Com um título que desafia o leitor, Prajalpas, renhenhéns e outras estórias:
as mulheres, o primeiro livro de Djair Souza apresenta-nos estórias passadas em uma cidade imaginária, Cezídia, onde a vida escorre devagar, igual a si própria, entre tradições inventadas, principalmente por uma classe dirigente tacanha. Trata-se, como se pode aquilatar, de um espaço onde o público e o privado, o desejo e as repressões se enfrentam cotidianamente, constituindo um disfarçado - mas nem por isso menos violento - campo de batalhas. Mas o leitor não espere cenas de sangue. Pelo contrário, o humor corrosivo de um contador de causos muito inteligente e matreiro nos conduz ao interior das casas e das pessoas, e, a partir do sarcasmo e de um humor muito particular, torna-nos suportável a opressão cotidiana. Por essa razão, o leitor não perca tempo procurando em qualquer mapa a cidade referida em grande parte das narrativas desse livro. Em lugar disso, busque a geografia que cada um dos relatos desenha, fazendo de Cezídia uma cidade algo vizinha de Macondo. As moradoras desse espaço, as protagonistas dos pequenos relatos desse livro que é percorrido com gosto, são mulheres – quer se chamem Marias ou Francinettes ou qualquer outro nome - quase sempre exuberantes, tanto de corpo quanto de espírito e cuja vocação para a felicidade é inconteste: enfrentando os parentes, os vizinhos ou todos ao mesmo tempo, essas mulheres surpreendem não apenas os personagens mais próximos, mas sobretudo o leitor, a partir do momento em que a aparente fraqueza e a submissão são subvertidas por atitudes corajosas que possuem uma só direção: a sua felicidade. Dessa forma, o rompimento com o “status quo”, resposta inesperada em razão da trajetória de moçoilas casadoiras, é abrupto mas, não por isso, menos risonho. Mas voltemos ao título bastante diferente desse livro: “Prajalpa”, apesar de palavra algo estranha, significa, como nos indica o blog do autor, “em sânscrito, conversa fútil e mundana, inútil para todos“. Ou seja, um vocábulo de estranhas plagas, mas que nos remete às estórias e “causos” conhecidos muito bem por todos nós: conversa com jeito calmo, como se nada quisesse, com presença da oralidade e próxima do receptor do relato. “Inútil para todos”? De forma alguma! As narrativas/conversas deste livro, ainda que se distanciem de qualquer pedagogismo, trilham o caminho que nos ensina algo da alma humana e, sob esse aspecto, cumprem uma das mais interessantes funções da literatura, qual seja, a de nos instruir como desvendar um pouco dessa complexidade que é o humano. E os renhenhéns? Mais uma charada para o leitor. O que isso significaria? Reclamações? Birras? Carinho com garras? Bem, fica a critério do leitor a decisão, após a leitura do livro, quando poderá dar uma significação para o neologismo com que Djair Souza resolveu batizar o seu primeiro texto publicado... Talvez uma pista esteja em pensar em algo próximo de uma expressão que fica entre a zanga sorridente e a alegria melancólica. E essa espécie de sentimentos contraditórios embutidos na adivinha proposta pelo título, de certa maneira ecoa por todo o livro, na medida em que paulatinamente a alegria contagiante e carnavalizada das protagonistas das primeiras estórias (mesmo as Marias mais tristes) vão cedendo espaço a uma sutil mas persistente melancolia. À medida que os textos ficam menores, tornando-se muitas vezes apenas uma sugestão, ou uma apresentação de um sentimento, verifica-se que uma atmosfera de ocaso sutilmente se impõe, trazendo algumas sombras ao pleno sol do riso das estórias iniciais. Mas o último texto recoloca, em outro patamar, a alegria: com a chuva benfazeja, que tudo lava, com a presença dos frutos igualmente distribuídos por todos, uma outra forma de felicidade se insinua: aquela que nasce da natureza, das coisas simples e do partilhar o cotidiano com as pessoas queridas. Assim, “Água por cima, formiga por baixo”, um dos mais belos textos do livro, termina com uma lição de viver: “o céu diante de tanta alegria recolhe suas nuvens e já não há vestígios de mau humor. Ê vidão!!!” Na senda de Guimarães Rosa, o mestre dos contos e “causos”, diríamos: “Era, outra vez em quando, a Alegria.” A mesma Alegria que o leitor terá ao percorrer as páginas do primeiro livro de Djair Sousa.