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Paula Máximo

Prefácio?
Será que numa breve apresentação conseguirei dizer quem sou?
Passo à tentativa:

O Meu primeiro fôlego de vida foi-me concedido em 1966 no início


do belo mês de Setembro.
O meu nome: Paula Maria Zacarias Máximo
Os meus cinco sentidos funcionavam plenamente até fins de 1989,
isto se não levarmos em conta o misterioso e oculto sexto sentido.
Fim de 1989 ceguei totalmente e lá se foi um dos principais sentidos.
Durante o ano de 1990 comecei a fazer apontamentos manuscritos,
para não esquecer os poucos anos de escolaridade, faço isso até
hoje.
Amontoei, juntei e guardei cuidadosamente todos os pedacinhos de
papel sarrabiscados, escrevi sobre tudo e de tudo. No início de 1998
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fiz a tentativa de coordenar os meus pensamentos junto com os meus
sentimentos e observações efectuados, e então foi este texto que
floriu.
Aqui, está claramente exposto os altos e baixos ocorridos em mim,
quer em sentido físico, quer mental e também intelectual.
O amigo para quem falo escrevendo, é (guardião) discreto e assim
coloco tudo o que existe em mim, junto do seu ser.
Seu nome? És Tu amigo...

Olá Amigo!
Fica desde já a promessa de te falar nas imensas belezas da
Vida.
Idealizemos...
... Chegar a casa ao fim de um dia de trabalho ou de escola, já
cansados por mil e um motivos, os transportes, a agitação da
cidade, as pessoas sem saber o que fazer já desalentadas,
enfim o stress.
Então chegamos, e encontramos um dos nossos parentes de
mais idade com um sorriso de... " Boa noite filha ", isto
juntamente com uma saborosa sobremesa confeccionada com
o maior dos carinhos para nós, outras vezes estão sentados
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comodamente, tricotando umas pantufas de lã bem quentinha.
Não há dúvida de que os nossos corações se encherão de alívio
e felicidade, por ver tão bem-estar nessas pessoas.
À mesa, durante a refeição, escutamos histórias que nos fazem
crescer psicologicamente, ou então experiências vividas por
cada um que nos ajudam a amadurecer intelectualmente...

Querido Amigo não te parece que este cenário pertence às


situações justas e doces que a vida nos proporciona?
Outra forma de alegrar os nossos velhinhos seriam os jovens e
os adultos mais fortes transportarem terra, sim muita terra,
terra essa, que fosse cuidada, onde se plantariam árvores, e se
colocariam bancos nas sombras projectadas, enfim tudo
ficaria encaminhado para que os mais idosos ou os mais
debilitados continuassem a tarefa, e transformassem, dentro
das suas possibilidades, esses espaços, em agradáveis jardins,
onde cuidariam das pinturas naturais do criador…as flores.

Como se cuida de uma flor?


Principalmente falando com ela e acariciando-a ao mesmo
tempo.
A seguir os velhinhos podiam sentar-se e então dialogar uns
com os outros, isto enquanto o quentinho do dia estivesse
presente, claro, haveria sempre jogos adaptados a eles, dessa
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forma sempre os veríamos activos e bem-dispostos.
Com toda a certeza seriam super criativos e divertidos.
Máxima conclusiva: " Meu Deus o que se aprende com os
velhinhos! "

Mas Analisemos um dos muitos pontos da sublime vida, vida


esta de que te vou falar, que insiste em se oferecer injusta e
amarga, estou a falar dos seres humanos hospitalizados.
Acredita, pois é verdade, a começar pelos tratos humanitários,
desde a limpeza, ao aspecto das paredes, sim paredes
deslavadas, com uma decoração pior ainda, a bem dizer cheias
de imagens deprimentes, tais como: Jesus Cristo morto em
sacrifício. Não saberão eles que esse sacrifício foi para livrar
a Humanidade do sofrimento e não como eles dizem:"...Temos
de sofrer assim como Jesus sofreu... ". Quão errados estão!
Ao fim de duas noites no hospital percebi que daquele espaço à
loucura nos distancia um pequeno passo.
Com os punhos, muito, muito apertados, e com os olhos muito,
muito fechados e a cabeça completamente inclinada para
baixo, pedi a Deus, ao Deus verdadeiro de seu nome Jeová:
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" Ajuda-me querido e amado Deus para que eu tenha força de
me manter consciente e não me deixes passar para o outro
lado, o lado de lá, a loucura..."
Disse também..."...Obrigada por me manteres consciente,
perdoa-me, e ajuda-me, ajuda-me por favor.
Eu adoro-te meu Deus..."
Depois fico a chorar, mas mais calma. Na verdade tenho muito
medo da actual medicina, não consigo escutar um doutor como
se o que diz fosse o correcto.
Lembro-me muitas vezes querido Amigo o que no me disseste e
dizes: “Pior do que ficar sem andar é morrer”. Estás certo,
mas o medo, o pavor, a tristeza desesperante toma conta de
mim e fico apenas com energia para me movimentar o
suficiente.
Fico sem saber se valerá a pena o esforço de ir, de estar e
tornar a vir para casa do trabalho secular.
Por vezes queria estar continuamente apática, para não ter de
pensar ou de resolver este tipo de assuntos.
- Meu querido Deus ajuda-me a chorar, sinto-me aflita,
preciso gritar, estou há alguns dias a esforçar-me para tirar
este medo da minha vida, mas ele é muito forte, sinto que a
carga que estou a suportar está pesando demais.
Não chegaria apenas a cegueira? Não, não chega, pois tenho
de suportar uma violenta doença crónica chamada diabetes,
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também uma insuficiência renal, uma hiper-tensão e agora a
aflição da insensibilidade nos dedos das mãos e dos pés, pelo
qual me é muito difícil encontrar o equilíbrio e dessa forma
não poder andar como desejava pelas ruas da cidade.
Apesar de tudo quando penso na cidade, na minha vida vejo-
me a implorar dizendo... – " Espera-me, escuta-me, leva-me
contigo, deixa-me pertencer ao teu núcleo, para que eu não
fique ainda mais apartada do que a minoria ao qual pertenço
está".

Desenhei a Vida apenas num só símbolo, esse símbolo é o mais


infantil que conheço, mas é no que acredito.
Numa tela está um enorme coração, está calculadamente
dividido em duas partes iguais, ele é metade branco, metade
negro e está envolto numa película cor de fogo.
A brancura transmite-nos tudo que a vida tem de brando e
doce, a negrura mostra-nos tudo que há de violento e amargo.
E o que é que nos oferece a película cor de fogo?
Oferece-nos os momentos únicos, íntimos, inesquecíveis de
uma loucura que também tem a sua suavidade, momentos esses
que já ocorreram e outros que com certeza irão ocorrer, a
fragilidade da película pode enganar-nos, porque de frágil
nada tem, ela é tão resistente como a sua exteriorização de
débil.
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Amigo há dias que amanhecem de uma forma quase mágica,
assim como este amanhecer... Repara: - Ela dorme. A brisa
matinal acorda-a com uma meiguice única. Ao abrir os olhos
sorri para um pequeníssimo fio de sol, e diz "Bom Dia", a
seguir respira fundo e então levanta-se. Veste uma calça e um
camisolão de lã bem quente, nos pés tem umas peúgas e umas
pantufas igualmente quentinhas, faz um carrapito no cabelo
que se mostra tão rebelde, mas tão delicado ao ser tocado.

Enfim está aprontada para mais um dia como tantos outros,


ela sabe que não existe nada de novo, mas já se habituou a
essa realidade.
Cada amanhecer é avidamente desejado, assim como se fosse o
tão esperado nascimento de um filho, amado e querido.
Os momentos de apatia que por vezes passa, não são de
frustração, mas sim de reflexão, não duvidem se em algum
momento a virem de cotovelos colocados nos joelhos, as mãos
ligeiramente côncavas para que acomode o rosto entre as
mãos e próximo do coração. Podem encontra-la de olhar
abstracto, muito fixo no nada, mas é quando está recheada de
uma alegria interior, não explicita nos livros. Pensa muitas
vezes e sorri de um jeito um pouco trocista, quando se
encontra em convívios sociais ao recordar os diálogos, as
observações feitas, mas tudo com pouca franqueza, uns reagem
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dessa forma para não ferir susceptibilidades, ainda outros, que
me parecem os mais infelizes, pois não usam a sinceridade,
neste cenário. Ela por vezes esquece que também pode e deve
estar a ser observada, acontece que estremece quando lhe
chamam ao ouvido e fica um pouco avermelhada, quando lhe é
dito...
- Não fiques dessa forma: Apática, abstracta, dando respostas
sem estar no contexto dos diálogos, se estás atenta a outros
assuntos assume, senão intitulam-te louca.

Levanta-se e sorri, a quem está atento á sua retirada, olha


abstractamente para todos, movimenta-se de uma forma
calculada e lenta, para não derrubar nada, nem ninguém.
Enfim está só em seu espaço, pois era tudo que mais queria.
Respira fundo de alívio, e volta a sorrir com as imagens
desenhadas na sua mente, por vezes pensa que aquele ou
aquela outra pessoa falava de assuntos interessantes, outros
pensamentos iam para aquelas pessoas que não se
expressavam com sinceridade e por essa razão ela lamentava
esses diálogos.

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Há dias que amanhecem como hoje e sente-se solidão.
Também há dias que a delicada mas Suprema Natureza a
fazem sorrir transformando o semblante em paz, assim como
por exemplo...
O dia está cinzento, chuva contínua e miudinha está na cidade,
apesar deste cenário respira-se tranquilidade.
Vai pelo passeio lentamente de forma a conseguir o equilíbrio
necessário, de carapuço na cabeça, mas alguns fios de cabelos
rebeldes escapam-se do carapuço e ficam humedecidos pela
chuva, mas não foi só isso que lhe aconteceu. Passava por um
jardim semi-abandonado e os arbustos fugiam das grades
vindo para o passeio, foi então que algumas folhitas lhe
molharam o rosto e uma bela gota de chuva desenhou-se nas
suas pestanas, que ao cair suavemente na cara, parecia uma
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lágrima de alegria, alguns passos mais e uma enorme folha
enxugou-lhe todo o rosto, parecia e sentiu como se fosse uma
carícia da majestosa Natureza.
Querido Amigo estas passagens são algumas coisas que a vida
tem de doce, mas há muitas mais.
Não te incomodes de eu te falar de beleza e logo de seguida,
falar-te de coisas lamentáveis.

Observando a mesma cidade mas num outro local...


- A cidade está submersa numa neblina muito cinzenta, mas
não falta a costumeira e desejada agitação, talvez pela época
que estamos a passar, muitas luzinhas, muitas bolinhas de
sugestivas cores que fazem qualquer rosto sorrir, em união
com o brilho do olhar, isto acontece com as crianças, com os
jovens e com todos os adultos.
Entre esse movimento infernal, ela caminha lentamente quase
parece que está contando os passos, sim era com essa paz que
andava um homem ainda jovem, com uma linda criança ao
colo. Pareceu um pouco estranho, pois o homem era muito
magro, pálido, ele vestia um fato que parecia ser verde
acinzentado era difícil discernir aquela cor, pois estava muito
gasta pelos anos de uso, quer do sol, quer da geada, não havia
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duvidas era a fome e a miséria exposta num homem. Que dizer
da bela criança? Era mesmo dona duma beleza indescritível,
um sorriso enorme desenhava-se em seu semblante desta forma
mostrava que estava alegre, os seus cabelos eram de um
doirado único. O homem parou e contemplou o céu só como
ele poderia contemplar. Observando tal cenário um tanto ou
quanto fosco, ela dirigiu-se para o homem
e viu-se obrigada a perguntar : - Diz-me por favor quem tu és,
sendo tu, dono desse sublime olhar?
Respondeu ele: - Sou de todos os humanos sensíveis, que
querem seguir e agradar a Deus o Criador de tudo e de todos.
Perguntou ela de novo: - De quem é essa criança, de uma
beleza quase divina?
Respondeu ele de novo: - É de todos aqueles que decidiram
fazer a vontade do Criador.
Foi relativamente fácil de chegar à conclusão que aquelas
duas personagens na cidade serviam para nos alertar em que
sistema social se vive: O homem mostra-nos a miséria, a fome
e a doença que não nos abandona, a linda criança dá-nos a
esperança de um sistema social perfeito, temos de ser capazes
de lutar por ele para que estas nuvens cinzentas teimosamente
estejam presentes, vamos cultivar a longanimidade, a
brandura, o autodomínio e acima de tudo o Amor a quem mais
próximo estiver de nós.
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Amigo os dias passaram, as épocas disto ou daquilo passaram,
algumas mudanças no meu espaço e a vontade de te falar foi-
se desenvolvendo na minha mente até que me pareceu não
haver mais lugar para pensamentos meus e assim converso
contigo escrevendo, que estranho falar escrevendo, mas eu sei
que tu me sentes e compreendes.
Faz já alguns dias que escuto isto...
- O azul dos teus olhos é tão importante como uma gota no
mar.
Esta frase não é minha mas penso muitas vezes nela, pois
acho-a agitadora de emoções, se pensarmos na cor azul e
envolvermos o mar e o céu com suas imensas tonalidades de
azuis, isto é, se observarmos os mares e os céus como azuis.
Sabes porque que falo assim? Porque também nossos olhos
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podem ver os mares e os céus com muitas tonalidades de
verdes majestosos.
Dessa forma atrevo-me a modificar a frase feita e original só
para meu próprio aconchego.
Amigo o verde dos teus olhos é tão importante como a
luminosidade da Natureza que me dá e nos dá vida.
Recorda esta pintura delicada, agitada, movimentada,
repousante enfim existe um enorme número de adjectivos para
designar esta tela, mas vejamos...

Dois corpos nus envolvidos em carícias ardentes, dois lábios


beijando os corpos desnudados, a respiração mutua
acentuando-se, os vidros embaciados pelo calor que os dois
corpos imitem, a união de quatro olhos amendoados, dois de
uma tonalidade verde límpido mas ardendo de paixão, os
outros dois da cor de mel, só as cores dão logo um colorido
quase erótico à tela, mas alguns longos momentos depois vê-se
na pintura os dois corpos abandonados à luz da Lua que os
ilumina com uma suavidade cheia de beleza, os cabelos negros
e longos misturaram-se com os cabelos dourados curtos que
mistificação bela.
A Lua desenhada na janela parecia copiar as posições
sensuais dos corpos exaustos de amor.
Amigo observaste que com sete cores se desenha um lindo
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quadro que visto ao pormenor tem lindos e profundos
sentimentos.
Num corpo o verde e o dourado, no outro o negro e o mel, o
prateado da Lua como iluminação e o que dizer do bronzeado
dos corpos, em contraste com um leito cor de areia, juntamente
com o brilho do suor dos corpos cheios de amor.
Vou querer esta tela para mim, vou leva-la para casa.
Sabes porque tão linda pintura apenas tem sete cores?
Porque o número sete na cábula de Deus significa perfeição,
perante esta conclusão vou mesmo fazer tudo para a adquirir.
Depois deste sonho real, deste sono verídico, a noite passou e
amanheceu.
O quotidiano implacável está presente e chegou a hora de ir
para a rua, uns para trabalhar, outros para estudar, outros
para simplesmente ir, uns correm para os autocarros, outros
com muita pressa em veículos próprios e as buzinas começam
atordoar-nos, outros de ligeiro caminhar pois estão atrasados,
um encontrões aqui, uma amachucadela ali, a manhã está viva
e bem acordada, as ruas da cidade estão cheias, ruas largas,
ruas estreitas, uns falam alto, outros falam baixo e ainda há
outros que não querem comunicar, porque não querem, os
cafés estão cheios para o tão apreciado cafezinho matinal, mas
também há os que se sentam a pequenalmoçar com calma e
dessa forma saboreando a pequena refeição mas tão
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apetecida.
São nestas pessoas que vejo tantas coisas da vida ou se
quiseres da sociedade onde estamos inseridos e olha que
embora seja muito diversificada há tanta parcialidade, vou te
contar algumas observações minhas.
Vou te falar de dois homens de duas mulheres e de dois
rapazinhos.
Um casal tinha um aspecto limpo e fresco, de trajes
quotidianos, eram bonitos e muitos simples, quando o
empregado do café se dirigiu para eles perguntando o que
queriam, o homem disse prontamente para lhes fazer o favor
de trazer duas chávenas de leite com café e dois pães com
manteiga, o empregado assim fez e o homem agradeceu.
O outro casal era de aspecto mais distinto e não havia duvida
que as pessoas olhavam para eles assim como de relanço
disfarçando, tinham igualmente a frescura e a limpeza com
eles, igual é que não era de forma nenhuma o seu trajar.
O empregado dirigiu-se à mesa do casal também perguntando
o que desejavam e fez isso de igual forma, o pedido é que foi
incrivelmente feito de uma forma diferente, no entanto pediram
exactamente as mesmas coisas, usaram estas palavras
proferidas pela mulher: - Quero duas meias de leite de café
expresso e duas meias torradas barradas apenas um dos lados
com gordura vegetal. E o empregado assim fez, mas desta vez
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não teve um agradecimento.
Entre este movimento matinal e saudável, entraram no
estabelecimento dois rapazinhos talvez de uns oito ou nove
anos, andavam a pedir, não seriam antes horas para estar na
escola?
Meu amigo mais tarde falarei deste assunto.
Os olhitos dos meninos estavam baços o que não é próprio das
crianças, acho que eram olhos de pessoas adultas que não
sonham.
Eles dirigiram-se a todas as pessoas, uns davam, outros diziam
não ter trocos, quando se dirigiram para o segundo casal, o
distinto casal, a mulher deu algumas moedas e com muita
altivez e rispidez, mandou-os embora pois estavam a
incomodá-la o homem igualmente de nariz empinado só olhava
com desaprovação para os miúdos e para os funcionários, pois
não os mandaram embora.
Continuaram com a sua ladainha de mendicidade.
Quando chegaram ao casal de que mencionei no início, o
homem disse "não ter dinheiro ", mas disse poder oferecer-lhes
a cada um uma chávena de leite com café e um pão com
manteiga.
Eles prontamente aceitam e sentados há mesma mesa começam
uma conversa agradável.
Sabes as diferenças que encontrei entre estes dois casais?
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O casal distinto vestia e calçavam produtos importados de
Itália, usavam cremes hidratantes e perfumes Parisienses,
tinham os cabelos bem tratados e pintados com perfeição, a
mulher estava maquilhada com suavidade, mas nada se
destacava, por exemplo: os olhos e os lábios estavam bonitos
mas o destaque era realmente para os artifícios, bem
projectados.
O primeiro casal, o meu casal preferido, via-se notoriamente
que seu trajar e seu calçar eram dali, daquela feira que
semanalmente se realiza, seus cabelos, suas peles hidratadas e
seus perfumes, eram daquela drogaria dali ao fundo da rua.
Naquela simplicidade, mas destacável pela harmonia entre
eles, via-se de longe o rosto da mulher lavado de
maquilhagem, mas com uns olhos cor de avelã tão límpidos e
belos e era dona de uns perfeitos lábios, pareciam ter sido
esculpidos pelo mais nobre escultor.
Estas diferenças sociais são um dos assuntos que mais penso e
acho não haver solução para eles, outro assunto que penso
muito e esse também sinto, é a falta de saúde que
desaconchega tantas pessoas, quer sejam bebés, crianças,
jovens adolescentes, adultos e idosos, de igual forma penso
não haver solução para eles, senão a adaptação e a
resignação.

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Querido amigo, sabes que se fosse possível eu gritar para além
da loucura terrena, gritar tanto até que os ossos da cabeça, os
ossos das mãos e os ossos dos pés começassem a estalar, com
certeza sentir-me-ia muito melhor, ou pelo menos mais leve e
principalmente sentiria todo meu corpo a ter uma reacção de
actividade.
Meu amigo vou falar-te, isto é, se conseguir organizar um
raciocínio coerente... No dia dezoito de Janeiro de 1999 fui a
uma consulta de rotina no serviço de Nefrologia, esse dia ficou
profundamente marcado na minha insignificante vida, digo
insignificante vida, pois sou apenas uma partícula de pó nesta
imensa terra.
O médico disse-me que segundo as análises apresentadas, eu
teria de começar a tomar as seguintes medidas para com o
meu corpo...Vacina contra a hepatite, em três vezes, e cada
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uma em dose dupla.
Fazer a fistula no pulso esquerdo, a fistula consiste em unir
uma veia a uma artéria, parece coisa muito simples e para os
médicos realmente é simples, mas para mim não, faz-me muita
impressão, não vou poder movimentar a mão e o braço
esquerdo como até então, para além disso o pulso fica um
pouco deformado, estou a pensar na estética é verdade, mas se
assim não fosse seria sinal de que já não me importava
comigo, mas como ainda me importo, vou saber se posso usar
um pulso elástico para que a fistula não fique deformada
demais. Sabes meu amigo parece que há pulsos elásticos de
várias cores, assim poderei combinar o pulso com a roupa que
estiver a usar… por fim estarei pronta para fazer a
hemodiálise.
A hemodiálise consiste em fazer a limpeza do sangue e eu
«necessito disso porque meus rins não estão a funcionar como
é preciso.
Sempre pensei e ainda não consegui varrer essa ideia na
minha mente, e da minha vida, que esse tratamento seria o
Princípio………………………………………... do Fim.
Sabes como me imagino? Semi deitada, de rosto e mãos
pálidas rosadas, com vómitos, enjoos fortes, e por fim imagino-
me a vomitar, arrepia-me pensar que por algum dos muitos
motivos poderei vir a sentir meu sangue morno a percorrer
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meus braços e minhas mãos frias quase geladas.
Sabes que penso muito nestas situações e tenho medo, mas por
estranho que pareça vou fazer tudo que o médico disser,
excepto se algum tratamento for contrário às leis de Deus, é
uma lei importantíssima a que está escrita em Actos 15:28 e 29

Amigo já te disse que gosto muito de estar só? Já te disse que


assumo o facto de gostar da solidão? Sabes como me sinto? O
meu ânimo e a minha energia vão para bem baixo, a tensão
arterial baixa, a glicose baixa, por fim a tristeza entra em mim,
por vezes no momento deste estado tenho sonolência, outras
vezes choro e penso....
- Quão bom é estar comigo com este estado de espírito, mas na
verdade poucas vezes tenho esse privilégio ou essa
oportunidade, ainda não consegui ter uma casa pequena só
para mim. Ninguém me dá o auxílio que necessito para
alcançar esse objectivo, a ajuda que preciso por vezes penso
que era apenas fazerem o contrário do que estão fazendo, era
só transmitir-me o ânimo do qual preciso, compreendo que
tenham receio pela falta de saúde que me assiste, mas será que
viver com elementos da minha família o meu sofrimento será
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minimizado?
A resposta é de uma clarividência extraordinária e sem duvida
a resposta é não.

No intuito de ilustrar meu sentimento vou te descrever outra


tela das muitas que fazem parte da minha vida.
Imagina o quadro....
Muitas pessoas, muita cor, muito barulho, enfim todos os
bonecos estavam sendo articulados ordenadamente. Havia um
grande balcão, poucas mesas e alguns sofás confortáveis.
Muitas pessoas estavam e dirigiam-se para o balcão, outras
estavam atentas a um canal televisivo, ainda outros estavam
escutando a emissora da rádio que mais preferiam, muitos
outros, em pequenos grupos desenrolavam animados diálogos.
No interim de tanta cor, luz e actividade, sobressaíam dois
personagens pintados apenas num ligeiro sombreado, quase se
tornavam neutros. Um estava em pé num local onde era
possível ver tudo e a todos, tinha uma postura calma e
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requintada, não fazia qualquer tipo de comentários, penso que
era para não se mostrar, mas não compreendi bem. O segundo
personagem estava junto ao balcão, local na tela onda a
actividade era sem duvida muito maior que em qualquer outro
local. Essa segunda sombra estava de cócoras, segurava entre
as duas mãos um copo quase vazio e fazia-o com força, parece
que tinha medo que o copo lhe fugisse, os seus olhos estavam
vidrados demais, não sei se pelo exagerado consumo de álcool,

ou se por lágrimas que ele teimosamente não deixava que lhe


percorressem o rosto.
Nesta tela está claramente exposta a solidão entre uma
multidão.
Viver só com os meus inevitáveis problemas, seria um fio de
luz na minha escuridão.
Amigo lembrei uma frase tão conhecida, mas sempre
actualizada assim como todo o conteúdo do livro em que está
inserida. A frase bíblica diz:
"...Suportai-vos uns aos outros, assim como eu também
suportei". Palavras de Jesus.
Assim sendo, digo para comigo... – Tem calma, cultiva o tão
apreciado autodomínio, sorri, mesmo que seja um leve
movimentar dos lábios, diz a ti mesma se tens dois ouvidos e
uma boca, não é por acaso, mas sim para escutares mais do
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que falares. Mas então o que é que observo...
Observo pessoas desalentadas sem saber o que fazer ou o que
resolver empenham-se completamente por coisas tão ridículas,
insignificantes, mas acredito que naquela ocasião para eles
sejam assuntos de grande relevância, posso mencionar-te
alguns...
Por exemplo, as flores nos cemitérios não podem ser de
plástico, só se aceitam para os amortalhados flores naturais,
será que pensam ou desejam que esses corpos adormecidos na
morte usufruam dos aromas libertados pelas mais variadas
flores?
Mesmo assim há os que desejam colocar flores de plástico,
será porque o corpo adormecido é alérgico ao cheiro das
imensas e belas flores? Digo-te: não sei!
Mas sei que até fazem debates televisivos sobre este assunto,
com a mesma importância que se dá a qualquer outro assunto,
assuntos esses que são " consideravelmente importantes ".
Outro ponto....
Os políticos de ânimos exaltados, com aspecto de ferocidade à
flor da pele, discutem ardentemente e arduamente assuntos,
que só lembra e preocupa na realidade a cidadãos que nada de
importância têm a tratar e resolver, por exemplo....
As quotas para a mulher, a respeito disto, escutam-se acesas
discussões. Também se discutem arduamente a construção de
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vias rápidas, ou não, e em que local. Discutem o facto de se
fazer ou não uma rotunda, ou fazer ou não um viaduto, enfim
poderia mencionar tantos outros insignificantes pontos
Sei bem que tudo isto é necessário, mas não é de forma alguma
primário, atendendo a assuntos de título Urgente, e repara
amigo são muitos, posso falar-te de alguns: - A educação, quer
de crianças, quer de adultos.
A mendicidade, realizada por crianças e adultos, tendo esta
forma de vida como meio de sobrevivência em que a escola
fica sempre para amanhã.
Existem as associações de caridade, mas temos vendo que não
chegam para todos os que necessitam delas.
As associações de deficientes, quer seja deficiência mental,
quer seja motora, quer seja auditiva, ou a deficiência visual,
estas associações não têm soluções para seus associados.
A Segurança Social, não está a cobrir minimamente as
necessidades dos seus Beneficiários, dizem não ter verbas...
E por fim, não significa que seja a menor, pois parece-me ser
das mais importantes a ser resolvidas, é referente ao sistema
de saúde que temos, todos sabemos que é muito pobre, muito
mesmo, os profissionais de saúde dessa forma não se vêm
motivados a agir humanitariamente e isso já se tornou um
vicio como qualquer outro em que possamos pensar, sim é
verdade os viciados em medicamentos, os viciados em drogas
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ilegais, os viciados no álcool, os viciados no roubo, os viciados
na mentira, até me atrevo a dizer os viciados na prostituição.
E sabes amigo vejo-me a perguntar: - Não serão estes casos de
grande Urgência a se tratar?
Tratar não é só o que se pede, mas sim a resolução, a tão
merecida resolução.
Porque não discutem eles ferozmente e arduamente casos
como os citados? Discutam, gritem, acenda-se a vossa ira, ira
essa plenamente aceitável e aplaudida se for por problemas
deste género.
Olha, amigo cansa-me falar disto, sabes porquê? Por ter
percebido que nunca iria conseguir mudar nada. O que está à
frente não vai passar para trás, ou vice-versa, descobrir que
para alcançar a calma é desprezar tudo. Para que lutar por
uma guerra que não é a minha?
Para guerras já chega as que os humanos fomentam e colocam
em prática. Que triste é meu Deus, a guerra, que triste, é meu
Deus, os mortos nela.
Observa-se belos corpos, de mulheres e homens, num cenário
cruel, uns são loiros de olhos azuis, outros são de olhos negros
e negros cabelos brilhantes, mas estão todos naquela posição
imóveis, tão pálidos e gelados, de mãos colocados no peito, de
olhos fechados, que triste meu Deus. Quase todos parecem reis
e rainhas, com um leve sorriso nos lábios, numa postura muito
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direita, expostos sem constrangimentos.
Familiares, amigos, vizinhos, enfim um amontoar de gente,
passam pelos jazigos e como de tronos se tratassem,
cumprimentam com um leve inclinar de cabeça em sinal de
reverência. Esses corpos adormecidos na morte estão
adornados de uma forma tão perfeita, que na realidade não é
habitual nos humanos, usam sapatos novos e brilhantes, usam
trajes bem compostos, seus cabelos bem penteados,
principalmente, quando são longos cabelos loiros ou negros,
claro está esta situação está presente nas rainhas
adormecidas.
Não fiques demasiadamente triste com a morte, pois ela não é
nada, para quê sofrer pelo inexistente?
A morte é calma, em contraste, a vida é paixão, sentimento
esse que nos traz inquietação.

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Vem comigo observar e escutar o silêncio ensurdecedor do
Universo, vem ver como a noite é calma, vem ver o vento, vem
ver o que acontece ao anoitecer, em que cada flor se
transforma numa cintilante estrela, vem ver a lua, de mãos
dadas assumiremos melhor o dia que vai calmamente
amanhecendo.
Estimulante é ter no meu ouvido a tua voz, estimulante é ter no
meu nariz o teu cheiro, estimulante é ter aquela peça de lã
fofinha em minhas mãos, nessa lã estão as tuas carícias, estão
os teus lábios, está a ternura existente em ti… É bom.
Querido amigo porque será, que tão grande sorriso nos lábios
e nos olhos tem aquele menino?
Eu acho que ele sorri publicamente daquele jeitinho, porque se
comunica com uma estrela, e então sorriem-se.
Aquele menino já não sorri há muito tempo em público, pois
28
não, ele agora quando sorri esconde-se, pois ele agora é
homem e passou a observar a mulher, aliás a bela mulher e
como já chegamos à penosa conclusão, é impossível ser feliz,
sorrindo para uma estrela do universo e ao mesmo tempo ser
feliz com uma beleza humana.
Mas tudo isto é inevitável, como comparação temos um lindo
punhado de amores-perfeitos e um punhado de belos lírios,
quando os colocarmos num jarro, manter-se-ão com a mesma
beleza, mas quando esses dois punhados de belas flores
beberem avidamente a água que contém o jarro, sem duvida
alguma perderão sua beleza e murcharão.
Querido amigo, sabes quem cortou os amores-perfeitos, os
lírios, os cravos, as rosas as orquídeas, as tulipas e os
girassóis do meu quintal e que depois pelo caminho, espalhou
todas as pétalas onde só humanos tristes as pisam?
Mas pior ainda amigo, são os humanos rebeldes e cruéis eles
também pisam as minhas flores!
Sabes amigo quem fez e faz tal crueldade?
Sabes também quem espalhou os pedaços de lenha que me
costumam aquecer nas longas noites de frio, sabes por acaso
meu amigo?

29
O que eu queria de ti vida, era que te tornasses um manso mar,
de suaves ondulações, queria que te tornasses num céu
brilhante com a lua e as estrelas a decorarem magnificamente,
queria de ti vida, uma sociedade justa, queria de ti uma
atmosfera límpida, como se tu vida fosses só o mais profundo
dos mares e lá habitaria a imensidão e esplendorosa vida das
flores.
Enquanto espero que te movimentes mesmo que seja de uma
forma lenta para as correntes de um límpido rio ou para as
límpidas marés, vou-me aconchegando. Estás a perguntar para
quem estou a falar?
- É para ti vida, sim para ti.
Na entrada da minha casa, que é a minha vida vou começar
por a calcetar com os belos godos que apanharei junto ao mar,
faço isso para que o frio do Inverno, ou dizendo de outra
30
maneira para que a tristeza não se acumule à entrada e seja
impossível entrar ou sair. com os belos godinhos com certeza
vai-se formar uma pequena camada de gelo, tipo vidro muito
fininho, sei que estarei sujeita a escorregar ,cair e magoar-me,
mas vou sobreviver , o lamaçal manter-me à superfície. Vou
juntar novamente os pedaços de lenha, para meu aconchego e
suportar melhor o frio, ou melhor dizendo, a tristeza
melancólica.

Vou semear muitos amores-perfeitos, muitos lírios, muitos


girassóis para que retorne a mim a beleza das cores das flores,
ou usando outras palavras para que retorne a mim a
felicidade.
Estou consciente que estes afazeres me suplicarão força,
coragem e perseverança, mas sei que conseguirei, vou tremer
de frio ou tremer sei lá bem de quê, vou desequilibrar-me, vou
chorar, vou rir, vou chorar de novo e vou sorrir outra vez ,
mas sei que vou sobreviver. Sabes porque digo com toda a
confiança que vou sobreviver?
- É porque tenho sempre a tua mão para me segurar, para me
fortalecer e para me animar.
Meu amigo os sentimentos que existe entre nós
por mais que procure não está explicito nos livros, este amor é
amor desinteressado, não quer nada em troca, nem tão pouco
31
imagina ter de ser retribuído de uma forma ou outra.
Amigo amo-te, tanto que por vezes esqueço-me de mim e penso
que sou tu mesmo, luto discretamente, pois é assim que meus
impulsos se exteriorizam, mas como estava dizendo luto para
que sejas tão feliz quanto os momentos de alegria que me
proporcionas.

Amigo disse para mim mesma que não mais vou viver com
estas expressões na mente, pois estavam a derrubar-me lenta e
cabalmente, as frases são por exemplo:
-Vou fazer Hemodiálise. Vou fazer hemodiálise. Vou fazer
hemodiálise.
- Em três quatro anos vou morrer. Em três quatro anos vou
morrer...
- Vou ficar numa cadeira de rodas... e tantas outras frases que
se acumulavam na minha mente.
Hoje adorado Deus, hoje amado amigo, posso dizer, que esses
pensamentos já não têm o mínimo de espaço em mim, ou no
meu eu ou na minha personalidade, ou ainda no meu intelecto.
Quando paro no meu espaço que é o meu quarto ,que é no fim
o meu tudo, para aprofundar melhor e com a lenta mas
indispensável calma, os assuntos que me parecem
32
indispensáveis meditar, vejo-me entre seis metros quadrados, e
eu tendo cerca de um metro e sessenta centímetros de altura e
com cerca de cinquenta e seis quilos de peso , vê só, acho que
estou encurralada, parece-me não poder movimentar como o
meu desejo, isto se analisarmos as medidas literais, pois se
analisarmos ainda que seja superficialmente as medidas de um
jeito simbólico ou de uma forma intelectual, eu querido amigo
estou a asfixiar, como pode meu pensamento ou minha
fantasia ir mais além daquela enorme janela que isso sim é
linda, a janela é linda mas o que se vê e o que se ouve, é quase
tudo muito feio e muito barulhento. O que há de belo são os
passarinhos todas as manhãs incansavelmente cantam, ainda
sem ter de pegar no odioso relógio sei que são perto das seis
horas, muito de vez em quando caminham lentamente casais de
velhinhos com seus lindos cabelos branqueados, ou então um
ou outro bebé e, crianças sorrindo, mas acredita meu amigo
estes últimos três casos são uma raridade, isto é estão em via
de extinção.
Por estas situações e tantas outras, que não sou capaz de
descrever, porque se o fizesse iria ser hiper-cruel, porque a
vida, a sociedade em que vivemos é muito rígida, parece-me
que quer fazer de nós robôs insensíveis, se não nos tornarmos
em tais seres, vamos sofrer e sofrer, abriremos o saco lacrimal
e nossas lágrimas não pararão de correr, correr pelo rosto
33
fora, pelo rosto abaixo, também nem sou capaz de
compreender porque é que as lágrimas correm e não se
recriam, tudo o que fazemos é uma corrida competitiva contra
o vento, tudo isto é somente uma loucura desvairada,
desvairada sim, eu falo por mim, um destes dias apetecia-me ir
para cima daquele muro fazer equilibrismo, acenar
violentamente com as mãos com os braços, levantar uma
perna, depois a outra, cantar muito alto, enfim exteriorizar
toda a tristeza represada, sim digo tristeza e não há engano,
pois o que tenho eu feito para me libertar deste sentimento?
Vou-te dizer... No mesmo muro coloco-me de cocaras,
escondida, parece até mesmo, que estou a espiar os seres que
ainda conhecem a alegria, embora também tenham
conhecimentos básicos da tristeza, mas felizmente sobressaem
nesses seres a felicidade.
Tudo isto, são divagações, sim aceito, mas são muito mais que
sentidas, são o que me fazem viver, ou seja o que me fazem, rir,
chorar, cantar, entristecer, enfim uma infinidade de
sentimentos, que de uma forma ou outra vai demonstrando
quem sou. Falar quem sou é bastante complicado, digo
complicado pois eu a falar de mim só direi aquilo que quero, o
que não quero fica apenas em pensamento e quando muito
podem ficar nuances por entrelinhas que só alguns
compreenderão, aqueles que pensam ser os donos da verdade
34
até mesmo dos pensamentos e sentimentos do mais próximo, oh
Amigo como se enganam. Mas raciocinando melhor as coisas
que não escrevo é porque no fundo não fazem parte da minha
vida, apenas foram momentos pontuais e passaram os quais
não merecem ser recordados.

Gosto de ler como bem sabes, Livros principalmente de acção,


que tenham um pouco de romance, que sejam um pouco
policiais, que falem um pouco das imensas sociedades que
existem, incluindo é claro a que vivemos, mas o que me deixa
realizada, a escrita que me tira os pés do chão, que coloca
minha cabeça muito acima da atmosfera, é a escrita hiper-
fantasiosa, a escrita que fala com convicção e
determinantemente de coisas ou pessoas
que não existem, mas parece que são claramente reais.
Um destes dias reparei em mim, reparei reflectindo ao
pormenor:
- Quem sou eu para além do que se vê? Pensei em mim como
mulher e fiquei impressionada, sim impressiona mas foi o que
pensei ser verdade, vejamos...
Um corpo de mulher já madura, os vinte anos passaram sem
35
pedir licença e agora esse mesmo corpo está com trinta e dois
anos, corpo esse abstracto ao sexo, ou ao amor sensual que na
realidade quer dizer quase a mesma coisa.
Pensei com um arrepio de desaprovação, um dia se me
entregar a um acto sexual a que cheirará o suco do amor
represado há tanto no interím de meu corpo? Bem me parece
que esta pergunta não terá resposta, pois o medo invade-me.
Actualmente aprecio e desejo bons momentos de leitura e
diálogos com duas ou três pessoas que por sinal são bem
distintas umas das outras, prefiro então livros simples, básicos,
nada de ortografia rigorosa, ou em português igualmente
rigoroso, só de vez em quando é que procuro literatura de alto
teor gramatical, prefiro mesmo é não pensar e deixar-me
conduzir por escritas simples à atmosfera fantasiosa. Dançar,
ó dançar como eu gosto, mas sou tão "forte" de saúde que as
energias são escassas, e então dançar tornou-se uma raridade,
tu sabes meu amigo.
E agora que por um lapso voltei a falar na minha forte saúde,
pensei...
As pessoas, as pessoas, as pessooooaaaas, falam, falam,
faaaaaaaalam, até que fico tonta, não compreendem nada do
que sinto, do que se passa comigo, e, eu rio, rio,rio, falo, falo,
falo até ficar cansada. As pessoas pensam que evito falar do
meu interior, mas não é verdade, eu não falo simplesmente
36
porque é um assunto que não tem importância, não tem nada
de novo, tudo é velho.
Parece-me que muitas pessoas só têm o seu próprio exterior,
só pensam na sua própria imagem, e não têm tempo para se
olharem, olharem para dentro de si.

Isso acontece frequentemente, porque essas pessoas têm medo


de descobrir que são tristes, vazias e muito leves, leves demais.
Agora estou a ouvir uma discussão entre duas pessoas que
amo, não quero descodificar as palavras senão torna-se muito
difícil esquecer, mas as vozes vão subindo de tom, sinto-me só,
sim só, mas aprendi que a solidão é imposta a milhares de
humanos e não há cura para a solidão, nem pela medicina,
nem por milagre. Por isso digo...
– Adorado e Amado Deus Suplico-te, Ajuda-me.

37
Amigo vou falar-te um pouco mais de mim.
Tenho de ficar inerte para que seja capaz de controlar minhas
emoções, só assim sou capaz, vou pensar muito, mesmo muito
nas imensas e variadas tonalidades do céu e claro dos
magníficos mares, vou pensar em azuis, azuis, azuis ilimitados,
descobri que é uma cor que me transmite serenidade. Minha
vontade era dizer a cada pessoa a quem amo e ou a cada
pessoa que me queira bem, assim como eu a queira bem, então
diria...
- Quando eu morrer veste azuis e não me beijes, sim quando eu
morrer veste azuis e não me beijes. Peço-te isto porque te
tenho amor.
Mas quando falo em”morrer” também poderia usar outra
palavra mais sossegada e mais apreciada num espaço
simbólico, diria então:”quando estiver como um lago!”
38
Sabes porque me sinto um sereno lago, onde as águas se
movem suavemente? É porque não tenho liberdade corporal ou
liberdade de movimentos para poder dizer:
- Eu sou como o Mar, com bravas e brandas ondulações, eu
sou como o Mar de marés-altas e marés baixas, eu sou como o
Mar cheio de energia invejável.

Por vezes digo que há outra dimensão, isto é, quando me sinto


um lago é como se dissesse:
- Cultiva a calmaria mulher, pois o sangue que te corre nas
veias tem de se tornar manso.

Em outras alturas esqueço o irreal e digo para mim mesma:


- Mulher anda, ri e canta, corre assim, como o sangue te corre
nas veias, as quais se quer igualar à imensidão do Majestoso
Mar.

E volto a falar para mim e digo:


- Mulher Vive.

39
Passou um longo período de tempo, não sei bem quanto, e não
te falei escrevendo, porém neste momento sinto-me impelida a
dizer-te:
- Meus pensamentos e meus sentimentos têm andado em
sobressalto, mas nunca se perderam no espaço quanto ao teu
ser, quanto há tua existência, pois pesa bastante o facto de
falarmos o mesmo idioma, embora porém a maioria das vezes
obtenho de ti respostas apenas em monossílabas, mas como me
escutas faz-me sentir bem, pois estou a partilhar com um ser
igual a mim os meus pensamentos e ou sentimentos, no entanto
quando chega a hora de te pronunciares aí sim é bom e então,
respiro fundo de alivio.

40
Meu amigo estamos no sexto mês de 1999 e ando
entusiasmadíssima com a perspectiva de ter um lar só meu,
mas tudo isto ainda não está concretizado, embora tu meu
amigo e também quem comigo foi concebida no mesmo
instante no caloroso ventre de minha mãe, sim com a vossa
ajuda poderá ser possível a concretização, do meu sonho,
vamos aguardar.
Sim digo sonho mas poderei designar por outra expressão
como já o fiz em algum recanto deste texto dizendo:
- Uma casinha só para mim seria como um fio de sol na minha
escuridão.
Amigo estamos em meados de Julho de 1999 e parece-me estar
a ser difícil o esplendoroso brilho do Sol entrar em mim,
embora, acredita, eu me entregue totalmente a ele como que de
um encontro apaixonado se tratasse e dessa relação surgisse
41
um lindo amor. Loucura a minha fundir sentimentos entre
assuntos materiais, ou seja uma casa e um amor.
Perto do fim do mês de Julho só tu e apenas tu querido amigo
estás a lutar contra as burocracias, leis cívicas e leis
bancárias, em união comigo, nem sei, bem como isto se
desenrolou tão rapidamente mas sei que estamos sozinhos! E
sei que vamos conseguir, não te parece?
A resposta surgiu tão rápida como brilhante e cintilante, pois
de tanto falares, andares e lutares o belo sol entrou em mim

com uma força mágica e relaxante.


A negra nuvem carregada de interrogações e ansiedades
desfez-se e tudo se tornou mais azul, sim azul, recordas que é a
cor que me transmite tranquilidade? Terão de passar cerca de
doze meses para a construção do prédio, onde vou ter a minha
casa ficar completamente pronta, mas agora vou cultivar e
regar mais cuidadosamente a paciência, para que a ansiedade
não me controle agora desta forma, aprendi que o dom de
obter felicidade depende de a sabermos conduzir.

42
Olá meu amigo, estou bastante cansada, nem sei porquê, só sei
que não existe energia em mim. Estamos em meados de
Setembro e quanto à minha casa está tudo perfeitamente
encaminhado, já assinei o contrato promessa de compra e
venda e entreguei vinte e cinto por cento do valor da casa, tu
amigo fostes e és incansável quanto a todas as voltas que tive
de dar e na certeza que quanto ás” voltas” que faltam sei bem
que estás do meu lado, és querido.
Vou pedir, apelar e suplicar ao Altíssimo Deus que me
conceda alguma saúde, para que seja possível eu gozar o
prazer do meu lar. Amigo súplica por mim a Deus para que a
oração dupla e harmoniosa chegue ao nosso Adorável Deus
Jeová.
Amigo fala-me da nossa bela e pura amizade, fala-me de
43
paixão para que me seja mais simples discernir os sentimentos,
fala-me de amor, sim de amor, para quando esse sentimento
chegar a mim eu consiga identificá-lo. Amigo, fala-me de todos
os sentimentos, pois de acções incompreensíveis estou eu
recheada de ver e receber. Necessito na realidade de diálogo,
mas tenho passado parte do meu tempo a fugir das pessoas,
mas são aquelas pessoas que ecoam na minha cabeça apenas
desta forma, que já de seguida te descrevo, embora já as tenha

descrito um pouco mais atrás, são as pessooooaaaaas que


falam e faaaaaaalam.
Querido amigo, por vezes parece-me que sou, ou estou a ficar
fria e insensível pois digo e faço coisas agressivas. Um
exemplo dos mais simples é este:" Estou hospitalizada, a
minha família visita-me com o amor abundante que tem para
me dar, um dia muito friamente disse-lhes que não gostava
nada, mesmo nada que me levassem flores, isso irrita-me não
acho que seja local apropriado para ter tão bela fracção de
Natureza, eles amorosamente entenderam.
Sabes um segredo: Sou má.
Como estamos no início de mês de Setembro a chuva de rosas
oferecidas caiu em luxuosos cachos na cómoda do meu quarto,
eram muitas rosas e de várias cores em tons de claro, dois dias
depois num acto de fúria destruí todos aqueles arranjos com
44
seus laçarotes, enfim desnudei as rosas até ficarem
completamente nuas e juntei-as num só jarro, depois durante
alguns dias não pensei mais em flores, tive o cuidado de as
colocar num jarro grande com muita, muita água para que não
ficassem sequiosas.
Por vezes assusta-me os meus próprios sentimentos e acções,
mas que posso eu fazer? Não estou a pensar mudar!

Gosto de girassóis e de lírios, depois vem todas as outras


flores, enfim todo o mundo colorido das flores. Meu prazer é
tirar a flor da terra e coloca-la num jarro tal qual como ela
nasceu, simples, bela, virgem e sem a mácula das mãos dos
homens quando fazem seus luxuriantes ramos.

45
Amigo fala-me de amor.
Amigo não me digas que o amor é uma mentira.
Amigo diz-me o que vês para além do nosso horizonte.
Sabes o que vejo no meu horizonte? De um ponto ao outro no
grau da visão vejo negro, sim negro e mais negro, muitas vezes
fico tonta e sufocada.
Amigo perdoa os momentos que tenho de grande fraqueza, pois
tenho vindo a sentir-me exausta.
Querido amigo por vezes sou capaz de observar as coisas e as
pessoas de uma forma muito engraçada, vejo tudo de um
cintilante magnifico, vejo o colorido do arco-íris, vejo o brilho
das pedras preciosas, vejo os enormes sorrisos, vejo braços
prontos a abraçarem, vejo árvores a florirem ou as suas folhas
amarelarem ou a avermelharem e caírem, vejo a imensidão
dos peixes do mar, vejo a grandiosidade de variadíssimas
46
espécies de aves, enfim vejo os mares e os céus muito azuis,
azuis límpidos e vejo a sensual lua tranquila, serena dona de
um prateado único e vejo o esplendoroso Sol brilhante risonho
e quente, que me aquece até ao recanto mais profundo do
corpo, respiro fundo e tudo fica bem melhor.
Amigo fala-me de Amor...

Passaram três meses e minha vida tem andado num turbilhão.


Na realidade aquando do meu apelo para que me falasses de
amor e do que vias para além do meu ou nosso horizonte, tu
amigo chegaste perto de mim recheado de palavras que são
primariamente esperanças baseadas em promessas com
fundamento lógico, pois são extraídas do mundo espiritual. Foi
bom ouvir-te e absorver todo o conhecimento que me
transmitiste.

47
Amigo não é minha intenção fazer destas palavras quase soltas
um diário por essa razão passo a compactar alguns dias e
sintetizar o acontecido. Em meados de Novembro fui como é
costumeiro à consulta de nefrologia, a sensação foi muito pior
que entrar num jipe e calcorrear montanhas, pois meus órgãos
e todo o resto do corpo andaram em sobressaltos e turbilhões.
Houve duas tentativas para me fazerem uma fistula em duas
semanas mas não conseguiram, foi difícil passei a tremer
muito com dores e desde esses dias quando sinto medo, tremo,
tremo sem conseguir controlar as tremuras do corpo, quando o
medo se dissipa as tremuras desaparecem.
Estamos a meio do mês de Dezembro e aguardo a chamada do
médico para um internamento hospitalar de poucos dias, mas
muito necessários, pois vou fazer a dilatação das veias e então
voltar a tentar fazer uma fistula, desejo com as reservas de
48
forças que existe em mim o sucesso da terceira fistula uma vez
que os médicos optaram por a realizar num cotovelo ou
ombro, tenho medo, muito medo. Os dias vão passando e sinto-
me cada vez mais fraca, as cãibras nas pernas e nos rins
arrasam-me. Todas as manhãs por volta das sete horas acordo
com energia, mas é uma energia de pouca duração, pois assim
que se aproxima as catorze horas estou muito, muito cansada e
sem força até mesmo para andar. Estou convencida que tenho
mesmo de começar a fazer a hemodiálise. Sabes o que vejo ou
imagino, nem sei... Quem amo e quem me ama, tendo espasmos
de lágrimas que não se soltam, espasmos de abraços que não
se dão, a tristeza da observação de um desenrolar de
acontecimentos já repetidos, e, por fim o baixar dos braços.
Afinal para quê tentar estancar o fogo no palheiro?
O mais sensato é deixar a fúria da doença desabafar e explodir
e então depois vê-se os estragos que são possíveis reparar e
nessa altura lá continuaremos outra vez a labutar em união,
certo?
Mas se o fogo é a ultima alternativa a deixar acontecer para
limpar então que avance, pois sem duvida é a recta final. No
fim o que não puder ser reparado, que digo-te amigo, haverá
muitas perdas vamos deixar correr em fúria as lágrimas e os
abraços represados em nossos corpos e derrubar de uma vez
para sempre os espasmos.
49
Sei que sou egoísta, fiquei assim não sei bem porquê, não sei
se foi a dor física, se foi a dor mental, que me transformou, e
me tornou egoísta, mas...

Vocês que causaram o meu nascimento abracem-se, apertem


as mãos, beijem-se e amem-se.
Tu linda mulher que concebida fostes ao mesmo tempo que eu,
sorri sempre, pois tens dois belos rostos desejosos pelo teu
sorriso não deixes que esse amor nunca lhes falte.
Tu linda menina continua a cantar como só tu cantas, deixa as
tuas cordas vocais desembrulharem letras de canções como se
de um presente se tratasse, faz isso daqui a cinco anos, daqui a
dez anos, daqui a sempre e por favor sê feliz.
E com vocês que não vos vejo frequentemente, mas sei que nos
amamos, mantenham as cabeças bem levantadas para que
vossos filhos e filhas e eles mesmos consigam suportar as
dores que a vida implacavelmente impõe, com certeza ao vosso
lado será mais leve.
Tu amigo, bem sei que aos olhos das multidões vais suportar
50
tudo, pois tu tens uma bela esperança, esperança essa que
também partilho. Embora eu por vezes desespere, fico com a
certeza que não vais desistir de transmitir a todos os meus, a
Verdadeira Vida mencionada na Bíblia, uma vez que eu não fui
capaz.

E, é este o meu egoísmo, é este o amargo que persiste em mim,


sentir desde as profundezas do meu ser que fui muito mal
escolhida para me ser imposta uma forma de viver com tantas
dificuldades físicas que por conseguinte leva ás dificuldades
psíquicas, para além destes factos, fiquei obrigada a uma vida
pouco activa e de curta-metragem.
De curta-metragem?
Não, esperem por favor, desenrolem mais fita, mais fita e palco
para eu sobreviver, o meu lugar é aqui, sim aqui, estou ferida
mas sou capaz de continuar, não me tirem o tapete dos pés ou
seja o mundo dos pés ou das mãos.
Para quem faço este apelo? Nem sei mas dentro do meu
silêncio estou apavorada. Sei porém que grande parte das
vezes falo para o Deus que adoro e sempre da mesma forma,
forma essa que já descrevi, mas mesmo assim... Sento-me,
51
inclino completamente para baixo a minha cabeça, aperto com
toda a força que tenho os meus punhos, fecho com a mesma
força os olhos e choro, choro pedindo, apelando e
agradecendo ao Único e Verdadeiro Deus por ajuda, por fim
ao chegar ao término da minha oração sinto-me mais
encorajada.
Nesta hora desejo imenso falar contigo amigo, para te dizer o
que me está a sufocar a alma, sim a vida, porém não te queria
magoar pois sei que não o mereces tens te mostrado sempre
pronto a ajudar a dar-me a mão para que eu me vá
equilibrando, acompanhas-me aos diálogos com os médicos,
acompanhas-me na minha ansiedade, acompanhas-me na
minha profunda tristeza, e eu falo, falo até que o cansaço me
invada.
Tristeza foi a palavra que usei para expressar meu sentimento,
mas não estou certa que esteja correcta pois o que entrou
dentro de meu peito é tão forte que estou um tanto ou quanto
insensível, acredito porém que um dia num passado ainda tão
recente te fiz sofrer, agora vou te dizer sem rodeios e sem
medo de te magoar pois de outra forma nunca mais abriria
meu peito...

52
Foi um matrimónio de catorze anos, que no fim se desfez como
qualquer laço, como se não tivéssemos tantas histórias para
além de um quotidiano básico ou vulgar, mas não foi tão
básico como pode parecer, toda a minha adolescência e
juventude foi a teu lado, cresci contigo tornei-me mulher a teu
lado, tivemos uma filha… (a Priscila) que também a teu lado a
perdi para o profundo adormecimento, a teu lado fiquei
totalmente cega, e, a partir daí sim foi uma das mais vulgares
coisas que aconteceu e perdi-te como marido, companheiro e
amigo, sim foram os vícios da vida que me apartaram de ti e tu
sem saberes o que se passava, pediste-me para ficarmos
juntos, pediste uma e outra vez sem conta, e eu, eu só tinha
uma resposta codificada na mente, era o apático, o ávido e o
negro não... e dessa forma se concretizou o desenlace, eu não
fui capaz de te dizer o que se passava comigo e tu amigo não
53
foste perspicaz para poderes entender em que turbilhão
andavam minhas emoções. Hoje já conto cinco anos desde esse
dia, e tenho-te como um bom Amigo.

Amigo falei-te nas duas fístulas que fiz sem sucesso, depois
houve a perspectiva de uma terceira, fiz um curto internamento
para fazer a dilatação das veias, mas não correu assim como
estava planeado.
No dia vinte oito de Dezembro fui à consulta de rotina de
nefrologia e tive a triste noticia de que meus rins tinham
piorado muito, logo no dia seguinte o médico colocou-me um
cateter no lado direito do pescoço, nesse mesmo dia comecei a
fazer a hemodiálise, fiz durante três dias consecutivos depois
passei a fazer em dias intercalados, actualmente estou no
centro de diálise da prelada, faço diálise ás segundas, ás
quartas e ás sextas-feiras das dezoito e trinta ás vinte e duas e
trinta.
Agora estou desarmada para qualquer luta ou aquisição,
parece que todos se apoderaram do meu corpo, sim não tenho
54
controle sobre ele.
O que ainda, consigo desejar ter, com uma ansiedade imensa é
a minha casa, sim preciso de meu lar para estar só, aí ninguém
me pode roubar a solidão, ninguém!

Os dias passam e continuo a sentir-me tão estranha, a minha


cabeça está em aflição, estou irritadíssima, e, ao mesmo tempo
não sou capaz de coordenar nenhuma ideia, parece-me que
sou apenas o que os entendidos em medicina vêem, sou só
carne, músculos, ossos e órgãos.

55
Sinto que me esqueço de algo muito importante mas não sei bem
do que se trata, faz-me recordar quando a minha filha morreu,
meu pesar e minha tristeza faziam com que eu sentisse a falta de
uma enorme parte do meu corpo e dessa maneira eu não sabia
como andar, parecia-me algo inatingível, então agora, sinto o
meu corpo mais ou menos assim:
- Por vezes as pernas estão tão leves quem nem as consigo fazer
com que obedeçam aos desígnios da mente, os braços por vezes
ficam tão pesados que o melhor é ficar inerte, na boca sinto
muito frio, como se eu a tivesse aberto para falar e
simplesmente me esqueci de a fechar e dessa forma o frio
conserva-se no céu da boca e lentamente mas sem vacilar vai
chegando à cabeça e fico perdida em pensamentos abstractos,
que também não consigo concluir. Estou muito cansada. Não
estou a ser capaz de apagar as interrogações que a vida me
56
impõe.

Na segunda-feira dia sete de Fevereiro estava a fazer a diálise


como já se tornou um hábito, lentamente aproximou-se a
médica e com igual lentidão pergunta-me se poderia
comparecer no hospital no dia seguinte, minha resposta foi
afirmativa, prosseguiu dizendo que era necessário tirarem-me
o cateter do lado direito do pescoço e colocá-lo do lado
esquerdo, de seguido faria um exame ao braço direito a fim de
localizar um local adequado, para fazer a tão "famosa e
celebre" fistula, uma vez que o exame do braço esquerdo
mostrou ser impossível.
Mudei o cateter, mas não fiz exame nenhum ao braço direito, o
motivo é indefinido pois o médico que ia proceder há sua
execução, não foi claro no falar.
Estou agora à procura de alguém que me escute sem se
melindrar com o que eu disser mas não aparece ninguém,
57
ninguém...
Vou pedir com muita força a Deus que me ajude a não desejar
falar tanto com mentalidades neutras, pois são raras de
encontrar, e assim sendo, tenho de aprender a suportar a dor
física e mental sozinha, se for capaz não chorarei tanto e não
me sentirei desamparada.

Olá amigo passaram-se três meses e não te dediquei um pouco


de meu enorme tempo para te contar as ultimas ocorrências,
mas vou te falar agora:
- Duas semanas após a mudança do cateter, fui internada no
hospital um domingo à noite para fazer a diálise e na segunda-
feira faria o tal exame no braço direito, que depois não chegou
a ser feito. O médico, procedeu de imediato a construir a
fístula, e... finalmente desta vez ficou feita.
Devo dizer-te que tive muito medo, e, por isso levei comigo
para o hospital valium dez para me manter acordada mas
sonolenta para que não me recordasse com clareza das dores,
das palavras da medicina que me impressionam, enfim de tudo
que me apavora mas que ao mesmo tempo quero saber e
compreender.
Tu meu Amigo estiveste lá, eu lembro-me muito bem do teu
58
cheiro, a tua voz, as tuas mãos nas minhas mãos e no meu
rosto, falei pouco devido ao motivo acima descrito mas via-te
tão bem, tão querido.
A falar em querido lembrei-me da minha Bela estou a ser
injusta nunca ter mencionado o nome da amorosa e única
Bela, já falei desse pedaço de amor em pessoa designando-a
por fraseamentos, mas a doce Bela esteve sempre, sempre,
sempre comigo, linda Bela,
amorosa Bela, carinhosa Bela, Bela mãe, Bela mulher, Bela
irmã, Bela filha, Bela amiga, Bela tudo, tudo, tudo, Bela razão
do meu viver…
…Bela, linda Bela nunca fiques triste comigo eu não te quero
magoar nem consumir, por falar em magoar e consumir fez-me
lembrar minha mãe e meu pai, quanto eu os amo, nas não sou
capaz de lhes contar o que se passa no quotidiano comigo e ás
vezes sou pouco delicada com eles, espero de coração que eles
me perdoem e me compreendam estou por vezes tão cansada, e
o principal é que não os quero sobressaltar com o meu estado
de saúde, pois tenho a certeza que eles calculam com
exactidão o que se passa comigo e o que se vai passar, parece-
me que só o pensarem nessas coisas os faz sofrer, e, eu não
queria nada, mesmo nada, mas como posso eu evitar se nada
há a esconder?
Eu tenho é de lhes dar beijinhos, muitos beijinhos.
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Comecei a fazer diálise pela fístula, após sete semanas de a ter
feito, correu bem, e tem corrido de uma forma geral bem, para
não falar em alguns contra tempos, que num outro dia te
poderei contar se tiver com as ideias mais coerentes.

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Querido amigo, como foi emocionante a visita que fizemos à
minha casinha, como ela é bonita, pequena como que para
bonecos lá viverem se tratasse, vi tudo, tudo com as mãos pois
é minha forma de ver, vi as janelas, vi os roupeiros embutidos,
vi os armários da cozinha, vi as louças da casa de banho, vi os
azulejos da cozinha, vi o parquet do quarto enfim fiquei super
entusiasmada. Eu e tu começamos a tratar de saber e resolver
as coisas necessárias para colocar os contadores da água e da
luz mas até meados de Maio ainda não foi possível resolver
tais assuntos, mas não demorará muito mais tempo pois
ficaram de entregar a casa com a licença de habitabilidade em
Agosto, vou esperar até lá com ansiedade mas desta vez é uma
ansiedade serena pois
ter visto a minha casa tornou-se mais real.
Vou pedir, suplicar, apelar, e, falar com nosso Adorado e
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Amado Deus Jeová que me conceda o privilégio de a habitar
por tempos, o meu aconchegante lar.

Estamos a meio do mês de Junho e a tão desejada licença de


habitabilidade chegou finalmente, agora já estamos a tratar
dos ditos contadores, depois e por fim em meados de Julho vai
ser feita a escritura, e, vou para o meu pequeno apartamento,
ou seja o meu Grande apartamento, pois lá com certeza vou
poder expandir meus pensamentos ou sentimentos, nunca sei
distinguir o pensar do sentir, mas estar neste entremeio é
agradável.
A inquietação de meu ser faz-me visualizar muitos cenários, ou
como é costume meu, designar por telas pintadas a aguarela
chamados sensibilidade, senão vejamos...
Desenhada uma mulher com formas acentuadas de
feminilidade traja cor de fogo, tem nos pés uns sapatas pretas
a combinar com seus cabelos igualmente pretos tem um olhar
penetrante, selvagem, até mesmo pode-se dizer que tem um
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olhar agressivo, mas quase ninguém consegue ver assim desta
forma, está introduzida num fundo de esplendoroso amarelo
sol, azul céu e mar, e de verde muito verde das árvores que
graciosamente a rodeiam.
Seu aspecto é de desgaste, cansaço físico e mental, por esse
motivo se veste de cor de fogo para ter constantemente em seu
ego a visualização do pôr-do-sol que também se apresenta com
essa cor ardente como que dizendo ao universo vou dormir
mas ao amanhecer voltarei com toda a força, e dormirei, e
acordarei, isto dia após dia. A mulher que se vê tem no
semblante o sorriso e a mesma teimosia do pôr-do-sol e a
mesma certeza e o mesmo desejo, como se estivesse dizendo
viverei, viverei, viverei...
Reparei num sorriso, e quando a tranquilidade me inunda, vejo
que a actividade citadina é agradável embora não a deixe de
classificar de selvagem, bastante diferente da pura selvagem
saudável, sim doentia, mas ainda assim... Era uma moça, de
corpo bem formado ancas e seios volumosos, seus cabelos
eram de um loiro quase neve e seus belos olhos de um azul
turquês, inigualáveis, seus dentes muito certos eram brancos.
De linho, gasto pelo uso era seu manto, de pés descalços,
sempre abraçada a um gigante cesto de carvão correndo para
aqui e para ali, sua pele era leitosa mas toda enfarruscada e
apenas o azul turquês dos seus olhos brilhavam como duas
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pedras preciosas, seus cabelos iguais a fios de seda cobriam-
lhe a cabeça e ombros e esvoaçavam com o vento ou com os
ágeis e rápidos movimentos corporais.
Á noitinha quando humedecia a seca terra, banhava-se,
cantando, rindo e com um outro linho pobre mas muito limpo
ela voltava-se a cobrir, prendia os loiros cabelos e com a
maior das vaidades retirava uma madeixa para com sua
habilidade nata moldar um longo caracol que lhe caía pelo
rosto, e então de novo se desenhava um lindo e enorme sorriso
desta vez toda ela é brilho toda ela è vaidade.
Cidade esta, agradável?
Cidade esta, rude?
Sim é a pura verdade que existem palavras que nunca te direi,
há momentos que nunca te contarei, nem mesmo escreverei
essas passagens, pois só para mim é que são de elevado valor,
e, digo-te porque, foram esses e nesses momentos que me abri
completamente e deixei meu ego se extravasar, deixei-me
enlouquecer, deixei-me gemer como uma demente, ri, ri sem
parar, chorei, chorei sem parar, deixei-me falar, falar sem
coerência e exausta deixei-me adormecer ou desmaiar nem sei
muito bem o que me acontecia, ao certo por fim adormecia.

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Questionas porque vivi e senti e pensei, em algum recanto da
minha vida esta forma de viver? Nem eu mesmo sei explicar, o
que sei e com uma clareza sem descrição é que amadureci,
cresci, e quando dei conta no trigésimo ano da minha
existência, não era apenas uma mulher madura, mas uma
mulher velha, muito velha, essa velhice já vinha de há muitos,
muitos anos atrás.

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Sim há palavras que nunca te direi, porque existe em mim o
amar.
É já madrugada e não consigo adormecer, estou consciente
que lutei, lutei todo este longo, longuíssimo dia para que as
recordações não me invadissem, e não se apoderassem de
mim, mas saí vencida, como tantas outras guerras que
enfrentei e sempre fui a derrotada, perguntas quais?
Tentarei mencionar-te as mais relevantes, pelo menos para
mim, sim para mim, mas afinal estou eu a falar de quem, senão
de mim?
Esqueci de viver a mocidade, esfumou-se nem mesmo a senti,
antes de ser moça já era velha.
Aos dezoito anos tive a prova palpável da verdade que diz
quando um homem e uma mulher se unem tornam-se uma só
carne, linda filha era a minha Priscila,.. mas morreu, …sim
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desapareceu em apenas uma semana, está no seu profundo
sono.
No vigésimo terceiro ano da minha existência fiquei cega, sim
literalmente e completamente cega.
Quando tinha vinte e nove anos deixei ir o meu marido, sim foi
um divórcio pensado, repensado e consumado sempre sobre
pressão e de cabeças quentes, e o belo laço matrimonial
desenlaçou como cinza ao vento.
Aos trinta e três anos comecei a fazer e a depender da
hemodiálise para ir sobrevivendo, com a expectativa de um
transplante e a acompanhar o imortal medo, sim muito medo.
Hoje dia 15 de Julho do ano 2000, a tristeza entrou em mim e
não me abandona, recordei que a Priscila se estivesse
acordada completaria quinze anos de idade, recordei que faz
cinco anos que fiquei só, e, por fim chorei, chorei.
Peço-te Adorado Deus que me concedas uma noite relaxante,
pois minha mente está exausta e meu corpo dorido.
Amanhã o belo sol vai brilhar, cintilar e enfim vai mostrar que
é bom viver, e sorrir.

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O dia dez de Agosto de 2000 chegou discreto, sereno e junto
uma alegria límpida calma mas transbordante me inundou,
pois foi quando fiz a escritura da minha casa e é claro passei a
viver no meu espaço de encantamentos definitivamente, como
foi, é, e será bom.
Os meses passaram e fui me adaptando ao meu lar, colocar
uma coisa aqui outra ali, comprar uma peça para colocar
neste ou naquele canto, e por fim sinto que nada mais me falta
de essencial, os pequenos objectos vou com certeza consegui-
los aos poucos, pois também me parece ser aliciante a luta por
alcançar os alvos em minha mente ou os desejos de meu
coração, curioso, nunca sei se as coisas e as pessoas estão na
mente ou no coração, mas não faz mal, sei que um dia saberei
e conseguirei distinguir.

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É vulgar escutarmos esta frase: "...é como uma espada de dois
gumes..."
Diz-me por favor se puderes que erro há nessa frase?
Digo-te amigo ela está perfeitamente construída, senão
vejamos...
O homem e a Mulher. A vida e a morte. O amor e o ódio. A
guerra e a paz. A dor e o prazer. A tristeza e a alegria. A
justiça e a injustiça. A lágrima e o sorriso. O grito e o canto. O
ruído e a melodia. O escuro e o claro. O abraço e o empurrão.
A marcha e a correria. A loucura e a lucidez. A traição e a
fidelidade. A saúde e a doença. O optimismo e o pessimismo. A
inocência e a maldade. O leite e o sangue...e mais
comparações opostas haveriam, mas sempre, sempre unidas
pela distância infindável. Por tudo isto e por tudo aquilo que
não sou capaz de descrever, sei que estou consciente de que
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poderei levantar a espada dos dois gumes como uma tocha
iluminando meu caminho, minha vida, e, poderei rir, rir,
chorar, chorar, como louca, pois, o que é a loucura senão a
plena consciência da realidade?
No ínterim, destes desvairos sei que quanto mais depressa os
meus dias passam mais rápido chega o meu fim, mas é assim a
sublime vida. Amo-te vida, amo-te.

Estamos em Janeiro do ano de 2001 e parece-me tudo igual,


excepto os aceitáveis”Loucos”, são cada vez mais e de melhor
qualidade.

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É Junho, seis meses se passaram e não te falei escrevendo
Amigo. Tentarei resumir estes meses.
A diálise, sempre a diálise na rotina na minha vida,
acompanha-me por vezes sentimentos depressivos, nem sei
como ou se valerá a pena descrever pois são sempre iguais,
desconfortáveis, em que uma grande inquietação entra em
mim, depois bem, depois choro!
Sei bem que Amo, Amo com toda a força e de todo o coração a
ti amigo, e a todos os da minha família, e, olha que somos
muitos, vou descreve-los um a um, para não me perder vou
menciona-los por antiguidade, vejamos...
O meu Pai, a minha Mãe, o Valdemar, o Aloísio, a Isabel, a
Ana, a Zulmira, a Beatriz, a Joana, a Barbara, a Ângela, o
António José, a Anabela, a Catarina, o António e o João, a
todos deixo-vos a palavra que me inunda de alegria,
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AMO-VOS.
Durante a minha vida a luta pela sobrevivência tem se
mostrado árdua, difícil pelas razões pertinentes ao meu estado
debilitado de saúde, mas tenho sobrevivido e vivido, com a
vossa preciosa ajuda e sem dúvida com o Poder de Deus.
Sol, sol, és tu Bela querida, o sol que ilumina e aquece nossa
família, que aquece meu coração, brilha, brilha sempre sem
cessar.

Obrigada porque te tenho Bela.


Bela amo-te.

Obrigada Meu Amigo.

(Dia 10/06/01 parei de escrever estas palavras e ideias soltas,


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mas continuarei…Espera pelo desenrolar.)

Paula Máximo

Paula Máximo
faleceu a 31 de Dezembro de 2004.

- Segundo o que aprendeu ao estudar a Bíblia,

o livro do Verdadeiro Deus,

a Paula tem a esperança de voltar a viver novamente,

aqui na Terra.

Nesse dia a Paula terá muito gosto,

em abraçar todos aqueles a quem Ama.

Nesse dia a Paula dará uma conclusão feliz a esta História.

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O Amigo

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