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ENCONTRO
ENCONTRO
Ele acorda já atrasado para sua aula na faculdade, como de costume. Come às pressas
uma fatia de pão com geleia e leite, pois não há tempo para preparar um café, escova os dentes
e sai apressado à rua. O curioso sobre as manhãs de sua cidade é que elas sempre começam
bastante amenas e agradáveis. Conforme o desenrolar do dia, vai ficando mais quente e abafado,
tanto que as pessoas costumam correr para os poucos resquícios de sombra numa cidade com
poucas árvores. Duas coisas que sempre achou absurdo: ter que levantar da cama precisamente
no horário mais propício para aproveitá-la, e uma cidade sem árvores.
Entra no ônibus desejando um bom dia ao motorista do ônibus e à cobradora, pois sabe
que um olhar e um sorriso sincero, acompanhado de algumas palavras atenciosas, podem fazer
uma diferença positiva na vida das pessoas que muitas vezes são tidos como invisíveis pela
maioria. Pelo adiantado da hora, o ônibus está relativamente vazio. Senta-se numa cadeira
perpendicular às demais, que lhe dá uma visão panorâmica do lado direito do ônibus, e da
paisagem além das janelas, ainda que bloqueada pelas cabeças das pessoas sentadas, e há
sempre a possibilidade de sentar-se de lado para observar a paisagem, caso lhe desse vontade.
Ele saca um livro da mochila, já tinha passado da metade, e põe-se a lê-lo. Se aproximando do
final da viagem, muda de posição, e abaixa o livro da altura dos olhos por um instante. É nesse
momento que ele é acometido pela aparição de uma mulher, não muito mais velha que ele,
lendo também. Um livro que não lhe foi possível ler o nome pela distância que os separava. Ele
já a tinha visto antes, alguns anos atrás, colega de classe de um amigo, sabia até o nome dela,
apesar de não lembrar como veio a sabe-lo, mas agora lhe falhava a memória. À primeira vista
ela não lhe pareceu nem um pouco bonita, com aquele aspecto frio e olhar vago e distante, no
entanto havia algo na presença dela que lhe exercia profunda atração. Se ao menos pudesse
lembrar-se do nome.
Sem saber por quê, levanta-se alguns minutos antes que lhe fosse a hora devida de sair,
e senta-se numa cadeira posterior à dela, na fileira ao lado. Observa-a com atenção e intrigado.
Quem ela poderia ser para chamar-lhe tanta atenção e fazer-lhe querer falar com ela? De
repente, lembra-se do nome. Um pouco hesitante, inicia uma conversa banal.
Ela não sorri, mas responde educadamente – sou sim. – Olhando para ele com mais
atenção, pergunta, numa curiosidade felina –, nós já nos conhecemos?
Ela não responde, e a ele faltam ideias do que falar. Por sorte, irá descer no próximo
ponto. Ele despede-se, e dizem adeus. Assim que firma as botas na calçada da universidade,
pensa: “droga! Eu adorei o cabelo dela. Devia ter-lhe falado isso. Sempre me escapam os
detalhes. ” Ele olha no relógio. São nove e quarenta. Ele faz uma conta rápida, mentalmente,
deduzindo o tempo normal de viagem. Agora ele irá pegar o mesmo ônibus no horário subtraído
até encontra-la de novo. Não importa quantas vezes ele chegue atrasado.