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A Alegria de escrever, ler e viver

Tania Macêdo

Com um título que desafia o leitor, Prajalpas, renhenhéns e outras estórias:


as mulheres, o primeiro livro de Djair Souza apresenta-nos estórias passadas em
uma cidade imaginária, Cezídia, onde a vida escorre devagar, igual a si própria, entre
tradições inventadas, principalmente por uma classe dirigente tacanha. Trata-se, como
se pode aquilatar, de um espaço onde o público e o privado, o desejo e as repressões
se enfrentam cotidianamente, constituindo um disfarçado - mas nem por isso menos
violento - campo de batalhas. Mas o leitor não espere cenas de sangue. Pelo
contrário, o humor corrosivo de um contador de causos muito inteligente e matreiro
nos conduz ao interior das casas e das pessoas, e, a partir do sarcasmo e de um
humor muito particular, torna-nos suportável a opressão cotidiana. Por essa razão, o
leitor não perca tempo procurando em qualquer mapa a cidade referida em grande
parte das narrativas desse livro. Em lugar disso, busque a geografia que cada um dos
relatos desenha, fazendo de Cezídia uma cidade algo vizinha de Macondo.
As moradoras desse espaço, as protagonistas dos pequenos relatos desse
livro que é percorrido com gosto, são mulheres – quer se chamem Marias ou
Francinettes ou qualquer outro nome - quase sempre exuberantes, tanto de corpo
quanto de espírito e cuja vocação para a felicidade é inconteste: enfrentando os
parentes, os vizinhos ou todos ao mesmo tempo, essas mulheres surpreendem não
apenas os personagens mais próximos, mas sobretudo o leitor, a partir do momento
em que a aparente fraqueza e a submissão são subvertidas por atitudes corajosas que
possuem uma só direção: a sua felicidade. Dessa forma, o rompimento com o “status
quo”, resposta inesperada em razão da trajetória de moçoilas casadoiras, é abrupto
mas, não por isso, menos risonho.
Mas voltemos ao título bastante diferente desse livro: “Prajalpa”, apesar de
palavra algo estranha, significa, como nos indica o blog do autor, “em sânscrito,
conversa fútil e mundana, inútil para todos“. Ou seja, um vocábulo de estranhas
plagas, mas que nos remete às estórias e “causos” conhecidos muito bem por todos
nós: conversa com jeito calmo, como se nada quisesse, com presença da oralidade e
próxima do receptor do relato. “Inútil para todos”? De forma alguma! As
narrativas/conversas deste livro, ainda que se distanciem de qualquer pedagogismo,
trilham o caminho que nos ensina algo da alma humana e, sob esse aspecto,
cumprem uma das mais interessantes funções da literatura, qual seja, a de nos
instruir como desvendar um pouco dessa complexidade que é o humano.
E os renhenhéns?
Mais uma charada para o leitor. O que isso significaria? Reclamações? Birras?
Carinho com garras? Bem, fica a critério do leitor a decisão, após a leitura do livro,
quando poderá dar uma significação para o neologismo com que Djair Souza resolveu
batizar o seu primeiro texto publicado... Talvez uma pista esteja em pensar em algo
próximo de uma expressão que fica entre a zanga sorridente e a alegria melancólica.
E essa espécie de sentimentos contraditórios embutidos na adivinha proposta
pelo título, de certa maneira ecoa por todo o livro, na medida em que paulatinamente a
alegria contagiante e carnavalizada das protagonistas das primeiras estórias (mesmo
as Marias mais tristes) vão cedendo espaço a uma sutil mas persistente melancolia. À
medida que os textos ficam menores, tornando-se muitas vezes apenas uma
sugestão, ou uma apresentação de um sentimento, verifica-se que uma atmosfera de
ocaso sutilmente se impõe, trazendo algumas sombras ao pleno sol do riso das
estórias iniciais.
Mas o último texto recoloca, em outro patamar, a alegria: com a chuva
benfazeja, que tudo lava, com a presença dos frutos igualmente distribuídos por todos,
uma outra forma de felicidade se insinua: aquela que nasce da natureza, das coisas
simples e do partilhar o cotidiano com as pessoas queridas. Assim, “Água por cima,
formiga por baixo”, um dos mais belos textos do livro, termina com uma lição de viver:
“o céu diante de tanta alegria recolhe suas nuvens e já não há vestígios de mau
humor. Ê vidão!!!”
Na senda de Guimarães Rosa, o mestre dos contos e “causos”, diríamos: “Era,
outra vez em quando, a Alegria.”
A mesma Alegria que o leitor terá ao percorrer as páginas do primeiro livro de
Djair Sousa.

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