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ROMANTISMO: 1° geração
Gonçalves Dias: a poesia épica Em 1846, Gonçalves Dias estreou com Primeiros cantos, apresentando
ao leitor, entre outros temas, poemas indianistas. Nessa verdadeira “poesia americana” (nome dado por
Gonçalves Dias a seu núcleo poético indianista), a paisagem, as lendas e as figuras indígenas fundem-se,
criando imagens de singular beleza. Leia um trecho da parte III do poema “Canto do Piaga”, em que o Piaga
(pajé) expõe uma profecia.
III
Pelas ondas do mar sem limites Vem roubar-vos a filha, a mulher!
Basta selva, sem folhas, i vem;
Hartos troncos, robustos, gigantes; Vem trazer-vos crueza, impiedade —
Vossas matas tais monstros contêm. Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Traz embira dos cimos pendente Profanar Manitôs, Maracá.
— Brenha espessa de vário cipó — DIAS, Gonçalves. In: BUENO, Alexei (org.).
Dessas brenhas contêm vossas matas, Gonçalves Dias: poesia e prosa completas. Rio de
Tais e quais, mas com folhas; é só! Janeiro: Nova Aguilar, 1998.

Negro monstro os sustenta por baixo, 1. O poema tem o objetivo de retratar o impacto
Brancas asas abrindo ao tufão, sobre os indígenas da chegada dos portugueses.
Como um bando de cândidas garças, a) Nas três primeiras estrofes, o pajé descreve o que
Que nos ares pairando — lá vão. vê. O que está descrevendo?
b) O que explica a maneira como o pajé entende o
Oh! quem foi das entranhas das águas, que está vendo?
O marinho arcabouço arrancar? c) Qual é o efeito de sentido produzido pela
Nossas terras demanda, fareja... interjeição “Oh!”, que abre a quarta estrofe, e pelas
Esse monstro... — o que vem cá buscar? duas perguntas que a seguem?
Não sabeis o que o monstro procura? 2. Aquilo que vem pelo mar é comparado com um
Não sabeis a que vem, o que quer? monstro. O que justifica essa comparação?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
3. Esse poema de Gonçalves Dias usa métrica fixa.
a) Qual é essa métrica?
b) Leia os versos em voz alta, prestando atenção à distribuição das sílabas tônicas (fortes) e átonas (fracas).
Qual padrão você observa?
c) Qual efeito esse padrão promove no texto?
O tema indígena ganha, com Gonçalves Dias, uma nova perspectiva: é o nativo que observa o branco, e
não o contrário. Essa visão acaba por destacar, de um lado, os aspectos trágicos que envolveram a chegada do
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europeu ao continente americano e, de outro, as particularidades culturais e a nobreza dos nativos, valorizando-
os.
ROMANTISMO: 2° geração
Segunda geração: os ultrarromânticos
Uma das faces do Romantismo, como já vimos, foi o “mal do século”. Tendo o poeta inglês Lord Byron (1788-
1824) como seu expoente, essa vertente literária, também chamada de byronismo, caracterizou a segunda fase
do movimento romântico no Brasil, após a década de 1840. Foi cultivada pelos poetas Junqueira
Freire,Casimiro de Abreu e Fagundes Varela e teve como principal representante Álvares de Azevedo.

Álvares de Azevedo: o caráter romântico


O paulista Álvares de Azevedo (1831-1852) morreu precocemente em consequência da tuberculose, e suas
obras foram publicadas postumamente. Seguidor dos modismos românticos, seus poemas mostram o ideal de
pureza do amor, com a recusa da realização física. O alvo do sentimento é a donzela divinizada, que parece
nascida do sonho, e não da realidade.
Leia um dos poemas mais conhecidos da primeira parte da Lira dos vinte anos, a principal obra desse poeta.

Quando à noite no leito perfumado E sinto que o porvir não vale um beijo
Lânguida fronte no sonhar reclinas, E o céu um teu suspiro de ventura!
No vapor da ilusão por que te orvalha
Pranto de amor as pálpebras divinas? Um beijo divinal que acende as veias,
Que de encantos os olhos ilumina,
E, quando eu te contemplo adormecida Colhido a medo, como flor da noite,
Solto o cabelo no suave leito, Do teu lábio na rosa purpurina...
Por que um suspiro tépido ressona
E desmaia suavíssimo em teu peito? E um volver de teus olhos transparentes,
Um olhar dessa pálpebra sombria
Virgem do meu amor, o beijo a furto Talvez pudessem reviver-me n’alma
Que pouso em tua face adormecida As santas ilusões de que eu vivia!
Não te lembra no peito os meus amores
E a febre do sonhar de minha vida? AZEVEDO, Álvares de. In: BUENO, Alexei (org.).
Álvares de Azevedo: obra completa. Rio de Janeiro:
Dorme, ó anjo de amor! no teu silêncio Nova Aguilar, 2000.
O meu peito se afoga de ternura...
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1. O amor romântico busca a pureza como forma de enobrecimento, mas, muitas vezes, um certo erotismo está
presente.
a) Releia as estrofes 1 e 2. O que dá à situação mostrada uma atmosfera irreal, fantasiosa?
b) Quais expressões usadas para identificar a amada, nas estrofes 3 e 4, sugerem sua idealização?
c) Na quarta estrofe, como se revela a opção do eu lírico por manter a relação em um plano ideal?
d) Como o erotismo é sugerido nessas quatro primeiras estrofes?
2. Nos poemas ultrarromânticos, o amor dá sentido à existência. Como essa ideia é mostrada no verso 15?
3. Releia o poema prestando atenção, especialmente, à terceira e à sexta estrofes. O que elas sugerem sobre a
relação entre o eu lírico e a moça? Justifique sua resposta.

Além dessa representação de um amor idealizado e melancólico, a poesia ultrarromântica também explorou a
ideia de natureza como refúgio, o desejo de morte, a idealização da infância, a espiritualização, entre outros
temas que revelam um sujeito inadaptado e isolado.

Terceira geração: a poesia social


Em um contexto tão complexo como o dos anos 1800, em que a campanha abolicionista corria nos meios
intelectuais, associações e jornais, e grupos radicais auxiliavam na fuga de escravizados, começava a perder
sentido uma poesia voltada para o “eu” atormentado dos poetas. Eram outros tempos, que exigiam outras
literaturas.
Os poetas da terceira geração romântica — Castro Alves (que estudaremos a seguir),
Tobias Barreto, Luiz Gama, Pedro Luís, Pedro Calasãs, entre outros — filiaram-se a uma corrente denominada
condoreira ou hugoana. A palavra “condoreira” está associada à imagem do condor-dos-andes, pássaro que voa
muito alto e representa a liberdade da América. Já a palavra “hugoana” é referência ao escritor francês Victor
Hugo, autor de obras de cunho social, como o romance Os miseráveis.
Castro Alves: “o poeta dos escravos”
Castro Alves (1847-1871) representou para o negro o papel que Gonçalves Dias teve para o indígena na
primeira geração. O autor baiano compartilhava com os intelectuais de sua época um sentimento humanitário
em relação ao sofrimento dos escravizados. Em seus populares poemas abolicionistas, coloca-se na posição de
orador grandiloquente (enfático), verdadeiro porta-voz de um povo sofredor. Para isso, lança mão de
hipérboles, personificações, antíteses, metáforas, apóstrofes (chamamento do interlocutor, real ou não), entre
outros recursos de linguagem.
Os poemas “O navio negreiro” e “Vozes d’África”, ambos presentes na coletânea Os escravos, são os
mais representativos dessa faceta social de Castro Alves. No primeiro, os tons épico e lírico se misturam para
abordar o desumano transporte dos escravizados para a América. O segundo é um apelo da África, que aparece
personificada, ao Criador para que faça cessar a exploração de seus filhos: Há dois mil anos eu soluço um
grito... / escuta o brado meu lá no infinito, / Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...”
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O texto a seguir é a parte IV do poema “O navio negreiro”. Faça uma leitura silenciosa e depois releia o texto
em voz alta.

Era um sonho dantesco... O tombadilho A multidão faminta cambaleia,


Que das luzernas avermelha o brilho, E chora e dança ali!
Em sangue a se banhar. Um de raiva delira, outro enlouquece...
Tinir de ferros... estalar do açoite... Outro, que de martírios embrutece,
Legiões de homens negros como a noite, Cantando, geme e ri!
Horrendos a dançar...
No entanto o capitão manda a manobra
Negras mulheres, suspendendo às tetas E após, fitando o céu que se desdobra
Magras crianças, cujas bocas pretas Tão puro sobre o mar,
Rega o sangue das mães: Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
Outras, moças... mas nuas, espantadas, “Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
No turbilhão de espectros arrastadas, Fazei-os mais dançar!...”
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da roda fantástica a serpente
E da roda fantástica a serpente Faz doudas espirais!
Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam...
Se o velho arqueja... se no chão resvala, Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
Ouvem-se gritos... o chicote estala. E ri-se Satanás!...
E voam mais e mais... ALVES, Castro. In: GOMES, Eugênio (org.).
Castro Alves: obra completa. Rio de Janeiro:
Presa nos elos de uma só cadeia, Nova Aguilar, 1997.

1. Considerando a leitura do poema em voz alta, qual é sua impressão diante do texto? Leve em conta apenas
sua percepção sonora.
2. O poema que você leu é construído a partir de uma imagem: a do navio negreiro apresentado como uma
“orquestra irônica, estridente”.
a) Explique a metáfora do navio negreiro como uma orquestra.
b) Por que no poema a orquestra é caracterizada como “irônica” e “estridente”?
3. Embora se valha de imagens coletivas, como a da orquestra ou a da “multidão faminta”, o poeta individualiza
alguns grupos ou pessoas. Qual é o objetivo disso?
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A poesia abolicionista de Castro Alves vale-se de imagens fortes e dramáticas para tocar o coração do leitor. É
pela comoção que pretende levá-lo a compreender o absurdo da escravidão.

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