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Barroco português

Apresentação
O Barroco português compreende as manifestações artísticas ocorridas entre os anos de 1600 e
1700. Esse período também é conhecido como Seiscentismo ou Escola Espanhola, por
compreender a produção artística do período de unificação da Península Ibérica, com o domínio da
Espanha sobre Portugal.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer mais sobre as marcas histórico-políticas
presentes nesse período cultural, bem como as características desse movimento, seus principais
artistas e obras.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Relacionar a arte barroca aos contextos político e cultural em Portugal.


• Caracterizar a produção artística portuguesa durante o movimento Barroco.
• Identificar as principais obras e autores importantes para o Barroco português.
Desafio
Uma vez que o Barroco nasceu da crise de valores renascentistas ocasionada pelas lutas religiosas,
conforme Nicola (1999), os autores desse período refletem essa crise em uma escrita permeada por
um estado de tensão e desequilíbrio.

Imagine que você está participando de um grupo de pesquisa sobre o Barroco português. A fim de
selecionar um estudante para representar o grupo em um congresso internacional, o coordenador
propõe um desafio:

Selecionar um texto (ou trecho de obra) e um autor que representem perfeitamente os principais
conflitos do homem barroco, justificando por meio de uma breve análise.

Você consegue resolver esse desafio?


Infográfico
O Padre Antônio Vieira dominava a arte argumentativa do sermão, que persuadia inúmeras
plateias. O sermão é, em geral, um tipo de discurso proferido em situações religiosas. No entanto,
no contexto da literatura, os sermões são tomados como um gênero literário representativo do
Barroco português. No Sermão da Sexagésima, um dos mais famosos de Antônio Vieira, ele
responde à pergunta: "Por que não faz fruto a palavra de Deus?".

No Infográfico a seguir, você verá uma ilustração das metáforas utilizadas pelo Padre Antônio
Vieira em seu sermão para responder a essa pergunta e convencer seus fiéis.
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Conteúdo do livro
O Barroco pode ser resumido como uma expressão artística que tem origem nos diversos conflitos
religiosos, políticos e sociais do período. Em Portugal, o Barroco teve como um de seus maiores
representantes o Padre Antônio Vieira, confirmando o caráter religioso do período no país.

No capítulo Barroco português, da obra Literatura portuguesa: do trovadorismo ao arcadismo, você


vai aprofundar seus conhecimentos sobre esse contexto político-cultural e conhecer melhor outros
representantes da estética barroca, bem como compreender as características que definem o
Barroco português.

Boa leitura.
LITERATURA
PORTUGUESA: DO
TROVADORISMO
AO ARCADISMO

Debbie Mello Noble


Barroco português
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Relacionar a arte barroca ao contexto socio-político-cultural de


Portugal.
 Caracterizar a produção artística portuguesa durante o movimento
Barroco.
 Identificar as principais obras e autores do Barroco português.

Introdução
A crise econômica e a crise dos valores renascentistas, acarretadas pelas
constantes lutas religiosas que Portugal travou ao longo do período
do Seiscentismo, proporcionaram o surgimento do estilo Barroco, que
representou, na arte, a busca do homem desse período por evadir-se
dessa crise e do constante estado de tensão em que se encontrava.
Neste capítulo, você conhecerá o contexto socio-político-cultural que
proporcionou o surgimento do Barroco, cuja principal característica é o
rebuscamento e o culto da forma próprios do homem seiscentista, bem
como conhecerá as principais obras e autores que marcaram esse período.

Contexto socio-político-cultural de Portugal


A batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, foi, sem dúvida, um marco que levou
Portugal a uma nova fase de sua história. Após alguns ataques às colônias
portuguesas, o monopólio comercial de Portugal perde força. À época, o rei
é D. Sebastião, cuja alcunha era O desejado, uma vez que os portugueses
nele punham o peso de sua esperança ao retorno da condição de Portugal
como um grande império.
Na batalha ocorrida no Marrocos, D. Sebastião desaparece, dando ori-
gem ao Sebastianismo, um culto a D. Sebastião, devido ao mito de que este
voltaria para a salvação do País. Devido ao fato de D. Sebastião não possuir
2 Barroco português

herdeiros, ocorre o início de uma nova dinastia, com o trono português pas-
sando às mãos dos espanhóis, com o reinado de Felipe II da Espanha. É uma
época de declínio econômico para o país, e, unida à Espanha, Portugal sofre
a decadência comercial e naval. Essas são as condições que influenciaram o
Barroco português, que durou até meados do século XVIII.
Em seu período inicial (1580–1640), Portugal é influenciado pelas mani-
festações culturais da Espanha, que vivia a época de ouro, com Calderon de
La Barca, Cervantes e Quevedo. O domínio da Espanha em todos os âmbitos
políticos e culturais é expressivo, chegando-se a denominar o Barroco portu-
guês de Escola Espanhola (NICOLA, 1999).
Essa situação criou uma forma diferente de Barroco no país: como forma de
oposição aos espanhóis, os escritores portugueses passaram a venerar a língua
lusitana por meio de simbolismos de enaltecimento dos antigos heróis, como
Vasco da Gama, Camões e D. Sebastião. Outra característica observada foi a
religiosidade adotada pelo Barroco português, inspirada na inquisição ibérica.
A longa duração do período Barroco na Península Ibérica (a partir do século
XVI até o século XVIII) é explicada pela defesa da contrarreforma por ambos
os países — Portugal e Espanha — e pela restauração da coroa portuguesa,
iniciada por volta de 1640, com o conflito militar que levou ao trono o primeiro
rei da dinastia de Bragança: D. João IV. Durante esse reinado, Portugal vive,
com a descoberta de ouro no Brasil, em Minas Gerais, um novo período de
riqueza e esbanja luxo e suntuosidade religiosa na corte e nas construções de
palácios e templos monumentais.

O Barroco português
Ao considerar o Barroco como um movimento ligado ao Absolutismo, a
compreensão dos princípios e das características desse movimento se torna
mais clara. Esse movimento ocorre pela centralização do poder dos reis, os
quais estavam em perfeita sintonia com a Igreja, reforçando o papel da auto-
ridade do papa. Isso é sentido, principalmente, na arquitetura, mas também
em outras formas de arte, como na pintura e na literatura, que refletem os
ideais da Igreja Católica, com uma arte mais homogeneizada e controlada
por essa instituição.
O Barroco pode ser resumido como uma expressão artística que foi resultado
de diversos conflitos religiosos, políticos e sociais. Nesse sentido, o período
Barroco foi um reflexo de sua época: pessimista, instável, contraditório, dra-
mático. O Barroco em Portugal, segundo Saraiva e Lopes (1967), passa de um
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ambiente de renascimento para um ambiente de contrarreforma, associado a


um período de intensa crise política no século XVII. Nessa esteira, os autores
afirmam: “Certas condições peculiares, nomeadamente um sensível desen-
volvimento da burguesia durante o séc. XVII, sob o estímulo da colonização
brasileira e um tardio reforço do absolutismo, tornam o Barroco peculiar em
Portugal [...]” (SARAIVA; LOPES, 1967, p. 475–476).
Segundo Conti (1978, p. 4), o Barroco apresentou características como: “[...]
dogmático, exuberante e teatral, tanto quanto a época anterior fora serena e
comedida [...]”. Pode-se perceber que o Barroco era um estilo que apelava para
o instinto e os sentidos, bem como para a argumentação por meio da escrita
rebuscada, e por isso, foi também um instrumento utilizado pela Igreja Católica
para influenciar um público tão vasto quanto possível. Assim, desde a recu-
peração dos hereges até a propagação da fé católica, por meio de personagens
sagradas, retratadas em pinturas de telas, peças de altar, estátuas de santos e
monumentos tumulares, há a exploração do fascínio pela grandiosidade das
artes. Dessa maneira, todas as formas de expressão cultural e artística, como a
arquitetura, a pintura e a literatura, foram influenciadas pela estética barroca.

A arte barroca
A arte barroca é marcada pela angústia do homem do período Seiscen-
tista, um ser humano atormentado por dúvidas existenciais. As obras dos
principais artistas desse período, como Rembrandt (Holanda), Velásquez
(Espanha) e Caravaggio (Itália), expressam as contradições da época.
(ABAURRE; PONTARA, 2005, p. 165).

Um dos artistas mais conhecidos desse período é Diego Velásquez, que se destacou
pela intrigante obra As meninas (Figura 1). A composição do quadro apresenta pontos
curiosos, uma vez que se sabe quem são algumas das personagens ali retratadas, como
a princesa Margarida Teresa, filha de Filipe IV de Espanha, que seria a figura central do
quadro. No entanto, alguns elementos do quadro são curiosos: Vélasquez retratou a
si mesmo olhando como que para fora do quadro, para seu observador. Além disso,
ao fundo, é possível ver um espelho, onde estariam retratados os reis Felipe e Maria
Ana da Áustria. Por sua composição e diversas personagens curiosas, há muitas teorias
interpretativas sobre esse quadro.
Fonte: Observador (2015).
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Figura 1. As Meninas, de Diego Velásquez.


Fonte: Observador (2015, documento on-line).

Na arquitetura portuguesa, observa-se o estilo Barroco especialmente nas


igrejas. Segundo Cunha (2012, p. 11), a arquitetura do Barroco, na ostentação
das igrejas, “[...] tinha uma dimensão sedutora [...]”, e destacavam-se as fachadas
das igrejas, uma vez que “uma fachada muito bem adornada despertava nos
fiéis um enorme interesse, convidando-os a entrar para contemplar. Quando
entravam, deparavam-se de imediato com um retábulo principal, elemento
central mais apelativo no interior”.
Por outro lado, de acordo com Conti (1978, p. 62), os interiores também
possuíam destaque, já que “[...] será justamente nos interiores que a con-
tribuição se irá revelar mais original, principalmente através dos trabalhos
de talha dourada e azulejo [...]”. Para o autor, a igreja é, naquele momento,

[....] um objeto arquitetónico de aparência paradoxal, opondo a singeleza


exterior à máxima riqueza interna, uma metáfora à dialética corpo/alma, que
é também a dualidade entre o temporal e o eterno, entre o que se degrada e
o que desafia, a caducidade das coisas e da matéria [...].
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Pode-se encontrar exemplos da arquitetura barroca em Portugal principalmente na


cidade do Porto, onde se encontra o maior número de obras arquitetônicas desse
período, como: Igreja de São Pedro dos Clérigos; Paço Episcopal. Em outras citadas
destacam-se o Palácio do Freixo (Figura 2), o Palácio de Mafra, a Igreja da Misericórdia,
a Capela-Mor da Sé de Évora e o Santuário do Senhor Jesus da Piedade, em Elvas.

Figura 2. Palácio do Freixo.


Fonte: Visit Porto (2019, documento on-line).

No que se refere à pintura desse período em Portugal, é possível afir-


mar que esta foi influenciada pelo maneirismo e pela Academia de Roma,
destacando-se o trabalho de azulejos, em que se verificou as contribuições
mais originais dos artistas. Destacam-se as obras com azulejos (Figura 3) de
Domingos Antonio Sequeira e Francisco Vieira Junior, no Museu Soares dos
Reis, no Porto, ou, em Sintra.
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Figura 3. Azulejo português.


Fonte: Civitillo (2019, documento on-line).

A escultura portuguesa resume-se, nessa fase, como influenciada pela


corrente italiana, e as principais obras desse estilo também se relacionam
com a talha e as obras feitas em barro, tendo como melhor exemplo a criação
dos presépios. Destacam-se o trabalho de talhas das Igrejas dos Capuchos
e do Carmo, em Guimarães, ou as diversas esculturas em barro executadas
pelos monges em Alcobaça, bem como os presépios de Antonio Ferrreira e de
Machado de Castro, no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

A literatura barroca
Apesar da grande influência do conceito barroco na arte e na arquitetura, é pos-
sível afirmar que a maior expressão do Barroco em Portugal se dá na literatura.
Suas obras seguem, em um primeiro momento, um estilo influenciado pelos
espanhóis, uma vez que “[...] a Espanha é o principal foco irradiador do novo
estilo [...]” (NICOLA, 1999, p. 85). No entanto, como visto anteriormente, os
portugueses encontram formas de manter o seu orgulho, como, por exemplo,
por meio da língua lusitana e pelo enaltecimento dos antigos heróis.
Como se sabe, uma vez que o estilo Barroco se originou na crise dos
valores renascentistas e na crise econômica vivida por Portugal, isso será
sentido na forma da escrita dos autores barrocos. Ou seja, o estado de
“tensão e desequilíbrio” experimentado pelo homem do Seiscentismo
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se reflete no culto exagerado da forma, “[...] sobrecarregando a poesia


de figuras, como a metáfora, a antítese, a hipérbole e a alegoria [...]”
(NICOLA, 1999, p. 85).
Essa tensão também dará forma a um conflito entre o terreno e o celestial,
expressando, nessas figuras de linguagem, a dualidade, a divisão entre an-
tropocentrismo e teocentrismo. A ambiguidade da escrita, portanto, é apenas
um reflexo do conflito interno do homem desse período, que se divide entre
pecado e perdão, religiosidade e paganismo, carne e espírito.

As principais características do Barroco português são:


 rebuscamento;
 minúcia nos detalhes;
 temática religiosa e profana;
 dualidade e complexidade;
 contrastes e conflitos;
 teocentrismo versus antropocentrismo;
 cultismo e conceptismo.

O cultismo e o conceptismo são dois estilos presentes e marcados na li-


teratura barroca e referem-se ao estilo assumido pelos poetas do Barroco.
Enquanto o cultismo é determinado pelo jogo de palavras, o conceptismo
refere-se ao jogo de ideias e conceitos. O primeiro foi influenciado pelo poeta
espanhol Gôngora, sendo marcado pela linguagem rebuscada, ornamental
e culta, valorizando a forma textual. Já o segundo é baseado na poesia do
espanhol Quevedo, caracterizada pelo racionalismo e o pensamento lógico.
Esse estilo tem como principal objetivo convencer o leitor.

Autores e obras do Barroco português


Alguns nomes do Barroco português que concretizaram a manifestação literária
barroca em Portugal, por meio de cartas, prosa, drama, sermões ou teatro, são
Francisco Rodrigues Lobo, considerado o pai do Barroco português, com sua
obra Corte na Aldeia, Frei António das Chagas, Antônio Barbosa Bacelar,
Antônio José da Silva, conhecido como O Judeu, entre outros.
8 Barroco português

Leia o poema Conta e Tempo, do Frei Antônio das Chagas(LOBO et al,


2010, p. 86).

Conta e Tempo
Deus pede estrita conta de meu tempo.
E eu vou do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta,
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje, quero acertar conta, e não há tempo.
Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta!
Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta
Chorarão, como eu, o não ter tempo [...]

Padre Antônio Vieira


O Padre Antônio Vieira, nascido em Lisboa, em 1608, veio para o Brasil
ainda criança, onde estudou no colégio dos Jesuítas. Vieira é considerado
um dos maiores representantes do Barroco português, particularmente com
seus sermões, mas também se destacou como um influente missionário em
terras brasileiras, escrevendo diversos outros tipos de documentos de sua
autoria que registram sua atividade. O padre defendeu os direitos dos povos
indígenas e combateu veementemente a exploração e a escravização desses
povos. Segundo Costa (2008, p.17), é possível apontar Vieira (1965, documento
on-line) “[...] como o fundador do pensamento utópico colonial português,
intelectual consciente do passado, crente nas descobertas do seu tempo e nos
saberes da sua época e profético relativamente ao futuro [...]”.
A principal característica de sua obra é a ligação entre seus escritos e
sua vida pública, pois, segundo Costa (2008, p. 16), “[...] através da palavra
ofereceu ao mundo a sua visão deste [...]”. Ou seja, sua obra retrata justamente
sua atividade missionária. Para Saraiva e Lopes (1967, p. 519), “Mesmo as
peças de oratória sacra intervêm, com frequência de modo aberto, nas questões
mais fortes da política brasileira e metropolitana [...]”. Sua obra é marcada
pela eloquência persuasiva, sendo assim, é possível afirmar que Vieira era
Barroco português 9

mais um exímio orador do que um escritor propriamente. Em seus sermões,


expressava os problemas da época, abusando da estilística e do encadeamento
lógico de ideias.
Moreira (2008) afirma que é possível observar esse recurso no Sermão do
Santíssimo Sacramento, por exemplo, o qual foi pregado na Igreja de Santa
Engrácia, em 1645, quando o Padre utiliza as metamorfoses de Júpiter para
explicar o mistério da eucaristia. A universalidade de seus sermões é latente
ao revelar o mundo como um todo e explicá-lo.
No Sermão da Sexagésima, um dos mais conhecidos de seus sermões,
o Padre Antônio Vieira aponta o método do pregador: mover, ensinar e
deleitar (VIEIRA, 2010):

Sermão da Sexagésima
Algum dia vos enganastes tanto comigo, que saíeis do sermão muito
contentes do pregador; agora quisera eu desenganar-vos tanto, que
saíreis muito descontentes de vós. Semeadores do Evangelho, eis aqui
o que devemos pretender nos nossos sermões: não que os homens
saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não
que lhes pareçam bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal
os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições
e, enfim, todos os seus pecados. Contanto que se descontentem de si,
descontentem-se embora de nós. Si hominibusplacerem, Christusservus non
essem, dizia o maior de todos os pregadores, S. Paulo: Se eu contentara aos
homens, não seria servo de Deus. Oh, contentemos a Deus, e acabemos
de não fazer caso dos homens!

Outro dos mais conhecidos sermões do Padre Antônio Vieira é o Sermão do


Bom Sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, no qual convoca
o povo baiano a reagir contra a invasão holandesa, defendendo-se da ameaça
protestante. Nesse sermão faz-se presente mais uma vez um discurso paradoxal,
ou seja, está presente a contradição típica do período. Isso fica exposto nesse
sermão, uma vez que, ao passo que tenta convencer seus ouvintes/leitores
de determinado assunto, o Padre desconstrói a si próprio como recurso de
argumentação.
10 Barroco português

Antônio José da Silva (O Judeu)


Antônio José da Silva, conhecido como O Judeu, escreveu obras de forma
anônima durante sua vida, mas que hoje são reconhecidas como suas.
Em 1744, após sua morte, suas obras foram reeditadas em dois volumes do
Teatro Cômico Português, trabalho de Francisco Luis Ameno.
Segundo Andrade (2011), Antônio José foi um escritor, diretor e produtor
popular na década de 30 do século XVIII, em Lisboa, realizando peças de
teatro de bonecos. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 1705, em uma família de
cristãos novos que se radicou no Brasil para fugir da intolerância religiosa,
mas que precisou retornar para Portugal por conta da prisão da mãe, a qual
foi presa pela Inquisição.
As comédias escritas e representadas no Teatro do Bairro Alto entre
1733 e 1738 acabaram por ser reconhecidas como de Antônio. Nesses
anos, ele já vivia sob a égide de processos inquisitórios, que acabariam por
sentenciá-lo no Auto de Fé, realizado em S. Domingos, com a presença do
rei, aconselhando-o a ser doutrinado na lei de Deus. Foi vigiado durante
4 anos de liberdade, sendo definitivamente encarcerado pela Inquisição
em 1738, sob o Auto de Fé de 1739, que o acusou de ser relapso, convicto
e negativo. Os processos até hoje não são claros, e o comediógrafo se
defendeu da maneira que podia, mas nunca renegou sua crença na lei de
Moisés, apesar das torturas a que foi submetido. Finalmente, em 1739, é
queimado pela Inquisição.
Algumas obras identificadas como de Antônio José da Silva, um total
de 8 óperas, são: A vida de D. Quixote e do Gordo Sancho Pança; Guerras
de Alecrim e Mangerona; Os encantos de Medeia; Anfitrião ou Júpiter e
Alcmena; Labirinto de Creta; e As variedades de Proteu.
Segundo Andrade (2011, documento on-line):

Nas peças encenadas há alusão a textos literários de outros autores, franceses


e espanhóis, como a Cervantes, em Vida de D. Quixote de la Mancha por
exemplo, mas igualmente ocorre a vulgarização destas referências e adaptação
ao gosto os espectadores. No período em que Antônio José escrevia, a forte
influência literária das formas castelhana, após oitenta anos de dominação
espanhola, era muito forte inclusive entre intelectuais.
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O Barroco português possui alguns outros autores cujas obras só foram descobertas
muito tempo depois. Soror Mariana Alcoforado é um desses autores. Ela é autora
de cinco cartas de amor que foram publicadas com o título Les Lettres Portugaises, cuja
autoria só foi revelada em 1810.
Mariana Alcoforado foi uma das religiosas da Ordem de Santa Clara, do Convento
da Conceição de Beja, local onde atualmente funciona o Museu Regional da cidade.
A autora nasceu em Beja, em 22 de abril de 1640, e entrou na clausura com 11 anos,
exercendo cargos como porteira, escrivã e vigária, durante a sua longa vida conventual.
Faleceu em 28 de julho de 1723, com 83 anos.

As cartas de amor são a sua paixão sublime não correspondida, que


perdura no tempo e tem despertado o interesse de todo o mundo. Desde
a edição princeps de Claude Barbin, datada de 4 de Janeiro de 1669,
com o título de ‘Lettres Portugaises Traduitesen François’, até hoje,
sucederam-se centenas de edições em diferentes idiomas, poemas, peças
de teatro, filmes, obras de interpretação plástica e musical (MUSEU
NACIONAL BEJA, 2019, documento on-line).

ABAURRE, M. L.; PONTARA, M. Literatura brasileira: tempos, leitores e leituras. São Paulo:
Moderna, 2005.
ANDRADE, D. Antônio José da Silva, teatro, religião e literatura no antigo regime por-
tuguês. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH, 26., 2011, São Paulo. Anais [...].
São Paulo: [s. n.], 2011.
CIVITILLO, M. Sintra, Portugal. 2019. Disponível em: https://www.trover.com/d/1psVn-
-sintra-portugal-sintra-portugal. Acesso em: 29 ago. 2019.
CONTI, F. Como reconhecer a arte barroca. Lisboa: Edições 70, 1978.
COSTA, C. M. Padre Antonio Vieira. Nova Águia, [s. l.], n. 2, p. 16, 2. sem. 2008.
CUNHA, J. P. P. O transcendente na arte barroca: expressões da salvação na iconografia
das igrejas da cidade de Guimarães. 2012. Dissertação (Mestrado em Teologia) – Uni-
versidade Católica Portuguesa, Braga, 2012.
LOBO, F. R. et al. Antologia da poesia barroca portuguesa. Lisboa: Edições Vercial, 2010.
12 Barroco português

MOREIRA, A. Antônio Vieira e o futuro da lusofonia. Nova Águia, [s. l.], n. 2, p. 10-11, 2.
sem. 2008.
MUSEU NACIONAL BEJA. Soror Mariana Alcoforado. 2019. Disponível em: https://www.
museuregionaldebeja.pt/?page_id=28. Acesso em: 29 ago. 2019.
NICOLA, J. Literatura portuguesa: das origens aos nossos dias. 7. ed. São Paulo: Scipione,
1999.
OBSERVADOR. Os misteriosos enigmas de “Las Meninas”. 2015. Disponível em: https://ob-
servador.pt/2015/07/27/os-misteriosos-enigmas-las-meninas/. Acesso em: 29 ago. 2019.
SARAIVA, A.; LOPES, O. História da literatura portuguesa. Porto: Porto, 1967.
VIEIRA, A. Essencial Padre Antônio Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
VIEIRA, A. Sermão da Sexagésima. 1965. Disponível em: http://www.dominiopublico.
gov.br/download/texto/bv000034.pdf. Acesso em: 29 ago. 2019.
VISIT PORTO. Palace of Freixo. 2019. Disponível em: http://visitporto.travel/Visitar/Paginas/
Viagem/DetalhesPOI.aspx?POI=1858. Acesso em: 29 ago. 2019.

Leituras recomendadas
BARATA, J. O. Para uma leitura de O Judeu. Porto: Contra ponto ed., 1983.
BERNARDES, J. A. História crítica da literatura portuguesa. Porto: Porto Editora, 1967. v. 2.
HAUSER, A. O conceito de barroco. Lisboa: Vega, 1997.
MOISÉS, M. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2010.
SARAIVA, A. Sobre o barroco na literatura portuguesa. Revista Colóquio, Lisboa, n. 43,
abr. 1967.
SOROMENHO, P. O Padre Antonio Vieira e sua época. Lisboa: Sociedade de Língua Por-
tuguesa, 1961.
Dica do professor
Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa, mas veio com a Companhia de Jesus para o Brasil, onde
catequizava os índios. Ele é conhecido por seus sermões críticos. No Sermão do Espírito Santo,
pregado no Maranhão, afirma que nas terras do Maranhão é mais necessário o amor que a
sabedoria, por dois motivos fundamentais: a qualidade de seus habitantes e a dificuldade das
línguas.

Nesta Dica do Professor, veja uma análise deste Sermão, observando as características do Barroco
presentes nele.

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Exercícios

1) A batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, foi, sem dúvida, um marco que levou Portugal a uma
nova fase de sua história. Esse período representou a crise dos valores renascentistas e a
entrada em um novo momento cultural e político da história de Portugal.

Sobre o contexto político-cultural em que surge o Barroco português, assinale a alternativa


correta.

A) O Império de Portugal se une aos vizinhos do Reino de Espanha para dar força ao Império
Ibérico, o que proporciona o contexto de surgimento do Barroco português e a expansão da
cultura ibérica pelo mundo.

B) O culto ao Sebastianismo refere-se ao rei D. Sebastião, que proporciona a ascensão do


império português e, consequentemente, o surgimento da arte barroca portuguesa como
valorização desse momento histórico.

C) Após a batalha, o império português entra em declínio, com o trono passando aos espanhóis,
que, por sua vez, influenciaram Portugal por meio de suas manifestações artísticas e culturais.

D) A principal condição influenciadora do Barroco português é a influência artística marroquina,


após a Batalha de Alcácer-Quibir, em que o reino é invadido por todo tipo de influência
advinda da região marroquina.

E) Após a batalha de Alcácer-Quibir, os portugueses retomam o controle do trono, que estava


nas mãos dos espanhóis, e entram em uma nova fase artística, confrontando cultura e arte e
estabelecendo novos estilos.

2) A influência espanhola nas manifestações culturais é nítida ao longo do Barroco português.

Sobre o desenvolvimento do Barroco português, é possível afirmar que:

A) Quevedo é o principal artista representante da primeira fase do Barroco português, com


influências destacadas em muitas obras características do período barroco.

B) por meio da exaltação da língua portuguesa e dos heróis nacionais, os artistas portugueses
conseguiram evitar a influência espanhola em sua arte barroca, impedindo qualquer
penetração espanhola em sua arte.
C) a fim de evitar a influência espanhola, os artistas portugueses não trabalhavam com a
temática religiosa, de modo a não se aproximarem das temáticas propostas pelo Barroco
espanhol.

D) a influência espanhola se deu de forma tão expressiva que os textos portugueses seguiam a
temática e a língua espanhola, de tal forma que o Barroco português passou a ser conhecido
como Escola Espanhola.

E) a influência espanhola foi muito expressiva no início, porém não se deu sem resistência: os
escritores portugueses passaram a venerar a língua lusitana de forma simbolista e exaltando
seus heróis.

3) É possível afirmar que o Barroco é um movimento artístico-cultural totalmente ligado ao


Absolutismo da época.

Diante dessa afirmação, assinale a única alternativa correta.

A) O Absolutismo, a ligação dos reis com a Igreja e os conflitos políticos se refletem


culturalmente na angústia, no dualismo e na ambiguidade do Barroco.

B) O Barroco português estava totalmente ligado ao poder do rei; por esse motivo, a arte refletia
o paganismo da época.

C) Em perfeita sintonia com a Igreja, culturalmente, os reis expressaram o Barroco português


somente na construção de novas igrejas com fachadas exuberantes.

D) Expressavam-se os valores da Igreja, e o teocentrismo era a principal característica do


Barroco português, negando o antropocentrismo.

E) A principal marca do Barroco português é a simplicidade nas palavras e na arquitetura, pois


era controlado pela Igreja, valorizando mais o conteúdo do que a forma.

4) O Barroco pode ser resumido como uma expressão artística que foi resultado de diversos
conflitos religiosos, políticos e sociais.

Nesse sentido, características que refletem isso no Barroco português são:

A) simplicidade e ambiguidade.

B) rebuscamento e temática amorosa.

C) dualidade e rebuscamento.
D) detalhismo na arquitetura e simplicidade na linguagem.

E) religiosidade e simplicidade.

5) Alguns nomes que concretizaram a manifestação literária barroca em Portugal, por meio de
cartas, prosa, drama, sermões ou teatro, são Francisco Rodrigues Lobo, considerado o pai do
Barroco português, com sua obra Corte na aldeia, Frei António das Chagas e Antônio Barbosa
Bacelar.

Porém, nomes relevantes do Barroco português são Padre Antônio Vieira e Antônio José da
Silva, conhecido como O Judeu. Sobre esses autores e suas obras, é correto afirmar que:

A) Padre Antônio Vieira é o nome de maior destaque do Barroco português, especialmente por
conta de suas peças de teatro, por meio das quais catequizava os índios colonizados.

B) a obra de Padre Antônio Vieira permaneceu anônima até o século XIX, perdida entre os
escritos barrocos distribuídos pelo solo colonizado do Brasil, e sua autoria foi duvidosa até a
comprovação.

C) a obra de Vieira retratava sua vida particular, sendo composta por cartas de amor em que
refletia a dualidade do homem seiscentista, com temática de amor e morte e sem influências
religiosas.

D) Antônio José da Silva era um exímio orador; portanto, sua obra foi basicamente transmitida
de forma oral aos índios, o que impediu os registros escritos e dificultou a coletânea de seus
sermões.

E) os sermões de Vieira expressavam os problemas da época por meio do encadeamento lógico


de ideias, valorizando a religião e a conversão do povo colonizado e destacando a fé como
salvação do homem.
Na prática
A crise dos valores renascentistas nos anos de 1600 dá origem a um estado de tensão permanente
que se reflete na arte e na cultura. Assim, o conflito entre antropocentrismo e teocentrismo afeta
os autores desse período, que expressam esse conflito por meio do estilo de escrita. Dois estilos
podem ser destacados no período: o Cultismo e o Conceptismo.

Eram estéticas dominantes na poética barroca, em particular na literatura castelhana, representadas


nas chamadas escolas de Quevedo (Conceptismo) e de Góngora (Cultismo). No século XVII, essa
diferenciação entre duas “escolas” não estava consagrada. Ambos os estilos procuram um
aperfeiçoamento estético, mas de diferentes maneiras.

Confira, a seguir, o resultado de uma atividade de apropriação do Cultismo e do Conceptismo em


uma turma de Ensino Médio.
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Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Os sermões do Padre Antônio Vieira


Neste vídeo, você assistirá a uma leitura dramática dos sermões do Padre Antônio Vieira,
interpretada pelo ator Lima Duarte.

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Obras poéticas de Gregório de Mattos


Conheça os textos de Gregório de Mattos Guerra, poeta do Barroco brasileiro.

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Literatura brasileira: Barroco


Neste vídeo, a professora Tati Leite explica, de modo descontraído e didático, o período literário do
Barroco e algumas características essenciais para a compreensão do tema, como a Reforma
Protestante, a Companhia de Jesus e a dualidade que permeia a essência do Barroco.

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Padre Antônio Vieira, por Anselmo Góes


Saiba mais sobre o Padre Antônio Vieira nesta reportagem completa.

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