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LP

EM.11.LP.3.31.8.A-1619

Sequência Didática do Aluno


Campo artístico-literário
Leitura e
Interpretação

Ensino Médio Conto fantástico

Ponto de
PARTIDA

1ª parte

Certamente, ao longo da sua vida, dentro ou fora da escola, você se deparou com diversos gêneros literários, como poe-
mas, romances, textos dramáticos e contos. Dentre esses, deve se lembrar dos contos de fada, de aventura, de suspense,
de terror e contos fantásticos. Qual deles é seu preferido?
Você tem o hábito/gosta de ler contos? Quem são os autores desse gênero que você conhece? Em que lugar podemos
encontrar textos assim? Como são essas histórias? O que esse gênero tem de diferente dos outros? Em geral, que tipo de
histórias são narradas nos contos? Comente
Vamos fazer algo diferente! Por alguns minutos, tente se lembrar do último conto que você leu. Feito isso, preencha a
ficha a seguir em relação ao conto e, depois, compartilhe as informações com a turma.
Título:
Autor:

• Sobre o que era a história?

• Qual era o enredo?

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Campo artístico-literário | Conto fantástico 1
• Onde e em que tempo se passava?

• Quem eram os personagens?

• E como era o narrador?

• Como terminava o conto?

Agora defina com suas palavras


• O que é um conto?

• Para que um conto é escrito?

2ª parte

Vamos discutir outra questão: o que é algo “fantástico” para você? Pense em outras palavras e expressões que podem
servir de sinônimo. Cite um exemplo de alguma situação “fantástica” que você presenciou. O que aconteceu para você
chamá-la de “fantástico”?
No site www.sinonimos.com.br, entre as acepções para “fantástico” estão as seguintes palavras:

Surpreendente, extraordinário, impressionante, incomum,


espantoso, assombroso, fantasioso, irreal.

Disponível em: https://www.sinonimos.com.br/fantastico/


Acesso em março de 2019.

Já aconteceu alguma coisa estranha na sua vida? Algo que o surpreendeu muito e você não conseguiu explicar?
• Pensando em tudo o que discutimos, defina: o que é para você um “conto fantástico"?

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Atividade 1

Vamos analisar a seguir uma lista de contos extraídos de dois livros bem conhecidos: Contos fantásticos do século XIX
e Os cem melhores contos brasileiros do século [XX].

O Homem de Areia O fantasma e o consertador de ossos


E.T.A Hoffmann Joseph Sheridan Le Fanu

O elixir da longa vida A sombra


Honoré de Balzac Hans Christian Andersen

A caçada O espelho
Lygia Fagundes Telles Machado de Assis

A mão encantada Os buracos da máscara


Gérard de Nerval Jean Lorrain

O gato preto O demônio da garrafa


Edgar Allan Poe Robert Louis Stevenson

Quem sabe diz


Você conhece ou já leu um desses contos, ou um dos auto-
res? Qual dos títulos dos contos chamou mais a sua aten-
ção? Por quê? Qual texto deixou você com vontade de ler?
O que esses títulos sugerem de misterioso, fantástico ou sobrenatural?
Comente

Agora, em grupo, escolham um desses contos e desenvolvam oralmente uma história que seja possível a partir do
título. Imaginem como seria esse conto. Então, contem a seus colegas e professor. Para ajudar a desenvolver sua história,
tente garantir os seguintes aspectos:
• Situação inicial (personagens, tempo e espaço)
• Conflito (algo que rompe a tranquilidade do início)
• Desenvolvimento do conflito (a situação vai se agravando)
• Clímax (revelação, ponto de maior tensão da história)
• Desfecho (solução ou término do conflito, que pode ser bom ou ruim)

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?
Você
SABIA? Os contos são textos literários de curta extensão escri-
tos com a finalidade de narrar uma história de ficção para
divertir, emocionar e envolver o leitor apreciador de histó-
rias como essa. Assim como os outros gêneros pertencentes ao campo
artístico-literário, esse gênero pode ser publicado/circular em livros
e coletâneas de contos, suplementos literários de jornais e revistas,
sites e blogs especializados, ou até nas redes sociais. No Brasil, alguns
dos contistas mais consagrados pelo cânone são Machado de Assis,
Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Lygia
Fagundes Telles, Luiz Fernando Veríssimo, Dalton Trevisan, entre outros.

Quem sabe diz


Você está gostando de aprender mais sobre o gênero conto?
Conhece ou já leu algum dos autores citados? Tem preferên-
cia por algum deles? Qual? Por quê? Comente

Atividade 2

Com certeza, você já ouviu falar na escritora brasileira Lygia Fagundes Telles. Já leu um de seus contos? Do que tratava a
história? Gostou ou não gostou? Por quê?
Para conhecermos um pouco mais de sua obra, vamos assistir a uma resenha de um de seus livros de contos, cha-
mado Antes do baile verde. O vídeo foi publicado por Isabella Lubrano, em seu canal sobre livros no YouTube “Ler antes de
morrer".

Disponível em https://youtu.be/HFyQn-mYaOs
Acesso em março de 2019

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• O que vocês entendem pela palavra “caçada? Quem são os principais personagens de uma caçada? Em que ambiente
ela acontece?
• Imaginem como seria uma caçada representada em uma pintura bem grande.
• Agora, pensem que essa pintura foi feita em uma tapeçaria antiga, muito envelhecida.
• Isso parece misterioso para você? Por quê?

TEXTO 1

Parte 1

A CAÇADA

Lygia Fagundes Telles

A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus anos embolorados e livros comidos
de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou voo e foi
chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.
— Bonita imagem — disse ele.
A velha tirou um grampo do coque, e limpou a unha do polegar. Tornou a enfiar o grampo no cabelo.
— É um São Francisco.
Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que tomava toda a parede no fundo da loja. Aproximou-se
mais. A velha aproximou-se também.
— Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso… Pena que esteja nesse estado.
O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la.
— Parece que hoje está mais nítida…
— Nítida? — repetiu a velha, pondo os óculos. Deslizou a mão pela superfície puída. — Nítida, como?
— As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela?
A velha encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de mãos decepadas. O homem estava tão pálido e perple-
xo quanto a imagem.
— Não passei nada, imagine… Por que o senhor pergunta?
— Notei uma diferença.
— Não, não passei nada, essa tapeçaria não aguenta a mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poei-
ra que está sustentando o tecido acrescentou, tirando novamente o grampo da cabeça. Rodou-o entre os dedos
com ar pensativo. Teve um muxoxo: — Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse
que o pano estava por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto… Preguei
aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apareceu.
— Extraordinário…
A velha não sabia agora se o homem se referia à tapeçaria ou ao caso que acabara de lhe contar. Encolheu os
ombros. Voltou a limpar as unhas com o grampo.
— Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que não vale mesmo a pena. Na hora que se despregar, é
capaz de cair em pedaços.
O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus! em que tempo teria assistido a
essa mesma cena. E onde?…

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Agora, vamos discutir juntos e, junto com seu colega, responder a algumas questões:
1. No vídeo da atividade anterior, Isabella afirma que o estilo de Lygia Fagundes Telles é minucioso e detalhista. Encontre
um exemplo disso nessa parte do texto.

2. O espaço onde se passa a história sugere algo misterioso? Justifique.

3. Há algo no início do texto que anuncia um acontecimento trágico? O quê?

4. O texto apresenta referências religiosas? Quais? Que sentido elas acrescentam à história?

5. O que o narrador quer dizer com “anos embolorados", no 1º parágrafo? Como se chama essa figura de linguagem?

6. Qual é a reação do homem e da velha diante da tapeçaria? Eles têm a mesma percepção?

7. Há algo de misterioso na origem da tapeçaria? O quê?

8. A) Qual tempo verbal que mais aparece no discurso do narrador? Cite um exemplo.

B) E nas falas das personagens? Justifique com um trecho.

9. No último parágrafo, por que a mão do homem tremia? O que estava acontecendo com ele?

10. A quem pertence a seguinte fala no último parágrafo: Em que tempo, meu Deus! em que tempo teria assistido a essa
mesma cena. E onde?…? Está mais próxima do narrador ou do estado emocional do personagem? Como se chama esse
tipo de discurso? Justifique.

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Atividade 3

Você está gostando do conto? O que você acha que vai acontecer agora? Está curioso? Vamos continuar a leitura e conferir!

Parte 2

Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando para uma touceira es-
pessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era
apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro
caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse
para desferir-lhe a seta.
O homem respirava com esforço. Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de
tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se manchas de um negro-violáceo e que
pareciam escorrer da folhagem, deslizar pelas botas do caçador e espalhar-se no chão como um líquido malig-
no. A touceira na qual a caça estava escondida também tinha as mesmas manchas e que tanto podiam fazer
parte do desenho como ser simples efeito do tempo devorando o pano.
— Parece que hoje tudo está mais próximo — disse o homem em voz baixa. — É como se…Mas não está
diferente?
A velha firmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los.
— Não vejo diferença nenhuma.
— Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta…
— Que seta? O senhor está vendo alguma seta?
— Aquele pontinho ali no arco… A velha suspirou.— Não vejo diferença nenhuma.
— Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a parede já está aparecendo, essas traças dão cabo de tudo —
lamentou, disfarçando um bocejo. Afastou-se sem ruído, com suas chinelas de lã. Esboçou um gesto distraído:
— Fique aí à vontade, vou fazer meu chá.
O homem deixou cair o cigarro. Amassou-o devagarinho na sola do sapato. Apertou os maxilares numa con-
tração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu — conhecia tudo tão bem, mas tão bem! Quase
sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa
madrugada! Quando? Percorrera aquela mesma vereda aspirara aquele mesmo vapor que baixava denso do céu
verde…Ou subia do chão? O caçador de barba encaracolada parecia sorrir perversamente embuçado. Teria sido
esse caçador? Ou o companheiro lá adiante, o homem sem cara espiando por entre as árvores? Uma perso-
nagem de tapeçaria. Mas qual? Fixou a touceira onde a caça estava escondida. Só folhas, só silêncio e folhas
empastadas na sombra. Mas, detrás das folhas, através das manchas pressentia o vulto arquejante da caça.
Compadeceu-se daquele ser em pânico, à espera de uma oportunidade para prosseguir fugindo. Tão próxima a
morte! O mais leve movimento que fizesse, e a seta… A velha não a distinguira, ninguém poderia percebê-la, redu-
zida como estava a um pontinho carcomido, mais pálido do que um grão de pó em suspensão no arco.
Enxugando o suor das mãos, o homem recuou alguns passos. Vinha-lhe agora uma certa paz, agora que sa-
bia ter feito parte da caçada. Mas essa era uma paz sem vida, impregnada dos mesmos coágulos traiçoeiros da
folhagem. Cerrou os olhos. E se tivesse sido o pintor que fez o quadro? Quase todas as antigas tapeçarias eram
reproduções de quadros, pois não eram? Pintara o quadro original e por isso podia reproduzir, de olhos fechados,
toda a cena nas suas minúcias: o contorno das árvores, o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinhada, só
músculos e nervos apontando para a touceira…“Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?”

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Agora vamos pensar juntos e responder a algumas questões oralmente e outras por escrito
1. A) Qual parágrafo descreve a pintura da tapeçaria? Qual é o tempo verbal predominante nessa descrição?
B) O narrador usa outras expressões para detalhar a descrição?
2. Que palavras no texto sugerem imagens fortes, de sofrimento, dor? Qual é a relação disso com o tema do conto?
3. No 1º parágrafo, há alguma referência implícita a uma figura mitológica? Qual? Em qual trecho?
4. No 2º parágrafo, o que é possível entender pelas “manchas de um negro-violáceo"? Onde elas aparecem e o que devem
representar?
5. No segundo dia, o que mudou na percepção do homem sobre a pintura? Quais palavras expressam essa passagem de
tempo? Justifique.
6. A) Em que parte do texto, o homem parece entrar na pintura? O que no texto indica isso?

B) E em que momento ele parece sair dela? Por quê?

7. No penúltimo parágrafo, o homem se coloca várias perguntas. O que ele está procurando saber? A que conclusão ele
chega? Em que trecho isso aparece?

8. Que verbos são usados para indicar a fala dos personagens em discurso direto?

9. No discurso indireto livre, a fala e emoção do personagem surge dentro do discurso do narrador, como se vê no trecho
A — Parece que hoje tudo está mais próximo — disse o homem em voz baixa.
B — “Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?”
C — essas traças dão cabo de tudo — lamentou, disfarçando um bocejo.
D — quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa madrugada!
E — Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta…

10. No último parágrafo, há algum exemplo do estilo detalhista da autora? Qual?

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Atividade 4

Está gostando? Pelo andar da história, o que você acha que vai acontecer no final? Encontrou alguma pista nos parágra-
fos anteriores? Vamos logo ver como termina o conto!

Parte 3

Apertou o lenço contra a boca. A náusea. Ah, se pudesse explicar toda essa familiaridade medonha, se pudes-
se ao menos… E se fosse um simples espectador casual, desses que olham e passam? Não era uma hipótese?
Podia ainda ter visto o quadro no original, a caçada não passava de uma ficção. “Antes do aproveitamento da
tapeçaria…” — murmurou, enxugando os vãos dos dedos no lenço.
Atirou a cabeça para trás como se o puxassem pelos cabelos, não, não ficara do lado de fora, mas lá dentro,
encravado no cenário! E por que tudo parecia mais nítido do que na véspera, por que as cores estavam mais
fortes apesar da penumbra? Por que o fascínio que se desprendia da paisagem vinha agora assim vigoroso,
rejuvenescido?…
Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. Parou meio ofegante na esquina. Sentiu o cor-
po moído, as pálpebras pesadas. E se fosse dormir? Mas sabia que não poderia dormir, desde já sentia a insônia
a segui-lo na mesma marcação da sua sombra. Levantou a gola do paletó. Era real esse frio? Ou a lembrança
do frio da tapeçaria? “Que loucura!… E não estou louco”, concluiu num sorriso desamparado. Seria uma solução
fácil. “Mas não estou louco.”.
Vagou pelas ruas, entrou num cinema, saiu em seguida e quando deu acordo de si, estava diante da loja de
antiguidades, o nariz achatado na vitrina, tentando vislumbrar a tapeçaria lá no fundo.
Quando chegou em casa, atirou-se de bruços na cama e ficou de olhos escancarados, fundidos na escuridão.
A voz tremida da velha parecia vir de dentro do travesseiro, uma voz sem corpo, metida em chinelas de lã: “Que
seta? Não estou vendo nenhuma seta…” Misturando-se à voz, veio vindo o murmurejo das traças em meio de
risadinhas. O algodão abafava as risadas que se entrelaçaram numa rede esverdinhada, compacta, apertando-se
num tecido com manchas que escorreram até o limite da tarja. Viu-se enredado nos fios e quis fugir, mas a tarja
o aprisionou nos seus braços. No fundo, lá no fundo do fosso, podia distinguir as serpentes enleadas num nó
verde-negro. Apalpou o queixo. “Sou o caçador?” Mas ao invés da barba encontrou a viscosidade do sangue.
Acordou com o próprio grito que se estendeu dentro da madrugada. Enxugou o rosto molhado de suor. Ah,
aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis. E se fosse o artesão que trabalhou na tapeçaria? Podia revê-la,
tão nítida, tão próxima que, se estendesse a mão, despertaria a folhagem. Fechou os punhos. Haveria de des-
truí-la, não era verdade que além daquele trapo detestável havia alguma coisa mais, tudo não passava de um
retângulo de pano sustentado pela poeira. Bastava soprá-la, soprá-la!
Encontrou a velha na porta da loja. Sorriu irônica:
— Hoje o senhor madrugou.
— A senhora deve estar estranhando, mas…
— Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o caminho…
“Conheço o caminho” — murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E aquele
cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E por que a loja foi ficando embaçada, lá longe? Imen-
sa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas
esverdinhadas. Quis retroceder, agarrou-se a um armário, cambaleou resistindo ainda e estendeu os braços até
a coluna. Seus dedos afundaram por entre galhos e resvalaram pelo tronco de uma árvore, não era uma coluna,
era uma árvore! Lançou em volta um olhar esgazeado: penetrara na tapeçaria, estava dentro do bosque, os pés
pesados de lama, os cabelos empastados de orvalho. Em redor, tudo parado. Estático. No silêncio da madruga-

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da, nem o piar de um pássaro, nem o farfalhar de uma folha. Inclinou-se arquejante. Era o caçador? Ou a caça?
Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar por entre as árvores,
caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado?… Comprimiu as palmas das mãos contra a cara esbraseada, enxu-
gou no punho da camisa o suor que lhe escorria pelo pescoço. Vertia sangue o lábio gretado.
Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira. Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor!
“Não…” – gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração.

Publicado no livro “Antes do baile verde”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1979, foi incluído entre “Os cem melhores contos brasileiros do século”, seleção de Ítalo
Moriconi, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, pág. 265.

Agora, vamos discutir algumas questões oralmente e responder a outras por escrito.
1. No início do texto, o homem questiona se aquela sensação com a pintura é ou não real. Que trechos indicam isso?
2. No 2º parágrafo, o homem se pergunta por que sente a pintura cada vez mais nítida. Qual é sua hipótese? O que isso
sugere?
3. Em algum momento o personagem sonha? Em qual parágrafo? Como é possível saber que ele sonhou?
4. No 5º parágrafo, há alguma referência ao caçador? Como o homem descobre que ele não é o caçador na pintura?

Releia os trechos

— Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o caminho…

“Conheço o caminho” — murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E
aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E por que a loja foi ficando embaçada, lá
longe? Imensa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com
suas manchas esverdinhadas.

5. O homem repete a frase da velha com o mesmo sentido? A que “caminho” ele se refere?

6. Que palavras no trecho indicam que o homem entrou na cena da tapeçaria? Como esse movimento é narrado?

7. Que trecho marca a imersão completa do homem na tapeçaria? Que tempo verbal indica isso? Justifique.

8. Afinal, quem era o homem na pintura? O caçador ou a caça? Qual trecho do texto dá essa certeza?

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?
Você
SABIA? Na composição do conto, uma das características é apre-
sentar já no primeiro parágrafo uma chave de leitura sobre
seu desfecho, indicando uma pista para o leitor decifrar.

Agora, vamos comparar o início (I) com o final (II) do conto A caçada:

I A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com


seus anos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas
dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa
levantou voo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepa-
das.
II Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira.
Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor!
[...]
“Não…” – gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E
rolou encolhido, as mãos apertando o coração.

9. Há algum elemento do início que se repete no fim do conto? O quê? Qual é a relação de sentido entre eles? O que mudou
de um para o outro?

10. No início do conto, quem era representado na imagem com “as mãos decepadas”. Isso ajuda a explicar o final trágico?
Por quê?

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?
Você
SABIA? O conto fantástico vigorou nos países latino-americanos a partir do século XX, como forma de denunciar a
realidade opressiva vivida pelos anos de ditadura militar. Nesse gênero, vemos um mundo irreal, situações
improváveis, ações que transpassam a realidade e que vão além do humano. Há presença de magia que dá
margem para que fatos absurdos aconteçam ao longo da narrativa. Logo, situações contrárias à vida comum acontecem
como se fossem normais.
De acordo com o teórico da literatura Tzvetan Todorov, em seu livro Introdução à literatura fantástica no conto fantástico:
“Há um fenômeno estranho que se pode explicar de duas maneiras, por meio de causas naturais e sobrenaturais. A possi-
bilidade de se hesitar entre os dois criou o efeito fantástico.”
Dentre algumas das características do conto fantástico estão:
• Narrativa que alia o elemento fantástico e o real ou a ficção à realidade, contrapondo dois planos: real e irreal.
• Realidade ilógica distante da realidade humana, composta de elementos maravilhosos, inverossímeis, imaginários, extraordinário,
bem como a presença de magias e poderes sobrenaturais.
• Enredo não linear ou ziguezagueante (mescla de presente, passado e futuro) com utilização de recursos como o
flashback (voltar ao passado) e o tempo psicológico (tempo das emoções e das recordações vividas pelos persona-
gens).
• Sensações de “estranhamento” provocadas no leitor, por meio da ruptura realidade-ficção.

Texto adaptado dos sites: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/redacao/conto-fantastico.htm Acesso em março de 2019.


https://www.todamateria.com.br/conto-fantastico/ Acesso em março de 2019.

11. Explique oralmente por que é possível considerar A caçada, de Lygia Fagundes Telles, um “conto fantástico”. Que caracte-
rísticas do conto fantástico estão presentes no texto lido?
12. Quais são os dois planos (natural e sobrenatural) presentes na história? Há presença de flashbacks ou tempo psicológico,
em que passagem?
13. O conto causou estranhamento para você? Por quê?

Atividade 5

Vamos conhecer um pouco mais da vida e obra de Lygia Fagundes Telles?

?
Você
SABIA? Lygia Fagundes Telles (1923) é uma escritora brasileira. Romancista e contista, nasceu e vive em São Paulo.
Considerada pela crítica uma das mais importantes escritoras brasileiras, publicou ainda na adolescência o
seu primeiro livro de contos, Porão e sobrado (1938). Estudou direito e educação física antes de se dedi-
car exclusivamente à literatura. Foi eleita para a Academia Brasileira de Letras em 1985 e em 2005 recebeu o Prêmio
Camões, o mais importante da literatura de língua portuguesa. O conto “A caçada” foi publicado na coletânea de contos
Antes do Baile Verde, em 1970.

Texto adaptado de: https://www.ebiografia.com/lygia_fagundes_telles/ e https://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=02644 Acesso em março de 2019.

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Pensando nessas informações, vamos pensar sobre o contexto de produção do conto “A caçada”, preenchendo a
tabela a seguir:
1.

a) Quem é a auto-
ra? Que imagem ela
transmite por meio de
sua obra?

b) Quem pode ser seu


público leitor?

c) Em que contexto
histórico esse conto
foi escrito? Como
isso se relaciona
com o tema?

d) Com que finalidade


a autora escreveu o
conto?

?
Você
SABIA? Tradicionalmente, o gênero conto é tido como uma narrativa ficcional breve, de curta extensão, menor do
que a novela e o romance. Sua estrutura é mais fechada, concisa, desenvolvendo-se a partir de apenas
um conflito, poucos personagens e espaço e tempo mais delimitado no enredo. Isso tem a finalidade de
envolver o leitor de forma rápida e direta, “numa tacada só".
Esse gênero literário se popularizou sobretudo a partir do século XIX, acompanhando o ritmo acelerado e as novas neces-
sidades de tempo do homem moderno, surgidas no contexto de industrialização, crescimento dos centros urbanos e de-
senvolvimento da imprensa, com destaque para o jornal, suporte em que esses textos eram publicados. Um dos grandes
nomes do gênero na época foi o escritor americano Edgar Allan Poe, teórico e autor do gênero.

2. Lendo o conto, foi possível você perceber sua forma breve, concisa e direta? Você foi “pego” “numa tacada só”? Explique.
3. Vamos relembrar cada momento que compõe o enredo da narrativa. Em linhas gerais, preencha a tabela a seguir, con-
forme cada parte do conto A caçada.

Situação inicial

Conflito

Complicação (de-
senvolvimento do
conflito)

Clímax

Desfecho

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Sistematizando
APRENDIZAGENS

Afinal, como foi para você estudar o gênero conto fantástico? O que mais chamou sua atenção? O que você desenvol-
veu até aqui será importante na continuação dos seus estudos? O que você sente que precisa retomar ou aprofundar? Em
linhas gerais, como você avalia seu desempenho nesta Sequência Didática?
Volte agora à definição que você formulou para o gênero “conto fantástico” no Ponto de Partida (começo da SD) e repense:
• Alguma coisa mudou? O que aprendeu de novo? Acrescentaria algo?

Conto fantástico

• Gênero textual produzido com a finalidade de narrar uma história de ficção, mis-
turando o mundo real com elementos sobrenaturais/extraordinários. Em geral, é
Contexto de Produção
publicado em livros, coletâneas de contos, mas pode ser encontrado na internet, em
sites e blogs dedicados ao tema.

• Narrativa breve, concisa e direta;

• Narrador em 1ª ou 3ª pessoa;
Composição
• Personagens, enredo, tempo e espaço;

• Situação inicial, conflito, desenvolvimento, clímax e desfecho.

• Predomina o tempo verbal no pretérito no discurso do narrador e no presente nas


falas das personagens;

• As falas dos personagens podem aparecer em discurso direto, indireto ou indireto livre;

Estilo e linguagem • No discurso direto, as falas podem ser marcadas por travessão, aspas e verbos de elocução;

• No discurso indireto livre, as falas e emoções dos personagens “invadem” o discur-


so do narrador, sem marcas.

• Presença de figuras de linguagem, como a metáfora e a sinestesia.

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