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Os vilões (título provisório)

Prólogo
Em uma época que ninguém sabe quando foi, nem se ainda
dura, havia um reino isolado num vale com montanhas altas e
quase inescaláveis, riachos com carpas coloridas, campos repletos
de flores e cavernas de cristais. Porém, o que chamava a atenção
neste lugar não era sua beleza indescritível, e sim, a gravidade
alterada. Pedaços de terra flutuavam, a queda d’água era mais
lenta e as nuvens pairavam perto do chão. Hewest era um país
parado no tempo.

Era subdividido em 4 principais regiões:

- Terra das Norami, onde ficavam as almas, feiticeiras e


animais fantásticos.

- Campos de Yotehe, onde ficava a população (tanto


camponesa quanto nobre).
- Cidade Ihete, todos os nascidos neste lugar eram destinados
a aprender a técnica do exorcismo e servir como o exército da
rainha.

- Palácio Pakyry (em Norami, esse lugar é chamado de


Hákami), onde vivia a família real. Vários hectares de castelo e
jardins artificiais ocupavam essa região.

Se você está pensando que a desigualdade social nesse reino


era absurda como aquela imagem que sempre aparece nos livros de
geografia, está terrivelmente enganado. Todos viviam bem, DESDE
QUE CONTINUASSEM EM SUA REGIÃO! Era estritamente
proibida a transação de seres de uma região à outra, salvo
comerciantes autorizados, exorcistas profissionais e anunciantes
oficiais da rainha. Essa é uma lei sagrada, perdurada e seguida à
risca por várias gerações da família real desde a Sétima Guerra de
Hewest.

Um fantasma na academia de exorcismo


Agora que foram ambientalizados, a verdadeira história
começa no salão principal da grande Academia de Exorcistas
Thèa, na Cidade Ihete. Todos estavam agitados. O Conselho
discutia enquanto os calouros, veteranos e até professores
tentavam descobrir do que aquela inquietação se tratava. O Papa
Ancião Supremo, diretor da escola, se levantou e, com o barulho do
atrito da cadeira com a madeira do chão, todos se calaram. Ele
limpou a garganta e hesitou um pouco antes de fazer seu discurso.

– Prezados estudantes e professores, bom dia. Poucos de vocês


já devem ter ouvido algum boato sobre o incidente aqui na
Academia e eu gostaria de dizer-lhes que não se preocupem, pois
nós, do Conselho, já estamos resolvendo a questão. Para os que não
estão a par da situação, há um fantasma infiltrado aqui na escola
e-

Todos no salão entraram em choque, interrompendo o diretor,


e começaram a cochichar, chorar e fazer perguntas a ele, que não
conseguia entender nenhuma palavra do que estavam dizendo por
conta da desordem. Você deve se lembrar daquela lei que mencionei,
não é? Acontece que ela nunca havia sido infringida anteriormente.
Ao menos, era o que eles pensavam. Dá pra entender o pavor das
pessoas naquela situação, certo?

– SILÊNCIO! – Berrou a Freira Anciã Suprema, que os fez


ficar quietos novamente.
– Obrigado, Myrtle. – O papa colocou a mão no ombro da
irmã. – Como eu estava a dizer, peço que chamem alguém
responsável do corpo docente se identificarem o espião de Norami.
Todos estarão em alerta.

– Agora, um por vez, façam seus questionamentos. – Myrtle


anunciou.

– Ele é perigoso? – Perguntou um garoto na multidão.

– Não temos informações sobre o tipo de alma que reside aqui.


– Respondeu um homem do Conselho.

– Podemos exorcisar ele se o encontrarmos? – Disse uma


aluna, animada com a ideia de provar seu valor.

– Somente para defesa pessoal, se necessário. Vocês devem


tentar evitá-lo ao máximo.

– Com licença. – Um professor se pronunciou. – O fantasma


está disfarçado como um de nós?

– Provavelmente. Os Fantasmas são seres mutantes, então


podem se tornar quem desejarem. Alguns de vocês sabem
identificá-los olhando em seus olhos, que não têm pupilas, mas não
recomendo que façam isso. É perigoso. Mais alguma pergunta? –
Aquela resposta do papa mexeu com toda a gente. O medo e a
desconfiança tomou conta de todos, o que fez um silêncio
abominável pairar naquele salão. – Não? Ótimo. Fiquem em seus
dormitórios e não saiam em hipótese alguma.

Kiran Davies estava deitado em sua cama, estudando o livro


da história do exorcismo, pois as provas estavam chegando. O
calouro não saíra de seu quarto a manhã inteira. Quando soube
que as aulas seriam suspensas, se pôs a estudar por conta própria.
Ele não era nenhum tipo de prodígio na técnica do exorcismo ou um
delinquente excêntrico. Não se destacava na academia em matéria
alguma e estudava para tirar o mínimo para não reprovar.
Ele era um garoto de estatura média, com desenhos vermelhos
debaixo dos olhos. Esse era o kanasi de sua família. Em Ihete, cada
família tinha um símbolo, que era gravado em suas casas e corpos.

– Hm… ok… que livro mais CHATO! – O ruivo conversava


consigo mesmo. – Acho que eu já li o suficiente desse negócio, deve
ter um livro mais interessante lá na biblioteca.

Kiran deixou o livro didático em cima de sua escrivaninha e


saiu pelos corredores. Estranhou não encontrar ninguém pelo
caminho, mas não deu muita importância a isso e entrou na
biblioteca.
Passava os olhos pelas prateleiras, procurando algum título
que lhe chamasse a atenção. Algo sobre música, mitologia grega e
outras histórias fantásticas talvez? Nunca encontrara livros com
esses assuntos por aí. Que azar nascer num lugar como aquele,
onde seu futuro já fora decidido por outra pessoa:
“Você será um exorcista, servirá à rainha, casará com tal
pessoa, terá tantos filhos e, no final, irá morrer de desgosto por
ter tido uma vida horrível.”
De repente, um livro caiu da estante.

– Oi? Tem alguém aqui? – Ele observou sua volta e foi até o
livro jogado no chão.

"Guia de Norami"
Ele o pegou. A capa era feita de madeira esculpida: Desenhos
da lua, estrelas e galhos de árvores lotavam a cena. As folhas eram
amareladas, velhas e cheiravam a ervas medicinais. O livro não era
costurado normalmente, cipós realmente resistentes prendiam as
páginas juntas. Isso despertou o interesse de Davies, que estava
prestes a abrir e ler, quando outro livro caiu.
– Ei… eu sei que tem alguém aqui. Se está tentando me
assustar, desista! Essa é uma brincadeira sem graça.

– Não estou tentando assustar você. – Uma voz feminina


ecoou pela biblioteca, o que arrepiou a espinha do menino e o fez
recuar alguns passos.

– Quem é você? – Ele perguntou, procurando onde a menina se


escondia.

– O que está fazendo aqui?

– Na biblioteca? Tô fazendo churrasco.

– Você não deveria estar fora de seu quarto.

– Por que?

– O diretor disse pra todo mundo ficar nos dormitórios,


porque um fantasma invadiu a academia.

Davies raciocinou um pouco, olhou novamente em volta e pegou


o outro livro que caíra no chão momentos antes.
– Não tenho medo de fantasmas. E outra, eu só vim pegar
uns livros pra ler. Não acho que ele esteja por aqui. – Kiran folheou
algumas páginas de "Canções para Lua" .

– Se interessa pela Terra das Norami? – Ela sentou-se em


cima da estante, balançando os pés.

– O que? – Ele olhava entre os espaços das prateleiras,


temeroso de que a garota seria apenas obra de sua imaginação.

– Você acabou de pegar dois livros sobre essa região. Nunca


teve curiosidade para saber o que tem fora da Cidade Ihete? – A
menina pulou para o chão, fazendo um barulho suave na madeira do
piso.

– Não penso muito nisso – Mentiu. – Aliás, eu nunca vi esses


livros aqui antes. Você que os trouxe? É a nova bibliotecária?

O ruivo finalmente avistou-a. Tinha cabelos prateados e olhos


arroxeados. Não usava o uniforme da escola, mas uma roupa
estranha com uma capa. Carregava uma bolsa cheia de plantas e
outras coisas estranhas. Se parecia com uma viajante. Davies
começou a desconfiar. Não havia mais viajantes naquele tempo.
– Ei… o que você está fazendo fora do seu dormitório se sabe
da ordem do Papa Ancião Supremo?

A garota hesitou um pouco. Percebeu que o garoto de olhos


amarelos a encarava.

– Não estudo aqui. – Falou, enquanto colocava um livro na


estante.

– Então é uma comerciante? – Ele avança para perto da


menina.

– Sim.

– Que legal! Então você pode viajar por toda Hewest, não é??
Como são os outros lugares? Posso ver como é a licença de viagem?
Me disseram que tem o mapa do reino estampado na parte de trás
e que fazem uma pintura de você pra colocar no documento!

"Ele é muito ingênuo."


Pensou ela, enquanto tirava uma licença de viagem da bolsa e
a entregava para Kiran.
– Ah… é só um cartãozinho normal… – O ruivo devolveu o
cartão, desapontado.

– Você não deveria acreditar em tudo o que escuta por aí. – A


menina foi em direção à saída da biblioteca.

Davies encarou os dois livros que segurava.


"Que estranho. Nunca ouvi falarem nenhuma palavra sobre a
Terra das Norami. Apenas que quem vive lá é maldoso e deve ser
punido. É curioso comprarem livros sobre esse lugar… Tem um furo
nesse roteiro aí, heim."

Não é culpa minha. É culpa dos que governam a Cidade Ihete.


Fizeram um acordo com o Palácio Pakyry e os Campos de Yotehe:
Nada seria dito sobre a região das almas, além do que é
necessário saber.
Isso significa que o conhecimento popular sobre aquele lugar
era a única fonte de informações que tinham. Viram? O meu roteiro
(provavelmente) não tem furos! Enfim…

Kiran se sentou em uma das mesas da biblioteca e se pôs a ler


um dos livros que pegara. Então, sua barriga roncou e ele se
lembrou de que não havia feito seu desjejum naquela manhã.
– Te aquieta, estômago estúpido. Preciso comer alguma coisa…
Será que o fantasma está na cozinha?

Levando os dois livros debaixo do braço, o ruivo se dirigiu à


cozinha. Algum tempo depois de perambular pelos corredores
(perdido, mas sem admitir que se perdeu), Davies finalmente chegou
à despensa e pegou uma caixa de cereal e uma garrafa de leite. Não
encontrou nenhuma tigela ou colher, portanto, abriu a boca e jogou
o cereal e o leite direto nela, sujando parte da blusa e do chão.
O garoto ouviu o fogão sendo ligado e fechou a boca, para
mastigar a comida. Um fio de leite escorria pelo seu queixo, quando
encontrou um rosto conhecido preparando alguma coisa no fogo.

– Você não gosta mesmo de seguir as regras, né? – A menina


que ele conheceu na biblioteca adicionou alguns ingredientes que
trouxe em sua bolsa na panela.

– Não é isso… Eu só fiquei com fome. Não sou nenhum tipo de


delinquente, se é o que você pensa. – Kiran se aproximou da panela,
de onde saía uma fumaça estranha. – O que você está cozinhando?

Por um momento, ele pôde jurar que a garota estava entrando


em pânico.
– Só uma sopa.

– Por que você está cozinhando aqui se é comerciante? –


Davies era muito observador e guardava bem as informações.
Nenhum mentiroso escapou de sua intuição afiada até então.

– Eu viajo muito, sabe? Sempre arrumo um emprego


temporário nos lugares que eu vou. – A comerciante colocou mais
ingredientes dentro da mistura.

Todas as explicações que ela dava faziam sentido e, mesmo


assim, o ruivo continuava com uma pulga atrás da orelha. Alguma
coisa não batia. Ele olhou dentro da panela e encarou o líquido de
coloração estranha. A garota de olhos roxos ficou tensa, mas
decidiu continuar o que estava fazendo. Tirou da bolsa um vidro em
formato de ampulheta que continha um pó de cor ferrugem e
colocou todo seu conteúdo dentro da “sopa”.

– O que é isso? – Perguntou o garoto, quando viu o vidro,


agora vazio, que a menina virou dentro da panela.

– É só um tempero exótico. – Explicou, enquanto tirava um


segundo vidrinho de sua mala, em formato de coração, com um
líquido rosa-choque dentro. – Pode me ajudar a cozinhar?
– É que… eu não… Ah, tudo bem vai. – Kiran colocou a mão
na nuca.

– É só colocar duas gotas disso aí na sopa. – A garota pegou


um livro de sua bolsa e abriu em uma página que aparentava estar
escrita em egípcio. – Eu preciso que, quando pingar a primeira gota,
pense na cor de uma sopa de legumes. 5 segundos depois, quando
pingar a segunda, pense no gosto. Consegue fazer isso?

– Acho que sim…

A “comerciante” então pegou uma coisa que estava presa ao lado


de sua mala, que cresceu e se tornou um cajado de madeira com
uma pedra em formato de lua na ponta. Ela o colocou dentro da
panela e começou a misturar o líquido de lá. Com a outra mão,
segurava seu livro de feitiços. A ficha do ruivo caiu assim que
reparou nas orelhas pontudas dela e ele soltou os dois livros que
trouxera.

– Espera aí… VOCÊ É UMA-

– Shhh! – A menina o interrompeu. – Não precisa falar tão


alto.
– Você é uma feiticeira? – Disse mais baixo, um pouco acuado.

– Coloca aí esse negócio na poção e segue sua vida.

– E eu posso saber o que é isso? – Ele aponta para o vidro em


forma de coração que ela o entregou.

– É inofensivo.

– Eu não acho que esteja falando a verdade. – O estudante


colocou o potinho no balcão.

Kiran deu alguns passos para trás, com o coração disparado.


Acabou batendo a cabeça em algumas panelas que estavam
penduradas no teto. A feiticeira começou a caminhar em sua
direção.

– Certo… – A cada palavra, ela dava um passo para frente e,


o ruivo, para trás. – Não leva pro lado pessoal.

O garoto bateu as costas na parede, suando frio. Escorregou


até cair no chão.
– P-por favor, n- não me mata! – Colocou os braços na
frente do rosto. Sua respiração estava desregulada.

Davies baixou os braços, observando o rosto preocupado da


garota.

– Espera aí… você não vai me matar de morte matada? – O


calouro levantou-se e estendeu a mão para a menina, mas ela
recusou e ficou de pé sozinha.

– Acha que todos os feiticeiros são maus como vocês?

Ele demorou um pouco para responder.

– Pra que é essa poção que você está fazendo? – O ruivo


apontou para a panela.

– Não é da sua conta.

– É pra acabar com todos os humanos, é?

– Não.

– Então pra que serve?


– Eu não devo explicação nenhuma a um aspirante a
exorcista! – A feiticeira encostou a ponta de seu cajado no peito do
menino e falou algo em uma língua estranha. Ele estava ficando
sonolento, quando a ouviu praguejando desesperada. – PUTA
MERDA, EU DISSE O FEITIÇO ERRADO!

Então Kiran desmaiou.

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