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ENCONTRO

Ele acorda já atrasado para sua aula na faculdade, como de costume. Come às pressas
uma fatia de pão com geleia e leite, pois não há tempo para preparar um café, escova os dentes
e sai apressado à rua. O curioso sobre as manhãs de sua cidade é que elas sempre começam
bastante amenas e agradáveis. Conforme o desenrolar do dia, vai ficando mais quente e abafado,
tanto que as pessoas costumam correr para os poucos resquícios de sombra numa cidade com
poucas árvores. Duas coisas que sempre achou absurdo: ter que levantar da cama precisamente
no horário mais propício para aproveitá-la, e uma cidade sem árvores.

Estando ele matriculado em um curso considerado elitizado, a maioria de seus amigos


e colegas de classe vão de carro para a universidade. Para ele, foram oferecidas algumas
oportunidades de carona, sob contraprestações pecuniárias, mas ele havia recusado todas. Não
trocaria sua vivência diária de transporte coletivo, que ele considerava uma fase importante de
sua vida, por nada nesse mundo. Na verdade, quanto mais ele pudesse adiar adquirir um carro,
melhor. Mesmo com toda poluição expelida pelos veículos, todos ruídos, horas a esperar um
ônibus, e ônibus lotados, ele percebia certa nobreza nesta jornada diária. “Essa é a forma pela
qual a grande maioria dos trabalhadores ganham a vida. Saem às ruas toda manhã, acordando,
no mínimo duas antes do horário em que deveriam chegar no trabalho, para garantir que vão
pegar o primeiro ônibus, e assim chegam cedo todos os dias. ” Pensava. Além disso, quando
caminhamos pelas ruas da cidade absorvemos e percebemos muito mais detalhes e pequenas
riquezas, as quais não perceberíamos dentro de um cubículo móvel de janelas fechadas.

Entra no ônibus desejando um bom dia ao motorista do ônibus e à cobradora, pois sabe
que um olhar e um sorriso sincero, acompanhado de algumas palavras atenciosas, podem fazer
uma diferença positiva na vida das pessoas que muitas vezes são tidos como invisíveis pela
maioria. Pelo adiantado da hora, o ônibus está relativamente vazio. Senta-se numa cadeira
perpendicular às demais, que lhe dá uma visão panorâmica do lado direito do ônibus, e da
paisagem além das janelas, ainda que bloqueada pelas cabeças das pessoas sentadas, e há
sempre a possibilidade de sentar-se de lado para observar a paisagem, caso lhe desse vontade.
Ele saca um livro da mochila, já tinha passado da metade, e põe-se a lê-lo. Se aproximando do
final da viagem, muda de posição, e abaixa o livro da altura dos olhos por um instante. É nesse
momento que ele é acometido pela aparição de uma mulher, não muito mais velha que ele,
lendo também. Um livro que não lhe foi possível ler o nome pela distância que os separava. Ele
já a tinha visto antes, alguns anos atrás, colega de classe de um amigo, sabia até o nome dela,
apesar de não lembrar como veio a sabe-lo, mas agora lhe falhava a memória. À primeira vista
ela não lhe pareceu nem um pouco bonita, com aquele aspecto frio e olhar vago e distante, no
entanto havia algo na presença dela que lhe exercia profunda atração. Se ao menos pudesse
lembrar-se do nome.

Sem saber por quê, levanta-se alguns minutos antes que lhe fosse a hora devida de sair,
e senta-se numa cadeira posterior à dela, na fileira ao lado. Observa-a com atenção e intrigado.
Quem ela poderia ser para chamar-lhe tanta atenção e fazer-lhe querer falar com ela? De
repente, lembra-se do nome. Um pouco hesitante, inicia uma conversa banal.

- Você é a Luiza, não?

Ela não sorri, mas responde educadamente – sou sim. – Olhando para ele com mais
atenção, pergunta, numa curiosidade felina –, nós já nos conhecemos?

- Eu te vi uma vez, em um seminário de economia política. Temos um amigo em comum,


Lucas. Lucas Valentino.

Ela não responde, e a ele faltam ideias do que falar. Por sorte, irá descer no próximo
ponto. Ele despede-se, e dizem adeus. Assim que firma as botas na calçada da universidade,
pensa: “droga! Eu adorei o cabelo dela. Devia ter-lhe falado isso. Sempre me escapam os
detalhes. ” Ele olha no relógio. São nove e quarenta. Ele faz uma conta rápida, mentalmente,
deduzindo o tempo normal de viagem. Agora ele irá pegar o mesmo ônibus no horário subtraído
até encontra-la de novo. Não importa quantas vezes ele chegue atrasado.

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