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63-77 | Artigo
Resumo: Este escrito apresenta a possibilidade de uso da Geografia Histórica como um instrumento para
ativação do patrimônio-territorial. Busca, através de uma série de orientações metodológicas, iluminar
dinâmicas territoriais de tempos pretéritos para visibilizar agentes de produção do espaço
omitidos/esquecidos nos textos históricos, apresentando, numa microhistória, nuanças que revelem
outros possíveis percursos socioespaciais. Sustentado em observações acumuladas por mais de uma
década de estudos, pesquisas, bancas e escritos no campo da Geografia Histórica, apresenta-se de forma
didática dez riscos ao se deparar com estudos nesse campo da Geografia, notadamente, no
estabelecimento dos vínculos desta com o patrimônio material e imaterial.
DOI: https://doi.org/10.26512/patryter.v4i7.27406
Como citar este artigo: Andrade, A. B. (2021). Estudos em Geografia Histórica e seu vínculo ao patrimônio-
territorial. PatryTer – Revista Latinoamericana e Caribenha de Geografia e Humanidades, 4 (7), 63-77. DOI:
https://doi.org/10.26512/patryter.v4i7.27406
1 Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA, Professor federal do Ministério da Defesa / CMB. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-2176-5427. E-mail: abittandrade@gmail.com
significativo aumento da produção acadêmica para vislumbrar outros arranjos territoriais e atores
brasileira, seja pela expansão quantitativa dos que apresentem patrimônios obliterados ou
cursos de graduação e pós (MEC, 2019) , seja pela
i secundarizados pela perspectiva de “eleição”
competitividade e indução às publicações pelo pontual de determinados espaços, monumentos ou
mercado e instituições de fomento. No bojo desse práticas sociais para comporem o elenco de
volume estão os cursos de Geografia (Bauzys & patrimônios na nossa atualidade.
Ribeiro, 2015) e, com eles, os trabalhos voltados
ii Tem-se ainda como objetivos específicos:
para o campo da Geografia Histórica que abundam (1) apresentar orientações metodológicas que
em eventos científicos e aparecem como tal em evitem equívocos recorrentes nos estudos de
monografias, dissertações e teses. Geografia Histórica; (2) destacar o papel da
A participação ativa nesse período de cartografia histórica como instrumento
ampliação de trabalhos vinculados à Geografia fundamental para a interpretação de arranjos
Histórica (estudos de mestrado, doutoramento e territoriais do passado visto que apresenta, medidas
pós-doutoramento, além da observação e análise de as ressalvas técnicas e de intencionalidade, marcos
trabalhos acadêmicos na composição de bancas de representativos (simbólicos e concretos) da história
avaliação) permite inferir que a maior quantidade de um dado espaço; (3) estabelecer parâmetros que
veio acompanhada com algumas fragilidades possibilitem que os estudos da Geografia Histórica
qualitativas e equívocos que se repetem em “toquem” criticamente o tempo presente,
diversos trabalhos analisados. rompendo assim com as abordagens meramente
Essa problemática foi o contexto indutor descritivas de arranjos espaciais do passado.
da produção deste artigo, que se soma a outros Metodologicamente, a produção do texto
escritos que discutem teórica e metodologicamente deriva de uma longa pesquisa bibliográfica e
os caminhos da Geografia Histórica, a exemplo de embate teórico com outros autores. O escrito que
Vasconcelos (1999), Abreu (2002 e 2011), Moraes aqui se apresenta é resultado concreto do
(2009) e Andrade (2013). No caso do texto aqui aprofundamento dos debates desenvolvidos no
posto, além de apresentar riscos recorrentes nos “III Seminário Latinoamericano: Imagen y
estudos afins à área, procura-se vincular a representaciones espaciales. Perspectivas
Geografia Histórica ao processo corrente de geográficas” que aconteceu abril de 2019 na
patrimonialização, identificando possibilidades de UNAM (Universidade Nacional Autónoma de
usar o seu instrumental para ativação popular do México) e foi materializado na publicação do
patrimônio-territorial .iii terceiro número da revista PatryTer (Andrade &
Vislumbra-se, nesse sentido, a pesquisa Andrade, 2019). Sustenta-se então, em análises
científica como produto para a intervenção social. prévias (participação de bancas de mestrado e
Busca-se assim, através de uma série de orientações doutorado, diálogo com outros autores e aplicação
metodológicas, possibilitar que, para além da empírica dos constructos desse ramo disciplinar) e
descrição de objetos do espaço, as dinâmicas amadurecimento do resultado a partir de outros
territoriais de tempos pretéritos sejam iluminadas, textos já submetidos aos pares.
visibilizando os agentes de produção do espaço A estrutura do texto perpassa pela
omitidos/esquecidos nos textos históricos. discussão das dez seções relacionadas a seguir que
Objetiva-se, dessa forma, apresentar, numa demarcam pressupostos conceituais ou
microhistória (Lepetit, 2001), nuanças que revelem metodológicos para quem se propõe a fazer
outros possíveis percursos socioespaciais e estudos no campo da Geografia Histórica e, no
vivifique a Geografia como uma ciência social que caso aqui discutido, vinculá-la à discussão
ontologicamente se sustenta na capacidade patrimonial: (1) O entendimento do espaço
explicativa de entender o mundo a partir da geográfico como totalidade multidimensional, para
dinâmica dos territórios e como eles são muito além de uma visão fragmentada do mesmo;
produzidos e usados pelos homens. (2) Os limites e possibilidades da pesquisa em
Ratifica-se, então, que o objetivo geral que fontes primárias; (3) Os riscos de anacronia no uso
norteia o artigo é analisar pressupostos para de terminologias e/ou conceitos; (4) As estratégias
estudos de Geografia Histórica vinculando esse analíticas e metodológicas para avançar na pesquisa
campo da Geografia como instrumental para a da Geografia Histórica quando houver lacunas de
ativação do patrimônio-territorial. Rompe-se assim informação documental; (5) A identificação dos
com uma perspectiva habitual de naturalização do agentes de produção do espaço e seus respectivos
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Adriano Bittencourt Andrade Estudos em Geografia Histórica e seu vínculo ao
patrimônio-territorial
interesses, entendendo a sua diferenciação no sobre as mudanças de usos, que alterem a própria
tempo e espaço; (6) Diante das incontáveis essência existencial do que foi tombado ou que se
possibilidades de eventos num mesmo momento,
v iluminem determinados pontos do espaço em
deve-se considerar o texto histórico como uma detrimento a um mais amplo espaço da vida das
tentativa interpretativa de um dado arranjo espaço- pessoas que habitam aquela localidade. Dois
temporal; (7) O uso da cartografia histórica como exemplos cabais podem ser relacionados: no
instrumento de análise de paisagens pretéritas; (8) primeiro caso, a experiência de gentrificação do
Atentar para os limites técnicos e intencionalidades centro histórico de Salvador iniciado na década
presentes em cada fonte de pesquisa, notadamente 1990 (Andrade & Brandão, 2009) quando houve a
para as cartográficas; (9) Explorar a diversidade de expulsão da população local e a criação de um
fontes como estratégia de cruzar informações em espaço mítico, turístico e maquiado que alterou
busca da inapreensível dinâmica espacial; (10) Não bruscamente os usos e funções urbanas que aquela
restringir os estudos de Geografia Histórica à mera região exercia no contexto da cidade.
descrição quantitativa de fatos, eventos ou Equipamentos foram instalados e as demandas
disposição de objetos do passado e, nesse sentido, comerciais se impuseram às resistências residenciais
apresentar a mesma como “máquina de guerra” do entorno, criando um espaço sem vida, ou
que possibilite a ativação popular do patrimônio- melhor, com vida e serviços orientados para o
territorial. usufruto dos turistas ou dos soteropolitanos que
Cabe a ressalva de que não se arvora neste pudessem pagar para “consumir” o novo
artigo fazer um tratado metodológico sobre a Pelourinho. Um simulacro com luzes de um espaço
pesquisa na Geografia Histórica. Outros textos passado, sob a chancela da patrimonialização, que
citados alhures já foram escritos defendendo essa se impôs autoritariamente no centro da complexa
ampla temática. Pretende-se todavia que a realidade urbana da capital baiana.
observação e o cuidado no trato desse elenco de Um outro exemplo que salta aos olhos é a
pressupostos protejam o pesquisador de riscos realidade das pequenas cidades mineiras tombadas
recorrentes e remeta a uma pesquisa que vá para pela UNESCO, com destaque a Ouro Preto e
além da classificação de objetos fixos num Diamantina. Fruto de uma extensa pesquisa
determinado espaço-tempo. documental e empírica, Costa (2010) mostra como
a população mais fragilizada, que ocupa as
periferias dessas duas cidades, permanece alheia à
2. Do patrimônio como elemento própria história do espaço e, principalmente,
puntiforme ao espaço como totalidade “esquecidas” nas políticas públicas que canalizam
recursos à porção tombada do espaço urbano.
O primeiro dos riscos numa abordagem de O processo histórico do acontecer social
Geografia Histórica vinculada ao patrimônio é o se dá como um conjunto de possibilidades que se
sustentar-se naquela para “naturalizar” o que é tido enredam e se transformam em bases simbólicas e
ou tomado como patrimônio. Não obstante o concretas num contínuo embate entre o universal e
entendimento sobre os critérios para a seleção do particular, este e aquele mais ou menos distante a
que deve ser tombado pelos órgãos responsáveis partir de cada realidade espacial (universal como
em variadas escalas, deve-se ter a clareza de que o tendência e particular como acontecer real dos
“eleito” responde a determinados critérios, mas se lugares). Assim, os eventos se realizam
distancia de uma totalidade que é absolutamente seletivamente numa mesma totalidade. Selecionar
mais complexa e diversa do que é enumerado, determinados desdobramentos de eventos
limitado espacialmente ou classificado pelo poder acontecidos no desenrolar da vida cotidiana que
formal. Como bem alerta Costa (2017, por produz o espaço banal implica uma grande
vi
definir o que era o urbano para aquele tempo e Alguns espaços luminosos (Santos &
espaço, com o claro entendimento de que aqueles Silveira, 2001) no passado, como as capitais
viii
cuidados teóricos e metodológicos para justificar o Outra boa estratégia é ler/buscar as pistas que a
uso de conceitos amadurecidos em tempos mais falta de documentação sobre um determinado
recentes que o fenômeno estudado. espaço-tempo apresentam, como a obliteração de
agentes de produção do espaço, omissão
intencional de dados pelo poder central ou
5. Os “hiatos temporais” mesmo a pouca importância dada a determinadas
regiões coloniais.
É impossível apreender a totalidade do Abreu (2005) já havia sinalizado acerca
espaço social dada a sua dinâmica e a incontável desse problema e indicado como alternativa, no
possibilidade de arranjos. Considerando esse tocante ao trato com a cartografia histórica, a
axioma para a nossa contemporaneidade, a tarefa possibilidade de produzir mapas conjunturais a
de buscar dinâmicas territoriais em tempos partir da coleta de informações de outras fontes
pretéritos é ainda mais árdua, pois se dá a partir de pesquisa. Assim o fez para a realidade urbana
de um limitado conjunto de fontes, especialmente do Rio de Janeiro e tal metodologia já foi
nos espaços e tempos em que há lacunas de apropriada por outros estudos como o de
documentação. Andrade (2013) sobre o Recôncavo baiano.
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patrimônio-territorial
Figura 2 – Suíte du Bresil: depuis la baye de tous lês Saints jusqu’a St. Paul.
nossa contemporaneidade a partir de outras bases e fim, como elemento essencial, o mapeamento e
discursos históricos. análises acerca das transformações espaciais
Assume-se assim a premência de que os atinentes a cada período estudado.
estudos da Geografia Histórica sejam verdadeiras Sob essa base metodológica, não se deve
“máquinas de guerra” que iluminem grupos e descartar a importância que há na análise das
práticas ancestrais e apresentem novas lógicas paisagens reconstituídas a partir da distribuição de
constitutivas dos territórios de hoje. “alguns” elementos naturais ou técnicos numa dada
Essa perspectiva se aproxima do que se disposição espaço-temporal. A análise da paisagem
propõe neste artigo: tem-se nos estudos da permite que a Geografia Histórica revele “outras”
Geografia Histórica a possibilidade concreta de bases patrimoniais e se constitua em instrumento
iluminar, construir e cartografar patrimônios- de resistência.
territoriais pouco visibilizados pela historiografia Considera-se que, a partir desses
até então. pressupostos à pesquisa, é possível, então, ativar o
Considera-se o patrimônio-territorial, patrimônio-territorial a partir da periferia ou dos
conforme Costa (2017), como uma resistência que grupos que foram submetidos às forças
se territorializa. Resistência no sentido de que são hegemônicas. Entender o “novo” que surge do
expressões de um povo sobre um território, encaldeamento entre a imposição de determinados
algumas inclusive perdidas ou profundamente grupos que atuam estrategicamente sobre o
modificadas ao longo da história (a exemplo do território e a vida banal – dimensão existencial –
legado imaterial dos povos que sofreram etnocídio (sincretismo, resistência, novas identidades criadas
no processo de colonização latino-americano). – exemplo das vaquejadas, do cristianismo
Costa (2016, p.2) é enfático ao afirmar que “o vernacular).
utopismo patrimônio-territorial latino-americano Os excluídos não podem ser vistos (ou
(...) dá voz aos indígenas, às mulheres, aos pobres não vistos/omitidos da história territorial) como
urbanos; legitima a diversidade das memórias variáveis sem emoção. Devem ser entendidos
nacionais e acusa desmantelamentos por guerras e como parte incluída de um sistêmico e perverso
ditaduras. Reconhece que a mudança social no processo socioeconômico que se dá em bases
continente está nas mãos dos despojados e dos territoriais e, portanto, com diferentes e sucessivas
humilhados, perfazendo-se neles próprios”. temporalidades. Buscar essa espacialidade da
Entende-se, assim, que a produção da Geografia dominação presente, via de regra, na
Histórica, reveladora de dinâmicas territoriais do documentação histórica, é usar a ciência como
passado, deve ser utilizada, no presente, como “máquina de guerra” para ativar o patrimônio
instrumento fundamental para a ativação popular territorial. Para além das formas, é possível
desse patrimônio-territorial, símbolo da resistência vislumbrar outras histórias a partir da análise de
de povos oprimidos e que tem, no resgate da dinâmicas territoriais de tempos passados.
história que os visibilize, a possibilidade de A construção de análises que apresentem a
subverter a história posta e vivificar novas dimensão existencial do espaço permite, por
territorialidades sustentadas em práticas ancestrais exemplo, explicar as dinâmicas territoriais a partir
omitidas. de elementos e olhares endógenos e não a partir de
Os riscos para estabelecer esse vínculo são constructos exógenos. Caso exemplar da América
muitos, como também o são para aprofundar Latina que é sempre “explicada” a partir de um
estudos sobre dinâmicas territoriais do passado. olhar eurocêntrico ou anglo-saxão e pouco se viu
Nesse sentido, o rigor metodológico pavimenta um por dentro. Esse alerta feito por Santos (2006) e
caminho seguro a trilhar nessa imensa miríade de Lemos (2018) reverbera em trabalhos que se
possibilidades de estudos na Geografia Histórica, avolumam nas últimas décadas, a exemplo dos
muitos tidos como tal, mas restritos a relatos escritos publicados regularmente em revistas
descritivos ou carentes de base espacial, como científicas como a PatryTer - Revista
sinaliza em estudo crítico Costa (2015). Sugere-se Latinoamericana e Caribenha de Geografia e
aqui como uma alternativa metodológica a Humanidades, que se estrutura segundo essa
proposta feita e aplicada por Vasconcelos (2002), perspectiva aqui indicada.
na qual o autor propõe quatro fases essenciais para Fundamentalmente, entende-se, por
os estudos neste campo: o estabelecimento exemplo, que os modelos analíticos impostos de
criterioso de uma periodização adequada àquele fora podem explicar a realidade latino-americana a
tempo e espaço, a contextualização em diferentes partir da lógica econômica e da industrialização e,
níveis escalares, a identificação dos agentes de com esse enfoque, corrompido, economicista, os
produção do espaço e os interesses em jogo e, por pobres são entendidos como uma variável, sem
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patrimônio-territorial
emoção. Não como parte de um sistêmico e ocupação, mas outra lógica territorial não mapeada
excludente processo socioeconômico capitalista. pelos agentes hegemônicos.
Deve-se, então, estar alerta para o fato de que os (5) A cartografia histórica é
resultados obtidos numa pesquisa são resultantes definitivamente um instrumento habitual e
de “uma” realidade vivida, uma dinâmica social essencial aos estudos de Geografia Histórica, visto
espacializada em relações territoriais entre que apresenta uma perspectiva interpretativa (de
oprimidos e opressores. E que ambos devem ser quem fez o mapa) sobre as configurações espaciais
mapeados sob o risco de olhares míopes e de um determinado tempo e espaço. Deve-se ter a
estereotipados sobre o território usado no passado clareza, entretanto, que a dinâmica territorial é
e agora. muito mais complexa que as possibilidades de um
mapa, sendo esse uma mera representação escalar
de alguns componentes fixos selecionados para
12. Considerações finais serem mostrados.
(6) A Geografia Histórica como campo do
Entendendo as limitações óbvias de um saber e o patrimônio como elemento social
aprofundamento de discussão e análise no campo (material ou imaterial) selecionado sob
de um único artigo científico, ratifica-se que o que determinados critérios podem, ambos, articulados,
se pretende com esse escrito é acrescentar se apresentarem como instrumento de resistência,
elementos ao diálogo teórico-metodológico na ao passo que possibilitam a ativação popular do
construção da Geografia Histórica brasileira. patrimônio-territorial com o resgate e visibilização
Assim, num exercício de síntese, de práticas e grupos de agentes omitidos pela
apresentam-se a seguir as ideias fortes aqui historiografia oficial.
defendidas como pressupostos conceituais ou (7) De outra forma, pode-se afirmar que é
metodológicos para quem se propõe a fazer possível vislumbrar outras e novas histórias a partir
estudos no campo da Geografia Histórica da apreensão de dinâmicas territoriais passadas.
vinculando-os ao processo em curso de ativação Não é tarefa fácil, exige grande rigor metodológico
popular do patrimônio-territorial. e analítico para não sucumbir ao desejo de
(1) A ação social dos agentes de produção simplesmente dizer algo novo sem um
do espaço (hegemônicos e hegemonizados) deixa embasamento na pesquisa primária, sendo que esta,
marcas concretas no território usado, desta forma é via de regra, foi produzida por agentes
passível de representação cartográfica e registro hegemônicos. Ou seja, é a busca por
textual que deve ser buscado/produzido a fim de documentação escrita, cartográfica, iconográfica e
dar visibilidade a todos os agentes, o que possibilita oral que possibilita lançar olhares interpretativos a
mais de uma leitura do evento vivido. grupos e espaços que têm pouca presença na
(2) Os estudos de Geografia Histórica documentação oficial, porquanto, carecem de um
possibilitam abrir luz a novas interpretações sobre protagonismo na escrita da história, visto que a
os processos que estruturaram dinâmicas possuem na existência e na produção do território.
territoriais no passado. Uma boa alternativa para (8) Esses aspectos anteriormente
alcançar essa possibilidade é a diversificação e apresentados dão margem para a proposta pensada
cruzamento de fontes de pesquisa. e sugerida por Costa (2017) de ativar patrimônios-
(3) Há uma série de dificuldades que se territoriais por e a partir da periferia. A Geografia
impõe ao pesquisador que se arvora à busca por Histórica possibilita o recontar da história do
interpretações de dinâmicas do passado, uma delas território com a identificação dos agentes de
está vinculada à disponibilidade de fundos com produção do espaço, analisando os seus interesses
documentação que lance luz aos eventos pretéritos. e articulações e permitindo o entendimento de
O exercício dessa busca é um verdadeiro (i)lógicas que se impõem ao território de hoje, mas
“garimpo” documental e um trabalho típico do que refletem estruturas socioespaciais de tempos
pesquisador da Geografia Histórica. bem mais recuados.
(4) A pesquisa em arquivos por vezes Na construção dessas elaborações teórico-
apresenta verdadeiros “hiatos” de documentação. metodológicas sobre a Geografia Histórica e a
São encruzilhadas da pesquisa em que a lacuna de ativação popular do patrimônio-territorial, há
dados históricos obscurece olhares interpretativos certamente uma série de lacunas que se apresentam
sobre os fatos espaciais. Alternativas a esta situação como pistas para pesquisas que seguem, a exemplo
está na busca por outras fontes e no entendimento da discussão sobre as transformações sociais
de que a ausência de dados não significa o vazio de decorrentes da patrimonialização de
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