se, poder-se-iam imaginar as superposições de sentido no
seio de um mesmo texto. Guatdamos a preciosa recordação
duma conversa sobre esta comparação com um matemático mo-
derno, leitor devotado de Ux coup de dês.
No entanto, há uma diferença importante entre a teoria
da cibernética e a mensagem de que trata Mallarmé. Esta dife-
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rença torna ainda mais improvável a mensagem que seja filoso-
fia ou poesia. No primeiro caso, cogita-se somente de comuni-
car para governar: “a cibernética é o estudo das mensagens efe-
tivas de comando (...) À mensagem é o que modifica efetiva-
mente o comportamento daquele que a recebe” (*). A ciberné-
tica, desde o início, orientou-se, como seu nome indica, por
essa utilização possível da mensagem, comandando uma ação
eficaz cu uma reação. Todas as mensagens dos komeas 35
máquiras, das máquinas aos homens e das máquinas entre si
destinam-se a representar um papel eficaz no qual se conclui
a mensagem. Uma tal ciência não visa ao cancelamento, à re
constituição da ou à sua amplificação por intermédio
do Gu TE SE E sua conservação momentânea, senão do
pontode vista desse comando e a Mallarmé,
a mensagem é sem fim; é o “ulterior O imemorial” que
não leva senão a sí próprio e talvez à sua sobrevivência gratuita.
“Legado na desaparição a um alguém ambíguo.” Ela sur-
ge somente. com o risco permanente de se engolfar: é um pos-
sível impossível, cuja única finalidade é repetir-se numa acepção
bem diferente da reperição material. O Sentido pode emergir
do Ser sem mele retombar de imediato: “Por não haver cantado
a zona onde viver — quando do inverno estéril resplendeu o
tédio.” Então:
“Nada terá tido lugar
senão o lugar
exceto talvez uma constelação.” ;
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“as águas pelo ancião tentando, ou
o ancião contra as águas, uma chance ociosa”.
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uma reminiscência nessa luta derradeira contra o acaso, pontos
negros dos dados que acabam de set lançados.
Em que condições uma mensagem é possível, o que é uma
comunicação em sua materialidade mesma? (Que ela posta tra-
zer consigo sua decifração virtual e sua aptidão a se sobrevl-
ver, eis aí o conteúdo da mensagem em si mesma, da qual Um
Coup de dés constitui somente uma aproximação. (")
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