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O ENIGMA DE ALICE

* Tania Macêdo

VIEIRA, Alice. Os olhos de Ana Marta. Ilustrações de Cristina Sampaio. 2 ed. Lisboa:
Editorial Caminho, 1990, 156 p.

A escritora portuguesa Alice Vieira já publicou trinta livros para infância e juventude; a
qualidade de sua escrita tem sido reconhecida através de numerosos prêmios recebidos,
como o de Literatura Infantil “Ano Internacional da Criança” de 1979 e seus textos são
traduzidos para vários idiomas, sendo hoje uma das autoras de língua portuguesa mais lidas
na Alemanha.
Apesar de todas essas qualificações, Alice Vieira é desconhecida do público brasileiro.
Ocorre que seus livros, de excelente qualidade, são editados em Portugal e, dessa forma,
acabamos sendo privados de conhecer textos como Os olhos de Ana Marta, publicado
inicialmente em 1990 e com segunda edição em 1995.
O livro, destinado, ao público juvenil, traz o diálogo entre a protagonista, a jovem Marta, e
alguém que, só no final da narrativa, descobriremos quem é.
Através do diálogo, das dúvidas e pensamentos da protagonista, acompanhamos três anos
de sua vida e o esforço que ela realiza para entender o mundo da escola, os amigos de seus
pais, as histórias fantásticas da empregada Leonor mas, sobretudo, a rejeição de que se
sente vítima por parte de sua mãe.
Tomando como ponto de partida exatamente a questão do relacionamento de Marta e sua
mãe, é que adentramos o universo dessa adolescente, já que a primeira frase do livro é:
“Trocaram-me de mãe no hospital. Como nos filmes, sabes”, que prosseguirá com as
seguintes considerações: “Só assim se entendia que ela nunca dissesse o meu nome, que
repetisse tantas vezes que estava velha demais para ser mãe fosse de quem fosse, e que os
meus passos, por mais leves, lhe provocassem ‘crises’, como dizia o meu pai.”
A partir daí, constrói-se para o leitor a primeira pergunta: a afirmação de Marta é
verdadeira ou apenas se trata da fantasia comum a muitos adolescentes? (Já que tudo nos é
dado pelo discurso da protagonista). A seguir, a narrativa vai tramando outros enigmas:
quem é a Outra Pessoa de que fala Leonor? Os olhos que Marta sente acompanhá-la pela
enorme casa em que mora estariam apenas na sua imaginação? Como enfrentar a perda e a
morte? O que se esconde nos quartos fechados da mansão? Como dosar as confidências
quando se fala com amigos?
As respostas vão surgindo ao longo do texto e encantando o leitor, pois este as descobre
com Marta e, nessa medida, sente que cresce com ela.
Infelizmente, para o leitor brasileiro, de todo o instigante jogo de perguntas e respostas
proposto pelo texto de Alice Vieira, resta apenas um enigma: por que um livro, escrito em
português, com a qualidade de Os olhos de Ana Marta, não é editado entre nós?

* Tania Macêdo é professora da UNESP-câmpus de Assis e da USP

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