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v. 23 n. 2
Julho/Dezembro 2013
Rio de Janeiro
ISSN 1414-9184
RESUMO
A partir do dia 17 de junho aconteceu uma PALAVRAS-CHAVE
inflexão importante da situação política no Jornadas de Junho.
Brasil. Nas Jornadas de Junho centenas de Mobilizações progressivas.
milhares de jovens invadiram as ruas de São Reivindicações democráticas
Paulo e do Rio de Janeiro. Na dimensão Três campos políticos.
nacional, pelo menos algo próximo a dois Situação transitória.
milhões de pessoas saíram às ruas em qua-
trocentas cidades. Estavam votando com os Recebido em 09/01/14.
pés. As dimensões deste processo remetem Aprovado em 22/07/14.
à ideia de que uma situação pré-revolucio-
nária ficou mais próxima. Como sempre na
história, esta dinâmica pode ser interrom-
pida. Pode ser contida, desviada, abortada.
Ou pode prevalecer. O que aconteceu em
Junho de 2013 será chave para compreender
os resultados da eleição de 2014.
vez no debate marxista, uma diferenciação entre a hierarquia dos fatores objetivos e
subjetivos. O protagonismo das massas é ressaltado como condição sine qua non, acima da
profundidade dos elementos mais objetivos, como a gravidade da crise econômica ou de
outra catástrofe: “Para um marxista, não há dúvida de que a revolução é impossível sem uma
situação revolucionária, mas nem toda situação revolucionária conduz à revolução. Quais são,
de maneira geral, os indícios de uma situação revolucionária? Estamos certos de não nos enga-
narmos se indicarmos os três principais pontos que seguem: 1) impossibilidade para as classes
dominantes manterem sua dominação de forma inalterada; crise da “cúpula”, crise da política
da classe dominante, o que cria uma fissura através da qual o descontentamento e a indignação
das classes oprimidas abrem caminho. Para que a revolução estoure não basta, normalmente,
que “a base não queira mais” viver como outrora, mas é necessário ainda que “a cúpula não o
possa mais”; 2) agravamento, além do comum, da miséria e da angústia das classes oprimi-
das; 3) desenvolvimento acentuado, em virtude das razões indicadas acima, da atividade das
massas, que se deixam, nos períodos “pacíficos”, saquear tranquilamente, mas que, em períodos
agitados, são empurradas tanto pela crise no seu conjunto como pela própria “cúpula”, para uma
ação histórica independente.”(grifo nosso) LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov, A Falência da
Segunda Internacional, São Paulo, Kairos, 1979, p.27/8.
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Progressiva ou regressiva?
As mobilizações de junho de 2013 foram acéfalas. Foram, politicamen-
te, caóticas, controvertidas, imprecisas, ambíguas, confusas. Mas tentar
desqualificar o seu significado, como fizeram intelectuais próximos ao go-
verno, com a caracterização de que seriam somente a expressão do mal
estar das classes médias urbanas mais escolarizadas e hostis ao PT, ou seja,
reacionárias, demonstrou-se insustentável.
É verdade que nem todas as mobilizações de massas são progressivas. O
papa reuniu em julho de 2013 alguns milhões nas ruas do Rio de Janeiro,
e não havia nada de progressivo no apoio ao Vaticano. Foi uma mobiliza-
ção regressiva. Aqueles que se posicionaram contra as manifestações de
Junho argumentaram que uma onda reacionária de classe média ameaçava
a democracia. A presença de fascistas nas ruas foi o bastante para que o
PT levantasse um espantalho para assustar os incautos. Esta avaliação in-
sinuava que os milhões mobilizados respondiam a um programa de direita
levantado pela oposição burguesa. 4
O sentido dominante das Jornadas de Junho, apesar de muito tumultu-
oso, foi oposto. A esmagadora maioria dos cartazes se restringia aos limi-
tes de reivindicações democráticas, mas era maravilhosa: se o povo acordar,
eles não dormem! Não adianta atirar, as ideias são à prova de balas! Não é por
centavos, é por direitos! Põe a tarifa na conta da Fifa! Verás que um filho teu não
foge à luta! Se seu filho adoecer, leve-o ao estádio! Ô fardado, você também é ex-
plorado! Havia algum desafino, é verdade, entre o que as multidões faziam
e muitos dos cartazes. Alguns cartazes, por exemplo, eram contraditórios
com outros. Este desacerto é previsível.5 Uma pesquisa do Ibope sobre
as razões da participação nas manifestações revela que a grande maioria
estava nas ruas em defesa de serviços públicos e gratuitos, e contra a cor-
rupção. 6
Assistimos a uma desconcertante explosão de protesto e euforia. Não
devemos nos preocupar com o que vimos de singelo, irreverente e até um
pouco crédulo. No vendaval desta primeira onda de protestos, depois de
dez anos de governos de colaboração de classes dirigidos pelo PT, era pre-
visível uma grande confusão política. Tanto tempo de deseducação política
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tária foi incontáveis vezes um setor que se antecipou à entrada em cena dos
trabalhadores. Quem estava nas ruas não era uma nova classe média as-
cendente. Era uma nova geração da classe trabalhadora mais escolarizada.8
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centelha foi o aumento das passagens. Depois foi a luta contra a repressão
da polícia, ou seja, pelo direito democrático de lutar.
Na sequência, talvez até três milhões de assalariados foram à greve em
11 de julho, e um número inferior, ainda assim, significativo no 30 de
agosto, se considerarmos que o Brasil não viveu convocação à greve na-
cional desde 1989. Neste processo ficou claro que a “lua de mel” que be-
neficiou os governos do PT em Brasília durante dez anos acabou. A nova
geração saiu às ruas e está exasperada. Estão realizando um aprendizado
acelerado. A pedagogia da luta nas ruas é muito intensa. 9
Na sequência o governo tentou uma nova operação política retirando da
gaveta duas propostas: (a) o Mais Médicos, um plano inspirado no envio de
milhares de médicos cubanos para a Venezuela; (b) a constituição de um
10 TROTSKY, Leon. Aonde vai a França? São Paulo, Editora Desafio, 1994, p.70.
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12 Queremos mudar o mundo, mas para isso é preciso mudar as pessoas. A luta
política é uma luta educativa. Somos honestos, e dizemos quem somos e pelo que lu-
tamos. E isso não é fácil. Porque, a maior parte do tempo, defendemos ideias revolu-
cionárias em situações políticas em que a maior parte dos trabalhadores não concorda
conosco. Seria mais fácil nos adaptarmos e dizer somente aquilo que a maioria, nas
fábricas e escolas, quer ouvir, porque já concordam. Queremos ser um instrumento de
organização para que eles, trabalhadores e jovens, possam lutar e vencer contra o capita-
lismo. Não escondemos nossa identidade, não nos mascaramos atrás de siglas obscuras e
mutantes, não apresentamos nossas ideias pela metade. Não queremos o apoio fácil, não
queremos ser votados sem que os trabalhadores saibam em quem estão votando. Não
somos oportunistas, somos honestos.
13 Os símbolos são menos importantes que as ideias. Não é uma questão de prin-
cípios levantar bandeiras em todos os atos. É uma escolha tática, portanto, em última
análise, depende da relação de forças. Debaixo de uma ditadura não levantamos bandei-
ras, senão vamos presos. E só idiotas agem sem medir a consequência de seus atos. Mas
há uma questão de princípios envolvida na polêmica sobre abaixar ou não as bandeiras
vermelhas. É bom lembrar que a luta política é quase sempre assim, difícil, porque
é contra a maioria. Se fossemos maioria não seria difícil. Quando estamos diante de
grandes mobilizações de massas, com milhares de pessoas, em condições de liberdades
democráticas, em que não seremos presos pela polícia, não é somente um direito, mas,
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também, um dever dos socialistas levantar as suas bandeiras. Muitos concordam conos-
co que é um direito, mas discordam que é um dever. Nossa opinião é que oportunismo
não é levantar as bandeiras, mas ao contrário, escondê-las. Os revolucionários podem
e devem usar os métodos conspirativos contra a polícia, os patrões, e todos os inimigos
para se proteger. Em condições adversas, entramos na clandestinidade, se necessário.
Mas, ainda nessas condições extremamente difíceis, com as mediações de segurança
necessárias, não escondemos quem somos, e pelo que lutamos. E o fazemos porque os
socialistas têm o dever de não se esconder do proletariado. O que nos faz agir assim é
simples: a honestidade política nos obriga a dizer quem somos, e qual é o nosso pro-
grama. Sabemos que hoje estamos em minoria. Mas só poderemos ser maioria, um dia,
quando se abrir uma situação revolucionária, se tivermos a coerência e honradez de
defender o programa enquanto somos, paciente, porém, corajosamente, uma minoria.
Confiamos nos trabalhadores. Até quando eles mesmos não confiam em si próprios.
Sobre este tema: Lenin, O que fazer? Problemas candentes do nosso movimento. São Paulo,
Expressão Popular, 2003.
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Três campos, pelo menos, irão se definir, nos próximos meses. Uma
parte da burguesia, representada pelo PSDB, DEM e a Rede Globo, agora
reforçados pela aliança do PSB de Eduardo Campos com Marina Silva da
Rede Sustentabilidade, entre outros partidos menores, vão tentar canalizar
o mal estar para desgastar o governo do PT até as eleições de 2014.
Mas o que os trabalhadores denominam de esquerda está dividida em
dois campos, irreconciliáveis, desde a posse do governo Lula. Em primeiro
lugar está o campo daqueles que consideram que é preciso unir a esquerda
para defender o governo Dilma, porque o maior perigo seria a desesta-
bilização do governo liderado pelo PT, ou até do regime democrático. É
o campo dos que consideram o governo Dilma um governo em disputa.
Estão, podemos admitir, comprometidos em fazer exigências ao governo
Dilma. Exigências para que Dilma abra negociações com as reivindicações
das massa em luta. Exigências para que o PT no governo não capitule
diante do PMDB de Michel Temer e Sérgio Cabral. Ou exigências para
que o PT fora do governo não capitule aos ministros do PT que aconse-
lham moderação a Dilma. Em resumo, estão engajados em pressionar o
governo Dilma, mas não estão dispostos a romper com ele. E reafirmam
que não era possível antes de junho, e continua não sendo possível, mesmo
depois de milhões nas ruas, construir uma esquerda à esquerda do governo
Dilma.
Em outro campo estão aqueles que compreendem que a mobilização
pelas reivindicações deve avançar, tendo a prioridade de unificação com os
trabalhadores. Este campo afirma que para lutar contra os os empresários
do transporte urbano, os banqueiros, os fazendeiros do agro-business, a
FIESP, não é possível dar trégua a nenhum governo.
A nenhum governo significa isso mesmo, a nenhum, portanto, nem
a Dilma. Depois de dez anos, ficou claro que os governos liderados pelo
PT em aliança com partidos burgueses estão mais comprometidos com a
preservação do pagamento da dívida pública, do que com os transportes
públicos, a educação e saúde públicas. Sem romper com o pagamento da
dívida pública, de onde viriam as verbas para os investimentos necessários
à implantação, por exemplo, do passe livre?
Nós, que nos colocamos nesta posição, queremos ajudar a juventude
nas ruas a continuar ocupando as avenidas com as reivindicações que ela
mesma foi forjando com sua experiência prática: conquistar o passe livre,
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desmilitarização das PM’s, mais verbas para educação e saúde, punição dos
corruptos. E queremos agregar as reivindicações que respondem às neces-
sidades do proletariado: o aumento dos salários e a redução da jornada de
trabalho, por exemplo, ou a anulação da reforma da previdência, e a sus-
pensão dos leilões de privatização do petróleo do pré-sal, e tantas outras.
A juventude abriu uma janela de esperança. Se olharmos bem por ela,
veremos que nas fábricas e empresas de todo o país há milhões de traba-
lhadores que estão há muito tempo querendo acreditar que é preciso lutar.
Em junho e julho ficou provado que, se lutarmos, é possível vencer.
Referências Bibliográficas
DEUTSCHER, Isaac, Trotsky, O Profeta Banido, Rio de janeiro, Civiliza-
ção Brasileira, 1984.
DRAPER, Hal. Karl Marx’s theory of revolution: The theory of the state. New
York and London, Monthly Review Press, 1978. (vol. I).
LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. A Falência da Segunda Internacional,
São Paulo, Kairos, 1979.
LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. O que fazer? Problemas candentes do nosso
movimento. São Paulo, Expressão Popular, 2003.
LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov, La maladie infantile du communisme (Le
Gauchisme), Pekin, Editions en langue etrangéres, 1970.
MANDEL, Ernest, Trotsky como alternativa. São Paulo, Xamã, 1995.
MORENO, Nahuel. As Revoluções do Século XX, Brasília, Edição da Câ-
mara dos Deputados, 1989.
TROTSKY, Leon, Revolução e Contra-revolução na Alemanha, São Paulo,
Livraria Editora Ciências Humanas, 1979, p.164
TROTSKY, Leon, “Que é uma situação revolucionária?” in Escritos, Tomo
II, volume 2, p. 514 (de 14/11/1931), Bogotá, Pluma, 1976.
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DO RIO DE JANEIRO Lúcia Carvalho Silva (PUC-SP), Maria
REITOR Lucia Martinelli (PUC-SP), Maria Lúcia
Carlos Antônio Levi da Conceição Weneck Vianna (UFRJ-RJ), Michael Lowy
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Débora Foguel Uruguai), Neli Aparecida de Mello (USP-
SP), Potyara Amazoneida Pereira (UnB-
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DE PÓS-GRADUAÇÃO (UERJ-RJ), Vera da Silva Telles (USP-SP),
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