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Minha alma se delibera em sentimentos profundos, sentimentos que dão rubor ao meu peito e

acalentam minhas pobres asas, tão sôfregas. Mas é algo tão promíscuo, tão ínfame e
consideravelmente impossível, afinal, como poderia um Ser Luminus se entregar tão
completamente à escuridão e amargura? Eu me entreguei, contudo, sem pestanejar. O cheiro tão
cítrico e metalizado da minha grande paixão, aquela com quem dividi todas as minhas noites, meus
suspiros e devaneios. Quando o Luar era a única coisa que poderia ser vista no topo da colina, ela
era minha. Por inteiro, tão minha. E eu era dela, tão dela. Eu poderia me perder em seus fios, negros
como os olhos, um contraste tão divino com a pele palidecida como algodão. Macia como o meu
maior sonho. Meu maior devaneio. Como podem, céus, fios tão curtos serem tão longíquos quando
estão em minhas mãos? É como uma multiplicação tardia de nosso amor tão frágil, tão quebrável a
qualquer circunstância. Nós sempre quebramos em tantos pedaços, mas, quando a madrugada
chega, sei que ficaremos bem. Minha amante da noite, das trevas, do sangue metálico e da voz tão
melodiosa. Eu, sua amante, de cores tão neutras, de apegos tão supérfluos, filha de um universo tão
vasto, mas inteiramente medíocre quando estou só. Quando estou sem ela. Agora, em seus braços
firmes, mas que me seguram como se fosse uma jóia prestes a ser quebrada, eu penso que não
saberia viver sem teu cheiro. Sem a maciez dos lábios tão finos, dos caninos que roçam
delicadamente minha pele imaculada, este quando testamunhamos um prazer tão puro e inocente.
Sei que não saberia viver sem ela, não suportaria um dia partir e deixá-la completamente nua e
exposta quando o Sol estiver testemunhando nossos crimes. Então, eu lhe disse:

- Me faça sua, Deusa. Por completo. Me deixe ser sua para sempre.

Ela, com um sorriso ladino tão sutil que só soube perceber pelos olhos semi fechados, me segurou
mais forte contra si. Senti seu nariz sobre o topo de minha cabeça, inspirando o cheiro de baunilha
fresca. Seu sorriso cresceu a medida que nossos corpos se aproximavam mais. Nunca era o
suficiente.

- Como você poderia ser mais minha, doce petúnia? Como você poderia se entregar mais a mim?
Mais do que está agora? É impossível. - disse, depositando um beijo em minha tâmpora.

- Eu quero ser sua para sempre. Sempre posso ser mais sua a cada dia, a cada segundo. Só me
deixe… - suspirei, sôfrega. Eu não suportaria deixá-la. Algo em mim sabia que não seríamos
eternas, não quando somos tão opostas.

- Você já é minha para sempre, querida. Minha doce petúnia, você está sofrendo, não? Eu sei que
está, posso sentir. Não esconda de mim, Anjo. - ela inclinou meu queixo para si, deixando beijos
singelos e castos sobre meu nariz, queixo, boca e bochechas. Não pude evitar de sorrir.

- Eu quero que me morda, Morgana. Eu quero estar ligada a você, para sempre. Meu corpo e minha
alma. Por favor… Eu não aguentaria viver sem você.

Ela apenas sorriu, um sorriso tão genuíno e coberto de paixão, como uma pequena criança avistando
seu brinquedo favorito pela primeira vez. Ela me envolveu ainda mais, me girando e ficando sobre
mim. Suas mãos encontraram minha face, acariciando tão delicadamente como um sussuro em
minha pele. Eu não pude desviar meus olhos daquelas orbes tão grandiosas, expressivas e
misteriosas, mas que estavam entregues para mim como se fosse a primeira vez. Eu sorri e repeti
seu gesto, afundando minhas mãos em seu rosto tão divino. Suas carícias foram pausadas e senti
que alguns fios foram afastados de meu pescoço, o lado direito completamente exposto para si. Meu
sorriso se triplicou.
- Petúnia… Minha doce Petúnia, tão, tão doce. - se aproximou, sua língua pela primeira vez em
contato com minha pele naquela noite. Eu suspirei. Suas lambidas eram leves e espassadas, e eu
sentia leves mordidas na área, como se quisesse me preparar. - Como pode ser tão doce?

- Meu corpo é sempre doce para você, Deusa. - deixei com que suas ações seguissem, afinal esse
fora meu desejo. Aparentemente, também era o seu, pois seu sorriso não deixou a face um segundo
sequer. Eu a amava tanto.

Depois de certo tempo, as lambidas cessaram. Eu senti que sua mão foi de encontro a minha com
um leve aperto, como uma permissão. Eu apenas sorri. Logo senti seus caninos serem responsáveis
pelo rasgo que se fez e a dor era lascinante, apesar de nenhum pingo de sangue jorrar do local. Eu
apertei sua mão com mais força, e seu polegar me acariciava calmamente. Não durou muito mais
que alguns segundos, e logo as lambidas retornaram, tornando a dor e a ardência algo passado e
restando apenas a dormência. Meus olhos lacrimejaram. Não de dor, medo ou desconforto, mas sim
de uma alegria extrema e um amor tão grande e arrebatador que eu soube ali, naquele momento, que
não saberia – e nem poderia – viver sem ela.

- Ó, meu amor, estou tão feliz… Tão feliz, petúnia. Eu sou sua agora. Sempre fui sua. E finalmente
você é minha, mais do que sempre foi, minha delicada flor. - senti seus lábios encontarem os meus,
e sorri diante de sua boca.

- Mais do que nunca, Deusa. Mais do que nunca.

E eu adormeci em seus braços, feliz que daqui em diante o único cheiro que eu sentiria seria o
cítrico metalizado.

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