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FERNANDO FERREIRA*
A ILHA DO CORVO, geograficamente inserida no extremo oci- * DIRETOR DO PARQUE NATURAL DO CORVO
dental do arquipélago açoriano – sobre a Placa Norte-Ame-
ricana e a norte da Ilha das Flores – integra um edifício vul- -se que ao longo do seu milhão de anos de existência, a ilha
cânico principal, com uma caldeira no seu topo (denominada perdeu 40% do seu território.
Caldeirão) e cerca de uma vintena de cones vulcânicos se- As ilhas dos arquipélagos dos Açores, da Madeira, das
cundários nos seus flancos e no interior da caldeira. Canárias e de Cabo Verde nunca estiveram ligadas a nenhum
Trata-se, assim, de uma “ilha-vulcão”, a única do arquipé- continente. Todas são como irmãs, partilhando características
lago com estas características. ambientais e o mesmo tipo de vegetação e de fauna. Por isso,
Sendo a menor ilha dos Açores, tem 6,24 quilómetros de constituem uma região biogeográfica.
comprimento e 3,99 quilómetros de largura máximos e a sua Um botânico do século XIX chamou-as de “ilhas felizes”
superfície ovalada e alongada segundo uma direção norte- (Macaronésia) pelo facto de não terem ficado cobertas de
-sul, ocupa uma área de 17,1 km2 e é habitada por 430 resi- gelo durante a última glaciação do planeta…Mas o adjetivo
dentes (Censos 2011). “feliz” também pode ser usado para nos referirmos ao clima
Não obstante a pequenez do Corvo, torna-se possível no presente. O Corvo é um pequeno oásis, com temperatu-
separar três unidades morfológicas: o cone principal, o Cal- ras amenas no Verão e Inverno e com uma precipitação ele-
deirão e a plataforma meridional. vada, que assegura a água exigida para a sobrevivência da
Há cerca de um milhão de anos o Corvo começou a vida na ilha.
emergir do fundo do Oceano Atlântico. Depois, outras erup- Desde a descoberta do Corvo, em meados do século XV,
ções vulcânicas – algumas das quais bastante violentas – de- que as muitas pessoas vindas de distintos locais para a ha-
ram origem à ilha. Geologicamente falando, o Corvo é uma bitar e depois os seus descendentes trabalharam com enor-
ilha recente, 500 vezes mais nova que a Península Ibérica! me determinação até aos dias de hoje. O percurso dos corvi-
O vulcão do Corvo, que em tempos mediu mais de 5 Km nos nunca foi fácil. A sua história foi marcada pelos elevados
de diâmetro e 1 km de altura, já não lança lava. O que sobra impostos que tinham que pagar pela utilização dos terrenos,
desse vulcão é o Caldeirão! Por não existir atividade, as pa- pela sucessiva incursão de piratas, pelo isolamento geográfi-
redes do cone do vulcão ficaram frágeis e desmoronaram-se. co… Por isso, aprenderam a confiar em si mesmos, nos seus
Além do grande vulcão existiam outros, mais pequenos, entre recursos, desenvolvendo uma relação de respeito com a na-
os quais o Morro da Fonte, cujas lavas criaram a fajã onde se tureza ao seu redor.
localiza a Vila do Corvo! As atividades dos corvinos estão intimamente ligadas a
O Corvo, bem como todas as ilhas e continentes, está um aproveitamento sustentável dos recursos naturais e fre-
sujeito à lenta erosão natural do vento e da água, ou seja, to- quentemente desenvolvem várias atividades de modo a ga-
dos os dias fica um punhado de areia mais pequena. Estima- rantir o sustento. Criam gado bovino, cultivam milho, batata e
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hortícolas e pescam atum, goraz, mero, cherne e pargo, utili- vação de aves selvagens, de acordo com a União Europeia.
zando artes de pesca tradicionais. Além disso, têm uma fábri- Anos depois é criada a Reserva Voluntária do “Caneiro
ca de queijo, serviços para a população e turismo. dos Meros – por iniciativa de um grupo de jovens corvinos e
Os corvinos aprenderam desde cedo que vivem num lo- que desde 1998 é respeitada através da conciliação de boas
cal especial e que para sobreviver têm de manter os seus la- vontades da comunidade de pescadores, caçadores e agen-
bores em equilíbrio com a natureza. tes turísticos. Hoje, é por todos considerado um espaço do
Em 1989 uma importante parte da ilha – Costa e Caldei- mar sagrado que está protegido porque assim o decidiram. A
rão – foi classificada como zona fundamental para a conser- grande atração do local é o mergulho e os meros que, de for-
ma amistosa, se aproxi-
mam dos mergulhadores.
Assim, com o intuito de proteger tão significativa riqueza mações geológicas transportam-nos até aos tempos de ges-
natural, foi criado em 2008 o Parque Natural da Ilha do Corvo. tação desta magnífica ilha, que é rodeada por um vasto mar
Ainda nesse ano, graças à importância do seu ecossiste- azul povoado por cetáceos e outras criaturas, cuja fauna fica
ma, o Caldeirão do Corvo foi classificado como sítio Ramsar, para lá da imaginação. Com exceção da extremidade sul,
passando a integrar o grupo das 31 Zonas Húmidas de Im- onde escoadas lávicas geraram uma plataforma rochosa, o
portância Internacional existentes em Portugal. Corvo é rodeado por arribas que chegam a atingir, na cos-
ta ocidental, os 700 metros de altitude. Estas, as mais eleva-
NA CATEGORIZAÇÃO DOS ESPAÇOS que integram o Parque Natu- das do arquipélago, abrigam largas baías com alguns recifes
ral, unidade de gestão das áreas protegidas desta ilha, ado- e ilhéus, onde ocorre a passagem de cetáceos e tartarugas.
tou-se a nomenclatura da União Internacional para a Conser-
vação da Natureza (IUCN). Este integra duas Áreas Protegidas A ILHA É, POR NATUREZA um laboratório mundial, quer pelas
– a Área Protegida para a Gestão de Habitats e Espécies e suas caraterísticas geológicas, quer pela sua biodiversidade
Área Protegida de Gestão de Recursos – que englobam gran- única, contando com quatro geossítios de assinalável geodi-
de parte do seu território,
incluindo uma percenta-
gem das falésias costei-
ras e o Caldeirão.
A diversidade do
Parque Natural do Cor-
vo é alvo de admira-
ção e contemplação por
quem o ousou conhe-
cer. Para além de con-
ter paisagens e valores
ecológicos de importân-
cia regional, nacional e
internacional, está reple-
to de aves, os habitats
costeiros e marinhos su-
portam uma elevada bio-
diversidade e as suas
comunidades marinhas
são, provavelmente, as
menos degradadas dos
Açores.
As caraterísticas for- Ponta do Marco. Foto: PHSilva/Siaram
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go dos Açores. No total, existem 95 endemismos, dos quais O visitante poderá ainda contemplar os recifes do Bo-
59 são endemismos do arquipélago dos Açores, 19 são en- queirão e da Areia, as grutas marinhas da Fajã da Madeira e
demismos da Macaronésia e 17 endemismos da Europa. a enseada do Porto Novo, ou descobrir paisagens e valores
Aqui também se encontram invertebrados endémicos ecológicos e culturais únicos a nível mundial. Uma outra ma-
que conferem a esta ilha uma riqueza particular. Em termos triz desta ilha são as arribas, sendo sem dúvida um dos ele-
de artrópodes terrestres, estão registados 24 endemismos mentos dominantes e uma das mais elevadas dos Açores.
dos Açores e seis endemismos da Macaronésia. Registam-
-se também oito espécies de briófitos, uma delas, Echino- A CALDEIRA DO CALDEIRÃO constitui uma depressão fechada,
dium renauldii, presentemente considerada um dos briófitos no fundo da qual se formaram duas lagoas, alimentadas pela
mais ameaçados do mundo. água das chuvas, pela água acumulada nos espessos tufos
No que se refere à fauna terrestre, importa salientar duas de musgão (turfeiras) existentes nas vertentes viradas a norte
espécies endémicas da ilha: a Cigarrinha-das-árvores (Cixius e pela condensação da humidade atmosférica. É de salientar
azofloresi) que se pode encontrar na Área Protegida para a que as maiores e mais antigas turfeiras (Sphagnum spp.) do
Gestão de Habitats ou Espécies da Costa e Caldeirão do Cor- país existem apenas nas ilhas do Corvo e Flores.
vo e a Borboleta castanha (Hipparchia azorina), espécie em O Parque Natural do Corvo oferece um Centro de Inter-
risco de extinção que só existe no grupo ocidental. Para com- pretação Ambiental e Cultural, dois trilhos pedestres e um cir-
pletar a riqueza de endemismos que a ilha do Corvo apre- cuito interpretativo e miradouros em locais privilegiados.
senta, salienta-se também a existência de duas espécies de Mas a visita ao Corvo não fica completa se não desfrutar
morcego, uma endémica dos Açores e outra da Macaronésia. do Caldeirão, ex-libris do Parque Natural, onde se pode apre-
A ilha é rica em flora nativa, com destaque para o Cedro- ciar a imponência do Morro dos Homens. Se descer à caldei-
-do-mato (Juniperus brevifolia), o Pau-branco (Picconia azori- ra poderá deslumbrar-se com a beleza ímpar das lagoas, com
ca), o Louro-da-terra (Laurus azorica), o Tamujo (Myrsine afri- pequenas ilhas, que a tradição oral associa à representação
cana) e o Azevinho (Ilex perado ssp. Azorica). do arquipélago dos Açores.
Também se encontram espécies raras de plantas, entre Ao longo da visita, não se deve deixar de reparar nas tur-
as quais algumas das mais raras e ameaçadas dos Açores, feiras, nem de sentir o cheiro tão caraterístico dos cedros-do-
como a Myosotis azorica, a Veronica Dabneyi, a Cerastium -mato, podendo aproveitar-se a permanência no local para
azoricum e a Myosotis maritima. percorrer o trilho que circunda o interior da caldeira.
Recentemente, o Jardim Botânico do Faial, em colabo- O percurso acompanha várias formações geológicas de
ração com o Parque Natural do Corvo, identificou e recolheu grande interesse para a espeleologia e para a petrografia ao
sementes de duas espécies que não estavam registadas para permitir ler as fases geológicas da formação da ilha. Nesta
a ilha do Corvo, nomeadamente o Ophioglossum azoricum e área, nidificam importantes espécies de aves sendo muitas
o Ammi trifoliatum. delas classificadas como prioritárias pela Diretiva Aves.
O Parque Natural integra ainda uma área marinha ímpar,
onde se podem apreciar as belezas do fundo marinho e a Dez anos de observação de aves no Corvo
enorme variedade de peixes que vivem nestas águas. O Turismo de Natureza é – segundo o Plano Estratégico Na-
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cional de Turismo – um dos dez produtos em que, prioritaria- ros internacionais. Até aí, as aves selvagens no Corvo, ape-
mente deverá assentar a estratégia de desenvolvimento do sar de já conhecidas, apenas interessavam a alguns curiosos
Turismo Nacional. e aos cientistas da Universidade dos Açores que, anualmente
Neste contexto, o arquipélago dos Açores reúne cara- visitam a ilha. Merece aliás particular referência o Doutor Luís
terísticas únicas que o colocam no circuito do Birdwatching Monteiro, investigador do Departamento de Oceanografia e
internacional, referenciando-o, inclusivamente, como um im- Pescas, prematuramente falecido.
portante local para a observação de aves não nidificantes. A “descoberta” do Birdwatching está, curiosamente, liga-
da a um cancelamento aéreo, verificado no ano anterior. Este
O ano 2005 marca o início da prática de observação de contratempo prolongou a estadia de um turista inglês que a
aves na ilha do Corvo, integrando-a desde então, nos rotei- aproveita para passear pelos locais mais recônditos da ilha.
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nos mosaicos compartimentada por muretes de pedra seca e à própria colonização da ilha, recorrendo aos métodos e téc-
encimado por um majestático Caldeirão, testemunho do es- nicas tradicionais e artesanais de exploração, foi fundamen-
plendor da criação. tal no processo de classificação. Não é por acaso, que alguns
A existência de valores ecológicos e ambientais relevan- autores a apelidaram como “A Ilha da Sabedoria”.
tes, em conjugação com a existência de uma ocupação hu- O prestigioso galardão, se em nada altera a já extraor-
mana e histórica num núcleo urbano concentrado e restrito dinária beleza ambiental do Corvo, antes, dá-nos a opor-
com população reduzida, faz da ilha do Corvo um sítio par- tunidade de mais facilmente a promovermos retirando daí
ticularmente orientado para fomentar o desenvolvimento hu- mais-valias, incluindo económicas. Ficamos, porém, com a
mano e económico de uma forma ecológica e culturalmente responsabilidade de protegermos este legado que, a partir de
sustentável. Aliás, o fato da população ter uma vasta cultura agora, é um dos nossos contributos para a harmonia univer-
de utilização dos recursos marinhos e agrícolas, que remonta sal e para as gerações futuras.
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