Este documento resume um livro sobre a história de Angola escrito por um historiador angolano. Elogia a linguagem elegante e erudita do livro, que fornece um panorama abrangente da história do país desde os tempos pré-históricos até o século XXI. Destaca também que este é o primeiro livro de história de Angola escrito por um autor angolano.
Descrição original:
Apresentação ao livro de Alberto de Oliveira Pinto
Este documento resume um livro sobre a história de Angola escrito por um historiador angolano. Elogia a linguagem elegante e erudita do livro, que fornece um panorama abrangente da história do país desde os tempos pré-históricos até o século XXI. Destaca também que este é o primeiro livro de história de Angola escrito por um autor angolano.
Este documento resume um livro sobre a história de Angola escrito por um historiador angolano. Elogia a linguagem elegante e erudita do livro, que fornece um panorama abrangente da história do país desde os tempos pré-históricos até o século XXI. Destaca também que este é o primeiro livro de história de Angola escrito por um autor angolano.
PINTO, Alberto de. História de Angola. Da pré-história ao século XXI. Lisboa:
Mercado de letras, 2015.
É do ponto de vista da Literatura que realizarei breves observações sobre o
livro de Alberto de Oliveira Pinto, intitulado História de Angola. Em primeiro lugar, por dever de ofício, chamo a atenção para a escrita do livro: profundamente elegante, clara (para tal evita as citações em nota de rodapé, esclarecendo o leitor ao longo do próprio texto), rigorosa e simples, sem tornar- se simplista. A Cronologia do início de cada capítulo guia o leitor quanto ao que irá ler, sem, contudo, tirar-lhe o prazer do que encontrará a seguir. Com essas observações quero dizer que a postura do historiador revela-se a partir da urdidura de um texto em que essas qualidades ganham relevo. Veja-se, por exemplo, o episódio de Beatriz Kipa Vita, uma espécie de Joana Darc angolana sem armadura, que foi queimada na fogueira no século XVIII e que alguns textos iluminam como um episódio de resistência aos portugueses, na medida em que Beatriz, que dizia ser enviada divina, propugnava pela reunificação do reino do Congo. O item, denominado “O Movimento Profético Antonista de Beatriz Kimpa Vita (1704-1707) e a aparente reunificação do Kongo sob a insígnia dos Água Rosada a partir de 1709” já introduz os personagens desse episódio e faz uma leitura ao contrapor Os Água Rosada a Beatriz Kimpa Vita. Mas leiamos trecho desse item: Pg. 414 O sincretismo religioso foi uma constante no Kongo desde a implantação do Cristianismo e representou sempre, para os Bakongo, um expediente inteligente de conciliarem a relação com os outros povos e a harmonização com a transcendência. Chamo a atenção aqui como a moldura do episódio é elaborada, situando a paisagem humana e as questões daquele momento: Os Bakongo, o sincretismo religioso. O texto avança descrevendo outros movimentos, fala sobre a guerra civil e as consequências para a população local e a seguir refere-se às duas principais fontes de que se socorrerá em sua leitura, as Relações dos padres capuchinhos Lorenzo de Lucca e Bernardo da Gallo. Somente aí aparecerá no texto Beatriz Kimpa Vita: Uma jovem de 20 anos de idade (...). Tratava-se da mfumi a vata – isto é, da chefe de aldeia – da povoação de Tubi, no Soyo, próxima de Pedra do Feitiço. Aparentada com a aristocracia solongo, a jovem Beatriz ostentava uma patronímico que agregava o substantivo kimpa (fábulas ou adivinhação), com o nome da linhagem do saudoso D. Antonio I Nvita-a-Kanga. Nvita significa em kikongo, emboscada ou guerra. A seguir, a descrição é de Frei Lorenzo de Luca: essa rapariga tinha cerca de 22 anos de idade. Era elegante e de finos traços. Aparentemente era muito devotada. Falava com gravidade, parecendo pesar todas as palavras. Previa o futuro e anunciava, entre outras coisas, que o Juizo final estava próximo.” (pg. 416) E prossegue: Ela tinha o hábito de morrer todas as sextas-feiras. Ia até ao Céu cear com Deus para lhe pedir sobretudo reforços para a restauração do Congo; depois ressuscitava ao Sábado (p. 418) Na continuidade, Alberto de Oliveira Pinto traz à cena um texto literário de Henrique Abranches, o Misericórdia para o Reino do Congo, para auxiliar a estabelecer uma leitura dos Água Rosada. Para a derrocada da nossa Beatriz, Alberto mobilizará a ironia e nos diz sobre a ausência mais prolongada da mesma: “Na realidade, Beatriz Kimpa Vita não se dirigiu nem ao Ceu, nem a Nkusu. Retirou-se para uma mata próxima de São Salvadoer, a de fim dar à luz uma criança que concebera pela prática do coito com o seu fiel São João, cujo verdadeiro nome era João de Barros. Afinal a “Santo Antonio” que se proclamara santa e casta, cometera o pecado da carne com o seu “Anjo da guarda”. (p. 422) Nota-se a ironia, o riso sarcástico e, com isso, a impossibilidade de erigir essa personagem em mais um mito da história angolana. Desculpem-me se me alonguei muito na descrição do episódio, mas eu queria chamar a atenção não apenas para a linguagem elegante e segura do texto, como também para a erudição do mesmo. Aliás, é possível aquilatá-la ainda a partir do largo arco temporal abrangido pela História de Angola: desde a idade da pedra, passando pela formação dos antigos Estados e Reinos primeiros contatos entre europeus e africanos, para chegar até a Angola independente. A notar que não são apenas os fatos políticos que merecem a atenção do Alberto, pois os mitos fundadores dos grupos étnico-linguísticos, a oralidade nas sociedades bantu ou os movimentos culturais como o Vamos descobrir Angola!, de 1948 são também iluminados ao longo do livro. Ao articular a Política, a Economia e a Cultura apresenta-se ao leitor um amplo panorama da vida angolana ao longo dos séculos. Os dois pontos que salientamos – a linguagem e a erudição permitem dizer que a reflexão e a crítica acutilante do historiador valem-se de um domínio e manejo sofisticado da linguagem, o que lhe permite o exercício da ironia e do humor, sem abrir mão do rigor. Ou seja, a faceta do intelectual une-se à do artista da palavra. Nesse sentido, não podemos esquecer que o Alberto é um dos mais importantes ficcionistas angolanos, tendo inclusive ganhado o premio Sagrada Esperança. Assim sendo, não causa espanto que a linguagem do seu livro seja aliciante. Em outras palavras, pode-se dizer que, sem descurar os documentos, o discurso pessoal do autor emerge também no alentado volume. E aqui, no que toca à erudição, gostaria também de fazer uma breve referência à Bibliografia final do livro, a qual constitui um importante instrumento para os que desejarem ampliar e/ou aprofundar os seus conhecimentos sobre aquele país e não só. A salientar que a diversidade do material referido nos indica também a erudição do autor. Se o estilo e a erudição dão o tom da História de Angola, há ainda um terceiro aspecto que acho importante reiterar: o fato de estarmos em presença do primeiro volume de história daquele país africano escrito por um angolano. Com efeito, poder-se-iam aludir algumas causas responsáveis pela inexistência de manuais locais -- ainda que esforços tenham sido empreendidos nesse sentido: a guerra que destroçou por cerca de 40 longos anos Angola, ou ainda a presença de um mesmo partido no poder desde a independência (o que não impediu, mas dificultou discursos concorrentes). Desenvolver esse tópico seria nos afastarmos muito de nosso objetivo na noite de hoje. Ou seja apresentar mesmo que brevemente, o livro de Alberto de Oliveira Pinto. O que desejamos realçar ao tratarmos desse tópico, é o esforço e a coragem do empreendimento, na medida em que o livro aventura-se em uma seara ainda virgem de textos de folego sobre a história de Angola e, portanto, pode pagar pelo pioneirismo. Haverá, por certo, discordâncias, críticas e bolsões de silêncio. Mas era necessário realizar a tarefa, e o autor levou-a a bom termo. Felizmente, com a publicação do livro História de Angola, temos hoje um manual de história angolana escrito por um historiador e romancista angolano e que nos traz desde os primeiros povos a habitarem o território que hoje é o país, até a contemporaneidade, os deslocamentos, os embates e os grandes desafios que fizeram dos projetos e trajetórias desse território um dos mais emblemáticos de África. O público, sem dúvida agradece. E os leitores do livro, serão bastante diversos. Teremos desde os interessados em conhecer melhor Angola -- o chamado público comum e os angolanos em particular --, os historiadores (ou seja, o público alvo), mas, sobretudo, os alunos dos cursos de graduação e pós- graduação nas mais variadas disciplinas: História, Literatura, Artes, Sociologia e Antropologia. Da minha parte, como professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, só posso agradecer ao Alberto de Oliveira Pinto a ousadia na construção de um texto que nasce como um clássico nos estudos sobre África. Obrigada!