A LITERATURA INFANTIL MERECE MAIS ATENÇÃO DA ACADEMIA
Os estudos literários muito se preocupam com grandes autores, com
obras canônicas e acabamos vendo pouco interesse por obras de literatura infantil e infantojuvenil. Como se fosse uma literatura de menor valor, vemos Charles Perrault, os irmãos Grimm, Hans Christian Andersen e tantos outros que tiveram importância na vida dos pequenos leitores sendo pouco estudados entre os acadêmicos e pesquisadores de letras. Dos autores brasileiros, podemos dizer que Monteiro Lobato alcançou reconhecimento do público, porém, na academia ele é mais lembrado por seus escritos para os adultos do que para as crianças, e olha que ele não gostava de personagens adultos nas histórias infantis, reparem que no Sítio do Pica Pau Amarelo são geralmente crianças e idosos os protagonistas. Quando olhamos para a produção brasileira, vemos que na década de 1970, começa a surgir um grupo de escritores de literatura infantil e juvenil que ficaria conhecido como “os filhos de Lobato”, dentre eles se destacam Ana Maria Machado, Ziraldo, Ruth Rocha, Eva Furnari, Lygia Bojunga, etc. Como um grupo de andorinhas a voar durante o verão, esses autores se valem de um momento em que a literatura infantil ganhava força, além de um mercado editorial favorável. Vale lembrar que eram os anos de chumbo da Ditadura Militar e mesmo assim, não se furtaram da discussão de temas delicados para a época. Com mais acesso a editoras e mesmo com a possibilidade de lançar os seus livros em ambientes virtuais, hoje temos muitos autores dedicados aos pequenos leitores e com bons resultados, é o caso de André Neves, Anderson Novello, Léo Cunha e tantos outros. Os ilustradores também têm um papel marcante, pois as imagens no livro infantil são parte da narrativa. Ilustrações óbvias que apenas reproduzem o que está escrito também deixam pobres os livros infantis e juvenis, elas devem dialogar com o texto, complementar e fazer pensar. Outros aspectos ligados aos desenhos são o da intermidialidade quando faz referência a elementos exteriores que podem se relacionar com o texto, a passagem do tempo, identificar o narrador, etc. Nesse universo da literatura infantil e juvenil ganham destaque aqueles escritores que respeitam e consideram o seu público leitor. Tratar as coisas no diminutivo é uma das falhas de alguns que se aventuram nessa difícil tarefa, outro problema é usá-la como um manual ou material didático. As histórias tem o objetivo da fruição e diversão, não de informar. O protagonismo infantil é muito importante nas narrativas e isso faz com que esse público leitor se identifique com a leitura, os bons autores sabem disso. Basta ver histórias clássicas como Chapeuzinho vermelho e João e Maria que são protagonistas sobre o próprio destino. Livros conhecidos no Brasil como Marcelo, marmelo, martelo e O menino maluquinho são bons exemplos da criança como personagem principal dos enredos. A sensibilidade de escritores que conseguem manter viva a inquietação infantil dentro de si os torna gigantes que escrevem para pequenos, pois quando nos tornamos adultos fica mais difícil usar a imaginação e a criatividade, algumas vezes sonhamos, mas dificilmente acreditamos nos sonhos. Talvez fosse necessário a todos nós adultos encontrar um Pequeno Príncipe a nos ensinar o que é essencial, ou uma boneca Emília que a contestar o Visconde de Sabugosa o faz refletir, ou ainda, um Marcelo, Marmelo, Martelo a questionar sobre as convenções da fala e da escrita. Infelizmente, muitos que se envolvem com a literatura e os estudos literários são como o tolo Pinóquio que se deixa enganar pelos outros e acaba tendo que mentir, nem ter pensamentos próprios consegue, pois precisa de um Grilo Falante como consciência. Ruth Rocha é uma dessas autoras que soube se comunicar com o público infantil sem usar do didatismo enfadonho. Ela soube despertar o riso, divertir, proporcionar reflexão tanto nas crianças quanto nos adultos. Suas histórias fazem com que a gente fique pensando tempos depois que elas terminam, é o caso que notamos na sua famosa Quadrilogia dos reis onde os governantes são ridicularizados e sua autoridade contestada. Na dianteira da luta por democracia estão as crianças que protestam, cantam, constroem pernas de pau para ficarem mais altas e procuram criar uma sociedade melhor. Embora se diga que já foi escrito muita coisa sobre o tema, pode-se afirmar que ainda tem muito para ser explorado nesse campo. Trabalhos de intermidialidade, análise do discurso, crítica psicológica, crítica feminista, estética da recepção, formação de leitores e tantas outras possibilidades fazem da literatura infantil um espaço a ser sobrevoado. Para mostrar que textos infantis se tornam clássicos, lembro-me de um presidente que em nosso país dito democrático neste ano de 2020 agride jornalistas com palavras a ponto de mandar repórteres calarem a boca. Ora, há algumas décadas atrás um governantezinho mimado do livro O reizinho mandão topou com uma menina chamada Cecília que deu o seu recado que ecoa até os dias de hoje: “-Cala a boca já morreu. Quem manda na minha boca sou eu!” A literatura infantil tem uma grande relevância para os estudos literários e para a sociedade e é por isso que merece mais atenção.