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Literatura Infantojuvenil – LET510

Revisão

Docente: Carlos Augusto Bonifácio Leite

Antes de mais nada, cabe saudar a todas, todos e todes pela entrega ao
longo da disciplina e por chegarmos a esta última semana com bons índices de
participação e envolvimento!
Lembro que iniciamos nossa caminhada, na Semana 1, indicando que
todos nós temos um acervo bastante significativo de histórias infantojuvenis e
que devemos lançar mão desse acervo ao pensar sobre o campo. Conhecer
essas histórias não significa que podemos dispensar uma reflexão sobre elas.
Em seguida, começamos um percurso histórico indicando que a matriz
da literatura infantojuvenil é indo-europeia. Livros como Kalila e Dimna (ou Calila
e Dimna) e Hitopadesa, de origem indiana mas adaptados ao árabe, proveram
histórias que povoaram as mentes europeias ao longo da Idade Média. Um
pouco mais tarde, desde o século IX, o mesmo se deu com As mil e uma noites.
Aqueles que chamamos, portanto, de “pais da literatura infantojuvenil”, La
Fontaine, Charles Perrault, Hans Christian Andersen e os Irmãos Grimm
recolheram, coligiram e adaptaram essas narrativas para as crianças a partir do
final do século XVII e começo do século XVIII. A mesma base de histórias formou
a literatura infantojuvenil e o folclore, veios que voltaram a estabelecer um
diálogo mais forte no começo do século XX.
Não é simples separarmos a literatura infantojuvenil da literatura feita
para adultos, mas podemos indicar algumas características principais da
literatura pensada para as crianças, como: o primado da imaginação sobre a
razão, a preocupação mais presente com os valores civilizacionais e a
construção de certa moralidade e histórias centradas mais no enredo, nos fatos,
do que no que as personagens pensam ou sentem. São generalizações, é claro,
mas nos ajudam a pensar nesse campo da literatura.

A primeira semana se encerrou justamente pensando nesse equilíbrio:


como pensar nas especificidades da literatura infantojuvenil sem incorrer no erra
de achar que a literatura infantojuvenil é feita exclusivamente para crianças e
jovens? Para isso, vimos as reflexões da pesquisadora María Teresa Andruetto
e do escritor C.S.Lewis, indicando que um livro infantil escrito só para crianças
não é um bom livro infantil, como também comentamos como a maior parte das
narrativas consumidas hoje por adultos poderiam, sem maiores problemas, ser
chamadas de narrativas infantojuvenis, como os universos de fantasia e dos
super-heróis.
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A Semana 2, ainda em uma perspectiva histórica, buscou refazer a


pergunta das origens da literatura infantojuvenil, mas agora no caso
especificamente brasileiro. Para isso, tomamos por indício as relações entre a
vida escolar e a literatura infantojuvenil em nosso país para entender por que o
campo da literatura para crianças e jovens só se desenvolveu no final do século
XIX. Considerando o que foi visto na primeira semana, fica mais fácil perceber
que a literatura infantojuvenil decorre de uma concepção burguesa da criança,
uma reorganização da unidade familiar, que aconteceu nos principais centros
urbanos europeus no século XVIII e que demorou um pouco mais cem anos para
acontecer um quadro similar no Brasil.
Alguns pioneiros precisam ser lembrados no caso do começo da
literatura infantojuvenil brasileira. Carlos Jansen, teuto-brasileiro, tradutor e
adaptador de histórias de As mil e uma noites, Dom Quixote e Robinson Crusoé.
Figueiredo Pimentel, um homem de Letras da Belle Époque carioca, jornalista,
romancista, poeta e tradutor. É o autor, dentre outros livros, de Histórias da
Carochinha, com presença marcante de narrativas do folclore nacional.
Podemos citar ainda João Ribeiro, tradutor de Il Cuore, de Eduardo de Amicis,
editado mais de cinquenta vezes na primeira metade do século XX.

Esses primeiros momentos da literatura infantojuvenil nacional são


marcados por forte teor positivista e com a preocupação da formação das
crianças como um passo decisivo para a formação de uma população mais
cidadã no futuro. Valores como pátria, família, religião, educação e língua
portuguesa eram muito comuns nessas produções iniciais, bem como autores
como Olavo Bilac, Júlia Lopes de Almeida, Francisca Júlia, Coelho Neto, Simões
Lopes Neto, entre outros, vão desenvolver iniciativas no campo infantojuvenil em
razão dessa orientação de fortalecimento nacional. No mesmo sentido, as
primeiras antologias do folclore nacional para uso escolar surgirão na década de
1910.

É nesse contexto que vai surgir a figura de Monteiro Lobato, um marco


da literatura infantojuvenil brasileira moderna. Moderno aqui, tanto no sentido da
forma literária, como uma literatura que se movimenta menos pelos padrões
estamentais e academicistas oriundos de estruturas pré-burguesas, quanto no
sentido da prática, porque o livro infantojuvenil vai ser entendido pela primeira
vez como mercadoria. Ou seja, Monteiro Lobato vai produzir uma literatura
moderna e vai inaugurar uma concepção moderna para a circulação de sua
literatura.
Não precisamos nos esquivar das contradições disso. Por um lado, o
indivíduo Monteiro Lobato foi, sabidamente, racista, e seu racismo pode estar
presente na organização formal, no narrador ou nas personagens de seus livros.
Por outro lado, dar um tratamento mercadológico ao livro não significa, digamos,
um grande avanço. É possível, então, ser moderno trazendo marcas da
sociedade escravocrata brasileira do século XX e submetendo o livro ao controle
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do mercado livreiro incipiente brasileiro? Essa difícil questão se relaciona com o


paradoxo da modernidade e com o paradoxo de nossa modernidade em
particular.

Para além disso, as Aventuras no Sítio do Picapau Amarelo somaram


vinte e três livros, entre 1921 e 1947, e podemos indicar um conjunto de acertos
que dão vida ao universo de Lobato: ser um espaço rural conectado sutilmente
à cidade, ser uma casa de vó, em que as relações edipianas estão ausentes –
inclusive a rivalidade entre irmãos –, a construção de um lugar da imaginação,
da leitura, da brincadeira e do aprendizado, inclusive com a presença de
criaturas fabulosas, ao mesmo tempo um reduto do encanto, das fábulas e da
magia, pelas presenças de Dona Benta, Tia Nastácia e Barnabé. O resultado é
que o sítio acaba se tornando um tipo de idílio moderno em relação à cidade
moderna.

Na esteira de Monteiro Lobato, muitos outros escritores e escritoras de


sua geração se lançaram também à produção de obras infantojuvenis, como
José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Erico Verissimo. Essa construção da
modernidade por dentro das obras ou da modernidade literária não poderia vir
desacompanhada de transformações sociais que suportassem essa nova
literatura, como a Escola Nova e uma nova concepção laica e cidadã do ensino
público.

Na Semana 3, deixamos um pouco o movimento histórico e nos


aproximamos de alguns gêneros literários importantes para a literatura
infantojuvenil. Nesse primeiro momento, vamos tratar dos gêneros, digamos,
“épicos”, aqueles em cujo cerne está geralmente o contar de uma história: a
prosa (em romance ou conto), o teatro e a HQ.
A prosa é a história que se conta por meio de um narrador. Esse narrador
pode ser em primeira pessoa, quando a perspectiva pertence ao universo que
está sendo contado, em terceira pessoa, quando há uma perspectiva que não
pertence ao universo que está sendo contado, ou, mais raramente, em segunda
pessoa, quando se está referindo diretamente ao leitor, por exemplo: “Você
acaba de sair da sala e pensa que está prestes a tomar uma grande decisão...”
Quanto à extensão, as narrativas mais curtas e focadas em geral num
personagem ou em uma história são chamadas contos. As mais longas, focadas
num grupo de personagens ou em um lugar, são chamadas romances. Entre
uma e outra, está a novela. Para nossos termos, importante saber ainda que o
leitor-modelo (não necessariamente o leitor empírico) da literatura infantojuvenil
são crianças ou jovens, o que implica em algumas características já abordadas
na semana 1 do curso.
Conferimos, então, alguns autores e livros fundamentais da prosa
infantojuvenil brasileira: O meu pé de laranja lima, de José Mauro de
Vasconcelos, Marcelo, Marmelo, Martelo (com mais de um milhão de exemplares
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vendidos), de Ruth Rocha, A bolsa amarela, de Lygia Bojunga (conquistou o


Nobel da literatura infantojuvenil, o Prêmio Hans Christian Andersen), Uma ideia
toda azul, de Marina Colasanti, Bisa Bia, Bisa Biel, de Ana Maria Machado
(também vencedora do Hans Christian Andersen) e Lúcia Já Vou Indo, de Maria
Heloísa Penteado,

O teatro é a história que se conta (geralmente) sem um narrador, por


meio das personagens postas em ação. Ao texto do teatro chamamos “drama”;
ao teatro performado chamamos “cena” ou “drama encenado”. Quando lido, diz
Molière, o texto do teatro precisa ser imaginado em cena. É uma forma estética
muito mais antiga do que a prosa, a ponto de se misturar com os rituais religiosos
e de alguns estudiosos dizerem que somos “animais dramáticos”, porque temos,
muito profundamente, noções dramáticas incorporadas ao cotidiano.
As origens do teatro infantojuvenil remontam ao teatro de bonecos
chinês do século III a.C., mas, tal como no caso da literatura de livro, só podemos
falar de um teatro voltado para as crianças a partir do século XVIII, consolidado
ao longo do século XX, com a popularização das salas de teatro. (Também se
poderia falar num teatro feito por crianças, que tem tradição no país desde o
teatro catequético.) A primeira companhia moderna de teatro infantojuvenil foi o
Teatro da Criança, fundado na União Soviética em 1918. Seu pioneirismo gerou
outros grupos europeus e, em 1948, a visita de um desses grupos, austríaco,
fomentou o desejo de um teatro infantojuvenil brasileiro.
O marco inaugural do teatro infantojuvenil nacional é O Casaco
Encantado (1948), de Lucia Benedetti. Em seguida, 1951, nasceu o Tablado, de
Maria Clara Machado, o mais conhecido grupo do país. Um pouco antes, 1949,
em São Paulo, nasceu o TESP, de formação semiamadora. Por fim, em Porto
Alegre, e, 1956, foi criado o TIPIE, dentro do Instituto de Educação, ou seja,
ligado à formação universitária. Tal como fizemos no romance, também
indicamos algumas obras canônicas, Pluft, o fantasminha (1955), de Maria Clara
Machado, e História de lenços e ventos (1974), de Ilo Krugli.
Por fim visitamos o contexto atual, para indicar que Por mais que
algumas dramaturgas e alguns dramaturgos – como Ana Barroso, Karen Acioly
e Mônica Biel – e algumas companhias – como a Truks ou a Vagalum Tum Tum
– sigam desenvolvendo uma pesquisa séria no campo da dramaturgia infantil, o
mais frequente é que o teatro infantojuvenil seja ocupado por adaptações de
histórias e personagens que se tornaram célebres no cinema ou na TV. Em
termos comerciais, é um ramo bastante sólido, ao mesmo tempo, não temos
mais a sensação de uma produção criativa nesta seara, como o que apontavam
críticos e comentadores nos anos setenta e oitenta.
No polo oposto, a História em Quadrinho, ou HQ, é um dos gêneros
narrativos mais novos, tendo surgido nos Estados Unidos no fim do século XIX.
É uma forma que se vale da linguagem verbal e da linguagem não verbal para
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contar as histórias. Verbalmente, o gênero está centrado no diálogo e em alguns


trechos de prosa que introduzem a cena. A linguagem não verbal conta as
ilustrações, os planos escolhidos para representar as cenas, a ordem e o
tamanho dos quadrinhos, os tipos de balão para cada fala, enfim, são muitos e
muitos recursos não verbais disponíveis. Podem ser mais sucintos, como
charges, cartuns e tirinhas, ou mais extensos, potencialmente ilimitados, como
as sagas de herói da Marvel ou da DC.

Talvez porque o Brasil tenha sido majoritariamente iletrado por metade


do século XX, as HQs ocupem um papel central na nossa cultura e no nosso
letramento. A Turma da Mônica para quem tem mais de trinta anos e os mangás
para as gerações mais recentes. O primeiro quadrinho brasileiro foi o Tico-tico
(1905), mas a história do gênero em nosso país passa pelas milhões de
revistinhas vendidas da criação de Maurício de Souza desde 1970, como
também por outros universos, como o Menino Maluquinho, de Ziraldo, que
também saiu das tirinhas para as revistas, livros, cinema e TV a partir de 1980.
Pensando no cenário atual dos quadrinhos brasileiros, a invasão das franquias
de heróis e dos mangás teve um efeito diverso, talvez porque alguns quadrinistas
brasileiros passaram a trabalhar na indústria, talvez porque a produção nacional
já fosse bastante forte, permitindo que houvesse desde há muito um quadrinho
nacional mais artístico; o fato é que a indústria de quadrinho nacional preservou
sua autonomia.
Na Semana 4, deixamos os gêneros épicos e falamos sobre os gêneros
eminentemente líricos, assim chamados porque mais comumente voltados para
a expressão dos sentimentos do que para a narração de histórias.

Primeiro tratamos da poesia, como um tipo de linguagem que não só dá


a ver a matéria representada, como a prosa, mas que também mantém certa
opacidade, pertinente a essa própria linguagem, como teoriza Sartre,
mencionado na primeira videoaula da semana 3. Porque também centrada na
linguagem, seus recursos muitas vezes estarão localizados nela, como a rima
(quando duas ou mais palavras se aproxima sonoramente, marcando um
tempo), a aliteração (repetição de sons consonantais) e a assonância (repetição
de sons vocálicos). Alguns recursos, contudo, incidirão sobre o sentido, como a
metáfora (um desvio do sentido literal que funde duas realidades distintas) ou a
imagem poética (quando palavras e sentidos se movem conjuntamente, sem que
a imagem possa ser associada a um ou a outro).
Na tradição da poesia infantojuvenil brasileira, destacamos somente dois
livros: Ou isto, ou aquilo (1964), de Cecília Meireles, um clássico do gênero, e É
isso ali (2005), de José Paulo Paes, inspirado na tradição oral e busca diversas
fontes desse universo, como ladainhas, paródias, adivinhas, causos etc. A
entrevista com Fabrício Corsaletti trouxe outros elementos, como a necessidade
do divertimento, a não utilização de versos de preenchimento, uma variação de
rimas e algum cuidado com os temas e termos. Outros materiais
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complementares sugeriram a importância da poesia infantojuvenil como fonte


privilegiada da sensibilização e do lúdico.
A canção popular, por sua vez, não é uma poesia musicada, mas uma fala
entoada e consolidada, conforme formula o professor Luiz Tatit. A força da
canção infantojuvenil brasileira não está somente nos álbuns, EPs, singles e
clipes, mas também como trilha de outros objetos estéticos, como programas
infantis e animações (O Show da Luna é um ótimo exemplo). Trouxemos dois
clássicos da canção infantojuvenil, lançados, aliás, muito próximos um do outro.
Os Saltimbancos (1977), de Chico Buarque, e A Arca de Noé (1980), de Vinícius
de Moraes. Tivemos como material complementar uma entrevista com Paulo
Tatit, da Palavra Cantada, mais importante referência contemporânea do gênero,
e, além de demonstrar como as canções em geral são compostos, o músico falou
também de alguns valores centrais da canção infantojuvenil, como a nitidez.

A Semana 5 é um ponto de chegada desse segundo movimento do curso,


do estudo dos gêneros, e abordamos a contação de histórias, talvez o mais
fundamental e precioso gênero literário infantojuvenil, que primeiro faz com que
a criança desenvolva habilidades épicas, líricas e dramáticas e que comece a
exercitar a imaginação como um espaço de criação de experiência. É certo que
a contação de história é um gênero fortemente dramático, na maior parte das
vezes centrado na figura da contadora e do contador posto em cena. Essa figura
se vale de elementos mais cênicos ou menos cênicos para contar sua história,
nesse sentido, recuperando a força das narrativas orais – com toda sua
importância, tal como observada por Walter Benjamin no ensaio clássico, “O
narrador” –, em eixo claramente épico. Há ainda momentos, de caráter lúdico,
mnemônico etc., em que a linguagem adquire teor poético ou lírico, isto é, dobra-
se sobre si mesma, no intuito de jogar luz sobre a linguagem e suas
possibilidades. Ou seja, numa feição mais lírica.
A presença da recepção tão próxima, a condição de arte performática e a
orientação por contar determinada experiência, em geral, fabulosa, guarda
grandes afinidades com as antigas figuras em torno das fogueiras, sob a copa
das árvores etc. dos narradores orais, dos guardiões das histórias de um povo,
dos griôs. Diante disso, cabe aventar a possibilidade que a força de “vida viva”
que tem a contação de histórias advenha dessa condição de herdeira de uma
possibilidade de experimentar, sorrir, ensaiar, hesitar cada vez mais restrita ao
universo infantil.
No encerramento da semana, assistimos a trechos de contações de
história extraordinárias, para presenciarmos como as técnicas se constroem,
como também ouvimos depoimentos de contadores de história profissionais,
falando na prática em como o campo se configura, em como se preparam, quais
são seus desafios, para termos uma versão mais viva do cenário atual.
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Na Semana 6, encerrados os arcos histórico e formal, estudamos as


políticas públicas para o livro infantojuvenil no Brasil. Não é possível pensar o
livro infantil no Brasil sem pensar em políticas públicas. Com o letramento tardio
da nossa sociedade em relação à Europa Ocidental, a leitura precisa fazer parte
de uma política de Estado, o Estado precisa ter por objetivo alfabetizar nossa
população para alterar a situação.
O Brasil tem 70 milhões de crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos, ou
seja, 1/3 da população total. Das crianças entre 0 e 3 anos, somente 11,7% estão
na escola, o que equivale ao período de creche. Esse percentual sobre bastante,
para 68,4%, quando a faixa etária é de 4 a 6 anos. Dos 06 aos 14 anos a adesão
é quase completa, 96,2% De 15 a 17 anos, estão na escola 91,3% dos
adolescentes.
Analisando os números, percebemos que muitas famílias (um terço)
optam por manter os filhos em casa ao longo do Ensino Infantil, que o Ensino
Fundamental é o centro da vida escolar no Brasil e que a queda do percentual
de adesão no Ensino Médio parece responder à evasão e à entrada precoce dos
jovens no mercado de trabalho. Precisamos ainda considerar, tendo em mente
o longo processo da fixação do lugar da criança na unidade familiar e na
democratização lenta do ensino no Brasil, que marcos importantes para o atual
momento foram a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente, de 1990. Ambos refirmam o direito da criança e do adolescente à
educação. Somente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de
1996, foi definida uma idade, 06 anos, como obrigatória para a criança ser
matriculada na escola. Legislação, aliás, que foi modificada em 2013,
estabelecendo, enfim, a idade que vige atualmente, 04 anos.
Quando, por fim, consideramos que 75% dos alunos são atendidos pela
rede pública e 25% pela rede privada – e daqueles atendidos pela rede pública,
70% são atendidos na rede municipal, mais de 27% na rede estadual, e só uma
minoria ínfima na rede federal –, fica evidente que as políticas nacionais do livro
são pensadas para esse contexto. Se pensarmos que o brasileiro lê em média 5
livros por ano e só metade disso, “2,5 livros”, do início ao fim, sabemos que o a
vida cultural brasileira não está centrada no livro e que as escolas têm um papel
decisivo para modificar essa situação.
Mesmo sendo o maior mercado editorial da América Latina – mais de 500
editoras comerciais e mais de 100 editoras universitárias –, o baixo letramento,
somado a números relevantes de analfabetismo (16 milhões) e analfabetismo
funcional (17 milhões), contribui para um IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano) preocupante. Estamos hoje na 87ª posição, entre 191 países. O que
estou frisando é que o nível de educação é um fator que prejudica o IDH do
Brasil, medido pela Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD).
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Três políticas revolucionaram o lugar do livro e do livro infantil no Brasil.


O PNLL (Programa Nacional do Livro e da Leitura), de 2006, estabeleceu eixos
e metas de implantação das políticas do livro e da leitura no país. O PNLD
(Programa Nacional do Livro Didático), de 2018, permitiu que as editoras
inscrevessem seus livros, que passam por uma seleção do MEC e do FNDE.
Dentre os livros aprovados, as escolas podem escolher livros para compor seus
acervos. O PNLE (Política Nacional de Leitura e Escrita) facultou que a
sociedade cobre do Poder Executiva políticas claras para o livro e para a leitura.
Ainda na Semana 6, vimos as várias acepções que o estudo de literatura
infantojuvenil pode ter e quais áreas fazem parte desse ramificado campo.
Temos o Ensino de Literatura Infantojuvenil nos anos iniciais, quando as crianças
ouvem as primeiras histórias, muitas vezes sem saber ler. Também faz parte o
trabalho no Ensino Fundamental, quando, já contando com a leitura, as
professoras e professores podem ampliar gradativamente o tamanho e a
complexidade das histórias, além de consolidar valores humanos importantes,
como a convivência pacífica, o respeito à diversidade, a solidariedade, o valor
do livro, do conhecimento, da curiosidade etc. Observamos que a literatura
infantojuvenil dá lugar à urgência diante do ENEM e dos vestibulares no Ensino
Médio, embora haja um bom conjunto de narrativas pertinentes a essa faixa
etária sendo publicadas. Os jovens seguirão autonomamente sua leitura,
sobretudo com séries, animes, filmes, canções etc. (É preciso salientar a
importância dos bibliotecários nesses três veios práticos do ensino de literatura
infantojuvenil.)
No campo mais da reflexão do que da prática, sublinha-se o papel da
universidade, mais tímido do que gostaríamos, mas lugar de pesquisas sobre a
história da literatura infantojuvenil, da leitura e da análise de novos autores, das
tendências atuais, dentre outras possibilidades. No mercado do livro
infantojuvenil ainda podemos destacar um sem-número de profissionais que
talvez não ensinem exatamente mas seus ofícios dialogam diretamente com
professores e bibliotecários. Estou me referindo a escritoras e escritores,
ilustradoras e ilustradores, contadores de histórias, atores, quadrinistas,
editores, jornalistas, programadores de teatro e de casas de espetáculo etc., que
mesmo que não estejam diretamente envolvidos nas práticas de ensino, a
dimensão pedagógica de suas ações está relacionada diretamente com o que
estamos discutindo.
Por fim, na Semana 7, visitamos, por meio de obras premiados
recentemente no Prêmio Jabuti, algumas tendências da literatura infantojuvenil.
Não se trata de hipertrofiar a importância dos prêmios nem de esgotar as
tendências possíveis, mas de eleger um parâmetro claro a partir do qual se torne
possível olhar para tão perto com algum distanciamento.
Em síntese, seja pelo desenvolvimento tecnológico, seja pelas
transformações culturais, a literatura infantojuvenil de hoje carrega as marcas do
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nosso tempo, tal como a literatura infantojuvenil foi nacionalista, patriótica e


civilista no final do XIX e Monteiro Lobato buscou modernizar a produção de seu
tempo em paralelo à modernização do país.

Uma primeira tendência observada, talvez comum em todos os tempos, é


a retomada e a atualização dos clássicos. É o caso de Romieta e Julieu, de Ana
Elisa Ribeiro, vencedor do Jabuti de Literatura Juvenil em 2022. Trata-se da
história clássica de Shakespeare relida para o mundo atual, em termos de
tecnologias e costumes. Outro exemplo dessa mesma tendência, mas com uma
pequena mudança que nos levará a uma segunda tendência, é
Sagatrissuinorana, de João Luiz Guimarães, vencedor do Jabuti de Literatura
Infantil de 2021. O título é uma combinação de Sagarana, de Guimarães Rosa,
e o “trissuino”, três porquinhos. As referências ao clássico universal e ao clássico
brasileiro vêm acompanhadas do debate sobre os crimes ambientais em Mariana
e Brumadinho, em conformidade com o intenso debate eco consciente de hoje
em dia, nossa segunda tendência.
Uma terceira tendência encontrada consiste em certa disposição crítica
contra as homogeneidades tradicionais em prol de um debate pela diversidade.
Comparecem nesse caso as questões de gênero, questionando a representação
das mulheres nas histórias, as questões raciais, as questões capacitistas etc. É
o caso, por exemplo, de Da minha janela, de Otávio Júnior, vencedor do Jabuti
de Literatura Infantil em 2020. Nela o autor desloca completamente a perspectiva
tradicional para uma narrativa lírica e política desde uma comunidade na periferia
do Rio de Janeiro. Outro exemplo dessa mesma tendência é o vencedor do
Jabuti de Literatura Juvenil do mesmo ano, Palmares de Zumbi, de Leonardo
Chalhoub, que recupera a história de Zumbi dos Palmares promovendo também
deslocamentos na historiografia tradicional – em conformidade com a Lei 10.639,
que inclui o estudo de história e culturas afro-brasileiras nos currículos. As
xilogravuras em sua arte indicam a notável capacidade técnica da produção
infantojuvenil contemporânea, possibilitando outras escolhas a autores e
editores. Talvez possamos indicar essa possibilidade de obras mais apuradas
como uma tendência, já que em Drufs, de Eva Funari, vencedor do Jabuti de
Literatura Infantil de 2017, em que a autora utiliza os próprios dedos para a
criação das personagens, sendo o livro composto de fotografias. Para além da
atitude geral da boa literatura, de não subestimar seus leitores, independente de
suas idades, é possível inferir que as políticas de valorização do livro têm
fortalecido sensivelmente a produção contemporânea.
Outros dois exemplos do quão longe estão indo autores e obras.
Sonhozzz, de Silvana Tavano e Daniel Kondo, vencedor do Jabuti de Literatura
Infantil de 2022, trata das dúvidas sobre qual sonho vamos sonhar à noite, em
um diálogo intenso de texto e ilustrações. Por sua vez, A avó amarela, de Júlia
Medeiros e Elisa Carareto, trata de modo poético, sensível e intenso as relações
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familiares com as pessoas mais velhas e o valor da memória. Este livro foi Jabuti
de Literatura Infantil de 2019.
Por fim, para além das questões tecnológicas, dos costumes, dos debates
contemporâneos, do apuro técnico e da maturação dos estilos, sem subestimar
os pequenos, não se poderia deixar de apontar a quantidade e a qualidade
notável da literatura infantojuvenil traduzida. Não só a literatura de massa, como
Harry Potter e Percy Jackson, mas também de literatura criativa e artística, como
A árvore generosa e O monstro que adorava ler.

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