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Orientador:
Alexandre Montaury Baptista Coutinho
Rio de Janeiro
Abril/2015
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Orientador:
Alexandre Montaury Baptista Coutinho
Rio de Janeiro
Abril/2015
3
Ficha catalográfica
5
Agradecimentos
A Deus, que me tem guiado pelos caminhos que almejo desde a graduação.
Ao meu orientador prof. Dr. Alexandre Montaury, e à prof.ª Drª Mariana
Custódio, pela orientação e direcionamentos a mim concedidos.
Aos professores que compõem a banca examinadora, prof. Drª. Lara Leal e prof.
Dr. Luis Maffei. Agradeço a presença, certa de que críticas e sugestões serão bem-
vindas para o aprimoramento do trabalho.
À CAPES, entidade importante no auxílio financeiro. À PUC-Rio, que contribuiu
significativamente para minha formação intelectual. Aos professores e os funcionários
do departamento pela prontidão e atenção.
Aos meus pais Valmir e Sonia, que pela formação humana me incentivaram a
escolher o caminho que desde cedo amei. Aos meus irmãos Débora e Erick pela
paciência e companheirismo. À minha avó Iza, tem me estimulado há 28 anos, ensinado
a não temer os percalços e os caminhos da vida.
Aos meus tios Altair Kreischer e Luiz Carlos Kreischer, pelos infinitos carinho e
estímulo.
À professora Albertina Cunha, que desde a graduação acreditou no meu trabalho,
lapidando as necessidades que, cedo, eu era incapaz de enxergar.
Às amigas Ana Carolina Carius e Célia Cristina do Amaral, que contribuíram não
só com minha estadia no RJ nos dias de aula e o transporte no primeiro ano, mas, pela
amizade e incentivo. Às amigas Angélica Gomes, Mayara Marques e Thais Gomes, que
presenciaram minhas dificuldades e acreditaram em mim, incentivando. A todos os
meus amigos, muito obrigada.
Ao grande amigo Jeferson Alves Masson e colega de curso. Os diálogos sobre
literatura e vida fizeram brotar uma amizade incrível. Aos colegas de curso Leonardo
Carvalho e Suellen Ferreira pelo companheirismo, algumas vezes, raro na academia.
Em especial aos meus colegas e grandes amigos da paixão pela literatura
portuguesa: prof. Ms. Francisco de Souza Gonçalves e prof. Ms. José Carlos de Lima
Neto, que me apresentaram a vida acadêmica. Sem o incentivo de vocês, certamente eu
não teria despertado para a pesquisa, que hoje é minha maior prioridade. Meus irmãos,
muito obrigada.
7
Por fim, agradeço aos muitos que me desmotivam, pois servem ao propósito que
menos esperam: incentivo para que o cansaço nunca me abata. Pelo contrário, fomenta
em mim a sede de alçar voos mais altos.
8
Resumo
Palavras-chave
Inês de Castro – Literatura Portuguesa – Tradição e Ruptura – Memória e
Contemporaneidade.
9
ABSTRACT
Keywords
Inês de Castro – Portuguese Literature - Tradition and rupture – Memory and
Contemporaneity
10
Sumário
Introdução 12
1. Formulações teóricas 14
1.1 Em defesa da literatura enquanto campo do saber 14
1.2 Considerações acerca da contemporaneidade literária 19
1.3 Sobre a noção de obra literária clássica 20
1.4 Sobre o julgamento de valor da obra literária 22
1.5 O lugar da obra clássica na contemporaneidade: reformulações 25
entre erudito e popular
4. Conclusão 79
Referências bibliográficas 81
11
INTRODUÇÃO
sete dias que antecederam a morte de Inês de Castro. Reconduzida ao centro narrativo, a
personagem ganha aspectos de debates tipicamente contemporâneos e mantém aspectos
canônicos, onde se pode verificar a popularidade do tema em Portugal.
Ao considerar o percurso da personagem no final da idade média e o classicismo,
Inês de Castro é retirada do ambiente erudito do século XVI e passa a ser objeto da
literatura popular no início da segunda década dos anos 2000. Ecoada pelo tempo, Inês
de Castro continua a ser inspiração para escritores, demonstrando sua importância na
cena literária e cultural portuguesa.
14
1
Formulações teóricas
1
SANTOS, 2006, p.155.
2
Mais adiante serão formuladas as premissas e interrogações necessárias à dissertação.
3
COMPAGNON, 2010, p.21.
4
BARTHES, 1978, p.06
5
Idem.
16
Por ser transversal, a literatura não ocupa somente um lugar, mas está em vários
de diversas formas, desafiando a si mesma: quantas vezes pode-se vislumbrar a
modernização de Lisboa pelos olhos de Álvaro de Campos; a aridez do sertão
nordestino de Graciliano Ramos ou ainda a Colômbia de Garcia Márquez. Em meio a
uma infinidade de entretenimentos, o aspecto que se deseja destacar é a necessidade, o
desafio da reinvenção e a adaptação da literatura: continuar atrativa e ser
entretenimento. Se após o Romantismo ela passou à popularização por meio dos
folhetins, na atualidade enfrenta movimentos únicos em sua história: o mercado e outras
linguagens que expressam ou representam a experiência humana. Há exemplos da
6
COMPAGNON, op. cit.
7
BARTHES, op. cit., p.07
8
BARTHES, op.cit., p.06.
17
9
quantidade de livros que são lançados por mês pelas editoras, os comentados best-
sellers e a literatura para todos os gostos e idades. O mercado editorial faz movimentar a
literatura.
Em meio a tantos recursos tecnológicos e a estratégia de mercado, estaria a
literatura na iminência de ser trocada por outras linguagens? É verdade que ela nunca
foi o único entretenimento disponível para os homens. Contudo, atualmente o cinema,
invenção moderna acidental, tem o poder de arrebatar multidões às salas de exibição. E
há de se destacar como a sétima arte inúmeras vezes recorreu e recorre à literatura, sob
o slogan ―baseado no clássico/romance de...‖. Percebe-se que, ainda que retomado e
ressignificado, o texto literário perpassa a contemporaneidade sob novas abordagens e
linguagens estéticas.
Tais atrativos, tais discursos de poder - em que a própria literatura é usada
enquanto importância cultural a favor de um discurso que a toma como status - não
convocam somente um público maior, como legitimam as produções, lhe conferem
peso. Percebe-se a necessidade de se destacar a importância dela mesma em outras
linguagens.
Quando se observa o senso comum, é notório que as pessoas preferem o filme ao
livro, reduzindo a importância do livro ao enredo. Diferentemente da linguagem
literária, o cinema é idealização de uma equipe de produtores e difere da linguagem
literária porque esta permite ao leitor a experiência da interpretação e do fluxo de
imaginação acontecerem de uma maneira muito individual, silenciosa, única. O leitor é
dono do seu tempo, da postura, das imagens traçadas na imaginação, na identificação
com as personagens, cenários, dramas e alegrias: constrói seu ―cenário‖ a partir de
experiências vividas, dialoga com a obra. Compagnon, completa: ―quando leio,
identifico-me com os outros e sou tocado pelo seu destino; as suas alegrias e os seus
sofrimentos são momentaneamente os meus‖ 10.
Além disso, o trabalho do mercado editorial, ao promover a popularização do
livro acabou por democratizar e divulgar a experiência da obra de arte literária: edições
de bancas de jornal com preços populares e vasta utilização da internet contribuíram
para que a literatura se tornasse acessível como nunca em sua trajetória historiográfica:
saiu da elite para se firmar enquanto experiência de sensibilidade estética a partir do real
9
Consideram-se aqui as mídias digitais enquanto livro como os e-books.
10
COMPAGNON, 2010, p.46.
18
para qualquer pessoa que por ela se interessar, independente de sua condição social.
Basta acessar.
Diferentemente do que se pode imaginar, a literatura não nega sua impossibilidade
ao utilizar a realidade para representar outras realidades, o impossível, – e por que não
os impossíveis?- de se realizar neste mundo. Ela liberta o escritor e o leitor ao abrir
possibilidades de sair de si e colocar-se em outros lugares, em outras ocasiões, viver
uma vida – e outras e muitas – que não se poderia viver de fato neste mundo real;
desloca o leitor a lugares que ele não conhece:
A realização da pessoa, pensava Proust, ocorre não na vida mundana, mas
por meio da literatura, não só para o escritor que a ela se dedica por inteiro,
mas também para o leitor que ela comove enquanto a ela se entrega 11.
11
Idem, p.19.
12
Idem, p.33.
13
Idem, p.35.
19
leitor se identificar pela experiência que somente ela pode conferir. Todavia, ao
considerar toda a sua produção no mundo, há que se pensar que o número de obras a
serem lidas é infinito: assim, os teóricos da área correm grande perigo ao delimitar
obras, julgadas mais relevantes. Afinal, haveria obras que são esteticamente superiores a
outras?
14
AGAMBEM, 2010, p.58, 59.
15
Idem, p.63.
20
tempo, as obras literárias e seu valor? Ou seria este um critério subjetivo, conforme
apontado por Kant? É bem verdade que, segundo Antoine Compagnon
O público espera dos profissionais da literatura que lhe digam quais são os
bons livros e quais são os maus: que os julguem, separem o joio do trigo,
fixem o cânone. A função do crítico literário é, conforme a etimologia,
declarar: ―acho que este livro é bom ou mau 16.
Se uma obra ocupa o cânone, ainda que não seja antiga, ela pode ser considerada
uma obra clássica. Segundo Calvino, um dos critérios de identificação de uma obra de
valor é verificar se ela ainda é admirada, se arrebata grande número de leitores, se tais
leitores amaram a leitura, ou seja: se o tempo a consagrou, se ela ultrapassou seu tempo
de origem. Evidente que aqui se pode afirmar que a obra de Homero ocupa o lugar de
obra-prima clássica no Ocidente, pois está mais do que consagrada, bem como um
clássico do século XX, como Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, ainda
tem muito a dizer. O que tais obras ainda podem oferecer? Tanto Homero quanto Rosa
conseguem tocar em aspectos intemporais, ou seja, suas obras são capazes de oferecer
algo que há de universal e humano ao leitor – e por que não a eles próprios enquanto
autores. As angústias de Odisseu e as de Diadorim são tipicamente dramas, medos,
amores e inquietudes humanas. Logo, acessam a intempestividade da natureza humana.
Um clássico pode possuir diversas características, dentre elas, a capacidade de se
reler inúmeras vezes e ainda assim causar vislumbre no leitor. Podem-se citar as obras
que aqui se destacou: tanto Homero quanto Rosa foram inúmeras vezes editados e
16
COMPAGNON, 2014, p.221.
17
Idem, ibidem.
21
As (re) leituras que chegam ao leitor são heranças culturais cunhadas ao longo dos
anos e dos séculos – e isso vale para os clássicos antigos ou modernos . Tornaram-se a
dúvida do que está inscrito no texto ou se são ―deformações‖ inscritas pelo tempo e pela
tradição hermenêutica. Logo, a Ilíada é um conjunto de narrativas inscritas numa
tradição ocidental que recebeu influências culturais da tradição oral por muitos anos. E
na contemporaneidade ainda é (re) lida e ressignificada, pois não se sabe ao certo em
18
Idem, p.33.
19
CALVINO, 1993, p.9.
20
Idem, p. 11.
22
21
Idem, p. 14.
22
CALVINO, 1993, p.16.
23
Assim, o valor de uma obra pode ser analisado à luz dos conceitos clássicos, que
consideram a tradição literária, ou seja, o padrão clássico como modelo a ser seguido, e
o moderno, caracterizado pela corrente romântica, que questionou os critérios utilizados
pela tradição a fim de considerar a inserção e inscrição de uma obra no cânone. Antoine
Compagnon aponta que:
A ideia e o termo classicismo, não é inútil lembrar, são muito recentes em
francês. O termo só apareceu no século XVII, paralelamente a romantismo,
para designar a doutrina dos neoclássicos, partidários da tradição clássica e
inimigos da inspiração romântica 23.
23
COMPAGNON, 2014, p. 230.
24
24
Idem, p. 222.
25
BLOOM, 1995, p.25.
26
COMPAGNON, 2014, p.250.
25
aspectos destacados foi o cinema, mas como o cânone aparece nas (re) leituras
contemporâneas?
Tomando por exemplo o caso da obra de Marion Zimmer Bradley - As Brumas de
Avalon - publicada em quatro volumes, em 1982, que ganhou versão fílmica. Nele, a
autora aborda a história do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda sob uma
perspectiva em que o cristianismo, tradicionalmente retratado nas Novelas de Cavalaria,
é deixado em segundo plano, praticamente abolido da obra. Em vez disso, a autora
explora o mundo feminino e a suposta herança celta, a magia e práticas religiosas pré-
cristianização. O nomeado ―paganismo‖ é a vertente central da obra. A ruína da
estrutura feminina na obra se dá com o advento do cristianismo, que põe fim à igualdade
– e até superioridade da mulher – entre as personagens, encerrando o romance.
Também Saramago, em sua obra O que farei com este livro, publicado em 1998,
dedica um drama curioso: Camões enfrenta os impasses políticos para a publicação de
Os Lusíadas ao retornar das Índias. Evidente que se trata de não somente publicar a
obra. Saramago aborda o jogo político que Portugal se envolvia, como a recusa de D.
Sebastião em se casar, os interesses do clero e dos envolvidos no poder da coroa
portuguesa. Ao fim, o livro é publicado e Camões se questiona com a pergunta que
intitula o livro, depois de vislumbrar a velhice e a iminente queda do Império Português.
Por fim, o estrondoso sucesso da saga infanto-juvenil de Rick Riordan29, Percy
Jackson e os Olimpianos, faz parte de uma série de cinco livros que tratam de um
adolescente - comum - que vive em meados dos anos dois mil e que descobre ser um
semideus grego. As aventuras da personagem principal – uma analogia ao mito de
Perseu – e de seus amigos de escola são visíveis decalques dos mitos gregos, como
batalhas contra criaturas míticas, ressignificadas na contemporaneidade, como o caso da
Medusa, uma mulher comum, mas que ainda teria os poderes enunciados originalmente
no mito.
O esforço deste trabalho é o de evidenciar a necessidade de se ter conhecimento e
leituras de temas tradicionais na literatura e cultura ocidentais como forma até de
assegurar a legibilidade de produtos culturais da contemporaneidade. A infinidade de
temas trabalhados no contemporâneo acerca das tradições vem ganhando cada vez mais
espaço na produção literária contemporânea. O que acomete a literatura contemporânea
29
O autor possui uma série de livros dedicados ao mundo infanto-juvenil, em sua maior parte, baseados
nos mitos gregos.
27
***
30
COMPAGNON, 2014, p. 250.
28
2
Inês de Castro: da história à literatura
31
MARQUES, 1997, p. 206.
32
Idem , p. 205.
29
ilegítimo. Outra vez D. Afonso se viu em conflito contra herdeiros fora de uniões
matrimoniais oficiais. Desta maneira, delineia-se a pergunta: quais razões teriam levado
o rei a executar Inês de Castro? Como tem sido abordado tal fato?
O que se tem documentado, segundo Marques, é que ―Inés Perez de Castro era
filha de D. Pedro Fernández de Castro, dito da guerra, grande senhor galego, camareiro-
mor de Afonso XI de Castela e primo direito de (...) D. Pedro I, e de uma dama de nome
Aldonza Suárez de Valadares.‖ Assim, verifica-se também ilegitimidade da ascendência
de Inês. 34 Seu pai a entregou ao seu primo, senhor de Albuquerque, D. Afonso Sanches,
meio-irmão de Afonso IV, de Portugal, e sua esposa, Teresa de Albuquerque, a fim de
que educassem a jovem Inês. 35
Cabe relembrar que entre 1320 e 1324 Afonso IV e Afonso Sanches se
envolveram na mencionada disputa do trono português. Para a desventura de Inês, além
do grau de parentesco entre ela e Pedro, havia também o dissabor do vínculo da dama
com o pai adotivo. Em tempos de conflitos, o apoio de famílias nobres, como o caso dos
Castro, Albuquerque e Manuel, (ambas de origem castelhana e portuguesa) oscilava
segundo os interesses pessoais vigentes: numa destas disputas, mais precisamente a do
trono português, os Castro se opuseram a Afonso IV, ocasião em que apoiaram Afonso
Sanches, filho ilegítimo de D. Dinis, dado que ―a defesa que Afonso IV e seus
partidários fizeram em favor do seu coroamento era baseada na noção de legitimidade
real, afinal, era filho do rei e da rainha de Portugal‖ 36.
33
SOUSA, 2005, p.11.
34
Segundo o historiador Oliveira Marques, Pedro Fernández de Castro era casado com uma senhora de
nome D. Beatriz.
35
SALES, 2006, p.21.
36
Idem, ibidem.
30
37
SARAIVA, 1997, p.48.
38
SOUSA, 2005, p.15.
39
Apud SOUSA, p.15.
31
40
Apud Sousa, p.16.
41
Idem, p. 17.
42
Idem, ibidem.
43
Lopes, 1979. p. 197.
44
SOUSA, 2005, p. 41.
32
1359, informa que os filhos de Inês eram considerados infantes, como D. Fernando.
Dessa maneira, tais documentos comprovariam a legitimidade jurídica dos filhos de
Inês de Castro com D. Pedro.
Fernão Lopes trabalha em suas crônicas – por muito tempo consideradas
documentos históricos – com uma questão que é visível ao leitor, ao levantar dúvidas
sobre a legitimidade do citado casamento e a legitimidade dos filhos. Sobre os frutos da
união de Pedro e Inês, cabe destacar que a ascendência naquele tempo pouco importava.
Não era necessário que um rei se casasse com filhas de reis: bastava que a mulher em
questão fosse descendente de monarcas. D. Constança o era, fato que incluiria Inês em
tal costume, dado que nem ela, nem Constança eram filhas de rei. Fica evidente que o
partido de Avis criou um discurso legitimado na pena de Lopes para justificar a
45
ascensão de D. João , ao poder, ao não considerar os documentos em que D. Beatriz
afirma a legitimidade dos filhos da Castro 46.
47
Fica evidente o testemunho tendencioso de Diogo Lopes Pacheco nas Cortes de
Coimbra, narrado na Crônica de D. João I, também da autoria de Fernão Lopes,
mencionado por João das Regras, homem influente. A crise política após a morte de D.
Fernando propiciou a disputa do trono português. O argumento que João das Regras se
utiliza tem por finalidade legitimar a ascensão do Mestre de Avis. A incerteza da
legitimidade dos filhos de Pedro e Inês fez com que o quarto irmão bastardo saísse à
frente na questão da eleição.
Ao assumir o trono Português, D. Pedro, que havia jurado nunca vingar a morte
de Inês, quebrou o pacto fixado em agosto de 1355. Numa troca de refugiados políticos,
conseguiu negociar com Castela a entrega dos fidalgos, os supostos responsáveis Pero
Coelho e Álvaro Gonçalves por instigar em D. Afonso IV a decisão de executar Inês de
45
D. João, Mestre de Avis, era filho ilegítimo de D. Pedro com uma dama. O filho, que provavelmente
nascera após a morte de Inês de Castro, se envolveu nas lutas de disputa do trono português contra a
cunhada, D. Leonor Teles, viúva de D. Fernando.Ascendeu ao trono português, instaurando nova dinastia.
É em seu reinado que se inicia o trabalho de Fernão Lopes, autor importante para o desenvolvimento
deste trabalho.
46
Idem, p. 42
47
In: SARAIVA, 1997, p.273.
33
Castro. Tal fato se verifica nas crônicas de Fernão Lopes e na crônica do espanhol Pedro
Lopez Ayalla 48, que também faz referência à troca de refugiados políticos, feita entre D.
Pedro de Portugal e D. Pedro de Castela.
Pedro executou os fidalgos em praça pública e mandou construir um túmulo para
ele e Inês, no Mosteiro da Alcobaça. Feito isso, D. Pedro promoveu uma cerimônia de
trasladação dos restos mortais da amada, ocasião em que a coroou rainha post-mortem.
Sobre este fato, segundo Maria do Amparo Maleval seria a ―própria santificação da
Castro‖ 49. Cabe destacar também que
As diferenças entre narrativas diziam respeito a Pedro, não a Inês. Para os
cronistas, Inês era inocente, além de belíssima. Qualidades que teriam
inclusive comovido o rei-pai, Afonso IV, ao vê-la com seus netos pedindo
clemência (...). Essa mistura de amor, saudade e culpa e fê-lo [D.Pedro]
cometer exageros no caso do combate ao pai 50.
51
Segundo Sousa , a iconografia das cenas da vida e do romance é uma fonte
histórica que pode oferecer indícios para algumas interpretações do episódio. Diferente
do que a literatura propagou, pode-se encontrar a cena da degolação, ao invés das
espadas, punhais e estocadas representadas pela literatura do tema e pelos cronistas
Acenheiro e Rui de Pina. Único dos cronistas que não menciona a maneira da execução,
Fernão Lopes, refere-se ao episódio de Inês de Castro somente com o propósito de
relatar as ações que honrariam a memória de Inês de Castro.
Fica evidente que a figura de D. Pedro foi fundamental para o que futuramente a
literatura e o imaginário popular consagrariam como a mais conhecida lenda portuguesa
dos amores contrariados. Ora, um rei de temperamento forte, sedento por instaurar a
justiça em seu reino, ocasião em que ―mostrou-se (...) meio louco (...) sempre
preocupado com a administração da justiça, em íntimo contacto com o povo, que o
adorava apesar de seus actos de crueldade e loucura‖ 52
, não mediria esforços para
honrar a mulher amada.
Em pouco tempo, a desastrosa sorte dos amores de Pedro e Inês ficaria conhecida.
A comoção que o episódio promoveu, sem dúvidas, abriu precedente para que a
literatura e a tradição oral se encarregassem de consagrar: um episódio que não possuiu
nada de lírico passa a ser motivo de inspiração artística de diversos campos da Arte,
48
Apud. Sousa, 2005, p. 56
49
MALEVAL, 1995, p.104
50
LIMA, 2008, p.152.
51
SOUSA, 2005, p. 57
52
MARQUES, 1997, p.206.
34
53
SOUSA, 2005, p.58
54
Idem, p. 39.
35
trabalho selecionou e buscou analisar algumas obras que elevaram o nome da dama à
mais alta erudição literária. Os estudos de Sousa apontam diversas obras ibéricas – sem
considerar o fato de seu estudo se ater à repercussão na Europa - como a crônica de
Acenheiro e Rui de Pina, por exemplo. São inúmeros textos que não caberiam neste
estudo. Assim, optou-se por selecionar obras que estão cristalizadas no cânone e nos
manuais de literatura portuguesa como evidências da imagem consagrada da
personagem literária em questão. Ficou evidente que as obras que fixam D. Inês de
Castro canonicamente são as obras do classicismo: Antonio Ferreira, com o drama
Castro e Luis Vaz de Camões, que dedicou dezoito estâncias ao tema em Os Lusíadas.
Entretanto, não se pode partir para uma análise do período clássico da literatura
portuguesa sem considerar o primeiro registro do episódio na historiografia: o de Fernão
Lopes, que forneceu aspectos ficcionais utilizados na literatura contemporânea e
inspirou autores ao longo dos séculos. Recorrer ao primeiro texto historiográfico é
importante para se vislumbrar os demais textos baseados nas crônicas lopesianas.
Trovas à morte de Inês de Castro, inseridas no primeiro Cancioneiro organizado em
Portugal: ambas as obras se enquadram num momento cultural importante para
Portugal, pois a língua portuguesa iniciava seus primeiros passos ao se dissociar do
galego e se estabelecia como língua nacional. Assim, os mitos e lendas decorrentes de
tempo passados poderiam ganhar espaço dentro da literatura.
O que se pôde verificar foi uma inversão de papéis de importância entre D. Pedro
e D. Inês: na crônica, D. Pedro é agente da glorificação de Inês; em Trovas, pode-se
verificar pela primeira vez a personagem de D. Inês de Castro carregada de lirismo. Na
Castro e em Os Lusíadas, é representada nos padrões clássicos, ao ser equiparada às
grandes heroínas da mitologia greco-romana, a expressão de maior valor naquele tempo.
Por que semelhante amor, qual elRei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente he achado em
alguuma pessoa, porem disserom os antiigos que nenhuum he tam verdadeiramente achado, como
quel cuja morte nom tira da memoria o gramde espaço do tempo 55.
55
LOPES, 1979, p. 199.
36
56
SPINA,1968, p.23.
57
MALEVAL, 1995, p. 98
37
politicamente D. João I. Para isso, na Crônica de Dom Pedro, que aqui interessa,
verifica-se tal intuito: anuncia um sonho do rei D. Pedro, em que o filho ilegítimo, o
Mestre de Avis, nomeado cavaleiro da Ordem de Avis assumiria o trono. Um sonho
profético em que retira dos filhos de Inês de Castro o direito à sucessão no trono
português. O argumento que o cronista usa está na mesma crônica, em que assim se lê:
―hora assi he que em quamto Dona Enes foi viva, nem depois da morte della (...) nem
depois que el reinou (...) nunca a nomeou por sua molher 58‖, ressaltando que o rei não
se lembrava da data que teria se casado em segredo, em Cantanhede. Fernão Lopes não
poderia proceder de outra maneira, tendo em vista que não deveria evidenciar a
legitimidade do primogênito de mesmo nome da Castro. Saraiva afirma que:
quanto aos filhos de D. Pedro e D. Inês de Castro, tidos por legítimos e,
portanto, herdeiros eventuais do trono, Fernão Lopes prepara de longe a
demonstração da sua ilegitimidade, evidenciando as razões que, apesar do
juramento feito por D.Pedro, deixaram em dúvida o seu casamento com
D.Inês 59.
58
LOPES, 1979, p. 125.
59
SARAIVA, 1997, p.48.
60
ARNAULT, 1979, p.21.
38
O fato é que para sua criação textual, Lopes dispôs de muitos textos de que hoje
62
não se tem conhecimento: segundo Arnault , o cronista teria preferido relatos
testemunhais e do povo, indicando em seus textos expressões como ―segumdo alguums
que escprevem‖. Não restam dúvidas de que o cronista trazia uma concepção
democrática da História, tendo em vista o seu envolvimento com a causa nacionalista de
Avis. Tal espírito não terá continuidade noutros cronistas, como Zurara e Pina, que
fizeram suas crônicas se limitarem ao aspecto aristocrático, ordem vigente de seus
respectivos tempos.
Tais considerações se justificam para um entendimento mais claro da análise aqui
proposta. Na Crônica de D. Pedro ocorre o primeiro registro literário sobre Inês de
Castro. Por ter acesso aos documentos, o mais provável é que Lopes tenha recorrido a
eles e aos relatos daqueles que viveram e ouviram falar sobre o episódio entre Pedro e
Inês. Cabe destacar que o texto lopesiano não apresenta aspectos líricos sobre D. Inês:
sequer sua voz tem espaço, seja no discurso direto ou indireto, diferentemente de D.
Pedro e outras personagens que aparecem nestas e nas demais crônicas. Todavia, o texto
serviu de inspiração às produções literárias que se debruçaram sobre o tema. Lopes
recorre aos grandes amores da mitologia clássica, fruto do espírito humanista,
comparando o episódio com tais amores:
E se alguum disser que muitos forom ja que tanto e mais que el amarom, assi
como Adriana e Dido, e outras que nom nomeamos, segumdo se lee em suas
epistolas, repomdesse que nom fallamos em amores compostos (...)mas
fallamos daquelles amores que se contam e leem nas estorias, que seu
fumdamento teem sobre verdade. Este verdadeiro amor ouve elRei Dom
Pedro a Dona Enes como della se namorou, seemdo casado e aimda Iffamte
de guisa que pero dela no começo perdesse vista e falla, (...) numca çessava
de emviar recados (...) 63.
Assim, sem deixar de narrar o envolvimento amoroso entre o rei e a dama, Lopes
se aproxima mais do estilo literário em sua narrativa do que do texto propriamente
histórico, elevando a paixão de Pedro por Inês às clássicas narrativas das Heróides,
organizadas por Ovídio, e que provavelmente no tempo de Lopes teriam estes textos
sido retomados.
61
SPINA, 1968, p.23.
62
ARNAULT, 1979, p. 14.
63
LOPES, 1979, p.199, 200.
39
Para além do julgamento, Fernão Lopes não deixa de narrar os feitos que serão
importantes para a circulação de imagens de Inês na literatura. A partir desta crônica, se
pode verificar a importância da figura de D. Pedro para a fixação da lenda do amor
saudoso entre ele e D. Inês. Somente os amores contrariados entram para as grandes
narrativas, como os já mencionados amores da literatura clássica. Lopes não poderia se
negar a narrar o caso de Inês de Castro, que é marcado em seu texto pela vingança aos
conselheiros do pai, Pero Coelho e Álvaro Gonçalves:
A Purtugal forom tragidos Alvoro Gmçallvez e Pero Coelho (...) e elRei com
prazer de sua viimda, porem mal magoado por que Diego Lopez fugira, os
sahiu fora arreçeber, e sanha cruel sem piedado lhos fez per sua maão meter a
tormento, queremdo que lhe confessassem quaaes forom na morte de Donas
Enes culpados (...) deu um açoute no rostro a Pero Coelho, e elle se soltou em
desonestas feas pallavras, chamandolhe treedor, Fe perjuro, algoz e
carneçeiro dos homeens. E elRei dizemdo que lhe trouxessem çebolla e
vinagre pera o coelho, emfadousse delles e mandouhos matar 65.
64
Idem, p.141, 142, grifos nossos.
65
Idem, p.148.
66
MALEVAL, 1995, p.102.
67
Idem, p. 103.
40
Cabe destacar a maneira narrada da morte dos fidalgos: manda retirar o coração,
lugar metafórico onde se cultivam bons sentimentos humanos e manda-os queimar.
Segundo Maleval, o fogo, símbolo de purificação, os expurgaria de vez do reino de D.
Pedro. Assim, a vingança estava completa para o rei. Faltava exaltar e elevar D. Inês,
numa tentativa de reparar a morte injusta da dama.
Os aspectos tomados por Lopes como cruéis serviram aos autores posteriores, que
se inspiraram para escrever sobre dois sentimentos tipicamente portugueses: o amor e a
saudade, ainda que tais sentimentos da parte de D. Pedro comprometessem sua imagem
como governante, dado que se utilizou da condição de poder para vingar D. Inês.
Também na mesma crônica, Lopes narra que depois da morte de D. Inês, D. Pedro não
quis mais se casar: indício de que teria reforçado a ideia que se perpetuou do amor
verdadeiro que D. Pedro sentira por D. Inês, amor que o levara à perdição.
Tendo disposto de muitas fontes para escrever as crônicas, Fernão Lopes pode ter
se servido também dos túmulos de Pedro e Inês, indícios históricos para aprimorar sua
escrita: no monumento, podem-se ver ilustrações da vida do casal, em seus respectivos
mausoléus, postos no Mosteiro da Alcobaça. Em uma leitura atenciosa, aponta aspectos
que indicariam a melancolia do rei:
E seemdo nembrado de homraar seus ossos, pois lhe jamais fazer nom
podia, mandou fazer huum muimento dalva pedra, todo mui sotillmente
obrado, poemdo emlevada sobre a campãa de çima da imagem della com
coroa na cabeça, como se fora Rainha 69.
68
LOPES, 1979, p. 149.
69
LOPES, 1979, p.199-200, grifos nossos.
41
Castro do também privilegiado Mosteiro de Santa Clara, onde sua avó Santa Isabel
repousava, criando para ele e Inês um lugar que privilegiasse a dama:
E este muimento mandou poer no moesteiro Dalcobaça, nom aa emtrada,
onde jazem os reis, mas dentro da egreja (...) E fez trazer o seu corpo do
mosteiro de Samta Clara de Coimbra, hu jazia, ho mais homrradamente que
se pode fazer, ca ella viinha em huumas andas, muito bem corregidas pera tal
tempo, as quaes tragiam gramdes cavalleiros, acompanhadas de gramdes
fidalgos, e muita outra gente, e donas, e domzellas, e muita creelezia. Pelo
caminho estavom muitos homeens com círios nas maãos, de tal guisa
hordenados, que sempre o seu corpo foi per todo o caminho per antre círios
acesos; e assi chegarom ataa o dito moesteiro, que eram ali dezassete legoas,
omde com muitas missas e gram solenidade foi posto em aquel muimento: e
foi esta a mais homrrada trellaçom, que ataa aquel tempo em Purtugal fora
vista. Semelhavelmente mandou elRei fazer outro tal muimento e tam bem
obrado pera si, e fezeo poer acerca do seu della, pera quamdo se aqueeçesse
de morrer o deitarem em elle 70.
70
Idem, ibidem.
71
MALEVAL, 1995, p.105.
72
Mt 25, 1-13.
42
que oferecem aos escritores um tema que pudesse ser largamente explorado pelo lirismo
e pela estética. Ainda segundo Sousa:
A vontade de um rei provocou um episódio trágico, fruto de tempos rudes,
em que a força era a lei (...). A vontade de outro rei impediu o seu
esquecimento e deu-lhe a dimensão do mito, um mito que implica também
uma violência – o triunfo do amor para além da morte. (...) o amor ultrapassa,
na história de Pedro e Inês, os limites e os significados de outras histórias
lendárias, como as de Tristão e Isolda ou Eloísa e Abelardo, pois o episódio
português supera a própria morte 73.
73
SOUSA, 2005, p.64.
74
SPINA, 1968, p. 59.
75
Idem, pg 33.
43
poema aqui destacado. Garcia de Resende, autor das Trovas, dedica ao episódio 22
estrofes, cada uma com 10 versos cada, de rima variada. Ao iniciar, o poeta se dirige às
mulheres, apresentando D. Inês de Castro como aquela que o galardão do amor fez
sofrer; desenvolve o poema em primeira pessoa do singular, cedendo voz à dama que
até então não havia se ―pronunciado‖ liricamente, mulher que sofre da coita de amor -
característica trovadoresca - ao declarar amor ao seu senhor:
Qual será o coração
Tão cru e sem piedade
Que não lhe cause paixão
Ua tam grã crueldade
E morte sem razão?
Triste de mim e inocente,
Que por ter muito fervente
Lealdade, fé, amor
Ao príncipe meu senhor,
Me mataram cruamente 76!
76
RESENDE apud SPINA, 1968, p. 144.
77
MALEVAL, 1995, p.99
78
MAGNE, 1988, p. 170,171.
44
79
RESENDE, apud SPINA, op.cit, p.146.
80
RESENDE, apud SPINA, p. 148.
81
Idem, ibidem.
45
imagem de Inês como bela e forte na primeira epopeia portuguesa. A seguir, veremos
como o dramaturgo tratou do tema.
nele. Segundo Bessa-Luis, ―Antonio Ferreira recolheu da tradição coimbrã uma Castro
de certa maneira cativa do infante, mais do que apaixonada‖ 86.
O drama se desenvolve a partir do erro de Inês, que reside não simplesmente na
relação amorosa com o infante, mas na violação de valores morais e divinos,
considerando a condição de parentesco entre ela e Pedro, o adultério, a instalação de D.
Inês de Castro no Paço de Santa Clara (dedicado aos descendentes de Santa Isabel e
seus filhos legítimos) e a ilegitimidade da união. Muito são os fatores que proporcionam
a tensão e a fatalidade. Como nos heróis clássicos, a personagem tem consciência das
forças maiores que regem o destino. Segundo Massaud Moisés,
Antonio Ferreira convoca para a cena Inês de Castro, D. Pedro e D. Afonso
IV, na qualidade de personagens centrais, cercados de personagens
secundárias, como os conselheiros do rei, a ama e o coro, que assume a
função que detinha no teatro greco-latino, ou seja, a de comentar a ação e
aconselhar ou desaconselhar o procedimento das personagens 87.
86
BESSA-LUIS, 1983, p.128
87
MOISÉS, 2006, p.124.
88
TOLEDO, 2006, p. 124.
89
FERREIRA, 1967, p.121.
90
TOLEDO, 2006, p. 125.
47
em diante. Inês parece comover D. Afonso IV, que responde ―Vive em quanto Deus
quer‖. Entretanto, a catástrofe não pode mais ser impedida, pois é preciso castigar Inês:
o clima é interrompido com a antecipação dos fidalgos, que lembram o rei a Razão de
Estado. Quanto à veracidade desta cena, não cabe aqui debater, pois é pouco provável
que os conselheiros do rei, de fato, tenham assassinado Inês com as próprias mãos.
Segundo Toledo:
A catársis, elemento fundamental à teoria aristotélica da tragédia, só
acontece à medida que a heroína encontra um antagonista que precipita o
conflito trágico. O temor e a piedade, sentimentos morais, não se prendem à
situação em si, mas à identificação com a heroína envolvida 91.
91
Idem, ibidem, p. 126.
48
Narrativa dos grandes feitos portugueses, Os Lusíadas é a obra prima de Luis Vaz
de Camões. O autor provavelmente nasceu em Lisboa, formou-se intelectualmente em
Coimbra e prestou serviços militares na África, onde perdeu um olho. Com uma vida
repleta de conturbações, foi preso e libertado para prestar serviços ao rei, em 1553.
Viaja para Goa e circula pelas costas Africana e Chinesa. Na volta da viagem à China,
sobrevive a um naufrágio, salvando alguns cantos d‘Os Lusíadas, ocasião em que perde
sua amada Dinamene. Retorna em 1570 a Lisboa, quando sua obra-prima é censurada,
sendo liberada para publicação em 1572. Na miséria e provavelmente afetado pela
peste, morre em 1580.
Obedecendo aos padrões da epopeia clássica, Camões compôs sua épica com
rigor homérico: dividida em 10 cantos, cada um com cerca de 110 estâncias. Ao total,
são 1102 estrofes, em rima ABABABCC, 8816 versos decassílabos. Divide-se em três
partes: Introdução: possui dezoito estâncias, que se subdivide em Proposição (assunto
do poema), Invocação (invoca as Tágides, ninfas do Tejo) e Oferecimento (ao rei D.
Sebastião); Narração, do canto I ao X; Epílogo, no Canto X, estâncias 145 a 156.
Obra de valor e qualidade inquestionáveis, Os Lusíadas é uma exaltação ao seu
herói, o povo português, misturando o maravilhoso cristão e o pagão. O enredo reside
na viagem de Vasco da Gama às Índias, auxiliado por Vênus, que a todo o momento
livra os portugueses das ciladas de Baco. Os navegantes chegam a Moçambique,
Mombaça e ao desembarcar em Melinde, o rei local pede a Vasco da Gama que lhe
conte os feitos históricos de seu país. É neste ponto da narrativa que o capitão narra a
história de D. Inês de Castro. Prossegue ao mencionar os incidentes que afetaram a
viagem, como o conhecido episódio do Velho do Restelo, que lhes adverte contra a
92
CAMÕES, Canto III, estância 119.
49
cobiça, e o Gigante Adamastor, que tenta lhes impedir o acesso à costa oriental da
África. As naus partem e enfrentam outros perigos, quando Vênus lhes auxilia
novamente para que consigam chegar a seu destino em Calecute. Após alcançarem seu
objetivo, tomam rota de regresso à pátria; no meio do caminho, Vênus lhes presenteia
com a Ilha dos Amores, onde os navegantes descansam e desfrutam das ninfas. No
mesmo episódio, Tétis leva Vasco da Gama ao topo da ilha, lhe mostra a ―máquina do
mundo‖ e as glórias vindouras do povo português. Os navegantes partem da ilha,
retomando a rota. Camões encerra a obra em tom melancólico.
Assim como Ferreira, Camões destacou a língua portuguesa e o tema nacional ao
compor uma epopeia clássica. E tendo estes pressupostos em vista, não poderia ignorar
93
o episódio de Inês de Castro, ocasião em que também a retratou como heroína. Sousa
problematiza a questão da inspiração de Ferreira e Camões – destaca mais a do épico -
residir no poema latino De Agnetis Caede, de André de Resende, que inicia seu poema
com versos em que se visualiza D. Inês nos Campos do Mondego, em meio às flores,
conforme Camões inicia seus versos sobre o episódio em questão. Evidente que a
inspiração camoniana se origina do poema latino, pois naquela época as imitações eram
recorrentes. Contudo, não se pode diminuir o valor da obra de Camões, tão divulgado e
consagrado pela tradição literária: a erudição com que Os Lusíadas foi composto faz
desta uma obra de grande valor.
A personagem de Inês de Castro está construída pela tensão entre Eros (desejo) e
Tanatos (morte), referência clara à retomada dos mitos greco-latinos, que representavam
o Amor como o vilão e condutor da decadência humana. Vítima da covardia dos
carrascos, ela pagará por seu descuido com a vida. A fatalidade é proporcionada pelo
descuido quando Inês aparece segura de seu amor nos Campos do Mondego:
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos de Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxutos,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas 94
Inês colhe o doce fruto do amor, ensina às ervinhas do campo o nome do amado e
sente saudades dele. A fatalidade se desenrola a partir da ausência de Pedro. A sorte
93
SOUSA, 2005, p. 62.
94
CAMÕES, Canto III, estância 120.
50
reserva a Inês sua desgraça: o engano da dama reside no descuido de se deixar cegar de
amor pelo infante, ―nome que no peito escrito tinhas‖, uma vez que, possuída por Eros,
estará fragilizada e volúvel. Pedro nega casamentos com outras mulheres honrosas: ―De
outras belas senhoras e Princesas /Os desejados tálamos enjeita,/ Que tudo, enfim, tu,
puro amor, desprezas‖ 95. O casal não consegue enxergar os perigos e deixa-se levar pela
mão de Eros. A consequência é os comentários do povo, que murmura diante da
ilegitimidade da união. É preciso que D. Afonso IV tome uma decisão diante das
críticas e do descuido do filho: ―O velho pai sisudo, que respeita/ O murmurar do povo
e a fantasia/ Do filho, que casar-se não queria‖ 96. Assim, decide que Inês deve ser morta
e o papel de heroína lhe é incumbido. Como em Ferreira, ocorre a cena da entrevista da
dama com o rei, que se apieda diante da súplica. Mas nem o povo, nem os algozes se
comovem e Inês desempenhará o papel heróico ao aceitar os feitos que o destino lhe
reserva, a morte. O sacrifício dela recupera os valores sociais e cristãos e restabelece a
ordem política do Estado.
Em Camões, Inês atinge o ápice do episódio consagrado na memória cultural, ao
evocar o caso de amor, levado para além da morte:
O caso triste, e digno da memória
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de ser morta foi Rainha 97
95
Idem, estância 122.
96
Idem, Ibidem.
97
Idem, estância 118.
98
OLIVEIRA, 2000, p.23
99
Idem, ibidem.
51
100
CAMÕES, Canto III, estância 131.
101
Idem, estância 128.
102
CAMÕES, Canto III, estância 132.
103
SOUSA, 2005, p.15
104
Quanto a ideia de Reino, pode-se considerar tanto Portugal quanto Aragão e Castela. Os reinos
ibéricos se uniam no movimento das Cruzadas, frequentes no tempo de Inês de Castro, que tinham por
propósito expulsar os islâmicos, que ocuparam a Península Ibérica.
52
A pena de D. Pedro será viver sem Inês, triste até o fim de seus dias. Pedro está
morto e declara isto ao coroar Inês depois de morta. Nos túmulos, jazem as esperanças
de um encontro vindouro. No episódio camoniano, a morte não encerra o caso: antes,
glorifica Inês.
O episódio camoniano diverge dos textos de Fernão Lopes e Antonio Ferreira, em
que a figura de D. Pedro será a chave para a glorificação e exaltação de Inês de Castro.
Em Camões é a natureza que trata de assumir tal papel. Retomando o cenário idílico em
que Inês estava inserida, ―a prova glorificante é feita pela fatalidade, que vai reconhecer
o feito do herói. (...) Faz o reconhecimento através da natureza. A terra, molhada pelas
lágrimas das filhas do Mondego que choraram por muito tempo a morte da bela Inês,
faz brotar uma fonte‖ 105. Na ordem da natureza, as lágrimas derramadas pela dama são
transformadas numa fonte, onde eternamente a memória daquele lugar está ligada à Inês
de Castro:
As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores 106
105
OLIVEIRA, 2000, p. 28.
106
CAMÕES, Canto III, estância 135.
107
Idem, ibidem, estância 129.
108
OLIVEIRA, 2000, p. 38-39.
53
109
CAMÕES, Canto III, estância 134.
110
Segundo um mito de origem grega ou assíria, Semíramis, mãe de Nino, foi abandonada pela mãe, a
rainha da Assíria. Sobreviveu ao ser alimentada por aves.
111
CAMÕES, Canto III, estância 136.
112
JACOTO, 2006, p.177.
54
anos, é tema de inúmeras obras, tanto literárias quanto estéticas de um modo geral.
Entretanto, a imagem canônica de D. Inês de Castro, vítima e heroína, a tensão do amor
que a conduz à morte é a representação tradicional da sua figura. A ausência de aspectos
históricos e a divulgação do conturbado caso de amor entre um infante e uma nobre
bastarda criaram uma lenda evocada por muitos anos. Inês passa da morte à glorificação
113
e neles, impregnam-se os sentimentos tipicamente portugueses: amor e saudade.
Assim, este trabalho tem como pressuposto partir destas premissas canônicas e
verificar como a figura de D. Inês de Castro tem sido tratada na literatura
Contemporânea pós anos sessenta. Esta será a abordagem do próximo capítulo.
***
113
SOUSA, 2005, p.54.
55
3
Inês de Castro hoje
É provável que Bocage tenha se inspirado nos versos de Camões quando toca na
questão de Inês de Castro como vítima de um amor que não poderia recusar: a infâmia
de tal amor desperta nos maus o anseio de lavar a honra do reino no sangue casto da
dama. Serva do amor de Pedro, clama pelo esposo, outro aspecto que evidencia a
covardia praticada pelos fidalgos do rei, pois subentende-se que a união era legítima não
pelas leis humanas, mas pelas leis do amor.
Outro exemplo que aqui cabe demonstrar acerca da representação de Inês de
Castro como vítima está nos versos de Miguel Torga, publicado em Poemas Ibéricos:
Antes do fim do mundo, despertar,
Sem D.Pedro sentir,
E dizer às donzelas que o luar
E o aceno do amado que há-de vir…
114
Extraído do site : http://purl.pt/1276/1/poemas.html
56
115
Extraído do site: http://inescastro1000.blogspot.com.br/2010/03/poema-de-miguel-torga.html
116
Romeu e Julieta é uma tragédia escrita por Willian Shakespeare, no século XVI. Trata da rivalidade
entre famílias influentes de Verona, Itália. Os jovens Romeu e Julieta, oriundos destas famílias, se
apaixonam, atenuando as brigas entre os rivais. Cultivam o amor escondidos, e têm como álibi um padre,
que os ajuda no plano de fugirem. Ao final, há um equívoco no trato de tal fuga: Julieta toma uma
substância para se fingir de morta a fim de fugir com Romeu. A notícia não chega ao jovem que, ao ver a
amada no túmulo, se mata. Julieta acorda e vê Romeu morto, e em desespero, e se mata.
117
MALEVAL, 1995, p.111.
118
BECHARA, 2009, p.855.
57
Não foi de maneira despropositada que Helder escolheu este título, tendo em vista a
forte cisão com a tradição que o conto apresenta.
O conto traz uma releitura da crônica de Fernão Lopes, quando o autor recorre não
à personagem de Inês de Castro, mas ao conselheiro de D. Afonso IV, Pero Coelho. Inês
já não é mais o centro da narrativa, composta em primeira pessoa: cede voz à parte
envolvida no caso para que possam ser ouvidas as suas razões:
Isto se observa logo a partir do próprio ponto de vista em que se constrói a
narrativa, tal seja a visão de um dos assassinos – Pero Coelho – no além. A
partir de tal perspectiva, subvertidas são igualmente a noção de tempo
cronológico e espaço físico delimitado119.
Pero Coelho como narrador 120 conta os procedimentos da sua pena de execução e
os motivos que o levou a incitar no rei a pena de Inês de Castro. A narrativa se inicia
com elementos anacrônicos:
Sobre a praça onde sobressai a estátua municipal do Marquês de Sá da
Bandeira.(...) Distingo no rés-do-chão o letreiro da Barbearia Vidigal e o
barbeiro de bigode louro que veio à porta assistir ao meu suplício.Distingo
também a janela manuelina (...) O cláxon de um automóvel expande-se
liricamente no ar 121.
119
Idem, p.112.
120
Ao que parece através das analogias tratar-se de Pero Coelho, apesar do modo de execução (arrancar o
coração pelas costas) ter sido sofrida por Álvaro Gonçalves, segundo o texto de Fernão Lopes.
121
HELDER, 2010, p.84, 85 e 86.
122
JACOTO, 2008, p.178.
58
Rompe também com a imagem consagrada de Inês, ―amante favorita‖, ironia com
que trata do tema e certa razão, pois como se evidenciou no capítulo anterior, D. Pedro
ainda teve outro filho, Mestre de Avis, com uma dama chamada Teresa. Opõe-se às
narrativas tradicionais, que santificavam Inês. Helder, ao contrário, ―procede-se não à
santificação do caso, mas à sua satanização‖ 127
, pois demoniza os envolvidos e o amor
que tanto se defendeu como causa do ensandecimento:
123
HELDER, 2010, p. 83, grifos nossos.
124
Idem, p.85.
125
MALEVAL, 1995, p.112.
126
Idem, p.83.
127
MALEVAL, 1995, p.113.
59
Sei que vou para o inferno, visto eu ser um assassino e o meu país ser
católico (...) O rei e a amante são também criaturas infernais.Só a mulher do
rei, D.Constança, é do céu. Pudera, com a sua insignificância, a estupidez, o
perdão a todas as ofensas. Detesto a rainha 128.
128
HELDER, 2010, p.84,85.
129
HELDER, 2010, p.84.
130
LOPES, 1979, p.199
131
Idem, p. 200.
132
HELDER,2010, p. 84.
132
Idem, ibidem.
133
Idem, p.85.
60
A partir disto, o conto tem seu desenrolar e, diferentemente de Lopes que cita que
os corpos dos fidalgos foram queimados, a representação do fogo se dá por meio de
metáfora da comunhão entra as almas de Pero e Pedro: ―Seu corpo [do rei] ir-se-á
reduzindo à força de fogo interior e a paixão há-de se alastrar pela sua vida (...) E eu
também irei crescendo dentro do rei que comeu o meu coração‖ 136
. O fogo, conhecido
na idade média por purificar as almas, estabelece o pacto de comunhão entre ambos faz
com que Inês seja a causa de todo o acontecimento:
D. Inês tomou conta das nossas almas. Liberta-se do casulo carnal,
transforma-se em luz, em labaredas, em nascente viva. Entra nas vozes, nos
lugares. Nada é tão incorruptível como a sua morte. (...) No crisol do inferno
havemos de ficar os três perenemente límpidos. O povo só terá de receber-
nos como alimento, de geração em geração 137.
134
LOPES, 1978, p.148.
135
HELDER, 2010, p.85, 86.
136
Idem, ibidem.
137
Idem, ibidem.
61
Tal pacto permite que a tradição rememore Inês de Castro ao longo dos anos: a
morte, elemento fundamental para que sua imagem se fixe, permite que nada abale ou
deteriore o episódio fixado nas narrativas do tema. Assim, são os três igualmente
criminosos, condenados à pureza eterna do fogo que purifica. Não há crime, há, pois,
evidências do teorema para que Inês de Castro seja rememorada e representada nas
artes: o narrador enuncia sua conclusão do teorema. Era preciso que o destino se
cumprisse: ―Percebo como tudo está ligado, como é necessário as coisas se
completarem.‖ 138
. A imagem casta de Inês é abalada, dando lugar à barbárie praticada
em seu nome.
Cabe destacar que Os passos em volta foi publicado no período em que o Estado
Novo Português intensificava seu ideal de nação, apesar de estar em evidente
decadência. No livro, não há nenhuma menção direta aos absurdos praticados pelo
139
governo salazarista. Entretanto, pode-se observar o que Jacoto aponta como um
espírito da alma coletiva. À medida que o Estado Novo imprimia e divulgava a imagem
de Vasco da Gama como colonizador, home expansor do império, Helder retrata em
Teorema um povo bárbaro, de fé cega e que tem um líder à altura, tão bárbaro, arbitrário
e cru. Uma analogia a Salazar?
O conto dá expressão ao que ficou á margem da epopeia [camoniana],
devolvendo a Portugal sua imagem primitiva: nele, contracenam as criaturas
infernais, o rei louco, a amante e o assassino, criaturas relegadas à sombra da
imagem que sustentava o sonho do Império Cristão no Ocidente 140.
Vale destacar que, em 1945, João Leitão de Barros produziu um filme sobre Inês
de Castro, patrocinado pelo Estado Novo. Uma tentativa do governo para criar uma
identidade nacional a partir de narrativas tradicionais, esforço semelhante ao do Estado
Moderno no século XIX, quando retomou as narrativas de fundação da pátria, em sua
maior parte, medievais.
De qualquer maneira, a voz de Helder dribla a censura política, subverte e
ressignifica o episódio de Inês de Castro, rompendo, assim, com a tradição literária à
medida em que não nega a importância do tema, mas reconfigura o eixo e pontos de
vista narratológicos.
138
HELDER, 2010, p.84.
139
JACOTO, 2008, p.183.
140
Idem, p. 184.
62
141
MOISÉS, 2006, p.621.
63
A obra se inscreve num lugar que não pertence somente mais ao que se escreveu,
mas que se propõe a ir além do que os grandes escritores abordaram acerca de Inês de
Castro: aponta as possibilidades que o tema oferece, extra discurso histórico, que
carrega em si o compromisso com uma verdade, ainda que esta verdade esteja
comprometida com o poder vigente:
A História é uma ficção controlada. A verdade é coisa muito diferente e jaz
encoberta debaixo dos véus da razão prática e da férrea mão da angústia
humana. Investigar a História ou os céus obscuros não se compadece com
susceptibilidades. Que temos nós a perder? A personalidade não existe, mas
sim efeitos que a desenham como os efeitos da luz sobre os corpos. Por isso
não causamos danos no carácter dos povos quando aventuramos paixões e
factos que, no fundo, são a projecção do mais humilde dos cabaneiros e
zagalos 143.
142
SOARES, artigo extraído de http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno09-03.html
143
BESSA-LUÍS, 1986, p.201.
144
Idem, p. 20.
145
Idem, p. 96.
64
Donde vinha ela, essa donzela peregrina, moldada ao gosto medieval e que
devia causar nos homens novos a mesma impressão que hoje causam os
modelos da Vogue ou das marcas de aperitivos 146?
Também ficcionaliza sobre a inclinação política que poderia ter sido cultivada em
Inês de Castro, ―mulher educada para a obediência política‖, 148
desde muito cedo por D.
Teresa de Albuquerque, mãe adotiva e tutora da dama. Segundo o romance, Inês
pretendia, sim, o trono e a sua presença não era inapropriada no séquito de D.
Constança, rejeitada duas vezes por motivos políticos. Segundo a narradora, Constança
era a vítima da força que Inês envolveu Pedro e a motivação política por trás da beleza e
sedução:
Ela pretendia, por meio da sua identidade negativa, a de estrangeira, assumir
uma função social evidente - a de rainha. A sua influência sobre o infante
partia dessa claridade negativa; de tornar reais as suas pretensões (...) Não
era uma mulher inocente nem perversa. Era uma pessoa perigosa, é certo,
porque reflectia a personalidade tenebrosa que cada um sabe conter e espera
exorcizar149.
146
Idem, p. 25.
147
Idem, p. 159.
148
Idem, p. 73.
149
Idem, p.73.
65
150
Idem, p. 53
151
Idem, p. 74
152
MARINHO, s/a, p.7.
66
153
BESSA-LUÍS,1983, p.81.
154
Nesta crônica, pode-se verificar o discurso do Dr. João das Regras a respeito da veracidade do
casamento de Pedro e Inês. Conforme exposto no II capítulo deste trabalho, o cronista estava envolvido
com a causa de Avis. Assim, não poderia discursar a favor dos filhos de Inês, pois seu compromisso era
com a nova dinastia.
155
Idem, p.97
156
Idem , p.208.
67
No fundo, Inês era inofensiva; não ocupava mais espaço, com todas as suas
ambições puramente de índole arcaica e próprias da mentalidade feminina, do
que qualquer outra esposa nietzschiana, gata ou pomba, conforme as
circunstâncias. Simplesmente ela harmonizava, dava sentido a uma certa
fraqueza do infante 157.
Cabe ao público atribuir significados que lhe forem mais plausíveis: não mais a
Inês que o imaginário coletivo cristalizou nem a bela Inês inocente dos poetas, mas uma
mulher que tem suas adjetivações exaustivamente trabalhadas, a fim de que o leitor lhe
157
Idem, ibidem.
158
Idem, ibidem.
159
MARINHO, s/a, p. 17.
160
Idem , p.207.
68
atribua o significado que lhe for mais conveniente. A riqueza da obra de Agustina reside
no mesmo caráter do mito do amor de Pedro e Inês: lacunas deixadas pela História que
serviram de inspiração aos poetas, mas que se enchem de possibilidades nas
perspectivas propostas pela narradora.
Após as pesquisas que este trabalho se propôs a realizar, verificou-se que não há
análises acadêmicas sobre o romance em questão. Assim, este item tem por propósito
dar circulação a análises preliminares, resultados da leitura desenvolvida e a
comparação das projeções da figura de Inês de Castro do citado romance com As
Adivinhas de Pedro e Inês, por carregar traços visíveis de decalques desta obra. Após a
leitura, ficou evidente que algumas das hipóteses que Agustina Bessa-Luís desenvolveu
em seu romance serviram de inspiração para o romance de Margarida Rebelo Pinto.
Desta maneira, a análise que aqui se propõe é fruto da pesquisa deste trabalho. Pretende-
se citar como o romance foi recebido pelo público na internet e os comentários sobre
ele. Ainda que impregnado de sentimentalismos, a obra é relevante para que se
evidencie como o tema tem sido abordado na literatura portuguesa atualmente.
O romance Minha Querida Inês foi publicado em 2011 pela Editora Clube do
Autor. Desenvolve-se na primeira pessoa, quando a própria Inês é reconduzida para o
centro da narrativa assumindo o papel de narradora-personagem. É ambientado no Paço
de Santa Clara – a edição de 2011 conta com o mapa do Paço – e o fio condutor do
tempo consiste nos últimos sete dias de vida personagem principal, longe de Pedro. Inês
pressente a morte iminente, onde seu destino se cumpre conforme a tradição se
encarregou de tornar conhecida: a desconfiança por ser galega, amante e não ter se
casado com o infante Pedro, pelo amor adúltero e pela questão de Estado.
Embora assuma o erro aos olhos da sociedade de seu tempo, a narradora toma
uma posição tipicamente contemporânea por não sentir culpa ou arrependimento, ou
seja, uma espécie de amor livre: conhece seus dotes e artifícios femininos e descreve a
paixão de Pedro por ela. Pedro pouco aparece na narrativa e, segundo a própria
narradora-personagem se deva à sua inaptidão para lidar com conflitos de modo
racional. Parte da data de 1º de janeiro, quando Inês pressente que algo estranho irá lhe
69
Assim, também fica evidente que a autora possa ter recorrido à leitura agustiniana
do caso, que sugere que Inês estivesse grávida quando foi assassinada, um dos
significados possíveis da leitura do túmulo:
Isto é medida de recurso que nenhuma mulher em idade fecunda se atreve a
desdenhar. É abalado com essa confissão que D. Afonso se retira; não com as
lágrimas das crianças, que não estariam sequer presentes. Mas teme a
crueldade exercida sobre o feto, teme a repercussão desse crime, e D. Pedro
sabe fazer perdurar essa mancha, porque ordena que o corpo de Inês, na
história tumular, ascenda na figura de uma mulher grávida 163.
161
PINTO, 2011, p.51
162
Idem, p. 47.
163
BESSA-LUÍS, 1983, p.113.
164
PINTO, 2011, p.39.
70
algozes de Inês que acaba por ganhar espaço na narrativa, diferentemente de Pero
Coelho, diz que:
São as mulheres, quase sempre as mulheres, quem provocam as maiores
desgraças no poder. Os homens perdem o senso e a razão na alcova de uma
mulher que conheça as manhas da carne. Ficam como cordeiros indefesos,
prontos para serem mortos pelos seus pares. Veja-se o infante D. Pedro, que a
todos assusta, e, no entanto, é Inês quem o domina165.
165
Idem, p.35.
166
LOPES, 1979, p.39, grifos nossos.
167
BESSA-LUÍS, 1983, p. 203.
71
Diverge da obra agustiniana, que por vezes sugere que a morte de Inês de Castro
se deve à negligência do infante. Em Minha Querida Inês, a narrativa pouco menciona
D. Pedro, exceto por uma carta em que envia para acalmar a amante. Evidência de que,
se historicamente Inês de Castro existiu somente por Pedro, na literatura contemporânea
ele é retirado do centro narrativo para que a dama ganhe destaque maior.
Antagonicamente, o feminino se articula pelo bem de D. Inês. Pela voz das
personagens femininas no romance, Inês de Castro é tratada como heroína por fazer
caridade, se compadecer dos pobres, como no caso da personagem Remédios,
personagem ficcional (não-histórica). Remédios é mulher moura, filha de um grande
sultão, que a perdeu após uma batalha, quando foi vendida como escrava. Vagou por
muitos lugares, sofreu abusos de homens até sentir asco deles. Inês de Castro a recolhe
da rua e a torna sua criada, o que faz com que Remédios sinta enorme amor e gratidão
por sua senhora. Por conhecer muito bem o manejo das ervas, Inês a nomeia Remédios.
Tem um caso amoroso com outra criada da dama, Clara, fato que Inês de Castro sabe,
mas não torna público:
Não mais esquecerei esse dia, quando D. Inês, vendo-me sentada à porta da
igreja, estancou o passo diante de mim e me perguntou de onde vinha. Ao
topar no meu linguarejar atrapalhado que era moura, logo me perguntou se
andava fugida e se precisava de um tecto.(...) Quando mudámos para o Paço
da rainha, já Clara e eu éramos como uma só alma, e D. Inês, sabendo de tal
segredo, destinou-nos uma câmara pequena por debaixo das escadas, para
que ninguém nos incomode e para que as possamos subir num ai se D. Inês
ou seus queridos filhos chamarem por nós. Clara é uma moça do campo que
Alá pôs em meu caminho, para me fazer mais cativa de seu coração do que a
minha condição de destino169.
168
PINTO, 2011, p. 63.
169
Idem, p.80.
72
Outra personagem acolhida por Inês de Castro é Guiomar, que é descrita por Inês
logo no início do romance, como uma prostituta e ladra, que se redime ao se casar com
um homem apaixonado por ela. Nos primeiros anos de casamento, Guiomar dá à luz
quatro filhos, que morrem, fato que a leva a um surto de loucura ao ponto de matar o
marido. Desde então, é conhecida por possessa e todos têm medo dela, exceto Inês de
Castro, que a visita diariamente no hospital do Paço e lhe cede carinho e confiança, o
mesmo que com outros doentes. Sente falta de Inês, que não a visita há tempos.
Pressente também a possibilidade iminente da morte de sua senhora, como um destino
inexorável. Questiona a injustiça dos homens ao falar de si e de Inês:
Pobre senhora minha, tão nobre e boa, que a morte espera com suas garras
afiadas. (...) D. Inês vai morrer, vejo o seu triste fim desenhado nas nuvens do
céu, em vão tento avisá-la, mas as grilhetas que me prendem à minha enxerga
não me deixam sair daqui. (...) Foi há mais de doze luas, talvez mesmo antes
da invernia passada, que D. Inês iniciou as suas visitas quase diárias ao
hospital.(...) D. Inês, a única pessoa que conseguiu limpar a raiva do meu
coração, a única mulher que mandou lavar os meus cabelos, a única senhora
que olhou para mim e não viu uma louca, uma meretriz sem vergonha, uma
ladra sem alma, uma pobre de Deus, mas sim uma mulher como ela171.
O que fica evidente é que a imagem de Inês de Castro se reitera como na tradição:
a retomada da característica de donzela inocente e bondosa é retomada neste romance
ao atribuir a Inês de Castro características já cristalizadas pelos poetas. Inês retoma seu
lugar no centro narrativo.
Outra personagem feminina que cabe destacar é Teresa, aia de Constança que é
descrita por Inês como mulher fiel e dedicada, apagada e sem muita beleza. Entretanto,
Inês não desconfia do amor secreto dela por Pedro, que é revelado em sua fala. Teresa
se encontra num paradoxo, pois dedica seu amor fraternal a sua senhora e paixão pelo
infante. Seu discurso demonstra como Inês julga-a erroneamente, pois não é inocente
como parece. Descreve seu amor por Pedro e seu desejo: diz desejar ter um filho casto
que sirva a Portugal. Tal fala deixa claro que esta Teresa em questão é a mãe de D.
João, Mestre de Avis, conforme Lopes aponta na Crônica de D. Pedro, ― mas ouve
huum filho dhuuma dona‖ 172 :
170
BESSA-LUÍS,1983, p.24.
171
PINTO, 2011, p.143.
172
LOPES, 1979, p. 195.
73
Não possuo traços finos nem cabelos sedosos. O sangue galego misturado
com mouro deu-me uma boca demasiado grande, os meus lábios carnudos
assemelham-se aos de um bode e os meus olhos escuros e saídos lembram os
de um peixe. Nunca me cresceram as pestanas com graciosidade
para que fossem notadas e, no entanto, tenho as sobrancelhas grossas que me
carregam o semblante. A minha pele não é pura nem alva como a de D. Inês,.
(...). Aquilo que vejo ao espelho é pele de cor mortiça e acinzentada, por
vezes semelhante ao tom do pêlo dos ratos que correm livres pelos campos.
(...) Há muito que desejo o infante, desde o instante em que o vi pela primeira
vez, no dia do casamento com D. Constança173.
173
PINTO, 2011, p.142-143.
174
BESSA-LUÍS, 1983, p. 74.
175
PINTO, 2011, 186.
74
filhos. Em Minha Querida Inês os filhos não estavam na câmara da mãe. Ao perceber
sua morte iminente, lhe resta o último pedido: que o rei aceitasse a natureza perturbada
do filho.
Ao final, Inês já morta contempla todos os fatos que se seguiram: de cima vê seu
corpo, as aias em prantos, Pedro guerreando contra o pai, Teresa se deitando com Pedro,
a trasladação de seus restos. Também vê Pedro se vingar do escudeiro, o túmulo
suntuoso, a profanação de seu túmulo pelos ingleses:
Serei mártir, serei amada, serei admirada, serei cantada e reconhecida, para
sempre serei lembrada neste reino e em tantos outros, por ter sido bela, por
ter sido sacrificada, por ter sido mulher. Pedro não voltará a casar e não mais
deixará de me chorar, serei sempre sua e dona do seu coração até ao fim dos
dias, até ao fim do mundo176.
176
Idem, p.191.
177
http://margaridarebelopinto.blogs.sapo.pt/tag/bio
75
seguir, se propõe uma reflexão deste fato e como os rumos da literatura, de um modo
geral, têm sido mudados com a popularização de temas antes de exclusividade erudita.
A cultura de massa tem sido tema de debates teóricos, uns em defesa, outros em
ataque. Segundo Umberto Eco178, urge destacar que o termo cultura de massa é genérico
e paradoxal: à medida que uma das possíveis interpretações para a palavra cultura
implica num fato da aristocracia, fundamentada na erudição, massa designa o maior
número de pessoas não-aristocratizadas. Com o alargamento da área cultural, o
surgimento da indústria da cultura de massa torna-se mais paradoxal que a questão
anterior: como associar o contato de almas que a cultura pode propor à montagem em
série de produtos seriados?
Para isso, a noção de cultura de massa deve ser considerada como uma cultura
disciplinada para a mediedade, ou seja, que atinge o gosto da média. É fato que as
massas se mobilizaram ao engajamento político, exigindo maior participação nos
direitos civis, o que as tornaram participantes da coisa pública. Política, direito e cultura
passaram a ser praticados por tal massa que era – e é – característica da sociedade
capitalista. Conquistados os direitos de fruição da vida pública, herdaram o gosto e
práticas da burguesia, que por sua vez se inspirava numa cultura ―superior‖.
A depreciação dos críticos na cultura de massa é o fato de que a experiência
estética proposta pelos produtores de uma cultura dirigida ao maior número de pessoas é
atingir a média. Atingido o objetivo, a crítica destaca que o gosto médio priva a massa
de uma experiência estética mais profunda, mais libertadora ao oferecer o produto de
consumo acabado. Evidente que esta é uma visão aristocrática, ―deveremos admitir que
uma solução estilística seja válida unicamente quando representa uma descoberta que
rompe com a tradição e é por isso, partilhada por poucos eleitos‖ 179?
Desta maneira, a indústria cultural entrega o bem de consumo de maneira
―condensada‖, a experiência estética pronta, ao invés de sugeri-la ou provocar a emoção
no ―consumidor‖ de tal arte. Despertam um nível superficial dos sentidos, que resulta
nos resulta nos prazeres fáceis.
178
ECO, 2011, p.8,9.
179
Idem, p.38.
76
180
Idem, p. 45.
181
Idem, p. 50.
77
e ainda que controlada por pequenos grupos de uma elite é um fato positivo que a
literatura seja acessível, democrática.
Os espaços se fundem e torna-se difícil delimitar as preferências, uma vez que o
acesso às obras tornou-se democratizado. A relação entre culturas não significa uma
estabilidade do gosto: qualquer homem pode se aventurar pelas histórias em quadrinhos,
tanto quanto imergir na leitura de Proust. Dependerá da disposição e propósito do leitor,
capaz de se deleitar com distrações ou à fruição de uma leitura com uma proposta mais
elaborada. A diferença reside no leitor. Fato que leva a crer que o espaço da cultura de
massa e o da cultura de elite resultam na ausência de delimitação de fronteiras.
Estas considerações são pertinentes quando se volta o olhar para o percurso
literário que a personagem de Inês de Castro traçou – ou que foi traçado pelos poetas –
ao longo do tempo. O que se verifica no contemporâneo é uma espécie de
atravessamento: de personagem clássica a personagem de best-seller, Inês transitou por
lugares narrativos até ser ícone da cultura de massa. Em Teorema e Adivinhas de Pedro
e Inês é retirada do centro narrativo; em Minha Querida Inês ocupa o centro narrativo
novamente, mas com poucas rupturas com a tradição, pois mais a conserva do que
contesta, o texto de Margarida Rebelo Pinto perde na questão da originalidade, o que
não diminui os aspectos de ruptura trazidos pela narrativa.
Mas as veredas escolhidas para a personagem evidenciam como a ausência de
características históricas proporcionou possibilidades para sua representação literária. E
tal atravessamento é fruto de um esforço da cultura de massa, que só pôde representar
Inês a partir do século XX, ou seja, quando o mundo moderno passou a questionar as
verdades sagradas, as estruturas.
Segundo Bauman, ―a realidade deveria ser emancipada da ―mão morta‖ de sua
própria história‖ 182, ou seja, ao abalar as estruturas já enferrujadas da sociedade talhadas
pela história e pela convenção, não se propunha uma utopia do mundo novo. A metáfora
da liquidez ou liquefação proposta pelo sociológo para explicar os tempos modernos e
contemporâneos explica o percurso da personagem. Pode-se afirmar que, abaladas as
estruturas narrativas tradicionais de Inês de Castro, ela torna-se líquida, pois ―sabemos
pela prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos
movemos‖ 183.
182
BAUMAN, 2001, p.09.
183
Idem, ibidem.
78
4
CONCLUSÃO
5
Referências Bibliográficas
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Paulinas, 1989.
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Jônatas Batista Neto.São Paulo: Companhia das Letras, 2011. Título original:Mâle
Moyen Âge: de l‘amour et autres essais
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84
http://margaridarebelopinto.blogs.sapo.pt/tag/bio