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Departamento de Historia de
la Facultad de Filosofía y Letras. Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza, 2013.
Conquista e resistência na
“História Geral das Guerras
Angolanas”, de António de
Oliveira de Cadornega.
Cita:
FRANCO y Roberta Guimarães (2013). Conquista e resistência na
“História Geral das Guerras Angolanas”, de António de Oliveira de
Cadornega. XIV Jornadas Interescuelas/Departamentos de Historia.
Departamento de Historia de la Facultad de Filosofía y Letras.
Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza.
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XIV Jornadas
Interescuelas/Departamentos de Historia
2 al 5 de octubre de 2013
ORGANIZA:
http://interescuelashistoria.org/
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Um primeiro problema sobre o personagem que nos propomos a tratar neste
texto reside no fato de que não há uma biografia ou documentação detalhada que
permita descrever quem foi e qual a importância efetiva de Antonio de Oliveira de
Cadornega (1623-1690) no contexto da história portuguesa e angolana do século XVII.
O que se tem são fragmentos de pesquisas dispersas e ainda em andamento baseadas em
documentação variadas, porém fluida. Talvez este seja um dos motivos que tenha
colaborado para, na atualidade, não haver consenso, por exemplo, sobre o que levou
Cadornega a deixar o reino e ingressar nas forças de conquista enviadas por Portugal ao
litoral africano. Uma das presumíveis respostas para esta indagação reside na suspeita
de que fosse Cadornega um cristão-novo, ou seja, descendente dos antigos judeus
convertidos à força ao catolicismo, em fins do século XV, pelos decretos de D. Manuel
I. Logo, a ida de Cadornega para Angola estaria relacionada à perseguição movida pelo
Tribunal do Santo Ofício da Inquisição contra os cristãos-novos suspeitos de judaizar
em segredo, tornando-se desta forma a principal ameaça à pureza do catolicismo luso. O
processo movido pela Inquisição contra a sua mãe e a sua irmã caminham nesse sentido.
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evidente, já ao apresentar a obra, a preocupação do autor em dedicar seus escritos ao
príncipe Dom Pedro – “Ao muito alto e muito poderosíssimo príncipe Dom Pedro,
nosso senhor, offerece a seus reais pés esta História Geral das Guerras Angolanas” –
além da sua clara intenção de narrar os feitos portugueses em Angola, com o intuito de
resguardar a memória dos fatos, como o próprio declara aos seus leitores. Uma memória
produzida através de relatos orais, tanto de testemunhos oculares quanto do “ouvi
dizer”, documentos escritos e fatos presenciados pelo próprio autor.
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As justificativas e métodos de Cadornega, em pleno século XVII, parece-nos um
tanto visionárias. No entanto, a sua preocupação em construir um documento para a
posteridade, a recolha de dados através do que hoje conhecemos como história oral e,
por fim, a construção de um texto interdisciplinar, nos permite conhecer uma Angola
detalhada. É claro que não esquecemos aqui que a escrita de Cadornega estava voltada
para as glórias do Reino Português. Porém, para quem se debruça sobre os escritos do
capitão, é possível perceber que essa intenção fica, muitas das vezes, perdida em suas
linhas, já que seu texto está também impregnado da vivência, de mais de cinquenta
anos, em Angola. Antonio Filipe Soares, em Literatura Angolana de Expressão
Portuguesa (1983), situa a obra de Cadornega em um “período de crioulização” da
literatura colonial, que iria do século XVI à primeira metade do século XIX, e chama a
atenção para o seu caráter de manifestação literária, além de documento histórico.
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do século XVII, já que está ligado a teorias que só entrariam em discussão a partir do
século XIX.
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No entanto, o exemplo da Rainha Jinga mostra como a intenção inicial de
Cadornega, aquela de relatar a glória portuguesa, se perde em alguns momentos, já que
o capitão se rende, inúmeras vezes, a uma visão de admiração diante daquela figura. É
surpreendente como, ao longo do texto, o caráter guerreiro e destemido da rainha é
ressaltado por Cadornega, fato que, por si só, justificaria a sua inclusão no livro de
Glasgow:
Neste curto trecho, que pode representar tantos outros que compõem a obra, é
possível perceber como Cadornega se deixa levar pela fabulosa figura da Rainha Jinga,
indicando desde cedo que a sua vida e seus feitos poderiam ser transformados em uma
grande obra. De fato, essa personalidade da história angolana será encontrada em muitas
partes da História Geral das Guerras Angolanas.
Em outro momento, quando fala do batismo da Rainha, agora Ana de Souza,
Cadornega mais uma vez reconhece a firmeza e soberania de Jinga, especialmente no
que dizia respeito à resistência aos portugueses: “[...] se era gentia antes de ser
bautizada despois de o seu obrou muito peor até já perto do fim de sua vida, despois de
nos fazer cruel guerra, como se dirá a seu tempo, que sempre trabalhou por tirar o nome
da Nação portugueza de Angola.” (CADORNEGA, 1972, Tomo 1, p. 117). Aqui, o
termo “peor” não pode ser lido como uma ofensa, mas sim como reconhecimento da
bravura e insistência de Jinga na defesa de seu território. Cadornega, em pleno século
XVII, reconhece a inteligência, não de um colonizado (o que já seria bastante
interessante vindo de um português), mas de uma mulher, negra, a quem não
poderíamos chamar colonizada, se levarmos em consideração todas as palavras do
capitão português.
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Nesse sentido, Cadornega, ao narrar a história do encontro entre os povos, não
caracteriza o povo autóctone como um elemento passivo no processo de conquista por
parte dos portugueses, muito pelo contrário, destaca a resistência dos povos com relação
à penetração da colonização no território. Como afirma Lilia Schwarcz, ao analisar o
contexto brasileiro, “[...] uma série de pesquisas antropológicas vem reconsiderando as
maneiras de fazer essa “história do encontro” e criticando a representação do nativo
como um “elemento passivo” de sua história” (SCHWARCZ, 2005, p. 130).
Por fim, gostaria de destacar que o interesse que levou a leitura da obra de
Antonio de Oliveira de Cadornega se inicia, principalmente, pelos debates
contemporâneos que envolvem o seu lugar enquanto obra literária e documento
histórico a partir da independência de Angola, em 1975. Recentemente alguns
pesquisadores, professores e escritores vêm chamando a atenção para uma literatura
esquecida, seja pelo seu caráter documental, seja pelas divergências do período colonial.
Segundo Luandino Vieira, podemos encontrar diversos “buracos negros” na história da
literatura angolana. Esses buracos seriam os longos períodos sem produção literária
documentada. No entanto, o mesmo autor afirma que a falta de conexão entre os estudos
historiográficos e os literários contribui para a formação desses períodos de escuridão.
Outro problema é encontrado na necessidade de negação do antigo colonizador por
parte do ex-colonizado, que faz com que importantes produções do período colonial
sejam excluídas da história do país, agora independente. Como o próprio Luandino
afirma; “E esse é outro buraco negro. Quem é que fala dos escritores ditos coloniais?”
(2008, p. 33). E provoca:
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será apresentado, por ninguém, de forma organizada e imparcial. É preciso levar em
consideração a história do contato entre os povos e perceber a importância que obra de
Cadornega possui como registro desse tempo de vivência comum entre Portugal e
Angola, pois como ressalta Wesseling, “embora seja verdade que a história africana e
asiática [e também a dos indígenas americanos] é em grande parte autônoma, é também
verdade que desde cerca de 1500, a história da África e da Ásia [e América] tornou-se
relacionada àquela da Europa” (WESSELING, 1992, p. 114).
(...) eu dizia que este passado realmente não é esse mar manso e
arrumado, com uma data de nascimento, inclusive com
certificado de baptismo, que foi passado à poesia angolana. O
problema é que, como há várias hipóteses de certificado de
nascimento, a discussão também põe as várias hipóteses: então,
afinal é mil oitocentos e quarenta e tal, quando o José da Silva
Maia Ferreira publicou Espontaneidades da Minha Alma. Às
Senhoras Africanas, que é o certificado de nascimento? Ou há o
antes, muito antes? Começa com o Cadornega, o homem da
História Geral das Guerras Angolanas? E que muitos
angolanos, ainda hoje, dizem: “Não, não: mas isso é um olhar de
fora, para dentro”. Eu quero dizer-vos que Cadornega chegou a
Angola com 17 anos, em 1639, e nessa altura ninguém olha de
fora para dentro – aprende a olhar no lugar onde se insere, e
sobretudo aprende a olhar pelos olhos dos angolanos, que ele
chamava os seus “antigoalhas ou negros noticiosos”
(Cadornega, 1972, vol. I:25). Enfim! (TAVARES, 2008, p. 39-
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estudo devido. Desta forma, percebe-se como a escrita de Cadornega, dividida entre sua
origem portuguesa e a experiência de vida nos rincões de África, permite um olhar ao
mesmo tempo de estranhamento e intimidade com o outro. Exemplo de como este tipo
de literatura pode ser útil na percepção de si e do outro.
Referências bibliográficas
CADORNEGA, António de Oliveira de. História Geral das Guerras Angolanas. 1680-
1681. (Anotado e corrigido por José Matias Delgado). Lisboa: Agência Geral do
Ultramar, 1972. 3 Tomos.
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In Novos Estudos. n72. Julho/2005.
VIEIRA, Luandino. “Literatura Angolana: estoriando a partir do que não se vê”. In:
PADILHA, Laura Cavalcante; RIBEIRO, Margarida Calafate (orgs). Lendo Angola.
Porto: Edições Afrontamento, 2008, pp. 31 – 37.
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