Você está na página 1de 4

GEOLOGIA E DEFORMAÇÃO DO TERRENO RIO APA NA REGIÃO DA SERRA

DA ALEGRIA (MS) –– SUL CRÁTON AMAZÔNICO

Rafael Ferreira Cabrera1,6,7, Amarildo Salina Ruiz2,6, Shayenne Fontes Nogueira1,6, Maria
Zélia Aguiar de Sousa3,6, Fernando Flecha de Alkimin3, Gabriela dos Santos,5,6

1-Programa de Pós-Graduação em Geociências/UFMT; 2-Departamento de Geologia


Geral/UFMT; 3-Departamento de Recursos Minerais/UFMT; 4-Departamento de
Geologia/UFOP; 5-Curso de Graduação em Geologia/UFMT; 6-Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia de Geociências da Amazônia (GEOCIAM); 7-contato: rcabreragel@gmai.com

INTRODUÇÃO
A Serra da Alegria, situada a aproximadamente 230km da cidade de Bonito (MS), é
cartografada (Lacerda Filho et al. 2006) como representante do segmento norte do Granito
Alumiador; tendo relação intrusiva com o Gabro Anortosito Serra da Alegria; sendo
bordejados por metassedimentos do Grupo Alto Tererê, uma porção de crosta oceânica
remanescente na colisão de antigos blocos continentais. Neste trabalho pretende-se apresentar
uma caracterização litoestrutural da região da Serra da Alegria, trazendo uma nova visão a
respeito do contexto geológico regional. Para atingir os objetivos esperados foram adotados
os procedimentos padrões de cartografia geológica e petrografia.

CONTEXTO GEOLÓGICO REGIONAL


O Terreno Rio Apa, que representa o extremo Sul do Cráton Amazônico, é composto
por dois blocos tectônicos de história evolutiva distintas, unidos por uma zona de sutura de
direção preferencial N-S, denominados Oriental e Ocidental (Cordani et al. 2010). Esta sutura
une um bloco mais antigo, embasado por rochas geradas em torno de 2.0Ga, com um bloco
mais jovem, com gnaisses e granitos milonitizados gerados em torno de 1.75Ga. A área
estudada encontra-se na junção entre os blocos Oriental e Ocidental, onde observa-se o
Gnaisse Caracol justaposto aos Granitos da Suíte Intrusiva Alumiador, entretanto não é
possível observar a sutura, devido estar encoberta pelos sedimentos da Formação Pantanal.
A região foco (Fig. 1) tem como a unidade mais antiga o Gabro Anortosito Serra da
Alegria (Silva 1998), descrito originalmente como intrusivo no granito da Suíte Intrusiva
Alumiador (Araújo et al. 1982), no entanto, Cabrera & Nogueira (2013) descrevem relações
de corte que indicam que esta unidade atua como embasamento da área. Os granitos desta
região eram cartografados como a extensão do Granito Alumiador (Lacerda Filho et al. 2006)
e, recentemente, Cabrera & Nogueira (2013) baseados em diferenças texturais, litológicas e
faciológicas, além de interrupção física, sugerem o termo Granito Aquidabã para o corpo
granítico que constitui a Serra da Alegria e Granito Uruaçu para um corpo menor que ocorre a
oeste desta serra. O gnaisse descrito na região era considerado como Complexo Rio Apa
(Lacerda Filho et al. 2006) e foi individualizado por Cordani et al. (2010) como Gnaisse
Caracol, considerado já parte do Bloco Oriental. A sequência metassedimentar que ocorre no
entorno dos granitos e constitue cristas alinhadas de direção NW-SE eram cartografadas como
registros preservados de uma crosta oceânica pertencentes ao Grupo Alto Tererê (Lacerda
Filho et al. 2006), considerados como a unidade mais antiga do Terreno Rio Apa. Cabrera &
Nogueira (2013) e Cabrera et al. (2013) apontam critérios que indicam que se trate de uma
unidade mais jovem, gerada em bacia supracrustal, e consideram como a extensão do Grupo
San Luis (Wiens 1984), uma sequência fluvial que ocorreria desde o Paraguai até o norte do
Terreno Rio Apa. Recentemente Cabrera et al. (neste volume) sugerem utilizar o termo Grupo
Ypacaraí para as rochas desta sequência na região da Serra da Esperança, fronteira Brasil-
Paraguai, sendo correlato ao Grupo San Luis.
Figura 1: Mapa geológico do entorno da Serra da Alegria (MS), modificado de Cabrera &
Nogueira (2013).

CARACTERIZAÇÃO LITOESTRUTURAL
O Gabro-Anortosito Serra da Alegria é caracterizado como maciços, médio a grossos
porfiríticos e, subordinadamente equigranulares médio a finos, fortemente magnéticos,
apresentando textura ofítica a sub-ofítica e, raramente, intergranular. O Granito Aquidabã
constitui um batólito textural e composicionalmente caracterizado por duas fácies: dacítica a
riolítica e granodiorítica: a fácies dacítica a riolítica ocorre na porção central do corpo
batolítico, com litotipos rosa-acinzentados, maciços, afaníticos a subfaneríticos com
variedades porfiríticas; as rochas da fácies granodiorítica variam de equi a inequigranulares
média a grossa, por vezes porfiríticas, rosa-acinzentadas. Seus contatos com o Gabro-
Anortosito Serra da Alegria são do tipo intrusivo, ocorrendo diques do granito no gabro e
xenólitos do gabro no granito, e com as rochas do Grupo Ypacaraí são do tipo tectônico, por
zonas de cavalgamento. O Granito Serra Verde é inequi a equigranulares médios a finos, com
porções porfiríticas, leucocráticos, cinza-esverdeados e de composição granodioríticaa
monzogranítica, por vezes apresentando concentrações de malaquita. Faz contato do tipo
tectônico com as rochas do Grupo Ypacaraí, por rampas de cavalgamento que lançam os
metassedimentos em cima do granito. O Gnaisse Caracol é leucocrático, rosa, apresenta
textura gnáissica típica inequigranular média a porfirítica, com porfiroblastos rotacionados de
feldspato alcalino. Apresentam bandamento composicional definido por níveis félsicos de
textura granoblástica, formados por feldspato alcalino, plagioclásio e quartzo, e leitos máficos
constituídos por biotita, anfibólio e opacos. Seu contato com os granitoides e os
metassedimentos encontra-se encoberto pela Formação Pantanal, mas segundo Cordani et al.
(2010), trata-se de uma sutura por zona de cavalgamento (estrutura concordante com a
foliação principal). O Grupo Ypacaraí representa uma sequência metassedimentar composta
por conglomerados oligomíticos, arenitos conglomeráticos, passando gradacionalmente a um
arenito com clastos esparsos, filitos avermelhados com lentes de mica-xistos e quartzo-mica-
xistos.

Figura 2: foto ilustrando (A) textura esferulítica da fácies dacítica a riolítica do Granito
Aquidabã; e (B) relação das estruturas do Domínio Oriental em metarenitos do Grupo
Ypacaraí.

Foram identificados dois domínios estruturais: o Oriental, representado pelo Gnaisse


Caracol; e o Ocidental, que compreende o Gabro-Anortosito Serra da Alegria, os granitos
Aquidabã e Uruaçu e o Grupo Ypacaraí. No primeiro foram identificadas quatro fases de
deformação. A F1E foi responsável pelo bandamento gnáissico (S1E), que foi quase totalmente
transposto pelo evento subsequente de maneira a admitir uma orientação 60/25. Na F2E gerou-
se uma xistosidade (S2E) e foi responsável pelo dobramento e obliteração do bandamento
gnáissico, que se orientou segundo o plano axial D2E, em torno de 60/25. Observa-se
fenocristais de K-feldspato rotacionados com transporte de topo para W relacionados a esta
fase. A terceira fase (F3E) gera um redobramento das estruturas e uma clivagem de crenulação,
de orientação 250/50, plano axial as dobras D3E de eixo NW-SE subhorizontal. A última fase
(F4E) gera uma clivagem de crenulação de orientação 190/70. No Domínio Ocidental, a
primeira fase deformacional (F1W) gera uma xistosidade (S1W) nos metassedimentos, causa
um dobramento da estratificação plano paralela (S0) em dobras similares recumbentes
resultando em S0//S1W em 100/15 e, nestas rochas, gera paragênese de
clorita+epidoto+muscovita (Fácies Xistos Verdes); os granitóides, provavelmente devido ao
nível crustal, preservam-se isotrópicos mas apresentam padrão de juntas. A F2W gera um
redobramento de todo o pacote em dobras (D2W) suaves de eixo sub-horizontal e, plano axial a
estas dobras uma xistosidade (S2W) de orientação 225/70. A F3W gera uma tênue clivagem de
crenulação de orientação 160/80.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E DISCUSSÃO


Cabrera & Nogueira (2013) utilizam o termo Granito Uruaçu para se designar ao
corpo granitóide a oeste da Serra da Alegria, entretanto, sugere-se denomina-lo de Serra
Verde, pois é a maneira como este alto topográfico é conhecido localmente.
Com base nas diferenças entre o Granito Alumiador (Lacerda Filho et al. 2006) e os
corpos descritos na área (Cabrera & Nogueira, 2013 e Nogueira et al., neste volume)
propõem-se a individualização dos Granitos Aquidabã e Serra Verde e resgatar o termo Suíte
Intrusiva Alumiador (Araújo et al. 1982) para se designar ao diversos corpos graníticos e
utilizar o termo Supersuíte Amoguijá (Godoi & Martins 1999), quando se tratar desta suíte
juntamente com a Formação Serra da Bocaina (Brittes 2012).
Os metassedimentos encontrados no entorno da Serra da Alegria até então
cartografados como pertencentes ao Grupo Alto Tererê, foram tratados por Cabrera &
Nogueira (2013) como pertencentes ao Grupo San Luis (Wiens 1984), entretanto, sugere-se
adotar o Grupo Ypacaraí (Cabrera et al., neste volume) para se designar a estas rochas, sendo
um prolongamento das rochas descritas ao sul, no entorno da Serra da Esperança, sendo
correlato ao Grupo San Luis (Wiens 1984) descrito no Paraguai.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, H.J.T.; SANTOS NETO, A.; TRINDADE, C. A. H.; PINTO, J. C. DE A.;
MONTALVÃO, R.M.G.; DOURADO, T. D. C.; PALMEIRA, R. C. B.; TASSINARI, C. C.
G. 1982. Folha SF. 21 –Campo Grande. Projeto RADAMBRASIL; Geologia. Rio de Janeiro,
Min. das Minas e Energia; Secretaria Geral. v. 28, p. 23- 109.
BRITTES, A. F. N. Geologia, Petrologia e Geocronologia (Pb-Pb) da Formação Serra
da Bocaina – Terreno Rio Apa – Sul do Cráton Amazônico. 2013. Tese de Mestrado. Instituto
de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá – MT, 2012.
CABRERA, R. F. & NOGUEIRA, S. F. 2013. Levantamento Geológico e estrutural
(Escala 1:100.000) da Serra da Alegria e seu Entorno, Terreno Rio Apa, Sul do Cráton
Amazônico. Trabalho de Conclusão de Curso, Departamento de Geologia Geral, Instituto de
Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de Mato Grosso.
CABRERA, R. F.; RUIZ, A. S.; SOUSA, M. Z. A.; NOGUEIRA, S. F.; SANTOS, G.
dos; BATATA, M. E. F. 2013. Caracterização Geológica e Estrutural das Rochas
Supracrustais do Entorno da Serra da Alegria (MS), Grupo Alto Tererê ou San Luis? Terreno
Rio Apa – Craton Amazônico. XIV Simpósio Nacional de Estudos Tectônicos, 2013,
Chapada dos Guimarães - MT.
CABRERA, R. F.; RUIZ, A. S.; ALKIMIN, F. F.; SANTOS, G. dos; LACERDA-
FILHO, J. V. de. 2013. Grupo Ypacaraí: Uma Nova Unidade Metassedimentar Siliciclástica
no Sul do Cráton Amazônico – Terreno Rio Apa? 13º Simpósio de Geologia da Amazônia,
belém - PA.
CORDANI, U, G.; TEIXEIRA, W.; TASSINARI, C. C. G.; and RUIZ, A. S.; 2010,
The Rio Apa Craton in Mato Grosso do Sul (Brazil) and Northern Paraguay:
Geochronological Evolution, Correlations and Tectonic Implications for Rodinia and
Gondwana. American Journal of Science, 310:1-43.
CÔRREA, J.A.; NETO, C.; CORREIA FI LHO, F. das C.L.; SCISLEWSKI, G.;
CAVALLON, L.ª; CERQUEIRA, N.L. de S.; NOGUEIRA, V.L. vol., 1976. Projeto
Bodoquena - Relatório Final - MME-DNPM- CONVÊNIO DNPM/CPRM - Superintendência
Regional de Goiânia- Goiânia- 1976.
GODOI, H. O.; MARTINS, E. G. Folha SF.21, Campo Grande: Escala 1:500.000.
Brasília: CPRM, 1999. Programa de Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil – PLGB.
LACERDA FILHO, J.W.; BRITO, R.S.C.; SILVA, M.G.; OLIVEIRA, C.C. DE,
MORETON, L.C., MARTINS, E.G., LOPES, R.C., LIMA, T.M., LARIZZATTI, J.H.
VALENTE, C.R. 2006. Geologia e Recursos Minerais do Estado de Mato Grosso do Sul.
Programa Integração, Atualização e Difusão de Dados de Geologia do Brasil. Convênio
CPRM/SICME - MS, MME, 10 - 28p.
SILVA, E. L. Geologia da região da Serra da Alegria, extremo sul do cráton
Amazônico, município de Porto Murtinho - MS. 1998. Tese de Mestrado-Instituto de
Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. 147 p.
Wiens, F. 1984. El Precámbrico del Paraguay Oriental. Resumen del archivo del
Proyecto PAR 83/005, Asunción, Paraguay.

Você também pode gostar