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A SEQUÊNCIA SILICICLÁSTICA CAMPANÁRIO NO RIO APA, IMPLICAÇÕES

TECTÔNICAS PARA O SUL DO CRÁTON AMAZÔNICO


Rafael Ferreira Cabrera1,4,5, Amarildo Salina Ruiz2,4,5, Maria Zélia Aguiar de Sousa3,4,5, Maria Elisa Fróes
Batata4, Gabriela dos Santos1,4,5
1 Programa de Pós-Graduação em Geociências, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil
2 Departamento de Geologia Geral, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil
3 Departamento de Recursos Minerais, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil
4 Grupo de Pesquisa em Evolução Crustal e Tectônica Guaporé, Brasil
5 Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Geociências da Amazônia (GEOCIAM), Brasil

RESUMO

A sequência Campanário situa-se no Terreno Rio Apa, no Sul do Cráton Amazônico, no município de
Porto Murtinho (MS). Representa uma bacia essencialmente siliciclástica formada por camadas de
metaconglomerados oligomíticos matriz suportados, quartzo metarenitos, muscovita metarenitos,
quartzitos, quartzo-muscovita xistos e filitos. Esta sequência passou por ao menos três processos de
deformação, todos de caráter compressivo, onde a primeira fase (F 1) resultou em metamorfismo na fácies
xistos verdes, xistosidade S1 e dobramento (D1) do acamamento sedimentar (S0) em dobras isoclinais a
recumbentes com eixo subhorizontal N-S. As deformações subsequentes originaram duas clivagens de
crenulação, sendo a última incipiente. Apesar de deformadas estas rochas ainda guardam registro de
estruturas sedimentares como estratificação e laminação plano paralela e cruzadas tabular e acanalada,
embora estas estruturas por vezes encontram-se transpostas. As rochas que compõem esta sequência já
tiveram diversas denominações e posições estratigráficas, todavia, feições de campo e estratigráficas,
bem como as análises estrutural e deformacional aqui relatadas indicam que se trate de uma unidade
distinta, ainda não descrita em território brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Terreno Rio Apa, Sul do Cráton Amazônico, Grupo Campanário.

INTRODUÇÃO

O Grupo Campanário localiza-se no Terreno Rio Apa, Sul do Cráton Amazônico, na região
sudoeste do Estado do Mato Grosso do Sul (centro-oeste do Brasil), região de fronteira entre o Brasil,
Paraguai e Bolívia. Poucas pesquisas abordaram as sequências sedimentares deste terreno e entre elas
houveram mudanças e discussões a respeito da posição e correlação estratigráfica, no Neoproterozóico
como como Formação Urucum – 600 Ma (por Correia Filho et al. 1981, Araújo et al. 1982 e Godoi et al.
1999), outrora Formação Amolar – 1.0 Ga (por Lacerda Filho et al. 2006 e Cordani et al. 2010), até
mesmo Paleoproterozóica, como Grupo Alto Tererê (Lacerda Filho et al. 2006). Pesquisas recentes
apontam evidências de que se trate de uma unidade distinta, ainda não descrita em território brasileiro.
Esta pesquisa tem o objetivo de apresentar e discutir dados geológicos, estruturais, metamórficos
e estratigráficos de parte desta sequência, exposta na região da Serra da Esperança (Fig. 1), município
de Porto Murtinho (MS), na região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai, contribuindo para a
compreensão da evolução crustal do terreno Rio Apa e, em particular, desta bacia sedimentar de
natureza siliciclástica.

CONTEXTO GEOLÓGICO REGIONAL

O Terreno Rio Apa, representando o extremo Sul do Cráton Amazônico, segundo Cordani et al.
(2010) é composto por dois blocos tectônicos distintos, o Bloco Oriental e Ocidental, unidos por uma zona
de cavalgamento transpressiva norte-sul se estendendo do norte do Paraguai até o Brasil. Este terreno
tem como embasamento rochas gnáissicas e anfibolitos (provavelmente de um remanescente de crosta
oceânica), com intrusões graníticas e vulcânicas ácidas paleoproterozóicas, além de intrusões máficas
mais jovens.
Leite & Saes (2003) baseados em uma compilação litológica, geocronológica, além de correlação
estratigráfica e estrutural, reconhecem na região Sul-Suldoeste do Cráton Amazônico ao menos dois
pulsos tafrogênicos, representados pela Sequência Beneficiente, sendo composta por uma unidade
terrígena basal e outra Clasto-Química, representando planícies aluviais; e a Sequência Dardanelos,
formada pelo agrupamento e crono-correlação de diversas unidades, como os grupos Caiabis (Silva 1980
in: Leite & Saes 2003), Guajará Mirim, Aguapeí (Figueiredo & Olivatti 1974 in: Leite & Saes 2003) e
Sunsás (Litherland et al. 1986). Segundo os autores, a Seq. Dardanelos teria sido afetadas por um ou
mais eventos deformacionais, entre 1,72 – 1,36 Ga; e as porções de rifts tardios teriam se instalado
durante o Ciclo Sunsás (Litherland et al. 1986), retrabalhando as bacias mais antigas.
No Terreno Rio Apa, as pesquisas pioneiras a descreverem a sequência sedimentar aqui
estudada são referentes a Correia Filho et al. (1981), seguidos por Araújo et al. (1982), que evidenciam a
ocorrência de rochas sedimentares e as associam à Formação Urucum, uma bacia química-siliciclástica
formada em abiente rift que, no entorno da Serra da Esperança, seria composta por quartzitos com
estratificação cruzada acanalada, associados a outras rochas areníticas. Posteriormente Lacerda Filho et
al. (2006), seguido por Cordani et al. (2010), associam estas rochas ao Grupo Amolar, inicialmente
descrita no entorno da Serra do Amolar, município de Corumbá (MS), considerados como uma bacia de
sedimentação tipo fluvial, representada por conglomerados, arcóseos conglomeráticos e filitos. Segundo
esses autores esta unidade seria cronocorrelata ao Grupo Aguapeí/Sunsás (SW do Cráton Amazônico),
do Meso ao Neoproterozóico Superior.

Figura 1: Mapa geológico do entorno da Serra da Esperança, demonstrando a ocorrência dos


metassedimentos do Grupo Campanário cavalgando sobre o granito Cerro Porã.

RESULTADOS

Esta sequência compreende cristas e serras alinhadas de direção N-S se estendendo desde o
Paraguai, a oeste de Cerro Paiva, até o norte da Serra da Alegria, no norte do Terreno Rio Apa,
restringindo-se, ao Bloco Ocidental. Fazem contato por zonas de cisalhamento que alçam camadas de
metassedimentos contra os granitoides da Suíte Intrusiva Alumiador e Formação Serra da Bocaina. É
representada por metaparaconglomerados oligomíticos, quartzo metarenitos, muscovita metarenitos,
quartzitos, quartzo-muscovita xistos e filitos.
Figura 2: Fotografia ilustrando o contato entre camada de metaparaconglomerados e o quartzo
metarenito em (A); camadas métricas intercaladas de quartzito, filito e muscovita metarenito em (B);
textura lepidoblástica marcada pela orientação de cristais de muscovita, aspecto característico em
quartzo-muscovita xisto em (C); fotomicrografia de muscovita em fish em (D).

Os metaparaconglomerados oligomíticos formam camadas pouco espessas, apresentando matriz


argilo-arenosa, de cor bege a marrom. São constituídos por clastos subarredondados a subangulosos de
quartzo de até 30 cm (Fig. 2A). O quartzo metarenito apresenta granodecrescência ascendente e contato
gradacional com muscovita metarenito. Composto por grãos médios a finos, bege a marrom, composto
por matriz quartzosa e clastos de arenitos. Apresenta textura granoblástica e, por vezes, lepidoblástica,
definidas por cristais de quartzo e muscovita/sericita, respectivamente. Os muscovitas arenitos ocorrem
intercalados com camadas de quartzitos e filitos (Fig. 2B), atuando como um dos mais ambundantes
desta sequência. São rochas inequigranulares, médias a finas, de cor bege a avermelhada, comumente
foliadas, onde predominam quartzo e muscovita, apresentando raros fragmentos de arenitos. Apresentam
textura lepidoblástica e granoblástica, que raramente ocorre orientada, marcada pelo alinhamento dos
cristais de quartzo. Os quartzitos são caracterizados como inequigranulares, médios a finos, de cor bege
a cinza, compostos quase na totalidade por cristais subarredondados de quartzo. Apresenta textura
granoblástica, por vezes orientada, e lepidoblástica localizada. Embora seja composto essencialmente
por quartzo, outros minerais como muscovita, opacos, sericita, epidoto, apatita e zircão fazem parte da
paragênese acessória/alteração. O quartzo-muscovita xisto ocorre em camadas pouco espessas e lentes
intercalados com muscovita metarenito, quartzito e filito. Apresentam textura lepidoblástica (Fig. 2C),
além de níveis de concentração anômala de muscovita resultando em faixas de aspecto sedoso. Ao
miscroscópio é possível observar agregados fibrorradiados de muscovita e, mais raramente, em mica-fish
e em kink-band (Fig. 2D e 3A). A porção superior desta sequência é representada por filitos
avermelhados, geralmente aflorando em relevos arrasados, mas também em camadas menos espessas
intercaladas com muscovita metarenito e quartzitos. É caracterizado por rochas inequigranulares a
porfiroclásticas, muito finas a finas, com porções onde a matriz é afanítica.
Figura 3: fotomicrografia ilustrando muscovita em kink-band em (E); e dobra isoclinal apertada do
acamamento (S0) sob efeito da F1, com espessamento da camada na região de charneira, caracterizando
a D1 como similar, em (F).

É possível observar se ao menos três fases deformacionais progressivas (S 0), denominadas


neste trabalho de S1, S2 e S3, além de estruturas sedimentares primarias preservadas, como laminação
nos metapelitos e estratificação plano paralela nos metarenitos e quartzitos, além de estratificação
cruzada tabular e acanalada em algumas camadas de metarenitos. A primeira fase (F 1) foi responsável
por uma foliação do tipo xistosidade (S1), marcada pela orientação de minerais placóides e prismáticos,
de orientação preferencial 110/32. Nas regiões próximas aos corpos graníticos esta estrutura admite uma
orientação 170/70. Este esforço tectônico gerou dobras (D 1) recumbentes, fechadas, de eixo NW-SE, do
acamamento sedimentar (S0), como observado na Fig. 3B. Associada a esta fase deformacional foi
possível distinguir uma paragênese de clorita, muscovita e sericita que marca um metamorfismo da
Fácies Xisto Verde. A segunda fase deformacional (F 2) foi responsável por uma clivagem de crenulação
(S2), de orientação preferencial 180/21, sem alteração nas paragêneses minerais. A terceira e última fase
(F3) gerou uma crenulação suave em todo o pacote, de orientação 80/85, sem metamorfismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E DISCUSSÃO

A análise litológica e estratigráfica desta sequência permite sugerir que estas rochas foram
depositadas em um ambiente tipo plataforma continental estável, evoluindo de domínios de alta energia
até regimes de estabilidade tectônica, reafirmada pela maturidade de todos os níveis desta sequência.
Em trabalhos anteriores estas rochas eram consideradas como pertencentes ao Grupo Amolar
(Lacerda Filho et al. 2006), considerado como cronocorrelata ao Grupo Aguapeí/Sunsás (Lacerda Filho et
al. 2006), de idade mínima de sedimentação de 1.0 Ga. Cordani et al. (2010) ressalta uma
homogeneização no geocronômetro Ar-Ar em torno de 1.3 Ga. Embora não haja datações nos
metassedimentos, por correção estrutural é possível afirmar que este evento esta presente nestas
rochas, que apresentam-se metamorfizados na fácies Xisto Verde (marcada pela coexistência de clorita,
muscovita e sericita), portanto, mais antigo que 1.3 Ga. Em território paraguaio Wiens (1984), seguido por
Fúlfaro & Palmieri (1986), descrevem uma sequência de rochas muito semelhante, denominada Grupo
San Luis, posicionado no Mesoproterozóico.
Tendo em vista a impossibilidade de se correlacionar estas rochas com o Grupo
Amolar/Aguapeí/Sunsás e as semelhanças e continuidade física com as cristas expostas em território
paraguaio, sugere-se utilizar o termo Grupo Campanário, considerando a grande exposição destas
rochas em fazenda homônima, para esta sequência siliciclástica, sendo cronocorrelata ao Grupo San
Luis (descrito por Wiens 1984, posicionado no Mesoproterozóico, no Paraguai).
AGRADECIMENTOS

Os autores desta pesquisa agradecem ao CNPq pela concessão de bolsas de pós-graduação e


ao GEOCIAM pelo apoio financeiro no desenvolvimento da pesquisa e divulgação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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