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Resumo:
O objetivo do presente trabalho é analisar a obra Os cus de Judas de António
Lobo Antunes e a forma como essa obra conversa com os conceitos de metaficção
historiográfica proposto por Linda Hutcheon no texto A poética do Pós-Modernismo e
descentralização proposto por Stuart Hall no texto A identidade em questão de modo a
construir a imagem de um personagem fragmentado que está inserido em uma realidade
de memórias desconfortáveis que que oscilam entre a ficção e o testemunho do autor.
Abstract:
The objective of this work is to analyze the book Os cus de Judas by António
Lobo Antunes and the way in which this work converses with the concepts of
historiographical metafiction proposed by Linda Hutcheon in the text A poética do Pós-
Modernismo e descentralização proposed by Stuart Hall in the text The identity in
question in order to build the image of a fragmented character who is inserted in a
reality of uncomfortable memories that oscillate between fiction and the author's
testimony.
Introdução:
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Essa obra de Lobo Antunes permite um diálogo direto com a história de Portugal
uma vez que focaliza nos horrores vividos na guerra que antecedem a independência
portuguesa e isso se faz do ponto de vista crítico. A geração que sobreviveu à guerra
depositou suas esperanças na Revolução dos Cravos que viria a ocorrer em 1974,
entretanto esta geração não colheu os frutos da mesma. Em Os cus de Judas o leitor
depara-se com um desses heróis que tem uma história desprezada pela História
portuguesa.
O título
Um ponto que já chama a atenção do leitor de imediato é o próprio título do
livro, a saber, Os cus de judas. Essa construção só é esclarecida ao longo do romance
que aponta para onde de fato se passaram as maiores partes das experiências do
personagem. O título sugere a compilação de duas expressões portuguesas, cu do
mundo e onde Judas perdeu as botas, que querem dizer “fim do mundo” ou “lugar
inóspito. Essa construção aponta para o fato de que a história que será narrada pelo
personagem transitará em algum lugar distante situado em um país que ele não
reconhece como sendo sua pátria, seu lugar de origem. Embora por diversas vezes na
narrativa haja a descrição de lugares físicos, não é possível situar o narrador em nenhum
deles. Há certo distanciamento dele com o lugar de onde ele fala:
Os cus de Judas
A obra é dividida em capítulos que recebem como título as letras do alfabeto de
A a Z. Nessa construção história e memória vão se entrelaçando de modo que nem
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sempre a narrativa é tão linear quanto a própria ordem alfabética sugere e isso escapa ao
leitor como a evidência de um desgaste físico e psicológico de um homem que após a
experiência da guerra vê-se fracassado e preso ao passado.
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desesperada esperança de que respirasse ainda, o morto que
embrulhei num cobertor e coloquei no meu quarto, era a seguir ao
almoço e um torpor esquisito bambeava-me as pernas
(ANTUNES, 2007)
Por que camandro é que não se fala nisto? Começo a pensar que o
milhão e quinhentos mil homens que passaram por África não
existiram nunca e lhe estou contando uma espécie de romance de
mau gosto impossível de acreditar, uma história inventada que a
comovo a fim de conseguir mais depressa [...] que você veja
nascer comigo a manhã na claridade azul pálida que fura as
persianas e sobe dos lençóis, [...] Há quanto tempo não consigo
dormir? Entro na noite como um vagabundo furtivo com bilhete
de segunda classe numa carruagem de primeira, passageiro
clandestino dos meus desânimos encolhido numa inércia que me
aproxima dos defuntos e que a vodca anima de um frenesi postiço
e caprichoso, e às três da manhã vêemme chegar aos bares ainda
abertos, navegando nas águas paradas de quem não espera a
surpresa de nenhum milagre, a equilibrar com dificuldade na boca
o peso fingido de um sorriso. (ANTUNES, 2007)
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os nossos sonhos incomunicáveis, a nossa angústia informe, os
nossos passados vistos pelo binóculo ao contrário das cartas da
família e dos retratos guardados no fundo das malas sob a cama,
vestígios préhistóricos a partir dos quais poderíamos conceber,
como os biólogos examinando uma falange, o esqueleto
monstruoso da nossa amargura. (ANTUNES, 2007)
Para um leitor de primeira viagem Os cus de Judas pode ser uma obra altamente
desconfortável uma vez que é preciso estar atento não apenas ao texto em si, mas
também às nuances que estão por trás da construção literária. É uma narrativa arrastada
e permeada por nuances que constroem um sujeito que assume um sentimento de não
pertencimento e isso é visto tanto em pistas deixadas pelo autor quanto por diálogos
diretos do próprio personagem:
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de parede nas casernas sem uma gravura de mulher nua,
masturbávamo-nos e disparávamos, o mundo-que-o-português-
criou são estes luchazes côncavos de fome que nos não entendem
a língua, a doença do sono, o paludismo, a amebíase, a miséria.
(ANTUNES, 2007)
Nesse ínterim as memórias na obra são também um modo de fixar o não lugar
desse indivíduo que não tem possibilidade de retornar ao que era pois agora ele está
marcado pelo trauma. Ele, porém, não aceita isso que foi feito com ele.
Fragmentação
Nota-se o excesso de uso de metáforas e comparações para a construção das
memórias e isso é usado como recurso para que o personagem venha a traduzir e
explicar o mundo arruinado no qual ele está inserido. O excesso de períodos e
parágrafos longos também fazem parte dessa descrição que é cruzada, ora fala da
guerra, ora trás de volta a mesa de bar, ora fala de seu passado. Esse fluxo de
consciência, endossado pelo álcool, faz com que a estrutura se torne cada vez mais
fragmentada:
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Outro ponto que também contribui para a fragmentação do texto é nas vezes em que há
a marca dialogal quando ele chama a atenção da sua ouvinte para o que está falando
como se observa na introdução do capítulo H : “Escute. Olhe para mim e escute, preciso
tanto que me escute, me escute com a mesma atenção ansiosa com que nós ouvíamos os
apelos do rádio da coluna debaixo de fogo, a voz do cabo de transmissões que
chamava.” (ANTUNES, 2007)
Descentralização
Stuart Hall no texto “A identidade em questão” traz à tona o fato de que na
modernidade as identidades estão em crise e com isso descentradas “isto é, deslocadas
ou fragmentadas” (HALL, 2005, p 8). No mesmo texto ele diz:
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silvado se aparenta a um nervo de nylon que vibra, alimentados
por colunas aleatórias cuja chegada depende de constantes
acidentes de percurso, de emboscadas e de minas, lutando contra
um inimigo invisível, contra os dias que se não sucedem e
indefinidamente se alongam, contra a saudade, a indignação e o
remorso, contra a espessura das trevas opacas tal um véu de luto,
e que puxo para cima da cabeça a fim de dormir, como na
infância utilizava a bainha do lençol para me defender das pupilas
de fósforo azul dos meus fantasmas. (ANTUNES, 2007)
Nesse trecho encontra-se a marca da crise uma vez que o sujeito busca
reconhecer sua identidade, mas já não a reconhece mais. Há uma angústia e essa
angústia que irá construir suas memórias fragmentadas, deslocadas e descentralizadas.
Conclusão
A experiência de se ler Os cus de Judas é um tanto quanto agoniante uma vez
que tira o leitor de sua zona de conforto e o apresenta a uma construção totalmente
diferente do habitual. É necessário paciência e diligência para se entender os caminhos
que tomam uma nação quebrada e uma pessoa que personifica essa nação. O leitor fica
diante de um amanhã que não chega torcendo para que, de repente, aqueles traumas
sejam apagados para que enfim o indivíduo volte a viver em paz mesmo que essa não
seja uma perspectiva possível.
Como o próprio título do trabalho sugere, a proposta que esse texto buscou
apresentar é como as reminiscências, as memórias do narrador personagem são
doloridas e em como elas estão entremeadas entre a ficção construída e o testemunho do
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próprio autor de modo a apresentar um personagem fragilizado que não é capaz de
reconhecer mais seu lugar no mundo: ''o medo de voltar ao meu país comprime-me o
esôfago, porque, entende, deixei de ter lugar fosse onde fosse, estive longe demais,
tempo demais para tornar a pertencer aqui''. (ANTUNES, 2007).
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Referências Bibliográficas:
HUTCHEON, Linda. A Poética do Pós Modernismo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991.
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