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RESUMO: “Game design e literatura” é um curso de extensão aberto a comunidade oferecido pelo
IFRJ-Nilópolis em parceria com o Grupo de Educação Multimídia (GEM/FL/UFRJ) e propõe como
atividade central o desenvolvimento de um jogo analógico sobre a obra literária “Macunaíma” de
Mário de Andrade. O curso é organizado como um grupo de trabalho que visa a produção de um
jogo. Neste processo de construção coletiva, tanto a crítica literária quanto os fundamentos do game
design são apropriados como ferramentas conceituais e metodológicas a fim de construir o jogo
proposto. Ou seja, a aprendizagem se dá a partir de uma tradução intersemiótica, neste caso, a
transformação da narrativa literária em uma narrativa lúdica. O potencial educativo da tradução
intersemiótica vem sendo pesquisada pelo GEM/UFRJ ao longo de anos. Isto permitiu ao Grupo
que aprimorasse metodologias para se trabalhar com transposições de linguagens em ambientes
educacionais. O interesse do GEM pela tradução como princípio educativo se dá pela natureza
transformadora e recriadora da tradução e ainda pela necessidade de dominar rudimentos de ambas
as linguagens envolvidas no processo. A metodologia utilizada no curso, fruto das ações do GEM, é
atualmente analisada, sistematizada e avaliada por uma pesquisa, ainda em andamento, do Mestrado
Profissional em Tecnologia para o Desenvolvimento Social (NIDES/UFRJ) sob o título
“MACUNAÍMA, O JOGO: contribuições do design de jogos e da tradução intersemiótica ao
processo de ensino aprendizagem”. Este trabalho visa apresentar os resultados preliminares de tal
pesquisa, como sua fundamentação teórica, o estágio de andamento do curso, o planejamento das
aulas, e relatar as primeiras experiências e impressões.
INTRODUÇÃO
O Projeto Travessias é implementado pelo Grupo de Educação Multimídia (GEM/FL/UFRJ)
desde 2008 e visa a formação de leitores de literatura e outras artes através de oficinas de
transposição de linguagens onde o texto literário é explorado como ponto de partida para novas
experiências estéticas. Ou seja, as expressões artísticas realizadas nas oficinas do projeto Travessias
sempre partem de um material literário (linguagem de partida) para uma mídia visual, sonora ou
audiovisual (linguagem de chegada) esta travessia é chamada de transposição de linguagem, ou
tradução intersemiótica. O texto final da travessia sempre é um texto novo, diferente, muito embora,
ainda faça referência ao texto original ou o represente de algum modo, o que se dá através da
ressignificação dos signos. E é esta relação entre os dois textos o real objeto de estudo do GEM
enquanto executor do Travessias. O texto de chegada costuma ser de natureza audiovisual, mas
pode ser de qualquer outra mídia: gravuras, músicas, esquetes teatrais, web site, e, recentemente,
também um jogo.
As ações do Travessias são de natureza educacional e centradas no trabalho como princípio
educativo, o trabalho transformador de toda tradução intersemiótica. Portanto a análise apresentada
aqui está voltada para o viés educacional do Travessias, em uma ação de extensão em parceria com
o IFRJ-Nilópolis, onde propusemos um curso de extensão aberto a comunidade centrado no
desenvolvimento de um jogo analógico sobre a obra literária “Macunaíma” de Mário de Andrade.
O curso ainda está em andamento, portanto o que apresentamos aqui é a pré-produção do
curso. Em Discussão teórica apresentamos a metodologia de trabalho do GEM para a construção
de narrativas a partir de tradução intersemiótica. Onde analisamos o conceito de ludonarrativas que
torna possível compreender os jogos como narrativas e portanto a tradução de uma narrativa
literária em uma ludonarrativa. Em seguida apresentamos a chave de leitura que desenvolvemos a
partir da critica literária e que vai estruturar nortear tanto o processo de tradução quanto a
interpretação da obra no decorrer do curso no IFRJ. Em Pesquisa de campo descrevemos como se
deram os 4 encontros que tivemos até então e fazemos uma breve avaliação do processo. Por fim,
em anexo, apresentamos o plano do curso oferecido.
DISCUSSÃO TEÓRICA
Ou seja, para a construção deste jogo, segundo este método, é imperioso que a dinâmica do
jogo seja capaz de conduzir uma narrativa coerente com o argumento estabelecido previamente. E a
definição deste argumento é melhor aprofundada a partir da tradição crítico-literária sobre
Macunaíma. Assim, ao pesquisar esta tradição descobrimos possíveis chaves de leitura para a obra
marioandradina. A partir de então, nós construímos a nossa e definimos o argumento norteador do
processo de tradução.
Neste processo de construção coletiva, tanto a crítica literária quanto os fundamentos do
game design são apropriados como ferramentas conceituais e metodológicas a fim de construir o
jogo proposto. Ou seja, a aprendizagem se dá a partir do processo da tradução intersemiótica—neste
caso, a transformação da narrativa literária em uma narrativa lúdica.
Para isso é imperioso compreender o jogo como um sistema gerador de histórias (SCHELL,
2008, p.265), no entanto, a narrativa de um jogo tem características muito peculiares devido à
interatividade inerente a esta mídia. Pensar o jogo como narrativa e principalmente buscar assumir o
controle da mesma a partir do game design, foi a maneira que o GEM encontrou para desenvolver
jogos a partir de uma metodologia pesquisável dentro do Travessias. O que nos levou a pesquisar
sobre jogos e suas ludonarrativas.
Neste capítulo discorreremos sobre o conceito de jogos e suas ludonarrativas e, em seguida,
abordaremos nossa chave de leitura para “Macunaíma”
Ludonarrativas
Jogar é uma atividade de natureza difusa. Algumas atividades ou artefatos podem ser
facilmente identificadas como jogos, enquanto outras parecem estar em um limbo entre um jogo e
alguma outra coisa. Há um consenso de que xadrez seja um jogo. Mas o que dizer de um quebra-
cabeça?—ou uma corrida de cavalos. Estas e outras incertezas nos obrigam a delimitar esta
atividade sob alguma conceituação. Inúmeros pesquisadores têm se debruçaram sobre este tema,
proporcionando inclusive o surgimento de uma nova área de pesquisa interdisciplinar denominada
game studies. Um de seus campos de pesquisa é justamente a delimitação deste conceito tão
impreciso que é o jogo e que resiste a definições simplistas. As definições de jogo propostas vão
desde as mais abrangentes às mais limitantes. Onde as primeiras incluem mais atividades em seu
escopo, enquanto que as segundas as excluem. Isso não significa que este trabalho pretende traçar
uma linha definitiva sobre o que é ou o que não é um jogo, apenas delimitar sobre o que estamos
falando ao nos referir a “jogo” e “jogar”.
Johan Huizinga um historiador holandês, que já havia se dedicado a estudar o jogo antes
mesmo do nascimento dos game studies como campo de pesquisa, afirmou que “é no jogo e pelo
jogo que a civilização surge e se desenvolve”. Em seu Homo Ludens visou problematizar, a posição
de inferioridade que o divertimento e o lúdico se encontram perante o trabalho nas ditas sociedades
ocidentais, em especial a sociedade holandesa sob a influência destrutiva da ética de trabalho
protestante a qual estava inserido, quando escreveu a referida obra, na década de 1930. Huizinga
definiu o jogo como
Sua definição é bastante abrangente, até mesmo porque propõe relacionar o jogo com
atividades humanas que segundo ele são impregnadas de formas lúdicas como a religião, a arte, a
poesia, a filosofia, o conhecimento, o direito e até mesmo a guerra cortês. Sua obra soa como uma
ode às atividades lúdicas, e neste aspecto até mesmo dialoga com a mesma problemática de
Macunaíma já exposta neste trabalho quanto aos conflitos do personagem sobre o princípio do
prazer e o princípio da realidade.
Uma das propostas que parecem mais pertinentes a este trabalho encontram-se no livro
Regras do jogo dos game designers Katie Salen e Eric Zimmerman (2012), eles apresentam uma
definição bem mais sucinta na qual “um jogo é um sistema onde jogadores se envolvem em um
conflito artificial, definido por regras, que resulta em um resultado quantificável”. Os autores ainda
acrescentam que o que chamam de “resultado quantificável” pode ser entendido por objetivos
emergentes para incluir uma gama maior de atividades como RPGs.
Apesar de não constar em nenhuma das definições encontradas desta revisão bibliográfica
que jogos são narrativas, seu aspecto narrativo é alvo de um intenso debate nos game studies e não
pode ser ignorado. Walter Benjamin (2009), no seu ensaio Brinquedo e Brincadeira já insinuava,
em 1928, a existências de alegorias presentes nos jogos a partir da “doutrina gestaltica dos gestos
lúdicos” de Willy Haas: “em primeiro lugar o do gato e rato (toda brincadeira de perseguição); em
segundo lugar, o do animal-mãe que defende o ninho com os filhotes (por exemplo, o goleiro, o
tenista); e, em terceiro lugar, o da luta entre dois animais pela presa, pelos ossos, ou pelo objeto de
amor (futebol, pólo)”. Jogos como futebol ou tênis são essencialmente abstratos, a provocação
trazida por Benjamin nos faz pensar que até mesmo jogos sem um enredo embutido poderiam
propor uma narrativa, como por exemplo Tetris:
Sua narrativa não é verbal, e portanto não conta uma história como são contadas no cinema
ou em um romance, mas certamente nos conta algo.
Dentro do debate travado pelos ludologistas e narratologistas dos game studies há uma série
de proposições afirmando a semelhança entre jogos e narrativa: “afirmar que não há diferença entre
jogos e narrativas é ignorar qualidades essenciais de ambas as categorias. No entanto, (…) a
diferença não é clara, e há uma sobreposição significativa entre as duas” (AARSETH,1997).
A grande maioria dos autores que se preocuparam em discutir narrativas em jogos atentam
exclusivamente para o enredo do jogo, e em especial para os video games e suas chamadas
cutscenes. Eles encaram os jogos como uma mídia audiovisual um pouco semelhantes aos
hipertextos, dividem o que é jogo e o que é narrativa (AARSETH, 1997; FRASCA, 1999, 2003;
JUUL, 20001; KOSTER, 2012). Parece haver um ranço entre os ludologistas quanto a enxergar os
jogos como narrativas por acreditarem que esta abordagem desmereça seu trabalho que é
desenvolver mecânicas—os roteiristas desenvolvem o enredo e história dos jogos. Koster enfatiza
que jogos não são histórias.
E talvez não sejam mesmo histórias, ou pelo menos não são histórias da maneira como nos
são apresentadas em livros. Mas são histórias a sua maneira. Acho curioso, que Koster, um sujeito
formado em escrita criativa tenha uma visão tão reducionista sobre o que sejam histórias ao afirmar
que “jogos são geradores das narrativas dos jogadores” enquanto que “as histórias provém a
narrativa”. Koster defende que a interatividade do jogador impede o game designer de prover uma
narrativa ao jogador, já que as ações do jogador são apenas mediadas pelo sistema do jogo.
Talvez possamos encontrar uma resposta para isso em uma rara exceção nos game studies:
Salen e Zimmerman (2012) são autores que tem abordagem da narrativa que vão um pouco mais
além do enredo. Partindo do trabalho de critico literário Hillis Miller e do ludologista Marc
LeBlanc, eles apresentam os termos narrativas embutidas e narrativas emergentes.
As narrativas embutidas se tratam da narrativa gerada previamente no jogo independente da
interação dos jogadores. Elas são projetadas para contextualizar o jogador no universo ficcional do
jogo, e dar uma concretude as ações dos jogadores, são basicamente o enredo do jogo, e
representam aspectos narrativos no qual os jogadores não têm qualquer interação. Já as narrativas
emergentes são o resultado da interação do jogador com o sistema do jogo.
A narrativa também pode ser emergente, o que significa que ela decorre do conjunto de
regras que regem a interação com o sistema do jogo. Ao contrário da narrativa embutida,
elementos da narrativa emergente surgem do sistema do jogo, muitas vezes de maneiras
inesperadas. A maioria dos momentos narrativos de um jogo é emergente, pois a escolha do
jogador leva a imprevisíveis experiências narrativas. A narrativa emergente é possível
devido à forma como os jogos funcionam como sistemas complexos. (SALEN;
ZIMMERMAN, 2012)
Acredito que este ranço dos game designer, e de Koster inclusive, com as narrativas nos
games tenha origem no grande investimento da indústria em recursos periféricos a mecânica, em
especial a narrativa, mas uma narrativa provocada pelo enredo do game. Um exemplo disso é
quando Koster critica um jogo chamado Planetfall, o qual tenta arrancar lágrimas de seus jogadores
quando Floyd, um NPC (personagem não jogador, controlado pelo sistema), se sacrifica pelo
personagem do jogador no clímax da narrativa. Este drama está fora do alcance das ações do
jogador, não importa que ele faça: não há desafios a se sobrepujar que altere este fato ficcional
apresentado. Ele classifica este tipo de abordagem como um “trapaça”—o drama neste caso é
proporcionado ao jogador através de uma narrativa embutida ao jogo, porém externa ao seu sistema.
O que Koster propõe é que o sistema provoque o clímax, a ficção embutida deve apenas reforçar
este aspecto. Ora, para isso, precisamos entender a mecânica como um elemento narrativo.
Isto fica mais evidentes nos jogos narrativos como os RPGs que visam a construção de uma
narrativa verbal e possuem elementos para estruturar tais narrativas. O RPG Dungeons &Dragons,
por exemplo, tem em sua mecânica estatísticas de nível, força de ataque, dano, alinhamento ético e
moral (Bom, Mau, Neutro, Leal e Caótico) os monstros quando derrotados dão aos jogadores,
pontos de experiência e tesouros: enfim, é uma mecânica que privilegia uma narrativa sobre
combates, pilhagem e aprimoramentos constantes, com uma visão dicotômica entre o bem e o mal.
As narrativas geradas pelo ato de jogar podem fugir disso, mas necessitam de uma predisposição
dos jogadores em subverter a narrativa proposta pelo sistema do jogo.
Jogos como xadrez ou damas de fato, não visam a construção de uma narrativa por seus
jogadores, como nos RPGs e outros jogos narrativos. No entanto sua mecânica, implica uma
narrativa de guerra: dois exércitos alinhados em um campo de batalha, onde as peças matam umas
as outras. Toda vez que se jogar xadrez a narrativa será a mesma—pode variar qual exercito ganhou
e como ganhou (a incerteza inerente aos jogos), mas sempre será uma narrativa de guerra. E esta
narrativa não se dá apenas pela temática, ou por chamar a peça de peão, cavaleiro, rei e rainha, mas
também pela sua mecânica: é uma mecânica que visa representar (ainda que de uma maneira
bastante abstrata) um episódio de guerra. A temática certamente nos transporta para um ambiente
medieval, mas a narrativa de guerra se dá graças a mecânica.
Dois autores que corroboram para o desenvolvimento desta ideia são Eliane Bettocchi e
Carlos Klimick. Eles se apropriaram do um termo ludonarrativa que utilizam para designar um tipo
de jogo narrativo:
A intenção autoral é uma questão que Koster problematiza em Theory of fun, onde diz que
para os jogos se emanciparem como arte é preciso que os game designers, pensem fora da caixa,
compreendam os jogos não como uma mídia de massa: mas como um sistema formal capaz de
invocar padrões de aprendizagem desejados, uma mídia capaz de transmitir significados, capaz de
ressignificar a nossa vida, como a arte: é preciso intenção autoral. Se os jogos não forem capazes
disso, então estarão fadados a serem uma forma de arte de segunda categoria (KOSTER, 2013)
Acredito que uma chave para provocar a intenção autoral nos game designers é compreender
os jogos como narrativa ou mesmo, ludonarrativa, é entender que da interação dos jogadores com a
mecânica do jogo emergirão narrativas e que ter o controle sobre estas possíveis narrativas é seu
maior objetivo enquanto designer; é atribuir-se, no mínimo, uma coautoria nas diversas narrativas
proporcionadas pelas fruições do jogo; é encarar-se como um narrador.
A própria analogia das treliças empregada por Koster ilustra bem este ponto. Koster lembra
que uma treliça molda o crescimento de uma planta, sem ter total controle sobre a forma final. A sua
maneira, o game designer é capaz de invocar padrões de aprendizagem desejados em seus
jogadores, mesmo sem ter o controle total sobre a experiência final do jogador (idem, 2013)
A mecânica do jogo, assim como as ferramentas de linguagem de qualquer outra mídia, são
como uma treliça que molda a experiência do usuário. A narrativa é parte desta experiência estética.
Quando os game designers entenderem que há uma narrativa provocada pela mecânica
desenvolvida por eles e que a narrativa oferecida pelo enredo apenas reforça aquela narrativa
nuclear, aí sim, eles poderão se enxergar como narradores, e ter de fato a intenção autoral
reivindicada por Koster.
Indo um pouco mais além, propomos que o game designer atente, não apenas, para a
mensagem que o jogo transmite, mas também, para a forma desta mensagem, isso é, valorizar o que
a semiologia chama de função estética — “a mensagem assume uma função estética quando se
apresenta estruturada de modo ambíguo e surge como auto-reflexiva, isto é, quando pretende atrair
a atenção do destinatário primordialmente para a forma dela mesma, mensagem.” (ECO, 1991, p.
52) Ao fazer isso o game designer precisa atentar para os rudimentos da linguagem lúdica.
Mas acredito que encarar o game designer como narrador com intenção autoral já é um
grande passo dentro desta atividade tão dominada pela indústria do entretenimento. Se os jogos,
enquanto narrativa, podem apresentar uma função estética e/ou serem considerados ou não uma
forma de arte já é uma outra discussão que não entra no escopo deste trabalho.
Ao problematizar a narrativa emergente durante a fruição de um jogo propomos que os
participantes do curso se identifiquem como coautores da mesma e que percebam as influências que
cada um dos elementos que constituem o jogo exercem sobre esta narrativa. Esta intenção autoral de
configurar o jogo com a finalidade de construir uma narrativa interativa a partir de suas mecânicas
nos permite caracterizá-lo como uma ludonarrativa.
Chave de leitura
Ao propor desenvolver um jogo sobre uma obra literária, optei por “Macunaíma” devido a
um interesse antigo que ainda guardo pelo folclore brasileiro. A escolha da obra foi quase ao acaso,
uma intuição. Muitas das questões levantadas por Mário de Andrade na obra ainda estão sem
resposta. “Macunaíma” é uma obra inesgotável. E a percepção desta inesgotabilidade é catalisada
pelo acesso a teoria crítica literária. E por trata-se de uma obra ícone do Modernismo Brasileiro
pudemos encontrar uma vasta bibliografia que analisasse a obra sobre prismas diferentes.
Atualmente os autores que mais contribuíram para esta etapa da nossa pesquisa são Gilda de Mello
e Souza, Cavalcanti Proença, Haroldo de Campos, Tele Porto Ancona Lopez e Renato Amado
Barreto.
O núcleo central da narrativa se desenvolve em torno da muiraquitã; Macunaíma nasce no
fundo do mato virgem; e após ser responsável pela morte de sua mãe parte do Uraricoera com seus
irmãos; depois do encontro amoroso entre Macunaíma e Ci, a mãe do mato, ela o presenteia com
seu amuleto mágico, a muiraquitã, antes de subir para o céu; a muiraquitã será perdida no meio do
capítulo seguinte; daí em diante a ação se reduz as peripécias do herói em busca da muiraquitã, que
será recuperado na metade pro fim da narrativa após o contronto com o gigante Piaimã; quando o
herói retorna ao Uraricoera perde novamente o amuleto ao cair nas garras da Uiara.
Vei, a Sol vinha navegando em sua jangada com as três filhas, encontra Macunaíma
tremendo de frio numa ilhota deserta da baía da Guanabara. Recolhe-o a bordo e
entrega-o às moças que o limpam e adormecem com carícias. Quando o herói
acorda, a embarcação já está abicada no Rio de Janeiro e Vei lhe propõe uma de
suas filhas em casamento. Ele agradece, promete que sim, jurando pela mãe, mas
logo esquece o compromisso: "nem bem a futura sogra se afasta, não se amola mais
com a promessa e sai à procura de mulher. E se amulhera com uma portuguesa, o
Portugal que nos herdou os princípios cristãos europeus". No fim do livro, quando
Macunaíma chega de volta ao Uraricoera, a velha Sol, lembrando a afronta sofrida,
trama apanhá-lo nas malhas da vingança. Macunaíma ia se banhar no rio onde
habitava a Uiara, mas hesitava, pois a água estava muito gelada, Vei desejando que
ele caísse nas garras da Uiara, interfere aquecendo o herói dando-lhe coragem para
dar seu mergulho fatal. Então os bichos da água o reduzem a um "frangalho de
homem" e ele perde para sempre a muiraquitã (SOUZA, 1979, pp.61-62).
Os motivos por trás da vitória e da derrota de Macunaíma podem ser encontrados ao analisar
os dois dísticos exclamados em vários momentos da narrativa: “Ai que preguiça!” e “Muita saúva e
pouca saúde, os males do Brasil são.” Esta, ao enumerar os males da nação a serem superados,
representam os valores ocidentais do trabalho e do progresso trazidos com a civilização europeia e
está no polo diametralmente oposto a anterior que é uma clara apologia ao ócio e ao não trabalho.
Gilda de Mello e Souza, ciente de que Freud foi uma das leituras de Mário de Andrade, relaciona
esta dicotomia, crucial para a compreensão da obra, aos princípios do prazer e da realidade,
enunciados pelo pai da psicanálise (idem, p.59).
No entanto, vale destacar, que é o princípio de prazer que rege a quase totalidade de suas
ações. O Herói não mede consequencias para se divertir, enganar, ou simplesmente não fazer nada
— “ai que preguiça!” Quando “brinca” com as cunhãs, não se importa se ela é esposa do irmão, se
está desacordada, ou se havia prometido fidelidade a outra. Em todos estes casos é dominado por
seus instintos mais primitivo e vai atrás do prazer simples e imediato. Porém, em algumas ações
bem pontuais, Macunaíma consegue frear seus impulsos e medir suas consequências, agindo de
acordo com o princípio da realidade. Renato Amado Barreto (2016) observa que estas ponderações
foram sintomáticas sempre que o Herói esteve diante de uma empreitada atrás da Muiraquitã. Ao
objetivar a Muiraquitã, o Herói foi capaz de planejar, fazer escolhas, negar o princípio do prazer, e
por isso mesmo, saiu vitorioso em sua busca.
Sua derrota diante de Vei, no segundo sintagma, foi marcada por mais uma vez, se render ao
princípio do prazer e amulherar-se com uma portuguesa—o que, para Souza, representa a atração
perigosa pela Europa e os valores ocidentais do trabalho. Desta forma, Macunaíma, o herói da nossa
gente, se amulhera com a Europa e a modernidade travestida de progresso. Macunaíma tem uma
relação com o progresso mediada não pela razão mas pela atração e o prazer: é atraído por suas
máquinas e artefatos desde que põe o pé em São Paulo; se encanta com o dinheiro, o automóvel, o
revólver e o relógio, mas não trabalha para obter nada disso. E esta atração irracional e primitiva a
responsável pela derrota do herói no segundo sintagma como afirma Souza (1979, p.45): “A própria
recuperação da muiraquitã já não parece significar a garantia da felicidade, pois para se proteger na
volta o herói surrupiou ao progresso alguns amuletos estrangeiros, como o revólver Smith Wesson,
o relógio Pathek Phillip e o casal de galinhas Legorne.” Macunaíma então descobre não se adequar
a este mundo e prefere abandoná-lo para viver o brilho inútil das estrelas.
A chave de leitura proposta por este projeto baliza-se neste Macunaíma paradoxal analisado
pela tradição crítico-literária:
Um herói-síntese que embrenha-se em uma metrópole atrás de um amuleto que o liga ao seu
mundo mais primitivo em uma alegoria da busca de sua própria origem, sua identidade. Foi
encontrá-la em São Paulo, uma metrópole, símbolo da modernidade. Lá se descobre atraído pelo
progresso e pelo estrangeiro. Orienta-se pelo princípio do prazer, mas sai vitorioso do embate contra
o capitalista Piaimã e recupera a muiraquitã quando agiu de acordo com o princípio da realidade.
Em contrapartida, ao retornar a sua terra natal já transformado pelos valores modernos, foi
derrotado por Vei (ou talvez por ele mesmo) ao se render ao princípio do prazer e ser infiel a própria
origem em favor do estrangeiro, perdendo de vez a muiraquitã. Macunaíma é regido pelo princípio
do prazer, não se adéqua aos valores ocidentais do trabalho e do progresso e por isso não encontra
lugar na modernidade.
É necessário que fique claro que esta pesquisa sobre a tradição critica literária a respeito da
obra Macunaíma, não se encerra nela mesma. Ela tem a finalidade de orientar o processo de
construção do jogo sobre a obra. Portanto, quando planejamos o curso reservamos os quatro
primeiros encontros para a leitura e interpretação da obra. A chave de leitura encontrada durante a
pré-produção não está fechada, de forma que enquanto é dialeticamente apresentada aos
participantes do curso é aberta às suas impressões. Ao final destes quatro primeiros encontros
esperamos ter fechado o argumento do jogo. Para que possamos definí-lo, a teoria literária,
investigada durante a elaboração da nossa chave de leitura, foi instrumentalizada como ferramenta
conceitual a fim de dirigir o processo de tradução.
PESQUISA DE CAMPO
O Curso “Game design e literatura” foi planejado em dez encontros semanais de 3 horas,
totalizando 30 horas, ele teve inscrição livre e está sendo ministrado no IFRJ-Nilópolis. Os
participantes receberão um certificado emitido pelo IFRJ ao final do processo. O curso está sendo
ministrado pelo autor deste trabalho e por Affonso Pereira, professor de História do IFRJ.
O curso contou com 12 inscritos. No primeiro dia de aula compareceram apenas 7 alunos de
origens muito diversificadas: do próprio IFRJ, contamos tanto com alunos dos cursos técnicos em
química do Ensino Médio Integrado como alunos do curso de graduação em Produção Cultural;
externamente, um estudante secundarista e uma estudante de literatura da UFRRJ, e inclusive,
professores da rede pública de física, história e do primeiro segmento do ensino fundamental.
Neste primeiro encontro apresentamos o histórico do GEM, do projeto Travessias, e a
proposta do curso, explicitando que o curso deveria ser encarado como um grupo de trabalho, e que
a construção do conhecimento se daria a partir do trabalho coletivo. Foi questionado o motivo da
escolha da obra “Macunaíma” e o que será feito deste jogo ao final. Justificamos a escolha a
partidos do que já foi fundamentado no capítulo anterior. Quanto ao destino do jogo, devolvemos a
questão a eles, pois de fato, ainda não temos esta resposta. Acreditamos que as aplicações do jogo
emergirão ao longo do processo.
Por fim, os alunos disseram que os conceitos dos 4 elementos ficaram mais claros após a
atividade de remodelagem do jogo.
Foi pedido que os estudantes iniciassem a leitura do livro. Combinamos que deveria ser lido
os 5 primeiros capítulos para discussão em sala no próximo encontro. Disponibilizamos o livro em
PDF e leituras complementares (eletivas) em um drive compartilhado. Foi criado um grupo de
whatasapp com todos os integrantes.
Durante a semana alguns estudantes informaram que precisariam abandonar o curso devido
a carga de trabalho que vinham enfrentando. A aula iniciou com 5 alunos. Idealizamos este encontro
dividido em duas partes, os primeiros 90 minutos dedicados a discussão do livro, e os 90 minutos
finais a uma dinâmica de jogos.
Nem todos os alunos leram todos os capítulos, mas ainda assim a leitura gerou uma longa
discussão, os participantes se apresentaram muito intrigados com a obra. Comentaram sobre
diferenças sobre o filme de Joaquim Pedro de Andrade (1969), sobre a linguagem ser difícil por
usar palavras de origens diferentes e não usar vírgulas, questionaram a moralidade do herói, que ele
não tem limites, que ele não se vê como herói, identificaram uma aleatoriedade nos elementos
narrativos que relacionaram a um jogo de RPG; sentiram que o autor queria mapear o Brasil; por
fim disseram que parecia mais uma história sobre um herói que sai em busca de um objeto.
Questionamos o conceito de herói, e o julgamento moral feito sobre o personagem, levantamos a
questão de macunaíma ser um personagem alegórico, um herói-síntese, e resgatamos o esquema do
herói proppiano e sua jornada.
Como foi dito, a discussão foi muito fecunda e acabou por engolindo a segunda parte da aula
que fora prevista para uma dinâmica de jogos. Como na semana seguinte, dia 12 haveria um
feriado, combinamos que no nosso próximo encontro deveríamos continuar a leitura até o capítulo
XIV. Orientamos os alunos para que identificassem padrões na narrativa, elementos literários que se
repetiam e que poderia ser traduzidos para o jogo.
6 de outubro, o convite
No dia seguinte, ainda pela manhã, um dos participantes (M), um professor da rede estadual,
enviou para o grupo através do whatsapp várias ideias que teve a respeito do jogo. Disse estar
“elaborando uma estratégia para que montemos um protótipo do jogo” e aproveitando o feriado do
dia 12, quando não teríamos nosso encontro semanal, convidou a todos para a sua casa em Vilar dos
Teles, um pequeno sítio com muito espaço para trabalharmos. O convite foi bem recebido pela
grande maioria dos participantes, inclusive o autor deste trabalho.
Observações: a iniciativa foi interpretada como fruto de um trabalho bem desenvolvido que está
conseguindo provocar nos participantes interesse pelo trabalho.
12 de outubro, a decepção
Foi combinada logística para tal, mas na véspera, alguns integrantes foram dando para trás, a
conclusão é que apenas o autor e o anfitrião estavam ainda dispostos e o encontro foi cancelado.
Observações: ficou no ar a dúvida sobre como o M reagiria a recusa dos alunos, ele parecia bastante
chateado pela conversa no whatsapp.
Este encontro iniciou com apenas uma aluna (D). Ela informou que não conseguiu avançar
na leitura e continuamos nosso debate sobre a obra assim mesmo. Propusemos então desenvolver
um jogo do tipo race-to-the-end, um jogo de trilha, a partir dos capítulos da obra lidos até o
momento, apenas como exercício.
Com quase uma hora de atraso chegam M e mais um aluno. Totalizávamos 5 na sala e
iniciamos a discussão sobre como realizar este jogo. M. veio com as ideia que teve muitoressentido
por termos desmarcado a ida a sua casa. Ele trouxera uma mapa do Brasil e pendurou-o sobre o
quadro branco, fizera pesquisas sobre a localização dos lugares mencionados na obra e
compartilhou com o grupo. Ele ainda classificou alguns elementos da obra que poderia virar cartas
ou casas no tabuleiro.
Neste dia, apenas D. compareceu. Realizamos a atividade apenas os dois professores e ela.
Demos continuidade ao andamento do jogo do tipo trilha. Identificamos alguns acontecimentos
chave da narrativa que não poderia ficar fora do jogo, estes acontecimentos estarão situados em
alguma casa fixa no tabuleiro: Maioridade, Encontro com a cutia, Morte da mãe, Encontro com Ci,
Confronto com a Boiúna.
Observações: talvez por ser estudante de literatura, D. está muito comprometida com o curso, ela
esteve presente em todos os encontros. Mas a ausência dos outros integrantes é muito preocupante.
Foi enviado um novo e-mail questionando o comprometimento de todos. E dois dos que faltaram as
duas ultimas alunas responderam demarcando seu território. Um deles inclusive, já enviou algumas
ideias sugerindo um tabuleiro modular ao molde de “Carcassone”.
Avaliação
As ausências são causadas por demandas externas ao curso, quando se veem com os prazos
apertados devido a estas obrigações acabam faltando. Isso devido ao curso ser de extensão,
facultativo, sem uma obrigatoriedade quanto ao seu cumprimento.
O planejamento foi atrasado em uma aula devido a estas ausências. Ainda temos 6 encontros
até o final.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. São Paulo: Círculo do Livro,
1984.
ASBAHR, F. S. F. A pesquisa sobre a atividade pedagógica: contribuições da teoria da atividade.
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BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura –
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técnico do LUDES 2017/01. Relatório técnico do PESC 752. 2017
Anexo 1
Este curso faz parte de uma ação do projeto Travessias: Palavra-Imagem II (GEM/UFRJ)
em parcerias com o IFRJ – Nilópolis. A ação é foco de uma pesquisa em educação
politécnica do mestrado profissional do PPGTS/NIDES/UFRJ – se caracteriza pela
elaboração de um jogo de tabuleiro baseado na obra de Mário de Andrade, “Macunaíma,
o herói sem nenhum caráter”. A dinâmica do jogo desenvolvido durante o curso deve ser
capaz de conduzir uma narrativa coerente com a interpretação da obra. Para isso,
contaremos com a metodologia de tradução intersemiótica desenvolvida pelo GEM e
aprimorada ao longo dos quase dez anos de atuação do Projeto Travessias, no qual, os
participantes da atividade são orientados a lerem a obra e interpretá-la com base na sua
tradição crítico-literária e definir uma chave de leitura que determinará o argumento para a
narrativa do jogo a ser construído. Desta forma, a teoria literária é instrumentalizada como
ferramenta conceitual para que os participantes do curso possam definir a narrativa do
jogo, seu suporte, a base de sua mecânica e a experiência do jogador.
Local A-219
#03 (19/10) Dinâmica de game design: “Jogo trilha” Leitura dos capítulos 6 ao 14
Discussão dos capítulos Sugestão de Leitura: O Tupi
e o Alaúde (capítulo 2)
#4 (26/10) Discussão do livro Sugestão de vídeo:
Análise do filme (transposição de linguagens) Café Filosófico: Macunaíma
Definição do Argumento do jogo e o Enigma do Herói às
Avessas (com José Miguel
Wisnik)
https://www.youtube.com/wa
tch?v=l_hWIfYna7k
#5 (09/11) Desenvolvimento do jogo (Parte 1)
Primeiras ideias (em duplas)