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Prefácio?
Será que numa breve apresentação conseguirei dizer quem sou?
Passo à tentativa:
Olá Amigo!
Fica desde já a promessa de te falar nas imensas belezas da
Vida.
Idealizemos...
... Chegar a casa ao fim de um dia de trabalho ou de escola, já
cansados por mil e um motivos, os transportes, a agitação da
cidade, as pessoas sem saber o que fazer já desalentadas,
enfim o stress.
Então chegamos, e encontramos um dos nossos parentes de
mais idade com um sorriso de... " Boa noite filha ", isto
juntamente com uma saborosa sobremesa confeccionada com
o maior dos carinhos para nós, outras vezes estão sentados
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comodamente, tricotando umas pantufas de lã bem quentinha.
Não há dúvida de que os nossos corações se encherão de alívio
e felicidade, por ver tão bem-estar nessas pessoas.
À mesa, durante a refeição, escutamos histórias que nos fazem
crescer psicologicamente, ou então experiências vividas por
cada um que nos ajudam a amadurecer intelectualmente...
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Há dias que amanhecem como hoje e sente-se solidão.
Também há dias que a delicada mas Suprema Natureza a
fazem sorrir transformando o semblante em paz, assim como
por exemplo...
O dia está cinzento, chuva contínua e miudinha está na cidade,
apesar deste cenário respira-se tranquilidade.
Vai pelo passeio lentamente de forma a conseguir o equilíbrio
necessário, de carapuço na cabeça, mas alguns fios de cabelos
rebeldes escapam-se do carapuço e ficam humedecidos pela
chuva, mas não foi só isso que lhe aconteceu. Passava por um
jardim semi-abandonado e os arbustos fugiam das grades
vindo para o passeio, foi então que algumas folhitas lhe
molharam o rosto e uma bela gota de chuva desenhou-se nas
suas pestanas, que ao cair suavemente na cara, parecia uma
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lágrima de alegria, alguns passos mais e uma enorme folha
enxugou-lhe todo o rosto, parecia e sentiu como se fosse uma
carícia da majestosa Natureza.
Querido Amigo estas passagens são algumas coisas que a vida
tem de doce, mas há muitas mais.
Não te incomodes de eu te falar de beleza e logo de seguida,
falar-te de coisas lamentáveis.
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Querido amigo, sabes que se fosse possível eu gritar para além
da loucura terrena, gritar tanto até que os ossos da cabeça, os
ossos das mãos e os ossos dos pés começassem a estalar, com
certeza sentir-me-ia muito melhor, ou pelo menos mais leve e
principalmente sentiria todo meu corpo a ter uma reacção de
actividade.
Meu amigo vou falar-te, isto é, se conseguir organizar um
raciocínio coerente... No dia dezoito de Janeiro de 1999 fui a
uma consulta de rotina no serviço de Nefrologia, esse dia ficou
profundamente marcado na minha insignificante vida, digo
insignificante vida, pois sou apenas uma partícula de pó nesta
imensa terra.
O médico disse-me que segundo as análises apresentadas, eu
teria de começar a tomar as seguintes medidas para com o
meu corpo...Vacina contra a hepatite, em três vezes, e cada
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uma em dose dupla.
Fazer a fistula no pulso esquerdo, a fistula consiste em unir
uma veia a uma artéria, parece coisa muito simples e para os
médicos realmente é simples, mas para mim não, faz-me muita
impressão, não vou poder movimentar a mão e o braço
esquerdo como até então, para além disso o pulso fica um
pouco deformado, estou a pensar na estética é verdade, mas se
assim não fosse seria sinal de que já não me importava
comigo, mas como ainda me importo, vou saber se posso usar
um pulso elástico para que a fistula não fique deformada
demais. Sabes meu amigo parece que há pulsos elásticos de
várias cores, assim poderei combinar o pulso com a roupa que
estiver a usar… por fim estarei pronta para fazer a
hemodiálise.
A hemodiálise consiste em fazer a limpeza do sangue e eu
«necessito disso porque meus rins não estão a funcionar como
é preciso.
Sempre pensei e ainda não consegui varrer essa ideia na
minha mente, e da minha vida, que esse tratamento seria o
Princípio………………………………………... do Fim.
Sabes como me imagino? Semi deitada, de rosto e mãos
pálidas rosadas, com vómitos, enjoos fortes, e por fim imagino-
me a vomitar, arrepia-me pensar que por algum dos muitos
motivos poderei vir a sentir meu sangue morno a percorrer
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meus braços e minhas mãos frias quase geladas.
Sabes que penso muito nestas situações e tenho medo, mas por
estranho que pareça vou fazer tudo que o médico disser,
excepto se algum tratamento for contrário às leis de Deus, é
uma lei importantíssima a que está escrita em Actos 15:28 e 29
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Vem comigo observar e escutar o silêncio ensurdecedor do
Universo, vem ver como a noite é calma, vem ver o vento, vem
ver o que acontece ao anoitecer, em que cada flor se
transforma numa cintilante estrela, vem ver a lua, de mãos
dadas assumiremos melhor o dia que vai calmamente
amanhecendo.
Estimulante é ter no meu ouvido a tua voz, estimulante é ter no
meu nariz o teu cheiro, estimulante é ter aquela peça de lã
fofinha em minhas mãos, nessa lã estão as tuas carícias, estão
os teus lábios, está a ternura existente em ti… É bom.
Querido amigo porque será, que tão grande sorriso nos lábios
e nos olhos tem aquele menino?
Eu acho que ele sorri publicamente daquele jeitinho, porque se
comunica com uma estrela, e então sorriem-se.
Aquele menino já não sorri há muito tempo em público, pois
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não, ele agora quando sorri esconde-se, pois ele agora é
homem e passou a observar a mulher, aliás a bela mulher e
como já chegamos à penosa conclusão, é impossível ser feliz,
sorrindo para uma estrela do universo e ao mesmo tempo ser
feliz com uma beleza humana.
Mas tudo isto é inevitável, como comparação temos um lindo
punhado de amores-perfeitos e um punhado de belos lírios,
quando os colocarmos num jarro, manter-se-ão com a mesma
beleza, mas quando esses dois punhados de belas flores
beberem avidamente a água que contém o jarro, sem duvida
alguma perderão sua beleza e murcharão.
Querido amigo, sabes quem cortou os amores-perfeitos, os
lírios, os cravos, as rosas as orquídeas, as tulipas e os
girassóis do meu quintal e que depois pelo caminho, espalhou
todas as pétalas onde só humanos tristes as pisam?
Mas pior ainda amigo, são os humanos rebeldes e cruéis eles
também pisam as minhas flores!
Sabes amigo quem fez e faz tal crueldade?
Sabes também quem espalhou os pedaços de lenha que me
costumam aquecer nas longas noites de frio, sabes por acaso
meu amigo?
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O que eu queria de ti vida, era que te tornasses um manso mar,
de suaves ondulações, queria que te tornasses num céu
brilhante com a lua e as estrelas a decorarem magnificamente,
queria de ti vida, uma sociedade justa, queria de ti uma
atmosfera límpida, como se tu vida fosses só o mais profundo
dos mares e lá habitaria a imensidão e esplendorosa vida das
flores.
Enquanto espero que te movimentes mesmo que seja de uma
forma lenta para as correntes de um límpido rio ou para as
límpidas marés, vou-me aconchegando. Estás a perguntar para
quem estou a falar?
- É para ti vida, sim para ti.
Na entrada da minha casa, que é a minha vida vou começar
por a calcetar com os belos godos que apanharei junto ao mar,
faço isso para que o frio do Inverno, ou dizendo de outra
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maneira para que a tristeza não se acumule à entrada e seja
impossível entrar ou sair. com os belos godinhos com certeza
vai-se formar uma pequena camada de gelo, tipo vidro muito
fininho, sei que estarei sujeita a escorregar ,cair e magoar-me,
mas vou sobreviver , o lamaçal manter-me à superfície. Vou
juntar novamente os pedaços de lenha, para meu aconchego e
suportar melhor o frio, ou melhor dizendo, a tristeza
melancólica.
Amigo disse para mim mesma que não mais vou viver com
estas expressões na mente, pois estavam a derrubar-me lenta e
cabalmente, as frases são por exemplo:
-Vou fazer Hemodiálise. Vou fazer hemodiálise. Vou fazer
hemodiálise.
- Em três quatro anos vou morrer. Em três quatro anos vou
morrer...
- Vou ficar numa cadeira de rodas... e tantas outras frases que
se acumulavam na minha mente.
Hoje adorado Deus, hoje amado amigo, posso dizer, que esses
pensamentos já não têm o mínimo de espaço em mim, ou no
meu eu ou na minha personalidade, ou ainda no meu intelecto.
Quando paro no meu espaço que é o meu quarto ,que é no fim
o meu tudo, para aprofundar melhor e com a lenta mas
indispensável calma, os assuntos que me parecem
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indispensáveis meditar, vejo-me entre seis metros quadrados, e
eu tendo cerca de um metro e sessenta centímetros de altura e
com cerca de cinquenta e seis quilos de peso , vê só, acho que
estou encurralada, parece-me não poder movimentar como o
meu desejo, isto se analisarmos as medidas literais, pois se
analisarmos ainda que seja superficialmente as medidas de um
jeito simbólico ou de uma forma intelectual, eu querido amigo
estou a asfixiar, como pode meu pensamento ou minha
fantasia ir mais além daquela enorme janela que isso sim é
linda, a janela é linda mas o que se vê e o que se ouve, é quase
tudo muito feio e muito barulhento. O que há de belo são os
passarinhos todas as manhãs incansavelmente cantam, ainda
sem ter de pegar no odioso relógio sei que são perto das seis
horas, muito de vez em quando caminham lentamente casais de
velhinhos com seus lindos cabelos branqueados, ou então um
ou outro bebé e, crianças sorrindo, mas acredita meu amigo
estes últimos três casos são uma raridade, isto é estão em via
de extinção.
Por estas situações e tantas outras, que não sou capaz de
descrever, porque se o fizesse iria ser hiper-cruel, porque a
vida, a sociedade em que vivemos é muito rígida, parece-me
que quer fazer de nós robôs insensíveis, se não nos tornarmos
em tais seres, vamos sofrer e sofrer, abriremos o saco lacrimal
e nossas lágrimas não pararão de correr, correr pelo rosto
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fora, pelo rosto abaixo, também nem sou capaz de
compreender porque é que as lágrimas correm e não se
recriam, tudo o que fazemos é uma corrida competitiva contra
o vento, tudo isto é somente uma loucura desvairada,
desvairada sim, eu falo por mim, um destes dias apetecia-me ir
para cima daquele muro fazer equilibrismo, acenar
violentamente com as mãos com os braços, levantar uma
perna, depois a outra, cantar muito alto, enfim exteriorizar
toda a tristeza represada, sim digo tristeza e não há engano,
pois o que tenho eu feito para me libertar deste sentimento?
Vou-te dizer... No mesmo muro coloco-me de cocaras,
escondida, parece até mesmo, que estou a espiar os seres que
ainda conhecem a alegria, embora também tenham
conhecimentos básicos da tristeza, mas felizmente sobressaem
nesses seres a felicidade.
Tudo isto, são divagações, sim aceito, mas são muito mais que
sentidas, são o que me fazem viver, ou seja o que me fazem, rir,
chorar, cantar, entristecer, enfim uma infinidade de
sentimentos, que de uma forma ou outra vai demonstrando
quem sou. Falar quem sou é bastante complicado, digo
complicado pois eu a falar de mim só direi aquilo que quero, o
que não quero fica apenas em pensamento e quando muito
podem ficar nuances por entrelinhas que só alguns
compreenderão, aqueles que pensam ser os donos da verdade
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até mesmo dos pensamentos e sentimentos do mais próximo, oh
Amigo como se enganam. Mas raciocinando melhor as coisas
que não escrevo é porque no fundo não fazem parte da minha
vida, apenas foram momentos pontuais e passaram os quais
não merecem ser recordados.
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Amigo vou falar-te um pouco mais de mim.
Tenho de ficar inerte para que seja capaz de controlar minhas
emoções, só assim sou capaz, vou pensar muito, mesmo muito
nas imensas e variadas tonalidades do céu e claro dos
magníficos mares, vou pensar em azuis, azuis, azuis ilimitados,
descobri que é uma cor que me transmite serenidade. Minha
vontade era dizer a cada pessoa a quem amo e ou a cada
pessoa que me queira bem, assim como eu a queira bem, então
diria...
- Quando eu morrer veste azuis e não me beijes, sim quando eu
morrer veste azuis e não me beijes. Peço-te isto porque te
tenho amor.
Mas quando falo em”morrer” também poderia usar outra
palavra mais sossegada e mais apreciada num espaço
simbólico, diria então:”quando estiver como um lago!”
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Sabes porque me sinto um sereno lago, onde as águas se
movem suavemente? É porque não tenho liberdade corporal ou
liberdade de movimentos para poder dizer:
- Eu sou como o Mar, com bravas e brandas ondulações, eu
sou como o Mar de marés-altas e marés baixas, eu sou como o
Mar cheio de energia invejável.
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Passou um longo período de tempo, não sei bem quanto, e não
te falei escrevendo, porém neste momento sinto-me impelida a
dizer-te:
- Meus pensamentos e meus sentimentos têm andado em
sobressalto, mas nunca se perderam no espaço quanto ao teu
ser, quanto há tua existência, pois pesa bastante o facto de
falarmos o mesmo idioma, embora porém a maioria das vezes
obtenho de ti respostas apenas em monossílabas, mas como me
escutas faz-me sentir bem, pois estou a partilhar com um ser
igual a mim os meus pensamentos e ou sentimentos, no entanto
quando chega a hora de te pronunciares aí sim é bom e então,
respiro fundo de alivio.
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Meu amigo estamos no sexto mês de 1999 e ando
entusiasmadíssima com a perspectiva de ter um lar só meu,
mas tudo isto ainda não está concretizado, embora tu meu
amigo e também quem comigo foi concebida no mesmo
instante no caloroso ventre de minha mãe, sim com a vossa
ajuda poderá ser possível a concretização, do meu sonho,
vamos aguardar.
Sim digo sonho mas poderei designar por outra expressão
como já o fiz em algum recanto deste texto dizendo:
- Uma casinha só para mim seria como um fio de sol na minha
escuridão.
Amigo estamos em meados de Julho de 1999 e parece-me estar
a ser difícil o esplendoroso brilho do Sol entrar em mim,
embora, acredita, eu me entregue totalmente a ele como que de
um encontro apaixonado se tratasse e dessa relação surgisse
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um lindo amor. Loucura a minha fundir sentimentos entre
assuntos materiais, ou seja uma casa e um amor.
Perto do fim do mês de Julho só tu e apenas tu querido amigo
estás a lutar contra as burocracias, leis cívicas e leis
bancárias, em união comigo, nem sei, bem como isto se
desenrolou tão rapidamente mas sei que estamos sozinhos! E
sei que vamos conseguir, não te parece?
A resposta surgiu tão rápida como brilhante e cintilante, pois
de tanto falares, andares e lutares o belo sol entrou em mim
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Olá meu amigo, estou bastante cansada, nem sei porquê, só sei
que não existe energia em mim. Estamos em meados de
Setembro e quanto à minha casa está tudo perfeitamente
encaminhado, já assinei o contrato promessa de compra e
venda e entreguei vinte e cinto por cento do valor da casa, tu
amigo fostes e és incansável quanto a todas as voltas que tive
de dar e na certeza que quanto ás” voltas” que faltam sei bem
que estás do meu lado, és querido.
Vou pedir, apelar e suplicar ao Altíssimo Deus que me
conceda alguma saúde, para que seja possível eu gozar o
prazer do meu lar. Amigo súplica por mim a Deus para que a
oração dupla e harmoniosa chegue ao nosso Adorável Deus
Jeová.
Amigo fala-me da nossa bela e pura amizade, fala-me de
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paixão para que me seja mais simples discernir os sentimentos,
fala-me de amor, sim de amor, para quando esse sentimento
chegar a mim eu consiga identificá-lo. Amigo, fala-me de todos
os sentimentos, pois de acções incompreensíveis estou eu
recheada de ver e receber. Necessito na realidade de diálogo,
mas tenho passado parte do meu tempo a fugir das pessoas,
mas são aquelas pessoas que ecoam na minha cabeça apenas
desta forma, que já de seguida te descrevo, embora já as tenha
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Amigo fala-me de amor.
Amigo não me digas que o amor é uma mentira.
Amigo diz-me o que vês para além do nosso horizonte.
Sabes o que vejo no meu horizonte? De um ponto ao outro no
grau da visão vejo negro, sim negro e mais negro, muitas vezes
fico tonta e sufocada.
Amigo perdoa os momentos que tenho de grande fraqueza, pois
tenho vindo a sentir-me exausta.
Querido amigo por vezes sou capaz de observar as coisas e as
pessoas de uma forma muito engraçada, vejo tudo de um
cintilante magnifico, vejo o colorido do arco-íris, vejo o brilho
das pedras preciosas, vejo os enormes sorrisos, vejo braços
prontos a abraçarem, vejo árvores a florirem ou as suas folhas
amarelarem ou a avermelharem e caírem, vejo a imensidão
dos peixes do mar, vejo a grandiosidade de variadíssimas
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espécies de aves, enfim vejo os mares e os céus muito azuis,
azuis límpidos e vejo a sensual lua tranquila, serena dona de
um prateado único e vejo o esplendoroso Sol brilhante risonho
e quente, que me aquece até ao recanto mais profundo do
corpo, respiro fundo e tudo fica bem melhor.
Amigo fala-me de Amor...
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Amigo não é minha intenção fazer destas palavras quase soltas
um diário por essa razão passo a compactar alguns dias e
sintetizar o acontecido. Em meados de Novembro fui como é
costumeiro à consulta de nefrologia, a sensação foi muito pior
que entrar num jipe e calcorrear montanhas, pois meus órgãos
e todo o resto do corpo andaram em sobressaltos e turbilhões.
Houve duas tentativas para me fazerem uma fistula em duas
semanas mas não conseguiram, foi difícil passei a tremer
muito com dores e desde esses dias quando sinto medo, tremo,
tremo sem conseguir controlar as tremuras do corpo, quando o
medo se dissipa as tremuras desaparecem.
Estamos a meio do mês de Dezembro e aguardo a chamada do
médico para um internamento hospitalar de poucos dias, mas
muito necessários, pois vou fazer a dilatação das veias e então
voltar a tentar fazer uma fistula, desejo com as reservas de
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forças que existe em mim o sucesso da terceira fistula uma vez
que os médicos optaram por a realizar num cotovelo ou
ombro, tenho medo, muito medo. Os dias vão passando e sinto-
me cada vez mais fraca, as cãibras nas pernas e nos rins
arrasam-me. Todas as manhãs por volta das sete horas acordo
com energia, mas é uma energia de pouca duração, pois assim
que se aproxima as catorze horas estou muito, muito cansada e
sem força até mesmo para andar. Estou convencida que tenho
mesmo de começar a fazer a hemodiálise. Sabes o que vejo ou
imagino, nem sei... Quem amo e quem me ama, tendo espasmos
de lágrimas que não se soltam, espasmos de abraços que não
se dão, a tristeza da observação de um desenrolar de
acontecimentos já repetidos, e, por fim o baixar dos braços.
Afinal para quê tentar estancar o fogo no palheiro?
O mais sensato é deixar a fúria da doença desabafar e explodir
e então depois vê-se os estragos que são possíveis reparar e
nessa altura lá continuaremos outra vez a labutar em união,
certo?
Mas se o fogo é a ultima alternativa a deixar acontecer para
limpar então que avance, pois sem duvida é a recta final. No
fim o que não puder ser reparado, que digo-te amigo, haverá
muitas perdas vamos deixar correr em fúria as lágrimas e os
abraços represados em nossos corpos e derrubar de uma vez
para sempre os espasmos.
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Sei que sou egoísta, fiquei assim não sei bem porquê, não sei
se foi a dor física, se foi a dor mental, que me transformou, e
me tornou egoísta, mas...
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Foi um matrimónio de catorze anos, que no fim se desfez como
qualquer laço, como se não tivéssemos tantas histórias para
além de um quotidiano básico ou vulgar, mas não foi tão
básico como pode parecer, toda a minha adolescência e
juventude foi a teu lado, cresci contigo tornei-me mulher a teu
lado, tivemos uma filha… (a Priscila) que também a teu lado a
perdi para o profundo adormecimento, a teu lado fiquei
totalmente cega, e, a partir daí sim foi uma das mais vulgares
coisas que aconteceu e perdi-te como marido, companheiro e
amigo, sim foram os vícios da vida que me apartaram de ti e tu
sem saberes o que se passava, pediste-me para ficarmos
juntos, pediste uma e outra vez sem conta, e eu, eu só tinha
uma resposta codificada na mente, era o apático, o ávido e o
negro não... e dessa forma se concretizou o desenlace, eu não
fui capaz de te dizer o que se passava comigo e tu amigo não
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foste perspicaz para poderes entender em que turbilhão
andavam minhas emoções. Hoje já conto cinco anos desde esse
dia, e tenho-te como um bom Amigo.
Amigo falei-te nas duas fístulas que fiz sem sucesso, depois
houve a perspectiva de uma terceira, fiz um curto internamento
para fazer a dilatação das veias, mas não correu assim como
estava planeado.
No dia vinte oito de Dezembro fui à consulta de rotina de
nefrologia e tive a triste noticia de que meus rins tinham
piorado muito, logo no dia seguinte o médico colocou-me um
cateter no lado direito do pescoço, nesse mesmo dia comecei a
fazer a hemodiálise, fiz durante três dias consecutivos depois
passei a fazer em dias intercalados, actualmente estou no
centro de diálise da prelada, faço diálise ás segundas, ás
quartas e ás sextas-feiras das dezoito e trinta ás vinte e duas e
trinta.
Agora estou desarmada para qualquer luta ou aquisição,
parece que todos se apoderaram do meu corpo, sim não tenho
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controle sobre ele.
O que ainda, consigo desejar ter, com uma ansiedade imensa é
a minha casa, sim preciso de meu lar para estar só, aí ninguém
me pode roubar a solidão, ninguém!
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Sinto que me esqueço de algo muito importante mas não sei bem
do que se trata, faz-me recordar quando a minha filha morreu,
meu pesar e minha tristeza faziam com que eu sentisse a falta de
uma enorme parte do meu corpo e dessa maneira eu não sabia
como andar, parecia-me algo inatingível, então agora, sinto o
meu corpo mais ou menos assim:
- Por vezes as pernas estão tão leves quem nem as consigo fazer
com que obedeçam aos desígnios da mente, os braços por vezes
ficam tão pesados que o melhor é ficar inerte, na boca sinto
muito frio, como se eu a tivesse aberto para falar e
simplesmente me esqueci de a fechar e dessa forma o frio
conserva-se no céu da boca e lentamente mas sem vacilar vai
chegando à cabeça e fico perdida em pensamentos abstractos,
que também não consigo concluir. Estou muito cansada. Não
estou a ser capaz de apagar as interrogações que a vida me
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impõe.
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Querido amigo, como foi emocionante a visita que fizemos à
minha casinha, como ela é bonita, pequena como que para
bonecos lá viverem se tratasse, vi tudo, tudo com as mãos pois
é minha forma de ver, vi as janelas, vi os roupeiros embutidos,
vi os armários da cozinha, vi as louças da casa de banho, vi os
azulejos da cozinha, vi o parquet do quarto enfim fiquei super
entusiasmada. Eu e tu começamos a tratar de saber e resolver
as coisas necessárias para colocar os contadores da água e da
luz mas até meados de Maio ainda não foi possível resolver
tais assuntos, mas não demorará muito mais tempo pois
ficaram de entregar a casa com a licença de habitabilidade em
Agosto, vou esperar até lá com ansiedade mas desta vez é uma
ansiedade serena pois
ter visto a minha casa tornou-se mais real.
Vou pedir, suplicar, apelar, e, falar com nosso Adorado e
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Amado Deus Jeová que me conceda o privilégio de a habitar
por tempos, o meu aconchegante lar.
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Questionas porque vivi e senti e pensei, em algum recanto da
minha vida esta forma de viver? Nem eu mesmo sei explicar, o
que sei e com uma clareza sem descrição é que amadureci,
cresci, e quando dei conta no trigésimo ano da minha
existência, não era apenas uma mulher madura, mas uma
mulher velha, muito velha, essa velhice já vinha de há muitos,
muitos anos atrás.
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Sim há palavras que nunca te direi, porque existe em mim o
amar.
É já madrugada e não consigo adormecer, estou consciente
que lutei, lutei todo este longo, longuíssimo dia para que as
recordações não me invadissem, e não se apoderassem de
mim, mas saí vencida, como tantas outras guerras que
enfrentei e sempre fui a derrotada, perguntas quais?
Tentarei mencionar-te as mais relevantes, pelo menos para
mim, sim para mim, mas afinal estou eu a falar de quem, senão
de mim?
Esqueci de viver a mocidade, esfumou-se nem mesmo a senti,
antes de ser moça já era velha.
Aos dezoito anos tive a prova palpável da verdade que diz
quando um homem e uma mulher se unem tornam-se uma só
carne, linda filha era a minha Priscila,.. mas morreu, …sim
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desapareceu em apenas uma semana, está no seu profundo
sono.
No vigésimo terceiro ano da minha existência fiquei cega, sim
literalmente e completamente cega.
Quando tinha vinte e nove anos deixei ir o meu marido, sim foi
um divórcio pensado, repensado e consumado sempre sobre
pressão e de cabeças quentes, e o belo laço matrimonial
desenlaçou como cinza ao vento.
Aos trinta e três anos comecei a fazer e a depender da
hemodiálise para ir sobrevivendo, com a expectativa de um
transplante e a acompanhar o imortal medo, sim muito medo.
Hoje dia 15 de Julho do ano 2000, a tristeza entrou em mim e
não me abandona, recordei que a Priscila se estivesse
acordada completaria quinze anos de idade, recordei que faz
cinco anos que fiquei só, e, por fim chorei, chorei.
Peço-te Adorado Deus que me concedas uma noite relaxante,
pois minha mente está exausta e meu corpo dorido.
Amanhã o belo sol vai brilhar, cintilar e enfim vai mostrar que
é bom viver, e sorrir.
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O dia dez de Agosto de 2000 chegou discreto, sereno e junto
uma alegria límpida calma mas transbordante me inundou,
pois foi quando fiz a escritura da minha casa e é claro passei a
viver no meu espaço de encantamentos definitivamente, como
foi, é, e será bom.
Os meses passaram e fui me adaptando ao meu lar, colocar
uma coisa aqui outra ali, comprar uma peça para colocar
neste ou naquele canto, e por fim sinto que nada mais me falta
de essencial, os pequenos objectos vou com certeza consegui-
los aos poucos, pois também me parece ser aliciante a luta por
alcançar os alvos em minha mente ou os desejos de meu
coração, curioso, nunca sei se as coisas e as pessoas estão na
mente ou no coração, mas não faz mal, sei que um dia saberei
e conseguirei distinguir.
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É vulgar escutarmos esta frase: "...é como uma espada de dois
gumes..."
Diz-me por favor se puderes que erro há nessa frase?
Digo-te amigo ela está perfeitamente construída, senão
vejamos...
O homem e a Mulher. A vida e a morte. O amor e o ódio. A
guerra e a paz. A dor e o prazer. A tristeza e a alegria. A
justiça e a injustiça. A lágrima e o sorriso. O grito e o canto. O
ruído e a melodia. O escuro e o claro. O abraço e o empurrão.
A marcha e a correria. A loucura e a lucidez. A traição e a
fidelidade. A saúde e a doença. O optimismo e o pessimismo. A
inocência e a maldade. O leite e o sangue...e mais
comparações opostas haveriam, mas sempre, sempre unidas
pela distância infindável. Por tudo isto e por tudo aquilo que
não sou capaz de descrever, sei que estou consciente de que
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poderei levantar a espada dos dois gumes como uma tocha
iluminando meu caminho, minha vida, e, poderei rir, rir,
chorar, chorar, como louca, pois, o que é a loucura senão a
plena consciência da realidade?
No ínterim, destes desvairos sei que quanto mais depressa os
meus dias passam mais rápido chega o meu fim, mas é assim a
sublime vida. Amo-te vida, amo-te.
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É Junho, seis meses se passaram e não te falei escrevendo
Amigo. Tentarei resumir estes meses.
A diálise, sempre a diálise na rotina na minha vida,
acompanha-me por vezes sentimentos depressivos, nem sei
como ou se valerá a pena descrever pois são sempre iguais,
desconfortáveis, em que uma grande inquietação entra em
mim, depois bem, depois choro!
Sei bem que Amo, Amo com toda a força e de todo o coração a
ti amigo, e a todos os da minha família, e, olha que somos
muitos, vou descreve-los um a um, para não me perder vou
menciona-los por antiguidade, vejamos...
O meu Pai, a minha Mãe, o Valdemar, o Aloísio, a Isabel, a
Ana, a Zulmira, a Beatriz, a Joana, a Barbara, a Ângela, o
António José, a Anabela, a Catarina, o António e o João, a
todos deixo-vos a palavra que me inunda de alegria,
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AMO-VOS.
Durante a minha vida a luta pela sobrevivência tem se
mostrado árdua, difícil pelas razões pertinentes ao meu estado
debilitado de saúde, mas tenho sobrevivido e vivido, com a
vossa preciosa ajuda e sem dúvida com o Poder de Deus.
Sol, sol, és tu Bela querida, o sol que ilumina e aquece nossa
família, que aquece meu coração, brilha, brilha sempre sem
cessar.
Paula Máximo
Paula Máximo
faleceu a 31 de Dezembro de 2004.
aqui na Terra.
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O Amigo
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