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A farsa sobre Jesus

Como a trama de Paulo enganou o mundo por


dois mil anos

David Skrbina

Safra Livraria e Editora


Copyright © 2021 David Skrbina

Título original: The Jesus hoax: how St. Paul's cabal fooled the world for two thousand
years

Editor: Akiva Vital


Tradução: Guto Heyerdahl
Revisão: Camila Rodrigues e Tatiane Daniel Passarini
Projeto Gráfico e Diagramação: Camila Rodrigues
Capa: Jonnathan Ramos Chilman
Imagem da Capa: "Cefalù Pantocrator retouched", Andreas Wahra
Contents

Title Page
Copyright
Prefácio
Apresentação
Capítulo 1: Preparando o cenário
Capítulo 2: Apenas os fatos...
Capítulo 3: Porque a história de Jesus é falsa
Capítulo 4: Um contra todos
Capítulo 5: Reconstruindo a verdade
Capítulo 6: Fazendo um balanço, olhando à frente.
Apêndice B: Uma crítica ao Zelota de Aslan (2013)
Referência Bibliográfica.
Contracapa:
Prefácio

“Polêmica", uma palavra que se tornou, pela sociedade moderna,


em sua faceta mais mundana, em sinônimo de discussão vazia,
usada para gerar desavenças e, principalmente, holofotes,
exposição, mídia. Mas o conceito original da polêmica, atualmente
perdido, tem um propósito mais nobre: abordar temas controversos
que suscitam grandes divergências, caminhando pela tênue linha
entre a disputa e a hostilidade, em busca da verdade, outra palavra
tão fora de moda e até mesmo descartada por uma certa cultura
relativista que se pretende tolerante (e que, muitas vezes, é
intelectualmente desonesta ou preguiçosa).
Boas polêmicas podem gerar disputas intelectuais saudáveis
e impõem que os adversários exercitem suas faculdades
argumentativas, a fim de melhor refutar ou defender uma tese. No
fim, mesmo que os lados continuem discordando, o que é o mais
comum, ambos saem fortalecidos e o conhecimento avança para
algum ponto.
Dito isso, é preciso reconhecer que certas disputas polêmicas
são mais difíceis do que outras: defendê-las como forma de busca
pela verdade é uma coisa, outra, bem distinta, é a coragem para
entrar nelas, especialmente em um assunto como o deste livro
escrito pelo filósofo David Skrbina. Estamos falando de uma
polêmica levantada em torno da figura que é o pilar da fé de quase
um terço da humanidade, Jesus. A polêmica: Skrbina apresenta a
teoria de que a vida e os feitos de Jesus, na forma como são
apresentados no Novo testamento, são invenções deliberadas. Esse
tema “polêmico” gera muitas dúvidas e, como uma editora judaica,
nos propomos a difundir informações que possam orientar e sanar
essas dúvidas.
Publicar o livro de David Skrbina pode suscitar uma ideia
equivocada de que a fé judaica é centrada em negar Jesus, mas
antes que alguns ergam seus dedos acusatórios, precisamos
ressaltar que Skrbina não é judeu e apresenta ao longo de sua
teoria várias visões negativas sobre nós, com as quais discordamos
e temos o dever de refutar. Muitas das teorias apresentadas no livro
são centradas na análise sobre os apóstolos e a relação entre os
judeus e o seu entorno, a partir de relatos (negativos) dos gregos e
romanos, apresentando esses como mentirosos, ardilosos e
misantropos, e que essas características duvidosas influenciaram na
construção de uma farsa por uma seita judaica, os pré-cristãos.
Ironicamente, Skrbina cita uma frase do filósofo romano Celso, no
qual afirmava que "a longo prazo, o Judaísmo está condenado" e
que "eventualmente eles (os judeus) perecerão", isso foi no século II
d.C. Os judeus estão aqui (Am Israel Chai!), onde estão os
romanos?
Em outro ponto, ele atribui aos atuais judeus uma suposta
ciência de que Jesus não teria existido, mas há pouca vontade de
divulgar essa ideia por causa dos interesses sionistas de apoio aos
Cristãos em Israel, citando uma "extensa" participação dos judeus
nos meios de comunicação como estratégica. Esta argumentação
parte de duas velhas ideias que estão arraigadas até mesmo entre
pessoas que não podem ser consideradas antissemitas. São elas,
um suposto controle dos judeus pela mídia (ou de empresas
poderosas no geral) e a visão de que os judeus agem e pensam em
bloco. Como a primeira se sustenta na segunda, acabam por ser
uma só e são mais do que antissemita: são anti-humanas. É
evidente que nenhuma comunidade formada por pessoas funciona
como um organismo uniforme, no qual seus componentes são
pouco mais do que células sem identidade distinta do grupo. Para
quem é judeu essa ideia é quase risível, afinal, "junte dois Judeus e
tenha três opiniões" – ela também fundamenta e fundamentou tanto
ódio contra os Judeus.
Mas por que, afinal, decidimos publicar um livro com posições
tão controversas sobre Judaísmo e Cristianismo?
Sobre o Cristianismo, achamos que o debate sobre a teoria
apresentada por David Skrbina pode ser interessante para um grupo
que hoje é relevante no meio judaico: indivíduos que saíram ou
estão em processo de saída do chamado Judaísmo Messiânico
(movimento cristão que reproduz práticas judaicas e se diz uma
vertente do Judaísmo). Messiânicos acreditam em Jesus, ou
Yeshua, como eles preferem chamá-lo, mas se debruçam sobre
fontes judaicas e buscam nosso estilo de vida. Muitas vezes
entrando em conflito entre o que nossas escrituras dizem sobre o
que o Mashiach (Messias) deve cumprir e o que Jesus/Yeshua (não)
cumpriu. Não é preciso dizer que muitos se aproximam do Judaísmo
de fato.
As posições controversas sobre o Judaísmo: elas existem e
não desaparecerão, como alguns Judeus desejam, ao serem
“varridas para debaixo do tapete”, pelo contrário: é nos subterrâneos
que elas ganham força, como em uma câmara de eco alimentada
por autores que nunca são confrontados com seus preconceitos. A
liberdade de expressão exige alguns sacrifícios e muito esforço até
da parte que possa se sentir ofendida. É preciso que visões
incômodas venham à luz para que nós, Judeus, possamos
(re)conhecê-las e debatê-las, e que essa troca de conhecimento nos
ajude a cumprir propósito de ser Luz entre as Nações, inclusive para
combater o antissemitismo.

Akiva Vital, Editor.


Apresentação

Quando nos deparamos com temáticas tão difíceis como esta,


ficamos muitas vezes ausentes da discussão. Trazer à tona uma
análise sobre esses manuscritos, chamados de evangelho, que
foram reproduzidos por copistas, influenciados por teologias, cultura
e até controvérsias políticas de seu tempo, é uma tarefa árdua que o
autor, com objetividade, conseguiu mostrar. O Dr David Skrbina traz,
por meio de um referencial teórico maduro e bem orientado, a
possibilidade do leitor ter contato com diversas “interrogações” e
buscar respostas referenciadas e históricas. Livro de leitura fácil e
de compreensão adequada, mostra que existe a possibilidade em
apresentar tal assunto de maneira objetiva e com argumentos
irrefutáveis.

Charlanne Kelly Elias Brandão Piovezan, escritora, Psicóloga


(UEM), Administradora Publica (UEM), professora universitária,
Mestre em Gestão de Pessoas (UMESP), Pós graduada em Terapia
Comportamental e Cognitiva (USP), Pós graduada em Gestão de
Pessoa (UEL).
Capítulo 1: Preparando o cenário

Jesus de Nazaré, conhecido como Jesus Cristo, como Filho de


Deus, como o próprio Deus, é um dos mais famosos indivíduos da
história. Conhecemos sua trajetória: nasceu de uma virgem,
executou inúmeros milagres e fez diversos pronunciamentos divinos
ao longo de sua curta vida, de apenas 33 anos. Ele falou sobre
dedicação à Deus, sobre espiritualidade interna, sobre amor e
perdão. Sofreu demais por suas crenças e pediu aos seus
seguidores que, assim como ele, sofressem pelas deles. Prometeu
redenção do pecado e vida eterna no paraíso. Por fim, deu sua vida
pela salvação da humanidade. Sua ascensão corpórea aos céus era
prova de sua promessa. No fim das contas, seus ensinamentos
levaram à fundação de uma das maiores religiões do mundo.
​Que esse Jesus esteja entre as pessoas mais famosas da
história não é uma surpresa. A Times Magazines o colocou como o
mais conhecido de toda a história, e um estudo mais técnico, feito
pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em
inglês), o colocou em terceiro (atrás de Aristóteles e Platão). Seus
seguidores chegam literalmente aos bilhões. Existe em torno de 2.1
bilhões de cristãos na Terra hoje em dia, aproximadamente um terço
do planeta, fazendo do Cristianismo a religião número um,
globalmente. O Estados Unidos é um país fortemente Cristão: cerca
de 77% dos norte-americanos se consideram Cristãos, o que
engloba em torno de 250 milhões de pessoas. Está claro que Jesus,
como fundador da igreja Cristã, está entre os indivíduos mais
importantes e influentes que já viveu.
​Mas alguns historiadores e pesquisadores fizeram uma
afirmação surpreendente: aquele Jesus, o Filho de Deus, nunca
existiu. Afirmam que era apenas um mito, seria isso possível?
Certamente não, nós respondemos. Esta figura tão influente,
fundador de uma das religiões mais importante da Cristandade,
certamente tinha que existir. E ele, certamente, tinha que ser o Filho
de Deus, operador de milagres anunciado na bíblia, como poderia
ser diferente? Como poderia uma religião venerável de 2 mil anos,
com bilhões de seguidores ao longo da história, ser baseada em
alguém que nunca existiu? Impossível! É o que dizemos.
​Se esse fosse o caso, se Jesus nunca existiu, imagine as
consequências: toda uma religião, e as crenças de bilhões de
pessoas, tudo em vão. Todo o cristianismo baseado em um mito,
uma fábula e até mesmo – como argumentarei – em uma mentira.
Por quê? Seria uma catástrofe. As Cruzadas, guerras religiosas, a
queima de hereges, a Inquisição, as incontáveis vidas vividas na
esperança do paraíso e medo do inferno – tudo em vão.
​Ou consideremos uma levemente menos radical, mas
estarrecedora possibilidade: que Jesus existiu, mas era apenas um
homem, completamente comum e mortal, professor de moralidade.
E se Jesus fosse um simples pregador, um rabino Judeu que falava
em defesa dos pobres e desafortunados e que, por meio de suas
diversas agitações sociais, acabou sendo executado pelas
autoridades romanas? E se seu corpo foi enterrado sem cerimônias
em uma cova sem nome em algum lugar da Palestina, para nunca
ser visto novamente? E se não houve nascimento de uma virgem,
nenhum Sermão da Montanha, nenhum milagre, ninguém trazido de
volta dos mortos, nenhuma caminhada sobre as águas e nem
ressurreição corpórea? Bem, isso seria quase tão ruim quanto se
Jesus nunca tivesse existido. Toda a história cristã, ainda assim,
seria fundada em um mito ou em uma mentira, ainda seria uma
enganação. E todos os esforços dos cristãos pelo mundo, ao longo
de toda a história, ainda seriam em vão. É esse ponto de vista que
defenderei neste livro.
​Note que é muito importante distinguir as duas concepções de
“Jesus”. Se alguém pergunta: “Jesus existiu?”, nós precisamos
saber se eles querem dizer (a) o divino, operador de milagres, filho
de Deus ressuscitado (às vezes chamado de O Jesus bíblico) ou (b)
o homem comum e pregador Judeu que morreu como um homem
mortal (às vezes chamado de O Jesus histórico). O Cristianismo
demanda um Jesus bíblico, porém os céticos argumentam
simplesmente a favor do Jesus histórico – o que seria o fim do
cristianismo – ou pior, a não existência de Jesus.
​É meu objetivo com este livro é argumentar que Jesus, o
operador de milagres, elevado aos céus, filho de Deus, nunca
existiu. Vou, entretanto, aceitar o Jesus histórico: o pregador Judeu
que viveu e ensinou naqueles tempos, um agitador social que
incitou seus companheiros Judeus contra os romanos e que, por
fim, foi crucificado (a crucificação era geralmente reservada para
crimes contra o Estado). Diferentemente de outros céticos, eu tenho
boas razões para acreditar que o Jesus histórico, mortal, realmente
existiu. Mas concordo com eles no fato de que os milagres, a
história da ressurreição e a maior parte do que se atribui aos seus
ditos são apenas mitos.
​Também é meu objetivo explicar como e por que o mito do Jesus
bíblico – a mentira sobre Jesus – foi construído e como influenciou a
história do mundo. É uma história chocante, francamente, e que foi
apenas sugerida anteriormente. Pequenos pedaços, dessa narrativa
contrária, foram descobertos e analisados ao longo da história, mas
o panorama geral nunca foi claramente delineado, até agora.
Recentemente, o politicamente correto e o dogma liberal
contemporâneo conspiraram para suprimir qualquer discussão sobre
o assunto. A mídia não tem interesse em examinar essa história
alternativa, por motivos que explicarei. Os governos ocidentais têm
pouco incentivo para promover um debate aberto sobre essa
questão. Cristãos, obviamente, não querem ouvir falar de Jesus
como um mito, nem os Judeus ou muçulmanos – como explicarei.
Resumindo, dificilmente alguém com poder, e muitas pessoas
comuns, têm interesse em considerar a tese radical de que Jesus,
filho de Deus, nunca existiu. E mesmo assim, essa é uma discussão
de suma importância.
​Claro que não posso provar minha tese, não posso fornecer um
argumento irrefutável de que a história de Jesus era uma farsa.
Parte do problema é a notória dificuldade de “provar o negativo’’ –
ou seja, pode ser difícil, e às vezes impossível, provar que tal evento
não aconteceu. O outro problema é que as circunstâncias daquele
tempo e local são tão obscuras, e nosso conhecimento tão limitado,
que pouca coisa pode ser afirmada com certeza. É claro, nem
mesmo os cristãos podem provar a narrativa bíblica dos eventos.
Toda a argumentação deles se baseia na Bíblia e este é um
documento repleto de problemas, como mostrarei. Neste sentido,
estamos no mesmo patamar; nenhum de nós podemos provar
nossos argumentos em definitivo. Mas o peso das evidências, da
história arqueológica e do bom senso apontam, precisamente, para
a probabilidade de que um Jesus divino nunca existiu, e que sua
história foi construída com propósitos e razões bem específicas.
​Porém, há um problema adicional para os defensores do
cristianismo: é uma regra comum na argumentação de que quem
coloca a mais extraordinária hipótese carrega consigo a obrigação
da prova. Alegar um nascimento de uma virgem, um filho de Deus,
operador de milagres, ou ser ressuscitado dos mortos são, no
mínimo, hipóteses extraordinárias. Portanto, no debate sobre a
existência de Jesus, são os cristãos, e não os céticos, que carregam
a obrigação da prova. Se eu afirmo que o Jesus bíblico não existiu e
um teólogo católico afirma que existiu, então eu preciso mostrar,
simplesmente, a natureza inverossímil e improvável de tal evento,
assim como a falta de evidências que corroboram tal afirmação. O
teólogo, por outro lado, precisa fornecer evidências plausíveis,
positivas, de que tal homem milagroso realmente existiu, fez e agiu
conforme é dito na Bíblia. Meu padrão de provas é muito menor, o
dele é muito maior. Em outras palavras, é muito mais fácil eu
“vencer” esse debate. Acredito que isto se tornará mais claro
conforme eu prossigo em minha argumentação.

Duas defesas, refutadas


​ uando confrontados com o caso contra Jesus e a forte
Q
probabilidade de sua natureza mitológica, os Cristãos, normalmente,
encontram-se incapazes de defender sua versão dos eventos.
Sentindo a derrota, eles, frequentemente, voltam-se a uma das duas
versões comuns que o fazem sentir a salvo. É válido mencioná-las
agora, de início, para tirá-las do caminho.
​Primeira: “O Cristianismo se baseia na fé, não na razão.
Portanto, qualquer argumento racional contra isso, ou contra Jesus,
não possui efeito. Nós simplesmente acreditamos na história cristã e
isso é bom o suficiente.”
​ sta é uma carta de “saída livre da prisão” [1] muito conveniente,
E
com a qual as pessoas religiosas gostam de jogar. Mas ela não
funciona, não há valor algum de que a sociedade ocidental seja
baseada em ideias de racionalidade e razão, desde o princípio, na
Grécia Antiga, em torno do ano 600 a.C. A razão é mais velha que o
Cristianismo e é a fundação sobre a qual construímos tudo que
alcançamos. Não é que a fé não tenha seu lugar, mas se
permitirmos que se sobreponha à razão, em nosso pensamento
ideológico, abriremos mão da própria base de nossa cultura. É uma
autossabotagem e destrutiva.
​Além disso, muitos dos mais famosos teólogos cristãos, ao longo
da história, eram totalmente racionais: Agostinho; Anselmo; Tomás
de Aquino; Lutero e Calvino, para nomear alguns, eram justamente
famosos por seus argumentos baseados na razão. Um verdadeiro
Cristão nunca deve abdicar da razão, mesmo em nome da fé.
​Ademais, mesmo que queiramos colocar ênfase na crença, nós
ainda precisamos de uma razão para acreditar. Se nossas crenças
não são racionais, então estamos passíveis de acreditar em
absolutamente qualquer coisa: fadas, dragões mágicos, unicórnios,
qualquer coisa. Podemos começar a queimar as pessoas na
fogueira como bruxas, tentar exorcizar demônios, ou confiar
plenamente na oração para curar doenças sérias. Uma sociedade
governada por crenças não-racionais é muito perigosa e não é uma
em que alguém queira verdadeiramente viver.
​Segunda: “Não importa se a história de Jesus é real. A crença
ainda ajuda as pessoas a viverem vidas melhores e a serem
pessoas melhores.”
​Isso é o equivalente a se render. Toda a fé cristã é baseada na
ideia de que Jesus era o filho de Deus, de que ele, de fato, veio à
Terra pra nos salvar, morreu e foi corporalmente elevado. Toda a
religião colapsa em absurdos se a história de Jesus for falsa. Se
Jesus nos promete a vida eterna, e ameaça os descrentes com o
sofrimento eterno, isso só importa se ele realmente existiu e se
estava certo. Se estivermos dispostos a aceitar que a história de
Jesus pode ser um mito, então também devemos estar dispostos a
aceitar que suas ideias mais esotéricas, como céu e inferno,
também podem ser mitos.
I​ndo além, pode ser benéfico aceitar um mito como verdade?
Uma pessoa pode, de fato, ter uma vida feliz, bem sucedida e
significativa, dedicada a uma história falsa, ou a uma mentira?
Tomemos o exemplo de Papai Noel. Esta história pode ser útil para
manter crianças levadas na linha, mas só “funciona” por causa da
ignorância e ingenuidade das crianças. Mesmo que pudéssemos
manter essa mentira por anos, seria ético fazê-lo? Certamente não,
pois levaria a desfechos terríveis. E se houvesse toda uma
sociedade crente no Papai Noel, poderíamos enxergá-los levando
uma vida realmente boa? Claro que não. Deveria ser evidente que a
vida baseada na autoenganação ou falsidade jamais pode dar certo.
​Certamente, ideias atribuídas à Jesus podem ser consideradas
benéficas: a Regra de ouro; ame ao próximo; ajude os pobres;
igualdade entre os homens; a virtude da esperança (lembre-se,
porém, que os dez mandamentos são do Velho Testamento (VT);
eles são, de forma estrita, Judaicos e não Cristãos). Mas alguém
não precisa ser Cristão para amar ao próximo, ajudar os pobres ou
tratar os outros com bondade. Existem razões independentes e
perfeitamente racionais para fazer tais coisas, conforme diversos
outros filósofos e figuras religiosas apontaram, tanto antes, quanto
depois de Jesus. O fato de que algumas pessoas considerem que
estas ideias as ajudam, de forma alguma justifica a crença geral na
história cristã.
​Eu, portanto, devo concluir que realmente importa se a história
de Jesus é verdadeira ou falsa. Qualquer um, qualquer cristão
declarado, que tente argumentar que isso não importa, dificilmente
pode ser levado a sério.

Algumas questões sobre Deus


J​ esus, nos disseram, era Deus. Ceticismo sobre Jesus leva,
naturalmente, a um ceticismo sobre Deus – isto é, o Deus Judaico-
Cristão, que criou o mundo em seis dias, criou Adão e Eva, causou
o Dilúvio, enviou seu único filho para a Terra para salvar a
humanidade e que ama cada um de nós. De modo geral, neste livro,
eu ignorarei questões sobre a natureza e a existência de Deus, para
focar na história de Jesus e suas origens. Tecnicamente, a
existência de Deus independe de Jesus, Mesmo que este seja um
mito por completo, ainda poderia haver, teoricamente, um Deus.
Judeus ortodoxos acreditam em Deus, mas não em Jesus.
Muçulmanos acreditam em Deus (Ala), mas não em um Jesus
divino, filho de Deus que morreu e foi trazido de volta. As duas
questões são distintas.
​Sendo esse o caso, eu direi aqui apenas algumas palavras sobre
Deus e, especialmente, sobre o que é racional e o que é irracional
sobre ele.
​É de conhecimento geral que houve muitas religiões ao longo da
história do mundo – mais de 4 mil, de acordo com algumas
estimativas. Cada uma delas tem um conceito diferente de Deus ou
deuses. Claramente, a grande maioria deles deve estar errada. É
mais provável que todas estejam erradas, como diz o ditado: “Elas
não podem estar todas certas, mas podem estar todas erradas.” As
chances são de que todas as religiões possuam sérios defeitos em
suas crenças sobre Deus ou deuses, a ponto de não podermos
dizer quase nada de conclusivo sobre o divino. Não podemos nem
ter certeza de que deuses existem.
​Se deixarmos o ateísmo de lado por um momento, parece que
todas as religiões do mundo poderiam concordar em somente duas
proposições sobre Deus:
1) Deus é o Ser supremo ou Realidade última;
2) Deus é aquilo que é mais reverenciado.
​Apesar das vastas e irreconciliáveis diferenças entre as religiões,
teoricamente qualquer um pode aceitar essas duas afirmações. Se
nos ativermos a apenas estas duas visões, não haveria
discordância, nem guerras religiosas, ou conflitos religiosos em
geral.
​Mas, é claro, com apenas essas duas afirmações não é possível
construir uma religião funcional – uma que construa templos, que
cresça em números e riqueza e que projete seu poder ao redor do
mundo. Não pode haver “a Igreja” sem algo a mais para dizer sobre
Deus. É por isso que várias religiões foram compelidas a adicionar
qualidades a Deus, a criar histórias adicionais sobre ele, a trazê-lo à
Terra etc.
​Talvez, surpreendentemente, há algumas qualidades que
podemos atribuir à Deus, sem sermos irracionais, mas temos que
tomar cuidado de como as definimos. Por exemplo, Deus pode,
logicamente, racionalmente e consistentemente ter as seguintes
características:
● Deus não foi criado;
● Deus é perfeito;
● Deus é eterno;
● Deus é onipresente;
● Deus é uno;
● Deus é uma mente ou espírito.
​Pensadores racionais, ao longo da história, vêm atribuindo
algumas, ou todas elas, ao Ser divino. Elas não são contraditórias,
não são ilógicas e não levam a paradoxos irreconciliáveis.
​Mas mesmo essas características não são suficientes para a
maioria das religiões. Essas ainda não permitem que alguém
construa uma igreja, uma doutrina complexa, ou exerça poder sobre
pessoas. Por isso, teólogos adicionaram ainda outras qualidades
que permitem a criação de uma religião convencional.
● Deus é uma “pessoa” (alguém que ama, perdoa, pune etc.);
● Deus “fala” com humanos;
● Deus é onisciente;
● Deus é onipotente;
● Deus é sobrenatural;
● Deus faz coisas boas;
● Deus salva uns e condena outros.
​Essas qualidades causam problemas enormes. Por mais que
não possa detalhá-los aqui, elas levam a todos os tipos de
problemas: contradições, paradoxos, absurdos e a completos
mistérios.
​O maior problema de todos surge quando acreditamos que Deus
é um ser moral: alguém que é bom, gentil, benevolente, justo etc.
Essa ideia é central no cristianismo, porém ela leva diretamente ao
que chamamos de Problema do mal[2]. Resumidamente, o problema
é o seguinte: o mundo é afligido por todos os tipos de mal, incluindo
assassinato, estupro, guerra, violência, doença, acidentes, fome,
terremotos, tsunamis e furacões. Estes causam sofrimento humano
e morte de forma exponencial, todos os dias. Mas o mundo é,
supostamente, supervisionado por um Deus amável e benevolente
que deseja o bem para nós humanos, que somos, afinal, criados à
sua imagem. Esse Deus moral, além disso, é todo-poderoso: ele
pode fazer o que bem entender, instantaneamente. Como é
possível, então, que os humanos sofram tão vastos e infindáveis
males? Deus tem o poder de impedir ou prevenir toda forma de mal
concebível e, mesmo assim, não o faz. Por quê?
​É suficiente dizer que não há resposta racional para esta
pergunta. Parece que ou Deus realmente não se importa com nosso
sofrimento – neste caso ele não é de todo bom – ou ele, na verdade,
não é capaz de fazer nada a respeito – neste caso, ele não seria
todo-poderoso. Em outras palavras, ou Deus não é um ser moral ou
não é todo-poderoso. Claramente, ele não pode ser os dois ao
mesmo tempo e, mesmo assim, é exatamente isso o que a
Cristianismo, e muitas outras religiões, querem que acreditemos. É
um dilema indecifrável. O Problema do mal não possui resposta.
​Além do Problema do mal e outros paradoxos, nós temos a
simples observação de que não há evidências de Deus. Ele não
vem mais e fala conosco, não aparece mais em arbustos em
chamas ou nuvens de fumaça e fogo, não envia mais seus filhos (ou
filhas) para nos iluminar. A ciência não necessita definir Deus, pois
tudo que acontece está respaldado pelas leis da física. Milagres não
acontecem mais – quer dizer, evento que não tenham uma
explicação científica direta. Por que Deus está se escondendo?[3]
Por ele continuar escondido, as pessoas não concordam
sobre Deus e, por isso, lutam e morrem em seu nome. Por que ele
deixaria isso acontecer? Das mais de 4 mil religiões, ao menos
3.999 estão erradas sobre Deus; como podemos dizer qual delas
está certa? E se estiverem todas erradas? E se nós achamos que
estamos fazendo a coisa certa, porém Deus está secretamente
zangado conosco? E se todos aqueles que vão, rigorosamente, à
igreja todo domingo são, aos olhos de Deus, ovelhas desprovidas
de pensamento e que serão, no fim, punidos? Como podemos
realmente saber o que Deus gosta ou não? Não temos respostas
para esta questão e nunca teremos. Não ajuda em nada dizer:
“Bem, Deus é misterioso”, esta é outra saída religiosa. É uma
afirmação sem significado que pode ser usada para cobrir qualquer
problema inconveniente, outro sinal de rendição.
​ única conclusão razoável é que Deus – se é que Ele existe – é
A
limitado de diversas formas. Ele pode ser um tipo de realidade
última e podemos de fato reverenciá-lo. Ele pode ter qualquer uma
das primeiras características citadas acima, mas nenhuma das do
segundo grupo. Mas até mesmo essas características “aceitáveis”
são construções humanas arbitrárias. Nós as escolhemos por gostar
delas ou nos identificarmos como seres emocionais. Não temos
nenhuma real razão, nenhuma evidência para fazer tais afirmações.
Baseando-se em evidências, aparentemente, não existe um Deus
em nenhuma forma[4]. Mas, se inventá-lo e dar algumas
características limitadas nos fazem sentir melhor, há pouco mal em
fazer isso.
​Chega de falar sobre Deus, meu foco aqui é Jesus e temos
muitas coisas interessantes para aprender sobre ele.

O problema dos especialistas


​ uando tentamos fazer uma investigação racional e crítica sobre
Q
Jesus, somos imediatamente confrontados com uma séria questão
chamada de “O problema dos especialistas”. Este problema tem
diversos aspectos diferentes, todos os quais tornam muito difícil
para o leitor médio chegar à verdade.
​Autores sobre cristianismo tendem a se encaixar em um destes
três grupos: acadêmicos, jornalistas e pesquisadores
independentes. Nos três casos, somos confrontados com o fato que,
normalmente, não sabemos a crença religiosa do autor e por um
bom motivo. Todos os três grupos de indivíduos querem se mostrar
como investigadores neutros e sem viés e, portanto, têm um forte
incentivo para esconder suas crenças verdadeiras do leitor. Mas
essas crenças estão ali, de qualquer forma, e influenciam,
fortemente, quais questões são levantadas, quais ideias são
examinadas e as quais conclusões chegam.
​Considere os acadêmicos, a vasta maioria é ou de uma
instituição de ensino religioso, ou são membros do departamento de
estudos em religião em uma universidade comum, secular. Em
ambos os casos, se eles são especialistas em cristianismo, quase
todos são cristãos. Isso, obviamente, influencia sua visão e impõe
restrições severas sobre o tipo de ideias que eles consideraram.
Dos poucos autores acadêmicos sobre Cristianismo não-cristãos,
muitos são Judeus (como Martin Buber, Paul Goodman, Alan
Dershowitz), e alguns (como Reza Aslan) são muçulmanos – e
estes carregam sua própria bagagem cultural. Por motivos óbvios,
acadêmicos de mente aberta, pensamento crítico e não religiosos
raramente tornam-se especialistas em cristianismo.
​Jornalistas têm suas próprias questões. Eles, em geral, não
possuem estudos avançados e, portanto, não entendem realmente
como fazer uma pesquisa acadêmica séria. Além disso, eles estão
inseridos no ramo da venda de livros – muitos livros. Isso significa
que eles não se importam realmente com a pesquisa acadêmica
séria. Seu principal motivo são os proventos, não a verdade. Ainda,
seus empregadores certamente teriam uma visão menos positiva de
suas carreiras se eles decidirem publicar algo fora do convencional.
​Pesquisadores independentes, normalmente, sofrem de todos os
problemas acima: não possuem educação avançada, não entendem
a pesquisa cuidadosa e detalhada, o viés religioso e a necessidade
de vender livros.
​É claro, todos temos algum tipo de viés no que concerne à
religião. Até mesmo ateus ou céticos profissionais têm presunções
escondidas ou não examinadas. O melhor que podemos esperar é
que nossos especialistas sejam abertos e honestos sobre seus
vieses, o que nos permitirá, como leitores, julgar melhor seus
escritos.
​Eu também tenho meu viés, com certeza. Mas deixe-me ser o
mais transparente possível: fui “criado” presbiteriano, mas
raramente comparecia e nunca me comprometi com a igreja, nunca.
Eu sou cético em relação à religião desde o começo da
adolescência e me lembro de debater com meus colegas de classe
religiosos desde o ensino fundamental. Possuo graduação em
Matemática e Filosofia e ensino este na Universidade de Michigan
desde 2003. Eu não sou ateu, mas minha posição religiosa muda,
dependendo das circunstâncias: às vezes sou agnóstico, outras
panteísta, às vezes politeísta. Não sou cristão, muçulmano ou
Judeu, gosto de pensar que sou o menos enviesado possível, talvez
menos do que qualquer autor atual sobre o cristianismo. Sou um
professor, portanto não preciso vender livros para sobreviver.
Escrevo o que considero verdadeiro e importante. Se esses fatos
resultam em um livro útil e honesto sobre Jesus, eu deixo para o
leitor decidir.

Outro cético em relação à Jesus?


​ omo qualquer um pode ver agora, sou um “cético em relação à
C
Jesus”, mas estou longe de ser o primeiro. Houve muitos céticos no
passado e o número deles parece estar crescendo. Recentemente
esse grupo tem sido chamado de ‘’Miticistas de Cristo’’, ou seja,
aqueles que negam a existência do Jesus bíblico, divino (apesar de
não necessariamente negar o Jesus histórico, humano). A Teoria do
mito de Cristo, (ou CMT, sigla em inglês), também é popular entre
ateus em geral, uma vez que alimenta sua visão de que Deus,
também, não existe. Então, por que este livro? Por que precisamos
de mais um cético sobre Jesus?
​Para responder essa pergunta, deixe-me dar-lhes um breve
panorama de alguns dos mais proeminentes céticos e suas visões.
Vou demonstrar que suas ideias, apesar de estarem no caminho
certo, estão, tristemente, longe da verdade. Faltam-lhes a coragem
ou vontade para olhar atentamente as evidências e vislumbrar uma
conclusão mais provável: Jesus foi um mito deliberadamente
construído por um grupo específico de pessoas com um fim
específico em mente. Nenhum autor místico cristão ou ateísta, pelo
que sei, articulou o ponto de vista que defendo aqui.
​Mas antes, uma rápida recapitulação do cenário e contexto para
a ideia de um Jesus mitológico. A mais antiga crítica dos tempos
modernos foi do acadêmico alemão Hermann Reimarus, que
publicou um trabalho em diversas partes, Fragments, no fim dos
anos 1770. Surpreendentemente, sua visão é mais próxima da
minha do que de qualquer outro cético. Para Reimarus, Jesus era
um líder militante de um grupo de Judeus rebeldes que lutavam
contra as opressivas leis romanas e, eventualmente, ele foi
crucificado. Seus seguidores, então, construíram uma milagrosa
história religiosa ao redor de Jesus para seguir com sua causa. Eles
mentiram sobre seus milagres, e roubaram seu corpo da cova para
que pudessem afirmar sua ressurreição corpórea[5]. Isto o mais
próximo do que chamarei de “Tese do antagonismo” – um grupo de
Judeus construiu uma história falsa sobre Jesus, baseada em um
homem real, para enfraquecer a ordem Romana. Mas há muito mais
do que isso na história, muito além do que o próprio Reimarus foi
capaz de articular.
​Nos anos 1820 e 1830, Ferdinand Baur publicou diversos
trabalhos que enfatizavam o conflito entre os primeiros Cristãos-
Judeus – de fato, todos os primeiros Cristãos eram Judeus – e os
posteriores, Cristão-Gentios. Isso é uma parte chave da história,
mas precisamos saber os detalhes, saber por que o conflito se
iniciou e onde ele termina.
​Em 1835, David Strauss publicou, em dois volumes, Das jeben
Jesu (A vida de Jesus). Ele foi o primeiro a postular, corretamente,
que nenhum dos autores dos Evangelhos conheceu Jesus
pessoalmente. Ele rejeitava toda alegação de milagres e
argumentava que o evangelho de João era, essencialmente, uma
grande mentira sem nenhum embasamento na realidade.
​O filósofo alemão Bruno Bauer escreveu inúmeros livros
importantes, incluindo Criticism of the gospel history (1841); The
jewish question (1843); Criticism of the gospels (1851); Criticism of
the Pauline epistles (1852) e Christ and the caesars (1877), Bauer
afirmava que não houve nenhum Jesus histórico e que todo o Novo
Testamento (NT) era uma construção literária, sem nenhum contexto
histórico. Pouco tempo depois James Frazer publicou The golden
bough (1980), advogando por uma conexão entre todas as religiões
– incluindo o cristianismo – e conceitos mitológicos ancestrais.
​Foi nessa época que surgiu outro famoso cético ao cristianismo:
Friedrich Nietzsche. Em seus livros Aurora: reflexões sobre os
preconceitos morais (1881); A genealogia da moral (1887) e O
anticristo (1888) ele faz uma crítica ferrenha ao Cristianismo e à
moral cristã. Nietszche sempre aceitou o Jesus histórico e tinha
coisas boas a dizer sobre ele, mas ele era devastador em seu
ataque à Paulo e aos outros autores do NT. Ele via a moral cristã
como baixa, escravizadora, negadora de vida atribuída não à Jesus,
mas às ações de Paulo e outros seguidores Judeus. Assim como
Reimarus, Nietzsche fornece as maiores inspirações para minha
própria análise.
​ o século XX encontramos livros como The christ myth (1909) e
N
The denial of the historicity of Jesus (1926), ambos de Arthur Drews,
e The enigma of Jesus (1923) de Paul-Louis Couchoud. Todos
continuam a atacar a verdade literal afirmada pela Bíblia.
​Mais recentemente, temos críticos como o historiador George
Wells e seu livro “
Did Jesus exist? (1975). Neste ele reúne uma quantidade
impressionante de evidências contra um Jesus histórico. Bart
Ehrman chamou Wells de “o mais conhecido miticista dos tempos
modernos”, apesar de que mais tarde Wells, de certa, forma
abrandou em suas posições, ele aceitou que pode ter havido um
Jesus histórico, embora não sabemos quase nada sobre ele. Wells
morreu em 2017 aos 90 anos.
​Argumentos parecidos foram dados pelo filósofo Michael Martin
em seu livro de 1991 The case against christianity. Apesar de
fornecer uma ampla crítica, Martin dedica todo um capítulo à ideia
de que Jesus nunca existiu. Martin morreu em 2015.
​Entre os críticos vivos temos pessoas como Thomas Thompson,
que escreveu The messiah myth (2005), ele é agnóstico em relação
ao Jesus histórico, porém argumenta contra a verdade histórica da
Bíblia. Por outro lado, Earl Doherty (The Jesus puzzle, 1999), Tom
Harpur (The pagan christ, 2004) e Thomas Brodie (Beyond the quest
for the historical Jesus, 2012), negam que tenha existido um Jesus
de Nazaré. Richard Carrier, em seu livro “On the historicity of Jesus
(2014), acredita ser bastante improvável que qualquer Jesus
histórico tenha vivido.
​Talvez a mais estrondosa e prolífica voz cética contra Jesus hoje
seja a de Robert Price, um homem com dois doutorados em teologia
e um profundo conhecimento sobre a Bíblia. Apesar de agnóstico
em relação ao Jesus histórico, Price diz que muito da teologia cristã
é uma síntese de mitologias pré-cristãs e, portanto, desprovida de
um conteúdo verdadeiro. Ele, então, qualifica-se como um
proponente da tese do “Mito de cristo”. Sua extensa obra inclui:
Deconstructing Jesus” (2000); The incredible shrinking son of man
(2003); Jesus is dead (2007); The christ-myth theory and its
problems (2012) e Killing history (2014). Os argumentos centrais de
Price podem ser colocados da seguinte forma:
1. As histórias dos milagres não têm nenhuma verificação
independente dos contemporâneos imparciais;
2. As características de Jesus são todas retiradas de
mitologias mais antigas ou de outras fontes pagãs;
3. Os documentos mais antigo, as cartas de Paulo,
apontam para um Jesus esotérico, abstrato e etéreo – um
“arquétipo do mito do herói” – não um homem que
realmente morreu em uma cruz;
4. Os documentos mais tardios, Evangelhos, tornaram o
conceito “Jesus” em um homem de fato, literalmente o filho
de Deus, que morreu e ressuscitou.

​ ejo algumas verdades em todas essas afirmações, como


V
mostrarei. Mas há muito mais do que Price está disposto a
investigar, talvez por conta de sua situação pessoal. Ao que parece,
Price depende bastante da venda de livros e cachês de palestras
em sua renda: ele está muito dentro do “negócio-Jesus”. Não posso
deixar de acreditar que isso afeta o que ele diz e escreve.
​Esses homens, portanto, são talvez as maiores autoridades
críticas à tradicional história de Jesus. Eles sabem do que falam e
como pesquisar, mas claro, isso não os tornam certos e nem mesmo
garante colocações abertas e honestas, porém garante uma crítica
inteligente e embasada.
​Há muitos livros atacando a história de Jesus, mas a vasta
maioria é escrita por indivíduos pouquíssimos qualificados. Alguns
são ateus, outros são membros de religiões “competidoras”, outros
só estão buscando vender livros. A maioria não possui graus
acadêmicos avançados que indicariam a habilidade de fazer uma
pesquisa cuidadosa e detalhista. Eu deixo ao leitor que os
investigue como preferir[6]. Deixo aqui minha sugestão: Examine o
currículo do autor antes de comprar o livro.
​Com a exceção de Nietszche, quase todos os indivíduos citados
possuem uma fraqueza gritante: eles odeiam criticar qualquer um.
Ninguém é condenado, é culpado, é responsabilizado por nada.
Para os escritores precursores, acho que isso ocorre,
principalmente, por insegurança em relação às suas ideias e uma
falta, em geral, de compreensão sobre o que provavelmente ocorre.
Para os mais recentes, é possível supor que isto aconteça graças
ao politicamente correto inerente a eles, à falta de uma bússola
moral, ou apenas por puro interesse próprio. Recentemente, os
acadêmicos em particular estão extremamente reticentes quanto a
culpar indivíduos, até mesmo aqueles que estão mortos há muito
tempo[7]. Isso é visto, de certa forma, como uma violação de sua
neutralidade acadêmica e integridade profissional. Mas quando
organizamos os fatos contra alguém ou algum grupo, então
precisamos ser honestos conosco mesmos. Existem grupos
realmente culpados ao longo da história e quando chegamos neles,
devem ser apontados.
​Considere isso: há razões muito boas (como mostrarei) para
acreditar que nenhuma das histórias de milagres de Jesus são
verdades e mesmo assim, alguém, em algum momento, as
escreveu como se fossem verdades. A conclusão é clara: alguém
mentiu. Quando se escreve mentiras óbvias e as colocam como a
verdades literais, isso é uma mentira. As perguntas então são: quem
mentiu? Quando? E por quê? Abordarei todas essas questões no
tempo certo. Por hora, vou simplesmente tomar nota de que
nenhum dos nossos bravos críticos miticistas de Jesus, pareceu
disposto a apontar para ninguém: nem para Paulo, nem para seus
colegas Judeus, nem para os pais da Cristandade – ninguém. Uma
história colossal foi criada em torno do filho de Deus vir à Terra,
fazer milagres, ser ressuscitado dos mortos e ainda assim, ninguém
mentiu? Sério? Podemos acreditar nisso? Foi tudo somente um mal-
entendido? Erros honestos? Ninguém racional pode aceitar isso.
Alguém, em algum lugar do passado, construiu uma mentira
gigantesca e a passou adiante pelo mundo antigo como uma
verdade cósmica. Os culpados precisam ser expostos, só assim
poderemos entender essa religião antiga e começar a seguir
adiante.
​Deixe-me colocar os fatos básicos da história cristã, como a
entendemos hoje. Eu uso a palavra fato ciente de que é muito difícil
determinar tais coisas com certeza e há céticos sobre quase todas
as questões. Mesmo assim, no próximo capítulo, vou apresentar a
história mais aceita sobre as origens do cristianismo e os contos de
Jesus. Hoje, graças às contínuas pesquisas científicas e análise
arqueológica, sabemos muito mais sobre esses tempos antigos do
que sabíamos há décadas e podemos ser muito mais confiantes em
relação ao que aconteceu, ou não, naquela época.
Capítulo 2: Apenas os fatos...

Há tanta obscuridade e mistério cercando Jesus e a Bíblia que


pode ser quase impossível extrair qualquer história direta sobre as
coisas. É verdade que pouco pode ser dito com certeza. Mas, como
tantas outras situações históricas, algumas coisas sobre o
cristianismo são, em geral, aceitas como verdade e outras são
consideradas bastante prováveis pela maioria dos especialistas.
Sendo esse o caso, permita-me explanar os fatos mais amplamente
aceitos à discussão e com menos tendência sobre essa religião.
Esses fatos servirão como fundamento para afirmações que farei
sobre o que provavelmente aconteceu.
​Como todos sabemos, o Cristianismo é mais adequadamente
entendido como Judaico-Cristianismo. Portanto, precisamos
começar contando sobre o início do Judaísmo e da história do povo
Judeu. Estes fatos têm relação direta com a formação do
cristianismo e seus resultados, até hoje em dia.
​Considere, antes de qualquer coisa, as origens antigas do
Judaísmo e os eventos correspondentes ao VT, também conhecido
como A bíblia Judaica (ou hebraica). O patriarca original, Abraão,
aparentemente viveu entre 1800 e 1500 a.C – sendo ele,
tradicionalmente, o pai fundador não apenas do Judaísmo, mas do
Cristianismo e também um líder profeta no islamismo[8]. A próxima
grande figura, Moisés[9], viveu em torno de 1300 a.C, e, algum
tempo depois, Os cinco livros de Moisés começou a tomar forma,
provavelmente, como uma tradição oral. Esses cinco livros, como
sabemos, se tornariam o Pentateuco (ou Torá) – o começo do VT.
Os livros são: Gênesis; Êxodo; Levítico; Números e Deuteronômio.
​Acreditamos que um povo chamado Israel existia nessa época,
graças à descoberta da Estela de Merneptá, uma pedra cravada por
volta de 1200 a.C. É a referência mais antiga conhecida. A Estela
inclui a seguinte linha: “Israel está devastado e sua semente não
existe mais”. Esta frase tem algumas implicações interessantes que
abordarei mais tarde[10].
​Os mais de 30 outros livros do VT foram adicionados ao longo
dos próximos mil anos, ficando completos por volta de 200 a.C.
Estes livros eram escritos em hebraico, porém uma tradução para o
grego – chamada de Septuaginta – começou nesta época e
terminou em torno de 50 a.C. Os Manuscritos do Mar morto, que
datam desde o primeiro século a.C, contém fragmentos de todos os
livros do VT hebraico e são, portanto, a prova mais antiga de que o
documento completo existia naquela época. O quão anteriormente
eles apareceram é questão de especulação.
​Se aceitarmos a tradição, o VT foi escrito ao longo de 1.200
anos. Sem os textos originais não podemos saber o quanto
mudaram ou editaram ao longo desse período. Também não temos
nenhuma informação factual sobre os supostos autores. Em suma,
tudo que sabemos é que o VT foi escrito e modificado ao longo de
centenas de anos por indivíduos desconhecidos e aparece pela
primeira vez na história com os Manuscritos do Mar morto em torno
de 50 a.C.
​Datar os textos do VT é uma coisa, precisá-los é outra
completamente diferente. Primeiramente, as datas mais antigas
citadas acima são meramente conjunturais, considerando que não
há nenhuma referência registrada sobre as viagens de Moisés
anterior a 850 a.C. Além disso, arqueólogos descobriram,
recentemente, evidência que refutam muitas das afirmações
históricas do VT. Por exemplo, o arqueólogo israelense Ze’ev
Herzog mostrou a crescente discrepância entre dados arqueológicos
e as histórias bíblicas[11]. Esforços feitos nos anos 1900 para provar
o VT levaram a uma plenitude de novas informações, porém,
começou a debilitar a credibilidade das descrições bíblicas, ao invés
de reforçá-las. Estudiosos se viram em meio a “uma quantidade
cada vez maior de anomalias”. Entre elas, primeiro, “nenhuma
evidência foi encontrada que sustente a cronologia da era
Patriarcal”. Segundo, em relação ao Êxodo, “os diversos
documentos Egípcios que temos não fazem menção à presença dos
israelitas no Egito e também não contam nada sobre os eventos do
Êxodo”[12]. Terceiro, a suposta conquista de Canaã (Palestina) pelos
israelitas nos anos 1200 a.C. é refutada por escavações
arqueológicas em Jericó, que não encontraram indícios das cidades
na época. Até mesmo o famoso monoteísmo dos primeiros Judeus é
desconstruído por inscrições dos anos 700 a.C. que se referem ao
par de deuses, “Yahweh e sua consorte, Asherah”.
​O panorama geral então é: havia um povo Judeu, chamado
Israel, na região da Palestina, desde pelo menos o ano 1.200 a.C
.que se envolveram em uma série de conflitos com os povos ao
redor, incluindo os egípcios. Eles registraram sua própria história em
livros do VT, mas com substanciais embelezamentos e
especulações, tanto que muitas das alegações são refutadas pelas
pesquisas modernas. E pelos próprios textos, nós sabemos que
esse povo se enxergava como, especificamente, escolhido ou
abençoado por seu deus Yahweh, ou Jehovah, e que eles viam
todos os outros como pagãos descrentes a serem tratados com
desprezo[13].

Vem o Império Romano


​ ogo após a morte de Alexandre, o Grande, em 323 a.C., seu
L
grande império se fragmentou. Uma grande parte ficou com o
general macedônio Seleuco em 312 a.C., que prontamente iniciou
sua expansão do que hoje conhecemos como o Império Selêucida.
Esse império incluía o que hoje é a Palestina e o povo Judeu. Eles
estavam, de fato, insatisfeitos com a dominação estrangeira e
continuamente se opuserem ao governo de Seleuco.
Eventualmente, em 165 a.C., os macabeus lideraram uma rebelião
vitoriosa contra o governo, restabelecendo o comando Judaico
sobre a Palestina. O resultado foi o Reino Asmoneu, formado em
141 a.C. e que durou por volta de 80 anos.
​Mais ao oeste, entretanto, crescia um império ainda mais forte, o
Romano. Eles expandiram rapidamente para o leste e no ano de 63
a.C. incorporaram o território da Palestina. Subitamente, os Judeus
estavam mais uma vez sujeitos ao controle estrangeiro.
​Os Judeus possuem uma longa história de ocupação
estrangeira. Nos séculos passados, viveram sob os Persas; os
Babilônios; Alexandre, o grande e Seleuco, nomeando apenas os
maiores. Durante todo esse tempo eles, aparentemente, adaptaram-
se aos seus governantes estrangeiros, apesar de ainda resistirem e
se revoltarem periodicamente.
​As coisas eram diferentes sob os romanos. Os Judeus foram
rapidamente submetidos ao império. A resistência Judaica começou
quase que imediatamente e os Romanos revidaram. Dois anos após
tomar o poder, os romanos estavam deportando Judeus e os
vendendo como escravos[14]. Em torno do ano 6 d.C., no mais
tardar, o movimento militante Judeu “Zelota” estava formado, sendo
chamada Quarta facção do Judaísmo[15]. Eles incentivaram
resistência violenta contra os Romanos, gregos e até mesmo aos
outros Judeus que colaborassem com os estrangeiros.
Notavelmente, há razões para acreditar que ambos Paulo e Jesus
eram Zelotas[16].
​A pressão sobre os Judeus cresceu na primeira década da Era
Cristã. No ano 19, o imperador Tibério expulsou os Judeus de Roma
por proselitismo agressivo e atividades criminosas. No ano 30, um
alto oficial romano, Sejano, tentou “destruir a nação Judaica”,
provavelmente por razões similares[17]. Além de supostamente
julgar Jesus, o procurador romano Pôncio Pilatos, que governou a
Palestina de 26 a 36 d.C., era conhecido por seu tratamento
agressivo contra os Judeus. Mas as coisas pioraram para eles após
sua remoção do poder e ascensão do imperador Calígula, em
Roma. Segundo Hayim Bem-Sasson, “O reinado de Calígula (37-41
d.C.) testemunhou a primeira ruptura entre os Judeus e o Império.
(…) As relações pioraram seriamente [durante esta época]”[18].
​Jesus, nós presumimos, foi crucificado no ano 30[19]. E a
oposição Judaica, assim como a repressão, aumentaram. No ano 38
o governador de Alexandria, A. A. Flaccus tomou ações severas
para restringir o poder dos Judeus e sua influência na cidade. De
acordo com Philo, ele também iniciou massacres violentos que
resultaram em muitas fatalidades[20]. Apenas três anos mais tarde, o
imperador Cláudio emitiu seu terceiro decreto, Letter to the
Alexandrians, no qual acusava os Judeus de “fomentar a praga
geral que infestam todo o mundo”. Esta é uma passagem
estarrecedora, ela sugere que os Judeus, em todo o Oriente Médio,
estavam sendo bem-sucedidos ao incitar perigosas agitações contra
o Império. Ela também marca a primeira ocorrência na história de
um epíteto “biológico” usado contra eles. No ano 49, Cláudio teve
que levar a cabo mais uma expulsão dos Judeus de Roma.
​Tudo isso preparou o cenário para a primeira grande revolta
Judaica, no ano de 66. Também chamada de Primeira Guerra
Judaico-Romana (houve três), este evento foi de grande importância
histórica. Eventualmente, foram mobilizadas 75 mil tropas romanas,
que lutaram contra, em média, 50 mil militantes Judeus e milhares
de outros guerrilheiros. A guerra durou quatro anos e terminou com
a vitória romana e a destruição do templo Judaico em Jerusalém, no
ano 70. Ele continua em ruínas até hoje, somente a parede ao oeste
(O muro das lamentações) ainda existe.
​Haveria ainda mais duas guerras Judaico-Romanas: entre 115 e
117 (A guerra de Kitos) e entre 132 e 135 (A revolta de Bar Kokhba).
Milhares morreram em ambas, porém, todas terminaram com a
vitória Romana.

“Nós estamos entre Judeus”


​ etornando especificamente ao cristianismo, eu devo chamar a
R
atenção para um fato central de toda a religião: a Bíblia é,
integralmente, um documento Judaico. De ponta a ponta, A ao Z, VT
e NT – a Bíblia é um documento inteiramente Judaico. A moral, a
teologia, as atitudes sociais, a visão de mundo… tudo, em última
instância, Judaico. O VT o é, obviamente; ele foi escrito por Judeus,
sobre Judeus e para Judeus. O mesmo se aplica ao NT, mas com
um pequeno detalhe: ele foi escrito por Judeus, sobre Judeus,
porém para não Judeus. Este detalhe é crucial para toda a história
de Jesus.
​Então, olhemos especificamente para o NT. Sobre este
documento, acho que Nietzsche faz uma boa colocação: “A primeira
coisa é ser lembrada, se não quisermos nos perder, é que estamos
entre Judeus”[21]. Ou seja, todos os personagens, todos os autores
– até onde se pode determinar – eram Judeus.
​Permita-me começar por Jesus. Tudo, o somatório de tudo o que
sabemos sobre Jesus vem dos quatro evangelhos[22]: Mateus,
Marcos, Lucas e João. Paulo não ajuda aqui; suas 13 epístolas
(cartas) não contém nenhuma informação factual sobre Jesus. As
outras cartas do NT são tão inúteis quanto, portanto estamos atados
aos evangelhos. O problema imediato é que os evangelhos não são
confiáveis sobre os fatos e informação histórica. Eles parecem uma
mistura – um pouco de fato, um pouco de ficção. A parte difícil é
separar a verdade da mentira.
​Se, temporariamente, colocarmos de lado as histórias dos
milagres, vamos assumir por hora que o resto é informação factual.
O que sabemos, então, sobre Jesus? O primeiro fato, acima de
todos, é que ele era Judeu. Se os evangelhos nos dizem algo com
certeza é que Jesus era Judeu. Na verdade, ele é Judeu por
nascimento, pois seu pai, José, e sua mãe, Maria, eram Judeus.
José, lê-se, “era da casa de David” (Lucas 1:27) e o evangelho de
Mateus começa por uma extensa genealogia de Jesus até Abraão.
Maria era uma mulher “nascida sob a lei [do Judaísmo]” (Gálatas
4:4) e era prima de sangue de Elizabete, da tribo de Levi (Lucas 1:5,
36). Eles praticavam Pesssach[23] todos os anos (Lucas 2:41) e
ambos “faziam tudo de acordo com a lei [Judaica] do Senhor”
(Lucas 2:39).
​O próprio Jesus, repetidamente, é chamado de rabino (Marcos
9:5, 11:21, 14:45, Mateus 26:25, João 1:38, 49; 3:2, 4:31). Ele
celebrava Pessach (João 2:13). O evangelho de Mateus começa
com estas palavras: “O livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de
David, filho de Abraão”. Em hebreus lemos que “é evidente que
nosso Senhor descende de Judá” (7:14). Ele ia regularmente à
sinagoga local (Lucas 4:16). O próprio Jesus disse às pessoas que
ele vinha para “fazer cumprir a lei [Judaica] e profetas [Judaicos]”
(Mateus 5:17) e clamava aos seus seguidores para cumprirem os
dez mandamentos (Mateus, 19:17). Ele até mesmo afirmava ser o
Messias, o Salvador Judeu (João 4:26) e, é claro, todos pensavam
nele como “o rei dos Judeus” (Mateus 2:2, João 19:3). Isto, portanto,
é claro: Jesus, José e a Virgem Maria eram todos Judeus.
​Para alguns cristãos, isso pode ser um choque. Jesus é “o
cristão original”, eles dirão: ele não pode ser Judeu! Porém, isso se
deve a uma compreensível confusão sobre o que significa ser
Judeu. Judaicidade se refere à duas qualidades distintas: etnicidade
e religião. Há Judeus étnicos e religiosos, e os dois são
independentes. Etnicidade é uma questão de genética, você nasce
com isso e não pode mudar. Religião, é claro, é uma questão
inteiramente de escolha e pode mudar de um dia para o outro.
Judeus étnicos, como em qualquer etnia, carregam consigo
marcadores genéticos que são passados de geração em geração.
Esses podem até ser identificados por análise do DNA, são sinais
reais e objetivos de etnia Judaica. Mas a religião Judaica, o
Judaísmo, pode ser adotado por qualquer um.
​Jesus (o homem) nasceu de pais etnicamente Judeus [24] e,
portanto, era etnicamente Judeu. Todas as suas características
físicas, incluindo coisas como a altura, face, cor dos olhos, dos
cabelos e tudo o mais, seriam consistentes com aquelas dos outros
Judeus de seu tempo e local. Sobre a religião, pelas passagens que
vimos, podemos dizer que ele foi criado e praticava a religião
Judaica. De ambas as formas, portanto, Jesus era Judeu.
​E os 12 discípulos (mais tarde, apóstolos)? Sabemos tão pouco
sobre eles que é difícil ser conclusivo, mas parece certo que todos
eram Judeus. O mero fato de serem 12 parece espelhar as “doze
tribos de Israel” (Mateus 19:28). Quando Jesus levou os 12 para
Jerusalém, predisse que seria entregue “aos gentios” (Mateus
20:19), ou seja, aos não Judeus. Jesus não falaria dessa forma a
não ser que seus discípulo fossem todos Judeus. Ademais, como
colocamos, eles, frequentemente, o chamavam de “rabino”, um
termo que apenas Judeus usariam. Claramente, “estamos entre
Judeus”.

Paulo e os evangelhos
​ m nosso foco nos fatos, parece que a próxima pessoa que
E
conhecemos com alguma certeza é Paulo. Ele é uma figura
importante em nossa história, a chave para entender o que
aconteceu naquela época. Enfatizo, primeiramente, apesar do que
muitas pessoas pensam, que Paulo não era um dos 12 discípulos.
Ele nunca conheceu Jesus pessoalmente, não era nem mesmo um
cristão até o ano 33, cerca de três anos após a crucificação.
​Nascido como Saulo, em Tarso (na moderna Turquia), em torno
do ano 6 d.C, era um fariseu, um Judeu ortodoxo da elite, “um
hebreu nascido de hebreus” (Fil 3:5). Ele também pode ter sido um
Zelota, advogando pela resistência violenta à Roma. Falando em
Atos (22:3), Paulo diz “Eu sou um Judeu, nascido em Tarso da
Cilícia”. Ele continua: “Eu era um zelota por Deus.” (CJB, DLNT) ou
“Eu era zeloso por Deus.” – a tradução varia. Em outro momento ele
diz “No Judaísmo, eu superava a maioria dos Judeus da minha
idade, e era extremamente zeloso das tradições dos meus
antepassados”. (Gal 1:14). Há uma diferença entre dizer “Eu era
zeloso” e “Eu era um Zelota”[25]; O texto não é claro e as
interpretações variam. Porém, parece claro que ele era um Judeu
fervoroso, nacionalista, contra o governo romano, como era o caso
da maioria dos Judeus da elite do seu tempo.[26]
​Saulo não era só antirromano, ele era anticristão. Na juventude,
“assolava a igreja” (Atos 8:3) e aprisionava seus seguidores. Ele foi
até mesmo cúmplice em um assassinato. Consentiu o
apedrejamento do cristão Estêvão (Atos 8:1). Mesmo após a
crucificação, no ano 30, Saulo seguia “esbravejando ameaças e
assassinatos contra os discípulos do Senhor” (Atos 9:1). Em algum
ponto ele admitiu, diretamente: “persegui este caminho [de Jesus]
até à morte” (Atos 22:4).
​Mas teve uma epifania no ano 33. Em seu caminho para
Damasco (agora Síria), Saulo, supostamente, viu uma luz intensa e
brilhante nos céus e ouviu uma voz “Saulo, Saulo, por que me
persegues?” (Atos 9:4, 26:14). Era o Jesus ascendido, o informando
que ele agora seria o “instrumento escolhido” para “levar o nome [de
Jesus] à frente dos gentios, dos reis e dos filhos de Israel” (Atos
9:15). Em outras palavras, construir a igreja cristã. Então ele mudou
seu nome Judaico, Saulo, para o gentio, Paulo (Atos 13:9) e
começou seu trabalho.
​Nos 20 anos que se seguem, não há nenhum tipo de
documentação sobre Paulo. O livro dos Atos, que foi escrito em
torno dos anos 90[27], afirma que ele fez sua dita primeira jornada
para Chipre e partes da atual Turquia, mas as datas não são
precisas. Atos simplesmente usa frases como “por um longo tempo”
ou “não pouco tempo”, mas, estranhamente, não dá nenhuma data
precisa. Presumimos que foi no final dos anos 40 e durou ao menos
dois anos.
​ omeçando nos anos 50 temos, aparentemente, alguma
C
evidência concreta: as primeiras cartas do próprio Paulo. Das 13
epístolas Paulinas, as duas primeiras são gálatas e 1
tessalonicenses, ambas datadas por volta do ano 50 ou 51. Foi
nesta época, também, que ele começou sua segunda jornada, que
passou pela atual Turquia, o norte da Grécia, por Atenas e, então,
de volta para Jerusalém. As outras 11 cartas de Paulo parecem ser
datadas entre os anos 50 e 60.
​Em algum momento, Paulo foi aprisionado em Roma,
provavelmente em torno do ano 60, e lá viveu em prisão domiciliar
por dois anos, estranhamente, é aqui que sua história termina. Atos
simplesmente cessa nesses dois anos (Atos 28:30). Nada é dito
sobre o que aconteceu depois e nada sobre a morte de Paulo. Isso
é duplamente estranho porque Atos foi escrito ao menos 20 anos
após a morte de Paulo, é quase como se o autor, deliberadamente,
escolhesse não terminar a história da vida de Paulo. Mais tarde, nos
anos 100 e 200, vários escritos apareceram, alegando que ele foi
decapitado ou crucificado, provavelmente no final dos anos 60 ou no
ano 70. Mas essas versões são tão diferentes dos eventos factuais
que têm pouca credibilidade.
​Se Paulo estava morto no ano 70, então ele perdeu a destruição
do Templo por muito pouco, o que foi um golpe chocante na
comunidade Judaica. Mas outra coisa também aconteceu nessa
época, algo igualmente significante: o surgimento do primeiro
evangelho, Marcos. É um fato impressionante que, em todas as
cartas de Paulo, não há indicações de um conhecimento dos quatro
evangelhos. Certamente, em suas treze cartas, Paulo teria citado
seu salvador ou um fato de sua biografia[28]. Mas não encontramos
nada do tipo, nenhuma citação de Jesus, nenhum fato sobre seu
passado, nascimento de uma virgem, história de milagres, estes são
somente encontrados nos evangelhos. Então, por que Paulo não
cita os evangelhos? A conclusão é óbvia: eles ainda não existiam.
E, de fato, é isso que os estudiosos modernos confirmam.
​Marcos, conforme mencionado, parece ter sido escrito em torno
do ano 70, quase quatro décadas após a crucificação. Foi o primeiro
texto a mencionar detalhes sobre a vida de Jesus, registrar seus
dizeres e documentar seus supostos milagres. Os dois próximos
evangelhos, Mateus e Lucas, foram escritos em meio aos anos 80.
Eles em muito repetiram, mas também embelezaram e
suplementaram muitas das mesmas histórias[29]. E João não foi
escrito até o meio dos anos 90 – sessenta anos após a morte de
Jesus. Essas datas tardias causam muito problemas para a
convencional história de Jesus, como explicarei.
​Outro grande problema com os evangelhos é autoria.
Formalmente, eles são anônimos, Marcos é “o evangelho de acordo
com Marcos”, é escrito em terceira pessoa, como um livro-texto, ao
invés de uma visão pessoal de um homem específico. O mesmo
vale para Mateus. Lucas é diferente, é um ensaio em primeira
pessoa direcionado à uma pessoa genérica, Teófilo, que
simplesmente quer dizer “amado por Deus”. O quarto evangelho,
João, retorna ao estilo em terceira pessoa de Marcos e Mateus.
​Muitas pessoas, incluindo a maior parte dos estudiosos, assume
que cada evangelho foi escrito pelo seu homônimo, ou seja, Marcos
por alguém chamado Marcos, Lucas por Lucas etc. Mas mesmo que
isso fosse verdade, não temos absolutamente nenhuma informação
sobre quem esses indivíduos realmente eram. Alguns gostam de
crer que “Mateus” seja o apóstolo chamado “Mateus” e que “João”
era o Apóstolo João, mas, de novo, isso é pura especulação.
“Marcos”, como é dito, era amigo do apóstolo Pedro. Um “Lucas” é
mencionado por Paulo como seu amigo (Colossenses 4:14;
Filipenses 1:24) mas não temos nenhuma forma de dizer se é o,
posteriormente, autor do evangelho. É significante que tudo que
temos, sejam primeiros nomes genéricos e nenhum detalhe
biográfico.
​De qualquer forma, é quase certo que todos os autores dos
evangelhos, quem quer que fossem, sejam judeus. Os quatro
possuem inúmeras referências ao VT, algo que só seria esperado de
judeus bem educados, da elite. Mateus é o que contém mais
referências – algo em torno de 43 citações. Marcos e Lucas tem em
torno de 20 cada; João, 15. Mas se incluirmos referências indiretas,
parafraseados e outras alusões, o número duplica ou triplica.
​Mateus é explicitamente judeu, o “mais judeu” dos evangelhos,
nenhum estudioso dúvida disso. Marcos foi criticado por alguns
escritores e chamado, se não de gentio, de “um judeu fortemente
helenizado” – mas, mesmo assim, um judeu. A confusão parece vir
do fato de que ele escrevia para os gentios, isto é um fato
importante, como explicarei. Mas não muda a autoria judaica.
​Lucas, entretanto, é, considerado por alguns, um trabalho feito
por gentio. Mas isso não se sustenta diante uma análise crítica.
Primeiro, o próprio Paulo clama que a palavra de Deus foi dada aos
Judeus (Romanos 3:2) e, portanto, os evangelhos, sendo a palavra
de Deus, devem ter sido escritos por um Judeu. Alguns dizem que
Lucas é um nome gentio, o que é irrelevante. Outros judeus,
notavelmente Paulo, mudaram seus nomes após a conversão à
causa. Em terceiro, Lucas nunca é mencionado como um gentio e
seu suposto companheiro, Paulo, nunca foi condenado por
confraternizar com um gentio. Além disso, Lucas tinha
conhecimento detalhados sobre os costumes religiosos judeus,
como vemos em 1:8-20, coisas que um Gentio não saberia. Por fim,
ele diz conhecer, intimamente, a Virgem Maria, inclusive o que está
“em seu coração” (Lucas 2:19) – algo que é improvável que um não
Judeu soubesse.
​Mas e o último evangelho, João? Este parece ser o mais
antijudaico – alguns diriam, antissemita – dos quatro. Esse não
poderia ter sido escrito por um Judeu, certo? Nem tanto. Precisamos
observar um ponto importante aqui: o incipiente movimento cristão,
ocorrendo, inteiramente, dentro da comunidade judaica, encontrou
fortes dissidências internas. Judeus ortodoxos não acreditam que
seu Messias tinha vindo na forma desse Jesus e eles resistiam, com
afinco, a qualquer afirmação contrária. De certa forma, eles queriam
“matar” a história de Jesus (podemos ver para o que isso está
levando!). Paulo e seu pequeno bando de Judeu-Cristãos, portanto,
tinham que combater o sentimento anticristão da maior parte dos
judeus, particularmente a elite judaica daqueles tempos. João,
portanto, é lido por alguns, mais naturalmente, como um conto de
um dissidente entre Judeus, do que como um gentio atacando os
Judeus.
​João é, de fato, um forte crítico dos Judeus, eles “tentaram
matar” Jesus (João 7:1). Em seu evangelho, lemos as seguintes
palavras ásperas de Jesus: “Vós [Judeus] tendes por pai ao diabo, e
quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o
princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele.
Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso, e pai da mentira.” [30] (João 8:44).
​Mas este e outros exemplos de linguajar forte não indicam
autoria Gentia ou antissemita. De novo, há fortes argumentos de
que isso é visto mais como uma briga entre Judeus. Como disse
James Dunn, “João, ao menos em sua perspectiva, ainda está
lutando uma batalha de facções no judaísmo e, ao invés de atirar
suas flechas de fora, ainda é um Judeu que acreditava que Jesus
era o Messias, filho e Deus, não antissemita.” [31]. João mirava a
elite Judaica, seus maiores adversários. Michael Coogan concorda:

Embora seu retrato contundente dos “Judeus” o tenha


levado às acusações de antissemitismo, uma leitura cuidadosa
do evangelho revela que “os Judeus” são uma designação de
classe, não um grupo religioso ou étnico; ao invés de denotar
adeptos do Judaísmo em geral, o termo refere-se,
principalmente, às autoridades religiosas hereditárias do
Templo. [32]
​E Delbert Burkett comenta:

João foi considerado um evangelho helenístico, cheio de


ideias não Judaicas. Agora, no entanto, os estudiosos
passaram a reconhecer que o texto surgiu dentro de uma
comunidade de Cristãos Judeus. (…) Várias passagens do
evangelho indicam que ele surgiu entre os Cristãos Judeus, que
estavam sendo expulsos da sinagoga. Esses [Judeus] entraram
em conflito com a comunidade Judaica de forma mais ampla
por causa de sua grande estima por Jesus e sua rejeição às
instituições tradicionais do Judaísmo”.[33]
​Mesmo se os evangelhos tenham sofrido modificações tardias
pelos gentios, como Price e outros sugerem, isso não muda sua
natureza essencialmente Judaica.
​O restante do NT também parece ter autores Judeus. O extenso
Hebreus – que alguns dizem ter sido escrito por Paulo – é dirigido
aos Judeus e contêm, pelo menos, 36 referências diretas ao VT.
Tiago é dirigido às “doze tribos da dispersão”, e também no I Pedro.
Está claro que os gentios não dariam palestras aos Judeus sobre
Deus. As outras cartas curtas são ambíguas, mas não contêm nada
para indicar a autoria dos Gentios.
​Em algum momento, é claro, os gentios juntaram-se à igreja e
começaram a escrever sobre isso. Os primeiros padres da igreja
provavelmente foram gentios, incluindo Clemente de Roma (falecido
por volta do ano 100 d.C.) e Inácio de Antioquia (falecido por volta
do ano 110 d.C.). O mesmo vale para a segunda geração de padres,
que incluiria Quadratus (falecido por volta do ano 129 d.C.),
Arístides de Atenas (falecido por volta do ano 135 d.C.), Policarpo
(falecido por volta do ano 155 d.C.) e Papias (falecido por volta do
ano 155 d.C.). Certamente, na época de figuras como Marcion,
Justin Mártir, Irineu, Tertuliano e Orígenes – em outras palavras, em
meados do século II a meados do século III – estamos lidando,
estritamente, com os gentios.
​Como um adendo, observo aqui que ao final dos anos 300 d.C.,
as disputas internas Judaicas, registradas nos evangelhos, se
converteram em verdadeiro antijudaísmo, por Gentios Cristãos
voltados aos Judeus. Assim, testemunhamos as duras declarações
de Gregório de Nissa (os Judeus são “assassinos do Senhor,
assassinos de profetas, rebeldes e cheios de ódio contra Deus[...]
agitadores dos fariseus, sinédrio dos demônios, maldito, totalmente
vil, velozes em abusar, inimigos de tudo o que é bom”), João
Crisóstomo (a sinagoga é “um bordel [...] É um covil de assaltantes
e um alojamento para animais selvagens ... [os] próprios Judeus são
demônios”), e Jerome (a sinagoga é “um covil de vícios, o refúgio do
diabo, a fortaleza de Satanás, um lugar para depravar a alma”).
​Para resumir esta seção: Paulo aparece agora como um fanático
religioso e nacionalista Judeu ardoroso, disposto a recorrer à
violência e até a matar não Judeus, a fim de expulsar os Romanos
(mais tarde eu também coloco sobre ele o rótulo de “grande
mentiroso”.) Paulo não sabia nada sobre os “quatro evangelhos”,
porque eles não existiram durante a sua vida. Os escritores dos
evangelhos em si eram todos Judeus, assim como os autores
anônimos do restante do NT. Os evangelhos, enquanto documentos,
provavelmente foram escritos entre 70 (Marcos) e meados dos anos
90 (João).
​ om esse cenário factual, podemos agora examinar com
C
precisão porquê a tradicional história de Jesus não é verdadeira.
Então, estaremos um passo mais perto do meu argumento central, a
saber: considerando que a história bíblica de Jesus é falsa, ela foi
evidentemente construída por Paulo e seus companheiros Judeus a
fim de influenciar as massas crédulas dos Gentios para o lado deles
e para longe de Roma.
Capítulo 3: Porque a história de
Jesus é falsa

A Bíblia faz uma série de afirmações comuns e extraordinárias


sobre Jesus. As mais dramáticas delas são os milagres: uma estrela
apareceu no céu e levou os homens ao seu local de nascimento;
nasceu de uma virgem; andou sobre a água; alimentou milhares
com alguns peixes; curou cerca de duas dúzias de pessoas;
ressuscitou pelo menos três pessoas entre os mortos; e ele próprio
subiu ao céu. Tais eventos são a base principal para acreditar que
era um homem divino, um filho de Deus, até mesmo um deus.
Essas são as justificativas finais para aceitar Jesus como nosso
“salvador” e, portanto, digno de uma nova religião.
​Reivindicações extraordinárias exigem justificativas
extraordinárias. No mínimo, elas exigem alguma justificativa. No
mínimo, elas exigem qualquer justificativa, no caso de Jesus,
infelizmente não temos justificativa. Em outras palavras, não temos
evidências de que esses milagres ocorreram, muito menos feito por
um Jesus de Nazaré. De fato, não temos evidências de que um
Jesus histórico tenha existido, até mesmo décadas após sua morte.
Não temos corpos, tumbas, restos físicos, cartas, gravuras – nada
que conte como evidência. Não temos evidências.
​Além disso, temos documentos datados para os vários escritos
de Paulo, dos evangelhos, e outros que comentaram sobre os
cristãos, mas isso significa um grande problema para a visão
padrão. Essas datas não condizem com o que esperaríamos da
aparição de Deus encarnado. Eles não são apenas “intrigantes”;
fazem uma forte sugestão de que existem erros drásticos na
descrição dos eventos.
​ ortanto, temos duas categorias principais de problemas: Os
P
chamarei de (1) O problema da evidência e (2) O problema da
cronologia. O primeiro considera o que não temos e o segundo o
que temos. Deixe-me examinar cada um desses problemas por vez.

(1) O problema da evidência


​Milagres são coisas engraçadas, primeiro eles parecem ser, em
geral, coisas do passado – o passado distante. Nós apenas não
temos mais milagres. É claro que existem recuperações
“milagrosas” de doenças e o encontro “milagroso” de crianças
perdidas. Mas, estes têm explicações inteiramente naturais. Sua
suposta natureza milagrosa nunca pode ser provada, entretanto,
estou me referindo ao tipo grande e glorioso de milagres: separação
dos mares; vozes saindo do céu; ressurreição dos mortos;
transformações físicas em grande escala; tempestades cessando
sob o comando [de Deus]. Tais coisas seriam realmente
impressionantes, no entanto, por algum motivo, eles simplesmente
parecem não acontecer mais.
​Um segundo fato sobre os milagres é que, em muitos casos, eles
são um pouco como o arco-íris: aparecem e desaparecem sem
deixar rastos. Ou pelo menos, ao longo do tempo, todas as suas
possíveis evidências desapareceram. É muito fácil postular milagres
no passado, quando todos os traços de evidência se perderam.
​Tomemos, por exemplo, a Virgem Maria. Como podemos
demonstrar que ela era virgem quando deu a luz à Jesus? Não há
esperança de provar isso, nem de um jeito ou nem de outro. Mesmo
se tivéssemos todos os seus restos mortais completos, não
poderíamos provar ou refutar sua virgindade. Esta situação é,
obviamente, muito conveniente para quem promove a história
convencional, é muito útil poder fazer reivindicações que nunca
podem ser refutadas. Infelizmente, a maioria dos “milagres de
Jesus” é desse tipo, não há evidência concebível que possa prová-
los ou refutá-los. Pessoas ressuscitadas entre os mortos (presumo!),
morrem de novo de qualquer maneira. As pessoas curadas
divinamente não têm, presumivelmente, “cicatrizes milagrosas” ou
outros traços de sua recuperação milagrosa. Restos físicos são
praticamente inexistentes.
​O melhor que podemos esperar, nesses casos, é a corroboração
de outra pessoa – um observador independente, imparcial (ou até
mesmo tendencioso) – atuando como testemunha. Isso não é prova,
mas é pelo menos um tipo de evidência substantiva, todos os
“milagres de Jesus” tiveram pelo menos uma testemunha – alguém
que, em teoria, poderia ter escrito, falado ou gravado o que havia
visto. Alguns dos milagres tiveram muitas testemunhas, alguns
milhares. Houve muitas oportunidades para documentação dos
milagres e, no entanto, nada existe.
​Vamos dar uma olhada em alguns milagres específicos para
entender melhor o problema da evidência.
​Desconsiderando o parto de uma virgem (ou melhor, a gravidez
de uma virgem), o primeiro milagre de Jesus foi a Estrela de Belém.
Conhecemos a história: uma estrela aparece “a Leste” e guia três
sábios para a manjedoura onde estava o menino Jesus. Esta
história simples está repleta de problemas: o primeiro é cronológico:
Paulo nunca menciona a estrela, ou Belém, ou qualquer coisa sobre
o nascimento de Jesus. O primeiro evangelho, Marcos, não
menciona nem a estrela nem o nascimento, em vez disso, começa
com o Jesus adulto. A estrela não aparece em Lucas e não aparece
em João. O único lugar em que aparece é no evangelho de Mateus
(2: 1) – escrito cerca de 85 anos após o suposto evento. Apenas
isto, sozinho, argumenta contra sua veracidade.
​Mas atendo-se ao fato, se uma estrela milagrosa de fato
apareceu nos céus como um evento celestial real, provavelmente
alguém o teria documentado. Astrônomos antigos vêm fazendo
coisas semelhantes há milênios. Eclipses foram documentados já
em 2 mil ou 3 mil a.C. O cometa Halley foi documentado na China
em 240 a.C. e novamente pelos babilônios em 164 a.C. Certamente,
se a estrela fosse tão impressionante, alguém a teria documentado,
mas esse registro não existe.
​Além disso, temos o fato, embaraçosamente óbvio, de que não
se pode “seguir” uma estrela, certamente não a um ponto específico
da Terra. Estrelas, ou qualquer objeto celeste, “movem-se” durante a
noite, enquanto a Terra gira. Sua estrela que está no primeiro
momento à “Leste”, logo estará, talvez, acima de sua cabeça e
depois ao “à Oeste”. Seguir essa estrela seria andar em círculos e
mesmo se alguém tirasse uma “foto instantânea” de uma estrela e a
seguisse, isto, obviamente, não poderia direcioná-lo a lugar
específico. Na melhor das hipóteses, você está simplesmente
andando em linha reta. A história não faz sentido. Talvez, como
alguns disseram, todo o incidente da estrela tenha sido uma “ficção
religiosa”. Nenhum dano causado, claro – a menos que esse fosse o
primeiro de muitos.

O homem dos milagres


​Vamos agora aos milagres específicos realizados por Jesus.
Dependendo de como os contamos, existem por volta de 36
específicos atribuídos a ele – todos registrados nos quatro
evangelhos. Por evangelho, os números são:
​Marcos: 19 Milagres;
​Mateus: 22;
​Lucas: 21;
​João: 8.
​(repare que muito coincidem com diferentes evangelhos,
contando o mesmo milagre).
​Podemos dividir os 36 milagres em três categorias: ressurreição
dos mortos (3), curas (24) e eventos naturais (9). Todos estão
listados no Apêndice A.
​Observamos algumas tendências interessantes: Marcos, por
exemplo, tem apenas uma ressurreição dos mortos – a filha de
Jairo; Mateus repete esse; Lucas também, mas ele acrescenta
outro: o filho da viúva; João, por algum motivo, ignora os dois, mas
cria um novo, o famoso conto de Lázaro. Estranho como a mais
famosa história de ressuscitar os mortos aparece somente no último
evangelho, cerca de 60 anos após o suposto evento.
​Marcos relata 13 curas milagrosas (que incluem exorcismos).
Mateus repete 11 delas e depois acrescenta quatro novas. Lucas
descreve 12 dos milagres de Marcos e Mateus, mas depois
acrescenta outros quatro. João, inexplicavelmente, ignora todos os
milagres de cura anteriores, mas depois descreve três novíssimos
casos.
​É uma história semelhante com os milagres da natureza. Marcos
tem cinco, ele os repete e depois adiciona um. Lucas fala de dois
dos anteriores e depois adiciona um novo. João inclui dois milagres
anteriores, mas depois acrescenta dois novos.
​O que devemos pensar sobre isso? Será que as histórias de
milagres não chegaram a “viralizar” naquela época? Lembramos
ainda, que todos esses documentos foram escritos 40 anos ou mais
após a crucificação. Será que os escritores, talvez, sentiram a
necessidade de aumentar os milagres ao longo do tempo para
tornar a história de Jesus um pouco melhor? Ou pegar eventos
comuns e torná-los extraordinários?
​Incrivelmente, não é apenas Jesus que realiza milagres. Eu acho
que muitos ficariam surpresos ao saber que Paulo, Pedro e, de fato,
todos os apóstolos os realizaram. Os de Paulo estão documentados
em Atos. Lá lemos que ele cega um homem (Atos 13:11), cura os
enfermos (Atos 14:10, 28: 8) e até ressuscita os mortos Atos (20: 9-
12). Paulo, em geral, realizou “milagres extraordinários” (Atos 19:11)
e, de fato, foi visto como “um deus” (28: 6) – ao menos, pelo autor
de Atos[34].
De sua parte, Pedro andou sobre a água (Mateus 14:30),
curou os enfermos (Atos 3:7; 9:34) e também ressuscitou os mortos
(Atos 9:40), o apóstolo Filipe curou os enfermos (Atos 6: 8). De um
modo geral, todos os apóstolos realizaram “sinais e maravilhas”
(Atos 2:43; 5:12) e em Mateus lemos que Jesus, especificamente,
instruiu seus apóstolos: “curai doentes, ressuscitai mortos, purificai
leprosos, expulsai demônios”. (Atos 10: 8). Uma tarefa e tanto, que
Jesus colocou em responsabilidade deles!

Evidências desaparecidas
​Deixe-me voltar à questão da evidência. A maioria dos milagres
de Jesus foi realizada na frente de um pequeno número de pessoas
– em alguns casos, apenas uma. Ainda assim, cada testemunha
teve a oportunidade de contar sua história, anotá-la ou gravar algo
na pedra. Imagine o interesse hoje, por exemplo, em encontrar a
lápide de Lázaro: “Aqui jaz Lázaro. Morreu aos 40 anos,
ressuscitado dentre os mortos por Jesus Cristo, morreu novamente
aos 78 anos” – ou algo semelhante. Isso não seria prova, mas uma
evidência convincente. Contudo, nada semelhante a isso existe.
​Alguns dos milagres tiveram muitas testemunhas, o principal
exemplo seria a história dos “peixes e pães”. Muitas pessoas não
percebem que houve dois desses incidentes. Marcos (6: 30-44) nos
diz, primeiro, que Jesus alimentou “5 mil homens” com “cinco pães e
dois peixes”. Então, pouco depois, Marcos (8: 1-13) relata que ele
alimentou “cerca de 4 mil pessoas” com “sete pães ... e alguns
peixes pequenos”[35]. Portanto, temos 9 mil testemunhas de um
milagre. Certamente, algumas dessas pessoas, talvez muitas,
teriam documentado o evento de alguma forma. Mesmo se fossem
camponeses analfabetos, eles ainda conheceriam rabinos ou outros
homens que poderiam escrever. E, de acordo com João, eles de
fato contaram a esses homens. Ele escreveu que os fariseus
estavam preocupados com todos os milagres: “...e diziam: Que
faremos? porquanto este homem faz muitos sinais.
Se o deixamos assim, todos crerão nele, e virão os romanos, e
tirar-nos-ão o nosso lugar e a nação.” (João 11:47,48)[36]. Isso é
revelador: as massas sabiam dos milagres, os judeus da elite
sabiam deles e, certamente, os romanos locais tinham ouvido
rumores, pelo menos. No entanto, ninguém documentou nada.
​Vale a pena repetir: durante toda a vida de Jesus, digamos 3
a.C. a 30 d.C., nenhuma pessoa – nem Cristã, Judia, Romana ou
Grega – escreveu algo sobre os milagres, o que Jesus disse ou
seus seguidores fizeram. Ninguém escreveu nada, como se nada de
extraordinário tivesse acontecido.
​Isso seria praticamente impossível se a história de Jesus fosse
verdadeira. Considere a situação de Pôncio Pilatos, governador da
Palestina, localizada a cerca de 1,400 milhas de Roma. Ele já
estava lidando com os Judeus rebeldes, lutando para manter a
ordem, quando aparece... o Filho de Deus, um Judeu fazendo todo
tipo de milagres. Sem dúvida, ele escreveria furiosamente para
Roma pedindo ajuda, conselhos, centuriões extras, o que for. Os
Romanos eram excelentes para arquivas registros, certamente tais
cartas surpreendentes teriam sobrevivido. E, mesmo assim, não
temos nada.
​Ao mesmo tempo, vivia um famoso filósofo judeu, Philo. Ele
nasceu por volta de 20 a.C. e, portanto, era adulto na época da
estrela de Belém. Viveu além do período da crucificação, morrendo
por volta do ano 50 d.C, seria o homem ideal para registrar tudo
sobre um operador de milagres e salvador Judeu[37]. Ele escreveu
cerca de 40 ensaios individuais, incluídos em sete volumes. No
entanto, ele não diz uma palavra sobre Jesus ou o movimento
Cristão.
​E a situação piora. Pelos próximos 20 anos, após a crucificação,
ainda não temos evidências. Dos anos 30 a 50 d.C., nada
sobreviveu que comentasse sobre Jesus ou seus milagres:
nenhuma carta, livro, gravura, nada. Nada dos Judeus, dos Cristãos,
dos Romanos, nada. Isso é totalmente inexplicável, se a história de
Jesus é verdadeira. Por outro lado, se Jesus era simplesmente um
rebelde menor que foi executado um dia, não surpreende que nada
tenha mantido. De fato, é exatamente o que esperaríamos.
​E, no entanto, ainda piora. Sabemos que a partir do ano 50 d.C.
temos algumas cartas de Paulo. Estas cartas terminam quando
Paulo morre, por volta do ano 70 d.C. É claro, suas cartas não
podem contar como evidências, pois são exatamente seus relatos
sobre Jesus que estamos tentando validar, além das cartas de
Paulo, dos anos 50 a 70 d.C., ainda não temos evidências sobre
Cristãos, Judeus ou Romanos.
​E piora, os evangelhos aparecem entre os anos 70 e meados
dos 90 d.C. Mas esses também não podem contar como evidências,
pois são precisamente documentos que precisam de confirmação.
Além dos quatro evangelhos, ainda não temos evidências.
​Em suma, durante todo o período do início da Era Cristã – isto é,
de 3 a.C. a meados da década de 90 d.C. – não temos evidências
que corroborem que alguém não era parte da nova religião. Não
existe um resquício de evidência: documentos, cartas, pedra
entalhada etc. É duro não exagerar na importância desse problema,
somente esse fato demonstra uma enorme inconsistência com o
relato bíblico.
​Quando confrontados com essa situação condenatória, os
defensores Cristãos, normalmente, têm duas desculpas, a primeira:
“Todas as evidências foram perdidas.” Isso é teoricamente possível,
mas é extremamente difícil de acreditar. Materiais, constituído de,
certamente, centenas ou milhares (incluindo cópias) de documentos
contemporâneos citando os milagres de Jesus, alguns escritos por
amigos, outros por inimigos, ou por espectadores imparciais,
perdidos pela história. Além de ter incontáveis historiadores,
pesquisadores, jornalistas e outros, pesquisando, arduamente, por 2
mil anos. É impossível que essas evidências tenham se perdido.
​A segunda desculpa é: “Todos os documentos da época foram
confiscados ou destruídos, pelos Judeus ou pelos Romanos”. Seria
possível que tanto os Judeus como os romanos – todos eles –
tenham ficado tão chocados com a aparição do filho de Deus que
consideraram um segredo indescritível, de certa forma, e que nunca
deveria ser escrito ou falado? E ter todas as evidências restantes
totalmente destruídas? Os Judeus, talvez, temiam Jesus, mas eles
não estavam tão assustados que não poderiam pressionar sua
execução. E, uma vez que ele ressurgiu, teriam eles percebido a
magnitude de seus crimes e juraram não dizer ou escrever nada?
Talvez.
​Mas os Romanos, particularmente os que estavam na capital
imperial, não teriam ficado igualmente assustados. Eles não
acreditavam nas superstições dos Judeus e, certamente, não teria
dado valor ao suposto milagre ou ressurreição. Quaisquer cartas em
pânico de Pilatos receberiam respostas calmas e pragmáticas.
Mesmo Pilatos não ficaria impressionado demais. Uma vez que
Jesus de Nazaré foi executado, acabou e se foi para sempre. O
simples fato de sua crucificação provou a todos os Romanos que ele
não era um homem milagroso, nem um filho de Deus. Haveria,
provavelmente, algumas cartas finais de “caso encerrado” para
Roma. Certamente, nenhuma supressão em massa ou destruição
de evidências, os Romanos não tinham motivos para agir assim.
​E não seriam apenas oficiais do governo que escreveriam,
muitos intelectuais importantes da época, certamente,
documentariam a vinda de Deus. Homens como Petrônio, Sêneca,
Marcial e Quintilha viveram logo após a crucificação e estariam,
idealmente, situados para escrever sobre a vida extraordinária de
Jesus. O mesmo aconteceria com Philo, o filósofo Judeu, como
observei acima. E, no entanto, nenhum desses homens escreveu
uma única palavra sobre ele.
​E, além dos Romanos e Judeus, havia muitos grupos imparciais
que poderiam ter comentado: os Fenícios, Persas, Egípcios, Gregos
– nenhum deles tinham interesses particulares sobre a história cristã
e, portanto, poderiam escrever sobre os supostos milagres. No
entanto, nenhum deles o fez.
​Devo concluir, então, que nem a desculpa “da perda” nem da
“repressão” se sustentam. Simplesmente não é possível que um
evento tão monumental tenha ocorrido e, mesmo assim, não haja
um resquício de documentação dessa época.

(2) O problema da cronologia


​Diante do exposto, seria justificável alguém pensar que não
exista evidência corroborativa de nenhum movimento Cristão
primitivo, mas, é claro, que isso não é verdade. Há evidências, além
de datas razoavelmente bem aceitas. O problema para os cristãos é
que não é exatamente o que esperaríamos. Em vez de ajudar, a
evidência que possuímos, na verdade, é prejudicial à causa deles.
​Lembre-se de que os primeiros fragmentos de evidência
documentados são as cartas de Paulo. Eles datam por volta de 50
d.C. até sua morte, no final dos anos 60 d.C. Em seguida, vêm os
evangelhos: Marcos (cerca de 70 d.C.), Mateus e Lucas (cerca do
ano 85 d.C.) e João (95 d.C.). As datas de Paulo são de se esperar,
já que ele foi o fundador do movimento. Parece estranho que seus
primeiros 20 anos estejam perdidos, sem cartas ou qualquer outra
documentação. Talvez, a maior parte de seus primeiros trabalhos
tenham sido local, não demandando cartas. Ou talvez ele fosse tão
desconhecido, que ninguém sentiu vontade de guardar sua
correspondência. Mas, quando sua nova igreja começou a se tornar
global, por volta de 50 d.C., podemos esperar ver alguma
documentação – e o fizemos. A cronologia Paulina não apresenta
preocupações reais para nós.
​Os evangelhos, no entanto, são muito problemáticos para os
Cristãos. Considere esta pergunta óbvia: por que alguém levou
quase 40 anos para escrever o que Jesus havia dito? Não seria isso
a primeira coisa que alguém faria, uma vez que ficou claro que ele
subiu ao céu? E seus 11 discípulos sobreviventes (não incluindo
Judas, é claro)? Cada um deles deveriam estar ardorosamente
documentando cada palavra, som que eles conseguiam recordar
dos lábios de seu salvador. Deveria haver 11 evangelhos bem
escritos, completos e consistentes em um ano após a morte de
Jesus, em vez disso, temos – nada. Os 11 homens, agora
apóstolos, desapareceram da face da Terra, sem cartas, livros,
gravuras, lápides, histórias de vida – nada[38].
​Então Paulo aparece e ele também não nos fala nada sobre a
vida de Jesus. Não – precisamos esperar 40 anos após a morte de
Jesus para Marcos documentar sua história e ensinamentos de vida;
40 anos após a morte e 70 anos após o nascimento. Segundo todos
os relatos, Marcos nunca conheceu ou encontrou Jesus. Portanto,
ele obteve todas as informações de segunda, terceira ou quarta
mão. Se a informação foi anotada, ela está perdida, se não foi, foi
mantido oralmente e esse é um método de transmissão não
confiável. Em suma, não temos como determinar a precisão de
Marcos e temos boas razões para pensar que o evangelho é
bastante alterado, talvez centrado em torno de um núcleo de
informações bastante comuns sobre um Jesus de Nazaré. Os outros
evangelhos, sendo mais tardios, têm ainda menos probabilidade de
serem confiáveis.
​E piora, as datas que temos para os quatro evangelhos, citadas
acima, são conjecturas baseadas em manuscritos e fragmentos
muito mais tardios. Não é como se tivéssemos um “Marcos original”
do ano 70 d.C., nem perto disso. A parte mais antiga de Marcos é o
fragmento P45 de Chester Beatty, que inclui cerca de metade do
evangelho. Ele data do ano 250 d.C. Não temos ideia de quantas
alterações, erros de transcrição ou outras modificações podem ter
ocorrido nos 180 anos que se seguiram. A cópia completa mais
antiga de Marcos está no Codex Vaticanus, ainda mais tardio,
datado por volta de 350 d.C. Portanto, metade de Marcos passou
por mudanças desconhecidas por 180 anos e a outra metade por
280 anos. E, no entanto, esperam que tenhamos total confiança
nesse documento como a palavra literal de Deus.
​O fragmento mais antigo de qualquer evangelho está em
Rylands P52, um mero pedaço de papiro que contém algumas
palavras de João. É supostamente datado de 125 d.C., mas isso é
estritamente baseado em análises de caligrafia e não em datação
por carbono ou outras técnicas físicas. O fragmento mais antigo de
Mateus, P104, novamente contendo apenas algumas palavras, data
de 175 d.C., o mais antigo de Lucas, P75, data de 200 d.C. Podemos
ver que não temos acesso a nenhum dos evangelhos originais e
todos sofreram modificações desconhecidas por décadas ou
séculos.

Entra Josefo
​A datação dos evangelhos representa um tipo de problema
“interno” de cronologia, e há também um externo. Está relacionado à
questão de corroborar evidências de fora da esfera da igreja.
Mostrei acima que, por quase todo o primeiro século, tudo o que
temos são as cartas de Paulo e os quatro evangelhos. E como
esses documentos estão “em cheque”, eles não podem servir como
confirmação, precisamos de algo independente e é isso que não
temos.
​Mas então temos Josefo, nascido por volta do ano 37 d.C, ele,
como toda a elite judaica, era membro da resistência a Roma. Lutou
na primeira guerra Judaico-Romana e foi capturado em 67 d.C. O
imperador Vespasiano decidiu libertá-lo em 69 d.C. para servir como
escravo e tradutor de alto nível. Em troca de uma liberdade
modesta, Josefo ficou, de bom grado, com os romanos, mudando
seu nome para Flavio Josefo. Com o tempo, ele escreveu dois livros
importantes: The Jewish War (cerca de 75 d.C.) e Antiquities of the
Jews (cerca de 93 d.C.)[39]. O primeiro contou a história da primeira
guerra judaica e o segundo, uma história do povo Judeu.
​ omo um judeu de elite e educado, que vivia na Palestina logo
C
após a crucificação, Josefo estava perfeitamente localizado para
comentar sobre Jesus. Ele teria conhecido todas as histórias e
lendas com detalhes. Como escritor, ele certamente teria registrado
esses eventos em seus livros.
​Então, o que ele escreveu? Seu primeiro livro, The Jewish War,
não contém nada sobre Jesus ou os cristãos. Tudo bem que o
assunto era guerra e não religião, mas mesmo assim, teria sido
difícil evitar uma menção, se ele tivesse ouvido falar de Jesus. A
conclusão mais razoável é que, a partir do ano 75 d.C., ele não
ouvira nada, o vazio em sua obra sobre cristianismo é inexplicável,
se a história de Jesus for verdadeira, mas é exatamente como seria
esperado se o movimento inicial cristão, agora pró-Paulo, mal
tivesse começado.
​No ano 93 d.C., porém, as coisas mudam. Agora, pela primeira
vez na história, encontramos confirmação independente, e não
Cristã, de um movimento Cristão realmente existente. Em
Antiquities, Josefo escreve um parágrafo e depois uma frase
adicional sobre os Cristãos, aqui está a primeira passagem
conhecida como Testimonium Flavium:

Nessa época, viveu Jesus, um homem sábio, se é que


alguém deveria chamá-lo de homem. Pois ele era aquele que
realizava atos surpreendentes e era professor de pessoas que
aceitavam a verdade com alegria. Ele conquistou muitos judeus
e muitos gregos, era o Cristo. E quando, sob a acusação dos
principais homens entre nós, Pilatos o condenou a uma cruz e
aqueles que primeiro vieram amá-lo não cessaram. Ele
apareceu para eles passando um terceiro dia restaurado à vida,
pois os profetas de Deus haviam predito essas coisas e
milhares de outras maravilhas sobre ele. E a tribo dos Cristãos,
assim chamada depois dele, ainda não desapareceu até hoje.
(Livro 18, Cap. 3, 3. Tradução nossa.)
​Uma passagem fascinante, com certeza. Aqui temos todos os
conceitos básicos da história Cristã em poucas palavras e, no
entanto, mesmo aqui, existem problemas. Quase ninguém aceita
que essa passagem foi originalmente escrita por Josefo. Em vez
disso, os analistas literários determinaram que as palavras foram
adicionadas ou modificadas posteriormente, mas os especialistas
não concordam sobre o que foi alterado, quando ou por quem. “Ele
era o Cristo” parece uma interpolação óbvia (inserção), mas é muito
provável que outras edições tenham ocorrido.
​Infelizmente, como a maioria dos documentos antigos, não há
um “original”, o que temos são cópias de cópias de datas muito
posteriores. Nesse caso, a cópia mais antiga dessa passagem
crucial é do defensor cristão Eusébio, por volta do ano 324.
Podemos apenas imaginar o que mudou nos 230 anos que se
seguiram[40].
​A segunda passagem de Josefo inclui esta linha: “Albino [...]
reuniu o Sinédrio dos juízes e trouxe diante deles o irmão de Jesus,
chamado Cristo, cujo nome era Tiago, e alguns outros” (Livro 20,
Cap 9, 1. Tradução nossa.). Mas não há mais nada aqui sobre
Jesus, a referência sobre um irmão Tiago é consistente com a carta
de Paulo aos Gálatas: “Mas eu não vi nenhum dos outros apóstolos,
exceto Tiago, o irmão do Senhor” (Gal. 1:19)[41].
​Não vou debater a autenticidade dessas passagens aqui para
meus propósitos, isso realmente não importa. Não é de se
surpreender que nos anos 90 d.C. havia um movimento cristão
visível, mas, de toda forma, era pequeno e insignificante, com base
no escasso espaço que Josefo dedica ao tópico. Obviamente, isso
não prova que nenhuma das coisas relatadas realmente aconteceu,
tudo o que mostra é que alguém acreditava que isso aconteceu.

A perspectiva Romana
J​ osefo é importante porque ele é o primeiro não cristão a
confirmar que existia um movimento cristão, pelo menos no final do
primeiro século d.C., mas e os Romanos? Já mencionei que Pôncio
Pilatos, evidentemente, não escreveu nada sobre Jesus, nem
qualquer outro comentarista Romano o fez. Porém, os Romanos
começaram a mencionar a nova religião. E o primeiro a escrever
sobre isso foi o grande historiador Tácito.
​Tácito nasceu no ano 58 d.C. em uma família aristocrática. Entre
98 e 105 d.C., escreveu quatro livros, incluindo o importante
trabalho Histories. Por acaso, nenhum deles mencionam Jesus ou
os cristãos.
​Mas seu trabalho final, Annals, que data por volta de 115 d.C.,
inclui duas frases sobre eles. Na seção 44 do livro 15, lemos o
seguinte:

Consequentemente, para se livrar do relatório, Nero


apressou-se em culpar e infligiu as torturas mais requintadas a
uma classe odiada por suas abominações, chamada de cristãos
pela população. Cristo, de quem o nome teve sua origem,
sofreu a penalidade extrema durante o reinado de Tibério, nas
mãos de um de nossos procuradores, Pôncio Pilatos e uma
superstição perversa, assim verificada no momento, eclodiu
novamente não apenas na Judeia, a primeira fonte do mal, mas
até mesmo em Roma, onde todas as coisas hediondas e
vergonhosas de todas as partes do mundo encontram seu
centro e se tornam populares. (Tradução nossa.)
​Nero, ao que parece, estava ansioso para culpar alguém pelo
grande incêndio romano de 64 d.C. Aparentemente, ele culpou um
grupo de “ódio”, os Cristãos, “uma superstição muito perniciosa”. A
passagem é provavelmente autêntica, mas ainda assim estranha,
pois não temos outra referência sobre Cristãos em Roma na época
de Nero, ou de Nero realmente os culpando por qualquer coisa.
Talvez Tácito esteja registrando o que ouviu ou leu em algum outro
lugar e não conseguiu confirmar.
​Mas isso não é relevante aqui, o que importa é o fato
impressionante de ter levado até o ano de 115 – 80 anos após a
crucificação, quase 120 anos após o nascimento milagroso – para o
primeiro Romano documentar os Cristãos. E mesmo assim, ele os
concede somente duas frases.
​Uma segunda referência Romana – e a terceira não Cristã – vem
de Plínio. Assim como Tácito, Plínio era um aristocrata educado e
alfabetizado. No ano 110, por volta dos 50 anos de idade, ele
assumiu o cargo de governador imperial de uma província no norte
da atual Turquia. Em uma carta ao imperador Trajano, mais ou
menos na mesma época que os Annals de Tácito, ele escreve uma
crítica extensa ao movimento Cristão. Ao longo de cinco parágrafos,
Plínio explica sua necessidade de reprimi-los, incluindo a execução
de não cidadãos e o envio de cidadãos à Roma para punição. O
Cristianismo é descrito como uma “superstição excessiva e
depravada”, e Plínio estava preocupado com o fato do “contágio
dessa superstição” estar se espalhando. Mas, mesmo assim, ele
acha que “é possível verificar e curá-la”.
​Colocando à parte as sugestões de Plínio, o que encontramos
aqui é um relato fascinante de uma crescente, porém problemática,
nova religião. Os Romanos eram geralmente tolerantes com outras
religiões e, portanto, devemos concluir que havia algo singularmente
problemático nesse grupo. Talvez tenham sido suas origens
Judaicas ou o fato de incorporarem valores particularmente
repulsivos. Não temos os detalhes para determinar a causa da
inimizade, mas, de qualquer forma, parece claro que os primeiros
Cristãos não eram simples apóstolos do amor. Algo estava
acontecendo com esse grupo que os Romanos consideravam,
verdadeiramente, irritante e, de fato, uma espécie de ameaça à
ordem social ou moral.
​Neste capítulo, espero ter mostrado que a absoluta falta da
evidência esperada é condenatória para o Jesus bíblico e que a
evidência que temos é igualmente condenatória à em sua própria
maneira. Não há nada a ser dito pelo lado Cristão da história, não
há saída. Portanto, a única conclusão razoável é que a história
tradicional de Jesus deve ser falsa.
​No entanto, algo aconteceu. Sabemos, com certeza, que em
meados dos anos 90 e início dos 100 d.C., no máximo, os Cristãos
estavam sendo notados e causando problemas ao Império. Temos
certeza de que Paulo viveu e escreveu entre meados dos anos 30 e
o final dos anos 60 d.C., e que os evangelhos apareceram pela
primeira vez entre 70 e 95 d.C. A questão agora, diante de nós, é
reconstruir os detalhes sobre o que realmente pode ter acontecido.
​Mas temos um pouco mais de preparação para fazermos
primeiro. Sabemos que os primeiros Cristãos eram todos Judeus, da
ancestralidade de Jesus e Maria, até os apóstolos e escritores do
evangelho. Sabemos que os Judeus estavam sob pressão de Roma
desde que a ocupação começou em 63 a.C. O que ainda
precisamos examinar é porque os Judeus eram tão antagônicos à
Roma, a profundidade de seu ódio e até que ponto alguns deles, ao
menos, estavam dispostos a ir para expulsar os Romanos. As
atitudes Judaicas em relação aos outros, e as atitudes dos outros
em relação a eles, precisam ser expostas para que possamos
entender melhor o ambiente em que Paulo e seu grupo de amigos
foram capazes de construir uma farsa tão monumental quanto a de
Jesus.
Capítulo 4: Um contra todos

Nos primeiros anos do Cristianismo, os Judeus são centrais. Como


já mostrei, todo o movimento Cristão inicial, e a própria Bíblia, são
completamente Judaicas. Vimos como a história tradicional de
Jesus não pode ser verdadeira por causa da falta de evidências
contemporâneas e aos muitos problemas cronológicos internos e
externos.
​Vamos agora examinar, primeiro, como os Judeus se viam e aos
outros, depois, veremos como os outros – principalmente Gregos e
Romanos – os viam. A compreensão dessas atitudes de ambos, é
fundamental para uma perspectiva adequada das origens do
Cristianismo.

Atitudes Judaicas, por dentro e por fora


​ elizmente, para nós, as atitudes judaicas estão claramente
F
documentadas na bíblia. Podemos ver, simplesmente lendo o texto
do VT, como eles se sentiam em relação a si mesmos e às outras
nações ao seu redor.
​Anteriormente, no capítulo um, citei o fato bem conhecido de que
os Judeus se consideram o “povo escolhido” de Deus. Há várias
passagens que sustentam essa ideia, já em Abraão, no Livro de
Gênesis, lemos que Deus fez promessas e compromissos especiais
para ele: “À tua descendência darei esta terra. [de Canaã /
Palestina]” (Gênesis 12:7). Mais tarde, Deus acrescenta: “E
estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência
depois de ti em suas gerações, por aliança perpétua, para te ser a ti
por Deus, e à tua descendência depois de ti. E te darei a ti e à tua
descendência depois de ti, a terra de tuas peregrinações, toda a
terra de Canaã em perpétua possessão e ser-lhes-ei o seu Deus.
(Gênesis 17:7,8). Ainda não “escolhido”, mas, com certeza, um povo
privilegiado.
​Então, no Êxodo, Deus fala a Moisés:
Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e
guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade
peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha.
E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo. (Êxodo
19:5,6).

​ as as coisas não ficam claras até o último livro do Pentateuco,


M
Deuteronômio. Moisés recorda as palavras de Deus: “Porque povo
santo és ao Senhor teu Deus; o Senhor teu Deus te escolheu, para
que lhe fosses o seu povo especial, de todos os povos que há sobre
a terra.” (Deuteronômio 7:6). Para enfatizar, Deus repete esta
proclamação: “Porque és povo santo ao Senhor teu Deus; e o
Senhor te escolheu, de todos os povos que há sobre a face da terra,
para lhe seres o seu próprio povo.” (Deuteronômio 14:2). A questão
dificilmente poderia ser melhor colocada.
​Se os judeus são escolhidos por Deus, então todos os outros
são, necessariamente, não escolhidos. Se os Judeus são humanos
de primeira classe aos olhos de Deus, todos os outros são de
segunda classe, na melhor das hipóteses. E, de fato, os Judeus se
consideram distintos, especiais e superiores aos outros. Como
Êxodo declara: “Acaso não é por andares tu conosco, de modo a
sermos separados, eu e o teu povo, de todos os povos que há sobre
a face da terra?” (Êxodo 33:16). Da mesma forma, a tribo Hebraica
é “... eis que este povo habitará só, e entre as nações não será
contado.” (Números 23:9).
​Além disso, se Deus deu aos Judeus um tipo de domínio, eles
podem se sentir justificados ao impor aos outros – e com
severidade. Já em Gênesis, lemos: “Que as nações o sirvam, e os
povos se curvem diante de você” (Gênesis 27:29). Em
Deuteronômio, Deus promete aos Judeus “E casas cheias de todo o
bem, que tu não encheste, e poços cavados, que tu não cavaste,
vinhas e olivais, que tu não plantaste, e comeres, e te fartares...”
(Deuteronômio 6:11). Moisés acrescenta que “... e dominarás sobre
muitas nações...” (Deuteronômio 15:6) e “... terão temor de ti.”
(Deuteronômio 28:10).
​E fora do Pentateuco lemos em Isaías: “ E os filhos dos
estrangeiros edificarão os teus muros, e os seus reis te servirão[…]
para que tragam a ti as riquezas dos gentios” (Isaias 60:10,11); ou
ainda “Gente de fora vai pastorear os rebanhos de vocês;
estrangeiros trabalharão em seus campos e vinhas. (...) Vocês se
alimentarão das riquezas das nações...” (Isaías 61:5,6). À luz de
todas essas passagens, as atitudes Judaicas se tornam um pouco
mais compreensíveis.
​Agora, é claro, temos que deixar claro que tudo isso é realmente
a visão sobre si mesmos. Ninguém acredita que Deus, literalmente,
veio à Abraão e Moisés e disse essas coisas. Esses documentos
religiosos são um reflexo de como os Judeus se viam,
consideravam-se especiais, diferentes, “seletos” e, portanto,
colocavam essas ideias na boca de seu Deus. Certamente, ninguém
negaria que o povo se orgulhe de si, mas essas declarações
extremas vão muito além dos limites normais, eles indicam um tipo
de autoabsorção, uma autoglorificação, talvez um narcisismo, uma
presunção. Ser escolhido pelo criador do universo e ter o direito de
governar, sem piedade, todas as outras nações indica uma espécie
de megalomania sem precedentes na história.

Visões de fora
​ laramente, quando outras pessoas começaram a encontrar
C
essas ideias e as atitudes que delas derivaram, seria de se esperar
uma reação. E houve, encontramos uma linhagem consistente de
opiniões de observadores não judeus, durante séculos, que são
repelidos por essa arrogância.
​O primeiro sinal de problemas vem com a primeira menção de
um povo chamado “Israel”. Como mencionei no capítulo dois, temos
uma grande pedra gravada, a Estela de Merneptá, por volta do ano
1200 a.C. que faz referência a essa nação. A única linha relevante é
a seguinte: “Israel é devastado e sua semente não é mais”.
Evidentemente, existia um povo chamado Israel naquela época, eles
entraram em algum tipo de conflito com as pessoas que esculpiram
a pedra, e Israel foi seriamente derrotado. É difícil deduzir muito
mais, mas claramente esse é um começo pouco favorável para o
povo judeu.
​Uma segunda referência antiga, e também negativa, vem de
outra pedra, a Estela de Tel Dan, esculpida por volta de 850 a.C.,
esta gravura registra o Rei Hazael se vangloriando de sua vitória
sobre os reis de Israel e a “Casa de Davi”. Parece que Israel havia
invadido o país de seu pai no passado e Hazael, agora, estava se
vingando. Os detalhes são nebulosos, mas está claro que Israel foi,
mais uma vez, um povo beligerante e que, novamente, pagou o
preço.
​Agora mudamos para a própria bíblia e a história do Êxodo. No
início desse livro, lemos que os judeus ainda estão no Egito, tendo
viajado para lá no final de Gênesis. Um novo Faraó, sem nome,
surge , tendo um problema com os judeus. “Eis que o povo dos
filhos de Israel é muito e mais poderoso do que nós. Eia, usemos de
sabedoria para com eles, para que não se multipliquem, e aconteça
que, vindo guerra, eles também se ajuntem com os nossos inimigos,
e pelejem contra nós...(Êxodo 1:10)”. Em geral, “...de maneira que
se enfadavam [os egípcios] por causa dos filhos de Israel.” (Êxodo
1:12). Eventualmente, o faraó expulsou Moisés e os Judeus do Egito
para a Palestina, onde estabeleceram o Reino de Davi em 1000 a.C.
​Deve ficar claro que, mesmo naquela época, as expulsões em
massa eram um evento extraordinário para serem menosprezadas.
Evidentemente, havia algo sobre os judeus – talvez sua arrogância,
seu engano, talvez, como disse o faraó, sua deslealdade para com a
nação anfitriã – que causou essa ação. Abaixo citarei alguns
comentários tardios e esclarecedores sobre esse evento em
particular.
​Outro incidente revelador ocorreu no ano 410 a.C., na cidade de
Elefantina, no sul do Egito. Uma comunidade e um templo judaico
existiam lá desde cerca de 650 a.C. e em 525 a.C. o rei persa,
Cambises, invadiu e anexou o território ao seu império. Como eram
pragmáticos, os judeus rapidamente se aliaram ao novo governo,
mas isso teve o efeito negativo por se unirem aos invasores
estrangeiros e contra os egípcios locais. Peter Schafer escreve: “os
Judeus são os que apoiam o odiado domínio estrangeiro e não se
juntam […] na luta contra os opressores” [42]. Além disso, apenas os
Judeus foram alvejados: “[embora] membros de diferentes etnias
conviviam em Elefantina, é apenas contra os judeus que os
sacerdotes egípcios dirigem sua animosidade”[43]. Apesar da diretriz
oficial para apoiar a comunidade judaica, o comandante persa local
Vidranga achou-os censuráveis e até intoleráveis; ele logo ficou do
lado dos rebeldes egípcios, contra os Judeus. Vidranga pilhou e
destruiu o templo Judaico em 410 a.C e, mais uma vez, no local
onde os Judeus se estabelecem entre outros povos, parecem ter
feito inimigos.
​Os primeiros forasteiros a comentar, explicitamente, sobre os
Judeus foram os Gregos. Por meio do comércio marítimo e da
expansão imperial, eles entraram em contato com muitos grupos do
Mediterrâneo oriental, incluindo Egípcios, Fenícios, Sírios e Judeus.
As primeiras referências diretas vêm do aluno prodígio de
Aristóteles, Teofrasto. Ele se preocupava com um de seus
costumes: “os sírios, dos quais os Judeus (Ioudaioi) fazem parte,
agora também sacrificavam vítimas vivas (...) Eles foram os
primeiros a instituir sacrifícios de outros seres vivos e de si mesmos”
[44]. “Os Gregos”, acrescentou, teriam “recuado de todo o negócio”.
As vítimas – animais e humanas – não foram comidas, mas sim
queimadas como “completas oferendas” ao seu Deus e
“rapidamente destruídas”. O filósofo, claramente, tinha aversão por
essa tradição Judaica.
​Hécateu de Abdera, trabalhando um pouco depois de Teofrasto,
escreveu um texto On the Jews. Dois fragmentos sobreviveram, o
de Josefo e de Diodoro, ambos os fragmentos são compreensivos e,
portanto, é surpreendente que o último inclua essa observação na
história do Êxodo: “como consequência de terem sido expulsos [do
Egito], Moisés introduziu um modo de vida, em certa medida,
misantrópico e hostil aos estrangeiros” [45]. Pode-se, certamente,
entender a raiva de qualquer pessoa que foi expulsa de seu local de
residência, mas por que isso deveria se traduzir em misantropia –
isto é, ódio à humanidade em geral? É como se os Judeus se
irritassem com o resto da humanidade. Talvez seja um caso de
extremo ressentimento combinado com extrema inflexibilidade ou
seja o resultado de sua autopercepção incorporada à cosmovisão
religiosa.
​ oi nessa época que o general macedônio, Ptolomeu I, governou
F
o Egito. Suas forças armadas, por várias razões, não podiam
recrutar cidadãos egípcios e, portanto, era necessário um exército
mercenário, Ptolomeu tinha um suprimento pronto com os judeus.
Emilio Gabba relata que o rei empregara 30 mil Judeus, escolhidos
entre muitos prisioneiros de guerra. “Bem pagos e altamente
confiáveis, eles serviram para manter a população nativa afastada
que, aparentemente, os retaliavam de vez em quando” – uma
situação que lembra os eventos anteriores à Elefantina[46]. Isso,
além dos aspectos culturais e peculiaridades religiosas, era outra
base da animosidade nativa em relação aos Judeus., mas,
novamente, esse incidente é revelador. É compreensível querer sair
da prisão, mas é preciso se perguntar a evidente disponibilidade dos
Judeus de se aliarem a seus inimigos, por dinheiro, e fazê-lo com
entusiasmo e pouco remorso.
​Mas ainda há uma pergunta persistente aqui: por que os Judeus
foram expulsos do Egito? O sumo sacerdote egípcio Manetão (por
volta de 250 a.C.) fala de um grupo de “leprosos e outras pessoas
poluídas”, 80 mil que foram exilados do Egito e encontraram
residência na Judeia. Lá, eles estabeleceram Jerusalém e
construíram um grande templo. Manetão comenta que os Judeus se
mantiveram reservados, pois era sua lei “não interagir com ninguém,
exceto os de sua própria confederação”. Conforme a história
continua, os judeus (solimitas) reuniram aliados entre outras
pessoas “poluídas”, retornaram ao Egito e conquistaram,
temporariamente, um grande território. Quando no poder, eles
tratavam os nativos de maneira “impiedosa e selvagem”,
“incendiando cidades e vilarejos, pilhando os templos e mutilando
imagens dos deuses sem restrição” e assando os animais
considerados sagrados pelos habitantes locais[47]. Esta é uma
versão muito diferente da que lemos na bíblia Judaica.

Para a Era Romana


​ rei Selêucida, Antíoco IV Epifânio, governou o território da
O
Judeia no início do século II a.C. As disputas judaicas internas
elevaram-se a uma insurreição geral, que o enfureceu. Seu exército
invadiu Jerusalém em 168 a.C., matando muitos Judeus e
saqueando seu grande (segundo) templo. O filósofo grego
Posidônio acrescenta que, ao tomar o templo, Epifânio libertou um
cidadão grego que estava em cativeiro, apenas para engorda para
servir de sacrifício e ser comido, este era, supostamente, um ritual
realizado anualmente. Ele observa ainda que os judeus adoravam a
cabeça de um jumento, coberto de ouro maciço, em seu
templo.
​O declínio dos Selêucidas coincidiu com a ascensão Romana.
Roma ainda era, tecnicamente, uma república no século II a.C., mas
seu poder e influência estavam crescendo rapidamente. Os judeus
foram atraídos pela a sede do poder e viajaram para Roma em
números significativos e, como antes, eles passaram a ser odiados.
Em 139 a.C., o pretor romano Hispalo achou necessário expulsá-los
da cidade: “O mesmo Hispalo baniu os judeus de Roma, que
estavam tentando entregar seus próprios rituais aos romanos,
derrubou seus altares em lugares públicos”[48]. Mesmo nesta
passagem curta, sentimos que um Judeu Romano era
desproporcionalmente proeminente, intrusivo e até “insistente”.
​Talvez em parte por causa desse incidente, e à luz da revolta dos
Macabeus, cerca de 30 anos antes, o rei Selêucida, Antíoco VII
Sideta, foi aconselhado, em 134 a.C., a exterminar os judeus.
Referindo-se ao relato de Posidônio, Gabba explica que o rei foi
chamado a:

(...)destruir os Judeus, pois eles sozinhos entre todos os


povos recusaram todas as relações com outras raças e viam
todos como inimigos; seus antepassados, ímpios e
amaldiçoados pelos deuses, haviam sido expulsos do Egito. Os
conselheiros [citaram] o ódio dos Judeus por toda a
humanidade, sancionados por suas próprias leis, que os
proibiam de compartilhar sua mesa com um gentio ou dar
qualquer sinal de benevolência[49]. (Tradução nossa)
​Desnecessário dizer que Sideta não prestou atenção ao seu
conselheiro.
​Duas ou três décadas depois de Posidônio, por volta do ano 75
a.C., o proeminente orador e professor Apolônio Mólon escreveu o
primeiro livro que confronta, explicitamente, a tribo hebraica, Against
the Jews. Desde seus primeiros anos em Caria e Rodes, ele,
provavelmente teve contato direto com a tribo e, portanto, foi capaz
de escrever com base em sua própria experiência. Mólon se referiu
à Moisés como um “charlatão” e “impostor”, vendo os Judeus como
“o mais vil da humanidade” [50]. Josefo acrescenta o seguinte:

[Mólon] espalhou [suas acusações] aqui e ali por todo o seu


trabalho, nos colocando, por sua vez, como ateus e
misantropos, por outro como covardes, enquanto em outros
lugares, pelo contrário, ele nos acusa de temeridade e loucura
imprudente. Ele acrescenta que somos os mais bobos de todos
os bárbaros e, consequentemente, somos o único povo que não
contribuiu com nenhuma invenção útil para a civilização[51].
​Os Judeus são “ateus”, no sentido de rejeitar os deuses
Romanos. A acusação de “misantropia” se repete, tendo aparecido
dois séculos antes em Hecateu. Mas as queixas de covardia, vilania
e imprudência são novas, assim como a afirmação de que os
Judeus não contribuíram com nada de valor para a civilização. A
retórica está claramente esquentando.
​Em 63 a.C., como sabemos, o general romano Pompeu tomou a
Palestina. Não surpreende encontrarmos uma sucessão rápida de
comentários antissemitas feitos por romanos notáveis, quatro são de
interesse, começando com Cícero. No ano 59 a.C., Cícero fez um
discurso, agora intitulado Pro Flaco, que ofereceu em defesa de L.
V. Flaco, um proprietário romano na Ásia. Flaco foi acusado de
desviar ouro judeu destinado à Jerusalém. Surpreendentemente,
Cícero começa notando o poder e a influência dos judeus:

Você sabe a grande multidão que são, como eles se unem,


o quão influentes são em assembleias informais. Então, falarei
em voz baixa, para que apenas os jurados possam ouvir;
porque aqueles que não estão querendo, os que os incitaram
contra mim e contra todo homem respeitável[52].
​É chocante que Cícero, falando próximo ao auge do poder
Romano, expresse essa preocupação – mesmo que seja uma
“piada”.
​ le continua, observando que o senado tinha uma política de
E
longa data de restringir as exportações de ouro e que Flaco estava
apenas aplicando essa regra, não retendo o ouro para si. Aqui
estava sua ruína: “Mas resistir a essa superstição bárbaro (barbarae
superstitioni) foi um ato de firmeza, desafiar a multidão de Judeus
(Iudaeorum) quando, às vezes, em nossas assembleias, eles
estavam cheios de paixão...” Todo o ouro é contabilizado, Cícero se
apressa à acrescentar. Todo o julgamento “é apenas uma tentativa
de fixar o ódio nele” (lembrando as tentativas atuais de
“antissemitismo”). A religião Judaica está “em desacordo com a
glória de nosso império, com a dignidade de nosso nome, com os
costumes de nossos ancestrais”. Que os deuses opõem a essa tribo
“é demonstrado pelo fato dela ter sido conquistada, liberada pelos
impostos, transformada em escrava”.
​Dez anos depois, Diodorus Siculus escreveu sua Historical
library. Entre outras coisas, ele novamente relata o Êxodo:

Os ancestrais dos Judeus haviam sido expulsos de todo o


Egito como homens ímpios e detestados pelos deuses. Pois,
como meio de expurgar o país, todas as pessoas que tinham
marcas brancas ou leprosas em seus corpos haviam sido
reunidas e empurradas através da fronteira, como se
estivessem amaldiçoadas; os refugiados haviam ocupado o
território ao redor de Jerusalém e, tendo se organizado, a nação
dos Judeus transformou seu ódio à humanidade em uma
tradição... (34, p.1. Tradução nossa).
​A library inclui uma recontagem da tomada do templo Judaico
por Antíoco Epifânio em 168 – o mesmo evento encontrado no
trabalho anterior de Posidônio. Mas isso não é uma mera
duplicação, demonstra uma aceitação e endosso a essa história.
Aqui, porém, é Antíoco Epifânio, não seu sucessor Sideta, que foi
incitado a “acabar completamente com a raça dos Judeus, já que
somente eles, de todas as nações, evitavam negociações com
outras pessoas e viam todos os homens como seus inimigos”[53].
​Ao entrar no templo, Antíoco encontra a estátua de um homem
barbudo em um jumento – Moisés, aquele que “havia ensinado aos
Judeus seus costumes misantrópicos e sem lei”. Os conselheiros de
Antíoco ficaram “chocados com tamanho ódio dirigido à toda a
humanidade” e, portanto, “insistiram fortemente para que ele
acabasse completamente com essa raça”, mas em sua
magnanimidade, ele recusou.
​O grande poeta lírico Horácio escreveu suas Satires em 35 a.C.,
explorando a filosofia epicurista e o significado da felicidade. Em um
ponto, no entanto, ele faz um comentário passageiro sobre a
capacidade de proselitismo, aparentemente notória, dos Judeus
Romanos – em particular, sua tenacidade em conquistar outros.
Horácio está tentando convencer o leitor de seu ponto de vista: “e se
você não quiser ceder, um grande grupo de poetas virá em meu
auxílio... e, assim como os Judeus, os obrigaremos a ceder à nossa
multidão” (I.4.143). O poder deles deve ter sido lendário, ou ele não
faria tal alusão.
​O último comentarista da era pré-Cristã foi Lisímaco. Seu escrito,
feito por volta de 20 a.C., oferece outra variação da história do
Êxodo, colocando-a no reinado do faraó
Bócoris (ou Bakenrenef) de 720 a.C. Em sua versão, os Judeus
“afligidos pela hanseníase, escorbuto e outras doenças” buscaram
refúgio nos templos egípcios. Os oráculos aconselharam Bócoris a
limpar os templos, banir os ímpios e impuros e “enrolar os leprosos
em lençóis de chumbo e afundá-los no oceano” – o que ele fez. Os
exilados, liderados por Moisés, foram instruídos a “não mostrar boa
vontade a ninguém”, oferecer “o pior conselho” aos outros e a
derrubar quaisquer templos ou santuários que encontrassem.
Chegando na Judeia, “eles maltrataram a população, saquearam e
incendiaram os templos [locais]”. Eles então construíram uma
cidade chamada Hierosolyma (Jerusalém), e se referiram a eles
como Hierosolimitas[54]. Se eles realmente perseguiam a população
nativa, pode-se ver nisto um predecessor distante das atuais
atrocidades israelenses na Palestina.
​A acusação de misantropia, ou ódio à humanidade, é
significativa e merece uma discussão mais aprofundada,
especialmente à luz da história Cristã. Já se repetiu várias vezes em
Hecateu, Posidônio, Mólon, Diodoro e agora Lisímaco. É
impressionante porque os Romanos eram, notavelmente, tolerantes
com outras seitas e religiões, por causa, em parte, à sua visão de
mundo politeísta. Uma sociedade de muitos deuses reconhece,
implicitamente, a diversidade religiosa, se existem muitos desses
seres, quem pode reivindicar o conhecimento completo do reino
divino? O monoteísmo, ao contrário, reivindica conhecimento
exclusivo e absoluto, tem um deus e uma verdade. Portanto, outras
religiões com outros deuses são necessariamente falsas. É razoável
supor que os Judeus, como os primeiros monoteístas do Oriente
Médio, não correspondiam à tolerância Romana.
​De fato, essa parece ter sido uma regra geral ao longo da
história: a intolerância religiosa deriva dos fundamentalistas
monoteístas (Judeus, Cristãos, Muçulmanos), não dos politeístas ou
pluralistas religiosos. No caso dos Judeus, porém, a arrogância
monoteísta foi combinada com distinção racial e outras
características culturais, resultando em um traço misantrópico
profundamente incorporado. Isso, provavelmente, justificou o
tratamento abusivo e brutal aos gentios, às vezes aparece
explicitamente, como em uma declaração recente do líder rabino
ortodoxo Yosef, que disse: “Goyim [não-Judeus] nasceram apenas
para nos servir. Sem isso, eles não têm lugar no mundo – apenas
para servir o povo de Israel. Eles trabalharão, ararão, colherão.
Vamos sentar como um Efêndi e comer.” (Jerusalem Post, 18 out.
2010). Seria difícil encontrar uma declaração mais grosseira de
misantropia Judaica.

Romanos da Era Cristã


​ virada do milênio foi significativa em vários aspectos: Roma
A
havia se tornado, formalmente, um império sob o comando de
Augusto, em 27 a.C.; Jesus de Nazaré (supostamente) nasceu em 3
a.C.; o filósofo Judeu Philo estava ativo naquele momento, como
também estava o, talvez, mais infame “antissemita” daquela época,
Apião. A notoriedade de Apião deriva não tanto de suas acusações
– que em sua maioria eram preexistentes – mas de seu renome
entre as classes altas da sociedade Alexandrina, e porque Josefo
nomeou um de seus próprios livros como Against Apion.
Uma amostra das críticas feitas por Apião em seu livro
Against the Jews inclui:
● a história do Êxodo livre de lepra;
● etimologia do termo Judaico “sábado” que deriva do
“tumores da virilha”;
● numerosas histórias de loucura ou ingenuidade Judaica;
● maus tratos, bem merecidos, de Cleópatra (retenção de
milho durante a fome regional e vários conflitos com o rei Judeu
Herodes);
● falha dos Judeus em erguer estátuas dos imperadores;
● tendência “de não demonstrar boa vontade a nenhum
estrangeiro, sobretudo aos Gregos”;
● leis injustas;
● sedição;
● práticas religiosas “errôneas”;
● falha de produzir gênios nas artes ou ofícios;
● não comer carne de porco;
● a circuncisão.
​Novamente, ínfima no sentido de originalidade, mas
aparentemente influente o suficiente para justificar uma refutação.
​Além disso, havia razões sólidas e objetivas para o povo
Romano ser cauteloso naquele primeiro século. Com a incorporação
da Judeia por Roma em 63 a.C., os Judeus reuniram-se na capital
imperial em números cada vez maiores. Mais uma vez, as
autoridades tomaram medidas, o imperador Tibério os expulsou no
ano 19 d.C.
​Ele aboliu os cultos estrangeiros, especialmente os ritos egípcios
e Judeus, obrigando todos os viciados em tais superstições a
queimar suas vestimentas religiosas; [Outros Judeus] foram banidos
da cidade, sob pena de escravidão por toda a vida se eles não
obedecessem[55].
​A expulsão não teve sucesso, 11 anos depois, como recordamos
no capítulo dois, Sejano encontrou motivos para se opor a eles
novamente.
​De volta à Roma, as ações antijudaicas continuaram. Em 49
d.C., Cláudio, mais uma vez, teve que expulsá-los. Em uma
fascinante linha de Suetónio, por volta do ano 120 d.C.,
encontramos a menção de um Cresto (latim: Chrestus) como líder
da multidão; talvez essa seja a quarta referência não-Judaica à
Jesus. “Como os Judeus, constantemente, faziam distúrbios por
instigação de Cresto, [Cláudio] os expulsou de Roma[56]”. Isto é uma
observação importante de que, mesmo nessa data tardia, os
Romanos ainda identificavam o Cristianismo com os Judeus.
​Apesar de tudo isso, a tribo sitiada ainda não atraía
simpatizantes. O grande filósofo Sêneca comentou sobre eles em
seu trabalho On Superstition, por volta dos anos 60 d.C. Ele ficou
horrorizado não apenas por suas crenças religiosas “supersticiosas”,
mas, mais pragmaticamente, com sua influência surpreendente em
Roma e no mundo conhecido, apesar de repetidos ataques e
banimentos. Sêneca primeiro considera os Judeus preguiçosos, pois
dedicam um a cada sétimo dia à Deus: “sua prática [do Sabbath] é
inconveniente, porque ao introduzir um dia de descanso a cada
sete, eles perdem em ociosidade quase um sétimo de sua vida
…”[57]. “Enquanto isso”, ele acrescenta,
“os costumes dessa raça amaldiçoada (sceleratissima gens)
ganharam tanta influência que agora são recebidos em todo o
mundo. Os vencidos deram leis aos seus vencedores.”
​Sêneca está, evidentemente, indignado com seu alcance.
​Então veio a histórica revolta Judaica na Judeia, durante os anos
de 66 a 70 d.C. Os Romanos estavam certamente satisfeitos. Na
opinião deles, os Judeus receberam o que mereciam.

Tácito e o Século II d.C.


​ segundo século da Era Cristã viu uma série contínua de
O
comentários críticos, na maioria dos casos, reiterações de
reclamações antigas que, evidentemente, ainda eram válidas.
Quintílio (por volta de 100 d.C.) observou que, assim como as
cidades podem reunir e agravar o problema dos indesejáveis
sociais, Moisés também uniu indivíduos dispersos em uma única
tribo Judaica: “os fundadores das cidades são detestados [ao]
concentrar uma raça, que é uma maldição (perniciosam), aos
outros, por exemplo, o fundador da superstição Judaica” [58]. Além
disso, o livro de Demócrito, Peri Ioudaion (sobre os Judeus)
observou que “eles costumavam adorar uma cabeça de ouro, e que
a cada sétimo ano eles pegavam um estrangeiro e o sacrificavam”
[59] – em contraste com a história de Manetão, na qual o sacrifício
era um evento anual.
I​sso nos leva, mais uma vez, à Tácito. No capítulo anterior, citei
suas primeiras observações sobre o Cristianismo – as primeiras, de
fato, feitas por qualquer comentarista Romano. Ali citei seus últimos
trabalhos, Annals, mas aqui é sobre outro trabalho importante,
Histories, que é relevante. No livro V, Tácito narra eventos históricos
do ano 70 d.C. O general Romano Tito havia sido enviado para
subjugar a Judeia de uma vez por todas. Ele encontrou aliados entre
os palestinos nativos, “que odiavam os Judeus com todo ódio
comum entre os vizinhos” (5.1). As inimizades daquela região têm
raízes profundas.
​Tácito, então, interrompe a narrativa para relatar a origem dos
Judeus – aquela “raça de homens odiosos aos deuses” (genus
hominum invisium deis). Ele oferece duas ou três variações,
aparentemente, semelhante ao Manetão. A religião de Moisés, ele
acrescenta, é diametralmente oposta ao dos Romanos: “Os Judeus
consideram profano tudo o que consideramos sagrado; por outro
lado, eles permitem tudo o que abominamos.” Ele continua:

Qualquer que seja sua origem, esses ritos são mantidos por
sua antiguidade: os outros costumes dos Judeus são básicos e
abomináveis (sinistra foeda), e devem sua persistência à sua
depravação. Pois mesmo os piores malandros entre outros
povos […] sempre enviavam tributo e contribuições à
Jerusalém, aumentando, assim, a riqueza dos Judeus;
novamente, os Judeus são extremamente leais um ao outro e
sempre prontos a demonstrar compaixão, mas em relação aos
outros, eles sentem apenas ódio e inimizade (hostile odium).
(Tradução nossa.)
​“Como raça”, ele acrescenta, “eles são propensos à luxúria” e
“adotaram a circuncisão para se diferenciar dos outros povos” (5.5).
Tácito observa seu monoteísmo abstrato, sugerindo que essa é
mais uma causa do atrito. Ele encerra a sessão comentando que “os
caminhos dos Judeus são absurdos (absurdu) e maus (sordidus)”.
​Ao sitiar Jerusalém e, consequentemente, o poderoso templo
Judaico, Tito manteve os Judeus presos. Pensou-se em poupar o
templo, mas Tito se opôs a essa opção. Para ele, “a destruição
deste templo [era] uma necessidade primordial para acabar
completamente com a religião dos Judeus e dos Cristãos”. Essas
duas religiões, “embora hostis uma à outra, surgiram, no entanto,
das mesmas fontes; os Cristãos haviam crescido entre os Judeus:
se a raiz fosse destruída, a haste morreria facilmente” [60]. A
passagem termina ao observar que 600 mil Judeus foram mortos na
guerra.
​Esses são seus comentários sobre a “raça detestável e
supersticiosa” (gens superstitioni obnoxia; 5.13) – um grupo que é o
“mais desprezado” (despectissima) dos sujeitos e “o mais baixo dos
povos” (taeterrimam gentum; 5.8).
​A segunda guerra Judaica, em 115 d.C., deu mais motivos para
críticas. Dion Cássio descreve a brutalidade Judaica graficamente
em seu Roman History:

Enquanto isso, os Judeus da região de Cirene escolheram


um tal de Andreas como seu líder e estavam destruindo tanto
os Romanos quanto os Gregos. Eles comiam a carne de suas
vítimas; faziam cintos para si com as entranhas; ungiam-se com
o sangue e usavam as peles como roupas. Muitos foram
serrados em dois, da cabeça para baixo, outros foram dados
para animais selvagens ou foram forçados a lutarem como
gladiadores. (Livro 68.32 -tradução nossa.)
​A terceira e última revolta Judaica ocorreu poucos anos depois,
em 132 d.C. As razões para isso eram muitas, mas duas se
destacam: a construção de uma cidade Romana nas ruínas de
Jerusalém e a proibição da circuncisão pelo imperador Adriano:
“nesta época, os Judeus começaram a guerra porque foram
proibidos de praticar mutilação genital (mutilare genitalia)”[61].
​Dion descreve o conflito em detalhes: “Os Judeus, em todos os
lugares, mostravam sinais de hostilidade aos Romanos, em parte
por atos secretos ou ostensivos”[62]. Eles foram capazes de
subornar outros para se unirem à sua insurreição: “muitas nações
externas também estavam se unindo a eles pela ânsia por lucro e a
terra inteira, por assim dizer, estava se agitando com o assunto.”
Para aqueles que hoje argumentam que os Judeus eram perenes à
causa das guerras, isso forneceria algumas evidências iniciais.
Adriano enviou um de seus melhores generais, Severo, para acabar
com a insurgência. Por meio de uma lenta guerra de desgaste, “ele
foi capaz de ... esmagar, esgotar e exterminá-los. Muito poucos, de
fato, sobreviveram.”
​Duas figuras finais fecham o segundo século, o famoso
astrônomo Ptolomeu também era um astrólogo e usou as estrelas
para explicar as condições terrestres. Em seu Apotelesmatica de
150 d.C., observa que as tribos da Palestina, incluindo Idumeia,
Síria, Judeia e Fenícia, possuem algumas características em
comuns.

Essas pessoas... são mais talentosas em comércio e troca;


covardes inescrupulosos, desprezíveis, traiçoeiros, servis e
geralmente volúveis, por causa das estrelas mencionadas. [Os
Judaicos, em particular] são geralmente ousados, sem Deus e
intrigantes. (II, 3)[63]
​Dados os quatro séculos de conflito com as pessoas daquela
região, Ptolomeu dificilmente pode ser responsabilizado por vê-los
como amaldiçoadas pelos céus.
​Finalmente, temos Celso, um filósofo Grego que compôs um
texto, The True Word, por volta de 178 d.C. A peça é
impressionante, uma crítica extensa e contundente da, cada vez
mais proeminente, seita Cristã. O principal alvo de Celso é
claramente o Cristianismo, mas no processo ele faz várias
observações sobre os Judeus – todas negativas. A partir de Moisés,
os Judeus “foram iludidos por enganos desajeitados a pensarem
que havia apenas um Deus” (I.23. Tradução nossa). Eles eram
“viciados em feitiçaria” e, portanto, “caíram no erro por ignorância e
foram enganados”. Celso zomba da “raça de Judeus e Cristãos”,
comparando-os “com um grupo de morcegos, ou formigas saindo de
um ninho, ou sapos fazendo conselhos em volta de um pântano, ou
vermes reunidos em algum canto imundo, discordando entre si
sobre quais entre eles são os piores pecadores ”(IV.23. Tradução
nossa). “Os Judeus”, ele acrescenta, “eram escravos fugitivos que
escaparam do Egito. Eles nunca fizeram nada importante, nem
tiveram qualquer significado ou destaque.” O destino tem sido,
justificadamente, severo com eles e estão “sofrendo a penalidade de
sua arrogância” (V.41. Tradução nossa).
​ teologia Judaico-Cristã, diz Celso, é uma mistura de mitologia
A
e absurdo. “O Deus dos Judeus é amaldiçoado” porque ele criou, ou
permitiu, o mal no mundo – uma afirmação clássica do “Problema do
mal”[64]. A cosmogonia de Gênesis é ridícula, assim como é a da
história da criação da humanidade: “Moisés escreveu essas
histórias porque não entendia nada ... [Ele] juntou lixo absoluto”
(VI.49. Tradução nossa). A longo prazo, o Judaísmo está
condenado – “eles eventualmente perecerão” (VI.80. Tradução
nossa).

Conclusões
​ ntão, o que podemos concluir dessa breve visão geral de cerca
E
de 600 anos do mundo antigo? Dizer que os Judeus não eram bem
quistos é um eufemismo. As críticas vêm de toda a região do
Mediterrâneo e de uma ampla variedade de perspectivas culturais
uniformemente negativas. Observo aqui que não se trata de
“escolher” os piores comentários e ignorar os bons. As observações
são todas negativas, simplesmente não há opiniões positivas sobre
os Judeus ou os primeiros Cristãos.
​Uma conclusão razoável é que há algo na cultura Judaica que
inspira repulsa e ódio. Como diz o ditado: “Quando uma pessoa te
odeia, provavelmente é ela; quando todo mundo te odeia,
provavelmente é você.” Arrogância, insularidade, superstição,
autocentrismo e misantropia, certamente desempenham um papel.
O monoteísmo também é um provável colaborador, embora
indiretamente.
​De qualquer forma, é claro que os Judeus tinham poucos, ou
nenhum, amigos no mundo antigo. Sua religião os instruiu a
desprezar os outros (Gentios) e os outros, por sua vez, os
desprezaram. Mas a fonte originária eram os próprios Judeus: sua
religião, sua visão de mundo, seus valores. Eles estavam dispostos
a usar e explorar não Judeus para seus próprios fins. Eles estavam
dispostos a matar e morrer.
​Essa situação alimenta, diretamente, as circunstâncias da
ocupação Romana e a reação de Paulo. A análise anterior sugere
que Paulo não estava interessado em nada a não ser salvar “Israel”,
o povo Judeu. Vimos algumas pistas textuais indicando que ele
estava disposto até a cometer assassinato, a fim de levar adiante
seus desejos. Certamente, ele odiava os Romanos com vingança e,
mesmo assim, podia ver a futilidade de enfrentá-los diretamente. O
violento movimento Zelote provavelmente seria esmagado. Algo
muito mais sutil e inteligente seria necessário para minar sua
posição no poder.
​No próximo capítulo, apresentarei minha visão da verdade – do
que acredito que tenha realmente acontecido naqueles dias
sombrios do antigo Oriente Médio.
Capítulo 5: Reconstruindo a
verdade

Agora temos o cenário para começar a reconstruir a provável


verdade do que aconteceu durante os primeiros anos do
Cristianismo. Mais uma vez, não reivindico certeza aqui; ninguém
pode fazer isso, mas acho que o conjunto de fatos aponta para um
cenário claro, no qual Paulo e seu bando de companheiros Judeus
construíram uma farsa sobre Jesus, a fim de enfraquecer o domínio
Romano e, finalmente, leva-lo à ruína. Demorou alguns séculos,
mas no final, surpreendentemente, funcionou.
​Como força invasora na Palestina, os Romanos eram
numericamente uma pequena minoria, mas tinham acesso a um
poder ilimitado. Os Judeus também eram uma pequena minoria,
mas foram capazes, antes de Roma, de adquirir e manter o poder
sobre os palestinos. (A Dinastia Hasmoneana possuía um território
de, aproximadamente, a atual Israel, embora incluísse toda a
Cisjordânia e uma pequena parte da atual Síria.) Para exercer seu
poder, Roma exigia, pelo menos, o consentimento tácito das massas
– e em geral eles conseguiram isso. Os Romanos vieram não como
matadores sedentos de sangue, mas como portadores da
civilização. Eles apenas lutavam se encontrassem resistência. Seu
objetivo não era matar massas de pessoas, mas expandir o Império.
Como prova disso, eles concediam cidadania imediata a todos os
indivíduos qualificados que foram absorvidos pelo reino recém-
expandido. O público em geral não tinha uma antipatia
predeterminada contra o Império e, de fato, podem tê-los recebido
de bom grado caso não gostassem do governo anterior – como era
provavelmente o caso na Palestina antes de Roma[65]. Roma trouxe
muitos benefícios e algumas desvantagens: os impostos sempre
tinham que ser pagos, independentemente de quem estivesse no
comando e, de qualquer forma, haviam nítidas vantagens em ser um
cidadão da maior potência da Terra.
​Paulo, como vimos, provavelmente era um membro do violento
movimento Zelote que militava contra os Romanos e qualquer um
que colaborasse com eles. Paulo até aprovou o assassinato para
alcançar seus objetivos. Enquanto adolescente, ele provavelmente
se lembraria da expulsão dos Judeus de Roma, em 19 d.C. feita por
Tibério, e certamente conheceria a tentativa de Sejano de “destruir”
os Judeus no ano 30 d.C. Ele provavelmente estava ciente do
tratado antissemita de Apião que circulava na sociedade estudada.
Durante todo o tempo, os Judeus lutavam, ativa e passivamente,
contra o domínio Romano. Ele teria visto seus companheiros
Zelotes serem executados, alguns pela forma explícita de
crucificação, uma punição reservada aos rebeldes, insurgentes e
outros criminosos contra o Estado. Em suma, teria sido uma
situação bastante deprimente.
​Muitos Judeus estavam decididos a conviver com os Romanos,
Herodes Antipas, considerado “rei” dos Judeus, foi um desses
colaboradores. Ele temia incorrer na ira do Império e instigou suas
elites a reprimir qualquer atividade insurrecionista. A maioria deles,
evidentemente, seguiu seu conselho. Certamente não foi preciso
muita argumentação, qualquer indivíduo sóbrio podia ver que a
resistência militante era inútil.
​Foi Assim que, no início dos anos 30 d.C., Paulo, como um
jovem de 28 anos (digamos), passou a contemplar suas opções. Ele
odiava os Romanos e detestava os Palestinos comuns, que
concordavam alegremente com o domínio estrangeiro. Ele também
deve ter desprezado todo o projeto Romano – uma força
civilizacional que começou com as inovações da Grécia antiga. Os
Gregos fundaram a cosmovisão ocidental, uma perspectiva que
enfatizava a razão e a racionalidade, o estudo empírico da natureza
e a lógica. Os Gregos abraçaram a vida e procuram vivê-la ao
máximo. Qualquer vida após a morte era pura especulação para
eles e, portanto, eles deram todo o valor à essa vida, suas vidas
reais, em vez de viver por um futuro desconhecido. Como os
Judeus, os Gregos se viam superiores aos seus vizinhos “bárbaros”,
mas isso foi mais pelo resultado de suas realizações na vida do que
por alguma bênção divina. Os Gregos valorizavam o sistema, agora
absorvido pelo poderoso Império Romano, e era visível para o
mundo. Seu sucesso foi transparente para todos.
​Como Paulo poderia se opor a isso? A ação militante foi
virtualmente suicida. As maquinações políticas, que poderiam ter
funcionado com um poder regional, eram inúteis aqui. O Império era
muito grande e Roma estava muito longe para que qualquer um que
morasse na Palestina ter um impacto direto. Os próprios Judeus
estavam divididos, alguns dispostos a lutar, mas a maioria decidiu
por ficar de fora e esperar, por mais duradouro que isso fosse.
Afinal, os Judeus eram famosos por sempre terem uma visão de
longo prazo das coisas.
​Então, um dia, talvez a caminho de Damasco, o jovem Paulo
teve uma ideia: e se pudesse trabalhar nas massas – as pobres, as
desencaminhadas, as massas supersticiosas – para afastá-las de
Roma e aproximá-las do lado Judeu? O poder local de Roma
repousava sobre eles, como fundamento, mas eram como um banco
de areia instável; se eles pudessem ser “erodidos", então, talvez a
poderosa superestrutura Romana pudesse começar a tremer e a
quebrar – pelo menos na Palestina. Se as massas pudessem ser
sutilmente movidas em direção aos Judeus, ou simplesmente
degradadas moralmente de alguma forma – ou no melhor caso,
ambos ao mesmo tempo – então, elas seriam de pouca utilidade
para Roma. Os Romanos poderiam então simplesmente desistir e ir
embora e, dadas as circunstâncias, isso certamente contaria como
vitória.
​Mas como? Isso deve ter parecido uma tarefa impossível.
Somente um deus, uma nova religião poderia realizar tal truque. E
então veio, instantaneamente, “uma luz mais brilhante que o sol”:
uma epifania, uma ideia maravilhosa, a grande inovação de Paulo.
​Podemos imaginá-lo pensando consigo mesmo:

Jesus! Ele era aquele jovem rabino popular de Nazaré que


atraía uma multidão tão grande de Judeus comuns. Eles o
amavam e o adoravam, mas ele não conseguia ficar de boca
fechada! Falava constantemente sobre a necessidade do povo
Judeu "se levantar" contra os Romanos. Eventualmente – o
que, três anos atrás? – ele foi pego pelos Romanos e foi
crucificado junto com dois de seus amigos.

Pelo que me lembro, ele também tinha uma inclinação para


falar em termos esotéricos, sobre um novo reino de Deus que
estava chegando em breve e sobre a natureza maligna e
pecaminosa desses demônios, os Romanos pagãos. "Lute
contra os demônios", ele diria, e então sua salvação estará
próxima.

As pessoas diziam que esse Jesus era totalmente divino. E


se ele realmente fosse Deus? Um deus em forma humana,
como Homero e outros escreveram? Ou talvez, como os faraós
egípcios, um "filho" de Deus? Se fosse esse o caso, os
Romanos crucificaram Deus! Ora, isso os tornaria o diabo
encarnado.

Que ótima história. Mas que provas poderíamos oferecer


para isso? Espere – os seguidores deles não disseram que ele
ressuscitou dos mortos para continuar seu ministério? Haviam
algumas histórias sobre como eles roubaram seu corpo da
sepultura apenas para alegar uma ressurreição milagrosa.
Ninguém realmente acreditou nisso, mas... e se fosse verdade?
Ou pelo menos, uma meia verdade? Essa poderia ser a nossa
prova.

E quem vai saber, afinal? Isso foi há três anos e a maioria


das pessoas já se esqueceu dele. Mas, o mais importante,
porém, é que as massas gentias nunca ouviram falar dele. Para
eles, essa história seria totalmente nova e são eles que
precisamos alcançar.

Mas que mensagem nosso "Jesus" poderia levar para as


massas? Precisamos criar simpatia ao nosso lado, é claro, e
combater a ideologia Romana. Precisamos que eles sejam pró-
Judeus, mas não se tornem Judeus – não, isso nunca
funcionaria. Precisamos de algo novo, uma “terceira via” entre o
Judaísmo e o paganismo.

Talvez, para começar, possamos levá-los a adorar nosso


Deus, Jeová, e não àquele panteão Romano ridículo.
Precisamos convencê-los de que Deus os ama e que ele enviou
seu filho à Terra para "salvá-los". Claro que é ridículo, mas,
esses camponeses supersticiosos e ignorantes engolem quase
tudo. Eu acho que isso poderia funcionar…
​Ou assim podemos imaginar.
​Não é uma história terrivelmente forçada ou complicada. Um
homem-deus vem à Terra, prega amor às massas e promete "salvá-
las". É injustamente morto pelos maldosos, então ressuscita,
provando a seus seguidores que eles também ressuscitarão e se
deleitarão na vida eterna se seguirem a ele e a seu Deus. Aqueles
que não acreditam, ou que estiverem do lado dos demônios,
sofrerão a condenação eterna de Deus – notavelmente, Paulo
nunca usa diretamente a palavra “inferno”, mas a ideia está lá.
Paulo sabe que essa abordagem de “recompensas e punições” é
perfeita para manipular as massas supersticiosas.
​De fato, é tudo o que lemos nas cartas de Paulo. Nenhuma
teologia complicada, nenhuma história de vida de Jesus, nem
mesmo histórias de milagres – apenas um deus em forma humana
que prega o amor por todos e que ressuscitou após a morte. Além
disso, o homem-deus é Judeu – isso é perfeito, seu "pai" é Jeová, o
Deus Judeu – isso também é perfeito. A história se concentra na
vida após a morte e, portanto, é capaz de manter as massas em
suspensão perpétua, em um estado de "esperança", pelo qual elas
passarão a vida inteira. A história também convida, e até acolhe, o
sofrimento, melhor ainda quando chega a hora de se sacrificar pela
causa. A perspectiva toda é, portanto, simultaneamente pró-Judaica
e antirromana – uma situação ideal.
​Mas Paulo precisava de mais uma coisa: uma mensagem de
resistência. Não poderia ser explícita, isso seria óbvio demais,
nunca atrairia as massas e, provavelmente, o levaria à morte, tinha
que ser mais sutil. Nenhuma menção explícita à Roma; apenas
"mal", "Satanás", "os poderes mundanos", isso bastaria.
Com esses conceitos em mãos, Paulo partiu para construir
sua igreja.

Sobre homens e mitos


​ ntes de prosseguir, deixe-me detalhar alguns dos pontos acima.
A
Alguns miticistas de Cristo enfatizaram as semelhanças mitológicas
entre o Jesus tradicional e outras histórias de deuses mais antigas.
Doherty, Price e Thompson, entre outros, argumentaram que os
muitos paralelos com as mitologias mais antigas sugerem que
Paulo, ou os escritores do Evangelho (ou outros), simplesmente
roubaram tradições mais antigas quando construíram a vida de
Jesus. Eu acho que isso é verdade, embora talvez seja menos
complicado do que sugerem os miticistas. Tudo o que importa para
o presente propósito é o fato de haver ideias preexistentes em
circulação, durante séculos, o que tornaria mais fácil para Paulo
construir sua limitada história de Jesus.
​Deixe-me mencionar duas fontes aqui: primeiro, considere o
faraó do século XIV a.C. conhecido como Aquenáton. Famoso por
ser marido de Nefertiti e o pai do rei Tut, Aquenáton foi quase o
primeiro e verdadeiro rei-filósofo do mundo. Quando jovem e
governante absoluto do Egito, ele demonstrou uma capacidade
notável de profundo pensamento metafísico. Sua principal conquista
foi o deslocamento do antigo panteão egípcio por um único deus,
Aton – o Sol. Como tal, ele criou o primeiro monoteísmo na história
do mundo. Pode muito bem ter sido a fonte primária de ideias que
deram origem ao Judaísmo e Cristianismo.
​Muito pouco dos escritos de Aquenáton permaneceu, e grande
parte de sua filosofia é obscura, mas o pouco que temos mostra
alguns paralelos interessantes com a história de Jesus e a teologia
Cristã em geral, em particular, o próprio Aquenáton parece assumir
uma aura semelhante à Cristã. No Longer hymn, Aquenáton fala em
oração diretamente ao deus Aton. Ele clama ser "seu filho amado" e
acrescenta que "ninguém conhece você [Aton], exceto Aquenáton,
seu filho". E mais: "Você se revelou a mim.”
​Aton, como o sol, traz luz e vida ao mundo: "Você é a luz da
Terra". De fato, "Você é a própria vida, todos vivem por meio de
você." Perto do final do poema, Aquenáton diz, de uma maneira
muito semelhante à Cristã: "Você levanta as pessoas para o filho do
seu corpo". No final, Aquenáton fala de sua amada rainha Nefertiti,
afirmando que ela "vive e é rejuvenescida para todo o sempre”.
​Vemos temas semelhantes no Shorter hymn. Mais uma vez,
falando diretamente à Aton, o Faraó diz: “Seu amor é grande,
imenso. […] Você preenche as Duas Terras com seu amor.”
Notavelmente, esse deus "elevado" na verdade, literalmente, eleva!
"Cada coração clama a sua visão, quando você se eleva como seu
senhor." Aquenáton se autodenomina "seu santo filho" que "realiza
seus louvores". Na estrofe final, lemos: “Eu sou seu filho que te
serve, que exalta o seu nome. Seu poder, sua força, são firmes em
meu coração.” Ele então reafirma o monoteísmo: "Você é um". Os
paralelos são verdadeiramente fascinantes[66].
​Uma segunda provável fonte teria sido muito mais conhecida:
Homero. Considere apenas a Ilíada, que foi composta por volta de
700 a.C. Aqui temos numerosos deuses intervindo ativamente nos
assuntos humanos, algo como vemos no VT. Como o arco
divindade, Zeus desempenha o papel de Jeová. O universo de
Homero realmente não tinha Satanás, mas ele tinha Hades, senhor
do submundo. E não havia realmente um inferno, mas eles tinham o
Tártaro, que era a profundeza mais escura da “casa da morte”.
​De especial interesse são os semideuses de Homero – aqueles
que são meio humanos, meio deus. Tecnicamente falando, Jesus
Cristo era um semideus, os Cristãos gostam de falar sobre o
“milagre” da concepção imaculada, de Deus engravidando Maria,
mas essa era uma ideia muito antiga e desgastada. A Ilíada está
cheia de semideuses, o mais famoso é Aquiles (filho da deusa do
mar Tétis e mortal Peleu). Zeus foi notavelmente prolífico,
produzindo quase uma dúzia de “filhos” com mulheres mortais:
Éaco, Amphion, Dardanus, Héracles/Hércules, Iasus, Minos,
Perseu, Pirítoo, Polideuces, Radamanto e Sarpedão. Outros deuses
também tiveram filhos: Afrodite era a mãe de Enéias, Poseidon foi
pai de Teseu e Hermes foi pai de Eudoro, para citar três. Às vezes
eles tinham filhas semideusas, Helena de Tróia era uma dessas
pessoas (filha de Zeus). Fica-se com a impressão, de fato, de que
os semideuses estavam por toda parte no mundo antigo: em um
certo momento, Hera exclama: "Muitos que batalham em torno das
poderosas muralhas do rei Príamo são filhos dos deuses imortais"
(16.533. Tradução nossa.) Como um semideus, Jesus era notícia
antiga.
​Existem outros temas relevantes. Para Homero, os deuses
frequentemente vêm à Terra em forma humana. No livro 5, o deus
da guerra Ares aparece no campo de batalha “na forma do corredor
Acamas" (5.532. Tradução nossa.), para preparar as tropas. Mais
tarde, no livro 13, o deus Poseidon aparece "na forma de um
profeta" (13.84. Tradução nossa.) para encorajar dois guerreiros,
especificamente. Ele “toma a aparência e a voz incansável de
Calcas” (13.57. Tradução nossa.). Além disso, descobrimos que os
mortos são ocasionalmente "ressuscitados" pelos deuses. Quando o
semideus Sarpedão foi morto, Apolo "elevou o príncipe Sarpedão,
retirando as armas, afastou-o dos combates, para longe e para
longe..." (16.792. Tradução nossa.). Também vemos descrições
semelhantes à Cristã, por exemplo, os semideuses “brilham” e são
uma “luz” para o mundo: “a [mortal] mulher deu ao deus [Hermes]
um filho radiante, Eudoro ...” (16.220. Tradução nossa.). Mais uma
vez, encontramos uma série de paralelos notáveis. Paulo e seu
conluio tinham muito material para extrair.

Jesus renascido como um rebelde


​ aulo provavelmente empregou esses precursores mitológicos
P
em sua construção de Jesus. Mas como eu disse, ele não precisava
de nenhuma história complicada para seus propósitos, só precisava
que Jesus fosse Deus em forma humana e que ressuscitasse após
a morte, pronto. A história e os ensinamentos de vida são, em
grande parte, irrelevantes. Vemos tudo isso diretamente nos
escritos. Considere Jesus como Deus, em Filipenses, Paulo se
refere ao Cristo "Que, sendo em forma de Deus ...” (Filipenses 2:6).
Em outros lugares, Jesus “O qual é imagem do Deus invisível, o
primogênito de toda a criação” (Colossenses 1:15). Essa conversa
não se repete até o último evangelho, João.

​ inda mais importante para Paulo é a ênfase na ressurreição.


A
Vemos isso mesmo nas primeiras cartas, Gálatas e I
Tessalonicenses. No primeiro, ele se refere, desde o início, ao "...
Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos... "
(Gálatas 1:1). No último, ele escreve: “Porque, se cremos que Jesus
morreu e ressuscitou...” (I Tessalonicenses 4:14). Em Romanos,
lemos sobre “Declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito
de santificação, pela ressurreição dentre os mortos, Jesus Cristo,
nosso Senhor...” (Romanos 1:4). Mais tarde, na mesma carta, Paulo
diz: " De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na
morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela
glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida.”
(Romanos 6:4). E novamente: “Pois é Cristo quem morreu, ou antes
quem ressuscitou dentre os mortos...” (Romanos 8:34). Em I
Coríntios, Paulo faz uma discussão mais detalhada e extensa:
“...que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e
que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as
Escrituras. (I Coríntios 15:3,4). A importância desse evento é então
elaborada:
Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos,
como dizem alguns dentre vós que não há ressurreição de
mortos?
E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não
ressuscitou.
E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e
também é vã a vossa fé.
E assim somos também considerados como falsas
testemunhas de Deus, pois testificamos de Deus, que
ressuscitou a Cristo, ao qual, porém, não ressuscitou, se, na
verdade, os mortos não ressuscitam.
Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não
ressuscitou.
E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda
permaneceis nos vossos pecados.
E também os que dormiram em Cristo estão perdidos.
Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais
miseráveis de todos os homens.
Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito
as primícias dos que dormem.(I Coríntios 15:12-20)
​ em uma ressurreição, todos os grandes planos de Paulo "foram
S
em vão". Ninguém será convencido da divindade de Jesus, e assim,
eles não o seguirão. Novamente, mesmo a vida e as palavras de
Jesus eram irrelevantes para Paulo, a ressurreição divina foi tudo.
Nietzsche, como sempre, foi direto ao ponto:

[Paulo] inventou sua própria história do primórdio do


Cristianismo... O tipo de Salvador, a doutrina, a prática, a morte,
o significado da morte, até mesmo o que veio depois da morte –
nada permaneceu intocado, nada permaneceu semelhante à
realidade. Paulo simplesmente transpôs o centro de gravidade
de toda a existência após essa existência – na mentira de
Jesus “ressuscitado”. No fundo, a ele não tinha nenhuma
utilidade a vida do Salvador – precisava da morte na cruz e um
pouco mais[67].
​E esse é o núcleo da farsa. Todo o resto segue naturalmente.

A mensagem de rebelião
​ om essa simples teologia organizada, Paulo estava bem
C
situado para colocar sua mensagem de resistência à Roma. Ao
longo de suas cartas, encontramos inúmeras referências à
escravização, revolução, insurreição, guerra, a importância das
massas sem poder, e assim por diante. Nos primeiros Gálatas,
lemos sobre a necessidade de Jesus "...nos livrar do presente
século mau..." (Gálatas 1:4). Mais tarde, os "princípios elementares"
parecem ser uma alusão ao panteão Romano:

Antes, quando vocês não conheciam a Deus, eram escravos


daqueles que, por natureza, não são deuses.
Mas agora, conhecendo a Deus, ou melhor, sendo por ele
conhecidos, como é que estão voltando àqueles mesmos
princípios elementares, fracos e sem poder? Querem ser
escravizados por eles outra vez? (Gálatas 4:8,9).
​“Não seja escravizado pelos deuses Romanos”, ele parece dizer.
E novamente: “Estais, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos
libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão.
(Gálatas 5:1)”.
​ mesma ideia de se afastar dos "ídolos" Romanos aparece em I
A
Tessalonicenses: "Porque eles mesmos anunciam … e como dos
ídolos vos convertestes a Deus, para servir o Deus vivo e
verdadeiro...(I Tessalonicenses 1:9). Só vai piorar nos Romanos,
mas felizmente "Jesus […] nos livra da ira vindoura" (1:10). Jesus
não virá, no entanto, até que haja primeiro uma revolução. Paulo é
explícito:

Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será


assim sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o
homem do pecado [isto é, o Imperador], o filho da perdição...
...que se assentará, como Deus, no templo de Deus,
querendo parecer Deus. (II Tessalonicenses 2:3,4)
Isso, provavelmente, refere-se ao fato de que os Judeus
ficaram horrorizados quando o imperador Calígula insistiu em
colocar sua própria estátua em seu templo.
​A carta aos Romanos contém algumas passagens reveladoras.
Aprendemos, em primeiro lugar, quem é a verdadeira prioridade
nesse esquema: “Porque não me envergonho do evangelho de
Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que
crê; primeiro do Judeu, e também do grego.” (Romanos 1:16). Para
serem salvos, os Gregos e os gentios devem adorar a Jeová: “É
porventura Deus somente dos Judeus? E não o é também dos
gentios? Também dos gentios, certamente,” (Romanos 3:29). E, de
fato, os gentios são necessários para salvar Israel: “...que o
endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos
gentios haja entrado.
E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá
o Libertador, E desviará de Jacó as impiedades.” (Romanos
11:25,26). “Porque não ousarei dizer coisa alguma, que Cristo por
mim não tenha feito, para fazer obedientes os gentios, por palavra e
por obras;” (Romanos 15:18). Se tudo correr conforme o planejado,
"E o Deus de paz esmagará em breve Satanás debaixo dos vossos
pés...” (Romanos 16:20)
​A maioria das passagens de interesse, no entanto, são
encontradas em I Coríntios. Paulo fala de um "fim" vindouro em
termos vagos, mas entendido como o fim de todo o poder terreno –
que obviamente era Roma. Quando Cristo retornar, "Depois virá o
fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai [ou seja, Jeová],
e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e
força.(I Coríntios 15:24).E novamente, “dos poderosos desta era,
que estão sendo reduzidos a nada. (I Coríntios 2:6). Por "reino de
Deus", Paulo tem em mente, explicitamente, um governante
concreto: "Pois o reino de Deus não consiste de palavras, mas de
poder" (I Coríntios 4:20). Para alcançar seus objetivos, Paulo deixa
claro que ele fará ou dirá qualquer coisa: para os Judeus, ele será
Judeu; para os gentios, um gentio; para os fracos, ele será fraco, de
fato: “Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a
salvar alguns.”(I Coríntios 9:22)”
​Sua ênfase nos "fracos" é interessante, Paulo precisava alcançar
as massas humildes gentias e, portanto, teve de retratá-las como
escolhida especialmente por Deus. Tanto na sociedade, como no
corpo humano: “Antes, os membros do corpo que parecem ser os
mais fracos são necessários;"(I Coríntios 12:22). O próprio Deus dá
"...muito mais honra ao que tinha falta dela;”(I Coríntios 12:22). Isso
é ainda mais explícito na carta anônima de Tiago: “... não escolheu
Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros
do reino... (Tiago 2:5). Nós, é claro, vemos essa ideia mais tarde,
perfeitamente, na proclamação de Jesus: “Bem-aventurados os
mansos, porque eles herdarão a terra;” (Mateus 5:5)
​Mas em Paulo, o conceito é apresentado com uma clareza
impressionante no início de I Coríntios. Ele pretende destruir
diretamente os poderosos, os sábios, os instruídos – os Romanos –
em favor dos fracos, ignorantes e sem posses. Em (1:19), Paulo
parafraseia Isaías: "Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a
inteligência dos inteligentes.” (I Coríntios 1:19)." Então vem a
passagem decisiva:

Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos


os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem
muitos os nobres que são chamados.
Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para
confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste
mundo para confundir as fortes;
E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis,
e as que não são, para aniquilar as que são; (I Coríntios 1:26-
28. Grifo nosso).
​Aqui ele expõe a essência do plano. Os Romanos são os
poderosos, os nobres, os sábios e os eruditos, mas Deus não os
escolheu, Ele escolheu vocês, as massas fracas e ignorantes.
Escolheu, explicitamente, “o tolo”, “o baixo” e o “desprezado”, ele
até escolheu “as que não são” – a fim de derrubar “as que são”, a
saber, o Império Romano. Uma passagem notável.
​Repetida vezes vemos que "os fracos" ou "os mansos" são a
chave do sucesso. O próprio Cristo é retratado como manso (II
Coríntios 10: 1), e o próprio Jesus disse a Paulo "meu poder é
aperfeiçoado na fraqueza" (II Coríntios 12: 9). Paulo está, então,
"contente" com sua própria fraqueza: "pois quando sou fraco, então
sou forte”.
A mensagem da rebelião é melhor resumida em Efésios:

Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais


estar firmes contra as astutas ciladas do diabo.
Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas,
sim, contra os principados, contra as potestades, contra os
príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais
da maldade, nos lugares celestiais.
Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais
resistir no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes. (Efésios
6:11-13)
​Paulo continua a falar habilmente do “escudo da fé”, “o capacete
da salvação” e “a espada do Espírito” – boa linguagem disfarçada.
Sem dúvida, a verdadeira mensagem foi entendida.
​Lembre-se de que tudo isso foi escrito antes da primeira rebelião
Judaica, de 66-70 a.C. A guerra estava no ar, mas ainda não havia
começado. Os Judeus estavam prontos para lutar, mas as massas
gentias tinham que estar psicologicamente preparadas para uma
esotérica "batalha com Satanás". Assim, vemos repetidas vezes
uma mensagem de conflito, guerra, insurreição. E aquela famosa
"mensagem de amor" tão endêmica do Cristianismo? O amor vem
depois; agora é hora de lutar.
A verdade dos evangelhos
​ ara recapitular, estou reconstituindo a provável sequência de
P
eventos, com base em um cenário completo e em uma análise da
situação. Assim que a vida de Paulo estava terminando, a guerra
estourou e o grande Templo foi destruído. Podemos apenas
imaginar a angústia e a indignação da comunidade Judaica, seu
ódio por Roma deve ter atingido alturas estratosféricas. Se os
Judeus tinham alguma ilusão sobre a coexistência pacífica, elas
foram esmagadas, respostas militares não eram mais uma opção.
Talvez a manobra "psicológica" de Paulo, a farsa de Jesus,
funcionasse. Mas isso teria que ser levado ao próximo nível.
​Assim, os seguidores sobreviventes de Paulo – talvez Marcos,
Lucas, Pedro, João e Mateus – decidiram retomar o jogo. Esse
bando de "pequenos ultrajudeus"[68] precisava de uma história mais
detalhada da vida de Jesus, as vagas alusões de Paulo a um
homem de verdade não seriam mais suficientes. Alguém – “Marcos”
– decidiu então citar Jesus extensivamente e diretamente. Diferente
das cartas de Paulo, esse "evangelho" (palavra de Paulo) seria
destinado ao consumo em massa. Tinha que ser impressionante –
muitos milagres de seu homem miraculoso. Terminaria com 19
milagres de Jesus firmados no menor dos quatro evangelhos e
houve vários outros primeiros. Aqui lemos, pela primeira vez na
história, sobre os 12 apóstolos, Jesus como carpinteiro e o conceito
de inferno. Aqui também Jesus faz uma inteligente “profecia” da
destruição do Templo (Marcos 13: 1-2) – uma jogada fácil de ser
feita, uma vez que o tempo já estava destruído!
​Aqui também obtemos os primeiros detalhes do processo de
crucificação. Curiosamente, tanto os Judeus quanto os Romanos
são culpados, Jesus prediz que “príncipes dos sacerdotes, e aos
escribas [Judeus], e o condenarão à morte, e o entregarão aos
gentios [Romanos].”que o “matarão” (Marcos 10:33,34), isso é
revelador. Paulo, Marcos e amigos, é claro, estavam trabalhando
contra dois oponentes: os Romanos e seus companheiros Judeus
"não crentes", principalmente os fariseus e sacerdotes que nunca
poderiam aceitar que esse "Jesus" era o Messias Judeu. De fato,
eles provavelmente encontraram uma resistência muito mais dura
de seus companheiros Judeus do que de qualquer outra pessoa. Os
fariseus, na verdade, queriam "matar" Jesus, eles eram seus
inimigos internos. Mas Marcos teve que apontar os Romanos como
os executores literais, para que a raiva fosse dirigida contra eles.
Parece que a raiva de Marcos contra seus companheiros Judeus, no
entanto, o venceu; durante séculos depois, os Cristãos culparam os
Judeus por matar Cristo, sem perceber que a história toda era uma
construção Judaica em primeiro lugar. Talvez haja um tipo de justiça
nessa ironia, afinal.
​Por fim, as dicas de rebelião agora tinham que ser minimizadas
por Marcos. Agora temos que ser como “sementes de mostarda”,
pequenas e discretas, apostando nosso tempo, enquanto
espalhamos o reino de Deus. No entanto, se necessário for, é
preciso estar pronto para dar a vida pela causa: “Pois quem quiser
salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a vida por minha
causa [Jesus] e pelo evangelho, a salvará.” (Marcos 8:35). Não
perca a esperança e nunca esqueça que "...os últimos serão os
primeiros" (Marcos 10:31). O caos ainda é uma possibilidade:
"Nação se levantará contra nação, e reino contra reino.” (Marcos
13:8). A vitória final dos Judeus está chegando em breve: “Garanto-
lhes que alguns dos que aqui estão de modo nenhum
experimentarão a morte, antes de verem o Reino de Deus vindo
com poder." (Marcos 9:1). O fim está próximo.
​O evangelho de Marcos, evidentemente, foi suficiente por cerca
de 15 anos. Deve ter sido eficaz para atrair gentios e construir uma
igreja funcional, mas talvez as coisas tenham parado um pouco,
talvez o pequeno bando Judeu tenha ficado impaciente ou eles
tenham se dividido em questões táticas. Seja qual for o motivo, em
algum momento do ano 85 d.C., dois do grupo – “Lucas" e "Mateus"
– decidiram que precisavam escrever um relato ainda mais
detalhado da vida de Jesus. Mas, evidentemente, os dois não
conseguiram concordar com um único plano, então eles trabalharam
separados, usando a história de Marcos enquanto teciam outras
novas ideias que haviam inventado em conjunto. Cada homem
seguiu sozinho, redigindo seu novo evangelho.
​Os novos documentos tinham muito mais detalhes que Marcos,
de fato, ambos tinham quase o dobro do tamanho do seu
antecessor. Eles tinham de manter o mesmo fio básico da história, é
claro, mas cada homem acrescentou seus próprios enfeites. O que
era novo? O nascimento virginal em Belém, por exemplo, e toda a
cena da manjedoura. Estes apareceram pela primeira vez na
história por volta de 85 anos após o suposto evento. Praticamente
não precisamos perguntar quanta verdade há neles (observo
também que Mateus incluiu um pouco sobre estrela, ao passo que
esse foi aparentemente um detalhe sem importância para Lucas,
considerando que a omitiu completamente.) Lucas incluiu uma
vinheta sobre Jesus aos 12 anos de idade (Lucas 2: 41- 51), algo
inexistente nos outros três evangelhos. O Sermão da Montanha
aparece pela primeira vez, embora Mateus tenha uma versão muito
mais longa que a de Lucas. Lá encontramos várias frases famosas:
“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;”
(Mateus 5:5); “Vós sois a luz do mundo” (Mateus 5:14); “...se
qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;”
(Mateus 5:39; Lucas 6:29); “...amai a vossos inimigos” (Mateus 5:44;
Lucas 6:27); “Não podeis servir a Deus e a Mamom” (Mateus 6:24);
“Não julgueis...” (Mateus 7: 1; Lucas 6:37) – tudo registrado pela
primeira vez, cerca de 50 anos depois de supostamente ocorrerem.
​Outros pontos foram simplesmente elaborações de temas de
Marcos. A retórica antijudaica agora esquenta um pouco; os Judeus
são chamados de “raça de víboras” (Mateus 3: 7, 12:34, 23:33) e
“avarentos” (Lucas 16:14). O inferno se torna mais proeminente
(Mateus 5:22, 5:30, 10:28, 25:46; Lucas 10:15, 12:5);
evidentemente, as táticas de aterrorizar de Paulo não estavam
exatamente funcionando, o que fez dar mais ênfase na virtude do
sofrimento (Mateus 10:22, 24: 9; Lucas 6:22).
​Finalmente, as falas revolucionárias também aumentam. As
passagens de Marcos são transpostas em ambos, mas agora
encontramos várias linhas, surpreendentemente explícitas, em cada
novo evangelho. Agora, os seguidores devem, virtualmente,
abandonar suas famílias pela causa:
● “E o irmão entregará à morte o irmão, e o pai o filho; e os
filhos se levantarão contra os pais, e os matarão.
E odiados de todos sereis por causa do meu nome.”
(Mateus 10:21,22);
● “E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou
irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras, por amor de meu
nome, receberá cem vezes, e herdará a vida eterna”
(Mateus 19:29);
● “Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai,
e a filha contra sua mãe...
Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno
de mim” (Mateus 10: 35,37);
● “Aquele que não está comigo está contra mim...” (Mateus
12:30);
● “Porque daqui em diante estarão cinco divididos em uma
casa...
O pai estará dividido contra o filho, e o filho contra o pai; a
mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra sua
nora, e a nora contra sua sogra.” (Lucas 12: 52-53);
● “Se alguém vem a mim e ama o seu pai, sua mãe, sua
mulher, seus filhos, seus irmãos e irmãs, e até sua própria
vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo.”
(Lucas 14:26).
​Estes são ditos notavelmente semelhantes e cultos e, talvez,
apropriados ao movimento Cristão liderado por Judeus.
​Então, temos passagens de militância direta. Em Mateus, Jesus
diz: “Não cuideis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas
espada.”(Mateus 10:34) – tão não Cristo! Lucas afirma que Jesus
disse: “Vim lançar fogo na terra...”; “Cuidais vós que vim trazer paz à
terra? Não, vos digo, mas antes dissensão”; (Lucas12: 49,51). Todo
homem deve fazer sua parte: “... o que não tem espada, venda sua
capa e compre-a” (Lucas 22:36). Jesus se torna totalmente cruel: "e
quanto àqueles meus inimigos que não querem que eu reinasse
sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim" (Lucas 19:27).
Tudo isso é necessário porque "o diabo" governa todos os reinos do
mundo (Lucas 4:5,6). Mas não se preocupem, se todos seguirmos o
plano e “este evangelho do reino será pregado em todo o mundo...”,
“...então virá o fim.” (Mateus 24:14). E assim, por volta do ano 85
d.C., dois novos evangelhos foram lançados no mundo.
​Mais uma vez, aparentemente, isso foi suficiente por mais ou
menos uma década. Mas então mais um membro da farsa, “João",
se sobressai e se move em mais uma direção diferente. Ele sente a
necessidade de uma história intelectual e esotérica de Jesus,
construindo um evangelho com termos e conceitos abstratos, quase
filosóficos. Termina como um ensaio de comprimento médio, entre o
curto Marcos e os longos Lucas e Mateus, os milagres ainda estão
lá, mas agora são minimizados – apenas oito aparecem. Podemos
imaginar que João entendeu que seu novo público mais intelectual
provavelmente não seria absorvido por esse absurdo. É também
descartada quase toda conversa rebelde. Evidentemente, a multidão
intelectual não seria a que pegaria em espadas.
​Esse quarto evangelho começa com uma passagem famosa e
enigmática: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e
o Verbo era Deus.” (João 1:1). Analisei essa linha, em detalhes, em
outro texto[69], mas, em resumo, “Verbo” no texto original em grego é
“Logos”, um conceito filosófico antigo e complexo, que significa
“discurso”, “palavra”, “razão” ou “lógica”. A noção de que “Logos é
Deus” ou “Logos é com Deus” vem, em última análise, de Heráclito,
por volta de 450 a.C. Ele acreditava em um tipo de mente ou
inteligência cósmica, o Logos que guiava todos os eventos no reino
físico. Este era um conceito perfeitamente "balanceado" para João
delinear o Jesus esotérico e, portanto, ele o utilizou sem pudor.
​Do mesmo modo, João coloca uma ênfase renovada na ideia de
que Jesus é, literalmente, Deus. Jesus diz: "...pois que eu saí, e vim
de Deus...” (João 8:42) e, além disso, "...antes que Abraão existisse,
eu sou." (João 8:58). "Eu e o Pai somos um.", (João 10:30),
acrescenta. E novamente: “Quem me vê a mim vê o Pai...” (João 14:
9).
​Também é nova a ênfase de que as massas são o rebanho de
ovelhas e Jesus como a ovelha-chefe, ou pastor. Jesus é "...o
Cordeiro de Deus..." (João 1:29), e depois lemos uma passagem
extensa sobre Jesus como "...a porta das ovelhas" (João 10:7); "o
bom pastor", alguém que veio "para que tenham vida.” Perto do fim
do evangelho, Jesus ressuscitado instrui seus discípulos a
“Pastoreie as minhas ovelhas.” e “Cuide das minhas ovelhas” (João
21: 15-17). Tudo isso é consistente com a falta de ênfase na
revolução.
​ evangelho termina abruptamente com uma linha final
O
adequadamente ultrajante: “Há, porém, ainda muitas outras coisas
que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que
nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se
escrevessem.”(João 21:25). Um fechamento absurdo para o
evangelho final.
​Com isso entendido, toda a gama de eventos agora faz sentido.
Desde a invasão Romana até a "visão" de Paulo em Damasco, suas
cartas, a primeira guerra Judaico-Romana, os evangelhos – agora
tudo é uma história coerente e consistente. De fato, muito mais
coerente do que um conto literal de um semideus que veio à Terra
para salvar a humanidade. Mas, meu relato alternativo tem ao
menos uma consequência importante: "São" Paulo e seu conluio
Judeu terminam como uns mentirosos descarados. De fato, os
mentirosos mais épicos de toda a história registrada.

Paulo, o mentiroso supremo


​ embre-se da minha explicação anterior, sobre como Paulo e os
L
escritores do evangelho tinham dois grupos de inimigos: os
Romanos e seus colegas Judeus da elite. Na verdade, eles tinham
um terceiro inimigo: a verdade. Paulo e sua equipe sabiam que
estavam mentindo para as massas, mas não se importaram. Os
gentios sempre foram tratados com desprezo pelos Judeus, como
mostrei no capítulo quatro. Eles poderiam ser manipulados,
assediados, agredidos, espancados e até mortos, se isso servisse
aos fins Judaicos. Isso não foi um problema, mas eles precisavam
se preocupar com qualquer dedicado e persistente investigador da
verdade no mundo, que pudesse se dar ao trabalho de expor sua
farsa. O conluio, portanto, teve que se opor a qualquer metodologia
intelectual que pudesse levar à verdade: empirismo, racionalidade,
lógica, senso comum, "ciência". Todas essas coisas passariam a ser
inimigas da igreja, aliadas ao diabo.
​Como iniciador da farsa, Paulo recebe o valor máximo de crédito
ou, se desejar, culpa. O “momento em Damasco”, se foi isso que
aconteceu, deu início a toda a série de eventos. Ele construiu uma
mentira simples e elementar, baseada em ideias comuns da
mitologia e em um núcleo de verdade, a fim de manipular as massas
gentias em benefício dos Judeus. Foi, francamente, um plano
brilhante, mas para conseguir, Paulo deve ter sido um mentiroso
habilidoso. Ele teve que escrever pura ficção como verdade
absoluta, mentir descaradamente para as pessoas e fingir acreditar
nisso, seduzir e amedrontar camponeses inocentes e simplórios a
acreditar em sua elaboração ultrajante e ele fez isso. Paulo –
mentiroso especialista, mentiroso astuto, mestre mentiroso.
​Não que isso seja novidade. No capítulo quatro, citei inúmeras
fontes antigas que criticaram a misantropia Judaica e, certamente, a
disposição para mentir é compatível com essa queixa. Ptolomeu,
por exemplo, chamou os Judeus de "inescrupulosos", "traiçoeiros",
"ousados" e "intrigantes". Infelizmente, o rótulo de “mentirosos” os
perseguiu por séculos. No início dos anos 1500, Martinho Lutero –
fundador da igreja luterana – escreveu um livro bastante infame
intitulado On Jews and their lies. Neste, declarou que “eles não
adquiriram um domínio perfeito da arte de mentir; eles mentem de
maneira tão desajeitada e inepta que qualquer um que seja um
pouco observador pode detectá-lo facilmente” [70] – uma afirmação
que poderia muito bem ser um lema para o presente trabalho.
​Noto também a ironia impressionante de um homem como
Lutero que se opunha às mentiras Judaicas, mesmo quando ele
próprio se deixou enganar pela maioria.
​Em 1798, o grande filósofo alemão, Immanuel Kant, chamou os
Judeus de "uma nação de enganadores" e, em uma palestra
posterior, acrescentou que "os Judeus... são permitidos pelo
Talmude a praticar o engano" [71]. Em seu livro final, Arthur
Schopenhauer fez algumas observações extensas sobre o Judaico-
Cristianismo. Ele escreveu: "Vemos [de Tácito e Justino] o quanto
os Judeus foram em todos os tempos e por todas as nações
odiados e desprezados”. Isso se deve em grande parte, diz ele, ao
fato de o povo Judeu ser considerado grosse Meister im Lügen -
“grande mestre das mentiras” [72]. Empregando sua terminologia
direta, mas elegante, Nietzsche disse o seguinte:

No Cristianismo, todo o Judaísmo, um treinamento


preparatório Judaico de vários séculos e uma técnica, do tipo
mais séria, atinge seu domínio final da arte de mentir de
maneira santa. O Cristão, esse ultima ratio da mentira, é o
Judeu mais uma vez – até três vezes um Judeu.[73]”
​Comentários semelhantes vieram de antissemitas declarados.
Hitler chamou os Judeus de “mentirosos astutos” e de “raça de
mentirosos dialéticos”, acrescentando que “a existência obriga o
Judeu a mentir e a mentir sistematicamente” [74]. E Joseph
Goebbels, em seu diário pessoal, escreveu: “O Judeu também foi o
primeiro a introduzir a mentira na política como arma... Ele pode,
portanto, ser considerado não apenas o portador, mas também o
inventor da mentira entre os seres humanos” [75].
​Finalmente, uma observação de Voltaire parece relevante aqui:
os Judeus, disse ele, "nascem, todos eles, com um fanatismo
furioso em seus corações... Eu não ficaria nem um pouco surpreso
se essas pessoas algum dia não se tornassem mortais para a raça
humana" [76]. Se uma mentira Judaica se espalhasse por toda a
Terra, atraindo mais de 2 bilhões de pessoas, tornando-se inimiga
da verdade e da razão e causando a morte de milhões de seres
humanos por meio de inquisições, queima de bruxas, cruzadas e
outras atrocidades religiosas – bem, isso poderia ser considerado
uma ameaça mortal, eu acho.
​Esta é, então, a minha “Tese do antagonismo": Paulo e seu
conluio[77] mentiram deliberadamente às massas, sem se preocupar
com seu verdadeiro bem-estar, simplesmente para minar o domínio
Romano. Esse pequeno grupo atraiu pessoas inocentes com a
promessa do paraíso e as assustou com a ameaça do inferno. Esse
estratagema psicológico fazia parte de um plano de longo prazo
para enfraquecer e, de certo modo, corromper moralmente as
massas, afastando-as da potente e bem-sucedida visão de mundo
Greco-Romana e direcionando-as a uma visão Judaica oriental.
​Como sabemos, levou algum tempo, mas a nova religião Cristã
se espalhou, eventualmente, permeando o mundo Romano. No ano
315 d.C., o próprio imperador Constantino se converteu ao
Cristianismo. Em 380 d.C. o imperador Teodósio declarou o
Cristianismo a religião oficial do estado e, apenas 15 anos depois,
em 395 d.C., o império fraturou e a metade clássica (ocidental)
entrou em colapso total. No vácuo que se seguiu, o Cristianismo
subiu ao poder – na própria Roma, de todos os lugares. A vitória
estava completa, cerca de 350 anos depois da grande visão de
Paulo vir a ele rapidamente, "mais brilhante que o sol”.
Capítulo 6: Fazendo um balanço,
olhando à frente.
Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente
compostas; mas nós mesmos vimos a sua majestade [Jesus
Cristo]. (II Pedro 1:16)

“Em Cristo digo a verdade, não minto...” (Romanos 9:1)

“Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus


testifico que não minto.” (Gálatas 1:20)

Vamos fazer um balanço, neste momento, recapitulando


brevemente os fatos centrais. A Bíblia mais antiga existente data do
ano 350 d.C., conforme retrocedemos no tempo, a partir daí, nossa
confiança no texto real diminui significativamente – algumas partes
são muito mais incertas do que outras. O consenso de especialistas
é que os quatro evangelhos datam dos anos 70 a 95 d.C. e as
cartas de Paulo entre 50 e 70 d.C. Paulo, os autores do evangelho,
Jesus, José, a Virgem Maria e todos os 12 apóstolos eram Judeus.
Muitos Judeus estavam em resistência, ativa e passiva, à Roma
desde o início da aquisição em 63 a.C. Entre os anos zero e 93 d.C,
não temos absolutamente nenhuma evidência independente e que
corrobore coisas como a estrela de Belém, qualquer um dos 36
milagres de Jesus e dos apóstolos, ou qualquer um dos eventos
específicos dos Cristianismo descritos no NT. A breve referência ao
Josefo em 93 d.C. é a primeira confirmação independente da mera
existência de um movimento Cristão, seguida por Tácito e Plínio por
volta do ano 115 d.C.
​Além disso, sabemos com certeza que os Judeus estavam em
uma relação de confronto e adversidade com seus vizinhos desde o
início, por volta de 1200 a.C. Sabemos que eles se consideravam
especiais, diferentes e superiores ao resto da humanidade e que
essa atitude gerou um ódio reativo contra eles por não Judeus, que
ressurgiu periodicamente desde então. Todos esses fatos são
amplamente aceitos por todas as partes, Cristãos e não Cristãos.

Quatro teses
​ omo, então, podemos explicar as aparentes discrepâncias e
C
inconsistências? Considerei várias abordagens para essa situação
ao longo deste livro. Deixe-me resumi-las, expressando-as em
quatro teorias possíveis, cada uma com uma resposta diferente aos
muitos problemas que enfrentamos. A primeira é a história
convencional.
1) Tese bíblica: Jesus foi o Filho de Deus que realizou
milagres e veio à Terra para salvar a humanidade. O relato bíblico
de sua vida é amplo ou inteiramente correto, como está escrito.
​Nesta visão, a razão pela qual não temos evidências
contemporâneas de Jesus é: (a) ou ela foi destruída pelos Romanos
ou (b) foi acidentalmente perdida para a história. O relato de Paulo é
verdadeiro porque ele se encontrou, pessoalmente, com alguns dos
apóstolos. Dois dos escritores do evangelho eram apóstolos
(Mateus e João) e os outros dois eram colegas íntimos de
apóstolos, e, portanto, todos eles podem ser confiáveis. Paulo e
seus companheiros Judeus não tinham nenhuma intenção
maliciosa, eles foram honestamente convertidos ao Cristianismo e
buscaram abnegadamente levar a Boa Palavra à toda a
humanidade.
​A grande maioria dos céticos em relação à Jesus, mencionados
no capítulo um, parece adotar uma variação da Tese miticista.
2) Tese miticista: Jesus foi um personagem totalmente
fabricado, baseado em arquétipos de mitos antigos. Sua história foi
criada por Paulo, os escritores do evangelho e várias outras figuras
posteriores, a fim de promover uma religião e uma igreja que, de
alguma forma, os beneficiariam pessoalmente.
​Todos os problemas de evidência e cronologia apontam, dizem
eles, para um homem mítico totalmente construído, um Jesus divino,
que entrou no subconsciente humano ao invocar os arquétipos
clássicos. Os motivos de Paulo (ou de quem quer que seja) ou são
desconhecidos ou, presumivelmente, um desejo de autoglorificação
e poder, colocando-se no centro de uma nova religião. Por isso,
arriscaram perseguição e morte.
​Eu argumentei por algo diferente:
3) Tese do antagonismo: Jesus era uma pessoa histórica,
mas não o Filho de Deus. Sua história é uma elaboração fantasiosa,
com poucas verdades, criada por Paulo e seus amigos, a fim de
criar uma ideologia antirromana destinada a corromper e confundir
as massas e, assim, minar o império.
​Minha tese trata da questão do motivo, algo que falta totalmente
aos outros céticos. Eu mostrei como os Judeus tinham um profundo
ódio pelas massas gentias e pelos Romanos em particular, e assim,
como os indivíduos teriam feito qualquer coisa – incluindo mentir e
colocarem-se em risco mortal – para beneficiar o povo Judeu. Os
miticistas e outros céticos não têm um bom relato de um motivo, a
mera busca por ganhos pessoais é altamente duvidosa. A baixa
chance de sucesso, combinada com um alto risco de prisão e/ou
execução, dissiparia a ideia mais do que qualquer vantagem
nebulosa prevista.
​Mas existem outras possibilidades, algumas menos perniciosas
do que uma análise miticista ou antagonista. Por exemplo, e se
Jesus fosse apenas uma figura histórica, mas suas realizações se
embelezaram ao longo do tempo, adquirindo, no fim, condição de
lendário e até de divino? E se alguém, ao ouvir essas histórias
incríveis, decidisse – com toda a boa intenção – documentá-las?
Podemos chamar isso de “Tese do rumor”:
4) Tese do rumor: As histórias de um homem excepcional,
mas mortal, um Jesus histórico, foram exageradas e embelezadas
ao longo do tempo por meio das recontagens orais. Após cerca de
40 anos, "Marcos" ouviu as histórias, inocentemente acreditou nelas
e as escreveu como verdade literal. Isso aconteceu novamente,
depois de 50 anos, com "Mateus" e "Lucas" e, mais uma vez, após
60 anos com “João".
​Isso é teoricamente possível, mas altamente improvável. Mesmo
nos tempos antigos, as pessoas não eram idiotas. Como Marcos
poderia aceitar, sem nenhuma evidência aparente ou confirmação,
histórias tão fantásticas? E aceitá-las tão completamente que ele as
escreveria como verdade factual, como eventos reais e
verdadeiros? E então, como a mesma coisa poderia acontecer mais
três vezes, com três indivíduos diferentes?
​Além disso, a “Tese do rumor” não pode explicar Paulo. Ele
estava muito perto dos eventos reais para acreditar, inocentemente,
em tais histórias que, de qualquer forma, não poderiam ter se
tornado tão incrivelmente exagerada em alguns anos. Paulo era um
homem inteligente; poderia ele realmente ter se apaixonado tão
perdidamente por um conto falso de um messias Judeu, a ponto de
dedicar sua vida a espalhar a história? Parece muito duvidoso, para
dizer o mínimo.
​Existem outras teses possíveis? Talvez, mas não tenho
conhecimento de outras opções plausíveis. Acho que devemos
optar por uma dessas quatro.
​Das possibilidades acima, acho claro que a “Tese bíblica” é
simplesmente insustentável. Os problemas de evidência e
cronologia demonstram, em conjunto, que a vida milagrosa de um
Jesus divino é virtualmente impossível. A “Tese miticista” é possível,
mas apresenta uma falha importante, a saber, a falta de motivo
suficiente. A “Tese do rumor” pressupõe que Paulo e os autores do
evangelho fossem idiotas crédulos que não saberiam distinguir fatos
da ficção, mas do pouco que podemos discernir, isso parece muito
improvável. A “Tese do antagonismo” é de longe a análise mais
crível. É a melhor versão de todos os fatos conhecidos e identifica
um motivo real, baseado em fatos para toda a construção. Todos os
sinais para Jesus, uma farsa.

Criticando o antagonismo
​ ntão, qual é a resposta contrária à “Tese do antagonismo”? Os
E
elementos básicos dela existem há mais de um século. Obviamente,
já foram consideradas antes e aparentemente rejeitadas, pois
nenhum dos recentes céticos em relação à Jesus as defendem. O
que eles diriam em resposta para contestar essa tese?
​De fato, levantei essa questão com vários especialistas,
precisamente para avaliar a força da tese. Deixe-me mencionar
seus comentários e depois oferecer minhas respostas.
"Não está claro que todos os autores dos evangelhos, além
de Mateus, eram Judeus. João certamente não era”
​Como já respondi anteriormente, o evangelho de Marcos foi
escrito para um público gentio e, portanto, assume a aparência
superficial de uma obra gentia. Há um forte consenso de que o
próprio Marcos era Judeu. As extensas referências ao VT nos
quatro evangelhos sustentam fortemente a autoria Judaica. Não há
evidências reais de que Lucas fosse um gentio, exceto seu nome,
mas, como sabemos por Paulo, não era inédito que os Judeus os
mudassem para nomes gentios. As declarações antijudaicas
espalhadas em todos os evangelhos – especialmente em João –
refletem mais uma batalha Judaica interna sobre a ideologia do que
um ataque externo gentio. Paulo é clara e obviamente um Judeu,
embora alguns céticos, como Robert Price, argumentem que as
cartas nem foram escritas por um "Paulo", mas por um Cristão
gentio muito mais recente, como Marcion. Esta é uma visão muito
marginal, mas, mesmo que verdadeira, não prejudica minha tese,
apenas muda a prioridade da fraude para os evangelhos. As cartas
simplesmente se tornam “substância", também fraudulenta,
acrescentada tardiamente por alguns gentios enganados.
​“Você está fazendo generalizações abrangentes. Nem todos os
Judeus se opuseram à Roma e nem todos os escritores e
personagens do NT são, necessariamente, Judeus.”
​No primeiro ponto, como afirmei, muitos Judeus consentiram
com o domínio Romano. Provavelmente, uma grande maioria o
aceitava, mesmo que de má vontade. Mas os Judeus de elite
estavam enfurecidos e, certamente, havia uma minoria substancial
de Zelotas e outros que se opunham violentamente. Minha tese não
exige que todos, ou mesmo a maioria dos Judeus, se opusessem à
Roma, apenas que um pequeno grupo – Paulo e amigos – o fizesse
e agisse com base nisso. Em relação aos escritores do NT, é
abordado acima. Com relação aos personagens da história – Jesus,
Maria, José etc. – podemos apenas seguir as palavras escritas e o
texto é conclusivo: todos eram Judeus.
​Um colega experiente listou uma série de problemas específicos
para qualquer teoria da farsa:
• Precisa de um motivo. Discutido acima. O motivo era a
vingança contra Roma e uma tentativa de minar seu apoio,
confundindo e corrompendo as massas;

• Os Evangelhos estão "enraizados na história". Obviamente,


como fraudadores inteligentes, os autores incluíram o máximo
possível de informações factuais, a fim de aumentar a
respeitabilidade do documento. Mas não tanto que alguém
não possa facilmente descobrir a falsidade;

• Os evangelhos têm conteúdo “autodestrutivos”, como


discípulos covardes e mulheres na tumba, e inúmeras
inconsistências, o que não teria acontecido em uma farsa.
Dado que tínhamos fraudadores semi-independentes – Paulo,
Marcos trabalhando após sua morte, Mateus e Lucas
trabalhando, em evidente desacordo – não é de surpreender
que alguns incorporariam histórias que fossem contraditórias
nas dos outros. Na verdade, é quase inevitável;

• A representação de Jesus como Messias entra em conflito


com as expectativas Judaicas da época. Certamente, e é por
isso que a maioria dos fariseus se opôs ao grupo de Paulo.
Ele não inventou sua farsa para os Judeus, era justamente
para “benefício” dos gentios crédulos [78];

• Os evangelhos incluem material que poderia ser falsificado


pelos oponentes. É verdade, se alguém tivesse tempo,
dinheiro e energia para rastrear todas as possíveis
testemunhas e visitar todos os locais relevantes. Mas os
eventos dos evangelhos, geralmente, aconteciam em locais
obscuros (desconsiderando os em Jerusalém). Eles tinham
um núcleo verificável – um Jesus histórico com uma
crucificação real – e não circularam, abertamente, por anos
ou décadas após os supostos eventos. Quem se daria ao
trabalho de refutar os milagres, por exemplo, naquele
momento? Paulo e companhia sabiam que sua mentira
estava segura;

• Não há opositores antigos do Cristianismo que argumentam


que Jesus era uma farsa. Geralmente é verdade, mas isso se
dá, provavelmente, porque a história tinha um núcleo
verdadeiro e verificável – o Jesus histórico. Então, por que os
críticos antigos não disseram, simplesmente, que os milagres
foram fabricados? Eles não teriam base para fazer tal
afirmação, dada a natureza dos milagres e a escassez de
evidências físicas disponíveis para escritores, digamos, nos
anos 300 ou 400 d.C., ou mesmo em qualquer época anterior
à era científica moderna.

• Estes são pontos difíceis de serem preenchidos por uma


teoria da farsa. Pronto, preenchidos.
​Há outra resposta popular que precisa ser abordada: quem
morreria por uma mentira? Ou seja, por que Paulo e os outros
sofreriam perseguição, assédio e risco de prisão ou morte por sua
farsa? Eu acho que há uma resposta clara aqui: como Judeus, eles
já estavam todos sendo perseguidos pelos Romanos. Como Judeus
extremistas e fanáticos, eles estavam dispostos a fazer qualquer
coisa e a sofrer qualquer punição, a fim de ajudar "Israel". E quanto
mais esse movimento nascente para ajudar Israel parecia crescer,
mais dispostos eles ficavam em pressionar. Os Gentios tinham
dificuldade em entender isso, mas Judeus, assim como extremistas
árabes e muçulmanos, estavam dispostos a morrer por sua causa.
​Com relação especificamente à ideia de que Jesus era um
Zelota revolucionário e não um Filho de Deus, os defensores
Cristãos têm outra resposta pronta: "Essa é uma tese antiga e
desacreditada, apresentada por pessoas como S. G. F. Brandon na
década de 1960. Ninguém mais aceita essa ideia” [79].
​Vale a pena analisar essa opinião por um momento. Samuel
George Frederick Brandon foi um professor de religião britânico que
morreu em 1971. Nos seus livros Jesus and the Zealots (1967) e
The Trial of Jesus (1968), ele, de fato, argumentou que Jesus era
um Zelota. Certamente, fez algumas observações que são
consistentes com a minha tese de antagonismo, entendeu
corretamente que o objetivo principal dos Cristãos Judeus era "a
restauração da liberdade e soberania de Israel" e que, portanto, eles
teriam sido "instintivamente hostis aos gentios"[80] que queriam
ingressar na igreja. Mais tarde, ele observou corretamente que “o
fim que esse 'evangelho'” [dos Judeus Cristãos] tinha em vista era a
reivindicação de Israel, o que implicava tanto a derrubada de Roma
quanto a punição dos gentios”[81]. Isso está correto, mas ele nunca
considera a possibilidade de os Judeus terem mentido ativo,
precisamente, para enganar os gentios detestados, como um meio
de derrubar Roma.
​Em Jesus and the Zealots, Brandon oferece uma explicação
concisa sobre o porquê a tese da "revolução" – precursora do
antagonismo – não é bem recebida hoje:
A mera ideia de que os Cristãos Judeus poderiam ter
financiado a violenta resistência aos Romanos provoca uma rejeição
instintiva na mente da maioria das pessoas hoje em dia, sustentada
por uma tradição, de longa data, de que os discípulos originais
devem teriam sido homens calmos e pacíficos, ou até pacifistas.
Mas, em análise, essa tradição não é baseada em nenhuma
evidência clara e irrefutável do NT. […] [Uma] série de paralelos
também pode ser produzida indicando uma atitude oposta, como
"Eu não vim trazer paz, mas uma espada" [82][…].
​Em seu outro livro, Brandon continua desenvolvendo essa
guinada revolucionária: "A atividade de Jesus em Jerusalém
coincidiu com uma insurreição ali, na qual os Romanos estavam
diretamente envolvidos"[83]. E, mais tarde, acrescenta: “a Judeia
fervilhava de inquietação com o ressentimento natural Judaico do
jugo Romano e as atividades dos Zelotas” [84]. Mas, mesmo com
todo esse reconhecimento, Brandon nunca considerou a
possibilidade dos Judeus mentirem para promover sua causa – e
isso muda tudo.
​Em sua análise sobre Brandon, Price acerta na mosca,
explicando no que ele errou: “Na hipótese de Brandon, o
Cristianismo passou de um movimento revolucionário fracassado
[…] para uma comunidade de fé silenciosa, que acomodava Roma e
procurava, desesperadamente, esconder suas raízes antirromanas,
agora repudiadas.” [85]. Mas a convergência de evidências não
justifica essa visão. Não há razão para que os Judeus militantes
desistissem, ao contrário, eles mudaram de direção. A melhor
defesa de Brandon é que o último evangelho, João realmente deixa
de lado toda a conversa sobre revolução, como observei
anteriormente. Mas isso ocorre mais por causa da nova audiência
intelectual de João, do que a qualquer renúncia total por parte do
conluio.
​O ponto principal, porém, é que os defensores nunca chegam a
explicar como, exatamente, a tese Zelota foi "desacreditada" e nem
puderam. Eles podem apontar para Jesus dizendo "ame ao seu
próximo" e "vire a outra face", mas é isso.

Algumas perguntas respondidas


​ eixe-me tomar um momento para responder numerosas
D
questões que podem surgir neste ponto – algumas das quais eu já
esmiucei neste livro, outras não.
​Pergunta: “Ok, como um Cristão eu li e absorvi toda sua
mensagem chocante. O que eu devo fazer com isso?”.
​Resposta: Primeiro, tente confirmar o máximo de evidências
citadas aqui. Verifique minhas citações, pegue sua Bíblia e confira
as passagens que cito. Contente-se com a história sem logro que
contei. Em seguida, vá ao líder da igreja local e confronte-o com a
evidência (ou a falta dela). A resposta deles confirmará tudo o que
você precisa saber. Depois, deixe claro para eles que você foi
enganado. Diga que quer seu dinheiro de volta, seu tempo e sua
vida – tudo o que você investiu e perdeu na farsa mais famosa da
história.
​Pergunta: "Muitos Cristãos não seguem a Bíblia literalmente.
Para eles, os milagres e todas essas outras coisas são apenas
histórias destinadas a dar lições de moralidade. Eles realmente não
acreditam que aconteceram. Então, por que não é aceitável esse
tipo de Cristianismo “minimalista”?”.
​Resposta: Se você aceita que os milagres não são reais, como
aceitar que o resto não seja real? Quando podemos traçar a linha
entre fato e ficção? Quase não temos motivos para acreditar que
nada daquilo seja real. O milagre mais importante de todos foi o da
ressurreição – esse também foi apenas uma história? Nesse caso,
toda a base do Cristianismo vai pelo ralo. O resto é apenas um cara
dizendo: "seja gentil com os pobres", "ajude o próximo", "ame a
Deus" etc. Precisamos de uma igreja e uma religião para nos dizer
isso?
​E o que pensavam aquelas pessoas que escreveram essa ficção
sobre os milagres? Eles sabiam que estavam escrevendo ficção?
Mas eles a venderam como verdade – porque mentiram? São estas,
precisamente, as perguntas que tentei responder aqui.
​Pergunta: “E todas aquelas passagens pró-Romanas e
antiguerra?“Dêem a César o que é de César ...” (Marcos 12:17);
“Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais...”
(Romanos 13:1); , “pague seu impostos”; “... à espada morrerão.”
(Mateus 26:52); “Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe
também a outra.” (Mateus 5:39); – sem mencionar: “Amarás ao teu
próximo como a ti mesmo.”! [86] Estas não prejudicam sua tese?”
​Resposta: Esta é a resposta do “Jesus Pacifista”. Todos
conhecemos essas falas famosas e elas são repetidas ad nauseum.
Minha resposta geral é: (a) o conluio Judaico foi obrigado a inserir
essas linhas para dar cobertura, muita conversa explícita sobre
rebelião era perigosa. Também, (b) as relativamente poucas linhas
são superadas em número por muitas outras que implicam rebelião
e guerra – veja minha discussão no capítulo cinco. E, de qualquer
forma, “Dêem a César o que é de César ...” não diz nada sobre não
trabalhar também por sua queda. E é claro, você pode morrer pela
espada, mas é isso que acontece na guerra. Aprecio,
particularmente, o “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.”:
quem, afinal, era "teu próximo" se não o Judeu?
​Pergunta: “E todas as profecias do VT cumpridas no NT?”.
​Resposta: Isso é óbvio: quando você tem amplo conhecimento
das profecias, pode inserir a realização delas diretamente no texto
que está construindo. Sem mencionar os eventos históricos reais
que Jesus “previu” no ano 30 d.C. foram escritas no ano 80 ou 90
d.C. O jogo da profecia tinha cartas marcadas.
​Pergunta: "Por que você aceita a ideia de um Jesus histórico?”.
​ esposta: Paulo precisava de um núcleo de verdade para sua
R
farsa. Que maneira melhor do que usar uma pessoa real, que foi
realmente crucificada por suas atividades pró-Judaica e antirromana
e transformá-la em Deus? Isso faz total sentido. Fora isso, nem eu
nem mais ninguém tem evidências de um Jesus histórico. A
execução de um insurrecionista menor não deixaria nenhum rastro,
como não o fez.
​Pergunta: “Os Judeus ficaram muito mal aqui. Isso não é
terrivelmente antissemita?”.
​Resposta: Nem um pouco. Só porque afirmo que um punhado de
Judeus mentiu para o público dois mil anos atrás, isso não tem uma
conexão necessária com os Judeus em geral ou com os de hoje em
dia. As pessoas estão muito sensíveis atualmente, principalmente
em relação aos Judeus, provavelmente porque ouvimos muito sobre
eles e o antissemitismo na mídia. Não tem como relacionar com a
Segunda Guerra Mundial ou o Holocausto, uma vez que isso
terminou há mais de 70 anos e quase todas as vítimas já se foram –
apesar da mídia e Hollywood estarem trabalhando duro para
lembrar, continuamente, o público do sofrimento Judaico e dos
males do nazismo. Não vejo boas razões para que os Judeus
continuem a merecer sensibilidade especial.
​Pergunta: “Como tantas pessoas puderam ser enganadas por
tanto tempo? Não parece possível.”
​Resposta: Na verdade, existem vários exemplos famosos na
história em que muitas pessoas, até mesmo inteligentes, foram
enganadas por muito tempo. A “Doação de Constantino” era um
documento fraudulento no qual o Imperador Constantino
supostamente entregou seu império à Igreja Católica em 315 d.C.
De fato, ela foi forjada nos anos 700 d.C. e exposta em 1440 por
Lorenzo Valla. Como segundo exemplo, considere a "esfera celeste"
que supostamente continha as estrelas. Postula-se que isso existia
já nos anos 300 a.C., e endossado por Platão e Aristóteles. A esfera
foi considerada verdadeira até os anos 1500 – uma crença falsa que
foi mantida por quase dois mil anos. O mesmo período
correspondeu à crença nos “quatro elementos”: fogo, ar, terra e
água. As bruxas foram condenadas e queimadas desde pelo menos
300 a.C. e durante o auge do período na Europa – de 1450 a 1750 –
cerca de 500 mil foram mortas. Em todos esses casos, milhões de
pessoas foram enganadas, iludidas ou ligadas às falsas crenças por
séculos. Não é surpresa que milhões ainda possam estar errados.
​Pergunta: “Por que tudo isso é importante? Foi há muito tempo e
ninguém sabe realmente o que aconteceu naquela época.”.
​Resposta: Mesmo para aqueles que não são religiosos, deve
ficar claro que qualquer falsificação que mantenha a crença de três
quartos dos americanos e um terço de toda a humanidade é uma
questão da maior importância. Os acadêmicos ou intelectuais
podem achar que isso é muito barulho por nada, mas podemos,
facilmente, esquecer o quão importante algumas pessoas
consideram a Bíblia. Aproximadamente 42% dos americanos
acreditam no criacionismo bíblico e, aproximadamente, o mesmo
número pensa que Jesus retornará à Terra em 2050. Por volta de
53% de todos os americanos dizem que a religião é "muito
importante" em suas vidas. Que não haja dúvida: esse é um assunto
de grandíssima importância.
​Para aqueles que não consideram a religião tão séria; muitos
deles veem a igreja como mais um clube social do que qualquer
outra coisa. Mas, mesmo assim, quem acima de seis anos ficaria
feliz em participar de um “Clube do Papai Noel”ou “Clube dos
Coelhinhos da Páscoa”? Os Cristãos precisam reconhecer o fato de
terem sido enganados e depois verem se alguma coisa pode ser
recuperada de sua religião. Mantenha o clube social, faça trabalhos
de caridade, ajude os pobres – apenas se desfaça da falsa
metafísica.
​Pergunta: "Eu li todos os seus pontos e, embora não tenha nada
a dizer em resposta, sinceramente não me importo. Você tem sua
opinião, eu tenho a minha e nunca vou mudar de ideia.”.
​Resposta: Então, boa sorte a você, meu amigo!

Mídia, governo e Hollywood


​ então, talvez outra pergunta venha à mente: por que não
E
ouvimos nada sobre tudo isso antes? Certamente, se o caso fosse
tão convincente, poderia dizer que nós o teríamos visto em filmes,
ouvido notícias sobre ele ou teríamos sido ensinados nas escolas.
E, no entanto, em nenhum lugar – nem mesmo em nossas
universidades – ouvimos esse assunto sendo discutido. Por quê?
​Esta é uma pergunta esclarecedora. Precisamos perguntar o
seguinte: quem teria incentivo para examinar a verdade sobre todo
esse assunto? Cristãos, obviamente não. Ninguém na hierarquia
Cristã quer que as pessoas explorem a verdade, embora seja
bastante provável que muitos deles a conheçam. Uma vez que você
tem uma organização em funcionamento, salários a pagar,
hipotecas, faturas mensais e impostos, você precisa de toda a
empresa para continuar funcionando. Os Cristãos têm todos os
motivos para sustentar a farsa, não para chegar ao fundo dela.
​Os Judeus também não têm interesse na verdade aqui. Como os
"bandidos" na história da fraude, Paulo e amigos ameaçam lançar
uma luz negativa sobre todos os Judeus. Isso é particularmente
verdadeiro quando analisamos a história de milênios de comentários
críticos sobre os Judeus, conforme discutido no capítulo quatro.
Qualquer descoberta desses fatos exigiria muitas explicações sutis,
para dizer o mínimo. Em vez de admitir uma mentira Judaica, os
Judeus atuais preferem não abordar o assunto. Particularmente,
quando milhões de sionistas Cristãos estão ideologicamente do seu
lado. É simplesmente uma situação sem saída para os Judeus e
eles deixam acontecer.
​Pode-se pensar que os Muçulmanos estariam ansiosos para
criticar os Judeus e o Cristianismo e expor qualquer farsa. Sim e
não. O Islã, é claro, faz parte da linhagem abraâmica e, portanto, é
ligado ao Judaico-Cristianismo, quer goste ou não. O monoteísmo
Muçulmano deriva, por fim, do monoteísmo Judaico, assim como é
para o Cristianismo. Todas as religiões abraâmicas adoram o Deus
Judaico, os Muçulmanos simplesmente mudaram seu nome.
​Além disso, o Islã aceita Jesus como "profeta" e até concede a
ele um tipo de classe divina – embora eles neguem sua
ressurreição. O Alcorão tem várias passagens interessantes sobre
ele. Jesus (Isa) realiza milagres, mas apenas com a "permissão" de
Ala (III.49, V.110). Os Judeus nem o mataram, nem o crucificaram
(IV.157), e, assim, ele não morreu como um mártir. Em um milagre
particularmente impressionante, o Alcorão afirma que o menino
Jesus falou imediatamente após o nascimento: “Ele disse:
“Certamente eu sou um servo de Ala, ele me deu o livro e me fez
um profeta, fez-me abençoado... ’” (XIX.30-31). Os muçulmanos,
portanto, não podem aceitar nem um Jesus mítico nem um Jesus
meramente histórico; eles precisam de um milagreiro semidivino
também.
​Os governos são nominalmente neutros em relação à religião,
especialmente nos Estados Unidos com sua famosa "separação
entre igreja e estado", portanto, eles deveriam ter interesse apenas
na verdade histórica. Quando elaboram currículos escolares para
milhões de crianças de escolas públicas, fica claro que deveriam ao
menos apresentar uma alternativa miticista à ortodoxia tradicional,
como uma linha de pensamento. Mas essas informações ainda não
apareceram em qualquer texto público, que eu saiba.
​Mas há uma razão mais profunda, acho eu, para o porquê deles
evitarem criticar o Cristianismo. Os governos, em todos os lugares,
querem populações condescendentes. Eles querem cidadãos que
respeitem a autoridade sem questionar, sigam as leis, aceitem seu
poder e não sejam muito inquisitivos. Eles gostam de pessoas que
simplesmente têm fé no governo e que “confiem” cegamente neles.
E no Cristianismo os governantes encontraram uma ideologia que
pode servir aos seus interesses. Eles podem usar a história do
“Jesus pacífico” – “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.”, “Se
alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra.”, Jesus
como “nossa páscoa” (I Coríntios 5: 7) ou nosso “pastor” (João
10:11), seguidores como “cordeiros” (Marcos 6:34, João 21:15) – ao
mesmo tempo que dirigem qualquer tom militante ao “diabo” de sua
escolha. Os governos não têm interesse em entregar esse jogo.
​Faculdades e universidades são um pouco melhores, geralmente
com painéis ou palestrantes que desafiam a visão Cristã. Mas a
“Tese do antagonismo” é particularmente difícil de discutir, pois
culpa os Judeus e qualquer conversa negativa sobre eles leva ao
risco de ostracismo ou coisa pior, mesmo em nossas universidades
"liberais" e de "liberdade de expressão”.
​A nossa mídia irreverente e os cineastas de Hollywood – aqueles
que estão tão dispostos a cometer sacrilégio contra qualquer norma
social ou padrão moral? Suspeito que isso tenha algo a ver com o
extenso papel desempenhado pelos Judeus americanos. Não é
controverso que Hollywood tenha sido dominada pelos Judeus por
décadas. Um artigo relativamente recente no LA Times menciona
Judeus como chefes de quase todos os grandes estúdios de
Hollywood[87]. E não é apenas o ramo de filmes, todos os principais
conglomerados da mídia têm uma forte presença Judaica no topo da
administração. Se eles decidirem que a malevolência Judaica no
centro da história Cristã "parece ruim", obviamente não a abordarão
– nem nas notícias, nem na TV, nem nos livros [88].
​Às vezes, é claro, ouvimos sobre as controvérsias relacionadas à
Jesus em nossa mídia, mas sempre de maneiras cuidadosamente
elaboradas. Um bom exemplo veio durante a Páscoa de 2017, em
um artigo no site britânico Guardian.com, escrito pelo professor da
Universidade de Cambridge Simon Gathercole [89]. O subtítulo diz
que “alguns afirmam que Jesus é apenas uma ideia e não uma
figura histórica real”. "Mas", acrescenta, "há muitas evidências
escritas para sua existência". Gathercole diz que as evidências para
um Jesus histórico estão "estabelecidas e difundidas há muito
tempo". “Em algumas décadas” – se 60 a 80 anos contam como
“algumas décadas” – Jesus é “mencionado por historiadores Judeus
e Romanos” – na verdade, um Judeu (Josefo) e um Romano
(Tácito), por um total de aproximadamente dez frases. As
evidências, diz Gathercole, "são precoces e detalhadas", citando as
cartas de Paulo e os evangelhos, mas já vimos muitos problemas
com estas evidências e, de qualquer forma, elas não contam como
independentes. "Também é difícil imaginar o porquê dos escritores
Cristãos inventarem um salvador completamente Judeu em uma
época e lugar onde havia forte suspeita contra o Judaísmo." Na
verdade, não é nada difícil: os escritores “Cristãos” eram Judeus
que estavam tentando construir uma igreja antirromana baseada em
um Deus Judeu e um salvador Judeu. Eles só tinham que ter
certeza de que o inimigo era "o diabo" e não “Roma".
​Quando questionado sobre a atual controvérsia sobre a
existência de Jesus, Gathercole cita apenas o francês Michel Onfray
e habilmente evita a menção de qualquer outro cético. Ele cita dois
pseudocéticos – Maurice Casey e Bart Ehrman – declarando
qualquer abordagem mitológica como "pseudoacademicismo".
Quando questionado sobre qualquer evidência arqueológica de
Jesus, ele oferece algumas palavras confusas sobre Cleópatra e o
Sudário de Turim, apenas para concluir que "os documentos
[Epístolas, Evangelhos, Josefo, Tácito] formam a evidência mais
significativa" – o que é uma virtual admissão de falha, como
Gathercole bem sabe, não há evidências físicas. No final, ele nunca
deixa clara a distinção entre o Jesus histórico (o homem) e o Jesus
bíblico (o Cristo). Podemos aceitar o homem, mesmo que haja
pouquíssima evidência real, mas não podemos aceitar nenhum dos
relatos bíblicos milagrosos. E apenas o homem, como eu já disse
várias vezes, significa o fim do Cristianismo [90].

Para onde, Cristianismo?


​ u encerro minha argumentação. De toda forma, e apesar dos
E
protestos contrário, o Cristianismo realmente parece ser "fábulas
artificialmente compostas” (II Pedro 1:16) – uma mentira, uma farsa
– imposta às massas inocentes e crédulas unicamente para o
benefício de Israel e dos Judeus. Jesus talvez tenha falado a
verdade quando disse: "Eu não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel.” (Mateus 15:24) e até mesmo algumas
palavras verdadeiras escaparam da boca de Paulo, enquanto
esperava "o número total de gentios [entrar]” para que então "...todo
o Israel será salvo..." (Romanos 11:26). Mas é no evangelho de
João que lemos uma das declarações mais bruscas da verdade, em
que Jesus diz: “Vós [gentios] adorais o que não sabeis; nós
adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos Judeus."
(João 4:22). Nós sabemos o que estamos fazendo, dizem os
Judeus. Vocês, Cristãos gentios, nem sabem o que estão adorando
– que de fato somos nós e nosso Deus, mas está tudo bem, apenas
deixe tudo para nós, " ...a salvação vem dos Judeus”.
​Mas é Paulo a verdadeira estrela do show. Ele surge como um
mentiroso magistral e astuto – um dos maiores de todos os tempos
na história do mundo, um homem que pôde mentir impunemente
sobre a alma, a vida após a morte, Deus, tudo. Esse patife sem
princípios, que admite ser "todas as coisas para todos os homens",
faria ou diria qualquer coisa para ganhar seu "reino de Deus" aqui
na Terra. Seus gritos tristes de "Eu não minto!" são revelados como
nada além de um mentiroso inveterado apanhado em flagrante.
​ eixe-me encerrar citando Nietzsche, mais uma vez. No final de
D
O Anticristo, ele condena brutalmente o mentiroso, enganador do
mundo, destruidor de almas, São Paulo:

Então Paulo apareceu – Paulo, o ódio dos intocáveis contra


Roma, contra o "mundo", tornou-se carne, tornou-se gênio, o
Judeu, o eterno Judeu errante par excellence. O que ele
imaginou foi como alguém poderia usar o pequeno movimento
Cristão sectário separado do Judaísmo para acender um 'fogo
mundial'; como, com o símbolo de 'Deus na cruz', alguém
poderia unir todos os que estavam na base, todos os que eram
secretamente rebeldes, toda a herança da agitação anarquista
no Império, em um tremendo poder. "A salvação é dos Judeus.”

O Cristianismo como uma fórmula com a qual se pode


superar os cultos subterrâneos de todos os tipos, os de Osíris,
da Grande Mãe, de Mitra, por exemplo – e uni-los: nessa
percepção reside o gênio de Paulo. Seu instinto estava tão
certo disso que ele pegou as ideias com as quais essas
religiões de chandala[91] fascinavam e, com violência
implacável, as colocou na boca do “Salvador”, que ele havia
inventado, e não apenas em sua boca – ele fez algo dele que
um padre de Mitra também podia entender.
Este foi o seu momento em Damasco: ele compreendeu que
precisava da crença na imortalidade para privar o “mundo” de
valor, que o conceito de “inferno” se tornaria mestre mesmo
sobre Roma – que com “o além” se mata a vida. (sec. 58)
​Com seu "Jesus" e sua "vida após a morte" fabricados, Paulo
drenou todo o valor deste mundo, o mundo real. Transformou os
crentes em cordeiros fracos e subservientes, cujas vidas são
orientadas em torno dos ditos fabricados de um rabino marginal e de
um missionário de Jeová, o Deus invisível dos Judeus. Demorou
algumas centenas de anos, mas quando pessoas suficientes caíram
na brincadeira, isso ajudou a derrubar o Império Romano. E quando
as pessoas – muitas pessoas – ainda acreditam nisso, mesmo
depois de dois mil anos, não podem deixar de degradar a
sociedade, sobrecarregando-nos, impedindo-nos de alcançar aquilo
de que somos capazes, aquilo que só foi sugerido na grandeza de
Atenas e Roma, e tudo pela salvação dos Judeus.
​Jesus Salva. Eu realmente acredito nisso. Jesus – o verdadeiro e
sua verdadeira história – um dia nos salvará de um pesadelo de dois
mil anos de idade. Como ele mesmo disse: "E conhecereis a
verdade, e a verdade vos libertará.” (João 8:32). Então, ele
realmente merecerá seu título como o homem mais famoso da
história.
Apêndice B: Uma crítica ao Zelota
de Aslan (2013)

A ideia de que Jesus era um rebelde contra o Império Romano é


antiga. Ela pode ser traçada até, aproximadamente, o trabalho de
Reimarus na década de 1770 e foi repetida na década de 1960 por
S. G. F. Brandon em livros como Jesus and the Zealots.
Recentemente, ela foi articulada novamente, no livro de Reza Aslan,
Zealot. Este tem uma semelhança superficial com a “Tese do
antagonismo” que promovo neste livro, e por isso me sinto
compelido a fazer uma breve análise e crítica. Apesar dos pontos de
concordância, Aslan perde inteiramente o objetivo principal do livro.
​Como de costume nesses livros, devemos começar com o autor.
Aslan é um muçulmano, que se tornou Cristão, que se tornou
muçulmano. Tem um doutorado em sociologia moderna e ensina
escrita criativa na UC-Riverside. Publicou dois livros anteriores
sobre religião com grandes editoras (não acadêmicas) e, portanto,
possui alguma reivindicação de especialista, embora certamente
não seja uma convencional.
​Do lado positivo, Aslan vê Jesus estritamente no sentido
histórico, como um homem Judeu que se rebelou violentamente
contra o domínio Romano e contra os Judeus da elite que era a
favor desse domínio. No fim dos anos antes de Cristo e começo da
contagem atual, diz ele, foi um período de convulsão social e revolta
pelas várias tribos Judaicas. Jesus fazia parte desse fermento,
procurou expulsar os Romanos e restabelecer o domínio Judaico de
acordo com a ortodoxia deste. Como um Zelota, ele acabou sendo
preso e crucificado. Após sua morte, seus seguidores – os 11
apóstolos, Paulo e alguns outros como Marcos e Lucas –
construíram uma versão de sua vida que se encaixava em suas
necessidades particulares. Tudo isto é consistente com minha
própria tese.
​Mas há vários pontos divergentes em relação à minha
abordagem e várias fraquezas independentes no livro de Aslan,
consideremos as divergências em primeiro lugar. Dos evangelhos,
Aslan com razão diz: “os evangelhos não são, nem jamais deveriam
ser, uma documentação histórica da vida de Jesus. Esses não são
relatos de testemunhas oculares das palavras e ações de Jesus
registradas por pessoas que o conheceram” (p. XXVI) – o que é
verdade. Ele observa sua natureza pseudepigrafia, mas
imediatamente acrescenta que tais obras "não devem ser
consideradas falsificações", não explicando o porquê disso. Se os
contos são conhecidos como falsos, mas são retratados como
verdadeiros e publicados com um nome falso, então isso é uma
falsificação. Aslan não considera essa opção porque confia nos
evangelhos como verdade literal, em contradição com a visão que
acabamos de citar.
​Mais tarde, ele repete o mesmo erro, negligenciando
inteiramente a possibilidade de falsificação. “Todas as histórias
milagrosas de Jesus foram enfeitadas com o passar do tempo e
preenchidas com significado cristológico e, portanto, nenhuma delas
pode ser validada historicamente” (p.104) – verdade, mas isso
ocorre porque são construções ficcionais, o que ele não admite ou
nem considera.
​Paulo não aparece no livro até muito tarde e depois desempenha
apenas um papel relativamente menor. Ele observa, corretamente,
que o Jesus de Paulo é "quase inteiramente de sua autoria", mas
nunca consegue atribuir qualquer culpa ao Paulo. Na leitura de
Aslan, Paulo é sempre um sujeito inocente e honesto, que apenas
está fazendo o seu melhor para construir uma igreja como acha
adequado, nunca mentiu. No mundo de Aslan, ninguém tem
nenhuma intenção maliciosa, ninguém faz nada de ruim ou errado,
ninguém é culpado por nada.
​Há problemas estruturais também, Aslan relembra
detalhadamente o relato do NT sobre as coisas, em um formato
muito novelesco, como se tudo lá mencionado fosse confiável e
verdadeiro. Ele repete The Jewish war e Antiquities of the Jews de
Josefo em mais detalhes, novamente aceitando praticamente tudo
como está escrito. Não considera a visão de colegas céticos ou
críticos, exceto em uma seção longa, desconectada e não
convencional em “Notes" no final do livro, que não se refere à
nenhuma "nota" específica no texto.
​Sua sabedoria acadêmica também está em questão. Além das
passagens bíblicas, quase não há citações exatas (fonte e número
da página) em todo o livro, incluindo as "notas". As citações que ele
tem são principalmente do tipo preguiçoso – referências simples a
um título de livro ou artigo, sem detalhes ou citações. Seu
antecessor mais importante e óbvio, S. G. F. Brandon, é quase
invisível, uma listagem na bibliografia e duas menções nas notas.
Esta é uma sabedoria muito pobre, da mesma forma, não há
menção aos principais estudiosos céticos: nada sobre Price,
Thompson, Wells ou Doherty, nem mesmo Bart Ehrman. Não há
nenhuma menção a Nietzsche.
​O livro é destinado a um público popular, mas se parece muito
com um romance de ficção para ser levado a sério. Está repleto de
afirmações sem fundamentos, especulações e alegações simples
que são questionáveis. Seu retrato dos eventos parece uma novela
– o que talvez seja, mas pelo menos Aslan deveria admitir isso, mas
em vez disso, ele a coloca como a provável verdade.
​Isso é uma pena, porque a tese geral está correta: Jesus
possivelmente era apenas um homem, um rabino Judeu, que
defendia os pobres e oprimidos e morreu por isso. Além desse mero
esqueleto de uma vida, não podemos dizer quase nada sobre o
verdadeiro Jesus – e, no entanto, Aslan oferece páginas e mais
páginas do que Jesus “disse” ou “fez”.
​As muitas fraquezas permitem que os críticos separem o livro,
evitando o tema central válido. Um revisor crítico, Craig Evans,
afirma que Aslan "depende muito de uma tese desatualizada e
desacreditada”[92] – a tese dos Zelotas – mas sem nos dizer o
porquê ou como ela está "desatualizada" e "desacreditada". Só
porque é velha, isso não a torna "desatualizada" e só pode ser
"desacreditada" pela argumentação e uma teoria superior, que eu
acho que não existe. Certamente o relato bíblico, com suas
inúmeras inconsistências, incoerências e falsidades de patentes,
não é uma teoria superior, não chega nem perto disso.
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Post (Oct 18). (artigo de revista, sem tradução)
Contracapa:

Jesus de Nazaré é um dos homens mais famosos da história. Há


boas razões para acreditar que ele caminhou pela terra há dois mil
anos e, eventualmente, foi crucificado.
​Mas e se Jesus Cristo, o filho de Deus, nunca existiu? E se o
divino, nascido de uma virgem e ressuscitado for um mito, uma
mentira – até mesmo uma farsa? Isso teria grandes implicações
para a Cristianismo atual, seria a descoberta de uma gigantesca
mentira no coração da religião de dois bilhões de pessoas.
​Neste livro, o Dr David Skrbina apresenta uma profunda e
impressionante teoria: que São Paulo e um grupo de amigos
construíram a “farsa de Jesus”. Eles pegaram um núcleo verdadeiro
sobre Jesus, o homem, e o transformaram em um ser divino
salvador da humanidade. Eles o fizeram como uma forma de atacar
o odiado Império Romano e desfazer sua força entre as pessoas
comuns. A absoluta falta de evidências corroborativas para o assim
chamado Jesus Bíblico e o fato de que documentos-chave, como os
quatro evangelhos, foram escritos décadas após os eventos, tudo
sustenta essa teoria.
​Todos, independente de crenças religiosas, precisam saber
dessa impressionante história. Isso não é apenas uma história
antiga, ela tem várias implicações em diversas áreas da vida
moderna.

David Skrbina, PhD, é professor de Filosofia na Universidade de


Michigan em Dearborn.
[1]
NT: Usei o nome da Jail free card do jogo Monopoly traduzido
para o português.
[2] O Problema do mal foi reconhecidamente criticado pelo filósofo David Hume na
parte 10 de seus Diálogos sobre a religião natural (1778). Críticas mais recentes incluem
as de John Mackie em seu artigo: Mal e onipotência (1955) e, em uma linha mais popular,
as de B. C. Johnson em seu ensaio: Deus e o problema do mal.

[3] Não ajuda em nada dizer que Deus está nos “testando”. Ele nos criou como somos
e sabe o futuro, portanto não pode ser um teste.
[4] Com a possível exceção do Panteísmo, que afirma que o universo, em sua
totalidade, é Deus.
[5] Esta possibilidade é de fato descrita em Mateus (27:64 – 28:15). O evangelho diz:
“Esta história [do corpo roubado] tem sido espalhada entre os Judeus até recentemente.”
[6] Alguns títulos recentes incluem Nailed, de D. Fitzgerald (2010); Jesus Christ, a
pagan myth, de S. Dalton e L. Dalton; Jesus never existed, de K. Humpreys (2014);
Caeasar’s messiah de J. Atwill (2011); The christ conspiracy, de Acharya S (1999); There
was no Jesus, de R. Lataster (2013); Atheist manifesto, de M. Onfray (2007).
[7] Há exceções, é claro. Hitler, nazistas ou “terroristas” islâmicos ainda são alvos
livres, por exemplo.
[8] De acordo com a lenda, Abrahão teve dois filhos: Isaac, que deu origem à linhagem
dos Hebreus, e Ishmael, pai dos árabes.
[9] Alguns historiadores argumentam que Abrahão e Moisés são figuras míticas que
nunca viveram, mas deixarei esta questão de lado.
[10] Uma segunda referência à Israel, e à Casa de David, vêm com a recente
descoberta da Estela de Tel Dan, datada em torno de 850 a.C. Isso possui conclusões
similares.
[11] As citações são do artigo Deconstructing the walls of Jericho, da revista Ha’aretz,
de 29 de outubro de 1999.
[12] “A maioria dos historiadores hoje concorda que, na melhor das hipóteses, que a
vivência no Egito e os eventos do Êxodo ocorreram entre algumas famílias e que sua
história privada foi “nacionalizada” para se encaixar na necessidade de uma identidade
teológica. Há um documento egípcio posterior sobre um evento similar, escrito pelo sumo
sacerdote Manetão, do século III a.C., que chega a uma conclusão similar. Como dito
novamente por Lindemann, “Os judeus saíram do Egito porque eles, um bando de
imigrantes sem posses e indesejáveis que haviam casado com a população escrava,
tinham várias doenças contagiosas”. Os judeus, portanto, foram expulsos “por motivos de
higiene pública”. Em suma, “o conto do Êxodo é uma falsificação absurda do evento real,
uma tentativa de cobrir a origem embaraçosa e ignóbil dos judeus” (Lindemann 1997:28.
Tradução nossa.)
[13] Lembre-se desta passagem: “Porque povo santo és ao Senhor teu Deus; o
Senhor teu Deus te escolheu, para que lhe fosses o seu povo especial, de todos os povos
que há sobre a terra.” (Deuteronômio 7:6). Fiz uma analise a respeito disso no capítulo
quatro.
[14] Deportações em massa ocorreram em 61, 55, 52 e 4 a.C. Para mais, veja
Fairchild(1999: 519).
[15] Os outros sendo os fariseus, saduceus e essênios.
[16] Eu discuto a evidência sobre Paulo adiante. Para detalhes de Jesus como um
zelota, veja Brandon (1967) ou Aslan (2013). Eu faço uma crítica ao livro de Aslan no
Apêndice B deste livro.
[17] De acordo com Philo (In Flac l.1). Veja também Eusébio, Ecc Hit II.5.
[18] A History of Jewish People (1976, p 254-255. Tradução nossa).
[19] Logo, ele teria nascido no ano 3 a.C. Se aceitarmos a tradição de que ele nasceu
no ano 0, então a crucificação teria ocorrido no ano 33 d.C.
[20] In Flac IX 65-71.
[21] O AntiCristo, sec 44 (Ludovici, trans. Tradução nossa.)
[22] As traduções das passagens do evangelho, neste livro, foram retirados do site
disponível em: < https://www.bibliaonline.com.br/>. Acesso: 30 ago. 2020.
[23] Refere-se à páscoa judaica, também conhecida como “Festa da Libertação”.
[24] Se Deus era seu ‘pai’, continuava sendo o Deus judaico, Jehovah. De qualquer
forma, o pai de Jesus era Judeu.
[25] [NT: o termo original, Zealot, pode ser tanto um adjetivo quanto um substantivo
cujo significado já foi explicado no livro].
[26] Para detalhes sobre o caso de Paulo ser um Zelota, ver Fairchild (1999).
[27] A maioria dos estudiosos concordam que Atos foi escrito pelo mesmo autor de
Lucas, na mesma época.
[28] Com talvez uma exceção, em I Coríntios 11:24, Paulo cita Jesus, referindo-se ao
pão como seu corpo e ao vinho como seu sangue. Fora isso, ainda é verdadeiro que não
há citações de Jesus por Paulo.
[29] Marcos, Mateus e Lucas são chamados de evangelhos “sinópticos” por conta de
sua considerável sobreposição. Eles têm muito em comum, mas também muitas diferenças
notáveis.
[30] Esse tipo de fala é espelhado, mais tarde, no livro do Apocalipse (de João), no
qual lemos sobre os judeus e sua “Sinagoga de satã”. (2:9, 3:9).
[31] Dunn (1992: 201. Tradução nossa).
[32] Coogan (2007: 147. Tradução nossa).
[33] Burkett (2002: 215-216. Tradução nossa.).
[34] Supostamente foi Lucas.
[35] Os dois incidentes são repetidos em Mateus (14:13 e 15:32). Lucas e João
apenas reportaram o primeiro caso.
[36] Isto foi após João documentar os oito milagres.
[37] Ele vivia em Alexandria, não na Palestina. Mas, segundo o próprio, visitou
Jerusalém algumas vezes.
[38] Atos contêm algumas referências a Pedro e João, mas pouco conteúdo que possa
ser verificado.
[39] Um terceiro trabalho importante, Contra Apion, foi escrito perto do fim de sua vida,
por volta do ano 100.
[40] A cópia completa mais antiga do livro data dos anos
1000.
[41]
Marcos (6:3) também menciona um irmão Tiago, junto
com os irmãos Josias, Judas e Simão.
[42] (1997: 134. Tradução nossa.).
[43] (ibid: 135. Tradução nossa.)
[44] Em Stern (1974: 10. Tradução nossa.)
[45] Em Gabba (1984: 629. Tradução nossa.)
[46] (1984: 635. Tradução nossa)
[47] Em Stern (1964: 82-83. Tradução nossa)
[48] Valério Máximo, Facta et Dicta (1.3.3. Tradução nossa)
[49] (1984: 645. Tradução nossa)
[50] Em Stern (1974: 155-156. Tradução nossa).
[51] Em Stern (1974: 155). Ver também Contra Apionen, II.148
[52] Em Stern (1974:197).
[53] HL, 34, 1. Também ver Stern (1974: 183. Tradução nossa).
[54] Em Stern (1974: 384-385. Tradução nossa)
[55] Como registrado por Suetônio. Ver Stern (1980: 112-113. Tradução nossa).
[56] Divus Claudius, 25:4. Também ver Stern (1980: 113. Tradução nossa)
[57] Em Stern (1974: 431. Tradução nossa)
[58] Em Stern (1974: 513. Tradução nossa).
[59] Em Stern (1974: 531. Tradução nossa).
[60] Essas duas últimas citações são de um trabalho suplementar, agora chamado
Fragments of Histories. Sua data é incerta.
[61] Historiae Augustae, 14. Ver também Stern (1980: 619). (Tradução nossa).
[62] Roman History 69.13. (Tradução nossa).
[63] Ver também Stern (1980: 165). (Tradução nossa).
[64] Relembre minha curta argumentação no capítulo 1
[65] Lembre-se dos comentários de Tácito no capítulo quatro, no qual ele observa a
animosidade entre palestinos e Judeus.
[66] Para uma maior compreensão de Aquenáton e sua filosofia, veja Son of god, Son
of the sun, de Savitri Devi (2015)
[67] O Anticristo, sec 42. (Tradução nossa)
[68] Nietzsche, O AntiCristo, (sec. 44) No alemão original: kleine Superlativ-Juden
[69] Ver Skrbina (2015: 19-20. Tradução nossa).
[70] Lutero (1955, vol 47: 253. Tradução nossa.).
[71] Kant (1798/1978: 33. Tradução nossa.) e (1997: 34. Tradução nossa),
respectivamente.
[72] Schopenhauer (1851/1974, vol 2: 357. Tradução nossa).
[73] O Anticristo, sec. 44.(Tradução nossa)
[74] Minha luta (volume único): cap. 10.4, cap. 2.25 e cap. 11.12, respectivamente.
[75] De 13 de Maio de 1943. (Tradução nossa).
[76] Em Hertzberg (1968: 301). (Tradução nossa).
[77] Tenho usado a palavra “conluio” ao longo deste texto. Acredito ser a palavra
correta. Um conluio é “um pequeno grupo de pessoas secretamente unidas para causar
uma revolução ou usurpar o poder, especialmente em questões públicas.” Esta é uma
descrição perfeita de Paulo e seu grupo.
[78] Paulo é famoso por ter se auto declarado um “Apóstolo dos Gentios” (Romanos
11:13, Gálatas 1:16).
[79] Esta frase recentemente voltou à tona com a publicação do controverso livro de
Aslan, “Zealot” (2013). Veja minha discussão no Apêndice B
[80] (1967: 169. Tradução nossa.)
[81] (1967: 182. Tradução nossa.)
[82] (1967: 202. Tradução nossa.)
[83] (1968: 88. Tradução nossa.)
[84] (1968: 101. Tradução nossa.)
[85] Price (2014: 129. Tradução nossa.)
[86] Gálatas 5:14; Romanos 13:9; Marcos 12:31; Mateus 19:19, 22:39; Lucas 10:27.
[87] How Jewish is Hollywood, de Joel Stein (10 dez. 2008).
[88] Para uma análise interessante do papel dos judeus na mídia, veja Dalton (2015:
264-268)
[89] Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2017/apr/14/what-is-the-
historical-evidence-that-jesus-christ-lived-and-died>. Acesso em: 29 ago 2020.
[90] Eu entrei em contato com The Guardian e ofereci, como um outro acadêmico, um
artigo em resposta ao Gathercole. Nunca fui respondido.
[91] Termo hinduísta para designar a pária, casta inferior.
[92] Christianity Today, agosto de 2013.

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