Você está na página 1de 1456

Ficha Técnica

Título

IV Colóquio Interdisciplinar de Cognição e Linguagem: educação, trabalho e identidade

Paginação e Organização Gráfica

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro


ISSN 2318-2938

Coordenação da Comissão Organizadora

Prof. Dr. Carlos Henrique Medeiros de Souza


Centro de Ciências do Homem (CCH/UENF)
Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem

Comissão Científica
Prof. Dr. Almy Junior Cordeiro de Carvalho
Prof.ª Dr.ª Analice de Oliveira Martins
Profa. Dr.ª Annabell Del Real Tamariz
Prof.ª Dr.ª Bianka Pires André
Prof. Dr. Carlos Eduardo B. de Sousa
Prof. Dr. Carlos Henrique Medeiros de Souza
Prof.ª Dr.ª Eliana Crispim F. Luquetti
Prof. Dr. Fermín Alfredo Tang Montané
Prof. Dr. Gerson Tavares do Carmo
Prof. Dr. Gilberto Lourenço Gomes
Prof. Dr. Giovane do Nascimento
Prof. Dr. Julio Cesar Ramos Esteves
Prof. Dr. Leonardo Rogério Miguel
Prof.ª Dr.ª Maria Eugênia Ferreira Totti
Profa. Dr.ª Mylene Nogueira Teixeira
Prof.ª Dr.ª Nadir Francisca Sant’Anna
Prof. Dr. Nilson Sérgio Peres Stahl
Prof. Dr. Pedro Wladimir do Vale Lyra
Prof. Dr. Renato Augusto DaMatta
Prof.ª Dr.ª Rosalee Santos Crespo Istoe
Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura
Prof.ª Dr.ª Vera Lucia Deps
Profa. Dr.ª Verusca Moss Simões dos Reis
Comissão Organizadora

Andressa Teixeira Pedrosa Zanon


Auner Pereira Carneiro
Carolina Crespo Istoe
Daniele Fernandes Rodrigues
Fernanda Castro Manhães
Isabel Fernandes
Janete Araci do Espírito Santo
Jaqueline Maria de Almeida
Karine Castelano
Laís Teixeira Lima
Larissa Brum
Marcela Ribeiro
Márcia Regina Viana
Mary Jeanne Tavares
Matheus Carvalho de Mattos
Milena Ferreira Hygino Nunes
Monique Teixeira Crisóstomo
Osli Julieth Tirado Estupiñan
Paula Alice Müller Bessa
Paolla Santos Souza
Raquel Rosa
Ruana da Silva Maciel
Shirlena Campos de Souza Amaral
Tanisse Paes Bóvio Barcelos Cortes
Prof.ª Dr.ª Analice de Oliveira Martins
Prof.ª Dr.ª Bianka Pires André
Prof. Dr. Carlos Eduardo B. de Sousa
Prof. Dr. Carlos Henrique Medeiros de Souza
Prof. Dr. Gerson Tavares do Carmo
Prof. Dr. Giovane do Nascimento
Prof.ª Dr.ª Eliana Crispim F. Luquetti
Prof. Dr. Julio Cesar Ramos Esteves
Prof.ª Dr.ª Rosalee S. C. Istoe
Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura
Prof. Dr. Nilson Sérgio Peres Stahl

O TEOR DOS TEXTOS PUBLICADOS


NESTE VOLUME, QUANTO AO
CONTEÚDO E À FORMA, É DE INTEIRA
E EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DE
SEUS AUTORES.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................... 12

PROGRAMAÇÃO GERAL .............................................................................................................. 13

ARTIGOS COMPLETOS DAS APRESENTAÇÕES ORAIS..................................................................... 14


GT 01 – Língua, Linguagem e Educação ........................................................................................ 15
OS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DIDÁTICOS E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA....................................................................................................................... 15
A IMPORTÂNCIA DO DOMÍNIO DA ESTRUTURA TEXTUAL COMO BASE PARA A ESCRITA ................ 31
A CONSTRUÇÃO DOS SABERES E O PIBID: A PESQUISA-AÇÃO NO PROCESSO FORMATIVO ............ 48
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A TRANSPOSIÇÃO DOS PCNS ÀS PRÁTICAS DE SALA DE AULA:
ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA ........................................................................................................... 64
A POLIFONIA NO PROCESSO DE MEDICALIZAÇÃO DE ALIMENTOS: UM RECURSO DISCURSIVO EM
CAPAS DE REVISTAS FEMININAS ....................................................................................................... 77
ALFABETIZAR: A ARTE DE TRANSFORMAR ........................................................................................ 95
A EXPRESSIVIDADE DOS NEOLOGISMOS EM MARCELO, MARMELO, MARTELO, DE RUTH ROCHA:
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O ENSINO DE LEITURA ........................................................................ 110
A PRODUTIVIDADE EXPRESSIVA DAS CONSTRUÇÕES FRASAIS EM “A CEIA” DE LYGIA FAGUNDES
TELLES .............................................................................................................................................. 121
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA UTILIZAÇÃO DO LIVRO
DIDÁTICO ......................................................................................................................................... 133
O LIVRO DIDÁTICO E O NEGRO: EM FOCO OS LIVROS DIDÁTICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
APLICADOS NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES .................................. 147
SOFISMAS DA ATUALIDADE............................................................................................................. 164
O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA REFLEXÃO
NECESSÁRIA..................................................................................................................................... 177
EXPRESSÃO SOCIAL: UM CRUZAMENTO ENTRE A PALAVRA E O CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO
DISCURSO ........................................................................................................................................ 196
LETRAMENTO DIGITAL: O CONSUMO E AS RESSIGNIFICAÇÕES DAS TICs....................................... 212
GT 02 – Informação, Educação e Tecnologias ............................................................................. 220
PROFESSOR-NAVEGADOR NO INFO-MAR DIGITAL: O USO DA TECNOLOGIA MÓVEL NO ENSINO DE
INGLÊS ............................................................................................................................................. 220
PRÁTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA NA REDE SOCIAL FACEBOOK ........ 237
“UMA CÂMERA NA MÃO”, MAS QUAL IDEIA NA CABEÇA? ............................................................ 254
USO DO CELULAR COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA .................................... 271
NATIVOS DIGITAIS E IMIGRANTES DIGITAIS: APLICABILIDADE DOS CONCEITOS DE MARC PRENSKY
NA REALIDADE DE ESTUDANTES BRASILEIROS................................................................................ 284
NOVOS PARADIGMAS PARA A TEORIA DA INFORMAÇÃO “MENSAGEM-EMISSOR-RECEPTOR” EM
TEMPOS DE NOVAS TECNOLOGIAS ................................................................................................. 297
O SABER PEDAGÓGICO E LITERACIA DIGITAL: CONSTRUINDO PRÁTICAS NO COTIDIANO ESCOLAR
......................................................................................................................................................... 316
O USO DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO
ENSINO MÉDIO DA ESCOLA ESTADUAL CÂNDIDA PÓVOA - ES ....................................................... 331
A COGNIÇÃO E AS TICS: APRENDIZAGEM MEDIADA PELA INTERAÇÃO .......................................... 347
A EVOLUÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO AO LONGO DO TEMPO E A PERCEPÇÃO DOS
PROFESSORES SOBRE SUA UTILIZAÇÃO NA SALA DE AULA ............................................................ 354
TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTA PARCERIA......................... 369
A EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MODALIDADE À DISTÂNCIA NO BRASIL, NOS 13
PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XXI, COMO CONSEQUENCIA DA EXPANSÃO DAS TIC´S .................. 377
DIÁSPORA: A REDE SOCIAL DIGITAL LIVRE, ENCRIPTADA, FEDERADA, DESCENTRALIZADA,
DISTRIBUIDA, SEGURA E PRIVADA .................................................................................................. 391
PROFESSORES ESTADUAIS E A UTILIZAÇÃO DAS TICs NO COTIDIANO ESCOLAR: DESAFIOS DA
CAPACITAÇÃO ................................................................................................................................. 403
A INFORMATIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: ....................................................... 414
A INCLUSÃO SOB O OLHAR DA TECNOLOGIA.................................................................................. 414
A PRESSA É INIMIGA... DO JORNALISTA: COMO A ACELERAÇÃO DOS PROCESSOS INTERFERE NA
QUALIDADE DO DISCURSO JORNALÍSTICO ...................................................................................... 425
INFOGRAFIA MULTIMÍDIA: UM NOVO GÊNERO DO JORNALISMO ON-LINE .................................. 444
A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL – UMA ANÁLISE INICIAL DO CENÁRIO BRASILEIRO DE
ESTUDOS NA MODALIDADE A DISTÂNCIA NOS ÚLTIMOS 4 ANOS ................................................. 459
AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM. UMA ANÁLISE INICIAL DA UTILIZAÇÃO FRENTE A
ALUNOS E DOCENTES NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE COMO FERRAMENTA
DE APOIO AO ENSINO PRESENCIAL ................................................................................................. 472
SEQUÊNCIA DIDÁTICA E TECNOLOGIA: O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO NO ENSINO SUPERIOR .. 486
CIBERATIVISMO E A REDE: AS INTERSECÇÕES ENTRE A DEEP WEB E A SURFACE WEB.................. 496
HISTÓRIA E TECNOLOGIA: REDES SOCIAIS, VÍDEO E FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTOS NA
PRÁTICA DE ENSINO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA DO ENSINO BÁSICO ........................................ 509
ENSINAR PARA A GERAÇÃO TECNOLÓGICA: UM DESAFIO PARA A ESCOLA E PROFESSORES DA
CONTEMPORANEIDADE .................................................................................................................. 520
REFLEXÕES SOBRE O CIBERESPAÇO COMO LUGAR DE MEMÓRIA SOCIAL ..................................... 534
GT 03 – Pesquisas Interdisciplinares em Educação e Saúde ........................................................ 550
SER/ESTAR DRAG QUEEN: O VESTIR-SE DE UM GÊNERO................................................................ 550
ÁGUA: BEM COMUM PARA AS ESCOLAS E PARA A VIDA ................................................................ 564
TECNOLOGIA ASSISTIVA E TERAPIA OCUPACIONAL: CONFECÇÃO DE MESA ADAPTADA PARA A
PROMOÇÃO DA AUTONOMIA NO DESEMPENHO DA ATIVIDADE DE ALIMENTAÇÃO EM IDOSOS
HOSPITALIZADOS............................................................................................................................. 578
A MODELAGEM MATEMÁTICA NA LICENCIATURA: UMA EXPERIÊNCIA NO PIBID ......................... 590
REFLEXÕES SOBRE OS CONCEITOS SOBRE DROGAS: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES NAS AÇÕES
PREVENTIVAS E TERAPÊUTICAS....................................................................................................... 604
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE PROMOÇÃO DE SAÚDE E A AÇÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS
NESSE PROCESSO ............................................................................................................................ 613
A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO – A PERSPECTIVA
VYGOTSKYANA DA EDUCAÇÃO NA ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL .............................. 624
ALFABETIZAÇÃO E APRENDIZAGEM NA TERCEIRA IDADE: EDUCAÇÃO, INCLUSÃO E CIDADANIA . 634
“COMER E CONVERSAR É SÓ COMEÇAR” - AS NARRATIVAS CULINÁRIAS COMO ESTRATÉGIA DE
RECONHECIMENTO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO COMER, BEBER E ENVELHECER ............. 647
PERFIL DE ADOLESCENTES GRÁVIDAS ATENDIDAS PELO SISPRENATAL EM CAMPOS DOS
GOYTACAZES, RJ .............................................................................................................................. 660
OBJETOS DE APRENDIZAGEM:ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NA BASE SCOPUS ................................... 674
ATENDIMENTO HUMANIZADO: ANÁLISE ESTATÍSTICA DAS PUBLICAÇÕES NA BASE SCOPUS ....... 686
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NO BRASIL E NO MUNDO A RESPEITO DO TEMA MELANOMA NO PORTAL
ISI WEB OF KNOWLEDGE................................................................................................................. 698
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA A RESPEITO DAS PUBLICAÇÕES MUNDIAIS E BRASILEIRAS SOBRE
TIROXINA NA BASE SCOPUS ............................................................................................................ 716
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NO BRASIL E NO MUNDO SOBRE OS PRINCIPAIS TIPOS DE CÂNCER NO
PORTAL SCOPUS .............................................................................................................................. 731
MANUTENÇÃO DA APTIDÃO FÍSICA DO IDOSO MEDIANTE EXERCÍCIO FÍSICO ............................... 747
GT 04 – Multiculturalismo e Processos de Formação Humana .................................................... 758
O MULTICULTURALISMO NO AMBIENTE ESCOLAR: QUESTÕES PERTINENTES AO TRABALHO
DOCENTE ......................................................................................................................................... 758
ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL NA REDE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO E SUA RELAÇÃO COM
A FORMAÇÃO HUMANA.................................................................................................................. 782
A GEOMETRIA E O DEFICIENTE VISUAL: UMA PROPOSTA DE INCLUSÃO UTILIZANDO MATERIAIS
CONCRETOS ..................................................................................................................................... 794
A EDUCAÇÃO COMO PROCESSO DE FORMAÇÃO VIRTUOSA DO CIDADÃO EM ARISTÓTELES ....... 807
GT 05 - Educação, Trabalho e Qualidade .................................................................................... 818
POLÍTICA EDUCACIONAL PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O SIGNIFICADO DO PROEJA
SEGUNDO OS PROFESSORES / IFF ................................................................................................... 818
A NOVA EJA NA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE SEUS DISCENTES ..................................................... 833
ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E DO CONCEITO DE
INTERDISCIPLINARIDADE ................................................................................................................. 850
SATISFAÇÃO E IMPORTÂNCIA DO CURSO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA - CAMPUS ITAPERUNA NA
PERCEPÇÃO DISCENTE..................................................................................................................... 860
O ESTUDO DE CASO NA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O ENSINO DE JOVENS E ADULTOS:
REPENSANDO A DOCÊNCIA ............................................................................................................. 875
DESAFIOS DA PRÁTICA EDUCATIVA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO SÉCULO XXI ..................... 893
DESIGUALDADES SOCIAIS E VIOLÊNCIA CONTRA O PROFESSOR NA EDUCAÇÃO BÁSICA............... 904
INVESTIGAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS QUE LEVAM AO BOM DESEMPENHO DE ALUNOS DO ENSINO
SUPERIOR A DISTÂNCIA................................................................................................................... 921
GT 06 - Questões de Ética e de Filosofia Política......................................................................... 934
OS CONFLITOS ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, O DEVER DE INFORMAÇÃO E O USO NÃO
AUTORIZADO DA IMAGEM .............................................................................................................. 934
DISTANÁSIA AUTOMATIZADA – REFLEXÃO TEÓRICO CONCEITUAL ................................................ 948
ENTRE A JUSTIÇA E A LIBERDADE: UMA BREVE REFLEXÃO DA TEORIA LIBERTÁRIA....................... 958
UMA ANÁLISE DE POLÍTICA SOBRE O LIBERALISMO POLÍTICO DE RAWLS ..................................... 969
ASPECTOS JURÍDICOS E FILOSÓFICOS SOBRE O PODER PUNITIVO DO ESTADO NA ESFERA PENAL 988
GT 07 - Hipertextualidade e Literatura: Modos de escrita e de leitura ........................................ 999
LINGUAGEM E LINGUAGEM LITERÁRIA: A LIBERDADE DE CRIAÇÃO E A FUNÇÃO DA LITERATURA 999
MODOS DE LEITURA NA INTERNET: ATO DE DEAMBULAÇÃO DA POESIA .................................... 1010
O UNIVERSO FICCIONAL DAS FANFICTIONS: AS REGRAS DOS FÓRUNS COMO ESTRATÉGIA NA
ADEQUAÇÃO DA ESCRITA ÀS NORMAS ORTOGRÁFICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA .................... 1020
CRÍTICA GENÉTICA - ANÁLISE DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DE POEMAS. ENTRE MANUSCRITOS E
POSTAGENS NO CIBERESPAÇO ...................................................................................................... 1036
RECURSOS HIPERTEXTUAIS NO LIVRO NADA NA LÍNGUA É POR ACASO, DE MARCOS BAGNO .. 1048
A PERSPECTIVA DA (RE)CONFIGURAÇÃO DA LINGUAGEM DA COMUNICAÇÃO NO FACEBOOK ..... mlx
O MEDO DE ESCREVER: PROBLEMAS DA AUTORIA NARRATIVA ENTRE ALUNAS/PROFESSORAS DO
PARFOR/UENF ............................................................................................................................ mlxxxii
DESMUNDO, DE ANA MIRANDA: A LINGUAGEM LITERÁRIA E A RECONSTRUÇÃO FICCIONAL DA
HISTÓRIA DO BRASIL COLONIAL POR UM OLHAR FEMININO ....................................................... 1096
LITERATURA INFANTOJUVENIL, VISUALIDADES E LINKS: INTERAÇÕES E LEITURAS...................... 1105
VIDAS SECAS: UMA LEITURA HIPER E INTERTEXTUAL ................................................................... 1120
GT 09 - Autorregulação da aprendizagem ................................................................................ 1134
PERCEPÇÃO DE ALUNOS SOBRE PROCEDIMENTOS DO PROFESSOR EM SALA DE AULA NA
PERSPECTIVA DA AUTORREGULAÇÃO ........................................................................................... 1134
O ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL E A CRENÇA EM DEUS COMO SUSTENTÁCULO DA CRENÇA
DE AUTOEFICÁCIA ......................................................................................................................... 1147
A METACOGNIÇÃO E A TRANSFERÊNCIA LINGUÍSTICA NA LEITURA ESTRATÉGICA EM L1
(PORTUGUÊS BRASILEIRO) E L2 (INGLÊS) ...................................................................................... 1164
A INFLUÊNCIA DO COMPORTAMENTO DO PROFESSOR NA TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO
PARA ALUNOS UNIVERSITÁRIOS ................................................................................................... 1176
USO DO MAPA CONCEITUAL COMO ESTRATÉGIA AUTORREGULADA DA APRENDIZAGEM ......... 1186
PROMOÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA EM LÍNGUA INGLESA COMO RECURSO
AUTORREGULADOR DA APRENDZAGEM: UM ESTUDO COM OS ALUNOS DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO NA DISCIPLINA DE INGLÊS TÉCNICO ................ 1201
GT 10 - Pesquisas Interdisciplinares no contexto das Ciências Humanas ................................... 1215
VIVÊNCIAS EM MATERNIDADE E AMBULATÓRIO: EXPERIÊNCIA PRÁTICA DOS ACADÊMICOS DO
CURSO DE TERAPIA OCUPACIONAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE............................. 1215
INTERDISCIPLINARIDADE EM UM PROJETO DE PESQUISA: ENTRE OS ÂMBITOS DA COGNIÇÃO E DA
LINGUAGEM .................................................................................................................................. 1228
ORTOTANÁSIA: A MORTE NO “TEMPO CERTO” E O DIREITO EXISTENCIAL À AUTODETERMINAÇÃO
....................................................................................................................................................... 1239
A RELEVÂNCIA DO CONTRATO NO ÚTERO DE SUBSTITUIÇÃO...................................................... 1255
REFLEXÕES SOBRE O ATO DE DISPOR DA PRÓPRIA VIDA: O “CASO RAMÓN SAMPEDRO” À LUZ DA
MORAL KANTIANA......................................................................................................................... 1271
CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO BRASIL: UMA ANÁLISE HISTÓRICA...................... 1289
A (TRANS)FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA ATRAVÉS DA ATIVIDADE: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
....................................................................................................................................................... 1299
POSIÇÃO ESPACIAL, PERCEPÇÃO CORPORAL E SIGNIFICAÇÃO: ANÁLISE DA PRESENÇA NAS OBRAS
DE GEORGE ROUSSE ...................................................................................................................... 1323

RESUMOS DAS APRESENTAÇÕES ORAIS E DOS BANNERS ......................................................... 1334


GT 01 – Língua, Linguagem e Educação .................................................................................... 1335
CAPITAL LINGUÍSTICO / VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: UM DIÁLOGO ENTRE BOURDIEU E LABOV ..... 1335
INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DE ARTE: A PROPOSTA RIZOMÁTICA DA DVDTECA ARTE NA
ESCOLA .......................................................................................................................................... 1336
FORMAÇÃO ESCOLAR E ATUAÇÃO DOCENTE: PERSPECTIVAS SOBRE LEITURA, ESCRITA E
ORALIDADE NO ENSINO FUNDAMENTAL I .................................................................................... 1337
ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DAS CONCEPÇÕES DOS ESTUDANTES ACERCA DO CONCEITO DE
VELOCIDADE DE REAÇÃO .............................................................................................................. 1338
PARA QUÊ? POR QUEM? E PARA QUEM? ..................................................................................... 1339
O LIVRO DIDÁTICO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA E GÊNERO DISCURSIVO EM CIRCULAÇÃO NO
BRASIL............................................................................................................................................ 1339
POR UMA SOCIOLINGUÍSTICA DA VISUALIDADE. UM CAMINHO POSSÍVEL PARA ENTENDER A
PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA ................................................................................... 1340
O USO DOS ESTRANGEIRISMOS NA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO DE FALANTES DA REGIÃO NORTE-
FLUMINENSE ................................................................................................................................. 1341
AULAS INTERDISCIPLINARES COM O XADREZ: UMA EXPERIÊNCIA NO PIBID/UENF ..................... 1342
ENTRE LOBOS, FADAS E BRUXAS: IDENTIDADE, MEMÓRIA E LITERATURA NOS BOSQUES DA
EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................................................................................... 1343
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A TRANSPOSIÇÃO DOS PCNS ÀS PRÁTICAS DE SALA DE AULA:
ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA ....................................................................................................... 1344
A INTERLOCUÇÃO ENTRE LINGUAGEM, COGNIÇÃO E INTERDISCIPLINARIDADE ......................... 1345
O PERCURSO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS NAS SINCRONIAS DOS SÉCULOS XIX E XXI NA CIDADE
DE CAMPOS DOS GOYTACAZES ..................................................................................................... 1346
POLÍTICA EDUCACIONAL: A RELAÇÃO PÚBLICO - PRIVADO NO COLÉGIO PARTICULAR RIO BRANCO
EM BOM JESUS DO ITABAPOANA ................................................................................................. 1347
PRÁTICA DOCENTE: REFLEXÕES SOBRE O PIBID/ISEPAM ............................................................. 1348
O AMOR EM CORÍNTIOS RETOMADO POR CAMÕES E RENATO RUSSO ....................................... 1349
OS FRAMES ENQUANTO FERRAMENTAS COGNITIVO-PEDAGÓGICAS DE ATIVAÇÃO DE
CONHECIMENTO PRÉVIO NA LEITURA EM LE ............................................................................... 1350
LITERATURA INFANTIL: UM CONVITE AO FANTÁSTICO MUNDO DO POEMA ATRAVÉS DA POESIA
....................................................................................................................................................... 1351
ESCREVENDO MAIS, EU ME (RE)ESCREVO .................................................................................... 1352
A CRIAÇÃO ICÔNICA DOS NOMES DOS PERSONAGENS MACHADIANOS...................................... 1353
LIVRO-REPORTAGEM: O GÊNERO SITUADO NA FRONTEIRA ENTRE O REAL E O FICCIONAL ........ 1354
A MANIFESTAÇÃO DA SUBJETIVIDADE EM "O ESPELHO" ............................................................. 1355
FORMAÇÃO DOCENTE VERSUS FORMAÇÃO DE LEITORES NO ÂMBITO ESCOLAR ....................... 1356
ENSINO DE GRAMÁTICA: QUO VADIS? ......................................................................................... 1357
ESTUDO INDIVIDUAL À LUZ DOS TESTES ABC DE LOURENÇO FILHO ............................................ 1358
PROJETOS DIDÁTICOS COM GÊNEROS TEXTUAIS: CONTRIBUIÇÃO PARA UMA PEDAGOGIA
INTERDISCIPLINAR ......................................................................................................................... 1359
ONDE NÃO HAVERIA NADA. INTERAÇÃO SOCIAL, LINGUAGEM E COGNIÇÃO HUMANA: ALGUMAS
QUESTÕES A RESPEITO DESSAS RELAÇÕES OBSERVADAS A PARTIR DO AUTISMO ...................... 1360
PRECONCEITO LINGUÍSTICO: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE .................................................... 1361
LÍNGUA PORTUGUESA................................................................................................................... 1361
A LINHA DE ERRÂNCIA DO AUTISMO E O MÉTODO-PENSAMENTO DE FERNAND DELIGNY: ONDE A
LINGUAGEM SE AUSENTA, O QUE HÁ? ......................................................................................... 1362
LÍNGUISTICA APLICADA NO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS ............................................... 1363
O LIVRO DIDÁTICO E O LIVRO ELETRÔNICO: RUPTURA OU RENOVAÇÃO PEDAGÓGICA? ............ 1364
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DE PEQUENOS LEITORES ........................................... 1365
O TRABALHO COM LEITURA NA SALA DE AULA ............................................................................ 1366
O LEITOR DO LIVRO IMPRESSO – ESPÉCIE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO? ........................................ 1367
ESTRATÉGIAS PRESSUPOSTAS PARA A LEITURA DO LIVRO A NOVELA DA PANELA, DE ÂNGELA LAGO
....................................................................................................................................................... 1368
A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA-LITERATURA E SUA INFLUÊNCIA NO CONTEXTO SOCIAL DO ALUNO
LEITOR ........................................................................................................................................... 1369
DE ÉDIPO A JANO: A AGONIA DO ATUAL PROMETEU ACORRENTADO ........................................ 1370
GT 02 – Informação, Educação e Tecnologias ........................................................................... 1371
ADAPTAÇÃO DE MATERIAL DE DESENHO TÉCNICO PARA ESTUDANTES DEFICIENTES VISUAIS ... 1371
“COLE”: UMA FERRAMENTA DE ENSINO PARA SURDOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL ..................... 1372
NOVO CURRÍCULO MÍNIMO DE FÍSICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO:.................................... 1373
ANÁLISE DO POSICIONAMENTO DE PROFESSORES ...................................................................... 1373
CIBERESPAÇO E IDENTIDADE LÍQUIDA .......................................................................................... 1374
A ESCRITA DOS TWITTEIROS: UMA ANÁLISE DE NEOLOGISMOS NO MICROBLOG TWITTER ....... 1375
IDENTIDADE DO PROFESSOR FRENTE ÀS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO................................. 1376
SOCIEDADE NO CIBERESPAÇO DO ESPETÁCULO: A ONDA É APARECER NO YOUTUBE ................ 1377
O USO DO COMPUTADOR NA ALFABETIZAÇÃO INFANTIL ............................................................ 1378
AUTISMO E ESCOLA: CRIANDO OPORTUNIDADES AO DESENVOLVIMENTO SOCIAL .................... 1379
INCLUSÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR .................................... 1380
POR UMA LINGUAGEM JURÍDICA CLARA: UMA QUESTÃO DE DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA ... 1381
"FORA DE ÁREA" NA SALA DE AULA: INTEFERÊNCIAS DO CELULAR NO AMBIENTE DE
APRENDIZAGEM EM UMA ESCOLA ESTADUAL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ
....................................................................................................................................................... 1382
AFERIÇÃO DE CONHECIMENTOS DO ALUNO COM AUXÍLIO DA MINERAÇÃO DE TEXTO ............. 1383
A METÁFORA DO HIPERTEXTO DE PIERRE LEVY SOB O CONTEXTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA DE
LABOV............................................................................................................................................ 1384
REESTRURAÇÃO DO DESIGN DE WEBSITE ACADÊMICO CENTRADO NO USUÁRIO ...................... 1385
FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA O USO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO PRESENCIAL E A DISTÂNCIA ........ 1386
REFLEXO DA DENÚNCIA NA REALIDADE DIGITAL.......................................................................... 1387
DENÚNCIAS E AS NOVAS TECNOLOGIAS ....................................................................................... 1387
A IMPORTÂNCIA DE DONNA HARAWAY PARA O CIBERFEMINISMO ............................................ 1388
OS CONSTRUCTOS DIALÓGICOS NA ESTRUTURAÇÃO DE IDENTIDADES: O “EU” E OS PROCESSOS DE
DEPENDÊNCIA DE TECNOLOGIAS DIGITAIS ................................................................................... 1389
AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E A SOCIEDADE EM REDE: FOMENTO
PARA O FORTALECIMENTO DA EDUCAÇÃO ABERTA..................................................................... 1390
O PROFESSOR-AUTOR E O COMPARTILHAMENTO DE MATERIAIS NAS REDES SOCIAIS ............... 1391
COMPUTAÇÃO EM NUVEM: UM PASSO PARA O FUTURO ........................................................... 1392
OS JOGOS DIGITAIS E O ENSINO DE IDIOMAS: DIALOGANDO COM AS POSSIBILIDADES ............. 1393
FACEQUADRO AFRICANO .............................................................................................................. 1394
APRENDIZAGEM: CONFRONTO DE TEORIAS REMOTAS COM A TEORIA CONECTIVISTA .............. 1395
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E INCLUSÃO DIGITAL POR MEIO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO ............................................................................................................................. 1396
O GÊNERO PUBLICITÁRIO NA AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA .................................................... 1397
O USO DO CELULAR COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA............................... 1398
A METÁFORA DO HIPERTEXTO POR PIERRE LEVY SOB O CONTEXTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA DE
LABOV............................................................................................................................................ 1399
GT 03 – Pesquisas Interdisciplinares em Educação e Saúde ...................................................... 1401
PROFESSOR: UM TRABALHADOR DA EDUCAÇÃO ......................................................................... 1401
INCLUSÃO ESCOLAR: UMA QUESTÃO DE ATITUDE ....................................................................... 1402
MODELAGEM MATEMÁTICA NO ENSINO MÉDIO: UMA INVESTIGAÇÃO À LUZ DA TEORIA DOS
REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA ............................................................................... 1403
A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO ESPAÇO DE PRODUÇÃO DE SABER PARA A CRIANÇA COM
DEFICIÊNCIA VISUAL ...................................................................................................................... 1404
INTERDISCIPLINARIDADE E CONTEXTUALIZAÇÃO EM LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA DO ENSINO
MÉDIO ........................................................................................................................................... 1405
CONTRIBUIÇÕES DA TÉCNICA DE FACILITAÇÃO NEUROMUSCULAR PROPRIOCEPTIVA NA
PREVENÇÃO DE QUEDAS EM IDOSOS ........................................................................................... 1406
UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO SÓCIOECONOMICO: UMA BREVE ANÁLISE COM ENFOQUE
NA ÁREA DA SAÚDE....................................................................................................................... 1407
AUTOMEDICAÇÃO: EDUCAÇÃO DA POPULAÇÃO PARA CONTER ESSA TENDÊNCIA MUNDIAL .... 1408
CONHECIMENTOS E ATITUDES DE DIABÉTICOS E FATORES ASSOCIADOS .................................... 1409
O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO E A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS .......... 1410
APOSENTADORIA FRENTE AO ENVELHECIMENTO BEM-SUCEDIDO ............................................. 1411
MAPEAMENTO DO DESEMPENHO COGNITIVO DE IDOSOS E SEUS REFLEXOS NO ENVELHECIMENTO
BEM SUCEDIDO ............................................................................................................................. 1412
A IDENTIDADE SOCIAL E INDIVIDUAL DA MULHER EM CONTRASTE COM AS POLÍTICAS DE SAÚDE
PÚBLICA ......................................................................................................................................... 1413
O CLIMA FACILITADOR DA APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DO AMBIENTE FÍSICO ERGONÔMICO
....................................................................................................................................................... 1414
PERFIL DE COMPETÊNCIA DE ENFERMEIROS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA PARA ATENÇÃO
AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO.................................................................................................... 1416
GT 04 – Multiculturalismo e Processos de Formação Humana .................................................. 1417
ANÁLISE DO MITO DA FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO E SUAS MATRIZES MULTICULTURAIS E
IDEOLÓGICAS À LUZ DA OBRA IRACEMA DE JOSÉ DE ALENCAR ................................................... 1417
AS CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL SIGNIFICATIVO NAS
RAÍZES DA FORMAÇÃO, DOS COSTUMES E TRADIÇÕES ÉTNICAS NO MUNICÍPIO DE ITAPERUNA-RJ:
COMO APORTE CONSTITUINTE DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA INTER E TRANSDISCIPLINAR.... 1418
O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE ARTE EDUCADORES EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM PELA UAB -
DESAFIOS E PERSPECTIVAS............................................................................................................ 1419
VOZES FEMININAS EM PERIÓDICOS DO XIX: ................................................................................. 1421
UMA ANÁLISE SEMÂNTICO-COGNITIVA DO CONECTOR MAS ...................................................... 1421
GESTÃO DEMOCRÁTICA DO CURRÍCULO E O MULTICULTURALISMO ESCOLAR ........................... 1422
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM PERIFERIAS CAPIXABAS: UMA ANÁLISE DE REPORTAGENS DE
JORNAIS DO SUL DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO SOBRE A JUVENTUDE DESSAS LOCALIDADES1423
INCLUSÃO ESCOLAR NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS: DIRETRIZES E PERSPECTIVAS .................. 1424
IDENTIDADE, LINGUAGEM E CULTURA: ........................................................................................ 1425
OS ESTUDOS CULTURAIS E AS PERSPECTIVAS CRÍTICAS EM FRIEDRICH NIETZSCHE, MARTIN
HEIDEGGER E JACQUES DERRIDA .................................................................................................. 1425
ADOLESCÊNCIA E IDENTIDADE: O SENTIDO DE PERTENCIMENTO EM UMA COMUNIDADE BUZIANA
....................................................................................................................................................... 1426
GT 05 - Educação, Trabalho e Qualidade .................................................................................. 1427
A ESCRITA AUTOBIOGRÁFICA COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A PERMANÊNCIA DE ALUNOS NO
PROEJA .......................................................................................................................................... 1427
O PROCESSO DE AVALIAÇÃO DO CENTRO DE TRABALHO E CULTURA DE RECIFE/PE COMO MÉTODO
DIFERENCIADO .............................................................................................................................. 1428
EDUCAÇÃO E TRABALHO: A PRINCIPAL AÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL EM PROL DA
INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ........................................................................ 1429
O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: O PROCESSO DE
ESCOLHA DOS LIVROS E A UTILIZAÇÃO QUE OS PROFESSORES FAZEM DESTA FERRAMENTA..... 1430
ALUNOS DO PROEJA E AS MARCAS DE UMA ESCRITA: ESTABELECENDO ANÁLISES E COMPARAÇÕES
....................................................................................................................................................... 1431
O PERFIL DE EDUCADORES DE JOVENS E ADULTOS E SUAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: A
NECESSIDADE DE FORMAÇÃO CONTINUADA EM UMA REDE MUNICIPAL DE ENSINO ................ 1432
POLÍTICA EDUCACIONAL PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O SIGNIFICADO DO PROEJA
SEGUNDO OS PROFESSORES/IFF ................................................................................................... 1433
GT 06 - Questões de Ética e de Filosofia Política....................................................................... 1434
O IDEAL E O REAL NO ENSINO DE FILOSOFIA: ............................................................................... 1434
TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO PÚBLICO NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO ........................................................................................................................ 1434
UMA DISCUSSÃO SOBRE A JUSTIFICATIVA MORAL DA PENA DE MORTE À LUZ DA FILOSOFIA
MODERNA ..................................................................................................................................... 1435
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE COMO REFERENCIAL DE APLICABILIDADE DA JUSTIÇA
....................................................................................................................................................... 1436
O EMBATE FILOSÓFICO DA JUSTIÇA NA PROMOÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS......................... 1437
GT 09 - Autorregulação da aprendizagem ................................................................................ 1438
O CONTROLE VOLITIVO DA ATENÇÃO NA APRENDIZAGEM: UM ESTUDO COM ALUNOS DO ISEPAM
....................................................................................................................................................... 1438
RELAÇÃO DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO COM A APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA: UM
ESTUDO NA PERSPECTIVA DA AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM ..................................... 1439
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM ............... 1440
GT 10 - Pesquisas Interdisciplinares no contexto das Ciências Humanas ................................... 1441
INTERDISCIPLINARIDADE E A CRENÇA DE AUTOEFICÁCIA EM ESCRITA: ENTRE OS ÂMBITOS DA
COGNIÇÃO E DA LINGUAGEM ....................................................................................................... 1441
O POTENCIAL PERSUASIVO DO TEXTO IMAGÉTICO TELEVISIVO NA FORMAÇÃO DO SUJEITO E A
IMPORTÂNCIA DA ARTE NA EDUCAÇÃO PARA DESMASSIFICAÇÃO DO OLHAR ........................... 1442
A BIOGRAFIA/AUTOBIOGRAFIA COMO COADJUVANTES PARA UMA MELHOR COMPREENSÃO DO
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.......................................................................................... 1443
SEMIÓTICA E NEUROBIOLOGIA: A LÓGICA DOS SENTIMENTOS E SEUS EFEITOS NO CÉREBRO
HUMANO ....................................................................................................................................... 1444
MEMÓRIAS DA ESCOLA: O PATRIMÔNIO CULTURAL E EDUCATIVO DA ESCOLA PROFISSIONAL NILO
PEÇANHA, CAMPOS (RJ) ................................................................................................................ 1445
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA DISCIPLINA DE QUÍMICA COM O USO DA MÚSICA ............. 1446
PSICOMOTRICIDADE NA ESTIMULAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: UMA PROPOSTA DE
INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL .................................................................................. 1447
CRENÇAS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO PELO ESTUDO DA
MATEMÁTICA ................................................................................................................................ 1448
PERCEPÇÃO DE PROFESSORES E ALUNOS DO ENSINO MÉDIO RELACIONADA AOS OBJETIVOS DO
ENSINO DE MATEMÁTICA ............................................................................................................. 1449
CRENÇAS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO, RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO PELO ESTUDO DA
MATEMÁTICA ................................................................................................................................ 1450
INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL: UMA REVISÃO DE LITERATURA ... 1451
A PRÁTICA ESPORTIVA NA VIDA COTIDIANA DE DEFICIENTES FÍSICOS PARTICIPANTES NOS JOGOS
OLÍMPICOS DA APAE DE ALÉM PARAÍBA-MG ............................................................................... 1452
A (TRANS)FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA ATRAVÉS DA ATIVIDADE: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
....................................................................................................................................................... 1453
POSIÇÃO ESPECIAL, PERCEPÇÃO CORPORAL E SIGNIFICAÇÃO: ANÁLISE DA PRESENCE NAS OBRAS
DE GEORGE ROUSSE ...................................................................................................................... 1454
EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM UM ESPAÇO NÃO-FORMAL: ESTUDO REALIZADO EM UMA ESCOLA
PÚBLICA NA CIDADE DE JUIZ DE FORA/MG .................................................................................. 1455
ADMINISTRANDO AS ILUSÕES: SOBRE O “EFEITO DUNNING-KRUGER” NA GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS ....................................................................................................................................... 1456
APRESENTAÇÃO

O I Colóquio Interdisciplinar de Cognição e Linguagem (CICL), realizado em 2004,


reuniu, além de pesquisadores do Programa Stricto sensu de Pós-Graduação em Cognição e
Linguagem (PGCL), professores de diversas Universidades, dentre elas, Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e
Universidade Federal Fluminense (UFF) em conferências, mesas-redondas e comunicações
orais, abordando a temática “Sujeito e Representação”.
O II CICL ocorreu em 2006, com a temática “Pensamento e Linguagem”, reunindo
novamente pesquisadores do Programa e de instituições como a Universidade de São Paulo
(USP), o Instituto Federal Fluminense (IFF), a Faculdade de Filosofia de Campos (FAFIC) e a
Universidade Estácio de Sá de Campos (UNESA). Além disso, contou com diversas
autoridades, em destaque, a ilustre presença do Dr. Eduardo Mattos Portella, ex-ministro da
Educação e atual membro da Academia Brasileira de Letras.
O III CICL, em 2012, buscou, mais uma vez, ser um espaço de amplas discussões,
tendo como tema: “Pensamento, cultura e tecnologia”. A abertura oficial contou com a
ilustre presença do Prof. Dr. Roberto DaMatta. Entre as palestras realizadas durante o
evento, o Prof. Dr. José Carlos de Azevedo, escritor e gramático, falou sobre “A linguagem
humana e as formas de conhecimento: subsídios para a leitura”. O Prof. Dr. Casimiro Balsa,
da Universidade de Lisboa, proferiu a palestra “A pesquisa Interdisciplinar: tendências,
desafios e práticas significativas”, o Prof. Dr. Wilson Madeira Filho explanou sobre “Os
rumos da área das Ciências Humanas e Sociais na CA-Inter”. Por fim, o Prof. Dr. Javier
Vergara Nuñez, da Universidad de Playa Ancha (Chile), ministrou a palestra “La
metacognición em ámbitos universitarios”.
Com o tema “Educação, Trabalho e Identidade”, o IV CICL, assim como os anteriores,
teve por objetivo promover uma reflexão em torno da multiplicidade de conteúdos sobre os
quais se estruturam as linhas e os projetos de pesquisa do Programa. Foi mais um espaço de
discussão e circulação de ideias e trabalhos interdisciplinares.

12
PROGRAMAÇÃO GERAL

13
ARTIGOS COMPLETOS DAS APRESENTAÇÕES ORAIS

14
GT 01 – Língua, Linguagem e Educação

OS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DIDÁTICOS E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO


DE LÍNGUA PORTUGUESA

Jardeni Azevedo Francisco Jadel


Universidade Estadual do Rio de Janeiro

RESUMO: O ensino de língua portuguesa, especialmente nas últimas décadas, tem ocupado
lugar de destaque nas discussões sobre o desempenho escolar dos alunos. Na expectativa de
formular diretrizes que objetivam orientar o trabalho cotidiano do professor, os Parâmetros
Curriculares Nacionais apresentam uma nova perspectiva centrada em uma concepção
dialógica, social e interacional da linguagem, na qual os textos e os gêneros textuais
assumem papéis principais. Sabemos que, nas escolas, o livro didático funciona como uma
das principais ferramentas de apoio pedagógico, atuando, muitas vezes, como detentor das
atividades e dos conteúdos das aulas. Assim, com o propósito de entrar no universo da
prática escolar, buscamos entender se o trabalho com os gêneros textuais nos livros
didáticos é passível de proporcionar aos alunos uma aproximação com a diversidade textual
que circula no meio social. É nessa perspectiva, e pela necessidade de conhecer o que de
fato vem sendo realizado na sala de aula, que direcionamos a investigação para identificar
quais são os gêneros textuais mais estudados e como ocorre a articulação entre esses
gêneros e os aspectos tipológicos, a fim de observar quais são as capacidades de linguagem
mais evidenciadas. Três coleções indicadas pelo MEC, por meio do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), foram selecionadas para o corpus deste estudo. Para o referencial
teórico baseamo-nos nas orientações de Bakhtin (1992; 1997), no interacionismo sócio-
discursivo de Marcuschi (2005; 2008) e nas categorias de agrupamentos dispostos por Dolz e
Schneuwly (2011), além dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998).
Palavras-chave: PCN. Gênero textual. Livro didático. Docente.

INTRODUÇÃO
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa foram elaborados a
partir das reflexões e dos estudos que surgiram como respostas aos modelos estruturais
fundamentados na tradição normativa do ensino da língua e que representavam estagnação
em relação às novas abordagens linguísticas. As ideias pressupõem práticas de ensino em
que o uso da língua seja o ponto de partida e de chegada para a aprendizagem:

[...] as situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre
a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às
situações e aos propósitos definidos. (PCN/EF, 1998, p.19)
15
Ao adotar a concepção de gênero como forma de inclusão e participação ativa do
sujeito na sociedade, evidenciando a importância do discurso no contexto social, os
documentos oficiais, que orientam para outro modo de pensar o ensino da língua materna,
têm permeado muitas discussões no âmbito acadêmico e recebido destaque nas aplicações
pedagógicas.
Apesar de o conceito de gênero não ser recente nas literaturas sobre linguagem e,
em teoria, o texto ser considerado como objeto de ensino de língua materna no Brasil, em
prática ainda é corrente encontrar dificuldades para a sua aplicação, seja por falta de
conhecimento (ou simples resistência a mudanças) seja pelo fato de o documento trazer
diretrizes e não fórmulas prontas, exigindo do professor um nível de letramento suficiente
para inferir do texto propostas para mudar sua prática pedagógica.
Segundo Barbosa (2001, p. 91):

[...] a eleição dos gêneros como objeto de ensino-aprendizagem implica


uma mudança de perspectiva, de objetivos, de conteúdos e de
metodologia: ao invés do estabelecimento de práticas e de objetivos gerais
que visem à construção de capacidades, competências ou o uso de
estratégias, como de costume nos programas curriculares de Língua
Portuguesa, tem-se, agora, conteúdos propriamente ditos a ensinar – os
gêneros do discurso, em torno dos quais se organizariam as práticas de
compreensão e produção de textos.

Assim, apesar das fundamentações metodológicas que os PCN apresentam, a prática


ainda está em processo de apreensão da teoria e poucos estudos foram concebidos em
relação ao que tem sido aplicado na realidade escolar. Podemos dizer que grande parte das
dificuldades de aprendizagem tem sua causa na prática escolar e, por isso, não se deve
admitir que as discussões que vêm ocorrendo nas esferas acadêmicas fiquem confinadas lá.
Há, portanto, a necessidade de incluir a escola - local de concretização das relações
entre alunos, objetos do conhecimento e professor - na busca de alternativas para a
construção do conhecimento numa perspectiva social.
Geralmente, o trabalho que contempla o estudo dos gêneros tem o livro didático
como importante ferramenta de apoio e, em alguns casos, a única. Talvez essa importância
se deva ao pressuposto de apresentar tudo pronto, detalhado, bastando ao professor
apenas coordenar o processo.
16
É nessa perspectiva, e pela necessidade de conhecer o que de fato vem sendo
realizado na sala de aula, que direcionamos a investigação para identificar quais são os
gêneros textuais mais estudados e como ocorre a articulação entre esses gêneros e os
aspectos tipológicos, a fim de observar quais são as capacidades de linguagem mais
evidenciadas nos livros didáticos. Para alcançar nosso objetivo, o trabalho foi dividido em
três partes, além desta introdução e das considerações finais.
A primeira parte traz, numa abordagem mais ampla, as fundamentações teóricas e
metodológicas dos Parâmetros Curriculares Nacionais com foco nas noções que
compreendem os gêneros como objeto de ensino; em seguida, como referência para a
construção da distribuição de gêneros, é apresentada a proposta de agrupamento quanto às
capacidades de linguagem (DOLZ; SCHNEUWLY, 2011, p. 60-61), além do breve histórico
sobre o livro didático e sua inserção no ensino de Língua Portuguesa.
Na segunda parte, é delimitado o contexto em que se insere o material didático
selecionado e as considerações metodológicas pertinentes ao estudo. A última parte traz a
análise e discussão dos dados, a partir da distribuição dos textos nos cinco agrupamentos
dispostos pelos autores genebrinos.
À guisa de conclusão, trazemos uma síntese dos resultados, na expectativa de
iluminar outras estratégias e práticas que visem ao ensino produtivo da língua materna.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os PCN e os gêneros textuais
O trabalho com gêneros no ensino de Língua Portuguesa é relativamente recente e,
no Brasil, foi impulsionado especialmente no final da década de 90, pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) em que se afirma:

[...] é necessário contemplar nas atividades de ensino a diversidade de


textos e gêneros, [...] não apenas em função de sua relevância social, mas
também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são
organizados de diferentes formas (BRASIL, 1998, p. 23).

O documento salienta que o ensino de Língua Portuguesa precisa proporcionar aos


indivíduos envolvidos no processo o conhecimento necessário para interagir
produtivamente com seus pares em diferentes atividades discursivas. Portanto, as práticas
17
de ensino e de aprendizagem devem ser consideradas como processos ativos, trabalhando a
concepção de linguagem como uma ação orientada por um propósito comunicativo
específico, realizada em diferentes grupos.

Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das


intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos
discursos, as quais geram usos sociais que os determinam (PCN-EF, 1998,
p.21).

Percebe-se, assim, que os PCN estão, basicamente, ancorados na concepção de


língua desenvolvida por Bakhtin (1997), que a apreende como atividade social, base comum
da teorização sobre gêneros textuais da corrente sociointeracionista, que contribui para o
entendimento de que a interação entre professor e aluno em sala de aula, postulado por
Vygotsky (2007), é imprescindível para o desenvolvimento da aprendizagem.
Bakhtin (1992) inicia seu estudo sobre os gêneros de discurso, observando que todas
as atividades humanas estão relacionadas ao uso da língua e que por isso é natural que toda
essa atividade se efetive através de enunciados orais e escritos “concretos e únicos, que
emanam dos integrantes duma ou outra esfera da atividade humana” (BAKHTIN 1992,
p.279).
Essa afirmação vem ao encontro das ideias de Bazerman (1997, p.19), resumidas na
seguinte afirmação:

Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, são modos de
ser. São frames para a ação social. São lugares nos quais o sentido é
construído. São ambientes para a aprendizagem. Os gêneros moldam os
pensamentos e as comunicações através das quais interagimos.

Podemos entender que os gêneros resultam de processos sociais, vivenciados por


pessoas que procuram compartilhar significados com propósitos práticos por meio da
linguagem e por isso acompanham as mudanças ocorridas na sociedade, isto é, o surgimento
de novas formas de interação social acarreta a criação de novos gêneros - ou variação dos já
existentes.
Assim, os gêneros não são entidades abstratas, mas concretas e fundadas pela
historicidade. Também não se resumem à forma, pois isso remeteria a uma simplificação
linguístico-textual que deixaria de lado o componente discursivo. Para Marcuschi (2005,

18
p.35), “o trabalho com gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de se lidar com a
língua em seus mais diversos usos autênticos no dia a dia, pois nada do que fizermos
linguisticamente estará fora de ser feito em algum gênero”.
Nessa perspectiva, a orientação para a prática de ensino no contexto escolar é
proporcionar o desenvolvimento de diferentes habilidades comunicativas a partir da relação
entre texto e contexto e suas implicações sociais, para que os alunos reconheçam a
funcionalidade dos conteúdos e das atividades propostas em sala de aula para a vida.
Convém ratificar, portanto, que o trabalho com a leitura, compreensão e a produção
escrita em língua materna deve ter como meta primordial o desenvolvimento no aluno de
habilidades que façam com que ele tenha capacidade de usar um número sempre maior de
recursos da língua para produzir efeitos de sentido, de forma adequada, a cada situação
específica de interação humana.

Capacidades de linguagem dominantes


Transformar as práticas de ensino em abordagens contextualizadas, respeitando as
variações e saberes já apreendidos pelos alunos em situações cotidianas, não é assunto novo
nas literaturas pedagógicas. Entretanto, após anos pautados no ensino da tradição
normativa, cujo foco era o domínio das normas padrões e das classes gramaticais isoladas de
seu contexto real de uso, reformular padrões de ensino nessa nova abordagem, como
apontam os PCN, é uma tarefa lenta que exige uma capacitação abrangente de suas
teorizações e metodologias, especialmente envolvendo o trabalho com gêneros.
Não se pode ignorar que um dos grandes problemas encontrados para a aplicação
prática de ensino de língua portuguesa com foco nos gêneros é, sem dúvida, a percepção de
um ensino concreto da língua. Os PCN introduzem a proposta, mas sua formulação teórica
possui caráter apenas direcional sem esclarecer sobre os procedimentos que possam
implementar um ensino eficaz.
Em relação aos procedimentos de ensino, Schneuwly e Dolz (2011) explicam que os
gêneros ensinados na escola necessitam de práticas que lhes assegurem suas relações com
situações autênticas de comunicação, exteriores aos domínios acadêmicos. Eles alertam que,
quando transportados para a escola, os gêneros sociais tendem a se desdobrar em gêneros

19
escolares, transformando-os em produtos culturais da escola, servindo apenas como
instrumento de avaliação.
Segundo os autores, para garantir o aspecto comunicativo e a não descaracterização
completa desses gêneros, as situações comunicativas criadas no âmbito da escola devem se
aproximar, o mais possivelmente, das situações reais de comunicação. A questão central
dessa perspectiva é estabelecer sentido, a partir dos gêneros escolhidos, a fim de que os
alunos possam compreender os objetivos, as possibilidades e as regularidades de cada
gênero em particular.
Segundo Dolz e Schneuwly (2011), cada gênero textual possui características
peculiares e apresenta semelhanças nas situações de produção, que são caracterizadas pelas
regularidades linguísticas. Por isso, vislumbrando o processo de ensino e de aprendizagem,
para a construção da proposta curricular, os autores de Genebra propõem o agrupamento
dos gêneros textuais e consideram que, apesar de serem disponibilizadas diversas categorias
de gêneros textuais no agrupamento, cada subgrupo tem em comum o aspecto tipológico
predominante. Assim, cada agrupamento proporciona, predominantemente, o exercício de
determinado segmento tipológico. Para eles, devem ser trabalhados todos os agrupamentos,
sempre abordando crescentes níveis de complexidade, em todos os anos de escolaridade, e
não simplesmente privilegiar uns em detrimento de outros.
Nas escolas brasileiras, porém, os alunos, na maioria das vezes, concluem a Educação
Básica com a ideia de que um texto é apenas narrativo ou apenas descritivo ou apenas
dissertativo. Essa visão reducionista das sequências linguísticas existentes limita o
desenvolvimento da competência discursiva dos alunos, no momento em que “forçam” a
depreensão de características preestabelecidas, ignorando as especificidades dos textos
utilizados no seu cotidiano. Isso se deve, muitas vezes, ao fato do desconhecimento de dois
conceitos importantes e distintos: tipos e gêneros textuais.
Para Marcuschi (2008, p.154), tipologia textual é um termo usado para “designar
uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua
composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”. Por outro lado,
gênero textual é definido pelo autor como o texto materializado encontrado no dia a dia e

20
que apresenta características sociocomunicativas definidas pelos conteúdos, propriedades
funcionais e estilo.
Diferentemente dos gêneros, os tipos textuais são limitados – e sem tendência à
ampliação. Por isso, segundo Dolz e Schneuwly (2011), é possível definir cinco aspectos
tipológicos: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações, entendidos, de acordo com
suas capacidades de linguagem dominantes:

TIPOS CAPACIDADES DE LINGUAGEM DOMINANTES


NARRAR sequência de fatos que envolvem personagem, tempo, espaço e conflito
RELATAR representação pelo discurso de situações vividas
ARGUMENTAR sustentação, refutação e negociação de tomada de posição
EXPOR apresentação textual de diferentes formas de saberes
DESCREVER AÇÕES regulação mútua de comportamentos
Adaptado: Dolz e Schneuwly (2011, p. 60-61).

Portanto, em relação ao processo de ensino e de aprendizagem, em sala de aula, a


proposta genebrina apresenta vantagens porque prioriza um aprendizado progressivo, além
de fazer uso de maior variedade de gêneros textuais relativos a cada agrupamento.

O livro didático no ensino de Língua Portuguesa


Apesar de existirem, no Brasil, históricos anteriores de utilização de materiais
didáticos impressos, a definição do termo “livro didático” surgiu, em meio a muitas reformas
que se davam no cenário educacional brasileiro, em 30 de novembro de 1938, instituído
pelo Decreto-Lei nº 1.006, dando início às políticas de educação voltadas para a
regulamentação da produção e da distribuição dos exemplares para as escolas (OLIVEIRA;
GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984). A lei proporcionou também a criação da Comissão Nacional
do Livro Didático, que tinha como competência examinar, avaliar, julgar e autorizar o seu
uso.
As atuais políticas educacionais voltadas ao livro didático começaram a ser definidas
em 1971, com a criação do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Fundamental
(PLIEF), que foi revogado, em 1985, com a criação do atual Programa Nacional do Livro

21
Didático (PNLD), marcada pela inserção do processo de reutilização e distribuição universal e
gratuita para as escolas públicas de todo o país (FREITAG: COSTA; MOTTA, 1993).
Outra mudança relevante instituída pelo PNLD foi a inclusão da escolha do livro
didático por parte dos professores e demais profissionais ligados à parte pedagógica,
possibilitando a participação dos envolvidos pautada nos aspectos que melhor atendam aos
objetivos propostos para os alunos e para a escola.
O Governo Federal disponibiliza um Guia de livros didáticos, que traz as resenhas e
outros instrumentos de avaliação para orientar a escolha dos docentes. O material
distribuído para as escolas é utilizado por três anos consecutivos, sendo descartado ao final
desse período.
Suscitando opiniões diversas, o livro didático, para o Ministério da Educação, “é um
eficaz instrumento de trabalho tanto para a atividade docente quanto para a aprendizagem
dos alunos. O acesso a esse instrumento contribui para a qualidade da educação básica,
além de promover a inclusão social” (BRASIL, 2007, p.5).
Freitag, Costa e Motta (1993, p.124) afirmam que, para o professor, o livro didático
“não é visto como instrumento auxiliar na sala de aula, mas sim como uma autoridade, a
última instância, o critério absoluto de verdade, o modelo da existência a ser adotado em
classe”. Mas é Batista (2003, p.43) quem traz uma definição mais abrangente sobre o seu
uso:

Um instrumento que favoreça a aprendizagem do aluno, no sentido do


domínio do conhecimento e no sentido da reflexão na direção do uso dos
conhecimentos escolares para ampliar sua compreensão da realidade e
instigá-los a pensar em perspectiva, formulando hipóteses de solução para
os problemas atuais.

Sobre as mudanças que ocorreram nos livros didáticos de Língua Portuguesa, Bezerra
(2001) ressalta que, na década de 1960, o trabalho com textos se restringia aos textos
literários consagrados, que eram vistos como um ideário a ser perseguido. Na década
seguinte, começa a apresentar uma estrutura mais sistematizada, porém o entendimento do
texto enquanto elemento decorrente da interação social só começa a aparecer na década de
1980.

22
É a partir daí que o livro didático de Língua Portuguesa, pelo menos teoricamente,
aborda o texto nas suas funções sociais. Com a publicação dos PCN (BRASIL, 1998), a
inserção do estudo dos gêneros passou a ser um critério para aprovação do material didático
submetido ao PNLD.
Cabe ressaltar que essa nova abordagem (e exigência) apontada pelos PCN evidencia
uma perspectiva que vai de encontro às práticas de ensino prescritivo-normativas, pois sua
ênfase se dá sobre as atividades sociais da linguagem, com vistas ao aprimoramento das
possibilidades de uso.
Para Rojo (2000), a carga teórica dos PCN é inovadora, mas não se pode ignorar a
questão da formação dos profissionais do magistério. Segundo a autora, as sugestões dos
PCN não são abordadas por grande parte dos cursos de formação inicial e continuada dos
professores de Língua Portuguesa e, por isso, é atribuída ao livro didático a grande
responsabilidade de implementação e transposição das orientações. Daí a sua relevância
para o ensino da língua materna nas escolas brasileiras.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Para embasar este estudo, foram utilizados livros didáticos indicados pelo MEC, por
meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), na expectativa de avaliar o conteúdo
sobre gêneros textuais e os aspectos tipológicos abordados nos anos finais do Ensino
Fundamental – 6º ao 9º. O corpus da pesquisa foi composto pelas coleções Jornadas.port,
Para viver juntos/Português e Português: linguagens, que serão identificadas,
respectivamente, por L1, L2 e L3. É pertinente informar que L1 e L3 são da mesma editora.
A análise está organizada em duas etapas. Na primeira, tem-se um inventário da
diversidade dos gêneros que foram identificados e a recorrência de cada um deles. Na
segunda etapa, verificou-se se os gêneros encontrados se enquadram na tipologia das
capacidades de linguagem descritas por Dolz e Schneuwly (2011).
Assim, com o intuito de evidenciar quais são as capacidades de linguagem, atreladas
diretamente aos aspectos tipológicos, evidenciadas nos livros didáticos, por ano de
escolaridade, distribuíram-se os gêneros abordados nos cinco agrupamentos dispostos por
Dolz e Schneuwly (2004): narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações.

23
Cabe ressaltar que só serão considerados os gêneros que, segundo os autores
genebrinos, podem ser agrupados. Exclui-se, portanto, o gênero poema (que eles chamam
de poesia), uma vez que “não se pode, absolutamente ser tratado como agrupamento de
gêneros” (p.59). Procedeu-se da mesma forma com o gênero letra de música, por suas
especificidades e semelhanças com o gênero poema.

ANÁLISE DOS DADOS


A partir da leitura do conteúdo programático apresentado no sumário dos livros, foi
feita a indicação, por ano de escolaridade, dos gêneros textuais propostos pelo material
didático, na ordem em que aparecem distribuídos para as aulas, durante o ano letivo.
Cabe destacar que todos os livros selecionados trazem, no encarte destinado aos
docentes, orientações sobre o trabalho com gêneros textuais com referências aos PCN e à
proposta de agrupamento de Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly (2011).

Ano Livro Jornadas.port Livro Para viver juntos Livro Português:


L1 L2 Linguagens
L3
6º Diário Romance de aventura Conto
História em quadrinhos Conto História em quadrinhos
Carta do leitor Notícia Relato pessoal
Conto História em quadrinhos Carta pessoal
Fábula Relato de viagem Diário
Relato de viagem Texto em livro didático Artigo de opinião
Verbete de dicionário Artigo científico Cartaz
Entrevista
7º Entrevista Conto Lenda
Biografia Crônica Notícia
Instrução de montagem Lenda Entrevista
Notícia Reportagem Debate
Lenda Texto de livro didático
Crônica Carta do leitor
Anúncio Artigo de opinião
Guia de viagem
Debate
8º Resenha crítica Conto Texto dramático
Texto dramático Diário Resenha crítica
Entrevista Verbete de dicionário Crônica
Romance de aventura Artigo científico Anúncio
Conto Texto dramático Carta do leitor
Artigo científico Artigo de opinião Relatório científico
Reportagem Carta do leitor
24
Debate
9º Conto Conto Reportagem
Anúncio Crônica Editorial
Folheto de divulgação Artigo científico Conto
Relatório Verbete de dicionário Debate
Artigo de opinião Texto dramático Texto dissertativo-
Roteiro Artigo de opinião argumentativo
Editorial Resenha crítica
Charge e cartum Anúncio

Para orientar a análise, a partir do levantamento feito, segue a relação dos gêneros
que aparecem nos livros didáticos, por ordem alfabética e com a respectiva indicação de seu
aspecto tipológico, conforme agrupamento proposto por Dolz e Schneuwly (2004).

Gênero textual Aspectos tipológicos/Capacidades de linguagem


Anúncio Descrever ações
Artigo científico Argumentar
Artigo de opinião Argumentar
Biografia Relatar
Carta do leitor Argumentar
Carta pessoal Relatar
Cartaz Expor
Charge e cartum Narrar
Conto Narrar
Crônica Relatar
Debate Argumentar (oral)
Diário Relatar
Editorial Argumentar
Entrevista Expor
Fábula Narrar
Folheto de divulgação Expor
Guia de viagem Descrever ações
História em quadrinhos Narrar
Instrução de montagem Descrever ações
Lenda Narrar
Notícia Relatar
Relato pessoal e de viagem Relatar
Relatório Relatar
Relatório científico Expor
Reportagem Relatar
Resenha crítica Argumentar
Romance Narrar
Roteiro Narrar
Texto dramático Narrar
Texto em livro didático Expor
25
Texto dissertativo-argumentativo Argumentar
Verbete de dicionário Expor

Para visualizarmos a capacidade de linguagem predominante em cada coleção,


apresentamos a recorrência de cada um dos cinco aspectos tipológicos no L1, no L2 e no L3.

Ano L1 L2 L3
Narrar (03) Narrar (03) Narrar (02)
6º Relatar (02) Relatar (02) Relatar (03)
Argumentar (01) Argumentar (01) Argumentar (01)
Expor (01) Expor (02) Expor (01)
Descrever ações (0) Descrever ações (0) Descrever ações (0)
7º Narrar (01) Narrar (02) Narrar (01)
Relatar (03) Relatar (02) Relatar (01)
Argumentar (01) Argumentar (02) Argumentar (01)
Expor (01) Expor (01) Expor (01)
Descrever ações (03) Descrever ações (0) Descrever ações (0)
8º Narrar (03) Narrar (02) Narrar (01)
Relatar (01) Relatar (01) Relatar (01)
Argumentar (02) Argumentar (03) Argumentar (02)
Expor (01) Expor (01) Expor (01)
Descrever ações (0) Descrever ações (0) Descrever ações (01)
9º Narrar (03) Narrar (02) Narrar (01)
Relatar (01) Relatar (1) Relatar (01)
Argumentar (02) Argumentar (04) Argumentar (03)
Expor (01) Expor (01) Expor (0)
Descrever ações (01) Descrever ações (0) Descrever ações (0)
Total Narrar (10) Narrar (09) Narrar (05)
por Relatar (07) Relatar (06) Relatar (06)
coleção Argumentar (06) Argumentar (10) Argumentar (07)
Expor (04) Expor (05) Expor (03)
Descrever ações (04) Descrever ações (0) Descrever ações (03)

Considerando a distribuição proposta nos livros, podemos observar que, para o 6º


ano de escolaridade, L1 apresenta sete gêneros, com predominância do tipo narrar (03),
seguido do relatar (02) e um de cada tipo para argumentar e expor. A única diferença em
relação ao L2 é o acréscimo de um gênero do tipo expor. Já em L3, verificamos a
predominância do tipo relatar (3), seguido do narrar (02) e somente um para cada tipo do
argumentar e expor.

26
Interessante observar que não foram encontrados, nos livros didáticos direcionados
ao 6º ano do Ensino Fundamental, textos do tipo descrever ações, que aborda a capacidade
de linguagem com a finalidade de regulação mútua de comportamento.
Para o 7º ano, o L1 traz nove gêneros textuais, com predominância dos textos do tipo
relatar (03), seguido do descrever ações (02) e apenas um de cada tipo do expor, argumentar
e narrar. Em L2, são sete gêneros distribuídos nos tipos narrar (02), relatar (02), argumentar
(02) e um para o tipo expor. O L3 propõe apenas quatro gêneros para serem trabalhados,
durante este ano de escolaridade, oferecendo um exemplo de gênero para os tipos narrar,
relatar, argumentar e expor. Não encontramos textos do tipo descrever ações em L2 e L3.
A proposta para o 8º ano apresenta o trabalho com sete gêneros no L1 e no L2, com
predominância de tipos diferentes. Em L1, temos a predominância do tipo narrar (03),
seguido do argumentar (02) e um para cada tipo do relatar e do expor. O L2 oferece três
gêneros textuais do tipo argumentar, dois para o narrar e um de cada para os tipos relatar e
expor.
Ao analisarmos a proposta do L3, percebemos que, mais uma vez, é apresentado um
número menor de gêneros (06). Cabe destacar, porém, que além de oferecer exemplos dos
tipos presentes em L1 e L2, também traz dois textos do tipo descrever ações - capacidade da
linguagem que não é abordada pelos primeiros livros analisados.
No 9º ano, a proposta do L1 e do L2 se amplia para oito gêneros textuais, mas
permanece a variação entre o aspecto tipológico predominante. O L1 apresenta três textos
do tipo narrar, seguido de dois do tipo argumentar e oferece um exemplo para os outros
tipos – relatar, expor e descrever ações. O L2 traz como tipo textual predominante o
argumentar (04), seguido do narrar (02) e um para os tipos relatar e expor. Não apresenta
texto do tipo descrever ações.
O L3 mantém a proposta de apresentar menor número de gêneros a serem
trabalhados – cinco para o 9º ano – com predominância para o tipo argumentar (03) e um
tipo para relatar e narrar. Não oferece exemplos para os tipos expor e descrever ações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

27
Acerca dos resultados gerais da pesquisa, verificamos que, de forma assistemática, o
ensino por meio dos gêneros textuais está presente nos livros didáticos do ensino
fundamental. No entanto, ao relacionarmos a distribuição dos gêneros com o agrupamento
proposto por Dolz e Schneuwly (2011), percebemos algumas disparidades, considerando a
sugestão que cada um dos cinco grupos – textos da ordem do narrar, do relatar, do
argumentar, do expor e do descrever ações- sejam trabalhados em todos os níveis de
escolaridade, sem predileção por uma ou outra capacidade de linguagem dominante.
Constatamos que a inserção de gêneros com textos predominantemente dos tipos
narrar e relatar ocorre para todos os anos de escolaridade – 6º ao 9º – com destaque de
maior recorrência para o primeiro tipo, evidenciando uma antiga postura dos livros
didáticos, voltados para textos consagrados, tais como conto, fábula, romance.
Os textos do tipo argumentar ganham maior espaço nos anos finais, reforçando a
crença de que ações como descrever e narrar são mais simples do que argumentar. Essa
incidência intensificada no 8º e no 9º ano tem se ancorado principalmente sob a fórmula de
ensino do gênero redação, ainda muito praticada nas escolas (ANTUNES, 2003).
Os gêneros textuais com aspectos tipológicos predominantemente expositivos são
distribuídos praticamente ao longo de todo o curso, ainda que de forma tímida. Percebe-se,
de forma mais intensa, que os textos de base prescritiva vêm sendo recorrentemente
desprezados pelos autores, revelando a falta de equilíbrio na distribuição dos agrupamentos
de gêneros para cada ano de escolaridade.
Outros fatores chamam a atenção neste estudo. O primeiro é que alguns gêneros
explorados se repetem em todos os anos de escolaridade, contrariando a proposta dos
autores genebrinos de trabalhar com a diversificação dos textos, a fim de possibilitar ao
aluno o conhecimento das especificidades dos diferentes gêneros e tipos, proporcionando
uma construção pautada no confronto, ao longo da escolaridade. Um segundo fator é que os
textos que exploram a oralidade não ganham destaque, corroborando com o senso comum
que considera a prática da fala como secundária, em detrimento da importância que se dá à
escrita.
Por fim, na expectativa de fornecer subsídios para outras reflexões, salientamos que
as considerações dispostas mostram que a preparação do professor para analisar materiais

28
didáticos é de extrema relevância e exige critérios diversos, mesmo quando se trata de
material organizado por especialistas e referendado por políticas públicas de ensino.
Acreditamos, portanto, que o conhecimento e o papel do professor são
fundamentais nas escolhas decisivas para a aprendizagem e que o livro didático pode e deve
ser um (mas não o único) aliado nas salas de aula, desde que também sejam exploradas
outras estratégias que favoreçam um ensino de Língua Portuguesa que vise instrumentar os
alunos com as ferramentas necessárias para agir e interagir no meio social.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial,
2003.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
________. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
BARBOSA, J. Trabalhando com os gêneros do discurso: uma perspectiva enunciativa para
o ensino de língua portuguesa, 2001. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Ensino de
Línguas). Programa de Estudos Pós-graduados em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem (LAEL) São Paulo: PUC.
BATISTA, A. A. G. A avaliação dos livros didáticos: para entender o programa nacional do
livro didático (PNLD), In: ROJO, R; BATISTA, A. A. G. (orgs.). Livro didático de língua
portuguesa, letramento e cultura da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 2003.
BAZERMAN, C. The life of genre, the life in the classroom: Bishop, Wendy &Ostrom, Hans
(eds.). Genre and writing: issues, arguments, alternatives. Portsmouth, NH:
Heinemann,1997.
BEZERRA, M. A. Textos: seleção variada e atual. In: DIONÍSIO, A.P.; BEZERRA, M.A. (orgs.)
O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro
e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
_______. Secretaria de Educação Básica. Catálogo do programa nacional do livro didático
do ensino médio: PNLEM/2008. Brasília: MEC/SEB, 2007.

29
DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das
Letras, 2011.
FREITAG, B.; COSTA, W.F.; MOTTA, V. R. O livro didático em questão. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 1993.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.;
MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros textuais & ensino. 4. ed. Rio de Janeiro: Lucerna,
2005.
______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
OLIVEIRA, J. B. A.; GUIMARÃES, S. D. P.; BOMÉNY, H. M. B. A política do livro didático.
Campinas: Summus, 1984.
ROJO, R. Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula: progressão
curricular e projetos. In: ROJO, R. (org.) A prática da linguagem em sala de aula: praticando
os PCNs. Campinas: Mercado das Letras, 2000.
VIGOTSKY, V. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

30
A IMPORTÂNCIA DO DOMÍNIO DA ESTRUTURA TEXTUAL COMO BASE PARA A ESCRITA

Jaqueline Maria de Almeida


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Daniele Fernandes Rodrigues


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Eliana Crispim França Luquetti


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Este trabalho teve como proposta verificar como tem sido apresentada a
estrutura textual tanto nos livros didáticos como nos materiais técnicos. Este problema foi
identificado por meio de uma enquete realizada em turma em fase de conclusão do curso.
As principais literaturas utilizadas foram: Travaglia (2002), Marcuschi (2008), Santos (2012) e
Carvalho e Souza (1995). Acredita-se que o desconhecimento, ou a falta de consciência do
desconhecimento dos Tipos Textuais, é o elemento que justifica o fato de os docentes dos
anos iniciais não dominarem ou terem insegurança em relação ao seu uso. A importância da
discussão a respeito das questões conceituais desta temática deve-se ao fato de que no dia a
dia escolar grande parte dos professores tem acesso às informações sobre esse e outros
conteúdos principalmente através dos livros didáticos, devido a sua maior facilidade de
acesso. Considerando essa realidade, buscou-se analisar como esses dois conceitos são
apresentados nesses materiais de apoio. A metodologia empregada foi de natureza
qualitativa. Foram selecionados, aleatoriamente, três livros específicos para o ensino de
Redação e três livros didáticos. Os resultados apontaram que além da falta de unidade entre
os teóricos, também foram encontradas inconsistência de informação e confusão conceitual
em livros didáticos de alguns autores como Terra e Nicola (2003), Fiorin e Platão Savioli
(2003), Martos (1988), Carneiro (2001), Pereira (2004).
Palavras-chave: Tipos e gêneros textuais. Leitura. Formação de professores.

NOVOS PARADIGMAS PARA O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA


De maneira geral, o ensino no Brasil, não só de Língua Portuguesa, mas de todas as
disciplinas, é hoje um grande desafio para aqueles que estão em sala de aula
independentemente do nível de atuação. No entanto, essa dificuldade, esse desafio, não
está restrito aos profissionais que atuam em sala de aula, ele é um problema também dos
pesquisadores que buscam encontrar soluções para melhorar as práticas de ensino.

Os esforços pioneiros de transformação da alfabetização escolar


consolidaram-se, ao longo de uma década, em práticas de ensino que têm
como ponto tanto de partida quanto de chegada o uso da linguagem.

31
Práticas que partem do uso possível aos alunos e pretendem provê-los de
oportunidades de conquistarem o uso desejável e eficaz1. Em que a razão
de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a
decodificação e o silêncio. Em que a razão de ser das propostas de uso da
fala e da escrita é a expressão e a comunicação por meio de textos e não a
avaliação da correção do produto. Em que as situações didáticas têm como
objetivo levar os alunos a pensarem sobre a linguagem para poderem
compreendê-la e utilizá-la adequadamente (PCN, 1997, p. 21).

“Que o ensino de língua deva dar-se através dos textos é hoje um consenso tanto
entre os linguistas teóricos como aplicados. Sabidamente, essa é, também, uma prática
comum na escola e orientação central dos PCN” (MARCUSCHI, 2008, p. 51). Mas o problema
não é a rejeição ou aceitação deste postulado, mas se isto é, ou como é colocado em prática.
O que se percebe é que para muitos professores não há clareza sobre como se deve
trabalhar o texto em sala de aula e, diante das dúvidas e incertezas, em muitas escolas, os
docentes ainda continuam desenvolvendo um ensino voltado para concepções tradicionais
da Língua Portuguesa. Desta forma pode se inferir que, primeiramente, criticou-se muito o
ensino tradicional, baseado no estudo de regras e normas gramaticais, mas ao se propor o
ensino da língua por meio da descrição das estruturas linguísticas e da linguística funcional,
muitos professores se sentiram inseguros e, às vezes, despreparados. Consequentemente,
os resultados na sala de aula continuaram ruins.
Embora muitos professores, pesquisadores e instituições venham discutindo e
buscando desenvolver alternativas que motivem e fundamentem uma reorientação do
ensino de língua renovado, de modo a preparar os alunos para as exigências sociais que
surgem a cada dia, aparentemente, essas tentativas ainda não estão surtindo efeitos na
prática, talvez, por serem ações assistemáticas e isoladas. “Sabemos que um problema do
ensino é o tratamento inadequado, para não dizer desastroso, que o texto vem recebendo,
não obstante as muitas alternativas e experimentações que estão sendo hoje tentadas”
(MARCUSCHI, 2008, p. 52). Contudo, o problema, muitas vezes, não está na dificuldade de
acesso aos textos, mas sim na maneira como ele é apresentado ao aluno.

1
Eficácia, no uso da linguagem, refere-se aos efeitos alcançados em relação ao que se pretende. Por exemplo:
convencer o interlocutor por meio de um texto argumentativo, oral ou escrito; fazer rir por meio de uma piada;
etc. (PCN, 1997, p. 21).
32
Quanto a essa inadequação, sabe-se que os textos escolares, sobretudo nas
primeiras series, padecem de problemas de organização linguística e
informacional. Por vezes, eles carecem de coesão, formando um conjunto
de frases soltas e, em outras, a têm em excesso causando enorme volume
de repetições tópicas. Em qualquer dos casos, o resultado será,
evidentemente, um baixo rendimento do aluno. De resto, os textos
escolares revelam ignorância e descompasso em relação à complexidade da
produção oral dos alunos. Ignoram que o aluno já fala (domina a língua)
quando entra na escola (MARCUSCHI, 2008, p. 53).

Consequentemente, percebe-se no discurso do professor e mesmo no contato


indireto, no sentido de ser fora da sala de aula, com os alunos, um quadro de insucesso
escolar e/ou educacional. Houve muitas mudanças nos materiais didáticos, “já se cuida mais
da presença de uma maior diversidade de gêneros, de um tratamento mais claro da
compreensão. Mas é evidente [...] que nem tudo ainda é como se gostaria que fosse”
(MARCUSCHI, 2008, p. 53). Grande parte dos alunos, mesmo após anos de estudo,
apresentam pouco domínio da linguagem nas produções de textos, sejam elas escritas ou
orais, o que afeta diferentes áreas de sua vida.

Com enormes dificuldades de leitura, o aluno se vê frustrado no seu esforço


de estudar outras disciplinas e, quase sempre, “deixa” a escola com a quase
inabalável certeza de que é incapaz, de que é linguisticamente deficiente,
inferior, não podendo, portanto, tomar palavra ou ter voz para fazer valer
seus direitos, para participar ativa e criticamente daquilo que acontece à
sua volta. Naturalmente, como tantos outros, vai ficar à margem do
entendimento e das decisões de construção da sociedade (ANTUNES, 2003,
p. 20).

Daí a importância de se trabalhar a língua e, principalmente, de se ensinar a Língua


Portuguesa. É necessária uma melhor preparação dos alunos, para que estes se tornem
leitores e escritores, não apenas para a escola, mas para a vida. É dessa forma que esses
sujeitos poderão exercer sua cidadania de forma prática e consciente, e também tenham
chance de ascensão social.

OS TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS CONCEITUAIS


No que concerne aos Tipos Textuais parece haver um apagamento em relação ao seu
conhecimento conceitual, e mesmo à sua importância na construção dos textos por parte
dos professores. Existe uma grande cobrança em relação ao conteúdo programático dos

33
livros didáticos e sobre o ensino e o trabalho com os Gêneros Textuais. Isso, muitas vezes,
faz com que o trabalho com Gêneros Textuais seja mais enfatizado e o ensino dos Tipos
Textuais, muitas vezes, seja deixado em segundo plano.
Desconsidera-se que os Gêneros Textuais surgem a partir da necessidade de
comunicação dos falantes, e que sua base são os Tipos Textuais. Segundo Bakhtin (2003), “a
atividade comunicativa e a constituição dos gêneros, se baseiam em uma forma padrão e
relativamente estável de estruturação dos enunciados”, ou seja, nos Tipos Textuais. Via de
regra, são os Tipos Textuais que possuem “uma forma padrão e relativamente estável”.
Logo, são os Gêneros Textuais que se modificam e surgem modificados de acordo com a
necessidade comunicativa dos interlocutores.
Os estudos a respeito da tipologia textual e suas definições causam certa
incompatibilidade de ideias mesmo entre os estudiosos da língua. Logo, não é de se
estranhar que causem tantas incertezas nos professores, em especial naqueles que lecionam
apenas no Ensino Fundamental I, por exemplo, cuja formação não contempla estudos
aprofundados sobre o ensino de língua materna.
Como afirma Travaglia (2002, p. 202), “quando se trata de texto, tem se encontrado
pouco ou, mais frequentemente, nenhum trabalho mais estruturado no ensino com
tipologia textual”. Ou seja, próprio autor reconhece a pouca literatura a respeito deste tema,
e esta é ainda mais escassa quando relacionada ao processo de ensino. Para Travaglia (op.
cit., p. 202), a maneira estrutural e classificatória é considerada a melhor forma de ensino
dos tipos textuais. O autor apresenta uma visão taxionômica da tipologia textual:

[...] a taxionomia dos elementos da língua, que é importante e fundamental


na constituição das teorias linguísticas, termina se revelando pertinente
para o ensino na medida em que os diversos tipos e/ou subtipos
representam recursos diversos que funcionam diferentemente na
constituição dos textos, como marcas linguísticas que contêm pistas e
instrumentos de sentido.

Em resumo, segundo Travaglia (2002, p. 210), o ensino dos Tipos Textuais, mais do
que os Gêneros Textuais, precisa ser trabalhado no ensino de língua materna “não só por
serem fundamentais, mas também por serem pertinentes no que respeita à composição dos
textos em geral”, uma vez que “o tipo é sempre definido pela relação entre propriedades e

34
as marcas formais”. O autor considera que os principais Tipos Textuais a serem trabalhados
são os: descritivos, dissertativos, injuntivos e narrativos.
Para Marcuschi (2008), o trabalho com Tipos Textuais é relativamente limitado. Isso
pode gerar alguns problemas como, por exemplo, especificar o que são textos narrativos, já
que na realidade estes se apresentam de formas diferentes, ou seja, em diferentes gêneros.
Para Marcuschi (2008), são os gêneros textuais que possuem características mais concretas.
Contudo, vale ressaltar que o conhecimento e utilização adequada de cada estrutura textual
pode tornar o texto mais coerente, atingindo assim o objetivo comunicativo de uma maneira
mais consistente, o que auxilia no desenvolvimento da competência comunicativa do
falante.
A partir dessa conceituação, Marcuschi (2008, p. 154) aponta para uma distinção
entre Gêneros Textuais e Tipologias Textuais. Em relação aos tipos textuais, o autor propõe
que “vejamos de maneira mais sistemática como devemos entender os termos que estamos
usando, já que eles raramente são definidos de modo explícito” (grifo nosso).

Tipo textual - Em geral, os Tipos Textuais abrangem cerca de meia dúzia de


categorias conhecidas como narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção. O conjunto de categorias para designar Tipos Textuais é limitado e
sem tendência a aumentar. Quando predomina um modo num dado
concreto, dizemos que esse é um texto argumentativo ou narrativo ou
expositivo ou descritivo ou injuntivo.

Apesar de propor esse conceito, o autor afirma que “não devemos imaginar que a
distinção entre Gênero e Tipo Textual forme uma visão dicotômica, pois eles são dois
aspectos constitutivos do funcionamento da língua em situações comunicativas da vida
diária” (MARCUSCHI, 2008, p. 156). A proposta do autor é que não se deve encarar Tipos e
Gêneros Textuais como dicotômicos, mas sim como complementares, ou seja, um não existe
sem o outro, não se pode analisá-los isoladamente, pois eles formam o texto como um todo.
Para Santos (2012), ainda permanece o ensino tradicional dos Tipos Textuais de
maneira dicotômica em relação aos Gêneros Textuais. Proposta essa que, como afirma
Marcuschi (2008, p. 156), não deveria ser praticada, uma vez que estes são
“complementares e integrados”. Santos (2012) também afirma que “ainda é comum que
professores abordem as tipologias como sinônimos de textos, o que é um grave equívoco: os

35
textos são predominantemente organizados conforme uma tipologia, porém em geral mais
de uma aparece na constituição deles”. Um exemplo do que a autora afirma são os
romances, que apesar de serem, na maior parte, constituídos por narrativas, possuem
muitos trechos descritivos.
Em relação aos gêneros textuais, para Travaglia (2008, p. 183), “gênero se caracteriza
por exercer uma função sócio comunicativa específica”. Contudo, o autor ressalta que o uso
do termo “gênero” é por ele utilizado com um conceito diferente de muitos outros na teoria
linguística da classificação dos textos.
Essa diferença na conceituação de Tipos de Gêneros mais uma vez reforça as
convergências e divergências conceituais a respeito dessa temática. Logo, se os próprios
autores criadores das teorias e conceituações não entram em consenso, isso só demonstra
que, de fato, o problema existe e afeta aos professores de Língua Portuguesa.
Mas qual seria o real motivo de se estudar os gêneros?

[...] cada gênero textual tem um propósito bastante claro que o determina
e lhe dá uma esfera de circulação. [...] todos os gêneros têm uma forma e
uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se
dá basicamente pela função e não pela forma (MARCUSCHI, 2008, p.150).

No âmbito educacional, trabalhar com os gêneros é proporcionar a construção do


conhecimento e viabilizar a oportunidade de aprendizagem em sala de aula, podendo
transferir o conhecimento construído para o contexto social, ou seja, a vida do aluno fora da
escola. De acordo com o autor, quando se trata de gênero, o mais importante é a função que
cada um exerce e não apenas a forma. Os gêneros, de certa maneira, traduzem as várias
formas de interlocução entre indivíduos de comunidades diferentes, mas que vivem numa
mesma sociedade.

ENSINO DOS TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS: UM PROBLEMA CONCEITUAL OU DIDÁTICO?


Após a verificação da posição de alguns autores em relação ao conceito de Tipos
Textuais, ou à falta de um consenso em relação a essa classificação, pode-se dizer que
apesar de ser encarado, por alguns, como um conteúdo relativamente simples, não foi
encontrada uma forma clara de se fazer a transposição didática desse conteúdo. Desta
forma, será mesmo que este é um tema assim tão simples, ou que pode realmente ocupar
36
um lugar secundário da alfabetização? Para se escrever palavras e frases, não é necessário,
em primeiro lugar, aprender as vogais e em seguida o alfabeto? Então, como se ensinar a
escrever textos sem trabalhar as estruturas básicas?
Corroborando essa ideia encontramos nas palavras de Santos (2012, p. 35), uma
afirmativa de que estes conceitos não são claros para os próprios educadores:

A tradição escolar costuma enfatizar a análise das tipologias textuais, em


vez de focar nos gêneros. Essa atitude vem mudando nos livros didáticos
mais recentes, mas ainda é comum que professores abordem as tipologias
como sinônimos de textos, o que é um grave equívoco: os textos são
predominantemente organizados conforme uma tipologia, porém em geral
mais de uma aparece na constituição deles.

Segundo Santos (op. cit., p. 37) “é na análise, mesclando características dos Gêneros
Textuais e das tipologias, observando como se constituem os textos e que aspectos coesivos
se destacam, que podemos integrar leitura e produção textual”. Para a autora essa é a única
maneira de fazer com que o texto deixe de ser algo abstrato, com a função de ser um objeto
de avaliação do professor para tornar-se uma forma de expressão, de manifestação de
“ideias, emoções, desejos e descobertas dos alunos”.
Desta forma, pode-se inferir que um dos motivos da falta de consistência na
transposição didática deste conhecimento para a sala de aula é a falta de unidade, de
homogeneidade em relação ao conceito e classificação deste tema. Ainda que no Ensino
Fundamental I, por exemplo, os textos mais trabalhados sejam os descritivos e narrativos,
muitas vezes, os professores têm dificuldades em apontar as características de cada um,
pela sua própria falta de conhecimento e falta de unidade entre os autores.
Até o momento, temos que tanto as questões dos conceitos quanto nas questões
didáticas não há consenso de distinção conceitual e a aplicação didática dos Tipos Textuais.

A “CONFUSÃO” CONCEITUAL NÃO OCORRE APENAS ENTRE ESTUDANTES


A importância da discussão conceitual entre Tipos e Gêneros Textuais deve-se
principalmente ao fato de que no dia a dia escolar grande parte dos professores tem acesso
às informações sobre esse e outros conteúdos a serem trabalhados em sala de aula
principalmente através dos livros didáticos, devido a sua maior facilidade de acesso. Além da

37
falta de unidade entre os teóricos já citados (Marcuschi, Travaglia, Santos, Carvalho e Souza),
também foram encontradas inconsistência de informação e confusão conceitual em livros
didáticos de alguns autores como Terra e Nicola (2003), Fiorin e Platão Savioli (2003), Martos
(1988), Carneiro (2001), Pereira (2004). Também percebeu-se que alguns autores não
utilizam a classificação de tipologia textual, apenas tratam diretamente os temas Narração,
Dissertação, Argumentação e assim por diante.
LIVROS TÉCNICOS:
A figura 1 demonstra, com o livro “Texto em construção: interpretação de texto” de
Agostinho Dias Carneiro, um exemplo de “total confusão” feita em relação à classificação
dos Tipos Textuais. Além de denominar os tipos mais conhecidos descritivo, narrativo e
dissertativo de organização discursiva, o autor cria novas categorias do que ele considera
que sejam os tipos textuais:

38
Figura 1: Livro Técnico 1 - Descrição, Narração e Dissertação como organização discursiva.
Fonte: Livro Técnico “Texto em construção: interpretação de texto”.

A nova proposta de classificação dos Tipos Textuais em normativo, informativo,


didático, fático, divinatório exortativo e expressivo, fugindo da classificação tradicional
conhecida, só faz gerar ainda mais confusão entre as teorias.

39
Também foram encontradas as mesmas “confusões” no sumário do livro “Para
entender o texto – Leitura e Redação”, de Platão & Fiorin, que os autores também não se
comprometeram em classificar a narrativa como um Tipo Textual.

40
Figura 2: Sumário do Livro Técnico 2.
Fonte: Sumário do Livro Técnico “Para entender o texto: leitura e redação”.

Assim com Platão e Fiorin, o autor da obra Técnicas de Redação e Criatividade


simplesmente apresenta os Tipos Textuais, mas não os classifica, não se comprometendo
com a classificação e nem se refere a eles como estrutura do texto.

41
Figura 3: Sumário do Livro Técnico 3 - Descrição, Narração e Dissertação sem categorização de
tipologia textual.
Fonte: Livro “Técnicas de Redação & Criatividade”

LIVROS DIDÁTICOS
A confusão chega ao ponto de Terra e Nicola (2003, p. 91) denominarem os Tipos de
Gêneros Textuais conforme sumário apresentado na figura 4.

42
Figura 1: Sumário do Livro Didático 1.
Fonte: Sumário do Livro Didático “Práticas de linguagem – Leitura e Produção de textos”.

No capítulo destinado ao estudo dos gêneros, o autor apresenta os Tipos Textuais


como conteúdo “Assim podemos afirmar que todo texto se estrutura a partir de
características gerais de um determinado gênero (texto narrativo, descritivo, dissertativo,
instrucional, informativo; a correspondência pessoal ou comercial; a poesia; etc.)”.
Pereira (2004) também denomina os Tipos narrativos e informativos de gêneros
literários, na primeira parte do livro destinada ao estudo de Literatura; e exposição de ideias
e texto persuasivo, na terceira parte do livro destinada ao estudo de Redação conforme
pode ser visto na figura 5.

43
Figura 5: Sumário do Livro Didático 2.
Fonte: Sumário do Livro Didático “Português – na trama do texto”.
44
Neste volume único do Ensino Médio encontramos apenas os Gêneros Literários, na
parte destinada ao estudo de Literatura. Na parte destinada à Redação não há nenhuma
referência ao estudo da estrutura do Texto, ou seja, aos Tipos Textuais.
Neste caso, o autor também se refere aos Tipos Textuais como estrutura, mas não
utiliza a Classificação de Tipos.

Figura 6: Sumário do Livro Didático 3.


Fonte: Livro Didático “Linguagem, Códigos e suas Tecnologias”.

Pode-se perceber nos capítulos 3, 4 e 7 um não comprometimento do autor, ao não


classificar as tipologias textuais. Nos capítulos 3 e 4 ele denomina a dissertação e
argumentação como estrutura do texto e, em seguida, no capítulo 7 ele denomina a
descrição, narração e carta argumentativa como outras modalidades de texto. Ou seja, além
de não utilizar a nomenclatura de Tipos Textuais para a descrição e narração, ele ainda inclui
um gênero textual na mesma categoria do capítulo.

45
Diante destas constatações é inegável que mesmo os profissionais que buscam se
inteirar do assunto, mas que não pertencem à área de Letras terão dificuldades em
apreender o conhecimento sobre essa temática e, consequentemente, transmiti-la a seus
educandos.

CONCLUSÃO
Nosso problema inicial era a questão da ênfase no ensino dos Gêneros Textuais e de
sua distinção em relação aos Tipos Textuais. Os resultados demonstraram que para os
sujeitos pesquisados esta distinção não é clara.
A partir da análise comparativa dos dados foi possível perceber que de fato há uma
parcela de desconhecimento ou “confusão” a respeito dos temas Tipos e Gêneros Textuais.
Contudo, isso não ocorre apenas entre estudantes, mas também entre os próprios autores
de materiais didáticos e técnicos, que apesar de serem especialistas no assunto, não entram
em consenso a respeito deste conteúdo.
Esta pesquisa também no permitiu constatar que existe a maior preocupação de se
trabalhar os Gêneros Textuais e, muitas vezes, os Tipos Textuais são deixados em segundo
plano, desconsiderando-se que na verdade eles são a base da construção textual. O estudo
sobre uma melhor didática de apresentação e trabalho com os Tipos Textuais pode indicar
novos caminhos de ensino da produção de textos, incentivando os alunos a desenvolverem
conscientemente suas habilidades linguísticas e consequentemente, de produção textual.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 261-306.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

46
introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental,
126 p. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua
portuguesa /Secretaria de Educação Fundamental, 144p. – Brasília: MEC/SEF, 1998.
CARNEIRO, Agostinho Dias. Redação em construção. 2ed. São Paulo: Moderna, 2001.
FIORIN, José Luiz e PLATÃO SAVIOLI, Francisco. Para entender o texto: leitura e redação.
16 ed., 6 impressão, São Paulo: Ática, 2003.
MARCUSCHI, L. A. (2010). “Gêneros Textuais: definição e funcionalidade” In DIONÍSIO, Â.
et al. Gêneros Textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MARTOS, Cloder Rivas. Técnicas de redação e criatividade. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
PEREIRA, Helena Bonito. Na trama do texto: língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2004.
SANTOS, Leonor Werneck. Análise e produção de textos. São Paulo: Contexto, 2012.
TERRA, Ernani & NICOLA, José. Práticas de Linguagem: leitura e Produção de Textos. São
Paulo: Scipione, 2003.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Tipos, gêneros e subtipos Textuais e o ensino de língua
materna. In: BASTOS, Neusa Barbosa. (Org.). Língua P portuguesa: uma visão em mosaico. 1
ed. São Paulo: EDUC - Editora da PUC/SP, 2002, v., p. 201-214.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Composição tipológica de textos como atividade de formulação
textual. Revista do GELNE, vol. 4, nº 12, p. 29-34, 2002.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gêneros de texto: caracterização e ensino. Luiz Carlos Travaglia,
Luisa Helena Borges Finotti, Elisete Maria Carvalho de Mesquita, Roxane Rojo… [et al.]
(orgs.). Uberlândia: EDUFU, 2008.

47
A CONSTRUÇÃO DOS SABERES E O PIBID: A PESQUISA-AÇÃO NO PROCESSO FORMATIVO

Liz Daiana Tito Azeredo da Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Martha Tinoco Amaral Gomes Barreto


Universidade Federal Fluminense

Andreia Silva de Assis


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Eliana Crispim França Luquetti


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente trabalho buscou evidenciar de que forma o Programa Institucional de


Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) contribuiu para formação dos alunos bolsistas do
curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro. Nossa intenção foi abordar os desafios e perspectivas das práticas formativas, visto
que a aprendizagem se torna uma dimensão que as ações sofrem à medida que o sujeito se
envolve em atividades permanentes de pesquisa-ação, considerando, dessa forma, a
construção dos saberes iniciais, em confronto com suas experiências da prática vivenciada, a
partir das situações concretizadas durante o projeto. Optou-se, então em um trabalho
exploratório, utilizamos alguns teóricos como Alarcão (1998), Schön (2000), Freire (2002),
Libâneo (2003), Pimenta (2009), Romanelli (2010), Gatti (2013), Nóvoa (2013), dentre
outros, com a perspectiva da pesquisa-ação correspondente à reflexão e a autorreflexão da
aprendizagem adquiridos dentro e fora da universidade. Assim, temos o que privilegia o
aspecto formador para o desenvolvimento do processo educacional: o docente assume o
papel principal de ator, criativo e pesquisador. É ele quem é visto como explorador de sua
prática. O estudo concluiu que a pesquisa-ação implica análise constante das práticas
vivenciadas, contextualizando com as situações de ensino, é claro que se trata de uma
complexa relação entre teoria e prática, uma vez que o predominante no processo formativo
é a teoria. Por isso, a pesquisa-ação é tão relevante, pois garante novas formas de
construção dos saberes em diversas situações diferenciadas.
Palavras-Chave: Formação docente. PIBID. Educação.

INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo discutir os desafios e perspectivas das práticas
formativas, visto que a aprendizagem se torna uma dimensão que as ações sofrem à medida
que o sujeito se envolve em atividades permanentes de pesquisa-ação. Dessa forma buscou
evidenciar de que forma o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)
contribuiu para formação dos alunos bolsistas do curso de Licenciatura em Pedagogia da
48
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF. Utilizamos alguns teóricos
como Alarcão (1998), Schön (2000), Freire (2002), Libâneo (2003), Pimenta (2009), Romanelli
(2010), Gatti (2013), Nóvoa (2013). Assim, neste estudo, objetivamos responder a seguinte
questão: de que forma o PIBID/ Pedagogia contribui para a formação docente?
Referente ao modelo de coleta de dados, elegemos a elaboração de um questionário
com 13 (treze) perguntas, aplicado aos bolsistas.
As perguntas tiveram como finalidade: A percepção em relação ao PIBID e como os
bolsistas avaliam o programa; Estabelecer um paralelo das contribuições do PIBID na
formação dos bolsistas e de que forma os bolsistas atribuem ações que auxiliam o
desenvolvimento do subprojeto, levando em consideração um dos objetivos do programa
que seria inovações metodológicas e evidenciar de que forma os bolsistas se legitimam
como futuros docentes, caracterizando um perfil e afirmando uma identidade.

OS SABERES ADQUIRIDOS
Durante o percurso de formação, entram em cena vários desafios para os alunos dos
cursos de licenciatura, a exemplo, como lidar com dilemas escolares, que em muitas das
vezes as literaturas estudadas não abordaram. Além dos contrapontos das vivencias da
realidade de uma sala de aula e enfrentamentos de aprendizagem dos alunos. Essas
questões são sempre discutidas pelos licenciandos no processo de formação. Além dos
confrontos pessoais da escolha certa da profissão. Desta maneira, considerando a
construção dos saberes iniciais em confronto com suas experiências da prática vivenciada,
Pimenta (2009, p.20) aponta que:

O desafio, então, posto aos cursos de formação inicial é o de colaborar no


processo de passagem dos alunos de seu ver o professor como aluno a seu
ver como professor. Isto é, de construir a sua identidade de professor. Para
o que os saberes da experiência não bastam.

Nesta perspectiva, a pesquisa-ação corresponde à reflexão e a autorreflexão da


aprendizagem adquiridos dentro e fora da universidade. A aprendizagem não é apenas com
o que é dito, mas, sobretudo, com o que veem, com a coerência entre as ações e o discurso
dos formadores. Assim, temos a perspectiva que privilegia o aspecto formador para o
desenvolvimento do processo educacional: o docente assume o papel principal de ator,
49
criativo e pesquisador. É ele quem é visto como explorador de sua prática. Dessa forma, a
proposta de formação docente não incide somente em participar ou fazer determinados
cursos ou minicursos, palestras ou oficinas, mas pela intencionalidade que possui o processo
contínuo e progressivo, a partir de suas necessidades e ampliação de mediação, resultando
na aprendizagem gerando conhecimento e este sendo transformado em práticas bem
sucedidas.
A pesquisa-ação implica análise constante das práticas vivenciadas, contextualizando
com as situações de ensino, é claro que se trata de uma complexa relação entre teoria e
prática, uma vez que o predominante no processo formativo é a teoria. Por isso, a pesquisa-
ação é tão relevante, pois garante novas formas de construção dos saberes em diversas
situações.
Assim, encontramos a formação construída diariamente através dos enfrentamentos
dos dilemas do contexto escolar, das interações sociais, da prática de leitura de bons livros,
filmes adequados, entrevistas, teatros, musicais, etc. De acordo com IMBERNÓN (2006, p.
80),

A formação centrada na escola envolve todas as estratégias empregadas


conjuntamente pelos formadores e pelos professores para dirigir os
programas de formação de modo a que respondam às necessidades
definidas da escola e para elevar a qualidade do ensino e da aprendizagem
em sala de aula e nas escolas. [...] A formação centrada na escola é mais
que uma simples mudança de lugar de formação.

Tais vivências permitem a construção/formação de um profissional mais habilitado


para a atuação e ciente das suas fragilidades, buscando sempre seu desenvolvimento
pessoal e profissional e contextualizado.
Tardif (2010) enfatizou a formação do professor à luz de possuir saberes plurais,
constituídos de saberes da formação profissional, composto de um “[...] conjunto de saberes
transmitidos pelas instituições de formação de professores” (p. 36). Assim, segundo o autor,
temos: os saberes disciplinares, em que “[...] saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais
como se encontram hoje integrados nas universidades, sob forma de disciplina” (p. 38); os
saberes curriculares, “[...] discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a
instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados

50
como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita. (p. 38)” e, os saberes
experienciais, baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. Esses
saberes brotam da experiência e são por ela validados Tardif (2010, p. 39). Assim, ressalta
também:

“[...] alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa,
além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à
pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência
cotidiana com os alunos”.

Na estruturação dessa linha, partiremos do estágio supervisionado oferecido pela


instituição formadora. Para Pimenta (2011), “[...] o estágio sempre foi identificado como
parte prática dos cursos de formação de profissionais, em contraposição à teoria” (p. 33). A
autora descreve que o estágio é um processo de aprendizagem indispensável para assimilar
a teoria e a prática, como em alguns casos, o primeiro contato com o campo profissional.
Assim, os saberes são constituídos a partir de uma reflexão da vivência e dilemas
enfrentados na prática. Essa reflexão abrange principalmente o paradigma durante o
processo de formação.
Deste modo, no processo de formação, o aluno é conduzido a pensar sobre seus atos
e modificar suas atitudes pela reflexão e pelo entendimento do que ela mesma faz e
provoca. Essas são as concepções da temática da formação contínua, para que entenda que
é o modelo, uma referência estruturante para o aluno. Assim, quando apresentamos
modelos pautados no diálogo, na cooperação, na solidariedade, estes serão repetidos e
valorizados pelos educandos. Quando se aprende a resolver verbalmente seus conflitos,
explicando o que aconteceu e entendendo os motivos e as consequências de seus atos, as
situações conflituosas diminuem.
Nesse caso, é fundamental que haja a valorização dessa conquista, reforçando-se a
aprendizagem significativa. Como educadores, temos a possibilidade de criar espaços de
aprendizagem nos quais os conflitos possam se manifestar de forma sadia e equilibrada e
nos quais os conflitos não sejam mais necessários. Acreditar em nossa capacidade de
superar essas situações, tomando-as como desafios constantes em nosso fazer cotidiano, é
acreditar em nossa capacidade de transformar e de educar.

51
No texto de Angott (2010), que delineou um panorama de sínteses de fatores
caracterizados intervenientes, seguidas de observações de cenas de sala de aula de pré-
escola pública em busca de compreensão e análise do trabalho docente. A autora utiliza do
termo “semear”, isto é, o profissional valoriza e reconhece a importância do seu trabalho e
ações, cujo sucesso é o reflexo do planejamento escolar e do compromisso do docente. De
acordo com Angott (2010 p.55),

[...] a ideia de que muitas das conquistas para tal âmbito de ensino
encontram-se no “semear” o trabalho docente, ou seja, que o professor
descubra e busque cuidar da semente do profissional que existe nele
mesmo, pois “tudo principia na própria pessoa”. Tal processo construirá
este profissional de modo que este assuma, como compromisso e
responsabilidade, procedimentos essenciais para a realização de um fazer
intencionado, reflexivo e profícuo.

Através de cenas do cotidiano escolar, a autora ressalta que o professor tem que ter
elementos para análises e reflexões referentes à sua efetivação de seu próprio fazer. Nesse
sentido, observou-se que a prática do professor em sala de aula nem sempre leva em conta
o que foi planejado. Os docentes, muitas vezes, copiam de um ano para o outro os planos de
ensino já idealizados. Segundo Perrenoud (1993, p.21),

Uma boa parte dos atos de ensino não está, deixaram de estar ou nunca
estiveram sob o controle da razão e da escolha deliberada. Por um lado, a
profissão é composta por rotinas que o docente põe em ação de forma
relativamente consciente, mas sem avaliar o seu caráter arbitrário, logo
sem as escolher e controlar verdadeiramente. É a parte de reprodução, de
tradição coletiva retomada por conta própria ou de hábitos pessoais cuja
origem se perde no tempo.

Esse tipo de reflexão pode elucidar a ideia de que as práticas educativas não são as
concretizações de uma teoria aplicada na sala de aula, nem tampouco regras de ação ou
receitas. É muito mais que isso. Além de obedecerem a um conjunto de regras e filosofias
determinadas pelo sistema educacional, são concebidas segundo as concepções que cada
profissional entende possuir.
Dessa forma, a pesquisa-ação é fundamental na formação de professores por
constituir um componente essencial para se atingir aos objetivos visados pela educação,

52
uma vez que é o professor que, em sua prática, concretiza as linhas propostas, além de,
estarem adaptadas à realidade presente na vinculação da escola e sociedade.
Diante disso, os cursos de formação de professores devem propiciar os futuros
docentes enquanto pesquisadores, remetendo o valor da ação desencadeada a partir de sua
prática docente, com a finalidade de atingir mudanças significativas de melhoria da
qualificação profissional e consequentemente educacional.
O professor em seu processo formativo ou em exercício de sua ação docente deve
ser incorporado em sua trajetória um sujeito que reflete sobre suas ações e investiga as
implicações que giram em torno da sua atuação profissional. A pesquisa é uma ferramenta
que possibilita a necessidade de se pensar e repensar a formação docente interagindo com a
realidade, constituindo na construção de via entre o conhecimento e ação.

RESULTADOS DA PESQUISA
A investigação se valeu da aplicação de questionários, organizados da seguinte
forma: todos os integrantes do PIBID foram convidados a responder ao instrumento, no
entanto apenas 16 se dispuseram a participar. Além dos bolsistas, as duas supervisoras do
Programa e as duas orientadoras pedagógicas das escolas parceiras participaram dessa
amostragem.
Observamos que a maior parte dos participantes da amostra são licenciandos da
Pedagogia: 80% com licenciatura e os demais sujeitos são os orientadores e supervisores:
20%.
Constatamos que 19% encontravam-se no segundo período, 25% no quarto período,
6% no quinto período, 31% no sexto período e 19% no oitavo período do curso de
licenciatura em Pedagogia/UENF. Essas informações obtidas demonstram a interação entre
bolsistas em diferentes níveis, permitindo a inserção do bolsista em qualquer período,
possibilitando a troca de experiências, além do estímulo em concluir o curso, uma vez que o
programa possibilita a renovação de participação no projeto.
Ao que corresponde ao ano de inserção no PIBID, vimos que 12% ingressaram em
2010, 35% em 2011 e 53% em 2012 O objetivo foi verificar a participação contínua dos

53
bolsistas no projeto, já que existe uma rotatividade pela oferta ociosa de outras bolsas.
Assim constatamos que muitos bolsistas retornam para o PIBID, foram caso de três deles.
Na composição da primeira pergunta aplicada, apresentamos de que forma os
bolsistas se posicionaram em relação a sua participação no Programa. Mensuramos que 31%
integrantes da amostra possui a percepção que o projeto PIBID dissocia e promove a
integração teoria e prática; e, outros 31% dos sujeitos da pesquisa se posicionaram de forma
a expressarem que o PIBID permite o pleno acesso à realidade escolar; já os demais, 38%
bolsistas da amostra, responderam que o Programa incentiva de fato a atuação docente, que
muitas das vezes, na formação regular, não atinge essa plenitude.
Nas falas dos informantes 01, 06 e 12, observamos que os posicionamentos dos
bolsistas em relação ao incentivo à formação de professores para a Educação Básica e a
valorização do futuro professor estão de acordo com os objetivos propostos pelo Programa,
assim como o redimensionamento das práticas pedagógicas dos docentes e futuros
professores.
Na segunda pergunta do instrumento metodológico: o programa atende as suas
expectativas? Nela, verificamos que das dezesseis respostas dadas, 87% demonstraram que
a sua participação no PIBID contribuíram para seu processo formativo, assim como as
experiências adquiridas no cotidiano escolar contribuem para sua formação. E apenas 13%
falaram que a participação e atuação no subprojeto na escola atendem em parte aos anseios
esperados, pois acreditam que se houvesse mais tempo para a execução das atividades, de
forma mais elaborada e completa, suas experiências seriam mais produtivas. Sabemos que o
tempo ainda não é o que gostaríamos de ter para execução das ações nas instituições, mas
de qualquer forma é um passo em direção à concretização da teoria e da prática no âmbito
escolar.
Nos relatos apresentados pelos informantes, verificamos que os alunos/bolsistas
reconhecem a importância e necessidade da formação além da obrigatoriedade das
disciplinas oferecidas no Curso. Percebemos, também, que esses alunos compartilham a
ideia de que o PIBID promove uma continuidade na formação docente, através da
participação em oficinas, palestras, visitas técnicas e jornadas pedagógicas, que são
oferecidas pela Coordenação Geral do PIBID da subárea do PIBID/ Pedagogia.

54
A terceira questão do questionário proposto: existe no programa pontos que você
considera negativo ou insuficiente? Nessa pergunta, temos os seguintes resultados, 44% dos
bolsistas, responderam que existem pontos negativos e insuficientes do Programa, como a
disponibilização da verba por parte da CAPES, através de convênio com a universidade para
efetuar os gastos de custeio com as ações dos subprojetos, o que de certa forma,
inviabilizava algumas atividades, e na maioria das vezes, os bolsistas juntamente com a
coordenação tinham que buscar outras estratégias a fim de executar as propostas nas
escolas, pois o subprojeto atendia um número expressivo de alunos nessas instituições.
Os outros bolsistas 56% responderam que essa dificuldade não constituía empecilho
para execução das ações, que ao contrário, viam essas como elementos reais do cotidiano e
dos obstáculos da realidade educacional brasileira.
Nas falas dos informantes 05, 07 e 15, que apesar dos enfrentamentos encontrados
pelos bolsistas no seu cotidiano, os mesmos demonstraram preocupação com o ensino no
que consiste a sua atuação e os mecanismos que auxiliam o desenvolvimento do Projeto.
Assim, é importante entendermos que o desempenho dos alunos está intrinsecamente
relacionado com a sua formação, com seu preparo técnico, psicológico, cultural, sociológico,
filosófico, entre outros. Portanto, a eficiência do ensino é atribuída à eficácia do processo de
formação do professor.
Elaboramos a quarta pergunta do questionário visando entender como o bolsista
compreende a contribuição do Programa PIBID na melhoria da atuação docente. A pergunta
era: Você considera que este Programa (PIBID) favorece o desenvolvimento de qualidades
acadêmicas essenciais para a docência? Averiguamos que todos 100% entrevistados foram
unânimes em responder que consideram que o PIBID favorece o desenvolvimento da
docência.
Nas falas dos informantes 06, 09 e 10 percebemos que os bolsistas entendem que o
PIBID contribui para uma formação profissional diferenciada ao introduzir a realidade
escolar, possibilitando, dessa forma, uma ação reflexiva contextualizada com os reais
dilemas e enfrentamentos da conjuntura educacional.
Buscando entender quais eram as ferramentas utilizadas pelos bolsistas para o
desenvolvimento de suas atividades na escola elaboramos a quinta pergunta: Que

55
procedimentos didáticos têm sido utilizados na sua atuação em sala de aula? Evidenciamos
as seguintes ações metodológicas utilizadas pelos bolsistas: 19% responderam que utilizam
os recursos das novas tecnologias, 75% usam e criam jogos, dinâmicas, consulta no site do
MEC, e 6% não responderam a questão. De acordo com as respostas, percebemos o esforço
dos bolsistas em desenvolver propostas didáticas variadas na concretização de suas ações
em sala de aula. Nesse sentido, entendemos que a atuação direta dos bolsistas com os
alunos das escolas parceiras estimula a reflexão da necessidade de se desenvolver novas
ações metodológicas como forma de dinamizar o processo de ensino superando a pedagogia
tradicionalista ainda presentes na sala de aula e, consequentemente, minimizar o fracasso
escolar.
Para melhor entender como os licenciandos percebem as contribuições do PIBID em
seu próprio processo formativo, elaboramos a sexta questão: Como você considera que o
programa contribui para a sua formação? Visualizamos que 81% dos informantes entendem
que a contribuição do PIBID é a oportunidade de exercerem a profissão docente antes do
término do curso e os demais, 19% dos bolsistas, apontam como contribuição a
possibilidade de se integrar a teoria e prática durante o processo formativo.
Os informantes 11 e 15 confirmam como é importante o desenvolvimento de
projetos de valorização da formação do professor que possibilita a integração dos estudos
teóricos com as verdadeiras necessidades da realidade escolar, pois é mediante o processo
de reflexão sobre sua prática dentro da realidade escolar que o futuro professor vai
construir uma proposta pedagógica voltada paras as reais necessidades do contexto escolar.
Na sétima pergunta, indagamos a opinião dos bolsistas sobre as possíveis lacunas que
o PIBID preenche nas escolas. As respostas indicam que do total da amostra 69% licenciados
informaram que as lacunas preenchidas durante o processo de ensino-aprendizagem dizem
respeito à inserção de variados temas na produção de textos, e os outros bolsistas 31%
indicaram o incentivo a leitura como principal contribuição do PIBID.
As respostas dadas dos informantes 8, 6, 9 e 10 demonstram a participação desses
bolsistas no Programa, que se dediquem em contribuir mais no processo de alfabetização e
letramento dos alunos, uma vez que complementam o trabalho didático realizado pelo
professor regente das escolas parceiras no oferecimento de atividades de produção e leitura

56
textual. Essas atividades contribuem na ênfase a variados gêneros textuais que muitas vezes
não são contemplados nas atividades diárias dos alunos.
Formulamos as perguntas a fim de entender melhor a percepção que os integrantes
da pesquisa possuíam do curso de formação no qual estavam ligados. Essas indagações
contextualizam o processo formativo de modo geral, não somente ligado à participação do
aluno no PIBID. Essas questões foram elaboradas, porque compreendemos que o curso em
Licenciatura em Pedagogia da UENF é a primeira etapa de formação inicial e o PIBID é um
dispositivo de iniciação à docência que possui uma perspectiva teórico-metodológica que se
distancia daquela que normalmente visualizamos nos cursos de formação.
Na oitava questão do questionário, buscamos identificar a satisfação dos bolsistas em
realizar a futura profissão. Dessa forma, construímos a seguinte indagação: considera a
docência como uma atividade gratificante para sua realização profissional? De acordo com
as respostas, 87% integrantes da amostra responderam que têm satisfação em desenvolver
a docência como atividade profissional, 13% dos bolsistas relatam que se sentem satisfeitos
somente em alguns momentos.
Averiguamos nessas respostas dadas pelos bolsistas que uma maioria significativa da
amostra está satisfeito em exercer a profissão docente e desenvolver um papel que
contribua com a melhoria da qualidade do ensino em nosso país, oportunizando um
aprendizado significativo com as reais demandas da escola. Estamos cientes que uma das
maneiras do profissional se sentir satisfeito em sua profissão é a valorização. Dessa forma, o
PIBID cumpre seu papel dentro dessa perspectiva, pois um de seus objetivos é valorizar o
profissional docente no desenvolvimento de sua carreira.
Na nona questão, procuramos explorar como o licenciando se sente em relação à
qualidade de ensino que está sendo oferecido a ele pela universidade, e, assim, construímos
a pergunta do questionário da seguinte forma: Em sua opinião, você está tendo uma
formação acadêmica significativa para a realidade escolar? De acordo com os dados
coletados, mensuramos que 94% bolsistas afirmam que estão satisfeitos com o seu processo
formativo e apenas 6% se sentem insatisfeitos em alguns pontos.
No que diz respeito à percepção sobre a formação acadêmica oferecida, os
entrevistados, em sua maioria, apresentam-se satisfeitos tanto na formação inicial como na

57
formação continuada. Esta acontece por meio de cursos e eventos de capacitação. As falas
dos alunos explicitam a importância em integrar os projetos que a Universidade oferece,
entre eles extensão, iniciação científica, monitoria e PIBID, entendendo a participação
nesses eventos como uma forma de colocar em prática as ações estudadas na teoria.
Na décima pergunta, nos voltamos para a percepção dos bolsistas sobre a
importância da formação de professores para atuarem nos anos iniciais do Ensino
Fundamental e fizemos a seguinte indagação: Que grau de importância atribui à formação
do professor que atuará nos primeiros anos iniciais? Evidenciamos com as respostas que
todos os alunos informaram que é necessário investir na formação de professores que
atuarão nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
As respostas dos entrevistados 9, 6, 12 e 5 evidenciam o compromisso que as
universidades têm em formar bons profissionais. O professor responsável pela
aprendizagem nos anos iniciais deve possuir a capacidade de criar estratégias que incentive
as crianças no processo de aprendizagem. Para tanto, sua formação deve estar de acordo
com as atuais teorias de aprendizagem e com a formulação de novas práticas metodológicas.
A décima primeira questão do questionário é um complemento da questão anterior.
Dessa vez, queremos saber qual o nível de formação que o professor, que atuará no primeiro
segmento do Ensino Fundamental, deve possuir para desenvolver um trabalho satisfatório
em relação à qualidade de ensino. Logo, elaboramos a seguinte pergunta: como e onde esse
profissional deve ser formado? Na referida questão, todos os 100% bolsistas foram
unânimes em responder que o profissional para atuação nos primeiros anos iniciais deve ser
formado em universidades comprometidas com a qualidade de ensino.
Os relatos obtidos enfatizam que a Universidade possui um papel de suma relevância
na formação do professor que atuará nos primeiros anos da Educação Básica. Esse tipo de
formação garantirá ao futuro professor uma postura investigativa no exercício da profissão,
além de incorporar em sua prática a reflexão da ação pedagógica. Questões como essas
fazem a diferença na qualidade do ensino que é oferecido nas escolas de Ensino
Fundamental, pois fundamentam as tomadas de decisões por parte do professor sobre a
forma de encaminhar o processo de ensino, transformando o docente de simples executor a
um profissional investigador.

58
Na formulação da décima segunda questão, perguntamos sobre a qualidade da
formação que os alunos do curso de Licenciatura em Pedagogia estavam recebendo. Dessa
forma, obtivemos uma melhor visualização de como categorizam o ensino oferecido pela
Universidade e fizemos a seguinte pergunta: Como você classifica sua formação acadêmica?
De acordo com a resposta, 7% licenciando acha a qualidade do ensino oferecido regular,
31% como excelente e 62% classificam como bom. Com as informações obtidas,
constatamos que os alunos apresentam satisfação com a formação oferecida, além de
afirmarem o desejo de estudar na UENF. Os investimentos em projetos inovadores, a
possibilidades de desenvolver pesquisas remuneradas são alguns pontos que destacamos no
desencadeamento de um sentimento satisfatório em fazer parte de um curso de licenciatura
em uma universidade pública. Destaca-se que o único aluno que respondeu que o ensino
oferecido é regular, não justificou sua resposta.
Na última questão do questionário, voltamos nossa atenção para a importância que
esses alunos dão a articulação entre a teoria e a prática no desenvolvimento de sua
formação. Para isto, formulamos a seguinte indagação: Para atuação docente, você
considera mais importante a teoria ou a prática? De acordo com as respostas, 13%
licenciandos consideram a prática mais relevante que a teoria, e 87% responderam que
ambas são fundamentais e inseparáveis.
Com as respostas, podemos apontar a relevância de oportunizar aos alunos caminhos
que minimizem os principais problemas encontrados nas escolas, a exemplo o pouco
estimulo pelas práticas de leitura e escrita. As respostas apontam que o PIBID contribuiu
para essa ruptura, ressaltando a criatividade e ludicidade dos alunos. As considerações feitas
revelam o nível de suas expectativas, experiências e conhecimentos adquiridos, como
também um sentimento de satisfação da tarefa cumprida, sentimento no qual resgata a
legitimação da construção do saber e a autorreflexão do papel docente.
No aspecto de produções didático-pedagógicas, os bolsistas confeccionaram apostilas
de gêneros textuais na sala de aula como carta, conto, crônica, poesia e outros, em
consonância com os projetos da escola: jogos pedagógicos, produção de textos individuais e
coletivos, realização de dramatizações, mensagens, cartazes, exposição na comunidade
escolar e livro de poesias (Livro com as poesias das crianças impresso pela gráfica artesanal

59
do Núcleo de História Oral e Autoria – LEEL/CCH/UENF, coordenado pelo Professor Doutor
Gerson Tavares do Carmo).
Portanto, a abordagem do relatório técnico-científico de atividades do PIBID do ano
base 2013, elaborado a partir das atividades concretizadas, constitui uma síntese dos
objetivos e dos resultados alcançados a partir das intervenções práticas nas áreas de atuação
do conjunto dos estudantes-professores do subprojeto “Políticas de Língua e de Leitura:
Formando Leitores na Escola”, do PIBID do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UENF. A
organização e realização desse Projeto têm como objetivo o exercício da docência,
relacionada com a reflexão crítica sobre a realidade educacional e social vivida nas
comunidades escolares, na qual os alunos bolsistas exercem e/ou irão atuar como docentes
em duas escolas municipais da cidade de Campos dos Goytacazes/RJ.

CONCLUSÃO
Vimos com a presente pesquisa abordar a relevância da formação de professores,
repensar novos conteúdos e, principalmente, novas formas de constituir e consolidar o
processo de formação docente, a fim de inferir e transformar o perfil do educador em
virtude do auxilio na construção e reelaboração do conhecimento. No que remete aos
impactos do PIBID, os resultados apontam que o Programa proporciona experiências como:
aprender a ser professor atuante e reflexivo, uma vez que elaboram e executam aulas
diferenciadas e com riquezas de atividades, quebrando a rotina nas escolas; despertou nos
professores regentes na elaboração de aulas expositivas; aquisição e confecção de materiais
pedagógicos; reativou e movimentou as bibliotecas e obras literárias; executou
frequentemente culminâncias para toda comunidade escolar e os bolsistas participaram e
apresentaram trabalhos científicos em congressos.
Os dados também apontam que a atuação do PIBID nas escolas, contribuiu ainda
para a formação continuada, não só dos bolsistas como também dos professores
supervisores, uma vez que estes participaram de congressos, oficinas e encontros
pedagógicos, introduzindo uma identidade de professor motivador na busca de alcançar os
objetivos do subprojeto. Além disso, as informações direcionam para a necessidade de
ampliação do Programa PIBID no que diz respeito a maior oferta de vagas e de escolas

60
parceiras, enfatizando a criação de projetos que possibilitem a interação entre teoria e
prática.

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, I. Formação continuada como instrumento de profissionalização docente. In:


VEIGA, I. P. A. Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas: Papirus, 1998. p.
99-122.
_________. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 8. ed. São Paulo: Cortez,
2011. (Coleção questões da nossa época; v. 8).
ANGOTTI, M. Educação Infantil: para que, para quem e por quê? Campinas, SP: Editora
Alínea, 2010.
MOURA, S. A. Políticas de língua e de leitura: formando leitores na escola. Subprojeto do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID, Edital nº 02/2009 –
CAPES/DEB, 2009.
_______. Portaria Normativa nº 38, de 12 de dezembro de 2007. Dispõe sobre o
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID. Diário Oficial da União, n.
239, seção 1, p. 39, 2007.
CAPES. Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, Disponível em:
http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid. Acesso em: 18 de agosto de 2012.
_______. Edital CAPES/DEB Nº 02/2009: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência – PIBID, 2009.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CNE-CP nº 2 de 19 de fevereiro de
2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de
formação de professores da Educação Básica em nível superior. Disponível em <http:
//www.mec.gov.br/cne/resolucao.shtm>. Acesso em: 10 nov. 2013.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
_________. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. 9. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

61
GATTI, B. A. A prática pedagógica como núcleo do processo de formação de professores.
Por uma política nacional de formação de professores. (Org.). São Paulo: Editora UNESP,
2013. p. 95-106.
_________. Licenciaturas: características institucionais, currículos e formação profissional.
In: PINHO, S. Z. (Org.). Formação de educadores: dilemas contemporâneos. São Paulo:
Editora UNESP, 2011. p.71-87.
IMBERÓN, F. Formação docente profissional: forma-se para a mudança e a incerteza. 6.
ed. São Paulo: Cortez, 2006.
LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e
profissão docente. 13 edição. São Paulo: Cortez, 2011.
_________. Licenciatura em pedagogia: a ausência dos conteúdos específicos do ensino
fundamental. In: GATTI, B. A. Por uma política nacional de formação de professores. (Org.).
São Paulo: Editora UNESP, 2013. p. 73-94.
NÓVOA, A. (Org.). Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Coord.).
Os professores e a sua formação. 3. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997.
_________. Nada substitui um bom professor: propostas para uma revolução no campo
da formação de professores. In: PINHO, S. Z. (Org.). Formação de educadores: dilemas
contemporâneos. São Paulo: Editora UNESP, 2013.
_________. (Org.). Os professores e a sua formação. Publicações Dom Quixote, Lisboa,
1995. (Coleção temas da educação).
_________. (Org.) Profissão professor. Porto, Portugal, 1995. (Coleção Ciências da
Educação).
PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
_________. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas
sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993.
PIMENTA, S. G. (Org.). Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas. 3. Ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
PIMENTA, S. G. (Org.). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In:
PIMENTA, S. G. Saberes pedagógicos e atividade docente. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

62
_________. O estágio na formação de professores: unidade teórica e prática. 3. ed. São
Paulo: Cortez, 2005.
_________. Programa de formação de professores. In: PINHO, S. Z. (Org.). Formação de
educadores: o papel do educador e sua formação. São Paulo: Editora UNESP, 2009. p. 23-41.
_________. S. G. (Org.). Didática e formação de professores: Recursos e perspectivas no
Brasil e em Portugal. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
ROMANELLI, O. de O. História da Educação no Brasil. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e
aprendizagem. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2000.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2010.

63
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A TRANSPOSIÇÃO DOS PCNS ÀS PRÁTICAS DE SALA DE
AULA: ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA

Cíntia Moreira de Castro


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Bianka Pires André


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O ensino de Língua Portuguesa tem despertado inúmeros debates acerca dos
gêneros orais e escritos como objetos de ensino nas salas de aula do país. A reforma da
educação propôs uma mudança significativa na maneira como é concebida a disciplina, bem
como deve ser examinada e ensinada. Tais mudanças ganharam voz e sentido com a
chegada de programas e propostas curriculares oficiais brasileiros a partir de 1997 e com a
elaboração e publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Esta pesquisa objetiva
refletir como a transposição dos PCNs às práticas de sala de aula tem se efetivado e se a
constituição desse documento assegurou as mudanças pretendidas, sobretudo no que tange
à organização curricular das escolas, e ainda, sobre a formação inicial e contínua dos
professores para um efetivo ensino de linguagem, que garanta o aumento real das
possibilidades de interação do aluno com a sociedade, implicando maior acesso às
informações e possibilidade de interpretação dessas informações nos contextos sociais onde
estejam inseridos, como preconizam os PCNs. Assim, a fim de refletirmos sobre as práticas
docentes para o ensino de língua portuguesa serviu-nos como aporte a observação do
universo das aulas de cinco turmas de 9°Ano do Ensino Fundamental, de uma escola
municipal, situada no município de Rio das Ostras e questionários aplicados aos professores
e alunos, ainda em fase de análise e tabulação. Valemo-nos dos pressupostos teóricos da
sociolinguística, além das orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa para fundamentar nossa análise e reflexão, bem como, do suporte teórico de
Bagno (2007), Bakhtin (1953/1979/1992) Bronckart (1998), Dolz e Schneuwly (1996), Geraldi
(2011) e Rojo (2000).
Palavras-chave: PCNS. Linguagem. Práticas docentes em Língua Portuguesa.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A elaboração de documentos oficiais, relacionados ao ensino de Língua Portuguesa,
mais especificamente dos Parâmetros Curriculares Nacionais, coloca-nos o desafio de refletir
sobre as mudanças e ações previstas para o ensino de língua, como essas mudanças podem
potencializar as necessárias transformações para o ensino de linguagem e até que ponto, os
professores têm contribuído para o ensino efetivo de língua materna. Portanto, uma das
discussões mais frequente na área de educação engloba os pressupostos desse documento e
seu reflexo no ensino de língua portuguesa. No que se refere ao ensino de língua, os PCN
64
apresentam propostas de trabalho que valorizam a participação crítica do aluno diante da
sua língua e que mostram as variedades e pluralidades de uso, inerentes a qualquer idioma.
Destaca ainda que a principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido e
para tanto aponta o caminho a ser percorrido nas aulas de língua materna para que se
efetivem tais pressupostos. O documento assim destaca:

O estabelecimento de eixos organizadores dos conteúdos de Língua


Portuguesa no ensino fundamental parte do pressuposto que a língua se
realiza no uso, nas práticas sociais; que os indivíduos se apropriam dos
conteúdos, transformando-os em conhecimento próprio, por meio da ação
sobre eles; que é importante que o indivíduo possa expandir sua
capacidade de uso da língua e adquirir outras que não possui em situações
linguisticamente significativas, situações de uso de fato (BRASIL, 1997,
p.43).

As mudanças pretendidas para o ensino de língua materna procuram aproximar as


práticas de leitura e escrita ─ práticas de letramento, de tal sorte, que segundo Roxane Rojo
(2000) o aluno seria capaz de perceber que tais práticas possuem relevância na escola, mas
também fora dela. O ensino de língua assim daria espaço para o ensino de linguagem
ampliando os domínios das práticas linguísticas. Seu objetivo primeiro seria tornar a escola
um espaço de vivência, na qual o aluno passa a inferir diretamente na organização da
realidade que o cerca, e o faria pela constituição de significados, comunicação e informação.
Participar ativamente do processo linguístico no qual está inserido é ser o protagonista desse
processo de produção/recepção, é compreender e usar as múltiplas linguagens valendo-se
delas para alcançar seus objetivos como falantes de uma língua. Sobre o papel da linguagem
os PCNs assinalam

[...] um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais


existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos
momentos da sua história. Os homens interagem pela linguagem tanto em
uma conversa de bar, entre amigos, ou redigir uma carta pessoal, quanto ao
redigir uma crônica, uma novela, um poema, um relatório profissional
(BRASIL, 1997, p.06).

Dessa maneira, a linguagem passa a ser compreendida como importante instrumental


de interação social e, segundo esse mesmo documento, PCN (1997) falar em produzir
linguagem significaria produzir discursos. Nesse sentido, a reforma da educação propõe uma
profunda mudança na maneira como a disciplina de Língua Portuguesa deve ser trabalhada

65
nas aulas do ensino fundamental e ensino médio. As antigas formas padronizadas sem
significação real na vida do estudante e, sobretudo, o ensino taxonômico e de regras
gramaticais são amplamente questionados. Na prática, o que se deseja, é da perspectiva da
nova LDB e dos PCNs uma real possibilidade de interação do estudante com a sociedade e o
meio ambiente, um aumento do seu poder de análise e crítica como cidadão, implicando
maior acesso às informações e melhor possibilidade de interpretação dessas informações
nos contextos sociais em que estão inseridas.
O presente trabalho de pesquisa propõe analisar o ensino da língua portuguesa sob a
perspectiva da sociolinguística. Observar as atitudes metodológicas que distam da
heterogeneidade linguística reconhecida no cenário escolar, bem como propor a imediata
reconstituição de uma pedagogia centrada no código, para uma segunda, atenta ao código
em uso. Ampliar a capacidade do professor de entender a aquisição do processo de
conhecimento da língua materna não como um processo técnico da gramática, mas aulas
que promovam reflexão sobre língua e linguagem, através das chamadas atividades
epilinguísticas, de modo a permitir o percurso uso→reflexão→uso.
Esta pesquisa faz, portanto, uma reflexão do ensino de língua portuguesa como
prática de linguagem ancorando-se na leitura crítica dos Parâmetros Curriculares e no
trabalho pedagógico com os gêneros textuais a partir de observações práticas do trabalho da
sala de aula numa escola pública do município de Rio das Ostras. Através de amostras
textuais de um determinado grupo de alunos em aquisição e aplicação da língua escrita,
análises das práticas pedagógicas dos professores do ensino público municipal, envolvidos
na pesquisa, e ainda, reflexões sobre as metodologias empregadas para o ensino de língua. A
pesquisa pretende apontar os resultados alcançados a partir do ensino que se propõe à
reflexão linguística e ao funcionamento da linguagem. Corroborar para a consequente
formação de uma nova práxis dos professores do Ensino Fundamental. Para atingir os
objetivos pretende-se buscar através de fichamentos e pesquisas bibliográficas, para
explicitarem os conceitos e pressupostos das vertentes linguísticas: Linguística Funcional e
Sociolinguística, recorrer às orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa, aproximando teoria e prática aplicadas no contexto de sala de aula.

66
ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA
Desde a introdução da linguística nos cursos de Letras, Brasil afora, os professores
de língua passaram a conviver diariamente com questões relevantes e polêmicas, que
suscitaram grandes discussões acerca do ensino de língua materna, essa preocupação ganha
novo enlevo com a chegada dos parâmetros organizacionais para a disciplina e propõe o
entendimento do binômio língua/linguagem como condição primeira para o trabalho
doravante estabelecido. Segundo Bagno (2002), uma concepção de língua como a que se
propõem tais documentos, percebe a língua como uma atividade social, cujas normas
evoluem segundo mecanismos de autorregulação dos indivíduos e dos grupos em sua
dinâmica histórica de interação entre si e com a realidade, que se opõe a um trabalho
normativo-prescritivo, com uma regulação imposta de cima para baixo. Argumenta que a
não observação das variedades linguísticas no ensino de língua reforça a ideia de erro e
sobre isso Bagno (2002) infere

Além do já mencionado estímulo ininterrupto à elevação do grau de


letramento dos alunos e da prática de reflexão linguística a partir de certa
fase do percurso escolar, cabe também ao professor de língua apresentar
os valores sociais atribuídos a cada variedade linguística. Como cada um de
nós sabe muito bem, a língua é frequentemente usada na prática da
discriminação, da exclusão social. O preconceito linguístico vivo e atuante é
uma realidade inegável no Brasil (BAGNO, 1999; 2000). Explicitar, explicar e
combater esse preconceito é uma das tarefas incontornáveis da educação
linguística (BAGNO, 2002, p.70).

O ensino de língua materna, assim, passaria a reconhecer cada vez mais e melhor as
variedades sociolinguísticas, para que o espaço de sala de aula deixe de ser o local para o
estudo das variedades de maior prestígio social e da norma padrão, esse, reconhecido
equivocadamente como correto e único. Uma língua idealizada e uniforme dista da realidade
que se apresenta no cenário escolar brasileiro. Professores esbarram-se na dicotomia
implacável de ter que ensinar uma língua que possivelmente não dominam,
reconhecidamente variável e permeada por mudanças. Guedes (2006) chama atenção para
essa mudança de conceber a função do professor de língua diante da urgência de se
repensar as práticas metodológicas para o ensino de língua portuguesa, que contribuiu, ao
longo dos anos, apenas para o ensino metalinguístico e, dessa forma, reafirma a importância
de uma nova identidade para o professor de português e questiona:
67
Na verdade, há muito a função do professor de português não é mais a de
guardião daquela língua que ele não fala nunca falou ─ e na qual raramente
se atreve a escrever: seu trabalho tem-se limitado ao ensino cada vez mais
diluído da metalinguagem da gramática tradicional. Enquanto a escola
recebia, até 1950, apenas alunos que tinham acesso em casa a um
vernáculo menos distante dela, essa metalinguagem ainda ajudava a ler os
clássicos da língua. A partir dos anos 1960, no entanto, quando a escola
passou a incorporar quem até então não tinha tido nenhum acesso a essa
língua (e, menos ainda, a livros) ─ primeiro como alunos e, a seguir como
professores ─ e os clássicos passaram a ser substituídos pelos modernos,
essa gramática perdeu toda referência a qualquer língua ouvida, falada ou
lida na escola (GUEDES, 2006, p.13).

Se o ensino metalinguístico já não correspondia às necessidades para a construção de


uma língua capaz de constituir uma identidade brasileira Guedes (2006), a nova concepção
do ensino de língua, no entanto, tomou como pretexto, de maneira não menos equivocada,
o texto, o que fez emergir uma reflexão e suscitar o debate acerca de um possível
despreparo dos educadores. Também Guedes (2006) questiona a formação teórica nos
cursos de letras e a real possibilidade de transformação do conhecimento em conteúdo de
ensino para ser aplicado na prática por esses professores. Segundo os parâmetros nacionais
a aprendizagem acontece na interação e propõe, sobretudo, o reconhecimento de que cabe
à escola a formação de cidadania e de que o conhecimento é socialmente construído. Com
essa proposta, o ensino de língua ganha um novo olhar e aponta para o ensino de linguagens
e dos gêneros textuais que estariam a serviço, segundo Schneuwly, da construção do sujeito
e da cidadania.
Falar em construção de cidadania é antes de tudo posicionar-se como cidadão, é
assumir as vicissitudes de um ensino de língua que compreende a formação de uma
sociedade mais justa e democrática a partir da ideia, segundo Perrenoud (2005) de que a
escola pertence à sociedade, é fruto dela, está intimamente relacionada com os valores de
solidariedade, justiça ou desigualdades que ela perpetua. A cidadania, assim, constrói as
mudanças que influenciariam o ensino de língua e o ensino de língua influenciaria a
construção cidadã.
Em nossas escolas, no entanto, a maneira de conceber o ensino de língua, torna-se
discutível, apesar dos documentos que parametrizam, orientam e avaliam o ensino de
língua, ainda é necessário discutir o reflexo de contexto sobre a formação de alunos
68
escritores/leitores e qual a função do professor de língua portuguesa nas aulas de língua,
observando se a atuação docente corresponde na prática ao que preconizam tais
documentos. Urgem questionamentos a partir dessas análises: de fato o ensino de língua
materna, a partir dessas perspectivas, tem se efetivado no seio de nossas escolas? Há
políticas que garantam a formação continuada dos professores para que se apropriem de
tais mudanças no ensino de língua? A proposta dos novos documentos oficiais respaldo nos
currículos escolares, para que, segundo Jurado e Rojo (2006), esse currículo esteja voltado
para as competências de tipo geral e sua aplicação seja em contextos de trabalho e
cidadania?

PRÁTICAS LINGUÍSTICAS EM SALA DE AULA: O REAL, O POSSÍVEL E O INDISPENSÁVEL


Professores de todos os segmentos encontram grande resistência, por parte das
escolas, a uma política de ensino reflexivo da língua. Pais, diretores, conselhos
administrativos, editoras e pedagogos, por total ignorância dos avanços nas pesquisas
linguísticas, continuam a preconizar o ensino da gramática como obtenção de habilidade
indispensável para o processo de letramento. A discussão da aplicação concreta de
atividades, que busquem o ensino real e aprofundamento dos processos leitores,
enfraquece-se diante de uma possível formação acadêmica que não garanta tais
aprofundamentos e da própria crença do professor nos aspectos formais da língua. Sobre
isso, Colomer e Camps (2002) advogam:

A maioria das atividades escritas da aula de língua está centrada nos


aspectos formais da linguagem ou tem por objetivo elementos isolados. Ou
seja, a linguagem constitui-se em objeto em si mesmo, e a exercitação é
orientada primordialmente para os aspectos formais (ortografia, gramática,
etc.) ou para elementos que, embora sejam significativos (a palavra, a frase,
etc.), são tratados de forma descontextualizada, distantes do uso linguístico
(COLOMER e CAMPS, 2002, p.74).

Não questionamos a relevância das atividades de aspectos formais da língua, mas


apontamos para a necessidade de situarmos em relação a um ensino da linguagem, a
compreensão de que a língua escrita é utilizada para um fim, que buscamos o entendimento
da mensagem e de que grosso modo a escrita está a serviço do desenvolvimento de
atividades linguístico-comunicativas.
69
Todo trabalho acerca da linguagem e do ensino de língua deve, para ser coerente do
ponto de vista teórico, pedagógico e metodológico, definido por aqueles envolvidos no
processo, sobretudo professores, no que tange o conceito e o entendimento do que vem a
ser língua. Professores de português devem distanciar-se das velhas práticas pedagógicas,
vivenciadas em seus anos de escolarização, para levantar o olhar em direção às mudanças
acontecidas no cenário escolar ao longo dos últimos anos. Mudanças que revelam a
diversidade social, econômica, cultural e linguística, nas quais a escola está inserida.
Reconhecer tais diferenças garante um ensino mais democrático e próximo do que se espera
para a formação de uma sociedade mais justa.
Dessa maneira, analisamos os dados coletados nos questionários aplicados aos
alunos do 9° Ano de uma escola municipal, situada no município de Rio das Ostras – RJ.
Nossa intenção é evidenciar de que forma esses alunos têm se relacionado com a língua
portuguesa e sua efetiva compreensão acerca das relações que se estabelecem entre língua
e cidadania. Nessa perspectiva, buscamos perceber como a realização de atividades e
exercícios têm assegurado uma reflexão contínua sobre a língua em diferentes contextos de
uso, proposta e recomendação dos PCN para um trabalho que garanta uma concepção de
um ensino de língua materno mais próximo do ensino de linguagem.
É nossa intenção aproximar as práticas apresentadas pelos professores em entrevista
feita para essa investigação e a percepção dos alunos, dessas referidas turmas, sobre a
efetividade do ensino de língua portuguesa. Saber se o trabalho com atividades escolares
que busquem uma reflexão sobre a língua, objetivo primeiro das orientações encontradas
nos PCN de Língua Portuguesa dos Ensinos Fundamental e Médio, configuram-se numa
proposição de “renovação” das práticas didáticas desses professores.
Assim, procuramos observar, através das respostas apresentadas no questionário e
nas entrevistas feitas com os professores das referidas séries, se a prática docente encontra-
se em permanente diálogo com os pressupostos dos PCN e, se esses alunos conseguem
depreender, a partir dessas aulas, as relações entre os conhecimentos adquiridos sobre
língua a fim de ampliar sua comunicação oral e escrita e, por conseguinte, suas habilidades
de compreensão e expressão.

70
UM ENSINO E SUAS TRAJETÓRIAS
Como falar em justiça, inseridos na ingênua crença de que uma educação para a
cidadania, em uma sociedade democrática, pode apenas transmitir valores primordiais às
novas gerações ou, ainda, que a escola pode substituir valores sociais, éticos, políticos e até
linguísticos, este último como objeto de estudo aqui. Quando produz um fracasso, a escola
não está educando para a cidadania. Quando nega a diversidade linguística produz um
fracasso. É nesse intuito que Bagno, (2002) aponta o real objetivo do ensino de língua
materna, numa crítica contumaz ao ensino tradicional que parecia ter apenas dois objetivos:
formar professores de português ou grandes escritores e poetas. Postula que professor
forma-se na universidade e que não existe nenhuma escola capaz de formar escritores,
quase sempre autodidatas. O objetivo da escola, por conseguinte, no que diz respeito à
língua, seria formar cidadãos capazes de se exprimir de modo competente e adequado,
oralmente e por escrito, para que possam se inserir de pleno direito na sociedade e ajudar
na construção e transformação dessa mesma sociedade.
O ensino de língua portuguesa no Brasil sofre felizmente uma nítida fase de
mudanças. As pesquisas linguísticas ganham vulto e são reconhecidas como significativas
contribuições para professores que durante séculos fundamentaram suas práticas em
preceitos da Gramática Tradicional. Fase que subverte uma anterior, quando postulados e
análises linguísticas distanciavam-se da realidade pedagógica das escolas. Em análise feita
por Stubbs (2002), verificou-se também entre professores ingleses, a completa oposição
entre as pesquisas acadêmicas e a prática pedagógica, segundo o autor, muito do trabalho
linguístico acadêmico não estava de modo nenhum numa forma apropriada para ser
adotado com finalidades pedagógicas, seja na formação do professor, seja na sala de aula.
Estimular uma prática pedagógica baseada na reflexão linguística urge em nossos
cursos de formação docente. Não é aleatório que professores sejam mantenedores de
práticas preconceituosas quanto ao uso das variedades linguísticas. Por ocasião de total
despreparo e não reconhecimento da língua como atividade social. A reprodução
automática da norma purista, a desvalorização da linguagem da criança e o entendimento de
que todo desvio na escrita oralizada deve ser considerado erro, acarretaram séculos de
preconceito linguístico. Reconhecer a variação linguística como estímulo ininterrupto à

71
elevação do grau de letramento dos alunos corrobora para uma prática incontestável de que
a língua é o elemento mais importante da cultura de um povo. Recai sobre o professor essa
tarefa. E nesse intuito Bagno (2002) explicita:
Cabe também ao professor de língua apresentar os valores sociais
atribuídos a cada variedade linguística. Como cada um de nós sabe muito
bem, a língua é frequentemente usada na prática da discriminação, da
exclusão social. O preconceito linguístico vivo e atuante é uma realidade
inegável no Brasil (BAGNO, 2002, p.36).

Consciente dessa situação problemática que envolve o ensino de língua, o professor


que quiser contribuir para uma real mudança, deverá apoiar-se todo inteiro nos resultados
das pesquisas sociolinguísticas e nas teorias linguísticas, que cientificamente, procuram
colaborar para a não manutenção da ideia de que a noção de erro em língua é inaceitável
dentro dos fenômenos da linguagem. Tal comportamento serviria apenas para perpetuar
uma avaliação baseada no valor social atribuído ao falante, ao seu poder aquisitivo e em
padrões socioeconômicos e culturais.
Toda mudança pressupõe determinação, o que exige de todos, desejo de mudar. Se
não há reconhecimento de que algo vai mal, não há porque mudança. Um profissional
reflexivo de sua prática é o caminho para que se perceba onde se precisa intervir. Ainda que
se diga reflexivo, há uma grande diferença entre refletir sobre a ação e a postura reflexiva do
profissional. Visando chegar a uma verdadeira prática reflexiva, essa postura deve se tornar
permanente, inserir-se em uma relação analítica com a ação. E deveria, assim, começar pela
maneira como o professor entende o ensino de língua.
As pesquisas sociolinguísticas apontam o caminho para tais mudanças. A ideia de
reflexão defendida por Perrenoud (2002) está ligada à experiência de mundo, e na concreta
certeza de que um ser humano pensa constantemente no que faz, antes, durante e depois.
Sendo assim, os profissionais que lidam diariamente com alunos que precisam aprender a
falar sua própria língua, dividem-se entre práticas de ensino que têm sido mantenedoras de
exercícios taxonômicos e as novas concepções de práticas de letramento. A aula de
português, segundo Guedes (2006) tem sido um instrumento de total tradução da aferição
do domínio da língua padrão. Nela o aluno fica sabendo que a língua que fala está errada e
descobre que não é ali que vai aprender a usar uma língua certa, pois o que aprende na aula
só serve para a prova de português.
72
É possível uma mudança de paradigmas, desde que o professor perceba que é
necessário. A julgar por vários diagnósticos a respeito de alunos que estiveram imersos em
aula de português por toda a sua vida e que são rotulados como carentes de pensamento
lógico, pobres de vocabulário, ignorantes de ortografia, acentuação, concordância, regência,
pontuação. Tudo que se costuma dizer da escrita de alunos de fundamental e médio,
também será dito sobre profissionais das mais diversas profissões, recém-saídos da
graduação, uma vez que perdurarem dúvidas sobre o que se deve ensinar nas aulas de
língua, como e para quê.
Entre as mudanças que as discussões linguístico-discursivas trouxeram à luz da
reflexão sobre o ensino de língua estão os PCNs, o referido documento preconiza a proposta
de um ensino de língua contextualizado e constitui um grande avanço para o ensino de
língua, ao que Costa (2000, p. 67) acrescenta serem os PCNs um grande avanço para o
ensino/aprendizagem de leitura e produção de textos na educação básica (nível
fundamental e médio) por proporem uma metodologia de enfoque enunciativo-discursivo a
ser desenvolvida nas salas de aulas e ainda, por consequência, quebrarem a concepção de
ensino tradicional de língua materna de feitio normativo e conceitual.
O indispensável assim, passa pelo reconhecimento de que um ensino de língua deve
reconhecer todo potencial linguístico do aluno, negar as tradições prescritivas da gramática
normativa como única maneira de ensinar meninos e meninas a ler e a escrever. Dessa
maneira, urge a ressignificação do ensino de língua portuguesa que durante anos entendeu
ensinar língua como uma concepção fechada e estática, num processo desconectado de uso
e produção linguística. Nesse aspecto, os PCNs corroboram para uma real mudança nas
práticas didáticas de sala de aula e apontam os caminhos a serem percorridos pelos
professores, destacando-se o trabalho com gêneros discursivos. Dessa maneira, a linguagem
passa a ser compreendida como enunciação (oral/escrita). Costa apresenta:

Nessa perspectiva discursiva, que interpreta a linguagem como enunciação


(oral/escrita), emergente a partir de uma situação concreta de uso
/produção da língua e mediada por gêneros discursivos diversos, que
devem ser concretizados como objetos de ensino em um processo em que
o texto seria sua unidade primeira de ensino, os PCNs, em vários
momentos, também apontam e estabelecem diretrizes e parâmetros para

73
uma organização curricular progressiva, e não apenas gradual (COSTA,
2000, p. 73).

Assim, encontramos nos PCNs a apresentação da disciplina como uma área em


constante mudança e a intenção de que o aluno compreenda a língua numa perspectiva
mais ampla, onde a metalinguagem, foco do ensino nas aulas de língua por décadas, dará
espaço à reflexão e ao entendimento de que a língua é heterogênea e representa a junção
das múltiplas possibilidades condicionadas pelo uso e pela situação discursiva na qual esteja
inserida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola precisa rever suas práticas metodológicas em relação ao ensino de língua,
desde as séries iniciais, pois se pode concluir que a linguagem interage com variedades de
textos no cotidiano, compreendendo-os, sem que se faça uso de listas e regras gramaticais.
A produção textual em sala de aula deve abandonar o caráter fragmentado e buscar o papel
de formadora de leitores autônomos, conscientes e críticos. A linguagem precisa receber
status de ciência e a preocupação com erros os gramaticais precisa ocupar novo espaço. O
ensino sistemático da produção escrita de diferentes gêneros, desde as séries iniciais,
permitirá o acesso, o manuseio, a leitura, a produção de diferentes tipos de textos,
garantindo o que o PCNs traz como ideia primeira que é o efetivo trabalho com a análise de
textos, visando à compreensão e produção de um ensino sistemático que demonstre o
conhecimento implícito do gênero. Desta forma, deve ocorrer o respeito às variações
linguísticas das crianças, para que o diferente não seja rotulado de deficiente.
A aquisição da língua escrita deve ser vista como um aprendizado social e os gêneros
construções sócio-históricas que se efetuam no interior das interações da sociedade. Por
isso existe a necessidade de uma intervenção didática sistemática e planejada na
aprendizagem para que a escrita seja construída, pois a mesma não ocorre de modo
espontâneo. Não é preciso negar as regras gramaticais da linguagem elaborada, mas em
uma perspectiva de letramento, a ampliação das experiências com o mundo da escrita e com
as práticas sociais por ela mediadas exige o desenvolvimento de habilidades de leitura e
escrita, pois o trabalho com textos e a exploração da constituição dos gêneros são parcerias

74
inseparáveis, onde a textualidade se manifesta em um gênero textual específico que se
materializam em textos.
Os textos utilizados em sala de aula devem ser objetos de ensino e aprendizagem,
explorados em contextos reais, fazendo sentido para o aluno, que fará várias leituras de
mundo, com condições de reconstruir o seu próprio texto, sem cair na cópia e no exercício
vazio de significado.
É atribuída à escola a tarefa de favorecer o ensino/aprendizagem dos conhecimentos
historicamente construídos pela humanidade, mas também de propiciar o acesso aos bens
culturais elaborados pelos diversos povos, porém o que ela tem feito é esmagar os saberes
socialmente elaborados em objetos de ensino, deixando de formar autores das suas próprias
histórias.

REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Língua materna – Letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola,
2002.
_________. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São
Paulo: Parábola, 2007.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal, 2ª edição. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARROS, R.C.R. Alfabetização e contexto. In: BRAGGIO, S.L.B. Contribuições da linguística
para a alfabetização. Goiânia: UFG. 1995.
BRASIL, MEC/SESF. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais
e ética. Vol. 8. Secretaria de Educação Fundamental – Brasília, 1997.
COLOMER, Teresa & CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Trad. Fátima
Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.
COSTA, Sérgio Roberto. A construção de títulos em gêneros diversos: um processo discursivo
polifônico e plurissêmico. In: ROJO, Roxane (org.) A Prática de Linguagem em Sala de Aula. São
Paulo: Mercado das Letras, 2000.
FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia C. V. Oliveira; AQUINO, Zilda G. O. Oralidade e
escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
GERALDI, J.W. (org.) (2011). O texto na sala de aula. Cascavel: ASSOESTE.

75
GUEDES, Paulo Coimbra. A formação do professor de português: que língua vamos ensinar?.
São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
PERRENOUD, Philippe. A formação dos professores no século XXI. In: PERRENOUD, Philippe et
al. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da
avaliação. Tradução de Cláudia Schilling e Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.
_________. Escola e cidadania: o papel da escola na formação para a democracia/ Philippe
Perrenoud; trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005.
SANTOS, Carmi Ferraz, Márcia Mendonça e Marianne C. B. Cavalcante (orgs.). Diversidade
Textual os gêneros na sala de aula. 1ª edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
SILVA, R.V.M. O português são dois... novas fronteiras, velhos problemas. São Paulo:
Parábola. 2004.
TARDELLI, M.C.O. O ensino da língua materna: interação em sala de aula. São Paulo: Cortez.
2002.

76
A POLIFONIA NO PROCESSO DE MEDICALIZAÇÃO DE ALIMENTOS: UM RECURSO
DISCURSIVO EM CAPAS DE REVISTAS FEMININAS

Gesseldo de Brito Freire


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO: Ao analisarmos o trabalho da publicidade, deparamo-nos com o que Rocha


denomina mundo de sonhos, lugar mágico de realizações, perfeição e felicidade em que, em
processo de distanciamento da razão, imperam desejos e emoções. Por sua vez, os
processos de saúde-doença-cuidado, hoje sob a hegemonia do pensar biomédico,
encontram-se, segundo Conrad, sob a égide da medicalização. Penso que quando os
interesses da publicidade se deparam com as perspectivas da biomedicina, o conceito de
medicalização parece ampliar-se, fazendo-se notar em diferentes capas de revistas
femininas. O que se observa não é a voz de um profissional, mas de leitoras que, após
experiências em diferentes dietas, relatam conquistar a perfeição corporal, oferecem suas
prescrições, apropriando-se de um discurso que aqui denomino medicalização de alimentos.
Devemos buscar, como Geertz, uma interpretação densa desses discursos, tentando
identificar teias simbólicas construídas nesse processo social. É preciso compreender quem
fala, quem recebe dessa linguagem sua singularidade, seus encantos, além de inferir de
quem troca, recebe, se não a garantia para exercer tal discurso, pelo menos a presunção de
que seja verdadeira. Assim, entendendo que no conteúdo ocorre um processo discursivo
polifônico, vale a recorrência a Foucault, Bakhtin, Barros, Brait e Valente. Para o estudo,
tomar-se-ão como corpus de análise capas das revistas Sou mais eu! e Viva mais!, editadas
pela Editora Abril em 2013 e 2014.
Palavras-chave: Capas de revista. Medicalização de alimentos. Polifonia.

INTRODUÇÃO
A publicidade, no intuito de conquistar cada vez mais um público fiel para o que se
propõe a oferecer, tem se mostrado cada vez mais inovadora – o que não é uma grande
novidade. Mesmo sendo esse traço marcante uma constante de tal área, vale a pena
conferir o que em muitos espaços cotidianamente tem sido apresentado. Para isso, a
escolha por variados aspectos tem servido para a construção de suas campanhas; todavia,
para esta pesquisa minha intenção é oferecer um corpus diferente dos tradicionais anúncios
oferecidos nos diferentes veículos midiáticos. Aqui, tomar-se-á um conjunto de capas de
revistas direcionadas ao público feminino e, a partir dele, fazer uma breve reflexão.
Imagine conhecer a si mesmo, como quem assiste em alguma tela, a própria vida
reproduzida em fragmentos?! Isso nos permitiria pensar que somos retratados em páginas

77
publicitárias; ou seja, através de recortes, a publicidade revelaria a nossa narrativa cotidiana.
E, o mais interessante disso, é que nos revelaria a nós mesmos, em diferentes e criativas
páginas da vida.
Nesse sentido, pensar que os anúncios apenas encarregam de vender um produto é
supor a exatidão absoluta dessa mensagem, como se fosse possível a inexistência da
polissemia. Uma simples observação do sistema publicitário já permite pôr em xeque a
função de apenas vender um produto. Nos seus intuitos, a publicidade não se priva de
aplicar uma variada gama de recursos linguísticos e visuais na intenção de não apenas
vender, pois o

consumo de anúncios não se confunde com o consumo de produtos.


Podemos pensar que em cada anúncio vendem-se, significativamente, mais
estilos de vida, visões de mundo, sensações, emoções, relações humanas,
sistemas de classificação do que os bens de consumo efetivamente
anunciados (ROCHA, 2006, p. 16).

E, quanto do produto a ser oferecido é o corpo, um corpo conquistado a partir de


sacrificantes dietas? A conquista da perfeição corporal em diferentes capas de revistas se
revela a partir de depoimentos de mulheres que declaram tamanho alcance a partir do uso
controlado de um elemento diário, a comida. Esta deve ser compreendida a partir do campo
científico da Alimentação e seu foco de investigação.
A partir de Prado, Bosi, Carvalho, Gugelmin, Mattos, Carmargo Junior, Klotz,
Delmaschio e Martins (2011), entendemos que a alimentação e a nutrição é um campo
científico autônomo no Brasil, oferecendo conceitos, apresentando domínios e projetos
políticos sobre aquilo que se encarrega. Daí podermos entender a comida inserida no
mundo do consumo nas sociedades modernas e em articulação com a publicidade, bem
como considera-la como forte partícipe do processo de construção de símbolos e de
reprodução e transformações no modelo econômico-social-cultural marcado pela
acumulação de capital.
Por sua vez, a publicidade, suas práticas e seus saberes têm sido estudados não
somente como simples agentes de vendas. Mas, deve ser vista no oferecimento de
mecanismos capazes de estabelecer influências e reconstrução de práticas de consumo.
Nesse contexto, o corpo tem função relevante na construção de sentidos. E, associado ao

78
consumo de comida, esta participa da construção do corpo, não apenas pela sua
materialidade, mas também nos aspectos culturais e simbólicos (CARVALHO, LUZ & PRADO,
2011).
Esse é o contexto que encontramos em várias capas de revistas dirigidas ao público
feminino. Nesses espaços, conquistar um corpo perfeito significa atender a diferentes
exigências da sociedade contemporânea. Para que isso seja possível, ocorre um processo
ainda pouco estudado, denominado medicalização da comida (FREIRE, 2012; FREIRE et al,
2014).
Ao nos depararmos como enunciados como “Perdi 33 kg em 6 meses para ter
coragem de sair de casa com a bolacha caseira que bloqueia a gordura”, poderíamos pensar
se tratar de apenas mais um dos muitos enunciados que se oferecem semanalmente em
capas de revistas a preços bem populares. Todavia, é preciso observar como tudo isso é
construído, a partir de que aspectos podem-se produzir sentidos para o público-leitor.
Um fator favorável para uma boa aceitação por parte de seu público é a linguagem
nas capas empregadas, uma linguagem de fácil compreensão. Segundo Valente (2005, p.
129), ela é de grande a importância para o conteúdo ideológico presente nas escolhas e
produções lexicais presentes nos textos midiáticos. Segundo ele,

Os estudos lexicológicos ignoraram, durante certo tempo, os aspectos


discursivos da linguagem. De outra parte, os trabalhos sobre discurso nem
sempre deram a devida atenção à seleção lexical. Atualmente, tem-se
valorizado a integração da lexicologia e discurso na leitura e produção de
textos vários, quer literários, quer não-literários (2005, p. 129).

Em outro trecho, o autor explica que

Os textos midiáticos constituem importante objeto de pesquisa não só por


atingirem milhões de brasileiros, mas também por constituírem um padrão
médio de linguagem da nossa sociedade. É fundamental, portanto, que, na
análise de tais textos, se identifiquem os recursos linguístico-discursivos
utilizados e se comentem tantos os que têm valor expressivo como aqueles
que servem como instrumento de manipulação. Afinal, nos meios de
comunicação, nenhum autor/produtor/enunciador é neutro, isento ou
inocente. É certo que se posiciona ideologicamente – a serviço ou não de
quem manda no veículo – e constrói sua mensagem com embasamento
sociopolítico (2005, p. 129).

79
Vale, portanto, pensar no esforço que os interlocutores realizam a fim de pôr a
linguagem escolhida como sendo capaz de produzir sentidos. Isso se explica pelo fato de o
locutor enunciar em função da existência (real ou virtual) de seu interlocutor, esperando
deste uma reação. Assim, somos capazes de compreender a enunciação pelo fato de a
colocarmos no exercício dialógico dos enunciados, num território de confrontos com aquilo
que informamos ou com conteúdos apresentados por outros usuários da língua.
Nas palavras de Bakhtin (1992, p. 123), o “diálogo no sentido do termo, não constitui,
é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal”.
Todavia, vale considerar tal palavra em um sentido mais amplo, ou seja, não somente como
a comunicação em voz alta, de pessoas postas face a face. Nesse sentido, o autor entende o
diálogo como sendo relações exercidas entre interlocutores, numa atitude histórica
compartilhada socialmente que, mesmo propensa a mutações, resultados de variações do
contexto em que ocorrem, realizam-se em um local e tempo específicos.
Assim, estar atento ao que se apresenta nessas capas significa observar algumas
relações que existem entre os enunciados ali presentes. A partir de que as falas oferecidas
são construídas? Quem naquele espaço fala? Quem tem a intenção de fazer de sua voz um
instrumento de autoridade?
O fato de os textos se apresentarem como dialógicos é resultado de muitas vozes
sociais. Quando essas vozes ou parte delas deixam-se escutar, produzem efeitos de
polifonia. Quanto a isso, Barros (1997, p. 35) explica que cabe aos estudiosos do texto
examinar as estratégias, os procedimentos, os recursos que fazem de um texto
dialogicamente constituído tanto de discursos monofônicos quanto de polifônicos.
Segundo a autora, “há muito a ser feito, muitas possibilidades de polifonia discursiva
a serem examinadas, inúmeros e diversificados procedimentos e estratégias de produção de
efeitos de polifonia e de monofonia discursiva a serem descritos e explicados” (p. 35). Ela
ainda explica que “o homem não só é conhecido através dos textos, como se constrói
enquanto objeto de estudos nos ou por meio dos textos” (p. 28).
Por sua vez, Brait (1997, p. 93) afirma que

um dos eixos do pensamento bakhtiniano está justamente na busca das


formas e dos graus de representação da heterogeneidade constitutiva da
linguagem. Entre esses indícios estão, sem dúvida, a preocupação com
80
dimensão histórico-ideológica e a consequente constituição sígnica das
ideologias; a insistência na discussão de uma natureza interdiscursiva, social
e interativa da palavra; a tentativa de oferecer elementos para uma
reflexão sobre os gêneros discursivos; a interdiscursividade como condição
de linguagem.

Observando, portanto, um conjunto de capas das revistas Sou mais eu! e Viva mais!,
editadas pela Editora Abril no período de 2013 e 2014, conforme anexos, penso que o
oferecimento de um número de enunciados apresentados por leitoras-anunciantes
possibilitam o estudo dos discursos – da publicidade e da medicina, principalmente – na
intenção de identificar traços de polifonia. Entendo que este recurso é resultado da tentativa
de vozes (aparentemente desprovidas de quaisquer conhecimentos científicos) fazerem uso
de um fala de outrem. Assim, para que sejam aceitas suas proposições, tais vozes oferecem
suas experiências a quem deseja alcançar um corpo perfeito.

FORMAÇÃO DISCURSIVA & MEDICALIZAÇÃO SOCIAL


A partir da observação de um conjunto de enunciados constantes das revistas que
formam o recorte empírico desta pesquisa, entendo necessário pensar nos elementos
trabalhados por Foucault (2008) em sua Arqueologia do Saber, ou seja, um referente, um
sujeito, campo associado e uma materialidade específica. Isso, provavelmente, nos
possibilita compreender um enunciado, entendendo-o como um acontecimento, fato que se
realiza em dado momento, em algum espaço.
Perceber se um enunciado está diretamente ligado a uma ou outra formação
discursiva é o que o fará ser reconhecido num conjunto bem maior de outros enunciados.
Assim, podemos pensar que aqueles que compõem as capas de revistas em estudo
correspondam a saberes pertencentes a uma específica formação discursiva.
Por sua vez, Maingueneau (1993), ao se referir às formações discursivas, alerta para o
fato de que elas precisam ser vistas sempre dentro de um espaço discursivo ou de um
campo discursivo, ou melhor, estão sempre relacionadas a determinados campos do saber.
Nesse caso, se pensássemos em discursos publicitário, pedagógico ou médico, poderíamos
considerar que pertence, cada um a seu modo, a diferentes grupos de enunciados que fazem
parte de uma formação discursiva voltada para as áreas a que estão ligadas,
respectivamente.
81
Pensar, por exemplo, no discurso médico requer alguma consideração. Nas palavras
de Luz (1988), podemos pensar medicalização como sendo um processo em que o modo de
vida dos indivíduos é apropriado pela medicina e que interfere na construção de conceitos,
regras de higiene, normas de moral e costumes prescritos – sexuais, alimentares, de
habitação e de comportamentos sociais. A autora explica que esse processo está
intimamente ligado à ideia de não se poder apartar o saber – cientificamente construído em
uma estrutura social – de suas proposições políticas implícitas.
Isso requer uma retrospectiva ao século XIX, momento em que, no ocidente,
consideráveis alterações políticas e econômicas possibilitaram na Medicina a ocorrência de
algumas profundas transformações, observadas principalmente no que se refere aos seus
objetos e métodos postos em prática (Antunes, 1999). Essas mudanças contribuíram para
pensar que “a transformação do objeto da medicina significa fundamentalmente um
deslocamento da doença para a saúde” (MACHADO, 1978, 155), ou seja, o agir do
profissional médico traduz uma ação política.
Pensar assim é compreender que esse tipo de agir tenha por meta oferecer
mecanismos que possam impedir a manifestação da doença, realizando procedimentos de
busca por possíveis causas, de modo que nada na sociedade possa interferir negativamente
no bem estar físico e moral dos indivíduos. Logo, por sua interferência no espaço urbano e
por se oferecer com status de ciência, a Medicina é considerada como intervenção de um
saber sobre a sociedade.
Isso tornou possível que os indivíduos compreendessem, por meio da razão do
discurso médico, o que estava relacionado à saúde. Machado (1978, p. 280) explica que o
principal objetivo da Medicina Social é “de maneiras diversas, formar ou reformar física e
moralmente o cidadão”. Somente disciplinar o espaço onde os indivíduos vivem não é
suficiente; é preciso urbanizar os indivíduos, assim como civilizá-los, de modo que possam
agir e pensar nos moldes daquilo que o saber médico expõe.
Em outras palavras, devemos pensar medicalização social como sendo

o reconhecimento de que a partir do século XIX a medicina em tudo


intervém e começa a não mais ter fronteiras; é a compreensão de que o
perigo urbano não pode ser destruído unicamente pela promulgação de leis
ou por uma ação lacunar, fragmentária de repressão aos abusos, mas existe

82
a criação de uma nova tecnologia de poder capaz de controlar os indivíduos
e as populações tornando-os produtivos ao mesmo tempo que inofensivos;
é a descoberta de que, com o objetivo de realizar uma sociedade sadia, a
medicina social esteve, desde a sua constituição ligada ao projeto de
transformação do desviante – sejam quais forem as especificidades que ele
apresente – em um ser normatizado (MACHADO, 1978, p. 156).

A transposição desse conceito para os dias atuais não trouxe alterações que
pudessem desfazer o discurso apresentado a partir dos primeiros anos do século XIX. Luz
(1988), por exemplo, explica que, mesmo que a prática médica venha sofrendo,
historicamente, uma transformação no intuito de se adequar às inovações tecnológicas
ocorridas nesse período, isso não parece ter tirado do médico o prestígio conquistado com o
decorrer do tempo.
Para Camargo Junior (2007), hoje a medicalização é uma complexa rede de formação
de recursos e de práticas ordenadas sob a égide ou hegemonia do modelo biomédico que
tem no médico e no cientista os principais agentes de proposições a fim de prevenir e tratar
doenças. Para ele,

em torno da assistência à saúde gravitam a indústria farmacêutica, a


indústria de equipamentos médicos, as instituições oficiais de pessoal na
área de saúde (universidades e suas faculdades de Medicina, Enfermagem,
Nutrição, Farmácia etc.), as empresas de seguro-saúde, ou de medicina de
grupo e seus equivalentes, os vários tipos de serviços de saúde (hospitais,
ambulatórios, clínicas etc.), públicos e privados, um setor da indústria de
publicações (revistas, livros específicos das várias áreas disciplinares),
instituições de pesquisa (não necessariamente universitárias), instituições
alternativas de formação de práticas idem, praticantes de várias formas de
terapia alternativa com ou sem reconhecimento do Estado. Todos a
disputar legitimidade, poder, espaço político e recursos, buscando
caracterizar a população em geral e para auditórios técnicos específicos do
próprio campo, potenciais usuários diretos ou indiretos dos bens e serviços
que produzem, que estes são necessários e adequados no enfrentamento
dos problemas de saúde e mais, que são estes atores e instituições os
capacitados a definir o que é um problema de saúde (CAMARGO JUNIOR,
2007, p. 67-68, grifo meu).

Se outrora, aquilo era visto como acontecimento encaminhado no âmbito da família


ou da comunidade, hoje está associado a um crescente processo de patologização da
sociedade. Ou seja, hoje, é catalogado na taxonomia oficial como uma doença. Esse pensar

83
leva os indivíduos ao consumo cada vez maior de medicamentos, terapêuticas, insumos,
produtos os mais diversos (CONRAD, 2007).
O que chama a atenção nisso é que após as profundas alterações desde princípios do
século XIX, período em que a saúde dos povos do ocidente se transformou em uma das
referências a fim de atender às exigências da sociedade industrial, os lugares institucionais
em que o discurso médico é construído, apesar de um número de transformações, têm sido
quase sempre os mesmos, isto é, o hospital, o laboratório, a prática privada, assim como a
biblioteca. Entretanto, outros espaços têm se oferecido como apropriados para o processo
de difusão desse tipo de saber. Instrumentos midiáticos, como a TV, o rádio, a imprensa e
internet têm se transformado em lugares de produção e propagação desse tipo de
conhecimento.

ANÁLISE
Ao aplicar narrativas de nossas vidas sobre os produtos a vender, a publicidade faz
uso de uma linguagem bem estruturada, persuasiva e sedutora, explicitando, assim, o
interesse em conquistar o público. Esse pensamento nos leva a crer que a intenção de
qualquer anunciante é ser fazer entendido e, para isso, uma importante preocupação com a
textualidade deve estar sempre presente em seu cotidiano.
Nas palavras de Bauman (2008), o valor mais característico da sociedade de
consumidores é o alcance de uma vida feliz. O sociólogo explica que essa sociedade é
avaliada para o bem ou para o mal, pela felicidade de seus membros, não parecendo ser
uma tarefa tão simples a aproximação entre o discurso da promessa e a realização da
conquista da felicidade, via aquisição de um produto.
E, quando tudo está associado a um produto que não se encontra exposto em
tradicionais prateleiras ou vitrines das inúmeras lojas espalhadas em pequenos ou grandes
centros comerciais?! Pois bem, por vezes o produto é o próprio corpo, conquistado a partir
de um número de sacrifícios, traduzidos em diferentes dietas publicadas em capas de
revistas.
Segundo Fairclough (2001), os textos midiáticos “constituem um barômetro sensível
de transformação social”. Isso revela que, nas inúmeras decisões que o indivíduo precisa

84
tomar durante a sua vida, o corpo apresenta um grande valor significativo, levando-nos a
pensar que haja algum tipo de normatização que, principalmente para a mulher, deverá ser
um norte que determinará não apenas a construção de sua teia de relacionamentos afetivos,
mas também pode significar o processo profissional.
Ao estudar os significados daquilo que o corpo pode representar no meio social,
Mirian Goldenberg (2007) observa que, atualmente, a determinado modelo de corpo é
atribuído um valor, ou seja, algo que se distinga dos demais, tornando-o um corpo
aprisionado a fim de alcançar o que podemos chamar de “boa forma”. Tal constatação se
traduz quando imaginamos que o corpo possa ser visto como uma pedra preciosa, lapidada
ao gosto e às exigências da mídia e do meio social, almejada por indivíduos de quaisquer
classes sociais. Ter e ser essa preciosidade pode significar, como na linguagem popular, “ter
o caminho das pedras” para a ascensão social.
Desse modo, o que pensar então do que observamos nas capas das revistas tomadas
para este estudo? E, o que quando, nos enunciados postos em divulgação, o agente
transformador é a comida/bebida?
Uma constatação é que

Os hábitos alimentícios não estão determinados de modo exclusivo pela


preocupação pela saúde e pela enfermidade. Para alguns indivíduos, o risco
de engordar não consiste em contrair uma obesidade mórbida, mas sim em
deixar de ter um corpo socialmente aceito (GRACIA, 2007, p. 240).

A sequência de enunciados como


(1) Perdi 62 kg com o chá de alecrim com limão. Acaba com a ansiedade; seca a
gordura do abdômen; engana a fome. (Sou mais eu!, 2014, Edição 384)
(2) Farinha de feijão-branco afina cintura e seca 5 kg – A leitora perdeu 22 kg e 26
cm de cintura. (Viva mais!, 2014, Edição 765)
(3) Sequei 24 kg com o suco de chia detox. (Sou mais eu!, 2013, Edição 371)
(4) Seque rápido com a nova dieta da água gelada – 3 kg em 1 mês sem sofrer. A
leitora perdeu 50 kg! (Viva mais!, 2013, Edição 741)
demonstram que, nessas capas, para cada uma das leitoras-anunciantes, a comida e bebida
foram utilizadas como uma solução. O lançar mão de indivíduos comuns (“Leitoras como
eu”) para, brevemente, narrar suas histórias se apresenta como recurso de convencimento
85
que, se as dietas, produtos e dicas surtiram um efeito positivo para quem as apresentam, é
possível que outras leitoras também possam obter o mesmo êxito, a conquista do corpo
ideal.
Em outras capas,
(5) Sequei 25 kg com a farinha de soja preta. Queima a gordura localizada. Tira a
fome. Alivia a TPM. (Sou mais eu!, 2014, Edição 377)
(6) Nova dieta da chia! Seca 5 kg em 1 mês. Engana a fome. Elimina o inchaço. Deixa
a pele linda. (Viva mais! 2014, Edição 744)
penso que enunciados como esses têm corroborado para observarmos que esse tipo de
medicalização vem conquistando espaço na sociedade. O que parece é “não haver
necessidade” para um bom número de leitores adeptos dessa proposta, de um uma voz, de
um profissional detentor de uma capacidade para o cumprimento desse agir.
Esse pensamento parte da ideia de que

Na panóplia do consumo, o mais belo, precioso e resplandecente de todos


os objetos – ainda mais carregado de conotações que o automóvel que, no
entanto, os resume a todos é o CORPO. A sua “redescoberta”, após um
milênio de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual, a sua
onipresença (em especial no corpo feminino...) na publicidade, na moda e
cultura de massas – o culto higiênico, dietético e terapêutico com que se
rodeia, a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/feminilidade,
cuidados, regimes, práticas sacrificiais que com ele se concentram, o Mito
do Prazer que o circunda – tudo hoje testemunha que o corpo se tornou
objeto de salvação. Substitui literalmente a alma, nesta função moral e
ideológica (BAUDRILLARD, 2005, p. 136).

Essa tentativa, portanto, de tornar o corpo um objeto de salvação, produto apto ao


cumprimento das exigências do mundo contemporâneo, tem provocado uma infatigável
procura por mecanismos que tornem esse corpo em algo que possa ser denominado de
espetáculo. Desse modo, estar satisfeito é o mesmo que se apresentar dentro dos padrões
exigidos incansável busca em tornar esse mesmo corpo algo que possamos chamar de
espetáculo.
Estar satisfeito significa estar nos padrões exigidos. E, não somente isso, é preciso
também se mostrar satisfeito por atender ao que a publicidade espalha, bem como a

86
sociedade assimila. Esse processo deve ocorrer, mesmo que para isso o consumidor tenha
que abdicar de parte de sua personalidade.
Baudrillard (2005), quando discorre sobre a sociedade terapêutica, nos diz de uma
sociedade que, de modo contínuo, se ocupa do corpo e, consequentemente, entende o ser
humano como sendo um doente virtual. Para isso, a publicidade oferece um discurso
altamente terapêutico, com capacidade de prestar ao consumidor uma sensação de bem-
estar. Isso porque, na sociedade capitalista, o princípio da sociedade privada também se
aplica ao corpo, à prática social e à representação social que se tem dele.
A continuar na observação das capas de revistas escolhidas, as leitoras-anunciantes
deixam de modo mais evidente suas narrativas de vida. Para elas, parece que tal conquista
tem um significado além do esperado. Observe:
(7) Perdi 33 kg em 6 meses para ter coragem de sair de casa – Com a bolacha caseira
que tira a gordura. (Sou mais eu!, 2014, Edição 409)
(8) Tomou os chás que acabam com a ansiedade – “Para não sentirem mais dó de
mim, perdi 93 kg”. (Sou mais eu!, 2014, Edição 393)
Se em (7) a leitora, para ter coragem de sair de casa, perdeu 33 kg em um semestre,
em (8) um conjunto de chás foram a solução. No primeiro, a ingestão de bolacha caseira,
conforme a leitora, possibilitou a retirada de gordura do corpo. Já no segundo caso, ela faz
um relato sobre si: “Para não sentirem pena de mim, perdi 93 kg”. E, o que chama muito a
atenção: a leitora informa qual era o provável diagnóstico dos quilos a mais, a ansiedade.
Quando indagamos sobre o que forma os discursos oferecidos nas capas em análise,
devemos crer que outras perguntas se apresentam como consequências. Isso torna
necessário encontrar respostas para indagações como

[...] quem fala? Quem, no conjunto de todos os sujeitos falantes, tem boas
razões para ter esta espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem
recebe dela sua singularidade, seus encantos e de quem, em troca, recebe,
se não sua garantia, pelo menos a presunção de que é verdadeira?
(FOUCAULT, 2008, p. 56).

Apesar de esperarmos a consagração de um saber – o apresentado pela classe


médica ou seus subsidiários – ser oferecida por um profissional qualificado para tal, o que
nos parece é que revistas como Sou mais eu! e Viva Mais! apresentam em suas capas uma

87
nova expressão desse modelo de medicalização da sociedade. Tal modelo tem sido
declarado por meio de um discurso proveniente de indivíduos que não trazem
características de pertencimento a essas classes de saber. Leitoras se anunciam, relatando
experiências próprias na busca por um ideal de saúde e padrões estético-corporais, bem
como agem como grandes incentivadoras para que outras também adotem suas prescrições
de caráter nutricional/medicamentoso e normas. Tudo isso como se detentoras fossem de
um saber médico científico.
Podemos entender essas revistas como lugares institucionais bem aceitos, espaços
em que o discurso oferecido tem sido concretizado na apresentação de enunciados e fotos
de pessoas comuns da sociedade, leitoras que, após realizarem suas experiências
envolvendo comida/bebida, passam adiante. A tradicional bula, aquela que acompanha as
embalagens de medicamentos comumente comercializados não parece ser o único guia
orientador de como consumir o “medicamento”.
O que se observa é que nesse conjunto de capas, a orientação a ser oferecida não se
restringe a uma única folha – com termos técnicos, com instruções de laboratórios
farmacêuticos. Mas, a prescrição oferece um misto de receita médica e de receita culinária,
com resultados de cunhos biológicos, psíquico, social e cultural. E, tudo isso com uma
linguagem cotidiana, de fácil compreensão.
O espaço em que o discurso é apresentado também facilita sua propagação. Aliás, a
combinação de diferentes gêneros textuais, tipologias predominantemente expositivas,
narrativas e injuntivas proporcionam uma melhor compreensão e aceite por parte do
público-leitor. Assim, por esses caminhos, o conceito de medicalização tem ganhado novos
contornos na sociedade.
Se o discurso biomédico não tem sido difundido exclusivamente por uma voz que,
cientificamente, detém esse saber, há de se pôr em alerta para o que temos observado. Um
número cada vez maior de leitoras de revistas populares tem utilizado a publicidade na
intenção de, não somente difundir seus conhecimentos, bem como para “reivindicar” uma
quota na apropriação desses saberes. Afinal, o fato de ter secado “29 kg com a dieta da
laranja” parece dar voz a uma leitora-anunciante que afirma que tal comida “Diminui o
apetite”, “Reduz a absorção de gordura” e, aliado a tudo isso, tem “Efeito comprovado pela

88
ciência”, dialogando com o saber científico, fazendo dele também sua voz, conforme capa de
Sou Mais eu!, Edição 382.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se os veículos de comunicação apresentam, por meio de modelos publicitários, uma
imagem corporal daquilo que considera perfeito, não devemos estranhar que, ao lado disso,
cada indivíduo faça de si cobranças por essa tal perfeição. Isso porque cada um entende que
precisa estar em conformidade estética com o que, via mútua influência, acreditam os
discursos publicitário e capitalista.
Há, pois, uma necessidade de estabelecer um diálogo, interação com outros
indivíduos que, provavelmente, tenham alcançado esse estágio de perfeição corporal. Assim,
estabelecer tal comunicação é atender a um perfil de beleza estética não somente sugerido,
mas cobrado pela mídia e pela sociedade. Prova disso é o fato de, a cada semana, uma nova
mulher relatar ter alcançado tal padrão e, a partir daí obter níveis elevados de felicidade,
após utilizar a comida/bebida como meio. Resultado: passou a ser mais bem aceita pela
família, por amigos, por companheiros de trabalho etc.
A partir de seu relato, cada mulher oferece sua dieta como receita para que outras
também alcancem tal ideal de perfeição. O uso de uma voz em lugar de outra parece ganhar
força nas capas postas para estudo. Utiliza-se um discurso que, por apresentar
características de uma fala médica, exibe uma voz não qualificada para tal, a voz de pessoas
comuns, sem conhecimento científico para seu uso.
Devemos buscar, como Geertz (2008), uma interpretação densa desses discursos,
tentando identificar teias simbólicas construídas nesse processo social. Desse modo, recorro
a Foucault (2008, p. 56), ao indagar sobre qual é o status dos indivíduos que têm – e, apenas
eles – o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente
aceito, de proferir semelhante discurso?
É, portanto, em razão disso que também faço referência a Conrad (2007). Para o
sociólogo americano, a medicalização, fenômeno que, classicamente institui crescente
prestígio e poder da profissão médica, dissemina-se na sociedade e ganha novos contornos.
Como ele, também penso que o termo precisa ser melhor conceituado.

89
REFERÊNCIAS
ANTUNES, J. L. Medicina, leis e moral: pensamento médico e comportamento no Brasil
1870 / 1930. São Paulo: Ed. UNESP,1999.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 6a ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. In: BRAIT,
Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 1997.
BRAIT, Beth. Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. In: BRAIT,
Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 1997.
BAUDRILLARD, J. A. A sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 2005.
BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de
Janeiro: Zahar, 2008.
CAMARGO JUNIOR, K. R. As Armadilhas da “Concepção Positiva de Saúde”. PHYSIS: Rev.
Saúde Coletiva, v. 17, n. 1, p. 63-76, 2007.
CARVALHO, M. C.; LUZ, M. T.; PRADO, S. D. Comer, alimentar e nutrir: categorias
analíticas instrumentais no campo da pesquisa científica. Rev C S Col , v. 16, n. 1, p. 155-63,
2011.
CONRAD, P. The medicalization of society. Baltimore: The Johns Hopkins University Press,
2007.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.
FOUCAULT, M. História da medicalização. Educación médica y salud, v. 11, n. 1, p. 3-25,
1977.
__________. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2008.
FREIRE, G. B. Medicalização da comida e transformação de pessoas em mercadoria:
reflexões a partir de capas de revistas dirigidas ao público feminino. Dissertação (Mestrado
em Alimentação, Nutrição e Saúde) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2012.

90
FREIRE, G. B. et al. Sequei 40 kg com a bala que emagrece: medicalização da comida em
capas de revistas femininas. In: FREITAS, Ricardo Ferreira [et al.] (orgs.). Corpo e consumo
nas cidades – Volume 2. Curitiba, PR. CRV, 2014.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
GOLDENBERG, M. O corpo como capital: estudos sobre gênero, sexualidade e moda na
cultura brasileira. Barueri-SP. Estação das Letras e Cores, 2007.
GRACIA, M. G. Comer bien, comer mal: la medicalización del comportamiento
alimentario. Salud Publica Mex, Cuernavaca, México, v. 49, n. 3, p. 236-242, 2007.
LUZ, M. T. Natural, racional, social: razão médica e racionalidade científica moderna. Rio
de Janeiro: Campus, 1988.
MACHADO, R. et al. A danação da norma. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas, Pontes:
Unicamp, 1993.
PRADO, S. D.; BOSI, M. L. M.; CARVALHO, M. C. V. S.; GUGELMIN, S. A.; MATTOS, R. A.;
CAMARGO JUNIOR, K. R.; KLOTZ, J.; DELMASCHIO, K. L.; MARTINS, M. L. R. Alimentação e
nutrição como campo científico autônomo no Brasil: conceitos, domínios e projetos
políticos. Revista de Nutrição, v. 24, p. 927-938, 2011.
ROCHA, E. Representações do consumo: estudos sobre a narrativa publicitária. Rio de
Janeiro: Ed. PUC-Rio: Mauad, 2006.
VALENTE, A. Crim. A intertextualidade nos discursos midiático e literário. In:
PAULIUKONIS, Maria Aparecida e SANTOS, Leonor Werneck dos (orgs.). Estratégias de
leitura: texto e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

91
ANEXOS

92
Sou mais eu!, Edição 371 Sou mais eu!, Edição 377

Sou mais eu!, Edição 384 Sou mais eu!, Edição 393

93
Sou mais eu!, Edição409 Viva mais! Edição 741

Viva mais!, Edição 744 Viva mais! Edição 765

94
ALFABETIZAR: A ARTE DE TRANSFORMAR

Carla Sarlo Carneiro Chrysóstomo


ISEPAM

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar uma pesquisa bibliográfica qualitativa
e quantitativa em relação às dificuldades encontradas pelas alfabetizadoras do 1º ano
escolar de 8 turmas de uma Escola Estadual de Campos dos Goytacazes-RJ, as quais se
angustiam com a quantidade de crianças que não consegue ler e escrever neste primeiro
ano específico de leitura e escrita. Sendo o espaço de sala de aula o local onde deve haver
constantes interações para a construção da leitura e da escrita, onde os alunos devem ser os
protagonistas e construtores de suas falas e textos, torna-se pertinente uma pesquisa que
busque as causas e possíveis soluções dos entraves que impedem a aquisição deste
constructo. A interação está na base das relações humanas alicerçando e formando a
identidade de cada indivíduo, onde as ações de um são orientadas pelas ações do outro.
Desta forma as pessoas desempenham papeis sociais em decorrência do papel profissional
que desempenham na sociedade. A teoria e a prática não podem caminhar dissociadas,
aumentando a possibilidade de um fazer pedagógico que tenha como objetivo qualidade
educacional. Vivendo em uma sociedade pluricultural, diversificada e midiática, o educador
contemporâneo precisa alfabetizar e letrar o seu aluno de forma simultânea em um
processo notacional. Os principais teóricos utilizados neste trabalho são: Soares
(1989/2011), Freire (1989), Mortatti (2004), Rojo (2010/2012), Bakhitim (2003), Saussure
(2006), dentre outros.
Palavras-chave: Alfabetizar. Letrar. Transformar.

INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é fruto de observações do cotidiano da minha prática pedagógica
enquanto docente do curso Formação de Professores em uma Escola Estadual da cidade de
Campos dos Goytacazes/RJ. Percebi que existe um fato comum em todas as primeiras séries
do Ensino Fundamental I: uma parcela ínfima de crianças consegue aprender a ler e a
escrever no primeiro ano escolar do Ensino Fundamental I.
Este artigo tem como objetivo investigar as dificuldades encontradas pelas
alfabetizadoras do 1º ano escolar de 8 turmas de uma Escola Estadual de Campos dos
Goytacazes/RJ, as quais se angustiam com a quantidade de crianças que não consegue ler e
escrever neste primeiro ano específico de leitura e escrita.

95
Segundo Freire (1989, p. 13) “[...] a leitura da palavra não é apenas precedida pela
leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer,
de transformá-lo através de nossa prática consciente”. A alfabetização deve ser vista como
um ato político, de conhecimento e criador.
Para Mortatti (2004) saber ler e escrever utilizando os conhecimentos adquiridos nas
diferentes situações do cotidiano é hoje necessidade inquestionável para a formação da
cidadania e para a construção do sujeito enquanto ser social, cultural e político.
Este trabalho está estruturado em dois momentos: Alfabetização e letramento:
processos em construção que transformam e formam cidadãos, abordando a importância de
alfabetizar e letrar simultaneamente em um processo notacional como necessidade da
sociedade contemporânea e midiática de hoje e a Pesquisa de Campo, a qual apresenta
gráficos que mostram as possíveis causas do fracasso escolar no 1º ano escolar do Ensino
Fundamental I.
A metodologia utilizada é qualitativa e quantitativa, ao apresentar uma pesquisa
bibliográfica e gráficos com as possíveis causas do fracasso escolar no primeiro ano escolar
do Ensino Fundamental I de uma Escola Estadual da cidade de Campos dos Goytacazes/RJ. O
público alvo é composto de 8 turmas do 1º ano escolar da respectiva escola, 3 turmas do 2º
ano do Ensino Fundamental I e respectivos professores e alunos envolvidos nesse processo.
O referencial teórico utilizado é composto de autores como: Soares (1989/2011),
Freire (1989), Mortatti (2004), Rojo (2010/2012), Bakhitim (2003), Saussure (2006), dentre
outros que muito contribuíram com o abrilhantamento do mesmo.

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: PROCESSOS EM CONSTRUÇÃO QUE TRANSFORMAM E


FORMAM CIDADÃOS
Segundo Morais (2012) o Brasil vive um verdadeiro apartheid educacional porque
existem,

[...] dois sistemas de ensino: aquele destinado às classes médias e à


burguesia e o “outro”, destinado às camadas populares, no qual se passou a
aceitar, como natural, que um altíssimo percentual de crianças cheguem ao
final do primeiro ano sem ter compreendido o funcionamento do sistema
alfabético (MORAIS, 2012. p. 23).

96
O autor supracitado enfatiza que o fracasso da alfabetização tem sido um mal que
atinge praticamente as crianças pobres, tendo assim a aceitação natural como se esse fato
fosse natural. Ele faz uma comparação com os “sistemas casa grande e senzala de ensino”
porque com a chegada da organização escolar em ciclos ampliou-se a aceitação das
diferenças, onde muitos educadores passaram a achar natural que o processo de
alfabetização se arraste.
Mortatti (2004) afirma que a preocupação com a educação escolar surgiu
inicialmente com reformadores moralistas e religiosos, os quais lutavam contra o que
consideravam “anarquia” da sociedade medieval. Portanto,

Com a criação dos sistemas nacionais de ensino, a escola, em moldes mais


próximos do que conhecemos hoje, passou a assumir importante papel
como instrumento de modernização e de progresso da nação.
Especialmente porque passou a prometer a todos o acesso à cultura
letrada, centrada na língua escrita, por meio da instrução elementar, isto é,
do ensino dos rudimentos escolares de leitura, de escrita (primeiras letras)
e de cálculo, como elementos fundamentais que permitem a continuidade
da educação (MORTATTI, 2004, p. 31).

Para a autora supracitada a educação escolar tornou-se agente de esclarecimento


das “massas” iletradas e fator de civilização, onde a alfabetização passa a ser um meio
privilegiado de aquisição de saber.
Micotti (2009) afirma que a problemática educacional brasileira apresenta-se
complexa no ensino fundamental gerando conflitos sociais mais amplos como
desigualdades, pobrezas, misérias, fome, doenças, violência e violência doméstica. Esses
conflitos interagem com outros, prejudicando ou inviabilizando o cumprimento da finalidade
precípua da instituição, que é promover o aprendizado. Portanto,

Todas essas tensões afetam os responsáveis pelo ensino, manifestando-se


pelo mal-estar docente, pelas doenças e falta de assiduidade dos
professores que se queixam das dificuldades da profissão e dos salários.
Eles se referem aos pais que não se importam com a vida escolar dos filhos
e aos alunos, assinalando o desinteresse pelos estudos, a falta dos
conhecimentos necessários para “acompanhar” o ensino, a ausência de
aprendizado (MICOTTI, 2009, p. 26).

97
De acordo com a autora supracitada a frequência às aulas não corresponde a reais
oportunidades de acesso aos saberes, precisam encontrar o apoio necessário para aprender
a ler e a escrever.
Mortatti (2004) afirma que, mesmo após a Constituição de 1934, a qual estabeleceu
a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário em quatro anos extensivo aos adultos,

[...] as palavras “analfabeto” e “analfabetismo”, continuava a ser utilizada a


expressão “ensino da leitura e escrita”, para designar um problema ainda
central do ponto de vista político, social e cultural; mas foi-se tornando
cada vez mais frequente a utilização da palavra “alfabetização”, designando
um processo que talvez nos seja mais familiar, dada a proximidade no
tempo: o ensino e a aprendizagem (ou, mais recentemente, ensino-
aprendizagem) (iniciais) da leitura e da escrita (MORTATTI, 2004, p. 64).

A autora supracitada enfatiza que nesse contexto histórico, a escrita passou a ser
vista como um meio de comunicação e instrumento de linguagem, onde o ensino deve ser
orientado para despertar o interesse da criança e proporcionar um aprendizado eficiente e
funcional, garantindo clareza, legibilidade e rapidez à escrita.
Micotti (2009) destaca que a perspectiva teórica cognitivista–piagetiana fundamenta
a proposta construtivista que se contrapõe ao ensino da escrita como sistema de
representação de significados priorizando o código de transcrição gráfica de sons. É
necessário enfatizar a utilização social da escrita, as leituras de textos, as oportunidades de
as crianças viverem experiências como leitores e escritores, através da diversificação de
textos utilizados em sala de aula. Portanto,

A aplicação dessa proposta envolve uma reviravolta no ensino, modifica-se


a visão das capacidades da criança na realização do trabalho escolar. Ela
deixa de ser considerada receptor de conhecimentos para ser reconhecida
como ser pensante, capaz de atribuir significado aos dados da experiência
em suas relações com o meio ambiente e de transformar essas informações
em conhecimentos (MICOTTI, 2009, p. 29).

A autora supracitada enfatiza que o que as escolas irão desenvolver com as crianças
vai depender da leitura da nova lei objetivando a prática pedagógica, estabelecendo um jogo
de forças entre as novas e as antigas ideias.
Ferreiro (2001) afirma que o tipo de prática utilizada com a criança apresenta a língua
escrita como um conhecimento que os outros possuem e que só se pode obter da boca dos
98
outros sem nunca ser participante na construção do mesmo. “Há práticas que levam a
pensar que ‘o que existe para se conhecer” já foi estabelecido como um conjunto de coisas
fechado, sagrado, imutável e não-modificável” (FERREIRO, 2001, p. 30-31), levando a criança
a ficar de fora do conhecimento.
Mortatti (2004) enfatiza que de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), letramento é entendido como produto da participação em práticas sociais que usam
a escrita como sistema simbólico e tecnologia, ou seja, são práticas discursivas que precisam
da escrita para torná-las significativas, mesmo não envolvendo atividades de leitura ou
escrita. Por isso, não existindo grau zero de letramento nas sociedades urbanas modernas, é
impossível não participar de algumas dessas práticas.
Martins (2008) ressalta que muitas pessoas que aprenderam a ler e escrever não se
servem da escrita como forma de comunicação e de expressão. Portanto,

É neste ponto que chegamos ao componente identitário presente na


linguagem: falar é falar-se; escrever é escrever-se. Segundo o linguista
francês Émile Benveniste é na linguagem e pela linguagem que o homem se
constitui como Sujeito, o que significa dizer que a linguagem que utilizamos
faz parte íntima de nossa identidade social. Já o filósofo Mikhail Bakhtin
postula uma relação complexa entre a formação da consciência individual e
a consciência social (MARTINS, 2008, 49-50).

Segundo a autora supracitada existe um paradoxo em torno da linguagem que pode


ser uma forma autêntica de manifestação, de identificação, de expressão ou veículo de
reprodução de ideias alheias, da repetição de palavras dos outros, deixando de ser um autor
genuíno.
Tudo isso vem corroborar a importância do papel do professor porque,

[...] ele pode acabar contribuindo para a formação de crianças copistas:


crianças que até podem revelar uma caligrafia bem elaborada, mas que não
entendem o que leem, nem o que escrevem. Temos, neste caso, a criança
que só é capaz de reproduzir palavras alheias, sem conseguir servir-se da
escrita como forma de expressão pessoal (MARTINS, 2008, p. 50).

A autora supracitada enfatiza que é fundamental que toda e qualquer linguagem


aconteça como busca de expressividade pessoal, evitando estereótipos, desritualizando a

99
escrita, ou seja, inserindo-a em situações reais de uso, transformando-a em uma prática
social e recuperando-a enquanto prática social genuína.
Mello (2007) explica que:

[...] construtivismo é uma teoria que envolve os seguintes conceitos


básicos: sujeito cognoscente, interação entre esse sujeito e o objeto de
conhecimento e (re)construção do conhecimento. A criança se envolve em
um processo de construção ativo de natureza cognitiva; esse processo de
construção do conhecimento em relação à língua escrita é o resultado de
um esforço pessoal, no qual a criança, em interação com esse objeto,
constrói hipóteses sobre a língua escrita até chegar a interpretar suas
propriedades (MELLO, 2007, p. 89).

A autora supracitada destaca que a criança trabalhada sob a teoria construtivista,


mesmo antes de ler um texto convencional, se torna sujeito cognoscente, organizando
critérios para interpretar as características formais desse texto em um processo de
“reconstrução” do conhecimento e não de apropriação do conhecimento pronto.
Freire (1989) afirma que a educação não é neutra, reconhecendo a natureza política
do processo educativo entendida como uma abstração para compreendermos as diferenças
fundamentais entre uma prática ingênua, uma astuta e outra crítica. Portanto, “a noção de
leitura em um viés discursivo acaba apontando para o heterogêneo, abrindo, então,
possibilidades para conceber o texto como aquele que não possui um sentido único”
(SANTOS, 2009, p. 163). A construção do sujeito leitor ocorre quando ele percebe-se a si
mesmo deslizando sentidos e a equivocidade da própria linguagem, produzindo sentimento,
angústia e desejo.
Bakhtin apud Santos (2009) confirma a presença de diferentes vozes integrantes da
voz de um sujeito com base na noção de polifonia, onde o sujeito dialoga com um amplo
conjunto composto por outros sujeitos com a realidade social que o envolve,
compreendendo o mundo social no qual os mesmos encontram-se em interação. Portanto,

O poder coloca em jogo relações entre sujeitos e os discursos refletem os


lugares desses sujeitos. Essas relações complexas integram os discursos e
corroboram a constituição do sujeito discursivo. Importa, particularmente
para o momento, compreender as relações intrínsecas entre poder e
posição-sujeito, as especificidades dessas relações (SANTOS, 2009, p. 110).

100
De acordo com o autor supracitado é no social que se definem as posições-sujeito
marcadas por mutabilidade, formando e transformando histórias. O discurso é parte
integrante de um jogo de lutas antagônicas entre sujeitos e sociedade, consistindo-se em
processos de produção de subjetividades.
Soares (1989) enfatiza a distinção entre alfabetização e letramento, onde o primeiro
termo corresponde à aquisição de habilidades para ler e escrever, dominando tal tecnologia,
envolvendo conhecimentos e destrezas variados, compreendendo o funcionamento
alfabético, memorizando as convenções, letra e som, dominando o seu traçado, usando
instrumentos como lápis, papel ou outros que os substituam. Já o segundo termo
letramento, relaciona-se ao exercício efetivo e competente daquela tecnologia da escrita,
nas situações em que precisamos ler e produzir textos reais. São opções distintas, mas
inseparáveis, ou seja, ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da
escrita. Portanto,

[...] o alfabetismo não é apenas, nem essencialmente, um estado ou


condição pessoal; é sobretudo, uma prática social: o alfabetismo é o que as
pessoas fazem com as habilidades e conhecimentos de leitura e escrita, em
determinado contexto, e é a relação estabelecida entre habilidades e
conhecimentos e as necessidades, os valores e as práticas sociais. Em
outras palavras, o alfabetismo não se limita pura e simplesmente à posse
individual de habilidades e conhecimentos; implica também, e talvez
principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a
leitura e a escrita, efetivamente exercidas pelas pessoas em um contexto
social específico (SOARES, 2011, p. 33).

A autora supracitada afirma que o indivíduo precisa funcionar adequadamente em


um determinado contexto social, utilizando os signos linguísticos em seu valor pragmático
ou para sobrevivência, respondendo às demandas sociais.
Rojo (2010) destaca que:

Outras recontextualizações da fala letrada do par mais desenvolvido, que


implicam padrões sintáticos, morfofonológicos e seleções lexicais
específicos, fazem com que este salto qualitativo implique um avanço
considerável do letramento e aproxime mais fortemente a criança das
práticas e estruturas de escrita do letramento avançado de sua subcultura
letrada (ROJO, 2010, p. 63).

101
A autora supracitada afirma que a constituição da fala letrada é de grande
importância para a articulação da criança “com e pela linguagem”, passando ao papel de
intérprete do mundo e do outro; e a criança “diante da linguagem”, passando ao papel de
intérprete desse próprio objeto constitutivo.
Soares (1989) destaca que o fracasso escolar, caracterizado pela repetência, não-
aprendizagem, evasão e abandono da escola, representado pela pirâmide educacional
brasileira em seu progressivo afunilamento, ocorre porque as camadas populares são
rejeitadas pela escola. Sendo assim,

[...] não seria a escola a responsável pelo fracasso do aluno; a causa estaria
na ausência, neste, de condições básicas para aprendizagem, condições que
só ocorreriam na presença de determinadas características indispensáveis
ao bom aproveitamento daquilo que a escola oferece. Esta seria
responsável, isto sim, pelo “atendimento às diferenças individuais”, isto é,
por tratar desigualmente os desiguais (SOARES, 1989, p. 10-11).

A autora supracitada afirma que a escola que seria para o povo é contra o mesmo,
pois classifica e hierarquiza os alunos, identificando os bem dotados e superdotados,
enquanto ela deveria adaptar, ajustar os alunos à sociedade, segundo suas aptidões e
características individuais.
Micotti (2009, p. 95) enfatiza que “a leitura, como busca de sentido, é um precioso
instrumento no processo de produção do conhecimento por propiciar o contato do leitor
com diferentes formas de viver e compreender a leitura de mundo”.
Freire (1989) afirma que a leitura sem o verdadeiro adentramento nos textos se
torna mecânica, com memorização sem sentido, perdendo a magia das palavras escritas.
Para Vasconcelos (2012) a escola proporciona múltiplas possibilidades de interação
entre as pessoas envolvidas neste processo, pois o espaço de sala de aula é cenário
privilegiado onde se desenrola o processo de ensino-aprendizagem, fazendo do professor e
do aluno dois atores centrais em constante interação, protagonizando uma cena onde não á
coadjuvantes.
A interação está na base das relações humanas alicerçando e formando a identidade
de cada indivíduo, onde as ações de um são orientadas pelas ações do outro. Desta forma,

102
as pessoas desempenham papéis sociais em decorrência do papel profissional que
desempenham na sociedade.
O educador democrático espera e busca em seu aluno uma atitude autônoma em seu
processo de crescimento e aprendizagens, sendo crítico em relação aos conteúdos
apresentados, inovando a rotina do universo social. Professor e aluno compartilham ações
mútuas, prevendo uma ação equilibrada, dialógica, com objetivos claros sem se perder nos
caminhos a serem percorridos. Assim,

Um caminho possível e bastante frutífero, ainda que pouco usual, é o da


criação de um espaço que possibilite aos docentes a reflexão a respeito de
sua própria prática pedagógica em cotejo com o campo teórico, visando,
com isso, a melhoria da didática dos cursos e, principalmente, a circulação
de boas soluções por alguns conseguidas, e que, uma vez divulgadas,
colaborarão na solução de problemas comuns ao grupo de professores
(VASCONCELOS, 2012, p. 26).

A teoria e a prática não podem caminhar dissociadas, pois uma alimenta a outra,
aumentando a possibilidade de um fazer pedagógico, pautados em uma boa pesquisa e
experiências, almejando qualidade educacional. É necessário também que o professor
conheça bem a realidade da escola onde atua, levantando questionamentos que podem
servir de ponto de partida para uma ação pedagógica mais crítica e comprometida com um
ensino de qualidade.
De acordo com Bakhtin (2003), a linguagem ocupa papel de destaque nas relações
sociais e na nossa sociedade, a participação social é intensamente mediada por texto escrito
e os que dela participam se apropriam não apenas de suas convenções linguísticas, mas,
sobretudo, das práticas sociais em que os diversos gêneros textuais circulam.
Segundo Rojo (2012) a escola precisa de uma proposta pedagógica que inclua em seu
currículo a grande variedade de culturas presentes em sala de aula de um mundo
globalizado, caracterizado pela intolerância na convivência com a diversidade cultural e com
a alteridade. Novas ferramentas de acesso à comunicação e à informação e de agência
social, acarretam novos letramentos de caráter multimodal ou multissemiótico, cunhando
um novo termo ou conceito: multiletramentos.
Saussure (2006) aponta que “o valor linguístico” só poderá ser reconhecido diante da
possibilidade de representar uma ideia justamente na relação que mantém com outros
103
elementos do sistema de que é parte e ainda diante da posição que ocupa no sistema da
língua apontando dois eixos através dos quais a língua efetuaria suas relações visando o
sentido: o eixo das relações sintagmáticas e o eixo das relações associativas. As relações
sintagmáticas seriam as responsáveis por todos os aspectos lineares, desde o
sequenciamento dos fonemas até os aspectos sintáticos de ordenação das frases. Já as
relações paradigmáticas operam, a partir das associações, as escolhas possíveis para compor
o enunciado, determinando aspectos tais como o tempo, o gênero, e todos os paradigmas
que pode haver na língua, inclusive escolhas lexicais. Na língua, só existem diferenças, ou
seja, ela seria um sistema consistido na oposição de elementos, no qual a presença de um
elemento exclui todos os outros. Assim, na língua se opõem os fonemas para formar
morfemas, morfemas para formar vocábulos e, finalmente, vocábulos para formar frases.
Gadotti (2007) enfatiza que a sociedade contemporânea está marcada pela questão
do conhecimento, o qual torna-se peça-chave para entender a própria evolução das
estruturas sociais, políticas e econômicas atuais, tendo em vista que conhecer é construir
categorias de pensamento, lendo o mundo e transformando-o. O acesso do conhecimento
precário gera sociedades com grande atraso educacional.

PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa foi realizada em uma Escola Estadual X, nas primeiras séries do Ensino
Fundamental I do ano de 2014, sendo 8 turmas do 1º ano e 3 do 2º ano.
Foi utilizada uma metodologia qualitativa e quantitativa para investigar o
comprometimento da família com a educação dos seus filhos, o nível de aprendizagem
desses alunos, assim como os alunos que não leem, nem escrevem, porém são copistas.

104
Gráfico 1: Descomprometimento da família

8 Turmas do Ensino Fundamental I da Escola X

Verifica-se neste gráfico que entre 8 turmas, somente duas tem o apoio, a
responsabilidade e o comprometimento da família.

Gráfico 2: Estado inicial da Alfabetização

8 Turmas do 1º ano do Ensino Fundamental I da Escola X

Constata-se que somente duas turmas iniciaram o ano na hipótese pré-silábica,


sendo necessário rever práticas metodológicas utilizadas na Educação Infantil. Tendo em

105
vista que a turma 104 e a 108 tem em sua maioria alunos oriundos de outras escolas, onde o
restante veio da mesma escola.

Gráfico 3: Alunos que leem e escrevem

Alunos do 1º ano do Ensino Fundamental I/mês de novembro de 2014 da Escola X

Este gráfico apresenta a turma 104 com 80%, a sua maioria dos alunos, lendo e
escrevendo, lembrando que vieram de outras escolas.

Gráfico 4: Alunos que não leem, nem escrevem, mas são copistas

3 Turmas do 2º ano do Ensino Fundamental I da mesma Escola X/ mês de novembro de 2014

106
O gráfico acima apresenta 3 turmas do 2º ano do Ensino Fundamental I, as quais
demonstram (41%, 31% e 33%) quantitativos de alunos que não leem, nem escrevem,
porém são copistas. Essa realidade vem demonstrar a necessidade da mudança de práticas
metodológicas nos anos anteriores para a formação de leitores e escritores autônomos.

CONCLUSÃO DA PESQUISA
Após análise dos gráficos, verifica-se que as crianças oriundas da mesma escola não
aprendem a ler e a escrever no mesmo ano que ingressam no 1º ano do Ensino Fundamental
I, devido a uma visão distorcida das propostas pedagógicas utilizadas na Educação Infantil,
ao não reconhecimento dos signos linguísticos no começo do ano, ao descomprometimento
das famílias no desempenho escolar dos seus filhos, produzindo copistas e reprodutores de
códigos, utilizando a escrita como tarefa mecânica e fragmentada.
Observando a 4ª turma dos gráficos, constata-se uma evolução mais eficaz em
relação à aquisição da leitura e da escrita, considerando que vieram de outras escolas e que,
ao chegarem à Escola X, já reconheciam os signos linguísticos, evidenciando-se o nível pré-
silábico na perspectiva piagetiana sobre a teoria da psicogênese da escrita, no começo do
ano letivo.
Outro ponto relevante da pesquisa é acompanhar o produto deste trabalho no 2º
ano formando copistas, os quais angustiam os professores que nem sempre conseguem
reverter esse mal que os acompanham: a não concomitância entre a alfabetização e o
letramento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Proporcionar um ambiente letrado e agradável desde o início da escolaridade, onde a
naturalidade da narrativa e das expressões das crianças nunca seja aprisionada por regras
impostas como “corretas”, favorecendo a desinibição do aluno, possibilitando-lhes o
exercício de uma fluência verbal espontânea, eclodindo o repertório individual a ser
trabalhado em conjunto na alfabetização e no letramento.
Como as classes são compostas de alunos de diferentes origens sociais, de diferentes
hábitos linguísticos, de diferentes valores e comportamentos individuais, o tratamento

107
natural na aceitação das expressões de cada criança contribuirá para acabar com a
desigualdade, estabelecendo uma aceitação própria das diferenças do outro.
Desde a educação infantil, a atividade oral precisa ganhar significação, não se
limitando apenas à criatividade verbal da criança, que se expande nas conversas, discussões
e relatos circunstanciais.
Os métodos que dão ênfase à compreensão da palavra escrita no início da
escolaridade precisam estar respeitando os conhecimentos prévios, em um trabalho
conjunto, dialogal, contribuindo para as trocas recíprocas.
A chave metodológica de todo esse trabalho é compreender que o conhecimento
não é somente o resultado de um trabalho isolado do sujeito, mas fruto interativo de um
processo conflitivo, como melhor caminho para assegurar às crianças a aquisição da leitura e
da escrita dentro do contexto real em que vive, enquanto processo notacional, o qual
assegura as diferenças em uma socialização mais distributiva dos conhecimentos.
A relação que permeia o processo de leitura e escrita não pode ser monaxial e sim
triádica, respeitando a interação do professor e do aluno com o mundo das significações que
os cerca.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Maria
Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24ª edição atualizada. São Paulo: Cortez,
2001.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Cortez, 1989.
GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. Campos dos
Goytacazes, RJ: WTC Editora, 2007.
MARTINS, Maria Sílvia Cintra. Oralidade, escrita e papeis sociais na infância. Campinas: São
Paulo. Mercado de Letras, 2008.
MELLO, Maria Cristina de Oliveira. Emília Ferreiro e a alfabetização no Brasil: um estudo
sobre a Psicogênese da língua escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2007.

108
MICOTTI, Maria Cecília de Oliveira (org.). Leitura e escrita: como aprender com êxito por
meio da pedagogia por projetos. São Paulo: Contexto, 2009
MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de escrita alfabética. São Paulo: Editora Melhoramentos,
2012. (Como eu Ensino).
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP, 2004.
ROJO, Roxane e Eduardo Mora (orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola
Editorial, 2012.
ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Falando ao pé da letra: a constituição da narrativa e do
letramento. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
SANTOS, Leonor W. dos. Gêneros textuais nos livros didáticos: problemas do ensino e da
formação docente. In: V Simpósio Internacional de Gêneros textuais (SIGET), 5, 2009, Caxias do
Sul. Anais. Caxias do Sul, 2009. p. 1-23.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. 6ª edição. São Paulo: Contexto, 2011.
______________. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 7ª edição. Editora Ática, 1989.
VASCONCELOS, Maria Lúcia. Educação Básica: a formação do professor, relação professor-
aluno, mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2012.

109
A EXPRESSIVIDADE DOS NEOLOGISMOS EM MARCELO, MARMELO, MARTELO, DE RUTH
ROCHA: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O ENSINO DE LEITURA

Denis Fernandes de Oliveira


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO: O presente trabalho objetiva apresentar uma análise dos neologismos presentes na
obra Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth Rocha, mostrando que tais aspectos gramaticais
podem expressar sentidos de implicitação e com base semântica. Articularemos essa análise
ao ensino de leitura que, infelizmente, em sala de aula, ganha tanta didatização que, em
muitos casos, impossibilita ao aluno o gosto e a apreciação estética. Em todos os níveis
escolares, há metodologias que focam na leitura para memorização de regras, resolução de
exercícios de interpretação ou de informações sobre a história da literatura. Pouco se vê e
faz por um estudo que analise os recursos da língua por meio dos textos literários vistos em
sala. Com base na ideia de que a Estilística é uma disciplina que estuda os recursos
expressivos da língua, intuímos mostrar como um estudo estilístico pode contribuir para o
trabalho de leitura. Para tanto, trazemos uma análise de um romance infanto-juvenil que
pode ser de grande interesse para o grande público do ensino regular de língua materna.
Palavras-chave: Neologismos. Expressividade. Leitura.

INTRODUÇÃO
Na escola, o trabalho de leitura é visto, muitas vezes, como um terreno árido, no qual
os alunos são inseridos sem o menor interesse. Isso pode ocorrer devido às aulas pré-
moldadas e a mecanização das atividades de leitura ou, na maioria dos casos, pelo apego ao
estudo das regras e normas da gramática.
Um dos desafios da escola é justamente fazer com que o aluno aprenda a ler
corretamente, o que se torna uma questão lógica, visto que a aquisição da leitura é
indispensável para que um atue com autonomia nas sociedades letradas.
Quando a leitura só tem um único fim, o de abordar elementos puramente
gramaticais, deixa de lado toda a concepção de literatura, de inferências, da própria
interpretação e, sobretudo, da análise dos recursos estilísticos que fazem da literatura a arte
da palavra.
A leitura na escola, que deveria ser um meio de levar o aluno a ler por fruição, faz
com que este perca o interesse, tornando-o um ser inerte nas aulas de Língua Portuguesa.
Dificilmente, ele chega a um segundo momento da leitura, pois a cobrança passa pelo nível

110
dos elementos da narração e vai até à gramática. Desse modo, o momento em que o aluno
poderia ver os elementos gramaticais ganhando vida no texto literário, ganhando uma
funcionalidade, nunca chega.
Dentro da variedade de conteúdos e ciências que cabem (ou caberiam) dentro das
aulas de Língua Portuguesa, temos a Estilística, como uma das disciplinas voltadas para os
fenômenos da linguagem, cujo objetivo principal é o estudo do estilo. Tal disciplina, por
analisar fenômenos fonético-fonológicos, sintáticos, morfológicos, léxicos e semânticos,
pode ser um instrumento de grande potencial para o ensino de gramática e, sobretudo, para
o ensino da leitura.
Por esse motivo, nossa proposta de trabalho visa a uma análise estilística-
lexicográfica dos neologismos encontrados na obra Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth
Rocha.
A escolha pelos neologismos deve-se ao fato de ser, comumente, um elemento
encontrado nos conteúdos programáticos das escolas de ensino fundamental, no entanto,
ensinado de forma “engessada” e “sem atrativos” para o aluno. Tem-se a ideia de
neologismos como “novas palavras encontradas no léxico da língua, que ainda não estão no
dicionário”. A essa definição, somam-se exercícios de identificação dessas novas palavras em
textos de gêneros diversos. A expressividade que tais palavras podem assumir dentro de um
texto não é analisada, o que impossibilita ao aluno compreender as diversas formas de
significação que essas novas palavras podem assumir dentro de um contexto discursivo.
Nesse artigo, trataremos de algumas formas de entendimentos dos neologismos: a
visão da gramática normativa além de uma visão direcionada à estilística. Analisaremos os
neologismos presentes no corpus proposto, mostrando sua expressividade para o texto e,
consequentemente, abrindo um caminho para um ensino de leitura que seja considerado
produtivo e atraente ao estudante.
Para que o trabalho de leitura seja eficiente e que tenha êxito é necessário que, a
princípio, a leitura escolhida seja do interesse do aluno, a fim de que haja o reconhecimento
entre o leitor e o texto. No entanto, não pode ser deixada de lado a qualidade do texto, pois
é nesse quesito que os recursos da língua serão analisados, trabalho direcionado à Estilística.

111
Aqui está a relevância desse artigo, pois associa uma análise estilística ao trabalho produtivo
com a leitura.

TEXTO LITERÁRIO EM SALA


Segundo aponta Isabel Solé em seu livro Estratégias de leitura, a leitura pode ter
vários objetivos, dentre eles temos: ler para obter informação, ler para aprender, ler por
prazer. Entendemos essa última forma de leitura como leitura por fruição. É por esse tipo de
leitura que a escola vem trabalhando para que seus alunos desenvolvam essa capacidade,
para que eles sejam capazes de autonomamente descobrir o mundo da leitura, como gosto
e prazer.
Comumente, o trabalho de leitura distribuído entre os anos regulares do ensino de
Língua Portuguesa segue uma esquematização que não favorece a aquisição da leitura por
prazer, ao contrário, didatiza a leitura ao ponto de fazer com que o discente perca o
interesse e o encanto pelo ato de ler, tornando as aulas de leituras meros exercícios para a
obtenção de notas.
No ensino fundamental, à leitura é dado o espaço no livro didático para a resolução
de questionários de interpretação. O aluno lê pequenos textos, quando não o trecho de uma
obra, e logo em seguida é ordenado que responda a perguntas sobre o texto lido. Tal
mecanização não inclui a análise dos recursos da língua, impossibilitando ao aluno o link
entre o que é estudado nas aulas de gramática e o que ele vê como língua viva nos textos
lidos em sala de aula.
Na segunda etapa do ensino regular, no ensino médio, o foco torna-se a literatura. Se
o intuito fosse trabalhar a literatura visando a uma análise que focasse os recursos
linguísticos, a estética e o estilo do texto, visto que o aluno já possui maturidade para tal, a
leitura por prazer poderia ser um resultado esperado. No entanto, temos aula de história da
literatura com o rótulo de aula de Literatura.
Sobre o ensino do texto literário em sala de aula, os Parâmetros Curriculares
Nacionais pregam:

A questão do ensino de literatura ou da leitura literária envolve, portanto,


esse exercício de reconhecimento das singularidades e das propriedades
112
composicionais que matizam um tipo particular de escrita. Com isso, é
possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na
escola em relação aos textos literários, ou seja, trata-los como expedientes
para servir ao ensino das boas maneiras, dos hábitos de higiene, dos deveres
do cidadão, dos tópicos gramaticais, das receitas desgastadas do “prazer do
texto”, etc. Postos de forma descontextualizada, tais procedimentos pouco
ou nada contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as
sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das
construções literárias (PCN, 2001-37-38).

Assim, um ensino de leitura que não considera o próprio texto literário e suas
especificidades, que o vê como instrumento para aplicação de regras e normas, torna-se um
equívoco no que se refere ao esperado do ensino de leitura nas aulas de Língua Portuguesa
e, pior, configura-se numa perda para o aluno, que não descobre as possibilidades de
emaranhar-se no tecido de sentidos que é o texto literário.

A ESTILÍSTICA
Entendida como uma disciplina que estuda os fenômenos da linguagem no que diz
respeito aos valores expressivos e evocativos, a Estilística surgiu nas primeiras décadas do
século XX, graças a dois mestres que duas grandes correntes de grande importância: Charles
Bally, doutrinador da estilística da língua, e o Leo Spitzer, responsável pela estilística
literária.
Nosso foco aqui nesse artigo será a Estilística Literária. Inaugurada pelo Spitzer, ela
parte da reflexão, de caráter psicologista, sobre os desvios da linguagem de uso comum;
uma emoção, uma alteração do estado psíquico normal causa um afastamento do uso
linguístico normal; um desvio de linguagem usual é, portanto, indício de um estado de
espírito não habitual.
Segundo Martins, a estilística literária possui uma tarefa que é:

Examinar como é constituída a obra literária e considerar o prazer


estético que ela provoca no leitor; quer dizer, o que interessa à
estilística literária é a natureza poética do texto. Traços linguísticos,
dados históricos, ideológicos, sociológicos, psicológicos, geográficos,
folclóricos etc., a visão de mundo do autor, tudo se engloba no valor
estético da obra, que está impregnado do próprio prazer do autor ao
criticá-la e que vai suscitar no leitor um prazer correspondente. Cabe
à estilística, “nova disciplina filológica”, procurar, aquilatar e retificar

113
os métodos convenientes para fazer estudos rigorosos do poético
(MARTINS, 2008, 27).

Não há como falar de Estilística sem mencionar um grande expoente dessa ciência no
Brasil: Joaquim Mattoso Câmara Jr. Ao conceituar estilística, Mattoso começa por considerar
a complexidade da linguagem e a dificuldade que as diversas áreas de estudos tiveram para
entender tal fenômeno, que, segundo ele, trata-se de um mecanismo com percepções
multifacetadas. A partir disso, chega-se à ideia de língua contemplada pelo teórico
Ferdinand de Saussure, o qual compreendeu dois aspectos na linguagem: a língua (langue) e
a fala (parole). A língua está muito mais para um sistema organizado. Ela preexiste aos
indivíduos. Entretanto, a personalidade de cada um influencia diretamente nessa matéria
para integrá-la em si. Desse modo, tal sistematização resulta individual. Não é por isso que
teremos cópias, já que toda imitação pressupõe uma escolha, portanto, uma mudança em
relação ao modelo, à forma primária.

ENTENDIMENTOS SOBRE OS NEOLOGISMOS


Sabemos que a língua sofre mudanças em seu funcionamento. São diversos os
fatores que contribuem para que uma palavra de torne menos transparente, para que
assuma outros significados. Dentre eles, tem-se a mudança de que a língua sofre em seu uso
através do tempo. A palavra embarcar, por exemplo, segundo nos informa Azeredo (2008),
teve como origem a palavra barco. Com o tempo, ampliou o seu significado, passando a
designar o ato de tomar qualquer condução.
Tal mecanismo de ampliação e restrição de sentidos é comum na língua, sendo
impossível prever qual palavra terá seu sentido ampliado ou até mesmo modificado. No
entanto, podemos constatar que a causa que levou a sociedade a ampliar o sentido de
embarcar, por exemplo, foi o princípio da criatividade lexical. Para Azeredo,

A criatividade é o fundamento da contribuição circunstancial,


ordinariamente particularizadora e frequentemente expressiva, que
os falantes adicionam ao significado das formas criadas pelos
mecanismos regulares que constituem a produtividade (AZEREDO,
2008, 399).

114
O conjunto de processos responsável pela criação de novas formas lexicais ou
acréscimo de novas acepções a formas já existentes na língua é chamado de neologia. E, as
formas resultantes desses processos e absorvidas pelo léxico são chamadas de neologismos.
Sobre os neologismos, Azeredo os entende como criações vernáculas, que podem ser
de duas naturezas distintas: as formais, ou neologismos morfológicos; e as semânticas,
neologismos semânticos. Na primeira, observam-se as regras produtivas de formação de
palavras: bafômetro, sem-terra, debilóide. Na segunda, palavras já existentes na língua que
assumem outro sentido: laranja (pessoa cujo nome é usado em transações financeiras
ilegais para ocultar a identidade do verdadeiro beneficiário), secar (causar má sorte, azarar).
Entendemos que não basta a criação do neologismo para que ele se torne membro
integrante do acervo lexical de uma língua. Para Alves (2007), é a comunidade linguística,
pelo uso do elemento neológico ou pela sua não-difusão, que decide sobre a integração
dessa nova formação ao idioma. Nesse ponto, encontramos a relação com a Estilística, pois é
a intenção afetiva do falante que definirá o uso por determinada palavra, sendo essa nova
ao léxico ou não. Tratando-se das novas, a carga afetiva será muito mais expressiva e
intencional. O uso frequente do neologismo fará com que este seja, pelos lexicógrafos,
inserido no dicionário da língua. Em muitos casos, há a arbitrariedade, isto é, unidades
léxicas muito usadas são esquecidas e outras, pouco difundidas, chegam a fazer parte dos
dicionários.
Alves apresenta-nos outras classificações dos neologismos. Aqui, vamos esboçá-las a
fim de aclarar nossa análise posterior. A princípio, três classes são apresentadas e depois
esclarecidas: neologismos fonológicos, neologismos sintáticos e neologismos semânticos.
Neologismos fonológicos- supõe a criação de um item léxico cujo significante seja
totalmente inédito, ou seja, tenha sido criado sem base em nenhuma palavra já existente. A
criação onomatopaica, por exemplo, está calcada em significantes inéditos. Entretanto, a
formação de palavras onomatopaicas não é totalmente arbitrária, visto que ela se baseia
numa relação entre a unidade léxica criada e certos ruídos e gritos. Exemplos: tchurma
(turma), xou (show).
Neologismos sintáticos- assim são denominados porque a combinação dos seus
membros constituintes não está embasada somente no âmbito lexical (junção de um afixo a

115
uma base), porém, concerne também ao nível frásico: o acréscimo de sufixos pode alterar a
classe gramatical da palavra-base; a composição tem caráter coordenativo e subordinativo;
os integrantes da composição sintagmática e acronímica constituem frásicos com o valor de
uma unidade lexical.
Diante disso, temos:
Derivação prefixal- Ao unir-se a uma base, o prefixo exerce a função de acrescentar-
lhe variados significados. Dentre os prefixos de caráter negativo e opositivo, por exemplo,
temos anti- e não- revelam-se os mais fecundos quanto à formação de nas palavras: anti-
sionista2; não-hóspedes; não-sucessão; não inglesa.
Derivação sufixal- Por meio dela, o sufixo, elemento de caráter não-autônomo e
recorrente, atribui à palavra-base a que se associa uma ideia acessória e, com frequência,
altera-lhe a classe gramatical: Achistas, brizolistas, favelização, tropicalidade, papalizar.
Composição- o processo de composição implica a justaposição de bases autônomas
ou não-autônomas: pinta-preta, média-metragem, operação caça-fantasma.
Neologismos semânticos- a neologia semântica revela-se de diferentes maneiras. O
neologismo semântico mais usual ocorre quando se verifica uma mudança no conjunto dos
semas referentes a uma unidade léxica. Por meio dos processos estilísticos da metáfora, da
metonímia, da sinédoque, vários significados podem ser atribuídos a uma base formal e
transformam-na em novos itens lexicais: “De acordo com o grau de desespero de quem
contrata o ‘piloto’ (pessoa que faz prova por terceiros), o preço de uma prova chega a
superar NCz$ 20,00”. Aqui, a palavra ‘piloto’ assume outro significado dentro do contexto
em que está inserido.

ANÁLISE
Marcelo, marmelo, martelo é um livro em que Ruth Rocha conta a história do
pequeno Marcelo, um menino curioso que vivia fazendo perguntas sobre tudo a todo
mundo. Dentre suas maiores curiosidades, o motivo das coisas terem os nomes que têm era
o que mais o inquietava: “Por que me chamo Marcelo?” “Por que não escolheram meu
nome martelo?”, “Por que a mesa se chama mesa?”, dentre outras diversas. O

2
Exemplos tirados de Alves (2007).
116
questionamento sobre o significado das palavras, associado às coisas existentes, significante-
significado, é a característica mais interessante da obra, que a faz ser mais do que uma obra
direcionada ao público dos novos leitores.
Não conformado com o nome de muitas coisas que continha em seu cotidiano,
Marcelo começou a criar novas palavras para designar tais coisas. Essas novas formas de
significar, de nomear certos objetos, está relacionada à funcionalidade que Marcelo
encontra em tal objeto. Partindo da funcionalidade, ele dar um nome ao objeto, criando
novas palavras, motivo que, ao final da história, dificultará sua comunicação com as pessoas
que convivem com ele.
Inserida na literatura infanto-juvenil, essa edição em estudo está composta de três
histórias: Marcelo, marmelo, martelo; Teresinha e Gabriela e O dono da bola. Nosso estudo
se fixará somente no primeiro texto.
A obra aqui estudada apresenta qualidade linguística e reconhecida qualidade
literária. O discurso apresentado no texto assenta-se sob bases tradicionais da língua, mas
permanece revitalizado por enfoque linguístico inovador, antenado a um mundo em
constante mudança, como também mutável é a própria língua.
A autora que se encaixa nesse perfil pode ser considerada uma verdadeira artífice
das palavras, trabalhando-as artesanalmente, garimpando, na infinita gama de
possibilidades linguísticas, aquelas que vão instaurar, via ficção, o toque mágico que abrirá
corações e mentes. Busca uma renovação constante, dinamizando a língua, explorando-lhe
ao máximo as potencialidades, as suas diversas realizações.
Nossa análise terá como principal foco de estudo as palavras criadas por Marcelo.
Aqui, analisaremos todas quanto sua formação, atentando para a expressividade que cada
uma traz para o entendimento da obra e, sobretudo, para a noção de neologia muito bem
apresentada nessa obra infanto-juvenil.
Durante toda a narrativa, observamos a presença de dezesseis entradas que
consideramos novas palavras, neologismos. A fim de didatizar nossa análise, apresentamos
tais palavras abaixo, com suas respectivas significações. Em seguida, trabalharemos seus
processos de formação mais detalhadamente:
[1] “latim” – língua (idioma) do cachorro – pág. 10

117
[2] “sentador” – cadeira – pág. 13
[3] “cabeceiro” – travesseiro – pág. 13
[4] “mexedor” – colher – pág. 14
[5] “suco de vaca” – leite – pág. 14
[6] “suco de vaqueira”- leiteira – pág. 14
[7] “puxadeiro” – cavalo/burro – pág. 18
[8] “carregadeira” – carroça – pág. 18
[9] “possuidor” – dono – pág. 18
[10] “Bom solário” – Bom dia – pág. 20
[11] “Bom lunário” – Boa noite – pág 20
[12] “Moradeira” – casa do cachorro – pág. 21
[13] “Latildo” – nome do cachorro – pág. 21
[14] “embrasar” – pegar fogo – pág. 22
[15] “entradeira” – porta de entrada – pág. 24
[16] “cobridor” – telhado – pág. 24
Como dito anteriormente, todos os neologismos encontrados podem ser
considerados de base semântica. Em muitos casos, Marcelo parte da funcionalidade do
objeto para criar seu novo nome. O exemplo [1] é característico do neologismo semântico. A
palavra já existe no léxico da língua, mas amplia-se em um novo significado. E aqui, tal
significado é associado com o som que o cachorro faz (latido) mais o seu próprio idioma,
segundo a criatividade de Marcelo.
Os exemplos [2], [3], [4] e [7] possuem formação em comum. Tais neologismos são
formados a partir da derivação sufixal. Para o objeto cadeira, Marcelo associou a base do
verbo sentar mais o sufixo dor, indicador de lugar onde, ou por onde. Aqui, observa-se,
claramente, a questão do sentido para cada palavra criada, do sentido somado à
funcionalidade.
Os exemplos [5] e [6] possuem uma formação relacionada à composição. Para leite,
por exemplo, juntou-se três palavras: suco + de + vaca. Se suco é o extrato líquido oriundo
das frutas, porque o líquido que sai da vaca não pode ser chamado de suco também?
Pensamento que consideramos tido por Marcelo, relacionado também à semântica.

118
Outros exemplos cujo processo de formação é a composição são os [10] e [11]. Esses,
no entanto, são formados também por um processo de sufixação. Dentro da composição de
duas palavras, indicadoras de cumprimentos, na segunda palavra há uma sufixação: solário –
base: sol, sufixo: ário; lunário – base: lun (luna: lua), sufixo: ário. Os cumprimentos são
relacionados aos astros que representam a fase do dia.
Nos exemplos [8], [12] e [15], temos a presença da derivação sufixal mais uma vez.
Neles, há a ideia da funcionalidade do objeto logo na palavra-base: carroça – carregar; casa
do cachorro - Morar; porta – entrada. Às bases, juntou-se o sufixo –eiró, indicando lugar
onde.
Por fim, analisamos o exemplo [13], o nome do animal de estimação de Marcelo. Um
neologismo formado por uma derivação sufixal. Tem como base o verbo latir, característico
do animal que ele possui, e como sufixo –ildo, sufixo comum aos nomes de pessoas:
Ivanildo, por exemplo. O sufixo deu à palavra a característica de nome próprio, e a base,
verbo específico do animal cachorro, somou a ideia de nome de cachorro. Mais uma vez,
vemos que os neologismos aqui apresentados, mesmo que possuam aspectos sintáticos, têm
como base o sentido, a funcionalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo analisar os neologismos presentes na obra literária
Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth Rocha. Nossa principal intenção não é somente
entender o neologismo como novas palavras criadas pelo falante da língua, mas, também,
mostrar que esse aspecto da língua pode ser muito expressivo dentro de uma obra literária
e, sobretudo, servir de ponto de interesse nas aulas de leitura, a fim de mostrar ao
estudante que a língua que ele utiliza para se comunicar também pode servir para encantar,
para criar, para fazer pensar sobre a vida e o seu cotidiano.
Entendemos os neologismos em suas diversas possibilidades de formação,
mostrando que mesmo tendo, às vezes, bases sintático-fonológicas, sua formação está
baseada no sentido. Isso foi mostrado muito bem pelo personagem da obra analisada, que
partia da funcionalidade dos objetos para criar seus novos nomes.
Esse trabalho ganha importância para as aulas de língua materna que estão
divorciadas das “decorebas” e memorização gratuita de regras e normas da gramática. Para

119
os professores que intencionam uma aula de língua que seja produtiva, que apresente ao
aluno a língua em suas diversas possibilidades, estudar o neologismo como aspectos
estilísticos imbricados é uma proposta vai além do texto como pretexto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. São Paulo: Ática, 2007.
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo:
Publifolha, 2008.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à Estilística. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2008.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa.
Secretaria da Educação Fundamental. 3ª ed. Brasília: A Secretaria, 2001.
ROCHA, Ruth. Marcelo, marmelo, martelo. São Paulo: Moderna, 2011.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

120
A PRODUTIVIDADE EXPRESSIVA DAS CONSTRUÇÕES FRASAIS EM “A CEIA” DE LYGIA
FAGUNDES TELLES

Débora Bianco Gonçalves

RESUMO: Este artigo analisa o conto “A Ceia”, da escritora paulista Lygia Fagundes Telles, e
demonstra como a escolha por determinadas estruturas frasais contribui para a produção de
sentidos, garantindo o tom emocional que o texto apresenta. Essa posição sustenta-se nos
estudos sobre a frase e suas modalidades do professor Gladstone Chaves de Melo, reunidos
no Ensaio de estilística da língua portuguesa, capítulo XII. Ante os vários recursos expressivos
presentes no gênero discursivo conto, propõe-se uma análise das estruturas frasais, que se
tornam cada vez mais importantes nos estudo dos efeitos de sentido vinculados ao texto.
Situando-se no campo da estilística sintática, ou seja, numa abordagem qualitativa, serão
verificadas as estruturas das frases e o impacto que estas promovem à sequência narrativa.
O trabalho torna-se relevante, pois mostra como a opção pelas chamadas “frases
inorgânicas” contribui para garantir a expressividade buscada pelo autor. Além disso,
contemplam-se as sequências “organizadas”, verificando a produtividade das possíveis
combinações das frases-orações, seguindo os três processos sintáticos: coordenação (ou
parataxe), subordinação (ou hipotaxe) e a correlação.
PALAVRAS-CHAVE: Estilística. Frase. Sintaxe.

INTRODUÇÃO
Quando se pensa em trabalhar a construção de sentidos, em geral, centra-se nas
observações sobre a palavra. Entretanto, sabe-se que uma frase pode exprimir diferentes
mensagens: um simples “Que dia!” pode ser uma expressão que mostra o quanto o dia foi
agitado, estressante ou, ainda, uma exclamação positiva, indicando que foi divertido, que
ficará marcado como um bom momento. A sintaxe, sistema de ordenação dos elementos
linguísticos na frase, oferece variadas possibilidades de organização e elaboração das
sentenças. Por esse motivo, pode ser considerada um campo fértil para o estudo estilístico.
Segundo o professor Sílvio Elia (1978), “o estilo é o máximo de efeito expressivo que se
consegue obter dentro das possibilidades da língua”. O efeito estilístico resulta não raro da
singularidade, do desvio em relação ao padrão normativo e da escolha diante das
virtualidades oferecidas pelo sistema. Neste trabalho, discutiremos como a opção por
determinadas estruturas frasais é capaz de garantir estilo a uma obra literária. O corpus
privilegiará o gênero discursivo conto, uma narrativa curta, o que não significa dizer que seja
mais simples do que os outros tipos, pois é necessário que o escritor tenha muita habilidade
121
com a língua escrita para conseguir condensar conflito, tempo, espaço e reduzir o número
de personagens. Moacyr Scliar, um dos escritores mais representativos da literatura
brasileira contemporânea, numa entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em
quatro de fevereiro de 1996, disse:
Eu valorizo mais o conto como forma literária. Em termos de criação, o conto exige
muito mais do que o romance... Eu me lembro de vários romances em que pulei pedaços,
trechos muito chatos. Já o conto não tem meio termo, ou é bom ou é ruim. É um desafio
fantástico. As limitações do conto estão associadas ao fato de ser um gênero curto, que as
pessoas ligam a uma ideia de facilidade; é por isso que todo escritor começa contista.
A opção por um texto da Lygia Fagundes Telles deu-se a partir do momento em que
se levaram em conta essas considerações. A escritora consegue manter o ritmo e a tensão
do enredo, permitindo que o leitor experimente diversas sensações durante a leitura. Isso só
se torna possível a partir da linguagem e é justamente esse resultado que servirá de matéria-
prima para as reflexões desenvolvidas neste estudo.
Parte-se de uma breve revisão das contribuições do professor Gladstone Chaves de
Melo sobre a frase e suas modalidades, sem se limitar às postulações meramente
gramaticais, pois o que cabe à estilística é o estudo da língua afetiva. O objetivo é mostrar
como as frases inorgânicas e organizadas se articulam ao todo do texto a fim de passar para
o leitor toda a dinamicidade e emoção do acontecimento narrado. Os ensinamentos do
professor Claudio Cezar Henriques, grande estudioso da estilística sintática, não poderiam
deixar de ser contemplados nesta pesquisa. O trabalho finaliza com algumas considerações a
respeito das contribuições da estilística sintática para o estudo dos textos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Ao abrir o capítulo XII do Ensaio de estilística da língua portuguesa, Gladstone Chaves
de Melo (1976:121) diz que “não é pacífico o conceito de frase”. É bem verdade que, ao
tentar conceituar e limitar uma frase, muitos autores utilizam critérios meramente fônicos,
como uma pausa bem definida. Entretanto, o conceito semântico não pode ser deixado de
lado, é o próprio professor quem nos ensina que toda frase “deve conter uma ideia
concluída”, ou seja, trata-se de um enunciado com sentido completo. Durante todo o ensino

122
escolar, seja no fundamental ou no médio, os professores costumam dizer que “toda oração
é uma frase, mas nem toda frase é uma oração”. Gladstone também trabalha essa questão
em seu texto, apresentando um exemplo muito esclarecedor tirado de uma obra de
Machado de Assis, assim, ele consegue mostrar que nem toda oração possui significação
plena, portanto, não deveria ser entendida como frase. Vamos considerar, aqui, frase como
um enunciado de sentido completo, marcado por uma pausa bem definida, ou seja, vamos
unir os critérios fônico e semântico.
Primeiramente, deve-se pensar no conceito de frase. Uma sentença não precisa,
necessariamente, possuir uma combinação de variados elementos gramaticais. Há frases,
por exemplo, compostas por uma simples interjeição, como “heim?”, “Ui!”. Nesses casos, a
condição de frase se dá pelo significado e não por categorias gramaticais ou relações entre
orações. O falante a constrói de acordo com a necessidade comunicativa, assim, em uma
situação de emergência, por exemplo, dificilmente teremos construções organizadas, do tipo
que contém sujeito e predicado bem definidos. Ainda no texto do Professor Gladstone
(1976:122), encontramos os seguintes exemplos: “Socorro!”; “Fogo!”, “Ladrões!”. De fato,
cada uma dessas exclamações se refere a um tipo de frase organizada. O primeiro caso
poderia ser transcrito da seguinte forma: “prestem-me socorro!”. É nítido que a carga
emocional do primeiro caso é bem maior que na frase organizada, o tom de emergência é
mantido pela velocidade da elocução. Observa-se, também, o forte papel desempenhado
pela exclamação. A palavra socorro, sem qualquer sinalização de tonicidade, representaria
um vocábulo solto. Em todos os casos apresentados, ligados à palavra, temos o aspecto
fonético e o contexto colaborando para a construção de sentido. As construções que não
apresentam sujeito e predicado bem definidos são chamadas de frases inorgânicas ou frase-
ideia e, somadas a ela, temos as noções de “direma” e “monorema”, conceitos propostos
por Sechehaye. Quando conseguimos expressar um significado completo a partir de um só
termo, temos um monorema. É o que ocorre em “Fogo!”, “Ladrão!”. Entretanto, até mesmo
frases formadas por mais de uma palavra podem constituir monoremas, como é o caso de
“meu carro!” (significando “roubado”, “batido”, “rebocado””). Já os diremas seriam
construções duais sem ligação sintática. Frases do tipo: “minha mala, roubada!”, “morto,
meu filho!” são exemplos claros de diremas. Apesar de muito comum na língua oral, a

123
“frase-ideia” também aparece em alguns gêneros discursivos, principalmente nas sequências
narrativas. Recorrendo a ela, o autor consegue expressar o emocional de uma personagem
e, consequentemente, garante o tom expressivo de sua obra. No discurso direto, por
exemplo, em que há uma dinamicidade maior , as frases inorgânicas cumprem um papel
muito importante, pois podem traduzir variadas sensações, emoções e expressões das
personagens sem a necessidade de grandes explicações ou o uso de períodos complexos.
Assim, a velocidade da narrativa se mantém e o leitor acompanha todas as alterações
emocionais que possam ocorrer ao longo dos diálogos.
É possível, também, criar estruturas expressivas ou emotivas a partir de uma frase do
tipo organizada, que pode ser desdobrada em nominal ou verbal. Na primeira, temos um
verbo esvaziado semanticamente. Segundo Gladstone (1976:129), podemos chama-los de
“liames verbais”, pois são simples conectivos dotados de características verbais, como
tempo e pessoa. É interessante verificar que a língua portuguesa possui uma variedade de
verbos desse tipo e cada um deles é capaz de esboçar um aspecto diferente. Essas
construções podem ser usadas em sequências do tipo estáticas, descrições, ambientações
ou, até mesmo, para relatar o caráter psicológico das personagens. As frases verbais, por sua
vez, possuem como núcleo um sintagma verbal dotado de uma semântica de ação, ou seja,
representam um processo. São dotadas de dinamicidade e podem trazer certo ar
cinematográfico ao texto, marcando mudanças temporais e ações das personagens.
As estruturas organizadas também são chamadas de frases-orações e podem se
combinar de diversas maneiras, seguindo três processos sintáticos distintos, que são
chamados de coordenação (ou parataxe); subordinação (ou hipotaxe) e correlação.
Normalmente, na oralidade esses processos podem se relacionar, pois o falante possui total
liberdade de criação. Já no texto escrito, a organização dos períodos é fundamental na
construção do “macro”, ou seja, do produto final que é o próprio texto. Pensando no
processo de seleção e combinação, a escolha da frase e do tipo de processo privilegiado na
organização dos períodos, certamente, resultará em uma forte marca de estilo de um
determinado autor. O professor Cláudio Cézar Henriques, em seu artigo Revendo a estilística
sintática, diz: “A decisão sobre as estruturas que devem figurar num período dependem

124
muito do conhecimento sintático, é claro, mas depende ainda mais da sensibilidade e
percepção estilística de quem escreve”.

ANÁLISE DO CORPUS
O conto “A Ceia”, nosso objeto de análise, relata o reencontro de dois ex-
amantes/namorados, Alice e Eduardo, num restaurante “modesto e pouco frequentado”
(TELLES, 2009, p.121). O diálogo entre eles é marcado pela insistente tentativa de Alice em
fazer com que Eduardo volte atrás na decisão que tomou de romper o longo relacionamento
amoroso que tiveram. Trata-se, pois, do primeiro encontro após a separação. Assim se inicia
o conto: “O restaurante era modesto e pouco frequentado, com mesinhas ao ar livre,
espalhadas debaixo das árvores. Em cada mesinha, um abajur feito de garrafa, projetando
sobre a toalha xadrez vermelho e branco um pálido círculo de luz” (TELLES, 2009, p.121). Ao
iniciar com essa descrição, Lygia parece abrir as cortinas de um espetáculo teatral. É como se
o leitor vislumbrasse o cenário, “passando os olhos” por cada detalhe. Primeiro, a visão geral
do restaurante, depois, ela descreve as mesas e termina falando do abajur que está em cima
da mesa, ou seja, é como se a imagem fosse se fechando e guiando o foco do leitor. Fica
claro que essa percepção só possível devido à seleção vocabular e, principalmente, à
organização sintática do parágrafo. A descrição é feita em apenas dois períodos com frases
organizadas. O primeiro traz o chamado “liame verbal” e trata-se de uma estrutura nominal.
Sabe-se que esse tipo de frase é muito comum em descrições, pois as caracterizações
prevalecem, aguçando o sentido estático. Ao optar por estruturas nominais e pela
coordenação, o parágrafo fica quase que cinematográfico, como se uma câmera passasse
focando cada espaço. Conseguimos notar melhor esse efeito, comparando com outra
possível organização. Observe como ficaria esse período, se Lygia optasse pelo uso de verbos
significativos, acrescentando relações de subordinação: “O restaurante era modesto e pouco
frequentado, havia mesinhas ao ar livre, que ficavam espalhadas debaixo das árvores”.
A diferença estilística entre os dois modos de ordenação é muito significativa. Note
que os verbos reduziram a velocidade com que se lia o período. Além disso, a subordinada
adjetiva quebrou todo o ritmo da caracterização, acrescentando uma explicação que

125
“desviou” o olhar o leitor, aquele olhar que, antes, estava “passando” por cada detalhe,
ambientando-se e analisando o cenário.
Já no segundo período deste mesmo parágrafo, o único verbo que aparece está em
sua forma nominal, reforçando ainda mais a ideia de que esse tipo de criação é muito
comum em passagens descritivas. Vamos fazer o mesmo processo de comparação anterior
para verificar as diferenças estilísticas: “Em cada mesinha havia um abajur feito de garrafa,
que projetava sobre a toalha vermelho e branco um pálido círculo de luz.”.
Mais uma vez nota-se a mudança do ritmo da descrição pelo acréscimo de um verbo
significativo. O pronome relativo “que” funciona como um conectivo, configurando a
hipotaxe. Na criação original, a escritora opta por não usar qualquer tipo de conectivo, há
apenas uma pausa breve marcada pelas vírgulas. Segundo Gladstone (1976:137), “a carência
de conectivos, geralmente, passa a impressão de pinceladas rápidas, toques bastantes para
uma ideia exata, mas nunca um retrato minucioso.” Ao construir o parágrafo descritivo de
abertura do conto, Telles consegue justamente passar essa “fotografia” ao leitor, a sensação
das “pinceladas” é garantida pela maneira como as orações estão relacionadas, privilegiando
a parataxe e os desdobramentos nominais. O conto prossegue, apresentando a primeira
personagem, trata-se de uma mulher e a frase que a insere no texto nos dá algumas pistas
de que ela será a única do sexo feminino em toda a narrativa. “A mulher parou no meio do
jardim. - Que noite!”
Vale insistir, aqui, na manutenção do ritmo da leitura, não há um verbo dicendi
anunciando a fala da personagem, como normalmente ocorre em discursos diretos. A
presença do artigo definido dá ao leitor a certeza de que a próxima personagem a ser
inserida será do sexo masculino. Caso houvesse outra mulher na história, a opção pelo artigo
indefinido seria a mais adequada, pois permitira criações do tipo: “Uma mulher parou no
jardim, outra, sentou-se à mesa”. Observe que, ao optar pela definição, apresentar outra
personagem no mesmo gênero se torna difícil, pois a sentença perde em coerência: “A
mulher parou no jardim e outra se sentou à mesa”. A fala da personagem é construída por
uma frase inorgânica que, dentro do contexto, parece ser uma exclamação positiva. Como
vimos, esse tipo de frase pode expressar sentidos diversos a depender de um contexto.
Assim, “Que noite!” poderia facilmente ser uma exclamação negativa, se fosse dita ao final

126
de uma noite cansativa, estressante e agitada. Entretanto, pensando na progressão textual,
o leitor, certamente, entende como uma frase positiva, afinal, a mulher estava parada no
jardim de um restaurante. Até aqui, a sequência narrativa passa ao leitor a ideia de que o
texto falará de um encontro romântico e agradável, confirmado pelo elogio indireto que a
moça faz à noite. Cabem, ainda, algumas palavras sobre a escolha da uma frase-ideia para
iniciar um diálogo. Normalmente, esse tipo de construção é marcada por um forte tom
emocional e expressivo. A maioria delas corresponde a uma forma organizada, ou seja, com
sujeito e predicado, assim, “Que noite!” poderia ser desdobrada em “A noite está linda!”. A
mudança na expressividade é clara, a frase inorgânica, além de manter a velocidade da
leitura, é muito mais afetiva do que a frase-oração. Um leitor atento, apenas com a leitura
desses três pequenos parágrafos, já é capaz de imaginar o restante da narrativa e tirar
algumas conclusões. Um encontro em um restaurante com mesinhas ao ar livre e uma
mulher admirando a noite só pode ser o início de um grande jantar romântico. Toda essa
atmosfera só foi possível pela escolha vocabular adequada e, principalmente, pelas
ordenações sintáticas. Já dissemos que uma marca desse conto é fazer com que o leitor
acompanhe atento o desenrolar da estória, observando cada mudança de reação das
personagens. O texto continua com o seguinte diálogo:

Ele lhe bateu brandamente no braço.


– Vamos, Alice. Que mesa você prefere?
Ela arqueou as sobrancelhas.
– Com pressa?
– Ora, que ideia...
(TELLES, 2009, p.121).

Nesse momento, é apresentada a segunda personagem e, como o previsto, trata-se


de um homem. Não há qualquer formalidade ao apresentá-lo, seu nome sequer é dito. A
maioria das falas, durante todo o conto, não é introduzida pelo verbo dicendi, mas sim pela
descrição de uma ação da personagem, como na passagem transcrita acima. Pode-se notar
que a fala está diretamente relacionada ao movimento de cada um deles. O ato de “bater
brandamente no braço” vem seguido de uma declaração apressada, revelando o
comportamento do homem. É como se a mulher estivesse olhando para o céu, num
pequeno devaneio e ele fizesse questão de acordá-la, trazendo-a para a realidade. Aqui, o

127
leitor parece acordar junto com essa mulher, um verdadeiro “estalo” ilustrado pela
linguagem corporal que anuncia as próximas palavras da mulher: “Ela arqueou as
sobrancelhas”. O encontro, então, começa a ser delineado, percebe-se que os dois não
possuem as mesmas intenções. Ela olha para o céu, admira a noite; ele olha para o chão,
para a realidade. A fala o homem é representada por frases organizadas, menos expressivas,
mais elaboradas e, com isso, a escritora consegue enfatizar ainda mais as diferenças entre os
dois. A mulher responde com uma indagação: “Com pressa?”. Temos aqui outra frase
inorgânica muito expressiva, que retrata perfeitamente o espanto que a acomete. O
professor Gladstone Chaves de Melo (1976, p. 123) nos ensina: “Quando alguém está
tomado de intensa emoção (ou finge estar assim), reduz ao mínimo sua mensagem, não se
ocupa em arrumá-la, em lhe dar feição sintaticamente dual referindo um predicado ao
sujeito. O que deixa escapar não passa de uma espécie de interjeição, que encontra
equivalente semântico numa frase organizada, mas não é uma frase desse tipo”.
As frases inorgânicas permitem que o escritor seja expressivo de maneira simples,
sem precisar de longas explicações sobre o estado emocional da personagem nem construir
períodos densos de complexos. Esse tipo de frase se torna muito comum em contos,
justamente, por garantir a velocidade da sequência narrativa.
Após esse rápido diálogo, há uma movimentação na “cena” e o casal escolhe uma
mesa para sentarem-se:

Sentaram-se numa mesa próxima ao muro e que parecia a menos


favorecida pela iluminação. Ela tirou o estojo da bolsa e retocou
rapidamente os lábios. Em seguida, com gesto tranquilo, mas firme,
estendeu a mão até o abajur e pagou-o.
(TELLES, 2009, p.121).

É lícito concluir que Telles optou por estruturas coordenadas por privilegiar um
determinado nível de informação e de descrição, neste caso, das atitudes da personagem.
Assim, consegue associar as ações a um ritmo pausado de leitura, típico da coordenação.
Depois de um diálogo rápido, agora o leitor passa a observar calmamente as ações da
mulher. Caso optasse por relações de subordinação, as orações seriam marcadas por um
elemento temporal, sequenciando os atos, marcando cada momento. A parataxe,

128
entretanto, traz uma ideia de “quadro a quadro”, reforçando a sensação cinematográfica já
comentada. O texto continua retomando o diálogo:

– As estrelas ficam maiores no escuro.


Ele ergueu olhar para a copa da árvore que abria sobre a mesa um teto de
folhagem.
– Daqui não vejo nenhuma estrela.
(TELLES, 2009, p.121).

Eis a primeira fala da mulher representada por uma frase organizada, que,
ironicamente, é próxima de uma linguagem literária, repleta de figuratividade. No parágrafo
anterior, ao anunciar essa fala, temos a descrição do ato: “gesto tranquilo, mas firme”. Mais
uma vez, a descrição do emocional afeta no tipo de construção frasal usado na fala da
personagem feminina. Os adjetivos “tranquilo” e “firme” demonstram uma alteração no
comportamento da mulher. Se antes ela se expressava quase por interjeições, por estar
tomada de uma intensa emoção, agora ela, mais calma, é capaz de elaborar a sentença.
Novamente, a frase-oração está relacionada a ações racionais, menos passionais. Neste
trecho, mais uma vez, a fala do homem quebra com a expectativa da mulher. O diálogo
parece mover-se de um lado para o outro, da emoção para a razão, “céu para a terra”. Outra
tentativa de aproximação fracassada, o rapaz, definitivamente, não está ali com as mesmas
intenções que a sua companheira. O assunto termina com uma resposta da mulher,
completando a fala dele: “_ Mas ficam maiores.” Pode-se dizer que se trata de uma relação
de coordenação, marcada pela adversidade. É interessante ressaltar que, caso essa fala
estivesse descontextualizada, não seria possível atribuir-lhe um sentido, um significado.
Retornaríamos, então, à discussão de que nem toda oração é uma frase. Claudio Cezar
Henriques (2011: p. 99) diz: “[...] não é possível classificar uma oração de forma isolada, sem
classificar a outra oração, aquela com a qual ela se relaciona. Por isso é que insistimos em
repetir que nós não analisamos orações, mas relacionamentos entre orações”.
Estilisticamente, ao criar esse diálogo, a escritora consegue passar toda a irritação da
personagem por não ser correspondida em suas tentativas de criar um ambiente romântico
e afetivo. A partir desse momento, o diálogo entre eles começa a ganhar outro tom, a
discussão sobre o término se inicia e os diálogos continuam com a insistência de Alice em
reatar. Eduardo continua se esquivando o tempo todo e desconversando, até que chega o

129
momento em que ele, cansado das investidas de Alice, decide partir. Não vamos os ater aos
detalhes do enredo, o objetivo aqui é entender como as relações sintáticas e a escolha de
determinados tipos de frases podem impactar o leitor. Entretanto, não podemos deixar de
mencionar o diálogo final, que ocorre entre Alice e o garçom do restaurante. Como
dissemos, Lygia consegue fazer com que o leitor se surpreenda em cada momento da
narrativa. Ele começa imaginando que irá ler sobre um encontro amoroso, mas no
desenrolar dos diálogos, percebe que o amor ali não é recíproco. Em alguns momentos,
quem se põe a ler este conto pode se solidarizar com a causa da mulher e condenar a
insensibilidade do rapaz, em outros, pode dar razão ao Eduardo. Assim, a narrativa vai se
desenvolvendo e o leitor atento vai acompanhando a cada alteração de comportamento,
cada expressão afetiva. No fim, novamente, o leitor se surpreende e o foco agora está na
fala do garçom. Depois de pedir a conta, Alice é informada por ele que o Eduardo já havia
deixado tudo pago e o rapaz, simpático, pergunta se está tudo bem. Ela diz que sim, mas que
tiveram uma pequena discussão. O garçom então responde: “Também discuto às vezes com
a minha velha, mas depois fico chateado à beça. Mãe sempre tem razão – murmurou
ajudando-a a levantar-se. – Não quer mesmo um taxi?” (TELLES, 2009, p.124).
Nesse momento, o leitor relembra alguns trechos do diálogo que transparecem a
questão da idade. Fica nítido que ela parentava ter mais idade que ele e isso somado às
atitudes dos dois durante a narrativa, comprovam a visão do garçom que era um terceiro
olhar, o que estava de fora do assunto, reparando passivamente as atitudes. Pode-se dizer
que ele fez uma “interpretação do texto” a partir do que viu naquela noite.
Todo esse envolvimento do leitor com o conto, que comentamos aqui só foi possível
pela habilidade que a contista tem com as palavras. Com relações simples entre os períodos
e sem qualquer tipo de enrolação ou complexidade, Lygia consegue recriar um drama
cotidiano através de suas palavras, adotando uma narrativa curta, mas difícil de escrever: o
conto. Como diz Bosi: “no conto, deve acontecer a tensão, para que se torne uma narrativa
válida esteticamente. Isso acontece quando existe a agonia “entre a opção narrativa e o
mundo narrável” (BOSI, 1997).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

130
Para empreender a análise das estruturas frasais no conto “A Ceia”, de Lygia
Fagundes Telles, pautamo-nos em conceitos de frases inorgânicas e organizadas, propostos
pelo professor Gladstone Chaves de Melo, que nos possibilitou trabalhar a contribuição
expressiva dos processos de ordenação na construção de sentido do texto.
Pudemos observar que, em gêneros discursivos com o conto é necessário recorrer às
chamadas frases inorgânicas, pois são estruturas simples, marcadas pela tonicidade e
expressividade que se pretende dar a uma fala ou, até mesmo, à obra.
Acreditamos também ter demonstrado, pela comparação, como as relações de
coordenação colaboram para o desenvolvimento da narrativa. Vimos que o uso de verbos
significativos e estruturas subordinadas, em alguns casos, não conseguem garantir o tom
expressivo necessário ao trecho.
Exploramos, ainda, a proximidade dos estudos linguísticos e estilísticos. Através da
análise no âmbito da frase, conseguimos trabalhar forma e conteúdo em favor de um
produto macro que é o próprio texto. Como nos ensina Mattoso Câmara Júnior, em
Contribuição a estilística portuguesa, a estilística possui uma importante posição na ciência
geral da linguagem. O estilo pode ser estudo desde as manifestações populares, como as
gírias, até textos literários completamente elaborados.
Assim, esperamos ter ilustrado a necessidade de se pensar na frase como um
produtivo meio de expressão, demonstrando como o estudo da estilística sintática se torna
um importante caminho nos estudos estilísticos.

BIBLIOGRAFIA
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997.
ELIA, Sílvio. Orientações da linguística moderna. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1978.
HENRIQUES, Claudio Cezar. Revendo a estilística sintática. [texto em xerox sem
identificação de fonte.] Sintaxe. Rio de Janeiro: Campus, 2008.
MATTOSO CÂMARA JR., J. (1953) Contribuição à estilística portuguesa. 3. ed. rev. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.

131
MELO, Gladstone Chaves. Ensaio de estilística da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Padrão, 1976
TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

132
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA UTILIZAÇÃO DO LIVRO
DIDÁTICO

Andreia Silva de Assis


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

Laís Teixeira Lima


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

Eliana Crispim França Luquetti


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF

RESUMO: O ensino de Língua Portuguesa, no contexto educacional, continua baseado em


uma metodologia tradicionalista, apesar das inovações trazidas pela linguística. Na verdade,
o ensino de Língua Portuguesa passou a ser conhecido como ensino de gramática, onde
conceitos e regras são apresentados de maneira compartimentada e descontextualizada.
Esses fatores geram vários problemas na educação dos alunos, que são muitas vezes
depreciados pela forma como falam. Na tentativa de colaborar para uma educação
linguística mais eficaz e relevante, autores como Bagno, Soares e Labov acreditam que a
Sociolinguística pode auxiliar os docentes nesta tarefa de educar sem atuar negativamente
na constituição da identidade social e linguística do indivíduo. Assim, o presente trabalho
tem como objetivo compreender a relevância da educação linguística no processo de ensino-
aprendizagem de língua materna, assim como a questão da variação linguística na escola.
Para tanto, analisamos os livros didáticos aprovados pelo PNLD/14 de Língua Portuguesa
para os anos finais do Ensino Fundamental, observando qual a metodologia de ensino
abordada no tocante ao tema variação linguística.
Palavras-chave: Variação linguística. Livro didático. Formação docente.

INTRODUÇÃO
Em nome da chamada “unidade linguística” no Brasil, onde a língua certa que deve
e merece ser falada e escrita é apenas aquela descrita nos manuais normativos, há uma
constante preocupação em se resguardar as normas urbanas de prestígio, anteriormente
conhecida como norma culta, já que esta é entendida, muitas vezes, como o sinônimo de
língua. O ensino ainda praticado pelas escolas tende a ajudar nessa manutenção de que o
ensino de Língua Portuguesa é o mesmo que o ensino de gramática, dando ao indivíduo a
forte sensação de que não sabe sua língua, e a falácia de que português é muito difícil.
No entanto, sabemos que a língua só se efetiva no uso, sendo um instrumento de
interação social que o homem utiliza para satisfazer suas necessidades cotidianas. Dessa

133
forma, a linguagem é o lugar de conflitos, de confronto ideológico, não podendo ser
analisada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-
sociais.
A escola, sendo ainda considerada a maior responsável pela instrução e pela
educação do indivíduo, vale-se de fatos comprovados pela sociedade para instruir seus
alunos. No entanto, no caso do ensino de Língua Portuguesa, continua reproduzindo um
discurso com definições incompletas e conceitos falhos, e isso causa graves consequências
no falante que, por não conseguir compreender esses conceitos concebidos pela gramática
normativa, acaba por achar sua própria língua difícil.
Nesse sentido, na tentativa de minimizar e contribuir para uma educação linguística
mais eficaz para o processo de ensino-aprendizagem, autores como Bagno (2007, 2009),
Soares (1989) e Cyranka (2011) acreditam que a Sociolinguística pode auxiliar os docentes
nesta tarefa de educar sem atuar negativamente na constituição da identidade social e
linguística do indivíduo.
Partindo da premissa de que a fala do indivíduo é sua identidade social,
verificamos como cinco coleções de livros didáticos de língua portuguesa do 6º ao 9º ano do
ensino fundamental, aprovados e distribuídos em âmbito nacional pelo Programa Nacional
do Livro Didático – PNLD/2014 – abordam o tema variação linguística e trazem informações
pertinentes que ajudarão na compreensão do tema.
Apesar da melhora na qualidade dos livros didáticos desde o surgimento do PNLD,
quando se fala de variação linguística e o tratamento oferecido pelos livros didáticos,
constata-se que ainda é incipiente. Assim, faz-se necessário que o professor esteja
preparado para agir diante de entraves.

REFERENCIAL TEÓRICO
A gramática normativa continua repetindo conceitos produzidos e descartados há
anos e, no entanto, a sociedade, representando o interesse de alguns tradicionalistas, não
aceita as inovações repudiando e banalizando as novas teorias da linguagem (BAGNO, 2007).
Com isso, a língua evolui, em sua qualidade máxima de ser heterogênea e viva,
porém, lamentavelmente, ao deparar com os manuais de regras, ainda encontramos normas

134
de há muito não são usadas, colocando os novos usos e dizeres como desvios e erros da
oralidade.
Em 1997, o Ministério da Educação, preocupado com a renovação do ensino de todas
as disciplinas das escolas brasileiras, lançou uma coleção de documentos que norteariam a
educação nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN. Desde então, tinha-se uma
preocupação em desenvolver, de maneira mais eficaz, as mudanças curriculares que iriam
alavancar o ensino (BAGNO, 2007). Na disciplina de Língua Portuguesa, observa-se a
preocupação em proporcionar um ensino baseado nas novas descobertas da linguagem e,
consequentemente, o reconhecimento do caráter heterogêneo da língua.

A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais.


Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam.
Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é
atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum considerar as
variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. O
problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas
dialetais dever ser enfrentados, na escola, como parte do objetivo
educacional mais amplo da educação para o respeito à diferença. Para isso,
e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se
de alguns mitos: o de que existe uma única forma “certa” de falar – a que
se parece com a escrita – e o de que a escrita é o espelho da fala – e, sendo
assim, seria preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva
errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural
que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua
comunidade como se fosse formada por incapazes, denota
desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde
inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles
tenha em um dado momento histórico (PCN, 1998, p. 26).

Desde então, existe uma preocupação com o tipo de ensino de língua desempenhado
pela escola e seu reflexo na sociedade. Esse documento trouxe um ganho significativo,
ponderando que até então a escola negava a existência da variação linguística, sendo
considerada como sinônimo de erro, incumbindo à escola a responsabilidade de corrigi-los.
O ensino tradicionalista até então promovido pela escola, cujo indivíduo deveria
reproduzir a língua descrita pelos manuais, refletiu na sociedade uma conduta
preconceituosa em relação à linguagem falada. Esse preconceito enraizado na sociedade
gera problemas profundos e divisórios, já que os indivíduos são categorizados pela forma

135
como falam. Geraldi (1996) sinaliza aos professores de Língua Portuguesa a importância de
se ensinar a norma-padrão sem que isso signifique depreciar sua linguagem familiar.

Cabe ao professor de língua portuguesa ter presente que as atividades de


ensino deveriam oportunizar aos seus alunos o domínio de uma outra
forma de falar o dialeto padrão, sem que isso signifique a depreciação da
forma de falar predominante em sua família, em seu grupo social, etc. Isso
porque é preciso romper o bloqueio de acesso ao poder e a linguagem é um
de seus caminhos (GERALDI,1996, p 163).

A linguagem falada por qualquer indivíduo é resultante de uma série de


características, sendo, portanto, considerada individual, já que representa sua visão do
mundo, tanto interior quanto exterior, além da linguagem de seu grupo social. Essa
desconsideração da escola pela linguagem do aluno, tratando como um simples erro
gramatical, traz prejuízos, porque, muitas vezes, o aluno não consegue compreender o
ensino proposto pela escola. Segundo SOARES (1989), o problema está na linguagem
utilizada na escola:

É o uso da língua na escola que evidencia mais claramente as diferenças


entre grupos sociais e que gera discriminações e fracasso: o uso, pelos
alunos provenientes das camadas populares, de variantes linguísticas social
e escolarmente estigmatizadas provoca preconceitos linguísticos e leva a
dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver usada a
variante-padrão socialmente prestigiada (SOARES, 1989, p. 17).

Um dos motivos que a aprendizagem não ocorre de maneira eficaz, é que a escola
adota o princípio do caráter homogêneo da língua, tanto falada quanto a escrita. O mais
interessante é que o ensino de língua é tratado, em sua matriz curricular, como ensino de
gramática, esquecendo-se de que o indivíduo, quando chega à escola, já domina a
modalidade falada da língua. Isso faz com que o indivíduo acredite que língua e gramática
são a mesma coisa. Ao impor apenas uma variedade, reprime aquela que o aluno já domina,
dando-o a “oportunidade” de substituição. Essa repressão, por parte da escola, é
pedagogicamente incorreta, segundo Bortoni-Ricardo (2004), pois:

uma pedagogia que culturalmente sensível aos saberes dos educando está
atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e
mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os
educandos sobre essas diferenças (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 38).

136
A gramática normativa, assim como a escola, vê a língua como sistema homogêneo,
pronto e acabado. Nos livros didáticos e nas gramáticas, esta se define como um conjunto de
regras que impõem um modelo ideal de língua que deve ser seguido. Assim, a língua escrita
se sobrepõe à falada, da mesma forma que somente a variedade culta é passível de ser
estudada e aprendida. Possenti (2000) afirma que:

o fracasso dos alunos em provas que exigem escrita não é só o fracasso da


escola, mas o de uma sociedade que valoriza o que tem pouco valor –
escrever sempre as mesmas palavras e frases – e não valoriza o que tem
muito valor – a capacidade de alguém ser sujeito de um texto, de defender
ideias que se articulem, mesmo que haja pequenos problemas de escrita.
(...) Somos uma sociedade que valoriza ortografia e casuísticas medievais
sobre correção gramatical (POSSENTI, 2000, p. 55).

Além disso, ensina-se também seus os valores e costumes, a linguagem usada e


ensinada é a mesma falada pela classe abastada socialmente, fazendo com que o estudante
da classe desprestigiada socialmente não se sinta pertencer àquela língua e,
consequentemente, àquela sociedade. Isso acarreta o fracasso escolar e social, já que esse
indivíduo terá dificuldades de se engajar de maneira satisfatória na sociedade.
Os PCN introduziram os conceitos de Sociolinguística, até então poucos conhecidos
na prática docente. No entanto, apesar dos esforços, poucos títulos abordam a questão da
variação linguística e, menos ainda, para ser utilizado em sala de aula como material de
apoio aos docentes. Para Bagno (2007, p. 29): “O resultado disso é que a variação linguística
ou fica em segundo plano na prática docente ou é abordada de maneira insuficiente,
superficial, quando não distorcida.” Essa utilização distorcida, confusa e propagadora de
mais preconceitos da variação linguística, é encontrada nos meios de comunicação de massa
e em materiais pedagógicos.
A Sociolinguística vem propondo novos métodos de ensino de língua materna, com o
intuito de promover uma educação linguística eficaz e extirpar o preconceito linguístico, tão
presente na sociedade, dando a todos os falantes uma igualdade de oportunidades para o
aprendizado da Língua Portuguesa.
Os livros didáticos, que na grande maioria das vezes, abordam questões e atividades
de fixação de forma a dar ao aluno a perspectiva de que a única forma correta de se escrever
e falar é a norma-padrão. Segundo Bagno (2007), um dos principais problemas encontrado
137
no livro didático é a constante ligação do tema variação linguística aos sinônimos de falares
regionais, rurais ou de indivíduos não escolarizados ou com nenhuma instrução. Por isso, a
insistência em exibir como exemplos uma tirinha do personagem Chico Bento, um samba do
repertório de Adoniran Barbosa ou poema de Patativa do Assaré. Para o autor (2007, p. 120)
“Parece estar por trás dessa tendência a suposição (falsa) de que os falantes urbanos e
escolarizados usam a língua de um modo mais ‘correto’, mais próximo do padrão, e que no
uso que eles fazem não existe variação”. Diversos fatores interferem em nossas escolhas
comunicativas, inclusive o momento e o interlocutor da enunciação.
A escola precisa valorizar a gramática internalizada do aluno e sujeitá-lo ao maior
número possível de experiências linguísticas, priorizando a leitura, a escrita, a narrativa e
todas as outras formas de expressão. Deve também levar o indivíduo a refletir sobre sua
própria língua, tendo a consciência de que sabe falar sua língua, mas que precisa saber mais
sobre ela, que existe uma diversidade de outras formas de expressar-se nessa língua e que
esse saber pode desenvolver por toda a vida. Esta é uma das formas de começar a modificar
a sociedade discriminadora, já que, nela, as variantes linguísticas cumprem papel de intensa
e completa significação.

ANÁLISE DOS DADOS


Coleção 1: Português: uma língua brasileira
Nesta coleção, o tema é apresentado no livro do 6º ano e do 7º ano. No livro do 6º
ano, podemos observar que, primeiro, é apresentado a variação regional, para em um
segundo momento apresentar a variação linguística, isso nos revela que o tema está
fortemente relacionado às diferenças linguísticas regionalistas. Não encontramos referências
às diversas formas que nos comunicamos em nosso cotidiano, que pode dar a entender que
a variação só acontece entre regiões, entre grupos sociais, entre épocas, esquivando-se de
propiciar para o aluno a habilidade de se adaptar a cada novo momento comunicacional,
preparando-o, assim, para ingressar em todas as esferas sociais.
Nos livros didáticos, observamos a pouca presença de textos de dialetos diferentes
da norma-padrão, podemos citar um trecho da canção “Bailão” interpretada por Kleiton &
Kledir e “Estrada de Canindé” interpretada por Luiz Gonzaga. Em ambas as canções há a

138
utilização de uma variante da língua que difere das normas urbanas de prestígio: a primeira
se refere a uma variante típica da região Sul, e a segunda do Nordeste brasileiro. Outro
ponto bem interessante é o fato de o tema ser estreitamente relacionada à variação
regional.
No entanto, quanto aos registros manifestados nos textos, observa-se que há textos
com níveis maior e menor de formalidade. Como os de menor formalidade ainda são objetos
raros de serem contemplados nos textos didáticos, podemos citar a história em quadrinhos
da Turma do Bermudão & Xaveco (p.130 a 133), o autor utiliza alguns termos típicos da
modalidade falada e também gírias.
As atividades de compreensão e interpretação não propõem ao aluno correlacionar a
forma linguística ao contexto comunicacional de uso, ao contrário, solicitam que faça a
reescrita para que fique adequado à norma-padrão (p.84). Dessa forma, não encontramos
tentativas de conectar tais palavras com o contexto extralinguístico.
Quanto aos itens gramaticais, apesar do uso de textos de diversos gêneros textuais, a
concepção adotada ainda permanece no molde tradicionalista, dando aos alunos conceito
prontos e concebidos pela tradição gramatical.
Também observamos a questão da mudança linguística e verificamos que a coleção
aborda, no entanto, utiliza outra nomenclatura “variação história”. Consideramos essa
questão importante para o entendimento da variação linguística, pois, ao considerar a
mudança linguística, estamos ao mesmo tempo afirmando o caráter heterogêneo e mutável
a língua, que se adapta para satisfazer a necessidade comunicacional de um determinando
grupo social para um determinando contexto (6º ano, p. 31).
As atividades tendem a estabelecer o uso da norma-padrão aos alunos, porém o
fazem utilizando argumentos e enunciados menos agressivos e impostos. Quanto ao tema
norma-padrão e normas urbanas de prestígio, observamos que as autoras não fazem a
devida distinção entre ambas (6º ano, p. 83), levando os usuários do material a confundir os
conceitos das normas. Esse conflito conceitual ajuda na manutenção do preconceito
linguístico.

139
As técnicas de ensino gramatical recorrem às práticas tradicionais, não
oportunizando o aluno a construir seu conhecimento através dos mecanismos propostos
pelo livro.

Coleção 2: A aventura da linguagem


Nesta coleção, o tema é abordado nos livros do 7º ano e 8º ano. Os conceitos não são
discutidos abertamente, em alguns momentos, os autores apresentam partes do tema em
textos.
Nestes livros didáticos, não encontramos textos que explorem outros dialetos ou
variações, no entanto, apesar de em número menor, apresentam textos com registros
informais, como em tirinhas e crônicas.
Quanto às atividades referentes à variação linguística, há um grande número de
questões que solicita, aos alunos, que transcreva os termos ou as orações da linguagem
informal para a formal.
Quanto à questão da mudança linguística, observamos que há a apresentação do
tema, porém não utiliza nenhuma nomenclatura para designá-la.
Os fenômenos gramaticais são abordados através de atividades baseadas em algum
dos textos estudados no capítulo, para depois expor nas seções “Você se lembra?”, “Não
esqueça!” e “Vamos recordar?”, dando a entender ao aluno que ele já sabe aquele
conteúdo, o livro está relembrando.
Os textos trazidos pelos livros abordam, em sua maioria, as normas urbanas de
prestígio, até mesmo gêneros mais tipicamente informais, uma vez que é atrelada a
linguagem falada, a linguagem usada é mais formal, trazendo poucos elementos da
oralidade. Observamos, também, que não há qualquer distinção entre norma-padrão e
normas urbanas de prestígio.
Os exercícios de exploração gramatical, quando relacionados à variação linguística,
permitem ao aluno perceber a regra imposta pela norma-padrão e adequá-la de acordo com
a situação comunicativa vivenciada. Na coleção, trabalha-se com a diversidade textual,
auxiliando a compreensão dos fenômenos gramaticais. Assim, utilizam a perspectiva
variacionista para estruturar sua sequência didática.

140
Dessa forma, podemos dizer que a coleção, apesar de ainda conservar algumas
práticas tradicionais, procura oportunizar ao aluno uma reflexão sobre sua língua e sua
utilização.

Coleção 3: Universos: Língua Portuguesa


O tema é abordado em todos os quatro livros que compõem a coleção, no entanto é
apenas no 6º ano, no final do livro, na seção Mais Gramática que aparecem as definições de
variação linguística, variação dialetal, variação de registro, variedade-padrão e adequação
linguística. Dessa forma, o tema variação linguística só recebe especificamente tratamento
adequado no livro do 6º ano.
Na coleção, não encontramos exploração de variação dialetal e são poucas as
ocorrências de diversidades de registro, prevalecendo o nível mais formal da língua.
As atividades de compreensão e interpretação textual tratam a variação linguística
como uma proposta de relacionar a forma linguística em questão, ao seu contexto
comunicacional, compreender o sentindo proposto pelo texto e criar um exemplo diferente
do dito pelo texto.
Observamos que aborda a mudança linguística com outra denominação: variação
histórica. Após leitura do texto, uma das atividades pede que os alunos identifiquem marcas
linguísticas que divergem da língua atual.
Quanto à questão referente à exploração gramatical, observamos que o livro traz
pouco texto didático referente a conceitos gramaticais, deixando para o final do livro, no
item “Mais gramática” o objetivo de expandir a reflexão sobre o item. A concepção adota
pelo livro é a gramatica do texto, afastando-se dessa forma da concepção tradicionalmente
praticada. Assim, os conteúdos gramaticais são trabalhados à medida que são necessárias
para compreensão do texto abordado.
Observamos que a coleção não separa os conceitos de norma-padrão e normas
urbanas de prestígio. Também não encontramos distinções variacionais entre fala e escrita.
Em algumas atividades, ajudam o aluno a perceber algumas diferenças entre as duas
modalidades.

141
A coleção apresenta diversidade textual, o que auxilia a compreensão do conteúdo e,
dessa forma, também dos fenômenos gramaticais. Observamos que, nesta coleção, o aluno
inicia com atividades para chegar à teoria.
Podemos, então, afirmar que a variação linguística não é tratada como um conteúdo
gramatical e sim como uma abordagem que permeia todo o processo de ensino-
aprendizagem do livro didático.

Coleção 4: Português: linguagens


Nesta coleção, o tema é apresentado no livro do 6º ano. O conceito de variação
linguística é apresentado com base na teoria da Sociolinguística. Como é notório, os autores
escolheram como exemplo uma tira do Chico Bento e uma letra de Adoniran Barbosa.
Neste livro, não encontramos exploração da variação dialetal e poucas são as
diversidades de registro, predominando o nível de mais formalidade. Não encontramos
alguma nota que chamasse atenção para expressões ocorrentes nos textos pertencentes a
alguma variedade.
A forma como os autores recorrem para exercitar o tema é de cunho tradicionalista,
uma vez que não correlacionam à forma linguística estudada com contextos de uso, as
atividades que seguem os textos que abordam o tema não aproveitam para aprofundar o
assunto, tampouco revelam a natureza social da língua.
Quanto à exploração de vocabulário, observamos que, no exercício relacionado à
canção de Adoniran Barbosa “Saudosa maloca” (6º ano, p. 45), há uma tentativa de
relacionar palavras ou expressões com o contexto extralinguístico, com a questão da
escolaridade e do perfil sociocultural. Observamos que o livro não traz exercícios que
explorem as variações e seus contextos de uso. As atividades são ancoradas nos textos que
abordam o tema, no entanto, estas são voltadas para a análise interpretativa textual. Apesar
de abordar o tema variação, a preferência dos autores é abordar atividades que estão
relacionadas ao texto.
Quanto à questão referente à exploração gramatical, observamos que a concepção
adota pelo livro é a tradicional. Temos que considerar que há uma tentativa de
proporcionar, ao aluno, a construção do conceito do item com atividades interpretativas a

142
partir da análise de uma tirinha do Menino Maluquinho. No entanto, na seção subsequente
“Conceituando” constatamos que o conceito trazido pelo livro é regido pela norma-padrão
da língua.
Assim, o livro não considera a variação linguística quanto a sua relação com o
indivíduo, em suas explicações quanto à gramática, deixando de explorar as diversas
possibilidades de usos da língua, das variedades linguísticas, desde as mais prestigiadas até
as mais estigmatizadas pela sociedade. Portanto, os exercícios, de cunho gramatical, não
proporcionam questões que possibilitem ao aluno agregar tais regras gramaticais à
determinada situação comunicativa, segundo os parâmetros de uma adaptação
comunicativa adequada. Dessa forma, as poucas atividades não contribuem para um efetivo
desenvolvimento comunicacional do aluno.
Quanto ao quesito conceitual entre norma-padrão de normas urbanas de prestígio,
observamos que a coleção tenta distinguir as normas, porém, equivoca-se quanto à norma-
padrão.
Dessa forma, verificamos que a variação linguística é tratada como mais um
conteúdo gramatical, de forma que os conteúdos são tratados na perspectiva normativa.

Coleção 5: Jornadas.port
Já nesta coleção, as autoras trouxeram o tema no livro do 7º ano. Neste livro,
encontramos poucos textos de variantes diferentes das normas urbanas de prestígio, como
por exemplo, a letra da música “Açum-Preto” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (p. 153),
contendo um grande número de palavras/expressões de variedade estigmatizada. E poucas
também são as variedades de registro, predominando o nível mais formal da língua.
As atividades propõem, ao aluno, uma aprendizagem da variação linguística
relacionada ao seu contexto de uso, adaptando de acordo com a situação comunicacional.
Quanto à questão da mudança linguística, verificamos que a coleção aborda,
nomeando como variedade histórica.
Observamos, também, que há uma separação de norma-padrão e de normas urbanas
de prestígio.

143
Nas atividades de exploração gramatical, há ocorrências de prática tradicional de
ensino, apresentando conceitos prontos, marcadas por frases soltas e descontextualizadas,
que não oportunizam ao aluno construir seu próprio conceito.
O conteúdo variação linguística é visto apenas em um volume de toda coleção, sendo
considerado como mais um conteúdo gramatical, uma vez que há ocorrências de uma
abordagem tradicionalista.

CONCLUSÃO
A variação linguística é um tema muito debatido na atualidade, devido ao seu caráter
excludente e preconceituoso, apresentado em contrapartida à norma-padrão. Apesar de
inúmeros trabalhos acadêmicos e científicos sobre o tema, a escola ainda encontra
resistência ao abarcar, em seus bancos, variedades oriundas das classes menos favorecidas
da sociedade.
Neste sentido, todos os livros didáticos observados abordam a questão variacional da
língua portuguesa e de sua riqueza linguística, até mesmo porque é preciso para atender a
uma exigência para a adoção da coleção. Optaram por uma linguagem padronizada, falada
pela minoria privilegiada, alegando que os alunos precisam exercitá-la. É preciso que as
escolas ensinem sim a norma-padrão, a gramática, mas que para isso não destruam as
individualidades, pois quando julgamos e condenamos nosso aluno por sua prática
linguística também estamos fazendo o mesmo com sua comunidade.
É interessante e relevante que seja cada vez mais esclarecido que norma-padrão não
é falada por nenhum indivíduo, é um código, lei, o ideal de língua, que rege a língua tanto
falada quanto escrita. O que se tem são indivíduos esclarecidos linguisticamente, que
possuem uma linguagem mais próxima do ideal, do padrão. Para esses indivíduos, tem-se a
nomenclatura de normas urbanas de prestígios.
Dessa forma, se o indivíduo precisa se comunicar e se fazer entender, é importante
que ele saiba adaptar linguisticamente de uma variante a outra de acordo com o contexto
situacional em que se encontra. E é na escola que ele aprende a dominar outra variante, as
normas urbanas de prestígio, para dar-lhe igualdade para concorrer a um concurso ou
entrevista de emprego, por exemplo, e para ter acesso aos órgãos públicos.

144
Nota-se que, aos poucos, a teoria variacionista está adentrando as escolas brasileiras
através do LD. Seria impossível falar de variação linguística sem mencionar o processo
natural e irreversível da mudança dentro de uma língua. Essa mudança é o resultado de
inovações, renovações e (re)significações decorrentes de escolhas vocabulares do próprio
usuário. Quando pronunciamos uma palavra ou expressão, estamos elegendo uma dentre
várias opções semânticas que ela já desempenhou no tempo. Isso é muito interessante em
se tratando do homem e sua linguagem, uma vez que na história ambas estão fortemente
entrelaçadas. Quando elegemos uma palavra dentre várias outras, levamos junto todas as
formas como já foi utilizada em contexto social no decorrer do tempo.
Não temos a pretensão de termos analisado todas as possibilidades de utilização do
material descrito, até porque, depende e muito dos sujeitos envolvidos no processo
educacional. Apenas apontamos algumas questões pertinentes ao tema proposto.
A efetivação do ciclo de aprendizagem requer muitos fatores, tanto internos (próprio
aluno) quanto externos (métodos e motivações), portanto seria difícil se falar em algo
infalível para o processo de aprendizagem de língua portuguesa para um indivíduo falante e
situado num contexto social desde o dia do seu nascimento.
Os livros didáticos são um forte instrumento de apoio ao ensino escolar e cumprem o
que se destinam a ser. Não podemos tê-los como vilões do fracasso escolar. Assim, os livros
devem seguir a norma linguística imposta socialmente, já que, mesmos os indivíduos
discriminados, tendem a acreditar que o correto é seguir a tradição gramatical e também
discriminam os demais usos, inclusive o seu.

REFERÊNCIAS
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São
Paulo: Parábola Editorial, 2007.
__________. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 44. ed. São Paulo: Loyola,
2006.
BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula.
São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2014: apresentação: ensino fundamental: anos
finais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2013.
145
_______. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/ SEF,
1998.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CYRANKA, L. F. M. Dos dialetos populares a variedade culta: a sociolinguística na escola.
1ªed. Curitiba: Appris, 2011.
DELMANTO, D.; CARVALHO, L. B. de. Jornadas.port – Língua Portuguesa. 2.ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercício de militância e divulgação. Campinas:
Mercado das Letras: Associação da Leitura no Brasil, 1996.
LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MENNA, L.; FIGUEIREDO, R. VIEIRA, M. das G. Português: uma língua brasileira. 1. ed. São
Paulo: Leya, 2012.
POSSENTI, S. Malcomportadas línguas. São Paulo: Parábola Editorial, 2000.
RAMOS, R. de A. Universos: língua portuguesa. Obra coletiva concebida, desenvolvida e
produzida por Edições SM. 1. ed. São Paulo: Edições SM, 2012.
SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 7. ed. São Paulo: Ática, 1989.
TRAVAGLIA, L. C.; FERNANDES, V. M. B. A.; ROCHA, M. A. de F. A aventura da linguagem.
2. ed. Belo Horizonte: Editora Dimensão, 2012.

146
O LIVRO DIDÁTICO E O NEGRO: EM FOCO OS LIVROS DIDÁTICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
APLICADOS NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

Tatiane Almeida de Souza


Instituto Brasileiro de Ensino

Bárbara Viana Villaça


Instituto Brasileiro de Ensino

RESUMO: A ideia de tal análise surgiu a partir do desenvolvimento do Projeto de Extensão


intitulado “Infâncias e Diversidade: A Influência da Escola no Processo de Construção de
Identidades Étnico-raciais” da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro -
UENF. O presente trabalho tem como objetivo identificar como é a imagem do negro nos
livros didáticos do Grupo Expoente aplicados na Educação Infantil da Rede Pública de
Campos dos Goytacazes,/ RJ, bem como essa imagem pode influenciar na elaboração de
preconceitos nas séries iniciais. Para a realização desta pesquisa utilizamos a abordagem
qualitativa, tendo como instrumentos de pesquisa a observação participante, conversas
informais, análise documental (livros didáticos) e pesquisa bibliográfica. Em minhas
observações como bolsista, acredito que o livro didático pode influenciar no processo de
formação de identidade e opinião das crianças ao abordarem a questão étnico-racial. Os
livros utilizados na escola onde ocorreu a pesquisa são do Grupo Expoente, de Curitiba –
Paraná. A determinação para a utilização desses foi da Prefeitura Municipal de Campos dos
Goytacazes. O intuito da análise do livro didático é mostrar como esse pode influenciar na
elaboração de conceitos, como suas imagens podem afetar o processo de formação de
identidade e quais impactos essas imagens podem causar. Portanto, pode-se considerar o
tema uma questão relevante, que muitas vezes não é observada e nem analisada como uma
importante fonte para a formação da identidade do indivíduo.
Palavras-chave: Livro didático. Criança negra. Identidade.

INTRODUÇÃO
Pensando na discriminação contra a população negra que vem se perpetuando há
séculos, os movimentos sociais em parceria com outros segmentos da sociedade tem lutado
para buscar soluções contra a tal discriminação. Nesse contexto, surgem várias alternativas
governamentais buscando diminuir as desigualdades sociais e raciais que essa população
tem sido submetida na sociedade brasileira e, dentre tais medidas, destacamos a
implementação da Lei 10.639/03 que busca inserir a história da população negra e dos
africanos nos currículos escolares das instituições públicas e privadas. Vale ressaltar a luta do
Movimento Negro para a conquista da equidade racial, o qual vem intervindo no sistema

147
educacional há anos devido a importância desse sistema como principal transmissora de
ideologias hegemônicas.
Com a implementação dessa lei, ficou determinada a inclusão nos currículos
escolares do ensino de História da África nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e
Médio, sendo públicos ou privados. Além disso, a Lei institui a data de 20 de novembro, no
calendário escolar, como dia da consciência negra. A partir disso, o Estatuto da Igualdade
Racial – EIR – Brasil (2010) assinala que “os conteúdos referentes à história da população
negra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar resgatando sua
contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural” (p. 14).
Pode-se dizer que essa lei apresenta-se como resultado de vários conflitos acirrados
por grupos excluídos, objetivando, por meio de políticas públicas, seus direitos e uma
correção de anos de violência e discriminação racial sofridos pelo simples fato de possuírem
tonalidade de pele diferente. Assim, espera-se alcançar uma educação de qualidade e
consciente, tendo como objetivo a formação de indivíduos com uma mentalidade voltada
para a construção de uma sociedade mais igualitária e menos pautada no preconceito.
Esse artigo tem por objetivo geral identificar como o negro é retratado nas imagens
dos livros didáticos aplicados na Rede Pública de Ensino de Campos dos Goytacazes e como
ela pode influenciar na elaboração de pré-conceitos e conceitos.
Como objetivos específicos busca-se analisar os livros didáticos da Educação Infantil,
na faixa etária de 5 anos de uma Escola Municipal do Município de Campos dos Goytacazes;
identificar as representações das imagens de personagens negros e negras presentes nos
livros didáticos e, por último, analisar os impactos dessas representações.
Para a realização desta pesquisa utilizamos a abordagem qualitativa, tendo como
instrumentos de pesquisa a observação participante, conversas informais, análise
documental (livros didáticos) e pesquisa bibliográfica embasada em teóricos que estudam a
questão da representação do negro nos livros didáticos, aos quais se destacam: Cavalleiro
(2000), Costa (2012), Silva (2011), Munanga (2003), dentre outros, que serão apresentados
ao longo desse estudo.

O LIVRO DIDÁTICO E SUAS IMPLICAÇÕES

148
A escola desempenha um importante papel na sociedade, é um espaço sociocultural
com indivíduos de diferentes grupos sociais, com instrumentos e métodos para a construção
do saber. Uma de suas ferramentas mais eficaz no processo de formação é o livro didático.
No Brasil, o livro didático entrou como pauta do governo no ano de 1938, quando foi
criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD). Seu objetivo era “examinar e julgar os
livros didáticos, indicar livros de valor para a tradução e sugerir abertura de concurso para a
produção de determinadas espécies de livros didáticos não existentes no país” (COSTA,
1989, p.13).
No decorrer dos anos, vários questionamentos rondaram o livro didático, como por
exemplo: seus conceitos estão corretos? São adequados? Diante disso, muitos acordos,
legislações e programas foram criados para responder tais questionamentos.
Sabe-se que o livro didático é utilizado nas escolas e, na maioria das vezes, é o único
material utilizado na construção de conhecimentos. Esse é de grande influência para a
construção e formação de identidade dos alunos, pois é embutido de conceitos, conteúdos e
ideologia que formam opinião. O livro didático consiste, também, em um instrumento para
as atividades escolares, sendo o professor o seu mediador.
De acordo com Silva (2005):

Em virtude da importância que lhe é atribuída e do caráter de verdade que


lhe é conferido, o livro didático pode ser um veículo de expansão de
estereótipos não percebidos pelo professor. O livro didático, de um modo
geral, omite ou apresenta de uma imagem simplificada e falsificada o
cotidiano, as experiências e o processo histórico-cultural de diversos
segmentos sociais, tais como a mulher, o branco, o negro, os indígenas e os
trabalhadores, entre outros (p.23).

Prevalecendo-se nos dias atuais, o livro didático influencia o cotidiano da sala de aula
e do trabalho pedagógico, por ele ser uma das principais fontes de consulta utilizadas pelos
alunos e professores. A partir disso, “é fundamental dispor de um livro didático diversificado
e flexível, sensível a variação das formas de organização escolar e dos projetos pedagógicos”
(MEC, 2003, p. 10).
Sendo assim, o livro didático pode influenciar no processo de formação de identidade
e opinião das crianças ao abordarem a questão étnico racial. Para tanto, vale ressaltar o

149
conceito de identidade que de acordo com Cavalleiro (2000, p. 19 apud Erikson, 1976, p. 46),
essa:

refere-se a um contínuo sentimento de individualidade que se estabelece


valendo-se de dados biológicos e sociais. O indivíduo se identifica
reconhecendo seu próprio corpo, situado em um meio que o reconhece
como ser humano e social. Assim a identidade resulta da percepção que
temos de nós mesmos, advinda da percepção que temos de como os outros
nos veem (p.19).

Nessa perspectiva, Cavalleiro (2000), afirma que “a identidade é concebida como um


processo dinâmico que possibilita a construção gradativa da personalidade no decorrer da
existência do indivíduo” (p. 19).
Os livros utilizados na escola onde ocorreu a pesquisa são do Grupo Expoente, de
Curitiba – Paraná. A determinação para a utilização desses foi da Prefeitura Municipal de
Campos dos Goytacazes, na qual todas as escolas da rede pública desse município utilizam-
se dele. Os livros são divididos em quatro volumes, sendo um para cada bimestre.
O Grupo Expoente iniciou sua trajetória com a Educação Infantil em 1987, em
Curitiba (PR). Hoje com soluções pedagógicas que incluem além do material didático da
Educação infantil ao Ensino Médio e EJA (Educação de Jovens e Adultos), materiais de apoio
ao professor e agendas escolares. Para o Expoente, “a escola é um espaço privilegiado de
convivência e formação e, por isso, lugar de construção e perpetuação de valores” (Portal do
Expoente).
O intuito da análise do livro didático é mostrar como esse pode influenciar na
elaboração de conceitos, como suas imagens podem afetar o processo de formação de
identidade e quais impactos essas imagens podem causar. Nesse contexto, cabe ressaltar, de
acordo com Teixeira (2009), que “o livro didático constitui um instrumento no processo de
socialização e de humanização, tendo o professor como mediador, serve de apoio às
atividades tanto aos professores como aos alunos” (p.395).
O negro, geralmente, aparece nas imagens dos livros didáticos a partir de caricaturas,
estereótipos negativos, criando uma imagem de subalterno em meio à sociedade. Ao
inferiorizar o negro e exaltar o branco, cria-se e expande-se a ideologia do branqueamento,
na qual, constitui-se a partir de relações de inferioridades e superioridades raciais. A criança

150
negra ao não se sentir como membro da sociedade, internaliza que é inferior aos demais e
que, o seu papel nessa, não tem importância e sentido. Ela nega a si própria e aos demais de
sua raça.
Nesse artigo, serão ilustradas algumas páginas dos quatro volumes dos livros em
questão que retrata o objetivo geral da presente análise.

Volume I
Na capa do livro (Figura 1), contém paisagens que fazem parte da cidade de Campos
dos Goytacazes. Esses locais destacados pelas fotos remetem ao leitor, em um primeiro
momento, uma identidade e noção de pertencimento, pois em algum momento já passaram
por um desses locais. Logo em seguida, vem a antecapa (Figura 2), na qual aparecem
crianças em roda fazendo desenhos. Nela só aparece uma menina negra, entre cinco
crianças.

Figura 1 Figura 2

É importante ressaltar, que quando a criança deixa o seu ambiente familiar e


caminha para o seu primeiro contato fora do mesmo, a primeira referência que essa possui é

151
a escola. Assim, de acordo com Severino (2010), “surge um mundo novo de diferentes
indivíduos, onde a criança busca se identificar e conhecer diferentes historicidades para
assim construir a sua própria identidade” (p. 12).
Nessa perspectiva, Sá (2010) relata que “o ambiente escolar é uma das instituições
formadoras de opinião que está repleto de identidades diversas, uma forma de micro
sociedade com uma diversidade étnica e cultural enorme” (p. 10). Sendo assim, este
ambiente tem “o compromisso de formar indivíduos íntegros, com valores, hábitos e
comportamentos que respeitem as diferenças” (Ibid.).
Na ilustração abaixo, que se encontra na página 30 (Figura 3), há várias crianças
representadas por meninas e meninos, dentre 30 crianças, apenas 4 são negras.

Figura 3

Por que não há mais crianças negras nessa ilustração? Como as crianças negras se
sentem ao notarem que sua imagem, em seu material de estudo, é mínima?
Desde as séries iniciais faz-se necessário ser trabalhado o conceito de diversidade,
podendo esse ser compreendido como, para Abramowicz (2006) “variedade, diferença e
multiplicidade. A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de

152
outra, a falta de igualdade ou de semelhança” (p. 12). Em suma, pode-se afirmar que onde
há diversidade há, também, diferença.
Os PCNs ao abordarem a questão da pluralidade cultural, acreditam ser, essa prática,
um desafio no contexto escolar, investindo assim, na caminhada contra todo o tipo de
discriminação. Observa-se que as escolas são instituições que possuem diversidade tanto
cultural como étnica, são formadoras de opinião e tem por responsabilidade, formar
cidadãos que respeitem as diferenças.
Portanto, como a criança negra irá se identificar com o seu meio social, se ela não é
representada nem mesmo pelo livro didático utilizado em sua escola? Como se sentir parte
da sociedade, na qual está inserida?
Sendo assim, Severino (2010) declara que a falta de materiais pedagógicos “de
qualidade, exemplificando com maior riqueza de detalhes, a história destes personagens, os
livros didáticos podem acabar acarretando na criança negra várias impressões” (p. 21).
Como por exemplo, “uma imagem negativa e de inferioridade sobre sua história e de si
mesmo refletindo na rejeição em se dizer negro, ou pertencer a este grupo, bem como, uma
baixa autoestima” (Ibid.).

Volume II
A estrutura da capa e da antecapa continuam a mesma (Figura 5 e figura 6). Como
pode-se ver a seguir:

153
Figura 4 Figura 5

154
Começando a análise do volume II, na página 46 (Figura 6) é importante observar,
que 29 trabalhando a família, mais especificamente a idade e a quantidade dos membros, é
mostrado, bem grande no centro na pagina, duas crianças brancas. A menina de olhos azuis,
e o menino que parece ser japonês. E as crianças negras? Não tem idade?
Na página 52 (Figura 7), de acordo com o enunciado, é proposto que as crianças
conversem com o professor sobre as imagens que são mostradas na questão. Essas são de
diferentes salas de aula, no entanto, não há presença de nenhuma criança negra. E ao final
dessa, uma pergunta: que semelhanças e diferenças você percebeu entre as imagens? Em
resposta a essa pergunta, pode-se evidenciar que uma semelhança é observada, sendo essa
sinalizada por ser constituída apenas por crianças brancas. Nos dois casos não há presença
da criança negra. Por qual motivo não representá-las, se essas também pertencem ao
ambiente escolar?

Figura 6 Figura 7

Na ilustração da página 67 (Figura 8), apresenta uma atividade escolar que as


crianças adoram, porém, nota-se que ocorre ainda a predominação da minoria de crianças
negras. Em tal página, a gravura apresenta um conjunto de seis crianças, sendo 5 crianças
brancas e apenas uma negra.

155
Figura 8

A questão não é a quantidade de crianças negras numa ilustração e sim o porquê de


não haver mais crianças negras representadas, sendo que há muitos alunos negros
presentes em escola pública. Por que ainda os brancos são a maioria nesses desenhos, se a
população brasileira é predominantemente negra? Por que o material didático não é feito de
acordo com a realidade?
Ao falar em minoria, Munanga (2005) relata que:

nas muitas ilustrações de grupos e multidões o elemento negro é tratado


como minoritário. Por isso, é importante e vale a pena ressaltar que o
professor pode estabelecer a comparação entre a ilustração e a realidade
do aluno, solicitando que este redesenhe, por exemplo, a ilustração em um
livro ou apostila de acordo com a realidade da sala de aula, do pátio da
escola, do bairro, da cidade, da rua onde mora, etc. (p.79).

Mediante os pontos abordados, entende-se o porquê da criança negra não sentir-se


representada no livro didático, tão pouco sua família ou algo que faça parte do seu
cotidiano. É nesse momento, que a escola juntamente com os professores, aliados aos livros
que abordem tal temática étnica de maneira democrática, podem trabalhar no intuito de
apresentar para seus alunos negros a sua história, a sua verdadeira identidade, e a
necessidade de respeitar o valor peculiar que cada povo e cada cultura possuem.

156
Volume III
Na imagem abaixo, pertencente a página 12 (Figura 9), na qual vários quadrinhos
representam uma história, tendo por objetivo formar a frase: a vida das pessoas depende da
natureza.

Figura 9

Analisando essas imagens, percebe-se que a proporção de crianças brancas é bem


maior, tendo apenas uma criança negra em meio a três crianças brancas. Nesse sentido, um
professor ao abordar esse tema em sala de aula, pode não perceber tal “desvantagem” e
propagar a superioridade dos brancos de forma involuntária.
Dando continuidade à análise, pode-se perceber que, na página 76 (Figura 10), o
tema é a higiene, sendo assim, não existe presença de crianças negras, todas as imagens são
protagonizadas por crianças brancas. Por que? Negros não tem higiene?

157
Figura 10

Na pesquisa realizada por Eliane Cavalleiro em 2000, ao entrevistar professoras da


Educação Infantil, foi percebido em alguns relatos, que várias professoras relacionaram o
preconceito ao cheiro. Nota-se essa relação quando Cavalleiro (2000) relata que as
professoras “Associam a negritute à falta de higiene. As entrevistadas destacam como
desagradável e ‘natural’ o odor do negro, associando-o à sujeira. O cheiro assume, nesse
discurso, a totalidade do indivíduo” (p. 51).
Sendo assim, pode-se constatar que o negro sofre todo e qualquer tipo de
discriminação. Nota-se, nas análises dos volumes anteriores, discriminações feitas a partir da
cor da pele, da inteligência, das condições de trabalho, entre outras, e agora, apresenta-se o
preconceito vinculado à sujeira. Quais serão os próximos fatores negativos que irão designar
e/ou caracterizar o negro? O que é mais alarmante, é que muitos desses fatores usados para
designar a população negra é advinda do ambiente escolar, como foi notado na experiência
de Eliane Cavalleiro.
Portanto, mesmo com todo o esforço da lei 10.639/03 em modificar os espaços
educativos, ideias, imagens e ações discriminatórias, ainda é muito fácil encontrar essas
ações no ambiente educacional, onde deveria reinar a inclusão de todos os indivíduos.

158
Volume IV
Apesar de estar sendo analisado o último volume, correspondente ao 4º bimestre
escolar, a estrutura permanece a mesma, sendo a capa e a antecapa iguais as dos volumes
anteriores.
Porém, neste volume encontra-se algo diferente, pois nas páginas 49 (Figura 11) e 50
(Figura 12), mãe e filho, ambos negros, protagonizam uma história.
Em meio aos quatro volumes do livro, essa é a primeira história em que negros são
protagonistas, ainda é muito pouco. Mas pode ser percebido, nas imagens, que os
personagens aparecem com cabeças e orelhas avantajadas, sendo, de alguma forma,
caricaturados. Coloca-se o negro como o personagem principal, mas não deixa-se de
estereotipá-lo.

Figura 11 Figura 12

Dessa forma, Costa (2012) discorre que:

Assim é que o fato de a imagem visual do negro ser mostrada


desproporcionalmente, em relação à imagem visual do branco, finda por
ratificar a noção de que a pessoa negra integra um grupo minoritário, numa
sociedade que seria, por sua vez, predominantemente branca ( p. 60).

159
A partir disso, uma temática que deve ser abordada e analisada é a formação
acadêmica dos professores, visando combater o racismo e gerar meios para a produção de
recursos didático-pedagógicos alternativos, voltados para a discussão do racismo,
discriminação racial e compreensão das desigualdades geradas por eles.
Um profissional bem capacitado será capaz de reverter, de maneira positiva, um
material didático equivocado, como também, colocar de modo criativo as competências que
os PCN’s indicam. Mas, para que esse trabalho seja mais efetivo, faz-se necessário recursos
didático-pedagógicos que apresentem novas possibilidades.
O objetivo de todo esse esforço teórico consiste na compreensão dos professores,
abordando de fato a particularidade da condição racial, e com isso, promovendo a
igualdade. Para Silva (2001), “é preciso compreender que a exclusão escolar é o início da
exclusão social das crianças negras”(p. 67).
Mesmo sendo repetitivo nessa análise, cabe ressaltar mais uma vez que o que
importa não é a quantidade de vezes ou crianças que aparecem em uma ilustração, mas o
que realmente importa é saber se o negro está sendo, de fato, abordado nos livros didáticos
da forma como ele é, sem caricaturas, deformações ou coisas do tipo.
Porém, pode-se perceber que a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da
História e Cultura Afro-brasileira e Africana em todas as escolas, públicas e particulares, do
Ensino Fundamental e Médio, ainda não foi “cumprida” pelos currículos ou pelos livros
didáticos, podendo ser notado na análise desses quatro volumes dos livros do Grupo
Expoente.
Portanto, sendo a escola um lugar privilegiado, é nela que deve ocorrer a promoção
da igualdade e eliminação de toda forma de discriminação e racismo, por possibilitar em seu
espaço físico a convivência de pessoas com diferentes origens étnicas, culturais e religiosas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após chegar ao final da análise desses quatro volumes, pode-se conjecturar que os
currículos escolares e os livros didáticos ainda não estão de acordo com a Lei 10.639/03,
ainda sendo o negro invisibilizado e caricaturado.

160
Sabe-se que na produção editorial ocorreram grandes avanços. Porém, há muito
ainda por fazer, sendo necessário a produção de materiais que buscam eliminar o
“etnocentrismo dos currículos escolares e na elaboração de uma metodologia de tratamento
da diversidade racial no ambiente escolar”. (SANTOS, 2001, p. 109)
Apesar do livro didático ainda apresentar tais problemas, existem livros paradidáticos
sendo produzidos para tratar o tema, como por exemplo, Menina Bonita do Laço de Fita, O
Menino Marrom, O Menino Nito, entre outros.
O livro didático é uma importante ferramenta utilizado na construção de
conhecimentos, logo, este não pode ser indiferente a realidade e nem “passar” um conceito
de inferiorização.
Analisando estes livros como um aluno negro, ao abri-lo, se sente em não se vê nas
imagens desse o qual é utilizado diariamente, percebendo que quando aparece nas imagens
é de uma forma estereotipada, com caricaturas, associados à coisas maléficas, intitulado
como incapaz intelectualmente?
A escola apresenta dificuldade de se reconhecer como principal difusora do racismo,
mesmo reconhecendo que seu instrumento mais utilizado, o livro didático, é uma
ferramenta que amplia e divulga estereótipos e visões discriminatórias. Ela passa essa
responsabilidade para a própria criança e para a família, sem considerar que a discriminação
racial tem sido identificada como um fator contribuinte para a evasão escolar.
A discriminação acaba por acarretar várias consequências, como: prejudica o
rendimento escolar, induz a baixa autoestima, cria a possibilidade de repetência e diminui a
frequência dos alunos negros as salas de aula.
Também é importante ressaltar o silêncio dos professores diante de tais ações de
desrespeito ao negro, promovidas pelo livro didático e por toda a sociedade escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOWICZ, Anete. Trabalhando a diferença na educação infantil. São Paulo:
Moderna, 2006.
BRASIL. LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial;
Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, n. 138. 21jul. 2010. Seção 1,

161
p. 1-144. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2010/Lei/L12288.htm> Acesso em 23 jul. 2013.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo,
preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000.
COSTA, Wanderley Ferreira da; FREITAG, Bárbara; MOTTA, Valéria Rodrigues. O livro
didático em questão. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. p. 159.
COSTA, Kátia Regina Rabello da. De quando a pluralidade revela a invisibilidade. ____ In:
Mídia e Racismo / Roberto Carlos da Silva Borges e Rosane Borges (orgs.). – Petrópolis, RJ:
DP et Alii ; Brasília, DF : ABPN, 2012. 248p. (Negras e Negros : Pesquisa e Debates).
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Introdução Geral. Guia de livros didáticos de 1ª a 4ª séries –
PNLD/2004. Brasília: Ministério da Educação, 2003. p. 9-29.
MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação,
2005. 204 p.
Portal do Grupo Expoente. Disponível em:
<http://www.expoente.com.br/pub/index.pub.php?s=conteudo&contid=3&subcontid=7>
Acesso em: 23 de jun. de 2013.
SANTOS, Isabel Aparecida dos. A responsabilidade da escola na eliminação do
preconceito racial: alguns caminhos. _______. In: Racismo e anti-racismo na educação:
repensando nossa escola. / Eliane Cavalleiro (organizadora). – São Paulo: Selo Negro, 3ª
edição. 2001.
SÁ, Welligton Santana Moraes de. A presença do negro no livro didático de história do
ensino fundamental: uma primeira análise / Wellington Santana Moraes de Sá. – 2010. 31 f.
Monografia (Licenciatura em Pedagogia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Formação de Professores. São Gonçalo.
SEVERINO, Renata Alexandre. A formação da identidade da criança negra no contexto
escolar. Criciúma, 2010.
SILVA, Ana Célia da. A desconstrução da discriminação no livro didático.______In.
Superando o racismo na escola. 2º edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. –
[Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2005. 204p.

162
SILVA, Maria Aparecida da. Formação de educadores/as para o combate ao racismo:
mais uma tarefa essencial. _______ In: Racismo e anti-racismo na educação: repensando
nossa escola. / Eliane Cavalleiro (organizadora). – São Paulo: Selo Negro, 3ª edição. 2001.
TEIXEIRA, Rosana. A representação social do negro no livro didático de história e língua
portuguesa. SEED. Disponível em: <
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2079_1091.pdf> Acesso em:
15 ago. 2013.

163
SOFISMAS DA ATUALIDADE

Hélia Coelho Mello Cunha


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

RESUMO: A maioria dos textos originais escritos pelos sofistas foram perdidos, e nossa
compreensão moderna do movimento sofista vem da crítica de Platão que dizia que a
transmissão dos ensinamentos feita por eles reduzia-se a comércio interesseiro de saberes
memorizados, retóricos e relativos. Por causa dessa prática de pensamento, com o tempo, o
termo “sofisma” foi adquirindo uma conotação pejorativa, passando a significar um
argumento usado para apresentar uma ilusão de verdade e induzir o auditório ao engano.
Não nos interessa, neste texto, avaliar as críticas feitas aos sofistas. Nosso objetivo é
destacar que é importante, em um mundo no qual há tantas verdades, que os professores,
principalmente os de Leitura, transmitam o conhecimento dos sofismas aos seus alunos para
que possam evitar armadilhas lógicas na própria argumentação e sejam capazes de analisar
a argumentação alheia, evitando serem manipulados por algum “sofista” da atualidade.
Através da apresentação e análise dos vários sofismas em textos publicitários e declarações
da atualidade veiculados em jornais, revistas, televisão, internet, observamos que os alunos
argumentam melhor e desenvolvem senso crítico; capacidades essenciais para serem
cidadãos participantes na sociedade pluralista em que vivemos.
Palavras-chave: Ensino. Sofismas. Leitura. Produção Textual.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ainda que cometamos um número infinito de erros, só há, na verdade, do


ponto de vista lógico, duas maneiras de errar: erramos raciocinando mal
com dados corretos ou raciocinando bem com dados falsos. (Haverá,
certamente, uma terceira maneira de errar: raciocinando mal com dados
falsos). O erro pode, portanto, resultar de um vício de forma - raciocinar
mal com dados corretos - ou de matéria - raciocinar bem com dados falsos
(Othon M. Garcia).

Chamam-se sofistas alguns dos pensadores, oradores e professores de argumentação


da Grécia do século V a.C. (e do início do século seguinte). Foram caracterizados por Platão
como impostores, caçadores interessados em jovens ricos, comerciantes didáticos e atletas
em combates verbalísticos, purificadores de opiniões, malabaristas de argumentos mais
verosímeis do que verdadeiros e mais sedutores do que plausíveis.
Para o paradigmático entendimento que Platão fez dos sofistas, a transmissão dos
ensinamentos por eles reduz-se a comércio interesseiro de saberes memorizados, retóricos
e sempre relativos. As críticas apresentadas por Platão, ainda hoje, ecoam nas mentes
164
humanas, por isso, muitos que utilizam sofismas em suas argumentações são considerados
“os sofistas da atualidade”.
Os argumentos sofísticos existem até hoje. Mas, o que é um sofisma?
O sofisma decorre de uma falha de quem argumenta e tem como objetivo induzir a
audiência ao engano. Quem usa sofismas sabe o que está fazendo quando, por exemplo,
tenta nos empurrar uma conclusão para a qual não dispõe de dados ou demonstrações
suficientes. Os sofismas podem ter validade emocional, íntima, psicológica ou emotiva, mas
não validade argumentativa.
Gustavo Bernardo3 (2009) declara:

Lá pelo século V, sofismas eram as teses defendidas pelos sofistas. Naquela


época, os sofistas atuavam como professores, ensinando aos filhos das
famílias nobres, e estavam preparados, como os advogados modernos, para
mostrar de que maneira se argumenta contra ou a favor de qualquer
opinião. Os sofistas seguiam um argumento aonde quer que ele os levasse,
sem se preocuparem com considerações pessoais, morais, cívicas ou
religiosas.
Por conta dessa prática de pensamento livre, talvez livre demais, com o
tempo o termo “sofisma” foi adquirindo uma conotação pejorativa,
passando a significar um argumento usado para enganar e não para
esclarecer ou chegar à verdade. Alguns filósofos dizem que “sofisma” é um
argumento com dolo, isto é, construído com a intenção consciente de
enganar o interlocutor, enquanto que “falácia” seria um argumento sem
dolo, isto é, construído sem a intenção de enganar, mas enganoso do
mesmo jeito. (...)
É importante estudar os sofismas por duas razões: primeiro, para perceber
quando os argumentos alheios estão tentando nos enganar e nos enrolar;
segundo, para não cometermos sofismas na nossa redação, por pressa,
preguiça ou ignorância.

O objetivo deste artigo é conscientizar professores de escolas brasileiras, através de


alguns exemplos atuais, sobre a importância da abordagem dos tipos de sofismas nas aulas
de leitura a fim de que os alunos possam, através desse conhecimento, evitar armadilhas
lógicas na própria argumentação e analisar a argumentação alheia, evitando serem
manipulados por “sofistas” da atualidade.

3
Um sofisma é um sofisma? Disponível em http://www.revista.vestibular.uerj.br/ coluna/coluna.php?
seq_coluna=25 Ano 2, n. 4, 2009. Acesso em 20/11/2014.

165
A seguir, apresentaremos alguns tipos de sofismas e exemplos da atualidade que
podem ser utilizados nas aulas de leitura das escolas do Ensino Médio de nosso país.

SOFISMAS EM TEXTOS DA ATUALIDADE


Em seu livro “Aprendendo Lógica” Cleverson Bastos e Vicente Keller nos ensinam que
sofismas ou falácias “são raciocínios que pretendem demonstrar como verdadeiros
argumentos logicamente falsos. Sua eficiência consiste em transferir a argumentação do
plano lógico para o psicológico ou linguístico, servindo-se da linguagem, que pode ser usada
tanto de modo expressivo como de modo informativo, visando assim despertar emoções e
sentimentos que dão anuência a uma conclusão, mas não convencem logicamente.” (1994,
p. 22).
Para Bastos e Keller (1994:28) os sofismas podem ser reunidos em dois grupos: o
lógico e o linguístico. No grupo lógico, estão relacionados com a transferência para o plano
psicológico. No segundo caso, isto é, no grupo linguístico, “trata-se da transferência do plano
lógico para o plano das funções dialógicas da linguagem”. Fazem parte do grupo lógico:
conclusão irrelevante, petição de principio, círculo vicioso, falsa causa, causa comum ou
omissão de provas, generalização apressada, acidente, argumento contra o homem, recurso
à força, apelo à ignorância, apelo à piedade, apelo ao povo, apelo à autoridade, pergunta
complexa e outros. Os do grupo linguístico se referem à transferência do plano lógico para o
plano das funções dialógicas da linguagem. Alguns deles: equívoco, ênfase, anfibiologia,
composição, divisão.

SOFISMAS LÓGICOS
Sofisma da explicação /âmbito limitado – este sofisma ocorre quando o enunciador
só explica um fenômeno sobre o tema que está defendendo e nada mais.
O ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, sobre a proibição de drogas,
declarou: “Eu diria às mães: o fato de o fruto ser proibido é que dá mais vontade no seu filho
de experimentá-lo. E diria que elas têm de falar que a droga pode fazer mal, mas sem
demonizá-la” (Veja 07/10/2010). Este argumento é um sofisma porque ele apresentou
apenas um motivo para liberação das drogas, ignorando todos os outros.

166
Depois do fato, portanto devido a ele – é o erro de acreditar que porque um evento
precede outro, o primeiro deve causar o segundo. Este sofisma é muito utilizado na
atualidade. Vejamos alguns exemplos:

Veja, 17/12/2008. Reverendo anglicano Joabe Cavalcanti,


Brasileiro, morador de Londres. 2010.

Conclusão irrelevante: consiste em afirmar que um argumento suporta uma


conclusão em particular, quando, na verdade, não há qualquer relação lógica entre eles.
Ocorre quando se conduz a argumentação para uma conclusão que não é garantida pelas
considerações em questão; a conclusão não tem nada a ver com o contexto em questão.
A intenção é confundir o interlocutor. A declaração da atual presidente Dilma sobre a
legalização do aborto exemplifica esta situação argumentativa:

Dilma Rousseff Outubro/2010

Ataque pessoal: Ataca-se a pessoa que apresentou um argumento e não o


argumento. Em setembro de 2010, durante um comício na cidade de Campinas, o então

167
presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, ao responder a acusação dos candidatos
tucanos (do PSDB) à Dilma Rousseff, candidata à sua sucessão, de que ela estaria envolvida
em escândalos no governo, declarou: “Os tucanos têm bico grande para falar e bico pequeno
para fazer. Eles são tão sabidos que acham que nasceram sabendo das coisas”.
Falsa analogia: entre as situações apresentadas como semelhantes, há muito muitas
diferenças que semelhanças.

Revista Época, 9/07/2008 (2009/2010)

Generalização apressada: é tirar uma conclusão com base em evidências


insuficientes, julgar todas as coisas de um determinado universo com base numa
amostragem muito pequena. É o caso em que a exceção é considerada como regra.

“No país da fofoca, opinião é tabu"


(Lobão - Janeiro 2010)

Apelo ao medo: o argumento apresentado baseia-se apenas no medo que é incutido


no receptor da mensagem.

168
Dia 3 de maio. Dia Mundial da Liberdade de imprensa.
Dia de alerta para que isso não volte a acontecer.

Apelo à força: o auditório é informado de que consequências desagradáveis se


seguirão à discordância com o autor. No exemplo apresentado, Gabeira deveria ter
apresentado justificativas para não haver o reajuste; no entanto, ele ameaça Aldo e Renan.

Apelo a preconceito: termos carregados e emotivos são usados para ligar valores
morais à crença na verdade da proposição. Nos anúncios publicitários, apresentados a
seguir, a ideia implícita é a de que quem não adquirir a agenda não será nem graciosa, nem
bela e nem forte, e o homem que não usar a lâmina da Gilette Mach 3 (“Seja o melhor
HOJE”) não será o melhor:

169
Apelo à piedade: a aprovação do auditório é solicitada com base no estado lastimável
do enunciador.

Apelo à autoridade: a pessoa que vende o produto não está qualificada para ter uma
opinião de perito no assunto. Com certeza, a atriz que recomenda a universidade, no
anúncio, não é uma autoridade no assunto para ser digna de confiança.

170
(2005)

Apelo à tradição: o argumento fundamental é “quanto mais antigo, melhor”. “Só uma
cerveja com tanta tradição poderia reproduzir hoje a mesma excelência de sempre” foi o
único argumento apresentado no anúncio da cerveja Bohemia para defender a ideia de que
o produto é bom. Apelou-se para a tradição apenas.

BOHEMIA – A 1ª CERVEJA DO BRASIL

Sofisma de estatística: não sabemos como foram feitos os testes, ou quais as


referências comparativas para admitir o sentido de “A marca número 1 em recomendação
dos dentistas”, por exemplo, no anúncio da Colgate e “A marca mais usada pelos dentistas”
no da Oral-B.

171
Outro exemplo é o da notícia apresentada na primeira página do jornal O GLOBO em
2011:

Fonte: http://emirlarangeira.blogspot.com.br/2011_11_01_archive.html. Acesso 21/11/2014

Se considerarmos que, em 2011, existiam 17 UPPs localizadas na área de 38 bairros


do Rio de Janeiro (a maioria na zona Sul) em um universo de 160 bairros na capital, 90 em
São Gonçalo, 48 em Niterói e 91 em Nova Iguaçu, podemos perceber que estes dados são
utilizados, de forma indevida, para apresentar uma realidade falsa, já que, só nestas regiões
citadas, teríamos um total de 229 bairros sem UPPs.
Ladeira escorregadia: argumento sugerindo que se nós permitirmos que algo
aconteça, consequentemente uma outra coisa acontecerá, com certeza ou com boa

172
probabilidade, seguida ainda de outra coisa, e assim por diante, descendo uma “ladeira
escorregadia”, até chegar a uma situação claramente indesejável.
Vejamos este exemplo de argumentação apresentada pelo presidente Lula ressaltando
o quanto a decisão dos consumidores de evitarem as compras poderia agravar a situação
financeira do país: "É preciso alguém dizer para ele [o consumidor] que ele vai perder o
emprego exatamente por não comprar. Na hora em que ele não compra, a indústria não
produz, o comércio não vende e em algum lugar vai estourar. E vai estourar exatamente na
produção industrial". (VEJA-05/12/2008)
Mais um exemplo:

(2014)

Falso dilema – O argumentador oferece um número limitado de alternativas quando,


na verdade, há mais.

Círculo vicioso ou raciocínio circular- tanto o ponto de partida quanto a conclusão


carecem de demonstração. Um argumento é demonstrado pelo outro, formando assim um
círculo. Exemplo: “Homossexuais não devem exercer cargos públicos. Ou seja, qualquer
funcionário público que se revele um homossexual deve ser despedido. Por isso, eles farão

173
qualquer coisa para esconder seu segredo, e assim ficarão totalmente sujeitos a vantagens.
Consequentemente, não se deve permitir homossexuais em cargos públicos”.

SOFISMAS LINGUÍSTICOS
Sofisma da ênfase: são gerados pela ênfase dada a uma determinada palavra
gerando, através deste artifício, mais de um sentido para o que foi dito. Neste caso, há duplo
sentido pelo uso da palavra. Na capa da revista apresentada abaixo, a palavra
“IRRESPONSÁVEL”, colocada em destaque, gera este duplo sentido: a revista considera a
candidata como tal ou são apenas os tucanos e alguns petistas?

(ISTOE, 06/04/2008)

Sofisma da anfibiologia: é gerado pela falta de clareza no uso de uma frase ou palavra,
admitindo mais de um sentido para o que foi dito.

174
(Primeira página do jornal HORA DE NOTÍCIAS, 02/12/2011)

Equívoco: trata-se de quando um termo muda de sentido ou de propriedade no


decurso de um raciocínio. Consiste em utilizar-se de um termo que, por ser polivalente, pode
provocar no ouvinte, intencionalmente, uma representação mental diversa, levando-o a
concluir falsamente. Exemplo: “Os assassinos de crianças são desumanos. Portanto, os
humanos não matam crianças”.
Sofisma da composição: ocorre quando se atribui, à classe como
Um todo, uma propriedade presente nos elementos individuais desse todo. “Este caminhão
é composto apenas por componentes leves, logo ele é leve também”.
Sofisma da divisão: assume que uma propriedade do todo é aplicada a cada parte.
“Você deve ser rico, pois estuda em um colégio de ricos.” ou “Formigas destroem árvores.
Logo, esta formiga pode destruir uma árvore” são exemplos deste sofisma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da apresentação e análise dos vários sofismas em textos publicitários e
declarações da atualidade veiculados em jornais, revistas, televisão, internet, ilustramos,
neste trabalho, a importância deste assunto nas aulas de leitura das escolas brasileiras.
Através da abordagem deste assunto, cremos que os alunos poderão argumentar melhor e
desenvolver senso crítico; capacidades essenciais para serem cidadãos participantes na
sociedade pluralista em que vivemos.

175
REFERÊNCIAS
ANDRADE, José Rogério de Pinho. Falácias ou Sofismas. Disponível em
<http://jrparoge.blogspot.com.br/2011/11/falacias-ou-sofismas.html> Acesso em
23/11/2014.
BASTOS, Cleverson L & KELLER, Vicente. Aprendendo Lógica. Vozes, 1994.
BERNARDO, Gustavo. Um sofisma é um sofisma? Disponível em
<http://www.revista.vestibular.uerj.br/coluna/coluna.php?seq_coluna=25> Ano 2, n. 4,
2009. Acesso em 20/11/2014.
______. Redação Inquieta. 5ª ed. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2000.
SAMEIRO, Julio. (Tradução e adaptação). Guia das falácias de Stephen Downes. In
<http://criticanarede.com/falacias.htm>.
GARCIA, Othon. Comunicação em prosa moderna. 7. ed. rev. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1978.

176
O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA
REFLEXÃO NECESSÁRIA

Monique Teixeira Crisóstomo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Andressa Teixeira Pedrosa


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Eliana Crispim França Luquetti


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar de que forma o uso do livro didático
pode contribuir para que o ensino de Língua Materna seja mais produtivo. Para isso, fizemos
algumas considerações sobre o manual didático, de que maneira ele é concebido pelo
professor de Língua Portuguesa e como se dá a sua utilização em sala de aula. Desse modo,
faz-se necessário conhecer de que forma esses LDs se apresentam. Para isso, fizemos a
análise de quatro livros didáticos de Língua Portuguesa, a fim de entender de que maneira
os gêneros textuais são trabalhados, sua sequência didática e abordagem dos conteúdos
nesses manuais. Para a realização desta pesquisa, utilizamos os pressupostos teóricos da
Linguística, da Análise do Discurso e dos estudos sobre os livros didáticos, valendo-se dos
seguintes teóricos: Coracini (2011), Citelli (2005), Soares (1986), Travaglia (2009 e 2011),
Batista e Rojo (2003), Bagno (2009), dentre outros.
Palavras-chave: Livro didático. Língua portuguesa. Ensino.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nos últimos anos, o trabalho com gêneros textuais em sala de aula vem sendo
bastante discutido entre pesquisadores da área de Língua Portuguesa. Essas discussões
tornaram-se mais conhecidas pela maioria dos educadores a partir da abordagem realizada
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN).
Os PCN visam adotar o texto como unidade de ensino e os gêneros textuais como um
objeto mediador no processo da aprendizagem. Assim, o documento reconhece a
importância de o educando e o educador perceberem a função social da língua e que seu
uso, mediante cada situação de interação comunicativa, passa a possuir características de
um determinado gênero textual.
Desse modo, o livro didático (LD) acaba por ser o recurso mais utilizado pelos
educadores em suas aulas ao abordarem os gêneros textuais e não consegue abranger

177
todos, nem mesmo relacioná-los à vivência da maioria dos alunos, pois trata-se de um
material construído para atender às classes de maneira generalizada.
A utilização dos gêneros está vinculada às questões de uso da língua e,
consequentemente, às questões socioculturais. Trabalhar com gêneros textuais é trabalhar
com a língua em uso, com as diversas maneiras com que ela se manifesta e em sua real
situação de interação comunicativa. Logo, os fatores que distinguem os gêneros textuais são
bem mais de cunho social e comunicativo que de cunho formal.
Dessa maneira, ao abordar o tema, o docente acaba por ampliar a competência
textual e discursiva em seus alunos, deixando de trabalhar fatos meramente isolados, sem
estabelecer relação com o texto (NICOLAU, 2012, p.11).
Assim, se os educadores começassem a refletir sobre o trabalho com gêneros a partir
de uma visão funcionalista, que valorizasse a língua em efetiva situação de comunicação, o
educando passaria a relacionar a teoria à sua prática cotidiana e o processo da
aprendizagem seria mais produtivo, visto que ele passaria a refletir sobre os fenômenos
linguísticos de seu idioma.
Para a realização desta pesquisa, utilizamos os pressupostos teóricos da Linguística e
dos estudos sobre os livros didáticos, valendo-se dos seguintes teóricos: Marcushi (2000 e
2008), Koch (2004 e 2012), Antunes (2002), Nicolau (2012), dentre outros.

GÊNEROS TEXTUAIS E LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA


Os estudos sobre os gêneros textuais (GTs) ganharam mais destaque a partir de 1998,
com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – que abordavam o assunto
na prática da sala de aula e como elemento de fazer da aprendizagem um processo mais
construtivo e concreto para o educando, a fim de ampliar sua competência textual e
comunicativa.
Desse modo, o recurso mais utilizado na escola para se abordarem os GTs é o livro
didático (LD), que, na maioria das vezes, é tido como único material a ser utilizado e como
fonte de legitimação do conhecimento.
Para Marcushi (2000, p.10), o problema já não é mais a ausência da abordagem do
tema GTs nos manuais didáticos ou na escola, e sim a forma como o conteúdo é explorado

178
pelos educadores, não devendo perder a “concepção sócio-interativa da língua” e a noção
de texto “enquanto fenômeno empiricamente realizado nos discursos cotidianos”.
Vale ressaltar que o texto está sempre em diálogo com outros textos, pois resulta de
uma atividade discursiva e, segundo Nicolau (2012, p. 82), “se organiza em função de suas
intenções comunicativas dentro de um determinado gênero, tipos relativamente estáveis de
enunciados historicamente determinado”.
Assim, explorar os GTs na sala de aula é trabalhar com a língua em seu uso efetivo e
das mais diversas formas, pois eles “são um artefato cultural importante como parte
integrante da estrutura comunicativa de nossa sociedade” (MARCUSHI, 2008, p. 149).
Para a Linguística Funcionalista, a língua deve ser valorizada a partir de seu uso
efetivo e das diversas situações de comunicação em que o falante está inserido.
Consequentemente, nessa mesma visão, o ensino de língua deve estar pautado nas
interações comunicativas, em que o educador deve valorizar a bagagem linguística com que
o aluno chega à escola, valorizando assim a sua competência linguística.
Segundo Furtado da Cunha e Tavares (2007, p.157),

a língua é determinada pelas situações de comunicação real, em que


falantes reais interagem e, consequentemente, seu estudo não pode se
resumir à análise de sua forma, já que essa forma está relacionada a um
significado e a serviço do propósito pelo qual é utilizada, o que depende de
cada contexto específico de interação.

Desse modo, o trabalho com os GTs seria uma forma de o docente (re)pensar sua
proposta de trabalho com LM em sala de aula, uma vez que os gêneros textuais se
determinam de acordo com o uso efetivo da língua, mediante suas variedades linguísticas e
as questões socioculturais.
Para Koch (2004, p. 162), os gêneros podem servir como

[...] modelos sociocognitivamente construídos, a partir da vivência em


sociedade, que representam os conhecimentos, propósitos, objetivos,
perspectivas, expectativas, opiniões e outras crenças dos interlocutores
sobre a interação em curso e sobre o texto que está sendo lido ou escrito,
bem como sobre propriedades do contexto, tais como tempo, lugar,
circunstância, condições, objetos e outros fatores situacionais que possam
ser relevantes para a realização adequada do discurso.

179
Logo, percebe-se mais uma vez que a caracterização dos GTs está influenciada pelo
contexto social, pela cultura da comunidade linguística. Assim, os gêneros estão repletos de
estratégias convencionais para se atingir um determinado objetivo, um objetivo linguístico
específico. Para Marcushi (2008, p.150), “cada gênero textual tem um propósito bastante
claro que o determina e lhe dá uma esfera de circulação”, pois “todos os gêneros têm uma
forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá
basicamente pela função e não pela forma”.
Desse modo, o trabalho com os GTs é um meio de se trabalhar com a
interdisciplinaridade na escola, uma vez que envolve os âmbitos social e cultural, não
possuindo uma estrutura rígida para sua caracterização e por envolver as variedades
linguísticas.
Ainda em consonância com Marcushi (2008, p. 151),

o estudo dos gêneros textuais é hoje uma fértil área interdisciplinar, com
atenção especial para a linguagem em funcionamento e para as atividades
culturais e sociais. Desde que não concebamos os gêneros como modelos
estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e
cognitivas de ação social (Miller, 1984) corporificadas na linguagem, somos
levados a ver os gêneros como entidades dinâmicas, cujos limites e
demarcação se tornam fluidos.

Dessa maneira, é impossível conseguir quantificar todos os GTs existentes, pois eles
se classificam mediante as diversas situações de uso efetivo da língua, ou seja, de acordo
com suas variedades linguísticas e seu uso. Assim, tornam-se heterogêneos devido às
inúmeras possibilidades de uso e de interação sociocomunicativa.
Segundo Koch (2012, p. 55),

todas as nossas produções, quer orais, quer escritas, se baseiam em


formas-padrão relativamente estáveis de estruturação de um todo a que
denominamos gêneros. Longe de serem naturais ou resultado da ação de
um indivíduo, essas práticas comunicativas são modeladas/remodeladas
em processos interacionais dos quais participam os sujeitos de uma
determinada cultura.

Para Marcushi (2008, p.154), seria praticamente impossível comunicarmos sem


utilizar os gêneros textuais, pois “toda a manifestação verbal se dá sempre por meio de

180
textos realizados em algum gênero”. Com esta mesma concepção, Bakthin (apud KOCH,
2012, p. 57) afirma que

se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se


tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos
de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria
quase impossível.

Assim, os GTs estão presentes em todos os atos de nossa comunicação, a cada


situação de interação sociocomunicacional de nosso cotidiano.
Na visão Funcionalista da linguagem, todo trabalho com textos deve estabelecer
conexão com a realidade dos alunos, a fim de não desvincular o processo da aprendizagem
da realidade do educando.
De acordo com Cunha (apud MARTELOTTA, 2008, p.158),

na análise de cunho funcionalista, os enunciados e os textos são


relacionados às funções que eles desempenham na comunicação
interpessoal. Ou seja, o funcionalismo procura essencialmente trabalhar
dados reais de fala ou escrita retirados de contextos efetivos de
comunicação, evitando lidar com frases inventadas, dissociadas de sua
função no ato da comunicação.

Sabemos que os GTs não são estruturas fixas e estáveis, pois se manifestam de
acordo com as situações de uso da língua, podendo sofrer mudanças mediante esse
contexto de interação comunicativa.
Para Koch (2008, p. 58),

como qualquer outro produto social, os gêneros textuais não são formas
fixas, mas estão sujeitos a mudanças, decorrentes das transformações
socais, de novos procedimentos de organização e acabamento da
arquitetura verbal, bem como de modificações conforme o lugar atribuído
ao ouvinte.

Dessa maneira, o ensino de língua pautado no trabalho com os GTs estaria


relacionado a estudá-la como um fato social, como um fenômeno que se modifica de acordo
com o uso, com as diversas situações de comunicação e não como um mecanismo isolado.
Logo, cabe ao educador buscar atividades que mais se aproximam da realidade de seus
alunos, explorar os GTs que mais utilizam em seu cotidiano, a fim de tornar o processo da

181
aprendizagem algo concreto e produtivo. É importante que o professor traga para a sala de
aula a diversidade dos gêneros e que os relacione com o ambiente sociocultural dos
educandos, com o intuito de que eles ampliem suas competências textual e comunicativa.
Para Koch (2008, p. 61),

dominar um gênero consistiria no próprio domínio da situação


comunicativa, domínio esse que se pode dar por meio do ensino das
aptidões exigidas para a produção de um gênero determinado. O ensino
dos gêneros seria, pois, uma forma concreta de dar poder de atuação aos
educadores e, por decorrência, aos seus educandos. Isso porque a maestria
textual requer – muito mais que os outros tipos de maestria – a intervenção
ativa de formadores e o desenvolvimento de uma didática específica.

Percebe-se, pois, que um ensino voltado para o trabalho com os GTs, sob a visão da
Linguística Funcionalista e Textual, só acrescenta na formação dos educadores como dos
alunos, uma vez que se valoriza a língua em real situação de comunicação, em seus mais
diversos usos, pois, como elucida Marcushi (2008), não nos comunicamos sem utilizar um
determinado gênero.
Koch (2008, p. 62) enfatiza que

as diversas práticas de linguagem podem ser relacionadas, no ensino, por


meio dos gêneros – vistos como formas relativamente estáveis tomadas
pelos enunciados em situações habituais, entidades culturais intermediárias
que permitem estabilizar os elementos formais e rituais das práticas de
linguagem. Os gêneros ligados a cada uma dessas práticas são um termo de
referência intermediário para a aprendizagem, uma “megaferramenta” que
fornece um suporte para a atividade nas situações de comunicação e
constitui uma referência para os aprendizes.

Segundo Antunes (2002, p.71), há várias vantagens de se trabalhar com os GTs, mas
as principais são:

a) a apreensão dos "fatos linguísticos-comunicativos" e não o estudo de


"fatos gramaticais", difusos, virtuais, descontextualizados, objetivados por
determinações de um "programa" previamente fixado e ordenado desde as
propriedades imanentes do sistema linguístico;
b) a apreensão de estratégias e procedimentos para promover-se
adequação e eficácia dos textos, ou o ensino da língua com o objetivo
explícito e determinado de ampliar-se a competência dos sujeitos para
produzirem e compreenderem textos (orais e escritos) adequados e
relevantes;

182
c) a consideração de como esses procedimentos e essas estratégias
refletem-se na superfície do texto, pelo que não se pode,
inconsequentemente, empregar quaisquer palavras ou se adotar qualquer
sequência textual;
d) a correlação entre as operações de textualização e os aspectos
pragmáticos da situação em que se realiza a atividade verbal;
e) ampliação de perspectivas na compreensão do fenômeno linguístico,
superando-se, assim, os parâmetros demasiados estreitos e simplistas do
"certo" e do "errado", como indicativos da boa realização linguística.

Assim, o que importa não é somente ensinar as regras gramaticais de um


determinado idioma e sim a forma como ele se manifesta em cada situação de uso, mostrar
que toda língua possui variedades e o que definirá seu uso é o contexto sociocomunicativo.
O trabalho com os gêneros textuais permite, pois, que o educando perceba que a
língua se modifica, que é variável e não homogênea. A partir dessa abordagem, o aluno
passa a (re)pensar sobre os fenômenos linguísticos e a desenvolver sua competência textual
e comunicativa.
Desse modo, vale salientar mais uma vez que os livros didáticos exercem papel
importante no trabalho realizado na sala de aula, visto que é um material fácil e prático de
ser utilizado por ser um recurso que já vem “pronto” para o professor. Cabe, no entanto, ao
docente ter a consciência de que nenhum LD será completo e que não atenderá às
necessidades de sua clientela, que o uso desse recurso deverá passar por reflexões e ser
complementado por outros materiais.
Sabemos que, na atualidade, os livros didáticos já passaram por reformulações, mas
ainda têm muitas modificações e abordagens a serem (re)pensadas. É notório que os LDs já
contemplam uma maior abordagem de gêneros textuais, por exemplo, mas que estes nem
sempre são trabalhados pelo professor e muito menos enfatizam todas as modalidades e
níveis da língua. Desse modo, o ensino de língua torna-se um ato mecânico, pois não leva os
alunos a refletirem sobre os fenômenos linguísticos que emergem no dia a dia.

OS LIVROS DIDÁTICOS E AS ABORDAGENS TEXTUAIS


Nesta pesquisa, fizemos a análise da coleção Português linguagens, dos autores
Willian Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães e também a coleção Linguagem em

183
movimento, de Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchillo. Nosso objetivo é observar de
que forma os gêneros textuais são apresentados na coleção.

 Análise da coleção Português Linguagens


A coleção Português linguagens, da editora Saraiva, é formada por três volumes, um
para cada série do Ensino Médio. Cada volume apresenta-se dividido em três partes
fundamentais: Língua, Literatura e Produção de texto. De acordo com a resenha do guia do
Livro didático, produzido pelo MEC, a coleção possui boa articulação entre os eixos de
ensino. Ainda que tenha essa consideração, observamos que as três partes trabalhadas,
Língua, Literatura e Produção de texto, não são separadas em blocos estanques, são
apresentadas em sequência, ou seja, um capítulo de Língua, um de Literatura e outro de
Produção Textual.
Apesar de não ser constituída de blocos estanques, a boa articulação, defendida pelo
guia do livro didático, só se verifica na organização dos conteúdos, mas não se aplica ao
diálogo dos conteúdos, na exploração dialógica entre os eixos. A sequência é feita com um
capítulo de cada eixo trabalhado, mas os conteúdos não são relacionados; então, essa boa
articulação nos parece um pouco questionável, pois, para que o manual fosse bem
relacionado, seria necessário que os conteúdos se apresentassem de maneira dialógica,
integrando os conteúdos e as discussões acerca deles. O que vemos, porém, é uma
organização sequencial que mescla um conteúdo depois do outro, variando entre Língua,
Literatura e Produção Textual.
Na primeira parte do levantamento do livro didático, selecionamos os gêneros
textuais que serão trabalhados nas oficinas propostas neste trabalho: contos e romances.
No livro do primeiro ano, percebemos apenas 2 contos no eixo de redação. Não
encontramos exemplos de contos em nenhuma outra parte do livro. Já os fragmentos de
romance foram encontrados 2 na parte de língua, 1 na parte de literatura e 1 na parte de
redação; é importante ressaltar que todos são fragmentos bem pequenos dos romances.
No livro do segundo ano, encontramos exemplos de contos nos três eixos: 1 conto
em língua, 1 conto em literatura e 12 contos em redação. Os Romances só foram
encontrados na parte de literatura, 19, ao todo, lembrando que são pequenos fragmentos.

184
No livro do terceiro ano encontramos contos e romances apenas no eixo de Literatura; 5
contos e 13 fragmentos de romances.
Diante dessas constatações, podemos refletir que, de maneira geral, esses gêneros
literários aparecem em um número reduzido, mas temos consciência de que o livro didático
é apenas um suporte para os alunos e não o único caminho a seguir. Apesar de ser um
suporte, muitas vezes o livro didático é a única fonte imediata de acesso do aluno à leitura,
por isso é importante que o professor reconheça as qualidades e as possíveis falhas do
material que utiliza.
É de se estranhar, por exemplo, que no livro do primeiro ano só apareça um
fragmento de romance no eixo de literatura. Isso sugere que o professor precisa estar atento
para suprir as carências do material didático.
No livro do segundo ano, vemos a maior incidência de contos no eixo de redação, e o
romance só aparece no eixo de literatura. Esse fato se torna importante de ser considerado,
pois o conto é um texto de fácil aplicação em sala de aula, por ser curto, e o pequeno
número desse gênero na coleção requer reflexões do professor.
O livro do terceiro ano nos parece ainda mais diferenciado, pois só apresenta contos
e romances no eixo de literatura. Esse fato nos aponta uma possível falta de integração
entre os eixos e a valorização do texto literário apenas nos capítulos relacionados à
literatura. Segundo o guia do livro didático, a integração dos eixos de ensino favorece a
distribuição do tempo pedagógico, o que nos parece, mais uma vez, um pouco questionável.
Segundo o guia do livro didático, há articulação equilibrada entre os eixos de ensino,
favorecida pelo diálogo entre conteúdos específicos e temas gerais. Apesar dessa afirmação,
verificamos que, na prática, essa articulação não se mostra tão satisfatória.
O guia do livro didático resenha que a coletânea de textos é representativa da
diversidade da cultura brasileira e é de interesse do jovem, oferecendo-lhe, assim,
experiências significativas de leitura. Os gêneros são analisados dentro de suas
especificidades; por exemplo, ao introduzir o estudo de gêneros digitais (e-mail e blog), é
trabalhado o caráter não linear que caracteriza o hipertexto, bem como as características da
linguagem no espaço virtual. A coleção traz atividades que exploram a dimensão da
materialidade do texto na construção dos sentidos; o texto publicitário, por exemplo, é

185
explorado em seus recursos gráficos e em seus efeitos de sentido. Entretanto, há casos em
que a materialidade do texto, as convenções e os modos de ler próprios de determinado
gênero são ignorados. Isso ocorre, por exemplo, no tratamento didático aplicado às letras de
canções, que não considera os aspectos próprios que envolvem esse gênero. Nem sempre os
gêneros são explorados em todos os seus recursos e possibilidades, destinando-se, por
vezes, apenas a ilustrar um tópico linguístico específico.
Ainda de acordo com o guia do livro didático, considera-se que “eixo de literatura
ocupa um lugar de destaque na coleção, num trabalho bem articulado com a leitura de
textos não literários” (BRASIL, 2011). Realmente, a coleção trabalha bastante a diversidade
dos gêneros, mas deixa falhas, principalmente no trabalho com alguns textos literários.
Já na segunda etapa da análise do livro didático, levantamos os demais gêneros
oferecidos. Observamos que, na coleção, as atividades gramaticais são trabalhadas
basicamente com tirinhas e anúncios. Em nossa apreciação, só desconsideramos os
fragmentos de textos que tinham um tamanho muito reduzido. Os demais textos foram
contados na íntegra, inclusive os que foram utilizados na explicação do conteúdo.
No livro didático do primeiro ano, encontramos 137 ocorrências de texto, sendo que
32 são exemplos de textos não literários e 105 de textos literários. Percebemos que a
ocorrência de textos literários é maior no livro, apesar disso, vemos que existe uma
discrepância entre o número de textos curtos (Histórias em quadrinhos, tirinhas, cartuns e
poemas) e textos mais longos (contos, crônicas e fragmentos de romances); tivemos 88
textos curtos e 17 textos longos, conforme observamos na tabela abaixo:

1º ano
Textos literários Textos não literários
Contos 02 Artigo de opinião 04
Fragmentos de 04 Notícia 01
Romances
Poemas 48 Textos Injuntivos 05
Crônicas 03 Textos técnicos 16
Texto Teatral 03 Relato 01
Histórias em 05 Cartas 02
quadrinhos
Tirinhas 32 e-mail 01
186
Fábulas 05 Sermão 01
Charge 02 Resumo 01
Letra de música 01
TOTAL 105 TOTAL 32
Tabela 04: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.

No livro do segundo ano, encontramos 230 ocorrências de textos, sendo que 47


foram não literários e 183 literários. Novamente, vemos uma ocorrência muito maior de
textos literários, mas com a mesma incidência do livro do primeiro ano: 142 textos curtos e
apenas 41 textos longos, como observamos abaixo:

2º ano
Textos literários Textos não literários
Contos 14 Artigo de opinião 04
Fragmentos de Romances 19 Notícia 02
Poemas 75 Anúncio publicitário 18
Crônicas 02 Textos técnicos 20
Texto Teatral 04 Entrevista 01
Histórias em quadrinhos 02 Reportagem 02
Tirinhas 60
Fábulas 02
Cartum 05
TOTAL 183 TOTAL 47
Tabela 05: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.

No livro do terceiro ano, a tendência dos demais manuais segue. Encontramos 227
textos utilizados, destes, 66 foram não literários e 161 literários. Analogamente às outras
séries, foram 138 textos curtos e 23 textos longos, como apontamos abaixo:

3º ano
Textos literários Textos não literários
Contos 05 Artigos de opinião 04
Fragmentos de Romances 13 Notícias 05
Poemas 96 Anúncios Publicitários 26
Crônicas 03 Textos técnicos 18
Texto Teatral 01 Reportagem 01
Histórias em quadrinhos 01 Cartas 05
187
Tirinhas 32 Artigos de opinião 11
Fábulas 01
Charge 02
Cartum 07
TOTAL 161 TOTAL 66
Tabela 06: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.

Com os levantamentos, percebemos que a coleção cumpre o papel a que se propõe;


oferece variados gêneros textuais em sua estruturação. Apesar disso, com a nossa análise,
constatamos que os textos literários trabalhados com mais frequência foram os textos
curtos, de rápida leitura e entendimento, como as histórias em quadrinhos, os cartuns, as
tirinhas e os poemas. Vemos que os textos mais longos, de leitura mais complexa, aparecem
em número consideravelmente menor que os demais. Esse fato nos chama a atenção, pois
confirma nossa hipótese de que o texto literário, principalmente os contos e romances,
podem ser pouco trabalhados em sala de aula. Diante dessa situação, vemos a necessidade
constante de o professor refletir sobre o seu livro didático para observar as falhas ou
lacunas, só assim ele poderá pensar formas eficientes de suprir as necessidades de cada
turma.
O professor precisa estar ciente de que seu aluno necessita atingir o nível de leitura
polissêmica, que vai além da mera decodificação do signo. A leitura parafrástica consolida-se
com uma mera decodificação e a polissêmica extrapola essa etapa inicial, necessita de
reflexão do texto, de conhecimento das entrelinhas e de mecanismos de construção textual.
A teoria que embasa nossa pesquisa aponta que esse nível de leitura só será alcançado
mediante a utilização do texto literário e pensamos que não só os textos curtos, de fácil
entendimento, mas também os textos cuja leitura exige um comprometimento maior dos
alunos, como os contos, as crônicas e os romances.

 Análise da coleção Linguagem em movimento


A segunda coleção analisada foi Linguagem e movimento, dos autores Izeti Fragata
Torralvo e Carlos Cortez Minchillo, da editora FTD. A coleção também se apresenta em
blocos; em cada um, vemos uma unidade de literatura, interpretação e estudo da língua e

188
produção de textos. Essas unidades estão dispostas em sequência, nessa ordem sempre, em
todos os livros, do primeiro ao terceiro ano.
De acordo com o guia do livro didático, “A literatura é o eixo de ensino a partir do
qual os demais se organizam. Os temas propostos para cada unidade podem propiciar boas
discussões em sala de aula, permitindo que se associe a perspectiva cronológica a uma
abordagem mais livre e contemporânea dos textos literários selecionados. É nítida a
tendência da coleção tanto para lidar com questões gerais das escolas literárias, como para
considerar o estudo do texto como um conteúdo a ser aferido em exercícios e testes”
(BRASIL, 2011). Apesar dessa afirmação, ao verificarmos as obras, percebemos que essa
integração fica um pouco prejudicada, uma vez que a seção de literatura é a primeira a ser
trabalhada e as demais vêm em sequência, mas com pouco diálogo com as anteriores.
Ainda de acordo como guia, vemos que “O que pode prejudicar a proposta é o
excesso de conteúdos selecionados e o tratamento transmissivo dado a eles, no estilo dos
pontos gramaticais, seguidos de exemplos correspondentes e exercícios de aplicação”
(BRASIL, 2011). Essa consideração é relevante e aponta uma importante constatação, a
coleção ainda valoriza mais os pontos gramaticais do que a leitura, propriamente dita, uma
vez que se realmente fosse integrada, como aponta a resenha do guia, o estudo gramatical
facilmente se integraria aos demais pontos do conteúdo.
Chamou-nos a atenção essa consideração e que, na prática, foi observada nos livros,
a respeito da parte direcionada à literatura: “A perspectiva predominante não é a da
formação do leitor, mas a do estudo dos contextos históricos, associada ao exame das
características de cada período, tendência estética ou estilo autoral” (BRASIL, 2011). Essa
afirmação nos faz refletir bastante, pois comprova o que defendemos nesta pesquisa, de que
o estudo de literatura na escola, na maioria das vezes, não consegue ultrapassar a mera
localização temporal, sem muito vínculo com o texto.
O desenvolvimento de capacidades leitoras é parcialmente limitado pelo
compromisso da subseção em explicitar informações relacionadas à exploração do tema da
unidade e em recortar questões de conhecimentos linguísticos a serem abordadas nas
subseções seguintes. Textos multimodais, assim como aqueles dirigidos especificamente à

189
faixa etária esperada dos alunos, estão pouco presentes, tampouco se evidencia, na
coletânea, a diversidade cultural brasileira.
No livro do primeiro ano encontramos 189 ocorrências de texto, sendo 152 literários
e 37 não literários. Como na primeira coleção, um número consideravelmente maior de
textos literários, mas, novamente, vemos que os textos mais longos, como contos, crônicas e
romances, são 30, enquanto os textos curtos, poemas, tirinhas, entre outros, aparecem 122
vezes, como demostramos na tabela abaixo:

1º ano

Textos literários Textos não literários


Contos 12 Artigo de opinião 04
Fragmentos de Romances 11 Anúncios Publicitários 11
Poemas 98 Cartas 04
Crônicas 07 Textos técnicos 18
Texto Teatral 05
Histórias em quadrinhos 01
Tirinhas 08
Sermões 06
Charge 04
TOTAL 152 TOTAL 37
Tabela 07: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.

Observamos que a existência dos textos mais longos ainda se mostra pequena nos
livros didáticos vistos até aqui. De acordo com o guia do livro didático “Em sala de aula,
será necessário propiciar aos alunos um contato direto com os textos literários, abrindo-se
espaço para a fruição e o desenvolvimento da leitura autônoma” (BRASIL, 2011),
justificando ainda mais a proposta de nossa pesquisa.
Analisando o livro didático do 2º ano, observamos as seguintes ocorrências de textos:

2º ano

Textos literários Textos não literários


Contos 07 Artigo de opinião 01
Fragmentos de Romances 39 Anúncios Publicitários 22
Poemas 76 Textos injuntivos 01
190
Crônicas 05 Textos técnicos 42
Texto Teatral 01
Tirinhas 15
Sermões 01
Charge 07
TOTAL 151 TOTAL 66
Tabela 08: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.

Vemos a ocorrência de 151 textos literários e 66 textos não literários. Apesar do


número maior de textos literários, percebemos que apenas 51 são textos mais longos e 100
ocorrências de textos curtos, na maioria poemas, com 76 ocorrências. Como percebemos,
romances e contos são pouco trabalhados e, quando aparecem no livro, se apresentam em
fragmentos muito pequenos, com pouca relevância investigativa.
Analisando o livro didático do terceiro ano, percebemos as seguintes ocorrências
textuais:

3º ano

Textos literários Textos não literários


Contos 08 Artigo de opinião 01
Fragmentos de Romances 42 Anúncios Publicitários 07
Poemas 90 Texto Argumentativo 02
Crônicas 04 Textos técnicos 60
Tirinhas 07
Charge 04
TOTAL 155 TOTAL 70
Tabela 09: Quantitativo de textos encontrados no Livro Didático.
Fonte: dados da pesquisa.

Tivemos uma ocorrência de 155 textos literários e apenas 70 não literários.


Novamente notamos um número maior de textos literários, mas também observamos que
os textos longos aparecem apenas 54 vezes, enquanto os textos curtos aparecem 101 vezes,
sendo que a maior incidência de textos é de poemas, num total de 90. Novamente
observamos, na análise, que os fragmentos de romances são bastante pequenos e com
poucas atividades relevantes de reflexão.

191
 Comparação das coleções de Livros Didáticos
Como vimos, as duas coleções se aproximam bastante quanto ao número de textos
que apresentam: no total, vemos que a coleção Português linguagens traz 449 textos
literários e 145 textos não literários; já a coleção Linguagem em Movimento traz 458 textos
literários e 173 não literários. Na porcentagem dos textos, vemos 4% de contos, 10% de
romances e 39% de poemas; 21% dos demais textos literários e 26% de textos não literários.
As obras didáticas apresentam uma grande quantidade de poemas, quase igual ao número
de textos não literários.
Como constatamos, o número maior de textos é literário, mas, apesar disso, vemos
poucas ocorrências de contos e romances. Quando estes aparecem, se mostram apenas em
fragmentos pequenos e pouco trabalhados. Observamos também que a maior incidência de
textos literários é de poemas e tirinhas, ou seja, textos curtos e de leitura mais rápida e fácil.
O livro didático é extremamente importante, pois, como afirma Cafiero e Corrêa:

[...] muitos estudantes do nosso país, às vezes, só tem acesso ao texto


literário pela via do livro didático. Isso para não sermos mais dramáticos ao
afirmar que, em muitos casos, fora do livro didático, fica difícil o acesso a
qualquer tipo de texto (...) (CAFIERO e CORRÊA, 2003, p. 278).

Cafiero e Corrêa (2003) realizaram uma pesquisa com quatro coleções de livros
didáticos e também puderam perceber que, como em nossa investigação, os manuais
apresentam um número bem maior de textos literários, em detrimento dos não literários.
De maneira análoga, o número de textos curtos encontrados na pesquisa citada também é
considerável e maior que os demais, como fragmentos de romances. Podemos ver isso no
texto de Cafiero e Corrêa (2003):

Os poemas apresentam-se em segundo lugar na escala de utilização no


conjunto dos LDs analisados (...) mas nem sempre o trabalho com esses
textos visa destacar os recursos estilísticos usados em sua construção.
Muitos deles servem apenas como propostas para exercícios ortográficos
ou exercícios em que se exige o reconhecimento de um tópico gramatical
(CAFIERO E CORRÊA, 2003, p. 294).

O número de textos literários presentes nas duas coleções analisadas, assim como
nas quatro estudadas no trabalho de Cafiero e Corrêa (2003), se justifica na medida em que
um dos critérios estabelecidos pelo PNLD é a presença significativa de textos literários nos
192
livros. Sendo assim, percebemos que todos os manuais demonstram a preocupação de
suprir essa exigência, mesmo que o trabalho com os textos muitas vezes não seja tão
eficiente e significativo.
Outra consideração importante é que nem todos os textos apresentados são
trabalhados com questões de interpretação e leitura. Muitos deles aparecem apenas como
meros exemplos de questões gramaticais. Cafiero e Corrêa (2003, p. 293) constataram:
“Uma tendência que parece se confirmar na análise das coleções é a utilização em larga
escala de fragmentos de narrativas em vez de uso de textos completos”.
Notamos, também, que parece haver, nas coleções, a construção de um gênero
escolar. Isso seria a seleção de certos textos, com algumas características comuns, como
tamanho pequeno e compromisso com uma forma mais fácil de ler, com um grau de
dificuldade menor. Ainda segundo Cafiero e Corrêa (2003, p. 296), “geralmente esses textos
não possibilitam a emancipação do leitor e a ampliação do seu horizonte de expectativas”.
Isso demonstra, mais uma vez, a importância de propor leituras diferenciadas e de
textos completos. As coleções vistas nos mostram uma gama variada de textos importantes,
que se mostram relevantes; o problema é que muitos gêneros, como os fragmentos de
romances e contos, são pouco trabalhados e requerem uma aplicação de novas propostas
selecionadas pelo professor, como afirma Cafiero e Corrêa (2003):

Cabe ao professor encontrar maneiras de realizar um trabalho que seja


efetivamente o de formar leitores, dispondo-se da seleção de textos da
coleção adotada, encontrando em cada texto as suas especificidades e
respeitando as diferentes leituras dos alunos, com suas singularidades. Para
tanto, o professor também precisa ser ele mesmo um leitor de textos
literários, capaz de fruir diferentes tipos de literatura e assim poder
desenvolver no aluno a habilidade de leitura nesse tipo de texto (CAFIERO E
CORRÊA, 2003, p. 297).

Como os autores demostram acima, o professor precisa assumir sua responsabilidade


diante das turmas. Deve investigar o livro didático que usa para conseguir suprir as falhas
que, porventura, vierem a acontecer. É importante lembrar, novamente, que o livro didático
é apenas um auxílio para o professor, um suporte pedagógico. Ele se apresenta como um
apoio, por isso não tem obrigação de ser completo, pois cabe ao professor assumir seu papel
e tentar suprir as possíveis limitações de seu livro.

193
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um mundo globalizado, marcado pelas imensas transformações tecnológicas,
torna-se imprescindível que a escola busque recursos para que o processo de ensino-
aprendizagem, principalmente o de LM, torne-se mais produtivo e que leve o aluno à
reflexão.
Através de todas as abordagens realizadas neste trabalho, percebemos os gêneros
textuais um dos elementos que vêm ganhando maior relevância, nos últimos anos, no
trabalho com Língua Materna. Assim, os atores envolvidos no processo da aprendizagem
devem estar cientes de que essa abordagem não é meramente formal, mas também
funcional.
Dessa maneira, a caracterização de um determinado gênero estará relacionada às
diversas formas como a língua se manifesta, ou seja, de acordo com a interação
sociocomunicativa.
Logo, a importância de se trabalhar com os gêneros em sala de aula está vinculada a
se estudar a língua em uso, em situação comunicativa, em sua total funcionalidade,
deixando de se privilegiar apenas as questões formais e valorizar, também, as funcionais.
Diante da grande relevância em se trabalhar com os gêneros textuais, o educador
acaba por encontrar nos LDs a principal fonte de se explorar o conteúdo, sendo que estes
não conseguem abranger toda essa abordagem. Vale destacar, também, que a grande
maioria desses recursos pedagógicos dá mais ênfase ao trabalho formal com os gêneros do
que com sua funcionalidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Irandé Costa. Língua, gêneros textuais e ensino: considerações teóricas e
implicações pedagógicas. Perspectiva, Florianópolis, v. 20, n. 01, jan./jun. 2002, p. 65-76.
Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br. Acesso em 20/01/2014.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília: MEC/SEF, 2011.

194
CAFIERO, Delaine; CORRÊA, Hércules Toledo. Os textos literários em quatro coleções de
livros didáticos: entre o estético e o escolar. In: ROJO, Roxane; BATISTA, Antônio Augusto
Gomes (orgs.). Livro didático de Língua Portuguesa, letramento e cultura da escrita.
Campinas: Mercado da Letras, 2003.
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Coleção Português Linguagens.
Vol. 1, 2 e 3. São Paulo: Saraiva, 2010.
CUNHA, Angélica Furtado da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.).
Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 157-176.
FURTADO DA CUNHA, A.; TAVARES, M. A. Ensino de gramática com base no texto:
subsídios funcionalistas. Ariús: Revista de Ciências Humanos e Artes, v. 13, n. 2, p. 156-162,
2007.
KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
______; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2 ed. São
Paulo: Contexto, 2012.
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros Textuais: o que são e como se classificam? Recife:
Mimeo, 2000.
__________. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
MINCHILLO, Carlos Cortez; TORRALVO, Izeti Fragata. Coleção Linguagem em Movimento.
vol. 1, 2 e 3. São Paulo: FTD, 2010.
NICOLAU, Roseane Batista Feitosa. Gêneros textuais no livro didático de língua
portuguesa. João Pessoa: Editora Ideia, 2012.

195
EXPRESSÃO SOCIAL: UM CRUZAMENTO ENTRE A PALAVRA E O CONTEXTO DE PRODUÇÃO
DO DISCURSO

Thiago Soares de Oliveira


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Sérgio Arruda de Moura


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Como resultado da análise teórica e prática de alguns cartazes expostos durante
as manifestações ocorridas no Brasil em 2013, este artigo propõe a reflexão acerca de como
a inscrição da língua em determinado contexto de produção do discurso pode elevá-la à
expressão da ideologia que, sustentada pelas características que compõem o enunciado,
materializa a comunicação social. Adotou-se, em razão da proposta deste trabalho, a
pesquisa bibliográfica como metodologia capaz de dar conta das discussões a respeito do
cruzamento entre a palavra e o contexto de produção do discurso, considerando-se, ainda, a
existência de farta bibliografia a partir da qual é possível entender como se manifesta a
expressão social por meio da palavra, considerada como sustentáculo ideológico. Para isso,
articularam-se os pressupostos teóricos de Bakhtin (2009) aos de outros autores que
discutem a respeito do emprego da língua como prática social. Ao fim, conclui-se que as
noções puramente gramaticais não são capazes de explicar o comportamento linguístico
específico da palavras, porque não dispõem de mecanismos e propriedades flexíveis o
suficiente para a incursão no campo da inter-relação entre o social e o linguístico.
Palavras-chave: Campo discursivo. Signo linguístico. Expressão social.

PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
Durante o ano de 2013, o Brasil foi palco de inúmeras manifestações populares em
prol de necessárias mudanças nos alicerces sobre os quais a sociedade brasileira se sustenta.
Milhares de cidadãos, alijados de seus direitos e sujeitos a serviços públicos de qualidade
duvidosa, saíram às ruas e fizeram ressoar a voz de uma nação que, adormecida, parecia
despertar para o advento de novos tempos, quando o eco da massa popular passaria a ser
ouvida pelos burocratas e representantes eleitos democraticamente.
Em meio às reivindicações, iniciadas graças à insatisfação geral com as tarifas
abusivas cobradas pela utilização de um transporte público deveras precário, destacava-se o
clamor pelo investimento em educação e saúde de qualidade, em segurança pública e pelo
combate à corrupção. Inúmeros foram os cartazes que ilustraram os protestos e reforçaram
o caráter ideológico das manifestações, especialmente no que diz respeito à educação.

196
Palavras de ordem e pedidos representativos de transformação social inundaram as ruas e
aqueceram as discussões políticas acerca da conduta a ser adotada em uma clara situação
de crise.
Nesse cenário, as palavras ficaram destituídas da simples obrigação de comunicar,
revestindo-se de função social cujo entendimento só pode ser alcançado se considerado o
contexto em que elas foram produzidas. As normas gramaticais foram empregadas em outro
patamar de significação, servindo de esteio à expressão ideológica que se quis atingir. Os
produtores dos discursos, apoiados na estruturação ortográfica propositada, exprimiram
suas intenções e descontentamentos, bem como reclamaram mudanças urgentes.
Assim, dada a profundidade de tais discussões acerca de como a palavra se eleva a
estatuto ideológico a depender do contexto em que é utilizada, não se pretende exaurir as
vias de análise dos cartazes escolhidos como corpora deste trabalho tampouco promover
uma reflexão puramente sociológica, mas ponderar sobre como a inter-relação mantida
entre a palavra, considerada como signo ideológico, e o contexto de produção do discurso
pode produzir expressão social com auxílio de mecanismos da norma da língua.

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE SIGNO LINGUÍSTICO, ENUNCIADO (DISCURSO) E EXPRESSÃO


IDEOLÓGICA
Contrariamente ao entendimento firmado pelo senso comum, língua e linguagem
não são palavras sinônimas para o campo dos estudos linguísticos. Essa distinção é
promovida a partir da relação de abrangência entre uma e outra, sendo a linguagem, de
forma mais ampla, “a capacidade específica da espécie humana de se comunicar por meio
de signos” (FIORIN, 2013, p. 13), como forma de resposta a uma necessidade natural: a da
comunicação. De modo mais restrito, “a língua é um sistema de signos específicos aos
membros de dada comunidade” (idem, p. 14).
Em Saussure, a língua é campo de especial interesse por ser considerada social e
coletiva, diferentemente da fala, que é entendida como individual e particularizante. Ocorre
que, apesar de considerar que “a língua é elaborada pela comunidade, é somente nela que
ela é social” (CALVET, 2002, p. 16), o linguista não fornece bases teóricas para justificar o
fato de considerar a língua como uma instituição social, limitando-se a declarações que

197
“chocam por sua indefinição teórica” (idem, p.15). Em razão disso, ainda que não se possam
negar as contribuições do linguista genebrino, este trabalho não se apoiará em sua obra
Curso de Linguística Geral.
Ao refletir sobre o objeto da Linguística, Fiorin (2013, p. 47) explica que “Saussure
compara a linguagem a um jogo de xadrez”, sendo que o jogo constituiria o sistema regular e
invariante, ao qual importariam apenas as peças e as regras. A esse sistema Saussure
denominou langue (língua) – seu foco de estudo – em oposição ao que chamou de parole
(fala), caracterizada como “variável, concreta, real, individual” (idem, p. 50).
Apesar disso, o conceito de signo linguístico proposto pelo estruturalismo4 de
Saussure, como uma imagem acústica (significante) que remete a um conceito (significado),
é amplamente explorado pelos estudiosos da linguagem, que dele se valem como ponto de
partida para as análises relativas aos significados que podem ser impressos às palavras
dependendo do contexto discursivo em que são produzidas. Isso significa que a forma
linguística deve ser percebida como um signo mutável, já que este é, “por natureza, vivo e
móvel, plurivalente” (BAKHTIN, 2009, p 15).
A mutabilidade do signo linguístico pode ser notada tanto em relação ao significante
quanto em relação ao significado. Mudanças propositadas na disposição das letras que
compõem um significante podem produzir um novo significante, o qual, por sua vez, gera
um novo significado, mais amplo ou mais restrito conforme a intencionalidade do produtor
do discurso em que o signo, vivo, é inserido.
Nesse sentido, “o discurso é um produto social, resultante da enunciação” (DISCINI e
FIORIN, 2013, p. 184) e se manifesta por meio do texto, este “como um modo de naturalizar
e vulgarizar realidades sociais, como instrumento de autoridade, e como o meio (e a medida)
da disputa política” (HANKS, 2008, p. 153). Com efeito, o discurso se aproxima do uso social
que é dado à língua e tem um propósito que supera a significação primeira que um
enunciado aparenta apresentar, servindo como meio de atingir um efeito.
Acerca disso, explica Maingueneau (2004):

4
De forma sucinta, ao estruturalismo de Saussure, em termos linguísticos, interessava “descrever num
determinado estádio da língua (isto é, sincronicamente), as unidades pertencentes aos diversos níveis da língua
(fonemas, morfemas, etc.), sua posição no sistema e suas regras combinatórias. Foi essa a razão pela qual,
durante o estruturalismo [...], a fonologia e a morfologia tiveram grande desenvolvimento” (KOCH, 2012, p.
8).
198
Considera-se, geralmente, que cada enunciado é portador de um sentido
estável, a saber, aquele que lhe foi conferido pelo locutor. [...] A reflexão
contemporânea afastou-se dessa concepção da interpretação dos
enunciados: o contexto não se encontra simplesmente ao redor de um
enunciado que conteria um sentido parcialmente indeterminado que o
destinatário precisaria apenas especificar. Com efeito, todo ato de
enunciação é fundamentalmente assimétrico: a pessoa que interpreta o
enunciado reconstrói seu sentido a partir de indicações presentes no
enunciado produzido, mas nada garante que o que ela reconstrói coincida
com as representações do enunciador (idem, p. 19-20).

Essa reconstrução de sentido é, a rigor, proporcionada pelo contexto de produção do


enunciado5, conceituado por Maingueneau (2004, p. 57) como “o valor de frase inscrita em
um contexto particular”. Em razão da análise que se pretende a respeito de como o contexto
de produção pode elevar a língua à expressão da ideologia, optou-se, neste trabalho, por
utilizar o termo discurso,

Ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva, e não a língua como o


objeto específico da linguística, obtido por meio de uma abstração
absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta
do discurso (BAKHTIN, 2013, p. 207).

Não obstante, não se intenciona adentrar com profundidade no campo de estudo da


Semiótica, “que busca estudar a significação independentemente da maneira como ela se
manifesta” (DISCINI e FIORIN, 2013, p. 184), por ser demasiado amplo em relação ao que
anseia este artigo e por demandar uma investigação teórica que extrapola o objetivo de
análise sucinta do contexto de produção do discurso aqui proposto.
Nessa linha expositiva, é importante explicar que

Contexto é um conceito teórico, estritamente baseado em relações. Não


há contexto que não seja ‘contexto de’, ou ‘contexto para’. Como esse
conceito é tratado depende de como são construídos outros elementos
fundamentais, incluindo língua(gem), discurso, produção e recepção de
enunciados, práticas sociais, dentre outros (HANKS, 2008, p. 174).

Relativamente à expressão ideológica que impregna o discurso, Bakhtin (2009. p. 31)


afirma que “tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si

5
Enunciação seria o ato de enunciar, isto é, a evocação crítica de um enunciado.
199
mesmo”, relacionando a ideologia ao signo linguístico de tal forma que “sem signos não
existe ideologia” (idem, p. 31). Isso significa que os signos emergem na consciência individual
por meio da interação social, que só possível através da palavra6, isto é, “um material
flexível, veiculável pelo corpo” (idem, p. 37).
Nessa ótica, o fenômeno ideológico é produzido pela linguagem7, mais precisamente
pela palavra, em razão da capacidade de representar uma realidade social. Assim, “o
processo de simbolização da linguagem exige um sistema fonético que articule imagens
acústicas ‘gerando’ o símbolo, o qual proporcionará condições para a produção de
conceitos/pensamentos” (SEVERO, 2004, p. 128). Para Orlandi (2010, p. 96), a ideologia é
“mecanismo estruturante do processo de significação”, o qual “se liga inextricavelmente à
interpretação enquanto fato fundamental que atesta a relação da história com a língua, na
medida em que esta significa”.
Por fim, há de se observar que essa articulação entre a palavra e a ideologia é
possível graças à existência do signo linguístico inscrito na realidade social, afinal não se
pode “entrar no domínio da ideologia, tomar forma e aí deitar raízes senão aquilo que
adquiriu um valor social” (BAKHTIN, 2009. p. 46).

REFLEXÕES SOBRE AS IMPLICAÇÕES DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO NO DISCURSO SOCIAL


Partindo do contexto das manifestações ocorridas no ano de 2013, as palavras que
ilustram os cartazes selecionados como corpora para este trabalho serão analisadas na
tentativa de demonstrar que, na verdade, constituem muito mais que um aglomerado de
signos linguísticos saussurianos, emanando posições ideológicas perceptíveis se
considerados os contextos em que elas foram produzidas. Eis a Figura 1:

6
Bakhtin (2009, p. 38) elenca em Marxismo e Filosofia da Linguagem as propriedades que fazem da palavra “o
objeto fundamental para o estudo das ideologias”, quais sejam: pureza semiótica, neutralidade ideológica,
implicação na comunicação humana ordinária, possibilidade de interiorização e presença obrigatória em todo
ato consciente.
7
Hjelmslev (1975 apud FIORIN, 2013, p. 14) afirma que “a linguagem é o instrumento graças ao qual o homem
modela seu pensamento”.
200
Figura 1: A questão ortográfica
Fonte: www.tvdoservidorpublico.com

Considerando o conceito de signo em Bakhtin e a premissa de que “tudo que é


ideológico é um signo” (BAKHTIN, 2009, p. 31), é possível notar como as palavras
empregadas na figura acima suplantam a mera definição de signo lingüístico proposta por
Saussure, ou seja, o resultado da união entre significante e significado, já que elas, muito
acima da individualidade de cada uma, refletem a realidade em transformação,
corroborando a noção de que a existência do signo materializa o que se quer comunicar
socialmente.
A princípio, o emprego dos vocábulos em evidente desacordo com a norma
ortográfica padrão destaca-se no contexto de revolta popular em que foi proposto, na
medida em que essa questão descortina a intencionalidade clara de um dos pontos-chave da
manifestação: a preocupação com a educação. Por isso, não surpreende o destaque que foi
dado à palavra “EDUCASSÃO”. Isso significa que as palavras empregadas não constituem

201
desvio genuíno de norma, pois estão revestidas de um fundo ideológico que se sobrepõe à
realidade ortográfica do cartaz, evidenciando que a ”palavra é um fenômeno ideológico por
excelência” (idem, 2009, p. 36), capaz de expressar uma relação social.
Nessa direção, a contraposição entre educação e “educassão” representa, de forma
ideológica, respectivamente a educação acessível que se gostaria de ter, capaz dar aos
indivíduos conhecimento para se expressar diante daquilo que não lhes agrada e daqueles
que não os representam, e a “educassão” que se tem: falha, despreocupada e inacessível. O
que ocorre na Figura 1, entretanto, é que quem a manejou se valeu conscientemente de um
dos aspectos da própria realidade educacional, representada pelos desvios ortográficos,
para tecer uma forte e pertinente crítica à atenção dispensada à educação brasileira.
Tomando como pressuposto o legado de Bakhtin (2009), o discurso social contido no
cartaz pode ser relacionado às noções de infraestrutura e superestrutura. Basta analisar o
sentido em que é tomado o vocábulo “educassão”, como representante da sistema
educacional que se acredita estar instalado no país, ou seja, como a realidade educacional
em si (infraestrutura) que, tomada como signo ideológico (superestrutura), e não como um
desvio de norma, deveria ser convertida em educação. Logo, desconectada de um contexto
social, “educassão” não passaria de um equívoco ortográfico ou erro de escrita. Contudo, ao
ser imersa no ambiente da manifestação, a expressão comunica muito mais que um desvio,
alcançando a ideia sobre a realidade, isto é, ideologia, como se a dicotomia educação x
educassão representasse, de fato, a educação que se pretende e aquela a que se tem
acesso.
Nessa ótica, o modo como é empregada a palavra no discurso específico pode elevá-
la ao status de produtora de “lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não
tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada” (BAKHTIN, 2009, p. 42),
demonstrando que, associada a contextos sociais diversos, a palavra adotará significações
também diversas, as quais não devem ser desvinculadas do propósito ideológico que as
reveste.

202
De forma também propositada, a Figura 2 (a seguir exposta) emprega vocábulos em
aparente desacordo com a norma padrão8. Contudo, diferentemente do que ocorre na
Figura 1, os pontos enfáticos do discurso são intencionalmente marcados pelas aspas,
significando que

Os dizeres não são [...] apenas mensagens a serem decodificadas. São


efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que
estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios
que o analista do discurso tem de apreender (ORLANDI, 2010, p. 30).

Figura 2: Destaque marcado aos desvios de norma


Fonte: www.paroutudo.com

Na figura 2, o indivíduo que produziu o discurso no contexto das manifestações


populares optou pela marcação dos pontos-chave a que pretendia fazer alusão, sendo que a
primeira marcação é, em princípio de análise, mais ortográfica que as demais. Afirma-se isso
porque, na verdade, há na palavra “ma‘z’” um discurso político em favor da educação, o qual
pode ser facilmente compreendido no contexto em que foi produzido e corroborado pelas

8
Bagno (2007) prefere a expressão norma padrão à norma culta, pois considera que, se ambas fossem
sinônimas, o falantes considerados cultos conheceriam e aplicariam o que é chancelado como padrão
normativo. O que ocorre, entretanto, é que os falantes ditos cultos não falam ou escrevem exatamente
conforme as previsões da gramática normativa, revelando que, mesmo os indivíduos mais escolarizados e mais
urbanos, considerados cultos, não seguem à risca o padrão que lhes é imposto.
203
próximas marcações com as aspas. No entanto, o vocábulo em questão, de per si, não evoca
o social, senão quando imerso no contexto das manifestações. De forma isolada, o primeiro
vocábulo marcado nada mais seria que uma conjunção9 coordenativa adversativa grafada
em desconformidade com as normas ortográficas vigentes, mas, por estar imerso em um
contexto claramente social, tal vocábulo tem seu status alterado, passando a signo porque

É criado por uma função ideológica precisa e permanente inseparável dela.


A palavra, ao contrário, é neutra em relação a qualquer função ideológica
específica. Pode preencher qualquer função ideológica: estética, científica,
moral, religiosa (BAKHTIN, 2009, p. 37).

Analogamente, essa alteração do status de mera palavra, passando a signo, também


ocorre em relação à segunda marcação, na qual o caráter político se revela com maior
nitidez, uma vez que o destaque que se pretendeu dar ao desvio de norma recaiu sobre o
nome10 de uma representante eleita democraticamente, no caso de “Di‘u’ma”. De forma
semelhante, a terceira palavra, cujo desvio propositado recebeu as aspas (“educa‘ss’ao”), é
o cerne da questão que impulsionou o enunciador a levantar o cartaz. Isso significa que,
tomadas individualmente, ambas as palavras carregam em si mesmas uma potencial
discussão política que toma forma no cenário em que elas foram produzidas.
Logo, a questão da marcação gráfica dos desvios revela que “cada signo ideológico é
não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material
dessa realidade” (BAKHTIN, 2009, p. 33), que, assentado na criatividade do enunciador,
reflete a comunicação social pretendida, produzindo efeitos próprios no contexto em que
ocorreu, uma vez que “a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história” (ORLANDI,
2010. p. 25).
Em perspectiva similar, a Figura 3 também ilustra que o texto é “um modo poderoso
de naturalizar a realidade social” (HANKS, 2008, p. 152), mas utilizando-se da questão

9
A gramática normativa classifica a palavra mas como conjunção. Em termos puramente classificatórios, o
normativismo não estaria apto a identificar a expressão ideológica no vocábulo em razão da preocupação
prescritivista que lhe é inerente.
10
Nota-se que o nome é, em outras palavras, um antropônimo, já que “Di‘u’ma” é grafado com letra inicial
maiúscula, em referência à Presidenta da República.
204
fonética11 para revelar uma assimetria social que encontra respaldo no contexto de
produção do discurso.

Figura 3: A questão fonética


A escrita contida na figura acima, longe de se tratar de desvio típico de norma,
retrata um choque normativo, uma vez as palavras são grafadas da forma como
provavelmente seriam pronunciadas pelo criador do cartaz, aparentemente
desconsiderando que há “diferença entre a língua falada e a língua escrita, dois meios de
comunicação diferentes” (NICOLA e INFANTE, 1997, p. 19).
Não obstante tal aparente aspecto de ignorância à norma escrita, a questão fonética
foi articulada com uma finalidade maior que a normativa, já que o efeito oriundo do cartaz
decorre de uma suposta interpretação do binômio certo/errado relacionado à fala e à
escrita, apregoado pela gramática. Logo, vale observar que é com base na noção de que não
se deve escrever da forma que se fala que o discurso do cartaz atinge seu objetivo precípuo.
Isso significa que “não há sentido sem interpretação e, além disso, diante de qualquer objeto
simbólico o homem é levado a interpretar, colocando-se diante da questão: o que isto quer
dizer?” (ORLANDI, 2010, p. 45).

11
Optou-se pela noção de Fonética em vez da de Fonologia porque, segundo Sacconi (2001, p. 22), esta
“estuda os sons da língua”, enquanto aquela, “os sons da fala”. Além disso, não seria possível a alusão a
situações normativas sem que, de alguma forma, fossem utilizados conceitos também normativos, embora este
não seja o foco deste trabalho.
205
Dessa forma, não se pode reduzir o discurso social que se apoia em palavras –
tomadas como signos, entretanto – a simples mecanismos gramaticais. Contudo, é preciso
entender que tais mecanismos são o suporte que possibilita a interpretação da palavra como
signo, e não como mero vocábulo destituído de significado social. Interpretar de forma
reducionista, desconsiderando o fator ideológico que impregna o discurso e a sua
propriedade de mutação significativa a depender do contexto social, é rejeitar que “a
interação e a linguagem na interação são fenômenos de alta complexidade por envolverem
múltiplos fatores em múltiplas relações” (FARACO, 2009, p. 143).
Outro aspecto que merece observação e que de fato representa a elevação da
palavra ao status de signo é a questão sintática que, juntamente com a ortográfica e a
fonética, destaca-se na Figura 4 conforme se pode observar a seguir.
Por já terem sido explorados nos cartazes analisados anteriormente, não se
discorrerá sobre as questões ortográfica e fonética na Figura 4, mas apenas sobre a sintática
que se evidencia na relação de não concordância entre os sujeito “nois”, representado por
um pronome12 pessoal do caso reto, e o verbo “priciza”.

12
A gramática normativa classifica o vocábulo nós como pronome pessoal do caso reto. A Linguística do
Discurso prefere a denominação proformas em vez de pronomes, já que essa categoria de palavras ora
substitui, ora acompanha um nome.
206
Figura 4: A questão sintática
Fonte: www.permanecerecompartilhar.blogspot.com

Não fosse o contexto em que a combinação sintática foi apresentada, ela poderia ter
inúmeras explicações, tais como a normativa13 e a linguística. No entanto, dado o contexto
social de produção, o desvio na sintaxe14 de concordância chama a atenção ao aspecto
educacional sem que, para isso, seja registrado um propositado desvio da palavra educação,
como ocorreu em todos os corpora submetidos à análise. Nesse caso, o clamor pela
educação de qualidade se manifestou ortográfica, fonética e sintaticamente.
Relativamente à sintaxe da Língua Portuguesa, as gramáticas prescrevem como regra
geral que o verbo deve concordar com o núcleo do sujeito a que está vinculado (NICOLA e
INFANTE, 1997), o que não ocorre no registro do cartaz. A rigor, essa não concordância não
decorre do desconhecimento ou do desprezo ao que é prescrito pelos compêndios
gramaticais. Aliás, se assim o fosse, todos os fenômenos da linguagem estariam reduzidos ao
tratamento da Linguística do Sistema15. Ao contrário, o efeito social produzido pelo discurso
decorreu do conhecimento da regra geral de concordância, a qual foi manipulada para
atingir o propósito de ilustrar a ausência e/ou precariedade da educação que se quer
extirpar da sociedade.
Ocorre que, na Figura 4, “as formas do signo são condicionadas tanto pela
organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece”
(BAKHTIN, 2009, p. 45), estendendo-se às redes combinatórias propostas pela sintaxe.
Assim, “cada signo linguístico possui seu tema”, este considerado como “a realidade que dá
lugar à formação de um signo” (idem, p. 46) e, sendo forma e tema indissoluvelmente
ligados, quando a palavra se eleva a signo, veiculando ideologia, passa a “produzir

13
O normativismo, considerado como o exame do fenômeno da linguagem efetuado pela gramática
tradicional, também faz parte da linguística, tal como hoje é compreendida (WEEDWOOD, 2002). Optou-se aqui
pela separação entre gramática e linguística apenas em razão do tratamento diverso que uma e outra dão à
linguagem, bem como devido às reflexões propostas neste trabalho.
14
Sintaxe é a ordem linguística que se deve seguir na elaboração de uma frase ou oração, segundo Sacconi
(2001).
15
Expressão utilizada por KOCK (2012) para designar os princípios básicos da linguística moderna cuja
paternidade é atribuída a Ferdinand de Saussure.
207
evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de
existência” (ORLANDI, 2010, p. 46).
Em suma, “a ideologia não é a ocultação mas função da relação necessária entre a
linguagem e mundo” (idem, p. 47), o que desloca o simples desvio de concordância verbal a
um propósito que se inter-relaciona com aquilo que se pretende comunicar socialmente: a
questão da educação e a necessidade de professores. Nesse último caso, o discurso contido
no cartaz dá ao professor a condição de transmissor16 do saber, sem o qual os deslizes de
norma não podem ser sanados, mais uma posição ideológica inscrita em um infinito de
possibilidades interpretativas que o contexto de produção do discurso pode proporcionar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendida como forma de expressão social, a língua, permeada pelo contexto
discursivo em que se insere, abandona os rudimentos de mera exteriorização do
pensamento que justificam seu uso, alcançando um patamar superior de comunicação social
e ideológica, que pode ser experimentado conforme o contexto de produção. Os estudos de
Bakhtin (2009) a propósito da concepção social do discurso e de como ele se constitui na
interação são de suma importância para entender o aspecto mutável da língua, além de
como seu emprego pode se estruturar de forma mais elevada, significando ideologia.
Nos cartazes selecionados como corpora para este trabalho, observou-se que o
contexto das manifestações populares de 2013, que serviu de base para sua confecção,
propiciou e impulsionou não apenas um amontoado comunicativo de palavras sem nexo
contextual, mas um complexo jogo de palavras expressivo e ideológico que, com o suporte
dos conhecimentos gramaticais manipulados propositadamente, foi capaz de evidenciar a
capacidade articulatória múltipla das palavras. Estas, alteadas a signo, passam a evidenciar o
desejo de mudança, não por meio de simples pedidos, mas de elaborados emaranhados que
permitem o emprego da língua como prática social, levando a duas ilações complementares
entre si acerca do comportamento das palavras em um contexto específico, ainda que
pareçam um tanto contraditórias.

16
Como a discussão acerca do papel do professor no ensino da Língua não é pretensão deste trabalho, para
maior aprofundamento sobre o tema, ler Ilari e Basso (2006), Nóvoa (1999), Perini (1985) e Soares (1986).
208
A primeira conclusão a que se chega é a de que, devido ao forte apelo social dos
cartazes no contexto de produção, as noções puramente gramaticais não são capazes de
explicar o comportamento linguístico específico das palavras, porque não dispõem de
mecanismos e propriedades flexíveis o suficiente para a incursão no campo da inter-relação
entre o social e o linguístico. As normas gramaticais, se aplicadas fora do contexto de
produção específico do discurso, não se furtam da tendência classificatória e dicotômica que
lhe é inerente. Além disso, quando empregadas como suporte para o entendimento da
elaboração da expressão social, tais normas ficam relegadas a papeis secundários e
insuficientes do ponto de vista explicativo.
Apesar disso, as normas gramaticais sustentam um aporte teórico sem o qual não
seria possível dar início à análise de corpora como os cartazes que foram selecionados. É a
partir da suposta noção de erro e acerto que gravita em torno da gramática que se podem
atingir os objetivos comunicativos propostos. Assim, na ausência de conceitos como esses, a
análise seria quase vazia do ponto de vista da Linguística do Discurso17, graças à relação de
interdependência entre esta e a Linguística do Sistema. Isso significa que restaria uma
análise sociológica combinada a uma frágil análise linguística. Nessa perspectiva, nota-se
que, uma vez que os textos inscritos nas gravuras são relacionados ao assunto educação,
seria quase inevitável não apontar questões ortográficas, fonéticas, sintáticas ou mesmo
uma compilação delas, haja vista que daí parte o efeito do clamor social.
Assim sendo, é o contexto de produção do discurso que fornece os subsídios
analíticos necessários ao exame do objeto de estudo. Sem o contexto, os signos linguísticos
são reduzidos a palavras soltas que mais servem de peças às estruturas normativas. Com ele,
todavia, o signo linguístico, sendo signo ideológico, “vê-se marcado pelo horizonte social de
uma época e de um grupo social determinados” (BAKHTIN, 2009, p. 45).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. 1ª ed.
São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

17
Para Koch (2012, p. 9), a Linguística do discurso é “uma linguística que se ocupa das manifestações
linguísticas produzidas por indivíduos concretos em situações concretas, sob determinadas condições de
produção”.
209
BAKHTIN, M. M. Problemas da Poética de Dostoiévski. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2013.
BAKHTIN, M. M. (V. N. Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 13ª ed. São
Paulo: Hucitec, 2009.
CALVET, L. J. Sociolingüística: uma introdução crítica. 2ª ed. São Paulo: Parábola, 2002.
DISCINI, N.; FIORIN, J. L. A linguagem humana: do mito à ciência. In: FIORIN, J. L. (org.).
Linguística? O que é isso?. São Paulo: Contexto, 2013
FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São
Paulo: Parábola Editorial, 2009.
FIORIN, J. L. A linguagem humana: do mito à ciência. In: FIORIN, J. L. (org.). Linguística? O
que é isso?. São Paulo: Contexto, 2013.
HANKS, W. F. Língua como prática social: das relações entre língua, cultura e sociedade a
partir de Bourdieu e Bakhtin. 1ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.
ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos.
São Paulo: Contexto, 2006.
KOCH, I. G. V. A inter-ação pela linguagem. 11ª ed. São Paulo: Contexto, 2012.
MAINGUENEAU, D. Análise de Textos de Comunicação. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.
NICOLA, J.; INFANTE, U. Gramática Contemporânea da Língua Portuguesa. São Paulo;
Editora Scipione, 1997.
NÓVOA, A. Os professores na Virada do Milênio: do excesso dos discursos à pobreza das
práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 11-20, jan./jun. 1999.
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos. 9ª ed, Campinas: Pontes
Editores, 2010.
PERINI, M. A. Para uma nova gramática do português. São Paulo: Ática, 1985.
SACCONI, L. A. Nossa Gramática – Teoria e Prática. 27ª ed. São Paulo; Atual Editora, 2001.
SEVERO, C. G. Linguagem e sociedade: algumas reflexões sobre determinismo. Working
Papers em Linguística (UFSC), Santa Catarina, p. 127-140, n. 8, 2004.
SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986.
WEEDWOOD, B. História concisa da Linguística. 1ª ed. São Paulo: Parábola Editorial,
2002.

210
211
LETRAMENTO DIGITAL: O CONSUMO E AS RESSIGNIFICAÇÕES DAS TICs

Marta de Souza França


Instituto Federal da Bahia

Barbara Leonora Souza de Miranda


Instituto Federal da Bahia

RESUMO: Pensar em educação na contemporaneidade é compreender que a introdução


maciça das TICs em todas as esferas sociais abriu espaço para uma nova dinâmica docente
no modo de ser e de fazer pedagógico nas escolas brasileiras. Cabe salientar que a abertura
de espaço, pelo simples fato do acesso às novas tecnologias ou a presença de salas de
informática nas escolas não pode ser considerado como políticas de Inclusão Digital, uma
vez que não necessariamente implica transformação das tradicionais práticas de ensino-
aprendizagem. Acreditamos que para haver efetividade na utilização das TICS, mudanças são
necessárias no intuito de se fornecer formações continuadas, garantindo aos professores
condições de realizar um ensino que valorize os usos das TICs e assim mediar juntos aos
alunos as práticas de leitura e escrita inseridas nos ciberespaços, ou seja, professores
letrados digitalmente.
Palavras-chave: Formação do Professor. Inclusão Digital. Letramento. TICs.

INTRODUÇÃO
Pensar na inclusão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no espaço
escolar significa também investigar como estão sendo realizadas a capacitação docente e a
circulação dos saberes, já que, como bem afirmam Pretto; Silverio (2008), para se alcançar
“novas educações”, faz-se necessário buscar as potencialidades presentes nos usos destas
tecnologias. Mas para estes autores, a presença de tais instrumentos nas escolas não implica
necessariamente usos efetivos e ganhos no processo de ensino-aprendizagem.
Apesar de se reconhecer as contribuições das TICs na contemporaneidade, evidencia-
se nos sujeitos que transitam nas escolas públicas da periferia acessos desiguais a essas
novas tecnologias. Este ponto, a nosso ver, revela relações assimétricas de poder discutidas
nos axiomas do Marxismo (MARX; ENGELS, 2000), que podem ser localizadas nas entrelinhas
dos “discursos” sobre a Inclusão Digital (BONILLA e PRETTO, 2007). Estas questões já re-lidas
e repensadas no seio dos Estudos Culturais e suas consequências para as práticas educativas
(HALL, 2003b; DE CERTEAU, 1999), principalmente nas escolas públicas deste país,
motivaram a formulação deste projeto.
212
Nesta nova realidade, as escolas e, de modo muito pontual, os professores se
percebem “lançados” num “mundo à parte”, na dita cibercultura18, e como se não bastasse,
descobrem que precisam superar mais este desafio imposto pela dinâmica neoliberal, para
que não sejam de fato “desconectados” deste processo (BONILLA e PRETTO, 2007). Deve-se
destacar que este discurso também se materializa nas angustiadas vozes docentes ecoadas
durante formação continuada para professores de língua materna, numa escola pública do
município de Feira de Santana e que essas vozes refletem e impulsionam a proposta deste
projeto.
É preciso explicar que quando fomos convidados a trabalhar com estes professores,
uma das propostas era fomentar e diversificar práticas de leituras e escritas em sala, ou seja,
propostas voltadas às práticas de letramento (KLEIMAN, 2006; SOARES, 2002; ROJO, 2007).
Logo no primeiro encontro, e para nossa surpresa, vieram perguntas do tipo: vamos
aprender a usar a lousa digital19? Como podemos fazer o aluno se interessar por ler e
escrever a partir desta lousa digital? Por que só agora é que chegou a formação? Enfim,
sentimos muita euforia nesses atores sociais, ávidos por aprender, por serem incluídos na
TIC/lousa digital que a escola dispunha, mas que, segundo eles, até aqui só era usada para
projetar filmes.
Devido ao ocorrido, convocamos a coordenação da escola e solicitamos uma visita e
apresentação à dita lousa digital. Uma questão importante a saber é que, segundo a direção
da escola, a administração pública desta cidade diz defender a Inclusão Digital (ID) e usou
este argumento para implantar um projeto denominado Feira Digital20 que se direciona
especialmente aos segmentos da Saúde; Segurança e Educação. Embora a Saúde e a
Segurança sejam aspectos relevantes, em nossa proposta de pesquisa interessa-nos analisar
o segmento Educação, e mais especificamente os efeitos no ensino e na formação dos
professores desta escola, após a implantação da lousa digital na sala de aula.

18
Para Pierre Levy (1999), a cibercultura é “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o ciberespaço” (p.17).
19
Também desconhecíamos seu funcionamento, sabendo da existência desta nova ferramenta de ensino tão
somente mediante chamadas da mídia local.
20
Segundo a direção da escola, este projeto foi recém implantado em Feira de Santana (1 ano) e o modelo fora
importado do estado do Paraná. O texto sobre o projeto Feira Digital está disponível no site:
http://www.pmfsdigital.ba.gov.br.
213
Destarte, compreendemos que eis aí algo que vale a pena investigar: (i) por ser um
tema interessante e atual, que lança um olhar à inclusão digital de grupos minoritarizados21;
(ii) para discutir mais de perto sobre o Letramento Digital22 um novo suporte para leitura e
escrita e sua interface no par de opostos acessos-usos efetivos, que vem quebrando
paradigmas dentro das escolas e (iii) pela novidade da pesquisa, posto que ainda não se
realizou neste município um estudo etnográfico das identidades docentes e suas
representações quanto ao consumo das TICs, bem como os impactos da lousa digital como
uma ferramenta de ensino, buscando entender seus efeitos e possíveis ganhos para a
educação não só nesta escola, mas que possa dialogar com realidades mais amplas.
Em detrimento do estado inicial deste trabalho, optou-se pelo Ensaio Teórico como
forma de apresentar os primeiros achados da pesquisa, por entender que este consiste em
exposição lógica, reflexiva e argumentativa de estudos realizados. Buscou-se ter uma
rigorosa análise dos textos, ainda que tenha havido um alto nível de interpretação e
julgamento pessoal, comum a este tipo de trabalho – o Ensaio Teórico. É sabido que no
ensaio há maior liberdade por parte do autor, no sentido de defender determinada posição
sem que tenha que se apoiar no rigoroso e objetivo aparato de documentação empírica e
bibliográfica, como acontece em trabalhos de outra natureza.
Acreditamos na relevância de um estudo desta, haja visto que as questões culturais e
educacionais que fundamentam este trabalho pretendem lançar um olhar reflexivo/crítico:
sobre as políticas de inclusão digital, sendo Feira de Santana apenas um ponto de partida; a
respeito do letramento digital, que acreditamos transitar entre os territórios da escola e da
comunidade; e sobre a formação continuada e sua importância para permitir a esses
professores uma aprendizagem efetiva, para que possam se apropriar das novas tecnologias
que estão disponíveis na escola.

21
Falar de minorias aqui é pensar nas relações desiguais de acessos à cibercultura e usos efetivos,
especialmente, num contexto de escola pública de um bairro periférico, cujo corpo docente afirma sentir-se
abandonado e “perdido”, sem o apoio/formação que venha conduzir práticas educativas com as TICs em sala
de aula.
22
Estamos cientes que o trabalho com letramento digital, em alguma medida, já está sendo feito no interior
desta linha de pesquisa (a exemplo da defesa da Msc. Úrsula Nascimento de Sousa Cunha). Por outro lado, há
questões que ainda não foram tocadas, e que acreditamos ser discussões bem oportunas para o Mestrado em
Crítica Cultural.

214
O EMBASAMENTO DA PROBLEMÁTICA
Não há como ignorar que pensar em educação na contemporaneidade é
compreender que a introdução maciça das TICs em todas as esferas sociais abriu espaço
para uma nova dinâmica docente no modo de ser e de fazer pedagógico nas escolas
brasileiras. Cabe salientar: abriu espaço, visto que o simples fato de acessar as novas
tecnologias ou a presença de salas de informática nas escolas não pode ser considerado
como políticas de ID, uma vez que não necessariamente implica transformação das
tradicionais práticas de ensino-aprendizagem (BONILLA e PRETTO, 2007; SANTAELLA, 2008).
Atualmente, os estudos de Libâneo (2002) e mais adiante de Costa (2009) anunciam
que há necessidades na escola, envolvendo diretamente as práticas reflexivas docentes e as
questões de formações continuadas, as quais precisam ser revistas mais de perto. Portanto,
há uma questão que muito nos incomoda e que precisa ser combatida que é quando a
sociedade credita a responsabilidade do caos no ensino e, em especial, do ensino nas escolas
públicas apenas ao corpo docente. Muitas vezes, não se reflete que a classe de professores
pode ser/estar pouco instrumentalizada para lidar com as novas configurações educacionais
oriundas dos estudos pós-modernos (HALL, 2003b) e dos adventos das TICs.
Quando direcionamos a lente investigativa às escolas públicas brasileiras e às
políticas de ID, é possível constatar que pouco se conseguirá com programas que não
realizem ações que garantam à população condições para o uso efetivo das TICs com o
intuito de promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades. Dessa maneira, a ID
precisa ser ainda mais discutida e exigida nos espaços escolares como uma possibilidade de
subverter as relações de poder e as formas opressoras que se sustentam e se perpetuam
através da imposição de necessidades neoliberais (MARX; ENGELS, 2000).
Bonilla (2010) acrescenta que o número de professores que propõem atividades de
aprendizagem articuladas diretamente com as TIC é reduzido porque lhe falta formação
continuada para trabalhar com as novas linguagens presentes nestes espaços. De acordo
com Soares (2002), nestes trabalhos precisam ser introduzidas novas práticas sociais de
leitura/escrita, oportunizadas pelo computador e Internet e nomeadas por Letramento
Digital.

215
Outro autor envolvido com os estudos sobre Letramento Digital definiu-o como
conjunto de práticas sociais que “se apóiam, entrelaçam e apropriam mútua e
continuamente por meio de dispositivos digitais para finalidades específicas [...]” (BUZATO,
2007: 16), o qual se difere das práticas de leitura e escrita existentes na cultura do texto
impresso. Para Soares (2002), há vários desafios enfrentados nas escolas públicas brasileiras
quando se pensa no letramento digital, os quais não só se localizam no ponto de escassez
e/ou implantação das novas tecnologias no espaço escolar (televisores, DVD, rádio, internet
e a própria lousa digital (objeto de estudo) etc; mas também nas questões de usos efetivos
que docentes e aprendizes fazem dessas ferramentas na rotina dentro e fora da escola.
Nesta direção, é importante entender as representações identitárias desses sujeitos,
especialmente destes docentes, quanto à condição de usuários/consumidores das TICs
(GARCIA-CANCLINI, 2006) que perpassa o contexto escolar, visto que para Freitas (2006) a
identidade se apresenta nas várias formas de papéis que assumimos ao longo da vida e no
contato com grupos. Esta enunciação parece concordar com os estudos de Hall (2003a) ao
afirmar que não há identidade plenamente identificada e segura, e, consequentemente, o
homem, como sujeito do/no mundo, tem sua identidade colocada em conflito nas diversas
práticas sociais das quais participa/interage.
Como as TICs, o letramento digital e a identidade docente dialogam e se entrelaçam,
cabe problematizar as seguintes questões: Em que medida as políticas de Inclusão Digital são
compreendidas pelos docentes da escola municipal aqui mencionados e quais os efeitos da
utilização das novas tecnologias, em especial do uso da lousa digital, no seu modo de ser e
na prática pedagógica? Além disso, será que quando estes docentes realizam propostas de
leitura e escrita na sala de aula há nelas marcas identitárias de consumo/uso das mídias e
suas linguagens para além dos muros escolares que refletem a realidade sócio-cultural
destes sujeitos, podendo ser traduzidas como práticas de letramento digital? De que
maneira então estas práticas podem ser articuladas em sala de aula, transformando a escola
num espaço de interatividade?
Caberia supor que as discussões sobre ID nesta escola ficam voltadas apenas à
presença das TICs nas salas de aula e não para a posse efetiva delas. Assim, o corpo docente
encontra-se segregado e inserido numa política de inclusão-excludente, já que um programa

216
que apenas oportuniza acessos não basta para emancipar esses sujeitos, garantindo-lhes a
efetiva democratização de saberes consoante às potencialidades destas novas tecnologias.
Entendemos também que não se pode considerar que esses docentes estejam de todo
alheios a estes entornos tecnológicos e as novas linguagens e isso pode ser observado nas
breves narrativas dos docentes pesquisados, pois eles se dizem usuários/consumidores das
TICs fora do contexto escolar, à medida que acessam a internet. Mas falta consciência
quando as representações identitárias de assumem enquanto consumidores destas TICs fora
da escola e dentro dela, o que representa um abismo entre prática e tradição, um desafio ao
seu fazer pedagógico.

CONCLUSÕES
Acreditamos que para haver mudanças nestes usos são necessárias formações
continuadas, garantindo aos professores condições de realizar um ensino que valorize os
usos das TICs e assim mediar juntos aos alunos as práticas de leitura e escrita inseridas nos
ciberespaços, ou seja, professores letrados digitalmente23.
Desta forma, entender como as novas Tecnologias da Informação e Comunicação,
dando destaque à lousa digital, são discutidas, consumidas e ressignificadas, na escola
municipal, situada na periferia do Bairro da Santa Mônica na cidade de Feira de Santana-Ba e
como estes consumidores/docentes avaliam os efeitos da presença das TICs no seu modo de
ser e de fazer pedagógico, dará pistas para a superação da problemática posta.
Além disso, identificamos a necessidade de novas investigações de forma mais
aprofundada: Das experiências de uso das novas tecnologias em sala de aula, de modo que
se avaliem pontos fracos e fortes desta utilização no ensino, vindo a produzir mudanças e
novos interesses no modo de fazer pedagógico; A fim de perceber em que medida as
práticas de leitura e escrita realizadas em sala de aula através das mídias e do uso da lousa
digital refletem o letramento digital docente, valorizando a ação do professor como um
caminho para sua autonomia e real emancipação; De forma a identificar como o corpo
docente, enquanto consumidores das TICs, mobiliza e aplica os conhecimentos de uso das

23
De acordo com Freitas (2010) no conceito de letrados digitalmente, “os professores precisam conhecer a
linguagens digitais que são usadas pelos alunos, para integrá-los, de forma criativa e construtiva, ao cotidiano
escolar” (p.3).
217
novas mídias nas salas de aula; De maneira a imbricar conhecimentos acadêmicos e
conhecimentos da prática desses profissionais, contribuindo para o empoderamento desses
professores, dando-lhes voz e vez para assim reduzir as desigualdades e exclusões, já
apontadas no contexto da ID.

REFERÊNCIAS
Bonilla, M. H. Políticas públicas para Inclusão digital nas escolas. Motrivivência ano XXII,
nº 34, p. 40-60 jun./2010.
Bonilla, M. H.; Pretto, N. de L.. Formação de Professores: as TIC estruturando dinâmicas
curriculares horizontais. In: ARAÚJO, Bohumila; Freitas, Katia S. (coords.). Educação a
Distância no contexto brasileiro: experiências em formação inicial e formação continuada.
Salvador: ISP/ UFBA, 2007. p.73-92.
Buzato, M. Entre a Fronteira e a Periferia: linguagem e letramento na inclusão digital.
Tese de Doutorado em Lingüística Aplicada - Instituto de Estudos da Linguagem,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
Costa, M. V. (Org.). A Educação na Cultura da Mídia e do Consumo. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2009.
De Certeau, M. A Cultura no Plural. São Paulo: Papirus, 1995.
Freitas, F. de L. de. A constituição da identidade docente: discutindo a prática no
processo de formação. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Estadual de
Campinas, 2006.
Garcia-Canclini, N. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 6
ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.
Gil, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
Hall, S. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003a.
______. Estudos culturais e seu legado teórico. In: Da diáspora: identidades e mediações
culturais. Org. Liv Sovik. Trad. Adelaide La Guardiã Resende... (et al). Belo Horizonte: Editora
UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003b.

218
Kleiman, A. B. Processos identitários na fromação profissional: o professor como agente
de letramento. In: Ensino de Língua: representação e letramento. Campinas-SP: Mercado
das Letras, 2006. – (Coleção Ideias sobre Linguagem).
Levy, P. Cibercultura. São Paulo: Unesp, 1999.
Libâneo, J. C. Reflevidade e formação de professores: outra oscilação do pensamento
pedagógico brasileiro? In: Pimenta, S. G.; Ghedin, E. (orgs.) Professor Reflexivo no Brasil:
gênero e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002, p. 53-79.
Macedo, R. S. Etnopesquisa crítica, etnopesquisa-formação. Brasília: Líber Libro Editora,
2006.
Marx, K.; Engels, F. O Manifesto Comunista. 6a. Edição. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
Pretto, N. de L.; Silveira, S. A. (Orgs). In: Além das redes de colaboração: internet,
diversidade cultural e tecnologias do poder. Salvador: EDUFBA, 2008. p.51-68.
Rojo, R. Letramentos Digitais – a leitura como réplica ativa. Trabalhos em Linguísticas,
Campinas, n.46(1), jan,/Jun. 2007, p.63-78.
Santaella, L. Culturas e artes pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São
Paulo: Paulus, 2008.
Soares, M. Novas prática de leitura e escrita: letramento na cibercultura. In: Educação e
Sociedade, Campinas, v.23, n.81 p.143-160, dez. 2002.

219
GT 02 – Informação, Educação e Tecnologias

PROFESSOR-NAVEGADOR NO INFO-MAR DIGITAL: O USO DA TECNOLOGIA MÓVEL NO


ENSINO DE INGLÊS

Carlos Fabiano de Souza


IFF/UFF

RESUMO: Este trabalho visa a fomentar uma discussão acerca do uso da tecnologia móvel
no ensino de inglês, a partir de resultados iniciais de um projeto em desenvolvimento no
IFFluminense (campus Cabo Frio), que tem como objetivo utilizar dispositivos móveis
enquanto ferramenta educacional de apoio ao processo ensino-aprendizagem de
LE/adicional. Pode-se dizer que, atualmente, há um considerável número de usuários desse
tipo de tecnologia, cujos reflexos são sentidos em ambiente escolar, especialmente, com
educandos da Era Digital que fazem uso constante de aparelhos móveis. Nesse aspecto,
torna-se relevante buscar meios de agregá-los a nossa prática de ensino. Dessa maneira,
nosso projeto encontra eco no cenário atual, no qual dispositivos móveis têm feito cada vez
mais parte de nossas interações sociais e, em virtude da grande demanda, já é possível
encontrar um número significativo de aplicativos não só pagos, mas também
disponibilizados para download grátis, que podem ser utilizados para favorecer o
aprendizado de idiomas. Em termos teóricos, formulamos o nosso trabalho levando-se em
conta os conceitos de mediação (BEDRAN, 2008, SILVA, 2008 & SALOMÃO, 2008),
interatividade (KHALIFA & SHEN, 2004), interação (PICA, 1994), colaboração (DILLENBOURG,
1999) e autonomia (LITTLEWOOD, 1996; PAIVA, 2006; JONES, 2007) e suas interconexões
com a aprendizagem mesclada (Blended Learning). Portanto, espera-se que as questões
problematizadas possam vir a nortear futuras propostas de uso de componentes
tecnológicos dessa natureza em aulas de línguas, além de possibilitar a reflexão acerca do
quão importante papel eles desempenham em práticas educacionais com alunos da geração
digital.
Palavras-chave: Tecnologia móvel. Ensino-aprendizagem de inglês. Aprendizagem mesclada.
Geração digital.

INTRODUÇÃO

Mobile learning is no longer an innovation within institutional learning but a


reflection of the world in which institutional learning takes place (TRAXLER
& VOSLOO, 2014).

Pode-se dizer que a aprendizagem móvel já ocupa um locus de destaque no que toca
ao ensino de língua estrangeira/adicional (doravante LE/A) na contemporaneidade. Esse fato

220
pode ser evidenciado levando-se em conta os inúmeros aplicativos móveis que podemos
encontrar disponíveis para aprendizes de língua inglesa nos dias de hoje. No entanto,
percebe-se que ainda há poucas propostas de práticas pedagógicas voltadas para o uso da
tecnologia móvel em aulas de LE/A. Acredita-se que esta lacuna se deva ao fato de que, no
que concerne à educação formal, o uso de celulares pelos alunos têm sido alvo de diversas
críticas por parte de professores, principalmente por conta de problemas que estes
dispositivos tendem a provocar como, a distração durante as aulas, por exemplo.
Porém, a necessidade eminente de utilizar esses dispositivos como apoio ao processo
de ensino já foi, inclusive, reconhecida numa cartilha lançada pela Organização das Nações
Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) em 2013, Policy Guidelines for
Mobile Learning24, na qual a UNESCO pontua que a tecnologia móvel amplia o alcance e a
equidade da educação, melhora a educação em áreas de conflito ou que sofreram desastres
naturais, assiste alunos com deficiência, otimiza o tempo na sala de aula, permite que se
aprenda em qualquer hora e lugar, constrói novas comunidades de aprendizado, dá suporte
à aprendizagem in loco, aproxima o aprendizado formal do informal, provê avaliação e
feedback imediatos, facilita o aprendizado personalizado, melhora a aprendizagem contínua,
melhora a comunicação e maximiza a relação custo-benefício da educação.
Segundo Batista & Barcelos (2013), quando se fala em ensino-aprendizado mediado
pela tecnologia móvel, tem-se que a Mobile learning (M-learning)25 é o ramo de estudo que
se dedica a analisar como os dispositivos móveis podem colaborar para a aprendizagem.
Ainda de acordo com essas autoras, as atividades nesse campo de pesquisa, em geral,
tendem a ser ancoradas por questões epistemológicas que envolvem conceitos como:
interatividade, mobilidade, trabalho em equipe, entre outros.
Ressalta-se ainda que propiciar o engajamento dos educandos em práticas que fazem
uso de aparelhos móveis requer considerar que o cenário atual é perpassado pelo uso

24
Cartilha lançada pela UNESCO em 2013 com 13 (treze) bons motivos para usar tecnologias móveis na escola e
10 (dez) recomendações para governos.
25
De acordo com Pelissoli & Loyolla (2004), o M-learning é a fusão de diversas tecnologias de processamento e
comunicação de dados que permite aos estudantes e aos professores uma maior interação. Em outras
palavras, este tipo de aprendizagem utiliza as tecnologias de redes sem fio, os novos recursos fornecidos pela
telefonia celular, a linguagem XML, a linguagem JAVA, a linguagem WAP, os serviços de correio de voz, serviços
de mensagens curtas (SMS), a capacidade de transmissão de fotos, serviços de e-mail, multimidia message
service (MMS), etc.
221
desses dispositivos, os quais estão cada vez mais presentes no dia a dia das pessoas. Isso se
deve, primordialmente, a crescente portabilidade e convergência funcional de tecnologias,
bem como a redução de custo de produtos e serviços disponíveis (BATISTA & BARCELOS,
2013). Sendo assim, enquanto professores comprometidos com o processo ensino-
aprendizagem, diante de educandos da Geração Digital, é preciso buscar maneiras de
agregar as novas tecnologias digitais às nossas práticas cotidianas e, nesse aspecto,
tomamos por enfoque em nossos estudos os aparelhos de telefonia móvel, entendidos
como objetos de ensino e aprendizagem familiares a realidade dos educandos, atuando,
assim, como facilitadores do processo.
No entanto, é importante salientar que a apropriação e uso desse tipo de tecnologia
como recurso de ensino não é uma tarefa simples. Num primeiro instante, elaborar um
plano de aula ancorado pela utilização de aparelhos de telefonia móvel pode até parecer
uma atividade relativamente fácil, pois esses aparatos tecnológicos estão muito presentes
em nossos hábitos diários. Entretanto, faz-se necessário conceber o uso de componentes
digitais móveis a partir de sua finalidade pedagógica. Dessa maneira, como bem nos adverte
Kenski (2007), para que as tecnologias possam trazer alterações no processo educativo, elas
têm de ser compreendidas e incorporadas pedagogicamente. Dito de outra forma, isso
requer “respeitar as especificidades do ensino e da própria tecnologia para poder garantir
que o seu uso, realmente, faça diferença” (KENSKI, 2007, p.46).
Ressalta-se ainda que a utilização pedagogicamente correta de qualquer recurso
tecnológico na contemporaneidade precisa levar em conta, sobretudo, o fato de que educar
com tecnologia é fazer uso proficiente das melhores ferramentas educacionais de que se
dispõe no tempo em que se ensina, mantendo sempre os olhos voltados para o tempo que
virá. Nessa medida, o projeto de que trata este trabalho surge da urgente necessidade de
prover educandos de cursos técnicos do IFFluminense (campus Cabo Frio) com a
oportunidade de se manter em contato com o idioma alvo, em ambiente extraclasse,
entendendo que quanto maior a sua exposição à língua, maiores são as chances de aquisição
de conhecimento significativo e, particularmente, torna-se maior a possibilidade de
desenvolver as habilidades comunicativas que permitem aos mesmos a solidificação de sua
proficiência linguística, tal que seja possível provê-los com as ferramentas necessárias que os

222
permitam utilizar o idioma alvo não só para a formação pessoal, mas também para a
inserção na Comunidade Global.
Assim, podemos afirmar que este projeto dialoga com o cenário atual, no qual o
Instituto se insere como uma instituição pluricurricular, multicampi que se organiza tendo
como eixo a articulação entre Ensino, Pesquisa e Extensão. Desse modo, ao desenvolver um
projeto desta natureza, em aulas de LE/A, acreditamos que os nossos alunos estarão mais
aptos a desenvolver as habilidades linguísticas que os capacitem a usar a língua em estudo
de maneira mais eficaz e proficiente, como suporte à formação acadêmica, para o mercado
de trabalho e, sobretudo, para que estes tenham voz política. Nessa perspectiva, eles
tendem a ser capazes de expressar seus pontos de vista em linguagem convincente,
defendendo os interesses locais e regionais em escala mundial, participando mais
ativamente das decisões em nível global como cidadãos do mundo.
No que tange à manutenção da aprendizagem fora de sala de aula, podemos afirmar
que ao longo dos anos muitos recursos tecnológicos têm surgido como suporte aos estudos
e desenvolvimento de atividades de consolidação de práticas extraclasse. Com o advento
dos avanços tecnológicos, acredita-se que crescem também as possibilidades de melhora do
aprendizado autônomo – em qualquer hora, em qualquer lugar. No entanto, percebe-se que
um número considerável de educandos conhecem as tecnologias que lhes permitem
pesquisar, comunicar-se e publicar, mas nem sempre o fazem com propósitos de
autoaprendizagem. Por essa razão, acreditamos que o professor, enquanto navegador no
info-mar digital26, desempenha um papel fundamental, pois é ele quem indica a rota do
conhecimento, auxiliando na problematização de situações, fomentando questionamentos a
partir da disponibilização de diversos dados em redes de conexão, tornando-se, portanto,
mediador de grupos de trabalho educacional. Por outro lado, o educando deixa de ser
passivo, apenas olhando, ouvindo e copiando, mas interage – inventando, transformando,
coconstruindo, colaborando, acrescentando, tal que este se torne um coautor do processo

26
Neste trabalho, utilizo a expressão info-mar digital para me referir ao fluxo informacional, ou mesmo o mar
de informações pelas quais somos bombardeados diariamente em meios digitais, cabendo ao professor que
navega por essas ondas de comunicação e informação guiar os seus educandos no processo de filtragem,
seleção e aproveitamento adequado de conteúdo, auxiliando-os, assim, na coconstrução de conhecimento
significativo durante o processo de aprendizagem mediado pelas novas tecnologias.
223
de ensino-aprendizagem em curso. Cabem aqui os apontamentos feitos por Pozo & Adalma
(2014) quando salientam que

[...] boa parte dos adolescentes nativos digitais tem uma alfabetização
digital (sabe usar as TICs), mas não tem uma alfabetização digital que os
habilite com as estratégias necessárias para transformar essa informação a
que conseguem ter acesso – muitas vezes melhor que seus professores! –
em conhecimento autêntico. Essa é uma demanda imprescindível para
construir uma verdadeira sociedade do conhecimento, que requer uma
nova cultura de aprendizagem [...] – uma cultura que implica o uso das TICs
não para reproduzir velhos hábitos de ensino e aprendizagem
transmissivos, e sim para fomentar novas formas de aprender e ensinar em
que o docente seja o mediador de um diálogo que transcenda a sala de aula
para incorporar os novos espaços de conhecimento abertos pelas TICs
(POZO & ADALMA, 2014, p.12-13).

Nesse aspecto é que ganha vida o projeto desenvolvido com alunos do IFFluminense
(campus Cabo Frio), com o intuito de investigar as potencialidades do aplicativo
multiplataforma Whatsapp Messenger – como um objeto pedagógico capaz de auxiliar no
processo ensino-aprendizagem de LE/A – enquanto suporte à aprendizagem de educandos
do Curso de Ensino Médio Técnico Integrado em Hospedagem (1º ano), especialmente, em
ambiente extraclasse.
Para o desenvolvimento do projeto em questão, formulamos o nosso trabalho
levando-se em conta os conceitos de mediação (BEDRAN, 2008, SILVA, 2008 & SALOMÃO,
2008), interatividade (KHALIFA & SHEN, 2004), interação (PICA, 1994), colaboração
(DILLENBOURG, 1999) e autonomia (LITTLEWOOD, 1996; PAIVA, 2006; JONES, 2007) e suas
interconexões com a aprendizagem mesclada (Blended Learning).
Em termos sequenciais, este texto está dividido da seguinte maneira: inicialmente,
traçarei algumas considerações acerca da aprendizagem mesclada e a apropriação que nos
interessa desta abordagem para o trabalho na interface com a aprendizagem móvel. Em
seguida, apresentarei as potencialidades do uso do WhatsApp Messenger em aulas de inglês,
bem como as etapas do projeto em desenvolvimento no campus Cabo Frio. Finalmente,
apresento as considerações finais.

APRENDIZAGEM MESCLADA E SUA INTERFACE COM A APRENDIZAGEM MÓVEL

224
Since learning is something that the pupil has to do himself and for himself,
the initiative lies with the learner. The teacher is a guide and director; he
steers the boat but the energy that propels it must come from those who
are learning (DEWEY, 1933).

O trabalho com as tecnologias digitais em ambiente escolar pressupõe admitir a


premissa de que o professor deve assumir um papel diferenciado, tendo ele, desse modo,
que se adaptar às novas demandas tecnológicas e pedagógicas oriundas do uso dos novos
recursos disponíveis para se ensinar e aprender. Além disso, o professor navegador,
mediador do processo em curso, deve estar consciente de que se exige dele uma habilidade
no que se refere à utilização de toda tecnologia disponibilizada em seu programa de ensino.
Porém, o seu trabalho não está mais restrito ao mundo real. É requerido, pois, deste
profissional uma atuação constante em ambiente virtual – um navegar pelo mar de
informações no ciberespaço.
Levando-se em consideração a intersecção entre práticas pedagógicas que ocorrem
em sala de aula e seus desdobramentos em ambiente extraclasse, pode-se afirmar que a
Aprendizagem Mesclada (Blended Learning), ou híbrida, é dotada de uma concepção
epistemológica que dá conta de nos auxiliar no delineamento de um planejamento de
programa de ensino de LE/A mediado pela tecnologia móvel. Em outras palavras, é correto
afirmar que o nosso trabalho, então, encontra-se na interface entre duas abordagens de
aquisição de conhecimento que se concebem como complementares, a saber: a
Aprendizagem Móvel e a Aprendizagem Mesclada. Esta última é entendida como um
processo de intersecção entre técnicas de aprendizagem convencionais e virtuais, apoiadas
pelas tecnologias interativas – em que há uma combinação do aprendizado on-line com o
off-line, em modelos que mesclam momentos nos quais os alunos estudam sozinhos
(ambiente virtual), com outros em que a aprendizagem se dá na forma presencial. Além
disso, tem-se uma valorização da interação entre pares e entre aluno e professor-mediador.
Ao concatenar essas duas abordagens, percebe-se que a aprendizagem móvel tende a
potencializar o aprendizado dos educandos, visto que, como preconizado pelas diretrizes da
cartilha da UNESCO (2013), ela permite a otimização do tempo na sala de aula, permite que
se aprenda em qualquer hora e lugar, constrói novas comunidades de aprendizado, dá
suporte à aprendizagem in loco, aproxima o aprendizado formal do informal, provê avaliação

225
e feedback imediatos, facilita o aprendizado personalizado, melhora a aprendizagem
contínua e melhora a comunicação.
Na literatura especializada, tem-se que a Aprendizagem Mesclada (ou híbrida)
desmembra-se em alguns modelos com características bastante peculiares. O recorte
taxionômico comumente encontrado em pesquisas acerca dessa abordagem divide-a em
quatro tipos, quais sejam: Rotation Model, Flex Model, Self-Blend Model e Enriched-Virtual
Model. No que tange ao Rotation Model, sabe-se que este modelo é subdividido também em
quatro tipos, sendo estes: Station-Rotation Model, Lab-Rotation Model, Flipped-Classroom
Model e Individual-Rotation Model. Para o desenvolvimento do nosso projeto, optamos por
utilizar a concepção da Sala de aula invertida (Flipped Classroom) como um tipo específico
de Blended Learning, da categoria Rotation Model (STAKER & HORN, 2012). Essa abordagem
pressupõe um primeiro contato do aluno com o conteúdo virtualmente, fora da sala de aula,
e posteriormente um momento de consolidação da aprendizagem em sala de aula sob a
orientação do professor e através da interação com os colegas de turma. Para melhor
compreendermos a concepção que norteia a filosofia da Sala de aula invertida, apresento
uma análise contrastiva entre o modelo tradicional de ensino e essa abordagem (figura 1).

Figura 1: Modelo tradicional vs. Sala de aula invertida

226
Fonte: Desenvolvida por mim – baseado no modelo de Steed (2012)27

Percebe-se que com a sala de aula invertida ocorre uma quebra de paradigma. Leva-
se em consideração sobremaneira o conhecimento que o educando é capaz de construir de
forma autônoma quando lhe é fornecido insumo por parte do professor em momento a
priori. A consolidação da aprendizagem é, portanto, efetivada em sala de aula, na medida
em que este espaço se constitui em um momento real de elucidação de dúvidas,
problematização de questões em discussões fomentadas pelo conteúdo fornecido pelo
professor-mediador, etc. Há, assim, uma coconstrução de conhecimento. Observa-se que no
caso da tecnologia móvel há uma ampliação das possibilidades de interação dos alunos na
construção compartilhada de saberes, possibilitada pela manutenção do contato entre os
alunos através do aparelho móvel em ambiente extraclasse. Dito isso, cabe a colocação feita
por Tori (2010) quando diz:

As atividades educacionais desenvolvidas em um mesmo espaço físico


facilitam a interação entre aluno e professor, e entre os próprios alunos,
além de propiciar ao professor a obtenção instantânea e contínua de
feedback visual, auditivo e emocional. Contudo, nem sempre esse potencial
pode ser bem aproveitado (numa aula expositiva para um grande número
de alunos, por exemplo). O que seria um ponto forte (a presença física)
pode também servir para encobrir deficiências pedagógicas e de
preparação de aulas. Numa atividade virtual é muito mais difícil prender a
atenção do aprendiz e garantir seu envolvimento e participação, mesmo em
cursos bem planejados. Nesse caso, porém, o que seria um ponto fraco,
serviu como impulsionador de novas técnicas e metodologias que visam,
entre outros aspectos, garantir um melhor acompanhamento do
desenvolvimento da aprendizagem, incentivar práticas colaborativas,
incorporar novas tecnologias de comunicação, motivar e envolver [...]
(TORI, 2010, p.28).

Nesse aspecto, entende-se que o professor-mediador ocupa um papel de grande


responsabilidade na escolha do tipo de recurso tecnológico que irá utilizar como suporte ao
longo de seu programa de ensino, dedicando-se ao planejamento de práticas relevantes
para que a tecnologia em apropriação não seja um fim em si mesmo, mas uma ponte para
consolidação de aprendizagens significativas.

27
Adaptação feita de “the Traditional model vs. the Flipped classroom model”, a partir do trabalho de Anthony
Steed (2012), disponível em: HTTP://steedie.wordpress.com/2012/05/24/how-to-flip-your-classroom/ Acesso
em: 12 de março de 2014.
227
WHATSAPP MESSENGER: POTENCIALIZANDO O APRENDIZADO DE LÍNGUA INGLESA
O WhatsApp Messenger é um aplicativo de mensagens multiplataforma que
possibilita aos usuários a troca de mensagens pelo aparelho de telefonia móvel sem a
necessidade de pagar por SMS (serviço de mensagens curtas). Salientamos que uma das
grandes vantagens do uso desse aplicativo como suporte ao processo ensino-aprendizagem
de LE/A é o fato de que ele permite aos usuários criar grupos, enviar mensagens ilimitadas
(com textos, imagens, vídeos e áudios). Nesse aspecto, segundo Souza (2014), a principal
maneira de utilização desse aplicativo como ferramenta educacional se dá por meio da
criação de grupos, em que os participantes desempenham o papel de pares de interação
comunicativa (peers of communicative interaction). Enquanto “pares”, os alunos são
considerados “aprendizes-falantes do idioma alvo que compartilham os mesmos interesses
de interação linguístico-discursiva em práticas de comunicação em ambiente natural (ou
simulado), em mídia virtual” (SOUZA, 2014).
Ao criar um grupo no WhatsApp para uma turma, o professor-mediador torna-se um
gerenciador (ou moderador) de um espaço virtual interativo, colaborativo e autônomo de
apoio ao ensino e a aprendizagem de línguas. No que concerne à autonomia, tomamos por
base o conceito mobilizado por Littlewood (1996) acerca da autonomia em educação, em
que a autora pontua que o educando deve ser capaz de tomar decisões de modo
independente e livre de constrangimentos externos. Isso requer do professor a habilidade
de engajar os alunos em práticas significativas no grupo criado, tal que os mesmos se sintam
confortáveis a participar, e sensibilizados a interagir em ambiente extraclasse com objetivos
bem definidos. Para a autora em questão, essa concepção de autonomia envolve três
aspectos, a saber: autonomia como comunicador (habilidade de usar a língua de forma
criativa, adequando estratégias para se comunicar de acordo com as situações nas quais se
encontra); autonomia como aprendiz (habilidade de se engajar em trabalho independente e
de fazer uso de estratégias de aprendizagem em ambiente de sala de aula e extraclasse) e
autonomia como indivíduo (habilidade de criar contextos pessoais de aprendizagem).

228
Observa-se que o professor-mediador é extremamente importante neste processo ao
criar um ambiente favorável ao desenvolvimento da autonomia do educando, além de
permitir a interação e colaboração entre os pares. Em outras palavras,

[...] a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos
conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios.
Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem
e o pensamento. O professor torna-se um animador da inteligência coletiva
dos grupos que estão a seu encargo. Sua atividade será centrada no
acompanhamento e na gestão das aprendizagens: o incitamento à troca
dos saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada
dos percursos de aprendizagem etc. (LÉVY, 1999, p.173, grifo do autor).

ZAPLISH: ETAPAS DO PROJETO


Num primeiro momento, utilizamos como instrumento de coleta de dados um
questionário acerca do uso de aparelhos celulares por parte dos alunos. Este foi aplicado no
dia 24 de julho de 2014 para 54 alunos de duas turmas do 1º ano do Curso de Ensino Médio
Técnico Integrado em Hospedagem, do IFFluminense (campus Cabo Frio).
Os alunos foram convidados a participar como voluntários, não sendo requerido aos
mesmos fornecer os seus nomes – uma maneira de estimular a participação livre e deixá-los
mais à vontade quanto ao fornecimento de respostas às perguntas fechadas. Foi dito a eles
que os dados do referido instrumento de pesquisa seriam utilizados como fonte de
alimentação para produção de práticas pedagógicas que visem à utilização de Tecnologia de
Informação Móvel (TIM) como ferramenta educacional em aulas de língua inglesa.
Dos 54 alunos que responderam ao questionário (33 do sexo feminino e 21 do sexo
masculino), verificou-se que todos os participantes informaram ter aparelho de telefonia
móvel. Entre as principais perguntas feitas, destacam-se aspectos como: frequência de uso
do aparelho, principais usos que o aluno faz do celular, se costuma acessar a internet pelo
aparelho móvel, se costuma usar o celular durante as aulas, tipos de dispositivos de envio de
mensagens que mais utiliza (texto; áudio; vídeo), se costuma utilizar o WhatsApp
Messenger, entre outras. Já quanto ao uso de aplicativos, verificou-se que o mais utilizado é
o WhatsApp. Dos 54 alunos investigados, 44 responderam que fazem uso frequente deste
aplicativo, porém, apenas 08 responderam que não utilizam com frequência, enquanto que
02 participantes deixaram esse item em branco.

229
A partir da análise dos dados fornecidos pelo referido instrumento, foi criado o grupo
ZAPLISH – English on WhatsApp, ou seja, um grupo com o intuito de atuar como um espaço
virtual interativo, colaborativo e autônomo de suporte ao processo ensino-aprendizagem de
LE/A. Nesse grupo, há a presença de pares de interação comunicativa, entendidos como
aprendizes falantes do idioma alvo que compartilham os mesmos interesses de interação
linguístico-discursiva em práticas de comunicação em ambiente natural (ou simulado), em
mídia virtual. Por outro lado, o papel do professor é o de gerenciador (moderador),
mediador do processo comunicativo-interacional.
Pode-se dizer que ao levar em conta a concepção epistemológica da sala de aula
invertida, o professor-mediador utiliza o grupo para fornecer material linguístico-discursivo
aos alunos como tarefa extraclasse. Cabe ao professor também atuar como parceiro de troca
verbal no ambiente virtual, atentando, contudo, para o fato de que os alunos precisam se
sentir à vontade, sem que pensem que estão sendo monitorados ou fiscalizados pelo
professor. Ele é, então, responsável por fomentar o trabalho colaborativo, compreendido
por Dillenbourg (1999) como o exercício da interação e dos ajustes linguísticos e
interpessoais potencialmente oriundos da própria interação em curso, de modo recíproco e
autônomo. Dessa maneira, o tempo em encontros presenciais pode ser dedicado a
atividades didáticas de consolidação das práticas desenvolvidas fora de sala mais do que a
pura exposição de conteúdos, permitindo ao docente a real oportunidade de atuar como
guia dos alunos, dando a devida atenção à diversidade de sua turma. Esse tipo de aplicativo
dá aos educandos a oportunidade de atuar ativamente sobre o seu processo de
aprendizagem, sendo ele/ela responsável por sua autoavaliação, seja durante ou ao final das
interações28.
É importante ressaltar que nos exemplos que serão apresentados, os nomes dos
participantes do grupo foram omitidos, como forma de preservar a identidade dos mesmos.
Em todo caso, os alunos serão referidos como (P1), (P2) etc. Por outro lado, a participação

28
Leva-se em consideração, neste trabalho, uma das concepções mobilizadas por Pica (1996) acerca da
interação na aprendizagem de línguas, sendo esta, uma instância de contato do aprendiz com um interlocutor,
que pode ser um falante nativo ou outro aprendiz, tanto em termos mais gerais como em contextos mais
específicos. No ZAPLISH, por exemplo, esta interação ocorre entre pares – aprendizes-falantes, ou mesmo,
entre o aprendiz e o professor-mediador.
230
do professor-mediador no serviço de mensageria, seja de texto, áudio ou vídeo, será
representada por (PM).
Para facilitar a explicitação, utilizaremos a hora de cada postagem como referência
de exemplificação das linhas dos fragmentos textuais em análise. Dessa forma, na figura 2,
observa-se um exemplo de atividade em que o professor-mediador identificou em sala de
aula uma dificuldade por parte dos alunos quanto à apreensão do sufixo “s” em verbos na
terceira pessoal do singular no Presente Simples. Assim, foi fornecido enquanto insumo para
o desenvolvimento de atividade de fixação extraclasse um desafio. O PM enviou pelo grupo
um Trava Língua29 (Tongue Twister), pedindo para que os alunos postassem uma mensagem
de áudio gravada por eles, tentando ao máximo apurar a pronúncia dos fonemas sem travar
a língua. Num primeiro momento, muitos alunos se mostraram receosos e preocupados com
o desenvolvimento da prática, admitindo, inclusive, tratar-se de uma tarefa complicada, pois
na maioria das vezes os tongue twisters são de extrema complexidade no que se refere à
produção adequada dos sons.

Figura 2: Ambiente virtual de interação por chat através do WhatsApp Messenger – A


Fonte: Desenvolvida por mim (ZAPLISH – English on WhatsApp)

29
O Trava Língua proposto pelo professor-mediador como desafio aos alunos foi: She sells seashells by the
seashore. The shells she sells are surely seashells. So if she sells shells on the seashore, I’m sure she sells
seashore shells.
231
Observa-se, a partir da figura 2, que o ambiente permite a interatividade, entendida
como o potencial dos participantes (usuários) de modificar a forma e o conteúdo do
ambiente em tempo real (KHALIFA & SHEN, 2004). Inicialmente, P1 revelou não entender a
proposta da atividade, externando o seu desapontamento numa postagem às 7h 55min com
um emoticon que nos remete ao choro. Ou seja, o participante se sente triste por não
conseguir alcançar o objetivo da atividade. Por outro lado, P2 inicialmente declarou
implicitamente que não estava conseguindo alcançar o objetivo proposto, muito por conta
do tamanho do trava língua, embora ele tenha admitido que o mesmo não era difícil. Disse,
inclusive, que o seu cérebro estava ficando confuso. No entanto, algumas horas depois, por
volta das 11h 57min, o participante fez uma postagem de contentamento, sentindo-se
orgulhoso por ter conseguido vencer o desafio de obter sucesso ao pronunciar o trava
língua, gravando, consequentemente, um áudio de seu feito para compartilhar com o grupo.
É válido destacar que há uma diminuição na participação do professor nesses tipos de
interação, propiciando, assim, uma maior atuação dos alunos como protagonistas da prática
em andamento. No entanto, o fato do professor manifestar através de “palmas” (utilizando
emoticons) que está atento ao acesso dos educandos contribui para a validação de um
sentimento de credibilidade do ambiente como um espaço de ensino-aprendizagem. Mais
do que estimular e dar um feedback positivo a execução da atividade, o professor-mediador
afirma a sua presença social, pois como postulado por Khalifa & Shen (2004), quão maior a
intensidade de troca de mensagens e falas com um partícipe de interação, maiores são as
chances de manutenção do contato e estreitamento de laços, pois se há resposta por parte
do interlocutor há interação.

232
Figura 3: Ambiente virtual de interação por chat através do WhatsApp Messenger – B
Fonte: Desenvolvida por mim (ZAPLISH – English on WhatsApp)

A figura 3 ilustra uma situação de prática autoavaliativa. Observa-se que neste tipo
de interação por chat os pares utilizam estratégias como: automonitoramento, pedido de
elucidação de dúvidas, as quais contribuem para a solidificação de uma atitude reflexiva
sobre o seu aprendizado através da observação direta de seu desempenho. Na sequência de
postagens ocorrida entre 00h 49min e 00h 50min, P3 digitou a palavra obrigado em inglês
incorretamente. Em diálogos dessa natureza, a falha de digitação não tende a acarretar
problema algum à compreensão global da mensagem. O interlocutor, assim, entende que se
trata de um erro de digitação. Porém, a imediata correção da palavra “tanks” para “thanks”
mostra a preocupação da participante em relação ao seu desempenho linguístico,
demonstrando, ainda, que sua atenção nessa atividade representa um momento relevante
de exposição ao idioma alvo, favorecendo o fortalecimento de sua aprendizagem pela
prática comunicativa. A aluna se mostra engajada na interação.
Salienta-se que muitas vezes, esse tipo de autocorreção efetiva-se mediante o uso de
um asterisco (*) seguido da digitação corrigida do termo que foi empregado de modo
incorreto anteriormente. Tomando por base as explicitações de Littlewood (1996) sobre

233
autonomia, tem-se então a caracterização da autonomia do participante como
comunicador, fazendo uso da língua de forma criativa, adequando estratégias para se
comunicar de acordo com as situações nas quais se encontra. Percebe-se, assim, que os
educandos são participantes ativos no processo de aprendizagem (JONES, 2007).
É possível afirmar que, num ambiente de interação como o ZAPLISH, estratégias de
autoavaliação são favorecidas, por conta da possibilidade de acesso imediato ao conteúdo
postado, mesmo após o envio das mensagens. A oportunidade de reler o que digitou, e ouvir
o que publicou, em uma mensagem de áudio, por exemplo, cooperam para a manutenção
de uma prática de automonitoramento.
Outra estratégia identificada refere-se ao pedido de esclarecimento. Na postagem
ocorrida às 00h 34min, P3 pede explicação sobre que preposição deve ser utilizada com o
verbo “chat”, a saber: “to” ou “with”. Nesse caso, o PM atuou ativamente na elucidação da
dúvida da participante, como observado no trecho postado às 00h 34min. Porém, é preciso
ressaltar que muitas vezes os próprios pares auxiliam na construção de conhecimento,
trabalhando de modo colaborativo. E, por conseguinte, os colegas acabam confiando na
expertise linguística um do outro, visto que a presença social do PM no grupo garante que
caso a explicação fornecida esteja incorreta, o professor tende a intervir na negociação de
sentidos estabelecida entre os pares. Diante disso, pode-se dizer que:

[...] As novas tecnologias podem reforçar a contribuição dos trabalhos


pedagógicos e didáticos contemporâneos, pois permitem que sejam criadas
situações de aprendizagem ricas, complexas, diversificadas, por meio de
uma divisão de trabalho que não faz mais com que todo o investimento
repouse sobre o professor, uma vez que tanto a informação quanto a
dimensão interativa são assumidas pelos produtores dos instrumentos
(PERRENOUD, 2000, p.139).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou apresentar alguns dos resultados oriundos de um projeto em
desenvolvimento no IFFluminense (campus Cabo Frio), acerca do uso do aplicativo
multiplataforma WhatsApp Messenger, como ferramenta de apoio ao processo ensino-
aprendizagem de LE/A. Acreditamos, assim, que a tecnologia móvel oferece aos professores
e alunos diversos recursos que podem ser aproveitados de forma eficaz em propostas
pedagógicas centradas no uso desse tipo de tecnologia. Por meio de aplicativos
234
multimidiáticos dessa natureza, o professor-navegador (mediador) pode incentivar o uso das
diversas ferramentas disponíveis para estimular a continuidade dos estudos de seus alunos
em ambiente extraclasse. Um modo prático, dinâmico e interativo de se manter em contato
com o idioma alvo em qualquer lugar, a qualquer hora. Esses dispositivos tecnológicos têm
se mostrado capazes de favorecer o desenvolvimento das habilidades comunicativas em
LE/A, além de contribuir para a solidificação de estratégias de autoaprendizagem, tal que os
alunos se tornam também responsáveis pelo controle de sua prática. Portanto, espera-se
que este trabalho possa fomentar futuros projetos educacionais que envolvam a utilização
da tecnologia móvel em aulas de línguas, por ser este um campo profícuo de possibilidades
no que concerne à implementação de programas de ensino mediados pelas tecnologias
digitais.

REFERÊNCIAS
DILLENBOURG, P. What do you mean by collaborative learning? In: P. Dillenbourg (Ed)
Collaborative-learning: Cognitive and Computational Approaches. (pp.1-19). Oxford:
Elsevier. 1999.
JONES, L. The student-centered classroom. New York: Cambridge University Press, 2007.
KHALIFA, M., SHEN, N. System design effects on social presence and telepresence in
virtual communities. Proceedings of the International Conference on Information Systems,
ICIS 2004, December 12-15, 2004, Washington, DC, USA. Association for Information
Systems 2004. Pp. 547-558. Acessado em maio de 2014.
KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP:
Papirus, 2007.
LÉVY, P. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
LITTLEWOOD, W. Autonomy: an anatomy of a framework. System, v.24, n.4, pp. 427-435,
1996.
PAIVA, V. L. M. O. Autonomia e complexidade. Linguagem & Ensino, 9, 1: 77-127, 2006.
PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Tradução de Patrícia Cretone
Ramos. Porto Alegre: Artmed, 2000.

235
PICA, T. Research on negotiation: What does it reveal about second-language learning
conditions, processes, and outcomes? Language Learning, 44(3), 493-527. 1994.
POZO, J. I., ADALMA, C. A mudança nas formas de ensinar e aprender na Era Digital.
PÁTIO ENSINO MÉDIO, ano5, n.19, Dez. 2013/Fev. 2014.
SOUZA, C. F. Teaching English to the iPhone generation: reflecting upon the use of
WhatsApp Messenger as an educational tool within language lessons. Comunicação
apresentada no III Simpósio sobre Ensino de Línguas Estrangeiras do CEFET-RJ. Rio de
Janeiro, 18 de setembro de 2014.
STAKE, H., HORN, M. B. Classifying K-12 blended learning. Innosight Institute. May 2012.
Disponível em: <http://www.innosightinstitute.org/innosight/wp-
content/uploads/2012/05/Classifying-K-12-blended-learning2.pdf>. Acesso em 10 de julho
de 2014.
TORI, R. Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de distâncias em
ensino e aprendizagem. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010.

236
PRÁTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA NA REDE SOCIAL FACEBOOK

Joyce Vieira Fettermann


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: A vida na sociedade contemporânea requer mudança de pensamento, de


comportamento social, dos modos de ensinar e também de aprender. Vive-se em uma
época em que as informações estão disponíveis em qualquer lugar, a qualquer hora,
bastando ter acesso à Internet e às diversas ferramentas que facilitam a conexão com ela.
Por consequência disso, torna-se cada vez maior e mais frequente o número de estudantes
imersos no mundo do acesso coletivo nas redes sociais virtuais, ampliando sua comunicação
com grupos de variados interesses, como jogos, música, viagens, aprendizado de línguas,
trabalho, entre outros. Nesse sentido, buscou-se com esta pesquisa demonstrar que é
possível tornar a rede Facebook, espaço digital tão utilizado atualidade, uma extensão da
sala de aula de Língua Inglesa, local onde se deu este estudo. O objetivo foi verificar se e
como seria possível o desenvolvimento da comunicação dos estudantes de língua inglesa no
ambiente pesquisado, considerando a abordagem comunicativa. Como aporte teórico,
portanto, este compreendeu leituras de pesquisadores como Krashen (1982), Larsen-
Freeman (1986), Almeida Filho (1998), Kenski (2007), Leffa (2008) e outros, tão relevantes
para o contexto estudado.
Palavras-chave: Redes sociais virtuais. Sala de aula. Língua Inglesa. Facebook.

INTRODUÇÃO
As novas tecnologias da comunicação vêm movimentando a educação e provocando
mediações entre a abordagem utilizada pelo professor, a maneira de aprender do aluno e o
conteúdo estudado. As diversas ferramentas da web 2.0 têm possibilitado uma proximidade
maior tanto do aluno como do professor de informações mais próximas da realidade, por
meio de imagens, sons e movimentos disponibilizados em rede. Estas, quando melhor
utilizadas, despertam mudanças de comportamento em ambos os sujeitos, uma vez que os
levam a uma compreensão melhor do que está sendo trabalhado em sala de aula.
Apesar disso, ainda é possível perceber que essas tecnologias não são responsáveis
por mudanças drásticas na estrutura dos cursos, na articulação de conteúdos e na maneira
como professores desempenham seu papel didático com seus aprendizes. Como, na maioria
dos casos, são tidas apenas como recursos aos quais se pode recorrer para ensinar, “estão
longe de serem utilizadas em todas as suas possibilidades para uma melhor educação”
(KENSKI, 2007, p.45).
237
Nessa perspectiva, a presente pesquisa busca integrar a utilização da rede social
Facebook ao ensino presencial da língua inglesa em um curso livre de idiomas, entendendo
que a mesma pode funcionar como um apoio dentro e fora da sala de aula. Para tanto, um
grupo de sete estudantes de nível básico foi observado pela autora deste trabalho durante o
ano letivo de 2013. Nesse espaço, eles podiam praticar o que aprendiam em sala de aula, de
forma descontraída e informal, não se afastando do aprendizado quando saíam do curso.
Este artigo, no entanto, não tem a intenção de fazer generalizações, tampouco, dar
uma palavra final sobre o assunto. Em vez disso, procura evidenciar as observações
realizadas no contexto estudado, deixando outros possíveis pontos para serem abordados
posteriormente.

A INTERAÇÃO ENTRE PROFESSOR E ESTUDANTES NAS REDES SOCIAIS VIRTUAIS


Conforme sugerem Sousa, Cordeiro e Machado (2011, p. 2) a educação ocorre
quando o educador, tanto na modalidade presencial quanto a distância, se constitui como
transformador e motivador do seu ambiente. “Deste modo, a aprendizagem ativa se torna
favorecida”, como acreditam os autores supracitados. Estes ainda destacam a importância
da interação que ocorre entre professor e estudante na construção do conhecimento,
através da participação dos mesmos. Para tanto, torna-se essencial que o professor traga
para o ambiente escolar instrumentos que instiguem a participação e a interação entre
todos: estudante/estudante, professor/estudante e estudante/professor.
Behar, Passerino e Bernardi (2007) destacam que nas últimas décadas vem
ocorrendo a passagem de uma Sociedade Industrial – que dá privilégios à cultura do ensino e
prepara os indivíduos para desempenharem papéis, acumular conhecimento, “valores e
normas vigentes, repassados de forma conteudista e desarticulada”, o que os desestimula,
por não perceberem o sentido de tanto conteúdo que lhes foi ensinado – para uma
Sociedade em Rede, em que o aluno é posicionado como protagonista do próprio
conhecimento, construído de forma cooperativa, em uma relação realizada de forma
comunicativa e reflexiva com os demais sujeitos.
Nesse sentido, nos dias atuais, milhões de pessoas vêm se agrupando em espaços
virtuais nos quais podem manter contato com indivíduos que compartilham dos mesmos

238
interesses, os quais podem variar. Marteleto chama esses espaços de redes sociais,
observando que estas funcionam como “um conjunto de participantes autônomos, unindo
ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados” (MARTELETO, 2001, p.
72).
Assim sendo, é possível notar que as tecnologias da informação e comunicação (TIC)
têm proporcionado novos modelos de redes sociais e novos instrumentos, podendo fazer
uso de diversas ferramentas, tais quais mensagem, chat, feed de notícias, grupos, páginas,
aplicativos de jogos, e mais, como é o caso do Facebook. Combinando todos esses
elementos, têm-se a formação de uma rede de relações sociais, as quais são compostas
pelas comunidades virtuais. Castells (1999, p. 385) define comunidade virtual como “uma
rede eletrônica de comunicação interativa auto-definida, organizada em torno de um
interesse ou finalidade compartilhada, embora algumas vezes a própria comunicação se
transforme no objetivo”.
Machado e Tijiboy (2005) também apontam que o uso das redes sociais digitais na
educação ainda é um campo pouco explorado, porém promissor. Suas características não
devem ser descartadas nessa área, pois demonstram ser um ambiente rico em
autenticidade, portanto, uma boa oportunidade de atrair estudantes e com eles manter
contato, visando à troca voluntária de ideias e informações.

O MÉTODO COMUNICATIVO
Enquanto nos Estados Unidos, tanto na linguística estruturalista de Bloomfield
quanto na gramática gerativo-transformacional de Chomsky, os linguistas tenham se
concentrado no código da língua, analisada de maneira ascendente até o nível da frase, na
Europa os linguistas se preocupavam em estudar a semântica e a sociolinguística,
enfatizando o discurso. Como defende Leffa (2008), esse estudo não obtinha apenas a
análise do texto – oral ou escrito – como pressuposto, mas também as circunstâncias em
que era produzido e interpretado. Dessa forma, a língua não era analisada como um
conjunto de frases apenas, mas como um conjunto de eventos comunicativos.
Essa nova visão da língua veio ao encontro do vazio deixado pelo declínio do Método
Audiolingual. Com isso, nascia o Método Comunicativo, enfatizando a semântica da língua,

239
em vez de códigos, como acontecia no audiolingualismo. Em linhas gerais, neste método o
uso da linguagem apropriada, adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel
desempenhado pelos estudantes, é considerado fator relevante. Nesse sentido, a
comunicação se torna o foco e as formas linguísticas passam a ser ensinadas apenas quando
necessárias ao desenvolvimento da competência comunicativa, podendo ter mais ou menos
importância do que outros aspectos, como saber de que maneira utilizar a língua para se
comunicar em determinada situação.
A partir dos anos 1970 e 1980, novas teorias emergiram nas áreas da linguística e da
psicologia educacional. Piaget e Vygotsky, pais da psicologia cognitiva contemporânea, já
haviam proposto que o conhecimento é construído em ambientes naturais de interação
social, estruturados culturalmente. Dessa maneira, cada aprendiz constrói o próprio
aprendizado baseado em experiências de fundo psicológico resultantes de sua participação
ativa no dado ambiente (SCHÜTZ, 2007). Leffa (2008) ressalta a importância de os materiais
utilizados durante as aulas de inglês serem autênticos. Segundo o pesquisador,

O material usado para a aprendizagem deve ser autêntico. Os diálogos


devem apresentar personagens em situações reais de uso da língua,
incluindo até os ruídos que normalmente interferem no enunciado
(conversas de fundo, vozes distorcidas no telefone, dicções imperfeitas,
sotaques, etc.). Os textos escritos não devem se restringir aos livros ou
artigos de revistas, mas abranger todas as formas de impressos: jornais
(notícias, manchetes, fotos com legendas, propagandas, anúncios
classificados, etc.), cartas, formulários, contas, catálogos, rótulos,
cardápios, cartazes, instruções, mapas, propagandas, bilhetes, contratos,
cartões, listas telefônicas, tudo enfim ao que o falante nativo está exposto
diariamente. O uso de textos simplificados deve ser evitado, porque
prejudicaria a autenticidade do material; simplificar a tarefa, se necessário,
mas não simplificar a língua (LEFFA, 2008, p. 22).

Corroborando o que ressalta o autor supracitado, Almeida Filho (1998)


complementa:

O ensino comunicativo é aquele que organiza as experiências de aprender


em termos de atividades relevantes/tarefas de real interesse e/ou
necessidade do aluno para que ele se capacite a usar a língua-alvo para
realizar ações de verdade na interação com outros falantes-usuários dessa
língua (ALMEIDA FILHO, 1998, p. 36).

240
O método comunicativo defende a aprendizagem centrada no estudante (LEFFA,
2008), não apenas em termos de conteúdo, mas também de técnicas utilizadas pelo
professor em sala de aula. Assim, este deixa de exercer seu papel de autoridade e de
distribuidor conhecimento para assumir o papel de orientador, de mediador e facilitador da
aprendizagem. Nesse sentido, o aspecto afetivo demonstra ser visto como uma variável de
primordial importância no processo, no qual o professor deve mostrar interesse pelos
anseios dos estudantes, encorajando sua participação, acatando as sugestões por eles dadas
durante as aulas, e, como demonstra Larsen-Freeman (1986, p.129), dando a eles a
“oportunidade de expressarem suas ideias e opiniões”.
Assim, como ressalta Leffa (2008), no método comunicativo não existe ordem de
preferência na apresentação das habilidades (ouvir e compreender, falar, ler, escrever) nem
restrições maiores quanto ao uso da língua materna, pelo contrário, as habilidades são
trabalhadas de modo integrado. Dependendo dos objetivos de cada atividade, poderá haver
concentração em apenas uma delas. Entretanto, “a língua-alvo deve ser um veículo de
comunicação durante a aula e não apenas um objeto de estudo” (LARSEN-FREEMAN, 1986,
p.129).
Portanto, ainda de acordo com Leffa, entre as características deste método,
destacam-se as seguintes:
1. Maior importância às necessidades de comunicação do aluno, como por exemplo,
sugerir, optar, opinar, pedir informação etc.;
2. Funções da linguagem apresentadas em situações que modificam essas
necessidades (como, por exemplo, se dirigir a uma balconista para solicitar informação);
3. Ênfase no modo como usar determinada forma para se atingir certa necessidade
da comunicação;
4. Material de ensino baseado muito mais no estudante e, em relação aos outros
métodos, refletindo com maior precisão o uso natural da língua; e
5. Participação ativa do estudante no processo de aprendizagem através de
dramatizações, trabalhos em grupo, entre outros.
A comunicação, segundo o linguista aplicado Almeida Filho (1998), se dá como uma
forma de interação social propositada, em que acontecem demonstrações de apresentação

241
pessoal, unidas ou não à (re)construção de conhecimento e troca de informações. O
estudioso ainda pontua que

Aprender uma língua nessa perspectiva é aprender a significar nessa nova


língua e isso implica entrar em relações com outros numa busca de
experiências profundas, válidas, pessoalmente relevantes, capacitadoras de
novas compreensões e mobilizadora para ações subsequentes. Aprender LE
assim é crescer numa matriz de relações interativas na língua-alvo que
gradualmente se desestrangeiriza para quem a aprende (ALMEIDA FILHO,
1998, p. 15).

Partindo dessa premissa, o uso genuíno e autêntico da língua como um instrumento


de comunicação social se configura como algo que exerce influência na maneira como
determinado idioma é aprendido. Sendo assim, a interação propositada na LE entre sujeitos
desempenha importante papel nesse processo, uma vez que é por meio dela que haverá a
construção de sentido, de significados na língua-alvo.
Larsen-Freeman (1986) sugere alguns princípios relacionados ao aprendizado de
língua estrangeira no método comunicativo, a saber: 1) ter capacidade para entender a
intenção do falante ou escrevente faz parte da competência comunicativa; 2) uma função
pode ter várias formas linguísticas, uma vez que o foco está no uso real da língua, uma
variedade de formas linguísticas devem ser apresentadas juntas; 3) os estudantes devem
trabalhar com a linguagem no nível do discurso. Eles devem aprender sobre coesão e
coerência; 4) Os jogos são importantes pois eles possuem características em comum com
eventos reais de comunicação, e, durante essa atividade, o falante recebe um feedback
imediato de seu ouvinte que o faz entender se ele obteve êxito ou não na comunicação; 5)
os estudantes devem trabalhar em grupos pequenos, pois isso maximiza a prática
comunicativa exercida entre os membros dos mesmos, podendo se expressar e dar opiniões;
6) os erros são resultados naturais do desenvolvimento das habilidades de comunicação; 7)
uma das maiores responsabilidades do professor é estabelecer situações que promovam a
comunicação entre os estudantes; 8) a interação comunicativa encoraja relações de
cooperação entre os estudantes e os ajuda a negociar significados; 9) durante as atividades
comunicativas, o professor age como coordenador das mesmas; 10) a gramática e o
vocabulário aprendidos seguem a função da língua, o contexto e as regras dos
interlocutores; e 11) os estudantes devem ter a oportunidade de desenvolver estratégias
242
para interpretarem o idioma da maneira como ela é usada por falantes nativos (LARSEN-
FREEMAN, 1986, pp. 129-130).
Vale ressaltar que Noam Chomsky revolucionou a linguística nos anos 60, afirmando
que língua não era uma habilidade memorizada, mas criativa. Ao destacar o aspecto criativo
das línguas, o linguista nega relevância ao ensino tradicional, baseado no estudo de regras
gramaticais prescritivas e ditadas de fora, bem como na metodologia de repetição e
memorização. “Assim, o conceito de certo e errado cede lugar ao conceito de aceitável e
inaceitável, com base no desempenho de um representante nativo da língua e da cultura”
(SCHÜTZ, 2007, acesso em: 15 fev. 2014).
Dessa forma, o aprendizado de idiomas passa a ser visto como competência
intuitivamente construída e adquirida. Mais recentemente, as ideias de Chomsky passaram a
inspirar a metodologia de ensino de línguas na direção de uma abordagem baseada na
comunicação e intermediação de um facilitador carismático, e com participação ativa da
parte do aprendiz no decorrer das atividades.

NATUREZA E CONTEXTO DA PESQUISA

A presente pesquisa buscou verificar como se deu o desenvolvimento da


comunicação de uma turma de estudantes adultos do nível básico da língua inglesa de um
curso livre em um grupo criado no Facebook, durante o ano letivo de 2013.
Tomou-se como rumo a abordagem de natureza qualitativa (TRIVINÕS, 1987), pelo
seu caráter aberto e flexível, que possibilita ao pesquisador transitar pelo cenário da
pesquisa, revendo pontos críticos e aprofundando questões que perpassem o decurso da
investigação.
O eixo básico foi a Pesquisa Exploratória (SOUZA, 2009), através da qual esta
pesquisadora vem estudando temas como este, ainda pouco explorados. Dessa maneira,
buscou-se investigar na rede social Facebook a possibilidade de utilizá-la como ferramenta
pedagógica para o ensino da língua inglesa, suscitando sua aplicabilidade como extensão da
sala de aula no processo de ensino e aprendizagem, sobretudo, no contexto presencial de
cursos livres de idiomas.

243
Tomou-se, então, a Observação Participante (CHIZOTTI, 1998) como técnica que
permeou as reflexões da observadora. Conforme define o autor (1998, p. 90), a observação
participante “é obtida por meio do contato direto do pesquisador com o fenômeno
observado para recolher ações dos atores em seu contexto natural, a partir de perspectiva e
seus pontos de vista”. Portanto, faz-se relevante elucidar a participação da pesquisadora
deste estudo no ambiente virtual estudado durante todo o percurso da investigação, numa
articulação da teoria (embasada no referencial teórico que alicerçou a pesquisa) com a
prática (emanada no contexto da rede social em tela).

O GRUPO ‘FAST – CNA ITAPERUNA’


O grupo ‘FAST – CNA Itaperuna’30, formado por sete alunos do nível básico de uma
modalidade intensiva do curso livre estudado, foi criado no Facebook em 18 de fevereiro de
2013 por esta pesquisadora, professora de uma das turmas da modalidade presencial, para
ser um espaço onde os alunos pudessem praticar o que aprendiam nas aulas, de uma
maneira mais descontraída e informal. Nesse espaço eles participavam de tarefas como tirar
dúvidas, comentar as postagens realizadas (textos, fotos, links ou vídeos), fazer atividades de
casa, postar curiosidades de seu interesse, enfim, podiam se comunicar a todo o momento,
utilizando a língua inglesa e obtendo, assim, mais uma forma de aprender o idioma
estudado, como um apoio ao seu aprendizado.
Além da escrita e dos vídeos que foram usados, destaca-se a utilidade do dispositivo
“curtir”, disponível no grupo on-line, uma vez que através deste, em algumas situações,
somente ao clicar nele, entendeu-se que uma postagem ou comentário agradou (tanto a
professora quanto os estudantes) ou, ainda, que estava correta, do ponto de vista do uso
linguístico.
Faz-se importante ressaltar que, em geral, as atividades realizadas no grupo on-line
funcionavam como um complemento das aulas, o que os levava a praticar o conhecimento

30
Disponível em: https://www.facebook.com/groups/338010686317311/.
244
que iam adquirindo previamente com o uso dos materiais didáticos adotados pelo curso
(livro de tarefas de aula e de casa, CD de áudio para a aula e para casa, web lessons –
atividades desenvolvidas no portal on-line da escola).
Durante todo o ano de 2013, alguns resultados puderam ser observados no grupo:
como a comunicação em inglês acontecia, as postagens que os estudantes realizavam no
grupo, os modos como eles se desempenhavam e ajudavam os colegas, as formações de
frases e parágrafos, a maneira como eles se dedicavam e desenvolviam as tarefas, o que
conseguiam produzir após cada aula, se utilizavam apenas o idioma estudado, as correções
após cada feedback da professora, entre outros. Cabe ressaltar aqui, que o nível ao qual os
estudantes pertenciam no momento deste estudo era o básico.
Com base nessas observações, foi possível identificar, à luz do que ressaltam os
pesquisadores Krashen (1982), Larsen-Freeman (1986), Almeida Filho (1998), Leffa (2008) e
Santos (2011), algumas considerações que podem resultar do processo de ensino e
aprendizagem comunicativo com o uso do Facebook pelos alunos, como um complemento
das atividades desempenhadas na sala de aula.

AS PARTICIPAÇÕES DO GRUPO E AS OBSERVAÇÕES/CONSIDERAÇÕES REALIZADAS PELA


PROFESSORA
a) Uma das maiores responsabilidades da professora foi estabelecer situações que
pudessem promover a comunicação no grupo.
A seguir, é possível observar a interação da turma, tendo em vista a atividade
proposta que foi responder à seguinte pergunta: como você vai para o trabalho, escola, CNA
ou a universidade?

Teacher: Hi guys, here is the homework for next class:


- Answer this question: how do you go to work, school, CNA or the
university? By bus, car, motorcycle, bike, on foot...?
Example: I go to _________ by ________.
If you have questions, just ask me, ok? See you!!!
P.S: On foot = walking (If you want to write that you go to these places
walking, it is not necessary to use the preposition "by", ok?)
Student 1: I go to CNA by bus! Ok?
Teacher: Great!
Student 2: I go to CNA on foot.
Teacher: Very good!!!
245
Student 3: I go to CNA on foot.
Student 4: i go to work by motoclycle.
Teacher: Excellent guys! You rock!
Student 5: I go to work by car and motocycle.
Student 6: I go to work by motocycle.
Teacher: Sometimes I go to work by motorcycle, sometimes by car and
sometimes on foot, because I live near my work. What about you, guys? Do
you live near or far from your work, school, CNA, the college etc?
Student 2: I live near from CNA and far from my work.
Student 6: I live near from CNA and far from my work too.
Teacher: When you use the word "near", don't use "from". It's not
necessary, ok?
Student 6: ok. I live near CNA and far from my work too.
Teacher: Excellent, student 6!
Student 3: I live near CNA.
Student 5: I live near CNA and far my work.
Student 1: I live far from CNa and WOrk!
Teacher: Student 5, when you write the word "far", use "from" after.
Example: I live far from Patricia's house. Kisses!!!
Teacher: And how long does it take you to get to these places, students?
Teacher: It takes me around 5 min to get at CNA by car or motorcycle.
Students 3: I takes me about 10 min to get at CNA on foot.
Student 2: I takes me arround 15min to get at CNA on fot, by car I takes
5min.
Student 4: i go to work motorcycle. i go to CNA by bus
Student 7: I go to CNA on foot and to UNIG by bus. I live near from CNA but
far from UNIG. I take about 10min to get at CNA and usually takes me about
15min to get at UNIG
Teacher: Guys, very good. Just some notes: 1) When you write the word
"near", don't use "near from", ok? Example: "I live NEAR Fac Redentor". 2)
Don't write "I takes". The correct sentence is: "It takes me ...". Example: "IT
TAKES ME about 10 min to get to CNA". 3) Don't forget to use "by" when
you want to say that you go to places. Example: "I go to work BY
motorcycle". During our classes we are going to see other expressions that
we can use to say these things.
Student 5: It takes me around 10 min to get at CNA by motorcycle or car.
Teacher: 
Student 6: Good nigth guys! Nice wekeend.
Teacher: Good night, student 6!

Durante a atividade realizada on-line, representada pelos comentários dos


estudantes, na qual o objetivo era levá-los a descreverem como eles se deslocam para
determinados lugares como o trabalho, a faculdade, o curso e outros (o que eles haviam
estudado na aula anterior) e quanto tempo levam, eles foram estimulados o tempo todo a
usarem a língua inglesa, ainda que cometessem algum erro. Isto lhes proporcionou
oportunidades de aprenderem como utilizar determinadas formas gramaticais, conhecer
246
novos vocábulos e a formular frases mais elaboradas à medida que recebiam um novo
feedback.
Percebe-se, assim, a importância do incentivo e das oportunidades criadas pela
professora no sentido de promover a comunicação entre os integrantes do grupo, através de
perguntas, exemplos e feedback às observações feitas pela mesma.
Assim, confirma-se o que diz Larsen-Freeman ao ressaltar que “a língua-alvo deve ser
um veículo de comunicação durante a aula e não apenas um objeto de estudo” (LARSEN-
FREEMAN, 1986, p.129). Uma vez que isso acontece, eles passam a adquirir novas
experiências linguísticas e confiança para construir novos significados e se comunicar, como
afirma o linguista aplicado Almeida Filho:

O ensino comunicativo é aquele que organiza as experiências de aprender


em termos de atividades relevantes/tarefas de real interesse e/ou
necessidade do aluno para que ele se capacite a usar a língua-alvo para
realizar ações de verdade na interação com outros falantes-usuários dessa
língua (ALMEIDA FILHO, 1998, p. 36).

b) A professora buscou agir como mediadora durante as atividades, estimulando a


participação de todos.
No método comunicativo, a aprendizagem está centrada no estudante (LEFFA, 2008),
não apenas em termos de conteúdo, mas também de técnicas utilizadas pelo professor em
sala de aula. Assim, este não exerce seu papel de autoridade na sala de aula e de distribuidor
conhecimento, mas passa a assumir o papel de orientador, de mediador e facilitador da
aprendizagem.
Na tarefa a seguir, os estudantes falaram sobre suas preferências alimentares,
dizendo se preferem comida saudável ou não, e o que eles gostam de comer e beber.

Teacher: Hello everyone!


Do you prefer healthy or junk food? I prefer healthy food, I love natural
sandwiches and fruit juice. Tell us something you like eating or drinking.
Example: "I love eating ______________".
"I love drinking _____________".
Healthy food: salad / vegetables, fruit juice, fruits (orange, apple, pineapple,
melon, strawberry, banana, papaya, watermelon...), natural sandwiches
etc.
Junk / fast food: pizza, burguers, soda, barbecue, feijoada, lasagna etc.

247
Student 2: I like both types of food. But, I like most of junk food. I like
drinking fruit juice, my favorite is the orange.
Teacher: I love orange juice too! It's one of my favorites...
Student 6: I love eating natural sandwiches too teacher. My favorite
drinking fruit juice is graviola.
Teacher: It's is delicious, isn't it?
Student 6: Yes, very much!
Student 1: I prefer junk food and juice de orange I love!
Teacher: Student 1, what is the correct way of saying this "juice de
orange"?
Teacher: Student 6, graviola is a Brazilian fruit, from the Amazon. But I
found it on the internet as "soursop" in English.
Student 1: I prefer junk food and orange juice I love. correct...
Teacher: Very good, student 1!

Nesse sentido, o interesse que a professora demonstra pelos anseios dos estudantes,
encorajando sua participação, acatando as sugestões por eles dadas durante os comentários
e as aulas, e, como demonstra Larsen-Freeman (1986, p.129), dando a eles a “oportunidade
de expressarem suas ideias e opiniões”31, torna-se parte relevante no processo de
aprendizagem.
Oportuno se faz destacar que a sala de aula deixou de ser um espaço entre quatro
paredes, deixando de existir apenas no curso, para assumir uma dimensão virtual, a partir do
momento em que os alunos puderam participar das atividades fora do horário de aula por
vontade própria, o que demonstrou espontaneidade e vontade de continuar aprendendo e
compartilhando o conhecimento do idioma estudado.
c) A gramática e o vocabulário aprendidos seguiram a função da língua e o contexto;
e os erros foram resultados naturais do desenvolvimento das habilidades de comunicação, o
que não impediu a mesma de acontecer.
Conforme destaca Santos (2011), na aprendizagem de língua estrangeira que segue
como padrão a Abordagem Comunicativa, dominar as regras gramaticais não é a prioridade,
o que faz com que a própria gramática perca sua posição centralizadora. De fato, na rotina
de sala de aula que se orienta por esta abordagem, é possível observar que a prática da
conversação não exige primordialmente os usos gramaticais acurados, especialmente no
caso de alunos de nível básico, que, geralmente, estão em uma fase de adaptação ao ensino
e à aprendizagem do idioma estudado.

31
Tradução de autoria da pesquisadora deste estudo.
248
Apesar disso, a gramática assume uma função de complementaridade no processo
de aquisição instaurado. O estudioso mencionado ainda afirma que:

Isso nos ajuda a reconstituir a compreensão da AC, que, equivocadamente,


foi mal interpretada como sendo uma abordagem que exclui o ensino da
gramática. Pelo contrário, a gramática tem sua importância reconhecida,
mas não é crucial para se adquirir a nova língua. Imersos na significação que
se busca e se constrói na medida do possível, a gramaticalidade se instaura
como decorrência e não como indutora. Neste sentido, coadunamos com o
posicionamento de Krashen (1982) e Prabhu (1987) que apontam a
comunicação/interação na língua-alvo como condição básica para a
aquisição (SANTOS, 2011, Disponível em:
http://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=
215:6-analise-de-abordagem-de-ensino-de-lingua-no-
limite&catid=62:edicao-3&Itemid=107. Acessado em 12 mar. 2014).

Para Krashen (1982), a presença dos erros na comunicação durante a aprendizagem


de LE parece ser uma ocorrência natural no processo de aquisição mediado por ensino
formalizado em grupos e etapas. Assim, eles surgem na formação da interlíngua dos alunos e
podem vir a ser “um insumo revitalizador (se tratado devidamente) que contribuirá para
uma aquisição percebida como satisfatória pelo estudante”, como afirma Santos (op. cit.).
Na atividade a seguir, após estudarem em sala de aula o tempo verbal presente e
rotina, propostos pelo material didático, os estudantes foram convidados a falar sobre sua
rotina diária. Cada um deles falou sobre o que faz desde que acorda até a hora de dormir.
Assim, a professora combinou com a turma que postaria comentários com observações
sobre suas postagens, sinalizando possíveis correções de uso do idioma ensinado/aprendido.

Student 1: I get up at 6:00 am, I have a breakfast at 6:10 am, I go to work by


bus at 6:20 am,start work at 7:00 am, I have a lunch at 11:30, I start work
1:00 pm, finish work at 5:30 pm, arrive home from work abaut 7:00 pm, I
shower at 7:30,I have a dinner at 8:20 pm, watch tv, I go to bed abaut 12:00
pm.
Teacher: Great, student 1! Observations: 1. "I have breakfast..."; 2. "Start
working..."; 3. "have lunch..."; 4. "finish working..."; 5. "arrive home from
work at about..."; 6. "take a shower"; 7. "have dinner"; 8. "go to bed at
about...".
Student 4: i wake up at 6:00am, i breakfast at at 6:30 am, i m go to the
work to by motorcycle at 6:50 am. start wort at 7:00 am,i have lunch at
11:00 , i start work0 12:00,finish work at 5:00.I get home at 5:00 pm,dinner
at 7:00 pm. I sleep at 11:00 pm

249
Teacher: Very good, student 4. Observations: 1. "I have breakfast..."; 2. "I
go to work by motorcycle..."; 3. "I start working... Finish working."; 4. "...
Have dinner..."
Student 7: I get up at 6:00 am, I read and listen music and take a shower. I
go to college by bus. I leave home for college at 7:45 am and I walk to the
bus stop. I start the class about 8:10 am and finish 12:00. So, I arrive home
from class about 12:30. I have lunch about 1: 00 pm and begin to study. I
study from 2:00 to 5:00. Sometimes I go to church or enjoy hanging out
with my friends. I go to bed about 11:00 pm.
Teacher: Very good, student 7! Observations: 1. "listen to music"; 2. "... at
about..."; "finish it at...". Kisses
Student 6: I'm a pharmacyst. I work a pharmacy monday to friday from 8:00
at 6:00 p.m. I get up at 7:00 a.m., I take breakfast at 7:30. I go to work by
motorcycle at 7:55. I have lunch at 12:oo o'clock. I go to my home at 6:00
p.m. At night I take a shower, have a snack, watch TV and go to bed at
10:30 p.m.
Teacher: Observations: 1. "I'm a pharmacist"; 2. "...from 8:00 am to 6:00
pm"; 3. "I have breakfast"; 4. "have snack". Excellent!
Student 3: I work in an office from 9:00 to 5:00 Mondays through Fridays.
I'm a secretary. I get up 6:00 a.m I have breakfast and go to walk after I go
to my house, take a shower and go to work. I start work 9:00 a.m and have
lunch at 1:00 p.m. I finish wok at 5:00 p.m. I arrive home from work 5:45. In
the evening I study English, use the computer and make snack. I go to bed
about 11:30 p.m.
Teacher: Great Job, student 3. Observations: 1. "I get up at..."; 2. "... And
take a walk"; 3. " start working"; 4. "... Finish working"; 5. "have snack".
Don't forget to use "at" before time.
Student 2: Good morning guys! Then... I'll talk a little about my routine. I'm
an academic secretary, I work in UNIG from 8:00 to 5:00, Mondays through
Fridays. Usually I wake up at 7:00 and have a breakfast at 7:30, then I brush
my teeth and go to the bus stop which is near my house. I take the
Vinhosa/Cehab/Unig bus about 8:00. I starting work about 8:10 and lunch
at 11:00. My lunch hour is from 11:00 to 01:00pm and after lunch I sleep. In
my workplace has a big sofa, and, is very confortable. In my work there is
not a lot to do. Is tranquil. I go to my home at 5:00pm and usually I make a
snack after I get home. In my free time, I like practice boxe or play the
guitar. At night, I take a shower, have dinner or make a snack, watch TV, I
worship God and I go to bed about 12:00am.
Teacher: Observations: 1. "I work for UNIG"; 2. "have breakfast", don't use
"a" before breakfast; 3. "I start working at... And have lunch..."; 4.
"comfortable" has m before f, different of Portuguese language; 5. Your
workplace is calm; 6. "have snack, use make if you are the Person who
prepares it to eat. If you prepare it, so it's correct. Great Job!

Dessa forma, foi possível perceber nas postagens dos alunos, exibidas na citação
acima, que seus erros, observados e demonstrados pela professora, não os impediram de
passar a mensagem por eles pretendida e participar da atividade proposta, uma vez que,

250
como evidenciado na terceira consideração (letra c), a gramática e o vocabulário aprendido
seguiram a função da língua e um contexto.
Para que a turma pudesse ter um melhor aproveitamento diante do que foi
observado, esses erros foram discutidos na aula seguinte com o grupo e todos puderam
participar de outras tarefas para checar a compreensão das formas gramaticais e do uso das
mesmas em situações reais de comunicação, através de jogos e trabalhos em grupos.
Durante essas tarefas, foi possível observar que os estudantes passaram a se corrigir quando
cometiam os mesmos erros, buscando aprimorar o uso do idioma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o transcorrer deste artigo, lançando mão da pesquisa exploratória, o
objetivo foi integrar a utilização da rede social Facebook ao ensino presencial da língua
inglesa em um curso livre de idiomas, entendendo que a mesma pode funcionar como um
apoio dentro e fora da sala de aula. Buscando aporte teórico em autores renomados no
assunto aqui explorado, tentou-se entrelaçar o ensino de línguas e o uso das novas
tecnologias que tanto têm a contribuir para um ensino eficaz, atraente, dinâmico e
autônomo na contemporaneidade, que leva ao sucesso dos estudantes na aprendizagem da
língua estudada.
Faz-se interessante destacar a interação, o compartilhamento de informações
veiculadas na rede escolhida, a aplicabilidade do uso da mesma no ensino e na
aprendizagem do idioma, além da possibilidade de ensinar e aprender através da troca de
experiências vivenciadas no ambiente com a turma durante o tempo em que as observações
foram realizadas.
Nessa perspectiva, a interação dos estudantes entre si e com a professora,
possibilitada por meio das atividades propostas e realizadas, demonstrou que a
comunicação tornou-se possível no ambiente virtual em estudo – a rede social Facebook –
ainda que os erros tenham ocorrido. As tarefas realizadas on-line permitiram aos estudantes
ampliar o espaço da sala de aula, uma vez que até mesmo ao chegar a suas casas, trabalhos,
faculdades, podiam continuar aprendendo inglês, compartilhando informações sobre o
idioma, trocando ideias com os colegas e com a professora, entre outros.

251
Assim sendo, esta pesquisa se constituiu num relato de ações promovidas para a
obtenção de respostas aos questionamentos e curiosidades vivenciados pela autora deste,
que buscou iniciar (pois esta não termina aqui) uma pesquisa que pode contribuir para que
as barreiras do ensino da língua inglesa, formadas por métodos e abordagens tradicionais,
possam ser rompidas e, dessa forma, esse idioma possa ser ensinado e aprendido com mais
motivação nos ambientes presenciais, ampliando os espaços da sala de aula para os espaços
virtuais.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, F. J. Aprendizagem colaborativa: o professor e o aluno ressignificados. In:
ALMEIDA, F. J. (Coord.). Projeto Nave. Educação a distância. Formação de professores em
ambientes virtuais e colaborativos de aprendizagem. São Paulo: s.n., 2001.
BEHAR, P; PASSERINO, L; BERNARDI, M. Modelos Pedagógicos para Educação a Distância:
pressupostos teóricos para a construção de objetos de aprendizagem. Porto Alegre: CINTED-
UFRGS, 2007.
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. A Era da Informática: Economia, Sociedade e
Cultura. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Vida, 1999.
CHIZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
KENSKI, V. M. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas/SP:
Papirus, 2007.
KRASHEN, S. D. Principles and practice in second language acquisition. Oxford, Pergamon
Press, 1982.
LARSEN-FREEMAN, D. Techniques and Principles in Language Teaching. Oxford University
Press, 1986.
LEFFA, V J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN, H.I.; VANDERSEN, P. Tópicos em
linguística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988. P.
211-236.
LARSEN-FREEMAN, D. Techniques and Principles in Language Teaching. Oxford university
Press, 1986.
MACHADO, J; TIJIBOY, A. Redes Sociais Virtuais: um espaço para efetivação da

252
aprendizagem cooperativa. 2005. Disponível:
http://seer.ufrgs.br/renote/article/view/13798. Acesso em: 10 mar. 2014.
MARTELETO, R. M. Análise de redes sociais – aplicação nos estudos de transferência da
informação. Ci. Inf., v. 30, n.1, Brasília, jan./abr. 2001.
SANTOS, M. Análise de Abordagem de Ensino de Língua no Limite. 2011. Disponível em:
http://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=215:6-analise-
de-abordagem-de-ensino-de-lingua-no-limite&catid=62:edicao-3&Itemid=107. Acesso em:
12 mar. 2014.
SCHÜTZ, R. O aprendizado de línguas ao longo de um século. Disponível em:
<http://www.sk.com.br/sk-apren.html>. Acesso em: 15 mar. 2014.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. 12 tir. São Paulo: Atlas, 1987.

253
“UMA CÂMERA NA MÃO”, MAS QUAL IDEIA NA CABEÇA?

Clinger Cleir Silva Bernardes


Universidade Federal de Juiz de Fora

RESUMO: As facilidades tecnológicas trouxeram, para os dispositivos portáteis, câmeras que


permitem o registro de imagens por qualquer um, em qualquer lugar. No campo educacional
ocorreu um aumento no número de produções de vídeos didáticos por parte de docentes. A
educação online se apresenta como um campo fértil para essas produções pelas facilidades
de disponibilização deste tipo de recurso via internet. Sendo assim, à facilidade de se ter
uma “câmera na mão” deve ser adicionada a “ideia na cabeça”, que nas produções
audiovisuais profissionais, se expressa pela pré-produção (Sinopse, argumento, roteiro e
storyboard) e que, nas atividades educacionais formais se articula com o plano de aula; desta
forma, uma aproximação entre a pré-produção e o plano de aula, a partir de uma reflexão
sobre o vídeo didático, se torna plausível. Esta aproximação nos leva a uma pesquisa
bibliográfica nas publicações acadêmicas brasileiras em torno de linhas guias que possam
aperfeiçoar a produção de vídeos para a aplicação em contextos educacionais na
modalidade online; a produção de vídeos didáticos está para além da simples filmagem de
uma aula e uma reflexão em torno da possibilidade do maior conhecimento das
metodologias utilizadas pelos profissionais do audiovisual possibilita otimizar, quantitativa e
qualitativamente, tanto a elaboração de vídeos didáticos, quanto sua consequente
utilização, na educação mediada pela internet.
PALAVRAS-CHAVE: Vídeos didáticos. EaD online. Plano de aula. Pré-produção.

INTRODUÇÃO
Na década de 60 do século XX, tem início no Brasil um movimento cinematográfico
denominado Cinema Novo, liderado por cineastas que queriam estabelecer um novo padrão
estético para o cinema brasileiro que quebrasse com a ideologia hollywoodiana. Dentre
aqueles que faziam parte deste movimento destaca-se Glauber Rocha, que com sua imortal
frase “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” definia a incipiente filosofia
cinematográfica.
Hoje, mais do que nunca, temos “uma câmera na mão”. As facilidades tecnológicas
trouxeram, para os dispositivos portáteis, câmeras que permitem o registro de imagens por
qualquer um, em qualquer lugar, sem a necessidade de um grande aparato tecnológico ou
grande habilidade técnica. Durante anos, a TV e o cinema mantiveram sua hegemonia
quanto à produção e à distribuição de audiovisual, sempre primando por qualidade superior.
Porém, no contexto atual, esta preocupação com a qualidade deixou de ser o ponto mais

254
importante; o conteúdo dos vídeos se sobrepôs. Para ilustrar, podemos nos lembrar das
imagens das manifestações populares que ocorreram em vários pontos do território
brasileiro e em algumas cidades no exterior, em junho e julho de 2013. Muitas delas não
apresentam grande qualidade de áudio e de vídeo, mas figuraram em sites como youtube
como as mais visualizadas, tendo sido, ainda, reproduzidas nos grandes canais de TV de todo
o mundo.
Assim, podemos perceber que, no mundo atual, a produção e a distribuição de
conteúdo audiovisual não estão mais intrinsecamente ligadas à aquisição de equipamentos
sofisticados ou a um aparato gigantesco, mas a um conteúdo qualitativo.
No campo educacional, percebemos que, ligado a esse maior acesso à tecnologia
para captação de imagens e sons, ocorreu também um exponencial aumento no número de
produções de vídeos didáticos por parte de docentes nos mais diferentes níveis e
modalidades. Dentre as modalidades educacionais, a educação online se apresenta como um
campo fértil para essas produções pelas facilidades de disponibilização deste tipo de recurso
via internet.
É interessante destacar que, em muitos casos, os vídeos didáticos são a captação de
práticas ligadas ao ensino presencial; estes podem ter sua possibilidade de alcance didático
potencializada pela aplicação de princípios ligados às produções profissionais de audiovisual,
dentre os quais destacamos a pré-produção. Sendo assim, à facilidade de se ter uma
“câmera na mão” deve ser adicionada a “ideia na cabeça”, que nas produções audiovisuais
profissionais, se expressa pela pré-produção (Sinopse, argumento, roteiro e storyboard) e
que, nas atividades educacionais formais se articula com o plano de aula; desta forma, uma
aproximação entre a pré-produção e o plano de aula, a partir de uma reflexão sobre o vídeo
didático, se torna plausível.
Diante disso percebemos a necessidade de uma pesquisa bibliográfica que pudesse
estabelecer um estado da arte em torno da questão. Parte deste levantamento foi
apresentado no IV Colóquio Interdisciplinar de Cognição e Linguagem, realizado na
Universidade Estadual do Norte Fluminense, entre os dias 02 e 04 de dezembro de 2014, por
meio de uma comunicação oral. Este artigo sintetiza as principais ideias apresentadas.

255
DESENVOLVIMENTO
Nossa preocupação com a elaboração, o uso e o alcance do Vídeo Didático advém da
percepção de um maior uso deste recurso como base para a disponibilização de conteúdos
na educação mediada pela internet, seja em experiências de educação presencial,
semipresencial ou à distância. Destaca-se para nós, também, que os vídeos didáticos
constituem grande parte do conteúdo disponibilizado em iniciativas de cursos abertos
massivos online (MOOC - Massive Open Online Courses) que se apresentam como uma atual
tendência no campo educacional, encabeçada por grandes universidades do Brasil e do
mundo. Muitas das produções de Vídeos Didáticos, porém, a nosso ver, subutilizam as
potencialidades do audiovisual e acabam por não se tornarem uma experiência agradável ao
aluno internauta, e, consequentemente, não atingirem seus objetivos didáticos.
Entendemos que ao pensar um plano de aula a ser disponibilizado por meio de
vídeos didáticos, o docente se aproxima do roteirista em sua pré-produção do audiovisual;
ao estabelecer os objetivos, o conteúdo a ser ministrado, os recursos a serem usados na aula
e a forma de exposição, o docente pensa algo similar a sinopse, ao argumento, ao roteiro e a
storyboard de uma produção audiovisual.
De acordo com o pesquisado, em uma perspectiva mais filosófica, a interpretação
semiótica do audiovisual, conforme apresentado por Lúcia Santaella, deve ser entendida
como uma linguagem midiática de grande alcance e que pode ser analisada tendo em conta
uma tríade interpretativa que leva em consideração os signos propriamente ditos, aquilo
que os signos representam e as reações que esta trama interpretativa dos signos podem
gerar naqueles que realizam a interpretação.
Para a Santaella (2005, p.69) o trabalho empreendido pela semiótica objetiva tornar
explícito o potencial comunicativo de uma determinada peça comunicacional (seja ela um
vídeo, uma imagem, um som, etc.) por meio de uma análise dos efeitos que esta dada peça
pode produzir em um receptor real ou fictício, desde as primeiras impressões até
julgamentos de valor que ele geralmente é levado a empreender. Sendo assim, importa
conhecer a fundo as especificidades da linguagem audiovisual, bem como as competências
que se espera dos “leitores” desta linguagem através deste viés semiológico. Estas reflexões
estão mais ancoradas nas obras de Lúcia Santaella intituladas Semiótica aplicada (2005),

256
Culturas e artes do pós-humano (2003) e Imagem, cognição, semiótica, mídia (2005) que
comporão nosso escopo teórico.
Numa perspectiva mais empírica, ao propor uma reflexão sobre a produção de vídeos
didáticos, é imprescindível uma visita à obra do Professor Joan Ferrés i Prats, da
Universidade Pompeu Fabra - Barcelona. Este autor apresenta uma discussão profícua sobre
temas de interesse para este trabalho, como: audiovisual e educação, mídias e educação,
além de sua reflexão sobre a produção e a linguagem audiovisual. Em suas reflexões, Ferrés
apresenta e classifica as possibilidades de uso dos audiovisuais nas práticas educacionais,
alertando para o risco de se incorrer em práticas que subutilizem o potencial deste recurso.
Seus escritos indicam a necessidade de se refletir sobre o uso dos vídeos pelos professores,
pois

el profesor o profesora que disponen de una sencilla camara de video


tienen la oportunidad de conectar los contenidos curriculares con el
entorno mas inmediato: la fauna, la flora, los monumentos históricos, la
arquitectura y la pintura, el folklore, las manifestaciones culturales, las
costumbres sociales, las fiestas, las entidades locales, los oficios mas
representativos...32 (FERRÉS, 1994, p. 87).

Dada a vasta produção do professor Ferrés, identificou-se como essenciais a


discussão empreendida pelo autor nas obras Vídeo e educação (1996) e Educar en una
cultura del espectáculo (2000). Nestas reflexões Ferrés apresenta alguns questionamentos
inquietantes sobre o uso de vídeos na educação. Uma das questões apontadas que merecerá
nossa atenção está no fato de o autor pensar que, em alguns casos, os vídeos tem um
potencial comunicativo maior que a explicação do professor, pois

ningun profesor o profesora, por buenos que Sean, podran transmitir mejor
que un buen programa de video informaciones que Sean visuales,
dinamicas y sonoras. El profesor puede explicar, pero el video puede
mostrar, describiendo la realidad tangible con el mayor grado de
objetividad posible33 (FERRÉS, 1994, p. 82).

32
O professor que possui uma câmera de vídeo simples tem a oportunidade de conectar o currículo com o seu
entorno: a flora, a fauna, os monumentos históricos, a arquitetura e a pintura, o folclore, eventos culturais, os
costumes sociais, festivais, entidades locais e profissões mais representativas. Tradução livre.
33
Nenhum professor ou professora, por mais bons que sejam, será capaz de transmitir, melhor que um vídeo,
informações que sejam visuais, dinâmicas e sonoras. O professor pode explicar, mas o vídeo pode mostrar
descrevendo a realidade tangível com o maior grau de objetividade possível. Tradução livre.
257
No entanto, o autor destaca que a tecnologia por si só não tem muito a acrescentar,
pois podem ser futuramente substituídas por outras tecnologias, porém uma reflexão sobre
a linguagem audiovisual se torna imprescindível por ser algo possível em diferentes suportes
midiáticos.
Destacam-se também no mesmo campo, as reflexões do professor João Mattar sobre
os usos do vídeo na educação online principalmente em seus textos sobre as aplicações do
Youtube à educação. Suas reflexões permitem pragmatizar os fundamentos do audiovisual
para nossa realidade cotidiana, e mais especificamente para as práticas pedagógicas, sem
abrir mão de boa dose de teoria. As palavras do Professor nos servem como motivação para
a reflexão aqui empreendida, pois, de acordo com seu pensamento,

é preciso superar o receio do uso do vídeo amador em educação, inclusive


porque os usuários (nossos alunos) já estão acostumados e sensibilizados
com essa nova mídia. Uma cultura de videoclipe, caracterizada pelo
consumo frequente de pequenos vídeos e na qual se destaca o Youtube,
emergiu na web e precisa ser incorporada as nossas estratégias
pedagógicas, inclusive de design instrucional (MATTAR, 2009, p.4).

Mas o que diferencia o vídeo didático das demais produções audiovisuais? Ou, o que
seria o vídeo didático?
O vídeo é uma peça audiovisual e, portanto, congrega em si uma mixagem de
imagens e sons. No entanto, ao tratarmos de vídeo, pensamos numa peça intencional, ou
seja, a nosso ver o vídeo é uma peça comunicativa e como tal tem um objetivo mínimo de
comunicar uma mensagem a um receptor específico ou a um receptor geral, fechando o
ciclo clássico da comunicação: Emissor – Mensagem – Receptor.
Nesta perspectiva podemos dizer que toda produção audiovisual, da mais
profissional a mais amadora, pode ser considerada em última instância, um vídeo. É de
nosso conhecimento que a nova acepção de comunicação advinda com a cibercultura
transforma receptores em emissores e emissores em receptores, mas na dinâmica do vídeo
pensamos que acontece uma retroalimentação que inverte os papéis mas não muda a lógica
clássica.
De acordo com Arroio e Giordan (2006) o audiovisual também é

258
uma produção cultural, no sentido em que é uma codificação da realidade,
na qual são utilizados símbolos da cultura, e que são partilhados por um
coletivo produtor do audiovisual e por outras pessoas para as quais o
audiovisual é destinado (p. 8).

Todo vídeo carrega em si uma carga cultural que por si só já é um componente


educativo, se entendermos que a cultura se aprende. Diante disso pareceu-nos mais correto
diferenciar o vídeo didático das demais produções audiovisuais.
O termo didático, como o empregamos aqui para falar de vídeo didático, se refere a
um conjunto de estratégias de ensino destinadas a colocar em prática as orientações e
paradigmas da teoria pedagógica a qual o educador está vinculado, bem como as
implicações desta teoria no que concerne especificamente ao ensino e a aprendizagem. Nas
palavras de Libâneo (2002), o termo didática se refere ao estudo do

processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos,


métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a
criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem
significativa [...] ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do
ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissional. Essa
segurança ou competência profissional é muito importante, mas é
insuficiente. Além dos objetivos da disciplina, dos conteúdos, dos métodos
e das formas de organização do ensino, é preciso que o professor tenha
clareza das finalidades que tem em mente na educação (p. 22).

A partir desta acepção, entendemos como vídeo didático a produção audiovisual que
visa motivar a aprendizagem, a partir de conteúdos previamente selecionados e organizados
com o objetivo de gerar habilidades e competências conectadas às teorias pedagógicas que
o docente defende em sua prática. É uma produção com o claro intuito de gerar situações de
ensino e aprendizagem. Este projeto não tratará, portanto, dos vídeos que podem ser
aplicados de forma didática, fornecendo uma aprendizagem tangencial, mas sim daqueles
produzidos com o fim de gerar a aprendizagem através de estratégias de ensino. Podemos
dizer que o vídeo didático também abarca os chamados vídeos educativos e instrucionais.
Para Alves et al (1987, p. 23), na obra em que propõem uma reflexão sobre o “como
fazer” em se tratando de audiovisual, é preciso que o sujeito que se disponha a realizar
produções audiovisuais tenha uma certa alfabetização visual e auditiva, além de boa dose de
criatividade e ainda que domine um pouco dos parâmetros técnicos de produção de um
audiovisual.
259
Esta alfabetização visual e auditiva, a nosso ver se dá através de um bom contato
com diferentes tipos de produção audiovisual, ou seja, um bom produtor de vídeos é
também um bom espectador de filmes. Porém, seu olhar não se direciona apenas ao
conteúdo, mas também aos tipos de abordagens de um roteiro, à beleza da fotografia, às
sutilezas do áudio, às variações de planos de filmagem, e etc. É preciso uma educação do
olhar para o audiovisual que possibilite que o espectador possa refletir sobre o audiovisual
para além dos critérios comuns à massa e passe a realizar um pensamento mais crítico que
envolve o conhecimento de termos que o mundo da produção audiovisual utiliza para se
expressar. É certo que um espectador comum sabe o significado de um prêmio de melhor
filme ou melhor atriz, mas saberia falar sobre o figurino, sobre a fotografia, sobre edição?
Ou ainda, saberia o que estes termos significam dentro do mundo da produção audiovisual?
Um conhecimento, ainda que propedêutico, sobre estes temas não poderia potencializar sua
produção de pequenos audiovisuais para o uso em suas iniciativas de Educação online?
Sobre o conhecimento técnico, temos claro que um docente, que muitas vezes atua
em contextos, em instituições, em modalidades e em níveis diversos não pode, pela própria
lógica de seu trabalho, concentrar os seus parcos momentos de formação para se dedicar a
aprender técnicas de pré-produção, filmagem e edição de vídeos, afinal seu objetivo ao
produzir peças audiovisuais é, antes de mais nada, didático e pedagógico.
Em artigo publicado na revista Novas Tecnologias na Educação, as autoras Vargas,
Rocha e Freire (2007, p. 2) sintetizam os benefícios educacionais advindos com o uso da
produção de vídeos em contextos educacionais, a saber: desenvolvimento do pensamento
crítico, promoção da expressão e da comunicação, favorecimento de uma visão
interdisciplinar, integração de diferentes capacidades e inteligências e valorização do
trabalho em grupo.
Mas estes benefícios devem estar aliados à um bom planejamento, que contemple os
objetivos de aprendizagem, conforme alerta Costa (1978, p. 43 apud Cinelli, 2003, p. 37),

a utilização de recursos audiovisuais deve ser planificada com antecedência


e nunca improvisada. O professor deve caracterizar e delimitar bem aquilo
que dentro do razoável, pretende que seus alunos aprendam. Escolhe,
então os recursos audiovisuais mais apropriados ao caso e dos quais possa
dispor. Estuda esses recursos, a forma e o momento de sua aplicação.

260
Sendo o vídeo didático uma modalidade de aula, entendemos que o mesmo cuidado
que o professor tem com o planejamento de suas aulas presenciais deve ter com o
planejamento de suas vídeo-aulas ou de seus vídeos didáticos. Importa saber quais são estes
cuidados, o que nos leva à uma reflexão sobre a constituição do planejamento de uma aula.
O Planejamento de uma aula se expressa no plano de aula. Alertamos que não
podemos confundir o documento “plano de aula”, que muitas vezes se torna uma servidão
para os professores, com o planejamento de uma aula em toda a sua complexidade. Este
projeto se alinha à segunda acepção do termo. Compreende-se o plano de aula como

a sequência de tudo o que vai ser desenvolvido em um dia letivo. (...) É a


sistematização de todas as atividades que se desenvolvem no período de
tempo em que o professor e o aluno interagem, numa dinâmica de ensino-
aprendizagem (PILETTI, 2001, p.73).

Se entendermos que hoje os conceitos aula e dia letivo, devido às novas


configurações de aula advindas com a introdução das TIC, não são mais tão indissociáveis,
podemos dizer que um plano de aula seria a sistematização das atividades que possibilitam,
conforme aponta Libâneo (1994) a interação entre o aluno, o professor, o material didático e
os materiais de apoio. Nas palavras do autor

[...] devemos entender a aula como o conjunto dos meios e condições pelos
quais o professor dirige e estimula o processo de ensino em função da
atividade própria do aluno no processo da aprendizagem escolar, ou seja, a
assimilação consciente e ativa dos conteúdos. Em outras palavras, o
processo de ensino, através das aulas, possibilita o encontro entre os
alunos e a matéria de ensino, preparada didaticamente no plano de ensino
e nos planos de aula (p. 45).

Dentre estes meios para dirigir e estimular o ensino e a aprendizagem citados por
Libâneo, podemos destacar os vídeos didáticos ou as videoaulas, por serem uma forma de
gerar interação, ainda que assíncrona, entre os sujeitos participantes dos processos de
ensino e aprendizagem.
Sendo o vídeo didático uma ferramenta para o ensino que visa gerar aprendizagem,
deve contar com o mesmo planejamento de uma aula ou de uma sequência didática. No
entanto, é preciso ter claro que a pura experiência de um docente em ministrar aulas não
deve ser motivação para que este prescinda de um planejamento, em suas atividades

261
didáticas, sejam elas presenciais ou online. Como também não deve se entender como certo
que um docente com experiência em ministrar aulas, não precise de desenvolver novas
habilidades para ministra-las através de vídeos didáticos.
Ao planejar uma aula o docente precisa levar em consideração alguns parâmetros
estruturantes que devem constar em qualquer planejamento, independente da concepção
educacional que se adota, desde a mais restritiva àquela mais democrática, a saber: a
formulação de objetivos, a seleção de conteúdos, a metodologia a ser utilizada e a
avaliação se os objetivos foram ou não alcançados. Estes pontos foram abordados por
Masetto (1996) e serão a base para as nossas reflexões sobre o plano de aula apresentadas
na sequência.
É comum uma confusão entre objetivos educacionais e os objetivos que devem
constar de documentos relacionados à planejamentos e pesquisas. A velha regra de colocar
verbos no infinitivo e a velha tabela de verbos a serem utilizados em objetivos de pesquisa
nem de longe se assemelham ao que se entende por objetivos educacionais. Ao determinar
previamente os objetivos, o docente estabelece as metas e os resultados que pretende
atingir com as suas atividades didáticas. Estas metas ou esses resultados serão fruto de
ações desempenhadas por professores e alunos, contando ainda com variantes como, por
exemplo, o acesso a meios que possibilitem a construção do conhecimento. Na definição de
objetivos educacionais evidencia-se atitudes relacionadas aos conhecimentos e habilidades
que o aluno não realizaria eficazmente antes de ter contato através da sistematização
elaborada pelo docente. Os objetivos orientam a seleção dos conteúdos, as estratégias a
serem adotadas, os mecanismos de avaliação, além de possibilitarem que os alunos, tenham
clareza do que é esperado de cada um ao final do processo de aprendizagem.
A partir da definição dos objetivos, devem ser selecionados os assuntos ou temas que
serão apresentados no decorrer da aula ou sequência didática, a estes assuntos ou temas
dá-se o nome de conteúdos que serão meios para que o discente possa alcançar as metas
estabelecidas. Temos claro que a grande maioria dos docentes utilizam o caminho inverso —
primeiro selecionam o conteúdo a ser ministrado e só depois estabelecem os objetivos —
tornando a tarefa de ensinar algo enciclopédico, no qual os conteúdos é que se destacam e

262
não as mudanças de atitude, os comportamento ou as relações estabelecidas com as
diversas áreas do conhecimento. Para Masetto (1996) os conteúdos devem trazer assuntos

 Atuais e atualizados;
 Que se relacionem diretamente com a vida e a realidade do aluno fora
da escola;
 Que despertam interesse do aluno e que sejam adequados a sua faixa
etária;
 Que permitam integrar conhecimento de várias áreas, disciplinas ou
ciências, levando a superação da fragmentação e compartimentalização do
saber;
 Que despertem curiosidade e repercutam nos novos desafios;
 Que apontem para o futuro e que permitam diferentes ângulos de
análise ou comportem diferentes interpretações (p. 91).

A relação entre objetivos e conteúdos nos permite pensar na perspectiva do uso de


competências a serem atingidas pelos discentes, estas seriam, a nosso ver, objetivos a serem
alcançados contextualizados dentro de conteúdos específicos. Na teoria existem
competências que não necessariamente precisam de estar ligadas à um conteúdo específico
como, por exemplo, “Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências naturais, na
sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na
vida social.”. No entanto, buscar gerar esta competência utilizando o contexto da revolução
industrial dos séculos XVIII e XIX pode tornar mais plausível o entendimento do aluno, além
de enriquecê-lo com informações que, fora do domínio das competências, seriam
desconexas ou pouco significativas. Em resumo, o aluno pode entender melhor o impacto
das tecnologias, se ver como este impacto aconteceu no passado e se conseguir projetar
como se daria no futuro associando à realidade em que vive.
A metodologia é o conjunto de estratégias que o docente utiliza para fazer com que
os objetivos estabelecidos para uma aula, uma sequência didática ou um curso sejam
atingidos. No entender de Menegolla e Sant´Anna (2001) são

atividades, procedimentos, métodos, técnicas e modalidades de ensino,


selecionados com o propósito de facilitar a aprendizagem. São,
propriamente, os diversos modos de organizar as condições externas mais
adequadas à promoção da aprendizagem (p.90).

A metodologia deriva (ou pelo menos deveria derivar) das concepções pedagógicas
do próprio docente. Um docente com uma prática mais democrática irá favorecer a
263
democracia em sua prática, um docente mais conteudista irá dar foco maior a estratégias
que favoreçam o contato com o conteúdo. Ao pensar a metodologia o docente deve pensar
em todos os recursos que pode dispor para que os objetivos sejam alcançados, incluindo
recursos tecnológicos, humanos ou mesmo refletindo sobre a forma como uma sala de aula
será organizada. Além disso, pode pensar formas diferenciadas de aprendizagem como o uso
de viagens de estudo, estudos de caso, experiências, discussões plenárias, juris simulados. O
que não se pode e não se deve perder de vista é que as metodologias precisam, de acordo
com Masetto (1996, p. 90), ter algumas características, como: Ser estabelecidas visando
conseguir atingir os objetivos definidos; Devem gerar um processo de ensino-aprendizagem
eficiente e devem se adequar aos objetivos.
O último parâmetro estruturante que deve constar em qualquer planejamento de
uma aula é a avaliação. O fato de estar exposto por último neste projeto dentre os outros
parâmetros não indica que ela só deva acontecer no final do processo de ensino e
aprendizagem. A avaliação deve ser processual, acompanhando todo o processo de
aprendizagem pois deve ser entendida como um instrumento de feedback com o educando
em que ambos, docentes e discentes, devem refletir sobre a contribuição de determinada
metodologia para a construção do conhecimento ou para a consecução de um objetivo. “O
feedback se dá quanto à aquisição de informações, ao desenvolvimento de habilidades e de
atitudes de acordo com os objetivos” (MASETTO, 1996, p. 92).
O feedback, como aqui exposto, é um termo que tem suas raízes no âmbito da
administração de empresas e se refere a um procedimento que gera informações relevantes
sobre o desempenho, a conduta ou uma ação executada com o objetivo de dar novas
orientações ou criar comportamentos futuros mais adequados. Portanto, uma avaliação que
dê apenas um feedback final, não permite mudanças durante o processo e torna-se pouco
importante pois não será possível identificar em qual momento da prática educativa
aconteceu o rompimento que não permitiu que os objetivos fossem alcançados.
O desafio reside em refletir sobre estes parâmetros estruturantes (objetivos,
conteúdo, metodologia e avaliação) no âmbito das videoaulas ou dos vídeos didáticos, já que
estes são uma conjugação de uma aula com uma peça audiovisual. O planejamento torna-se

264
assim imprescindível se entendermos que o vídeo didático é uma forma de aula. No
entender de Arroio e Giordan (2006),

O vídeo-aula, que é uma modalidade de exposição de conteúdos de forma


sistematizada, merece uma atenção especial. Essa modalidade, que
congrega a maioria dos denominados vídeos didáticos ou educativos [...]
pode se tornar cansativo e pouco produtivo, na medida em que o professor
limitar a organização da aula pela exposição dos conteúdos por meio do
vídeo, em detrimento de outras formas de interação nas quais os alunos
desempenhem papéis mais ativos (p. 9).

Percebemos assim que, de acordo com os autores, o vídeo didático precisa ser
pensado com o mesmo cuidado de uma aula. Ora, um professor dificilmente resume sua
aula à uma exposição desenfreada de conteúdo através de um falatório enfadonho, o que
justifica que esta prática não seja adotada em seus vídeos didáticos. Torna-se necessário
então um planejamento desta aula. Mas planejar uma aula e planejar um vídeo são a mesma
coisa? Nos parágrafos anteriores vimos os itens estruturantes do planejamento de uma aula,
cabe agora pensar os o planejamento de um vídeo para apontarmos as possibilidades de
aproximação entre ambos que constitui o cerne deste projeto de pesquisa visando tornar o a
produção e o uso de vídeos didáticos ou videoaulas uma realidade mais factível aos
docentes.
Assim como o documento “plano de aula” não comporta tudo o que se pode realizar
em uma aula, o documento “roteiro” não comporta tudo sobre a produção de um vídeo. No
entanto, ambos são necessários pois expressam um planejamento prévio, um cuidado do
idealizador, tanto da aula como do vídeo. A roteirização corresponde ao que é entendido
neste artigo como pré-produção, incluindo também a escrita de um roteiro.
Sobre as temáticas pré-produção e roteiro temos autores referência que servem de
escopo teórico à reflexão que empreende-se neste projeto, a saber: Sye Field, Doc
Comparato, Grieson e o professor Sérgio José Puccini Soares da UFJF.
Sye Field é o autor de consagradas obras na área de roteiros como “Manual do
roteiro” (1995) na qual apresenta uma abordagem estrutural dos roteiros que permite ao
leitor e futuro roteirista ter a clara noção dos elementos fundamentais para a construção de
uma boa narrativa, desde a ideia inicial, passando pelo desenvolvimento dos personagens e
das situações dramáticas, até o texto finalizado. O autor esclarece a importância da fase de
265
elaboração da ideia. Muito mais do que ter boas ideias é preciso que o docente que irá
produzir vídeos didáticos entenda como transformar boas ideias em boas narrativas para
realizar bons produtos audiovisuais. De acordo com Field (1995, p. 22), muitos têm uma
ideia inicial para um filme e se lançam a escrever a história, mas logo desistem, pois faltou-
lhes uma parte essencial para desenvolver uma ideia: a pesquisa. Para o autor,

Muita gente se questiona sobre o valor, ou necessidade, de fazer pesquisa.


Até onde posso opinar, pesquisa é absolutamente essencial. Todo texto
exige pesquisa e pesquisa significa reunir informação. Lembre-se: a parte
mais difícil de escrever é saber o que escrever. Fazendo pesquisa — seja em
fontes escritas como livros, revistas e jornais, ou através de entrevistas
pessoais — você adquire informação. A informação que você coleta
permite-lhe operar numa posição de escolha e responsabilidade. Você pode
escolher usar parte, tudo ou nada do material que recolheu; a escolha é sua
(p. 22).

Doc Comparato34 contextualiza a discussão sobre a pré-produção de vídeos ao caso


brasileiro, dado a ampla experiência que o autor reuniu ao escrever roteiros para o cinema e
a televisão no Brasil. Em sua obra Da criação ao roteiro (2009) o autor apresenta a criação de
uma peça audiovisual de maneira bem didática, abordando a teoria aliada à exercícios
práticos de criação. A obra é fruto de oficinas de pré-produção que ministrou na Cidade do
Rio de Janeiro.
Em suas reflexões o autor apresenta as características peculiares das produções
brasileiras que levaram a criação do Cinema Novo, apontando que foram as inovações
tecnológicas no campo dos audiovisuais que possibilitaram um cinema mais econômico e
mais dinâmico que não se atinha apenas aos requisitos mercadológicos das produções
Hollywoodianas.
Ao tratar da introdução, na década de 1980, de estudos sobre meios audiovisuais nas
escolas europeias, Comparato (1995) afirma que

Em apenas dez anos quase todas as escolas passaram a incluir o vídeo nos
seus programas educativos. E não só para aproveitar os filmes didáticos,
mas também para aprender a nova linguagem da imagem, a que tão pouca
importância foi dada na época fotoquímica do cinema, e para aprender a
exprimir-se por meio de imagens, quer dizer, a produzir. Universidades e

34
Pseudônimo de Luís Filipe Loureiro Comparato, roteirista de TV e cinema brasileiros. Parceiro de Gabriel
García Márquez em peças de teledramaturgia para a TV espanhola.
266
escolas técnicas já produzem. Mais ainda, também as escolas secundarias o
fazem. Finalmente, algumas escolas comunicam-se entre si graças ao
milagre que constitui a TV via satélite. É verdade que se trata de ensaios
escolares, mas os professores assumiram já uma nova responsabilidade, a
de ensinar, não apenas a redigir, mas também a produzir meios
audiovisuais (p. 49).

John Grierson35, foca mais na pré-produção de documentários. A nosso ver, dentre os


vários gêneros de produções audiovisuais, os documentários são o que mais se aproximam
dos vídeos didáticos, por tratar do mundo real, possibilitando a criação, não somente de
histórias ficcionais, mas de tramas conceituais e elaborações criativas sobre a realidade.
Neste sentido, o autor, já na década de 1930, afirmava que a educação deveria extrapolar os
limites da sala de aula, pois o processo tradicional, sozinho, não era suficiente na tarefa de
educar. Para ele, os meios de comunicação, como o cinema e o rádio, deveriam ser
utilizados como novos meios educacionais.
Neste contexto reflexivo, o documentário se apresentaria como uma possibilidade de
observação do mundo cotidiano, oferecendo uma captação mais ágil da complexidade das
forças que movimentam o mundo a nossa volta.
Para o Grierson (1976, p. 146), a capacidade do cinema para se locomover,
observando e selecionando a própria vida, pode ser explorada como uma nova e vital forma
de arte. Os filmes de estúdio ignoram largamente esta possibilidade de abrir a tela para o
mundo real. Neles a filmagem das histórias é feita com fundos artificiais. O Documentário
possibilita filmar a cena viva e a história viva. O Gesto espontâneo tem um valor especial no
documentário, pois pode gerar uma intimidade de conhecimento e efeito impossível a
realidade dos estúdios.
A discussão em torno do documentário, sua linguagem e sua pré-produção são
atualizadas a partir da reflexão do Professor Sérgio José Puccini Soares, do Instituto de Artes
e Design da UFJF. Em sua tese de doutoramento apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas,
intitulada Documentário e Roteiro de Cinema: da pré-produção à pós-produção, o autor
investiga o processo de produção do filme documentário através do processo de

35
Cineasta escocês, foi o primeiro a utilizar o termo Documentário. Foi o fundador da escola inglesa de
documentários que até hoje influencia grandes produtoras de documentários como a BBC e a National
Geographic.
267
roteirização, destacando as três etapas da produção (pré-produção, produção e pós-
produção). Atenta para o fato de que no documentário a escrita do roteiro é uma escrita
aberta que se alonga por todo o processo de produção, apontando assim a importância da
pré-produção.
A nosso ver, a fala do professor Sérgio José Puccini Soares destaca a importância de
se refletir sobre parâmetros estruturantes da produção audiovisual que minimizem a ação
do acaso nestas produções. Assim sendo, cabe-nos refletir sobre a concepção de vídeos
didáticos ou de videoaulas, a partir de sua pré-produção, no sentido de perceber estes
parâmetros estruturantes numa rica interação reflexivo-formativa com professores que
estarão produzindo vídeos na experiência de pesquisa-ação que propomos.

CONCLUSÃO
O levantamento bibliográfico apontou que a produção de vídeos didáticos pode
minimizar a cisão existente entre conhecimentos técnicos e pedagógicos, pois ela
compreende a realização de práticas dialógicas de trabalho. À formação pedagógica dos
docentes deve ser acrescentada os conhecimentos técnicos de produção de vídeo. No
entanto estes conhecimentos precisam de ser traduzidos para uma linguagem comum a
ambas as áreas. Entendemos que uma formação que verse sobre a produção de vídeos,
mesclando e inter-relacionando conhecimentos técnicos e pedagógicos pode contribuir para
uma educação de mais qualidade.

REFERÊNCIAS
ALVES, Alfredo; AFONSO, Cleyde; VIEIRA, Gilda; NAKARO, Maria. Como Fazer um
Audiovisual: hora de imaginar. Petrópolis: Vozes, 1987.
ARROIO, Agnaldo; GIORDAN, Marcelo. O vídeo educativo: aspectos da organização do
ensino. Química Nova na Escola, São Paulo, n. 24, nov. 2006. Disponível em:
<http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc24/eqm1.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2013.

268
CATELLI, Rosana Elisa. Cinema e Educação em John Gierson. 2003. Disponível em:
<http://www.mnemocine.com.br/aruanda/cineducemgrierson.htm>. Acesso em: 15 jul.
2014.
CINELLI, Nair Pereira Figueiredo. A influência do vídeo no processo de aprendizagem.
2003. 73 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2003.
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
FERRÉS. Joan. Televisión y educación. Barcelona: Paidós; 1994.
FIELD, Sye. Manual do Roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
GRIERSON, John. First principles of documentary. In: BARSAM, Richard Meran. Nonfiction
film, theory and criticism. New York: A Dutton Papaerback, 1976.
LIBANÊO, José Carlos. Didática: velhos e novos temas. Goiânia, Editora do Autor: 2002.
______. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
MASETTO, Marcos. Didática: A Aula como Centro. São Paulo: FTD, 1996.
MATTAR, João. Youtube na educação: o uso de vídeos em EaD. São Paulo, 2009.
Disponível em:
http://www.joaomattar.com/YouTube%20na%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20o%20uso%20
de%20v%C3%ADdeos%20em%20EaD.pdf >. Acesso em: 22 jun. 2014.
MENEGOLLA, Maximiliano. SANT’ANNA, Ilza Martins. Por que planejar? Como planejar?
Petrópolis: Vozes, 2001.
MORAN, José Manuel. O Vídeo na Sala de Aula. Texto publicado na Revista Comunicação
& Educação. São Paulo, ECA-Ed. Moderna. 1995. Disponível em:
<http://www.eca.usp.br/prof/moran/vidsal.htm>. Acesso em 27 mar. 2014.
PILETTI, Cláudio. Didática geral. São Paulo: Ática, 2001.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem, cognição, semiótica, mídia. São Paulo:
Iluminuras, 2005.
SOARES, Sérgio José Puccini. Documentário e roteiro de cinema: da pré-produção à pós-
produção. 2007. 250 f. Tese (Doutorado em Multimeios) – Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2007.

269
VARGAS, Ariel; ROCHA, Heloísa Vieira da; FREIRE, Fernanda Maria Pereira. Promídia:
produção de vídeos digitais no contexto educacional. Novas Tecnologias Na Educação, Porto
Alegre, v. 5, n. 2, dez. 2007. Semestral. Disponível em:
<http://www.cinted.ufrgs.br/ciclo10/artigos/1bAriel.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2014.

270
USO DO CELULAR COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA

Mary Jeanne G. Viana Tavares


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Suélly Lima dos Santos


Instituto Federal Fluminense – IFF

Daniele Fernandes Rodrigues


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O artigo em questão traz um relato de experiência sobre a aplicação pedagógica


dos dispositivos móveis junto ao processo de ensino-aprendizagem. Ao utilizar as
Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC) de maneira planejada, elas auxiliam o
professor e despertam o interesse dos alunos. A tecnologia vem fazendo parte fundamental
na construção do saber e na troca de experiências, podendo ser utilizados em sala de aula,
em casa ou em horários vagos. Observa-se que a tecnologia não é a garantia da transmissão
do conhecimento, porém participa como determinante em agregar alunos e professores,
alunos e alunos, vencendo barreiras e aproximando o conhecimento da aprendizagem de
modo integrador e facilitador. Uma problemática observada atualmente nas escolas é o uso
do celular inadequadamente, para isso propusemos a utilização do mesmo
pedagogicamente e com um planejamento prévio; priorizando a inserção do aplicativo, que
é sustentado em uma plataforma colaborativa para o ensino de idiomas, o DUOLINGO. As
observações foram feitas em um Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) em Campos
dos Goytacazes - RJ, em turmas do Ensino Médio, nos turnos da manhã e noite. Visando a
quebra de barreiras entre disciplina e conteúdo didático, tendendo a elevar o nível de
aproveitamento entre alunos e professores, onde todos terão a oportunidade de crescer,
aprender e trabalhar juntos, sejam eles nativos ou imigrantes digitais.
Palavras-chave: Dispositivo móvel. Ensino-aprendizagem. Tecnologia.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Antigamente eram utilizados telefones celulares com poucos recursos e funções, que
possuíam apenas funcionalidade básica de comunicação por voz. Com a evolução da
tecnologia foi incorporado nos dispositivos atuais novos recursos e serviços que permitem a
utilização da internet para troca de dados. O acesso aos serviços de telefonia móvel permite
que as pessoas estejam conectadas virtualmente e tenham acesso às informações em todo
canto do mundo. Como forma de romper barreiras nas transmissões de dados entre
dispositivos que dispensem o uso de fios e cabos, surgem então as redes sem fio.

271
Com a implantação e popularização da telefonia móvel, uma nova visão de mundo e
comportamento foi definida, não apenas pela evolução que proporcionou, mas pela
mudança na forma de se comunicar. A telefonia celular promoveu avanços que fazem parte
do cotidiano das pessoas, tanto na comunicação, na disponibilização de serviços e na
operabilidade e conforto que toda tecnologia proporciona (TAVARES, 2004).
Diante de uma nova sociedade, de um novo século que busca o conhecimento de
forma acelerada. As tecnologias estão impactando todo o universo social e gerando novas
dinâmicas em todos os seguimentos, principalmente no que se refere à educação.
Faz-se necessário pensar e repensar em práticas educativas que traduzam a
necessidade e a realidade na qual estamos vivendo, para isso novos mecanismos de
aprendizagem começam a ser planejados e construídos, como forma de enriquecimento
pedagógico.
Portanto este artigo visa mostrar como o desenvolvimento dos sistemas de telefonia
se tornou essencial à sociedade e o modo de utilização do aparelho pode se tornar comum
nos ambientes educativos. Com a rápida evolução da telefonia móvel, as formas de
comunicação são eficientes, sendo de grande valia para a disseminação de informações em
escala global e de forma bastante ligeira.
Numa época de grandes transformações, geradas pela crescente evolução
tecnológica, é importante uma análise dos efeitos causados pelo crescimento da utilização
da telefonia móvel e seus recursos. A comunicação móvel se reflete na sociedade, tornando-
se um fenômeno de grande impacto social, principalmente nas salas de aula como recurso
tecnológico de aprendizagem. Mesmo que proibido dentro das instituições escolares,
pretende-se verificar a utilização dos aplicativos pedagogicamente.
Por esse motivo, o artigo torna-se relevante, pois a escolha justifica-se pelo fato das
telecomunicações viverem o desafio de maximizar a contribuição com o desenvolvimento
tecnológico, cultural e social.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Analisar a influência do aprendizado utilizando os dispositivos móveis (celular)
pedagogicamente;

272
Identificar a importância na utilização dos aplicativos nos dispositivos móveis, para o
aprendizado e;
Observar questões disciplinares e sociais entre alunos e professores diante das
mudanças metodológicas.
METODOLOGIA
Esta pesquisa pode ser classificada como descritiva à medida que descreve como
acontece o uso do dispositivo móvel em sala de aula, na disciplina de língua estrangeira
(inglês) utilizando um aplicativo livre sendo abordado de maneira pedagógica e orientado
pelo professor de um CIEP em Campos dos Goytacazes-RJ com turmas do Ensino Médio
(manhã) e Ensino de Jovens e Adultos (Noite), e explicativa, pois o artigo em questão explica
os resultados obtidos pelo professor mesmo em turmas diferentes.
A pesquisa foi realizada na Escola Pública Estadual (CIEP) em três turmas regulares,
de Ensino Médio, do turno da manhã, com 60 alunos; e em duas turmas da EJA à noite; no
1º semestre do ano de 2014.
Na turma em que nem todos os alunos tinham celular, o professor complementou a
atividade com o uso do computador, projetor de imagens e internet da própria escola.
A atividade proposta foi a utilização do aplicativo Duolingo (aplicativo gratuito para
celular e/ou computador) em suas atividades pedagógicas. Num primeiro momento o
professor conheceu o aplicativo mais detalhadamente, observando seus conteúdos e
atividades propostas, traçou estratégias para sua utilização, onde todos os alunos que
tivessem celular com acesso a internet deveriam baixar o aplicativo e os que não tivessem
fariam atividades em dupla. Num segundo momento cadastrou todos da turma para que
tivesse controle do nível e se estavam “jogando” e estipulou que após uma semana seria
feito uma verificação geral; onde todos saberiam em que nível cada dupla estava e os que
não tinham celulares poderiam participar a partir da exposição do aplicativo através da
internet de um computador e um projetor de imagens e assim ele procedeu por quatro
semanas. Intercalando com seu conteúdo curricular e o aplicativo como suporte de revisão,
tira dúvidas e competição amigável.

EVOLUÇÃO DA TELEFONIA MÓVEL CELULAR

273
Desde os primórdios da civilização, como na Grécia antiga, com o uso de sinais de
fumaça mencionado como forma de comunicação, observa-se o desejo de comunicar-se
livre de fios e aparatos. Em 1876, Alexander Graham Bell inventa o telefone. A era da
telefonia celular teve seu início efetivo nos anos 1990, quando o usuário podia obter o
aparelho portátil embora suas dimensões iniciais fossem grandes (DIAS, 2001). Para a
obtenção da portabilidade do aparelho celular, foi desenvolvido um sistema móvel sem fio,
que permitiu a utilização do serviço móvel celular em qualquer lugar.
Vários padrões foram adotados em diferentes países e ficaram conhecidos como
sistemas de 1ª Geração (1G); o AMPS (Advanced Mobile Telephone System – Sistema
Avançado de Telefonia Móvel) nos Estados Unidos, o TACS (Total Access Communications
Systemm – Sistema de Comunicação de Acesso Total) no Reino Unido, o JTACS (Japan Total
Access Communications Systems – Sistema de Comunicação de Acesso total do Japão) no
Japão e o NMT (Nordic Móbile Telephones system – Sistema Nórdico de Telefones Móveis)
nos países do norte europeu (Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega).
Os sistemas de 1G utilizam a transmissão de dados no modo analógico e a técnica de
acesso ao meio utilizada é a FDMA. Os principais problemas com esses sistemas eram a baixa
qualidade e capacidade dos canais de comunicação e a incompatibilidade entre os diversos
sistemas existentes.
Depois da primeira geração de sistemas móveis veio a 2ª Geração (2G) numa
tentativa de ampliar a capacidade dos sistemas existentes. O sistema AMPS evoluiu para o
DAMPS (Digital Advanced Mobile Phone System – Sistema Avançado de Telefonia Móvel)
que utilizava TDMA, também conhecido por IS-54 (Interim Standard - 54 – Padrão Interino -
54). Como uma alternativa ao IS-54 surgiu nos Estados Unidos o IS-95 (Interim Standard – 95
– Padrão Interino -95), ainda na primeira metade da década de 90 e utilizava o CDMA,
aumentando a capacidade em relação aos sistemas existentes. O IS-54 foi sucedido pelo IS-
136 (Ínterim Standard - 136 - Padrão Interino - 136). Portanto, em meados da década de 90
dois sistemas móveis digitais competiam nas Américas na faixa de 800 MHz (DIAS, 2001).
Com a 2ª Geração foram introduzidos novos serviços de comunicação de voz, com
maior qualidade e capacidade de transmissão, possibilitando atender um maior número de
usuários e, também, foram criados serviços de envio de dados como o SMS (Short Messages

274
Service – Serviço de Mensagens Curtas) para transmissão de pequenos pacotes de dados. O
SMS permite que o usuário envie e receba mensagens de texto de até 160bytes36 (DIAS,
2001).
Ainda no início da década de 90 surgiu a 3ª Geração (3G) teve como proposta o
padrão global das comunicações móveis, com a disponibilidade de altas taxas de transmissão
de dados possibilitando o suporte a aplicativos multimídia e acesso à Internet. O IMT-2000
(International Mobile Telecommunications 2000 – Telecomunicação Móvel Internacional
para o ano 2000) está sendo desenvolvida pela ITU (International Telecommunication Union
– União Internacional de Telecomunicações). Esses sistemas disponibilizam serviços de voz,
dados, e aplicações multimídia sobre as redes sem fio. A ideia é que o IMT-2000 especifique
uma “família de padrões” que disponibilize pelo menos taxas de 2 Mbps (Mega bits por
segundo) em ambientes indoor, 384 Kbps em ambientes de baixa mobilidade, 144 kbps (Kilo
bits por segundo) em ambientes veiculares (outdoor) (DIAS,2001).
O grande avanço dos sistemas de telecomunicações da Tecnologia da Informação
(TI), juntamente com a utilização de um novo tipo de componente de hardware, os
dispositivos móveis, trouxe ao mundo a tecnologia wireless37. De acordo com Amorim
(2002), este tipo de tecnologia, com o passar dos anos e com as novas exigências do
mercado, vem crescendo e possivelmente se tornará um dos meios mais utilizados, pois
pode propiciar diversas funcionalidades. Tudo isso em qualquer lugar ou a qualquer hora,
através de dispositivos móveis.
Ainda Amorim (2002) cita que se pode dizer que a tecnologia wireless disponibiliza a
portabilidade e a praticidade da informação independente do lugar, necessária aos
equipamentos portáteis. Perdendo a dependência de objetos fixos e viagens físicas, se
utilizará as redes wireless para acessar dados onde e quando for necessário.
O grande objetivo da tecnologia não é apenas aumentar a velocidade da conexão,
mas melhorar todo o sistema para oferecer uma experiência mais fluida para os usuários.

36
Bytes: Sequência constituída de um número fixo de bits adjacentes, considerada como a unidade básica de
informação, e cujo comprimento geralmente é constituído de 8bits; octeto.
37
Wireless: É o termo que designa sistemas de telecomunicações em que os sinais são transmitidos por ondas
eletromagnéticas, dispensando o uso de fios proporcionado pela tecnologia wireless, as pessoas desfrutarão de
informações adaptadas a seus hábitos e interesses.

275
Com isso, mais aparelhos poderão se conectar a rede, que deverá ser muito mais rápida que
o 4G atual.
De acordo com o engenheiro de comunicações Mike Short, a rede 5G ainda vai
demorar alguns anos para começar a ser utilizada comercialmente. Assim, espera que os
primeiros aparelhos equipados para utilizar a tecnologia comecem a ser vendidos em 2022
no Reino Unido e até 2024 em outros países. Contudo, isso não significa que as redes 3G e
4G serão deixadas de “lado”, mas sim que novas opções passarão a ser utilizadas em longo
prazo (BARBOSA, 2013).
Enfim, a comunicação sem fio é um suporte para a computação móvel, que explora
diferentes tecnologias de comunicação que serão inseridas tanto em ambientes
computacionais fixos como móveis.

CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA: MOBILIDADE E INTERATIVIDADE


Desde a década de 1990, a convergência dos recursos multimídias, oriunda da
evolução da tecnologia digital, possibilitou a integração de texto, áudio, imagem e números
numa mesma plataforma. Devido ao crescimento do consumo de informações multimídia, a
convergência tecnológica passou pela implantação e digitalização das informações. Desta
forma foi possível a integração de vários serviços e recursos na plataforma móvel.
Atualmente, o telefone celular tornou-se um dispositivo de entretenimento
multifuncional. Os aparelhos agregam diversos recursos como música, imagem, vídeo, texto,
e-mail, acesso à internet e redes sociais, permitindo aos usuários acessarem várias
aplicações e estar em contato com outros usuários, mesmo quando estão em movimento,
devido à mobilidade que este dispositivo proporciona.
A telefonia móvel permite aos usuários usufruírem dos recursos disponibilizados com
mobilidade, seja em casa, escola, trabalho ou andando nas ruas. O telefone celular também
faz parte do cotidiano de executivos e outros profissionais que necessitam de acesso às
informações importantes constantemente e comunicação instantânea através de diversos
recursos, além da conversação por voz, mas também a comunicação por e-mail,
mensageiros instantâneos e redes sociais, por exemplo.

276
A participação dos usuários sofreu além de um aumento, uma mudança que
possibilitou novas formas de comunicação além dos serviços básicos já utilizados como a
conversação por voz e mensagem de texto (SMS). Desta forma, com a interatividade entre
os usuários do serviço móvel é possível estabelecer através do aparelho, comunicação
mediada que agrega vários elementos da interação presencial, pois há a possibilidade de
manipular a voz, o som do ambiente e a imagem dos envolvidos. Como mídia de
interatividade, em relação aos elementos que são inseridos nas mensagens, tais como: o
tom de voz, a possibilidade de intervenção, apropriação e inserção (imagens, sons, vídeos,
documentos, caracteres de expressão). Assim configura-se uma interatividade de troca de
experiências de cunho emocional, por exemplo, reforçado por recursos podem intensificar
de forma a expressar a real ideia ou emoção que o indivíduo que passar para o receptor
(MANTOVANI, 2006).
Fonseca (2013) cita Straubhaar e LaRose (2004) que afirmam que a tecnologia é um
agente transformador e ocasiona impactos sociais. Do ponto de vista filosófico e
tecnológico, uma corrente de teoria que busca entender a tecnologia indo além da
necessidade e utilização de forma estrita, mas também como um estilo de vida, que ganha
força com sua utilidade, onde possibilita relacionar a industrialização da telefonia móvel,
com o pensamento de Aristóteles sobre a tecnologia, como ferramenta para o ser humano
se realizar de forma plena. Fonseca (2013) também cita Merije (2012) que afirma que o
design e funções dos aparelhos celulares tiveram evoluções, como a reprodução de toques
polifônicos e no formato digital MP3 com voz e instrumentos musicais simultaneamente,
bem como a o aumento do tamanho da tela e qualidade de resolução com milhões de cores
e touchscreen (tela com sensibilidade ao toque). Com o avanço das gerações da telefonia
móvel houve um crescimento das taxas de troca de dados, aumento e melhoria das
conexões e velocidade de navegação na internet e aparelhos com mais recursos.
Os telefones celulares atuais possuem outras características além de fazer uma
simples chamada telefônica; agora podem enviar mensagens de texto; realizar navegação na
internet; reproduzir música MP3; gravar memorandos; organizar informações pessoais,
contatos e calendários; enviar e receber e-mails e mensagens instantâneas; gravar, enviar,
receber e assistir a imagens e vídeos usando câmeras e filmadoras embutidas; executar

277
diferentes toques, jogos e rádio; realizar push-to-talk (PTT); utilizar infravermelho e
conectividade Bluetooth; realizar vídeo-chamadas e servir como um modem sem fio para um
PC (SAFKO & BRAKE, 2010, p.266).
Fonseca (2013) menciona Ferreira (2012) que levando em consideração a diversidade
de serviços e a convergência, os aparelhos celulares ofertam uma gama de recursos para o
aprendizado. Possibilita o compartilhamento de ideias e informações, experiências, acessão
a uma diversidade de serviços úteis e complementos didáticos audiovisual, e até jogos.
Segundo Fonseca (2013), na visão de Merije (2012) a combinação de serviços dos
telefones móveis e smartphones com os recursos da internet possibilitaram acessar e
compartilhar conteúdo digital, que permite uma nova forma de aprendizado.
A Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) junto à telefonia móvel está num
processo contínuo de mudanças e isso reflete na mudança do cotidiano de vários segmentos
na sociedade. Sendo assim, o segmento educacional também vem se adaptando a estas
tecnologias, e assim ocorre o crescimento da interatividade e acessibilidade à informação
(FONSECA, 2012).
Desta forma, Fonseca (2013) cita Fedoce e Squirra (2011) que afirma que as escolas
de forma geral necessitam atentar-se para as inovações, uma vez que as formas de ensino e
aprendizado passam por mudanças muito significativas, sendo que novas tendências estão
determinado e concebendo os paradigmas pedagógicos, alterações muito relacionadas à
difusão da Tecnologia da Informação (TI).
Fonseca (2013) também menciona Mülbert e Pereira (2011) que afirmam que a
inovação da tecnologia proveniente da evolução das telecomunicações vem possibilitando
acesso a diversas formas de aprendizado. Assim, tornou-se possível a utilização de aparelhos
móveis como os smartphones e tablets que possibilitam mecanismos de educação
semelhantes, no lugar de um equipamento conectado e fixado numa rede, como um
computador de mesa.
Desta forma são criadas circunstâncias para o progresso de exercícios de ensino-
aprendizagem com equipamentos móveis e portáteis. Fonseca (2013) cita Tarouco (2004)
que elucida que para o método de ensino-aprendizagem, escolas e professores utilizam
principalmente smartphones para apoio pedagógico no aprendizado.

278
NATIVOS DIGITAIS X IMIGRANTES DIGITAIS
Atualmente jovens de variadas faixas etárias, etnias e classes sociais utilizam seus
aparelhos celulares para ouvir música, assistir vídeos, navegar na internet e redes sociais,
trocar mensagens de texto e online e também falar com outras pessoas. No ambiente
residencial utilizam computador, se comunicam por mensagens e redes sociais com amigos
aos quais lidam no cotidiano como na escola, mas também com amigos virtuais que
estabelecem uma amizade virtual através de redes sociais, fóruns, chats e em diversos
domínios da internet.
Estes jovens geralmente buscam informações primeiramente na internet antes de
buscarem nos livros, revistas, ou qualquer tipo de impressão. Eles entendem a tecnologia
digital como uma linguagem, capaz de definir suas atitudes e comportamentos e desta
forma são descritos como nativos digitais, pois estão inseridos na linguagem digital desde o
nascimento (PESCADOR, 2010).
Pescador (2010) cita o pesquisador e educador Prensky (2001) que afirma que esta
geração de jovens prefere buscar informações de forma rápida e interagem com várias
mídias simultaneamente devido à utilização constante smartphones, computadores, e mídia
digital desde o nascimento. Além disso, ainda fica constantemente conectado com seus
círculos sociais através de mensagens de texto (SMS) no celular, computador e demais
dispositivos digitais conectados à internet e com ferramentas de comunicação online como
Whattsap e Facebook.
Pescador (2010) também cita Palfrey e Gasser (2008) que afirmam que jovens que
lidam com a tecnologia desde a primeira idade geralmente têm uma personalidade online e
levam uma vida online através de dispositivos como o celular e recursos como redes sociais,
esses são os nativos digitais. Esta característica de adaptação natural à tecnologia é o que
difere esses jovens de seus pais e outras pessoas de gerações anteriores, as quais quando
eram jovens costumavam relatar suas ideias e pensamentos em diários, que eram fechados
com cadeados para que não pudessem ser lidos. Já os nativos digitais compartilham suas
ideias, pensamentos e até segredos em blogs na internet em redes sociais e desta forma
criam vínculos entre pessoas que podem nunca se encontrar.

279
Segundo Pescador (2010), Prensky (2001) afirma que os nativos digitais podem ser
facilmente identificados em todos os lugares devido à forma de utilizar os dispositivos
tecnológicos e seus recursos. Como estão desde muito cedo familiarizados com a tecnologia
digital, um telefone celular, por exemplo, não é utilizado apenas para as funções primordiais
e básicas como realizar e receber chamadas e mensagens de texto, mas também para ouvir
músicas, assistir vídeos e acessar a internet, podendo também assistir TV. Os nativos digitais
têm a capacidade de realizar várias tarefas simultaneamente, podendo executar um
download de música ou streaming de vídeo online enquanto fazem uma tarefa escolar. Os
nativos digitais nasceram em meio à tecnologia digital e se adaptaram naturalmente.
Para Pescador (2010), é válida a afirmação de Prensky (2001) que os imigrantes
digitais são indivíduos que alcançaram a utilização da tecnologia digital geralmente na vida
adulta, sendo assim, precisam se adaptar. Mesmo quando adaptados à linguagem digital, os
imigrantes digitais ainda mantém determinado “sotaque” em relação aos nativos digitais ao
que se refere à utilização das tecnologias no cotidiano. Muitos não conseguem deixar de
utilizar métodos defasados e antigos. Imprimem e-mails ou não usam a internet como
primeira fonte de busca informação, mas preferem consultar livros e outros materiais
impressos, por exemplo, pois a diferença é mais cultural. A diferença entre as gerações mais
antigas e mais novas definem cada lado.
Os imigrantes digitais costumavam serem passivos em relação às tecnologias de
comunicação de sua época como espectadores e ouvintes do rádio e televisão. Já os nativos
digitais buscam a interação com a tecnologia. Ao invés de ler um manual para aprender
como funciona e como operar um aparelho ou aplicativo, o nativo digital prefere utilizar e ir
aprendendo numa sequência de erros e acertos, valendo-se de uma lógica para o
entendimento. Os jovens preferem explorar e aprender por conta própria a utilização das
tecnologias do que serem passivos e aprender com instruções e manuais (PESCADOR, 2010).

MEMORIAL: USO DO DUOLINGO EM SALA DE AULA


Com o propósito de satisfazer às necessidades educacionais, propôs-se a realização
de pesquisa para levantamento de informações sobre a existência, a validação e a utilização
dos dispositivos moveis em sala de aula. Para solucionar os obstáculos encontrados na

280
mesma e para deixá-las mais dinâmicas, foi desenvolvida uma pesquisa de campo que visa
identificar aspectos capazes de propor melhorias qualitativas e quantitativas para o uso do
dispositivo móvel no processo ensino-aprendizagem.
A elaboração dos questionários consistiu nos seguintes passos: pesquisa exploratória
com questões abertas e fechadas; e perguntas aos alunos e aos professores quanto a fatores
que teriam maior relevância na qualidade do ensino-aprendizagem.
O questionário contém as seguintes considerações: Perguntas aos alunos: (i) Se os
alunos possuem aparelho celular com acesso a internet ou não; (ii) Quantas horas fazem uso
da internet; (iii) Se o uso é para fins pessoais ou educativos e; (iv) Concorda ou discorda com
a proibição do uso do celular em sala de aula, justifica em caso de negativa. Perguntas aos
professores: (i) Se permitem o uso do celular em sala de aula; (ii) Se permitem o uso do
celular pedagogicamente; justificando no caso negativo; (iii) Quantas horas costuma utilizar
a internet e para que fim e; (iv) Se gostaria de utilizar o aplicativo Duolingo em suas aulas.
As pesquisas ocorreram entre os meses de maio a julho de 2014, sendo as questões
preenchidas diretamente pelos entrevistados, a fim de obter avaliações realistas e sinceras e
a identificação foi opcional. A metodologia aplicada para os discentes no primeiro momento
foi conhecer melhor o aplicativo, e em seguida baixá-lo em seus celulares e a partir destas
informações, direcionar o uso conforme pré-estabelecido no aplicativo. Já com os docentes,
foi realizada uma reunião para que pudessem baixar o aplicativo, utilizar e observar se o
conteúdo abordado estava pertinente ao currículo mínimo adotado pela Secretaria de
Educação, ou pelo menos dentro do perfil das turmas.
Após a análise do questionário foi desenvolvido ações de pesquisa apoiadas nas
observações citadas, como ponto de partida para discussões e possíveis decisões. Na
primeira fase, as pesquisas foram feitas com 60 alunos matriculados no primeiro semestre
de 2014 do Ensino Médio referentes ao turno da manhã, turmas do 1º ano com 22 alunos,
2º ano com 20 alunos e 3º ano com 18 alunos, todos com a faixa etária entre 14 e 20 anos.
Entretanto um docente aceitou o desafio de realizar a pesquisa em suas aulas de língua
estrangeira nas turmas e series diferentes do Ensino Médio referente ao turno da manhã, no
CIEP João Borges localizado em Campos dos Goytacazes.

281
Após análise das respostas obtidas a partir da primeira etapa, criou-se a segunda fase
com ideia de fazer um paralelo com o que está sendo ofertado pelo aplicativo e apoiado na
necessidade do currículo mínimo, possibilitando o aproveitamento das atividades.
Esta pesquisa é considerada como descritiva à medida que descreve como acontece o
uso do dispositivo móvel em sala de aula, na disciplina de língua estrangeira (inglês)
utilizando um aplicativo livre sendo abordado de maneira pedagógica e orientado por um
docente do Colégio Estadual em Campos dos Goytacazes, RJ.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os alunos em sua maioria são nativos digitais e, portanto têm facilidade de utilizar o
aplicativo para estudar, desta forma, a utilização do aplicativo mostrou resultados positivos,
com relação ao aprendizado, interesse e comportamento.
Na turma da noite (EJA), sua maioria não possuía celular e também alguns imigrantes
digitais, o professor utilizou o datashow e a internet móvel para motivar sua aula e integrar
todos os alunos.
O fato de precisar de internet para baixar o aplicativo e utilizá-lo nos deixa reféns de
uma conexão, que ainda nem todos tem acesso grátis. Contudo, em algumas escolas é
possível administrar essa utilização. Uma dificuldade também é contar com interesse e
despreparo do professor para fazer a parceria com os alunos.
Com esse trabalho observamos que as transformações na sociedade no que tange às
tecnologias para a educação podem ser utilizadas como facilitadoras no processo ensino-
aprendizagem. E essas quando bem empregadas e planejadas, vêm a contribuir para o
sucesso dos alunos e professores, impulsionando inclusive o comportamento e atenção dos
indivíduos. Para tanto é muito importante o incentivo pedagógico dos aplicativos, pois o uso
do celular em sala de aula ainda é proibido, pela falta de planejamento diário e
concomitante com o currículo mínimo a ser ministrado em aula.

REFERÊNCIAS

282
AMORIM, Glauco Fiorott. Análise de Desempenho de Protocolos de Roteamento com
Diferenciação de Serviços em Redes de Comunicação Móvel Ad Hoc. Rio de Janeiro, 2002
(Dissertação de Mestrado) Instituto Militar de Engenharia.
ANATEL. Brasil fecha 2013 com 271,10 milhões de acessos móveis. 2014. Disponível em:
<http://www.anatel.gov.br >Acessado em: 15 ago. 2014.
BARBOSA, Cássio W. 5G deve ser até mil vezes mais rápida que 4G. 2013. Disponível em:
<http://www.tecmundo.com.br/>. Acesso em: 03 nov. 2013.
DIAS, K. L; Sadok, D. F.H. Internet Móvel: Tecnologias, Aplicações e QoS. Simpósio
Brasileiro de Redes de Computadores, 19, 2001, Florianópolis. Anais. Florianópolis: GTA :
UFRJ, 2001.
FONSECA, Ana Graciela M. F. da. Aprendizagem, mobilidade e convergência: Mobile
Learning com Celulares e Smartphones. Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação
em Mídia e Cotidiano, Rio de Janeiro, v. 163-181, n. 2, p.163-177, jun. 2013.
TAVARES JR., Alfredo F. Telefonia Celular: uma visão abrangente. 2004. 27p. Monografia
(Especialização em Redes de Computadores e Comunicação de Dados)Universidade Estadual
de Londrina, Londrina, 2004.
PESCADOR, Cristina M. Tecnologias digitais e ações de aprendizagem dos nativos
digitais. In: Congresso Internacional de Filosofia e Educação, 5., 2010, Caxias do Sul Artigo.
Caxias do Sul, Rs: Issn, 2010. v. 1, p. 01 - 04. Disponível em:
<http://www.ucs.br/ucs/tplcinfe/eventos/cinfe/artigos/artigos/arquivos/eixo_temati
co7/TECNOLOGIAS DIGITAIS E ACOES DE APRENDIZAGEM DOS NATIVOS DIGITAIS.pdf>.
PRESNKY, Marc. Digital natives and digital immigrants. On The Horizon, New York, 9, n. 5,
p.1-5, out. 2001.
MANTOVANI, Camila Maciel Campolina Alves. Info-entretenimento na telefonia celular:
Informação, mobilidade e interação social em um novo espaço de fluxos. 2006. 152 f. Tese
(Mestrado) - Curso de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2006. Cap. 2.
SAFKO, Lon; BRAKE, David. K. A Bíblia da mídia social: táticas, ferramentas e estratégias
para construir e transformar negócios. São Paulo: Blucher, 2010.

283
NATIVOS DIGITAIS E IMIGRANTES DIGITAIS: APLICABILIDADE DOS CONCEITOS DE MARC
PRENSKY NA REALIDADE DE ESTUDANTES BRASILEIROS

Rafael Rivera Alves


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Pesquisamos a aplicabilidade dos termos criados pelo autor Marc Prensky:
“Nativos digitais” e “imigrantes digitais” na realidade de estudantes brasileiros. O autor
afirma que existem diferenças entre as pessoas nascidas na era da popularização da
internet, os nativos digitais, e os nascidos antes dessa era, os imigrantes digitais. Entretanto,
Prensky não usa dados de pesquisas quantitativas para apoiar suas ideias. Aplicamos um
questionário online com perguntas baseadas em afirmações e exemplos extraídos dos livros
e artigos do próprio Marc Prensky. Então, Prensky afirma que nativos digitais adicionam
desconhecidos nas redes sociais digitais frequentemente. O presente estudo demonstra que
6,38% dos entrevistados afirmaram adicionar desconhecidos nas redes sociais com
frequência. E, na faixa etária que engloba “menos de 20 anos” e “de 20 a 25 anos” nenhum
entrevistado respondeu que adiciona desconhecidos nas redes sociais digitais com
frequência. Ainda, segundo Prensky, ser multitarefa é uma característica atribuída aos
nativos digitais. Porém, 26,67% de pessoas na faixa etária de 20 a 25 anos disseram que não
gostam de fazer mais de uma tarefa ao mesmo tempo e que preferem fazer uma de cada
vez. Os resultados apontam que muitas das características atribuídas aos nativos digitais e
imigrantes digitais não se aplicam a realidade de estudantes brasileiros.
Palavras-chave: Marc Prensky. Nativos digitais. Imigrantes digitais. Aplicabilidade. Conceitos.

INTRODUÇÃO
Existem diferenças marcantes entre pessoas nascidas na era da internet e outras que
precisaram “imigrar” para esse novo território? Essa geração, chamada de nativos digitais, é
realmente muito diferente, como Marc Prensky afirma? As características que Prensky
atribui a cada uma dessas gerações são aplicáveis na realidade de estudantes brasileiros?
Essas são algumas questões que o presente estudo pretende averiguar.
Prensky criou os termos “nativos digitais” e “imigrantes digitais” em 2001. Trata-se
de uma nomenclatura para designar os que nasceram depois da popularização da internet e
os que nasceram antes dessa era. Afirma o autor que os nativos digitais têm características
muito diferentes da antiga geração. Ser multitarefa, preferir uma leitura de acesso aleatório
(como no hipertexto) e adicionar desconhecidos nas redes sociais são, segundo Prensky,
algumas características dessa geração.

284
A época da popularização da internet no contexto brasileiro data de 1996. Se
pensarmos em crianças que cresceram rodeadas pela internet, podemos colocar a data de
nascimento delas a partir de 1990. Foi o critério que adotamos nesse estudo. Então até 25
anos de idade é considerado nativo digital. De 26 anos de idade para cima é imigrante
digital.
Diversos são os autores que defendem esses conceitos. Os autores Veen e Vrakking
cunharam a expressão homo zappiens. Concordando e citando Marc Prensky, Veen e
Vrakking afirmam que “a geração da rede difere de qualquer outra do passado porque
cresceu em uma era digital. (...) Os usos dessas tecnologias influenciaram o modo de pensar
e o comportamento do Homo zappiens.” (Veen e Vrakking, 2009, p.29).
Veen e Vrakking, afirmam ainda que “(...) Chamaremos essa geração de Homo
zappiens, aparentemente uma nova espécie que atua em uma cultura cibernética global com
base na multimídia.” (Veen e Vrakking, 2009, p.29).
“A diferença entre o Homo zappiens e você é que você funciona, linearmente, lendo
primeiro as instruções - usando o papel - e depois começa a jogar, descobrindo as coisas por
conta própria quando há problemas. O Homo zappiens não usa a linearidade.” (Veen e
Vrakking, 2009, p.31).
Conforme reforça a autora Maria Beatriz Ramos: “Veem e Vrakking (2009)
denominam os jovens desta época de “geração Homo zappiens, que cresceu usando
múltiplos recursos tecnológicos desde a infância”. (Ramos, 2011, p.14).
Existem críticas aos conceitos de nativos e imigrantes digitais. Uma dessas críticas,
baseadas em pesquisas quantitativas, aparece no estudo de Souza (2013):

Acredita-se que o conceito de Prensky não considera fatores como a


Vivência e Convivência em rede e a classificação etária, que foi uma das
considerações de Prensky sobre Nativos e Imigrantes Digitais não pode ser
considerada uma regra, porque na realidade, pode-se encontrar um
Imigrante que se sai bem melhor na utilização das tecnologias e que possui
uma maior vivência na Web que um Nativo Digital (Souza, 2013, p.23).

Prensky inseriu novos conceitos dando exemplos que percebeu no cotidiano dele. O
autor costuma pegar exemplos de frases ditas por alunos ao final de suas palestras. Prensky
afirma em seu artigo de 2001 que:

285
Os Nativos Digitais estão acostumados a receber informações muito
rapidamente. Eles gostam de processar mais de uma coisa por vez e realizar
múltiplas tarefas. Eles preferem os seus gráficos antes do texto ao invés do
oposto. Eles preferem acesso aleatório (como hipertexto). Eles trabalham
melhor quando ligados a uma rede de contatos (Prensky, 2001).

Porém, o autor não usa nenhum dado de pesquisas quantitativas para delinear essas
informações. É apenas o que ele observa e conversa com alunos do mundo todo, conforme
nos informa o próprio Prensky em suas palestras, livros e artigos.
Portanto, faz-se necessária uma pesquisa quantitativa para averiguar a aplicabilidade
desses conceitos na realidade de estudantes brasileiros.

METODOLOGIA
Acerca de pesquisa bibliográfica GIL afirma que: “a pesquisa bibliográfica é elaborada
a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos
e, atualmente, material disponibilizado na Internet.” (GIL apud KAUARK, 2010, p. 28).
Portanto, fizemos uma revisão bibliográfica de artigos e livros do Marc Prensky e de
pesquisadores da área da educação digital como Win Veen, Ben Vrakking, Maria Beatriz
Ramos e Carlos Henrique Medeiros de Souza. Fizemos uma revisão videográfica, assistimos
palestras, entrevistas e outros vídeos que estão disponíveis no site de Marc Prensky e no
youtube.
Encontramos vasto material porque é um tema atual e Marc Prensky é muito
conceituado nesta área. O número de citações para seu artigo "Digital natives, digital
immigrants part 1." no sistema de busca Google acadêmico é de 9.274 citações.
Comparando-se com o livro “A sociedade em rede”, de Manuel Castells, versão em
português, tem 10.536 citações no mesmo sistema da empresa Google.
A pesquisa é uma atividade voltada para a solução de problemas, através do
emprego de processos científicos. (GIL apud KAUARK, 2010, p. 24). Esta pesquisa pretende
verificar a aplicabilidade dos conceitos de Marc Prensky na realidade Brasileira. Se as
características que Marc Prensky diz ser inerentes aos nascidos na era da internet realmente
se verificam presentes no contexto brasileiro.

286
A pesquisa descritiva visa o estabelecimento de relações entre variáveis. Para isso,
utiliza técnicas padronizadas de coleta de dados: questionário e observação sistemática. (GIL
apud KAUARK, 2010, p, 28).
Logo, depois de apreendidos os conceitos de Marc Prensky, desenvolvemos uma
pesquisa exploratória. Entre os dias 04 e 08 de outubro de 2014 foram aplicados
questionários através da rede social Facebook, em grupos formados por estudantes
universitários. Para a aplicação do questionário, foi utilizado o serviço Google Forms.
Para alcançar nosso objetivo, desenvolvemos 28 perguntas divididas em três partes:
Perfil do entrevistado e os conceitos de nativo e imigrante digital. Colhemos o total de 47
respostas.
Os critérios usados para definir o universo da pesquisa foram estes: alunos de 18 a 40
anos, graduandos, mestrandos e doutorandos. O que incluí nativos e imigrantes digitais, ou
seja, que nasceram antes e depois da época da popularização da internet, por volta de 1996,
na realidade brasileira.
As perguntas foram elaboradas tendo em vista exemplos que o próprio Marc Prensky
usa em seus textos. Então, Prensky afirma que imigrantes digitais imprimem e-mails com
frequência e os nativos digitais não. Elaboramos a pergunta: “Você imprime e-mails?” e as
respostas, em formato múltipla escolha: Sempre, quase sempre, toda semana ou quase
nunca. Para verificar a aplicabilidade deste exemplo, desta característica de imigrantes
digitais na realidade brasileira.
De forma semelhante, criamos uma pergunta para averiguar cada características que
Prensky atribui aos nativos digitais e aos imigrantes digitais.

RESULTADOS
Apresentaremos os resultados em duas partes: primeiramente o perfil da amostra e
em seguida a aplicabilidade dos conceitos de nativos digitais e imigrantes digitais na
realidade de estudantes brasileiros.
Primeira parte: O perfil da amostra, conforme os critérios de seleção supracitados.

287
Parte dois: aplicabilidade dos conceitos de Marc Prensky. “Nativos e imigrantes
digitais”:
Pergunta: “Você imprime e-mails?”

Nesta pesquisa, recortando a faixa etária de 31 a 35 anos de idade, 18,18% afirmam


que “quase sempre imprimem emails”. Enquanto que 81,82% desses “imigrantes digitais”
afirmam que “quase nunca imprimem e-mails”. Já na faixa etária de “menos de 20 anos até
25 anos“ 100% afirmaram quase nunca imprimir e-mails.
Pergunta: Você lê o manual de um programa/aplicativo (mesmo que online) ou
assume que irá aprender usando?

288
Nesta questão, enquanto 86,67% dos nativos digitais (na faixa de 20 a 25 anos)
afirmam que aprendem usando os programas de computador e aplicativos, o número cai
para 72,73% dos imigrantes digitais da faixa etária de 31 a 35 anos, na mesma pergunta.
Pergunta: Você trabalha com arquivos compartilhados na rede (Google drive,
Dropbox e semelhantes)?

289
O número de 40% dos nativos digitais (considerando a faixa etária de 20 a 25 anos
nesse exemplo) respondeu que trabalham quase sempre dessa forma. Enquanto que apenas
27,27% dos imigrantes digitais, de 31 a 35 anos, responderam de forma similar.
Pergunta: Você procura gráficos e infográficos para compreender melhor um
assunto?

O número de 46,67% da faixa etária “de 20 a 25 anos” (Figura 9) da presente


pesquisa afirmou não procurar infográficos para se informar melhor e afirmaram apenas ler
sobre o assunto. E 26,67%, na mesma faixa etária, afirmaram que usam infográficos muitas
vezes. Já na faixa etária de 31 a 35 anos (Figura 10), a tendência é a de usar poucas vezes
esse tipo de arquivo, com o número de 45,45%. E apenas 9,09 dessa faixa etária afirmaram
usar muitas vezes esse tipo de arquivo.
Pergunta: Adiciona desconhecidos em redes sociais?

290
Na faixa etária que engloba “menos de 20 anos” e “de 20 a 25 anos” (Figura 11)
ninguém respondeu que “sim, muitas vezes”.
Pergunta: Você gosta da ideia de ser multi tarefa? Estudar e, ao mesmo tempo,
mandar mensagens, postar nas redes sociais, ler notícias e outras informações. Tudo ao
mesmo tempo?

Quando perguntados sobre agir de maneira multitarefa e analisamos os números


pelo recorte por faixa etária, percebemos variações significativas. Na faixa etária de 20 a 25
anos (Figura 12), um número de 26,67% afirmaram não gostar de realizar multi tarefas e

291
preferem fazer uma ação de cada vez. Enquanto que na faixa etária de 31 a 35 anos (Figura
13) esse valor desce para 9,09%.

DISCUSSÃO
Buscou-se elucidar os seguintes questionamentos: quais conceitos de Marc Prensky
podem ser observados nas ideias e opiniões de estudantes universitários brasileiros. Como
os conceitos de nativos digitais e imigrantes digitais se materializam ou não na realidade
destes estudantes universitários.
A maior parte da amostra é formada por estudantes graduandos, mestrandos e
doutorandos, que representam 70,21% do universo desta pesquisa.
Quando perguntados sobre agir de forma multitarefa, 48,94% responderam que de
vez em quando gostam de ser multi tarefa, 21,28% afirmaram que não gostam da ideia e
preferem fazer uma coisa de cada vez. E 29,79% afirmaram que gostam e sempre fazem.
Quando analisamos os números pelo recorte da faixa etária, percebemos variações
significativas. Na faixa etária de 20 a 25 anos (Figura 12), um número de 26,67% afirmaram
não gostar de realizar multi tarefas e preferem fazer uma ação de cada vez. Enquanto que na
faixa etária de 31 a 35 anos (Figura 13) esse valor desce para 9,09%.
Esses resultados demonstram o contrário do que Marc Prensky afirma. Na realidade
brasileira, os mais jovens não gostam de ser Multitarefa. Já os imigrantes digitais tiveram
maior aceitação nessa forma de agir. Conforme pode ser observado nas figuras 12 e 13.
Acerca da característica de imprimir e-mails, atribuída por Prensky aos imigrantes
digitais: os resultados demonstram que imigrantes digitais costumam imprimir e-mails e
nativos digitais quase nunca imprimem. Concluímos que, no contexto brasileiro atual, essa
característica apontada por Marc Prensky corresponde à realidade de estudantes brasileiros.
No mesmo tema, recortando a faixa etária de 31 a 35 anos de idade, 18,18% afirmam
que “quase sempre imprimem e-mails”. Enquanto que 81,82% desses “imigrantes digitais”
afirmam que “quase nunca imprimem e-mails”. Já na faixa etária de “menos de 20 anos até
25 anos“ 100% afirmaram quase nunca imprimir e-mails.
Cabe ressaltar que o artigo de Marc Prensky acerca de imigrantes digitais e nativos
digitais foi publicado no ano de 2001. Na época, os e-mails eram, muitas vezes, armazenados

292
no computador do próprio usuário. Se o computador estragasse, poderiam perder todos os
e-mails. Fato que, muito provavelmente, reforça a ideia de que os imigrantes digitais
imprimissem e-mails em 2001. Atualmente, os e-mails são armazenados em nuvem e caso o
computador pare de funcionar o indivíduo pode acessar de qualquer outra máquina
conectada à internet.
Ler ou não o manual de um programa/aplicativo: podemos perceber que essa
afirmação de Prensky acerca da diferenciação entre nativos digitais e imigrantes digitais se
aplica na realidade brasileira com ressalvas. É importante ressaltar o contexto histórico. Os
programas, aplicativos, sistemas operacionais e praticamente toda interação pessoa –
computador recebeu uma interface gráfica e ficou mais “amigável”. Os aplicativos são mais
simples de entender, e conseguimos navegar pelos programas de maneira intuitiva, hoje
bem mais fácil que em 2001, data de publicação do artigo de Prensky.
Sugerimos uma pesquisa interdisciplinar para verificar tal fato: a evolução de
interfaces amigáveis e a facilitação da adaptação dos imigrantes digitais ao ciberespaço.
Em seu trabalho, Prensky afirma que nativos digitais trabalham de forma
colaborativa. Uma dessas formas é usando arquivos compartilhados. Esses arquivos ficam
online e permitem a edição de mais de um usuário. Os resultados da presente pesquisa
demonstraram que existem diferenças na relação de trabalho com tais arquivos (figuras 7 e
8). Portanto, se aplica em parte o conceito de Marc Prensky nesse quesito.
Questões acerca da segurança digital podem interferir e muito nessa questão.
Sugerimos mais estudos relacionando essas informações acerca de trabalho com arquivos
compartilhados e a questão da segurança na internet.
Essa pesquisa demonstra que essa afirmativa: “nativos digitais procuram gráficos
para compreender melhor um assunto” não se aplica a realidade brasileira. Ver as figuras 9 e
10.
Acerca de “adicionar desconhecidos nas redes sociais digitais”, precisamos destacar a
falta de segurança pública da nossa realidade. Fato que pode explicar o número de 70,21%
que responderam “sim, raramente” e “não, nunca adicionei desconhecidos”, de todas as
faixas etárias da presente pesquisa. (Figura 11)

293
Apenas 6,38% dos entrevistados afirmaram adicionar desconhecidos nas redes
sociais com frequência. E, na faixa etária que engloba “menos de 20 anos” e “de 20 a 25
anos” ninguém respondeu que “sim, muitas vezes”. Portanto, essa questão não se aplica a
realidade de estudantes brasileiros.

ASPECTOS CONCLUSIVOS
Observamos que não existem atributos exclusivos de nativos digitais ou de
imigrantes digitais. Podemos inferir que os imigrantes digitais se adaptaram muito bem.
Uma pesquisa acerca dessa “adaptação” seria de grande valia para a área de conhecimento.
Como sugestões para trabalhos futuros: um estudo interdisciplinar entre a adaptação dos
imigrantes digitais e a evolução das interfaces amigáveis de programas e aplicativos.
Considerar desde programas sem interface da década de 90 como MS-DOS. Nesse
tipo de programa os usuários deveriam saber os comandos, digitá-los da maneira exata
senão não funcionaria. E, atualmente, os programas com interfaces gráficas, sensível ao
toque e de aprendizagem intuitiva. Esses fatos estariam auxiliando essa adaptação dos
imigrantes digitais ao ciberespaço.
Logo, fica comprovado que alguns exemplos usados por Marc Prensky para ilustrar e
construir seus conceitos de nativos digitais e imigrantes digitais não se aplicam na realidade
brasileira.

REFERÊNCIAS
ALVES, Lynn. Nativos digitais: games, comunidades e aprendizagens. Tecnologia
Educacional e Aprendizagem: o uso dos recursos digitais. Livro Pronto: São Paulo (2007):
233-251. Disponível em:
https://www.institutoclaro.org.br/uploads/nativosdigitais_lynnalves.pdf Acesso em:
Outubro de 2014.
ALVES, Carlos Antonio Dias. Tecnologias e novos modos de comunicação: A (re)invenção
do conhecimento no ciberespaço na percepção dos docentes imigrantes digitais de uma
universidade pública. (2013). Disponível em:

294
http://www.pgcl.uenf.br/2013/pdf/Carlos%20Ant%C3%B4nio%20Dias%20Alves%202013.pdf
Acesso em: Outubro de 2014.
ANDRADE, Anderson Monteiro e MEDEIROS, Hercílio de. Imigrantes e Nativos Dgitais:
reflexões sobre o uso da Língua(gem) no Twitter. Disponível em:
http://www.gelne.org.br/Site/arquivostrab/872-SP_LING_TEC_AM_HDM.pdf Acesso em:
Outubro de 2014.
COELHO, Patricia; FARIAS. Margarida. Os nativos digitais e as novas competências
tecnológicas. Texto Livre: Linguagem e Tecnologia 5.2 (2012).Disponível em:
http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/2049 Acesso em:
Outubro de 2014.
FOLHA UOL. Entrevista com Marc Prensky. http://m.folha.uol.com.br/saber/983798-leia-
entrevista-do-autor-da-expressao-imigrantes-digitais.html Acesso em: Outubro de 2014.
LEMOS, Silvana. Nativos digitais X aprendizagens: um desafio para a escola. Boletim
Técnico do SENAC. Revista da Educação Profissional 35.3 (2009). Disponível em:
http://www.senac.br/BTS/353/artigo-04.pdf Acesso em: Outubro de 2014.
MARC PRENSKY. Vídeos de Marc Prensky: Seção de vídeos do site de Marc Prensky:
http://marcprensky.com/marcs-idea-videos/ Acesso em: Outubro de 2014.
PRENSKY, Marc. Digital natives, digital immigrants part 1. On the horizon 9.5 (2001): 1-6.
Disponível em: http://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-
%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf Acesso em: Outubro de
2014.
PRENSKY, Marc. Listen to the natives. Educational leadership 63.4 (2005).Disponível em:
http://www.ascd.org/ASCD/pdf/journals/ed_lead/el200512_prensky.pdf Acesso em:
Outubro de 2014.
PRENSKY, Marc. Engage Me or Enrage Me: What Today's Learners Demand." Educause
review 40.5 (2005): 60. Disponível em: https://net.educause.edu/ir/library/pdf/erm0553.pdf
Acesso em: Outubro de 2014.
PRENSKY, Marc. H. Sapiens digital: From digital immigrants and digital natives to digital
wisdom. Innovate: journal of online education 5.3 (2009). Disponível em:
http://www.wisdompage.com/Prensky01.html Acesso em: Setembro de 2014.

295
PRENSKY, Marc R. Teaching digital natives: Partnering for real learning. Corwin Press,
2010. Disponível em: http://marcprensky.com/teaching-digital-natives-partnering-for-real-
learning/ Acesso em: Outubro de 2014.
PRENSKY, Marc. What Technology ISN’T Good At, Part II: Passion. Educational
Technology (2012).Disponível em: http://marcprensky.com/writing/Prensky-
What_Isn't_Technology_Good_At-(Part%202)-EDTECH-Nov-Dec-1012.pdf Acesso em:
Setembro de 2014.
RAMOS, Maria Beatriz Jacques e FARIA, Elaine Turk. Aprender e ensinar: diferentes
olhares e práticas. EDIPUCRS, 2011.
SILVA, Carla Cardoso. Informação em excesso: a normose e a percepção de nativos e
imigrantes digitais no twitter. (2011). Disponível em:
http://www.pgcl.uenf.br/2013/pdf/Carla_Cardoso_Silva.pdf Acesso em: Setembro de 2014.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros e CARDOSO, Carla. As Redes Sociais Digitais: Um
mundo em transformação. (2011). Disponível em:
http://www.uenf.br/Uenf/Downloads/Agenda_Social_8427_1312371250.pdf Acesso em:
Outubro de 2014.
SOUZA, Marcos de; CORREIA, Vasti Gonçalves de Paula e SOUZA, Carlos Henrique
Medeiros. O real nativo e o imigrante digital nas redes sociais digitais. (2013). Disponível
em: http://www.interscienceplace.org/interscienceplace/article/view/258 Acesso em:
Outubro de 2014.
VEEN, Wim e VRAKKING, Ben. Homo Zappiens: educando na era digital. Artmed, 2009.
Estrevista com Marc Prensky, Revista época:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI153918-15224,00-
MARC+PRENSKY+O+ALUNO+VIROU+O+ESPECIALISTA.html Acesso em: Outubro de 2014.

296
NOVOS PARADIGMAS PARA A TEORIA DA INFORMAÇÃO “MENSAGEM-EMISSOR-
RECEPTOR” EM TEMPOS DE NOVAS TECNOLOGIAS

Simone Rodrigues Barreto


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O presente artigo é parte do resultado de uma pesquisa mais ampla sobre o uso
das redes sociais digitais como fonte de informação no jornalismo impresso e online. A
motivação foi observar a presença de citações ou referências de perfis das redes sociais
digitais em matérias jornalísticas publicadas em jornais online e impressos de Campos dos
Goytacazes. Este trabalho observou como a apropriação das informações publicadas em
perfis de redes sociais digitais serviu como geradoras ou localizadoras da informação na
notícia. Estudamos o paradigma lasswelliano, que marcou profundamente as pesquisas na
década de 40 e despontou entre as Teorias da Comunicação com a estrutura e a função da
Comunicação na Sociedade. Lasswell explica o fenômeno com as cinco perguntas: Quem?
(emissor), Diz o quê? (mensagem), Por meio de qual canal? (meio), A quem? (receptor) Com
que efeito? (efeito). O objetivo deste trabalho é avaliar se os elementos propostos por
Lasswell ainda se configuram na mesma ordem e, se, com as Novas Tecnologias de
Informação na Comunicação (NTIC’s), estes se modificaram.
Palavras-chave: Teoria da comunicação. Redes sociais. Fonte de informação.

INTRODUÇÃO
A sociedade do século XXI se transforma a cada instante devido ao advento das
Novas Tecnologias da informação e Comunicação (NTIC’s). Vivemos na era da informação e
uma população totalmente pautada nas inovações tecnológicas, utilizando cada vez mais a
Internet como veículo de comunicação e com uma atenção voltada para um meio que
superou o modelo de comunicação de massa.
O objetivo deste artigo é analisar bibliograficamente e com pesquisa de campo a
utilização das redes sociais digitais como fonte de informação no jornalismo impresso e
online. A motivação se deu após se observar a presença de citações ou referências de
publicações em perfis das redes sociais digitais, reproduzidas em matérias jornalísticas
publicadas em meios de comunicação de massa como jornais impressos e online de Campos
dos Goytacazes, no Interior do Rio de Janeiro, como geradoras ou localizadoras da
informação. Tal artigo também tem um caráter interdisciplinar uma vez que permeia no
campo da sociologia, já que percebemos uma transformação na maneira como pessoas
comuns se relacionam com a informação e notícia numa via de mão dupla.
297
Partimos e comparamos a comunicação a partir dos elementos comunicacionais
lasswelliano, que define e delimita a mensagem, emissor e receptor e a observamos neste
novo cenário, a partir das Novas Tecnologias de Informação na Comunicação (NTIC’s) que
emissores e receptores assumem papeis bipolares no processo de comunicação social.
Lasswell, no início do século XX, explica o fenômeno com as cinco perguntas: Quem?
(emissor), Diz o quê? (mensagem), Por meio de qual canal? (meio), A quem? (receptor) Com
que efeito? (efeito). Propomo-nos avaliar se os elementos propostos por Lasswell ainda se
configuram na mesma para estabelecer a comunicação e mostrar como as formas de captura
de informação se alteraram com o novo paradigma de comunicação — as Novas Tecnologias
de Informação na Comunicação (NTIC’s).
Harold Lasswell é um autor habitualmente citado pela área da Comunicação como
um de seus pioneiros, no que tange ao estudo da propaganda no início do século XX e
também em relação ao desenvolvimento do campo comunicacional, com a criação do
método que leva seu nome. A narrativa da história da Comunicação afirma que este foi o
modelo responsável pela organização da pesquisa em comunicação e a classificou em áreas:
o estudo do emissor, o estudo da mensagem, o estudo do canal, o estudo do receptor, o
estudo dos efeitos.
Lasswell foi o primeiro teórico da área que se preocupou em descrever e analisar o
ato comunicacional, definindo melhor na década de 40 como este ato se estabelece. Em
1948, Lasswell publicou um artigo intitulado “The Structure and Function of Communication
in Society” (A Estrutura e a Função da Comunicação na Sociedade), no qual ele reafirma o
paradigma que explica o fenômeno do processo comunicativo.
A partir daí, o teórico define as cinco perguntas-programa que se tornaram
paradigma para as pesquisas em Comunicação. Toda a tradição de pesquisa em
Comunicação se organizou a partir dessas perguntas.

[...] como desenvolvido nos últimos anos, o campo científico do estudo da


comunicação está centrado nas quatro fases sucessivas de qualquer ato de
comunicação: por quais canais a comunicação se dá? Quem comunica? O
que é comunicado? Quem é afetado pela comunicação e como?
(LASSWELL, 1946, p.3).

298
Em mais de 70 anos o mundo sofreu várias transformações de forma veloz na área da
comunicação, sendo este campo também responsável pela mudança de civilizações e de
hábitos das sociedades, colocando o ser humano em constante adaptação aos meios de
comunicação e também como protagonista. É aí que surge o questionamento: de que
maneira a comunicação é estabelecida no século XXI? Ela ainda permanece nos moldes
propostos por Harold Lasswell? A teoria que define os principais elementos para estabelecer
a comunicação ainda é a mesma ou também mudou com a evolução dos tempos?
Felipe Pena (2006) diz que toda tentativa de teorizar sobre determinado assunto é,
na verdade, um reducionismo necessário para que se aprofunde o conhecimento sobre ele.
Assim, compreender a comunicação a partir dos conceitos que existem sobre ela não se
configura numa tentativa de aprisioná-la em um quadro, em uma definição. Antes, constitui-
se numa tentativa de trazer à tona diversas formas de interpretar e de vivenciar o
fenômeno. Assim, buscamos na origem do termo compreender a comunicação.

LINHA DO TEMPO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO


Os meios de comunicação em geral cresceram em um ritmo muito acelerado e
atingiram na atualidade uma grande capacidade de armazenamento, alta velocidade de
comunicação e transformação eficiente de dados, flexibilidade e acessibilidade à
informação, mas nem sempre foi assim. A história dos Meios de Comunicação registrada
pelo homem vem pelo menos há 40 mil anos a.C. com a arte rupestre, que é o nome dado a
gravuras presentes em grutas e cavernas onde o homem expunha, principalmente, as suas
caçadas e conquistas. Logo em seguida surgiu o papiro (2500 anos a.C.). Após a invenção da
escrita, os egípcios desenvolveram a técnica de produzir folhas de papiro a partir da planta
de papiro. A folha de papiro era obtida utilizando a parte interna, branca e porosa do caule
do papiro.
As folhas de papiro eram utilizadas com o intuito de manter um registro permanente
de informação e reter para futuras gerações. Há 2400 anos a.C. surge o Correio – ainda no
Antigo Egito – para permitir aos Faraós o envio de cartas ou documentos por toda a
extensão do seu Império. Essas cartas eram expedidas pelos seus mensageiros que

299
realizavam diariamente dezenas de quilômetros, de modo a permitir a entrega ao
destinatário sem muita demora.
Outra grande evolução para a comunicação foi o surgimento do Telégrafo — um
instrumento criado com o objetivo de transmitir mensagens a longas distâncias. Este foi um
dos meios mais utilizados no século II pelo povo romano para transmitir mensagens entre o
seu gigantesco império.
A Revolução Científica iniciada na Europa nos finais do séc.XVI e início do séc.XVII
reforçou o papel da comunicação com o surgimento da imprensa. No século XVII surge o
Jornal, com Gutemberg, Johann Gensfleish (1397-1468). Nascido na cidade de Móguncia
(Alemanha), a ele a história atribui o mérito principal da invenção da imprensa, não só pela
ideia dos tipos móveis -"a tipografia", mas também pelo aperfeiçoamento da prensa (que já
era conhecida e utilizada para cunhar moedas, espremer uvas, fazer impressões em tecido e
acetinar o papel).
A criação do rádio foi atribuída a Nikola Tesla que, no final do séc. XIX, desenvolveu a
tecnologia que possibilita a transmissão de ondas de rádio. Estas ondas são refratadas na
camada mais baixa da atmosfera, a troposfera, a mais indicada para a transmissão de ondas
eletromagnéticas. No séc. XX, o rádio impõe-se como um meio de comunicação muito
importante nas comunicações de longa distância. Com a construção de infraestruturas
capazes de transmitir ondas eletromagnéticas em nível Mundial. No século XX, surge o
Telefone. Apesar de existir alguma controvérsia em torno da questão de quem inventou o
primeiro telefone, Antonio Meucci foi segundo o congresso dos EUA, o "verdadeiro"
inventor do telefone. Esta polêmica deve-se ao fato de Meucci ter vendido, em 1870, a
patente da sua criação a Alexander Graham Bell, considerado por muitos o verdadeiro
inventor. Sucedendo o Rádio vem a televisão, no século XX. Atualmente, este é um dos
meios de comunicação mais requisitados visto que, quase diariamente, existem novas e
melhores opções disponíveis para quem quer usufruir de um home cinema privado, divertir-
se no seu tempo livre ou apenas manter-se informado.
Também no século XX surge a Internet. Definida como uma rede que reúne todos os
dispositivos ligados a esta. Este mecanismo permite que aparelhos comuniquem e
compartilhem informações entre eles. Hoje em dia, a Internet, além de permitir acesso a

300
milhares de milhões de websites que vendem desde roupas a peças de mobiliário, é também
um negócio dominado pelas empresas mais poderosas do mundo como a Google, Apple e a
Microsoft.

ADVENTO DA INTERNET
A partir dos anos 2000 é quase impossível pensar na vida ou em comunicação sem a
utilização de computadores e a Internet, mas essa ferramenta que é essencial hoje só nos foi
apresentada após a Segunda Guerra Mundial, com a difusão das informações, que se tornou
necessária para as potências vencedoras.
Com o advento da Internet e o desenvolvimento de novas tecnologias, alteraram-se
as relações sociais e o fluxo da comunicação. Segundo Castells (2000), a Internet e a Web
influenciaram as transformações sociais, gerando uma sociedade na qual a informação pode
ser produzida e armazenada em diferentes espaços e acessadas por usuários distantes
geograficamente. Castells diz que o processo de globalização no século XXI teve maior
desenvolvimento quando os indivíduos perceberam a capacidade de colaboração em redes
no âmbito mundial, utilizando amplamente os recursos tecnológicos existentes.
Neste processo de transformação conjunta dos sujeitos e dos objetos houve
mudanças entre produtores e usuários de conhecimento. O desenvolvimento das redes de
comunicação, por meio da Internet e do correio eletrônico, permitiu maior participação
social dos indivíduos nos processos de decisão política; gestão participativa nas empresas e
instituições; formação de grupos de colaboração para a realização de atividades, dentre
outras.
A Internet é uma ferramenta poderosa na divulgação da informação seja pela
velocidade com que o conteúdo é produzido, seja pela diversidade da informação, seja pela
massificação de fatos e acontecimentos que chegam a milhões de internautas em pouco
tempo. O avanço tecnológico permite que a Internet sirva a vários objetivos, da informação
ao entretenimento, do lazer à venda de produtos. “Oferecendo notícias, entretenimento,
serviços e negócios, a rede mundial de computadores ainda é um novo meio de

301
comunicação que rivaliza com a televisão, o jornal e outros veículos na troca e difusão da
informação”. (PINHO, 2003, p. 49).
Muniz Sodré e Manuel Castells (1999) dizem que a Internet promoveu uma
verdadeira virtualização no mundo contemporâneo, em que a realidade é cada vez mais
mediada por códigos digitais, assim como no passado a mediação era dada pela hegemonia
do alfabeto. Tal realidade foi descrita por Castells como Virtualidade Real, quando o sentido
do real é apreendido pelo virtual. Já Sodré, em Antropologia do Espelho: uma teoria a
comunicação linear em rede (2002), sustenta que a sociedade contemporânea pós-industrial
vive sob o estigma da midiatização, ou seja, tendendo à virtualização das relações
interpessoais. Visto que a midiatização implica uma nova forma de vida e uma nova forma
de o sujeito se expressar no mundo. Sodré defende a classificação de um novo bios de
acordo com a classificação aristotélica: o bios virtual.

Partindo-se da classificação aristotélica, a midiatização ser pensada como


tecnologia de sociabilidade ou um novo bios, uma espécie de quarto âmbito
existencial, onde predomina (muito pouco aristotélicamente) a esfera dos
negócios, como uma qualificação cultural própria (a tecnocultura). O que já
se fazia presente, por meio da mídia tradicional e do mercado, no ethos
abrangente do consumo, consolida-se com novas propriedades por meio da
técnica digital (SODRÉ, 2002, p25).

INTERNET COMO COMUNICAÇÃO DE MASSA


A comunicação de massa, segundo Carlos Camponez (2002, p.76), é entendida como
um tipo de comunicação em que a mensagem é transmitida, pelo que chamamos de mídia
de massa, de um centro “emissor” para uma pluralidade de “indivíduos receptores”, mas o
autor ressalta que não é fácil precisar “a massa”. Vemos a partir deste teórico que a
comunicação de massa está bastante relacionada a certos tipos de mídia, como jornais de
grande circulação, Tv e Rádio, porém a troca de informação pelos sistemas digitais cria um
cenário técnico novo, onde a comunicação e a informação podem ser trabalhadas de
maneiras mais flexíveis.
Sabemos que cada revolução tecnológica ao longo da história afeta diretamente a
divulgação de informações. Um exemplo disso é a prensa de Guttemberg, que gerou tantas
possibilidades de difusão, propagação e fixação de conhecimentos que mais de cinco séculos

302
depois, seus efeitos ainda são estudados. Da mesma forma, aconteceu com o invento do
telefone, do rádio e da televisão e com a Internet não é diferente.
A Internet possui características importantes ao se configurar como um meio de
comunicação onde usuários não são apenas consumidores de informação, mas também
autores e interlocutores, apresentando um papel oposto ao de um meio de comunicação de
massa, porém é cedo para afirmar que a Internet assume ou não tal característica. Eugênio
Trivinho (2003, p. 174) entende que a mensagem (teoria da comunicação) torna-se
suscetível no ciberespaço de acolher no seu interior os próprios usuários. Tal mistura virtual-
heterogênea entre sujeito e objeto jamais foi ou será possível no processo interpessoal e de
massa.
A comunicação de massa envolve emissor-mensagem-receptor, um processo de
sentido unidirecional, que por vezes, recebe o feedback, processo corriqueiro nos veículos
on-line. Trivinho considera o computador como um veículo de “televiagem comunicacional-
interativa”, sendo o hardware emissor e receptor, respondendo também pelo feedback.
Existem autores que já afirmam que as mudanças tecnológicas alteraram de forma
significativa a comunicação de massa e as classifica. Wilson Dizard (2000) divide a mídia em
duas: mídia antiga e nova mídia. A transição da velha mídia para a nova é liderada pela
tecnologia. “Os meios de comunicação de massa estão entres os vários setores da
comunicação que estão sendo transformados pelas novas formas de coletar, armazenas e
transmitir informação. O fator comum nessa transição é a mudança para a informação na
forma digital”. (2000, p. 24).
Já Pierre Levy (1999, p. 63) explica que o dispositivo comunicacional pode ser distinto
em três categorias:

Um-todos, um-um e todos-todos. 1- Um-todos: um emissor envia suas


mensagens a um grande número de receptores. Ex.: Rádio, imprensa e
televisão. 2- Um-um: relações estabelecidas entre indivíduo a indivíduo,
ponto a ponto. Ex.: telefone, correio. 3- Todos-todos: dispositivo
comunicacional original, possibilitado pelo ciberespaço, pois permite que
comunidades constituam de forma progressiva e de maneira cooperativa
um contexto comum. Ex. conferência eletrônica, wold wide web, ambiente
de educação à distância.

303
Levy (1999) reforça ainda que “as realidades virtuais compartilhadas, que podem
fazer comunicar milhares ou mesmo milhões de pessoas, devem ser consideradas como
dispositivos de comunicação todos-todos, típicos da cibercultura.
Mas com todas estas definições, as questões a cerca de a Internet ser um veículo de
comunicação de massa estão no limiar das discussões, isso porque os estudos e fenômenos
da rede são recentes à sociedade e ainda envolvem um numero relativo de excluídos
digitais.

REDES SOCIAIS DIGITAIS NUM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO


Castells (2003) define como novo modelo organizacional da chamada Era da
Informação: a rede. Segundo o autor, a rede, que tem por base tecnológica a Internet, é um
conjunto de nós interconectados, cujo modelo de organização permite conexão de muitos
com muitos, num dado momento escolhido, em escala global. Esse modelo de organização
serviu ainda para moldar o novo modelo de sociabilidade dentro dessa sociedade: as
chamadas redes sociais.
Um exemplo dessas redes sociais são as chamadas comunidades virtuais. Para utilizar
a definição de Raquel Recuero (2001), comunidades virtuais são grupos de pessoas que
estabelecem entre si relações através da Comunicação Mediada por Computador (CMC) 38.
Assim, a participação nas redes sociais digitais é uma forma de acessar recursos. E
parte desses recursos está relacionada, diretamente, com o acesso à informação (Colemam,
1998; Bertolini e Bravo, 2004). Dentre essas formas, uma das mais comuns apontadas pela
literatura é o acesso á informação.
O Facebook foi fundado por Mark Zuckerberg e por seus colegas de quarto da
faculdade Eduardo Saverin, Dustin Moskovitz e Chris Hughes (Carlson, 2010). A composição
do site foi inicialmente limitada pelos fundadores aos estudantes da Universidade de
Harvard, mas foi expandida para outras faculdades na área de Boston, da Ivy League e da
Universidade de Stanford. O site gradualmente adicionou suporte para alunos em várias

38
A CMC, também conhecida como comunicação eletrônica, é a comunicação realizada entre duas ou mais
pessoas e realizada ante a utilização de tecnologias e redes telemáticas que possibilitam a comunicação entre
esses participantes. Essa forma de comunicação surgiu em meados dos anos 70 do século XX e tem como sua
mais famosa representante a internet, surgida inicialmente para comunicação em ambientes militares.

304
outras universidades antes de abrir para estudantes do ensino médio e, eventualmente,
para qualquer pessoa com 13 anos ou mais. No entanto, com base em dados de maio de
2011 do ConsumersReports.org, existiam 7,5 milhões de crianças menores de 13 anos com
contas no Facebook, violando os termos de serviço do próprio site. (Fox, 2011).
O glossário Ketchum de Mídias Sociais (2013) define WhatsApp como “popular
aplicativo para troca de mensagens de texto entre smartphones via internet”. A ferramenta
é melhor descrita pela sua própria página na internet como: “WhatsApp Messenger é um
aplicativo de mensagens multiplataforma que permite trocar mensagens pelo celular sem
pagar por SMS. Está disponível para iPhone, BlackBerry, Android, Windows Phone, e Nokia e
sim, esses telefones podem trocar mensagens entre si! Como o WhatsApp Messenger usa o
mesmo plano de dados de internet que você usa para e-mails e navegação, não há custo
para enviar mensagens e ficar em contato com seus amigos. Além das mensagens básicas, os
usuários do WhatsApp podem criar grupos, enviar mensagens ilimitadas com imagens,
vídeos e áudio”. A revista EXAME publicou uma matéria no dia 13/06/2013 mostrando sobre
a nova ferramenta e o fenômeno que está revolucionando a comunicação da população
entre diversos grupos. A matéria, cujo título é “WhatsApp, a nova ferramenta de trabalho”,
afirma que a ideia do bate-papo contínuo - permitido por simples aplicativos em
smartphones - definitivamente, pegou e vai mais além: Hoje, 12 bilhões de mensagens são
trocadas dentro dos grupos criados no WhatsApp, que tem mais de 200 milhões de usuários
no mundo. Na matéria, o Carlos D’Andréa professor da UFMG e pesquisador de redes
sociais, explica que o WhatsApp é o "sintoma claro da era da hipersociabilidade".
De fato as pesquisas indicam que Facebook, Twiter e Youtube, entre outras redes
sociais digitais, são o caminho preferido dos usuários da Internet em todo o mundo para
obter notícias (PEN RESEARH CENTER, 2013; TELEFôNICA, 2013). Entre os americanos, cerca
de 30% da população adulta conectada obtém notícia através destas ferramentas. Esse
número pode chegar a 38% na Itália, a 45% na Espanha, a 50% da Alemanha e no Brasil,
onde as páginas de mídias sociais estão entre os sites mais visitados pelos usuários da
Internet.

FONTE DE NOTÍCIA NO JORNALISMO

305
Juarez Bahia (2009) diz que as notícias supõem fontes que as geram. Elas têm origem
e se projetam no âmbito dos veículos através de canais como o acontecimento, o
informante, o repórter, as agências de notícias, as entidades públicas e privadas — governo,
sindicatos trabalhistas, empresariado, associações de moradores, setores profissionais em
geral — indivíduos, clubes, etc. Juarez Bahia ainda restringe o grupo considerado fontes de
notícia e as classifica:

As fontes de informação — essenciais à apuração das notícias — são de


modo geral: 1) diretas; 2) indiretas; 3) complementares. Informantes de um
acontecimento — seus autores, suas vítimas, suas testemunhas,
comunicados oficiais, quem fala em nome de quê — são fontes diretas.
Terceiras pessoas, informantes envolvidos circunstancialmente nos fatos,
papéis e documentos de consulta, relatos parciais — são fontes indiretas.
Todas as informações adicionais que contribuem para esclarecer ou
enriquecer a história, acrescentar ou reduzir a visão que parecia definitiva,
concorrendo com um pormenor a mais, como depoimentos, referências (de
livros, pesquisa, recortes, etc.) que auxiliam a apuração para determinar
com mais precisão a notícia — são fontes complementares (BAHIA, 2009,
p.47).

Schmitz (2011) explica que as fontes são essenciais na prática do jornalismo e nos
últimos anos deixaram de contribuir apenas na apuração da notícia, mas passaram a
produzir e oferecer conteúdos genuinamente jornalísticos, levando a mídia a divulgar os
seus fatos e eventos, mantendo os seus interesses. O autor delimita mais a importância das
fontes no jornalismo e diz que uma das formas da fonte interferir na esfera pública ocorre
pelo agendamento da mídia. Este processo está ligado à teoria da agenda setting, já sugerida
em 1922 por Walter Lippmann (2008) - que apontou uma relação causal entre as agendas
mediática e pública - e apresentada, 50 anos depois, como uma teoria por Maxwell
McCombs e Donald Shaw (1972).

O estudo inicial destes pesquisadores trabalha com a hipótese de que “os


jornalistas podem estabelecer a agenda e determinar quais são as questões
mais importantes”. Várias pesquisas se sucederam sobre quem delimita a
agenda pública e em que condições. A pesquisa pioneira denota um poder
limitado do jornalismo em pautar os temas da atualidade. Os próprios
autores, 25 anos depois, questionaram: “são os jornalistas que estabelecem
a agenda ou estes apenas refletem uma agenda estabelecida pelas suas
fontes de informação?”. Alguns pesquisadores começaram a perguntar, a
partir da década de 80: quem agenda a mídia?

306
Acreditamos que o questionamento dos pesquisadores em comunicação, a partir da
década de 80, ainda permanece 30 anos depois, pois, a partir do surgimento de novas
ferramentas de informação, como as redes sociais digitais, trazidas pelas Novas Tecnologias
da Comunicação, quem agenda a mídia nesta década? A hipótese aqui levantada é que
certamente as redes sociais digitais pautam e delimitam sim a agenda midiática, limitando o
poder do jornalismo e determinando os temas da atualidade.
A “Pesquisa sobre o uso de redes sociais por jornalistas franceses” (Mercier, 2012),
realizada com 600 jornalistas de toda a França, é um dos estudos a apontar que39, para esses
profissionais, as redes sociais digitais são eficientes para fornecer informações diferentes das
que normalmente circulam no espaço público, localizar fontes, facilitar a troca entre colegas
e construir uma “marca pessoal”.

METODOLOGIA E ANÁLISE DOS DADOS


Na realização desse artigo utilizou-se como metodologia a análise de caráter
descritivo, que busca descrever características ou relações existentes dentro de um dado
objeto de estudo. Já a técnica de coleta de dados utilizada foi a análise documental, técnica
de pesquisa que se baseia na descrição objetiva e sistemática do conteúdo de um
documento.
Para analisar os dados que baseiam a pesquisa, selecionamos algumas páginas do
Facebook que permitiram as seguintes observações: Data e horário da publicação de certa
informação. Em seguida avaliamos se tal assunto foi de interesse jornalístico e se foi
publicado em sites de notícias ou até mesmo em jornal impresso de Campos dos Goytacazes.
Caso 01 — Temos a fan Page da Diony Barreto (figura 1), que em 27/05/2014
compartilhou às 20h38 do status de Bill Baptista (figura 2), várias fotos de uma ressaca no
mar do Farol ocorrida na mesma data. Outras pessoas já tinham publicado mais cedo
também. Ao observar a fan page de Bill Baptista, percebemos que ele fez a publicação de

39
Estudo citado por Deolindo, em seu artigo “Mídias jornalísticas e redes sociais: Estudo exploratório sobre
objetivos, demandas e papel social, publicado em 2014.

307
várias fotos da tal ressaca do mar em sua linha do tempo por volta das 16h. O primeiro
comentário em sua linha do tempo foi registrado às 16h21 do mesmo dia. As fotos do Bill
Baptista foram compartilhadas 74 vezes de seu perfil, disseminando a notícia da ressaca.
Comparamos os sites de informação oficiais e percebemos que o site oficial da Prefeitura de
Campos publicou a notícia da ressaca no Farol no mesmo dia, porém às 17h16. (figura 3).
Tal informação gerou pauta para diversos site de notícias no mesmo dia, como o site
Campos24horas (figura 4) e a versão online do jornal O Diário (figura 5). Todos os canais de
notícias publicaram a informação da ressaca após a publicação do Bill Baptista, que não é
uma pessoa relacionada aos meios de comunicação de massa.
A notícia também fez parte da edição impressa, no dia seguinte, do jornal Folha da
Manhã e do jornal O Diário, como também outros sites de notícias locais.

Figura 1 - Fan Page da Diony Barreto, que em 27/05/2014 compartilhou às 20h38 do status de Bill
Baptista.

308
Figura 2 - Status de Bill Baptista (figura 2), várias fotos de uma ressaca no mar do Farol publicadas
por volta das 16h20.

Figura 3 - O site oficial da Prefeitura de Campos publicou a notícia da ressaca no Farol no mesmo dia,
às 17h16.

309
Figura 4 - A informação gerou pauta para diversos site de notícias no mesmo dia, como o site
Campos24horas.

Figura 5 - A informação também gerou pauta para a versão online do jornal O Diário.

Caso 02 — Temos a fan Page de Alfredo Soares (figura 6), que em 00/00/2014
compartilhou às 09h45 em sua linha do tempo uma foto de um acidente na BR 101, próximo
ao trevo de Macaé. A foto foi usada para a matéria publicada no jornal Folha da Manhã do
dia seguinte, dando o crédito da foto ao leitor Alfredo Soares.

310
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que a comunicação pode ser entendida sob a perspectiva de “dar
conhecimento” ou “informar”. A comunicação como compartilhamento supõe um processo
horizontal, no qual o diálogo é sua principal característica. No segundo caso, a comunicação,
com o sentido de dar conhecimento ou informar, supõe uma relação hierarquizada entre
emissor e receptor. Visto dessa forma, o processo de comunicação ganha outros contornos e
nos leva a relativizar os papeis ocupados pelos elementos clássicos da comunicação:
emissor, receptor, meio, mensagem, contexto. A teoria foi antes sustentada por Beltran
(1991).

Comunicação é o processo de interação social democrático baseado no


intercâmbio de símbolos mediante os quais os seres humanos
compartilham voluntariamente suas experiências sob condições
de acesso livre e igualitário, diálogo e participação (BELTRÁN, 1981, p.5).

São muitas as teorias que procuram explicar a comunicação. No sentido do


compartilhamento, emissor e receptor trocam de lugar num processo dialógico, em que
tanto um quanto outro emitem e recebem mensagens. No sentido da mensagem, da
informação, o emissor ocupa lugar privilegiado na seleção da informação e na sua difusão.
311
Ele é o elemento ativo e que supõe um receptor passivo. Na perspectiva da teoria
funcionalista o receptor é visto como um elemento passivo em um processo de
comunicação. Isto é o que mostram os estudos desenvolvidos nas décadas de 30 e 40 pela
escola norte-americana, com base no modelo dos efeitos, aplicados nas análises que
envolviam o comportamento dos receptores em função de determinadas campanhas
publicitárias. A comunicação era baseada no modelo mecanicista, segundo o qual comunicar
era fazer chegar uma informação de um polo a outro, com o mínimo de interferência.
Já o esquema construtivista da comunicação tem suportado a utilização de sistemas
hipermídia, e a Internet em particular, como formas de dotar o sujeito de materiais que o
tornem construtor ativo do processo de comunicação, ao interagir com o ambiente que lhe é
proporcionado. Neste sentido, qualquer ato de comunicação é imprevisível, dependendo o
seu sentido da construção pessoal de cada sujeito.
Neste artigo conseguimos perceber como o fenômeno de definição de receptor e
emissor da notícia, definido inicialmente por Harold Lasswell não se configuram com tanta
regularidade após o surgimento da Internet e utilização das redes sociais digitais como meio
de informação e comunicação. Com as Novas Tecnologias da Informação na Comunicação,
os tradicionais meios de comunicação de massa perderam o poder e privilégio de reter e
escolher a prioridade da notícia. Percebemos a partir daí uma bipolaridade quando a
questão se trata de emissor-receptor da notícia, a partir dos mecanismos das novas
tecnologias.
Dentro deste cenário, acredita-se que é hora de se levar em consideração que as
relações entre os indivíduos na comunicação mediada por computador funcionam através
da interação social, buscando conectar pessoas e proporcionar sua comunicação. Estamos
num campo heterogêneo constituído por várias intertextualidades, ou seja, no processo
comunicativo existem múltiplas vozes e uma tenta se sobrepor à outra.
É comum observarmos situações em que o ciberespaço oportuniza aos sujeitos o
estabelecimento ou a retomada de laços fortes, determinados principalmente pela
proximidade afetiva e intensidade emocional, que nutrem relações de amizade entre
pessoas que pertencem ao mesmo ciclo social (Mardens & Campbell, 1984), mas a web é
feita também, e principalmente, de uma rede de laços fracos, ou seja, de vínculos relacionais

312
menos densos, mais superficiais, porosos e assimétricos. Ainda assim, eles detêm uma força
toda particular.
Acreditamos que é preciso que os médias definam e delimitem novos critérios e
cuidados para utilização das redes sociais digitais como fonte de notícia, pois assim como o
jornalismo ganha velocidade e tem a sensação de que pode estar em todos os lugares graças
às Novas Tecnologias da Informação na Comunicação, esta utilização também pode ser
perigosa, pois as informações podem ser falsas, aumentadas e até mesmo inventadas pelos
usuários das contas. Os denominados perfis fakes. Recuero (2009) diz que os perfis em redes
sociais não são espelhos definitivos, mas pistas de um “eu” que poderá ser percebido
demais. São construções plurais de um sujeito, representado múltiplas facetas de sua
identidade.

O ciberespaço e as ferramentas de comunicação possuem particularidades


a respeito dos processos de interação. Há uma série de fatores diferenciais.
O primeiro deles é que os atores não se dão imediatamente a conhecer.
Não há pistas da linguagem não verbal e da interpretação do contexto da
interação. É tudo construído pela mediação do computador (RECUERO,
2009, PG.31).

Pena (2005) defende que o ceticismo está para o jornalista assim como a
credibilidade está para o jornalismo. Segundo ele, para um jornalista, desconfiança não é
pecado, mas norma de sobrevivência. A impressão que temos é que o jornalismo parece
viver um paradoxo de construir tal realidade ancorada em dispositivos em que a ficção pode
estar cada vez mais presente, pois se vê refém da velocidade trazida pelas Novas Tecnologias
da Informação.

REFERÊNCIAS
BAHIA, Juarez. Jornalismo, História e Técnica: História da Imprensa Brasileira - Vol 1,
Mauad, 2009.
BERTOLINI, S Bravo. Social Capital: a Multidimensional Concept. Disponível em
http:/www.ex.ac.uk/shipss/politics/research/socialcapitak/other/bertolini.pdf. Último
acesso em 04/04/2014.

313
CARLSON, Nicholas. Business Insider. http://www.businessinsider.com/how-facebook.
Página visitada em 10/05/2014.
CASTELLS, Manoel. A sociedade em Rede — Volume 1. São Paulo: Paz & Terra, 1999.
_______. A era da informação: economia, sociedade e cultura— Volume 1. São Paulo:
Paz & Terra, 2000.
CASTELLS, Manoel. A galáxia da Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
DEOLINDO, Jacqueline da Silva. Mídias jornalísticas e redes sociais: Estudo exploratório
sobre objetivos, demandas e papel social.
EDITORA ABRIL. WHATSAPP, a nova ferramenta de trabalho. Matéria publicada pela
revista EXAME em 13/06/2013. Disponível em
http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/whatsapp-a-nova-ferramenta-de-trabalho.
Acesso em 18/07/2014.
FOX, Jeffrey. http:/news.consumerreports.org/electronics/2011/five-milion-facebook-
users-are-10-or-younger.html. Acesso em 05/04/2014.
LASSWELL, Harold. The Structure and Function of Communication in Society. In: BRYSON,
Lyman. The Communication of ideas. Nova Iorque: Institute for Religious and Social Studies,
1948.
LASSWELL, Harold. The Rise of the Propagandist ("The Propagandist Bids for Power"). The
Analysis of Political Behaviour: An Empirical Approach. New York: Oxford University Press,
1948.
MARSDEN, Peter V.; CAMPBELL, Karen E. Mensuring Tie Strength. In: Social Forces, vol.
63, nº 2, Dez. 1984, pp. 482-501, disponível em
http://www.bebr.ufl.edu/files/Measuring%20Tie%20Strength.pdf, último acesso em 3 de
fevereiro de 2014.
MERCIER, Arnaud. Enquête sur les usages des réseaux sociaux par les journalistes
français In: Observatoire du webjournalisme, 2012a. Disponível em
http://obsweb.net/2012/05/14/enquete-sur-les-usages-des-reseaux-sociaux-par-les-
journalistes- francais. Acesso em 3 de fevereiro de 2014.
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006.

314
PINHO, J B. Jornalismo na Internet: Planejamento e produção da informação on-line. São
Paulo, Summus. 2003.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
SCHMITZ, Aldo Antonio. Fontes de notícias: ações e estratégicas das fontes no
Jornalismo. Combook, 2011.
SODRÉ, Muniz. Antropologia do Espelho: uma teoria da comunicação linear em rede.
Petrópolis: Vozes, 2002.

315
O SABER PEDAGÓGICO E LITERACIA DIGITAL: CONSTRUINDO PRÁTICAS NO COTIDIANO
ESCOLAR

Simone Silva Cunha


UFF

RESUMO: Na sociedade contemporânea, estudos sobre a utilização das ferramentas que


compõem o universo das tecnologias de comunicação e informação (TICs), principalmente a
Internet, mostram que novas competências devem ser desenvolvidas, assim como
habilidades cognitivas e não cognitivas necessárias para realizar tarefas em ambiente digital.
No campo da educação demanda que o professor ressignifique as teorias pedagógicas
através das tecnologias e conheça os recursos e fontes destas ferramentas para que possa
ajudá-lo na construção do conhecimento. Este trabalho foi produzido a partir de
investigações desta pesquisadora no desdobramento de seus estudos no doutorado,
preocupada em contribuir para a área de tecnologias aplicadas a educação e para os aportes
para a implementação e o aprimoramento de práticas educativas. Tal premissa inclui refletir
na e sobre a prática pedagógica colaborativa e coletiva em educação, nas quais os
professores, numa relação de troca com os educandos, precisam desenvolver habilidades e
competências necessárias concomitantemente com a evolução das tecnologias digitais.
Dialogaremos com as principais teorias sobre os temas: sociedade da informação, sociedade
em rede, cibercultura, inclusão digital e literacia digital, utilizando como aporte téorico os
seguintes autores: Castells, Lévy, Valente, Moran; Certeau; Soares, Linhares e Morin para
esclarecer a diferença entre os assuntos e delimitar o âmbito de abrangência de cada um e
as possibilidades de inserção no cotidiano escolar.
Palavras-chave: Saber pedagógico. Literacia digital. Cotidiano Escolar.

INÍCIO DE CONVERSA

O homem se identifica com sua própria ação: objetiva o tempo,


temporaliza-se, faz-se homem-história (FREIRE, 2005, p. 31).

Todo trabalho de pesquisa é um prolongamento daquele que o produz. Para isso, as


questões de estudo são provocações que movimentam o pesquisador a procurar respostas,
mesmo que temporárias, mesmo que incompletas e inconclusas. Assim, este artigo foi tecido
a partir de alguns fios que puxei das tramas que me constituem, experiências de formação e
de atuação profissional que me levaram a entrançar questões relacionadas ao trabalho
experiências de formação e de atuação profissional que me levaram a entrançar questões
relacionadas ao trabalho com a linguagem, as tecnologias da informação e comunicação e as
práticas ligadas ao uso da internet e a leitura que se faz desses usos, ou seja, a literacia
316
digital propriamente dita.
O tema em questão é parte dessa movimentação, pois, como representado na
epígrafe desta introdução, fazer-se homem-história é estar imerso, fundir-se nela,
reconhecer-se como um ser humano que participa de sua construção e de sua
transformação. Destarte, o tema, cujo foco está na Internet - a busca por conteúdos, sua
significação e os usos que faz dos mesmos na cotidianidade escolar - a fim de apontar
possibilidades para o trabalho com a linguagem midiática e tecnológica com alunos, é o que
move a pesquisadora, por ser seu campo de atuação.
Questões relacionadas ao modo usar as linguagens híbridas dos diferentes recursos
midiáticos e tecnológicos têm marcado minha trajetória. Ainda no início das especializações
que realizei, ligadas a mídias na educação e de educação tecnológica, ouvi que uso das
chamadas “novas” tecnologias de comunicação e informação no campo educacional
produzem relações muito concretas para os estudantes, para a escola, com o mundo
globalizado no qual estão imersos. Tal premissa pressupõe que a capacidade de avaliar
informações, compreender o seu sentido e construir os conhecimentos com o uso dos
recursos midiáticos e tecnológicos é uma necessidade básica do aprendizado atual.
Entretanto, precisamos reconhecer que nossas escolas públicas são instituições de baixa
tecnologia numa sociedade high tech.
Desde a década dos anos de 1980 o governo federal vem fomentando e implantando
políticas públicas para inserção de tecnologias digitais nas escolas públicas brasileiras,
motivado, inicialmente, pela perspectiva de implementar novas práticas pedagógicas para
promoção da aprendizagem, da construção do conhecimento, como também pela
necessidade do desenvolvimento de habilidades e competências para apropriação dessas
tecnologias por parte dos alunos, como demanda o mundo do trabalho contemporâneo.
Nas pesquisas voltadas para as atuais diretrizes das políticas públicas de inclusão
digital, é possível perceber que as TIC e a Internet em prol da inclusão digital e social devem
ser empregadas e articuladas com métodos de ensino construcionistas, procurando
favorecer a participação e motivação dos alunos e professores. Assim, a utilização dos
recursos das TIC e da Internet no processo educacional é propícia para a realização de

317
atividades de comunicabilidade e a interatividade, potencializando o processo de inclusão
digital e social (ALMEIDA, 2001).
Essa maneira de conceber a prática pedagógica com o uso das TICs nos leva a incluir
dentro da estrutura que servirá de aporte ao trabalho algumas dimensões importantes,
como as "inteligências múltiplas" (Lévy, 1993) e distintos "saberes" (Morin, 1999): o saber
(como conhecimento dos fatos, conceitos, teorias, princípios, fundamentos, nomenclaturas,
personagens, etc.), o saber fazer (como nível procedimental relativo à construção do
conhecimento e ao domínio de habilidades e destrezas),o ser (como ação propriamente dita,
que inclui atitudes, valores, acepções), o saber ser (que se configura como nível de práxis) e
o saber fazer junto (que se organiza em termos da construção do conhecimento por meio de
interações cooperativas e colaborativas com outros atores sociais).
Estamos atualmente vivendo numa sociedade em rede (Castells, 2005), numa era de
partilha e de colaboração, trazida pelo exponencial crescimento da World Wide Web - em
particular a Web 2.0. Cada vez mais, a exigência para que todos vivam, trabalhem e
aprendam numa sociedade em rede aumenta. Em muitos aspetos relacionados com o uso de
um conjunto de serviços da Internet, surgem evidências que nem todos têm a motivação ou
as competências para utilizar esses serviços de forma estratégica ou inovadora, em diversos
contextos de vida e de trabalho, apesar dos elevados níveis de acesso às tecnologias.
De acordo com Kenski (2007), a educação é um duplo desafio, pois além de adaptar-
se aos avanços da tecnologias, é também preciso “orientar o caminho de todos para o
domínio e a apropriação crítica desses novos meios. (KENSKI,2007,p.18) Ainda para esta
autora, as tecnologias podem gerar oportunidades “de comunicação entre professores e
alunos, todos exercendo papéis ativos e colaborativos na atividade didática”.
(KENSKI,2003,p.66)
Reconhecendo os alunos como produtores de conhecimento, sujeitos de linguagem
que produzem discursos e por eles são produzidos (BAKHTIN, 2003, 2009), “dar- lhes voz”, e
dedicar a eles escuta sensível para conhecer o que sabem é um dos caminhos para se
compreender a importância para o aprofundamento em estudos sobre literacia digital. Tais
estudos se justificam por entender, a partir de Bakhtin, que todo discurso dialoga com

318
outros - e os sujeitos discentes são ensinados nos moldes da cultura tradicional, circunscrita
às paredes que os rodeiam.
Para compreender os enunciados dos alunos, faz-se necessário conhecer outros
discursos que compõem o cotidiano escolar. Como fala Fiorin (2008, p. 192), para perceber o
sentido, é preciso situar o enunciado no diálogo com outros enunciados e apreender os
confrontos sêmicos que geram os sentidos. Enfim, é preciso captar o dialogismo que o
permeia. É relevante também compreender os contextos de produção de tais discursos,
tendo em vista que a linguagem não é falada no vazio, mas numa situação histórica e social
concreta no momento e no lugar da atualização do enunciado (BRAIT, 2001, p. 77).
Seguindo estas mesmas ideias, Andrea Cecília Ramal (2002, p.65) apresenta a
seguinte reflexão sobre o assunto:

Hoje conhecemos um novo espaço de leitura e escrita, as letras concretas e


palpáveis se transformaram em bites digitais; a página em branco é o
campo do monitor; a pena é o teclado e há uma estranha separação entre o
nosso corpo real, e o texto, virtual.

Recorremos a Silva (2012) para um complemento do pensamento exposto acima:

Há que se lembrar que, na verdade, estamos separando em apenas dois


letramentos, chamando-os de tradicional e digital, no sentido de domínio
da cultura letrada tanto fora como dentro de ambientes digitais. Todavia,
em ambos os contextos temos múltiplos letramentos. Uma pessoa
considerada culta, letrada, no sentido tradicional, não domina todos os
campos dos saberes. Em algum momento ela será “inculta” ou “iletrada”,
ainda que não analfabeta. O mesmo acontece no contexto digital. Mesmo
uma pessoa que domine bem os variados gêneros eletrônicos pode precisar
de ajuda para realizar outras atividades em programas ou aplicativos com
os quais não tenha muita familiaridade (SILVA, 2012, p.7).

Estudos sobre literacia digital se fazem prementes dentro do exposto acima, pois
colaboram para atender às novas demandas socioeconômicas necessárias para integração
do cotidiano escolar na sociedade da informação. Seja no computador ou na internet,
segundo Novais (2008), as competências exigidas vão além do domínio do hardware, ou
seja, dos instrumentos físicos, do manuseio técnico como o uso da tela, do mouse e do
teclado do computador. Podemos expressar através das considerações de Soares (2003) de
que nada "adianta aprender uma técnica e não saber usá-la" Concordando com Novais

319
(2008) é preciso abranger a interação, o entendimento da dinâmica estabelecida nas
diversas interfaces, uma compreensão ampliada da cultura digital, uma análise crítica e uma
participação ativa.
Abordados, ainda que de forma breve, os dois termos do tema deste artigo,
passamos agora a uma breve reflexão sobre a literacia digital.

LITERACIA DIGITAL: ABORDAGEM CONCEITUAL


A expressão literacia digital encerra significados diversos e nem sempre
convergentes. A palavra literacia deriva-se do Latim Litteram e significa a capacidade de ler e
escrever. Literacia é um neologismo aplicado alternativamente à palavra letramento e
alfabetização. No Brasil, os conceitos de letramento bem como o de literacia sempre
estiveram ligados ao conceito de alfabetização.
Até o final do século XX, as perspectivas de alfabetização e letramento atreladas a
concepção tecnológica referiam-se a:
 alfabetização em tecnologias da informação e comunicação – centrada nas
técnicas de manejo dos recursos midiáticos;
 alfabetização tecnológica – habilidade de “usar” a tecnologia;
 alfabetização em informação – comprometida com a perspectiva do cuidado do
professor com a aprendizagem do aluno alfabetizado em informação;
 alfabetização em mídias – composta de uma série de competências para analisar
criticamente a mídia de massas;
 alfabetização visual – fundamentada na crítica e análise da arte e da arte-
educação.
Todas essas conceituações não atendiam ao contexto do letramento, no sentido das
tecnologias de informação e comunicação, que exigem competências diferenciadas. Assim,
houve a necessidade de ampliação do conceito de literacia para que se compreenda
também as habilidades necessárias para realizar tarefas, comunicar-se e obter informações
em ambiente digital.
Segundo Soares (2002), letramento é “o resultado da ação de ensinar ou de aprender
a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como

320
consequência de ter-se apropriado da escrita”. Entendemos então que o letramento é um
fenômeno cultural e historicamente situado. O indivíduo, diante das demandas sociais que
fazem uso da escrita e da leitura, apropria-se de um conjunto de práticas sociais,
constituídas como novos eventos que envolvem a língua.
Pierre Lévy (1993 apud Soares, 2002) nos leva a refletir que os efeitos da nova
modalidade de letramento possui uma relação imbricada com a inteligência. As tecnologias
da inteligência não determinam os processos cognitivos e discursivos, elas condicionam
estas atividades. Assim, de acordo com Soares (2002) há uma necessidade “que se pluralize
a palavra letramento e se reconheça que diferentes tecnologias de escrita criam diferentes
letramentos”.
Nos pressupostos de Xavier (2002), a literacia digital é o estado ou condição em que
o usuário, antes chamado de leitor, encontra-se ao adquirir nova postura nos modos de ler,
de escrever e de compartilhar textos, os códigos e sinais verbais e não verbais. Sabemos que
a construção de sentidos e aplicação de conhecimento a partir dos textos multimodais
contidos no ciberespaço é uma das habilidades mais importantes para este século.
A amplitude da expressão literacia digital, no atual contexto marcado por profundas
transformações técnicas e tecnológicas a que assistimos e em que participamos, caracteriza-
se de forma polissêmica. A definição que abraçaremos na construção deste artigo, de acordo
com Jones-Kavalier e Flanningan (2006) é que Literacia Digital pode ser entendida como a
capacidade que uma pessoa tem para desempenhar, de forma efetiva, tarefas em ambientes
digitais - incluindo a capacidade para ler e interpretar o que está exposto na mídia, para
reproduzir dados e imagens através de manipulação digital, e avaliar e aplicar novos
conhecimentos adquiridos em ambientes digitais.
Dentro desta perspectiva, recorremos a Martin para um melhor aprofundamento do
contexto:

[...] alfabetização em TIC é usar tecnologia digital, ferramentas de


comunicação e/ou redes de acesso, manejar, integrar e criar informação
com o fito de funcionar numa sociedade de conhecimento [...]; os cinco
componentes representam um contínuo de habilidades e conhecimento e
são apresentados em sequência sugerindo complexidade cognitiva
crescente [...]; i) acessar: conhecer acerca de como coligir e/ou sacar
informação; ii) manejar: aplicar um esquema existente organizacional ou

321
classificatório; iii) integrar: interpretar e representar informação,
envolvendo sumariar, comparar e contrastar; iv) avaliar: fazer julgamentos
sobre a qualidade, relevância, utilidade ou eficiência da informação; v)
criar: gerar informação ao adaptar, aplicar, desenhar, inventar ou fazer-se
autor de informação (MARTIN, 2006, p. 10).

Podemos expressar essas premissas através da figura abaixo:

Figura 1 – Competências desenvolvidas com a inclusão da Literacia Digital no cotidiano escolar

Assim sendo, o trabalho com literacia digital pode ser organizado através de várias
ideias principais:
• extensão da noção clássica de literacia da compreensão do que está escrito no
papel para o que aparece em diversas formas comunicacionais (texto, som e imagens dando
origem aos conteúdos multimidiáticos);
• a possibilidade de mutação do digital face à maior construção do material escrito;

322
• a diversidade de formas de comunicação digital como enriquecimento sensorial da
comunicação que, com a imprensa, levando para segundo plano as componentes orais da
comunicação;
• a diversidade comunicacional permitida pelos recursos digitais em que a palavra
escrita passa a ser um dos modos de comunicação e não o modo privilegiado;
• a necessidade de o sujeito adquirir competências múltiplas de compreensão e
interpretação de sons e imagens, ou seja, a literacia digital.
Neste contexto, a literacia digital surge como uma indispensável competência como o
saber ler, escrever e contar se constituiu na educação presencial. Compreende-se que, ao se
permitir que os docentes façam uso dos instrumentos tecnológicos concomitante ao uso dos
recursos pedagógicos, há uma ressignificação de suas experiências de aprendizagem,
possibilitando a inclusão social digital e midiática, a partir da interação consciente entre as
diversas experiências e da (re) elaboração de seus saberes.

LITERACIA DIGITAL: ENTRELAÇAMENTO COM O SABER PEDAGÓGICO


Concordando com Paulo Freire (2005, p: 92) acreditamos que “a prática educativa
será tão ou mais eficaz quanto, possibilitando aos educandos o acesso a conhecimentos
fundamentais ao campo em que se formam, os desafie a construir uma compreensão crítica
de sua presença no mundo”. Nesse sentido, precisamos ir “além do treinamento ou
adestramento para uso de procedimentos tecnológicos, pois a formação de professores
também vai incluir o exercício de pensar criticamente a própria técnica” (FREIRE, op. cit.:
102).
Essa reflexão inicial se faz necessária quando refletimos sobre os saberes
pedagógicos relacionados a construção coletiva do conhecimento e às condições
socioculturais nas quais os programas de inserção das TICS são projetados, principalmente
aqueles desenvolvidos com o uso concomitantes de laboratórios de informática.
Os docentes irão lidar com turmas de alunos, dentro dos espaços escolares e, nesses
ambientes, não serão exigidos apenas os conhecimentos adquiridos, mas um conjunto de
saberes e habilidades para lidar com esse aluno que está chegando às instituições de ensino
cada vez mais “digitais”, nativos que são nas leituras e no uso das tecnologias digitais.

323
Nesse sentido, Pretto (2006, p.3) nos mostra o grande desafio das formações de
professores a partir das perspectivas curriculares digitais, pois segundo ele “o currículo
precisa ser um articulador das diversas disciplinas, flexível, ágil, dinâmico, interativo,
integrado, heterogêneo, simultâneo” e que atenda às demandas da comunidade escolar, da
sociedade em geral, da produção cultural, dos questionamentos teóricos e metodológicos do
fazer pedagógico na nos tempos atuais midiáticos e tecnológicos em que nos encontramos.
Autores como - Moran, 2003; Behrens, 2003; Almeida, 2008; Perrenoud, 2000;
Valente, 1999 - ressaltam a importância de que os professores devem ter uma formação
que lhes permita analisar as vivências dessa formação, apropriar-se delas e reelaborá-las
para sua própria prática. No que se refere ao uso dos recursos digitais, é necessário ter
clareza do que é, quais as possibilidades e limites de seu uso na educação para que possam
decidir com conhecimento de causa o quê, como, quando e por quê utilizar os recursos das
ferramentas digitais (pesquisas, textos, imagens, software, Internet, chats, e-mail, etc).
O futuro docente deve buscar estabelecer ligação entre as diversas linguagens
presentes nos meios de comunicação com a educação, adequando os instrumentos
utilizados ao processo de ensino e aprendizagem, preparando-se para lidar com as
tecnologias digitais e dominar os novos e os velhos letramentos. Para Buzato (2006, p10) é
“integrar o novo com o que já temos/sabemos, a partir do que já temos/sabemos,
transformando esse conjunto de práticas, habilidades e significados da mesma forma como
novos letramentos transformam os seus precursores”.
Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (1997 apud Viana & Bertocchi, 2009), nos mostram que
há algumas fases pelas quais os professores passam ao serem apresentados às novas
tecnologias, as quais são:
 Exposição - fase em que, à medida que se vão familiarizando com a tecnologia, os
professores estão ainda mais preocupados com aspectos técnicos e de gestão;
 Adoção: os professores passam a se preocupar menos com aspectos técnicos e
mais com a integração das tecnologias para apoiar as práticas existentes; o uso da tecnologia
aumenta para apoiar as práticas pedagógicas;

324
 Adaptação: nesta etapa, a nova tecnologia está totalmente integrada à prática
tradicional em sala de aula e os professores enfatizam as tecnologias enquanto ferramentas
de produtividade;
 Apropriação: os professores já revelam domínio das tecnologias e começam a
introduzir novas práticas pedagógicas;
 Inovação (invenção): a tecnologia é utilizada pelos professores para criar novos e
diferentes ambientes de aprendizagem.
Assim, usar tecnologias digitais em sala de aula requer, além de tempo, mudanças de
hábitos e costumes, mudanças nos currículos escolares a fim de se adquirir novas
habilidades ou competências, mas principalmente um estudo epistemológico que sustente
as práticas pedagógicas mediadas pelas uso delas.
Então a questão relevante diz respeito à “literacia digital” que vem a ser a
necessidade de colocar as habilidades e competências necessárias concomitantemente com
a evolução das tecnologias digitais. E tais considerações remetem aos conceitos daquilo que
Paulo Freire (1987) designa por “leitura da palavra e leitura do mundo”, numa perspectiva
crítica e consciente, pedagogicamente transformadora, como ação para o conhecimento e a
liberdade.
As repercussões profundas no modo como se lê e se vê o mundo, transformando o
acesso ao conhecimento através de uma multiplicidade de canais outrora inexistentes
favorece o reequacionamento da interação permanente da tecnologia com práticas de
literacia. A aquisição de novas competências digitais, constituindo-se no que Martin (2006,
p19) aponta como “uma habilidade de vida”.

COTIDIANO ESCOLAR E LITERACIA DIGITAL: POSSIBILIDADES E ARTICULAÇÕES


Tendo como base os estudos de Michel de Certau (1998), esse estudo assume a
concepção de encontrar sentidos nas artes de fazer de professores e alunos e considerar a
legitimidade dos saberes e valores que permeiam tais práticas subterrâneas do coletivo
escolar, suas estratégias e táticas próprias – este o deslocamento de perspectiva presente
em pesquisas do cotidiano que se ocupam das “artes de fazer” dos praticantes, na busca da

325
compreensão de suas regras próprias e de seu desenvolvimento, em que o particular é
tomado como parte da totalidade social, onde se pode refletir, aprender e ressignificar-se.
Esse nova proposição do cotidiano e saberes dos alunos que vão produzindo uma
“cultura” de saberes pedagógicos da escola, na dialeticidade da vida cotidiana, na
concretude do cotidiano escolar dialoga com a perspectiva certeuniana de compreensão de
práticas não pelas extremidades de um aparelho técnico, e sim, por sua própria lógica.
Assim, essa apropriação do discurso alheio dá-se como relação ativa de uma enunciação a
outra (BAKHTIN, 2009, p. 145), como responsividade, e consiste num trabalho em meio a
uma multiplicidade de vozes que convivem e interagem num determinado cenário.
Ainda é muito forte nos cotidianos das escolas, onde existem laboratórios de
informática ou salas de informática, a presença de práticas com o uso do computador que se
sustentam numa concepção em que o uso da tecnologia resume-se a pesquisas na internet,
em que as atividades de aprendizagem estão diretamente relacionadas à manutenção do
saber instituído, afastada de seus usos e funções sociais ou da leitura de um “mundo
globalizado”.
A cultura das crianças, atualmente, é uma cultura midiática e tecnológica, por força
da sociedade em que vive. O papel da escola, nesse contexto, seria fazer com que tanto as
crianças, quanto os jovens e os adultos, pudessem mediar essa cultura à cultura erudita.
Esse processo dialético no qual uma não eliminaria a outra, mas lhe acrescentaria uma
explicação mais completa.
Nesta perspectiva, a escola é então, de acordo com Gadotti e Romão (1997), um local
de encontro de muitos sistemas simbólicos, ou seja, de “muitas culturas”, seja aquela da
bagagem pessoal e de identidade dos diferentes alunos, alunos e professores, seja a cultura
erudita que ali é ensinada, ou ainda, a cultura popular regional do local onde a escola está
inserida.
Hoje em dia, as mídias, os meios de comunicação social, sobretudo a internet, tem
uma influência marcante na primeira cultura que as crianças adquirem. Enquanto
educadora, não posso ignorar, por exemplo, o quanto a criança aprende em frente a um
computador, fora do horário escolar. As crianças, diante de um computador conectado a
internet sentem-se como cidadãs do mundo, instantaneamente ligados a ele, habitando

326
numa aldeia global. Portanto, não há escola, por mais distante e diversa que seja, que
conviva sem a presença de alguma influência da cultura midiática e tecnológica atuais.
Enquanto educadores que somos, muitas vezes optamos pelo silêncio em vez do
diálogo, pois não conhecemos o universo cibernético por onde as mentes criativas dos
alunos navegam horas a fio nos confins do mundo da internet. Mesmo que as narrativas
ficcionais e não-ficcionais oferecidas pelos canais da cibercultura se entrelacem com os
sentidos e significados próprios das culturas locais, em seus contextos e realidades
múltiplos, não podemos perder de vista o fato de que a mídia dominante continua a atender
aos interesses do mercado e não aos interessantes dos internautas, muito menos aos
anseios das crianças, enquanto cidadãos.
Pelo que foi exposto, penso que para que as práticas com o uso de literacia digital
dentro dos espaços escolares contemplem as especificidades das crianças é preciso ampliar
as mediações escolares por meio de novos enfoques pedagógicos que visem a
problematização de conteúdos e realidades. E para que as propostas dessas práticas gerem
experiências reflexivas, transformadoras, é fundamental que se conheça o que as crianças
sabem, como eles constroem seus conhecimentos a partir das leituras híbridas existentes
nos ambientes virtuais.

PERCEPÇÕES FINAIS
No contexto educacional atual, a maioria dos docentes e estudantes adquirem
competências básicas ao utilizarem o computador e a Internet, produzem textos simples,
usando um editor de texto, acessam à web e utilizam o correio eletrônico. Todavia, quando
se trata de utilizar um programa de imagem, ajustar ou editar imagens, compor e produzir
material educacional digital que contenha recursos multimídias, é notório um enorme
desconhecimento e falta de formação nesta área.
Diante disso, a aquisição da literacia digital é imprescindível, de forma a agregar-se a
concepções e modalidades de educação, dentre elas, a educação a distância. Não temos a
intenção de afirmar que o uso das tecnologias digitais agregadas a educação a distância
ajudarão a resolver os problemas educacionais atuais. No entanto, as possibilidades de seu
uso aliado ao uso pedagógico, possibilitam mudanças nas tradicionais maneiras de ensinar e

327
aprender, criando em processos abertos, flexíveis, inovadores e contínuos, o qual se
configura como um novo espaço de construção do conhecimento.
Finalmente, é desejo desta pesquisadora que este artigo não seja um fim em si
mesmo, nem que esgote possibilidade de reflexão, mas que se torne um elemento
divulgador da temática em questão, sendo, também, um material para aqueles
interessados em aprofundar pesquisas sobre a literacia digital dentro desta perspectiva,
principalmente as que se relacionam com o cotidiano escolar.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.


ALMEIDA, M. E. B. Educação, Projetos, Tecnologia e Conhecimento. São Paulo: PROEM,
2001.
AMORIM, M. A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação ética, estética e
epistemológica. In: FREITAS, M.T. et al. (orgs.) Ciências Humanas e Pesquisa : leituras de
Mikhail Bakhtin. 2 ed. São Paulo: Editora Cortez, pp. 11-25, 2007.
________. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa
editora, 2004.
BAKHTIN, M. (VOLOSHINOV, V.) Marxismo e filosofia da linguagem. 13 ed. São Paulo:
Hucitec, 2009.
______. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 4 ed. São Paulo; Martins
Fontes, 2003.
BELLONI, M. Educação para a mídia: missão urgente para a escola. In: Revista
Comunicação e Sociedade. Brasília: Editora da UnB, 1991.
____________. Mundialização da Cultura. In: Revista Comunicação e Sociedade. Brasília:
Editora da UnB, 1992.
BRAGA, J. L.; CALAZANS, Regina. Comunicação e Educação: questões delicadas na
interface. São Paulo: Hacker, 2001.
BUZATO, M.E. K. Inclusão digital como invenção do cotidiano: um estudo de caso. In:
Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 38, ago. 2008.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. 6 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
328
CANDAU, V.M.F. Formação Continuada de professores: tendências atuais. In: REALI,
AM.M.R. e MIZUKAMI, M.G.(org). Formação de professores: tendências atuais. São Carlos:
Edusfscar, 1996.
CERTAU, M. A invenção do cotidiano – Artes de fazer. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 1998.
CITELLI, Adilson. Comunicação e Educação: a linguagem em movimento. 3. ed. São Paulo:
Editora do Senac São Paulo, 2004.
FREIRE, P. Educação e mudança. 28. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
_________. Ira, Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
FIORIN, L. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BRAIT, B. (org.) Bakhtin: outros
conceitos-chave. 1. ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, pp. 161 – 193, 2008.
GATTI, B. A. Os professores e suas identidades: o desvelamento da heterogeneidade. In:
Cadernos de Pesquisa, São Paulo nº 98, p. 85-9, ago. 1996.
JONES-KAVALIER, B. R..; FLANNIGAN, S. L. Connecting the digital dots: Literacy of the
21st century. Teacher Librarian, v. 35, n. 3, p. 13-16, 2006.
KENSKI, V.M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP:
Papirus, 2007.
LÉVY, P. As tecnologias da inteligência – o futuro do pensamento na área da
informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
LINHARES, C. Por que não te calas? Políticas na escola. In: Revista Aleph, ano IV, nº 13,
Nov. de 2009 a abr. de 2010 (Dossiê Temático). Disponível em <www.uff.br/revistaleph>
Acesso em 28 de agosto de 2014.
_______________. Experiências instituintes na escola pública? Alguns porquês dessa
busca. In: Revista de Educação Pública, Cuiabá, vol. 16, n. 31, pp.139-160, mai.-ago. 2007.
Disponível em <http://www.ie.ufmt.br/revista/arquivos/ED_31> Acesso em 30 de agosto de
2014.
MARTIN, A.; MADIGAN, D. (Ed.). Digital literacies for learning. London: Facet, 2006.
MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia.
3 ed. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2006.

329
MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação
pedagógica. 7 ed., Campinas: Papirus, 2003
PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
2000.
______________. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 1999.
RAMAL, A. C. Educação na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.
SANCHO, J. M. (Org). Para uma tecnologia educacional. Porto Alegre. Artes Médicas,
2006.
SILVA, S.P. Letramento Digital e formação de professores na era da web 2.0: como e por
que ensinar? In: Hipertextus Revista Digital, n.8, p. 1- 13, jun. 2012.
SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. In: Educação
e Sociedade, Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002.
TARDIF, M.; LESSARD, C.; LAHAYE, L. Os professores face ao saber: esboço de uma
problemática do saber docente. In: Teoria & Educação. Porto Alegre, nº. 4, p. 215-233, 1991.
VALENTE, J. A. (org.) O computador na sociedade do conhecimento. Campinas:
UNICAMP/ NIED, 1999.
VIANA, C. E.; BERTOCCHI, S. Em tempos de web 2.0: twitter e webcurrículo. Disponível
em: <http://www.educared.org/educa/index.
fm?pg=internet_e_cia.informatica_principal&id_inf_escola=819>
XAVIER, A.C. O hipertexto na sociedade da informação: a constituição do modo de
enunciação digital. 2002. Tese de Doutorado- Instituto de Estudos da Linguagem –
Universidade Estadual de Campinas, 2002.

330
O USO DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ALUNOS DO PRIMEIRO
ANO DO ENSINO MÉDIO DA ESCOLA ESTADUAL CÂNDIDA PÓVOA - ES

Andressa Teixeira Pedrosa


Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF

Andreia Silva de Assis


Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF

Carlos Henrique Medeiros de Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF

RESUMO: A presente pesquisa busca investigar de que maneira as Redes Sociais Digitais
estão sendo utilizadas pelos alunos do primeiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual
Cândida Póvoa, localizada no Município de Apiacá – ES. A investigação faz-se necessária uma
vez que é importante saber o que os alunos pensam e fazem nas redes sociais digitais, pois o
uso dessas redes vem aumentando nos últimos anos e a escola precisa se adequar a essa
realidade. Como ponto de partida da pesquisa, apresentamos o percurso do
desenvolvimento da capacidade de comunicação humana. Na sequência, mostramos os
caminhos pelo qual a tecnologia comunicacional foi passando pelo decorrer dos anos. Por
último, analisamos uma pesquisa de campo feita com os referidos alunos, que versava sobre
a forma como as redes sociais digitais são utilizadas pelos mesmos. Utilizamos, como
referência, a teoria de CASTELLS, CHARTIER, GIOVANNINI, LÉVY, McLUHAN, SOUZA entre
outros autores que versam sobre a temática da comunicação digital.
Palavras-chave: Comunicação. Redes Sociais Digitais. Educação.

DO MEDO À CIÊNCIA: OS CAMINHOS DA COMUNICAÇÃO HUMANA


As pessoas, de uma maneira geral, têm uma tendência em pensar que o termo
tecnologia está ligado apenas aos conceitos modernos de inovações computacionais e
comunicacionais. Estudos modernos, porém, mostram que tecnologia é toda e qualquer
técnica utilizada para facilitar alguma tarefa do ser humano, essa palavra é de origem grega
e significa técnica, arte, ofício e estudo. De acordo com Kauark, Manhães e Medeiros (2010):

A técnica, a tecnologia, ou seja, a capacidade de aprender a trabalhar com


bens naturais, transformando-os em bens manufaturados e úteis, daí em
outros bens e serviços elaborados, em degraus de complexidade crescente,
não é exclusividade humana. [...] Porém, apenas o homem, através da
ciência metódica, evolução do pensamento mágico, metafórico, para a
especulação sistemática, é capaz de produzir tecnologia avançada (KAUARK,
MANHÃES E MEDEIROS, 2010, p.17).

331
Sendo assim, pode-se dizer que a tecnologia acompanha o desenvolvimento do
homem desde os seus primórdios. Esse, por sua vez, passou por três estágios que
concretizaram o seu conhecimento, a saber: o medo, o mito e a ciência, como mostra
Kauark, Manhães e Medeiros (2010):

A evolução humana é marcada pela evolução da inteligência da espécie. Tal


característica marcante conhece três fases mais ou menos consecutivas,
diferenciadas pela atitude do homem frente à natureza: a fase do medo, a
do misticismo e a da ciência (KAUARK, MANHÃES E MEDEIROS, 2010, p.17).

Em cada uma dessas fases, segundo Kauark, Manhães e Medeiros (2010), o homem
buscou explicações e entendimento de suas dúvidas, todas, portanto, foram de grande
importância para o modo de vida como conhecemos hoje, no Mundo pós-moderno. De
acordo com Ferreira (2001):

A tecnologia foi criada para facilitar a vida do ser humano. Recursos


tecnológicos estão intimamente ligados ao progresso da sociedade. O
termo é objeto de reflexão desde o seu surgimento, já que não se resume
aos meios de produção, mas, também, aos produtos e objetos (FERREIRA,
2001, p.37).

O medo participava constantemente da vida do homem, era a falta de conhecimento


dos fenômenos e também o que protegia, de certa maneira, a integridade física dos homens
primitivos, pois não os permitia extrapolar os limites do que não era conhecido e talvez
perigoso.
O mito caracterizava-se pela colocação de Deus no centro dos acontecimentos. Todos
os fatos que não tinham explicação clara passavam a ser considerados vontade de Deus,
concretizando, assim, uma vontade absoluta, acima de qualquer suspeita. Ficava fácil, então,
lidar com quaisquer intempéries que os assolassem.
A terceira fase do conhecimento surgiu no final do Século XVIII, a ciência, que de
acordo com Marx e Hillix (1963) é:

Atividade pela qual os homens adquirem um conhecimento ordenado dos


fenômenos naturais, trabalhando com uma metodologia particular
(observação controlada e análise) e com um conjunto de atitudes
(ceticismo, objetividade, etc.) (MARX e HILLIX, 1963, p. 72).

332
Essa, então, foi responsável por dar uma comprovação verdadeira aos fatos,
concluída a partir de observações pontuais. A ciência traz consigo a mudança dos
paradigmas da época, o que antes era concebido apenas como a vontade divina passa a ser
questionado e comprovado com fatos observáveis e testáveis.
Durante o desenvolvimento do conhecimento, o homem passou por algumas formas
de comunicação: a Pictórica, a gestual, a oralidade e, por último, a escrita. Esse
desenvolvimento dependeu diretamente do contado de um com o outro, ou seja, da vida em
comunidade como mostra Kauark, Manhães e Medeiros (2010):

O desenvolvimento do conhecimento humano também está


intrinsecamente ligado à característica gregária (comunitária). Assim, o
saber de um indivíduo é transmitido a outro, que, por sua vez, passa este
saber a um terceiro (KAUARK, MANHÃES E MEDEIROS, 2010, p. 18).

Na fase pictórica, os homens se expressavam através dos desenhos feitos nas


cavernas, que apresentavam formas de caçar, entre outras necessidades da época. De
acordo com Giovannini (1984):

A função dessas pinturas não era exatamente comunicar, mas sim


expressar; e é por isso que se fala em arte pré-histórica. Contudo, esses
testemunhos esclarecem-nos a respeito das habilidades do homem pré-
histórico e constituem base documentada sobre o qual se constrói a
história, ainda que hipotética, do meio de comunicação primário: a
linguagem (GIOVANNINI, 1984, p. 83).

De acordo com Santos (2008) os fatos têm um lugar privilegiado na teoria pictórica,
pois, embora figuremos também ficções, só os fatos determinam o verdadeiro. Santos
(2008) assim aponta:

[...] fatos são sentidos proposicionais verdadeiros, a faticidade de um fato é


sua verdade. Assim, ao lado dos fatos existem entidades da mesma espécie
lógica e ontológica que se distinguem deles apenas por não serem fatos: os
sentidos das proposições falsas (SANTOS, 2008, p.26).

A fase gestual, como infere Souza (2003), foi importante para a primeira
comunicação, pois os homens já passavam a interagir em um contato mais direto. De tanto
utilizar os gestos para a comunicação, começaram a emitir ruídos que imitavam também o
som dos animais. A oralidade, então, abriu espaço para uma comunicação mais dinâmica.

333
A escrita revolucionou de vez os padrões de comunicação, pois agora sim existiria um
registro unificado. Como mostra Souza (2003):

O aperfeiçoamento dos meios de veicular a informação fundamenta-se na


necessidade de o homem se comunicar. O ser humano, ao longo de sua
história, mentem-se sempre na expectativa a desvelar novos horizontes,
explorar territórios alheios, impulsionado pelo desejo de interação, de
descoberta (...) A partir de então, o homem não precisou mais se preocupar
com a questão do apagamento das memórias. Suas lembranças não mais
dependiam da transmissão oral, passaram a ser registradas pela escrita
(SOUZA, 2003, p.13).

Em um primeiro momento os registros eram feitos nas pedras, as pessoas, então,


precisavam buscar o conhecimento, ir ao encontro dele. Depois de algum tempo, para
tornar a escrita mais acessível, utilizava-se pedaços de pedras, peles de animais, tábuas. Por
fim, as grossas tábuas transformaram-se em papiros e papéis, que por terem maior
praticidade, trouxeram mobilidade para as informações que seriam veiculadas.
Segundo Souza (2003), depois do advento do papel, as formas de comunicação foram
se transformando, evoluindo, até hoje, valorizando determinadas áreas e alterando
profundamente as relações, como mostra McLuhan (2002):

Ouvir rádio ou ler uma página é aceitar essas extensões de nós mesmos e
sofrer o fechamento ou o deslocamento da percepção, que
automaticamente se segue. É a continua adoção de nossa própria
tecnologia no uso diário que nos coloca no papel de Narciso da consciência
e do adormecimento subliminar em relação às imagens de nós mesmos.
Incorporando continuamente tecnologias, relacionamo-nos a elas como
servomecanismos (MCLUHAN, 2002, p. 64).

A Imprensa surgiu em 1500, o jornal em 1600, pela necessidade de circular


informações factuais de maneira rápida. Para mandar pequenas mensagens de um ponto
para o outro, surgiu o telégrafo, em 1850. O correio rural aparece em 1900, os mensageiros
recolhiam as mensagens e os moradores do campo iam à cidade para buscar suas
correspondências. O telefone, em 1920, inaugurou um novo conceito de comunicação, do
qual evoluíram o rádio, o cinema, a televisão e a internet. Pouco a pouco a evolução foi se
tornando completa e os padrões de leitura e escrita também se transformaram, como nos
apresenta Chartier (1999):

334
Do rolo antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico,
várias rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler. Elas
colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da
escrita e as categorias intelectuais que asseguram a compreensão
(CHARTIER, 1999, p.77).

Como podemos observar, o homem sempre sentiu a necessidade de se comunicar e


as formas para fazê-lo foram se alterando de acordo com a evolução das técnicas que
conseguia desenvolver. A tecnologia e a comunicação, então, acompanham todo o caminhar
da humanidade e, por isso, precisam fazer parte das discussões científicas de todos os
tempos.

A EVOLUÇÃO DAS FORMAS DE COMUNICAÇÃO HUMANA


Pesquisadores como Kauark, Manhães e Medeiros (2010) e Souza (2003) mostram
como foi o caminho percorrido pelos homens para desenvolver formas de comunicação mais
eficientes e abrangentes. Passaram pela fase dos desenhos nas cavernas, pela invenção da
imprensa, do jornal. De acordo com Souza (2003):

Com o passar do tempo, surgem novas tentativas de popularizar a


comunicação escrita, ou seja, democratizar as informações que até então
estavam restritas a uma minoria. O livro já não estava atendendo aos
diversos interesses culturais (SOUZA, 2003, p. 15).

Dando sequência a essa tendência, a Internet surge como uma importante


ferramenta de divulgação e comunicação entre as pessoas. Segundo Souza (2003) a internet
é:

vista por muitos como a verdadeira aglutinação dos demais veículos. Nela já
é possível ouvir programas de rádio, ler jornais diários, trocar mensagens,
acessar programas de televisão e até mesmo utilizar a teleconferência
(SOUZA, 2003, p. 23).

Como pode-se observar, a Internet revolucionou os conceitos do que é comunicação,


uma vez que ela abrange um número cada vez maior de usuários e, então, torna-se uma
forma de interação em massa. Revolucionou também o conceito de pesquisas e informação.
Leão (1999) mostra que:

335
Pesquisar na WWW é ao mesmo tempo se encontrar nas multiplicidades e
se perder; é avançar e recuar o tempo todo; é não mais separar e ao
mesmo tempo, com todas as forças tentar distinguir; é o ilimitado e o
limitado que tentam se manifestar e se confundem (LEÃO, 1999, p. 25).

Souza (2003) conceitua internet como a maior rede de computadores do mundo, ou


seja, um grupo de computadores que está, de alguma forma, conectado. Esse número de
conexões só vem aumentando, como comprova Souza (2003):

A comunidade Internet está se expandindo não só em números mas em


termos de aplicação. A Internet sempre foi e será uma parte importante da
comunidade de pesquisa e desenvolvimento. No entanto, o aumento no
volume de acesso e o potencial da rede para se tornar a base para a
comunicação mundial entre pessoas das mais diversas origens não podem
ser ignoradas (SOUZA, 2003, p. 24).

A Internet surgiu como resultado de guerra, pois as bases precisavam se comunicar


de alguma maneira, então, foi criada uma conexão entre algumas máquinas. De acordo com
Souza (2003), em 1957, os Estados Unidos criaram a ARPA (Advanced Research Projects
Agency) para produzir tecnologias úteis para as forças armadas, mas o primeiro grande
passo para a Internet surgiu com Paul Baran, em 1964. Para Lima (2000), esse projeto surgiu
como resposta do governo americano ao lançamento do Sputnik pela ex-União Soviética e a
tecnologia utilizada na época para transmissão de dados foi criada com o nome de WAN
(Wide Area Networks).
Ainda segundo Souza (2003), a Internet passou por diversos processos, até ser
implantada como a conhecemos. No Brasil, em 1987, aconteceu uma reunião na
Universidade de São Paulo, entre Governo e Embratel, objetivando interligar a comunidade
acadêmica e científica com outros países. Em 1988, começa a conexão através de Bitnet, em
1992 surge uma rede que interliga onze estados do Brasil. O ano de 1995 marcou a entrada
definitiva da Internet no Brasil. Em 1996, foram criados diversos provedores e, em 2000, a
internet passa a ter alto desempenho. Desde o seu surgimento, a internet vem ganhando
muitos adeptos e a tendência é que esse número aumente ainda mais, como aponta Souza
(2003):

Os números da Internet, que já são gigantescos, crescem em proporções


geométricas. A Internet possui milhões de computadores em mais de 100
países. É impossível contabilizar o número correto de usuários que a
336
utilizam. A cada dia ingressam aproximadamente 150 mil novos usuários
(SOUZA, 2003, p. 66).

Dessa maneira, pode-se inferir que a inserção da Internet vem alterando


consideravelmente os conceitos de distância e de relações humanas. A sociedade já não
pode mais se comportar da mesma forma diante de tamanha mudança:

A Internet não é apenas uma rede mundial de computadores, é também


um agente de mudanças comportamentais que ainda não é bem conhecido,
até porque não conseguimos ainda um meio eficiente de medir suas
interferências sociais, ou seu impacto comportamental (SOUZA, 2003,
p.68).

Sabemos que a Internet vem causando alterações importantes, por isso, o seu uso
deve ser considerado tanto na esfera pessoal quanto profissional. É comum que diversas
profissões utilizem a ferramenta para facilitar as interações cotidianas e agilizar transações.
A sociedade, hoje, encontra-se em redes e isso traz alterações significativas, como aponta
Castells e Cardoso (2005):

A comunicação em rede transcende fronteiras, a sociedade em rede é


global, é baseada em redes globais. Então, a sua lógica chega a países de
todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas redes globais
de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia.
Aquilo a que chamamos globalização é outra maneira de nos referirmos à
sociedade em rede, ainda que de forma mais descritiva e menos analítica
do que o conceito de sociedade em rede implica. Porém, como as redes são
selectivas de acordo com os seus programas específicos, e porque
conseguem, simultaneamente, comunicar e não comunicar, a sociedade em
rede difunde-se por todo o mundo, mas não inclui todas as pessoas
(CASTELLS e CARDOSO, 2005, p. 18).

A educação, em particular, vem precisando, cada dia mais, dos recursos tecnológicos
para tornar o ambiente pedagógico mais atrativo e de acordo com as urgências sociais.
Dessa maneira, faz-se necessária a investigação detalhada da influência da Internet nas
novas relações sociais por ela criada.

REDES SOCIAIS DIGITAIS E O ENSINO


O homem, por sua característica essencialmente social, sempre encontrou maneiras
de se relacionar com seus semelhantes. Dessas interações vão surgindo redes de

337
relacionamento. Quanto mais o homem evoluiu intelectualmente, mais necessidade de estar
com o outro ele teve, pois o outro passou a ser a representação do suprimento daquilo que
lhe faltava. O outro era a ajuda, a companhia, a completude, como aponta Souza e Cardoso
(2011):

Rede Social é uma expressão cunhada do pesquisador J. A. Barnes,


apresentada pela primeira vez em uma comunicação em 1953 e publicada
em 1954. Foi empregada para descrever como noções de igualdade de
classes eram utilizadas e de que forma indivíduos usavam laços pessoais de
parentesco e amizade em Bremnes, uma comunidade da Noruega. O autor
se inspirou nas idéias de Radcliffe-Brown (1940) que já falava sobre
estrutura social como uma rede de relações (SOUZA E CARDOSO, 2011, p.
67).

As redes de relacionamento humano ocorrem, pois, desde que o homem se descobre


como um ser social. Cada vez mais percebendo a necessidade de aprofundar essa
convivência, criar vínculos, laços. Instituições de ensino, clubes, entre outros são tentativas
de agrupar e aproximar pessoas.
Com o advento dos recursos tecnológicos na sociedade, os homens enxergaram um
potencial importante de interação naquele ambiente. Como aponta Castells e Cardoso
(2005), as redes sociais, antes desenvolvidas em espaços físicos específicos, agora se voltam
para o ambiente virtual, passando a existir um novo modo de interação social: as Redes
Sociais Digitais.
As redes sociais digitais, de acordo com Cardoso e Souza (2011) apresentam também
um lado perigoso, pois:

O que é chamado globalização é outra maneira de se referir à sociedade em


rede, ainda que de forma mais descritiva e menos analítica do que o
conceito de sociedade em rede implica. Porém, como as redes são seletivas
de acordo com os seus programas específicos, e porque conseguem,
simultaneamente, comunicar e não comunicar, a sociedade em rede
difunde-se por todo o mundo, mas não inclui todas as pessoas (CARDOSO
e SOUZA, 2011, p.69).

As Redes Sociais Digitais vem se tornando cada vez mais um ambiente de interação,
na medida em que recebem novos usuários a cada dia, aumentando progressivamente sua
quantidade de usuários.

338
Todos os setores da sociedade vem se transformando, a partir do uso das novas
tecnologias, com a educação não poderia ser diferente. Cada vez mais se torna urgente
associar as novas formas de interação ao saber escolar, uma vez que o desenvolvimento
tecnológico tende a avançar a cada dia, já não se pode negar a influência que isso vem tendo
dentro da ambiente escolar.
As Novas Tecnologias, por seu caráter intrinsecamente social, não podem deixar de
estar presentes nas discussões sobre educação, haja visto que essa faz parte do
desenvolvimento de qualquer sociedade. Apesar dessa necessidade, o que vemos é uma
sociedade completamente vinculada e dependente das novas tecnologias, mediadas por elas
e o ambiente escolar ainda nos mesmos moldes de séculos passados. É importante que se
faça uma reflexão sobre essa situação, a fim de tentar entender os motivos que levam a
escola a sempre permanecer imutável, pensando as possíveis formas de alteração de
paradigmas.
Apesar da urgência em se alterar alguns paradigmas na educação, não podemos fazer
de maneira impensada, precisamos refletir sobre as práticas educacionais e entender a
melhor maneira de associar a tecnologia para o aprendizado, pois, como aponta Castells e
Cardoso (2005):

Difundir a Internet ou colocar mais computadores nas escolas, por si só,


não constituem necessariamente grandes mudanças sociais. Isso depende
de onde, por quem e para quê são usadas as tecnologias de comunicação e
informação. O que nós sabemos é que esse paradigma tecnológico tem
capacidades de performance superiores em relação aos anteriores sistemas
tecnológicos. Mas para saber utilizá-lo no melhor do seu potencial, e de
acordo com os projectos e as decisões de cada sociedade, precisamos de
conhecer a dinâmica, os constrangimentos e as possibilidades desta nova
estrutura social que lhe está associada: a sociedade em rede (CASTELLS e
CARDOSO, 2005, p. 19).

Na tentativa de tentar entender como se dá o processo de uso e interação das novas


tecnologias pelos alunos e na busca por pensar a melhor maneira de se utilizar as Redes
Sociais Digitais para a aprendizagem, realizamos a pesquisa de campo estudada a baixo.

ESTUDO DE CASO: O USO DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS NO PRIMEIRO ANO DO ENSINO
MÉDIO DA ESCOLA CÂNDIDA PÓVOA
339
Para refletir sobre as possíveis influências das novas tecnologias na educação,
principalmente quanto ao uso das redes sociais digitais, elaboramos uma pesquisa de campo
direcionada aos educandos.
Aplicamos um questionário com perguntas abertas e fechadas, direcionadas aos
alunos do primeiro ano de Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio
Cândida Póvoa, localizada no Município de Apiacá – Espírito Santo. Nossa tentativa é tentar
entender de que maneira os referidos discentes se comportam frente ao uso das redes
sociais digitais.
Foram pesquisados quarenta alunos, no total, que responderam sobre a maneira
como utilizam as redes sociais digitais. O questionário passou por uma aplicação de
testagem em turmas escolhidas, adequação das perguntas e posterior aplicação final, já em
outras turmas. De acordo com Kauark, Manhães e Medeiros (2010):

O questionário, numa pesquisa, é um instrumento ou programa de coleta


de dados. A confecção é feita pelo pesquisador; o preenchimento é
realizado pelo informante. A linguagem utilizada no questionário deve ser
simples e direta para que o interrogado compreenda com clareza o que
está sendo perguntado. (...) Todo questionário deve passar por um pré-
teste, num universo reduzido, para que possam corrigir eventuais erros de
formulação (KAUARK MANHÃES E MEDEIROS, 2010, p.58).

A presente pesquisa busca entender como as Redes Sociais Digitais vem sendo
utilizadas pelos alunos interrogados, uma vez que a evolução tecnológica vem influenciando
muito o contexto educacional e isso precisa ser estudado para que se torne um instrumento
a favor da educação e não o seu rival. Souza (2003) considera:

É assim que as novas tecnologias da informação e da comunicação, e


especificamente o ciberespaço, com as possibilidades que encerram,
adquirem importância fundamental e merecem destaque em qualquer
reflexão que venha a ser feita sobre a importância e as demandas para uma
educação na atualidade, uma vez que, estas já vêm sendo amplamente
utilizadas em diversos setores da cultura contemporânea, correspondendo,
portanto, a importante elemento constitutivo da base histórica sobre a qual
se desenvolve o que vem sendo conhecida como sociedade da informação
(SOUZA, 2003, p. 42).

Perguntados sobre o tempo que ficam conectados à internet, 40% disseram que
usam por menos de uma hora por dia, 32,5% afirmaram utilizar entre uma e quatro horas,

340
7,5% disseram que utilizam a internet de quatro a oito horas por dia e, por fim, 20%
afirmaram que ficam mais de oito horas conectados.
Dos alunos entrevistados, 85% fazem parte de alguma rede social digital e apenas
15% não utilizam essas redes. Do tempo que passam conectados à internet, 42,5%
afirmaram usar somente a rede social digital, o tempo todo; 42,5% responderam que usam
parcela do tempo para as redes sociais, mas que também fazem pesquisas da escola, entre
outros. 15% afirmaram não ter acesso à internet com facilidade.
Perguntados sobre a forma como escrevem nas redes, ou seja, de que maneira se
comportam linguisticamente, 17,5% dos alunos responderam que tentam escrever na
internet como escrevem na escola, ou seja, obedecendo às regras ortográficas, gramaticais,
tendo cuidado em escolher as palavras mais adequadas. 67,5% afirmaram que não se
preocupam com as regras e escrevem utilizando gírias, abreviações e convenções linguísticas
para a rede. Essas respostas corroboram para a afirmação de que a rede social digital é um
espaço mais livre, com menos cobrança do uso da variedade padrão da língua. Apenas 15%
afirmaram não escrever nada na internet. Essas respostas nos levam a pensar que,
possivelmente, por apresentar essa característica de liberdade e interatividade, o
ciberespaço pudesse funcionar como um eficiente instrumento de ensino e aprendizado.
45% dos alunos disseram que postam, nas redes sociais digitais, conteúdos
relacionados à vida pessoal, coisas simples como: onde se encontram, com quem estão, o
que estão sentindo ou fazendo naquele momento. 2,5 % afirmaram postar mais conteúdos
relacionados à alguma disciplina escolar. 5% disseram postar, normalmente, conteúdos
relacionados a alguma opção religiosa. 32,5% não fazem postagens.
85% fazem uso do bate papo nas redes sociais digitais, 15% não utilizam o bate papo.
Do grupo, 7,5% conversam apenas com uma pessoa, 15% conversam com duas pessoas no
mesmo momento, 20% com três pessoas, 27,5% conversam com três a cinco pessoas e 15%
com mais de cinco pessoas. Apenas 15% não conversam nas redes.
Questionados sobre o que fazem em seus momentos vagos fora da escola, na maior
parte do tempo, 20% responderam que revisam os conteúdos escolares, 32,5% afirmaram
que utilizam a internet, na maior parte as redes sociais. 47,5% disseram que fazem
atividades variadas.

341
Perguntados se acreditam que as redes sociais digitais podem auxiliar de alguma
maneira as disciplinas escolares, 57,5% dos alunos afirmaram que não, 42,5% afirmaram que
sim. Do grupo que deu resposta afirmativa, 12 acham que as redes sociais digitais podem
ajudar nas pesquisas escolares, 3 acreditam que podem ser sanadas dúvidas nas redes e
apenas 2 pensam que podia-se criar grupos escolares de interesse da turma. Essas respostas
nos levam a pensar que os alunos, por perceberem as tecnologias tão distantes da escola,
acabam por pensar que essas não ajudariam em seu processo de aprendizagem,
corroborando a ideia de que tecnologia e educação são coisas opostas. Os que acham que
pode ajudar acabam tendo uma visão um pouco equivocada do que realmente poderia ser
essa ajuda.
100% dos alunos, quando questionados, afirmaram que a escola, e seus recursos
tecnológicos, não conseguiu evoluir na mesma velocidade que a sociedade que a circunda.
Perguntados sobre o que deveria ser mudado, as respostas abertas foram variadas, mas a
maior parte delas versava sobre a necessidade de mais computadores e recursos
tecnológicos dentro da sala de aula. Já vimos, com a teoria que embasa o trabalho, que
apenas inserir computadores na escola não será suficiente para aproximar escola e
tecnologia, o que realmente precisa ser feito é inserir a tecnologia mediada, que faça
sentido tanto para professores quanto para alunos.
Com a realização dessa pesquisa foi possível perceber que, mesmo na escola pública,
com seu histórico de carência, é perceptível o acesso dos alunos à internet e, por
consequência, às redes sociais digitais. Eles apresentam uma liberdade e espontaneidade na
escrita, uma vez que essa não é monitorada, como na escola. Além disso, eles se mostram
rápidos e objetivos, uma vez que afirmam ter a capacidade de conversar com muitas pessoas
ao mesmo tempo, habilidade comum aos nativos digitais. Percebemos também que o tempo
que eles ficam na internet é bastante significativo e que, pelas respostas, às vezes o uso é
ilimitado mas sem grande aproveitamento para o aprendizado.
Percebemos que realmente a escola não conseguiu acompanhar as evoluções
tecnológicas dos últimos tempos e que os alunos, pelas respostas, percebem esse déficit. É
difícil, pois, tentar vincular o mesmo modelo de escola de séculos passados, parece urgente
que a escola se adapte às novas habilidades dos alunos, pois o avanço tecnológico é um

342
caminho em progresso, dificilmente voltará aos modelos antigos. A esse respeito, Lévy
(1999) considera:

Trabalhar hoje equivale cada vez mais a aprender a transmitir saberes e


produzir conhecimentos. (...) O ciberespaço suporta tecnologias intelectuais
que ampliam, exteriorizam e alteram muitas funções cognitivas humanas
(LÉVY, 1999, p. 12).

Temos hoje, nas escolas, professores imigrantes digitais que tentam dar conta das
habilidades dos nativos digitais. Há que se perceber que novas metodologias precisam ser
criadas, para que o professor não mais se perceba como detentor de todo conhecimento,
mas sim mediador do conhecimento que se encontra inacabado, espalhado e que precisa ser
agrupado, assimilado, internalizado pelo aluno. O professor que só transmite informações
pode ser substituído por uma máquina sem prejuízo para o aluno, já o professor mediador,
consciente da necessidade de transformação faz muita falta ao ambiente escolar e é pouco
provável que um computador exerça o seu papel. Muitas dúvidas pairam na cabeça dos
professores de nossa época, entre elas a incerteza da mudança de paradigmas ser positiva
ou não, essa situação deixa o professor sem saber, ao certo, que atitudes tomar diante de tal
situação. A esse respeito, Soares (2000) reflete:

Estaríamos vivendo o desmanche da civilização do livro e dos conteúdos


seriados e sistematizados, entrando num mundo veloz, contingente, fluido
e mutável da civilização audiovisual, cuja marca é a incerteza e a
expectativa do novo, a cada minuto? Compreender a realidade e buscar um
novo sentido para a educação num mundo regido pelas contradições do
confronto entre Modernidade e Pós-modernidade faz parte da missão do
filósofo e do educador (SOARES, 2000, p. 16).

Não podemos achar que os mais jovens, pela quantidade enorme de tempo que se
dedicam ao uso das novas tecnologias e da internet, são desligados da sociedade, alheios
aos acontecimentos, eles apenas estão desenvolvendo novas habilidades de interação, como
nos mostra Castells e Cardoso (2005):

Quanto mais usam a Internet, mais se envolvem, simultaneamente, em


interacções, face a face, em todos os domínios das suas vidas. Da mesma
maneira, as novas formas de comunicação sem fios, desde o telefone móvel
aos SMS, o WiFi e o WiMax, fazem aumentar substancialmente a
sociabilidade, particularmente nos grupos mais jovens da população. A
sociedade em rede é uma sociedade hipersocial, não uma sociedade de
343
isolamento. As pessoas, na sua maioria, não disfarçam a sua identidade na
Internet, excepto alguns adolescentes a fazer experiências de vida. As
pessoas integraram as tecnologias nas suas vidas, ligando a realidade virtual
com a virtualidade real, vivendo em várias formas tecnológicas de
comunicação, articulando-as conforme as suas necessidades (CASTELLS e
CARDOSO, 2005, p. 23).

Lévy (1993) considera que a escola precisa muito de uma nova perspectiva, mas não
apenas de utilização desenfreada de novas tecnologias, sem uma mediação pedagógica. As
novas tecnologias garantem meios, são instrumentos versáteis e importantes, porém
sozinhos não garantem a efetividade do processo de ensino e aprendizagem. A educação
baseia-se diretamente na comunicação e a tecnologia é uma ferramenta importante nesse
processo. Soares (2000) define que não se trata, pois, de educar usando o instrumento da
comunicação, mas que a própria comunicação se converta no eixo vertebrador dos
processos educativos: educar pela comunicação e não para a comunicação.
Observando o potencial de acesso às Redes Sociais Digitais, precisamos entender de
que forma elas podem ser utilizadas no contexto escolar para efetivar o processo de ensino
aprendizagem, também é preciso repensar o papel que o professor da era digital passa a ter
na escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como percebemos, o homem, desde os primórdios, apresenta a necessidade de se
comunicar com o outro. Para satisfazer essa necessidade passou por inúmeros estágios de
desenvolvimento de mecanismos de comunicação, como a fase pictórica, gestual e escrita.
Com o advento da escrita, o homem pensou em divulgar, da maneira mais rápida e prática
possível, as informações que julgavam importantes. Técnicas eram desenvolvidas, a todo
momento, com essa finalidade.
A internet surge, nesse processo evolutivo, como um importante meio de divulgar de
informações, encurtar de distâncias e criar novos paradigmas de interação e
relacionamento. O uso da internet alterou profundamente os paradigmas da sociedade e,
por isso, suscitam tantas investigações científicas.
Como pudemos observar, com a realização desta pesquisa, o ambiente escolar é um
dos poucos da sociedade em rede que ainda não conseguiu se adaptar a esses novos
padrões tecnológicos. Isso é um fator negativo para a educação em nosso país, pois vimos

344
que os alunos de hoje, nativos digitais, estão desenvolvendo novas habilidades com os
recursos tecnológicos que precisam ser valorizados pela escola. É urgente que as escolas e os
professores do século XXI reflitam a importância de mediar o conhecimento com o uso dos
meios tecnológicos, para que esses possam contribuir para o efetivo processo de ensino e
aprendizagem dos nossos alunos.

REFERÊNCIAS
CASTELLS, Manuel e CARDOSO, Gustavo. A Sociedade Rede em Portugal. Porto:Campo
das Letras, 2005.
CARDOSO, Carla; SOUZA, Carlos Henrique Medeiros. As Redes Sociais Digitais: Um mundo
em transformação. Agenda Social. V.5, nº1, jan-abr/2011, p. 65 – 78.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Trad. de Reginaldo
Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Editora Unesp/Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 1999.
FERREIRA, Jairo. O sentido da tecnologia: entre o conhecimento e as estratégias de
mercados. 2001. Disponível em: <http://www.uff.br/mestcii/jairo2.htm>. Acesso em: 14
mai. 2013.
GIOVANNINI, Giovanni. A Evolução na Comunicação. Rio de Janeiro: Ed. Sindicato
Nacional Editores de Livros, 1984.
KAUARK, Fabiana da Silva; MAGALHÃES, Fernanda Castro e MEDEIROS, Carlos Henrique.
Metodologia da Pesquisa: Guia Prático. Itabuna - BA: Via Litterarum, 2010.
LEÃO, Lúcia. O labirinto da hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço. São
Paulo: Iluminuras, 1999.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: ED. 34, 1999.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática. Tradução Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Trad. Décio
Pignatari. São Paulo: Cultrix, 2002.
MARX, Melvin e HILLIX, William. Sistemas e Teorias. São Paulo: Editora Cultrix, 1963.

345
SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: Um campo de mediações. Comunicação e
Educação. São Paulo: [19]: 12 a 24, setembro/dezembro, 2000.
SANTOS, Luiz Henrique L. A essência da proposição e a essência do mundo, ensaio
introdutório à tradução do Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 2008.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias.
Campos dos Goytacazes - RJ: Editora FAFIC, 2003.

346
A COGNIÇÃO E AS TICS: APRENDIZAGEM MEDIADA PELA INTERAÇÃO

Isabel Riscado Fernandes


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Laís Viana Tavares


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Carlos Henrique Medeiros de Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O presente artigo analisa conceitos e concepções de teóricos sobre a correlação


das ferramentas tecnológicas com a aprendizagem. No contexto, dá-se relevância à
interação social como fator preponderante para o desenvolvimento cognitivo, e valoriza a
comunicação e interatividade. Essas ferramentas, em razão do potencial de interação,
propiciam construção do conhecimento e tornam a produção e a difusão do mesmo na
atualidade, um processo cada vez mais distribuído ou partilhado entre homens e dispositivos
técnicos.
Palavras-chave: cognição, Interação, Tecnologias da informação e comunicação,
aprendizagem.

INTRODUÇÃO
As novas tecnologias da informação e da comunicação assumem, cada vez mais, um
papel ativo na configuração das estruturas cognitivas. Elas facilitam experiências de
aprendizagem complexas e cooperativas, transformam o aprender e reconfiguram o
conhecimento. Nesse contexto, a humanidade evidência uma grande evolução com relação
aos aspectos cognitivos e interativos, que se transformam com rapidez nunca antes
experimentada. Isso se deve em parte à função mediadora, quase onipresente, dessas novas
tecnologias.
No tocante à aprendizagem e ao conhecimento, chegamos a uma transformação sem
precedentes das estruturas cognitivas. As ferramentas tecnológicas ajudam a intensificar o
pensamento complexo, interativo e transversal. Desse modo, as Tecnologias da Informação
e Comunicação (TIC) e as mídias interativas deram um novo sentido a aprendizagem e a
absorção do conhecimento, pautadas em ricas trocas sociais. De acordo com (Lévy, 1998), a
constituição do conhecimento já não é mais fruto unilateral de seres humanos isolados, mas

347
de uma vasta cooperação cognitiva distribuída, da qual participam indivíduos e sistemas
cognitivos artificiais.
Contudo, faz-se necessário uma reflexão sobre o potencial de comunicação e
interatividade que as ferramentas tecnológicas são capazes de possibilitar ao indivíduo, de
modo que a aprendizagem mediada por aparatos tecnológicos favorece o exercício cognitivo
e o desenvolvimento de novas competências cognitivas.

A APRENDIZAGEM PELO ENFOQUE CONSTRUTIVISTA DAS TEORIAS DE PIAGET E VYGOTSKY


A teoria construtivista, de acordo com (D’Ávila, 2006), proporciona elementos
valiosos à compreensão da aprendizagem como um processo construtivo e significativo.
Desse modo, a ótica de teóricos construtivistas como Jean Piaget e Vygotsky faz-se relevante
nesse estudo.
A teoria de Piaget prioriza a interação entre sujeito e objeto e destaca que o
crescimento cognitivo se dá a partir da ação do indivíduo sobre o objeto de seu
conhecimento. Na abordagem socioconstutivista, de Vygotsky, a interação social, a cultura e
a linguagem exercem forte influência sobre a aprendizagem, como fatores importantes para
a formalização de conceitos e para a configuração da estrutura mental (LINS, 2003).
Vygotsky, em sua teoria socioconstrutivista ou sociointeracionista, enfatiza a
interação social como fator que proporciona trocas recíprocas que, na visão de educadores,
é um elemento de grande importância para o desenvolvimento cognitivo do aprendiz. Isso
nos mostra o potencial cognitivo do indivíduo de aprender a partir da interação, na esfera
que o autor denomina Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), e de acordo com (Daniels,
2002) significa “a diferença entre o nível de tarefas resolvidas que podem ser
desempenhadas com orientação e auxílio de adultos e o nível de tarefas resolvidas de modo
independente”.
Desse modo, a concepção de aprendizagem apresentada por Vygotsky é
estreitamente ligada com o meio social, cujo enfoque defende que desenvolvimento e
aprendizagem têm relação direta com o ambiente histórico-social em que acontece a
experiência da interação. Essa abordagem contrapõe a teoria de Piaget, que estima a
interação do sujeito com o objeto, sem dar grande importância às interações decorrentes do

348
meio social. Segundo (Palangana, 2001), Piaget foca sua atenção no indivíduo, entendendo o
objeto apenas como algo perturbador da estrutura cognitiva, ou seja, não ocorre na teoria
construtivista desse autor trocas recíprocas.
Existem dois elementos, na concepção de Vygotsky, que fazem a mediação da
aprendizagem: os instrumentos e os signos, o autor assinala esses elementos como frutos do
ambiente social e cultural do indivíduo. No entanto, de acordo com (Santos, 2003), tais
elementos, intermediários do conhecimento, precisam sofrer um processo de internalização
para serem absorvidos do meio social. (Lins, 2003) afirma que, para Vygotsky a
internalização é um método que abrange a modificação de fenômenos sociais em
fenômenos psicológicos por meio de signos. Para ele, a origem de todas as funções
psicológicas superiores é originada na relação entre seres humanos, defendendo assim, a
ideia de que as interações sociais ocasionam o aprendizado.
A partir disso, vale dizer que o desenvolvimento cognitivo requer que se concretize o
processo de internalização, que abrange a transformação de fenômenos sociais em
fenômenos relativos à cognição do aprendiz, para a produção do conhecimento. Segundo
(Palangana, 2001), a internalização do conhecimento acumulado pelos sujeitos ao longo da
vida e disponível no ambiente social, se dá, especialmente, pela linguagem. Através das
trocas com as pessoas que participam do seu ambiente, ainda quando criança aprende-se os
significados linguísticos ocasionando o conhecimento de sua cultura.
Ao estudar os dois autores, Piaget e Vygotsky, acerca de suas abordagens quanto a
aprendizagem, entende-se que, na ótica vygotskyana, a construção da estrutura cognitiva
está mediada pela interação social e linguagem, nas quais se apoiam no processo de
internalização para a absorção de informações e de ferramentas de representação histórico-
social, formalizadas e expressas a partir do contexto sociocultural do indivíduo. Isso difere da
vertente de Piaget que não inclui o meio social como fator importante para a estruturação
mental.
Nessa perspectiva, vale uma reflexão sobre a aprendizagem mediada pela interação,
a ponto de ver a tecnologia e suas ferramentas como alternativas de produção do
conhecimento na era da informação, proporcionando uma aprendizagem ativa, construtiva,
reflexiva e socializadora.

349
TECNOLOGIA, COGNIÇÃO E APRENDIZAGEM
Já se sabe que a tecnologia modifica a expressão criativa do homem, modificando sua
forma de adquirir conhecimento, interferindo assim em sua cognição. Mas de que modo os
artefatos e objetos técnicos intervêm na atividade cognitiva? De acordo com (Norman, 1993)
as tecnologias não operam uma amplificação e sim uma transformação da cognição. Ou seja,
a ferramenta tecnológica não amplia as capacidades e aptidões dos indivíduos, mas
transforma a natureza cognitiva.
Nos termos de (Hutchins, 1996) as estruturas cognitivas do sistema formado pelo
sujeito em interação com a ferramenta tecnológica não correspondem às propriedades
cognitivas do indivíduo visto de forma isolada, o sistema cumpre uma tarefa que envolve
uma grande carga de memória e planejamento, garantindo uma maior eficiência. O uso da
tecnologia, ao promover uma mudança na natureza cognitiva da tarefa a ser realizada pelo
indivíduo, permite que o sistema realize uma atividade complexa sem que os processos
cognitivos nela envolvidos precisem estar presentes ou serem mobilizados pelo próprio
indivíduo. A distribuição da atividade cognitiva não é, portanto, uma simples extensão de
propriedades individuais e internas aos suportes externos; ela é, antes, um processo de
transformação que caracteriza, segundo Hutchins, o modo de ser da cognição humana, e
não apenas uma peculiaridade de certas práticas e técnicas. O autor propõe, dessa forma,
uma concepção da cognição humana que ultrapassa os limites do indivíduo e da
interioridade.
Nessa perspectiva, a aprendizagem é definida por (Lomônaco, 1984), como uma
mudança de comportamento resultante de prática ou experiência anterior, de modo a ser
um processo interno que ocorre dentro dos organismos. Entretanto, existem inúmera
teorias que têm sido propostas pelos psicólogos cognitivistas para explicar o processo da
aprendizagem. Segundo (Leeper, 1970 apud Lomônaco, 1984), podemos considerar cinco
aspectos como característicos ou comuns as diferentes concepções cognitivas de
aprendizagem: A teoria cognitiva pretende ser uma teoria abrangente ou inclusiva; se utiliza
tanto de dados comportamentais como de dados subjetivos; não é basicamente uma teoria
que explica os fenômenos em termos daquilo que o organismo “conhece”; concebe a função

350
cerebral em termos da organização dos componentes menores da atividade nervosa em
todos funcionais maiores; tem um interesse predominantemente psicológico em vez de
fisiológico.
Uma das primeiras concepções teóricas a respeito do processo de aprendizagem
desenvolvida por psicólogos de orientação cognitiva foi a aprendizagem explicada pela
formação de insights. De acordo com (Garret, 1959), o homem tem um insight quando
aprende integralmente os princípios existentes na execução de uma tarefa ou vê a relação
correta. Na visão de (Hill, 1981), o sujeito tem um insight quando percebe a situação total de
uma nova maneira, incluindo compreensão das relações lógicas ou percepção das conexões
entre meios e fins. Em função de tais considerações, o insight se caracteriza como um
processo que, quando completado, dá ao indivíduo a nítida impressão de ter subitamente
compreendido algo ou chegado a solução de um problema.
A partir dessa concepção do processo de aprendizagem podemos compreender a
ótica de (Hutchins, 1996) sobre a função de mediação das tecnologias cognitivas, ao propor
que uma tecnologia mediadora não está situada entre o indivíduo e a tarefa. Situar o
aparato tecnológico entre o indivíduo e a tarefa implica supor que estes podem ser definidos
prévia e isoladamente.
A ideia de que as tecnologias cognitivas promovem mudanças no modo como as
atividades e processos cognitivos são requeridos ou mobilizados também é explorada por
(Dennett, 1997). Suas análises se voltam para o papel da tecnologia na formação complexa
da inteligência humana e na nossa atividade cotidiana de lidar com um mundo dinâmico
onde, não raro, há inúmeras informações. O autor sugere que a fonte primária de nossa
inteligência é a habilidade em expelir nossas tarefas cognitivas no meio ambiente, lançando
nossas mentes no mundo, construímos dispositivos periféricos que simultaneamente
simplificam o nosso meio facilitando nossa cognição cotidiana e refinam o nosso próprio
pensamento.
Tal perspectiva permite supor que os recursos tecnológicos podem contribuir na
produção de insights, para a emergência de novos processos ou habilidades cognitivas que
não estavam previamente presentes. Além de fornecerem um auxílio externo à cognição, de
promoverem mudanças nas habilidades cognitivas requeridas para certas atividades, de

351
permitirem uma simplificação do mundo ao tornarem disponíveis e utilizáveis as
informações relevantes para os indivíduos, além de todos esses processos que já implicam
uma série de transformações, as ferramentas tecnológicas podem potencializar a
emergência de novas modalidades de representação, conhecimento, significação, trazendo
complexidade seja para o nosso próprio pensamento seja para nossa relação com o mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Novas tecnologias da informação e da comunicação já não são meros instrumentos
no sentido técnico tradicional, mas feixes de propriedades ativas. As tecnologias tradicionais
serviam como instrumentos para aumentar o alcance dos sentidos (visão, movimento etc.).
As novas tecnologias transformam o potencial cognitivo do ser humano e possibilitam
estruturas cognitivas complexas e cooperativas, sendo que os próprios sistemas se
transformaram em máquinas cooperativas, com as quais podemos estabelecer parcerias na
pesquisa e no aviamento de experiências de aprendizagem. Portanto, termos como
"usuário", já não expressa bem essa relação cooperativa entre ser humano e essas
ferramentas inteligentes. O papel delas já não se limita à simples configuração e formatação,
ou, se quiserem, ao enquadramento de conjuntos complexos de informação. Elas participam
ativamente do passo da informação para o conhecimento.
Isso nos traz a reflexão de que as tecnologias da informação e da comunicação se
transformaram em elemento constituinte (e até instituinte) das nossas maneiras de ver e
organizar o mundo, de modo que têm um papel ativo e co-estruturante das formas do
aprender e do conhecer.

REFERÊNCIAS
D’ÁVILA, C. Por uma didática colaborativa no contexto das comunidades virtuais de
aprendizagem. 2006.
DENNETT, D. Tipos de Mente: rumo a uma compreensão da consciência. Rio de Janeiro:
Rocco, 1997.
DANIELS, H. (Org.) Uma introdução a Vygotsky. São Paulo: Loyola, 2002.
GARRET, H. E. Grandes experimentos da Psicologia. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1959.

352
Hill, W. F. Aprendizagem. Rio: Guanabara Dois, 1981.
HUTCHINS, E. Cognition in the Wild. Massachusetts: MIT, 1996.
LÉVY, P. A inteligência coletiva. São Paulo: Loyola, 1998.
LINS, S. Transferindo conhecimento tácito: uma abordagem construtivista. Rio de
Janeiro: E-papers, 2003.
NORMAN, D. Things that make us smart. Cambridge: Perseus Books, 1993.
PALANGANA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância
do social. 3. ed. São Paulo: Summus, 2001.
SANTOS, B. S. O processo de internalização. In: LA ROSA, Jorge de (Org.). Psicologia e
educação: o significado do aprender. 7. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS,2003.
WITTER G. P.; LOMÔNACO J. F. B. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: EPU, 1984.

353
A EVOLUÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO AO LONGO DO TEMPO E A PERCEPÇÃO
DOS PROFESSORES SOBRE SUA UTILIZAÇÃO NA SALA DE AULA

Leila Alves Vargas


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Bruna Moraes Marques


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Maria Eugênia Totti


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente trabalho apresenta uma análise teórica sobre a evolução humana e
das tecnologias da informação ao longo do tempo. O artigo traz ainda uma reflexão sobre
como a internet revolucionou as mais diversas áreas, dentre elas o trabalho, a sociedade e a
educação. Os alunos estão a todo o momento utilizando esses recursos, são os chamados
Nativos Digitais. Ao utilizar as Novas Tecnologias, os professores podem tornar as aulas mais
atraentes e criativas. Desta forma, o objetivo da pesquisa foi apresentar uma reflexão
teórica sobre a evolução das tecnologias da informação e comunicação ao longo dos anos
ate os dias atuais e analisar a opinião de um grupo de professores a respeito do uso destes
recursos na sala de aula. Os dados empíricos foram obtidos através de um questionário
aplicado a professores que atuam com diferentes disciplinas do Ensino Fundamental
(segundo segmento).
Palavras-chave: Novas Tecnologias. Educação. Professores. Sala de aula.

INTRODUÇÃO
Desde a pré-história o homem passou por diversas fases: No inicio, o medo era
atribuído ao desconhecido, dando lugar a posteriori ao mito. Depois o homem passou a fase
da ciência, que perdura ate hoje. Vivemos em um mundo onde para que algo seja concebido
como verdade, deve ser testado e comprovado cientificamente.
A evolução dos meios de comunicação começou na era Gutenberg, com a impressão
em chapa de duzentas bíblias e posteriormente a invenção do livro, jornal, rádio, televisão e
o computador. Na década de 90, a internet revolucionou a era da informatização e
comunicação. As pessoas podiam conversar a longas distâncias como se estivessem perto, o
que tornou o mundo uma espécie de aldeia, conceito proposto por McLuhan como “aldeias
globais”. A internet fez surgir as Redes sociais, o ciberespaço, e revolucionou diversas áreas
dentre elas a sociedade de uma forma em geral, o trabalho e a educação.

354
Neste segmento, é importante salientar que, os alunos hoje, já nascem inseridos em
uma cultura de comunicação em rede e de utilização das tecnologias. A escola, como um
ambiente sistematizado de educação e como um espaço onde ocorrem importantes trocas
de experiências deve se atualizar na incorporação das Novas tecnologias.
Porém, a implementação destes recursos deve ocorrer na escola juntamente com um
processo de mudança de postura. A inserção das novas tecnologias no ambiente escolar não
deve ocorrer somente com o objetivo de “modernização” das escolas, mas sim com um
objetivo definido e bem delimitado.
Neste contexto é objetivo desta pesquisa apresentar uma reflexão teórica sobre a
evolução dos meios de comunicação e da própria comunicação humana ao longo dos anos
ate os dias de hoje. É objetivo ainda, analisar a opinião de um grupo de professores a
respeito do uso e relevância das novas tecnologias na sala de aula, e analisar se as escolas
apresentam um ambiente propício para a inserção dessas novas tecnologias.

A EVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO


Antes de falarmos sobre a evolução dos meios de comunicação, faz-se necessário o
entendimento do que venha a ser as TICs (Novas Tecnologias da Informação e comunicação).
As TICs podem ser definidas, segundo Ramos (2008) como:

os procedimentos, métodos e equipamentos para processar informação e


comunicar que surgiram no contexto da Revolução Informática, Revolução
Telemática ou Terceira Revolução Industrial, desenvolvidos gradualmente
desde a segunda metade da década de 1970 e, principalmente, nos anos 90
do mesmo século (RAMOS 2008, p. 5).

Uma rápida mudança em relação as TICs vem ocorrendo de modo significativo em


nossa sociedade. Prova disso, são os avanços dos meios de comunicação que são de vital
importância para a evolução dos indivíduos e sua organização na sociedade. Começaremos
este tópico com um breve histórico da evolução humana desde o surgimento dos primeiros
hominídeos até os dias atuais.

A EVOLUÇÃO HUMANA

355
A evolução humana, ao longo de seu percurso é marcada por uma evolução da
inteligência da espécie (Kauark, et al. 2010, p.10). Podemos destacar que para falar de tal
evolução, faz-se necessário relatar sobre três fases distintas em relação ao homem e a
natureza: A fase do medo, a do misticismo e a da ciência.
Os seres humanos primitivos, não conseguiam entender os fenômenos da natureza,
como as tempestades, os raios e trovões. Por esse motivo, suas relações justificavam-se pelo
medo, por sentimento de impotência diante do desconhecido.
Em um segundo momento, o homem passou a atribuir os fenômenos da natureza ao
mágico, as crenças através do mito. Segundo Kauark, et al. 2010, p. 10, o homem nesta
época passa a tentar explicações para os fenômenos a partir de pensamentos abstratos e
associativos, elaborando a magia, as crenças e superstições. Apesar de tais ideias não
surtirem efeitos imediatos, elas serviram de base para a próxima fase, pois o homem passa a
ter um pensamento especulativo, a partir do momento em que começa a propor relações de
associação simbólica a situações de seu cotidiano.
Desta forma, quanto mais pensante o homem se tornava, mais insatisfeito ele ficava
com as explicações místicas e supersticiosas ate então por ele propostas. Agora, ele passava
buscar explicações plausíveis para seus anseios e inquietações.
A técnica e a tecnologia, que se aplicava a capacidade de aprender a trabalhar com
bens naturais os transformando em bens úteis é uma técnica que não se faz exclusiva
somente na história dos seres humanos. Outros animais também o fazem. Com efeito, os
seres humanos têm como capacidade a evolução do pensamento. Esta sim, os difere dos
outros animais.
Com essa evolução do pensamento do homem, do medo ao mágico e metafórico,
surge a ciência, com base na metodologia e pautada na acumulação de conhecimentos
sistemáticos (kauark et al. 2010, p.18). Desde então a ciência nunca mais parou seu processo
de evolução, vez que nos dias de hoje chegamos ao ponto de se afirmar que somente é
verdade aquilo que pode ser comprovado cientificamente com base em teorias propostas e
consequente comprovações.

356
A EVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO HUMANA
O homem é um ser eminentemente social, pois suas relações estão sempre ligando a
uma comunidade ou a um grupo de pessoas. Desta forma, o saber de um indivíduo e
transmitido por suas relações sócias. A evolução humana está atrelada à necessidade de
expressão do homem. Como primeiros indícios desta necessidade, de expressar seus
sentimentos, suas ideias, seu dia a dia e suas paixões, surgem as pinturas rupestres nas
paredes das cavernas.
As pinturas rupestres eram uma forma de comunicação e de linguagem do homem
primitivo. O conceito de linguagem aplica-se a forma com a qual cada indivíduo se
manifesta. Para atender às suas necessidades de comunicação, os primeiros hominídeos
passaram a se valer de gestos e grunhidos. Jean Jacques Rousseau discorre em seu ensaio
sobre a origem das línguas (1712-1778), que as primeiras linguagens eram expressas tanto
pelos gestos como pelo uso da voz.
Segundo este filósofo, a linguagem aproximou a espécie humana que encontrava-se
dispersa pela terra. Rousseau supôs que a linguagem humana teria evoluído pouco a pouco,
gradualmente a partir da necessidade de exprimir o que sentia com formas mais complexas
e abstratas. Neste contexto, a primeira linguagem do homem foi o "grito da natureza", que
era usado para pedir socorro no perigo ou ao aliviar-se de dores violentas.
Porém há de se salientar que os homens primitivos, antes do desenvolvimento da
linguagem verbal já entendiam o mundo ao seu redor. Todavia segundo Rousseau:

A linguagem propriamente dita só teria começado quando as ideias dos


homens começaram a estender-se e a multiplicar-se, e se estabeleceu entre
eles uma comunicação mais íntima, procuraram sinais mais numerosos e
uma língua mais extensa; multiplicaram as inflexões de voz e juntaram-lhes
gestos que, por sua natureza, são mais expressivos e cujo sentido depende
menos de uma determinação anterior (ROUSSEAU, 1989, p. 35).

Assim, com o surgimento desta nova etapa na comunicação, a da linguagem oral, a


transmissão de conhecimentos e experiências pode ser passada de geração a geração. Nesta
fase, pode-se destacar a existência de grandes sábios, aqueles que eram os principais
responsáveis por repassar o conhecimento por meio da tradição oral.

357
Entretanto, essa transmissão por muitos momentos era comprometida, vez que não
existiam nenhum registro a não ser os recursos orais. Dos grafos e pinturas rupestres, o
homem passou para gestos e grunhidos como forma de comunicação e aos primeiros
registros escritos.
Conforme preconiza Paiva (2008), os primeiros registros escritos ocorreram em
folhas de papiro, dispostas em rolos chamados volumen. Foi com Júlio Cesar, imperador de
Roma, no último século a.C., que o rolo cedeu espaço às folhas de papiro dobradas surgindo,
assim, o códex, cujo formato é parecido com o que temos hoje dos livros tradicionais.
A partir da escrita, ao longo do tempo os meios de comunicação e informação foram
evoluindo gradualmente, e agora as memórias não seriam mais apagadas, mas, ficariam
gravadas através de registros escritos.

BREVE HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DAS TICs


Os manuscritos apesar de terem sido uma alavanca para o processo de evolução dos
meios de comunicação e informação, eram muito grandes, pesados e difíceis de manusear.
No século XV, segundo kauark, et al. 2010 p.12, o homem propôs a popularização dessa
técnica, com o impulso da imprensa de Johannes Gutemberg, que imprimiu em 1455,
duzentas Bíblias tipograficamente. Essa foi a primeira grande revolução tecnológica da
cultura humana. Porém, nessa época só detinham nas mãos esses manuscritos, os conventos
e bibliotecas, ficando o seu acesso restrito ao povo.
Na Europa no século XV, ocorre a criação do livro móvel e de apropriação e uso
pessoas comuns, o que causou uma explosão no mundo intelectual, religioso e político
(Kauark, 2010, p.14). Devido a sua rápida difusão, o livro já não atendia mais as
necessidades e interesses culturais das populações, pois naquela ocasião aconteceria um
rápido amadurecimento das sociedades. Desta forma surge a ideia do jornal que levava
noticias diárias as pessoas.
Esses registros, a escrita, permitiram a comunicação a Longas distâncias ou ainda que
já haviam falecido. Segundo Lévy, 2000:
A escrita abriu um espaço de comunicação desconhecido pelas sociedades
orais, no qual tornava-se possível tomar conhecimento das mensagens
produzidas por pessoas que encontravam-se a milhares de quilômetros, ou

358
mortas há séculos, ou então que se expressavam apesar de grandes
diferenças culturais ou sociais (Lévy, 2000, p. 114).

Outra grande invenção tecnológica foram os telégrafos que, segundo Souza, 2003
facilitou um avanço no mundo das comunicações, permitindo assim , a comercialização de
notícias para os jornais e leitores. O telefone, outra inovação tecnológica, surgiu na década
de 20. O rádio, que surgiu entre as décadas de 30 e 40, foi uma das grandes revoluções
ocorridas na comunicação de massa. Segundo o referido autor, esta nova forma de mídia
permitiu quebrar alguns paradigmas, passando a ser uma mídia alternativa ao jornal e ao
papel impresso em geral.
A Televisão foi inventada em 1926 por John Baird, mas só chegou ao Brasil em 1950.
A princípio era um artigo de luxo cujo acesso ficava limitado aos ricos, mas aos poucos foi se
infiltrando em todas as classes e hoje está em quase todos os lares (Paiva, 2008, p.7).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERNET


A internet se caracteriza como um recurso de importante aceitação e aquisição da
era contemporânea. Através dela, hoje as pessoas transpassam por barreiras de distâncias,
participam de comunidades e conversam a milhões de quilômetros como se estivessem
perto. De acordo com Ferrari (2008), “O poder de transformação causado pelo uso do e-mail
também pode ser colocado como um dos grandes avanços da internet até o final do século
XX”.
McLuhan, já previa essa interação entre povos. Em A galáxia de Gutenberg (1962), o
filósofo elaborou a teoria de “aldeia global”, propondo um mundo que seria alimentado
pelas redes elétricas, onde as pessoas poderiam se comunicar do mundo todo como se
estivessem em uma espécie de aldeia, muito próximas umas das outras. Essa previsão veio a
se confirmar com o advento da internet, nos anos de 1990.
A internet teve origem na Arpanet, nos Estados Unidos, a princípio para estimular a
pesquisa. Conforme discorre Silva (2011):

A Internet teve origem na Arpanet, rede de computadores montada pela


Advanced Research Projects Agency (ARPA), em 1969. Formada em 1958
pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, a ARPA tinha como
missão, mobilizar recursos de pesquisa no meio universitário, buscando
359
superioridade tecnológica militar em relação à União Soviética. Um dos
seus departamentos, o Information Processing Techniques Office (IPTO),
fundado em 1962 com o objetivo de estimular a pesquisa em computação
interativa, criou a Arpanet, um pequeno programa montado de maneira a
permitir o compartilhamento de tempo de computação on-line aos vários
centros de computadores e grupos de pesquisa (SILVA, 2011, p.38).

Desta forma, cada vez mais um número maior de pessoas vem aderindo a internet
como uma rede, onde lhes são possibilitadas várias atividade como os estudos, pesquisas,
relacionamentos interpessoais... A internet foi uma revolução nos mais diversos âmbitos,
seja nas relações de trabalho, sociedade e na educação. Essas relações interpessoais que
ocorrem na internet, se intensificam a cada ano que se passa. Surgem então o conceito de
ciberespaço, em que essas redes não são somente de computadores, mas também de
pessoas e informações. Sobre o ciberespaço, Lévy o define como:

O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de


comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O
termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação
digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga,
assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.
Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999, p.17).

Hoje, a internet é um recurso pode ser utilizado nas salas de aula, como aliados de
professores e alunos no processo de ensino aprendizagem. Porém, há de se salientar que
nem sempre o uso da internet na sala de aula é sinônimo de utilização eficaz desse recurso
tecnológico. Conforme previa Moran:

A Internet será ótima para professores inquietos, atentos a novidades, que


desejam atualizar-se, comunicar-se mais. Mas ela será um tormento para o
professor que se acostumou a dar aula sempre da mesma forma, que fala o
tempo todo na aula, que impõe um único tipo de avaliação. Esse professor
provavelmente achará a Internet muito complicada há demasiada
informação disponível ou, talvez pior, irá procurar roteiros de aula prontos
e já existem muitos e os copiará literalmente, para aplicá-los
mecanicamente na sala de aula (Moran, 2000, p.20).

360
AS REDES SOCIAIS DIGITAIS
O advento da internet trouxe para a sociedade diversas mudanças características
desse novo recurso. A partir dela, surgiram expressões como comunidades Virtuais, Redes
sociais digitais, sociedade em rede, tribos urbanas. O surgimentos destas e outras
expressões, modificaram de forma grandiosa com a forma em que nos relacionamos com o
outro através da internet.
Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas,
instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)
(Wasserman e Faust, 1994; Degenne e Forse, 1999 apud Raquel Recuero)
Raquel Recuero, 2008, atenta para o que seriam os atores e suas conexões. Segundo
a autora, os atores seriam o primeiro elemento da rede social, representado pelos nós.
Trata-se de pessoas envolvidas na rede em que se analisa, que pode ser representado por
um fotolog, weblog, twiter ou perfil do orkut. E o segundo elemento seriam as conexões. Em
termos gerais, as conexões em uma rede social:

são constituídas dos laços sociais, que, por sua vez, são formados através da
interação social entre os atores. De um certo modo, são as conexões o
principal foco do estudo das redes sociais, pois é sua variação que altera as
estruturas desses grupos (RECUERO, 2008, p. 30).

Apesar de um dos principais objetivos da rede ser sua acessibilidade, por ser uma
ligação social e de interesses em comum a conexão fundamental entre as pessoas se dá
através da identidade. As redes sociais, segundo Marteleto (2001, p.72) representam “[...]
um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e
interesses compartilhados”.
Sendo assim, as interações sociais que movimentam as redes, são de ordem,
econômicas, de trabalho, relações sociais etc., que, acabam por facilitar o compartilhamento
de informação e de conhecimento. O público alvo de cada rede depende dos interesses que
movimentam suas interações, isto por integrarem atores que estejam envolvidos com uma
temática específica, seja ela relações de trabalho, entretenimento, relações pessoais, dentre
outras.

361
AS NOVAS TECNOLOGIAS COMO FERRAMENTAS NA EDUCAÇÃO
A escola se configura como um espaço complexo onde ocorre formalmente a
educação de uma sociedade. Dentre os inúmeros atores envolvidos na escola e no processo
de ensino aprendizagem, destacamos dois: o professor e o aluno. O primeiro, por muito
tempo foi tido como o detentor do saber absoluto, e que “transmitia” esse conhecimento
aos alunos. Hoje o professor é tido como o mediador desse processo de ensino
aprendizagem.
No mundo globalizado ao qual estamos inseridos, objetos como computadores,
televisão, telefax, celular e outros permitem conhecer novos horizontes, conhecer culturas e
línguas, mercados e regimes de governo; permitem modificar signos e realidades que nos
são apresentadas (IANNI, 2001). Desta forma, é de vital importância que os sistemas
educacionais se envolvam com essas tecnologias de forma a criar novas formas de se
ensinar.
Vivemos em uma era, em que os alunos já nascem inseridos no mundo das novas
tecnologias. São os “nativos digitais” termo proposto pelo educador nova-iorquino Marc
Prensky, especialista em tecnologia e educação, que publicou seu mais famoso artigo
“Digital natives, digital immigrants” em 2001. Neste artigo, Marc define como nativos
digitais, aqueles indivíduos que nasceram após a potencialização das Novas Tecnologias da
informação e comunicação (NTICs) e que não conseguem imaginar sua vida sem elas, e
imigrantes digitais, aqueles indivíduos que nasceram antes da potencialização das NTCIs e da
internet, na época em que as pesquisas eram feitas em bibliotecas, nas famosas Barsas sem
a utilização de recursos tecnológicos.
A maioria dos professores se enquadra no quadro de imigrantes digitais, e em
contrapartida seus alunos no de nativos digitais. Desta forma, faz-se necessário e de grande
importância que educadores se valham desses novos recursos tecnológicos em suas aulas, a
fim de torna-las mais interessante a seu público alvo.
Seguindo o mesmo raciocínio e ressaltando essa ideia, Moran (2000) considera “(...)
importante diversificar as formas de dar aula, de realizar atividades, de avaliar”, afirmando:

Haverá uma integração maior das tecnologias e das metodologias de


trabalhar com o oral, a escrita e o audiovisual. Não precisaremos
abandonar as formas já conhecidas pelas tecnologias telemáticas, só
362
porque estão na moda. Integraremos as tecnologias novas e as já
conhecidas. As utilizaremos como mediação facilitadora do processo de
ensinar e aprender participativamente (MORAN, 2000, p. 137-144).

Porém, como afirma o próprio Moran (2007), “O domínio pedagógico das tecnologias
na escola é complexo e demorado. (...) Há um tempo grande entre conhecer, utilizar e
modificar processos” (MORAN, 2007, p. 90).
E ainda essa aproximação das TICs ao meio escolar, na visão de Alava (2002a, 2002b),
está articulada a uma mudança de postura do educador frente ao aluno e ao conhecimento.
Neste contexto, a incorporação dessas TICs nas escolas não deve ocorrer somente para
transformá-las em um espaço modernizado. Ela deve ocorrer seguida de mudanças de
posturas, ou senão esse esforço será inútil.
Desta forma ficam as seguintes questões: Estariam os professores preparados para o
uso das Novas Tecnologias tão presentes em nosso cotidiano na sala de aula? As escolas
estariam oferecendo os recursos necessários para essa adesão por parte dos professores?
Seria preciso, que os cursos de formação de professores ou de formação continuada
levassem em consideração as novas tecnologias e a sua utilização como questões a serem
abordadas?

UMA ANÁLISE DO USO E RELEVÂNCIA DAS NOVAS TECNOLOGIAS: UM RECORTE


UTILIZANDO A OPINIÃO DE ALGUNS PROFESSORES DE BOM JESUS DO ITABAPOANA- RJ
Diante do que acima foi discutido, sobre a importância e a relevância que as novas
tecnologias representam para a sociedade como um todo, neste tópico serão abordadas as
opiniões de professores sobre o seu uso na sala de aula. Para isso, foi aplicado um
questionário a 14 professores, escolhidos aleatoriamente, que trabalham em uma escola
Pública estadual situada em Bom Jesus do Itabapoana- RJ. O perfil dos entrevistados foi:
Biol. Ciên. En. Rel. Geo. Hist. Infor. Inglês Ling. Port. Mat. Quím.

1 2 1 1 1 1 2 2 2 1

Tabela 1: Disciplinas que lecionam os professores entrevistados

363
Como pode ser observado, responderam ao questionário professores de Ciências,
Inglês, Língua Portuguesa e matemática, em maioria, seguidos de professores de biologia,
ensino religioso, geografia, história, informática e química.
A faixa etária dos professores entrevistados varia de 20 a 59 anos sendo assim
distribuída:
20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 a 59 anos

4 3 6 1

Tabela 2: Faixa etária dos professores entrevistados

Quanto ao tempo de atuação no magistério, percebe-se que a maioria dos


professores entrevistados possui um tempo maior de atuação.
0 a 4 anos 5 a 10 anos 11 a 14 anos Acima de 14 anos

2 3 3 6

Tabela 3: Tempo de atuação dos professores entrevistados

Quando perguntados se a escola em que trabalham oferece recursos tecnológicos


para se trabalhar com as novas tecnologias na sala de aula, todos os professores
responderam que sim, oferecem recursos como data show, som mp3, computadores.
Porém, a maioria se queixou de serem esses recursos em números muito reduzidos,
deixando muitas vezes a desejar. Para a sua utilização, há de se agendar com antecedência.
Quanto à lousa digital, a escola só possui uma que ainda não esta em funcionamento. Essa
foi outra queixa dos professores, além da falta de internet wireless.
Todos os professores, responderam utilizar algum recurso tecnológico em suas aulas.
A maioria deles, doze, afirmou utilizar os recursos da escola, e dois deles disseram levar os
seus próprios.
Apesar de todos terem respondido utilizar as novas tecnologias, quando perguntados
se “Você se considera preparado para o uso das novas tecnologias na sala de aula”, três
professores responderam que sim, dois responderam que não e nove responderam que sim,
porém com ressalva. Entre essas ressalvas os professores disseram que sentem dificuldades
em manusear os equipamentos, como ligar o data show, computadores, fazer uso de redes
364
como plataformas e utilizar a internet. Esses dados comprovam a famosa afirmação sobre os
“imigrantes digitais”, pois estes professores tiveram que ser inseridos dentro deste contexto,
e muitas vezes sentem necessidade de se inserir neste contexto.
Na verdade, acreditamos que as novas tecnologias podem ser sim uma aliada no
processo de ensino aprendizagem e na sala de aula. Porém o professor é a peça chave e
fundamental nessa mediação. Desta forma, acreditamos que cursos e treinamentos nas
escolas poderiam contribuir de forma positiva na inserção das novas tecnologias de fato no
ambiente escolar. Sobre esta vertente, Demo (2008) vem dizer que:

Temos que cuidar do professor, porque todas essas mudanças só entram


bem na escola se entrarem pelo professor, ele é a figura fundamental. Não
há como substituir o professor. Ele é a tecnologia das tecnologias, e deve se
portar como tal (DEMO, 2008, p.134).

Outro autor que discorre sobre a importância de treinamentos entre professores é


Perrenaud (1999) ao afirmar que a formação continuada auxilia o professor no seu
desenvolvimento profissional fazendo-o adquirir reflexão crítica, permitindo avaliar a
qualidade de seu ensino.
Outro questionamento que fizemos, foi sobre a opinião dos professores sobre o uso
dos celulares pelos alunos na sala de aula. As respostas foram as seguintes:
Sim- Dois professores
“Proibir o celular é caminhar contra o avanço Tecnológico”.
“O celular pode ser um aliado nas pesquisas”
Não- 12 professores
“Muitos utilizam para outros fins como bate papo, jogos”.
“Atrapalha o andamento das aulas”
“Os alunos filmam as aulas, tiram fotos e lançam na rede”.
“Desvia a atenção nas atividades”.
Esta é uma questão que levanta diferentes tipos de argumentos e opiniões. Em nossa
opinião, o celular pode ser um aliado sim, porém desde que seja utilizado com um
planejamento prévio e para os devidos fins. O problema é que nem sempre isso acontece e
os alunos, muitas vezes utilizam o celular para outros fins como bate papos, redes sociais,
jogos, dentre outros entretenimentos que não tem nada haver com a aula. O estado do Rio
365
de Janeiro criou uma lei, que proíbe o uso dos celulares nas salas de aula. Esta lei diverge
muito as opiniões, porém é preciso pensar em uma forma para que este recurso tecnológico
que é tão presente na vida de nossos alunos seja utilizado para fins didáticos.
E por fim, perguntamos aos professores “se em sua opinião o uso das novas
tecnologias na sala de aula contribuem para uma aprendizagem mais significativa na sala de
aula“ e obtivemos os seguintes resultados:
Sim- Doze professores
“São formas diferentes de atrair a atenção dos alunos e motivá-los”.
“Se utilizados com consciência, podem ser grandes aliadas no processo de ensino-
aprendizagem”.
“ Pois está no cotidiano dos alunos”.
“Somos uma sociedade tecnológica”.
“A aula se torna mais dinâmica e atrativa”.
Não- Dois professores
“No momento não, pois os alunos precisam estar preparados para receber esta nova
tecnologia”.
Desta maneira, observamos que a maioria dos professores utilizam as novas
tecnologias em suas aulas e sabem utilizá-las, porém com ressalva. Observamos ainda que os
professores entrevistados acham extremamente importante o uso das novas tecnologias na
sala de aula.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com bases nos estudos teóricos e na pesquisa realizada podemos concluir que as
tecnologias da informação e comunicação (TICs) se fazem presente em várias esferas seja
elas na sociedade, no trabalho e na educação.
No campo educacional, nossos alunos, os nativos digitais estão inseridos neste
contexto, pois isto faz parte de seu cotidiano.
Os professores analisados consideram de grande importância e relevância o uso das
Novas Tecnologias na sala de aula, porém, muitos deles não se consideram preparados para
utilizá-las. Sugerimos, desta maneira, que a formação continuada e cursos de

366
aperfeiçoamento podem ser grandes aliados para diminuir essa barreira entre as Novas
Tecnologias, professor e aluno.
E por fim, concluímos que, com um planejamento prévio, as novas tecnologias na sala
de aula podem ser uma grande aliada na prática docente na educação contemporânea, pois
estes recursos estão inseridos diretamente no cotidiano destes alunos.

REFERÊNCIAS
ALAVA, S. Os paradoxos de um debate. In: ALAVA, S. (Org.). Ciberespaço e formações
abertas: rumo a novas práticas educacionais? Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre, RS:
Artmed, 2002(a), p. 13-21.
ALAVA, S. Ciberespaço e práticas de formação: das ilusões aos usos dos professores. In:
ALAVA, S. (Org.). Ciberespaço e formações abertas: rumo a novas práticaseducacionais?
Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre, RS: Artmed, 2002(b). p. 53-70.
DEMO, Pedro. Pedro Demo aborda os desafios da linguagem no século XXI. In:
Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC: guia do cursista / Maria
Umbelina Caiafa Salgado, Ana Lúcia Amaral. Brasília: Ministério da Educação, Secretária de
Educação à Distância; 2008. Cap. 4, p. 139.
FERRARI, Pollyana: Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2008.
IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
KAUARK, Fabiana; MANHÃES, Fernanda castro; SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de -
Metodologia da Pesquisa- um guia prático. Itabuna: Via Litterarum, 2010.
LÉVY, Pierre Levy. Cibercultura. 2ª edição. São Paulo: Editora 34, 2000, 4ª reimpressão,
2003.
MARTELETO, Regina Maria. Análise de redes sociais: aplicação nos estudos de
transferência da informação. Ciência da Informação. Brasília, v. 30, n. 1, p. 71-81, jan./abr.
2001.
MORAN, José Manoel. Informática na Educação: Teoria & Prática. Porto Alegre: UFRGS.
Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, 2000, pág.137-144.
MORAN, José Manuel. Mudanças na comunicação pessoal. São Paulo: Paulinas, 2. ed.
2000.

367
MORAN, José Manuel. A educação que desejamos novos desafios e como chegar lá.
Campinas: Papirus, 2007.
PAIVA, Vera Lúcia Menezes de Oliveira. O Uso da Tecnologia no Ensino de Línguas
Estrangeira: breve retrospectiva histórica. Disponível em
www.veramenezes.com/techist.pdf> acesso em 2 de agosto de 2008.
PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes
Médica, 1999.
PRENSKY, Marc. Nativos Digitais, Imigrantes Digitais. De On the Horizon (NCB University
Press, Vol. 9 No. 5, Outubro 2001). Tradução do artigo "Digital natives, digital immigrants",
cedida por Roberta de Moraes Jesus de Souza: professora, tradutora e mestranda em
educação pela UCG.
RAMOS, Sergio. Tecnologias da Informação e Comunicação- conceitos básicos. 2008.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2008. (Coleção
Cibercultura).
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens. São Paulo: Ática, 1989.
SILVA, Carla Cardoso. Informação em excesso: a normose e a percepção dos nativos e
imigrantes digitais no twitter. UENF, 2011
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias.
Campos dos Goytacazes, RJ. Editora FAFIC, 2003.

368
TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTA PARCERIA

Arilene Moreira Alves


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro- UENF

Leila Alves Vargas


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro- UENF

Maria Eugênia Totti


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro- UENF

RESUMO: Os avanços tecnológicos têm contato direto com a sociedade moderna. O mundo
inteiro se conecta em questão de segundos. Partindo desse foco, este artigo tem a
finalidade de refletir sobre a parceria das novas tecnologias com a educação - Formação
Humana, Valores e Conhecimento. Não podemos mais, pensar em formar nossos educandos,
sem nos conectarmos a essa rede, a fazer parte desse mundo. Para fazermos essa reflexão,
também serão abordados dois temas: a) Tecnologia e a Formação Humana, b) Conexão
Tecnológica e Construção do Conhecimento. Nesse contexto, findamos, reconhecendo e
afirmando o potencial emancipador da escola e de seu fazer pedagógico, como mediadora
de apropriação de conhecimentos e saberes ligados a tecnologia na formação do ser
humano, integrando comunicação, leitura de mundo e aprendizagem.
Palavras-chave: Tecnologia. Educação. Formação humana. Conhecimento.

INTRODUÇÃO
Na sociedade atual cada vez mais faz-se necessário estar em contato com o mundo
tecnológico. O crescente avanço das tecnologias de informação e comunicação tem
influência direta nos setores econômicos, políticos, sociais e no âmbito educacional não têm
sido diferente. A rápida disseminação das novas tecnologias tem motivado professores a um
maior conhecimento e apropriação destes recursos, bem como sua utilização na sala de
aula.
Fazer uso de recursos tecnológicos na educação contém um olhar multifacetado de
mundo e suas interações. Em outras situações, a invasão tecnológica, chega ser considerada
como uma expansão de mobilidade, ampliando e potencializando relações dos seres
humanos, onde muitos, não se concebem, sem o contato com as redes sociais. Possibilitar a
relação entre Tecnologia/Ética/Conhecimento transformam-se em desbravar caminhos a
serem trilhados na atualidade pela Educação, que é sempre desafiada a se adaptar as
transformações pelas quais a sociedade é submetida. Porém, essa mesma educação, precisa
369
parar de encarar esse momento, como obstáculo, para fazer alianças e parcerias a fim de
obter avanços, alcançar metas e verdadeiramente formar educandos para interagir com esse
modelo de sociedade atual.
Porém, nem sempre isso acontece. Partindo dessa compreensão, esta pesquisa tem
como objetivo discutir aspectos relacionados às tecnologias e a educação bem como esta
parceria, como fonte de transformações relevantes e consideráveis no processo de ensino
aprendizagem, em especial a educação a distância. A partir de nossas experiências como
professores, sentimos a necessidade de discutir sobre que influências e quais consequências
esses recursos se traduzem nos processos de formação humana e no estabelecimento de
valores, pois, lançar mão do uso da tecnologia de informação e comunicação (TIC) na
educação, é transitar no mundo globalizado, que requer habilidades múltiplas em sua
interação. Para isso, faremos algumas considerações sobre esta parceria.

BREVE HISTÓRICO DAS EVOLUÇÕES DO HOMEM, DA COMUNICAÇÃO E DA INFORMAÇÃO


Antes de falarmos sobre a evolução do homem e das formas de comunicação da
sociedade ao longo do tempo, é de grande relevância o entendimento do que venha a ser
as TICs (Novas Tecnologias da Informação e comunicação). As TICs podem ser definidas,
segundo Ramos (2008) como:

os procedimentos, métodos e equipamentos para processar informação e


comunicar que surgiram no contexto da Revolução Informática, Revolução
Telemática ou Terceira Revolução Industrial, desenvolvidos gradualmente
desde a segunda metade da década de 1970 e, principalmente, nos anos 90
do mesmo século (Ramos 2008, p. 5).

Como foi citado neste trabalho, a influências das tecnologias, em especial da


informação e comunicação vem causando um impacto e mudanças nos diversos âmbitos da
sociedade seja ele político, social, cultural ou educacional. Neste contexto, Falavigna (2011)
declara que:
As TIC’s foram sendo encaradas como os principais mecanismos de
aceleração da vida globalizada e frenética na qual estamos imersos, é
também uma das grandes esperanças de liberar energias e processos
criativos, de criar e compartilhar conhecimentos, de enfrentar carências
educacionais, informacionais e culturais (FALAVIGNA, 2011, p.28).

370
Porém, na sociedade contemporânea com incessante crescimento, a concepção
sobre as TICs vem sofrendo constantes mudanças. Uma pequena amostra dessas mudanças
são os avanços dos meios de comunicação que são de vital importância para a evolução dos
indivíduos e sua organização na sociedade. Desta maneira, faremos um breve histórico da
evolução humana desde o surgimento dos primeiros hominídeos até os dias atuais.

DA EVOLUÇÃO DO HOMEM
A evolução humana ao longo do tempo é marcada pela evolução de seu modo de
agir, pensar e de sua inteligência. Podemos destacar que para falar de tal evolução, faz-se
necessário relatar sobre três fases distintas em relação ao homem e a natureza: A fase do
medo, a do misticismo e a da ciência.
Nos tempos primórdios, os seres humanos primitivos, não conseguiam entender os
fenômenos da natureza. Desta forma, suas relações baseavam-se no medo diante do
desconhecido. Esse sentimento diante do desconhecido, gerava uma certa impotência, por
não saber a origem nem o que eram esses fenômenos, como as tempestades, os raios,
trovões.
Posteriormente, o homem passou a justificar ao mágico, os fenômenos da natureza,
as crenças através do mito. Segundo Kauark, et al. 2010, p. 10, “o homem nesta época passa
a tentar explicações para os fenômenos a partir de pensamentos abstratos e associativos,
elaborando a magia, as crenças e superstições”. A partir desta fase, o homem já especulava
e tentava propor soluções para o “desconhecido” o até então “inexplicável”.
Todavia, quanto mais pensante este homem se tornava, mais insatisfeito ele ficava
com as explicações místicas, mágicas e supersticiosas que por eles mesmos eram propostas.
E agora, ele passava buscar explicações que justificassem de fato, suas teorias e
conspirações. E para isso, foram aprimorando cada vez mais as suas técnicas e as
tecnologias, aplicando-as em favor de seu próprio bem e uso, como transformar bens da
natureza em bens de seu próprio uso e consumo. E isso não se aplica somente a história da
humanidade, mas também a de outros animais. O que as difere é a capacidade de pensar
dos seres humanos.

371
Com essa evolução do pensamento do homem, do medo ao mágico e metafórico,
surge a ciência, com base na metodologia e pautada na acumulação de conhecimentos
sistemáticos (kauark et al. 2010, p.18). Desde então a ciência nunca mais parou seu processo
de evolução, vez que nos dias de hoje chegamos ao ponto de se afirmar que somente é
verdade aquilo que pode ser comprovado cientificamente com base em teorias propostas e
constantes processos de comprovações.
DA EVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO
Cerca de 90 mil anos atrás, os hominídeos não falavam. Fato que marcava a Era dos
Símbolos e Sinais. Para tanto, usavam-se de gestos, símbolos e sons que acabaram sendo
padronizados e passado para as gerações seguintes, de modo que se relacionavam no grupo.
Processos de assimilação, abstração e implantação mútua de gestos e ruídos até chegar a
fala foi bastante vagaroso. Já a Era da Fala, cerca de 35 a 40 mil anos atrás, foi um salto
evolutivo bastante significativo, no que diz respeito a comunicação mais complexa, bem
como, a contestação do que estava exposto. Em seguida, entra a Era da escrita que foi
antecedida pela necessidade do homem em registrar os acontecimentos, através das
pinturas rupestres.
A escrita consolidou-se num período um mais curto em relação aos outros que o
antecederam. Símbolos foram padronizados e fonetizados. O Homem inventou a escrita, que
era marcada em pedras, placas de argila, metais e também no papiro. Mais tarde, as
mensagens passaram a ser produzidas em séries através da tecnologia de impressão e a ser
reproduzida também em massa como foi o rádio e a televisão, telégrafos até chegar nos
modernos celulares

DA EVOLUÇÃO DAS TECNOLOGIAS


As tecnologias primitivas ou clássicas envolvem a descoberta do fogo, a invenção da
roda, a escrita, dentre outras. As tecnologias medievais englobam invenções como a prensa
móvel, tecnologias militares com a criação de armas ou as tecnologias das grandes
navegações que permitiram a expansão marítima. As invenções tecnológicas da Revolução
Industrial (século XVIII) provocaram profundas transformações no processo produtivo.

372
A partir do século XX, destacam-se as tecnologias de informação e comunicação através
da evolução das telecomunicações, utilização dos computadores, desenvolvimento da
internet e ainda, as tecnologias avançadas, que englobam a utilização de Energia Nuclear,
Nanotecnologia, Biotecnologia, etc. Atualmente, a alta tecnologia, ou seja, a tecnologia
mais avançada é conhecida como tecnologia de ponta.

TECNOLOGIA E A FORMAÇÃO HUMANA


As últimas décadas do século XX e início do século XXI, trás grandes exigências para
formação do ser humano, que precisa agir, reagir e interagir com uma sociedade globalizada,
que desenvolve e avança significativamente em múltiplas direções e focos. Fazer parte desse
contexto é mergulhar numa formação que deve basear-se numa integralidade humana,
capaz de relacionar-se com a capacidade de construção de conhecimento, mesmo que isso
esteja ou não, relacionado com suas experiências e vivências.
Contudo, estabelecer a relação entre tecnologia e formação humana, vai além de
saber fazer uso dos recursos que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)
oferecem, é também guiar-se pela construção de um conhecimento que precisa estar
pautada nos valores éticos dessa formação e relação com o outro e isso já foi sinalizado.
Segundo Japiassu, a educação deve sair da clausura e ir para além das paredes da escola.

Porque uma das coisas importantes que devemos esperar de nosso sistema
educativo é uma formação que não seja mais um enclausuramento
disciplinar e um adestramento no pensamento analítico, mas uma
capacitação do ser humano para a compreensão. Este fechamento em
categorias quase-estanques (estabelecidas há mais de século e meio)
impregna profundamente os organismos de pesquisa e o ensino superior,
condicionando e mediocrizando nossas mais brilhantes inteligências
(JAPIASSU, 2006, p. 38).

Então, com esse direcionamento, podemos notar que nos processos de formação
humana, é fundamental perceber que os caminhos se ramificam de acordo com as
intencionalidades incutidas a ela. Contudo, é fato que, no que diz respeito a construção do
conhecimento, este deve voltar-se para a prática emancipadora que pontencializa e
possibilita a transformação do ser em sua totalidade. Fazer parceria com a utilização da
tecnologia na educação e formação do ser humano é articular espaços e permissões de

373
apropriação do conhecimento assumidas em larga escala, localizar-se no mundo e
conquistar o mundo, dimensionando o saber e fazer, o contestar ou compartilhar, é
transmutar, idealizar, e enfim socializar esses saberes.
Já nos dizia Saviani (2003) que o ser humano trabalha para produzir sua existência.
Nesse contexto, o ser humano produz sua cultura que definirá efetivamente sua existência.
Então, pautar a apropriação dos processos tecnológicos na formação é também considerar a
necessidade nata de comunicação do ser humano com seu grupo social que é parte
fundamental do processo de evolução da humanidade. Inspirados nesse contexto, podemos
destacar nossa crença na educação, como espaço emancipador e de humanização, presentes
nos processos de formação humana, especialmente em conexão com as tecnologias
disponíveis e já inculturada na sociedade contemporânea.

O processo evolutivo do universo e a transcendentalidade da natureza


possibilitaram as inovações, reorganizações, absorção do aprendido,
técnicas se desenvolvem, crenças e mitos mudam, as sociedades arcaicas se
transformaram em cidades, nações e impérios (MORIN, 2002, p. 12).

Morin, ainda aponta o que ele mesmo denomina de “desafio da globalidade” (2001,
p. 14), das exigências que esse desafio tenciona do pensamento, quando acrescenta:

[...] quanto mais os problemas tornam-se multidimensionais, maior é a


incapacidade para pensar sua multidimensionalidade; quanto mais eles se
tornam planetários, menos são pensados enquanto tais. Incapaz de encarar
o contexto e o complexo planetário, a inteligência torna-se cega e
irresponsável (MORIN, 2001, p. 14).

METODOLOGIA
A partir da crescente utilização das Novas tecnologias, e da relação desta com o
ambiente escolar, foram levantados vários questionamentos, que nos levavam aos aspectos
positivos e negativos relacionados à relação entre as Novas tecnologias e a educação. Assim,
fomos instigados a buscar embasamento teórico, nas variadas referências, a fim de
estabelecermos uma estrutura mais alicerçada do nosso trabalho. Visto que, existe um
crescimento muito rápido do uso desses recursos e partindo do principio de estarem estes
inseridos diretamente no contexto de vida ou seja no cotidiano de nossos alunos.

374
RESULTADOS
Ao estudar o tema tecnologia e educação, constatamos que este encontra-se cada
vez mais enraizado no cotidiano do ser humano. Prova disso é quando buscamos estudos
dobre a evolução humana e da necessidade de se comunicar. Não aceitá-lo, significa
distanciar-se da realidade atual, é quase cortar a relação de comunicação com o mundo.
Ficou claro também, que a disseminação do acesso, bem como, a sedução pelo uso desses
recursos, tem ido de encontro com a sociedade em tempo recorde. Porém, nem sempre
encontramos escolas com projetos de incentivo a utilização das mesmas, estando por vezes
atreladas a metodologias tradicionais. Muitos professores ainda possuem uma certa
restrição quanto ao uso das tecnologias, por vários motivos distintos. Porém discorremos
que, o ambiente escolar deve estar preparado e utilizar das novas tecnologias, já que as
mesmas encontram-se inseridas no cotidiano dos alunos. Neste contexto, concluímos com a
reflexão de que os avanços tecnológicos auxiliam o fazer humano em uma realidade que não
se podem criar fugas, mas, sim tomar como parte integrante e parceira da educação, com
uma postura crítica, estratégica e ativa na sociedade. Assim, destacamos o papel social de
intervenção, nos vários setores que permeia e suas variadas linhas de atuação, não
perdendo o foco e direção.

CONCLUSÃO
Concluímos que as Tecnologias estão cada vez mais inseridas e modificando
significativamente diversos setores da sociedade como a cultura, a economia e a educação.
Constituir uma parceria entre Tecnologia e educação é afirmar uma soma de possibilidades e
dimensões para atuação, espaços que oportunizam a geração, a gestão, a transferência,
produção e a busca de saberes, mediando informações que desencadeiam ações efetivas na
formação humana. Findamos, reconhecendo e afirmando o potencial da escola como
mediadora de apropriação de conhecimentos e saberes ligados a tecnologia na formação do
ser humano, integrando comunicação, leitura de mundo e aprendizagem.

REFERÊNCIAS

375
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de
dezembro de 1996.
FALAVIGNA, Maurício Serrano. Inclusão Digital, vivências brasileiras. São Paulo: IPSO
Instituto de Projetos e Pesquisas Sociais e Tecnológicas, 2011. Disponível
em:<http://pt.scribd.com/doc/51924842/Mauricio-Falavigna-Inclusao
-Digital-Vivencias-Brasileiras-Web-Version>.Acesso em: 15 out. 2014
JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da Filosofia. Rio de Janeiro: Imago,
2006.
KAUARK, Fabiana; MANHÃES, Fernanda castro; SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de.
Metodologia da Pesquisa- um guia prático. Itabuna: Via Litterarum, 2010.
MORIN, Edgar. O método V: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002.
__________, A religação dos saberes: o desafio do Século XXI . Trad. Flávia Nascimento.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
RAMOS, Sergio. Tecnologias da Informação e Comunicação- conceitos básicos. 2008.
SAVIANI, D. O choque teórico da politecnia. In: Trabalho, Educação e Saúde, v. 01, nº 01.
Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2003.

376
A EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MODALIDADE À DISTÂNCIA NO BRASIL, NOS 13
PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XXI, COMO CONSEQUENCIA DA EXPANSÃO DAS TIC´S

Sérgio Elias Istoe


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Carolina Crespo Istoe


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo principal mostrar que, nestes primeiros
anos do século XXI ocorreu uma grande expansão da Educação Superior Brasileira na
modalidade à distância, tanto na iniciativa privada quanto no setor público. O documento
principal que será analisado neste trabalho será o último censo do INEP/MEC divulgado em
2013 no que tange à evolução do número de matrículas, num comparativo entre as
modalidades: presencial e a distância. Partimos em 2001 de 5.359 matrículas no EaD, no
setor público, correspondendo a 0,2% do total de matrículas nos dois setores (o setor
privado não tinha aluno matriculado), para 1.113.850 alunos, sendo 16,3% de matrículas no
ensino superior em 2012. Dois aspectos serão levados em consideração para esta análise: 1.
Os avanços das NTIC´s possibilitando a melhoria das ferramentas utilizadas para a
transmissão, acesso e na inserção de dados para as aulas; 2. Facilidade no acesso dos alunos
como parte do processo de democratização (sociabilização) da Educação Superior no Brasil,
tanto daqueles que apesar de estarem próximos dos grandes centros, onde o acesso às
instituições de Ensino Superior é mais facilitado, porém apresentam dificuldades nos
quesitos tempo ou disponibilidade de certos horários, como daqueles que desejam cursar
um curso superior, porém sem a disponibilidade da modalidade presencial em seu domicilio
ou região, tendo como única possibilidade o ensino superior na modalidade EaD.
Palavras-chave: Ensino à Distância. Expansão do Ensino Superior à Distância. Novas
Tecnologias da Informação e Comunicação.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar, que a grande evolução
do número de alunos matriculados na modalidade de ensino à distância (no senso do INEP
2012 tinha mais de um milhão de alunos) tem como causa a evolução das tecnologias de
informação e comunicação.
Para tanto, será feita uma revisão na literatura abordando a evolução das TIC´s. Os
objetivos deste trabalho será o de demonstrar que o ensino à distância ocorre aqui no Brasil
desde 1904, sendo executado por diversos veículos de comunicação, como correio, rádio e
televisão ministrando cursos mais voltados para as áreas técnicas, porém somente a partir

377
da evolução das tecnologias da informação e comunicação, utilizando a internet como meio
de ligação entre professor e aluno, é que houve a possibilidade de realização de cursos
superiores de graduação e graduação tecnológica. Em apenas 12 anos de implantação
desses cursos superiores à distância, chegamos em 2012 a um número de matriculados
superando a casa de um milhão e cem mil de alunos. Números esses totalmente
dependentes da evolução das tecnologias da informação e comunicação.

MÍDIA DE MASSA PARA TRANSMISSÃO DE INFORMAÇÕES: A CRIAÇÃO DO JORNAL


Séculos após a criação da escrita pelos sumérios, egípcios e chineses influenciando
todas as sociedades da época, pois agora aquilo que era transmitido pela oralidade (tradição
oral) passa a ser registrado, levando assim às gerações futuras os registros de fatos
históricos, não dependendo mais unicamente da memória humana, que por vezes é falha
(Neves 2007). O grande problema apontado por Souza (2003) é que os manuscritos eram
muito grandes, pesados e difíceis de manejar. Sem contar que eram caríssimos, pois sua
produção era toda artesanal, por copistas que estavam nos mosteiros e abadias medievais
(Neves 2007).
A revolução da informação até hoje, segundo Drucker (2002) irá evoluir de forma
semelhante às várias revoluções causadas pela criação de novas tecnologias, baseadas,
principalmente, nas que ocorreram nos últimos 500 anos, desde a revolução da imprensa
criada por Gutenberg no século 15, a qual dividiu a história antes e depois da escrita.
De acordo com Castells (1999) e Neves (2007) foram os chineses, cerca de 250 anos
antes de Gutenberg que, além de inventarem o papel, inventaram também a imprensa, só
que sem validação pelo do imperador, que era quem deveria aprovar ou não a nova
invenção. No caso da impressão, o imperador não quis quebrar o privilégio de uns poucos
que estavam satisfeitos com os artigos dos copistas.
Com a imprensa, os livros puderam ser produzidos de maneira mais rápida e barata,
causando uma revolução na cultura da época, pois a informação passou a ser acessível a
todos os que desejassem possuí-la. Como toda a inovação, a resistência também era grande
por parte daqueles que detinham os manuscritos em seu poder, pois queriam manter
restrito seu acesso ao povo.

378
Por volta do início do século XVII, surgiu o jornal, mídia impressa, que passou a
democratizar as informações até então restritas a uma privilegiada minoria. Era crescente o
interesse de popularizar a comunicação escrita, democratizando-a. Com sua periodicidade,
atualizações de notícias e conteúdo político e econômico, fizeram que o jornal atingisse
grandes proporções na sociedade (Souza, 2003).
Esse meio de comunicação nunca deixou de veicular entre os consumidores de
informação. De acordo com Neves (2007), o forte crescimento populacional tanto na Europa
como na América do Norte, demandava grande ansiedade por informações para operar em
ambientes de intenso período de inovação, como foi o século XIX, período da primeira e
segunda revolução industrial. Exatamente nesse período que surgiram os jornais diários, a
primeira grande mídia que atingia a massa. Os especialistas datam de 1860 a 1911 como a
era de ouro dos jornais. Pode-se comparar que os jornais cresceram como crescem, em
nossos dias, o mercado de computadores e o acesso à internet.

PARA ALÉM DA REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO: UMA VISÃO HOLÍSTICA DA EVOLUÇÃO DA


TECNOLOGIA - DA INVENÇÃO DA IMPRENSA E DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ATÉ NOSSOS
DIAS.
O impacto que causara a revolução da informação, quase que não tem precedentes
na história da humanidade a não ser a comparação com a primeira Revolução Industrial por
volta de 1820. Nas palavras de Drucker (2002, p.16): “Hoje quase todos acreditam que nada
na história econômica foi tão rápido ou teve impacto maior que a revolução da informação”.
A evolução da tecnologia na época da revolução industrial também teve um impacto muito
grande em todos os setores, agricultura, indústria, transportes e comunicações. Segundo
Drucker, 2002, mencionando a lei de Moore, afirmando que o preço do elemento básico da
revolução da informação, o microchip, cai 50% a cada dezoito meses, que, segundo ainda
este mesmo autor, compara-se ao que ocorreu com os tecidos, a principal mercadoria do
século XVIII e XIX, onde a produção aumentou cerca de 150 vezes e o preço de venda caiu
cerca de 90% num prazo de cerca de 50 anos.
A ferrovia, uma inovação sem precedentes, surgiu por volta de 1829 que mudou o mundo da
época, tornando as distâncias diminuídas, os horizontes foram ampliados, por causa de

379
maior facilidade no deslocamento das pessoas, isto é o que se chama de mobilidade real,
mudando para sempre a economia, a sociedade e a política. Nas palavras de Drucker, (2002,
p. 18) “Em cinco anos o mundo ocidental viu-se mergulhado na maior onde de prosperidade
da história – a onda das ferrovias”.
Neves, (2007) também corrobora com essa ideia onde chama a atenção onde o
objetivo primeiro das ferrovias era para o transporte de pessoas e não de carga, sendo este
utilizado inicialmente nos Estados Unidos cerca de 30 anos depois. Ainda segundo Drucker,
(2002), no Japão até os dias atuais, não se tem infraestrutura para transporte de
mercadorias, mas quase que exclusivamente o transporte de pessoas é o que prevalece. A
distância de 15 km foi percorrida, pela primeira vez, pela locomotiva nº 1 da Stockton &
Darlington Railway, que passou a realizar várias viagens no mesmo dia entre Stockton-on-
Tees e Darlington, na Inglaterra, com duração por volta de 65 minutos, atingindo a
velocidade de 39 km/h, com 450 passageiros.
A importância desta criação tecnológica e sua influência na sociedade da época, está
nas palavras de Drucker (2002) apud Fernand Braudel “...em sua última obra, Identidade da
França (1986), foi a ferrovia que tornou a França uma nação e uma cultura. Até então, ela
era um grande agregado de regiões autônomas, unidas apenas politicamente”.
Em 1839 era inaugurado o telégrafo na cidade de Londres, lingando as cidades de
Paddington e West Drayton. Aperfeiçoado fora por Samuel Morse, criando um código que
tornara a linguagem facilitada para a transmissão elétrica. Neves (2007) menciona que a
primeira transmissão feita por Morse foi em 1844, de Washington a Baltimore. Vinte e dois
anos após, em 1866 aconteceu à primeira transmissão transcontinental, ligando as Américas
e a Europa. Mais uma vez as distâncias foram vencidas, pois a informação se tornara mais
rápida, “diminuindo” as longas distâncias entre um ponto e outro tornando a comunicação
interativa e em tempo real, pois era bidirecional. Hillis (2004) aponta que a partir dai deu-se
início à separação entre transporte e comunicações, pois a tecnologia agora permitia mover-
se de um lugar para o outro não apenas com intervenção humana mínima, mas também
com maior velocidade que os objetos físicos. Nem homens, nem quaisquer tipos veículos
tinham tal velocidade na transmissão de mensagens, suplantada pelo uso do telégrafo.

380
A invenção do selo postal, criado na Inglaterra no século XIX também ajudou a realização do
processo de comunicação à longa distância. Também no mesmo século Alexander Graham
Bell em 1870 patenteou o telefone, instrumento que colocava em tempo real pessoas
separadas pela distância para se comunicarem entre si. Em 1880 cerca de 47.900 aparelhos
funcionavam nos Estados Unidos, apesar dos críticos acharem uma utopia colocar em cada
lar americano um aparelho telefônico como queria Graham Bell em 1870. Foram
transcorridos mais de 100 anos para que uma nova tecnologia de telefonia chegasse ao
mercado: a telefonia celular.
A União Internacional de Telecomunicações divulgou um retrato do setor de TICs no
planeta, calculando que há mais de 100 países com penetração da telefonia móvel superior a
100% – e em sete a densidade já ultrapassa os 200%. Nas contas da UIT, as receitas desse
setor superam US$ 1,5 trilhão por ano, ou 2,4% do PIB mundial. Há mais de 6 bilhões de
assinaturas de celular no mundo, mais da metade deles na região Ásia-Pacífico. A China é o
primeiro país a somar mais de 1 bilhão de clientes da telefonia. A Índia deve chegar lá em
breve. Das 6 bilhões de assinaturas móveis, 70% são pré-pagas, percentual que chega, em
média, a 87% em países em desenvolvimento. No ritmo atual, haverá mais celulares do que
pessoas no planeta no final de 2014. Segundo a UIT, 2,3 bilhões de pessoas estão online –
sendo registrado um crescimento de 100% em cinco anos. Mas dois terços da população
mundial, ou três quartos nos países em desenvolvimento, não usam a Internet. Há 1,1 bilhão
de conexões móveis – o dobro das conexões fixas. A banda larga mantém, há quatro anos,
um crescimento anual de 41%. Conexões fixas existem em cerca de 2/3 das residências no
mundo – ou cerca de 600 milhões.
Outro grande avanço experimentado ainda no século XIX e que mudou o mundo foi a
invenção por Hertz, cientista alemão, do rádio, permitindo a transmissão de sinais à
distância sem suporte de cabos e fios (Souza 2003). Com isto estava quebrada a hegemonia
que a imprensa escrita (jornal) tinha de transmitir informações, como veículo de massa
(Neves 2007). Já no século XX, no ano de 1926 deu-se a invenção da televisão, outro veículo
de transmissão para as massas. A primeira transmissão ocorreu na Inglaterra, na cidade de
Londres em 1936. Após a 2ª Guerra Mundial ocorreu um grande crescimento da produção
de aparelhos de televisão dos Estados Unidos para o mundo. A televisão tornou-se,

381
definitivamente, o grande veículo de comunicação em massa e grande fornecedor de
informações, mudando a cultura e a vida das pessoas no mundo inteir

O ADVENTO DA INTERNET
Segundo Castells (2000) a origem da internet ocorreu na década de 60, pelo
Departamento de defesa dos Estados Unidos, visando à proteção contra os soviéticos, do
seu sistema de comunicação, se ocorresse uma possível guerra nuclear.
A origem dos computadores está associada diretamente à indagação “as máquinas
podem pensar?” Talvez tenha sido o que gerou a motivação para a criação do primeiro
protótipo de computador nos anos de 1830 quando o inglês Charles Babbage criou a
Máquina Analítica de Matemática, cuja intenção era construir um aparelho inteligente,
capaz de simular o raciocínio humano. Cem anos após, surgiram os avanços tecnológicos
necessários para a criação do ECIAC, o primeiro computador a realizar múltiplas funções
buscando ser a resposta do inglês Alan Turing, que por toda a vida se debateu com a questão
sobre se a mente humana seria diferente de uma máquina determinística, formulando o
conceito de um aparelho capaz de “computar qualquer sequencia computável”. Muitos
outros contribuíram para a criação e o desenvolvimento dos computadores, como o alemãos
Konrad Zuse e o americano John Atanasoff, que criaram os primeiros computadores digitais.
A criação do ENIAC, pelo físico americano John Mauchly e sua equipe na década de 40,
financiado pelo governo americano com objetivos militares. Em 1968, Douglas Engelbart
compilou tudo o que sabia, adicionou o mouse e o teclado e exibiu o que seria o PC do
futuro. A microinformática surge na década de 70, com o estabelecimento do Personal
Computer – PC – e a convergência tecnológica. Nas décadas de 80 e 90, houve a
popularização da internet e a transformação do PC em um computador coletivo – CC. Nesse
período, a rede é o computador e o computador é uma máquina de conexão (LEMOS, 2004).
Cada dia novas tecnologias, denominadas nômades, que são representados pelos
smartphones, notebooks, laptops, palmtops, cuja ênfase é a mobilidade tecnológica. Neste
século, contamos com computadores coletivos móveis – CCM -, o que agiliza o acesso às
informações (LEMOS, 2004).

382
As Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), tem trazido grandes
transformações neste presente século. Para Drucker (2000) as primeiras Revoluções
Industriais, encurtaram as distâncias, exatamente pelo avanço nos meios de comunicações e
transportes. Com o advento da informática, principalmente pelo desenvolvimento da
INTERNET, as distancias já não existem, pois em qualquer parte do mundo podemos no
comunicar com que estiver ligado à Rede. Podemos realizar coisas que no passado eram
impossíveis como compras, conhecer pessoas de outros países, trocas de informações e
realizar cursos a distância, seja ele técnico, graduação, especialização e até mestrado.

O QUE É EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA?


Segundo Moran (2002), Educação a Distância (EaD) é o processo de ensino-
aprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados
espacial e/ou temporalmente mas conectados por meio de tecnologias de comunicação que
permitem de um maneira bastante eficiente o contato direto entre aluno e professor, bem
como entre alunos que fazem o mesmo curso.
É uma modalidade que está em franco desenvolvimento e crescimento no país
utilizando das tecnologias telemáticas permitindo rápida comunicação entre os atores
inseridos nessa modalidade de ensino, a qualquer hora e em qualquer lugar que tiver acesso
a Internet.
Além do acesso ao conteúdo disponível ao aluno, o fórum de discussão diretamente
com o professor ou tutores ONLINE, permiti a troca de informações e orientação, por parte
do professor para auxiliar seus alunos no direcionamento dos estudos.
Nesta modalidade o aluno passa a ter uma atitude mais ativa frente à sua formação,
além de uma autodisciplina e comprometimento, pois com a flexibilidade de dia e horário
para se dedicar aos estudos, ele precisa pesquisar sobre os assuntos tratados nas lições,
complementando e aprofundando mais sua busca pelo conhecimento.
Segundo Moran (2002), a EaD pode ser feita nos níveis fundamentais, médio e
superior, mas é mais adequados para adultos já experientes e que tem autonomia para
estudar e pesquisar.

383
Mas o EaD passou por profundas mudanças desde sua criação, sua aceitação era de
desconfiança, uma vez que as formas que eram desenvolvimento não tinham toda a
eficiência do modelo que temos atualmente pelo uso das TICs, que começaram a ser
utilizada a partir de 1990, com a popularização do computador pessoal e da modalidade da
Internet.
Segundo Braga Norte, o ensino a distância no Brasil surgiu em 1904 com cursos à
distância profissionalizantes que eram oferecidos por entidades privadas. Até o ano 2000 o
Instituto Universal Brasileiro e o Instituto Monitor foram responsáveis por mais de três
milhões de pessoas formadas. Os governos federal e os estaduais, na década de 60/70 no
intuito de minimizar o analfabetismo, e melhorar a qualificação dos professores, criou as
TV´s educativas. Iniciativas privadas como a da Fundação Roberto Marinho com aulas
teletransmitidas em determinados horários, ampliaram os cursos a distância, focando na
alfabetização de jovens e adultos, cursos profissionalizantes, cursos supletivos de primeiro e
segundo graus.
Questões como o tamanho continental do país, as distorções entre as regiões, com
uma concentração das Instituições de Ensino Superior em larga escala, predominantemente,
na região Sudeste, criava dificuldade para quem queria ter acesso ao ensino superior, pois os
altos custos de deslocamento, moradia e material de estudo, inviabilizavam o alcance de
muitos ao conhecimento superior. O EaD é muito mais democrático, pois além do custo em
si muito menor que o ensine tradicional presencial, tem um alcance gigantesco.
Outra facilidade que encontramos no EaD é que a questão da flexibilidade, pois o
aluno escolhe o dia, seu horário de estudo e o local, desde que tenha acesso à Internet. Essa
autonomia deve levar o aluno a uma maior responsabilidade pela sua própria formação.
Tudo isto corrobora com o que a UNESCO publicou aquilo que chamou dos quatro pilares
para a Educação do Século XXI, que são: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
viver juntos e aprender a ser.
Cada vez mais exige-se que o aluno tenha uma participação ativa nesse processo e
não com um mero depósito de informações, as quais não lhe dá as mínimas condições de
aprendizado. Educação não é um monte de informações recebidas, mas um processo no

384
qual o sujeito ao receber essas informações, processa-as e converte-as em conhecimento,
que transforme sua maneira de pensar e de fazer.
De acordo com Clark e Maier (2007), os ambientes virtuais são elementos
importantes na tarefa do ensino pedagógico adequado em relação ao processo de
aprendizagem, pois o conteúdo e a interação entre alunos e professores são realizados
dentro desse ambiente, onde o Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA é um software
baseado na internet facilitando a Gestão dos Cursos Virtuais. Dois exemplos desse tipo de
software é o MOODLE, gratuito com código aberto e o BLACKBOARD, é pago por ter origem
privada.

ENSINO A DISTÂNCIA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES


A característica mundial e de cada vez mais acelerar seu desenvolvimento em todas
as áreas, capitaneadas pelos cada vez mais rápidos avanços tecnológicos. Se anos atrás as
mudanças levavam mais de uma geração para serem sentidas, estamos experimentando em
nossa geração mudanças diversas que ocorrem dentro da própria geração, cujo ciclo de vida
dos produtos estão, cada vez mais curtos, tendo como palavra de ordem a inovação. A
tecnologia, particularmente a informática é que lidera e permite que outros avanços sigam
bem de perto todas as mudanças.
O problema está em acompanhar todas essas mudanças de maneira tão brusca, que
acaba trazendo resistências na absorção dessas mudanças. No caso, a educação não escapa
dessa discussão trazendo certo desconforto para aqueles que são resistentes ao novo.
Estamos falando tanto de professores como de alunos, pois uma nova postura é preciso ser
assumida.

DESAFIOS DA INTERNET, NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM, PARA O PROFESSOR


Com a chegada da Internet nos defrontamos com novas possibilidades, desafios e
incertezas no processo de ensino-aprendizagem.
Não podemos esperar soluções mágicas para modificar a relação pedagógica, das
redes eletrônicas, mas vão facilitar como nunca a pesquisa individual e grupal, o intercâmbio

385
de professores com professores, de alunos com alunos, de professores com alunos. (Moran
2009).
O aprofundamento de suas aulas, com acesso ao que de mais atual está
acontecendo, através de artigos e contato direito com seus autores, onde eles estiverem. A
ajuda de outros colegas, a obtenção de respostas às dúvidas, métodos, materiais, estratégias
de ensino-aprendizagem. A disponibilidade de programas, vídeos, e outros materiais,
podendo ainda copiar imagens, sons, etc. O trabalho do professor é, não só coletar
informações, mas trabalhá-la, de escolhê-la, confrontando visões, metodologias e
resultados.
Com os avanços da tecnologia, muitas dificuldades antes existentes, como a demora
numa pesquisa, tanto pelo professor como pelo aluno, está, hoje, a um clique de nossas
mãos, obtendo rapidez, confiabilidade e um número bastante significativo de informações.
Hoje é possível ao professor compartilhar sua aula com um colega de outro país, ao vivo e a
cores. Este é só o começo de muitas possibilidades que serão disponibilizadas
democraticamente a todos.

DESAFIOS DA INTERNET, NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM, PARA O ALUNO


Não diferente dos desafios do professor, mas com muito menos resistência a esta
modalidade de pesquisa, via internet, até porque está muito mais acostumado a acessar a
rede mundial de computadores, por ser uma realidade mais próxima da sua geração, o
aluno, tem também muitos desafios quando da busca de uma educação formal à distância.
Disciplina e certa autonomia na busca de novos conhecimentos, que o qualifiquem, não tem
dia, nem horário, nem local definido para tal ocorrência. A flexibilidade de horário e a
quantidade de participação do aluno nesse processo é que determinará a eficiência desta
modalidade. Essa “independência” poderá beneficiá-lo no sentido de deixar de ser um
sujeito passivo para um ativo, buscando fazer parte desse processo de ensino-aprendizagem.

386
A EVOLUÇÃO DO ENSINO À DISTÂNCIA: CRESCIMENTO DO NÚMERO DE ALUNOS
MATRICULADOS EM COMPARAÇÃO À MODALIDADE PRESENCIAL, NOS PRIMEIROS 12
ANOS
O presente capítulo tem como objetivo principal mostrar que, nesta primeira década
do século XXI, ocorreu uma grande expansão da Educação Superior Brasileira na modalidade
à distância, tanto na iniciativa privada quanto no setor público. O documento principal que
será analisado neste trabalho será o último senso do INEP/MEC divulgado em 2012 no que
tange à evolução do número de matriculas, num comparativo entre às modalidades:
presencial e a distância. Partimos em 2001 com 5.359 matriculas no EaD, no setor público,
correspondendo a 0,2% do total de matrículas nos dois setores (o setor privado não tinha
aluno matriculado), para 1.113.850 alunos, sendo cerca de 16% de matrículas no setor
público e 84% no setor privado. Isto correspondendo a 16% das matrículas gerais no ensino
superior em 2012. Dois aspectos serão levados em consideração para esta análise: 1. Os
avanços das Tecnologias da Informação Comunicação possibilitando a melhoria das
ferramentas utilizadas para a transmissão, acesso e na inserção de dados para as aulas; 2.
Facilidade no acesso dos alunos como parte do processo de democratização (sociabilização)
da Educação Superior no Brasil, tanto daqueles que, apesar de estarem próximos dos
grandes centros, onde o acesso às Instituições de Ensino Superior é mais facilitado, porém
apresentam dificuldades nos quesitos tempo e ou horário, como daqueles que desejam se
inserir num curso superior, porém sem a disponibilidade da modalidade presencial em seu
domicílio ou região, tendo como única possibilidade o ensino superior na modalidade EaD –
Ensino à Distância.

387
Número de Matrículas em Cursos de Graduação por Organização Acadêmica e Modalidade de Ensino
Brasil 2001/2012
ANO CATEGORIA TOTAL MODALIDADE PARTICIPAÇÃO MODALIDADE PARTICIPAÇÃO
ADMINISTRATIVA PRESENCIAL POR SETOR A DISTÃNCIA POR SETOR
2001 TOTAL 3036113 3030754 100% 5359 100%
100% 99,8% 0,2%
PÚBLICA 944584 939225 31% 5359 100%
PRIVADA 2091529 2091529 69% 0 0%
2002 TOTAL 3520627 3479913 100% 40714 100%
100% 99% 1%
PÚBLICA 1085977 1051655 30% 34322 84%
PRIVADA 2434650 2428258 70% 6392 16%
2003 TOTAL 3936933 3887022 100% 49911 100%
100% 99% 1%
PÚBLICA 1176174 1136370 29% 39804 80%
PRIVADA 2760759 2750652 71% 10107 20%
2004 TOTAL 4223344 4163733 100% 59611 100%
100% 99% 1%
PÚBLICA 1214317 1178328 28% 35989 60%
PRIVADA 3009027 2985405 72% 23622 40%
2005 TOTAL 4567798 4453156 100% 114642 100%
100% 97% 3%
PÚBLICA 1246704 1192189 27% 54515 48%
PRIVADA 3321094 3260967 73% 60127 52%
2006 TOTAL 4883852 4676646 100% 207206 100%
100% 96% 4%
PÚBLICA 1251365 1209304 26% 42061 20%
PRIVADA 3632487 3467342 74% 165145 80%
2007 TOTAL 5250147 4880381 100% 369766 100%
100% 93% 7%
PÚBLICA 1335177 1240968 25% 94209 25%
PRIVADA 3914970 3639413 75% 275557 75%
2008 TOTAL 5808017 5080056 100% 727961 100%
100% 87% 13%
PÚBLICA 1552953 1273965 25% 278988 38%
PRIVADA 4255064 3806091 75% 448973 62%
2009 TOTAL 5954021 5115896 100% 838125 100%
100% 86% 14%
PÚBLICA 1523864 1351168 26% 172696 21%
PRIVADA 4430157 3764728 74% 665429 79%
2010 TOTAL 6379299 5449120 100% 930179 100%
100% 85% 15%
PÚBLICA 1643298 1461696 27% 181602 20%
PRIVADA 4736001 3987424 73% 748577 80%
2011 TOTAL 6739689 5746762 100% 992927 100%
100% 85% 15%
PÚBLICA 1773315 1595391 28% 177924 18%
PRIVADA 4966374 4151371 72% 815003 82%
2012 TOTAL 7037688 5923838 100% 1113850 100%
100% 84% 16%
PÚBLICA 1897376 1715752 29% 181624 16%
PRIVADA 5140312 4208086 71% 932226 84%
F o nt e : M e c / Ine p; T a be la e la bo ra da po r Ine p/ D e e d

388
Podemos perceber claramente, baseados nos dados acima que a expansão dessa
modalidade de ensino está focada nas instituições privadas, cujo investimento tem sido
muito grande nessa modalidade de ensino. Pelos números apresentados no senso de 2012,
vemos que existe um processo de massificação do ensino nessa modalidade, pelos seus
baixos custos, não de implantação, mas de expansão dos cursos. Nas palavras de Alonso
(2010), a autora diz que “A massificação implica estandardizar o ensino, excluindo
possibilidades de práticas pedagógicas alternativas que deem conta dos diferentes contextos
das IES”. Este comentário, temendo pela qualidade que possa ser impresso a todo esse
processo de expansão. É uma preocupação pertinente, uma vez que o EaD, da maneira como
vem se expandindo deverá ser monitorado mais de perto pelos órgãos responsáveis pela
qualidade da educação brasileira, que no caso, não é o foco principal deste trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino superior, somente na graduação e graduação tecnológica, na modalidade à
distância, é uma realidade na vida de mais de um milhão de alunos matriculados, em
instituições públicas e privadas, e uma possibilidade, cada vez mais viável, na vida de muitos
outros, seja pela por causa de impeditivos como indisponibilidade de cursar uma faculdade
em determinados horários por pessoas que trabalham viajando, por exemplo, seja por falta
de uma instituição de ensino superior em suas regiões, lugares nunca antes pensando pelas
instituições de ensino, por sua inviabilidade econômico-financeira, pela distância e por
serem pequenos municípios, em regiões sub-densenvolvidas, até mesmo por falta de
infraestrutura suficiente para receber uma instituição, seja ela pública ou privada, até por
conta da imensidão continental do território nacional, vê na modalidade EaD a possibilidade
de sociabilizar o ensino superior a “todos” os cidadãos. Essa expansão só está sendo capaz
por causa do grande desenvolvimento das tecnologias, principalmente a da Tecnologia da
Informação e Comunicação, que vem evoluindo num ritmo muito grande, facilitando cada
vez mais o processo de interação que necessita existir nesse processo de ensino-
aprendizagem entre professor/tutor/aluno.

389
REFERÊNCIAS
ALONSO, Kátia Morosov. A expansão do ensino superior no Brasil e a EaD: Dinâmicas e
lugares. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br Acessado em 09/05/14.
CASTELLS, Manuel. O poder da Identidade. In: A era da informação: economia, sociedade
e cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. A era da Informática: Economia, Sociedade e
Cultura. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Amor, 1999.
CLARK, Ruth Colvin e MAIER, Richard E. E-learning and Sciense of Instruction: Proven
Guidelines for Consumers: and Designers of Multimedia. New Iork: Pfeiffer, 2007.
Convergência Digital, acessado em 21/11/2014 através do endereço:
http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=32605&sid=8
DRUCKER, Peter F. A Administração na próxima sociedade. Tradução de Nivaldo
Montigelli Jr. São Paulo: Nobel, 2002.
DRUCKER Peter F. HSM Management. Ano 4. Número 18. Janeiro- Fevereiro 2000.
HILLIS, Ken. Sensações digitais: espaço, identidade e corporificações na realidade virtual.
Porto Alegre: Ed. Unisinos, 2004.
INEP/MEC. Panorama da educação superior brasileira. Relatório divulgado no site do
INEP relativo ao Senso do Ensino Superior Brasileiro de 2012. (http://inep.gov.br) acessado
em 15 de Maio de 2014.
LEMOS, A. Cibercultura e Mobilidade: a Era da Conexão. 2004.
MORAN, José Manuel. O que é educação a distância. 2009. Artigo disponível em
www.eca.usp.br/prot/moran/dist.htm
NEVES, Ricardo. O novo mundo digital: você já está nele: oportunidades, ameaças e as
mudanças que estamos vivendo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2007.
SOUZA, C. H. M. de. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias. Rio de Janeiro: FAFIC,
2003.
UNESCO. Os Quatro Pilares da Educação. http://4pilares.net/text-cont/delors-pilares.htm
– acessado em 25 de Julho de 2012.

390
DIÁSPORA: A REDE SOCIAL DIGITAL LIVRE, ENCRIPTADA, FEDERADA, DESCENTRALIZADA,
DISTRIBUIDA, SEGURA E PRIVADA

Fabio Machado de Oliveira


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Maria Eugênia Ferreira Totti


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Esse trabalho apresenta uma rede social digital com propostas direcionadas para o
interesse público no ciberespaço, onde os gigantes da computação como: Google, Facebook
e Twitter perdem seu status de provedor central de serviços. A rede social digital diáspora
surgiu de um simples questionamento feito pelos estudantes de ciência da computação
Daniel Grippi, Maxwell Salzberg, Raphael Sofae e Ilka Zhitomirskiy, no qual os conceitos de
privacidade e conectividade deveriam estar presentes nas definições de redes sociais
digitais. Em seguida iremos abordar a evolução tecnológica das redes sociais digitais, que
impulsionaram as mudanças no modo e na forma como os indivíduos tem se relacionado.
Foram apontados os conceitos de cibercultura e ciberespaço a luz de teóricos como Pierri
Lévy, Manuel Castells, bem como a manifestação e arquitetura do fenômeno das redes
sociais digitais, onde veremos também uma releitura da gênese dos conceitos que
sustentaram seu surgimento e expansão, apresentando reflexões importantes para um
entendimento mais holístico deste tema. Também foram revisitados os conceitos iniciais de
redes chegando às redes sociais digitais como uma nova forma de interação de socialização
da sociedade em rede. Por fim, coube considerar um olhar sobre a influência das novas
tecnologias na sociedade e tentar expor as vantagens e desvantagens conquistadas nesse
caminho percorrido pela humanidade até a atualidade e ajudar o leitor despertar sua
consciência à cerca dos conceitos discutidos a fim de contribuir em suas reflexões e
conclusões individuais.
Palavras-chave: Redes Sociais Digitais. Comunicação. Novas Tecnologias.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As redes sociais digitais se mostram cada vez mais presentes como fenômeno de
convergências e concertação de pessoas pelos mais diversos e dispersos motivos. Essa
constatação já desperta o interesse por uma investigação científica.
O pesquisador que estabeleceu a primazia na concepção da expressão rede social foi
J. A. Barnes, em uma publicação em 1954. Esse autor se inspirou nas ideias de Radcliffe-
Brown (1940), que estudava sobre estrutura social como uma rede de relações. Segundo
Barnes (1972), a ideia de rede social se consolida na percepção dos membros da sociedade
ou parte dela como elementos imersos. Cada indivíduo é compreendido como uma
391
pluralidade de relações.
Alguns autores apontam que a noção de redes e redes sociais surge na antropologia,
onde o pesquisador Claude Lévi-Strauss, realizando análise etnográfica das estruturas
elementares de parentesco, em seu trabalho intitulado: As estruturas elementares de
parentesco40, marcou o primeiro estudo referente a redes sociais.
Para Souza e Cardoso (2011), existem muitas abordagens sobre redes, em diversas
áreas do conhecimento. Nesse trabalho todas as versões apresentadas visam contribuir para
um entendimento mais amplo desse conceito no aspecto de interesse dessa pesquisa.
Os gigantes da indústria da computação já oferecem inúmeras possibilidades de
adesão a uma rede social digital. Usando o descritor, “quantas redes sociais existem no
mundo?”, o mecanismo de busca do Google, em seu primeiro link de resposta, apresenta
uma lista de redes sociais que possuem verbete referenciado e de conhecimento público
reconhecido, totalizando 49 redes sociais com a relação de seu nome, descrição/foco,
contador de membros, registro e logotipo.
Esse estudo apresenta uma proposta já consolidada de rede social digital que se
diferencia das convencionais, chamada: Diaspora*. Com seus alicerces estabelecidos na
descentralização, liberdade e privacidade dos usuários, a documentação do projeto explica
esses conceitos aos interessados e despertam uma nova consciência entre os usuários de
redes sociais digitais.
A explanação dos conceitos que sustentam a Diaspora*, submetido às teorias dos
principais autores em redes sociais digitais, os estudos mais recentes e a vasta referência
bibliográfica desse assunto, revelou as peculiaridades e características específicas
encontradas nessa nova tecnologia que se estabeleceu pelo interesse coletivo e se mostra
em crescente expansão no ciberespaço.
Com isso, a contribuição dessa pesquisa atinge diretamente ao número cada vez
maior de usuários de redes sociais digitais, bem como oferece uma alternativa aos
indivíduos que buscam outros meios de interação e novas tecnologias para redes socais
digitais.

40
Texto original: Simone de Beauvoir. 1949. “Les Structures Élémentaires de la Parenté, par Claude Lévi-
Strauss”. Les Temps Modernes 7(49): 943-9 (October). Tradução: Marcos P. D. Lanna (UFSCar) e Aline Fonseca
Iubel (PPGAS/UFPR).
392
O texto que segue abaixo apresenta os fundamentos científicos e fatos históricos que
precisam ser observados antes de dissertar sobre o que vem a ser a Diaspora*.

O CIBERESPAÇO E OS ALICERCES DA INTERNET


A citação do termo ciberespaço feita por Gibson (1984), em seu livro Neuromancer,
relata um universo abstrato e com representações do mundo real. Os recursos tecnológicos
computacionais impulsionam a mente para uma viagem fluida e constante, sem limites ou
fronteiras impeditivas. Essa proposição inaugura para alguns teóricos nosso entendimento
do que vem a ser o ciberespaço, isto é, uma forma clara de explicar esse complexo e
nebuloso ambiente.
No entendimento de Lévy (1999), a artificialidade dos ambientes não físicos, tem
uma característica de concentrar grande quantidade de indivíduos conectados por
comungarem interesses comuns ou sem relevância.
Para Souza (2003), um ponto de inflexão de marca o início de um longo período de
aperfeiçoamento e invenções de diversos artefatos tecnológicos que mudaram a
comunicação, começou com o jornal em 1600.
Logo após surge no ano de 1850 o telégrafo e em 1920 o telefone. A partir desse
momento vemos o rádio no ano de 1930 alcançar um público muito distante e em 1950 a
televisão marcou o seu tempo com as imagens e uma programação diferente de tudo já
visto até o momento.
No período da II Guerra Mundial, de acordo com Edwards (1996), a construção de
computadores, bem como, as primeiras iniciativas de se estabelecer conexão entre os
mesmos, para fins militares, passa por um período de intensa atividade. O autor ainda cita
os altos investimentos em pesquisas nessa área, que resultaram na implantação de uma
base tecnológica, para o fomento de inovações em ciência da computação.
O ano de 1990 a internet se apresenta como algo totalmente novo e com infinitas
possibilidades. Segundo Vieira (2003), a invenção que viabilizou o uso da internet foi criada
pelo físico e pesquisador inglês Tim Berners-Lee em 1990, na suíça no CERN41, que consistia

41
CERN – Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire / Organização Europeia para Pesquisa Nuclear.
393
na tecnologia de hipertexto42, que atribuía uma ligação de diversos textos e arquivos a um
link, possibilitando seu acesso de qualquer computador conectado à Internet. Os
documentos então receberam um endereço, denominado Uniform Resource Locator ou URL,
que era constituído por um identificador de hipertextos, mais conhecido como Hypertext
Transfer Protocol(Protocolo de Transferência de Hipertexto) indicando sua disponibilidade
na Web (o conhecido www).
Posto isso, a segunda geração de serviços na internet, chamada de Web 2.0,
constata-se uma expansão nas formas de produção e compartilhamento da informação.
Lembrar as palavras de Tim O´Reilly que diz,

A web 2.0 é a mudança para uma Internet como plataforma, e um


entendimento das regras para obter sucesso nesta nova plataforma. Entre
outras, a regra mais importante é desenvolver aplicativos que aproveitem
os efeitos de rede para se tornarem melhores quanto mais são usados pelas
pessoas, aproveitando a inteligência colectiva (REILLY, 2005, p.63).

Sendo assim fica mais claro o entendimento as origens tecnológicas que sustentam
atualmente as redes sociais digitais.

A CIBERCULTURA E A SOCIEDADE EM REDE

O conhecimento empírico a respeito do desejo do homem primitivo em preservar e


juntar os saberes, experiências e ideias que estruturavam sua cultura, nos ajuda a
compreender como o mesmo se identifica em ambientes favoráveis a esse tipo de
conservação, individual e com outros indivíduos.
Para melhor entendimento dessa questão, Santos (2002) diz,

[...] a cultura é a dimensão da sociedade que inclui todo o conhecimento


num sentido ampliado e todas as maneiras como esse conhecimento é
expresso. É uma dimensão dinâmica, criadora, ela mesma um processo,
uma dimensão fundamental das sociedades contemporâneas (SANTOS,
2002, p.50).

A compreensão de Eugênio Trivinho sobre a cibercultura, o autor nos apresenta o

42
Terno criado por Theodor H. Nelson que em suas palavras significa: “Por hipertexto pretendo significar
escrita não sequencial, um termo que se ramifica e permite escolhas ao seu leitor e que preferencialmente
deverá ser consultado num monitor interativo”.
394
seguinte conceito:

Cibercultura designa a configuração material, simbólica e imaginária da vida


humana correspondente à predominância mundial das tecnologias e redes
digitais avançadas, na esfera do trabalho, do tempo livre e do lazer
(TRIVINHOS, 2007, p.116).

Para enriquecer a compreensão do que é cibercultura, Souza (2009) diz que esta é
formada pelo conjunto de costumes e conhecimentos agregado ao aparato tecnológico
implantado, contudo, são ainda referenciados em costumes e práticas tradicionais. Nesse
contexto a internet se apresenta como maior expoente da cibercultura.

O FENÔMENO DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS


Tomando como ponto de partida a antiguidade clássica temos o conceito de redes
que Maffesoli (1998) aponta como sendo à agregação social dos indivíduos numa metáfora
as tribos.
O matemático por Leonard Euler desde 1736 iniciou o estudo de redes e propiciou a
sua denominação como grafo e se expande como objeto de estudo na teoria dos grafos
criada por esse autor, onde um grafo seria formado a partir do problema encontrado ao dar
um passeio por todas as sete pontes da cidade de Königsberg, passando uma única vez,
conforme a Figura 01 mostra.

Figura 01: Grafo das Pontes de Könisberg.


Fonte: Recuero (2009).

395
Segundo Castells (1999), rede é a formação de elementos, mais conhecidos como
nós, interligados por arestas, que aplicados à sociedade da informação representam
estruturas capazes de expansão ilimitada.

[...] a distância (ou intensidade e frequência da interação) entre dois pontos


(ou posições sociais) é menor (ou mais frequente, mais intensa), se ambos
os pontos forme nós de uma rede do que se não pertencerem a mesma
rede. [...] A inclusão/exclusão em redes e a arquitetura das relações entre
redes, possibilitadas por tecnologias da informação que operam à
velocidade da luz, configuram as processos e funções predominantes em
nossas sociedades. (CASTELLS, 1999, p.498).

Nos estudos das redes sociais por Recuero (2009), estas se formam quando um grupo
de indivíduos se liga entre si através de comunicação mediada por computador. Com a
disseminação das redes de computadores e móveis, mais pessoas se relacionam por meio da
Internet, então Primo (2007), nos ajuda a entender esse fenômeno que se estabelece por
meio de interações mútuas e reativas, que Recuero (2003) atribui ao sentimento de
pertencimento as inúmeras ligações entre os frequentadores das comunidades virtuais.
Segundo Mattos e Souza (2012) as características e interesses comuns desses
indivíduos evidenciam a sociabilidade e uma conexão de interesses como quesito de
formação da agregação social no meio digital.
Com os conceitos abordados até aqui, o entendimento da Diaspora* como uma rede
social digital construída pelos próprios usuários, mostra uma perspectiva diferencia para
esse tipo de ambiente, como pode ser visto no próximo tópico.

DIÁSPORA: A REDE SOCIAL DIGITAL INTERNACIONAL DE CÓDIGO FONTE ABERTO

O projeto Diaspora*, como é apresentado em seu site oficial, https://joindiaspora.com,


foi inteiramente desenvolvido por voluntários que compõem a comunidade de
desenvolvedores de código fonte aberto. Desde 15 de setembro de 2010, já evoluiu muito e
continua crescendo de forma notável, mais do que seus fundadores Ilya, Dan, Max e Raphael
pudessem imaginar, com novos recursos e melhorias na plataforma de interação social. A
Figura 02 mostra os fundadores em uma reportagem na época em que o projeto foi lançado.

396
Figura 02: Fundadores da Diaspora*
Fonte: New York Times(2010)

Ainda no site oficial, que pode ser visto na Figura 03 abaixo, ao acessar a
documentação oficial do projeto, pode ser encontrado os pontos mais relevantes da
estrutura dessa rede social digital em tópicos como:
 Desenvolvedores
 Técnico
 Comunidade
 Recursos de Podmin
 Guias e Políticas
 Governança
Em cada tópico são discutidos conceitos e informações que ajudam na adoção de
mudanças e formação da massa crítica de usuários para uma rede social digital livre, onde o
usuário pode optar por salvar seus dados em seu próprio computador, bem como, eliminar
toda espécie de publicidade invasiva e ainda criar e definir suas ligações de interesse
pessoal. Ações e possibilidades que não agradam o modelo das redes sociais digitais como
Facebook e Google+.

397
Figura 03: Site Oficial da Diaspora*
Fonte: O próprio autor (2014)

As principais variáveis que norteiam o projeto passam pela descentralização, onde a


Diaspora* e completamente diferente das redes sociais convencionais, pois não tem
nenhuma base central. O que existe são servidores, chamados de “pods”, espalhados pela
mundo, contendo os dados que os usuários optam em registrar.
A Figura 04 representa de forma gráfica esse conceito para facilitar o entendimento
de sua rede ponto-a-ponto, completamente descentralizada, e sem um “hub” central.

Figura 04: Estrutura da rede Diaspora*


Fonte: Sobre <https://diasporafoundation.org/about>

Outro importante pilar da Diaspora* é a liberdade, onde os usuários podem criar os


perfis que quiserem, sem precisar usar sua identidade real. O usuário também pode seguir
398
pessoas que acha interessante e compartilhar fotografias vídeos, músicas, mensagens e
arquivos de forma restrita ou explícita de acordo com a conveniência do mesmo.
Por fim a privacidade garante o controle total da sua rede de interesses. As
informações dos usuários não podem ser utilizadas para anúncios e outros fins que não o
que lhe permite conectar, segundo as configurações de cada usuário. Como já foi dito, o
usuário pode armazenar seus dados em sua máquina ou no “pod” de sua preferencia. Outro
possibilidade interessante é se manter público ou privado de acordo a vontade do usuário.
A versão nacional, do principal “pod” da Diaspora* no Brasil que pode ser visto na
Figura 05 abaixo.

Figura 02: Principal site brasileiro da Diaspora*


Fonte: <https://diasporabrazil.org>

A versão brasileira do principal servidor da Diaspora* no Brasil, pode contribuir para


disseminação dessa rede social digital entre os usuários brasileiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Notória a contribuição da Diaspora* como inovação tecnológica no universo das


redes sociais digitais. Nas palavras de Haselton (2012), “não sei se o Diaspora*
especificamente será a próxima grande coisa nas redes sociais, mas espero que elas sigam

399
para um modelo descentralizado nos próximos anos”.
Outro ponto importante que a rede Diaspora* revela, foi que as pessoas se importam
com as questões de privacidade. Em pesquisa realizada em 2012 pela Associated Press, 37%
dos norte-americanos disseram que a maior ameaça à sua privacidade estava nas redes
sociais digitais como Facebook e Twitter. Menos da metada, 47%, achavam positiva à
proteção do direito à privacidade por parte do governo, e 40% afirmaram ser péssimo o
trabalho do governo em proteger esse direito. Por isso em projetos como Diaspora*, temos
uma grande adesão das pessoas, a medida, em que suas características vão sendo
descobertas.
Todo trabalho de revisão bibliográfica buscou os principais teóricos dentro das suas
áreas de pesquisa em redes sociais digitais, bem como pontuou suas contribuições para o
conhecimento científico. A complexidade das novas tecnologias da informação e
comunicação aliadas às necessidades primitivas dos indivíduos em se comunicar e transmitir
conhecimento encontra uma convergência entre velhas formas de fazer com um novo jeito
de realizar e viver, onde o surgimento, acompanhado da consolidação, de uma nova
proposta de rede social digital descentralizada, contribuiu para um momento de profunda
transformação da sociedade.
Na sociedade em rede e na era do conhecimento tudo está conectado e é muito
rápido, entretanto se faz necessário conduzir esse processo com organização e eficiência
para construção desse novo modelo de sociedade, bem como garantir princípios que são
importantes para os usuários.
Como desafio para estudos futuros fica a indicação em observar os constantes
movimentos técnico-sociais que norteiam os meandros das redes sociais digitais e a relação
da humanidade com essas tecnologias de informação e comunicação.

REFERÊNCIAS
BARNES, J.A. Social Networks. Cambridge: Module 26, p.1-29, 1972.
CAPOBIANCO, L. A Revolução em Curso: Internet, Sociedade da Informação e
Cibercultura. Estudos em comunicação n.7, Vol 2. Portugal: Covilhã, 2010 p.175-193.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v.1. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. in A era

400
da informação: Economia, sociedade e cultura.
______. O Poder da Identidade. v.2. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. in A era da
informação: Economia, sociedade e cultura. Vol 2.
EDWARDS, Paul N. The Closed World. Cambridge, MA, MIT Press, 2006.
GIBSON, Willian. Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2003.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed.34, 1999.
______. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996.
MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1998.
MATTOS, M. C.; SOUZA, C.H.M. A Dromocracia Cibercultural nas Redes Sociais Digitais.
Revista Interscienceplace, Ed. 21, p. 192-196, 2012.
O'REILLY, T. What Is Web 2.0: Design Patterns and Business Models for the Next
Generation of Software. 2005. Disponível em:
<http://oreillynet.com/pub/a/oreilly/tim/news/2005/09/30/what-is-web-20.html> Acesso
em: 17/09/2011.
PRIMO, Alex. Interação mediada por computador. Porto Alegre: Sulina, 2007.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Coleção Cibercultura. Porto Alegre: Sulina.
2009.
______. WebLogs, Webrings e Comunidades Virtuais. VII Seminário Internacional de
Comunicação: Porto Alegre , 2003.
WIENER, N. Cybernetics (or the control and communication in the animal and the
machine). New York, The Technological Press Wiley & Sons, 1948.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo: razão e emoção. 4. ed. São
Paulo: EDUSP, 2002.
HASELTON, Bennett. A História por Trás do Diaspora, a Rede Social que Queria Acabar
com o Facebook. Disponível em: http://motherboard.vice.com/pt_br/read/diaspora. Acesso
em: 10 jan. 2015.
RADCLIFFE-BROW, A.R. On Joking Relationships. Africa: Jounal of the International
African Institute, v.13, nº 3, jun-1940, pp.195-210. Disponível em:
http://anth198.pbworks.com/f/Radcliffe-Brown+Relationships.pdf. Acesso em: 15 jan. 2015.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias. Rio de

401
Janeiro: FAFIC, 2003.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros; GOMES, Maria Lúcia Moreira. Educação e
Ciberespaço. Brasília: Usina de Letras, 2009.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de; MANHÃES, Fernanda Castro e KAUARK, Fabiana.
Metodologia da Pesquisa: Um Guia Prático. Salvador: Via Literarium, 2010.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de, CARDOSO, Carla. As Redes Sociais Digitais: Um
mundo em transformação. Revista Agenda Social, v.5, nº 1, p. 65-78, 2011.
TRIVINHOS, Eugênio. A Dromocracia Cibercultural. Paulus, 2007.
VIEIRA, Eduardo. Os bastidores da Internet no Brasil. Barueri: Manole, 2003.

402
PROFESSORES ESTADUAIS E A UTILIZAÇÃO DAS TICs NO COTIDIANO ESCOLAR: DESAFIOS
DA CAPACITAÇÃO

Carlos Henrique Medeiros de Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

Marcela Ribeiro da Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

Tanisse Paes Bóvio Barcelos Cortes


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

RESUMO: O trabalho apresenta o projeto de extensão da UENF que se diferencia pelo


estímulo à capacitação tecnológica como meio de construção de conhecimento efetivo na
atividade pedagógica com as novas tecnologias em sala de aula. Essa proposta tem por
objetivo trabalhar com os docentes da rede pública de ensino em Campos dos Goytacazes e
região através de atividades práticas realizadas no laboratório de informática do Instituto
Superior de Educação Professor Aldo Muylaert – ISEPAM, monitorados por tutores que
auxiliam no melhor desenvolvimento de suas práticas escolares. A capacitação teve início em
agosto de 2014 e encerrou-se em novembro de 2014, perfazendo a carga horária total de 40
horas (20 horas presenciais/ 20 horas à distância) em sete módulos. A luz de Paulo Freire
pode-se refletir sobre a educação nos dias atuais frente ao desafio de inserção das
tecnologias de informação e comunicação na sala de aula. Alguns resultados alcançados
foram melhoria no domínio do uso das novas tecnologias, alternativas para a prática
pedagógica instrumentalizada pelos recursos tecnológicos e inclusão tecnológica dos
docentes e alunos.
Palavras-chave: Capacitação tecnológica. Conhecimento. Educação. Mídias.

INTRODUÇÃO
O trabalho apresenta o projeto de extensão da UENF: “Professores frente ao desafio:
O uso das Tecnologias de Comunicação e Informação em sala de aula” que se diferencia pelo
estímulo à capacitação tecnológica como meio de construção de conhecimento efetivo na
atividade de ensino com as novas tecnologias em sala de aula. Essa proposta tem por
objetivo trabalhar com os docentes da rede pública de ensino em Campos dos Goytacazes e
região através de atividades práticas realizadas no laboratório de informática do Instituto
Superior de Educação Professor Aldo Muylaert – ISEPAM, monitorados por tutores que
auxiliam no melhor desenvolvimento de suas práticas escolares.

403
Apesar da potência que a tecnologia atual apresenta com as diversas mídias, dentre
elas o computador, a internet, celulares, tablets, etc., ressalta-se que o termo tecnologia
envolve o conhecimento técnico e científico e sua aplicação para a criação e/ou
transformação no uso de ferramentas, processos, técnicas e materiais. Nessa perspectiva há
anos tem-se contato com várias “técnicas” de fazer algo (fogo, pinturas, rupestres, escrita,
parafuso, utilização do ferro, máquinas, etc.), havendo transformações que obrigam ao ser
humano uma adaptação/ atualização.
Tais mudanças permitem perceber um reordenamento de espaços, bem como
alterações nos modelos explicativos de mundo que atingem profundamente a consciência e
a ação do sujeito na tensão entre o individual e o comunitário, o global e o particular
(SOUZA, 2004). É neste cenário de rápidas transformações que se situa o pensamento
contemporâneo, possuidor de uma pluralidade de perfis e tendências que correspondem
aos tipos de racionalidade atualmente vigentes em nossa sociedade. Essa pluralidade de
perfis e tendências e o contexto sócio-econômico global redefinem a finalidade e a
relevância da escola, da educação.

Vivemos em uma sociedade da informação que só se converte em uma


verdadeira sociedade do conhecimento para alguns, aqueles que puderam
ter acesso às capacidades que permitem desentranhar e ordenar essa
informação (Pozo, 2003).

Para tanto, o papel das instituições de ensino é contribuir com a formação de


discentes voltados para o exercício da cidadania, ou seja, seres críticos da realidade em seu
“entorno”. De acordo com Perrenoud (2000) “[...] hoje não podemos mais trabalhar a leitura
e escrita do texto sem nos conscientizarmos das modificações que ocorrem nas práticas da
leitura e da escrita por conta da informática, ou seja, da linguagem digital”.
Com isso, a estratégia de trabalho nesse projeto de extensão incide em conscientizar
os professores sobre o uso das tecnologias no processo de ensino aprendizagem através da
realização de oficinas e atividades de uso diário. O que ajuda a promover inovações
pedagógicas instrumentalizadas pelos recursos tecnológicos que já estão sendo
disponibilizados nas escolas.
A partir das necessidades já detectadas nas primeiras versões deste projeto, foi
possível perceber o quanto os professores são ou estão “órfãos” de conhecimento e
404
“sedentos” de vontade de aperfeiçoamento, apesar de apresentarem atuações engessadas
no cotidiano escolar. O projeto foi proposto com objetivo de minimizar as dificuldades
existentes nas escolas para utilização dos recursos tecnológicos no processo ensino-
aprendizagem e a falta de incentivo dos professores para inovarem as estratégias
educativas. Segundo Juracy (2007), apesar de muitas escolas possuírem tecnologias, as
mesmas não são utilizadas como deveriam, ficando muitas vezes trancadas em salas isoladas
e longe do manuseio de alunos e professores.
Para tanto, o papel das instituições de ensino é contribuir com a formação de
discentes voltados para o exercício da cidadania, ou seja, seres críticos da realidade em seu
“entorno”, conforme estimula Paulo Freire. A capacitação teve início em agosto de 2014 e
encerrou-se em novembro de 2014, perfazendo a carga horária total de 40 horas (20 horas
presenciais/ 20 horas à distância) em sete módulos.

BREVE ABORDAGEM DA CONCEPÇÃO FREIREANA


Há uma tendência contemporânea de pensar o indivíduo como um todo em um
paradigma holístico que parte de uma visão sistêmica não apenas na área da educação,
como em outras áreas, ampliando o conceito de educação. Assim o processo de ensino-
aprendizagem vem percorrendo formas diferentes que dão desde ênfase no papel do
professor como transmissor de conhecimento, até as concepções mais recentes que
acreditam no processo como um todo integrado e destaca o papel do educando.
Apesar de reflexões favoráveis a (re)pensar o processo de ensino-aprendizagem, a
prática educativa atual demonstra a padronização dos alunos, exercício massivo de decorar
conteúdos, alunos com pouca ou nenhuma capacidade de resolução de problemas e
pensamento crítico-reflexivo, além de uma hierarquia entre educador e educando que
dificulta uma relação com via de mão dupla. Pensar em como o discente aprende e como o
processo de ensinar pode contribuir para a aprendizagem é um ponto fulcral. Para Paulo
Freire (2010) o professor que “pensa certo” não exclui ou supera dúvidas e erros, mas os
mantêm para preservar o próprio processo de conhecimento que é infinito. Assim considera
que o professor que “pensa certo”

405
transparece aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de
estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de,
intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso
conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o
conhecimento novo supera o outro que antes foi novo e se fez velho e se
“dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã. Daí que seja tão
fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que
estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente.
Ensinar e aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo
gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente
e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. A
“dodiscência” – docência-discência – e a pesquisa, indicotomizáveis, são
assim práticas requeridas por estes momentos do ciclo gnosiológico (Freire,
2010, p. 28).

Assim, Freire (2010) fundamenta a prática didática na crença de que o educando


assimilaria o objeto de estudo fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em
contraposição à educação por ele denominada bancária, tecnicista e alienante, visão
reducionista da Educação que trata os alunos como depósitos de informações. Segundo sua
perspectiva, o educando criaria sua própria educação, fazendo ele próprio o caminho, e não
seguindo um já previamente construído; libertando-se de chavões alienantes, o educando
seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado. Segundo Freire “Ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
e “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo”.
Freire destaca-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto para a
escolarização como para a formação da consciência política. Ele defende uma Educação
corajosa, propondo ao povo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, suas
responsabilidades, sobre seu papel no novo clima cultural da época de transição para uma
sociedade mais democrática. O autor priorizava uma Educação que propicie ao povo a
reflexão sobre seu próprio poder de refletir e que tenha sua instrumentalidade. Propõe o
método dialógico, que possibilita ao homem do povo a organização do seu pensar e a
reforma de suas atitudes. Para Freire o homem das classes populares deveria desenvolver
toda a potencialidade crítica e tornar-se sujeito da história.
Na abordagem de Freire (2010), a Educação deve ultrapassar as barreiras daquela
didática tradicionalista do professor como centro da sala de aula e os conhecimentos

406
técnicos priorizados. O conhecimento é construído também sobre experiências, discussões,
percepções, reflexões, sensibilidade, etc. É importante dar voz a todos para que haja
diálogo, troca. Uma vez que os alunos começam a ganhar espaço e se posicionar dentro
desse espaço, sentindo que desta atmosfera eles fazem parte, começa a haver um processo
de transferência recíproco. A aprendizagem não deve ser mecanizada, sem considerar as
características de cada sujeito, diante de um mundo heterogêneo, plural, em que
comportamentos e valores devem ser constantemente trocados. Quando o ensino é feito de
forma depositada, transferida, o aluno é tomado como um ser passivo, e não é desafiado de
forma a questionar e compreender a realidade em que ele se insere.
Desta forma, pensar o processo de ensino-aprendizagem como diálogo reforça a
ideia de indivíduos inacabados e passíveis de refletir criticamente o que for aprendido,
sendo capaz de dar continuidade ao processo que é infinito. Os sujeitos envolvidos,
professor e aluno, devem estar conscientes de que além do papel que cada qual assume
nesse processo pedagógico, no sentido sistemático, ambos são seres humanos que trazem
consigo fatores biológicos, afetivos, social, cultural, linguístico, entre outros, que os
compõem.
O processo de ensino-aprendizagem abrange um conteúdo que é ao mesmo tempo
produção e produto, visto pelo fato de que faz parte desse todo um conhecimento formal
(curricular) e outro latente, oculto que provém dos indivíduos. Nesse sentido, além da
necessidade dos indivíduos envolvidos serem conscientizados de seus papéis ativos, a escola
tem a função de mediar o conhecimento prévio dos alunos e o sistematizado, propiciando
formas de acesso ao conhecimento científico. Assim, os alunos são estimulados ao acesso do
conhecimento sistematizado, a busca e organização de informações, ao desenvolvimento do
seu pensamento, a formação de conceito/valores, etc.
O que permanece é a busca por métodos mais condizentes com a situação atual para
promover diálogos constantes entre o professor e aluno para o favorecimento de ambos. E a
infografia pode ser uma maneira de estimular o ensino-aprendizagem aproveitando os
diversos recursos tecnológicos potenciais (entende-se que esses recursos existem antes
mesmo do meio digital, só foram potencializados) para contribuir com o alcance dos
objetivos desse processo na concepção que reconhece o papel do educando.

407
O uso de infográfico ou qualquer outra TIC vai ao encontro do que Freire postula
quando diz que "Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural" e que
"Ensinar exige apreensão da realidade", pois a tecnologia, como citado anteriormente no
trabalho, faz parte da vida e da identidade do aluno; e que se pretende um processo de
ensino-aprendizagem dialógico, que respeite o discente como indivíduo pensante e
autônomo, e a escola como instituição (que procura estar) conectada com a realidade não só
dos educandos, mas também do contexto no qual se insere.

METODOLOGIA
A primeira etapa do projeto envolveu uma avaliação dos módulos oferecidos no ano
anterior para um reordenamento, além de planejamento das atividades a serem exercidas
(elaboração de ofício, cartaz, lista de inscrição; criação de e-mail do projeto; reavaliação da
programação; lista de presença; declaração; comunicação interna para pedidos de materiais,
como bloco, caneta, pasta; etc.) para a execução do curso de capacitação. As escolas
ISEPAM, Colégio Estadual Dr. Sylvio Bastos Tavares e o CIEP Nilo Peçanha foram visitados
para reafirmar a importância do uso das novas tecnologias no processo de ensino
aprendizagem e o convite de participação no projeto.
A segunda etapa do projeto foi a realização das atividades práticas elaboradas na
forma de curso e oficinas para 15 docentes os docentes do ISEPAM e do C.E. Sylvio Bastos
Tavares (foram 30 inscritos, apenas 15 iniciaram o curso), abordando as práticas pedagógicas
e as tecnologias de informação e comunicação com vistas ao desenvolvimento das principais
habilidades.
Com base nas experiências do ano anterior de realização do projeto em que houve
dificuldades para o professor concluir o curso, as atividades práticas neste ano estão sendo
realizadas no laboratório de informática do Instituto Superior de Educação Professor Aldo
Muylaert – Isepam, monitorados por tutores que são graduandos, mestres, mestrandos e
doutorandos da UENF que auxiliam os professores para o melhor desenvolvimento de suas
práticas escolares. O uso das mídias na educação é uma fronteira que esses profissionais
precisam desbravar, uma vez que o computador e as mídias digitais são praticamente
universalmente utilizados pelos alunos.

408
Os professores que participam do curso são do Isepam e do Colégio Estadual Dr.
Sylvio Bastos Tavares. O curso é realizado em módulos como: “As habilidades do século XXI”;
“Aprendendo os fundamentos básicos sobre computadores e internet”; “Aprendendo sobre
redes sociais”; “O uso do blog como ferramenta pedagógica”; “Educação inclusiva e novas
tecnologias”; “Utilizando os recursos de multimídias”; “Apresentação dos trabalhos
realizados” que aconteceram em oito encontros de 2h30min. cada, perfazendo a carga
horária total de 40 horas (20 horas presenciais/20 horas à distância), sendo em terças-feiras
alternadas para não prejudicar as atividades dos professores, das 14h às 16h30min. O curso
iniciou em 26 de agosto de 2014 e finalizou no dia 18 de novembro de 2014.
Em uma terceira etapa do projeto, os professores deveriam elaborar atividades
pedagógicas utilizando as novas tecnologias para que possam ser aplicadas em suas aulas,
confirmando um efetivo aproveitamento dos recursos tecnológicos disponíveis nas escolas,
no entanto a participação não foi efetiva.

DISCUSSÃO E RESULTADOS
Apesar da potência que a tecnologia atual apresenta com as diversas mídias, dentre
elas computador, internet, celular, tablet, datashow etc., ressalta-se que o sintagma
tecnologia tem origem na junção dos termos tecno (do grego techné) que é saber fazer e
logia (do grego logus) que significa razão. Em suma, tecnologia é a razão do saber fazer
(RODRIGUES, 2001, apud VERASZTO, 2008), é o estudo da técnica, da atividade de modificar,
de transformar algo para atender uma necessidade do ser humano. Nessa perspectiva, há
anos tem-se contato com várias “técnicas” de fazer algo (fogo, pinturas rupestres, escrita,
parafuso, utilização do ferro, máquinas, etc.), havendo transformações que obrigam ao ser
humano uma adaptação/ atualização.
Vive-se um impacto com as Tecnologias de Informação e Comunicação - TICs definida
como um conjunto de recursos tecnológicos que proporcionam outro modo de se
comunicar. As TICs surgiram na metade da década de 1970 no contexto da Terceira
Revolução Industrial e Revolução Informacional em que houve as grandes transformações
para as indústrias com o desenvolvimento da robótica e outras tecnologias de ponta,
destinadas a auxiliar o processo de produção industrial. A partir da década de 1990 ocorreu

409
amplo avanço das “novas” TICs, com o objetivo de captar, transmitir e distribuir de forma
precisa e rápida as informações através da televisão, das telecomunicações e da internet
(PORTAL EDUCAÇÃO, 2014).
As mudanças propiciadas pelas TICs permitem perceber um reordenamento de
espaços, bem como alterações nos modelos explicativos de mundo que atingem
profundamente a consciência e a ação do sujeito na tensão entre o individual e o
comunitário, o global e o particular (SOUZA, 2003). É neste cenário de rápidas
transformações que se situa o pensamento contemporâneo, possuidor de uma pluralidade
de perfis e tendências que correspondem aos tipos de racionalidade atualmente vigentes em
nossa sociedade. Essa pluralidade de perfis e tendências e o contexto sócio-econômico
global redefinem a finalidade e a relevância da escola, da educação.
Para tanto, o papel das instituições de ensino é contribuir com a formação de
discentes voltados para o exercício da cidadania, ou seja, seres críticos da realidade em seu
“entorno”. De acordo com Perrenoud (2000) “[...] hoje não podemos mais trabalhar a leitura
e escrita do texto sem nos conscientizarmos das modificações que ocorrem nas práticas da
leitura e da escrita por conta da informática, ou seja, da linguagem digital”, bem como no
processo de ensino aprendizagem. Insiste-se em abordar a leitura como um meio libertador
que propicia aos alunos um caminho fortuito para a formação de cidadãos críticos.
É pertinente ressaltar, que esses novos alunos que estão adentrando a sala de aula,
por terem mais intimidade com os recursos audiovisuais, podem interessar-se pelo uso das
infografias no ambiente de aprendizagem, ampliando, assim, a sua capacidade de aprender
sobre diversos assuntos.
Alguns resultados alcançados foram melhoria no domínio do uso das novas
tecnologias, alternativas para a prática pedagógica instrumentalizada pelos recursos
tecnológicos e inclusão tecnológica dos docentes e alunos.
As professoras disseram que o curso foi importante para aprenderem ações até
“simples” que não dominavam, como baixar vídeo da internet. Uma professora relatou que
tal aprendizagem possibilitou que ela levasse um filme para os seus alunos. Como sugestão,
indicaram uma divulgação por um tempo maior e a informação no momento da divulgação
que o curso não é para iniciantes em informática. Um dos problemas na execução do curso

410
foi a evasão de professores, apesar da estratégia de realizar o curso em um local de maior
acesso (ISEPAM) se comparado à UENF por questões de transporte público. Questionadas
sobre a evasão, algumas informaram que muitas professoras desistiram do curso por não
saberem o básico de informática e ficarem com vergonha de demonstrar esse não
conhecimento.

CONCLUSÕES
Nos trilhos por onde se movimenta o desenvolvimento do trabalho, entrelaça-se a
ressignificação de valores, crenças e teorias, que vêm sendo vivenciados nas teias de
relações do ofício da “profissionalidade” docente frente ao uso dos recursos tecnológicos.
Com efeito, nesse percurso, podem ser fundadas outras condições que permitam a
participação ativa dos professores nos processos de definição de novos modos de ensino,
dando direções mais comprometidas com a qualidade da educação pública em Campos dos
Goytacazes, bem como, proposição de soluções específicas e alternativas de inserção das
novas tecnologias na sala de aula, modelos, programas e avaliações que deverão ser
planejadas.
Com a experiência de mais um ano de curso foi possível reavaliar as ações a serem
tomadas nos próximos, como divulgação por um mês, checar o nível de conhecimento sobre
informática no início do curso, contato próximo com os professores – utilizando mensagem
para celular, e-mail e grupo no Facebook, como foi feito nesse ano, dentre outras ações.
Ressalta-se a importância do curso como estímulo à participação ativa dos professores nos
processos de definição de novos modos de ensino, dando direções mais comprometidas com
a qualidade da educação pública em Campos dos Goytacazes, bem como, proposição de
soluções específicas e alternativas de inserção das novas tecnologias na sala de aula,
modelos, programas e avaliações que deverão ser planejadas.

REFERÊNCIAS
PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed Editora,
2000.

411
PORTAL EDUCAÇÃO. Histórico: Tecnologias de Informação e Comunicação – TICS. Seção
Informática e tecnologia. 21 de janeiro de 2014. Disponível em
http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/53796/historico-tecnologias-de-
informacao-e-comunicacao-tics. Acesso em 13 dez. 2014.
POZO, J. I. O processamento de informação como programa de pesquisa. In: Teorias
cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 37-58.
___________. Humana mente: El mundo, La conciencia y La carne. Madrid: Mor, ata,
2003.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias. Rio de
Janeiro. Ed. FAFIC, 2003.
__________. A Informática na Educação – Um caso de Emergência. Rio de Janeiro. Ed.
DAMADÁ, 1999.
__________. O computador como um recurso instrucional. Congresso Internacional -
Pedagogia 2001. CUBA, 2001.
__________, A mídia digital e processos educacionais. Congresso Internacional -
Pedagogia 2003. CUBA, 2003.
UNESCO. TIC na educação do Brasil. s.n.t. Disponível em
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/communication-and-information/access-to-
knowledge /ict-in-education/. Acesso em 15 dez. 2014.
VERASZTO, Estéfano Vizconde; et al. Tecnologia: Buscando uma definição para o
conceito. Revista Prisma.com. nº7, 2008. pp.60-85. Disponível em
http://revistas.ua.pt/index.php/prismacom/article/viewFile/681/pdf. Acesso em 13 dez.
2014.

412
413
A INFORMATIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
A INCLUSÃO SOB O OLHAR DA TECNOLOGIA

Eliane Costa Almeida


Faculdade de Filosofia de Itaperuna-RJ

Dayse Sampaio Lopes Borges


Faculdade de Filosofia de Itaperuna-RJ

RESUMO: A utilização do computador no âmbito da Educação de Jovens e Adultos (EJA),


apresenta um desafio para alunos e professores, por ser uma maquina que solicita
habilidade no manuseio por parte dos atores, heterogêneos em sua essência. A escola
necessita estar aberta à utilização das novas tecnologias, pois o mundo está repleto de
informação, onde rapidez e precisão são imperativas. Sendo assim, o artigo: A
informatização na educação de jovens e adultos: a inclusão sob o olhar da tecnologia, se
fundamentou na necessidade de se estabelecer um conceito sobre informatização inclusiva,
aprendizagem, EJA, na formação da prática dos envolvidos. Portanto, incluí-los na sociedade
significa entender que a globalização e a informatização dos meios sociais estão em
ascensão e o amparo nesse aspecto é imprescindível. Deste modo, buscou-se descrever esse
tema investigando teoricamente alguns autores como: Freire (1996); Ianni (2002); Castells
(2000); Brandão (1995) e outros, que embasaram este estudo e possibilitaram um
entendimento sobre o assunto abordado. Assim, estabeleceu-se conceitos sobre a sociedade
da informação, novas tecnologias, aprendizagem e utilização do computador na sala de aula
enquanto processo inclusivo de aprendizagem. A relevância do estudo se estabeleceu na
relação do profissional da educação com a utilização do computador como ferramenta para
a sua práxis pedagógica, de maneira a possibilitar a vinculação da aprendizagem com o
desenvolvimento integral dos alunos.
Palavras-chave: Informatização inclusiva. Aprendizagem. EJA.

INTRODUÇÃO
O século XXI encontra-se em pleno desenvolvimento tecnológico, graças às inúmeras
e sucessivas revoluções na área da tecnologia, onde o ser humano deve participar
ativamente nesse processo de construção de uma sociedade informatizada, que atenda da
melhor maneira possível todas as camadas sociais.
Esse estudo de cunho bibliográfico se justifica, pela importância da tecnologia,
principalmente o uso do computador na vida de todos os seres humanos que já trazem
consigo, desde o lar, o manuseio de objetos com componentes digitais que demandam
possuir certa habilidade para manuseá-los. Embasando assim, a construção de uma prática

414
educativa mais apta ao mundo globalizado em que a sociedade está inserida possibilitando a
inclusão dos alunos da Educação de Jovens e Adultos, EJA, a essa camada social estruturada
em tecnologias, onde até mesmo uma simples realização de um pagamento de uma conta,
requer entendimento a respeito dos computadores na hora da digitalização dos valores nos
caixas eletrônicos.
O objetivo geral desse trabalho foi demonstrar teoricamente como é viável trabalhar
na EJA com o computador, sendo este uma ferramenta de auxílio no processo de
aprendizagem, pois já se encontra inserido em sua realidade fora do contexto escolar e
torná-lo um suporte na educação vem a ser uma maneira de realizar uma atividade mais de
acordo com as vivências dos alunos e também de motivar sua permanência na sala de aula.
Contudo, a Educação de Jovens e Adultos, no cenário brasileiro, nasce da união e
compromisso estabelecido entre a alfabetização e a educação popular. Concebida como um
processo de extensão e profundidade, destinando-se a grandes contingentes populacionais,
ao mesmo tempo em que contribuí para que estas pessoas voltem a acreditar na
possibilidade de mudança e melhoria de suas vidas ao poderem ler o mundo e, ao lê-lo,
transformá-lo.
Considerando a importância e o significado que o acesso ao saber representa para a
população e, em especial, para a demanda de jovens e adultos, torna-se relevante, a sua
inclusão digital, pontuado no uso do computador no seu processo de aprendizagem para
edificar a sua permanência, motivação e interesse pelo estudo.
Nesse sentido, buscou-se no princípio descrever um breve relato teórico da EJA no
Brasil, o uso do computador no processo de aprendizagem, abordando também os jovens e
adultos, descrevendo um pouquinho de suas características e como eles se sentem em
relação a voltar a estudar.
Tem-se, ainda, a descrição do computador como ferramenta na educação, não
deixando de relatar o educador e o uso do computador na escola defendendo que o mesmo,
está presente na maioria dos lares e atividades cotidianas, como pagamentos de contas e
transações comerciais, atentando ao professor mediante a sua utilização na
contextualização da aprendizagem escolar.

415
Portanto, neste trabalho, observam-se os alunos da EJA e a inclusão dos mesmos na
sociedade, visando oferecer um norte para todos que se interessam no processo de ensino e
aprendizado dessa clientela.

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


A alfabetização de jovens e adultos é um movimento histórico muito intenso,
complexo e recheado de conflitos com difíceis soluções, que se prolonga por muito tempo
no Brasil.
De acordo com Fonseca (2005), foi a partir do século XX que o analfabetismo no
Brasil passou a ser visto pelas elites como principal causa do atraso econômico e das mazelas
sociais do país, fato que, até então, era considerado normal. As pessoas levavam uma vida
mais de oralidade, onde as informações era passada através das gerações pela fala, através
da vivência com as outras pessoas.
A educação de jovens e adultos (EJA), ainda citando o autor acima, começou o seu
processo no Brasil por volta de 1934, mas as condições que favoreceram para que essa
educação viesse a eclodir, foi em torno de 1940, com o Plano Nacional de Educação. Em
1938, foi criado o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), que projetou o Fundo
Nacional do Ensino Primário, no intuito de promover a educação de jovens e adultos.
Sabe-se que uma série de atividades foram desenvolvidas, a partir de um órgão
chamado Serviço de Educação de jovens e Adultos (SEA), que contribuiu e produziu material
didático para mobilizar a opinião pública, bem como governos estaduais e municipais.
Nesse sentido, Piconez relata que:

Durante as décadas de 1940 a 1950 os índices de analfabetismo caíram e


com o Congresso Nacional de Educação de Adultos no Rio de Janeiro, deu-
se um novo período na educação que se caracterizou pela intensa busca de
maior eficiência metodológica e pela reflexão sobre o social, no
pensamento pedagógico brasileiro (PICONEZ, 2002, p.22).

Dentro desse panorama, diversos programas e campanhas educacionais de jovens e


adultos passaram a ganhar importância no cenário brasileiro, pois viu-se a necessidade de se
promover a educação visando um crescimento econômico para o país.

416
No entanto, estabelecendo um paralelo entre as atuações do professor do ensino
normal, em relação ao alunado da EJA, pode-se afirmar, segundo Freire (1996), que a
disciplina em sala de aula está diretamente ligada ao estilo de prática docente, isto é, à
autoridade profissional, moral e técnica do professor.
Nesse sentido, por ser a EJA uma parte da educação que abarca indivíduos que
necessitam de um aprimoramento em seus conhecimentos, torna-se viável a edificação de
aulas que motivem a sua permanência na escola, evitando sua evasão. Sendo assim, para
tornar a inclusão desses alunos na sociedade há de se entender que a globalização e a
informatização dos meios sociais, econômicos e políticos estão em plena ascensão e não se
pode deixar de amparar essa clientela nesse aspecto, pois seria negligenciar o próprio
progresso do mundo.
Na Lei de Diretrizes e Base (LDB), Lei nº 9394/96, no que se refere à educação de
jovens e adultos, seu artigo 3º fica determina, dentre os princípios que servem de base ao
ensino, que:

[...] igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...]


pluralismo de ideia e de concepções pedagógicas; [...] garantia de padrão
de qualidade; [...] valorização da experiência extraescolar; [...] vinculação
entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996).

Tais princípios estimulam a criação de propostas alternativas visando à promoção de


igualdade para o acesso e permanência do aluno, a adoção de concepções pedagógicas que
valorizam a experiência extraescolar e a vinculação entre educação, trabalho e práticas
sociais, firmando compromisso com a EJA, na formação de cidadãos conscientes de sua
história e participação na sociedade.
As experiências adquiridas e vividas na escola, numa sala de jovens e adultos, de
acordo com Piconez (2002) são ímpares e somente quem as vive pode relatá-las com
profundidade. Os anseios de um educando que, por inúmeras razões retorna à escola depois
de muitos anos afastados dos afazeres escolares, em detrimento dos afazeres da
sobrevivência, embora já adulto, são depositados nas práticas pedagógicas do professor que
exerce a docência.

A INFORMATIZAÇÃO NAS ESCOLAS


417
Conforme esclarece Ianni (2002), mesmo com a demanda da informatização e o
grande desenvolvimento tecnológico, através do qual tudo se apresenta em tempo
imediato, o processo cultural não se equiparou. Ao contrário, muitas pessoas resistem ao
mundo tecnológico, e não se adéquam a uma cultura globalizada, pois cada país tem suas
especificidades e a sociedade da informação tem que ser adaptadas a elas.
No Brasil, conforme descreve Castells (2000), a facilidade de comunicação é visível,
pois entre as novas tecnologias da informação, a internet é uma forma habitual de se
comunicar, onde se estabelece como uma importante fonte de conhecimento e pesquisa,
através do qual, os sujeitos que estão se intercomunicando podem trocar conhecimentos
simultâneos de forma real.
Mas, infelizmente, o desenvolvimento da sociedade da informação brasileira,
acontece de forma lenta, e grandes mudanças só acontecerão em longo prazo. O que se
percebe é que essas mudanças produzem melhorias na qualidade de vida da sociedade,
facilitando o acesso a informações necessárias para a participação social e política do país e
a inclusão dos alunos da EJA nesse cenário tecnológico. Segundo Brandão:

Cada vez mais se dissemina a informação na rede de informática, mas a


disponibilização da informação, em meio eletrônico ou não, por si só, não
assegura o processo de aprendizagem no sujeito, dependendo em muito de
um professor para orientar na realização das atividades para alcançarem o
conhecimento (BRANDÃO, 1995, p. 21).

Observa-se a relevância de se aliar o professor com a tecnologia, a fim de auxiliar o


educando no processo de manuseio do computador, visando aprimoramento dos
conteúdos.
De acordo com Ianni (2002), foi através da globalização que se verificou dentre as
novas tecnologias da informação, a televisão via satélite, que está mais presente e atuante
em todo o país. Quanto às outras tecnologias como celular e computador serão ampliadas
de acordo com sua relevância, mesmo nos grandes centros urbanos.
Assim, a sociedade por se encontrar em contínua evolução tecnológica, necessita de
pessoas aptas para atuarem em consonância com a era da informação e principalmente
auxiliar nesse crescimento da globalização, para poder formar uma economia e
desenvolvimento social mais igualitário e com menos segregação, que aponte um caminho

418
mais propício para o progresso da humanidade e a sua ascensão pessoal, tornando o
conhecimento formal, como propulsor dessa mudança.

A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA NA EJA


Paulo Freire (1996) relata que o educador precisa partir do seu conhecimento de vida
e do educando, para embasar suas aulas, principalmente na educação dos jovens e adultos,
caso contrário, podem ocorrer falhas. Sendo assim, cabe ao professor perceber o que os
alunos almejam com os estudos e com base nessa informação, ele deve construir com uma
prática, que atenda às diferentes necessidades de aprendizagem.
Por conseguinte, de acordo com Gadotti (2005), o público da EJA, em sua quase
totalidade, vivencia uma realidade social de marginalidade, cujos direitos básicos são
negados e a luta pela sobrevivência coloca-se como o mais urgente. Os estudantes da EJA
carregam consigo uma história escolar anterior, permeada por desistências, fracassos e
insucessos. Diante desta realidade, esses alunos chegam à escola com a autoestima abalada,
desacreditados de que a construção de outra realidade seja possível e são provenientes de
um contexto socioeconômico extremamente perverso.
Piconez destaca que:

Quanto mais se avança na configuração da juventude e da vida adulta,


teremos mais elementos para configurar a especificidade da EJA, a começar
por superar visões restritivas que tão negativamente a marcaram e
consequentemente atrapalharam o desenvolvimento pessoal, social e
intelectual desses indivíduos (PICONEZ, 2002, p. 22-23).

Nesse ponto, fica claro que as instituições escolares, enxergam apenas o aluno da EJA
em suas trajetórias escolares truncadas, de forma específica como evadidos, reprovados,
defasados, com problemas de frequência e aprendizagem. Cabendo a todos que participam
do processo de aprendizagem, desenvolverem consciência da importância de alfabetizar
esse público da EJA e lhes dá uma nova oportunidade de crescimento pessoal.
Segundo Gadotti:

A educação de adultos visa a atuar sobre as massas para que estas, pela
elevação de seu padrão de cultura, produzam representantes mais
capacitados para fluir socialmente recebendo a inclusão que realmente

419
merecem e sendo participativos e até mesmo competitivos no mercado de
trabalho (GADOTTI, 2005, p.67).
O desafio da educação de adultos, concebida também como educação popular, é o
pensar globalmente e atuar localmente, junto às dificuldades estruturais, financeiras e as
exigências do mercado de trabalho. O analfabetismo formal aliou-se ao digital, que também
provoca exclusão, pobreza e injustiça social.
Por conseguinte, o computador está presente na maioria das casas e atualmente é
encontrado em todas as atividades de uma pessoa, seja no lazer, como os jogos
informatizados, nos bancos, saques em dinheiro nos caixas eletrônicos e depósitos, como
também nas compras diárias, supermercados, lojas e postos de gasolinas. Sendo assim, a
escola como uma entidade de formação intelectual e social dos indivíduos, não pode deixar
de complementar sua educação com essa tecnologia.
Para Castells (2000), a sociedade do conhecimento, que advém das informações
adquiridas através da ciência, é muito exigente, ao passo que, se as pessoas não estiverem
preparadas ficarão excluídas. Diante dessa constatação, percebe-se a necessidade da escola
mudar e evoluir, trazer para seu cerne ferramentas pedagógicas que valorizam a formação
integral do aluno, para indicar respostas, sanando as dúvidas, cada vez mais frequente, dos
indivíduos presentes na comunidade atualmente, que querem poder participar do
desenvolvimento político e econômico do país. Sendo assim:

A sociedade do conhecimento em que vivemos só pode desenvolver-se


através do forte reforço da capacidade humana promovendo a excelência
na educação, do básico ao terciário, e apostando na aprendizagem ao longo
da vida como novo paradigma educativo (CASTELLS, 2000, p.47).

Assim, observa-se a necessidade da evolução tecnológica caminhar em conjunto com


a educação, não deixando de lado a EJA, pois é a partir da mesma, que os sujeitos irão
participar dessa nova era, e poderão permear um caminho de progresso intelectual, moral e
econômico.
Logo, a utilização do computador no ambiente educativo da EJA deve estar
metodologicamente estruturada para facilitar seu manuseio, tanto por parte dos alunos
como do professor. Desse modo, quando se prepara uma aula para ser apresentada nesse

420
tipo de tecnologia, o educador deve fazer um planejamento do conteúdo de forma que se
estabeleçam todos os objetivos que ele quer alcançar perante seus estudantes.
O computador possui uma mágica que desperta em seus usuários a vontade de
dominá-lo e reproduzir desejos de manuseio nos mesmos. Desta forma, para Alencar (2001),
esta motivação em mexer e explorar um computador se projeta pelo fato, dessa máquina se
posicionar como uma ferramenta na sociedade para o uso cotidiano, pois suas informações
são atrativas, como sons, imagens e textos, executando ainda, operações rápidas, tornando
a aprendizagem dinâmica e eficaz. Ao passo que, possibilitem aos usuários a manipulação do
material produzido com facilidade, como correções, alterações e inserções.
Sendo assim, o computador é uma fenomenal ferramenta educacional, pois através
das suas opções de multimídias, internet, produção textual, desenhos e planilhas,
possibilitam ao aprendiz, desenvolver uma aprendizagem que parta dele mesmo, ou seja,
autodidata.
Segundo Ianni (2002) deve-se reconhecer que as tecnologias são necessárias na vida
do ser humano. Cabendo ao professor, entender a dimensão do uso do computador como
instrumento auxiliar no processo de ensino aprendizagem e não, como um fim em si mesmo,
que apenas é mais um componente para apresentar o conteúdo na sala de aula.
Esse mesmo autor acrescenta que é necessário entender o computador em toda a
sua extensão, para não correr o risco de verificar as mudanças e as inovações tecnológicas
distante da realidade da educação, pois por ser, o ensino nas escolas, um processo de
desenvolvimento do ser humano de forma integral, cabe não deixar de associar aos
conteúdos, o uso da informática e a apresentação dos diferentes tipos de tecnologias.
Adaptando o conhecimento formal com a realidade que se encontra a sociedade atual.
Dessa forma, Ianni, apresenta a seguinte reflexão:

A alfabetização deve ser atrelada à científica e a tecnológica para que todos


os cidadãos e o envolvimento do professor nesse processo transcendam de
forma coerente, com os objetivos educacionais propostos e assimilados
para produzir entendimentos específicos sobre conteúdos formais e
conhecimento geral de mundo (IANNI, 2002, p. 39).

Percebe-se então, que o uso do computador no ambiente educacional da EJA,


quando bem explorado, contribui com as transformações que se almejam na educação,
421
favorecendo a construção do sujeito cognitivo, capaz de entender melhor o mundo em que
vive, para se apropriar dos conhecimentos e utilizar os mesmos, de forma coerente em seu
cotidiano, para formalizar sua inclusão no mercado de trabalho e na sociedade do qual faz
parte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação na EJA somente é possível através do olhar do professor, pois este
quando preocupado e ativo nessa modalidade de ensino, propõe um despertar para o aluno
que se vê inserido no mundo, com toda a sua potencialidade e dinamismo.
O uso do computador na EJA vem de encontro com as propostas de um ensino que
qualifique e motive os alunos na aprendizagem formal, pois através da dinâmica do seu uso
em sala de aula, os educandos são envolvidos por uma ferramenta que o desafia e o insere
em um mundo mais compatível com sua realidade cotidiana, fora do espaço escolar e
culmina por ampará-lo na sua inclusão social.
Contudo, diante das leituras dos autores pesquisados, verificou-se que o
conhecimento viabiliza o processo de ascensão do ser humano e que é através dele, que se
promove a edificação de uma sociedade. Sendo assim, favorecer uma cultura informatizada
no âmbito educativo é uma das maneiras que o educador da EJA encontra para explorar da
melhor maneira possível, alternativas motivacionais nessa área.
Dessa maneira, entendeu-se que a educação da EJA na atualidade enfrenta um novo
desafio educativo, que vem a ser o uso das tecnologias na sala de aula. Desse modo, ficou
claro que quando se insere o computador como ferramenta no processo de ensino
aprendizagem está se buscando trazer para o cotidiano escolar as vivências dos educandos
na sociedade que ele está inserido, pois eles já possuem um conhecimento do uso da
tecnologia em seu lar, como celular e internet.
Logo, a utilização das tecnologias se torna cada vez mais cotidiana na vida dos
educandos. Sendo assim, uma escola preocupada com os objetivos educacionais de seus
alunos deve proporcionar aos mesmos, acesso às mídias que possibilitem o seu
desenvolvimento integral. Fazendo com que o seu caminhar nos conteúdos escolares sejam
também, motivados por tecnologias, como o computador.

422
Vale ressaltar ainda, que a educação é um processo que se estende por toda vida. E o
ser humano deve se capacitar cada vez mais, para se viver nesse mundo informatizado que
se está construindo. Sendo assim, por ser a escola o veículo condutor da educação, compete
a ela não ficar de fora desse desenvolvimento tecnológico e adquirir normas e meios para
proporcionar ao seu corpo docente a sua formação na área da informática. Promovendo
assim, uma educação mais próxima da realidade social dos alunos.
Entretanto, por se reconhecer que as tecnologias estão instaladas em diversificados
setores da sociedade, cabe à educação, aliá-la ao seu cotidiano para se desenvolver a
aprendizagem e promover indivíduos capacitados para viver em um mundo, onde o
computador faz parte ativamente da maioria dos cotidianos das pessoas.
O progresso e o desenvolvimento tecnológico é algo atual e real. Tem-se que aceitá-
lo e aprender a utilizá-lo de forma correta e ética, para o bem comum, para a transformação
da sociedade e principalmente para diminuir as diferenças educacionais e sócias dos
indivíduos. Sendo preciso, fazer uma reflexão crítica a respeito do uso da informática na
educação, pois ela sozinha não resolverá os problemas que enfrentam a aprendizagem atual,
como a falta de interesse dos alunos na sala de aula, mas certamente contribuirá para
motivar a sua participação nas aulas.
Por conseguinte, tem-se através da tecnologia um meio eficaz e atraente no processo
de ensino-aprendizagem na EJA como ferramenta que fornece suporte na prática dos
educadores. Não se esquecendo, que o mundo e a tecnologia atualizam-se constantemente
e os professores precisam acompanhar essa evolução, para poderem estar de acordo com as
vivências de seus alunos.
Para Bakhtin (1981, p. 33), “se eu mesmo sou um ser acabado e se o conhecimento é
algo acabado , não posso viver nem agir: pra viver devo estar inacabado, aberto para mim
mesmo – pelo menos no que constitui o essencial em minha vida ; devo ser para mim
mesmo um valor por vir , devo não coincidir com a minha própria atualidade”.
Portanto, por se acreditar que o conhecimento eleva o ser humano e o torna senhor
de seu próprio destino, ou seja, um sujeito autônomo, cabe aos professores direcionarem o
processo de ensino-aprendizagem na EJA, contribuindo para a formação acadêmica de seus
educandos e promovendo sua inclusão em face às tecnologias.

423
REFERÊNCIAS

ALENCAR, Eunice Soriano de. Como desenvolver o potencial criador: um guia para a
libertação da criatividade em sala de aula. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas
fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec,
1997.
BRANDÃO, E.J.R. Informática e educação: uma difícil aliança. São Paulo: Cortez, 1995.
BRASIL. Lei Federal nº 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília:
MEC/SEF, 1996.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
IANNI, Octávio. A sociedade global. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
FONSECA, Silva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. São Paulo: Papirus, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 5. ed.


Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1996.

GADOTTI, M. Educação de jovens e adultos: correntes e tendências. São Paulo: Cortez,


2005.
PICONEZ, Stela C. Bertholo. Educação Escolar de Jovens e Adultos. São Paulo: Papirus.
2002.

424
A PRESSA É INIMIGA... DO JORNALISTA: COMO A ACELERAÇÃO DOS PROCESSOS INTERFERE
NA QUALIDADE DO DISCURSO JORNALÍSTICO

Milena Ferreira Hygino Nunes


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Carlos Henrique Medeiros de Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Analice de Oliveira Martins


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a aceleração dos
processos de produção e veiculação jornalísticas provocada pela internet e analisar o efeito
dessas mudanças no discurso jornalístico de veículos on-line, tomando-se como exemplo a
cobertura feita pelo portal de notícias G1 sobre o incêndio na boate Kiss (ocorrido em Santa
Maria – RS, em 27 de janeiro de 2013). Com base em autores como Felipe Pena, Pollyana
Ferrari, Pierre Lévy, Patrick Charaudeau, entre outros, fez-se um breve arcabouço teórico
acerca das peculiaridades do jornalismo on-line e analisou-se o discurso jornalístico,
sobretudo em relação à precisão das notícias. Ao final, verificou-se que as condições de
produção do discurso jornalístico no ciberespaço colaboram para que as notícias sejam
geradas rapidamente, de forma prematura, sem a devida apuração, prejudicando, assim a
qualidade e, consequentemente, a credibilidade do que é veiculado.
Palavras-chave: Discurso jornalístico. Jornalismo on-line. Análise do Discurso.

INTRODUÇÃO
O rápido avanço das tecnologias tem provocado mudanças bruscas no setor das
comunicações. Esse cenário dominado pela internet, com inúmeros recursos tecnológicos e
redes sociais, alterou, de forma significativa, as rotinas de produção e veiculação
jornalísticas. Os processos passaram a ser mais flexíveis, rápidos e dinâmicos, o que resultou
em maiores possibilidades de apuração, processamento e publicação em um período de
tempo bem menor.
E assim como facilitou a veiculação, facilitou o consumo, motivado pelo crescente
número de pessoas com acesso à internet no Brasil. Pesquisas recentes sobre hábitos de
consumo de mídias da população brasileira mostram que a internet ficou em terceiro lugar
como mídia mais acessada, atrás da TV e do rádio. Porém, quanto ao meio de comunicação
preferido, a internet sobe para segundo lugar, com perspectiva de crescimento para os

425
próximos anos. Esses dados confirmam a necessidade de reflexão sobre a qualidade do
discurso jornalístico no meio on-line, em relação ao impresso, uma vez que as notícias têm
sido consumidas por cada vez mais pessoas na internet. E que notícia é essa?
No jornalismo on-line, as formas de apuração e verificação de informações passam
pela própria internet, o que possibilita um jornalismo muito mais ágil, porém, de certa
forma, arriscado, porque pode se transformar em superficial, impreciso, sem qualidade e,
consequentemente, sem credibilidade. É importante avaliar até que ponto o ciberespaço e
as suas características intrínsecas, principalmente a questão da atualidade, colaboram com o
exercício do jornalismo, sem atrapalhar o resultado de um trabalho bem elaborado e
criterioso, com a verdadeira apuração dos fatos, evitando, assim, que sejam geradas notícias
“prematuras” nos veículos on-line, decorrentes da pressa própria do meio e da disputa
acirrada pelos internautas, o que requer atualizações rápidas e constantes.

PECULIARIDADES DO JORNALISMO ON-LINE


As mudanças na produção e na veiculação de notícias, possibilitadas pelo ambiente
virtual, são nítidas. Lévy (1999) explica que “[...] esse novo meio [ciberespaço] tem a vocação
de colocar em sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação, de
gravação, de comunicação e de simulação” (LÉVY, 1999, p. 95) e aposta que “[...] a
perspectiva da digitalização geral das informações provavelmente tornará o ciberespaço o
principal canal de comunicação e suporte de memória da humanidade a partir do início do
próximo século” (LÉVY, 1999, p. 95).
Porém, é preciso ver essas mudanças com ressalvas. Ferrari (2008) chega a afirma
que, no caso específico das redações on-line, a produção deixou de ser um item do exercício
do jornalismo, porque

[...] adotou-se apenas a produção de notícias, ou, como se diz no jargão


jornalístico, de “empacotamento” da notícia. Empacotar significa receber
um material produzido, na maioria das vezes, por uma agência de notícias
conveniada, e mudar o título, a abertura, transformar alguns parágrafos em
outra matéria para ser usada como link correlato, adicionar foto ou vídeo, e
por aí afora (FERRARI, 2008, p. 44).

426
Esse “empacotamento”, de fato, ocorre e é perceptível. As matérias selecionadas do
G1 – objetos de análise deste artigo – servem como exemplo. O que explica essa prática é,
certamente, a necessidade de atualização constante imposta pelo meio. “Na internet, o
‘tornar consumível’ ou a ‘disponibilização’ rivaliza com o próprio impacto do que é
divulgado” (HERNANDES, 2012, p. 255), para dar a sensação de máxima atualidade, o que
acaba resultando em imprecisões e erros.
Por trazer mudanças profundas,

[...] não podemos encará-la [a internet] apenas como uma mídia que surgiu
para viabilizar a convergência entre rádio, jornal e televisão. A internet é
outra coisa, uma outra verdade e consequentemente uma outra mídia,
muito ligada à tecnologia e com particularidades únicas (FERRARI, 2008, p.
45).

A seguir, são explicitadas as peculiaridades do jornalismo on-line, em comparação


com as do impresso:
a) Multimidialidade
Também chamada de convergência de mídias, caracteriza-se pela combinação de
diversos formatos dos meios de comunicação tradicionais – jornal, rádio e televisão – para o
relato do fato jornalístico. Ferrari (2008) destaca que o jornalismo on-line envolve conteúdo
cujos elementos “[...] vão muito além dos tradicionalmente utilizados na cobertura impressa
– textos, fotos e gráficos. Pode-se adicionar sequências de vídeo, áudio e ilustrações
animadas” (FERRARI, 2008, p.39), o que torna a matéria mais atrativa e com possibilidade de
aprofundamento do assunto abordado, tanto pelo recurso multimídia quanto pelo espaço
virtual “infinito” disponível.
Canavilhas (2003) defende que, ao poder utilizar um recurso multimídia como o
vídeo, mais do que citar, o jornal on-line pode oferecer o som original do citado,
caminhando assim para um jornalismo mais objetivo (CANAVILHAS, 2003). Na visão do
autor, “[...] o vídeo [...] empresta um caráter legitimador à informação veiculada no texto”
(CANAVILHAS, 2003, p. 69). É o que Charaudeau (2009) chama de autenticação: fazer crer na
coincidência, sem filtragem nem falsas aparências, entre o que é dito e os fatos descritos. “A
autenticação nas mídias é a prova pelo ‘visto-dito-ouvido’ que deve atestar sem disfarce ‘o
que é’” (CHARAUDEAU, 2009, p. 89).

427
Deve-se levar em consideração, porém, que, se uma notícia é passível de
desconfiança, independe o formato em que está – texto, vídeo, áudio, foto –, porque todos
estão sujeitos à edição e, portanto, ao recorte do que interessa para o veículo jornalístico ser
mostrado, corroborando a teoria do jornalismo como construção da realidade. Ou seja, tem-
se a concepção de que o recurso multimídia é mais atrativo do que legitimador de discurso
em um veículo, por também ser passível de edição.
O aspecto multimídia do jornalismo on-line afetou também os profissionais, suas
funções e hábitos nas redações. Sem dúvida, a convergência dos meios de comunicação
provocou uma reforma radical nas redações, com o surgimento de funções novas,
inexistentes em todos os meios impressos e audiovisuais surgidos no século XX (CASTILHO,
2005). Porém, houve também redução de pessoal, pela obrigatoriedade de os jornalistas
serem multifuncionais, por causa do meio on-line ser multimídia e também exigir produção e
veiculação da notícia em um curto espaço de tempo.
Por ter que exercer diversas funções, como as de apurador, pauteiro e editor da
própria matéria, além de repórter, em um curto espaço de tempo, o jornalista não consegue
manter a qualidade do trabalho, como aponta Kischinhevsky (2009): “[...] muitas vezes,
embora resista a admitir abertamente, o jornalista acaba deixando em segundo plano a
profundidade na apuração, abrindo mão de novas entrevistas que poderiam garantir maior
qualidade na informação” (KISCHINHEVSKY, 2009, p. 69).
Outra grande mudança ocorreu no processo de apuração, que passou a ser feito
majoritariamente pela internet. “O fazer jornalístico está mudando, [...] raramente o
repórter web sai à rua em busca de um fato. O fato vem até ele pela própria net” (FERRARI,
2008, p. 54), seja pela abrangência do meio, seja pela falta de tempo para uma apuração
mais criteriosa em outras fontes. Por causa da apuração precária, “[...] mais do que uma
descrição única e extensa de um dado evento, o on-line promove um mosaico informativo
de pequenas notícias sobre o tema” (FIDALGO, 2003, p. 60).
Os veículos impressos também utilizam a internet para recolher informação
atualmente. O problema do on-line é que, como o tempo de apuração, produção da notícia
e veiculação é curto – diferentemente do impresso, que tem até 24 horas – muitas vezes a

428
informação não é confirmada. E então são geradas imprecisões, que prejudicam a qualidade
e a credibilidade do que é noticiado.
b) Hipertextualidade
Possibilita a interconexão de diferentes blocos informativos – textos, vídeos, áudio,
fotos – através de links (AGUIAR, 2009). Ao utilizar links, um jornal on-line permite que o
leitor decida e avance sua leitura do modo como quiser, sem ser obrigado a seguir uma
ordem linear.
É preciso esclarecer, porém, que também em um suporte impresso – seja livro, como
citou Ferrari, seja jornal – é possível fazer leitura não-linear, consultando o sumário ou o
índice remissivo, como bem lembra Lévy (1999), ou pulando de uma matéria a outra, de uma
página a outra, no jornal impresso. Entretanto, o suporte digital traz uma diferença
considerável: a passagem de um nó [link] a outro é feita, no computador, com grande
rapidez, da ordem de alguns segundos (LÉVY, 1999).
c) Interatividade
A multimidialidade e a hipertextualidade pressupõem interatividade, ao proporcionar
ao leitor a possibilidade de ler as matérias do jornal on-line “na ordem que desejar”
(FERRARI, 2008). Segundo Ferrari (2008), “[...] todo leitor web consegue reconfigurar a
informação de acordo com suas preferências e hábitos de leitura” (FERRARI, 2008, p. 43),
tornando-se um escritor enquanto lê.
Porém, é importante destacar que o “poder de decisão” e de “navegação livre” do
leitor no meio on-line tem ressalvas. Pena (2008) explica que

[...] os emissores criam ícones e percursos de leitura e o usuário acredita


que decide por onde navegar. O que poderia ser até viável, se não
levássemos em conta que os links são preestabelecidos e podem nos levar a
‘caminhar’ em círculos, sempre de acordo com o interesse do produtor da
mensagem (PENA, 2008, p. 100).

Tem-se a preocupação que, erroneamente, se entenda que “[...] os hipertextos


servem para interromper o fluxo de leitura através de redes remissivas interligadas, os links,
e para conduzir o leitor a um vertiginoso delírio de possibilidades” (VILLAÇA, 2002, p. 107).
Se é link, se conduz o leitor – em vez de somente sugerir um caminho –, não há “delírio de

429
possibilidades”, porque é algo predeterminado, formatado, limitado, que “homogeneiza a
percepção” (VILLAÇA, 2002), como a própria Villaça alerta.
A interatividade também abarca a oportunidade de maior interação entre leitor e
jornal. Aguiar (2009) aponta diversos modos: envio de comentários sobre os fatos
noticiados; participação em chats com jornalistas e entrevistados; troca de e-mails; presença
nos fóruns de discussão; atuação como “repórter-cidadão” nas páginas de jornalismo
colaborativo.
Sabe-se, entretanto, que também no meio on-line a participação é moderada, ainda
que menos que no impresso. Nem todos os comentários enviados ao jornal on-line sobre
determinada matéria, por exemplo, aparecem na página do veículo. E, quando sim, não
ocorre imediatamente após o envio, como descreve Canavilhas na citação acima, ao
defender de forma exacerbada a interatividade do meio on-line. O que não se pode negar é
que, no on-line, a interatividade entre leitor e jornal é potencialmente maior, seja pela
dinâmica do meio – é mais rápido, acessível e prático –, seja também pelo espaço quase
infinito disponível para publicação de comentários.
d) Atualidade
Essa característica, também chamada de instantaneidade, é definida por Aguiar
(2009) como “[...] a capacidade de transmissão imediata e contínua de informações
atualizadas sucessivamente” (AGUIAR, 2009, p. 171), sendo muito forte nos veículos on-line,
pela dinâmica mesma do meio, principalmente nos portais, como explica Hernandes (2012):

Qualquer jornal precisa fazer seu consumidor acreditar que as notícias


divulgadas são atuais. O portal tem o contrato com a cláusula mais rígida.
Precisa, a cada punhado de segundos, afirmar-se como atual e pertinente a
usuários com interesses desiguais que precisam se sentir contemplados no
recorte de mundo disponibilizado na home. O “ineditismo” de um fato é um
valor mais importante no portal do que em outros meios de comunicação.
Serve para gerar o efeito de proximidade temporal entre enunciador e
enunciatário (HERNANDES, 2012, p. 253).

Comparando os veículos impresso e o on-line, enquanto o primeiro tem uma


atualização (ou periodicidade) de 24 horas – uma vez que o jornal tem uma edição por dia –,
o outro tem uma atualização constante, medida em minutos.

430
A análise dos veículos G1 e O Globo, feita neste trabalho, confirma: num mesmo
intervalo de tempo (24 horas), O Globo publicou 19 matérias; o G1, 120, o que equivale,
aproximadamente, a uma atualização a cada 12 minutos do veículo on-line. Ao descrever a
rotina de produção jornalística no meio on-line, Ferrari (2008) corrobora a estatística:

O caminho percorrido pela notícia, desde o surgimento da ideia na reunião


de pauta (ou do momento em que o repórter ou editor acessa os sites das
agências de notícias) até sua “publicação” na internet demora, muitas
vezes, dez minutos. Principalmente na área de últimas notícias, o tempo é o
grande “capataz” da apuração (FERRARI, 2008, p. 52).

A necessidade de se veicular a notícia o mais rápido possível, numa busca incessante


pela atualização da informação, gera consequências preocupantes, uma vez que “[...] a
velocidade é consumida como fetiche, pois ‘chegar na frente’ torna-se mais importante do
que ‘dizer a verdade’” (MORETZSOHN, 2002, p. 120). Moretzsohn (2002) cita algumas delas:

Obriga o repórter a divulgar informações sobre as quais não tem certeza;


reduz, quando não anula, a possibilidade de reflexão no processo de
produção da notícia, o que não apenas aumenta a probabilidade de erro
como, principalmente e mais grave, limita a possibilidade de matérias com
ângulos diferenciados de abordagem, capazes de provocar
questionamentos no leitor; e, talvez mais importante, praticamente
impossibilita a ampliação do repertório de fontes, que poderiam
proporcionar essa diversidade (MORETZSOHN, 2002, p. 70).

Para compensar o curto espaço de tempo para apuração e produção das notícias, o
computador torna-se a grande fonte de informações. Sobre isso, Pena (2008) faz um alerta
pertinente: ao mesmo tempo em que o computador “[...] é capaz de, quase
instantaneamente, fornecer ao editor de um jornal tudo que já foi publicado sobre
determinado assunto, a diversidade das fontes torna o resultado final pouco confiável”
(PENA, 2008, p. 60).
Castilho (2005) também critica o uso do computador como fonte primária, ao afirmar
que “[...] a notícia deixa de ser um produto acabado para se transformar num processo
contínuo de recombinação informativa” (CASTILHO, 2005, p. 234), como pode ser visto nas
matérias do G1, objetos de análise. Isso ocorre porque “[...] as inovações tecnológicas na
informática [...] permitiram [...] que a notícia pudesse ser modificada infinitamente e de
forma imediata” (CASTILHO, 2005, p. 240), trazendo algumas consequências preocupantes,
431
como a imprecisão nas informações divulgadas e, ao mesmo tempo, o excesso de
informação – uma vez que o tempo de apuração é curto, por conta da necessidade de
atualização constante no meio on-line, o que colabora para que sejam geradas notícias
superficiais e perecíveis, e também porque é fácil modificá-las; além do apagamento de
notícias, principalmente as que contêm erros.

Checagem requer tempo, fontes e um faro jornalístico para desconfiar de


tudo [...]. O repórter precisa ir atrás dos dados e confirmá-los antes de
publicar na web ou em qualquer outro veículo jornalístico, seja televisivo,
radiofônico ou impresso. Sentir-se obrigado a noticiar o fato antes que o
concorrente o faça é uma camisa-de-força e [...] pode ter consequências
desastrosas (FERRARI, 2008, p. 81).

Sobre o excesso de informação, o sociólogo Bauman chama atenção para esse


fenômeno:

Como calculou Ignacio Ramonet, nos últimos 30 anos se produziu mais


informação no mundo do que nos 5 mil anos anteriores. [...] Quão difícil é,
se não impossível, absorver e assimilar esse volume de informação
“disponível” hoje em dia (circunstância que torna a maior parte dela
endemicamente desperdiçada, e de fato natimorta) (BAUMAN, 2008, p. 54).

Castilho (2005) acrescenta: “Aos 10 anos de idade, o jornalismo on-line passou a ter
que conviver com o problema da avalancha informativa que nenhuma outra modalidade de
jornalismo enfrentou antes, nos 400 anos de história da imprensa” (CASTILHO, 2005, p. 238).
Souza e Brum (2009), assim como Castilho (2005), citado anteriormente, pensam que
a produção dessa grande quantidade de informação é “incentivada” pelas novas tecnologias,
que facilitam a produção e publicação de notícias. E chamam atenção para uma importante
questão: a qualidade da informação que está sendo veiculada.

Hoje, com a Internet, quase todo mundo pode publicar um texto sem uma
editora ou redação jornalística. No entanto, essa liberdade de publicações
que a Internet oferece acarreta o problema da veracidade da garantia
quanto à qualidade da informação. [...] o maior acesso à informação tornou
visível a parte submersa do iceberg: há informação demais (SOUZA e BRUM,
2009, p. 122).

A qualidade interfere na credibilidade do veículo, além de perpassar questões éticas,


aspectos que serão abordados na parte três deste trabalho e que não deveriam ser afetados

432
pela busca pela atualização constante. Pelo contrário, deveriam ser considerados os mais
importantes pelos veículos e jornalistas, como defende Ferrari (2008):

Achar que o mais importante é oferecer as últimas notícias o mais rápido


possível é um grande equívoco do meio. [...] Uma notícia superficial,
incompleta ou descontextualizada causa péssima impressão. É sempre
melhor colocá-la no ar com qualidade, ainda que dez minutos depois dos
concorrentes (FERRARI, 2008, p. 49).

Sobre essa característica peculiar do meio on-line, Bastos (2013) resume bem:

A instantaneidade tornou-se o centro de gravidade do ciberjornalismo. A


voracidade dos ciberleitores pelas “últimas notícias”, a par da necessidade
de não ficar atrás da concorrência, levou os cibermédia a acelerar os ciclos
noticiosos com atualizações cada vez mais rápidas, mais curtas e menos
intermitentes. [...] Nesta aceleração, os riscos multiplicam-se e o preço
paga-se, não poucas vezes, em erros crassos e perda de credibilidade
(BASTOS, 2013, p. 7).

e) Personalização
Outra grande diferença entre a mídia tradicional – especificamente a impressa, por
ser objeto deste trabalho – e a on-line é que esta parte de um grupo grande para um grupo
pequeno, e, por fim, para o indivíduo, enquanto a tradicional tem como objetivo falar com
uma grande quantidade de pessoas (FERRARI, 2008). A mídia on-line, graças aos avanços
tecnológicos e à solidificação da era da informação, consegue atingir o indivíduo digital, que
está habituado

[...] a janelas que se abrem para outros conteúdos, multitarefas,


interatividade de sistemas e softwares cada vez mais amigáveis – todos os
recursos que facilitam a propagação da nova mídia de massa, que já nasceu
com forte apelo visual e concebida para ser direta, objetiva e sucinta. É um
leitor que raramente lê jornal impresso (FERRARI, 2008, p. 53).
Aguiar (2009) explica que a personalização, também chamada de customização ou
individualização do conteúdo, refere-se à opção feita pelo usuário para escolher e configurar
os produtos jornalísticos de acordo com o seu interesse, fazendo com que se sinta parte do
processo de produção da informação. “A tecnologia permite que o usuário realize a seleção
e a hierarquização das notícias, criando páginas personalizadas de acordo com sua
disposição para o consumo de notícias” (AGUIAR, 2009, p. 170). Assim, “[...] o webjornal
transforma-se num informativo pessoal que, embora disponibilize a informação mais
433
importante a cada momento, garante uma primeira página onde se destaquem as áreas de
interesse do utilizador” (CANAVILHAS, 2003, p. 71).
Mas, como bem alerta Serra (2003),

[...] o que se costuma chamar um “acesso personalizado à informação” não


passa, na maior parte dos casos, ou da escolha mais ou menos aleatória de
um determinado percurso hipertextual, dando origem a uma navegação
mais ou menos errática e nomádica ou, então, de um percurso que segue
um itinerário definido previamente à web, e em função de critérios
também eles definidos exterior e previamente à rede, que é aqui mais um
consequente do que um antecedente (SERRA, 2003, p. 45).

Em outras palavras, a crítica de Serra é que a personalização de conteúdo, ao


destacar as supostas preferências de leitura do usuário numa rede de hiperlinks, não é nada
mais do que uma forma de tolher a liberdade de acesso “vendido” como quase infinito que o
ciberespaço possibilita ao leitor.
f) Arquivamento
Chamada também de armazenamento ou memória, a acumulação de informações é
mais viável técnica e economicamente na web do que em outras mídias. Aguiar (2009)
explica que

[...] a tecnologia digital, por admitir ilimitada capacidade de memória, além


de garantir a perenidade e a rápida acessibilidade, permite a
disponibilização on-line de todas as notícias produzidas, que passam a ser
armazenadas em bancos de dados com métodos sofisticados de indexação
e recuperação da informação (AGUIAR, 2009, p. 170).

Fidalgo (2003), na afirmação a seguir, corrobora a facilidade de acesso do arquivo


digital:
O arquivo de jornal era de algum modo um arquivo inerte, arquivo que só o
jornal do dia podia de certa maneira ressuscitar também por um dia. Ora, o
online e o hipertexto permitem o acesso aos jornais do arquivo como se de
jornais do próprio dia se tratassem. Há aqui uma nova esfera do jornalismo,
a ligação ao arquivo, possibilitada pelo online (FIDALGO, 2003, p. 2).

Palácios (2003), por sua vez, destaca o espaço ilimitado de armazenamento na web,
mencionado também por Aguiar (2009) anteriormente:

Da mesma forma que a “quebra dos limites físicos” na web possibilita a


utilização de um espaço praticamente ilimitado para disponibilização de
434
material noticioso (sob os mais variados formatos midiáticos), abre-se a
possibilidade de disponibilizar online toda informação anteriormente
produzida e armazenada, através da criação de arquivos digitais, com
sistemas sofisticados de indexação e recuperação da informação
(PALÁCIOS, 2003, p. 82).

Porém, mesmo com toda a facilidade de armazenamento, acesso e espaço


disponível, ainda assim o arquivamento de todas as notícias dos jornais on-line não é total,
porque, quando erros muito graves são veiculados, matérias que os contêm são
rapidamente excluídas do arquivo ou atualizadas. Mesmo que se tenha o link da matéria
original, não se consegue entrar. Na parte da análise, este assunto será abordado com maior
profundidade e exemplificado com objetos de análise.
Outro problema no arquivamento de jornal on-line é, como destaca Babo (2004),
“[...] esta volatilização do papel a que se segue uma constante atualização dos documentos
na rede simultânea com uma certa precarização do acesso a sítios [sites], que desaparecem
ou se desativam frequentemente” (BABO, 2004, p. 104).
Vê-se, assim, que o armazenamento do jornal on-line tem dois extremos:

Por um lado, a fixação perene, atemporal de textos e documentos, já que


os sistemas de depósito virtual não estão sujeitos à usura do tempo nem à
finitude do espaço; mas por outro lado, a produção textual mais efêmera,
introduzindo na escrita uma dimensão de provisoriedade, de contingência,
que esta, enquanto inscrição em suporte fixo, não possuía (BABO, 2004, p.
105).

Depois da exposição da evolução, conceituação e caracterização dos meios impresso


e on-line, observa-se que o avanço tecnológico e os benefícios trazidos por ele, como a
facilidade de acesso às notícias, a personalização do conteúdo e a superação dos limites de
espaço e tempo proporcionadas pela internet, não garantem “[...] uma melhor qualidade do
produto jornalístico, pois o privilégio dado para a instantaneidade e a quantidade de notícias
ocorre em detrimento do aprofundamento do noticiário” (AGUIAR, 2009, p. 171), como se
verá na parte da análise deste artigo.

METODOLOGIA
Fez-se uma pesquisa descritiva, quando foram analisadas as matérias sobre o
incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), ocorrido em 27 de janeiro de 2013. As matérias
435
analisadas foram noticiadas no jornal impresso O Globo e no portal de notícias G1, ambos os
veículos pertencentes às Organizações Globo, maior grupo de comunicação do Brasil,
responsável pela Infoglobo, pela Rede Globo de Televisão, pelo Sistema Globo de Rádio, pela
Editora Globo, entre outros negócios, como TV a cabo e Internet.
A escolha dos veículos teve como critério o fato de tanto O Globo quanto o G1
fazerem parte do maior conglomerado de mídias brasileiro e terem circulação nacional, além
de serem umas das principais fontes de informação dos leitores, conforme recente pesquisa
(BRASIL, 2014).
Também levou-se em consideração, na escolha dos veículos, a preocupação para que
não houvesse discordância de fatores externos que poderia, de alguma forma, interferir na
política editorial do veículo e, consequentemente, no trabalho de análise. Por isso, ambos os
veículos analisados são da mesma empresa, por se ter a compreensão de que “não há
jornalismo sem aquilo que costumamos compreender como sendo ‘exterior’: os fatos, as
relações de poder, os contextos sociais, as decisões políticas, os interesses econômicos, as
crenças religiosas, as concepções estéticas” (MACHADO e JACKS, 2001, p. 12).
Pelo fato de o universo da pesquisa ser amplo (11 páginas internas do jornal O Globo,
totalizando 19 matérias, e 120 matérias do portal G1), foi necessário fazer um recorte dos
objetos de análise. Selecionou-se uma amostra não probabilística das matérias veiculadas
pelo Globo na edição do dia 28 de janeiro de 2013 e das matérias publicadas pelo G1, em um
período de 24 horas (das 3 horas da manhã do dia 27/01/2013 – horário do incêndio – às 3
horas da manhã do dia 28/01/2013).

ANÁLISE DAS MATÉRIAS


Em se tratando de um veículo on-line, atualizar significa publicar a notícia o mais
rápido possível, em tempo quase real, porque a tecnologia colabora para isso. Comparando
as matérias do jornal O Globo e as do portal de notícias G1 sobre o incêndio em Santa Maria
(RS), em um período de 24 horas (das 3 horas da manhã do dia 27/01/2013 – horário do
incêndio – às 3 horas da manhã do dia 28/01/2013), vê-se que a instantaneidade é muito
mais forte no veículo on-line. Enquanto O Globo teve apenas uma edição nesse intervalo de
tempo, com 11 páginas internas mais capa inteira sobre o ocorrido, o G1, no mesmo

436
período, publicou 120 matérias relacionadas ao incêndio, o que equivale, aproximadamente,
a uma atualização a cada 12 minutos. É importante deixar claro que se levou em
consideração, nesta contabilização, apenas as matérias com assinatura do G1 e de agências
de notícias nacionais ou internacionais, todas veiculadas no site do G1. Assim, não foram
contabilizadas matérias veiculadas no site do G1 neste mesmo espaço de tempo (das 3 horas
do dia 27/01/2013 às 3 horas do dia 28/01/2013) com assinaturas de outros programas e
veículos das Organizações Globo (como Fantástico, rede RBS, Globo News), por se tratar de
reprodução.
Essa busca incessante pela atualização, muito característica do meio on-line, faz com
que, por causa da pressa, não se dedique tempo suficiente para uma apuração mais
criteriosa e para a confirmação das informações e, assim, sejam cometidas imprecisões nas
publicações. Isso ocorre porque, no jornalismo on-line, ao mesmo tempo em que o
acontecimento é apurado, a matéria é produzida e imediatamente publicada, como explica
Kucinski (2005): “[...] é um novo ritmo de abastecimento de notícias, no qual os fatos vão
sendo narrados continuamente, em textos curtos e pouco acabados, à medida que vão
acontecendo, e não depois que aconteceram” (KUCINSKI, 2005, p. 77).
Um indício forte dessa rotina de produção e publicação instantânea do G1, enquanto
o acontecimento ocorre, é o uso de alguns verbos no tempo presente não só nos títulos,
subtítulos e legendas das matérias – aceitável por serem vistos como o resumo, a parte
comentadora da história, que solicita a atenção do leitor, como Koch (2000) explica –, mas
também ao longo do texto, geralmente acompanhado de advérbios ou locuções adverbiais
como já, ainda, neste momento, ou do gerúndio, que indica uma ação contínua, que está
em andamento.
Observa-se que, das 18 matérias do G1 selecionadas como objetos de análise, nove
apresentam, até mais de uma vez, verbos no presente, totalizando 16 fragmentos, enquanto
O Globo apresenta apenas dois fragmentos, em duas matérias diferentes.
Assim, a quantidade de vezes que o uso do verbo no presente aparece nas matérias
do G1, comparada com a do Globo, ratifica a ideia de que a matéria desenvolve-se junto com
o acontecimento, por causa da dinâmica mesma do ciberespaço, que colabora para que os

437
modos de produção e de veiculação sejam mais rápidos. Porém, a aceleração do processo
traz como consequência a imprecisão das informações veiculadas.
É importante destacar que se fala em imprecisão, e não em erro, pelo fato de o
acontecimento ter sido um incêndio, cuja descoberta das informações demorou algum
tempo. Foi algo que ocorreu em uma madrugada e não teve seu desfecho de imediato.
Então, as matérias analisadas, tanto as do G1 como as do Globo, ainda não tinham o
incêndio como algo definido, acabado, principalmente pelo fato de o período da publicação
selecionado para a análise ter sido bem próximo ao do momento do acontecimento. Por
isso, as informações são consideradas imprecisas, mas não erradas. E, por igual motivo,
também o veículo impresso, mesmo com um tempo maior de produção da notícia, esteve
sujeito a cometer imprecisões (como o fez, ainda que em menor número que o G1), e, ciente
disso, procurou se isentar delas, com os mesmos recursos discursivos e marcas linguísticas,
como se verá adiante.
Um aspecto marcante na cobertura do G1 sobre o incêndio na boate Kiss foi a
divulgação do número de mortes no acidente, que exemplifica bem a imprecisão e também
a busca incessante pela atualização no meio on-line. O G1 atualizou esse dado com doze
números diferentes (sem contar as diversas vezes em que os mesmos números foram
trocados eventualmente), como pode ser visto nos títulos presentes no Quadro 6:
Vê-se que o G1 chegou a noticiar a quantidade exorbitante de 245 mortos que, até
hoje, depois de mais de um ano, não foi atingida. A última vítima fatal foi a 242ª43, ocorrida
no dia 19 de maio de 2013. Passadas 24 horas do incêndio, o número de mortes noticiado no
jornal O Globo e no portal G1 coincidia (231), sem que o jornal impresso cometesse
nenhuma imprecisão, uma vez que os processos de apuração, produção e veiculação, mais
demorados no meio impresso, permitem que o fato seja averiguado mais vezes.
Não se pode deixar de notar que a possibilidade e a facilidade de atualização de uma
matéria de forma infinita e imediata em um site colaboram para que ocorra essa quantidade
de atualizações e, por outro lado, para que se perca o “histórico” do que foi noticiado, uma
vez que há o costume da utilização de um mesmo link para acrescentar, ou mesmo mudar,

43
ORGANIZAÇÕES GLOBO. Morre no RS a vítima de número 242 do incêndio na boate Kiss. In: G1, 19 mai. 2013.
Disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/05/morre-no-rs-vitima-de-numero-
242-do-incen- dio-na-boate-kiss.html> Data do acesso: 30 jul. 2013.
438
informações sobre determinado acontecimento. Como exemplo, tem-se o link
<http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/01/numero-de-mortes-em-
incendio-de-boate-ja-chega-245-diz-policia.html>, utilizado em dois títulos diferentes, como
pode ser visto nas figuras 2 e 3 abaixo:
Outra diferença marcante nas notícias do portal G1 e do jornal O Globo é o uso dos
tempos verbais. Enquanto as matérias do Globo são constituídas, majoritariamente, por
verbos no pretérito perfeito, que “[...] indica uma ação definida no tempo e exprime uma
certeza de quem fala em relação ao conteúdo de sua comunicação” (CUNHA, 2013, p. 25), as
matérias do G1 mesclam verbos no futuro do pretérito – que expressa dúvida, hipótese, ou
seja, imprecisão –, com discurso indireto, o que sugere que “[...] o orador não se
compromete, não assume a responsabilidade pelo que enuncia; quem faz a afirmação é
‘alguém’, alguma fonte autorizada” (CUNHA, 2013, p. 24), como se vê abaixo:

O Globo:
Eram 2h30m quando a banda Gurizada Fandangueira, após subir ao palco, acionou
um efeito pirotécnico. Como o teto era baixo, a chama atingiu o isolamento acústico,
iniciando o incêndio. O fogo se alastrou rapidamente. Na confusão, todos fugiram
desesperados para o mesmo local.

G1:
Conforme informações da polícia, o incêndio teria começado por volta das 2h30,
depois que o vocalista da banda que se apresentava teria feito uma espécie de show
pirotécnico, usando sinalizador. As faíscas teriam atingido a espuma de isolamento acústico
no teto da boate e (teria) iniciado o fogo, que se espalhou em poucos minutos.
Comparando os dois exemplos, vê-se que se trata das mesmas informações. Mas
alguns aspectos as diferenciam pela maior ou menor precisão que transmitem ao leitor,
como mostra o Quadro 7 comparativo a seguir:

Quadro 7 - Maior ou menor precisão transmitida pelo G1 e O Globo.


O Globo G1

439
eram 2h30m por volta das 2h30
a banda Gurizada Fandangueira a banda que se apresentava
acionou um efeito pirotécnico teria feito uma espécie de show pirotécnico
a chama atingiu as faíscas teriam atingido
iniciando o incêndio [teria] iniciado o fogo

Fonte: Elaborado pela autora (2014).

Observa-se, com a análise dos objetos, que as condições de produção do discurso


jornalístico – o tempo maior ou menor de apuração, produção e veiculação das notícias –
influenciam na forma como se constrói o discurso jornalístico e, consequentemente, afeta a
qualidade e a confiabilidade da notícia.

CONCLUSÃO
Com a análise das matérias selecionadas sobre o incêndio da boate Kiss veiculadas
pelos G1 e O Globo, chegou-se à conclusão de que as condições de produção – levando-se
em consideração o conceito de condições de produção de Possenti (2009), citado
anteriormente – do discurso jornalístico no veículo on-line interferem na qualidade e na
credibilidade do discurso, já que a produção do jornalismo on-line ocorre essencialmente no
próprio ciberespaço, num prazo curto, medido em minutos, com poucas pessoas exercendo
múltiplas funções, enquanto a produção do jornalismo impresso tem a internet apenas
como mais uma fonte de pesquisa, além de possuir uma equipe bem estruturada e
disponibilizar de um prazo de até 24 horas para uma apuração acurada.
Observou-se que, por causa da necessidade de atualização constante do veículo on-
line, são veiculadas matérias imprecisas, especulativas e opinativas, com o objetivo
primordial de cumprir o critério de atualidade, em detrimento do compromisso fundamental
do jornalista, que é a verdade dos fatos, a precisa apuração dos acontecimentos e sua
correta divulgação, previsto no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, no capítulo II,
artigo 4º.

440
Dessa forma, a necessidade de reflexão crítica sobre o discurso jornalístico e também
sobre a responsabilidade do jornalista a respeito do que veicula é de extrema importância,
por se tratar de uma atividade de natureza social e finalidade pública, que atinge muitas
pessoas. Este trabalho é uma pequena contribuição nesta direção.

REFERÊNCIAS
AGUIAR, Leonel. A validade dos critérios de noticiabilidade no jornalismo digital. In:
RODRIGUES, Carla (Org.). Jornalismo on-line: modos de fazer. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio:
Editora Sulina, 2009. pp. 163-182.
BABO, Maria Augusta. O hipertexto como nova forma de escrita. In: SÜSSEKIND, Flora
(Org.). Historiografia literária e as técnicas da escrita: do manuscrito ao hipertexto. Rio de
Janeiro: Vieira e Lent, 2004. pp. 104-111.
BASTOS, Helder. A diluição do jornalismo no ciberjornalismo. In: Biblioteca On-line de
Ciências da Comunicação. 2013. pp. 1-12. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt
/pag/bastos-helder-2013-a-diluicao-do-jornalismo-no-ciberjornalismo.pdf> Data do acesso:
23 jan. 2014.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
BRASIL. Pesquisa brasileira de mídia 2014: hábitos de consumo de mídia pela população
brasileira. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Brasília: Secom, 2014.
Disponível em: <http://pt.slideshare.net/BlogDoPlanalto/pesquisa-brasileira-de-mdia-2014>
Data do acesso: 08 mar. 2014.
CANAVILHAS, João. Webjornalismo. Considerações gerais sobre jornalismo na web. In:
FIDALGO, António; SERRA, Joaquim Paulo (Orgs.). Informação e Comunicação Online:
Jornalismo Online. vol. 1. pp. 63-73. Covilhã, Portugal: Universidade da Beira Interior, 2003.
Disponível em: <http://livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110829-fidalgo_serra_ico1_hornalismo_
online.pdf> Data do acesso: 15 dez. 2013.
CASTILHO, Carlos. Webjornalismo: o que é notícia no mundo on-line. In: RODRIGUES,
Ernesto (Org.). No próximo bloco... O jornalismo brasileiro na TV e na internet. Rio de
Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2005. pp. 231-256.

441
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2009.
CUNHA, Hélia Coelho Mello. A persuasão em discursos da atualidade. Campos dos
Goytacazes: IFF, 2013.
FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2008.
FIDALGO, António. Introdução. In: FIDALGO, António; SERRA, Joaquim Paulo (Orgs.).
Informação e Comunicação Online: Jornalismo Online. vol. 1. pp. 1-6. Covilhã, Portugal:
Universidade da Beira Interior, 2003. Disponível em:
<http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110829-fidalgo_serra_ico1_jornalismo_online.pdf>
Data do acesso: 15 dez. 2013.
FIDALGO, António; SERRA, Joaquim Paulo. Apresentação. In: FIDALGO, António; SERRA,
Joaquim Paulo (Orgs.). Informação e Comunicação Online: Jornalismo Online. vol. 1. pp. 7-
12. Covilhã, Portugal: Universidade da Beira Interior, 2003. Disponível em:
<http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110829-fidalgo_serra_ico1_jornalismo_online.pdf>
Data do acesso: 15 dez. 2013.
HERNANDES, Nilton. A mídia e seus truques: o que jornal, revista, TV, rádio e internet
fazem para captar e manter a atenção do público. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012.
KISCHINHEVSKY, Marcelo. Convergência nas redações: mapeando os impactos do novo
cenário midiático sobre o fazer jornalístico. In: RODRIGUES, Carla (Org.). Jornalismo on-line:
modos de fazer. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Editora Sulina, 2009. pp. 57-74.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo: Editora UNESP, 2005.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MACHADO, Marcia Benetti; JACKS; Nilda. O discurso jornalístico. X Compós: Brasília,
2001. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1217.pdf> Data do
acesso: 07 fev. 2013.
MORETZSOHN, Sylvia. Jornalismo em tempo real: o fetiche da velocidade. Rio de
Janeiro: Revan, 2002.
PALÁCIOS, Marcos. Jornalismo online, informação e memória: apontamentos para
debate. In: FIDALGO, António; SERRA, Joaquim Paulo (Orgs.). Informação e Comunicação
Online: Jornalismo Online. vol. 1. pp. 75-89. Covilhã, Portugal: Universidade da Beira

442
Interior, 2003. Disponível em: <http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110829-
fidalgo_serra_ico1_ jornalismo_online.pdf> Data do acesso: 15 dez. 2013.
PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto, 2008.
SERRA, Joaquim Paulo. A transmissão da informação e os novos mediadores. In:
FIDALGO, António; SERRA, Joaquim Paulo (Orgs.). Informação e Comunicação Online:
Jornalismo Online. vol. 1. pp. 13-48. Covilhã, Portugal: Universidade da Beira Interior, 2003.
Disponível em: <http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110829-fidalgo
_serra_ico1_jornalismo_online. pdf> Data do acesso: 15 dez. 2013.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de; BRUM, Larissa. A normose na sociedade em rede:
paradoxos diante do fluxo comunicacional. In: Revista Tempo Brasileiro, out.-dez, n.179. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2009. pp. 117-130.
VILLAÇA, Nízia. Impresso ou eletrônico? In:__________. Impresso ou eletrônico?: um
trajeto de leitura. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. pp. 101-112.

443
INFOGRAFIA MULTIMÍDIA: UM NOVO GÊNERO DO JORNALISMO ON-LINE

Ruana da Silva Maciel


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Carlos Henrique Medeiros de Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente artigo faz uma reflexão sobre a infografia multimídia e sua recente
inserção no jornalismo on-line, sendo considerada, para autores como Cairo, Sojo e De
Pablo, dentre outros, um novo gênero jornalístico. Para dar fôlego ao trabalho realizou-se
uma pesquisa bibliográfica que faz um recorte histórico da infografia desde os primórdios
até o atual cenário e pontua suas principais as características e relações com a comunicação
e sua utilização no âmbito jornalístico. Em muitos casos o infográfico multimídia substitui o
próprio o texto e traz em sua estrutura a informação jornalística, mesclando imagem e texto
conciso e dando ao usuário a oportunidade de interagir com o infográfico.
Palavras-chave: Infografia multimídia. Jornalismo on-line. Gênero jornalístico.

INTRODUÇÃO
A representação através de imagens se faz cada vez mais presente no âmbito da
comunicação nos dias atuais. A partir do desenvolvimento de tecnologias gráficas, tem se
observado uma profusão de imagens utilizadas para ilustrar jornais, revistas, sítios, peças
publicitárias e produtos, entre outros. Mais especificamente no campo do jornalismo,
algumas informações e dados difundidos pelos veículos midiáticos passaram a ser
compilados visualmente, adotando-se o uso de infografias.
Em linhas gerais, entende-se por infografia a apresentação do binômio imagem +
texto (conciso) em qualquer suporte (impresso ou eletrônico) para transmitir mensagens.
Tal recurso, em muitos casos, é utilizado para passar informações complexas e/ou técnicas,
como as de ciência, política, economia, estatística, tecnologia e outras que o texto só
conseguiria detalhar através de narrativas muito longas.
Quando aportada no ambiente da internet, a infografia ganha a prerrogativa de
incorporar elementos multimídias, que são: imagens em movimento, som, ilustração,
animação, fotografias e vídeos, daí a nomenclatura infografia multimídia. Neste formato, a
leitura se torna multilinear ou não linear, permitindo que o leitor guie sua própria leitura e
interaja com o infográfico.

444
Logo, muitas empresas jornalísticas consolidadas no campo do jornalismo on-line
adotaram uso do gênero informativo, com o intuito de tornar o conteúdo de suas
mensagens de fácil compreensão e mais atrativo para o leitor. Também a popularização de
dispositivos tecnológicos (computadores pessoais, palms, celulares com acesso à internet,
tablets, Kindles) tem propiciado o acesso irrestrito e desenfreado ao ambiente da internet.
Como resultado, muitas pessoas utilizam cada vez mais esse meio para buscar informações.

INFOGRAFIA: CONCEITO E ORIGEM


Em linhas gerais, a infografia pode ser entendida como uma forma de representação
imagética da mensagem que se deseja transmitir. É a forma impressa, como explica De
Pablos (1998), do binômio imagem + texto em qualquer suporte, usada para explicar com
clarividência a informação textual disposta. Para alguns autores é considerada como um
gênero jornalístico, para outros é apenas uma técnica, uma disciplina, uma linguagem,
ilustração ou ferramenta informativa.
Valero Sancho (2001) diz que “[...] a infografia é um conjunto organizado de
linguagens, em colaboração ou em sínteses, que permitem representações comunicativas
mais visuais do que os textos”. Em sua visão, a infografia pode ser justificada como um tipo
de comunicação informativa ou documental que se apresenta nos meios editoriais impressos
como jornais, revistas e livros ou nos veículos on-line, que tem como finalidade acompanhar
ou substituir o texto ou a fotografia.
Para Colle (1998, p. 01), “[...] a infografia é a disciplina do desenho gráfico orientada
pela produção de unidades informativas verbo-icônicas chamadas de infográficos. Ainda de
acordo com ele, trata-se de um novo tipo de discurso no qual se utiliza uma combinação de
códigos icônicos e verbais para transmitir uma informação ampla e precisa, para a qual o
discurso verbal seria complexo e requereria mais espaço.
No entendimento de Cairo (2008a, p.29) a infografia é:

Uma visualização estetizante que enfatiza o aspecto da apresentação, o


“peso” visual do gráfico, o poder que tem para fazer as páginas mais
atrativas, ligeiras, dinâmicas. A corrente estetizante concebe a infografia
como um elemento ornamental e informativo ao mesmo tempo, apesar de
que em muitos casos se permita que os elementos estéticos criem
obstáculos na compreensão das histórias.
445
O conceito de infografia, ainda que abarcado na fundamentação de diversos autores,
não é fácil de ser estremado. De Pablos (1998) entende que há um problema em relação à
definição do termo infografia. Em sua concepção a palavra é usada em dois sentidos, o
primeiro deles apresenta a raiz info como originária do vocábulo informática, intitulando-a
como uma técnica de elaboração de imagens mediante um computador. O outro atribui à
mesma raiz o sentido de informação, derivado da locução “information graphics”, nascida
nos Estados Unidos. A flexão dos termos resulta em “infographic”, de onde surgem as
palavras “infográfico”, “infografia”, “info” e “infogramas”.
Valero Sancho (2001), também sustenta que a má tradução do termo em inglês
“information graphics”, do qual deriva “infographic”, para o português e para o espanhol
como “infográfico” ou “infografia”, com o sentido de gráfico informativo, gera um problema
conceitual com o uso destes termos em livros e teses doutorais, pois tais vocábulos são
coloquiais.
Na consideração de Moraes (apud Ribas, 2005), a denominação “diagrama” seria
utilizada para “infografia”, traduzida por ele como “gráfica diagramática”, do inglês
“diagram graphics”, mais precisamente “diagrammatic”. Ainda nesse contexto, Moraes
explica que a palavra diagrama vem do grego “diagramma”, que resulta da contração do
prefixo “dia” (via, caminho) com o verbo “graphein” (desenhar), referindo-se ao modo como
se desenha. O termo serve para designar tudo o que se vale do design gráfico como
ferramenta para veicular algo que se intenta explicar através do desenho.
Retornando às elucidações de De Pablos (1998), um diagrama de informação gráfica
é, em sua opinião, a designação de infografia por antonomásia. Por utilizar diferencialmente
as palavras “infográfico” e “infografia” como substantivo masculino e feminino, o autor não
considera uma infografia um tipo simples de infográfico, para ele este tipo é caracterizado
por um ícone junto a um sumário textual ou numérico.

Explicaremos a distinção, necessária em um primeiro momento, entre as


palavras “infografia” e “infográfico”, que não são sinônimas. Entretanto
infografia se refere ao procedimento geral da informação gráfica não
analógica e a seu produto (“uma infografia”), infográfico quer dizer
“pertencente ou relativo à infografia”, o mesmo que acontece com as
palavras “fotografia” e “fotográfico”: um recurso fotográfico não é uma

446
fotografia; faz alusão a algo referido ou relacionado com a fotografia. É
certo que em ocasiões um adjetivo passa a substantivo, como são os casos
de diário e periódico, mas nestes exemplos e em outros semelhantes
encontramos adjetivos substantivados que se estabelecem por não existir
um nome já existente e aceitável para designar o objeto novo, como
acontece com o impresso diário ou impresso periódico que passa a diário e
periódico, respectivamente (DE PABLOS, apud RIBAS, 2005, p.8).

Peltzer (1991) acredita que os vocábulos “infográfico”, “infografismo” e “infografia”


são neologismos, utilizados em algumas situações para designar, em um tom mais comercial
que acadêmico, toda a informação gráfica. Tal problemática é proveniente, na opinião do
autor, e como diagnosticado por outros já citados, da tradução literal do termo norte
americano “infographics”. Nessa perspectiva, o autor corrobora que parece mais adequado
utilizar este neologismo para designar formas concretas e distintas de veicular uma
mensagem visual, apesar da força dos fatos está impondo em todo o mundo o nome
genérico de infográfico para toda mensagem iconográfica.
Na década de 70, o Sunday Times de Londres evidenciou a expressão “gráfico
explicativo” (explanatory graphic). Foi a partir deste jornal londrino que se criou uma palavra
para descrever cada tipo distinto de informação visual que se publicavam, porém os outros
jornais mesclavam todos os gêneros visuais em um mesmo termo: graphic.
O termo gráfico é utilizado em dois sentidos por Valero Sancho (2001): primeiro para
referir-se a todo grafismo da página e segundo para denominar um infograma. Valero
Sancho (ibidem) e De Pablos (apud RIBAS, 2005) compartilham a definição de infograma
como unidade elementar ou mínima de informação gráfica. Uma infografia é composta por
vários infogramas. Assim, Valero Sancho (2001) explica que um texto, um ícone, uma
fotografia, um mapa ou uma ilustração são infogramas dentro de uma infografia.
Alguns autores consideram as pinturas rupestres feitas nas cavernas pré-históricas
como ancestrais da infografia. Valero Sancho (2001) entende que tais representações são
algo mais do que simples desenhos que perduraram ao longo do tempo, são conjunto de
ideias que comunicavam aos sucessores mais próximos do homem, transmitindo seus
conhecimentos a muitas gerações.
Peltzer (1991, p. 99) diz que, “[...] a evolução da linguagem começou com os
desenhos, progrediu com pictogramas, desenhos autossignificantes, unidades fonéticas, e ao

447
final o alfabeto”. O autor complementa tal assertiva frisando que como veículo do
pensamento, o visual é anterior a qualquer linguagem (sistemas de signos) na história das
comunicações entre os homens.
Para De Pablos (1998) a combinação de imagem e texto não é uma inovação: a
infografia existe desde a primeira união comunicativa de um desenho ou pintura sublinhada
por um texto alusivo. Tal aparição representou um fenômeno visual observado na Babilônia,
no Egito e em outras civilizações, encontrado em quadros mesopotâmicos e em pequenas
esculturas.
Nos legados egípcios, com as colunas de seus templos e papiros ilustrados, também é
possível observar uma série de traços informativos integrados por unidades hieroglíficas,
que já constituíam o binômio imagem e texto. A fórmula sempre teve o objetivo de fazer
com as mensagens fossem interpretadas mais facilmente, com clareza, de modo a evitar
interpretações ambíguas.
A xilogravura, técnica de origem chinesa anterior ao tipo móvel de Gutenberg, trazia
prevalência da obra gráfica frente ao texto. A representatividade, segundo De Pablos (1998),
fazia surgir a era da grafia sobre a matéria textual, um binômio imagem + texto, por uma
razão lógica e singela, trazia a comodidade de traduzir a mensagem ao modo gráfico, com
palavras adequadas.
A partir dessas considerações é possível perceber que o embrião da infografia teve
uma presença marcante no decorrer da história. Como dito anteriormente, o visual precede
qualquer linguagem utilizada na comunicação entre as pessoas. Sua contundente utilização
pode ser observada nas pinturas feitas nas igrejas, durante o Renascimento para um público
notadamente analfabeto. A título de exemplo, Dondis cita as obras de Michelangelo para o
teto da Capela Sistina.

Como representante das necessidades da igreja, o papa influenciou as


ideias de Michelangelo, as quais também foram, por sua vez, modificadas
pelas finalidades específicas do mural. Trata-se de uma explicação visual da
“Criação” para um público em sua maior parte analfabeto e, portanto,
incapaz de ler a história bíblica. Mesmo que soubesse ler, esse público não
conseguiria apreender de modo tão palpável toda a dramaticidade do
relato. O mural é um equilíbrio entre a abordagem subjetiva e a abordagem
objetiva do artista, e um equilíbrio comparável entre a pura extensão
artística e o caráter utilitário de suas finalidades. Esse delicado equilíbrio é

448
extraordinariamente raro nas artes visuais, mas, sempre que é alcançado,
tem a precisão de um tiro certeiro (DONDIS, 2000, p. 11).

Ainda nesse contexto, os desenhos de Leonardo Da Vinci não podem deixar ser
mencionadas, já que o artista ficou conhecido como o melhor desenhista da história, além
de ter inventado uma diversidade de equipamentos, que pela falta de tecnologia, muitos
não puderam ser fabricados. Da Vinci inventou veículos, armas, aquedutos, sistemas
hidráulicos, pontes, foi escritor, pensador e chefe de cozinha (HORCADES, 2004).
Da Vinci usava imagens detalhadas para descrever e explicar seus projetos na área
bélica, de engenharia civil e de anatomia humana. Seus desenhos eram caracterizados pelo
rigor científico e mostravam a composição e a função das coisas que ilustrava com textos
explicativos. Além dos esclarecimentos teóricos, Da Vinci perpetuou seus estudos e suas
experiências em uma enciclopédia ilustrada, baseada em tudo o que via a olho nu. Seus
desenhos anatômicos, projetados a partir das autópsias das quais participava eram de
grande complexidade para a época. Seus infográficos foram considerados os primeiros,
voltados para a área médica.

Leonardo desenhava enquanto refletia e, sobre tudo, desenhava para


refletir. O desenho integrado com o texto de maneira orgânica e natural era
uma forma de argumentar, de discutir consigo mesmo, de analisar e
contrastar hipóteses (CAIRO, 2011, p. 128).

A combinação de imagem e texto, já naquela época, organizava a informação que se


estimava passar, logo a infografia não é produto atual da era tecnológica e sim da vontade
humana de aprimorar sua comunicação iniciada na era do traço. A técnica liga a esfera do
início da história humana ao tempo atual. De Pablos (1998) explica que a infografia veio se
constituindo como uma necessidade de sublinhar a mensagem icônica, dando a ela um
significado único para que o conteúdo de uma comunicação visual não fosse interpretado
erroneamente.
Para Valero Sancho (2001), o ser humano, ao comunicar-se com os outros através de
infografias, não está fazendo nada de novo que rompa com a condição comunicativa
anterior. Ele está fazendo o de sempre, posto que ao largo de toda história se comunicou
mediante representações visuais mais ou menos complexas.

449
INFOGRAFIA MULTIMÍDIA E SEUS GÊNEROS INFORMATIVOS
A infografia produzida para a internet ganha variadas denominações em diferentes
trabalhos como, por exemplo, infografia interativa, infografia digital, infografia animada e
infografia multimídia, todas se referem ao mesmo objeto (RIBAS, 2004). Neste trabalho será
adotada a nomenclatura “infografia multimídia”, levando em consideração a potencialidade
deste produto informativo frente às características da web que é um ambiente
notoriamente multimídia.
A infografia multimídia surge por volta do final do século XX, com o desenvolvimento
de tecnologias da comunicação e se instala como uma das mais importantes formas de
apresentação informativa e documental. Segundo Valero Sancho (2008), o produto tem
figurado no contexto atual como resultado da necessidade que a comunicação escrita possui
de captar novos leitores on-line, sendo mais uma vez um dos “salva-vidas” do jornalismo
escrito.
Nos veículos impressos e também nos telejornais, o evento que marcou a profusão
do uso de infografias foi a Guerra do Golfo Pérsico, em 1991, como já foi explicado
anteriormente. No jornalismo on-line, o fato que marca a popularização de infografias é o
ataque as Torres Gêmeas, ocorrido em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos (RIBAS,
2004).
Apesar de manter as características essenciais da infografia impressa, a infografia
multimídia agrega as competências do meio em que se insere, estendendo a sua função e
alterando a sua lógica. Embora as linguagens sejam parecidas, a narrativa multimídia é capaz
de gerar unidades informativas impensáveis na narrativa impressa, por agregar além da
imagem e do texto conciso, som, vídeo e movimento (VALERO SANCHO, 2011).

A infografia multimídia é um produto diferente da impressa, suas


peculiaridades de suporte permitem o deslocamento e o movimento
figurado dos diversos fenômenos como se apresentam na natureza, mas
também uma grande versatilidade, grande associação multimidiática de
recursos, hipertextualidade, interatividade, etc. (VALERO SANCHO, 2008, p.
05).
Tais características permitem que a infografia multimídia seja, por vezes, uma
unidade informativa independente, uma ferramenta que possibilita a substituição total da
informação elaborada textualmente, por meio da qual é possível comunicar quase todas as

450
formas prováveis de se apresentar uma informação. O mesmo dificilmente ocorreria nos
veículos de comunicação impressos, já que nesse suporte a infografia assume
especificidades limitadas de ilustrar os textos e apoiar os conteúdos difíceis de explicar com
palavras.

Se a princípio, a função dos desenhos gráficos era de complementar uma


informação difícil de ser entendida apenas com o textual, hoje uma
infografia por si só pode ser notícia, uma vez que o meio digital permite
agregar diversas funcionalidades a um único desenho, desdobrando-o em
vários em questão de cliques. A infografia nos meios impressos é utilizada
desde seus primórdios para explicar com maior clareza algum aspecto
informativo tratado nos textos e atualmente aparece na web como a
própria notícia, a informação principal [...] (RIBAS, 2004, p. 02).

No sentido jornalístico, a infografia multimídia é definida por Valero Sancho (2008)


como uma apresentação informativa, que se estrutura em sequência sucessiva ou mista de
infogramas, cujas linguagens não são necessariamente linguísticas, realizadas mediante
unidades icônicas elementares complementadas com signos gráficos e/ou sonoros, verbais e
enlaces interconectivos como legendas e notas hipertextuais que aumentam sensivelmente
a densidade de informação.
Embora haja formas clássicas de se transmitir a mensagem jornalística, que devem
ser seguidas em qualquer relato, a infografia multimídia não rompe com este protocolo, pois
é capaz de responder com recursos diversos as perguntas do lead jornalístico (o quê?,
quem?, como?, quando? onde? por quê?), ajustando as respostas da maneira que melhor
couber no produto infográfico. Dessa forma, não haverá erro categórico, e o usuário, se não
satisfeito, estará basicamente informado sobre o acontecimento.

Poucas são as mensagens, especialmente jornalísticas, que não se podem


informar através de infografias multimídias e poucas são as elaborações
infográficas, de qualquer tipo, que não podem entender-se por parte do
leitor médio acostumado as publicações periódicas (VALERO SANCHO,
2004, p. 08).

No jornalismo on-line, especificamente, a infografia multimídia ocupa um papel mais


protagonista e substitutivo do texto, deixando de ser um recurso complementário. As
ferramentas e técnicas utilizadas na construção da unidade informativa somam-se as
qualidades sintéticas, produzindo novos parâmetros de produção que permitem transmitir a
451
informação em menor quantidade e com maior precisão da informação, logo não é tida,
atualmente, apenas como um recurso visual. De acordo com Minervini (2005), a infografia
possibilita visualizar a sucessão de acontecimentos, descrever um processo, uma sequência,
explicar um mecanismo complexo e visualizar ou dimensionar um feito, entre outros.
Para Valero Sancho (2008), tais especificidades da infografia multimídia valorizam-se
notoriamente no âmbito científico em teorias que a encaram como uma alternativa eficiente
na transmissão da informação jornalística, em que se configura a claridade documental,
incrementando o assunto tratado.
A infografia é considerada por alguns teóricos como gênero jornalístico pelo fato de
apresentar estrutura claramente definida, finalidade, marcas formais que se repetem em
diferentes tipos de trabalhos e sentido por si mesma. Nesse sentido, é possível afirmar que a
infografia, tanto multimídia quanto a impressa, concentra as características essenciais de
gêneros jornalísticos.
No entanto, segundo Valero Sancho (2008), a infografia multimídia só se classifica
enquanto gênero informativo quando apresenta infograficamente a totalidade de uma
informação. O autor ressalta que essa classificação não se aplica a infográficos que cumprem
apenas funções visuais de caráter complementário ou sintético, apenas acompanhando o
texto.
Logo, a infografia multimídia é capaz de relatar qualquer evento, fato, ação ou coisa.
Valero Sancho (2010) explica que relatar consiste em contar ou descrever o que se tem
diante e considera o relato multimidiático uma maneira eficaz de adaptar os recursos ao
emprego comunicativo tornando-o compreensível, sem afetar o rigor tradicional presente
no jornalismo impresso e on-line. Nesse contexto, o relato multimídia compreende dois
tipos de exposições: a descritiva e a narrativa.
A exposição descritiva compreende a apresentação de imagens com textos breves e
tende a mostrar as peculiaridades de um evento, uma ação e o funcionamento de algo,
entre outros assuntos pontuais. Geralmente, não obedece a uma sequência temporal como
na exposição narrativa. Centra-se, basicamente, na explicação visual com sentido
informativo e objetivo de maneira sucessiva ou enumerativa de características, tempos,
lugares, pessoas, objetos, etc., porém

452
[...] normalmente não se pode descrever, por meio da infografia multimídia
as coisas intangíveis ou correspondentes ao mundo do imaterial como
podem ser as ideias ou aquelas características do mundo interior do ser
humano, nem tampouco o que é fruto de sensações e transcendências,
ainda que a infografia possua muitos recursos do tipo descritivo (VALERO
SANCHO, 2008, p.06).

Já as exposições narrativas explicam de maneira ordenada e sucessiva os


acontecimentos ou ações, obedecendo ao critério de temporalidade que, comumente,
mostram como resultado a variação da situação inicial. Valero Sancho (2008) enfatiza que
neste tipo de relato nota-se a estruturação lógica de um começo, uma transformação e em
seguida a consequência do que ocorre, onde o tempo se destaca na ordenação das
sequências espaços-temporais dos fatos. Em geral, se inicia com uma descrição a partir da
qual se desenvolvem as cenas.
A exposição narrativa se depara, em muitos casos, com a falta de imagens precisas
dos acontecimentos quando estes se dão em momentos aleatórios e imprecisos como, por
exemplo, a queda de um avião, um acidente de carro, um desabamento, etc. Por essa razão,
muitas infografias são produzidas com imagens um pouco destoantes do cenário do
acontecimento (VALERO SANCHO, 2010).

A INFOGRAFIA ENQUANTO GÊNERO JORNALÍSTICO


Os infográficos também obedecem a critérios jornalísticos. Eles respondem às seis
perguntas tradicionais da pirâmide invertida: o quê?, quem?, como?, onde?, quando?, e por
quê?. Na matéria jornalística, as seis perguntas são respondidas logo no lead da matéria. Já
nos infográficos, mesmo que não haja a possibilidade dessas informações estarem logo em
primeiro plano, o leitor as encontrará diluídas ao longo da página. Partindo desse conceito é
possível considerar os infográficos segundo a lógica da pirâmide invertida (LETURIA, 1998).
No jornalismo a estrutura da pirâmide invertida tem o objetivo de organizar e,
sobretudo, hierarquizar as informações, começando sempre pelo fato mais importante. No
caso dos infográficos que mesclam o verbal e o visual para compor a informação, também é
possível utilizar essa estrutura para compor matérias. Neste caso, os elementos mais

453
importantes viriam apresentados na parte central da página, que corresponde ao cetro
ótico, ou em tamanho maior do que o restante (CAIRO, 2008a).
Por ampliarem determinados elementos nos infográficos, o zoom se caracteriza como
ponto de entrada do olhar sobre a página onde se apresenta a matéria. Consideramos que o
infográfico permite três opções de leitura: texto; infográfico; texto e infográfico, de modo
que um ancore o outro. A lógica da construção na cadeia de informação também deve estar
presente mesmo quando a parte visual fala tanto ou mais do que o texto escrito (CAIRO,
2008a).
Para explicar a infografia enquanto gênero jornalístico Sojo (2002) destaca a opinião
de vários autores que defendem ou não a infografia como gênero jornalístico. Assim como
De Pablos, Sojo considera a infografia como um novo gênero formado pela convergência de
soluções tecnológicas de desenho e de conteúdo, que dão como resultado uma mensagem
informativa mais clara e objetiva. De acordo com De Pablos (1998) a infografia “[...] é a
última e mais nova dentre os gêneros jornalísticos de expressão informativa, que se pode
assentar com firmeza na tecnologia informática [...]”.
Botero (apud, SOJO, 2002) sustenta que a infografia é um novo gênero oriundo dos
avanços da tecnologia e da necessidade dos jornais de serem mais visuais para se adaptarem
as exigências dos novos leitores. Na opinião da autora a infografia também pode ser
empregada para contextualizar uma informação, ao mostrar a localização dos personagens,
o aspecto geográfico, ou a atuação dos atuantes. A infografia tem que transmitir ao leitor a
emoção do acontecimento.
Já outros autores pontuam opiniões contrárias e não utilizam o termo gênero para
definir a infografia e aferem a elas vocábulos como disciplina, recurso, ilustração ou
representação, entre outros. Como por exemplo, Colle (1998) que define o infográfico como
uma unidade espacial na qual se utiliza uma combinação ou mescla de códigos icônicos e
verbais para integrar uma informação ampla e precisa.
Campos e Passos (apud, SOJO, 2002) consideram que as infografias são ilustrações
que explicam a situação ou sucessão de fatos referentes a dada notícia. Além disso, estão
complementados por dados informativos ou referências básicas. A partir de uma pesquisa
realizada com cerca de 40 diagramadores, Sojo pôde concluir que a maioria deles considera

454
a infografia como um gênero jornalístico e apontam quatro razões baseadas em
fundamentação teórica para classificá-la como tal, são elas: estrutura claramente definida,
finalidade, marcas formais que se repetem em diferentes tipos de trabalhos e sentido por si
mesma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto no recorte histórico deste trabalho, a representação visual acompanha o
homem desde a pré-história. Considerada como uma das primeiras formas de comunicar, se
apresenta até os dias atuais como uma maneira eficaz de transmitir informações complexas
aos indivíduos. É uma técnica que liga o início da nossa história aos tempos modernos.
O jornalismo, a princípio, trouxe para o meio on-line as antigas técnicas redacionais
utilizadas nos pioneiros veículos de comunicação, mas logo precisou adaptar-se ao meio
alterando sua lógica narrativa de acordo com as potencialidades do ambiente, que se
organiza de forma hipertextual, multilinear, interativa e efêmera. Além disso, a quantidade
excessiva de notícias e informações difundidas na rede é um convite persistente para que o
usuário salte de um nó ao outro sem se ater durante muito tempo em uma só informação ou
página. A partir disso, é possível destacar a necessidade de se rever constantemente os
modos habituais de composição da notícia.
O meio competitivo em que se insere o jornalismo on-line demanda que as
informações sejam passadas de modo simples, rápido e que prenda a atenção do leitor.
Contudo, não se pode suprimir ou simplesmente negligenciar partes de uma notícia para dar
dinamicidade à narrativa jornalística. Uma alternativa eficaz para atender a tal demanda é
compilar visualmente os dados da mensagem, através de infografias multimídias sempre que
for conveniente ao assunto, como, por exemplo, no caso de informações sobre ciência,
tecnologia, medicina e economia, entre outras que exigem uma descrição mais detalhada
sobre o tema, pois uma composição unicamente textual e longa pode tornar a leitura
cansativa diante da tela e fazer com o leitor desista de concluí-la.
Dentro desse contexto, o infográfico multimídia se adéqua perfeitamente as
demandas do jornalismo on-line e se torna um importante aliado para os jornalistas que
ganham a possibilidade de dar uma nova abordagem as suas matérias, além de atender a

455
predileção dos leitores, que são favorecidos quando se deparam com a informação disposta
de maneira clara e concisa. Com isso, a infografia multimídia passa a ser considerada um
novo gênero do jornalismo on-line, pois em muitos é creditada a ela a função de transmitir a
notícia, sem o apoio de um texto.

REFERÊNCIAS
CAIRO, Alberto. El arte funcional – infografía y visualización de información. Madrid,
Espanha. Editora Alamut, 2011.
___________. Infografia 2.0. Madrid, Espanha. Ed. Alamut. 2008a.
COLLE, Raymond. Estilos o Tipos de Infógrafos. Revista Latina de Comunicación Social,
1998. Disponível em: http://www.ull.es/publicaciones/latina/a/02mcolle/colle.htm. Data do
Acesso: 30 de janeiro de 2014.
DE PABLOS, Jose Manuel. Siempre ha habido infografia. Revista Latina de Comunicacion
social. 1998. Disponível em: http://www.ull.es/publicaciones/latina/a/88depablos.htm. Data
do acesso: 14 de janeiro de 2014.
DONDIS, Donis A. A sintaxe da linguagem visual. São Paulo. Editora Martins Fontes, 2000.
HORCADES, Carlos. A evolução da escrita: história ilustrada. Rio de Janeiro. Editora Senac
Rio, 2004.
LETURIA, Elio. ¿Qué es infografia?. Revista Latina de Comunicación Social, La Laguna,
Tenerife, 1998. Disponível em: http://www.ull.es/publicaciones/latina/z8/r4el.htm. Data do
acesso: 15 de janeiro de 2014.
MINERVINI, Mariana Andrea, La infografia como recurso didático. Revista Latina de
Comunicación Social. La Laguna, Tenerife, 2005. Disponível em:
http://www.ull.es/publicaciones/latina/200506minervini.pdf. Data do acesso: 23 de janeiro
de 2014.
PELTZER, Gonzalo. Periodismo Iconográfico. Madrid. Editora Rialp, 1991.
RIBAS, Beatriz. Infografia Multimídia: Um modelo narrativo para o webjornalismo. 2004.
Disponível em: www.facom.ufba.br/jol/pdf/2004_ribas_infografia_multimidia.pdf. Data do
acesso: 23 de dezembro de 2013.

456
RIBAS, Beatriz. Ser infográfico - apropriações e limites do conceito de infografia no
campo do jornalismo. Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo. Santa Catarina,
2005. Disponível em: http://grupojol.wordpress.com/2005/04/28/ribas-2005-2/. Data do
acesso: 08 de janeiro de 2014.
SOJO, Carlos Abreu. ¿Es la infografia un género periodístico?. Revista Latina de
Comunicación Social, 2002. Disponível em: Data do Acesso: 30 de janeiro de 2014.
VALERO SANCHO, José Luis. Algunas consideraciones sobre la infografia digital. Portal
Comunicación.com In-Com. Universidade Autônoma de Barcelona, 2011. Disponível em:
http://revistas.ucm.es/index.php/ESMP/article/view/ESMP1010110469A. Data do acesso:
31 de janeiro de 2014.
___________. La comunicacíon de contenidos en la infografia infografia digital. Estudios
sobre el mensaje periodístico, 2010. Disponível em:
http://www.portalcomunicacion.com/lecciones_det.asp?id=58. Data do acesso: 17 de
janeiro de 2014.
___________. La infografía digital en el comienzo de una nueva manera de informar. In:
Congresso de Periodismo Digital Maracay, 1. Anais eletrônicos, 2004. Disponível
em: http://www.analitica.com/media/9399701.pdf. Data do Acesso: 29 de janeiro de 2014.
___________. La infografía: técnicas, análisis y usos periodísticos. València: Universitat
de València; Castelló de la Plana: Publicaciones de la Universitt Jaune I; Barcelona:
Universitat Pompeu Fabra; Bellaterra: Universitat Autónoma de Barcelona, Servei
Publicacions, D.L, 2001.
___________. La infografia digital en el ciberperiodismo. Revista Latina de Comunicación
Social. La Laguna, Tenerife, 2008. Disponível em:
http://www.revistalatinacs.org/08/42_799_65_Bellaterra/Jose_Luis_Valero.html. Data do
acesso: 22 de janeiro de 2014.

457
458
A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL – UMA ANÁLISE INICIAL DO CENÁRIO BRASILEIRO
DE ESTUDOS NA MODALIDADE A DISTÂNCIA NOS ÚLTIMOS 4 ANOS

Álvaro Gonçalves de Barros


IFRJ

Fermín Tang Montané


UENF

RESUMO: A educação a distância permite na construção dos cursos uma utilização de


ferramentas para a personalização do ensino. A evolução da EaD permite a inserção de um
segmento da sociedade não atingida pela educação presencial tradicional. Hoje, podemos
observar que a EaD é embasada fortemente em recursos tecnológicos, o que possibilita uma
concretização de políticas públicas de responsabilidade social e inclusão. No Brasil, tem
avançado muito nos últimos anos, sendo aplicada tanto em simples cursos livres como em
cursos de graduação e pós-graduação. Este trabalho buscou realizar um breve histórico da
EaD no Brasil através de levantamento de referencial teórico, assim como, uma análise
inicial dos desafios enfrentados pela modalidade no cenário brasileiro nos últimos 4 anos.
Em seu desenvolvimento foi feita uma pesquisa no referencial teórico sobre a educação a
distância, assim como, em relatórios e anuários oficiais da Associação Brasileira de Educação
à Distância (ABED), que trazem dados estatísticos publicados nos últimos 4 anos. Como
conclusão, notou-se diversos problemas e oportunidades relacionadas a EaD no Brasil em
vários aspectos, assim como, uma grande tendência ao crescimento da modalidade em
questão, principalmente quando se aponta o aspecto social, porém, tendo a constante
necessidade de acompanhamento e aprimoramento.
Palavras-chave: Educação. Ensino a Distância. Análise de Cenário.

INTRODUÇÃO
Vivemos um momento de uma necessidade constante de ampliação da educação,
desde a educação básica até a pós-graduação. Juntamente com tal necessidade, há um
grande desafio, levar educação de qualidade para aqueles que precisam. Atrelado a este
fator, temos o problema do espaço físico e tempo, há muitos que necessitam e querem
estudar, se qualificar e se capacitar, porém, são impedidos pelas barreiras impostas pela
presença necessária nas salas de aula tradicionais. A Educação a Distância, permite
ultrapassar tais barreiras, ir além do espaço clássico da sala de aula e dos desafios temporais
de estar em um lugar em determinada hora e, por um determinado tempo, para frequentar
a sala de aula de qualquer curso.

459
A utilização de EaD traz ao atendimento de políticas de responsabilidade social e
inclusão, uma vez que, pode levar e oferecer educação de qualidade para aqueles
impossibilitados de estar no espaço clássico de sala de aula. Podemos verificar sobre a
questão da responsabilidade social na afirmação de PRETTI (1996):

A crescente demanda por educação, devido não somente à expansão


populacional como, sobretudo às lutas das classes trabalhadoras por acesso
à educação, ao saber socialmente produzido, concomitantemente com a
evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos está exigindo
mudanças em nível da função e da estrutura da escola e da universidade
(PRETI, 1996).

Neste sentido, NUNES (1994) afirma que a Educação a Distância é um recurso de


importância incalculável, que permite atender uma grande quantidade de alunos, com mais
efetividade comparada a outras modalidades.
Ainda sobre a importância da Educação a Distância, contextualizando, inclusive,
como processo para inclusão social, podemos observar a afirmação: “A EAD apresenta-se
deste modo como uma alternativa para inclusão de cidadãos em regiões mais afastadas e
como possibilidade de estudo para cidadão com dificuldades de estudar nos horários padrões
das aulas de ensino presencial”. (ORTH; MANGAN e NEVES, 2012).
No Brasil, registros das primeiras iniciativas de Educação a Distância apontam dados a
mais de 100 anos atrás, com a publicação da oferta de um curso de datilografia a distância,
por correspondência, no Jornal do Brasil de 1904.
Sobre o início das iniciativas de EaD no Brasil, ALVES (2007) aponta que o Brasil, até
os anos setenta do século passado era um dos principais países do mundo nesta modalidade,
mas a partir desta época a modalidade ficou um pouco no esquecimento, estagnada e outras
nações ultrapassaram o Brasil e uma queda no ranking internacional foi inevitável.
Ainda sobre a evolução da EaD no Brasil, pode-se citar SARAIVA (1996):

Sua evolução histórica, no Brasil como no mundo, é marcada pelo


surgimento e disseminação dos meios de comunicação. Vivemos a etapa do
ensino por correspondência; passamos pela transmissão radiofônica e,
depois, televisiva; utilizamos a informática até os atuais processos de
utilização conjugada de meios - a telemática e a multimídia (SARAIVA,
1996).

460
Na medida em que as ferramentas de tecnologia da informação e comunicação
evoluíram, houve um ganho em potencial para o suporte da metodologia da Educação a
Distância, recursos tecnológicos passaram a dar uma base concreta para a implementação
dos cursos, permitindo novas formas de comunicação e interação aos envolvidos nos
processos de ensino e aprendizagem. A vinda da Internet foi outro fator que revolucionou a
EaD no Brasil e no mundo, a comunicação passou a ser instantânea e as possibilidades de
revolucionar a modalidade se tornou fato.

As tecnologias influenciam fortemente aspectos culturais de uma


sociedade. Se considerarmos a questão educacional, a introdução de
algumas tecnologias facilitou a popularização da Educação a Distância
(EAD). Pode-se considerar que a imprensa permitiu o acesso aos livros a um
conjunto maior de indivíduos, bem como propiciou a popularização do
ensino por correspondência. Do mesmo modo, a criação e a popularização
de mídias como rádio e televisão permitiram diversificar os cursos a
distância com a produção de aulas por áudio e vídeo. Os computadores, a
Internet e a Web permitiram à sociedade a socialização de um grande
conjunto de informações ao mesmo tempo em que permitiu modelos de
EAD com maior interatividade. Na sociedade da informação e comunicação,
manter-se atualizado e em constante formação é uma necessidade e a EAD
utilizando recursos Web como suporte 2 permite aos cidadãos ampliar seus
espaços de aprendizagem ao mesmo tempo em que flexibiliza os
momentos de estudo (ORTH; MANGAN e NEVES, 2012).

Ao longo da história, a própria definição da EaD evoluiu, a partir do emprego das


Tecnologias da Informação e Comunicação, praticamente hoje incorporadas dentro da
metodologia. (MORAN, 2009) corrobora quando diz que a modalidade da Educação a
Distância é consolidada através do uso intensivo e constante de tecnologias da informação,
podendo, ou não, acontecer alguns momentos presenciais. Contribuindo sobre a questão,
pode-se verificar as afirmações de (PEREIRA; MORAES, 2009, p 65) ao citar:

A Educação a Distância – EAD, concebida para ir além da perspectiva


de capacitação de pessoas, é, também, um processo educacional
formador do indivíduo, contribuindo para sua emancipação e para o
exercício pleno da cidadania. Não pode ser vista somente para
contemplar soluções que atendam às demandas coletivas da sociedade
(PEREIRA; MORAES, 2009, p 65).

No Brasil, a legislação, de acordo com o Decreto 5622 de 19 de dezembro de 2005,


artigo 1º, cita a EaD como:

461
Art. 1º: Para os fins deste Decreto, caracteriza--se a Educação a Distância
como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos
processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e
tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores
desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos
(BRASIL, 2005).

É fato o crescimento e consolidação da Educação a Distância no cenário da educação


brasileira. Diariamente observa-se propagandas e demais ações da mídia e de organismos
públicos difundindo cursos livres, ensino técnico, de graduação e pós-graduação, inclusive,
programas públicos de Mestrado, ofertados pelo sistema da Universidade Aberta do Brasil
que utilizam totalmente a metodologia do ensino a distância, hoje, sustentado
principalmente pelos recursos de Tecnologia da Informação e Comunicação.
Como objetivo geral, este trabalho busca fazer um levantamento inicial sobre o
cenário da Educação a Distância no Brasil ao longo dos últimos 4 anos. Especificamente,
pretende-se: a) Identificar o crescimento ou não da EaD no Brasil; b) Apresentar os principais
pontos positivos e negativos; e c) Apresentar os desafios da EaD enfrentados no cenário
brasileiro.

METODOLOGIA
O desenvolvimento da pesquisa foi feito através de revisão de literatura e
referenciais teóricos que tratam da EaD no Brasil, assim como, em anuários estatísticos da
Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), disponibilizados para acesso.
Os anuários selecionados da ABED tratam de pesquisas com diversas instituições
brasileiras que atuam e oferecem cursos na modalidade a distância, sendo estes estudados e
liberados nos anos de 2010 até 2013.

ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS


Ao analisar o referencial teórico, um dos problemas mais apresentados nos cursos a
distância foi a evasão dos alunos. Com relação ao problema da evasão, LEMGRUBER (2008)
traz uma ponderação para tentar diminuir este problema.

462
A tendência é que as fronteiras entre educação presencial e a distância
cada vez mais percam demarcações rígidas. Cursos a distância recorrem a
atividades presenciais como estratégias para conseguir um melhor
rendimento, aumentando o sentimento de fazer parte de um grupo, o que
pode ser decisivo para evitar a evasão (LEMGRUBER, 2008).

Outro aspecto apresentado foi a resistência à mudanças que ainda estão enraizadas
no cenário educacional e pedagógico brasileiro. Muitos professores e alunos, ainda
apresentam uma cultura focada apenas no ensino presencial, não vislumbrando a
possibilidade pedagógica onde não há a figura do professor no centro da sala de aula,
acreditando não serem capazes de fornecer ou absorver conhecimentos através da EaD e
que não existe um envolvimento acadêmico eficaz e eficiente nos processos de ensino e
aprendizagem. Uma afirmação de Bordenave, em 1995 ainda contrasta com tais paradigmas
no cenário atual.

Acredite-se ou não, houve um tempo em que ninguém imaginava que se


pudesse educar sem um professor fisicamente presente junto ao aluno, de
modo a transmitir-lhe seu saber e a corrigir os erros cometidos durante a
aprendizagem. Na verdade, esta crença, ao ter sido mantida durante
séculos, ditou raízes tão profundas que até hoje muitas pessoas, até nas
universidades, acham que qualquer educação que não tenha professor
presente só pode ser uma Educação de segunda classe (BORDENAVE, 1995).

Também sobre a questão das mudanças e ponto negativo, LEMGRUBER (2008) traz
que “alguns consideram que educação a distância, por sua natureza, é sinônimo de educação
massificada, de qualidade inferior”.
Com este aspecto de muitos ainda estarem resistentes a adoção da EaD pelos mais
diversos motivos, também é apontado que a Educação a Distância traz uma maior interação
nos processos pedagógicos, forçando os envolvidos a buscar a construção do conhecimento
de forma coletiva e autônoma, muitas vezes orientados pelos docentes e tutores. Tal
aspecto gera um ganho muito maior para o processo de ensino e aprendizagem de todos os
envolvidos. Neste sentido, FILHO (2011) corrobora afirmando:

Porém, ao contrário do que muitos pensam, na aprendizagem a distância, o


acadêmico tem que se envolver mais no processo, autogerenciar seu
aprendizado e interagir constantemente com todos os envolvidos (colegas,
tutores, gestores, etc.), pois isso faz com que todos participem e busquem,
cooperativamente, alternativas para superar obstáculos em direção a uma
aprendizagem significativa (FILHO, 2011).
463
Apesar de o estudo ter um foco nos últimos 4 anos da EaD no Brasil, um dado
pesquisado pode apontar um cenário da evolução da Educação a Distância nos anos
anteriores. Conforme levantamento do MEC/INEP sobre o número de matrículas, podemos
observar nos anos anteriores ao ano de 2009 um crescimento da modalidade comparado ao
ensino presencial. Tal comprovação pode ser observada no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Evolução das Matrículas por Modalidade - 2001 a 2009. (%)

Fonte: MEC/INEP, 2010.

Ao analisar o gráfico apresentado relacionado aos anos de 2001 até 2009, notou-se
um crescimento do número de matrículas na modalidade de ensino a distância e um
decréscimo das matrículas na educação presencial. Tal evolução pode ser justificada pela
maior possibilidade de acesso aos recursos de tecnologia da informação, a consolidação da
EaD e do aumento do número de vagas nas instituições que oferecem tais cursos.
O levantamento dos dados para esta pesquisa, foi também baseado nos estudos do
Censo EAD.BR da ABED nos anos de 2010 até 2013. O Censo ABED pesquisou diversos
aspectos da educação a distância no Brasil e os pesquisados podem ser apontados na tabela
abaixo:

Tabela 1 – Base de dados - Instituições que responderam ao Censo EAD.BR 2010 a 2013.
464
Fonte: Censo EAD.BR ABED

A tabela mostra que em 2010 não houve uma subdivisão dos pesquisados,
retornando um total de 198 instituições que responderam ao questionário; em 2011 já
houve uma subdivisão, retornando um total de 231 instituições que responderam aos
questionários, dividindo-se em 179 instituições que atuam oferecendo cursos EaD, 17
fornecedores de produtos e serviços e 28 professores independentes que atuam na oferta
dos cursos a distância; no ano de 2012 o número voltou a crescer, retornando um total de
284 instituições que responderam aos questionários, sendo 231 destas, instituições com
cursos EaD, 21 fornecedores de produtos e serviços e 32 professores; em 2013 novamente o
número voltou a crescer tendo um total de respostas da ordem de 309 instituições, sendo
281 as que oferecem cursos EaD, 28 somente fornecedores de produtos e serviços,
entretanto, neste ano não foi direcionado questionário para professores que trabalham de
forma independente, como justificativa, a formalização do professor como pessoa física que
em 2013 havia se tornado pessoa jurídica, e respondido como instituição.
Para auxiliar na visualização do crescimento das instituições que responderam aos
questionários e demonstrar melhor a evolução, foi elaborado um gráfico em forma de linha
com os anos e o quantitativo das respostas.

Gráfico 2 – Evolução do número de instituições que responderam aos questionários do Censo


EAD.BR da ABED – 2010 a 2013.

465
Fonte: Levantamento dos dados Censo EAD.BR ABED 2010 - 2013

Os dados pesquisados pela ABED, entre 2010 e 2013 apontam como dificuldades
para o crescimento da EaD uma resistência a modalidade por parte das instituições devido
ao fato de considerarem os cursos com menor qualidade, as dificuldades e desafios
organizacionais de uma instituição presencial passar a oferecer cursos EaD, a professores
que se opõem ao ensino a distância devido ao receio de perder seus empregos para a
tecnologia e aos próprios educandos que apresentam resistências em estudar nesta
modalidade. Também há de se ressaltar a questão dos custos de produção dos cursos com
qualidade, um fator apontado pelas instituições como sendo alto e impactante.
A evasão é um grande problema apontado, porém, comparando dados de 2011 e
2012, houve uma diminuição na evasão e o principal ponto apontado para justificar a evasão
dos cursos a distância foi a falta de tempo para estudar e a falta de adaptação à
metodologia. No censo de 2013 a evasão também foi apontada como um dos principais
problemas da EaD. Um percentual da evasão pode ser observada na tabela retirada do
Censo 2013 ABED.

Tabela 2 – Índices de evasão registrados no período 2010-2013.

466
Fonte: Censo EAD.BR ABED 2013.

Quando a pesquisa foi aplicada com relação aos investimentos das instituições na
Educação a Distância, notou-se um aumento destes a cada ano, tendo os que responderam
aos questionários da ABED relatado que de 2012 para 2013 um aumento médio da ordem de
32% em média e com uma previsão de aumento também para 2014.
Com relação ao perfil do aluno, a pesquisa apontou que é necessário conhecer o
perfil deste discente que está ingressando na metodologia da Educação a Distância. Neste
aspecto, demonstrou-se que o trabalho, família, obrigações sociais, saúde e interesses
podem influenciar o desempenho do aluno nos cursos em questão, podendo levar estes a
ter sucesso ou não em seus estudos. Uma indicação foi a graduação do aluno,
contextualizando que, quanto maior a graduação do aluno, maior a chance deste concluir
satisfatoriamente um curso na modalidade EaD. Dentro do perfil levantado, com relação ao
gênero, pôde ser constatado que a maioria matriculada nos cursos a distância são do sexo
feminino. Tal constatação pode ser observada no gráfico abaixo:

Gráfico 3 – Percentual médio das matrículas por ano. 2011 - 2013

467
Fonte: Pesquisa realizada no Censo EAD.BR ABED 2010 – 2013

O estudo também apontou que a maior parte dos cursos a distância aplicados estão
em instituições de ensino privadas, com fins lucrativos e de grande porte. Também
demonstrou que a região brasileira com a maior incidência dos cursos EaD é a Região
Sudeste, em segundo lugar a Região Sul. A Região Centro-Oeste também se destaca quando
são pesquisados os cursos chamados livres.
Como um último dado pesquisado neste trabalho, foi feito um levantamento do
número de matrículas em cursos autorizados e acadêmicos. Tais cursos são aqueles que
precisam de autorização dos órgãos educacionais municipal, estadual ou federal para ofertar
os cursos a um público interessado. Não foram levantados os números de matrículas em
cursos livres. Os cursos livres são aqueles que não precisam de autorização dos órgãos
oficiais para serem ofertados, no Censo EAD.BR ABED, os cursos de extensão são
enquadrados também como cursos livres.

468
Gráfico 4 – número de matrículas em cursos autorizados – 2010 a 2013.

Fonte: Pesquisa realizada no Censo EAD.BR ABED 2010 – 2013

Considerando o gráfico apresentado, pode ser observado um aumento considerável


no número de matrículas em cursos autorizados do ano de 2010 até 2012, porém, uma
queda de 2012 para 2013, entretanto, os dados pesquisados apontaram um aumento
considerável de matrículas no ano de 2013 em cursos livres, contabilizando de uma forma
geral para o aumento do total da EaD, seguindo a tendência nacional na abertura de cursos e
execução de matrículas nos cursos de Educação a Distância.

CONCLUSÕES
É comprovada a evolução da Educação a Distância no Brasil e no mundo ao longo dos
anos, principalmente após a grande revolução tecnológica que o mundo sofreu nos últimos
30 anos, com a inserção de ferramentas de Tecnologia de Informação e Comunicação, que
revolucionaram as comunicações, possibilitando que as barreiras de tempo e espaço fossem
ultrapassadas na aquisição e construção do conhecimento, ampliando as possibilidades do
ensino a distância, consolidando a modalidade e trazendo novos desafios e oportunidades.
Consolida-se, também, a Educação a Distância como um fator decisivo na democratização do
ensino devido a ser capaz de atender um número muito grande de alunos. Confirmando as
conclusões, ALVES (2011) corrobora quando cita em seu artigo:

469
A Educação a Distância pode ser considerada a mais democrática das
modalidades de educação, pois se utilizando de tecnologias de informação
e comunicação transpõe obstáculos à conquista do conhecimento. Esta
modalidade de educação vem ampliando sua colaboração na ampliação da
democratização do ensino e na aquisição dos mais variados conhecimentos,
principalmente por esta se constituir em um instrumento capaz de atender
um grande número de pessoas simultaneamente, chegar a indivíduos que
estão distantes dos locais onde são ministrados os ensinamentos e/ou que
não podem estudar em horários pré-estabelecidos (ALVES, 2011).

A pesquisa realizada demonstrou o crescimento da EaD no Brasil, porém, apontando


diversos obstáculos e dificuldades, principalmente a questão da evasão dos cursos, sendo
em todos os anos um dos maiores fatores de preocupação. Conclui-se que a questão da
evasão necessita de estudos, análises e busca de soluções para diminuir o problema e
consolidar cada vez mais a EaD como uma modalidade eficiente e eficaz, além de,
democrática e de inclusão.
Também foi observado uma maioria de pessoas do sexo feminino nos cursos, que os
investimentos aumentam ano a ano, que os cursos e o número de matrículas são crescentes
em todos os níveis de curso, livres, extensão, autorizados e corporativos, tendo até mesmo
já cursos strictu sensu sendo oferecidos pelo sistema da Universidade Aberta do Brasil.
As EaD no Brasil, comprovadamente, é um diferencial na educação e nos processos
de ensino e aprendizagem, porém, há uma constante necessidade de acompanhamento e
melhorias nos processos e metodologias, sendo um trunfo e uma, ainda inovadora,
ferramenta educacional.

REFERÊNCIAS
ALVES, Lucineia. Educação a Distância: conceitos e história no Brasil e no mundo. ABED –
Revista Científica. 2011 Disponível em
<http://www.abed.org.br/revistacientifica/Revista_PDF_Doc/2011/Artigo_07.pdf>.
Acessado em 27/09/2014.
ABED. Censo EAD.BR Relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil.
Associação Brasileira de Educação a Distância. São Paulo, 2010.
ABED. Censo EAD.BR Relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil.
Associação Brasileira de Educação a Distância. São Paulo, 2011.

470
ABED. Censo EAD.BR Relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil.
Associação Brasileira de Educação a Distância. São Paulo, 2012.
ABED. Censo EAD.BR Relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil.
Associação Brasileira de Educação a Distância. São Paulo, 2013.
BRASIL. Decreto 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o artigo 80 da Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 dez. 2005.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Decreto/D5622.htm>. Acessado em 27/12/2014.
BRASIL, MEC - INEP. Censo da Educação Superior de 2009. Resumo Técnico , 34. Brasília,
DF, Brasil: MEC. (2010).
BORDENAVE, J. D., PEREIRA, A. M. Estratégias de ensino-aprendizagem. 15. ed.
Petrópolis: Vozes, 1995.
FILHO, J. W. S. Desafios e vantagens da Educação a distância para uma aprendizagem
significativa na Universidade. Disponível em:
<http://ueadsl.textolivre.pro.br/2011.1/papers/upload/100.pdf>. Acessado em 05/12/2014
NUNES, I. B. Noções de Educação a Distância. Disponível em:
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/EAD/NOCOES
EAD.PDF >. Acessado em 27/09/2012.
SARAIVA, Terezinha; Educação a Distância no Brasil: lições de história. Disponível em:
<http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1048/950>. Brasília,
1996. Acessado em 05/12/2014.

471
AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM. UMA ANÁLISE INICIAL DA UTILIZAÇÃO FRENTE
A ALUNOS E DOCENTES NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE COMO
FERRAMENTA DE APOIO AO ENSINO PRESENCIAL

Álvaro Gonçalves de Barros


IFRJ

Annabell D. R. Tamariz
UENF

RESUMO: Este estudo fez um levantamento inicial com docentes e discentes sobre o
conhecimento de Ambientes Virtuais de Aprendizagem dentro da Universidade Estadual do
Norte Fluminense. Buscou-se analisar os aspectos sobre conhecimento do que é um AVA,
sobre a oferta do recurso dentro da universidade, sobre a opinião em auxiliar ou não nos
processos de construção do conhecimento e o desejo em utilizar ou não o recurso
tecnológico em aulas presenciais como ferramenta de apoio ao ensino, assim como, um
levantamento em referencial teórico sobre o tema ao apontar a necessidade de
transformação no ensino clássico presencial e a oportunidade e importância que a
implementação e utilização da ferramenta traz para os processos pedagógicos.
Palavras-chave: Ensino. Apoio. Educação. Ambientes Virtuais.

INTRODUÇÃO
Vivemos um uma sociedade cada vez mais conectada, as gerações nascidas a partir
da década de 1990 possuem extrema facilidade de lidar com dispositivos computacionais e
tecnologia. Também possuem uma grande característica de multifuncionalidade, sendo
capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo, sem contar com o imediatismo, é uma
geração que não quer esperar.
Sobre as novas gerações, Chalita (2013) traz que as crianças nascidas que tem, até
agora, 12 anos de idade, já nascem conectadas, exemplifica que já sabem ligar sozinhas
dispositivos eletrônicos e divertem-se com jogos, entre outros e manipulam com extrema
facilidade aparelhos como tablets, celulares e computadores. Também aponta que estas
crianças fazem parte da chamada Geração A e, juntamente com as Gerações Y e Z, compõe
os discentes que foram nascidos na chamada era digital.
O mercado globalizado, as novas exigências e as tecnologias existentes trazem a
necessidade de se pensar maneiras de inovar e buscar melhorias nos processos de ensino e
aprendizagem, nesse sentido Perrenoud (2000 apud SOUZA, 2008) esclarece dizendo que o
472
aprendizado por competências, o aprender a aprender e o aprender fazendo, assim como as
interações entre os próprios discentes e docentes contribuem para uma educação
cooperativa com o compartilhamento do conhecimento.
Neste novo contexto da sociedade conectada, é preciso propor e implementar
mudanças nos conceitos da educação, na forma de ligar e apresentar os processos de ensino
e aprendizagem para essa geração, principalmente no ensino superior, preparando estes
alunos para uma educação do futuro, buscando despertar nos alunos a utilização dos
recursos de tecnologia da informação e comunicação como um benefício para a construção
do conhecimento, capacitando este aluno para se tornar um profissional dinâmico e que
atenda às demandas do exigente mercado globalizado e conectado da atualidade.

[...] preparar os professores para a mudança de cultura necessária significa


levá-los a conviver em ambientes onde isso possa estar ocorrendo e fazer
com que eles possam observar e refletir sobre o próprio processo de
interação e de transformação (SOARES; LUCIANO, 2004, p. 4).

É um desafio para os educadores, para os professores, quebrar os paradigmas da


educação tradicional centrada na sala de aula, onde o docente é o único detentor do
conhecimento e os alunos apenas recebem as informações repassadas em sala de aula. É
necessário despertar nos alunos novos processos de construção do conhecimento, fazer com
que os alunos se sintam parte do processo de ensino e aprendizagem e, principalmente, com
o advento das tecnologias, se sintam atraídos e motivados em aprender, em aprender a
aprender.
Riccio (2010) aponta que é necessário repensar o modelo educacional, pautado
apenas na transmissão e consumo da informação, ainda hegemônico em nossa sociedade, é
preciso levar o aluno a um pensamento de formação crítica.

Nossa sociedade é baseada na informação, no conhecimento e no


aprendizado e a educação é o elemento-chave nesta construção. O grande
desafio do educador, nessa sociedade, não é apenas treinar
mecanicamente os indivíduos na produção de bens e serviços, mas ensinar
a operar com fluência as novas ferramentas no trabalho e na vida. Os
educadores precisam investir na criação de competências para poderem
aplicar criativamente as novas mídias. Como houve uma transformação
muito acelerada da tecnologia, o educador precisa ensinar o aluno a
aprender a aprender (SILVA, 2010).

473
Ainda contextualizando sobre as mudanças necessárias, MORAN (2009) afirma que o
ensino está burocrático, previsível e conservador demais, que há uma necessidade de
mudanças. Também afirma que, é um absurdo os cursos continuarem quase integralmente
centrados na sala de aula. Neste sentido, FREIRE (2009) aponta que é necessária uma
concepção do aprender a aprender. “Estamos no tempo de aprender a aprender. Aquele que
souber isso estará verdadeiramente preparado para viver. Do contrário, vai morrer de
decorar e não vai sair do lugar” (SOUZA, 2008).
Pierre Lévy (2009) reforça em sua obra “Cibercultura” que há uma consolidação do
ciberespaço e que as tecnologias digitais permitem repensar os caminhos da humanidade e
da aprendizagem.
A utilização de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) como ferramenta de
apoio no ensino presencial vai de encontro a estas mudanças necessárias e apontadas, com
a inserção de ferramentas de tecnologia da informação, como os AVAs, permite um estímulo
aos envolvidos nos processos educacionais, assim como, uma elevação dos domínios da aula
para além do espaço clássico da sala de aula tradicional.
Utilizar um AVA como apoio ao ensino presencial permite aumentar a disponibilidade
de recursos pedagógicos e mecanismos que irão auxiliar e ampliar meios didáticos em todo o
processo de ensino e aprendizagem.
Medeiros (2002) aponta que a utilização de Ambientes Virtuais de Aprendizagem no
processo educacional presencial, permite uma maior socialização e ampliação do
conhecimento e, traz novas formas de acesso e de práticas educacionais com múltiplas
formas de acesso ao conhecimento e informação.
Neste trabalho, busca-se fazer um levantamento inicial sobre o conhecimento de um
Ambiente Virtual de Aprendizagem frente aos alunos e docentes da Universidade Estadual
do Norte Fluminense (UENF). Especificamente, pretende-se: a) Analisar conhecimentos
iniciais de docentes e discentes sobre um AVA; b) Identificar sobre conhecimento sobre a
existência de um AVA institucional da UENF; e c) Identificar percentual de docentes que
gostariam ou não de utilizar um AVA como apoio ao ensino presencial em suas disciplinas.

METODOLOGIA

474
O desenvolvimento da pesquisa foi realizado através de levantamento de referencial
bibliográfico sobre a necessidade de mudanças no contexto dos processos educacionais,
sobre a implementação da utilização de Ambientes Virtuais de Aprendizagem como uma
ferramenta pedagógica de apoio ao ensino presencial que permite uma melhoria na
construção do conhecimento por docentes e discentes.
Paralelo ao levantamento teórico, foi aplicada uma pesquisa com a utilização de
formulários eletrônicos online de perguntas objetivas. O primeiro formulário foi direcionado
para respostas dos discente, sendo este preparado utilizando o recurso do Google Docs e
disponibilizado um link através da página da UENF no Facebook, onde os alunos podiam
acessar e responder aos questionamentos. Também foi enviado o link de acesso para alguns
alunos por e-mail. A pesquisa aplicada aos docentes também deu-se através de formulário
online elaborado com a ferramenta do Google Docs e enviada através de e-mail institucional
da UENF para um total de 151 professores. No e-mail foi anexado um link para acesso as
perguntas objetivas, onde os docentes poderiam responder as questões e, ao final, enviar as
respostas que ficariam armazenadas em uma base de dados para os estudos e análise dos
resultados.

ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS


Após o período delimitado para receber as respostas nos formulários aplicados, tanto
para discentes quanto para docentes, os dados foram coletados e tabulados para
apresentação dos resultados a seguir.
As primeiras análises foram em cima das respostas recebidas para a pesquisa
aplicada aos docentes, no formulário foram elaboradas perguntas objetivas, algumas com
possibilidades de mais de uma resposta e buscou analisar em torno de 9 questionamentos.
Primeiramente buscou-se levantar o percentual de docentes que responderiam à
pesquisa por Centro, na qual, apresenta-se o resultado no Gráfico 1.

475
Gráfico 1: Percentual de respostas dos docentes por Centro.
Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.

Analisando o gráfico da quantidade dos docentes que responderam ao questionário,


notou-se que os Centros que mais tiveram docentes respondendo à pesquisa foram o CCT e
o CCTA, cada um com 35% do total das respostas, seguindo pelo CBB com 19% e, por último,
o CCH com um total de apenas 11% de todas as respostas sendo de professores do Centro
de Ciências do Homem.
Também foi objeto da pesquisa buscar um levantamento entre os docentes, aqueles
que já participaram de algum curso com a metodologia a distância, uma vez que,
praticamente quando se adota cursos em EaD, a base de sustentação é a utilização de um
AVA. Tal resultado é apresentado no Gráfico 2.

476
Gráfico 2: Percentual dos docentes sobre participação em Cursos a Distância.
Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.
O Gráfico 2 aponta que uma grande maioria dos docentes que responderam à
pesquisa, 73% deles, nunca participou de nenhum curso na modalidade de Educação a
Distância, também aponta que 19% participou de Educação a Distância apenas como
docente, 4% atuou apenas como aluno e 4% tiveram participação tanto como aluno, quanto
como tutor e docente.
Outro dado considerado importante e, um dos principais objetos deste estudo foi
buscar junto aos docentes se os mesmos sabem o que é um Ambiente Virtual de
Aprendizagem – AVA. Tal resultado apresenta-se no Gráfico 3.

Gráfico 3: Percentual de docentes que sabem ou não o que é um AVA.


Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.

Ao analisar as respostas sobre o questionamento aos docentes conhecerem ou não o


que é um Ambiente Virtual de Aprendizagem, o resultado apontado por todas as respostas
trouxe que 77% dos docentes sabem o que é um AVA, enquanto 23% dos docentes
desconhecem o que é um Ambiente Virtual de Aprendizagem.
Com relação a utilização de um Ambiente Virtual de Aprendizagem, o Gráfico 4
apresenta os resultados coletados na pesquisa, apontando que um total de 69% dos
docentes que responderam afirmam que nunca utilizaram um AVA, enquanto 19% fizeram
uso de um AVA apenas em cursos a distância, 8% utilizou ou utiliza um AVA apenas como

477
apoio ao ensino presencial e 4% fez ou faz uso dos recursos tanto em cursos a distância
quanto em cursos presenciais como uma ferramenta de apoio ao ensino.

Gráfico 4: Docentes com relação a utilização de um AVA.


Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.

Também foi levantada a opinião dos docentes quanto a utilização de um AVA como
apoio ao ensino presencial, no sentido de ajudar ou não na construção do conhecimento,
uma vez que, as referências bibliográficas apontaram que há um ganho ao se utilizar um AVA
como ferramenta de apoio ao ensino presencial. Neste sentido, as respostas dos docentes
da UENF foram de encontro aos referenciais levantados, com 73% das respostas apontando
a utilização de um AVA como apoio ao ensino presencial ajudar na construção do
conhecimento, não tendo nenhuma resposta a opção que não ajuda, e 27% não souberam
informar, conforme o Gráfico 5 demonstra.

478
Gráfico 5: Opinião dos docentes sobre utilizar um AVA como apoio ao ensino presencial.
Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.

O Gráfico 6 apresenta as respostas dos docentes sobre o conhecimento de existir um


Ambiente Virtual de Aprendizagem na UENF para que possa ser utilizado. As respostas
demonstraram que a maioria dos docentes não souberam informar se a Universidade possui
tal recurso disponível, chegando a um total de 65% das respostas, enquanto 8%
responderam que a UENF não possui e, 27% afirmaram que há um Ambiente Virtual de
Aprendizagem disponível na universidade para a utilização.

Gráfico 6: Respostas dos docentes sobre existir um AVA na UENF


Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.

479
Também foi objeto da pesquisa buscar o conhecimento se os docentes utilizam ou
gostariam de utilizar um Ambiente Virtual de Aprendizagem como uma ferramenta de apoio
presencial em suas aulas. Como respostas, um total de 65% dos docentes que responderam
ao questionário afirmaram que gostariam de utilizar um AVA como apoio em suas aulas
presenciais, 8% dos docentes responderam que já utilizam enquanto 12% não opinaram, que
pode ser justificado pelas respostas de docentes que não sabem o que é um AVA ou que
nunca utilizaram e 15% dos docentes responderam que não gostariam de utilizar um
Ambiente Virtual de Aprendizagem como ferramenta de apoio em suas aulas presenciais. As
respostas sobre esta questão podem ser verificadas no Gráfico 7.
Contextualizando as respostas dos docentes, de uma forma geral, a maioria dos
participou de algum curso a distância, assim como, conhecem o que é um Ambiente Virtual
de Aprendizagem, porém, também informou nunca ter utilizado um AVA. Outro aspecto
levantado e observado é que, apesar da UENF oferecer um AVA institucional, a maior parte
dos docentes desconhece esta oferta e também apontaram que gostariam de utilizar um
AVA como uma ferramenta de apoio ao ensino presencial de suas aulas. Tal desejo de
utilizar a ferramenta justifica-se quando se observa o fato da maioria dos docentes apontar
para a melhoria no processo de construção do conhecimento.

Gráfico 7: Resposta sobre opinião dos docentes em utilizar ou não um AVA como apoio em suas
aulas presenciais.

480
Fonte: Pesquisa online aplicada aos docentes da UENF.

Também foram analisadas as respostas dos discentes, onde, levantou-se o tipo de


curso dos alunos que estariam respondendo à pesquisa. Neste aspecto, foi constatado que
64% dos alunos pertenciam a cursos de Graduação, 18% dos alunos eram de Mestrado e o
restante, outros 18%, de Doutorado, conforma apontado no Gráfico 8.

Gráfico 8: Tipo de curso dos discentes que responderam ao questionário.


Fonte: Pesquisa online aplicada aos alunos da UENF.

Também foi aplicada aos discentes uma pergunta sobre saber ou não o que é um
Ambiente Virtual de Aprendizagem. Como resposta, a maioria dos discentes afirmou ter
conhecimento, sendo 85% dos discentes responderam que sabem e 15% não sabiam o que
era um AVA.

481
Gráfico 9: Percentual dos discentes sobre saber o que é um AVA.
Fonte: Pesquisa online aplicada aos discentes da UENF.

Quando foi questionado aos alunos sobre terem utilizado um AVA, o Gráfico 10
aponta para as respostas.

Gráfico 10: Percentual do tipo de utilização de um AVA pelos alunos.


Fonte: Pesquisa online aplicada aos discentes da UENF.

Ao analisar o gráfico das respostas sobre a utilização de um AVA pelos alunos, foi
observado que a maioria, 60% dos alunos, já utilizou apenas em algum curso a distância,
enquanto um percentual de 15% utilizou apenas em cursos presenciais como uma

482
ferramenta de apoio ao ensino. Também foi verificado que outros 15% fez utilização do
recurso tanto em cursos a distância quanto em apoio aos cursos presenciais e, 10% nunca
utilizou um Ambiente Virtual de Aprendizagem.
Outra informação importante foi no aspecto do conhecimento dos alunos sobre a
disponibilização ou não de um Ambiente Virtual de Aprendizagem pela UENF para a
utilização, tanto pelos alunos quanto pelos docentes. As respostas podem ser observadas no
Gráfico 11.

50% dos alunos responderam não saber se na UENF há ou não um AVA disponível
para a utilização. Ao observar esta resposta, comprova-se que, pelo menos 50% destes
alunos não utilizam o recurso dentro da universidade. Também foi verificado que 32%
informaram que não há a disponibilidade do recurso dentro da UENF, aumentando o índice
de comprovação de alunos que não utilizam ou utilizaram a ferramenta no âmbito de suas
aulas na universidade e, somente 18% informaram que a UENF oferece o recurso, entrando
em consonância com os que responderam que já utilizaram como ferramenta de apoio ao
ensino ou em cursos a distância.
Nos dois últimos questionamentos, todas as respostas foram unânimes. Na pergunta
sobre a importância da utilização de um AVA como apoio ao ensino presencial, 100% das
respostas dos discentes apontaram que “ajuda na construção do conhecimento”, assim

483
como, quando as respostas foram sobre o desejo da utilização do recurso pelo professor
como uma ferramenta de apoio ao ensino nas aulas presenciais da universidade, novamente
100% das respostas foram positivas, mesmo tendo um percentual de 15% afirmado não
conhecer o que é um AVA.

CONCLUSÃO
Tratando-se de um estudo inicial sobre a utilização de um Ambiente Virtual de
Aprendizagem como ferramenta de apoio ao ensino presencial na UENF, nota-se que, ainda
há um considerável percentual que não possui conhecimento sobre o que é um AVA,
demonstrando a necessidade de capacitação ou divulgação sobre o recurso. Também há um
desejo da utilização do recurso como apoio ao ensino presencial e em consonância sobre o
auxílio que o recurso adiciona ao processo de construção do conhecimento. Outro aspecto é
a necessidade de difusão do AVA institucional da UENF, para que possa ser toda a
comunidade tenha conhecimento da disponibilidade do recurso e possa utilizá-lo.
Atrelado a estes aspectos, há uma necessidade da continuidade deste estudo, uma
vez que, tratou-se apenas de um levantamento inicial, onde, nos próprios questionamentos
há possibilidade de novas interpretações e análises dos dados coletados.
Sobre o desejo da utilização do AVA como apoio ao ensino presencial e,
principalmente, quando a opinião tanto de alunos quando de professores sobre o auxílio que
a ferramenta pode prover na construção do conhecimento, vai de encontro aos referenciais
teóricos iniciais levantados, que direcionam para a necessidade da mudança dos paradigmas
tradicionais da aula presencial, da necessidade e oportunidade de emprego das ferramentas
de Tecnologia da Informação e Comunicação no processo educacional e, da melhora dos
processos cognitivos e pedagógicos com a adoção de AVAs como ferramenta de apoio ao
ensino presencial.

REFERÊNCIAS
CHALITA, Gabriel. A nova geração de alunos. Disponível em:
<http://www.gabrielchalita.com.br/index.php/features/educacao-em-foco/item/1717-a-
nova-gera%C3%A7%C3%A3o-de-alunos.html>. Acessado em 01/12/2014.

484
FREIRE, P, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Editora Paz
na Terra. Coleção Leitura. 39. Ed, 2009.
LÉVY, P. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
________. Cibercultura. São Paulo: Editora 34. 2009.
MEDEIROS, M. Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o desafio de novos traçados na
produção do conhecimento como criação. In: Congresso Iberoamericano de Informática
Educativa, 2002, Vigo, 2002.
MORIN, E. . Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução Catarina
Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São
Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000.
SILVA, Marco. Sala de Aula Interativa: a educação presencial e a distância em sintonia
com aera digital e com a cidadania. In: Boletim Técnico do SENAC , v.27, n. 2, maio/agosto
2010. Disponível em: <http://www.senac.br/informativo/BTS/272e.htm>. Acessado em
21/04/2014.
SOARES, E. M. S.; LUCIANO, N. A. Formação continuada de professores no contexto das
tecnologias digitais. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2004/por/htm/016-
TC-A2.htm>. Acessado em 12/12/2014.
SOUZA, I. Resplandes. Aprender a Aprender. Disponível em <
http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1088705> 20/07/2008. Acessado em
28/11/2014.
RICCIO, N. C. R. Ambientes virtuais de aprendizagem na UFBA: a autonomia como
Possibilidade, 2010. Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de
Educação, Salvador, 2010.

485
SEQUÊNCIA DIDÁTICA E TECNOLOGIA: O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO NO ENSINO
SUPERIOR

Adriana Recla
Faculdades Integradas de Aracruz

RESUMO: Este artigo tem o objetivo de discutir a contribuição da utilização de sequências


didáticas no ensino superior por meio do uso de tecnologia. Entendemos que o trabalho com
os gêneros, por meio da organização de uma sequência didática bem planejada,
proporcionará uma aprendizagem mais significativa com o uso efetivo da Língua Portuguesa
em situações de interação social em meio digital. Para fundamentar nosso apoiamo-nos nos
trabalhos de Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly (2001, 2004) e Marcuschi (2008).
Escolhemos o artigo de opinião como gênero a ser estudado durante a sequência didática
por ser um gênero textual muito presente no ensino superior. O presente trabalho
evidenciou que trabalhar com sequencia didática deve funcionar como exemplo à disposição
dos professores. Nesse sentido, observamos que o ensino do gênero artigo de opinião no
Ensino Superior fica atrelado à formação do professor, pois o trabalho com sequências só
assumirá papel pleno se conduzirem os professores a elaborar, por conta própria, outras
sequências. Em suma, constatamos que no ensino de Língua Portuguesa, o papel do
professor influencia diretamente a prática de gêneros no cotidiano escolar.
Palavras- Chave: Sequência Didática; Tecnologia; Gêneros.

INTRODUÇÃO
Este artigo tem o objetivo de discutir a contribuição da utilização de sequências
didáticas no ensino superior por meio do uso de tecnologia. O trabalho com os gêneros, por
meio da organização de uma sequência didática bem planejada, pode contribuir
significativamente para uma aprendizagem mais significativa com o uso efetivo da Língua
Portuguesa em situações de interação social em meio digital.
Durante as aulas de Língua Portuguesa, realizadas no Curso de Direito das
Faculdades Integradas de Aracruz, discutimos sobre como produzir o gênero artigo de
opinião, no intuito de auxiliar os discentes a utilizarem a produção de texto escrito de modo
a responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, com os quais irão se
deparar e fazer uso.
Entendemos que as aulas de Língua Portuguesa no ensino superior devem ser lugar
de produção e utilização de distintos gêneros resultantes de diferentes funcionamentos da
comunicação.

486
Este trabalho está ancorado nos pressupostos teóricos de Dolz e Schneuwly (2001,
2004) os quais têm se destacado na atualidade com uma abordagem ampla e atual sobre o
trabalho com sequências didáticas e também nos trabalhos de Marcuschi (2008),
destacando-se a reflexão sobre o uso do gênero no ensino de Língua Portuguesa.
Para o trabalho a que nos propomos, tomamos a concepção de sequência didática
como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno
de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2001, p. 97). Já a
noção de gênero será concebida como “as unidades concretas nas quais deve dar-se o
ensino” (DOLZ & SCHNEUWLY apud MARCUSCHI, 2008, p. 213).
Para ilustrar uma maneira de contribuir diretamente com o ensino de Língua
Portuguesa, tomamos uma situação de ensino e de aprendizagem – a produção de um artigo
de opinião por meio de uma sequência didática. O discente do curso de Direito necessita
posicionar-se cotidianamente sobre certos assuntos que circulam socialmente, em especial,
sobre os temas da futura profissão que são cada vez mais inúmeros e profundos. Desse
modo, ele deve expressar seu ponto de vista sobre certos temas, argumentando-os. Para
tanto, selecionamos o artigo de opinião “Cotas: o justo e o injusto”, de autoria da escritora
Lya Luft, no intuito de apresentar este gênero aos discentes, fazendo-os reconhecer como a
autora o produziu. Assim, organizamos com o(s) primeiro(s) período(s) do curso de Direito,
espaços de aprendizagem que trataram do uso e da escrita do gênero artigo de opinião.
Cumpre destacar que cada vez mais os discentes apresentam dificuldades referentes
à elaboração desse gênero, bem como a aplicação de conhecimentos linguísticos necessários
para a produção deste. Verificamos que a participação dos alunos nas discussões da aula
possibilitou a percepção das principais características do gênero artigo de opinião. Todo esse
processo nos levou (professor) a pesquisar e a refletir sobre o trabalho com a sequência
didática e a tecnologia no Ensino Superior.
Concebemos que o gênero artigo de opinião, não pode ser selecionado tão somente
com o fim de desenvolver e avaliar as capacidades de escrita dos alunos. O fato de ele ser
utilizado em sala, no ensino superior, deve-se ao fato de termos o objetivo de proporcionar
uma aprendizagem mais significativa com o uso efetivo da Língua Portuguesa em uma
situação de interação social em meio digital, proporcionando momentos de produção e

487
interação real. É por esta razão que justificamos o trabalho com o gênero artigo de opinião,
por meio da organização de uma sequência didática em um ambiente digital.
Estamos vivenciando uma nova e complexa realidade com o uso das tecnologias, o
que traz novas relações com a escrita. Não podemos negar que a produção de texto é uma
prática essencial em todas as sociedades letradas, e, com o advento das tecnologias digitais
vêm se tornando mais espontânea, alterando a socialização de várias práticas discursivas.
Para nós, o uso da tecnologia pode e deve colaborar na formação de sujeitos leitores e
produtores de discurso, especialmente, no ensino superior. Assim, neste trabalho, a
concepção de tecnologia adotada é a que está presente nos Parâmetros Curriculares do
Ensino Médio defendendo que “a informática não deve ser considerada como disciplina, mas
como ferramenta complementar às demais já utilizadas na escola, colocando-se, assim,
disponível para todas as disciplinas.” (BRASIL, 2006, p. 208).
Não temos a pretensão de apresentar soluções ou de inovar para a melhoria do
ensino de Língua Portuguesa no ensino superior. Nosso propósito é o de colocar em pauta
uma possibilidade de trabalho envolvendo a produção de texto com o uso da tecnologia.
Sabemos que embora existam inúmeras investigações sobre práticas pedagógicas no ensino
de língua ainda necessitamos de intervenções dinâmicas para que o aluno seja de fato
sujeito leitor e produtor de textos e discursos.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA NO TRABALHO COM OS GÊNEROS NO ENSINO DE LÍNGUA


PORTUGUESA
Para iniciar os pontos de reflexão destacamos que o professor deve considerar as
práticas sociais como o lugar da manifestação do individual e do social na linguagem. Além
disso, é preciso destacar que as práticas de linguagem articulam-se às atividades dos
discentes graças ao gênero. É por esta razão que o professor deve propor aos alunos práticas
efetivas de comunicação para que os gêneros se tornem objeto para o estudo da língua
portuguesa.
Marcuschi (2008, p.156) assevera que “toda vez que desejamos produzir alguma ação
linguística em situação real, recorremos a algum gênero textual. Eles são parte integrante da
sociedade e não apenas elementos que se sobrepõem a ela”.

488
O professor de Língua Portuguesa vem sendo desafiado cada vez mais a lidar com os
novos conceitos e construir uma nova prática, principalmente com o trabalho com gêneros.
Recla & Valerio (2011, p. 11) destacam que a “noção de gênero como instrumento de
ensino-aprendizagem tem se tornado um tema frequente no debate didático de como
ensinar Português, levantando questões sobre o que significa trabalhar com os gêneros”. Por
esta razão é necessário que o docente apresente atividades reflexivas sobre o uso do
gênero, e, respectivamente, da língua. O intuito é oportunizar o exercício de produção
autêntica, antes e durante o processo de apreensão do conhecimento do gênero.
Essas são questões relevantes, visto que ensinar com gêneros deve fazer com que o
discente possa situar-se dentro de um contexto vivido, interativo, fazendo uso social da
linguagem. É neste sentido que a elaboração de sequência didática pelo professor é
essencial, pois é por meio dela que se poderá ter embasamento teórico para tomar decisões,
selecionar materiais de ensino, escolher metodologia para o trabalho em sala de aula.
Na proposta para o trabalho com gêneros por meio de um modelo didático de
gêneros (Schneuwly e Dolz, 2004 apud GUIMARÃES, 1998, p. 77), é possível definir os
princípios, os mecanismos enunciativos que se põem em ação e os mecanismos de
textualização que constituirão os objetos de aprendizagem dos alunos. Para tanto, o
professor considerará os conhecimentos existentes sobre gêneros, as capacidades dos
aprendizes e os objetivos a que propõe a atividade. Somente após este modelo é que será
desenvolvida a sequencia didática.
A estrutura da sequência didática apresenta os seguintes passos: projeto e situação
comunicativa; produção inicial; módulos e produção final (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 98).
Asseveramos que a sequência didática possibilita que atividades propostas em sala
explorarem as condições de produção em que os gêneros são construídos e as relações que
se estabelecem entre o produtor e o receptor. Além disso, o professor pode considerar o
desempenho dos aprendizes, sendo este objeto de análise. Desse modo, adaptar-se-á as
sequências às necessidades dos discentes, verificando-se as dificuldades na escrita, os
objetivos da sequência, como construir um módulo para tratar de uma dificuldade comum
ou particular, quais as melhores atividades para a continuação da sequência, entre outros.

489
Portanto, a sequência passa a ser fonte de informação para o professor, sendo um
dos princípios básicos a revisão ou a revisão ortográfica. Contudo, a sequência didática não
pode assumir na totalidade, a tarefa de melhorar o domínio da língua pelos aprendizes. Isto
significa favorecer a articulação do trabalho proposto nas sequências com outros níveis de
estruturação da língua, como é o caso da gramática, ortografia e da sintaxe.

O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO: OBJETO DE ENSINO


Escolhemos, como já dissemos, o gênero artigo de opinião para ser trabalhado
durante a sequência didática. Este gênero trabalha com temas provocadores e atuais, o que
favorece a proximidade do discente de Direito com este gênero, visto que encontramos
artigos de opinião em diversos contextos de circulação: jornais, revistas, livros, sites, entre
outros.
O gênero selecionado apresenta uma estrutura predominantemente argumentativa,
com caráter opinativo, em que o autor levanta argumentos para tecer sua tese/ponto de
vista, pautados sempre que possível, em dados concretos, raciocínio lógico, pesquisas,
dentre outros. Desse modo, o propósito do gênero artigo de opinião é o de conduzir o leitor
a concordar com o ponto de vista proposto pelo autor. Logo, verifica-se que se trata de um
gênero que permite ao autor fazer uso de uma estrutura aberta, sendo possível imprimir um
estilo individual.
A questão que mais nos instigou durante o trabalho realizado com o gênero artigo de
opinião foi: que lugar de fato este gênero ocupa nas aulas de Língua Portuguesa?
Entendemos que o gênero, neste caso o artigo de opinião, não pode ser utilizado
apenas com o fim de desenvolver e avaliar as capacidades de escrita dos alunos. Ao
contrário, ele deve também ser instrumento de comunicação e, ao mesmo tempo, objeto de
ensino/aprendizagem. Nesse sentido, Schneuwly e Dolz (1999) alertam que

Toda ação de linguagem implica, por outro lado, diversas capacidades da


parte do sujeito: adaptar-se às características do contexto e do referente
(capacidades de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades
discursivas) e dominar as operações psicolinguísticas e as unidades
linguísticas (capacidades linguístico- discursivas) (SCHNEUWLY e DOLZ,
1999, p. 06).
490
Para tanto, a prática do uso de gêneros, no espaço universitário, precisa ser favorável
à eficácia comunicativa. O uso dos gêneros precisa possibilitar ao discente de Direito a
interação com a diversidade linguística existente. E, neste caso, o professor deve propor
práticas efetivas de comunicação para que o gênero se torne objeto para o estudo da língua.

A PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA COM O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO


Nossa proposta de trabalho com o gênero artigo de opinião por meio da elaboração
de uma sequência didática possibilitará a apropriação da prática de escrita pelo aluno,
levando em conta diferentes níveis do processo de elaboração do texto.
A sequência planejada foi desenvolvida para ser trabalhada em três módulos, cerca
de cinco a seis aulas de uma hora cada uma. Se necessário for, no decorrer das atividades o
professor poderá readequar o tempo previsto às necessidades dos discentes.
Para o registro de cada uma das etapas, os alunos utilizarão o Google Docs 44. Todos
os momentos serão registrados pelos alunos por meio da escrita, para futura socialização no
decorrer das atividades.
Para sistematizar a elaboração da sequência didática, apresentaremos a seguir os
módulos que foram propostos.

APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO

Nesta etapa, apresentaremos qual atividade escrita será realizada. Apresentamos aos
discentes o artigo de opinião “Cotas: o justo e o injusto”, de autoria da escritora Lya Luft,
para que tivessem acesso a este gênero. Em seguida, os alunos serão conduzidos para
reconhecer como este gênero foi organizado. Levantaremos com os discentes em sala: Qual
é o gênero abordado? A quem se dirige? Que forma assume? Quem participará da

44
Este recurso permite aos usuários criar e editar documentos online ao mesmo tempo colaborando em tempo
real com outros usuários (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Google_Docs).

491
produção? Que conteúdos serão produzidos? Na apresentação da situação, é preciso que os
alunos percebam, imediatamente, a características do gênero e saibam com quais vão
trabalhar.
No caso do artigo de opinião, os alunos deverão compreender bem a questão
colocada e os argumentos a favor e contra as diferentes posições.
Esta etapa preparará os discentes para a primeira produção, considerada uma
primeira tentativa de produção do gênero que será, em seguida, trabalhado em módulos.

PRIMEIRA PRODUÇÃO

Nesta etapa solicitaremos aos discentes uma produção inicial, em que eles
elaborarão um primeiro texto escrito, o qual revelará para o professor e para eles mesmos
as representações que têm do gênero. É nesta produção inicial que os alunos definirão como
o gênero será abordado, a quem se dirigirá, qual a forma, quem participará da produção.
Isso permite que os alunos percebam as próprias dificuldades e potencialidades referentes
ao processo de elaboração textual.
Após o contato com o gênero, a proposta de uma primeira produção de um artigo de
opinião poderá ser simplificada: solicitar aos alunos que produzam o próprio artigo de
opinião com base no tema do texto “Cotas: o justo e o injusto”, previamente lido e discutido
em sala de aula.
Após a produção inicial de cada aluno, o professor realizará uma avaliação para
propor as oficinas da sequência didática. É por meio desta avaliação que o professor
preparará os módulos que auxiliarão ao discente a produzir o gênero.

MÓDULO 1: PREPARAÇÃO PARA REGISTRO E SOCIALIZAÇÃO DAS ETAPAS DE TRABALHO


Nesta etapa, o aluno escolherá os meios de linguagem mais eficazes para escrever o
próprio artigo de opinião, tais como: vocabulário apropriado para o gênero que será escrito,
uso dos tempos verbais em função do texto, escolha dos organizadores textuais para

492
estruturar o texto ou introduzir argumentos, entre outros. Durante esta etapa os alunos
registrarão no Google Docs a produção escrita.

MÓDULO 2: RETOMANDO O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO


Oficina 1: Organização do material a ser utilizado na sequência didática
Os alunos, com a mediação do professor, realizarão o levantamento de outros artigos
de opinião em suportes digitais de circulação do gênero - jornais, revistas, blogs, sites - para
ter novamente um contato com o gênero proposto.
O primeiro contato com o gênero artigo de opinião foi dado com a leitura do artigo
“Cotas: o justo e o injusto”, Contudo, há diversos artigos de opinião publicados em revistas,
jornais, sites que poderão ser consultados pelos discentes. Estas sugestões de outras leituras
e buscas deverão ser estimuladas e também trazidas pelo professor, sugerindo-se outras
leituras de material impresso quanto em sites de pesquisa.
Oficina 2: Atividades coletivas e individuais
Os alunos participarão de debates e discussões acerca dos dados levantados, dando-
se ênfase às características linguísticas e discursivas apresentadas no gênero selecionado.
Nesta fase, os alunos realizarão oficinas com atividades para a apropriação das
características do gênero estudado. Exemplo: Como se organiza a estrutura do artigo de
opinião? Que mecanismos de textualização e quais mecanismos enunciativos desse gênero
são mais comuns? Que posicionamentos são possíveis de serem apresentados pelos
autores? Qual estilo de linguagem é mais utilizado? A que público-leitor se destina?
Para tanto, serão propostas atividades de observação e análise de outros textos
desse gênero, com o propósito de os alunos compararem a estrutura organizacional dos
artigos de opinião, assinalando aspectos que se repetem em todos.

MÓDULO 3: REFACÇÃO DA PRODUÇÃO INICIAL

Nesta etapa, o aluno fará a refacção da primeira produção. Será utilizado o Google
Docs, ambiente já familiar aos alunos em outras atividades. Isto facilitará e organizará a
formatação dos textos para posterior publicação.

493
PRODUÇÃO FINAL
Por último, ocorrerá a produção final, em que o discente individualmente praticará as
noções trabalhadas nos módulos, colocando em prática os conhecimentos adquiridos.
Simultaneamente, o professor realizará a evolução das produções do artigo por meio da
avaliação do processo.
Concluída a produção final, o aluno fará a revisão do próprio artigo com a finalidade
de apresentá-lo para que possa ser lido e comentado pelos colegas.
É válido destacar que ao longo de todas as etapas, a avaliação do professor ocorrerá
de modo processual, considerando sempre o desenvolvimento dos discentes desde a
primeira produção até a produção final.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos, neste artigo, contribuir para o trabalho do professor com a utilização de
sequência didática para trabalhar com gêneros possíveis nas aulas de Língua Portuguesa no
ensino superior.
A sequência didática aqui apresentada coloca no espaço da sala de aula, o trabalho
com o gênero artigo de opinião. Desse modo, verificamos que podemos focalizar nas aulas
diferentes gêneros sob diferentes formas e em diferentes espaços.
Por fim, ressaltamos que pretendemos contribuir para um ensino de Língua
Portuguesa, no ensino superior, mais direcionado aos sujeitos professor e aluno, por meio
da incorporação de uma atividade que inter-relacione produção de texto e tecnologia. Isso
porque verificamos que é preciso mais práticas pedagógicas que se debrucem a reformular o
ensino de Língua Portuguesa.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília:
MEC/SEMTEC, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf.
Acesso em 29/10/2010.

494
DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michèle; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o
oral e para a escrita: apresentação de um procedimento. Coleção de Livros Didáticos.
Edições De Boeck, 2001.
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de
Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004.
GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos. Reflexões sobre propostas de didatização de Gênero.
In: SIGNUM: Estudos da Linguagem. Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade
Estadual de Londrina. – N. 1, Londrina: UEL, 1998.
MARCHUSCI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
RECLA, Adriana; VALERIO, Claudia Lucia Landgraf. O trabalho com sequência didática no
ensino médio: o gênero resenha crítica com o uso da tecnologia. In: SALEM, Khalil (Org.).
Análise Linguística textos e contexto. São Paulo: Fiuza, 2011. (Coletânea Acadêmica de
Estudos em Letras e Educação – CAELE), pp. 09-20.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares: Das práticas de linguagem
aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, Mai/Jun/Jul/Ago 1999, Nº 11.
Disponível em:
<http://anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE11/RBDE11_03_BERNARD_E_JOAQUIM.pdf>
Acesso em: 15 jan. 2015.

495
CIBERATIVISMO E A REDE: AS INTERSECÇÕES ENTRE A DEEP WEB E A SURFACE WEB

Daniella Costantini das Chagas Ribeiro


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Com o avanço das tecnologias digitais, onde o espaço virtual se configura como
um território habitado pela informação, é possível observar como esta, uma vez lançada na
rede, é capaz de percorrer o mundo em tempo quase real. Este fato torna o ciberespaço um
canal de comunicação precisamente eficaz, principalmente com a presença das redes sociais
digitais, que favorecem o relacionamento entre os grupos e inclina seus usuários a uma forte
tendência de expressão pessoal. Ainda observa-se a formação de grupos e correntes sociais
que se unem por um propósito comum, que podem, inclusive, desencadear ações coletivas
na rede ou fora dela. Esse movimento é o ciberativismo, ou seja, a utilização da rede visando
difundir informações e reivindicações sem mediação. Neste contexto, acredita-se que se vive
uma utopia de acesso à informação, mas na verdade enxerga-se apenas 1/3 do que
realmente existe na Web (BORGES, 2004), o que é chamado de Surface Web ou Web Visível.
Os outros 97% são conceituados como Deep Web, local digital onde residem informações de
cunho privilegiado, não acessíveis nos buscadores comuns. Logo, o objetivo deste trabalho
consiste em estabelecer uma análise das informações privadas disponibilizadas na web
visível através dos grupos ciberativistas Wikileaks e Anonymous; e em um segundo
momento, construir um estudo do caráter da Deep Web como fonte de informações
privilegiadas. Será investigado o comportamento e o compartilhamento de informações de
ambos os grupos na rede Facebook, o feedback dos usuários e como outras mídias tratam do
assunto.
Palavras-chave: Ciberativismo. Deep Web. Surface Web. Facebook.

INTRODUÇÃO
Com o avanço das chamadas novas tecnologias da informação e comunicação (TIC’s),
é possível constatar diversas transformações na sociedade contemporânea. Vive-se a era das
redes sociais digitais onde limites de comunicação são quebrados constantemente. E nesse
cenário também é possível observar o surgimento de outros paradigmas: por um lado, nota-
se a exposição voluntária dos usuários da rede, em uma prática de publicização do privado; e
por outro, a existência de informações ocultas existentes nas camadas da Deep Web ou Web
Invisível, onde um mundo de dados secretos se esconde.
O espaço virtual ou simplesmente o ciberespaço, é um território desterritorializado,
onde a protagonista é a informação: senhora que habita as mídias, as redes sociais, blogs,
vlogs e que são consumidas em alta velocidade como um banquete disposto à nossa frente a

496
ser devorado a qualquer momento. Tal fato ainda favorece o relacionamento entre os
grupos e inclina seus usuários a uma forte tendência de expressão pessoal.
Também é possível observar a formação de grupos e correntes sociais que se unem
por um propósito comum, que podem, inclusive, desencadear ações coletivas na rede ou
fora dela. Esse movimento é o ciberativismo, ou seja, a utilização da rede visando difundir
informações e reivindicações sem mediação, com o objetivo de buscar apoio e mobilização
para uma causa; criar espaços de discussão e troca de informação; organizar e mobilizar
indivíduos para ações e protestos on-line e off-line (RIGITANO, 2003, p. 3). Como exemplo, é
possível citar dois grupos que tem marcado a sociedade atual com suas ações: a organização
Wikileaks, que publica em suas páginas informações confidenciais vazadas de governos e
empresas; e o grupo Anonymous, que é uma legião descentralizada formada por usuários de
comunidades digitais que desempenham ações coletivas e que cujas identidades, como o
próprio nome propõe, são desconhecidas.
Logo, constata-se que a rede é um ambiente onde há espaço para todos que
desejarem se inserir neste contexto e em que a atmosfera é de liberdade. Esta liberdade
mostrada nas redes é a grande responsável pela propagação de informações pessoais
expressas através das mais diversas formas no ciberespaço, assim como a publicização de
conteúdo privado de entidades e outros órgãos.
Por outro lado, enquanto acredita-se que vivemos uma utopia de acesso à
informação, na verdade enxerga-se apenas 1/3 do que realmente existe (BORGES, 2004). Tal
fato se deve às conclusões de que a plataforma virtual que é usada no cotidiano, também
chamada de Surface Web ou web superficial, é apenas uma agulha no palheiro. Estima-se
que o conteúdo da web profunda seja 500 vezes superior àquela a que os motores de
pesquisa (como o Google, por exemplo) tem acesso (BERGMAN, 2001). Os motores de
pesquisa na web tem a informação nas suas bases de dados limitada à web superficial, não
sendo visíveis os conteúdos que uma página dinâmica pode ter (BENTO, acesso em 2013).
Logo, toda a representação da WWW é apenas uma ponta do iceberg, tendo em vista
que 2/3 de sua superfície é oculta. Ou seja, a Deep Web abriga um espaço onde reside a
informação de maior qualidade, encerrada em sistemas de informação inacessíveis às
ferramentas de pesquisa convencionais (BORGES, 2004).

497
Dentre essas duas faces da rede, destacam-se os objetos de pesquisa desse trabalho:
as informações de cunho pessoal que se tornam públicas ao serem lançadas no ciberespaço
através de grupos ciberativistas (principalmente nas redes sociais como o Facebook); e o
lado oculto onde residem informações privilegiadas; objetos estes que ilustram um delicado
limite entre o público e o privado.

CIBERESPAÇO: SURFACE WEB E DEEP WEB


Como plano de fundo de todo esse cenário está a Web, a grande teia responsável
pela difusão da comunicação de forma otimizada e livre. Para Silveira (2011), é possível
constatar que a Internet teve como um dos seus grandes efeitos novas possibilidades de
atuação e articulação coletiva desterritorializada, que seriam improváveis antes da
consolidação da rede.
É notável a moção que esses grupos tem proporcionado à sociedade atual através do
universo virtual e de todas as suas possibilidades comunicacionais. Logo, torna-se necessária
a compreensão deste cenário e o que ele abarca.
O termo ciberespaço foi marcado em 1984 por William Gibson, um escritor
canadense, que usou o termo em seu livro de ficção científica Neuromancer. Esta obra trata
de uma realidade que se constitui através da produção de um conjunto de tecnologias e
apresenta ideias que influenciam e antecipam o surgimento de inovações tecnológicas,
modificando estruturas e princípios da sociedade. E nesse contexto, a Internet também é um
termo essencial para a compreensão do ciberespaço: para Castells (2003), a história da
criação e do desenvolvimento da Internet é uma história extraordinária. Ela põe em relevo a
capacidade que tem as pessoas de transcender metas institucionais, superar barreiras
burocráticas e subverter valores estabelecidos no processo de inaugurar um mundo novo.
Esse fato é possível de ser observado nas redes sociais, que tem crescido como uma
nova possibilidade de otimização da comunicação. Basicamente, uma rede social é definida
como um conjunto de dois elementos: o ator e suas conexões (RECUERO, 2009:23) e para
estudar as redes, é preciso também estudar seus elementos e processos dinâmicos. E assim
chega-se às redes sociais em questão nesse estudo: o Facebook.

498
Desde o fim do ano de 2011, quando se fala em Facebook, é possível deparar com a
maior rede social do mundo Web. O Facebook é um sistema que foi criado pelo americano
Mark Zuckerberg, enquanto este era aluno de Harvard. O objetivo da rede era focar em
alunos que migravam do High School para as universidades.
A rede foi lançada em 4 de fevereiro de 2004 e hoje é um dos sistemas com maior
base de usuários no mundo (RECUERO, 2009, p.172). Ela funciona através de perfis e páginas
e é possível acrescentar aplicativos.
Uma prática utilizada dentro da rede é a tagging, caracterizada pelo uso de hashtags
que é uma forma de facilitar a recuperação de mensagens sobre um mesmo tema (PRIMO,
2008).
Após esse breve exame da rede, é proposta outra análise, dessa vez do lado invisível
da web, espaço que abriga, para uns, perigo, e para outros, privilégio em informações.
Para Pompéo e Seefeldt (2013), a Web contém dados e informações que,
armazenadas num servidor, podem ser exibidos por meio de hipertextos, vídeos, sons e
imagens. Esse material é lido através de um navegador da internet que, através de
provedores de busca, direciona o usuário às páginas determinadas.
Porém, um detalhe importante é que esse conteúdo é varrido da Surface Web, que
resume a coletânea de páginas encontradas da plataforma superficial. Logo, o que chama a
atenção é que o conteúdo apresentado em toda sorte de variedades não é total. O restante
do conteúdo, em toda sua abundância, na verdade está na parte profunda, chamada de
Deep Web, que fica alheia aos provedores habituais. Isso acontece porque

é a maneira de indexização das páginas em mecanismos de buscas que


define se a mesma será ou não encontrada por esses serviços. Noutras
palavras, cada página da rede possui padrões que a registram em
servidores como “Google” e “Yahoo!”. Caso não sigam os padrões
definidos, as mesmas ficam à margem da listagem de seus resultados de
pesquisa, mesmo que tenham o conteúdo que é pesquisado pelo usuário
(POMPÉO E SEEFELDT, 2013, p. 439).

Os autores ainda explicam que a expressão Deep Web foi criada por Michael K.
Bergman, fundador do programa Bright Planet, software especializado em coletar, classificar
e procurar conteúdo nessa esfera da Web. Bergman (2001) afirma que:

499
Searching on the Internet today can be compared to dragging a net across
the surface of the ocean. While a great deal may be caught in the net, there
is still a wealth of information that is deep, and therefore, missed. The
reason is simple: Most of the Web's information is buried far down on
dynamically generated sites, and standard search engines never find it
(BERGMAN, 2001).

Vários cronistas de páginas da web visível que estiveram na Deep Web, narram que
“cibercriminosos e espiões oferecem seus serviços”, e é oferecida a “venda de documentos
falsos, com páginas que oferecem até cidadania norte-americana”. 45
Mas nem tudo é negativo, por outro lado é possível encontrar “uma biblioteca com
livros raros, serviços de mensagens instantâneas, cerca de 50 GB de livros sobre religião,
psicologia e outros assuntos curiosos, além de acervos de músicas e filmes” 46. Além disso,
“correspondentes internacionais se comunicam com suas respectivas redações por meio da
Deep Web. Países como Irã, Coreia do Norte e China costumam controlar a internet
convencional, sobretudo se quem estiver navegando nela for um jornalista estrangeiro.
Nesse caso, usar a Deep Web é um jeito de burlar a censura” 47.

45
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/nas-entranhas-da-deep-web-o-que-h-de-bizarro-na-
parte-de-baixo-da-internet/31170
46
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/twitter-livros-e-m-sica-o-lado-cult-da-deep-web/31124
47
Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI331438-17770,00-
NEM+TUDO+SAO+TREVAS+O+LADO+BOM+DA+DEEP+WEB.html
500
Figura 1: Comparativo da Surface e Deep Web.
Fonte: Google Images.

Para ter entrada nesse mundo oculto da Web, é necessário um navegador específico,
o Tor ou Thor (The Onion Router). O projeto Tor, inicialmente apoiado pela Marinha dos
EUA, baseia-se na ideia de se criar uma rede de computadores de usuários na qual uma
requisição de página web ou de outro recurso passa pelas máquinas de vários usuários,
escondendo assim o IP do computador que faz a requisição original, garantindo anonimato
(PISAWERICZ, 2013, p. 80).
E a esse universo oculto foi atribuída a gênese das atividades de dois grupos
ciberativistas: o Wikileaks e o Anonymous, grupos que hoje estão também na Surface Web.

CIBERATIVISMO
Iniciando a análise do primeiro grupo, Costa e Araújo (2012) mostram que a Wikileaks
é uma organização internacional sem fins lucrativos, com sede na Suécia. Surgiu em 2006
com um site, administrado por The Sunshine Press, mas apenas foi oficializada no ano
seguinte. Eles explicam que:

A Wikileaks tem como principal objetivo a defesa da liberdade de


expressão e informação, (consagrada na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e a defesa da transparência governamental). Para
isso publica, no seu web site, documentos e informações
confidenciais de governos ou empresas, sobre assuntos sensíveis e de
relativo interesse público (COSTA e ARAÚJO, 2012).

Soares (2010) acredita que a Wikileaks pretende ser um grande banco de dados de
informações sensíveis aberto às massas. Porém ele mostra que o gerenciamento das
conexões ao Wikileaks é uma questão especialmente delicada. Além da necessidade de
garantir o anonimato para os que publicam novos vazamentos e para aqueles que os
baixam, o grupo protege os envolvidos através de softwares livres que permitam navegação
anônima, como o Tor.
Apesar da transação dessas informações de cunho privado circularem na Deep Web,
elas também se espraiam na Surface Web através das redes sociais que redirecionam ao
conteúdo estendido que o grupo deseje divulgar.

501
O segundo analisado é o Anonymous, que se notabiliza por ser difícil de ser
classificado, visto que a identidade dos seus membros é anônima. Qualquer pessoa pode ser
um “anonymous”. Conforme Teixeira et al. (2012) lembram,

o grupo foi responsável pelo o que foi chamado de “o maior ataque


da história da Internet”: como protesto ao SOPA, ao PIPA e pelo
fechamento do Megaupload (...). No dia seguinte ao protesto das
grandes empresas e demais grupos, o grupo hacker Anonymous
anunciou no Twitter que derrubou os sites do FBI, do Departamento
de Justiça Americano, da Universal Music, da Associação de Filmes
dos EUA e da Associação da Indústria Fonográfica do país (TEIXEIRA
et. Al, 2012).

O Anonymous é considerado o maior grupo hacker do mundo (RAUEN, 2013). Na


página do grupo no Brasil, eles se descrevem da seguinte forma:

Nós somos uma ideia. Uma ideia que não pode ser contida,
perseguida nem aprisionada. Somos uma ideia que surgiu em 2004 e
sempre seguiu uma linguagem de memética e muitas sátiras. Hoje,
Anonymous é uma ideia de mudança, um desejo de renovação (...)
Temos em mãos pela primeira vez o poder de produzir, distribuir e
trocar informações. (...) Qualquer um, e todo aquele que carregar
esse ‘sentimento, é, por definição, Anonymous (ANONYMOUS,
acesso em 2013).

Ainda conforme descrição do grupo relatada na página TechTudo, do Globo.com


(acesso em 2013), o Anonymous é um grupo que, pelas suas capacidades de descobertas e
invasões, são apontados como sucessores dos WikiLeaks.
Existe uma clara empatia entre os grupos, visto que o Anonymous defende o fluxo
livre de informações e está ativamente em campanha para alcançar esse objetivo de todas
as formas. E assim como o Wikileaks, o Anonymous é um dos frequentadores da Deep Web,
que a utiliza para extrair e disponibilizar dados sigilosos na rede (JUNIOR et. al, 2013).
Alguns feitos do grupo se destacam desde campanhas contra pedofilia na Deep e
Surface Web até protestos e revoluções que aconteceram em 2010 no Oriente Médio e
Norte da África.48

INTERSECÇÕES
48
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/relembre-5-dos-principais-feitos-do-
anonymous/30331.
502
Objetivando contribuir para o fortalecimento do fato de que ambos os grupos se
utilizam da Deep Web como fonte para colher informações de cunho privilegiado, é
proposta uma análise das intersecções feitas entre essas duas partes da Web, visto que são
trazidas do fundo para a superfície.
O uso da rede social Facebook é um exemplo disto. Ambos os grupos possuem
páginas oficiais na rede onde divulgam notícias sobre governos, documentos oficiais e
dossiês.
No caso do Wikileaks, cujo lema é And the truth will set you free (e a verdade te
libertará), só no ano de 2010 chegaram à público 250 mil documentos diplomáticos dos
Estados Unidos, entre outros, que também citam o Brasil49. Isso revela uma possível quebra
de sigilo da Deep Web. As intersecções feitas e divulgadas pelo grupo em seu próprio site e
em suas redes sociais causaram longas repercussões junto à mídia, os governos e o público
em geral, que resultaram na prisão do fundador Assange e de Chelsea Manning e Edward
Snowden, que contribuíram diretamente na divulgação de detalhes dos programas de
vigilância dos EUA; e pelo vazamento de um vídeo do ataque de um helicóptero a civis em 12
de julho de 2007 em Bagdá.
Após esses eventos, outros apoiadores e membros do grupo se mantêm em
atividade, ainda cultivando seu caráter de denúncia sob diversos aspectos. Um exemplo é o
print abaixo, feito da página oficial no Facebook, onde o público é incitado à coragem. A
cadeira vazia, ao lado dos monumentos do trio é vazia, denotando que qualquer um pode
ocupa-la e ser “corajoso”.

49
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2010/11/30/veja-o-que-ja-foi-
divulgado-nos-documentos-vazados-no-wikileaks.htm.
503
Figura 2: Print feito da página oficial do Facebook do Wikileaks.

Ainda é possível conferir um intenso feedback do público em relação às denúncias já


feitas pelo grupo:

Figura 3: Print nº 2 feito da página oficial do Facebook do Wikileaks.

Figura 4: Print nº 3 feito da página oficial do Facebook do Wikileaks.

Figura 5: Print nº 4 feito da página oficial do Facebook do Wikileaks.


504
Figura 6: Print nº 5 feito da página oficial do Facebook do Wikileaks.

As datas dos posts fazem menção ainda às denúncias feitas dos documentos
americanos vazados, que indicam indignação por parte do público e até mesmo admiração
pelo trabalho de Assange.
Por parte do grupo Anonymous, também presente na rede Facebook, cujo lema é We
do not forgive, we do not forget (nós não perdoamos, nós não esquecemos), eles se auto
descrevem na página como “os Cavaleiros Anônimos” que apoiam os “pobres e impotentes”.
A ação hacker do grupo tem chamado bastante atenção desde o início de suas
atividades, em 2003, na qual eles estimulam a formação de um cérebro global ativista pela
mesma causa.
Também é possível acompanhar diversas denúncias feitas pelo grupo e o feedback
intenso do público, como mostram as figuras abaixo:

505
Figura 7: Print da página do Anonymous no Facebook.

O post é um alerta aos atos de espionagem dos EUA ao telefones celulares dos
cidadãos americanos a fim de encontrar criminosos. Segundo o alerta, estão sendo usadas
pequenas aeronaves equipadas com uma máquina chamada Dirtbox, que imitam o sinal das
torres de telefonia para coletar os números de celulares e a região na qual estão.50 O
feedback do público permeia entre a descrença e a ironia:

Figura 8: Print nº 1 feito da página oficial do Facebook do Anonymous

Figura 9: Print nº 2 feito da página oficial do Facebook do Anonymous.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tais informações revelam as intersecções feitas no dia a dia pelos grupos
ciberativistas superando as barreiras comunicacionais em níveis inimagináveis, causando
moções dentro e fora das redes. É importante destacar que este é um estudo que não se
esgota, mas dá margem à análises mais profundas no universo acadêmico, visto que sua
importância tem habitado as redes, as ruas, as mídias e as ideologias humanas.

50
Disponível em: http://canaltech.com.br/noticia/seguranca/Espionagem-EUA-utilizam-avioes-comerciais-
para-rastrear-celulares/.
506
É importante nos perguntarmos até onde se estende a informação; o quão ao alcance
de nossas mãos ela realmente está; os reais interesses e preços a serem pagos pela busca da
“verdade”; e as consequências para a sociedade como um todo.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hanna. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo, 10. Ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007.
BENTO, Filipe Manuel dos Santos. ColCat: Integrar para facilitar. Disponível em:
www.apbad.pt/Downloads/congresso9/COM15.pdf. Acesso em: 19/08/2013.
BERGMAN, Michael K. The Deep Web: Surfacing Hidden Value. Journal of Electronic
Publishing. Vol. 7, nº 1 (Aug. 2001) Disponível em: http://www.press.umich.edu/jep/07-
01/bergman.html.>. ISSN 1080-2711, 2001.
BORGES, Maria Manuel. A Rede e suas utopias. Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, Largo da Porta Férrea, 2013.
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2003.
COSTA, Rui e ARAUJO, Ivo. Wikileaks - Problemática Ética. Disponível em:
http://www.alunos.dcc.fc.up.pt/~c0616038/files/WikiLeaks.pdf. Acesso em: 20/08/2013.
EVANGELISTA, Rafael. Pesquisadores investigam o grupo Anonymous, os ativistas
hackers do novo século. Revista Notícias do Brasil, 2013.
MONTEIRO, Silvana Drumond e FIDENCIO, Marcos Vinicius. As dobras semióticas do
ciberespaço: da web visível à invisível. TransInformação, Campinas, 25(1):35-46, jan./abr.,
2013.
PISAREWICZ, Piotr. Privacidade na rede aberta. Monografia apresentada como requisito
parcial para conclusão do Curso de Computação – Licenciatura. UNB, 2013.
POMPÉO, Wagner Augusto Hundertmarck e SEEFELDT, João Pedro. Nem tudo está no
Google: Deep Web e o perigo da invisibilidade. 2º Congresso Internacional de Direito e
Contemporaneidade, UFSM, 2013.
Portal Canal Tech. Disponível em:
http://canaltech.com.br/noticia/seguranca/Espionagem-EUA-utilizam-avioes-comerciais-
para-rastrear-celulares/. Acesso em: 10/12/2014.

507
Portal Olhar Digital. Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br. Acesso em:
27/08/2013.
Portal TechMundo. Disponível em: http://www.tecmundo.com.br/. Acesso em:
27/08/2013.
PRIMO, Alex. A cobertura e o debate público sobre os casos Madeleine e Isabella:
encadeamento midiático de blogs, Twitter e mídia massiva. Revista Galáxia, São Paulo, n. 16,
p. 43-59, dez. 2008.
RAUEN, André Tortato; RAUEN, Cristiane Vianna. Pirata ou empreendedor? – A
destruição criativa na indústria de conteúdo audiovisual. Revista Espaço Acadêmico, nº 143,
abril de 2013, ano XII.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
RIGITANO, Maria Eugênia Cavalcanti. Redes e ciberativismo: notas para uma análise do
centro de mídia independente. Disponível em: www.bocc.ubi.pt. Acesso em: 23/08/2013.
SILVEIRA, Sérgio Amadeu. O fenômeno Wikileaks e as redes de poder. Revista
Contemporânea comunicação e cultura - vol.09 – n.02 – agosto de 2011.
SOARES, Tiago. Como o Wikileaks vem transformando jornalistas em decifradores de
código. Disponível em: http://comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=59&id=749.
Acesso em: 27/08/2013.
TEIXEIRA, Fernanda; CAMPOS, Gabriela; CORRÊA, Luiza; ALVARENGA Marcella e SILVA,
Thiago. O direito à verdadeira liberdade na internet. Disponível em:
www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/ueadsl/article/.../3042/3000. Acesso em:
28/08/2013.

508
HISTÓRIA E TECNOLOGIA: REDES SOCIAIS, VÍDEO E FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTOS
NA PRÁTICA DE ENSINO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA DO ENSINO BÁSICO

Priscilla A. Juvino Couto


UNIFSJ

Helan de S. Couto
UNIFSJ

RESUMO: O presente trabalho propõe discutir o uso das TIC’s para o ensino de História e os
dilemas vivenciados na rede básica de ensino para implementar tal prática. Busca-se elucidar
alguns recursos tecnológicos disponíveis para a colaboração no processo de ensino-
aprendizagem da disciplina, tais como as redes sociais e mídias, visto que a utilização de
TIC’s, nos contextos de aprendizagem formal já se tornou real, faltando apenas ser
interiorizada pela a escola.
Palavras-chave: História. Prática de Ensino. TIC’s. Mídias.

INTRODUÇÃO
As tecnologias aplicadas à educação tem se tornado um tema recorrente no meio
acadêmico e institucional. Há uma soma considerável de artigos sendo produzidos com o
intuito de não só por em prática as tecnologias da informação e da comunicação (TIC's) nos
ambientes de aprendizagem, mas também entender como seu uso pode ser (ou não)
benéfico para os alunos. De qualquer forma, não se pode negar seu desenvolvimento e
crescimento no meio educacional.
Para alguns às tecnologias tem sido semelhante ao ar: quase impossível viver sem. O
que dizer então sobre os alunos que vem de uma geração nativa, tecnologicamente falando?
No entanto, cabe o questionamento de como utilizar tantas tecnologias em sala de
aula, na educação básica. Neste caso em específico será analisada quais instrumentos e
recursos os profissionais de História tem utilizado para o ensino de História.
O presente trabalho surge como resultado de um minicurso, realizado como o intuito
de aproximar as TIC's dos professores de História. Não se tem a intenção de criticar tão
somente os recursos utilizados até o presente, no entanto, a realidade confronta com a
prática de ensino, que promove a expectativa de melhora do ensino de História,
especialmente no que diz respeito à pratica e aos recursos utilizados para a aprendizagem.

509
Portanto, este artigo se dividirá nas seguintes seções: primeiro será apresentado um
estudo sobre as TIC's - história e recursos; em seguida, se debruçará uma análise sobre os
dilemas enfrentados dentro da prática de ensino de história; e por fim, serão identificadas
tecnologias aplicáveis em sala de aula e para a capacitação do profissional, que se propõe a
estar sempre refletindo sua prática.

AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO (TIC'S): UM BREVE HISTÓRICO


DAS TECNOLOGIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO
Definitivamente, dos meios de abordar as tecnologias da informação e comunicação
(TIC´s), o histórico se torna muito agradável. Revisitar os fatos históricos nos permite
entender a complexidade do momento vivido. Por isso, optou-se por estudar, brevemente, o
nascimento das TIC's.
O tensionamento da sociedade ocidental e a mobilização para uma revolução
tecnológica contemporânea, tem seu berço na Revolução Industrial da Inglaterra do século
XVIII,. As datas variam entre 1760, a partir da invenção da máquina a vapor por James Watt,
e 1780 quando as consequências começaram a aparecer (HOBSBAWM, 1998). Assim, iniciou-
se o processo de mecanização da produção e da industrialização das pequenas oficinas,
gerando produção em larga escala, êxodo rural e crescimento e desenvolvimento das
cidades . É a partir desse momento que podemos caracterizar os primeiros passos da relação
(até então) duradoura entre homem e máquina.

[…] Chamar este processo de revolução industrial é lógico e está em


conformidade com uma tradição bem estabelecida,embora tenha sido
moda entre historiadores conservadores – talvez devido a uma certa
timidez em face de conceitos incendiários – negar sua existência e substituí-
la por termos banais como “evolução acelerada”. (...)De fato,a revolução
industrial não foi um episódio com um princípio e um fim.
(…) Sob qualquer aspecto,este foi provavelmente o mais importante
acontecimento na história do mundo,pelo menos desde a invenção da
agricultura e das cidades.E foi iniciado pela Grã – Bretanha (HOBSBAWM,
1998, p. 59-60).

Cientes do "berço" da revolução tecnológica atual, o discurso contemporâneo é


outro: a produção em larga escala permanece, no entanto está voltada para a geração,

510
distribuição e armazenamento de informação e dos processos comunicativos. Vivencia-se a
massificação das mídias de informação.
Do final século XVIII ao século XXI a revolução tecnológica ganhou corpo e forma,
após ter passado por outras revoluções que mudaram o pensamento ocidental, como a
Revolução Francesa (1789)51 e. Revolução Russa (1917)52, e ainda por duas grandes
guerras53, nos mostram que certamente, a sociedade mudou muito. Não por menos o
historiador Eric Hobsbawm dedica um livro somente a esse período da história da
humanidade, o Era das Revoluções (1998).
Ainda no século XX, o mundo vivenciou uma grande crise política e econômica,
gerada pelo mal-estar da bipolaridade mundial e o medo de uma nova guerra eminente
entre EUA e URSS, que proporcionaram ao mundo a maior corrida armamentista até então
vista. Esse período da história mundial ficou conhecido por Guerra Fria54. Durante esse
período, visualizamos o nascimento do primeiro transitor (1947), passando para o
microprocessador (1971) e para o microcomputador (1975), o cerne da revolução
tecnológica da informação no século XX. Então, além da corrida armamentista, uma nova
revolução tecnológica surge, permitindo que novas tecnologias da informação se
difundissem pelo globo numa a velocidade assustadora em menos de duas décadas, entre
meados das décadas de 1970 e 1990 (CASTELLS, 2000).
Um teórico que aborda esse momento é Castells em sua obra A Sociedade em Rede
(2000). Castells (ibidem) afirma que foi através do microprocessador que surge o
microcomputador, e os avanços das telecomunicações permitem o funcionamento em rede
dos microcomputadores, e as aplicações dessas tecnologias impulsionaram a produção de

51
Período da história ocidental marcado por intensa agitação política e social na França, que marcou a história
do país e, mais amplamente, em todo o continente europeu. É caracterizado pelo fim da monarquia absolutista
francesa e dos privilégios feudais, aristocráticos e religiosos, e foram tomados por grupos políticos radicais de
esquerda, das massas nas ruas e de camponeses na região rural do país. Os princípios da revolução francesa
ecoam até os dias atuais: Liberté, Égalité, Fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade).
52
A Revolução Russa de 1917 iniciou-se em 1917, E foi marcada por derrubar a autocracia russa e levou ao
poder o Partido Bolchevique, de Vladimir Lênin. A soma dos fatores levou a manifestações populares que
fizeram o monarca renunciar e, no fim do processo, deram origem à União Soviética, o primeiro país socialista
do mundo, que durou até 1991.
53
Aqui, refere-se a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
54
Período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os EUA e a URSS. Foi um momento de
conflito político, militar, tecnológico, econômico, social e ideológico entre as duas grande potências mundiais, à
época, e suas zonas de influência. Denominou-se "Guerra Fria" porque não houve uma guerra direta entre as
duas superpotências, dada a inviabilidade da vitória em uma batalha nuclear.
511
semicondutores, novos softwares foram estimulados pelos novos microcomputadores, e
assim por diante.
Certamente que os EUA foi o lócus da primeira revolução em tecnologia da
informação, mais especificamente na Califórnia dos anos 1970, como resultado de indução
tecnológica e não como determinação social (Op. Cit.). Castells (2000) chega a afirmar que a
reestruturação econômica e social da década de 1980 só foi possível a partir da tecnologia
disponível nos anos 70, que por sua vez, condicionou toda a trajetória da tecnologia nos
anos 1990.
É nesse contexto que surge, para Castells (2000), a sociedade em rede, como
consequência da interação dessas duas forças: "o desenvolvimento de novas tecnologias e a
tentativa da sociedade de reaparelhar-se com o uso do poder da tecnologia para servir a
tecnologia do poder” (CASTELLS, 2000, p.69).
Acredita-se que a revolução da tecnologia da informação, portanto, dependeu
cultural, histórica e espacialmente de um conjunto de circunstâncias especificas, e cujas
características determinaram seu futuro.
Portanto, é através da aplicação imediata no próprio desenvolvimento da tecnologia
gerada, que o mundo pode-se conectar, valendo-se da tecnologia da informação.
Certamente é sabido que o mundo ocidental está se conectando cada vez mais, e também é
sabido que ainda há áreas do globo que ainda não estabeleceram conexões com as TIC's.
Porém, não é esse o intuito desse trabalho, apesar de ser uma discussão necessária. O
acesso às informações e às comunicações se torna cada dia mais imediato, e é exatamente
por isso que se propõe cada vez mais sua aplicação no meio educacional.

O ENSINO DE HISTÓRIA: PRÁTICAS E DILEMAS


É quase inegável a emergência que as escolas possuem do uso das TIC´s, além de ser
uma exigência da cibercultura, ou seja, desse novo ambiente comunicacional-cultural que
surgiu e sofre expansão desde o início do século XXI, através da interconexão da rede
mundial de computadores.
Pode-se entender a cibercultura como modos de vida e de comportamentos que
foram assimilados e transmitidos através da vivência histórica nas tecnologias informáticas,

512
mediando a comunicação e a informação via Internet. É na verdade um novo espaço de
sociabilidade, de comunicação e conhecimento, de organização e de informação. São
encontradas na cibercultura uma diferente lógica comunicacional, com rede hipertextual
própria, marcada pela multiplicidade, interatividade, imaterialidade, virtualidade, tempo
real, multissensorialidade e multidirecionalidade, de símbolos e significados próprios (Levy,
1999).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) o atual cenário
educacional visa a total associação entre a educação do cidadão com o novo contexto
socioeconômico-tecnológico, cuja característica está na informação digitalizada como nova
infra-estrutura básica. A sociedade está, como afirma Levy (1999) encontra-se condicionada,
mas não determinada pela técnica. Portanto, se a escola, inserida dentro da sociedade e
instituição pertencente a esta, não inclui a Internet e as TIC´S na educação dessa nova
geração de alunos, ela vai contra todo o movimento da cibercultura e da modernização da
educação, podando o crescimento e a inclusão do aluno. E é nesse cenário que entra a aula
de história e a utilização das TIC´S.
A atual realidade da sala de aula, deixa pouco espaço para grandes avanços, quando
se trata da inserção das TIC´S na sala de aula, principalmente no que se diz respeito do
ensino público. Há uma carência de recursos e tecnologias para a melhoria do aprendizado
do aluno, ou, quando existem essas tecnologias, falta capacitação dos profissionais da
educação. Isso somado a um crescente desinteresse pelo hábito da leitura (fundamental
para a aprendizagem de História) e a longas aulas expositivas, o efeito não poderia ser outro:
baixo rendimento e resultados nas avaliações cada vez mais frustrados (SOSA & TAVARES,
2013). Podemos observar mais claramente esse discurso em Kenski (2010, p.45):

Por mais que as escolas usem computadores e internet em suas aulas, estas
continuam sendo seriadas, finitas no tempo, definidas no espaço restrito
das salas de aula, ligadas a uma única disciplina e graduadas em níveis
hierárquicos e lineares de aprofundamento dos conhecimentos em áreas
específicas do saber. Professores isolados desenvolvem disciplinas isoladas,
sem maiores articulações com temas e assuntos que têm tudo a ver um
com o outro, mas que fazem parte dos conteúdos de uma outra disciplina,
ministrada por um outro professor.

513
Tal fato também se deve pelo crescente distanciamento entre a escola e as mudanças
sociais que vem ocorrendo. Além do fato de como as escolas entendem a disciplina História:
como algo estático, voltado para a memorização, tornando-a questionável, seja sobre sua
relevância, seja como disciplina formadora de conhecimento, o que é algo muito perigoso.
Para o historiador March Bloch (2001), a depreciação da história só serve a um propósito: o
da ignorância. Pensando nisso, o desafio de lutar contra este estigma da disciplina História
na escola, se torna parte da responsabilidade não somente do professor de História, que vai
ter que confrontar essa realidade para a melhoria do aprendizado dos alunos, mas também
de todos os profissionais que estão envolvidos na estruturação do currículo escolar.

PROFESSOR DE HISTÓRIA E NOVAS TECNOLOGIAS: O QUE PODE SER UTILIZADO PARA


MELHORAR O PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM?
As TIC´s (Tecnologias de Informação e Comunicação) permitem que o mundo adentre
na sala de aula, transformando o ambiente escolar em algo mais interativo e que ajude a
facilitar e enriquecer o processo de ensino-aprendizagem, pois ampliam a veiculação das
informações transmitidas. Isso vai permitir o desenvolvimento da criticidade e da expressão
do aluno, assim como capacita-o para o questionamento e auto-disciplina para com as
atividades escolares, seja de forma individual ou coletiva (FERREIRA, 1999). Quando o aluno
se sente participante, sujeito desse processo de aprendizagem, o mesmo se torna motivado,
ampliando seu interesse na participação das aulas e das atividades.
Sem contar que as TIC´s contribuem também para a formação e prática de
estudantes de História e professores que já atuam pouco ou muito tempo na área,
mostrando outra face da História, que visa a construção social resultante das mais diversas
relações entre pessoas comuns, ao contrário das restritas possibilidades dos trabalhos
circunscritos apenas no uso dos documentos em suporte convencional, que segundo Le
Goff (2003, p. 531 “[...] os grandes homens, os acontecimentos, a História que avança
depressa, a História política, diplomática, militar”. Esse tipo de produção traz benefícios a
sociedade de uma forma geral.

514
A partir disso, percebemos como a as novas tecnologias (fotografia, vídeo, imagens,
internet, aplicativos, filmes) contribuem metodologicamente, quando usadas corretamente
para a construção conhecimento histórico.
Ao estudar os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio no Brasil, é
clara a proposta de utilização de novas metodologias no ensino, através de filmes e o uso da
informática, o que faria da aula de História algo mais dinâmico e atrativo para o aluno.
Sobre essas tecnologias a serem utilizadas cabe um leque de opções que, em sua
maioria, são desconhecidas pelo professor, e que podem contribuir para a sua prática em
sala de aula. Podemos por exemplo citar o trabalho de Michele Rosa (2011) e sua pesquisa
com a utilização de acervo digital de fontes históricas, através do uso da informática.
Na atual conjuntura educacional, cabe uma série de recursos para a prática do
professor. Claro que o aliado mais popular, com suas óbvias ressalvas e cuidados na
metodologia de ensino, continua sendo Hollywood. No Brasil, a difusão desse recurso
apareceu já nas primeiras décadas do século XX. Mocellin (2010) afirma que “intelectuais
ligados à Escola Nova [...] como Fernando Azevedo, Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira e Edgar
Roquete-Pinto, também identificaram no cinema um forte potencial didático” (SOUZA apud.
MOCELLIN, 2012 p.10).
Os filmes e documentários são atrativos aos alunos, que vão buscar as devidas
ligações com o conteúdo aplicado, claro com a prévia orientação do professor. Infelizmente
tem se criado uma cultura de utilizar o filme para “passar o tempo”, o que desconstrói
completamente a metodologia de ensino que poderia ser muito produtiva na sala de aula.
Por isso, ao exibir o filme, o professor deve ter alguns cuidados, entre eles, o planejamento
prévio, com um roteiro pré-estabelecido sobre o que o aluno deve observar e anotar sobre o
filme. Esquemas e analogias entre o conteúdo lecionado e o filme também trata-se de uma
boa proposta para que o aluno produza. Há também a possibilidade de se trabalhar aulas e
entrevistas com historiadores renomados no canal do Youtube55.
Outra opção é trabalhar o conteúdo através de imagens, sejam elas impressas ou
utilizando o recurso do projetor. As artes visuais atraem essa geração digital. Segundo

55
YouTube é um site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. Foi
fundado em fevereiro de 2005 por três pioneiros do PayPal, um famoso site da internet ligado a gerenciamento
de transferência de fundos. Referência Wiipédia. Site: www.youtube.com
515
Renata Libório56, Psicóloga, nós “Vivemos em uma época de culto à imagem, à celebridade.
(...) as pessoas se expõem e desejam o tempo todo ser vistas e curtidas virtualmente. Hoje,
estar em evidência é sinal de status, dá sensação de importância”. Esse perfil vem
alcançando cada vez mais crianças e jovens, que utilizam aplicativos para se comunicar com
o mundo virtual e real.

Para que o ensino de História, todavia, seja levado a bom termo, (...), torna-
se necessário que o professor inclua, como parte constitutiva do processo
ensino/aprendizagem, a presença de outros mediadores culturais, como os
objetos da cultura material, visual ou simbólica, que ancorados nos
procedimentos de produção do conhecimento histórico possibilitarão a
construção do conhecimento pelos alunos, tornado possível “imaginar”,
reconstruir o não-vivido, diretamente, por meio de variadas fontes
documentais (SIMAN, 2004. p. 88).

A utilização de outras linguagens que não as tradicionais aulas expositivas com a


utilização apenas do livro para-didático e/ou do quadro branco, possibilita uma nova visão
do mundo para o educando. Uma boa estratégia seria utilizá-la a favor do ensino de História,
como por exemplo com o aplicativo Pinterest57, que permite que o usuário comente,
publique suas fotos e arquivos favoritos em murais privados e públicos. Buscar no arquivo do
Pinterest como atividade e pesquisa do conteúdo lecionado, pode trazer surpresas
agradáveis e estímulo à aprendizagem do aluno.
Nessa linha de pensamento online, podemos destacar ainda as redes sociais, como
Facebook58, que permite criar e visitar páginas de interesses afins. Há algumas páginas
específicas voltadas para a História, seja ela local ou geral. Os alunos podem ser incentivados
pelo professor a criar grupos de debates sobre as temáticas da sala de aula. Ou ainda realizar
uma pesquisa de opinião sobre um tema proposto, através de um recurso de pesquisa
disponível no Facebook e levar esses dados para a discussão em sala de aula.

56
Entrevista de abril de 2014 da Revista Nova Escola
57
O Pinterest é uma ferramenta visual onde você pode encontrar ideias para todos os seus projetos e
interesses. Referencias do próprio site: ww.pinterest.com
58
Facebook é um site e serviço de rede social que foi lançado em 4 de fevereiro de 2004, operado e de
propriedade privada da Facebook Inc.. Referencia: Wikipédia. Site: www.facebook.com
516
Há ainda uma rede social específica sobre História, que alcança professores,
pesquisadores e estudantes, o Café História59. Segundo sua própria descrição o site se
denomina uma rede social de conteúdo aberto. Os que acessam a página não necessitam de
um cadastro para acessar os conteúdos, como outras rede sociais. Neles estão disponíveis
artigos entrevistas, documentários e documentos digitalizados para a pesquisa em História.
Por isso se torna um relevante recurso de pesquisa direcionada na sala de informática, que
pode contribuir para as pesquisas de estudo dos alunos, e que vão além dos sites de buscas
dos quais eles estão acostumados.
Todos esses recursos podem e devem ser utilizados a favor do ensino de história.
Além desses, há uma infinidade de outros, tais como televisão, aplicativos específicos para o
ensino de História, banners, etc. No atual contexto da “sociedade em rede” (CASTELLS, 2000)
da qual estamos inseridos, o professor de História (e das demais áreas) é desafiado a
utilizar as TIC´S como instrumentos facilitadores do ensino-aprendizagem e do saber
histórico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certamente que o surgimento e, por consequência, o uso de novas tecnologias no
ensino de história amplia o universo de metodologias aplicadas ao ensino de História,
voltando-se para uma metodologia diversificada de conteúdos, atividades e avaliações,
serão capazes de estimular o interesse do aluno e melhorar a produtividade e a prática do
docente, valendo-se da vivência do educando com o universo tecnológico.
Com a utilização das TIC´s no ensino de História, a mesma deu uma nova roupagem
à prática de ensino e à construção do saber histórico em sala de aula, ampliando o cenário
de fontes e o seu acesso à comunidade escolar. Dentro da infinidade de instrumentos a
serem utilizados para a melhoria do ensino de História, aqui foram citados apenas alguns

59
O Café História é uma rede social online fundada em 18 de janeiro de 2008 pelo jornalista e historiador
Bruno Leal. É voltada para estudantes, professores, pesquisadores e para todos aqueles que acreditam que
estudar e discutir história é o maior barato. Todo o conteúdo do site é aberto. O internauta não precisa fazer
nenhum cadastro para acessar textos, vídeos ou fóruns. É tudo livre e gratuito.Descrição retirada do próprio
site: http://cafehistoria.ning.com/
517
destes que estejam mais acessíveis ao professor, a escola e ao educando. Certamente que,
gradativamente, muitos outros recursos podem e devem ser inseridos a essa realidade.
Esse tipo de aprendizagem permitirá ao aluno desenvolver habilidades e
competências previstas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, criando um envolvimento da
realidade social com a virtual, tão comum a esse aluno. Isso acrescentará à formação
intelectual e cognitiva do mesmo, assim como livrará a disciplina História do limbo da
memorização. Por isso, não deve-se dissociar o ensino das transformações da sociedade, que
recebe muitas informações cada vez com maior velocidade, o que leva o professor a
desdobrar-se entre sua formação específica e sua atualização de mundo, o que exige muito
do profissional da educação. Vale ainda destacar que sem a devida capacitação e
aprofundamento nos estudos sobre a produção historiográfica e a prática do ensino de
História e suas interações com as TIC´s. Dessa forma, a formação continuada dos
profissionais de História torna-se imprescindível para o seu sucesso dentro e fora de sala de
aula, mesmo sabendo que esses movimentos muito recentes.
As novas tecnologias contribuem também de forma metodológica para o ensino de
História, como foi destacada durante o presente trabalho, tanto no que se diz respeito à
pesquisa quanto à produção e à transmissão do conhecimento histórico, seja ele
desenvolvido com ou sem a internet.
As alternativas propostas neste artigo visam elucidar e contribuir para a prática do
professor de História, e das Ciências Humanas de forma geral, estimulando o docente a
melhorar e repensar a sua prática de ensino.
A reinvenção de novos caminhos que traga melhorias para a educação deve ser
realizada pelo professor de História. Certamente que, como todo caminho, haverão
obstáculos e dificuldades em sua trajetória. E é por isso que o profissional da História não
pode deixar de continuar se capacitando e dando continuidade à pesquisa, da qual sugiram
alternativas válidas para traçar o caminho desejado pelo professor.

REFERÊNCIAS
BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001.

518
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,
2000.
CAMILO, Camila. . Tem jovem que nem sabe por que posta fotos eróticas na web.
Entrevista com a Psicóloga Renata Libório. REVISTA NOVA ESCOLA Edição 271, ABRIL 2014.
"Tem jovem que nem sabe por que posta fotos eróticas na web". Disponível em:
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/renata-liborio-tem-jovem-nem-sabe-posta-
fotos-eroticas-web-787407.shtml. Acesso em 10/07/2014
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica. Rio de Janeiro: Editora.
FGV, 2011
FERREIRA, Carlos Augusto Lima. Ensino de História e a Incorporação das Novas
Tecnologias da Informação e Comunicação: uma reflexão. Revista da História Regional. v.4,
n.2 1999. Disponível em: http://www.uepg.br/rhr/v4n2/carlos.htm. Acesso em:13/07/2014.
LE GOFF. História e memória. 5. ed. Campinas: UNICAMP, 2003.
LEVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos I. da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
ROSA, Michele Rossoni. Educação Histórica, Fontes Históricas e Novas Tecnologias:
Descompassos e Possibilidades. Revista Ágora, Porto Alegre, p.13-24, 2011.
RÜSEN, Jörn. Didática da História: Passado, Presente e Perspectivas a partir do Caso
Alemão. In: SCHMIDT, Maria; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão (Org.). Jörn Rüsen e o Ensino
de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2010, p.23-40.
SIMAN, Lana Mara. O papel dos mediadores culturais e da ação mediadora do professor
no processo de construção do conhecimento histórico pelos alunos. In: ZARTH, Paulo A; et
al. (orgs.) Ensino de História e Educação. Ijuí: ed. UNIJUÍ, 2004.
SOSA, Derocina; TAVARES, Luana Ciciliano. Ensino de história e novas tecnologias. PPGH-
UNISINOS. Revista Latino-Americana de História. Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição
Especial.
SOUZA, Éder Cristiano de. O USO DO CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA: propostas recorrentes,
dimensões teóricas e perspectivas da educação histórica. ESCRITAS. Vol.4 (2012) ISSN 2238-7188 pp.
70-93. Disponível em: http://www.uft.edu.br/revistaescritas/sistema/uploads/artigo25.pdf Acesso
em: 10/07/2014

519
ENSINAR PARA A GERAÇÃO TECNOLÓGICA: UM DESAFIO PARA A ESCOLA E PROFESSORES
DA CONTEMPORANEIDADE

Janete Araci do Espírito Santo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darci Ribeiro

Bianka Pires André


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darci Ribeiro

RESUMO: Este trabalho busca refletir sobre os desafios de ensinar para a “Geração
Tecnológica”, também chamada de “Geração Mídia”, uma nova geração que, naturalmente,
são conhecedores da tecnologia e dominam as novas ferramentas e o acesso à Internet, sem
nenhuma dificuldade. Do outro lado, os professores, na maioria “Imigrantes Digitais”, com
impasses e deficiências da própria formação, veem-se em desvantagem frente às
diversidades da contemporaneidade, pois se sentem inseguros para usar os computadores e
a Internet e não sabem manuseá-los em suas práticas docentes. Esse despreparo do
professor resulta em uma grande distância entre professor e aluno, podendo colocar em
risco o que há de mais valioso no processo de ensino aprendizagem: a interação. Sabe-se
que o papel do professor é essencial em fornecer orientações mediadoras no sentido de
estimular os cérebros dos seus alunos e ajudá-los a buscarem informações, a fazerem
conexões e transformarem essa rede de informações adquiridas no ciberespaço em
conhecimentos significativos. Para Gary Samall (EUA), desde quando o homem aprendeu a
usar uma ferramenta, o cérebro não sofria um impacto tão grande e significativo como
ocorreu com o uso da Internet, pois o cérebro humano é uma estrutura que é movida a
desafios e que se transforma com eles. Logo, essa nova geração que está em constantes
atividades nas redes, que envolvem desafios, experimentação, inovação, criatividade,
necessita do professor que esteja motivado a buscar novas alternativas de trabalho e que
conheça as necessidades das novas gerações, os processos cognitivos de aprendizagem, as
novas ferramentas tecnológicas e, interaja com elas.
Palavras-chave: Ensino. Práticas docentes. Tecnologias.

INTRODUÇÃO
No contexto do atual modelo econômico-político-social, escola e professores
encontram-se diante de um grande desafio que é propor uma nova educação que busque
formar e inserir na sociedade tecnológica indivíduos preparados e capazes de elaborar e
realizar seus projetos de vida com segurança, determinação e autonomia.
Com o surgimento das novas tecnologias, o indivíduo depara-se com uma nova forma
de agir e de viver, moldado num sistema vinculado às novas ferramentas e aquele que não
conseguir operar sua rotina neste novo formato está excluído deste novo mundo.
520
Todavia, a escola, como espaço formador de indivíduos, precisa adotar um novo
formato de educação pautado numa estrutura voltada para a atual realidade global.
O perfil do aluno atual é bem diferente. Os jovens de hoje já nasceram na era
tecnológica e cresceram convivendo com as mais diferentes formas de tecnologia e
desenvolvendo com elas uma relação natural.
A rotina dos chamados “Geração Mídia” está fortemente vinculada ao uso de
videogames supermodernos, tablets, computadores e celulares conectados à internet, e com
programas e recursos mais abrangentes na busca de informações. Executam várias tarefas
ao mesmo tempo, são curiosos, dinâmicos e querem aprender pela experimentação, pelo
dinamismo e pelo entusiasmo.
Para atender a este novo sujeito, a escola precisa adotar um novo modelo de
educação comprometida com o ensino de qualidade com propostas educacionais que
atendam as necessidades da sociedade contemporânea, respeitando a capacidade, os
interesses e o ritmo de aprendizagem de cada aluno, atendendo assim, a heterogeneidade e
a individualidade de sua comunidade.
Propõe-se, neste artigo, uma reflexão sobre os novos desafios que a escola enfrenta
para dar conta de seu papel formador e as dificuldades encontradas pelo professor em atuar
em uma sociedade caracterizada pela transformação tecnológica, entendendo que a
parceria entre a Educação e a tecnologia pode ser um caminho que contempla a diversidade
e a complexidade social, visando à formação crítica dos cidadãos.

O PERFIL DO ALUNO DA GERAÇÃO MÍDIA


Em 2001, Mark Prensky, escritor e estudioso norte-americano, criou os termos
"Nativo Digital" e "Imigrante Digital” em seu artigo publicado com o título: "Digital Natives,
Digital Immigrants”, no qual o autor aborda as transformações apresentadas pelas gerações
mais recentes através de seu convívio com as Tecnologias da Informação e Comunicação-
TICs. O pesquisador separa estes indivíduos em dois grupos distintos: os nativos digitais,
aqueles que nasceram e cresceram lidando com as novas tecnologias e os imigrantes
digitais, aqueles que nasceram antes da explosão tecnológica e tentam aprender a viver
nesse ambiente.

521
Para Prensky, há um desnivelamento quanto à educação para estes dois grupos, não
podendo, então, os nativos digitais ficarem presos a um sistema educacional que não condiz
com a realidade dos jovens atuais. De acordo com o autor, este desnível é influenciado pela
disseminação das TICs desde o final do século XX.
O fato de diferentes níveis de ensino em diferentes países e contextos
socioeconômicos chama a atenção de outros autores como, por exemplo, Markgren (2008);
Oliveira (2010); Santos et al.(2011) e Tapscott (2010) que afirmam que, de acordo com a
evolução social e tecnológica, as características dos indivíduos foram se definindo,
facilitando assim, uma identificação das gerações ao longo destes dois últimos séculos. Estes
autores dividem a sociedade nas seguintes gerações: Belle Époque (também conhecida como
Geração Tradicional, nascidos antes da década de 50); Baby Boomers ou geração TV (1946-
1964); Geração Baby Dash ou Geração X (1965-1976); Geração Y ou Geração Millennials, ou
ainda Geração Internet ou Geração Digital (1977-1997); e Geração Z ou Geração Next a partir
de 1998.
Essas gerações são caracterizadas com base no consumo midiático, atribuindo à Tevê
a atenção dos "babyboomers"; a “geração X” como grande consumidora dos canais de rádio,
televisão e cinema, aproveitando destes meios para se especializarem e se prepararem
profissionalmente; a terceira, chamada de “geração Internet" ou "geração X" tem como
marca a Internet; e, finalmente ele atrela a comunicação móvel à "geração Next”, ou seja, às
gerações seguintes.
O termo “geração” nasceu da teoria de Comte (1998), que durante décadas definiu
geração como os descendentes ou sucessores de seus pais, sendo calculada como uma
geração ao fim de um período de 25 anos. Porém, com o aumento da expectativa de vida
das pessoas, o intervalo entre as gerações diminuiu, fazendo com que pessoas de gerações
diferentes convivam no mesmo ambiente social.
Para Feixa e Leccardi (2010, p.187), na concepção mecânica de Conte, há uma linha
teórica mais usual para a divisão das gerações que busca identificar um tempo quantitativo e
objetivamente mensurável como critério para o progresso linear. “Comte afirmou que o
ritmo pode ser calculado simplesmente pela medição do tempo médio necessário para que
uma geração seja substituída – na vida pública– por uma nova.”

522
Portanto, vale esclarecer que as pessoas classificadas em uma geração não têm
necessariamente o comportamento ajustado nela, ou pode ter uma mistura de dois ou mais
comportamentos característicos de gerações diferentes. Estas classificações de gerações são
utilizadas como denominações didáticas para apresentar as caracterizações de cada fase.
A geração Mídia mencionada neste artigo refere-se às três últimas gerações: as
gerações X, Y e Z.
Para conhecer mais sobre a geração Mídia, ou seja, os alunos dessa nova geração,
são apresentadas aqui algumas de suas características:
• Preferem computador à televisão, não largam o celular, possuem e-mail e
participam das redes sociais;
• Aprendem muito rápido e são multitarefas;
• Preferem horizontalidade nas relações;
• Vivenciaram avanços midiáticos tecnológicos significantes - conhecem bem a
linguagem das máquinas;
• Estão imersos em diversas redes sociais digitais – Whatsapp, MSN, Facebook,
Formspring, Twitter...;
• Consideram o ciberespaço seu habitat natural e lógico;
• Apreciam narrativas transmidiáticas;
• Aprendizado não linear.
• Buscam estímulo em linguagens diferenciadas;
• São autodidatas, mas precisam de suporte e orientação;
• Consomem e produzem informação – sem critérios muito definidos (relevância da
informação);
• Solicitam aulas adequadas ao seu contexto;
• Tem dificuldades em atividades muito longas;
• Sentem necessidade de serem desafiados constantemente;
• Não veem utilidade no que estudam - pouca motivação na escola;
• Gostam do aprendizado fora da escola – simulações, interação, colaboração,
grupos, redes...

523
Estas características apresentadas pelos jovens desta geração são emergentes das
mudanças e transformações do mundo, causadas pelas inovações tecnológicas e o convívio
com estes novos instrumentos, como a TV, os videogames, os brinquedos sofisticados e
posteriormente o computador, tudo à disposição, o que confirmam a necessidade que estes
jovens têm de buscar o conhecimento de modo diferente.
Antes mesmo de aprendermos a lidar com os nativos digitais, surge, nos momentos
atuais, uma nova classificação social para a próxima fase, sucessora da geração mídia, é a
denominada “Geração Alpha”. Esta geração pertence aos nascidos a partir do ano de 2010,
ainda com características indefinidas, mas já se pode afirmar que nunca uma geração teve
tanto acesso a informação e educação como esta. As gerações Z e Alpha podem se unir
numa nova terminologia, mas, por não haver ainda características definidas, deve ser
chamada, por enquanto, de Geração Alpha.
Para Fernanda Furia60, as crianças da geração Alpha, nascidas depois de 2010,
chegaram num mundo mudado pela tecnologia, num mundo pronto e vão viver estas
mudanças com mais naturalidade.
Especialistas acreditam que estas crianças são, de fato, mais evoluídas que as das
outras gerações. Prensky afirma que “o cérebro humano está evoluindo cognitivamente em
função dessa simbiose com a tecnologia. É uma evolução do ser humano”. Contudo, pais e
professores encontram-se diante de um grande desafio na educação dessa geração que não
se contenta com os atuais formatos de educação, os quais vêm sendo adotados desde a
revolução industrial.
Para Lemos (2009), há uma grande dificuldade de comunicação entre os jovens da
geração mídia e seus professores, o que traz como consequência, sérios problemas no
processo de ensino e aprendizagem.
A exposição deste cenário justifica o estudo proposto neste artigo, apresentando
uma análise reflexiva sobre as características dos alunos da atual geração, advindas das
influências das TIC, as implicações das tecnologias para o processo de ensino e
aprendizagem e o impacto entre as novas gerações e o modelo atual de educação.

60
Fernanda Furia - Mestre em Psicologia de Crianças e Adolescentes (UniversityCollege London/ The Anna
Freud Centre- Londres), e Especialista em Psicoterapia de Crianças e
Adolescentes<http://porvir.org/porpensar/10-maneiras-de-preparar-novas-geracoes-para-vida/20140613>
524
O ATUAL MODELO DE EDUCAÇÃO ATENDE À NOVA GERAÇÃO
Sabe-se que, com a chegada das novas tecnologias, houve uma repercussão nos
processos de trabalho, sejam na sua qualificação, condições, saúde do trabalhador, políticas
de ocupação e uma série de outros fatores que afetaram os sujeitos desse processo e sua
organização. Aos poucos, depois de muitas discussões e medidas alternativas, houve uma
acomodação, mas ainda não satisfatória, no sentido de atender às novas exigências do
mercado trabalhista.
Apesar da reorganização dos postos de trabalho feitos nos novos moldes exigidos pela
modernização tecnológica, ainda se vê a necessidade de investimentos na formação e
capacitação do trabalhador. É preciso que o sujeito-chave desse processo tenha as
habilidades competentes necessárias para atender a demanda do mercado de trabalho.
Entretanto, conforme relata o professor Jim Lengel61,

A educação não mudou para atender às necessidades do mundo a sua


volta. O ambiente do trabalho de hoje demanda que se trabalhe em
pequenos grupos para solucionar problemas, precisa de ferramentas
digitais e que as pessoas estejam preparadas para desempenhar
multitarefas sem a supervisão de outros. A maior parte das nossas escolas
não está fazendo isso.

Percebe-se então, que as transformações político-sócio-econômicas e modelo


educacional não se relacionam de forma que possa corresponder às necessidades das
demandas profissionais do cenário atual.
Para atender a essas novas exigências, o trabalhador precisa saber trabalhar em
equipe, lidar com multitarefas, utilizar as ferramentas digitais e estar integrado num mundo
movido pelas novas tecnologias. Em contrapartida, a escola não acompanhou esta evolução
e, funciona ainda, nos velhos moldes estruturados num modelo que diverge das exigências
deste novo mundo. A escola ainda segue um modelo que vem sendo adotado desde a
década de 50, trabalhando com um grande número de alunos em sala de aula, mesma forma
de trabalho e a utilização das mesmas ferramentas, como quadro de giz, lápis e papel, o que
se pode ser chamado de modelo tradicional.

61
Jim Lengel é Professor na Hunter College na Universidade de Nova York e consultor em organizações de todo
o mundo sobre a aplicação de novas tecnologias ao ensino e aprendizagem.
525
Para que a escola possa, dentro do seu papel formador de cidadãos, oferecer ao
aluno todas as habilidades exigidas para o mercado trabalhista, Lengel sugere diretrizes de
uma proposta que pode mudar as bases do trabalho de muitas escolas: a Educação 3.0.
Este novo modelo de educação define o uso e o impacto na educação com uma
aprendizagem colaborativa e personalizada, reutilizando conteúdos através de métodos
formais ou informais. Esta nova forma deve tomar um caminho direcionado para a Educação
tecnológica, através de um trabalho em que professores e alunos interagem na produção
coletiva do conhecimento, utilizando as ferramentas apropriadas para o trabalho pedagógico
e que possam atender seus interesses através da prática e experimentações.
Diante da necessidade dessas mudanças na educação, surge o grande desafio para
uma geração de docentes que se preparou na sua formação acadêmica para ensinar em uma
era pré-digital, quando ainda não se contava com recursos que pudessem favorecer a
interação e a colaboração capazes de conectar pessoas, tanto do meio acadêmico quanto da
sociedade civil, independentes de suas diversidades culturais, nacionais e de formação.
Os espaços institucionais legitimados para a formação dos cidadãos são as escolas e
as universidades, onde a educação é denominada educação escolar formal, mas há também
processos de educação não formal, ou seja, educação informal como Grupos, ONG’s e
empresas que oferecem cursos de capacitação, atualização, treinamento que podem ser
integrados ou não à educação formal. Portanto, a educação é tudo aquilo que adquirimos de
pessoas, grupos, instituições formais ou não formais, nos processos de transmissão de
cultura, valores, saberes, novas ideias, conhecimentos que habilitam o homem a viver em
sociedade.
A escola precisa também rever seus currículos. O que entendemos por qualidade de
educação depende de bons currículos, de novas relações de ensino com as propostas
transversais dos PCN’s. Os currículos precisam estar voltados para a realidade do aluno,
ligados ao seu cotidiano, à sua vida, devem estar contextualizados e aplicados à realidade do
estudante.
O aluno nascido na era tecnológica e que está sempre conectado, é capaz de, com a
orientação do professor, trabalhar em grupo, participar de projetos, desenvolver atividades
interdisciplinares, atividades que já devem, desde o início de cada curso, fazer parte dos

526
novos currículos. Para Sacristán, (2000, p.26), “O currículo é o cruzamento de práticas
diferentes e se converte em configurador, por sua vez, de tudo o que podemos denominar
como prática pedagógica nas aulas e nas escolas”.
A educação, nesta era chamada de “idade mídia”, pode contar com o apoio das novas
tecnologias, mas para que as mudanças sejam favorecidas elas precisam estar apoiadas nas
bases principais de uma educação inovadora. Conforme Moran (2007), podem-se citar como
bases: a) o conhecimento integrador e inovador; b) o desenvolvimento de
autoestima/autoconhecimento; c) a formação do aluno-empreendedor; d) a construção do
aluno-cidadão; e e) o processo flexível e personalizado. Estes pilares apoiados pela
tecnologia fazem com que o ensino-aprendizagem seja mais integrado, flexível, ativo e
inovador.
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA A EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
Diante do atual panorama em que as TICs estão presentes facilitando a vida do
estudante no caminho da aprendizagem, urge pensar tanto na formação dos professores
quanto na implementação das novas ferramentas digitais como facilitadoras do trabalho
pedagógico.
Para que a escola possa atender as necessidades do aluno digital, ela precisa contar
com a contribuição do professor, que numa sociedade capitalista, em que o lucro, a
rentabilidade é uma preocupação constante, têm seus salários baixos, turmas cheias, falta
de motivação dos dirigentes, empobrecendo assim, a qualidade do serviço. A escola precisa
de bons professores e eles precisam ser estimulados, motivados e bem preparados para a
tarefa de ensinar, eles são as peças-chave na mudança da educação (MORAN, 2007).
O papel do professor no processo educacional é essencial, pois cabe a ele saber
orientar e fazer a mediação entre o sujeito e as TICs. Para isso, ele precisa dominar a
tecnologia, saber usá-la de modo que os envolvidos do processo possam buscar as
informações através dos buscadores das redes, trazer os conteúdos necessários e utilizar
dinâmicas mais colaborativas, visando aos benefícios para os processos de ensino e
aprendizagem. O professor precisa saber também, escolher os recursos didáticos em função
dos estilos cognitivos dos aprendizes e analisar quais ferramentas e em quais momentos elas
podem auxiliá-los.

527
A facilidade que os atuais alunos têm de transitar nesse novo ambiente das
tecnologias implica na necessidade de uma nova geração de professores, pois a inovação no
ensino depende tanto do conhecimento do professor em seu conteúdo quanto de seu
conhecimento na utilização das TICs.
Professores e alunos estão em constante interação com as tecnologias digitais nos
mais diversos ambientes. Eles carregam seus celulares, notebooks ou tablets, e há também,
os computadores disponibilizados na maioria das instituições, como escolas, clínicas, bancos
e outros, porém a inserção dessas tecnologias no dia a dia das práticas educacionais é
diferente, pois é necessário que os envolvidos no processo tenham as habilidades exigidas
para o trabalho com um novo formato de ensino.
Neste novo cenário transformado pela presença das TICs, o professor não só ensina,
mas também aprende. Ele não é mais o detentor do conhecimento, ele passa a ser o
mediador e, numa interação com seus alunos, ele orienta para um trabalho de busca de
informações e construção do conhecimento.

AS TECNOLOGIAS COMO RECURSOS PEDAGÓGICOS


Diante de tantas transformações advindas com as novas tecnologias não há como
negar a introdução das TICs no processo educativo. Hoje, o computador, ferramenta
inicialmente desenvolvida para facilitar trabalhos em empresas e em setores
governamentais, passa a fazer parte do ambiente familiar e, consequentemente, do
contexto escolar.
O termo tecnologia vai muito além de ferramentas ou equipamentos que utilizamos
no dia a dia, ela faz parte da nossa vida, inclusive em questões intangíveis.
Segundo Kawamura (1998), “se a educação e a escola não abrirem espaço para essas
novas linguagens, elas poderão ter seus espaços definitivamente comprometidos”, e isso
justifica a grande preocupação dos educadores atuais.
Monteiro & Rezende (1993) afirmam que desde a década de 80 os profissionais da
educação já consideravam inevitável que a informática estivesse, também, presente nos
ambientes escolares.

528
Para Tajra (2001, p.48) quando se pensa em tecnologia aplicada à educação, pode-se
dizer que são os instrumentos utilizados no processo de ensino e de aprendizagem. Devido à
disseminação social do avanço técnico, a partir de 1980 os audiovisuais foram inseridos em
um novo modelo de recurso didático e tiveram uma nova denominação de “Novas
Tecnologias Educacionais”.
Com as novas formas de ensinar, acredita-se numa maior aproximação do ensino à
realidade através de materiais concretos e de modernos meios tecnológicos capazes de
motivar os alunos a buscarem informações e diminuir o atraso educacional em relação ao
desenvolvimento tecnológico.
As novas ferramentas tecnológicas são recursos considerados mais comuns e grandes
colaboradores nas práticas pedagógicas. Com eles, os educadores buscam despertar e
motivar o interesse dos alunos, desenvolver a capacidade de observação, aproximar o
participante da realidade, internalizar as informações visualizadas nos conteúdos de
aprendizagem, oportunizar a busca do próprio conhecimento através das informações
oferecidas no ambiente de estudo, esclarecer noções mais abstratas e trabalhar e
desenvolver a experimentação concreta.
Segundo os PCNs, a inserção de inovações tecnológicas no ambiente escolar só é
válida se contribuir para melhorar a qualidade de ensino, caso contrário, continuarão os
velhos métodos de ensino mascarados de uma nova roupagem que de nada adiantarão. Os
Parâmetros (1997) relatam que: “As tecnologias devem servir para enriquecer o ambiente
educacional, propiciando a construção de conhecimentos por meio de uma construção ativa,
crítica e criativa por parte dos alunos e professores" (p.140). Entende-se assim, que as
tecnologias como ferramentas auxiliares para os educadores devem ser um tema bem
pensado para que a escola não se iluda com uma proposta de uma pedagogia nova, mas que
continua com os mesmos erros da pedagogia tradicional.
Os PCNs abordam ainda, a importância dos recursos tecnológicos na sociedade
contemporânea e essencialmente na educação considerando que:

[...] a educação nos dias atuais está passando por um processo de


renovação de espaços, de ressignificação de conteúdos e de valores, tendo
como ponto de partida todas as mudanças ocorridas na sociedade. Enfim, a
escola como instituição integrante e atuante dessa sociedade não pode

529
ficar de fora ou à margem deste dinamismo, tendo de se enquadrar nesse
processo de transformação educacional e comunicação autêntica, aberta
entre professores e alunos principalmente, mas também incluindo
administradores a comunidade, principalmente os pais.

Sendo assim, entende-se que as novas tecnologias da Informação e Comunicação,


utilizadas como novos recursos didáticos, podem ser usadas como ferramentas facilitadoras
e de apoio ao professor, mas não para substituí-lo. O sistema educacional, ainda moldado
num sistema tradicionalista, depara-se agora com uma evolução destes paradigmas,
influenciada pelos recursos das novas tecnologias. O processo educacional evolui
acompanhando a evolução social, o que inclui necessariamente os avanços pedagógico-
tecnológicos, permitindo a criação de um método educativo alternativo e o uso do mesmo
para capacitar os docentes em técnicas e tecnologias possíveis no emprego desses novos
recursos.
É preciso entender as tecnologias como meios de estimular e gerar culturas e de
interação social. Sem estes meios seria bem mais difícil a continuidade da evolução, não só
no processo de ensino, mas também na vida profissional e social de todo cidadão.
Para Lévy (1999, p.163),

Não se trata de usar as tecnologias a qualquer custo, mas sim de


acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização
que questiona profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a
cultura dos sistemas educacionais tradicionais e, sobretudo, os papéis de
professor e de aluno.

Dessa maneira, Lévy enfatiza ainda, que será necessário, também, buscar soluções
que utilizem técnicas capazes de ampliar o esforço pedagógico dos professores e dos
formadores desses profissionais.
É preciso lembrar que as tecnologias trazem grandes contribuições para o cenário
educativo, facilitam o trabalho de troca, colaboração, interação, mas nunca será capaz de
resolver os enigmas do mundo interior do ser humano. O trabalho da escola não se restringe
a apenas ensinar a aprender e preparar somente para o trabalho. O aluno precisa também
da educação social, aquela que ensina a compreender o mundo nas suas desigualdades;
conhecer o significado de ética como integração dos vários elementos do universo, o meio

530
ambiente, os seres vivos; aprendendo a conviver com as diferenças, a se comportar no
confronto com as diversidades, dentre outros.
Francisco Gutiérrez62, em sua pesquisa sobre educação na era da informação, sugere
que a escola atual dê mais atenção à sensibilidade do indivíduo do que para uma
racionalidade abstrata e distante. Sendo assim, a educação não pode estar apoiada somente
nos trabalhos amparados pelas tecnologias, mas num trabalho de colaboração entre os
sujeitos e as instituições no intuito de permitir ao indivíduo o direito de encontrar seus
espaços pessoais, sociais e profissionais e tornarem-se cidadãos realizados e produtivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se pensa no sistema educacional, a situação apresenta-se bastante
complexa. Há uma grande distância entre o mundo das TICs e o mundo da educação, pois as
transformações acontecem com tal rapidez que se faz pensar na existência de um impasse.
Portanto, isso deixa claro que, além da necessidade de simplesmente aperfeiçoar o sistema
educacional, o momento traz também a exigência de uma profunda transformação
estrutural do processo educacional com a inclusão das TICs.
A introdução das novas tecnologias da informação e da comunicação no contexto
educacional só tende a trazer vantagens para o ensino aprendizagem se essa parceria entre
a tecnologia educacional e a prática pedagógica for de colaboração, ou seja, desde que
professores e alunos possam interagir e construir o conhecimento e a tecnologia seja
vinculada aos objetivos pedagógicos (Dillon, 1996).
O que se pode dizer é que a edificação de uma escola competente, democrática e de
qualidade é uma exigência social, portanto a instituição educacional deve estar pronta para
atender a sociedade nas suas necessidades básicas de sobrevivência no mundo
universalizado.
Vale lembrar, também, que é preciso construir a escola visando à concretização do
projeto elaborado dentro da política dos órgãos governamentais e a contextualização social,
ou seja, com implantação de políticas educacionais coerentes com as transformações da

62
Francisco Gutierrez Doutor em Educação com especialização em Pedagogia da Comunicação e Mediação
Pedagógica, Diretor do Instituto Latino-americano de Pedagogia da Comunicação-ILPEC, em Heredia, Costa Rica
531
sociedade como um todo e não apenas com perspectivas voltadas somente para a
modernização do sistema.
Compreender os novos processos de aquisição e construção do conhecimento
implica em compreender que para acompanhar as exigências da sociedade atual há de se
considerar como fundamental a introdução destes novos recursos das novas ferramentas
tecnológicas com o acesso à internet e a capacitação do professor para a inserção dessas
novas ferramentas nos processos de ensino-aprendizagem.
A introdução destas tecnologias exige compreender de forma mais ampla a
necessidade de fortalecer a conexão escola e sociedade, articulando intensamente o
trabalho educacional direcionado ao objetivo de, através da produção do conhecimento,
formar o cidadão para a vida.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Linguagens, códigos e tecnologias. Brasília,
2008.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais -
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
COMTE A. (1998). Cours de philosophie positive. Vol. 1-2, Paris: Hermann [The positive
philosophy, Sunrise, FL.: AMS, 1987] [1830-1842]
DILLON, Andrew. Myths, Misconceptions and an Alternative Perspective on Information
Usage and the Electronic Medium. In: ROUET, J.F., LEVONEN, J.J., DILLON, A., SPIRO, R.J.
(Eds.). Hypertext and Cognition. NJ: Lawrence Erlbaum, 1996.
FEIXA, C.; LECCARDI, C. O conceito de geração nas teorias sobre juventude. Revista
Sociedade e Estado, Brasília, v. 25, n. 2, p. 185-204, maio/ago. 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/se/v25n2/03.pdf>. Acesso em: 06 jan. 2012.
GUTIÉRREZ, Francisco. Linguagem Total. Uma Pedagogia dos Meios de Comunicação. São
Paulo: Sumus, 1978.
KAWAMURA, Regina. Linguagem e Novas Tecnologias. In: ALMEIDA, Maria José P.M. de,
SILVA, Henrique César da. (Orgs.). Linguagens, Leituras e Ensino da Ciência. Campinas:
Mercado das Letras, 1998.

532
LEMOS, Silvana. Nativos digitais x aprendizagens: um desafio para a Escola. Téc. SENAC:
Revista Educação Profissional, Rio de Janeiro, v. 35, n.3, set./dez. Disponível em:
http://www.senac.br/BTS/353/artigo-04.pdf. Acesso em 03 nov. 2014.
LÉVY, P. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.
MARKGREN, S. Reaching out to Gen Y: adapting library roles and policies to meet the
information needs of the next generation. In: KENNEDY, J. R.; VARDAMAN, L.; McCABE, G. B.
(Ed.). Our new public, a changing clientele: bewildering issues or new challenges for
managing libraries? Westport, Connecticut: Libraries Unlimited, 2008. p. 46 - 54.
MORAN, José Manuel; MASSETO, José Manuel; BEHRENS, Marilda Aparecida. Novas
tecnologias e mediação pedagógica. 16. ed. Campinas, SP: Papirus, 2009. (Coleção Papirus
Educação). Disponível em: <http://www.uca.gov.br/institucional/noticiasLei12249.jsp.>.
Acesso em: 01 nov. 2014.
MONTEIRO, Eduardo B., REZENDE, Flavia. 1993. Informática e Educação: panorâmica da
área segundo artigos dos periódicos nacionais de educação. Tecnologia Educacional, v.22,
n.110, 111, p.42-49, jan/abr.1993.
OLIVEIRA, S. Geração Y: o nascimento de uma nova geração de líderes. São Paulo:
Integrare, 2010.
PRENSKY, M. Digital natives, digital immigrants. In: On Tne Horizon, NCB University
Press, vol 9, no. 5, outubro de 2001.
SACRISTAN, G. O Currículo, uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Editora Artmed,
2000.
SANTOS, C.F. et al. O processo evolutivo entre as gerações X, Y e baby boomers. In:
SEMINÁRIOS EM ADMINISTRAÇÃO - SEMEAD, 14., São Paulo. Ensino e pesquisa em
administração. São Paulo: EAD/FEA/USP, 2011. Disponível em:
<http://www.ead.fea.usp.br/semead/14semead/resultado/trabalhosPDF/221.pdf>. Acesso
em: 14 nov. 2011.
TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na educação: novas ferramentas pedagógicas para o
professor na atualidade. 8. ed. São Paulo: Érica, 1998.
TAPSCOTT, D. A hora da geração digital: como os jovens que cresceram usando a internet
estão mudando tudo, das empresas aos governos. Rio de Janeiro: Agir Negócios, 2010.

533
REFLEXÕES SOBRE O CIBERESPAÇO COMO LUGAR DE MEMÓRIA SOCIAL

Ruana da Silva Maciel


UENF

Tanisse Paes Bóvio Barcelos Cortes


UENF

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de refletir o ciberespaço como lugar de memória
social, em um contexto em que a modernização das tecnologias de comunicação e
informação traz a necessidade de adaptação da sociedade como um todo. Com sua
capacidade infinita de armazenamento, o ciberespaço permite a virtualização dos lugares de
memória e seu acesso irrestrito por pessoas ao redor do mundo, com isso, os lugares de
memória deixam de se restringir a um espaço geográfico. Com base em autores como Pierre
Lévy, Solange Epelboin e outros, realizou-se um levantamento teórico sobre as
características do ciberespaço e os lugares de memória inseridos neste espaço. Para
demonstrar tal processo de reminiscência escolheu-se a Biblioteca Digital Mundial para
analisar o resgate histórico, social e cultural instaurado. A partir da análise do site da
biblioteca, reafirma-se a importância da memória social e do recurso tecnológico como um
facilitador para perpetuar a existência e, também, como um suporte que potencializa a
resistência ao esquecimento.
Palavras-chave: Lugar de memória. Ciberespaço. Tecnologias da comunicação e informação.

INTRODUÇÃO
A partir das novas tecnologias, o Ciberespaço vem sendo objeto de análise em
diversas vertentes. Por isso, com o desenvolvimento do artigo, propõe-se analisar o
ciberespaço como lugar de memória social, sob a perspectiva que com sua capacidade
infinita de armazenamento (ou quase), o ciberespaço permite a virtualização dos lugares de
memória e seu acesso irrestrito por pessoas ao redor do mundo, com isso, os lugares de
memória deixam de se restringir a um espaço geográfico. Nessa vertente, faz-se a
consideração de espaço/território, virtualização e Ciberespaço com suporte teórico para
fundamentar a abordagem. Além de se convocar fundamentos sobre a memória social.
A pertinência da pesquisa compreende o entendimento de que a sociedade como
organismo/sistema63 está em constante retroalimentação/desenvolvimento e as

63
Herbert Spencer (filósofo inglês), no século XIX, parte da definição de sociedade como um organismo. Por
analogia, destaca, então, processos de crescimento, expressos através de diferenciações estruturais e
funcionais. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/biografias/herbert-spencer.jhtm
534
análises dessas mudanças, desde as mais singelas até as aprofundadas, contribuem de certa
forma para impulsionar e/ou tentar explicar essas transformações do mundo
contemporâneo, enriquecendo as discussões acadêmicas e sociais.
Com o objetivo de refletir o ciberespaço como lugar de memória social, em um
contexto em que a modernização das tecnologias de comunicação e informação traz a
necessidade de adaptação da sociedade como um todo, escolheu-se a Biblioteca Digital
Mundial para analisar o resgate histórico, social e cultural propiciado pela rede. Como nela
está disponível diversos materiais, elegeu-se a fotografia “Isabel, Princesa do Brasil” da
Coleção Thereza Christina Maria, composta por 21.742 fotografias, reunidas pelo Imperador
Pedro II e por ele doadas à Biblioteca Nacional do Brasil - BN. Tal fotografia consta no acervo
da Biblioteca Digital Mundial.

CONCEPÇÕES SOBRE ESPAÇO, TERRITÓRIO E A RAIZ CIBER


Vários teóricos, ao longo da história, tentaram definir o termo espaço. Uma das
primeiras tentativas foi a do filósofo Aristóteles que definiu o espaço como a inexistência do
vazio, concebendo-o como lugar, ou seja, a posição de um corpo entre os outros corpos64.
Dentre várias definições, a que mais se aproxima da abordagem que se propõe fazer
é a de Alves (2005), na qual espaço “é produto das relações entre os homens e dos homens
com a natureza, e ao mesmo tempo é fator que interfere nas mesmas relações que o
constituíram. O espaço é, então, a materialização das relações existentes entre os homens
na sociedade”.
Essa observação dos elementos do espaço valoriza ainda mais a ponderação do
Ciberespaço como espaço. Souza e Costa (2006) elucidam que o Ciberespaço é um espaço,
levando em consideração as suas características de ambiente que tem a capacidade de
interferir na produção e reprodução da cultura e que, portanto, sendo espaço, é também
lugar. Em discussões posteriores, esse assunto será aprofundado.
Segundo Haesbaert (2004, p.40) a definição de território é polissêmica. Apesar dos
vários enfoques e abordagens que faz sobre o termo território, o autor sinaliza três
vertentes básicas pelos aspectos: político – o território é definido por espaço delimitado e
64
Mais informações em: http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?Entry ID=660 .
Acesso em: 18 out. 2014.
535
controlado, no qual se exerce um determinado poder, sobretudo o poder político do
Estado; cultural – em que é visto como o produto da apropriação de um grupo em relação ao
seu espaço (prioriza a dimensão simbólica/subjetiva, a relação de
pertencimento, “identidade social sobre o espaço”); e econômico – enfatiza a “dimensão
espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou incorporado no
embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como produto da
divisão ‘territorial’ do trabalho, por exemplo”.
Para desenvolver a noção de território, utiliza-se também a definição de Lemos
(2005) que estabelece a “ideia de controle sobre fronteiras que podem ser físicas, sociais,
simbólicas, culturais, subjetivas” e que, portanto, todo espaço, seja ele físico ou simbólico,
apropriado por forças políticas, econômicas, culturais ou subjetivas é caracterizado como
território.
Com isso, pode-se considerar que o Ciberespaço constitui-se como um território, já
que é tomado por regras, normas, etiquetas, crimes, uma cultura particular – a
Cibercultura65. De acordo com o que exemplifica Poster (apud ROSA, 2001), ao comparar a
internet (Ciberespaço) com o território da Alemanha, nascer ou viver na Alemanha faz do
indivíduo um alemão pelas influências deste lugar. O mesmo ocorre com o convívio na
internet, onde os “internautas”, no ambiente do Ciberespaço, convivem com as regras,
normas, etiquetas, hábitos, costumes instaurados, e são constituídos pela cultura desse
espaço66.
Nessa perspectiva, já se admite o Ciberespaço como um ambiente que caracteriza
espaço real, território que assume ou é assumido por uma nova cultura, que antes da
informatização não era conhecida. Começando a adentrar esse mundo virtual, sugere-se
iniciar o entendimento pelo prefixo ciber.
O prefixo ciber vem do inglês cyber, originário da palavra grega kubernaô, que
significa governar (a partir deste derivam termos como gouvernail - leme, governo, etc.). A
palavra cibernética (cybernetics) surgiu, no meio científico e técnico, em 1939, quando
Norbert Wiener utilizou o termo para intitular o seu livro: "Cibernética: Teoria geral
do comando e da comunicação no animal e na máquina." (ZARTARIAN e NÖEL, 2002, p.8).
65
Nova cultura que se produz no ciberespaço. (SOUZA e COSTA, 2006).
66
Exemplo também utilizado por Souza e Costa, 2005.
536
Ainda segundo os autores, o termo passou a designar qualquer sistema
mecânico que simule os comportamentos complexos dos seres vivos: robôs (ou ciborgues,
como lhes chamaram certos autores de ficção científica), programas informáticos
“inteligentes” capazes, por exemplo, de autoaprendizagem ou de adaptação, etc.
Nesse contexto, surgiu o termo Ciberespaço, de autoria do escritor de ficção
científica William Gibson, em 1984, no livro “Neuromancer” e,
posteriormente, acrescentaram-lhe uma série de termos derivados: cibermundo, ciber-
sociedade, cibercultura, cibereconomia, cibercafé, ciberbulling, dentre outros.
Retoma-se, então, que a “raiz ciber faz referência a universos virtuais, que
principiaram, obviamente, por serem concebidos pelo homem, mas que ultimamente são
gerados por máquinas, evoluindo com ou sem interação com os humanos.” (ZARTARIAN e
NÖEL, 2002, p.9).
Após a elucidação de termos que auxiliam na compreensão mais apurada do conceito
de Ciberespaço, prossegue-se para o ambiente virtual.

O VIRTUAL E O CIBERESPAÇO
O filósofo da informação Pierre Lévy (1996, p.16) define que o virtual é como
complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um
acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de
resolução: a atualização.
Sendo assim, “o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade
são apenas duas maneiras de ser diferentes”. E continua ponderando que “o real assemelha-
se ao possível; em troca, o atual em nada se assemelha ao virtual: responde-lhe”. Pode-
se concluir que é um processo cíclico como afirma o teórico: “A atualização ia de um
problema a uma solução. A virtualização passa de uma solução dada a um (outro)
problema.” (LÉVY, 1996, pp.15, 17, 18).
O teórico ressalta a diferença entre a realização (ocorrência de um estado pré-
definido) e a atualização (invenção de uma solução exigida por um complexo
problemático) e que o virtual é tomado como maneira de ser, mas a virtualização como
dinâmica. Nesse recorte, chega-se ao entendimento de que a virtualização é um processo

537
em que um acontecimento, um objeto ou uma entidade passa a estar em potencial, latente
e será real, apesar de já existir, enquanto possibilidade, com a atualização – resolução do
problema.
Segundo Pierre Lévy (1999, pp.53, 88) “o virtual não ‘substitui’ o ‘real’, ele multiplica
as oportunidades para atualizá-lo”, é a releitura, a atualização de algo que existe
concretamente. Por exemplo, quando se edita um texto fisicamente gravado no HD (Hard
Disk) do computador, quem edita está sempre saindo do totalmente virtual para o
físico para não perder as informações. E mesmo que não se tenha gravado o
documento nessa memória virtual – HD – há a memória temporária, onde pode, com alguma
sorte, ser recuperado o arquivo da inexistência concreta.
Nesse contexto, os lugares ainda existem, apenas se apresentam de forma
atualizada, em ícones que muitas vezes mascaram até mesmo a existência de um lugar-
origem que, nesse mundo virtual, pode ser um lugar-físico (hardware) ou um lugar-
linguagem (software). Assume-se que o concreto ainda é condição fundamental da
existência e da própria virtualização. Virtual por virtual, a realidade é sempre uma
virtualização do que está gravado em nossos cérebros. O mesmo acontece quando se está
no Ciberespaço - há um suporte físico que o sustenta, reforçando a concepção desse
ambiente como espaço, lugar “real” (SOUZA e COSTA, 2006).
Há uma metamorfose da realidade “real”, que já existia, para a virtual. A grande
mudança está na noção de espaço-tempo, não presença, velocidade/interatividade. A partir
da virtualização, não se pode mais dimensionar, mais propriamente no Ciberespaço, alguma
coordenada espaço-temporal. “O virtual existe sem estar presente.” Vive-se em outro
momento, no qual se encoraja um estilo de interação quase independente dos lugares
geográficos (telecomunicação, telepresença) e da coincidência dos tempos (comunicação
assíncrona). Apesar de não ser uma novidade absoluta, pois já se tinha de alguma
forma uma comunicação contínua, recíproca e a distância com a escrita, a gravação de som e
imagem, o rádio, a televisão, o telefone e a carta, a internet potencializou de uma forma
única a comunicação67.

67
LÉVY, 1999. pp.48, 49.
538
O mundo virtual, sustentado pelos aparatos tecnológicos, possibilita a existência do
Ciberespaço. Afinal, o Ciberespaço, como fundamentam os autores Souza e Costa (2005), é a
virtualização, a atualização em um lugar, de dados registrados em outro lugar,
interconectados por redes, e que, por suas características técnicas de programação, permite
a mediação da comunicação entre os seres humanos e com a própria cultura por eles
produzida, principalmente, se considerar que os dados que aparecem na tela do
computador, em um site, por exemplo, podem estar hospedados em um lugar físico do
outro lado do mundo.
As definições de Lévy (1999, pp. 44, 49, 92) acrescentam que o Ciberespaço é um
espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das
memórias dos computadores, sendo como um único computador em que não é possível
traçar seus limites e definir seu contorno, pois é um computador cujo centro está em toda
parte e a circunferência em lugar algum, um computador hipertextual, disperso, vivo,
fervilhante, inacabado. Além disso, suas particularidades técnicas permitem que os
membros de um grupo humano (que podem ser tantos quantos se quiser) se coordenem,
cooperem, alimentem e consultem uma memória comum, e isto quase em tempo real,
apesar da distribuição geográfica e da diferença de horários.
No entanto, pode-se afirmar que nem tudo que é virtual é Ciberespaço. Com o apoio
de Rosa (2001) a consideração a se fazer é que existe diferença entre off-line e on-line. A
primeira condição compreende as operações feitas com a máquina que está automatizada
para responder mecanicamente aos comandos enviados – o que corresponde pela utilização
operacional do computador pelo ser humano. Já a condição on-line pressupõe a relação, a
sociabilidade, a interatividade, a existência de um lugar para se entrar e sair – neste caso
está inserido o Ciberespaço.
Outro ponto que deve ser esclarecido é a compreensão de internet. A internet 68 pode
ser entendida por dois enfoques diferentes: como recurso tecnológico que interliga
computadores, sistema de comunicação (fios, cabos, fibra ótica, wireless) e como espaço,
ambiente de comunicação/interação – Ciberespaço. Ressalta-se, ainda, que atualmente a

68
Criada em 1970, constituía um grupo de computadores conectados entre si. Tim Berners-Lee, em 1989, com
a criação da WWW – World Wide Web – deu um passo importante para facilitar a navegação com apenas um
clique. A Internet só chegou no Brasil em 1993 (ALTMAN, 2004).
539
internet, a troca de informações está presente em diversos aparelhos. Antes o computador
tinha um único formato conhecido. Agora, seus componentes informáticos (captadores,
memórias, processadores, etc.) podem ser achados em outros “mecanismos”: cartões
eletrônicos, distribuidores automáticos, robôs, aparelhos eletrodomésticos, scanner, fax,
câmeras de vídeos, telefones, rádios, televisões, etc., ou seja, onde a informação digital seja
automaticamente processada. (LÉVY, 1996, p.47). Assim disseminada em diversos suportes,
a internet potencializa a capacidade de armazenamento de dados e informações que
contribuem para a permanência da memória tanto pelo caráter de resistência ao
esquecimento quanto pela possibilidade de acesso e reprodutibilidade/ compartilhamento
desses conteúdos.

A MEMÓRIA SOCIAL A PARTIR DE SOLANGE EPELBOIN


A partir de Solange Epelboin (2004), que estabelece distinções entre a memória
individual, compreendida enquanto processo psicológico básico, e a memória social /
coletiva, concebida como processo de construção grupal, entende-se a memória social capaz
de reunir aspectos coletivos e aspectos individuais, já que a memória envolve recursos da
ordem cognitiva, emocional e comportamental, localizados em sujeitos inseridos em
contextos sociais. Pode-se considerar a memória social com seus aspectos individuais
porque a sua construção dá-se por indivíduos que pela sua singularidade vão construir
(elaborar e estabilizar por via cognitiva) e reconstruir a memória por elementos diferentes
que variam de cada sujeito pela formação cognitiva e pelas influências social, cultural,
histórica, política que recebe. Há, no entanto, distinções entre a memória social e a memória
coletiva por parte de alguns autores, mas tal questão não será discutida nesse artigo,
adotando-se o termo memória social.
Epelboin (2004) recupera em Halbwachs a concepção de que o homem, enquanto
sujeito da coletividade, possui a memória individual, destacando que a mesma se inscreveria
em quadros sociais. Blondel (apud EPELBOIN, 2004) concorda com Halbwachs ao assinalar
que o passado apresenta continuidade, consistência e objetividade em função da
intervenção de fatores sociais, fatores esses que possibilitam ao sujeito inscrever-se em
quadros coletivos de memória, compartilhando com os sujeitos ao seu redor os

540
acontecimentos vividos. Ainda nesse sentido, o autor pondera que para Halbwachs a
memória não se resume a reprodução do passado e sim a reconstrução do mesmo a partir
de experiências coletivas. Para Sá (apud EPELBOIN, 2004), a característica construtiva da
memória humana não é tão fiel à conservação do passado, pois considera-se que há
fragmentos inventados e inseridos em histórias de vida para garantir a elas coerência e
continuidade.
Segundo Epelboin (2004), Halbwachs afirma que lembrar não consiste em reviver,
mas sim, refazer, reconstituir, com imagens e ideias de hoje as experiências do passado.
Logo, a memória não é sonho e sim trabalho. Também não é individual e sim coletiva, pois a
memória do indivíduo depende do seu relacionamento com a família, classe social escola,
enfim, dos grupos de referência e pertencimento do indivíduo em questão.

A lembrança, enquanto conservação total do passado, tornava-se


impossível na medida em que um adulto não poderia manter intacto o
sistema de representações, hábitos e relações sociais da sua infância. Isto
porque, qualquer mudança do ambiente atingiria a qualidade íntima da
memória, amarrando então a memória da pessoa à memória do grupo e,
esta última, à esfera maior da tradição, que representaria a memória
coletiva de cada sociedade. Como disse Halbwachs (1990, p. 26): “Nossas
lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros,
mesmo que se tratando de acontecimentos nos quais só estivemos
envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca
estamos sós” (EPELBOIN, 2004, p. 9).

Ainda abordando Halbwachs, Epelboin (2004) destaca que para este autor o sujeito
apresenta dois tipos de memória: uma individual e a outra coletiva. A primeira pode apoiar-
se na segunda, pois o sujeito ao recordar seu passado estaria estabelecendo relações com as
lembranças dos outros indivíduos do seu convívio social. Assim, o autor distingue a memória
interna, pessoal, denominada autobiográfica e a memória externa, social, intitulada
histórica. Halbwachs estabelece mais uma distinção entre a memória histórica e a coletiva:
enquanto a memória histórica demarca linhas rígidas de separação temporal, a memória
coletiva conta o limites temporais incertos, em que há múltiplas memórias possíveis e
destaca-se as semelhanças existentes entre as experiências individuais e aquelas referentes
aos membros que compartilhavam quadros sociais.

541
ANÁLISE DO SITE: BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL
Na última visita em 25 de novembro de 2014, a Biblioteca Digital Mundial - BDM
(www.wdl.org/pt/) tinha o total de 10.930 itens sobre 193 países do período entre 1200 a.C.
a 2000 d.C. para pesquisa. Para conhecer a estrutura da BDM é importante destacar alguns
marcos cronológicos para a sua constituição: - em junho de 2005 o bibliotecário do
Congresso dos EUA, James H. Billington, propôs a criação de uma Biblioteca Digital Mundial
para a UNESCO; - em dezembro de 2006 a UNESCO e a Biblioteca do Congresso co-
patrocinaram uma reunião de peritos com as principais partes interessadas de todas as
regiões do mundo que decidiu estabelecer grupos de trabalho para desenvolver normas e
diretrizes para seleção de conteúdos; - em outubro de 2007 a Biblioteca do Congresso e
cinco instituições parceiras apresentaram um protótipo da futura Biblioteca Digital Mundial
na Conferência Geral da UNESCO; - abril de 2009 a Biblioteca Digital Mundial foi lançada
para o público internacional com conteúdo sobre cada estado-membro da UNESCO.

Figura 1: Imagem do site.

A partir de uma pesquisa com o sintagma Brasil no acervo da Biblioteca Digital teve-
se 448 resultados em português. Para restringir a pesquisa, pelo critério de conteúdo do e
sobre o Brasil do século XIX, escolheu-se o conteúdo “Isabel, Princesa do Brasil” uma
fotografia da Coleção Thereza Christina Maria que é composta por 21.742 fotografias,

542
reunidas pelo Imperador Pedro II e por ele doadas à Biblioteca Nacional do Brasil - BN. A BN
disponibilizou para a Biblioteca Digital Mundial 373 imagens da coleção fotográfica em
versão digital – essa quantidade de fotos foi constatada pelo resultado obtido na busca do
site com o filtro Coleção Thereza Christina Maria. A coleção abrange uma ampla variedade
de temas. Documenta as conquistas do Brasil e do povo brasileiro no século XIX, e também
inclui muitas fotografias da Europa, da África e da América do Norte.

543
Figura 2: Seção com a fotografia: “Isabel, Princesa do Brasil”.

Esta fotografia mostra a Princesa Isabel, filha de Pedro II e, até a abolição da


monarquia, em 1889, a herdeira do trono Brasileiro. A imagem foi registrada por Joaquim
José Insley Pacheco (1830-1912), um dos mais célebres fotógrafos retratistas brasileiros da
época. Pacheco nasceu em Portugal e emigrou para o Brasil quando jovem. Entre 1849 e
1851, trabalhou em Nova Iorque, onde estudou com os fotógrafos Jeremiah Gurney e
Matthew Brady. Ao retornar ao Brasil, ele abriu um estúdio no Rio de Janeiro. Em 1855 ele
recebeu o título de Fotógrafo da Casa Imperial. Seus temas mais conhecidos foram os
integrantes da família real, personalidades do mundo da política e da aristocracia brasileira.
Ele foi, também, pintor e desenhista, deixando contribuições técnicas ao desenvolvimento
da fotografia (BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL, 2013).
A Biblioteca Digital Nacional apresenta na página analisada a fotografia da princesa
Isabel com a possibilidade de fazer o download da imagem (Figura 3) e de ouvir o conteúdo
que está na linguagem verbal escrita, demonstrando acessibilidade ao conteúdo. Nesse
conteúdo há as informações de que a fotografia pertence a Coleção Thereza Christina Maria
do Imperador Pedro II, registra a imagem da princesa Isabel, filha do imperador, e a
trajetória do fotógrafo Pacheco que a tirou. Outras opções disponíveis são um botão para
acessar outros itens da instituição (Biblioteca Nacional do Brasil) que cedeu a fotografia em
versão digital para a BDM; links com imagens de itens semelhantes ao conteúdo; mapa com
a localização do país a qual pertence o conteúdo e a opção de compartilhar a publicação
através de redes sociais digitais, como Facebook e Twitter, e por e-mail.

544
Figura 3: Fotografia original (obtida com o download).
Fonte: Biblioteca Digital Mundial, 2013.

Existe, também, uma espécie de ficha catalográfica com nome do fotógrafo: Pacheco,
Joaquim José Insley (1830-1912); data de criação: 1883 d.C.; data do assunto: 1880 d.C. a
1890 d.C.; idioma: português; lugar: América Latina e Caribe – Brasil; tópico: História e
geografia – História da América do Sul – Brasil; Outras palavras-chave: Família Real; Isabel,
Princesa do Brasil. 1846-1921; Memória do mundo; retratos fotográficos; tipo de item:
imagens, fotografias; descrição física: 30X24 centímetros; coleção: Coleção Theresa Chistina
Maria; instituição: Biblioteca Nacional do Brasil; Recursos externos:
//hdl.loc.gov/loc.wdl/brrjbn.112 - link que remete a Biblioteca Nacional Digital Brasil
(http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.html) que traz outras informações sobre a obra
(Figura 4). Todas essas informações são apresentadas como botões que podem ser clicados
para pesquisar outros itens relacionados àquela informação. Ao final, tem-se a data da
última atualização daquela seção da página: 20 de fevereiro de 2013.

545
Figura 4: Informações adicionais da fotografia.

Além de propiciar o acesso a livros, mapas, manuscritos, fotografias, dentre outros,


de diversos países, a Biblioteca Digital Mundial figura como um projeto que disponibiliza na
internet, gratuitamente e em formato multilíngue, materiais provenientes de países e
culturas de todo o mundo com os objetivos de promover a compreensão internacional e
intercultural; expandir o volume e a variedade de conteúdo cultural na internet; fornecer
recursos para educadores, acadêmicos e o público em geral e desenvolver capacidades em

546
instituições parceiras, a fim de reduzir a lacuna digital dentro dos e entre os países,
conforme está disponível no site.
Assim, permite ser um instrumento que potencializa o trânsito entre as culturas pela
possibilidade de acesso a conteúdos de diversos países e pelos conteúdos serem permeados
de links que se interconectam em uma construção hipertextual quase infinita, algo que
facilita as interconexões. No site os internautas tem a facilidade de conhecer conteúdos com
apenas alguns cliques e com todas as opções que a internet propicia de compartilhar o
conteúdo e a partir dele inserir comentários e opiniões, um recurso que facilita o acesso e
potencializa a resistência ao esquecimento com uma prática de construção de memória
social. Afinal, a memória social/coletiva é um processo de construção grupal que reunir
aspectos coletivos e aspectos individuais, já que a memória envolve recursos da ordem
cognitiva, emocional e comportamental, localizados em sujeitos inseridos em contextos
sociais que podem estar permeados por recursos tecnológicos que facilitam a perpetuação
da memória como uma extensão do homem.

CONCLUSÃO
O ciberespaço potencializou a mudança de diversos paradigmas ao redor do mundo,
principalmente no que diz respeito ao acesso irrestrito a informações e em relação aos
lugares de memória não foi diferente. Pode-se concluir, a partir das abordagens teóricas
deste artigo, que o ciberespaço vem figurando no cenário atual como um importante lugar
para a construção, manutenção e resgate da memória social. Isso porque o ambiente
interativo, dinâmico e de fácil acesso permite que as informações relacionadas a
determinado grupo social sejam visualizadas ao redor do mundo, dispensando a presença
em um lugar físico.
A memória social pensada para este cenário torna-se flexível e ganha as fronteiras
geográficas internacionais, permitindo o acesso às diversas culturas. Além disso, a memória
social ganha a possibilidade de ser ampliada, já que o ciberespaço permite a contribuição
dos indivíduos nos conteúdos disponibilizados. O presente trabalho explorou o site da
Biblioteca Digital Mundial para exemplificar como o ciberespaço potencializa a
representação social e os dados disponibilizados sobre diversos países, o que desencadeia

547
uma construção coletiva da memória, disponibilizada em único lugar. Pois, segundo Epelboin
(2004), a memória social deve ser compreendida com a função de afirmar a identidade dos
grupos para servir a integração e continuidade destes e para reconstruir o passado segundo
interesses particulares destes conjuntos.
REFERÊNCIAS
ALTMAN, Fábio (Org.). A arte da entrevista. São Paulo: Boitempo, 2004. pp. 454-459
ALVES, Glória da Anunciação. Cidade, Cotidiano e TV. In: CARLOS, A. F.(org.) A geografia
na sala de aula. 1999. In: DUARTE, M. de B. (et all). Reflexões sobre o espaço geográfico a
partir da fenomenologia. Revista eletrônica: Caminhos de Geografia, vol. 6, n.º 16. Artigo
17. pp. 190-196. Minas Gerais: Instituto de Geografia/UFU. 2005. Disponível
em: www.caminhosdegeografia.ig.ufu.br/viewissue.php?id=43. Acesso em 17 out. 2014.
BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL. Informações sobre a foto “Isabel: Princesa do Brasil”,
2013. Disponível em http://www.wdl.org/pt/item/112/#q=Brasil. Acesso em 10 nov. 2014.
EPELBOIN, Solange. Memória individual e memória social / coletiva: Considerações à luz
da psicologia social. Memorandum, vol. 7, pp. 18-31, 2004. Disponível em
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/epelboim01.htm. Acesso em 25 out.
2014.
GIBSON, William. Neuromancer. Tradução de Abdoulie Sam Boyd e Lumir Nahodil. São
Paulo: Aleph, 1984.
HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à
multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. Disponível
em estelawilleman.multiply.com/journal/item/45/45. Acesso em 18 set. 2014.
LEMOS, A. Ciberespaço e Tecnologias Móveis: Processos de Territorialização e
Desterritorialização na Cibercultura. 2005. (artigo) Disponível em
www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/territorio.pdf. Acesso em 31 out. 2014.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34,
1999.
___________. O que é o virtual? Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1996.

548
PACHECO, Joaquim José Insley. Fotografia: “Isabel: Princesa do Brasil”, 1883. In:
BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL. Fotografia: “Isabel: Princesa do Brasil”, 2013. Disponível em
http://www.wdl.org/pt/item/112/#q=Brasil. Acesso em 10 nov. 2014.
ROSA, Jorge Martins. Cibercultura “em construção”. In: Revista de Comunicação e
Linguagens, n.º 28 – “Tendências da Cultura Contemporânea”, Lisboa: Relógio d'Água, 2001.
p. 319-332. Disponível em: www.dedalusjmmr.net/artigos/academicos/ciberconst. Acesso
em 18 set. 2014.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Comunicação e Novas Tecnologias. Rio de Janeiro:
FAFIC, 2003.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros; COSTA, Marco Aurélio Borges. Abordagens
Antropológicas e sociais no (não) lugar. In: Revista Espaço Acadêmico. n.º 62. julho/2006.
Disponível em: www.espacoacademico.com.br/062/62souzacosta.htm. Acesso em 05 nov.
2014.
___________. Fronteiras do Ciberespaço. In: Revista Vértices. vol.7, n.º 1. Campos dos
Goytacazes: Essentia, 2005. p.105-114.
SOUZA, E. A., PEDON, N. R. Território e Identidade. In: Revista Eletrônica da Associação
dos Geógrafos Brasileiros, Seção Três Lagoas – MS, vol.1, n.° 6, 2007. pp. 126-148.
SPENCER, Herbert. Biografia. UOL Educação. Disponível em: educacao.uol.com.br/
biografias/herbert-spencer.jhtm. Acesso em 10 out. 2014.
ZARTARIAN, Vahé; NÖEL, Emile. Cibermundos, Que Futuro? Porto: Editora Ambar, 2002,
p. 8, 9. Disponível em intermezzo-weblog.blogspot.com/2005/04/o-que-ciber.html. Acesso
em 21 set. 2014.

549
GT 03 – Pesquisas Interdisciplinares em Educação e Saúde

SER/ESTAR DRAG QUEEN: O VESTIR-SE DE UM GÊNERO

Adalberto Romualdo Pereira Henrique


Universidade Católica de Petrópolis – UCP

Thiago de Abreu Loures


Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar os discursos da participante sobre o ser/estar


drag queen, as questões de gênero, vida noturna, sexualidade, vestuário e performances nos
shows. As drag queens são símbolos da expressão da comunidade LGBTTT (Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Elas são a explicitação de um personagem
ousado, divertido, carregando e expondo os questionamentos sobre os valores sociais e
morais, principalmente no que se refere a uma normatização heterossexual do
comportamento humano. A inserção e a aceitação das drags queens no cenário noturno e
parcialmente no cenário social foram facilitadas pelas suas performances lúdicas e satíricas,
participando em âmbitos políticos e sendo presenças marcantes nas Paradas do Orgulho
Gay. Este artigo consiste em um estudo de caso e para o seu desenvolvimento,
entrevistamos a drag queen Amanda Fierce, residente na cidade de Juíz de Fora-MG.
Palavras-chave: Ser. Estar. Drag Queen. Gênero

INTRODUÇÃO
A música I will survive gravada e interpretada pela primeira vez pela cantora norte-
americana Gloria Gaynor no final da década de 70, foi criada segundo a autobiografia da
cantora intitulada “Gloria Gaynor: I Will Survive” (1998) com o objetivo de denunciar a
discriminação de mulheres negras, mas devido ao contexto da década de 70 marcado pelas
baladas da Era Disco, os homossexuais que tinham maior espaço dentro das boates da
época, contribuíram para o sucesso de I will survive, transformando-o em um hino da
comunidade gay. Além disso, ao analisarmos a letra da música, observamos uma mensagem
de força e superação ao preconceito como podemos ver no trecho a seguir (minha
tradução): “E eu passei muitas noites só sentindo pena de mim mesma. Eu costumava chorar.
Mas agora eu mantenho minha cabeça bem erguida”. (Gloria Gaynor – I will survive, 1978).
Anos mais tarde, a música foi incluída na trilha sonora do filme australiano de temática gay

550
“As aventuras de Priscila, a rainha do deserto” (1994) que conta a história de duas drag
queens e uma transexual.
De acordo com Trevisan (2000) a efervescência do movimento Drag Queen no Brasil
se deu na década de 90, apesar de que segundo o autor, este fenômeno já ocorria desde a
década de 70. A inserção e a aceitação das drags queens no cenário noturno e parcialmente
também no cenário social, foram facilitadas devido a suas performances lúdicas e satíricas,
participando em âmbitos políticos e sendo presenças marcantes nas Paradas do Orgulho
Gay.
Drag queens e travestis são distintos. Embora socialmente ambos sejam
categorizados como homens que se vestem de mulher, eles estão inseridos em meios sociais
distintos, uma vez que as drag queens atuam sob um conceito mais flexível de travestismo.
Embora sejam atores transformistas, as drags distinguem-se dos travestis por andarem, em
seu cotidiano, vestidos de homens, exercendo profissões diversas, podendo ser
heterossexuais, homossexuais, bissexuais e etc, já as travestis utilizam próteses de silicone e
hormônios na constituição de seus corpos femininos, permanecendo travestidas em seu
cotidiano, porém não de maneira exagerada e caricata. Para as transformistas o tempo
define o masculino e feminino. Seus corpos são modificados através da maquiagem, roupas,
espumas para formar os seios e quadris. Diante de uma transformista montada é difícil
reconhecer se é homem, mulher, travesti ou transexual. O ato da transformação tem como
objetivo ocultar o masculino. A diferença entre transformistas e drag queens refere-se ao
fato de que essas últimas não têm a preocupação das transformistas em parecer mulher. A
maquiagem é carregada, as roupas são exageradas, altas plataformas, cabelos coloridos e
etc. (SILVA; FLORENTINO, 1996).
De acordo com estudo realizado por Vencato (2000) sobre as drag queens nas casas
noturnas, foi observado que o público presente nestas casas, freqüentadas por drags,
mesmo que tenha uma imagem pré-formada de um travesti, nestes espaços as diferenças
entre travestis e drags se tornam mais claras, atribuindo as performances das drag com as
artes cênicas e interpretativas: dublam, dançam e encenam. Além disso, enquanto os
travestis permanecem vestidos de mulher em seu cotidiano, as drags não.

551
As drag queens têm maiores facilidades de se situarem nos universos heterossexual e
homossexual, pois elas se inserem nos espaços sociais e culturais através de suas
performances artísticas, enquanto que os travestis são associados à prostituição, sofrendo
assim, a exclusão social.

DRAG QUEENS E A DANÇA VOGUE


Através do surgimento da cultura club (conhecidos atualmente como bares
alternativos) em Nova York no início dos anos 80, as drag queens se tornaram um fenômeno
desses ambientes, em suas apresentações elas dublavam, desfilavam e dançavam músicas
com o objetivo de divertir os clubbers (nome dado ao público que frequentava esse
ambiente e era tido como sendo a minoria cultural da época: comunidade homossexual
latina e afro-americana). O aparecimento das drag queens repercutiu na vida noturna nova-
iorquina, impulsionando o ato e movimento de “montar”.
Através do documentário Paris Is Burning da diretora Jennie Livingston, gravado na
década de 80 e lançado no início da década de 90, podemos observar o universo dessa
cultura club e conhecer um pouco sobre o surgimento e o desenvolvimento das drag queens
e da dança Vogue, que de acordo com Maria (2013) nasceu dentro das prisões americanas,
onde os detentos gays, negros e latinos, sem acesso às diversas mídias e com uma
necessidade incontrolável de se expressar, começaram a se inspirar através dos (das)
modelos das revistas de moda, com enfoque na revista de moda Vogue. Esta dança consiste
na realização de poses dos (das) modelos encontrados em fotos de revista. Neste estilo de
dança a expressão de feminilidade, personalidade e glamour dos ensaios fotográficos, são
transformados em movimentos firmes, complexos, alongados e, sobretudo muito rápidos,
não sendo praticada somente pelo público gay, foi nesse contexto que as drag queens de
Nova York, baseando-se na Vogue começaram a dançar, usando os gestos exagerados e
poses elaboradas na frente de espelhos dos clubes. Esse estilo de dança também pode ser
visto no clip da música Vogue (imagem abaixo) gravada pela cantora americana Madonna e
lançada em 1990.

552
Fonte: http://sophia.smith.edu/

CORPO E GÊNERO NA CONSTRUÇÃO DO INDIVÍDUO MASCULINO


Socialmente carregamos responsabilidades de comportamentos. Somos destinados a
desempenhar atividades e atributos conforme o gênero de cada um, sendo socialmente
masculino e feminino. Sendo assim, analisando o panorama geral desse processo, segundo
Santos (2012) afirmamos que a partir do momento em que se reconhece o órgão genital de
um embrião humano, uma carga concentrada de expectativas é impressa automaticamente
sobre aquele organismo.
De acordo com Lévi-Strauss (1982) o homem é um ser biológico e ao mesmo tempo
um ser social, ou seja, a masculinidade do indivíduo está intrinsicamente afirmada não
apenas na materialidade corporal, mas na totalidade das condutas e posturas com as quais
se interage com os outros indivíduos do seu meio.

O gênero torna-se antes, uma maneira de indicar as construções sociais. A


criação inteiramente social de ideias sobre os papeis adequados aos
homens. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das
identidades subjetivas dos homens. O gênero é, segundo esta definição,
uma categoria imposta sobre um corpo sexuado (SCOTT, 1990, p. 7).

Para Almeida (1995) o sujeito masculino não é somente um modelo com caracteres
sexuais, mas sim, um conjunto de atributos morais de comportamento, socialmente
admitidos e relembrados, assim, para Santos (2012) os gêneros são construções
estabelecidas com o intuito de regular as interações entre os indivíduos em determinado
espaço, do outro lado deve existir um agente que comanda e reproduz os sentidos que
participam nesses processos de diferenciação.
553
DRAG QUEEN: O VESTIR-SE DE UM GÊNERO
Os cabelos na maioria das vezes longos, produção impecável através de vestidos
glamorosos, saltos altos e muitas cores. Vestir-se de um gênero, olhar-se, se encontrar no
espelho e sair nas ruas de forma diferente, isso é a drag queen. Através da fantasia, segundo
Santos (2012) os comportamentos que antes eram sufocados pelo controle ético dos
sistemas de poder adquirem permissividade pelos mecanismos de inversão de categorias,
como por exemplo, o universo dos gêneros.
De acordo com um estudo realizado por Green (2000) as demonstrações explícitas de
gêneros e outras apropriações através de paródias do universo simbólico feminino na
cultura popular do país aparece de modo constante. Esses comportamentos podem ser
observamos no decorrer das festividades de carnaval, onde os homens assumidos
socialmente heterossexuais muitas vezes se expressam na forma lúdica através dos
conceitos de gênero de forma temporária.
O ato de se montar com as características do gênero oposto e estar na fronteira entre
os universos masculino/feminino, apresentando um corpo produzido para o espetáculo, são
originários atribuídos pela indústria audiovisual, através da televisão, dos clips musicais e do
cinema que reflete nos espaços de sociabilidade LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Transgêneros). Através das informações midiáticas ás vezes
errôneas, são impressas na sociedade a imagem de que ser drag queen é sinônimo de
termos como: palhaço de luxo, rainha dragão, travesti entre outros.
Observamos no quadro abaixo que a homossexualidade pode ser evidenciada de
diferentes formas baseadas na conduta e/ou na identidade sexual de cada indivíduo.

554
HSH Homens que fazem sexo com homens.
Esta sigla é utilizada principalmente pelos
profissionais da saúde para se referirem a
homens que mantém relações sexuais
com outros homens, independente
destes terem identidade sexual
homossexual.
Homossexuais Indivíduos que tem orientação sexual e
afetiva por pessoas do mesmo sexo.
Gays Indivíduos que se relacionam afetiva e
sexualmente com pessoas do mesmo
sexo, assumindo estilo de vida de acordo
com sua preferência.
Lésbicas Refere-se às homossexuais femininas

Transgêneros Engloba tanto travestis quanto


transexuais. Fisiologicamente é um
homem, mas se relaciona com o mundo
como mulher.
Transexuais Pessoas que não aceitam o sexo que
ostentam anatomicamente. Sendo o fato
psicológico predominante na
transexualidade, o indivíduo identifica-se
com o sexo oposto, embora dotado de
genitália externa e interna de um único
sexo.
Drag queen Atores transformistas (homossexuais ou
não) que no seu cotidiano andam
vestidos de homem, exercendo profissões
diversas, não afeitas ao transformismo
durante o dia.
Fonte: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da
cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde. 2004, p. 30

555
Vencato (2002, p. 67) nos apresenta alguns estilos de drag queens juntamente com
algumas definições:

Fonte: Vencato, 2002.

METODOLOGIA
Este artigo consiste em um estudo de caso que segundo Yin (2005), este tipo de
pesquisa contribui com o “conhecimento dos fenômenos individuais, organizacionais,
sociais, políticos e de grupos”. (p. 20)
Para o desenvolvimento desta pesquisa, entrevistamos a drag queen Amanda Fierce
(Juíz de Fora-MG) que após a apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
foi entrevistada em agosto de 2014. Foi utilizado um gravador para registrar o áudio e após a
entrevista os discursos foram transcritos literalmente segundo autorização da participante.
Foi utilizado para guiar a entrevista um formulário com questões semiestruturadas
abordando sobre os processos de criação e montagem da personagem. Para análise do
material utilizamos a análise de enunciação, na qual a comunicação segundo Minayo (1999)
é vista como um processo e o discurso como ato. Nesta perspectiva, a entrevista tem um
lugar de destaque, sendo um discurso dinâmico e espontâneo. Temos como objetivo
analisarmos os discursos da participante sobre o ser/estar drag queen, as questões de
gênero, vida noturna, sexualidade, vestuário e performances nos shows.
556
ANÁLISE DOS DADOS
O quadro a seguir nos apresenta a identificação da participante.

Nome de drag Idade Escolaridade Orientação Ano em que


queen sexual começou a se
montar
Amanda Fierce 23 Ensino Homossexual 2010
Superior
completo
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

No dia da entrevista fui recebido por um rapaz branco, de olhos castanhos claros,
cabelo raspado, pé tamanho 42 e medindo 1,86 de altura, não lembrando em nada a sua
personagem drag Amanda Fierce, cuja escolha do nome Amanda foi baseado na drag queen
nova iorquina Amada Lepore e Fierce que simboliza força, foi baseado no alterego da
cantora Beyoncé. De acordo com Zimerman (2012),

[…] alter ego ou alterego (do latim alter = outro egus = eu) é um termo
criado por Freud para conceituar coisas que estão no Ego de uma
determinada pessoa, as quais podem ser transferidas para uma outra, que
passa a funcionar como se fosse uma duplicata da primeira pessoa (p. 54)

Segundo a participante, no ato de montar e em suas performances nos shows, ela


segue a linha diva pop, ou Top-Drag(tendo como inspiração personagens da Disney e
cantoras pop americanas:

“A Jessica Rabbit sempre foi uma das maiores inspirações, minha marca é o cabelo
vermelho, então quando sou associada à Jessica Rabbit ou Ariel (a pequena sereia)
fico muito feliz. Amanda Lepore, Beyonce, Katty Perry, Christina Aguilera, sempre
gostei de divas pops, então sigo algumas tendências delas”.

A entrevista foi divertida e um verdadeiro mergulho no universo drag queen através


da riqueza de informações obtidas através da nossa participante, nesse artigo irei me referir
sempre no substantivo feminino, já que o objetivo é conhecer o universo drag queen da
personagem citada.
557
Em seu guarda roupas encontramos inúmeros acessórios, vestidos, esparadrapo
(material utilizado para ajudar a fixar a peruca e a prender/esconder o órgão genital), 25
pares de salto altos e perucas de cabelo natural.
O cabelo para a drag quenn é de suma importância, pois além de caracterizar sua
identidade, ele é um instrumento no momento dos shows, que segundo Amanda Fierce:

“O cabelo é o manto da mulher, poucas drags conseguem manter uma personagem de


cabelo curto, o cabelo longo representa a feminilidade (...) o bate cabelo é uma modalidade
de show, onde a drag queen mostra sua resistência ao fazer todos os movimentos conforme
a musica, mas aos poucos essa modalidade está ficando de lado e estão dando mais
importância para algo coreografado ou simplesmente bem dublado como era no inicio”.

Amanda Fierce afirma que em 4 anos que se monta já gastou mais de 7 mil reais para
suas produções e diz que confecciona na maioria das vezes seus acessórios e suas próprias
roupas devido à dificuldade em encontrar vestidos por causa das proporções do seu corpo,
os sapatos são importados comprados em lojas específicas, e sobre os sapatos ela diz: “se a
forma não fechar não importa a dor e sim a beleza”. Desde criança Amanda sempre teve
interesse pela construção da beleza feminina através dos saltos e maquiagens, mas foi com
16 anos de idade através de um vídeo no Youtube da drag queen paulistana Labelle Beauty
que a ideia de começar a experimentar esse universo começou a ser amadurecida, mas a
primeira aparição como Amanda Fierce foi aos 18 anos através de um concurso de novos
talentos ocorrido em Juíz de Fora-MG no ano de 2010. Todo o processo de montagem da
drag Amanda demora cerca de 3 horas, incluindo a maquiagem, roupa e colocação de
acessórios. Quanto à maior curiosidade por parte de muitos, não pude deixar de questioná-
la:

Como se dá o processo para esconder o órgão genital?

“Há varias maneiras, eu uso duas básicas. Se a produção for de vestido ou algo que
não marque a virilha, uso duas calcinhas para prender o órgão. O homem quando

558
está sendo gerado no útero, os testículos são gerados internamente e depois descem
para a bolsa escrotal, o local onde o testículo foi formado não fecha, então nós
empurramos os testículos para aquele espaço novamente, puxamos o pênis para trás
e prendemos tudo com uma calcinha bem apertada. Mas se for algo de virilha
marcada, ou tapa sexo, fazemos o mesmo processo e prendemos tudo com
esparadrapo depois”.
O ato de montar segundo nossa entrevistada, é simplesmente por prazer:

“detesto obrigações e no momento em que minha drag se tornou obrigação, que


comecei a fazer shows por necessidade, não por que eu gostava daquela música e sim
porque eu sabia dublar ela e precisava de algo montado em pouco tempo, comecei a
perder um pouco do gosto pela personagem. Hoje em dia só me monto para ir onde
estou afim de ir ou por convite de amigos que organizam festas”.

Em meio a tantos objetos coloridos e até mesmo luxuosos, a entrevista foi iniciada
sobre o que é ser drag queen.

Quadro 2. O que é ser drag queen


O termo drag queen tem duas “conotações”, na tradução literal seria “Rainha
dragão/dragão rainha” onde algumas drags usam esse termo pra mostrar que elas são
o exagero da mulher, saltos muito altos, cílios enormes, cabelo grande e assim por
diante. E outras acreditam que o termo “Drag” seja uma sigla D.R.A.G = Dressing as a
girl (vestindo como uma menina). Cada um sabe o que sua personagem representa,
algumas utilizam a drag pelo ego de estar no palco, ser o centro das atenções. Eu
utilizo minha drag como uma gueixa. As gueixas são mulheres mal compreendidas,
poucos sabem o que a arte realmente representa. Gueixas são a arte em movimento,
obra-prima que respira, elas não precisam ser exageradas. Quero ser bela para quem
contrata, preenchendo os olhos de quem aprecia, a beleza está na sua existência, na
sutileza do movimento, na delicadeza do feminino, no sorriso natural de quem está
amarrada sem respirar direito, sobrecarregada pelo peso das roupas, com calor por

559
conta da peruca e adereços, desequilibrada pelo sapato absurdo, não perder a
postura e agir como se fossem plumas. Mas nada incomoda quando fazemos o que
gostamos.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

Observamos no discurso de Amanda que drag queen está relacionada ao exagero, às


cores, mas também a alguns sacrifícios como suportar o peso de algumas produções e o
calor excessivo ocasionado pela peruca. A nossa entrevistada se monta seguindo a linha do
não exagero, objetivando ser e ficar linda diante dos olhares do público “ser bela para quem
contrata, preenchendo os olhos de quem aprecia, a beleza está na sua existência, na sutileza
do movimento, na delicadeza do feminino, no sorriso natural”.

Quadro 3. Como é SER drag queen


Ser drag queen é uma luta constante, é fazer o desfavorável pela vontade de fazer
algo que gosta, é passar por situações que depois você releva pela felicidade que o
momento te proporcionou, é muito gratificante pelas pessoas que sabem apreciar
toda a dedicação que temos pelo nosso personagem.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

As drag queens cotidianamente enfrentam o preconceito social, mas muitas vezes o


maior preconceito está dentro do próprio lar, pela não aceitação e/ou omissão por parte da
família, que ás vezes tem a ciência da existência de um membro drag queen, mas “finge” não
saber, evitando possíveis confrontos e dissabores, como podemos observar na fala a seguir:

“Minha mãe sabe, mas nunca viu foto. Meu pai teoricamente não sabe, mas acho que já viu
alguns pares de salto alto. Meu irmão sabe e nunca me contou nada, fiquei sabendo pela
minha cunhada quando contei pra ela, depois de um tempo ela me falou que já sabia antes
que eu falasse, mas ela estava esperando minha iniciativa. Tenho 3 primas que sabem pela
minha boca. O restante da família, quem sabe foi por fofoca alheia”.

560
As dificuldades desse universo também se estendem às casas noturnas, que em sua
grande maioria segundo a experiência vivida por Amanda e suas colegas em algumas cidades
como Juíz de Fora-MG, Rio de Janeiro-RJ e São Paulo-SP oferecem baixos cachês pelos
shows, variando entre R$ 100,00 a R$ 250,00 reais, desvalorizando e não cobrindo o
investimento em produções e planejamentos das apresentações. Na maioria das vezes, os
lucros só podem ser obtidos quando as drags são contratadas para apresentações em outras
cidades, assim, o valor, incluindo (passagem, hospedagem, confecção da roupa e
apresentação) pode ser estipulado pela artista.
No quadro abaixo observamos o discurso da nossa participante sobre como é estar
drag queen.

Quadro 4. Como é ESTAR drag queen


Estar drag queen é uma máscara. É um personagem que construímos em base da
mulher que apreciamos ou gostaríamos de ser, estar drag queen é permitir que toda
sua feminilidade seja liberada naquele momento da forma que achar que vai te fazer
feliz, se sua drag não te faz feliz, está fazendo algo errado.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

As drag queens são sinônimos de alegria. Aonde chegam, atraem os olhares das
pessoas através das roupas, maquiagem, cabelo, do jeito irreverente de serem e pelas
performances no palco.

Quadro 5. A sensação de estar no palco.


Subir no palco é sempre um frio na barriga, fazer um show é sempre um tiro no
escuro. As pessoas podem gostar ou não. Já tive shows que não foi interpretado pelo
publico e terminou com cara de “ué”, já tive show que fui aplaudido e considerado o
melhor da noite. É tudo uma questão de dia e o que a musica representa pro publico,
se é algo que tá no auge e tudo mundo curtindo, ou uma musica que remete a algo na
vida deles e o show emociona de alguma forma.

561
O palco é o momento de glória de uma drag queen, é o lugar onde ela expressa sua
arte e explora através de coreografias e ao som de músicas toda a sua corporeidade. É o
lugar de colher os frutos de todo um trabalho realizado através de costuras, apliques,
maquiagens e etc., para que ocorra a aceitação do público por meio de uma performance.

CONCLUSÃO
O ser/estar drag queen é uma luta para romper preconceitos e ter o trabalho
reconhecido. É deixar ser liberada através das cores, roupas, salto altos e gestos toda a
feminilidade sufocada pela sociedade, é colocar no universo preto e branco um pouco de
rosa, purpurina e alegria, celebrando assim, a rainbow fest, a festa do arco-íris.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. V. Senhores de si: uma interpretação antropológica da masculinidade.
Lisboa: Fim de Século, 1995.
CÂMARA DOS DEPUTADOS (BR). Brasil sem Homofobia: Programa de Combate à
Violência e à discriminação contra GLTB e de Promoção da cidadania homossexual. 2. ed.
Brasília (DF): Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações; 2004.
GAYNOR, G. I will survive. New York. Ed. St. Martin’s Press. 208 p. 1998
GREEN, J. N. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX.
São Paulo: UNESP, 2000.
LÉVI-STRAUSS, C. Ciência e saber. Rio de Janeiro: Graal. 1982
MARIA, N. Da diáspora: danças com negra(i)atitude – Vogue. 2013. Disponível em
<http://blog.radardaproducao.com.br/danca/3770/da-diaspora-dancas-com-negraiatitude-
vogue/>. Acesso em: 12 set. 2014.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec,1999
SANTOS, A. C. ‘Entre duas mulheres isso não acontece'– Um estudo exploratório sobre
violência conjugal lésbica. Revista Crítica de Ciências Sociais, 98, 2012.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. IN: Mulher e realidade: mulher e
educação. Porto Alegre, Vozes, V. 16, nº 2, jul/dez de 1990

562
SILVA, H. R. S. FLORENTINO, C. O. A sociedade dos travestis: espelhos, papeis e
interpretações. In R. Parker R. M. BARBOSA (Orgs.) Sexualidades Brasileiras. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará; ABIA; IMS/UERJ. 1996
TREVISAN, J. S. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil da
colônia a atualidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman,
2005.
VENCATO, A. P. “É luxo!”: algumas drags e outras histórias de carnaval na Ilha de Santa
Catarina., PPGAS, UFSC, Mimeo, 2000.
______. “Fervendo com as drags”: corporalidades e performances de drag queens em
territórios gays da Ilha de Santa Catarina. Dissertação de mestrado. Centro de Filosofia e
Ciências Humanas. 124 p. Universidade Federal de Santa Catarina. 2002
ZIMERMAN, D. E. Etimologia de Termos Psicanalíticos. Artmed. p. 54. 2012.

563
ÁGUA: BEM COMUM PARA AS ESCOLAS E PARA A VIDA

Francimara de Assis da Silva Faria Antas


Universo

RESUMO: O elemento fundamental para o viver encontra-se na água, que possui várias
funções diante do homem, sendo a principal a de lhe prover a vida. Podemos engajar neste
pensamento o ato de distribuir a responsabilidade de preserva-la através dos educandos e
dos educadores nas unidades de ensino. Para isso elaborar um conjunto de propostas que
possam contribuir a formulação de políticas públicas em favor de escolas sustentáveis é o
objetivo principal deste artigo. Para se ter uma escola sustentável se faz necessários três
fundamentos ,os quais são o espaço físico, gestão e currículo.
Palavras-chave: Água. Educando. Escola. Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO
Sabemos que a água é o bem essencial para todos, é de suma importância saber
preserva-la; para isso devemos incutir nos discentes, desde a educação infantil até o resto de
sua vida sua a importância, pois se a estrutura do infanto-juvenil for bem “construída” eles
saberão cuidar da água para sempre. Instruir a criança desde pequena sobre a importância
da água não é apenas o dever dos pais é uma das suas principais responsabilidades, pois fará
deste, um cidadão plenamente consciente dos seus deveres e responsabilidade com relação
não apenas da natureza, mas em todos os âmbitos de sua vida. A conscientização sobre a
preservação do meio ambiente e especialmente da água tem inicio de forma simples, fazer
um passeio com o individuo mostrando a importância da água para cada ser vivo, incentiva-
lo a não jogar lixo nas encostas dos rios e lagos, falar para eles que a agua é a base de tudo,
sem ela não haveria vida , esta composição tão simples é muito importante para a
preservação da existência da espécie humana ,esta é tão significante que a Terra é
chamada de planeta água.
As percentagens concretas sobre o gasto da água em cada setor da Terra, segundo
GOMES (2014) é:

A Terra possui 1,4 milhões de quilômetros cúbicos de água, mas apenas


2,5%, desse total, são de natureza doce. Os rios, lagos e reservatórios de
onde a humanidade retira o que consome só correspondem a 0,26% desse
percentual. Daí a necessidade de preservação dos recursos hídricos. Em
todo mundo, cerca de 10% da água disponibilizada para consumo são
564
destinados ao abastecimento público, 23% para a indústria e 67% para a
agricultura. A água doce utilizada para consumo humano é proveniente das
represas, rios, lagos, açudes, reservas subterrâneas e em certos casos do
mar (após o processo de dessalinização). A água para o consumo é
armazenada em reservatórios de distribuição e depois enviada para
grandes tanques e caixas d’água de casas e edifícios. Após o uso, a água
segue pela rede de captação de esgotos. Antes de voltar à natureza, ela
deve ser novamente tratada, para evitar a contaminação de rios e
reservatórios.

O desequilíbrio ambiental tem afetado de forma impactante os rios, mares e calotas


polares. Onde os níveis dos rios tem baixado gradativamente afetando até os reservatórios
das grandes cidades. De acordo com ROSA (2014) o nível dos quatro reservatórios que forma a
bacia do Rio Paraíba do Sul está em 23%. A quantidade de água é suficiente para garantir o
abastecimento agora na estiagem, mas é pouco se a gente considerar que a chuva só deve
aumentar a partir de novembro. Até lá, a previsão é que o nível das quatro represas fique abaixo
de 10%.
“Se chover dentro da média, entraremos em 2015, após com a pior situação de todos os
tempos, explica o geólogo especialista em recursos hídricos”. (ANDRADE, 2014)
Desde julho de 2014 vem sendo discutido a respeito dos níveis baixos nas represas, mas a
população e os governantes não chegaram a um denominador comum para amenizarem este
problema.
O nível dos reservatórios na Bacia do Rio Paraíba do Sul caiu mais 5% nos últimos 30
dias. De acordo com o monitoramento realizado diariamente pela ANA (Agência Nacional de
Águas), nesta segunda-feira (16), as represas da região operam com 31,3% da capacidade
total. Em 16 de maio, a média do nível dos reservatórios era de 36,7%.PEREIRA( 2014)
Diante de tais considerações fica subentendido que, se não houve a preservação
deste recurso tão importante e tão “raro” dentro de poucos anos este recurso se esgotara e
o homem não existirá. Para chamar a atenção sobre este assunto a ONU (Organização das
Nações Unidas) criou o Dia Mundial da Água, em 22 de março de 1992, para promover
discussões acerca da consciência do homem em relação a tal bem natural. Foi criada
também a declaração Universal do direito da água para proteger a mesma. A qual em seus
artigos, 1º, 2º, 4º, 7º e 9º mostram tais direitos:

565
Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada
povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente
responsável aos olhos de todos.
Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de
vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos
conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a
agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser
humano: o direito à vida, tal qual é estipulado do
Art. 4º - O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação
da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando
normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este
equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por
onde os ciclos começam.
Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada.
De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e
discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou
de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua
proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social
(KOEDDERMANN, 2011).

MATERIAIS E MÉTODOS
A metodologia aplicada para a explanação deste tema foi o de revisão bibliográfica
de obras que se adequassem ao tema. Os materiais utilizados foram artigos científicos
retiradas da internet, para tais abordagens foram colocadas palavras chaves, tais como:
sustentabilidade, escola sustentável, gestão escolar, água como bem precioso para a
humanidade etc., bem como livros paradidáticos os quais abordavam o assunto referente a
sustentabilidade nas escolas e a reutilização da água pelas escolas, bem como as escolas
ecologicamente sustentáveis .

OBJETIVOS
O presente artigo científico tem como objetivo geral mostrar a importância da água
nas Unidades de Ensino (U.E), e para a vida de todos; conceituação da água como elemento
do meio ambiente. Como objetivos específicos que foram desenvolvidos apresenta-se o
esclarecimento do por que da água ser um patrimônio comum da humanidade.

RESULTADOS E DISCURSÕES

566
A água considerada doce é exclusivamente continental e representa somente 1% da
água líquida existente. Essa está à disposição do homem para seu uso corrente,
principalmente no que diz respeito ao preparo de alimento, por apresentar ausência de
sabor e de sais; a mesma é encontrada em rios, lagos , sangas e córregos (SCHUMACHER e
HOPPE, 1998,.p. 10).
A fim de proteger este recurso contra o seu uso degenerativo foram criadas politicas
públicas em defesa deste bem com vários objetivos .
De acordo com as redes de água os objetivos das politicas nacionais das águas são:
Assegurar à atual e as futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de
qualidade adequados aos respectivos usos.
A utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte
aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável.
A prevenção e a defesa contra eventos críticos, de origem natural ou decorrente do
uso integrado dos recursos hídricos.
No mesmo sentido o Brasil criou diversas Leis que protegem a preservação da água
na brasil, bem como órgãos responsáveis para tais ações.
A Lei Brasileira das Águas coloca o país entre as Nações de legislação mais avançadas
do mundo. A Política Nacional de Recursos Hídricos prevê a gestão integrada e tem como
instrumentos para viabilizar a sua implantação, os planos de bacias, o enquadramento dos
corpos d’água em classes segundo os usos preponderantes, a outorga de direito de uso, a
cobrança pelo uso da água, a ANA - Agência Nacional de Águas e o sistema de informações.
A Política Nacional traz como fundamento o conceito da água como um bem de domínio
público, dotado de valor econômico, tendo como usos prioritários o abastecimento humano.
(Rede das águas SOS MATA Atlântica).
A lei previu a formação de Comitês de Bacia em cada bacia hidrográfica. São coletivos
compostos por representantes dos diferentes setores – governo, sociedade civil organizada
e usuários de água (empresas, agricultores...) –, onde se decide em conjunto sobre os usos
da água. Através de reuniões, os participantes estudam a situação do momento para corrigir
os maus usos, evitar – quando necessário – os abusos e maiores benefícios de alguns, para
garantir os direitos dos demais. O desafio é atender a todos os usos sem prejudicar a

567
disponibilidade das águas para as próximas gerações. Em 1992, durante a Rio-92, no Rio de
Janeiro, 179 países assinaram a Agenda 21, um plano de ação mundial para criar um novo
modelo de desenvolvimento – econômica, social e ambientalmente sustentável – que
resulte em melhor qualidade de vida para a Humanidade e atenda às necessidades e
aspirações das atuais e futuras gerações. Seu capítulo 18 é dedicado aos cuidados com a
água. Esse acordo internacional, que o Brasil subscreveu, é a base para a Agenda 21
Brasileira, bem como para as Agendas 21 estaduais, municipais e a Agenda 21 na escola.
A transição para a sustentabilidade nas escolas é promovida a partir de três
dimensões inter-relacionadas: espaço físico, gestão e currículo.
Espaço físico: utilização de materiais construtivos mais adaptados às condições locais
e de um desenho arquitetônico que permita a criação de edificações dotadas de conforto
térmico e acústico, que garantam acessibilidade, gestão eficiente da água e da energia,
saneamento e destinação adequada de resíduos. Esses locais possuem áreas propícias à
convivência da comunidade escolar, estimulam a segurança alimentar e nutricional,
favorecem a mobilidade sustentável e respeitam o patrimônio cultural e os ecossistemas
locais.
Gestão: compartilhamento do planejamento e das decisões que dizem respeito ao
destino e à rotina da escola, buscando aprofundar o contato entre a comunidade escolar e o
seu entorno, respeitando os direitos humanos e valorizando a diversidade cultural, étnico-
racial e de gênero existente.
Currículo: inclusão de conhecimentos, saberes e práticas sustentáveis no Projeto
Político-Pedagógico das instituições de ensino e em seu cotidiano a partir de uma
abordagem que seja contextualizada na realidade local e estabeleça nexos e vínculos com a
sociedade global( Manual das escolas sustentáveis-2013)
Em se tratando das escolas, estas devem ter um espaço físico adequado para
desenvolver o projeto de sustentabilidade, ou adequar-se a ele, todas as Unidades de
Ensino (U.E) podem ser modificadas em ambientes sadios para a sustentabilidade,
principalmente se tiver um Projeto Politico Pedagógico( PPP),voltado a preservar o meio
ambiente. O âmbito escolar pode migrar de um tradicional para um sustentável (figura 1).

568
Figura 1: A: fotografia do banheiro da escola José Francisco de Sales (acervo pessoal). B: fotografia do
banheiro da escola Colégio Estadual Erich Walter Heine(site da SEEDU-RJ).

A foto 1A é um dos exemplos de escolas tradicionais que não fazem o reuso da água
e há um desperdício deste bem comum a todos que fazem parte da comunidade escolar.
Adotando medidas simples poderia mudar este quadro de desperdício, como por exemplo
,na foto 1 colocar o bebedouro com escoamento de água para o mictório no banheiro
masculino ,visto que são bem próximos e o gasto financeiro não seria tão alarmante ou
coloca-lo ligado ao lavatório. Em contra partida a foto 2 é do Colégio Estadual Erich Walter
Heine, em Santa Cruz, acaba de receber a certificação de primeira escola totalmente
sustentável do Brasil e de toda a América Latina. A certificação LEED (Leadership in Energy
and Environmental Design) é concedida pela entidade internacional Green Building Council.
A unidade escolar, uma Dupla Escola que oferece Ensino Médio integrado ao curso
técnico de Administração, foi construída pela ThyssenKrupp CSA em parceria com o Governo
do Estado e a prefeitura do Rio de Janeiro dentro de padrões que geram redução de até 40%
no consumo de energia.
Como exemplos de diminuição no uso de energia, estão os números relativos ao
consumo de água e luz em escolas do mesmo porte. No C. E. Erich W. Heine, as iniciativas

569
geraram uma redução mensal de R$ 4.000,00 para R$ 1.600,00 na conta de água e de R$
4.500,00 para R$ 1.800,00 na de luz. (PORTAL RIO CAPITAL, 2013)
O aproveitamento de água pluvial precipitada nas residências do meio urbano se
enquadra nessa categoria. Essa tecnologia vem crescendo e dando ênfase à conservação da
água. Além de proporcionar economia de água potável, o aproveitamento da água pluvial
em residências pode reduzir as despesas com água potável e contribuir para a diminuição do
pico de inundações, quando aplicada em larga escala, de forma planejada e em uma bacia
hidrográfica (TOMAZ, 2003).
Segundo Agência Nacional das Águas (ANA) (2014) A água de chuva pode ser utilizada
desde que haja controle de sua qualidade e verificação da necessidade de trata mento
específico, de forma que não comprometa a saúde de seus usuários, nem a vida útil dos
sistemas envolvidos. Em pesquisa realizada na Universidade de São Paulo, foram
constatadas as seguintes características da água de chuva coletada e armazenada em
reservatório: propriedades de água mole; pH entre 5,8 e 7,6;DBO5,20: menor que 10;
presença de coliformes fecais em mais de 98% das amostras realizadas; presença de
bactérias:
– clostrídio sulfito redutor (91% das amostras) que pode causar intoxicação alimentar, entre
outras doenças;
– enterococos (98% das amostras) que podem causar diarreia aguda; e
– pseudômonas (em 17% das amostras) que podem ocasionar infecções urinárias.
Trocar as caixas de descargas por caixas acopladas econômicas, fazer sistema de
reaproveitamento da água da chuva, esta pode ser usada para as descargas, lavar louças,
calçadas, pátios, etc. reduzindo assim o consumo da água nas U.E, em relação ao lixo podem
ser feitas coletas seletivas, infelizmente em diversa U.E, não é feita a captação deste resíduo,
utilizar materiais reciclados, etc, ao se tratar da energia elétrica, podem ser colocados
painéis solares, aquecedores solares, lâmpadas com time de força(desliga as lâmpadas
quando não houver ninguém no ambiente),etc.
Os gestores podem iniciar o processo, envolvendo funcionários e famílias do entorno.
As faxineiras, por exemplo, devem atentar ao descarte de lixo e produtos de limpeza e ao
bom uso de água e energia. Já aos professores fica a tarefa de discutir as várias questões

570
ambientais com os conteúdos das disciplinas. "Tudo isso passa à comunidade a mensagem
de que a escola se preocupa com a Terra", afirma Nogueira (2014).
Para começar uma escola sustentável, não tem jeito, é preciso ir do básico. Na base
da pirâmide de uma escola sustentável está, obviamente, a educação. Promover diálogos,
conversas, roda de discussão e semanas temáticas que abordem assuntos relacionados aos
conceitos e práticas sustentáveis é necessário para que, mais do que repetir ações, as
crianças, profissionais e pais tenham verdadeiros hábitos responsáveis e conscientes em sua
vida. (Portal eco)
Pode alegar que para se ter a preservação da água é preciso primeiro se ter uma
educação de qualidade e isto só será possível se houver escolas com uma ampla visão do
que é sustentabilidade .
A educação ambiental tem como perspectiva a construção de sociedades
socialmente justas e ecologicamente equilibradas e sociedades sustentáveis
,comprometendo-se com um processo educativo que exige ações educativas ambientais
críticas e emancipatórias, superando as tendências tradicionais de Educação e ensino. Essas
ações emergem de uma proposta metodológica pautada na participação coletiva de
educadores e educandos (TOZONI, 2012). Baseando-se neste pensamento, as escolas podem
economizar a água, e modificar o seu modo de pensar criando politicas internas visando uma
escola ecologicamente equilibrada e assim terá também um ambiente sadio para os
discentes e docentes poderem praticar ações que minimizam o desperdício da água .
A fim de economizar esse bem precioso no Município de Balneário Camboriú - SC
foram criadas Leis para resguardar a água de ser desperdiçada. Como por exemplo, em seu
Art. 3° - O Controle do Desperdício de Água tem como objetivos:

a) Diminuir custos do fornecimento, transporte e tratamento da água para


as necessidades humanas;
b) Gerenciar adequadamente a água, seu uso e seu suprimento;
c) Incentivar o reuso e a reciclagem de água para fins não potáveis;
d) Manter a qualidade e a quantidade da água do Município;
e) Proteger os aquíferos subterrâneos;
f) Evitar impactos nos ecossistemas;
g) Conservar a biodiversidade dos sistemas aquáticos;
h) Preservar o ciclo natural da água e os mananciais superficiais; e
i) Promover orientações referentes a Economia de Água.( CAMBC.SC,
2011).
571
Se um município foi capaz de introduzir leis para garantir a preservação da água, logo
todos como cidadãos conscientes deveriam tomar atitudes simples para não desperdiçar
esse recurso, especialmente no âmbito escolar.
Uma escola sustentável é, antes de tudo, uma escola que aprende — onde todas as
pessoas, de todas as idades, aprendem —, em diálogo permanente, que extrapola seus
limites e envolve o bairro, a cidade, o mundo. Nela se desenvolve a criticidade e o
pensamento sistêmico: “a consciência da complexidade, das interdependências, da mudança
e do poder de influenciar” (Senge, 2005, p. 57). A escola sustentável recebe informações,
recursos, demandas, desafios dos sistemas mais amplos aos quais pertence e sobre eles atua
a partir dos conhecimentos que sistematiza. Trata-se de uma escola pulsante, viva, que se
define menos como espaço físico e mais como redes de interações horizontais, de trocas
qualificadas de saberes entre alunos, docentes, funcionários, famílias, especialistas,
profissionais, artistas, cientistas, empresários, lideranças de movimentos e organizações
sociais, artesãos, religiosos, políticos, governantes — atores sociais com os quais se
comunica real ou virtualmente, em situações de aprendizagem nas quais os alunos podem
transformar informações em conhecimento que interfere na realidade. A escola sustentável,
por adotar o pensamento sistêmico — o que implica perceber que nenhum evento pode ser
compreendido isoladamente e que os problemas ou desafios locais ganham sentido ao
serem contextualizados globalmente —, é também uma escola que pratica a educação
global e forma cidadãos planetários. (REVISTA –PATIO, 2014).
Em contra partida se a escola não promover um ambiente ecologicamente
equilibrado haverá a evasão escolar de forma gradativa. As principais necessidades sociais
como a educação, saúde e bem estar estão estreitamente relacionadas com a água potável e
a higiene. A educação é essencial na obtenção de igualdade de oportunidades. Contudo, as
crianças impossibilitadas de frequentar a escola, quando afetadas por acessos constantes de
doenças causadas pelo consumo de água imprópria, não usufruem plenamente do direito à
educação (GUIMARÃES, 2007).
A água no território brasileiro é muito mal distribuída como mostra o gráfico ,a seguir, se a
escola que é o berço da conscientização do uso correto não começar a incutir nos docentes

572
ideias de preservar este bem, no próximo século já não haverá mas água disponível em
nenhum setor.

Distribuição dos Recursos Hídricos, da área superficial e da população em (% do total do


país)
Região Recursos Superfície População
Hídricos
Norte 68,5 45.3 6,98
Centro-Oeste 15,7 18,8 6,41
Sul 6,5 6,8 15,05
Sudeste 6 10,8 42,65
Nordeste 3,3 18,3 28,91
Soma 100 100 100
Créditos: UNIÁGUA,2006, Adaptado, Francimara, 2014.

Segundo a UNESCO, até 2050,quando 9,3 bilhões de pessoas devem habitar a Terra,2
a 7 bilhões destas não terão acesso à água de qualidade, seja em casa ou na comunidade.
Há uma tendência de reduzir em um terço,nos próximos 20 anos ,a quantidade de água
disponível para cada pessoa no mundo. Ao ser tomada medidas simples no âmbito escolar
podem ser evitado um grande desperdício da água, como mostra a tabela 1:

Aparelho Sanitário Troca Percentual de


redução(%)
Torneiras de banheiro Comum para sensorial 77
Torneiras de banheiro Automáticas para sensorial 48
Mictórios Comum para sensorial 80
Bacias sanitárias Existe para descarga dual 10 a 90

Créditos: Gabriel Fasola ,adaptado por Francimara de Assis

O maior estudo encontrado na literatura brasileira referente a usos finais de água em


escolas está pautado em uma pesquisa em uma amostra de 87 escolas de diferentes
tipologias que compõem a rede pública de Campinas, SP. Nessa pesquisa, foram observados
três tipos de escolas: Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei), que atende crianças de
até 4 anos; Escola Municipal de Educação Infantil (Emei), que atende crianças de 5 e 6 anos);
e Escola Municipal e Estadual de Ensino Fundamental (Emef). Foram identificados todos os
tipos de consumo de água em cada ambiente das escolas estudadas e também por aparelho
573
sanitário, e verificou-se que os banheiros são responsáveis pelas maiores parcelas de
consumo de água nas escolas; o segundo maior consumidor de água é a cozinha; a área
externa é responsável pelas menores parcelas do consumo (YWASHIMA, 2005;
YWASHIMA et al., 2006; GONÇALVES et al., 2005).
Observa-se então que há possibilidades para se ter em toda rede Estadual ou
municipal escolas sustentáveis. Basta para isso investimento e planejamento da parte do
Governo e das prefeituras, e as escolas colocarem-se a disposição ,através dos PPP e da
Gestão escolar, para serem transformadas em ambientes ecologicamente sustentável.
A educação está altamente atrelada às atitudes sociais, sendo que a escola é tida
como base para formação de indivíduos conscientes e responsáveis. Portanto, um
aprendizado focado na educação sustentável pode gerar cidadãos preocupados com os
problemas ambientais e com suas devidas soluções. Mas para isso, é preciso difundir a
importância da sustentabilidade na escola e como ela interfere na formação dos alunos,
seja no ensino infantil ou na universidade (ATITUDES SUSTENTAVÉIS, 2014).

CONCLUSÃO
A fim de concluir este trabalho podemos mostrar que Todos têm o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial á sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende -lo e
preserva-lo para as presentes e futuras gerações.( Capítulo VI, artigo 225, da Magna Carta
.).Sendo assim, todos os cidadãos tem o dever de preservar não só a água que foi o tema
principal deste artigo, mas todo o meio ambiente, começando de forma simples nos lares,
seguindo para as U.E; a fim de conscientizar desde a educação infantil até o E.M (Ensino
Médio ) e posteriormente nas graduações.
Pode se ressaltar que o problema do desperdício da água não é apenas a nível
nacional, mas também mundial, e é através das Unidades escolares, em como a
conscientização dos docentes que esse quadro pode começar a ser mudado, porém não
depende apenas de discentes esforçados, se faz necessária uma ação em conjunto dos
governantes e de todos que fazem parte da comunidade escolar.

574
Há escolas que felizmente se tornam modelos a serem seguidos por seus exemplos
diários de práticas sustentáveis e levam os alunos (crianças e adolescentes) a participarem
ativamente desse processo não só no ambiente escolar como em casa e na sociedade.
Porém infelizmente a maioria das escolas não se preocupa em trabalhar todos os dias com
essa área, e nem tão pouco servem de exemplo para seus alunos.
Em consequência ao uso inapropriado da água por parte de todos, gera-se situações
desesperadoras é o que esta acontecendo em Barra do Piraí, uma grande seca que leva a
discentes voltar para suas casas, pois não tem água na rede escolar. "Quase não tem aula e
estamos sem merenda porque não tem água”. Diz estudante do 7 º ano da escola municipal
Paulo Fernandes.
São as atitudes de todos os cidadãos que direcionará o fluxo da água como um todo,
se conscientizarmos desde bem pequenos os nossos educandos teremos cidadãos
conscientes sobre a importância da água como bem comum para a escola e para a vida.
Sendo assim obteremos resultados positivos a respeito da preservação da água,
assim como educandos responsáveis e conscientes sobre o equilíbrio ambiental e a
conservação da água nas unidades escolares e na vida cotidiana.

REFERÊNCIAS
ANA, Agência Nacional de Água. Conservação e reuso da água em edificações. Disponível
em:
http://www.sindusconsp.com.br/downloads/prodserv/publicacoes/manual_agua_em_edific
acoes.pdf > Acesso em 21 de julho de 2014.
ANDRADE, Edílson de Paula. Represas da bacia do Rio Paraíba do Sul chega ao nível mais baixo.
Disponível em <http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2014/07>. Acessado em 13 de agosto de 2014.
A SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS. Disponível em
HTTP://WWW.ATITUDESSUSTENTAVEIS.COM.BR/ARTIGOS> Acessado em 14 de agoste de
2014.
ATITUDES SUSTENTAVÉIS. Sustentabilidade na escola dever de cada um. Disponível em
http://www.atitudessustentaveis.com.br/artigos/sustentabilidade-na-escola-o-dever-de-
cada-um/ Acessado em 13 de agosto de 2014.

575
CARDOSO, Janaina da Silva. A água como patrimônio comum da humanidade. Disponível
em <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/26426-26428-1-PB.pdf>.
Acesso em: 20 de junho de 2014.
FRANCISCO, Wagner de Cerqueira e. Água no Brasil. Disponível em
<http://www.brasilescola.com/geografia/agua.htm> Acessado em 27 de Junho de 2014.
GOMES, Marco Antônio Ferreira. Água: sem ela seremos o planeta Marte de amanhã.
Disponível em <http://www.cnpma.embrapa.br/down_hp/464.pdf>. Acesso em 21 de Junho
de 2014.
GUIMARÃES, Mauro. A Dimensão Ambiental na Educação. Magistério, Formação e
Trabalho Pedagógico. 8ª edição. Campinas, SP. Editora Papirus, 2007. Disponível:
http://books.google.com.br. Acessado em 13 de agosto de 2014
KOEDDERMANN, João Olindino. Projeto 0011/2011. Disponível em
<.http://www.cambc.sc.gov.br/projetos/texto/20110011/L> Acessado em 13 de agosto de
2014.
NOGUEIRA, Neide. Como fazer uma escola sustentável. Disponível em
<http://gestaoescolar.abril.com.br/aprendizagem/projeto-para-escola-sustentavel-
institucional-meio-ambiente-desperdicio-consumo-consciente-educacao-44830.shtml>.
Acesso em 22 de junho de 2014.
PDEINTERATIVO. Manual Escolas Sustentáveis. Disponível em:
http://pdeinterativo.mec.gov.br/escolasustentavel/manuais/Manual_Escolas_Sustentaveis.
Acesso em 21 de julho de 2014
PEREIRA, Flavio. Nível dos reservatórios do Rio Paraíba do Sul cai 5% em 30 dias.
http://www.meon.com.br/. Acessado em 13 de agosto de 2014.
REDE DAS ÁGUAS. SOS Mata Atlântica. Disponível em
<http://www.rededasaguas.org.br/politicas-publicas/incio-polticas-pblicas/> Acesso em 20
de junho de 2014.
ROSA, André Luiz. Represas da Bacia do Rio Paraíba do Sul. Disponível
em<http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2014/07.>.Acessado em 13 de agosto de 2014.

576
SCHUMACHER, Mauro Valdir; HOPPE, Juarez Martins. A Floresta e a Água. Porto Alegre:
Pallotti, 1998.
SEEDUC-RJ. C. E. Erich Walter Heine é a primeira escola sustentável da América Latina.
Disponível em www.riocapitaldaenergia.rj.gov.br. Acessado em 11 de agosto de 2014
SENGE, P. et al. Escolas que aprendem. Porto Alegre: Artmed, 2005.
SUA PESQUISA. Dia mundial da água. Disponível em
http://www.suapesquisa.com/datascomemorativas/dia_mundial_da_agua.htm. Acessado
em 12 de agosto de 2014
TOZONI-Reis, Marília Freitas de Campos. Metodologias aplicadas à educação ambiental.
2 ed. rev. Curitiba: IESDE Brasil,2012.

577
TECNOLOGIA ASSISTIVA E TERAPIA OCUPACIONAL: CONFECÇÃO DE MESA ADAPTADA
PARA A PROMOÇÃO DA AUTONOMIA NO DESEMPENHO DA ATIVIDADE DE ALIMENTAÇÃO
EM IDOSOS HOSPITALIZADOS

Tania Fernandes Silva


Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP

Adalberto Romualdo Pereira Henrique


Universidade Católica de Petrópolis – UCP

RESUMO: Este trabalho apresenta a intervenção do Terapeuta Ocupacional em um hospital


público na cidade de Juiz de Fora- MG, utilizando a Tecnologia Assistiva através da confecção
de mesas adaptadas para promover a autonomia na atividade de alimentação dos idosos
que devido ao quadro clínico se encontravam restritos ao leito. A necessidade da confecção
das mesas se deu a partir da observação do Terapeuta Ocupacional nas enfermarias do
hospital durante o horário em que o almoço era servido aos pacientes, estes com idades
entre 70 a 85 anos, dos quais muitos decorrentes de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica,
sequela de AVE, amputações, limitações físicas e entre outros, realizavam a atividade de
alimentação no leito adotando uma postura não satisfatória, apoiando os pratos sobre as
pernas e causando no decorrer da atividade desconforto, dores posturais e nos pacientes
com amputações de membro superior dificuldades em manusear e segurar o prato.
Palavras-chave: Tecnologia Assistiva. Terapia Ocupacional. Mesa adaptada. Idosos.

INTRODUÇÃO
O desafio do presente século é o envelhecimento humano. De acordo com Veras
(2007) esse desafio contemporâneo implica na mudança de modelos de atenção à saúde da
população idosa, com o objetivo de minimizar o sofrimento, dependência e custos, dando a
esta população idosa a condição de decidir sobre sua própria vida. O processo
natural do envelhecimento chamado de senescência compromete progressivamente
aspectos físicos e cognitivos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) a
terceira idade tem início entre os 60 e os 65 anos. No Brasil define-se como idoso o indivíduo
com idade igual ou superior a 60 anos. O Brasil ocupa hoje a sétima colocação mundial em
número de idosos, com projeções estatísticas apontando que em 2025 ocupe a sexta posição
mundial e a primeira posição da América Latina (Ishizuka, 2003).
O envelhecimento ocorre devido à evolução que cada ser humano vivencia no
decorrer da existência. Este processo se inicia ao nascimento, abrangendo a infância,

578
puberdade e posteriormente a maturidade, chegando ao envelhecimento. As experiências do
envelhecer são singulares e ocorrem de maneiras e formas diferentes uns dos outros. De
acordo com Brêtas (2003), o envelhecimento é considerado como um processo complexo,
com aquisições individuais e coletivas. Por mais que o processo de envelhecimento seja algo
individual, o mesmo ocorre na esfera coletiva, sofrendo em todo o momento influência da
sociedade, compreendendo a vida como um fenômeno social e não apenas biológico. A
velhice é relacionada por muitos como uma fase marcada por fragilidades e patologias,
entretanto, segundo Hayflick (1996) o envelhecimento não é algo que esteja relacionado às
doenças, pois independentemente da fase do desenvolvimento o ser humano está suscetível
aos mais diversos tipos de patologias. É notório que, devido ao avanço da idade, nosso
sistema imunológico reduz sua capacidade de defesa do organismo, tornando o indivíduo
mais suscetível às doenças, o que não significa que ele inevitavelmente adoeça. De acordo
com Meireles et al. (2007), envelhecer é inevitavelmente um processo de alterações no
organismo humano, consistindo em um fenômeno fisiológico, comportamental e
cronológico, ou seja, se tornando sinônimo de progressão do tempo, da idade adulta até o
fim da vida.
A presente pesquisa, de natureza exploratória, foi realizada em um hospital da rede
pública situado na cidade de Juiz de Fora- MG, nos pacientes atendido pelo setor de Terapia
Ocupacional da instituição e tem em sua análise um cunho quali-quantitativo. Segundo
Severino (2007) o estudo exploratório busca somente dados sobre um determinado objeto,
demarcando assim um campo de trabalho, onde são mapeadas as condições de amostragem
desse objeto.
Este artigo foi estruturado da seguinte forma: primeiramente conceituou-se
Tecnologia Assistiva (TA); logo após, evidenciou-se a atuação da Terapia Ocupacional no
contexto hospitalar utilizando a TA como recurso terapêutico através da confecção de mesas
adaptadas para a autonomia da atividade de alimentação no leito, elucidou-se os
procedimentos metodológicos, bem como a apresentação e análise de dados; e por fim
apresentamos as considerações finais.

TECNOLOGIA ASSISTIVA

579
A Tecnologia Assistiva (TA) segundo o Comitê de Ajudas Técnicas (2007) é uma área
do conhecimento interdisciplinar que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias,
práticas e serviços com objetivo de promover a funcionalidade. Para o Instituto de
Tecnologia Social (ITS Brasil – 2008) o conceito de TA vem sendo revisado nos últimos anos,
devido à sua abrangência e importância desta área. Nos primórdios, um pedaço de pau
utilizado como bengala improvisada, por exemplo, é caracterizado como sendo um recurso
de Tecnologia Assistiva.
De acordo com Manzini (2005),

Os recursos de tecnologia assistiva estão muito próximos do nosso dia a dia.


Ora eles nos causam impacto devido à tecnologia que apresentam, ora
passam quase despercebidos. Para exemplificar, podemos chamar de
tecnologia assistiva uma bengala, utilizada por nossos avôs para
proporcionar conforto e segurança no momento de caminhar, bem como
um aparelho de amplificação utilizado por uma pessoa com surdez
moderada ou mesmo veículo adaptado para uma pessoa com deficiência (p.
82).

Nos estudos e pesquisas relacionados a TA, Manzini (2008) nos apresenta algumas
variedades de subáreas, como por exemplo, i) equipamentos e ajudas sensoriais para
pessoas com deficiência visual, auditiva e física; ii) sistemas de comunicação alternativa; iii)
recursos e equipamentos para mobilidade e transporte; iv) seating (estudos sobre a postura
sentada); v) recursos para controle de ambientes; vi) tecnologia assistiva no contexto
escolar; vii) tecnologia assistiva no contexto do trabalho. Há uma infinidade de recursos de
baixo custo a serem utilizados e confeccionados nos diversos ambientes onde pessoas com
alguma incapacidade e/ou limitação de movimentos/ funcionalidade podem utilizar para a
melhoria do desempenho nas atividades de vida diária (AVDs).
Para Rocha (2005) a TA é vista como uma ferramenta indispensável
para no processo de reabilitação do indivíduo, contribuindo para a inclusão e integração de
pessoas com algum tipo de deficiência, sendo importantes instrumentos de ajuda técnica. A
ISO 9999: 2002 define essas ajudas técnicas como sendo:

qualquer produto, instrumento, equipamento ou sistema tecnológico, de


produção especializada ou comumente à venda, utilizado por pessoa com
deficiência para prevenir, compensar, atenuar ou eliminar uma deficiência,
incapacidade ou desvantagem (ISO 9999: 2002).
580
Na classificação HEART, as áreas citadas por ela são subdivididas em subáreas,
conforme nos apresenta (EUSTAT, 1999b):
I) Componentes Técnicos - que consideram os recursos técnicos para o exercício de
diferentes atividades:
a) Comunicação
b) Mobilidade
c) Manipulação
d) Orientação
II) Componentes Humanos – que consideram os impactos causados no ser humano
pela deficiência:
a) Tópicos sobre a deficiência
b) Aceitação da Ajuda Técnica
c) Seleção da Ajuda Técnica
d) Aconselhamento sobre as Ajudas Técnicas
e) Assistência Pessoal
III) Componentes Sócio-econômicos - que consideram as relações, interações e
impactos que podem ser estabelecidos entre o usuário final da TA e realidades do seu
contexto:
a) Noções básicas de Ajudas Técnicas
b) Noções básicas do Desenho Universal
c) Emprego
d) Prestação de Serviços
e) Normalização/Qualidade
f) Legislação/Economia
g) Recursos de Informação

TERAPIA OCUPACIONAL NO CONTEXTO HOSPITALAR


A Terapia Ocupacional de acordo com Carlo e Bartalotti (2000) surgiu como profissão
oficialmente reconhecida como tendo ocorrido na segunda década do século XX. Está
intimamente vinculada ao contexto hospitalar, seja através de suas raízes na utilização das
581
ocupações nos manicômios psiquiátricos, ou por seu “nascimento” entre as guerras
mundiais, relacionado ao trabalho nos hospitais civis e militares junto aos incapacitados
físicos e doentes crônicos, como tuberculosos e sequelados por acidentes de trabalho entre
outros. Segundo o Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITO), esta
profissão compreende o homem como ser práxico interferindo no cotidiano do usuário
comprometido em suas funções práxicas, visando uma melhor qualidade de vida diária,
prática, de trabalho e de lazer.
Para Pedretti e Early (2005) o desempenho ocupacional refere-se à capacidade de
executar tarefas que possibilitam o desempenho de papéis ocupacionais de maneira
satisfatória e apropriada para o estágio de desenvolvimento, cultura e ambiente do
indivíduo. Os papéis ocupacionais desenvolvem-se em conjunto com as ocupações e tarefas
que o indivíduo desempenha na sociedade. Entre estas estão os papéis de estudante, pai ou
mãe, dona-de-casa, empregador, trabalhador voluntário ou aposentado.

Tarefa é a unidade ou parte de uma atividade, sendo assim, a atividade de


alimentação é entendida como o ato de comer e beber, mesmo que seja
realizada de maneira ativa e/ou passiva (HAGEDORN, 1999, p. 87).

Nos estabelecimentos assistenciais de saúde, de acordo com Martins (2004) o


paciente luta para recuperar sua saúde e ao mesmo tempo é submetido a agressões do meio
ambiente relacionada a agentes físicos (ruídos, radiação ionizante e não ionizante, vibração,
pressão anormal, temperaturas extremas e outros), químicos (substâncias químicas em
forma sólida, líquida e gasosa), biológicos (vírus, bactérias, fungos e ácaros), ergonômicos e
psicológicos. Além disso, cada usuário requer condições específicas de qualidade do
ambiente para o seu bem-estar. Podem-se citar os próprios pacientes, que devem requerer
determinados cuidados; os acompanhantes, cujo estresse faz variar suas necessidades; os
médicos e enfermeiras, que podem se sentir desconfortáveis numa situação de ambiente
normal, dependendo do grau de responsabilidade que estão submetidos e de suas
vestimentas específicas; e, finalmente, os espaços destinados aos equipamentos médicos
hospitalares, cada um com diferentes indicações ambientais próprias de funcionamento. O
processo de hospitalização é de grande sofrimento e angústia tanto para o paciente, quanto
para a família.

582
Quando o paciente é submetido á internação depara-se com o fato de que seu corpo
está em déficit, de que suas possibilidades estão diminuídas, e consequentemente, de que
sua vida, está fugindo do controle, o que faz com que ele fique dominado pelo medo e pelos
sentimentos de incapacidade e de tristeza.
Segundo Pessini (2006),

é possível e adequado para a humanização se constituir, sobretudo, na


presença solidária do profissional, refletida na compreensão e no olhar
sensível, aquele olhar de cuidado que desperta no ser humano sentimento
de confiança e solidariedade (pag. 67).

Uma das características da humanização hospitalar é a autonomia do paciente, de


maneira que ele possa participar das decisões sobre o tratamento a ser realizado, o
ambiente em que vai permanecer durante seu internamento, o que ele irá comer, quando e
como irá dormir. Portanto é necessário analisar o processo de humanização hospitalar em
termos físicos, estruturais e no que se refere à equipe multiprofissional, fazendo uma
reflexão sobre o “ser” biopsicossocial dentro deste contexto. A
humanização segundo Freitas (2002) é vista como um ato de respeito à autonomia das
pessoas que querem defender os seus interesses de ser escutado, compreendido, de ser
aceito, conceitos estes que constroem sua dignidade. Ressalta-se ainda as pessoas que por
algum motivo apresentam incapacidades e/ou vulnerabilidades, não apresentando
capacidade total e/ou parcial para se autodefenderem e exigirem seus direitos, estes, os
sistemas sociais devem prover assistência especial. Com os objetivos de evitar que o
paciente sofra processos de exclusão e que este adquira independência, o terapeuta
ocupacional, propõe em um hospital geral, um programa de tratamento para melhorar a
qualidade de vida e estado de saúde do paciente. E para que este ambiente se torne propício
para o tratamento e bem-estar do paciente, de acordo com De Carlo (2006) é necessária a
humanização hospitalar. Neste contexto, segundo a autora, o profissional terapeuta
ocupacional tem muito a contribuir nas relações humanas, nas atividades e intervenções
realizadas junto aos pacientes no cotidiano hospitalar.

A intervenção da Terapia Ocupacional no hospital tem como vértices


principais: a promoção da qualidade de vida, da re-humanização das
relações interpessoais e do ambiente hospitalar, a promoção da capacidade

583
funcional e do desempenho ocupacional durante a internação e a
orientação na alta hospitalar e o acompanhamento domiciliar
(GIARDINETTO; MARTINI; CRUZ; MONI; RUIZ; RODRIGUES; PEREIRA, 2009,
p.65).

A atuação do terapeuta ocupacional no contexto hospitalar de acordo com Fontes


(2010) é tornar este espaço mais humanizado através do planejamento e organização neste
ambiente, promovendo assim uma melhoria na qualidade de vida do sujeito hospitalizado e
as relações entre paciente/ cuidador /profissional. Partindo desses embasamentos e
pensando na prática clínica profissional e na necessidade de promover a adequação
postural, a independência durante o desempenho da alimentação dos pacientes acamados e
a contribuição para o processo de humanização hospitalar, foi confeccionado um produto
para a contribuição da melhoria da assistência e autonomia no desempenho da atividade de
alimentação em um hospital público na cidade de Juiz de Fora- MG.

METODOLOGIA
A presente pesquisa é exploratória, descritiva e teve como objetivo analisar a
atuação da Terapia Ocupacional no contexto hospitalar, a utilização da Tecnologia Assistiva
(TA) na saúde do idoso hospitalizado, descrevendo as etapas da utilização da TA como
recurso terapêutico para a adequação postural e promoção da autonomia no desempenho
da atividade de alimentação em pacientes idosos internados para tratamento em um
hospital público da cidade de Juiz de Fora - MG.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS


A necessidade da confecção das mesas adaptadas ocorreu a partir da observação do
profissional terapeuta ocupacional nas enfermarias durante o horário em que o almoço era
servido aos pacientes, estes com idades entre 70 a 85 anos, dos quais muitos decorrentes do
diagnóstico/quadro clínico como, por exemplo, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
(DPOC), sequela de AVE, amputações, limitações físicas e entre outros, realizavam a
atividade de alimentação no leito adotando uma postura não satisfatória, apoiando os
pratos sobre as pernas e causando no decorrer da atividade desconforto, dores posturais e

584
nos pacientes com amputações de membro superior dificuldades em manusear e segurar o
prato.
Esta intervenção (confecção e utilização da mesa adaptada) teve como objetivo a
promoção da adequação postural e autonomia funcional dos pacientes idosos no âmbito
hospitalar, possibilitando também a prevenção de complicações no quadro clínico,
contribuindo assim para a minimização de episódios de brônquio aspiração, deformidades
posturais, entre outras. O produto (mesas adaptadas) foi desenvolvido no período de Janeiro
a fevereiro de 2014 e distribuído nas enfermarias do hospital em março de 2014 em parceria
com a equipe de Enfermagem e Fisioterapia da instituição.
O início da confecção ocorreu com a triagem dos pacientes que se encontravam
restritos no leito, foram observados os seguintes itens: a) pacientes com capacidade ativa de
adotarem a postura sentada; b) pacientes com capacidade passiva de adotarem a postura
sentada e c) pacientes que não apresentavam condições clínicas para a postura sentada,
como podemos observar no gráfico abaixo:

Gráfico 1. Quantitativo de pacientes restritos ao leito


Fonte: Pesquisa de campo. 2014

Observamos no gráfico acima, que no universo de 400 pacientes, 45 apresentavam


capacidade ativa de adotarem a postura sentada, 50 apresentavam capacidade passiva e 30
se encontravam sem condições clínicas para sentar, permanecendo em todo o tempo na
posição deitada.
585
Após esse levantamento quantitativo, foi realizada a avaliação antropométrica dos
pacientes objetivando assim a distribuição das mesas de acordo com as medidas e
necessidades de cada um (largura e altura), esta avaliação ocorreu com os pacientes na
posição sentada, sendo esta a postura mais adequada para realizar a atividade de
alimentação, pois assim se minimiza o possível risco de alguma partícula de alimento ir para
o pulmão, contribuindo para a broncoaspiração, quadros de pneumonias etc. Para o critério
de distribuição das mesas, foram selecionados os pacientes que se encontravam restritos ao
leito e que estavam possibilitados de realizarem a refeição de maneira ativa, ou seja, aqueles
que conseguiam realizar a posição sentada, apresentavam condições de manusear o talher e
levar o alimento à boca. De 125 pacientes, 95 (pacientes com capacidade ativa e passiva
para adotarem a postura sentada) foram selecionados e a partir de então o processo da
confecção se iniciou.

MATERIAIS UTILIZADOS
Os materiais utilizados foram de baixo custo, somando caixas de papelão, tesouras,
grampeadores, fitas adesivas e plásticos para encapar o produto, alguns desses materiais já
se encontravam na instituição e outros foram conseguidos via doação de supermercados da
cidade. Foram arrecadadas cerca de 140 caixas de papelão, porém nem todas eram
adequadas para o trabalho devido ás condições ruins em que elas se encontravam,
perfazendo assim, o total de 95 caixas adequadas para o trabalho de confecção da mesa
adaptada.
Na figura abaixo, podemos observar um dos pacientes selecionados, realizando a
atividade de alimentação utilizando a mesa adaptada:

586
Fonte: Dados da pesquisa. 2014.

CONCLUSÃO
A adequação postural somada à acessibilidade de um produto de baixo custo de
tecnologia assistiva contribuiu para a diminuição das queixas de pacientes referentes ao
desconforto postural e permitiu a realização adequada das atividades de vida diária com
enfoque na alimentação. A fabricação de uma mesa adaptada pelo terapeuta ocupacional
possibilitou maior autonomia funcional durante a realização da atividade de alimentação,
contribuindo para a estimulação da funcionalidade manual, preensão, movimentação de
membros superiores (antebraço, braço e mão).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRÊTAS, A.C.P. Cuidadores de idosos e o sistema único de saúde. Rev. Bras. Enferm.
Brasília, v. 56, n. 3, p. 298-301, mai./jun., 2003.
CARLO, M., M., R., P., de; SILVA, S., N., P.; BEIM, S., F; MARIA, P., B.; MELLO, L., A., B., de;
JIMENEZ, L.; ASSONI, M., E., S. Terapia Ocupacional em contextos hospitalares. Prática
Hospitalar. Ribeirão Preto, ano VIII, nº 43, p. 158-164.Jan/Fev, 2006.
CARLO, M.M.R.P.; BARTALOTTI, C.C. Terapia ocupacional no Brasil – fundamentos e
perspectivas. São Paulo, Plexus Editora 2001;181p.
EUSTAT. Documentos públicos disponíveis para o projeto. Disponível em
<http://www.siva.it/research/eustat/download_por.html> Acesso em 04 out. 2014.
FONTES, C., M., B; MONDINI, C., C., da, S; MORAES, M., C., A., F.; BACHEGA, M., I.;
MAXIMINO, M. P. Utilização do brinquedo terapêutico na assistência á criança
hospitalizada. Revista brasileira. São Paulo, v.16, nº1, p. 95-106.Jan/Abr,2010.
FREITAS, C., B. D. DE; HOSSNE, W., S., O. O papel dos comitês de Ética em Pesquisa na
proteção do ser humano. Revista Bioética. Brasília, v.10, nº 2, p. 129-146.2002.
GIARDINETTO, A., R.,dos, S., B; MARTINI, E., C; CRUZ, J., A., da; MONI, L., O.; RUIZ, L., M.;
RODRIGUES, P.; PEREIRA, T. A importância da atuação da Terapia Ocupacional com a
população infantil hospitalizada: A visão de profissionais da área de saúde. Cadernos de
Terapia Ocupacional da UFSCar. São Paulo, v. 17, nº 1, p. 63-69. Jan/Jun, 2009.
587
HAGEDORN, Rosemary. Fundamentação da prática em Terapia Ocupacional. São Paulo:
Dynamis Editorial, 1999. p.40
HAYFLICK, L. Como e por que envelhecemos. Rio de Janeiro: Campus, 1996. 366p.
ISO 9999: 2002. Norma Internacional; classificação. Disponível em: http://
www.inr.pt/content/1/59/ajudas-tecnicas/. Acesso em 03 out. 2014.
ISHIZUKA, M. A. Avaliação e comparação dos fatores intrínsecos dos riscos de quedas
em idosos com diferentes estados funcionais. 2003. (Dissertação) - Faculdade de Educação,
Programa de Pós-graduação em Gerontologia da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), Campinas, SP, 2003.
MANZINI, Eduardo José. Tecnologia assistiva: definição, descrição e aplicação. Rev. bras.
educ. espec. Marília , v. 14, n. 3, Dec. 2008 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141365382008000300013&lng=e
n&nrm=iso>. Access on 30 Oct. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-
65382008000300013.
MANZINI, E. J. Tecnologia assistiva para educação: recursos pedagógicos adaptados. In:
Ensaios pedagógicos: construindo escolas inclusivas. Brasília: SEESP/MEC, p. 82- 86, 2005.
MARTINS, Vânea Paiva. A humanização e o ambiente físico hospitalar. Anais do I
congresso nacional da ABDEH – IV seminário de engenharia clínica – 2004.
MEIRELES, Viviani Camboin. Características dos Idosos em Área de Abrangência do
Programa Saúde da Família na Região Noroeste do Paraná: contribuições para a gestão do
cuidado em enfermagem. Revista Saúde e enfermagem. v.16. p.69-80. jan/abr. 2007.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v16n1/07.pdf. Acessado em: 04 de outubro
de 2014.
PEDRETTI, L. W.; Early, M. B., Terapia Ocupacional, capacidades Práticas para as
Disfunções Físicas. ROCA (São Paulo) V., 955-958. 2005
PESSINI, Léo; BERTACHINI, Luciana. Humanização e Cuidados Paliativos. 3. Ed. São Paulo:
Loyola, 2006.
ROCHA, EF, Castiglioni MC. Reflexões sobre recursos tecnológicos: ajudas técnicas,
tecnologia assistiva, tecnologia de assistência e tecnologia de apoio. Rev Ter Ocup Univ São

588
Paulo [Internet]. 2005 Sept/Dec [cited 2014 June 02];16(3):97-104. Available from:
http://www.revistas.usp.br/rto/article/view/13968
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed. rev. e atual.
São Paulo: Cortez, 2007.
VERAS, R. Fórum Envelhecimento populacional e as informações de saúde do PNAD:
demandas e desafios contemporâneos. Introdução. Cad. Saúde Pública, v.23, n.10, p. 2.463-
2.466, 2007.

589
A MODELAGEM MATEMÁTICA NA LICENCIATURA: UMA EXPERIÊNCIA NO PIBID

Camila Peixoto Fagundes Ramos Duncan


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Nilson Sérgio Peres Stahl


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Cristiano da Silveira Colombo


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Sandra Maria Schröetter


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O presente artigo refere-se a uma pesquisa realizada com alunos do curso de
Licenciatura em Matemática da UENF, bolsistas do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência), durante o ano letivo de 2014. Diante de experiências obtidas em
outras investigações, podemos observar professores que utilizam em suas aulas o sistema
tradicional, com aulas predominantemente expositivas e respaldadas apenas no rigor
matemático, sem a devida aplicação prática. Acreditamos ser necessário que o professor,
cada vez mais, utilize diferentes metodologias de ensino, buscando, entre outros aspectos,
motivar seu aluno podendo influenciar positivamente em seu aprendizado. Desta forma, os
futuros professores devem ter a oportunidade de vivenciar a prática de situações
investigativas que abordem a Matemática aplicada a contextos pois capacitando-os e
motivando-os, isso poderá refletir no ensino de matemática na Educação Básica. Neste
trabalho realizamos a capacitação destes licenciandos para a utilização da metodologia de
Modelagem Matemática. Durante a capacitação foram tratados aspectos teóricos e
desenvolvidos projetos para serem aplicados em turmas de Ensino Médio de duas escolas
públicas estaduais do município de Campos dos Goytacazes, onde o PIBID Matemática da
UENF atua, ocorrendo a experiência prática com a aplicação dos projetos nas referidas
escolas. Ao final, pretende-se analisar as concepções, entendimentos, contribuições e
aprendizados do uso desta metodologia para a prática docente dos licenciandos.
Trabalhando desta forma, acreditamos numa reflexão do futuro professor quanto a sua
práxis. A pesquisa ainda encontra-se em andamento mas resultados preliminares apontam
que os licenciados sentem-se motivados a utilizar, no dia-a-dia escolar, uma metodologia de
ensino que se apresenta promissora no processo de ensino/aprendizagem.
Palavras-chave: Educação Matemática. Metodologia de Ensino. Modelagem Matemática.
Interdisciplinaridade.

INTRODUÇÃO
Pesquisas na área de Educação Matemática apontam para dificuldades no
aprendizado dos educandos das diversas séries da Educação Básica com a disciplina de

590
Matemática. Paralelamente a isto, diante de experiências obtidas em outras investigações,
podemos observar professores que utilizam em suas aulas o sistema tradicional, com aulas
predominantemente expositivas e respaldadas apenas no rigor matemático, sem a devida
aplicação prática. Tal tendência, segundo Porto (1987 apud STAHL, 2003, p.1), traduz o
pensamento da escola tradicional, caracterizado por valorizar o ensino universalista, sem se
preocupar, contudo, com o dia a dia do aluno, em que a função do professor é dominar o
conhecimento, selecioná-lo e ministrá-lo, de forma lógica e progressiva, num clima de
ordem, obediência e de forma acabada e inquestionável. Acreditamos ser necessário que o
professor utilize diferentes metodologias de ensino, buscando, entre outros aspectos,
motivar seu aluno podendo influenciar positivamente em seu aprendizado.
A Modelagem Matemática constitui-se como uma abordagem pedagógica capaz de
associar a matemática à realidade mediante um processo de investigação. Tal abordagem
implicará, segundo diversos autores, em um ensino com maior motivação, facilitação da
aprendizagem, preparação para utilizar a matemática em diferentes áreas, desenvolvimento
de habilidades gerais de exploração e compreensão do papel sócio-cultural da matemática,
podendo auxiliar os professores no processo de ensino-aprendizagem. Ela caracteriza-se
como um ambiente de aprendizagem69, no qual os alunos são convidados a indagar e/ou
investigar, por meio da Matemática, situações provenientes de outras áreas (BARBOSA,
2001).
Os documentos oficiais apontam algumas das características da Modelagem
Matemática a serem desenvolvidas no Ensino Médio. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
do Ensino Médio, por exemplo, sinalizam no tópico investigação e compreensão os seguintes
aspectos:

identificar o problema; procurar, selecionar e interpretar informações


relativas ao problema; formular hipóteses e prever resultados; selecionar
estratégias de resolução de problemas; fazer e validar conjecturas,
experimentando, recorrendo a modelos, esboços, fatos conhecidos,
relações e propriedades” (BRASIL, 1999, p. 259).

69
Ambiente de aprendizagem (SKOVSMOSE, 2000) refere-se às condições propiciadas aos alunos para a
realização de atividades.

591
Desta forma, nos dias atuais, a Modelagem se apresenta como uma proposta
significativa, pois permite interpretar e compreender os mais diversos fenômenos do nosso
cotidiano. Além disso, relaciona o conteúdo muitas vezes isolado da sala de aula com o dia a
dia dos alunos e, se trabalhada de maneira eficaz, pode proporcionar diversos benefícios
como a motivação, facilitação da aprendizagem, desenvolvimento do raciocínio,
desenvolvimento do aluno como cidadão crítico e compreensão do papel sociocultural da
Matemática. Como afirma Bassanezi (2002), ela pode ser um caminho para tornar a
Matemática, em qualquer nível, mais atraente, agradável e motivadora.
Desta forma, nos cursos de Licenciatura os futuros professores devem ter a
oportunidade de vivenciar a prática de situações investigativas que abordem a Matemática
aplicada a contextos, como argumenta Meyer et al. (2011, p. 66):

Os futuros professores deverão ser preparados para que eles, junto com os
seus alunos, atuem como pesquisadores de sua vivência cotidiana e, a
partir delas, possam buscar os sentidos que são produzidos nas regras e
convenções.

Fazendo parte da formação inicial do professor, capacitando-os e motivando-os, isso


poderá refletir no ensino de matemática na Educação Básica, onde possivelmente, no futuro,
os mesmos irão atuar. Segundo Barbosa (2001, p.14):

[...] a formação de professores em relação à Modelagem deve transcender


as vivências matemáticas com esta abordagem. Não basta os professores
terem experiências com Modelagem, é necessário igualmente envolvê-los
no conhecimento associado às questões curriculares, didáticas e cognitivas
da Modelagem na sala de aula, os quais só tem sentido na própria prática.

Diante destas constatações buscamos, nesta pesquisa, trabalhar a metodologia de


Modelagem Matemática com alunos do curso de Licenciatura em Matemática da UENF,
bolsistas do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), não se limitando
a aplicar aspectos inerentes à Modelagem Matemática enquanto metodologia de ensino,
mas também procurando incorporá-la à prática do futuro professor. Ao final, pretende-se
analisar as contribuições do uso desta metodologia para a prática docente dos licenciandos.
Trabalhando desta forma, acreditamos numa reflexão do futuro professor quanto a sua
práxis.

592
OBJETIVOS
Objetivos gerais
Trabalhar a metodologia de Modelagem Matemática com alunos do curso de
Licenciatura em Matemática da UENF, bolsistas do PIBID, oferecendo ações de vivência e
lhes viabilizando a familiaridade na utilização de situações reais, em que são identificados
problemas, cuja solução é encontrada através da elaboração de modelos matemáticos,
desenvolvendo a habilidade de investigação do licenciando e lhe assegurando um trabalho
com aplicações de sua área de interesse, a Matemática, possibilitando-os a utilizarem a
Modelagem Matemática enquanto metodologia de ensino no dia a dia da sala de aula.

Objetivos Específicos
Analisar concepções, entendimentos, contribuições e aprendizados do uso desta
metodologia para a prática docente dos licenciandos.

DESENVOLVIMENTO
Modelagem Matemática
Bassanezi (2002) apresenta Modelagem Matemática como um processo dinâmico
utilizado para obtenção de modelos matemáticos e consiste, essencialmente, na arte de
transformar situações da realidade em problemas matemáticos. Segundo ele e Ferreira
(1998), a Modelagem busca, a partir de um problema não matemático, sua solução através
de um modelo dentro de uma teoria matemática conhecida que facilite sua obtenção. A
figura 1 mostra um dos esquemas que podem traduzir o processo de uma Modelagem
Matemática.

593
Figura 1 – Esquema simplificado da Modelagem Matemática.
Fonte: Adaptado de Biembengut (1997).

De acordo com o esquema, as diversas etapas são apresentadas:


a) 1ª etapa - Problema do cotidiano/não-matemático: Definida a situação que se
pretende estudar, deve ser feita uma pesquisa sobre o assunto indiretamente (livros,
internet, jornais e revistas) e diretamente (dados experimentais obtidos por especialistas da
área).
b) 2ª etapa - Matematização: É subdividida em formulação do problema e resolução
ou resolução aproximada. É aqui que se dá “tradução” da situação problema para linguagem
matemática. Deve-se terminar esta subfase com um conjunto de expressões aritméticas,
fórmulas ou equações algébricas ou ainda gráficos, que levem a uma solução ou permitem a
dedução de uma solução.
c) 3ª etapa - Modelo Matemático/Resultado: Ao finalizar o modelo é necessária uma
checagem para se verificar até que nível este se aproxima da situação-problema
representada e, a partir daí, poder utilizá-lo. Neste caso, faz-se primeiro a interpretação do
modelo e, posteriormente, verifica-se a sua adequabilidade (validação), retomando a
situação-problema investigada, avaliando o quão ela é significativa e relevante à solução. Se
o modelo não atender às necessidades que o gerou, o processo deve ser retomado a 2ª
etapa, mudando a hipótese, as variáveis, entre outros.
Segundo Barbosa (2003), a Modelagem Matemática pode levar a uma variação
quanto à extensão e às tarefas que cabem ao professor e ao aluno. O autor enumera três
“casos” na sua aplicação.

594
No caso 1, o professor apresenta um problema, devidamente relatado, com dados
qualitativos e quantitativos, cabendo aos alunos a investigação. Neste caso o estudante
recebe os dados.
No caso 2, os alunos deparam-se apenas com o problema para investigar, mas têm
que sair da sala de aula para coletar dados. Ao professor cabe a tarefa de formular o
problema inicial. Neste caso os alunos são mais responsabilizados pela condução das tarefas.
E, por fim, no caso 3, a formulação do problema, a coleta de dados e a resolução são
tarefas dos alunos.
Os três casos mostram como a Modelagem pode ser flexível no planejamento do
professor. Pode-se iniciar de maneira simples, como no caso 1; e pode ser um projeto mais
longo, como nos casos 2 e 3.
Como afirmam Almeida e Dias (2004 apud VERTUAN, 2007, p.39), o envolvimento do
aluno com as atividades de Modelagem Matemática é um processo gradativo, aumentando
no decorrer das atividades.

Pesquisa Qualitativa
A respeito da natureza qualitativa da pesquisa, Bogdan e Biklen (1994) afirmam que é
aquela em que o investigador procura entender o processo pelo qual as pessoas constroem
significados e descrevem o que são esses significados. Ou seja, na pesquisa qualitativa os
pesquisadores priorizam melhor compreender a experiência e o comportamento humano.
Para (Medeiros 2010, pág.26), a pesquisa qualitativa:

não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a


fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É
descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente.
O processo e seu significado são os focos principais de abordagem.

Nessa pesquisa optou-se pela análise qualitativa como meio de análise por
entendermos que suas características envolvem a obtenção de dados descritivos obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o
produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes.

METODOLOGIA
595
A condução das atividades
A presente pesquisa foi realizada com vinte alunos do curso de Licenciatura em
Matemática da UENF, bolsistas do PIBID, sendo desenvolvida durante o ano letivo de 2014. A
atuação do PIBID Matemática da UENF se dá em duas escolas públicas da cidade de Campos
dos Goytacazes, que serão nomeadas de "Escola A" e "Escola B".
A proposta deste trabalho teve como meta a capacitação dos referidos licenciandos
para a utilização da Modelagem Matemática enquanto metodologia de
ensino/aprendizagem. Desta forma, durante o período de capacitação foram desenvolvidos
projetos de Modelagem Matemática voltados para os conteúdos que seriam trabalhados
pelos professores nas turmas do Ensino Médio. Também foram tratados aspectos teóricos
da Modelagem, argumentos para sua utilização como estratégia de ensino, sobre os
obstáculos à sua implementação no contexto atual, sobre os caminhos para sua
implementação, entre outros.
Posteriormente, os licenciandos foram inseridos no contexto da sala de aula,
aplicando os projetos desenvolvidos. Esta etapa visou à experiência prática deles, onde
puderam observar como se dá a utilização desta metodologia no dia a dia da sala de aula.
Os licenciandos foram divididos por escola. Onze trabalharam na Escola A, divididos
em três grupos, sendo dois grupos com quatro deles e um com três. O outro grupo com nove
licenciandos trabalhou na Escola B, divididos em três grupos de três bolsistas cada. Cada
grupo aplicou dois projetos em duas turmas. Os projetos foram utilizados por mais de um
grupo, pois eram apenas três projetos, mas a mesma turma nunca via o mesmo projeto.
O quadro 1 mostra o cronograma das atividades realizadas e das que ainda estão em
andamento.

Quadro 1 – Cronograma de Atividades realizadas e em andamento.


Atividades 1° semestre 2014 2° semestre 1° semestre 2° semestre
2014 2015 2015
Planejamento do X
curso de (Fev, Mar, Abr)
capacitação
Capacitação dos X
licenciandos e (Maio, Junho,
desenvolvimento Julho)
de projetos
596
Aplicação dos X
projetos pelos (Ago, Set, Out,
licenciandos nas Nov)
turmas do Ensino
Médio
Coleta de dados X
(Nov, Dez)
Análise e X
tratamento dos (Jan, Fev, Mar,
dados Abr)
Instrumento de coleta de dados.

Durante a fase de capacitação, foram entregues aos licenciandos diários de bordo


para serem utilizados durante a execução dos projetos nas turmas. Os diários de bordo são
um instrumento de coleta de dados que permitem que os condutores das atividades (os
licenciandos, neste caso) anotem as observações realizadas durante a aplicação dos
projetos em sala de aula, documentando toda e qualquer ocorrência entre eles, os
professores e os alunos que venha a contribuir para a avaliação da utilização da
metodologia. Os diários de bordo podem contribuir significativamente para a pesquisa, visto
que descrevem as observações e entendimentos dos licenciandos durante suas experiências
práticas com a Modelagem.
Ao final de todo o processo de aplicação dos projetos nas escolas, foram aplicados
questionários aos licenciandos, contendo sete perguntas. As perguntas desenvolvidas nos
questionários visam contribuir para a análise das concepções, entendimentos, contribuições
e aprendizados das ações da Modelagem para eles.

Apresentação dos Projetos de Modelagem Matemática


 Projeto I - "Orçamento para construção de um telhado tipo colonial na quadra da
escola". (Fonte: Licenciandos, atores no projeto)
Conteúdo de interesse/Série: Trigonometria no triângulo retângulo/ 1ª série do
Ensino Médio.
O projeto busca construir dois modelos matemáticos. Um que represente a área do
telhado a ser construído na quadra da escola utilizando os conceitos estudados em
Trigonometria, mais especificamente, razões trigonométricas no triângulo retângulo.

597
Obtendo-se a área, pode-se determinar o outro modelo que represente o orçamento,
considerando como gasto apenas o preço das telhas, caso o projeto fosse executado. O
modelo de telhado a ser utilizado para o cálculo do orçamento está representado pela figura
2.

Figura 2 – Foto ilustrativa de um modelo de cobertura de quadra.


Fonte: http://www.primeirahora.rs

O projeto foi dividido em três etapas. Na primeira etapa os alunos foram levados até
a quadra de esportes das escolas para medirem sua largura e comprimento. Na segunda
etapa, eles deveriam construir um modelo que representasse a área de um telhado tipo
colonial e na terceira etapa, construir outro que representasse o orçamento que seria gasto
para a construção deste telhado, considerando apenas os preços das telhas. Iniciam, então,
a segunda etapa analisando como poderiam construir o modelo que representasse a área
total do telhado. Na sequência, decidiram procurar um modelo que tomasse como variável
apenas a largura da quadra, buscando assim a área para uma unidade de comprimento do
telhado (conforme mostra esquema do telhado na figura 3) e depois, considerando o
comprimento da quadra, chegariam à área total do telhado, como mostram as figuras 3 e 4.

598
Figura 3 – Exemplificação da estrutura de um telhado para obtenção de um modelo que determine
sua área. (Acervo pessoal)

Figura 4 – Determinação do modelo que representa a área do telhado. (Acervo pessoal)

Para o cálculo da área do telhado para uma unidade de comprimento ( ), os alunos


precisariam determinar o valor da hipotenusa, conforme mostra “modelo determinado” na
figura 3. Para isso, utilizaram conceitos de tangente com o objetivo de determinar o valor do
ângulo de inclinação das telhas (θ) e após, utilizando o conceito de função seno,
determinariam o valor da hipotenusa, que corresponde a metade da área do telhado para
uma unidade de comprimento. Trabalhando com a medida do comprimento da quadra ( ),
encontrariam o valor da área total do telhado ( ).
A terceira etapa envolve a construção do modelo para o orçamento da construção do
telhado. Baseando-se em orçamentos realizados em lojas da cidade, os educandos
constataram que o m² de telhas custa em torno de R$8,00. O preço ( ) das telhas para o

599
telhado seria portanto de: , chegando ao valor que seria necessário para a
construção do telhado (considerando apenas o valor das telhas) na quadra da escola.
 Projeto II - "Qual a melhor embalagem?". (Adaptado de Revista Nova Escola, n.
174).
Conteúdo de interesse/ Série: Geometria Plana e Espacial/ 1ª e 2ª séries do Ensino
Médio.
Este projeto aborda duas atividades distintas relacionadas ao mesmo tema.
Atividade 1:
Conteúdo: Planificação e áreas de figuras planas.
Esta atividade propõe que os alunos analisem duas embalagens de biscoitos
recheados com a mesma massa total de conteúdo, sendo uma em formato cilíndrico e outra
em formato de paralelepípedo, e descubram qual embalagem traz menor custo para o
fabricante, ou seja, qual delas utiliza a menor quantidade de material em sua embalagem.
As embalagens foram levados pelos alunos das turmas. O projeto foi iniciado com a
manipulação das embalagens, transformando-as nas suas planificações, conforme mostra a
figura 5. Analisaram as formas geométricas encontradas nas planificações e calcularam as
respectivas áreas, determinando assim a quantidade de material usado para confecção da
embalagem com o cálculo da área (modelo). Sabendo que as embalagens possuem a mesma
massa de conteúdo, verificaram qual seria a mais econômica na produção, ou seja, a que
gastaria menor quantidade de material.

Figura 5 - Bolsistas do PIBID com os alunos medindo as embalagens.


Fonte: Licenciandos, atores no projeto.

Atividade 2:
600
Conteúdo: Geometria espacial e comparação de preços.
Esta atividade propõe que os alunos comparem embalagens de mesmo produto, mas
que são vendidas em tamanhos diversos: embalagens individuais e embalagens maiores. O
objetivo é verificar qual é a mais econômica, ou seja, comparando preço e quantidade de
conteúdo (volume) de cada uma delas. Por exemplo, verificar se é mais vantajoso comprar
três embalagens de 300 ml cada de um determinado produto ou uma embalagem de 900ml.
Para a execução da atividade proposta, os alunos levaram embalagens de mesmos
produtos, porém em tamanhos diferentes com os respectivos preços cobrados. Calcularam o
volume dos produtos utilizados (prismas, cilindros, etc) (modelo volume). A partir de então,
verificando o preço de cada produto e os volumes para as respectivas embalagens, analisar
qual embalagem é a mais econômica: “mais volume por menor preço”.
 Projeto III - "Estimativa de orçamento para pintura de uma quadra poliesportiva".
(Fonte: Licenciandos, atores no projeto)
Conteúdo de interesse/ Série: Geometria Plana / 1ª série.
Este projeto busca determinar o modelo que represente o orçamento para pintura de
uma quadra poliesportiva. Os licenciandos levaram um exemplo de modelo a ser seguido
para a quadra poliesportiva, conforme figura 6.

Figura 6 - Modelo de quadra poliesportiva.

Os alunos foram até as quadras das escolas para coletarem as dimensões das
mesmas e para fazerem os esboços que julgassem necessários, assim como o raio dos
círculos/semicírculos e dimensões dos retângulos que seriam utilizados. Já com as medidas
601
em mãos, efetuaram o cálculo das áreas de cada figura geométrica individualmente (através
das fórmulas da área dos retângulos, trapézios, círculos). Determinaram então a área total
para cada cor de tinta (somatório das áreas das figuras geométricas de mesma cor).
Sabendo a quantidade de tinta necessária pesquisaram em lojas especializadas os melhores
preços das cores escolhidas, em diversos tamanhos, bem como o rendimento em m² de cada
tinta.

RESULTADOS E CONCLUSÃO
A fase de análise dos dados da pesquisa ainda encontra-se em andamento e, desta
forma, não possuímos ainda resultados finais. Apresentaremos alguns resultados
preliminares obtidos a partir da análise de algumas respostas dos questionários dos
licenciandos e de reuniões e conversas informais tidas ao longo de todo o processo de
desenvolvimento deste trabalho.
A maioria dos licenciandos acredita no potencial da utilização da metodologia de
Modelagem Matemática, pois segundo eles a aplicação da matemática atrelada ao cotidiano
dos alunos mostrou-se como uma ótima ferramenta para aumentar a motivação e o
interesse, pois como afirmam Biembengut e Hein (2005), o ensino/aprendizagem de
Matemática será mais gratificante, uma vez que o aluno passe a aprender o que lhe desperta
interesse, tornando-o então corresponsável pelo seu aprendizado.
Outros pontos positivos relatados na experiência que tiveram com a Modelagem
foram: a contextualização, a possibilidade de diversificar as aulas, quebra do paradigma de
unicidade do professor, entre outros.
A principal dificuldade apontada foi a demanda de um tempo maior para aplicação
dos projetos. Os projetos de Modelagem necessitam de mais tempo do que o necessário
para uma aula convencional, portanto requerem um bom planejamento e contribuição das
escolas para que possam ser desenvolvidos de forma satisfatória.
De modo geral, eles notaram que a experiência com a Modelagem Matemática
trouxe contribuições para a prática docente, pois, segundo eles, ela permitiu que
desenvolvessem a criatividade e possibilitou a vivência com uma metodologia alternativa,
que se mostrou eficaz. Sendo assim, a maioria afirmou que utilizaria a Modelagem

602
Matemática na sala de aula como futuro professor. Portanto, os licenciados sentem-se
motivados a utilizar, no dia-a-dia escolar, uma metodologia de ensino que se apresenta
promissora no processo de ensino/aprendizagem.
Podemos concluir então que a vivência que tiveram com esta metodologia irá
contribuir positivamente para a formação e prática docente destes futuros professores.

REFERÊNCIAS
BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova
estratégia. São Paulo: Contexto, 2002.
BIEMBENGUT, M. S.; HEIN, N. Modelagem Matemática no ensino. São Paulo: Editora
Contexto, 2003.
MEYER, J. F. C. A.; CALDEIRA, A. D.; MALHEIROS, A. P. S. Modelagem em Educação
Matemática. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
SANTOS, P. M. dos; STAHL, N. S. P. Aplicação da Modelagem Matemática no Ensino
Médio à luz da Teoria dos Registros de Representação Semiótica. Campos dos Goytacazes,
RJ, 2012.
SKOVSMOSE, Ole. Educação Matemática Crítica. Campinas: Papirus, 2001.
STAHL, N. S. P.; MEYER, J. F. C. A. Aprendizagem Escolar e Qualidade de Vida via
Modelagem Matemática e Simulações. Biomatemática, Campinas, SP, v.15, 2005.

603
REFLEXÕES SOBRE OS CONCEITOS SOBRE DROGAS: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES NAS
AÇÕES PREVENTIVAS E TERAPÊUTICAS

Martha Tinoco Amaral Gomes Barreto


Universidade Estácio de Sá

Liz Daiana Tito Azeredo Da Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo evidenciar os conceitos sobre drogas, bem
como suscitar reflexões sobre as políticas, as ações e os seres que giram em torno desta
questão. Tal assunto vem crescendo no meio acadêmico na tentativa de compreender e
elaborar táticas para o enfrentamento do problema. Uma vez que há um aumento do
consumo, além de uma taxa de crescimento de dependentes químicos. Como suporte
teórico foram utilizados dados do Ministério da Saúde, Organização Mundial de Saúde,
Secretaria Nacional Antidroga, além das pesquisas de ARAUJO (2012), TOWSEND (2012),
LARANJEIRA (2005). Assim, o artigo justifica-se também, por as drogas apresentarem na
escala de terceiro transtorno psiquiátrico atrelado aos mais múltiplos problemas sociais,
familiares e de saúde. Dessa forma, pretendemos contribuir com a fundamentação de
trabalhos e pesquisas que auxiliem estratégias de ações preventivas e terapêuticas, além de
possibilitar a expansão do conhecimento, tendo em vista ainda que novas ações terapêuticas
possam ser construídas a partir da avaliação dos serviços já existentes prestados à
população, bem como suscitar reflexões sobre as políticas existentes e as que possam surgir.
Palavras-chave: Dependência química. Drogas. Possibilidades terapêuticas.

INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo evidenciar os conceitos sobre drogas e suscitar
reflexões sobre as ações envolvidas. O uso de drogas é hoje considerado uma questão de
saúde pública. A partir dessa frase podemos analisar e perceber a complexidade que é
lidar/cuidar de um dependente de drogas. Dessa forma, o tema em questão, vem sendo
discutido por pesquisadores a fim de compreender e elaborar estratégias para o
enfrentamento do problema, que cresce em escala alarmante.
Neste sentido, no que se refere às ações existentes sobre drogas, a Secretaria
Nacional Antidrogas (Senad), objetiva articular as políticas públicas. Assim, a LEI Nº 11.343,
DE 23 DE AGOSTO DE 2006, designa:

o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve


medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de

604
usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá
outras providências.

Em cena também aparece O SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE


DROGAS, que apresenta:

Art. 3º O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e


coordenar as atividades relacionadas com:
I - a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários
e dependentes de drogas;
II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.

Essas ações são voltadas aos usuários de drogas, incentivadas pelo Governo Federal,
porém, em linhas gerais, a prevenção é a melhor ferramenta que norteia esses dilemas
sociais, a capacitação de profissionais da educação e saúde auxilia no enfrentamento e
direcionamento desta questão.

OS CONCEITOS
Historicamente, a questão do uso abusivo e/ou dependência de álcool e outras
drogas tem sido abordada por uma ótica predominantemente psiquiátrica ou médica. As
implicações sociais, psicológicas, econômicas e políticas são evidentes, e devem ser
consideradas na compreensão global do problema. Cabe ainda destacar que o tema vem
sendo associado à criminalidade e práticas antissociais e à oferta de "tratamentos"
inspirados em modelos de exclusão / separação dos usuários do convívio social.
Continuando a reflexão sobre o uso de substâncias psicoativas pela humanidade,
percebe-se que essa conceituação recente, “droga é um problema de saúde pública”, é bem
pertinente. Analisando separadamente as palavras chaves dessa frase, temos como a
primeira delas droga. Segundo a Organização mundial de Saúde (OMS), “droga é qualquer
substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais
de seus sistemas, causando alterações em seu funcionamento". No relatório do I Fórum
Nacional Antidrogas (1999), realizado pela Secretaria Nacional Antidroga (SENAD), temos a
citação de Xavier de Oliveira,

605
As drogas são apenas substâncias psicoativas, naturais ou sintéticas, que
podem ser utilizadas pelo homem com diferentes finalidades. Não podemos
dar a uma determinada droga uma conotação de algo bom ou ruim, assim
não podemos considerar uma droga em si como algo destrutivo ou criativo.
O que vai poder ser destrutivo ou criativo é a maneira pela qual o homem
se relaciona com a droga independentemente do produto químico em
questão.

Araújo (2012) amplia o conceito dizendo que

[...] quando se pergunta o que é droga, as pessoas provavelmente vão


responder com exemplos em vez de critérios. A maioria se remete a drogas
ilícitas (drogas não legalizadas) ou àquilo que faz mal ou que mexe com
nosso cérebro [...] profissionais de saúde também se remetem a
medicamentos, e de acordo com a vivência o conceito se amplia e admite
essas e outras interpretações.

Podemos descrever páginas com conceitos de vários autores, mas em resumo,


podemos definir como substancias que de alguma forma alteram o processo evolutivo
natural do indivíduo, na sua fisiologia orgânica, nos seus relacionamentos, em seu
desenvolvimento pessoal, na sua vida laborativa, nos seus conhecimentos e aprendizados
sobre o mundo.
A segunda palavra significativa da frase é problema. Por que o uso de substâncias
psicoativas (drogas) é um problema?
TOWSEND (2012, p. 417), afirma:

As drogas são uma parte predominante de nossa sociedade. Determinadas


substâncias que alteram o humor são bastante aceitáveis socialmente e
usadas moderadamente por muitos adultos. a sociedade tem desenvolvido
uma relativa indiferença ao uso abusivo ocasional de algumas substâncias,
apesar de documentação de seus impactos negativos sobre a saúde.

Podemos continuar complementando essa afirmação, com a constatação da


existência de um quantitativo de drogas com o uso dito social, que não entra nesses
estereótipos de usuário de drogas marginal ou de indivíduos problemáticos. Pessoas que
trabalham, estudam, constituem família, frequentam círculos sociais produtivos, de lazer,
etc, sem apresentar danos pessoais ou a outros, e são capazes de evoluir como pessoas.
Então, a partir de que parâmetros podemos ou devemos considerar o uso de drogas
nocivo ao indivíduo?

606
Oliveira e Kerr-Correia (2013), relatam que historicamente, esse conceito de droga-
problema surgiu em meados do século XIX, nos Estados Unidos com o cunho racial, religioso,
econômico e político. Isto é, não se considerava droga importante no que dizia respeito a
saúde individual ou coletiva.
Para esses autores, no Brasil temos uma reflexão da realidade de uma forma mais
ampla: a sociedade brasileira começou a se preocupar com essas situações, quando atentou
para o fato de que "o progresso do país" poderia estar ameaçado em razão do aumento
populacional nos centros urbanos, o aumento do alcoolismo, da "vadiagem" e das doenças
venéreas, atualmente denominadas de Doenças Sexualmente Transmissíveis, nas primeiras
décadas do século XX.
Ampliando essa temática, temos outros pontos a ligar ao consumo de drogas pela
sociedade, como a rede de poder que envolve essa prática, não só das drogas ilícitas, mas
também das chamadas drogas lícitas.
Quando afirmamos que o uso de drogas está ligado ao poder, destacamos a políticas
ligadas a grandes indústrias de medicamentos, por exemplo, à criminalidade, tráfico e
produção de armas de fogo, subvenção e lavagem de dinheiro, exploração do ser humano e
de menores, principalmente, à violência, à mortes por diferentes causas, e inúmeras outras
formas de se subjugar e controlar as pessoas e consequentemente a sociedade.
Sob a ótica da saúde, podemos lembrar dos malefícios imediatos, muitas vezes
associados ao uso abusivo, como overdoses de drogas sintéticas, acidentes causados por
indivíduos alcoolizados, agressões físicas, e outros. Além das comorbidades ocasionadas pelo
consumo a médio e longo prazo, descritas na literatura.
Por último, vamos analisar o termo saúde pública. Os paradigmas da saúde vem
evoluindo ao longo do tempo e chegamos a um ponto da definição de saúde da OMS,
"...completo bem estar social e não simplesmente ausência de doença". Essa definição muda
a visão de cuidados para o aspecto de melhorar a saúde e não de só cuidar da doença. Isto é,
amplia o que entendemos como saúde: ser saudável passa a ter a conotação além de se ter
ou não uma doença.
O termo qualidade de vida passa a ser um parâmetro de saúde. Mesmo o cuidado
aos ditos doentes, que tem que receber um tratamento de determinada doença, é estendido

607
a outros aspectos ligados à vida desse "doente", como sua condição de vida, de trabalho de
moradia, de estrutura familiar, aspectos psicológicos, e tantos outros enfoques que são
necessários para um "bem estar" do indivíduo.
Outro ponto importante para essa reflexão é que quando se amplia essa visão de ser
humano colocamos essa perspectiva na qualidade de vida, que vai levar a uma rede de
relações que chega a uma comunidade e indo mais além, a uma sociedade.
AGUIAR (2011, PG 44) aponta: que na 8ª Conferencia Nacional de Saúde que
representou o evento político-sanitário mais importante da segunda metade do século XX,
foram lançadas as bases doutrinárias de um sistema de saúde pública para o Brasil. Essa
conferência colocou em pauta três aspectos conceituais que extrapolam a visão biologicista;
a saúde deve ser vista como direito de cidadania e dever do estado; e a instituição de um
sistema único pautado pelos princípios da universalidade, integralidade, da equidade, da
descentralização e da participação da comunidade.
No que diz respeito à dependência química, além desses pontos, devem ser focados a
prevenção, a formação profissional e a reinserção comunitária.
No I Fórum Nacional Antidrogas, o relatório do subgrupo G, coordenado por Dr. João
Carlos Dias, afirma que o uso de drogas é responsável por perdas sociais e econômicas
significativas, ligadas diretamente a índices de acidente de trabalho, absenteísmo,
produtividade e deterioração das relações interpessoais.
Quando colocamos as consequências de um uso de drogas a ponto de interferência
não só de indivíduos, mas de uma sociedade, isso torna um problema público e quando
implica na necessidade de intervenções clínicas, abrange também a saúde da população. E aí
justifica o termo, saúde pública.

POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS E INTERDISCIPLINARIDADE


As atuais formas de intervenções levam em consideração a multiplicidade de fatores
voltados aos dependentes e sua possibilidade de recuperação, passando a levar em conta a
realidade do usuário. Dessa forma, Laranjeira (2005, p. 01) elucida que:

O sistema de recompensa do cérebro que é acionado pelas drogas,


representa uma área encarregada de receber estímulos de prazer e
transmitir essa sensação para o corpo todo, como por exemplo,
608
temperatura agradável, emoção gratificante, alimentação, sexo. Essa área
do sistema de recompensa foi evoluindo com o tempo no homem e a
interferência das drogas ocorre por uma espécie de curto circuito na
mesma, provocando uma ilusão química de prazer que induz a pessoa a
repetir seu uso compulsivamente. Com a repetição do consumo, todas as
fontes naturais de prazer perdem o significado e só interessa o prazer
imediato propiciado pela droga, independente das consequências.

Nessa perspectiva, a maioria dos autores abordam questões no campo das


proposições neurobiológicas, recorrendo ao modelo médico para seu esclarecimento.
Entretanto, perante os entraves de buscar respostas à influência de fatores psicológicos,
entram em cena no campo das pesquisas os fatores culturais, sociais e outras perspectivas
de cunho psicológico, sociológico foram complementadas às teorias sobre drogas. Cada
concepção vê a questão o conceito de drogas de diferentes formas.
No que tange as ações conjuntas à interdisciplinaridade é uma tarefa complexa,
porém realizável. Fazenda (1994, p.115) aponta:

A pesquisa que denominamos interdisciplinar nasce de uma vontade


construída. Seu nascimento não é rápido, exige uma gestação em que o
pesquisador se aninha no útero de uma nova forma de conhecimento – a
do conhecimento vivenciado e não apenas refletido, a de um conhecimento
percebido, sentido e não apenas pensado.

Dessa forma, os apontamentos na articulação em saúde, prevenção e tratamento na


ótica da dependência química exige ser vista por diferentes ângulos, nos quais se situam
unidas diversas disciplinas, é uma forma de produzir conhecimento de natureza
interdisciplinar. Daí a necessidade de atuar sobre ações conjuntas, com diferentes visões
para atender à proposta de melhoria da qualidade de vida desse indivíduo usuário, de sua
família e de uma sociedade.
As propostas terapêuticas devem ser direcionadas para os objetivos esperados, as
formas que serão realizadas as intervenções (psicoterapia, terapia medicamentosa,
utilização de grupos, terapia individual, abstinência, redução de danos e outras) e diferentes
serviços, como internações, Comunidades Terapêuticas, Centros de Atenção Psicossociais
(CAPS), ambulatórios, Grupos de Mútua Ajuda.
A junção de esforços conta as ações da Política Nacional de Atenção Integral para
Usuários de Álcool e Outras Drogas em BRASIL (2003, p. 11)

609
Nunca é demais, portanto, insistir que é a rede – de profissionais, de
familiares, de organizações governamentais e não-governamentais em
interação constante, cada um com seu núcleo específico de ação, mas
apoiando-se mutuamente, alimentando-se enquanto rede – que cria
acessos variados, acolhe, encaminha, previne, trata, reconstrói existências,
cria efetivas alternativas de combate ao que, no uso das drogas, destrói a
vida.

E para finalizar esse artigo, a introdução de mais um conceito, o de prevenção. Esse


aspecto leva em consideração muitos outros fatores necessários para que um indivíduo não
chegue a ser um usuário de drogas ou que receba um tratamento visando a manutenção de
uma abstinência e a uma mudança de vida.

CONCLUSÃO
Como fechamento dessas reflexões, mostramos que questão da droga é amplamente
social, porque o uso, abuso e a dependência é uma cultura e um aprendizado de como viver
em sociedade e da forma como essa sociedade organiza seus interesses em saúde, na
política, econômicos e legislativos.
Atualmente o consumo de drogas, principalmente as ilícitas, diz respeito à busca de
prazer. Essa função, sem dúvida, domina na toxicomania moderna, junto ao tráfico, que é a
outra vertente presente nas pesquisas.
As políticas públicas visam cuidar desse indivíduo com focos em seus aspectos
individuais, levando o raciocínio para os aspectos biopsíquicos e sociais e para isso é
necessário diferentes abordagens, diferentes profissionais estratégias adequadas às
condições desse indivíduo.
Pretendemos, comas reflexões acima, contribuir com a apresentação de ações
preventivas e terapêuticas em dependência química, além de abordar um pouco do o
conhecimento do que já vem sendo construído neste campo de atuação, tendo em vista
ainda que novas ações terapêuticas podem ser construídas a partir da avaliação dos serviços
já existentes prestados à população, bem como suscitar reflexões sobre as políticas públicas,
as ações e os usuários de drogas.

REFERÊNCIAS
610
ABNT– Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 6023 2002, Informação e
documentação - Referências – Elaboração, Brasil 2002.
AGUIAR, Z.N. SUS: Sistema Único de Saúde - antecedentes, percurso, perspectivas e
desafios. São Paulo: Ed. Martinari, 2011.
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas.
Abordagens Terapêuticas a Usuários de Cocaína/Crack no Sistema Único de Saúde. Texto
preliminar destinado à consulta pública. Brasília, abril de 2010.
______ Mistério da Saúde. A Política do Ministério da Saúde para a atenção integral a
usuários de álcool e outras drogas. 2 Ed. Série B. Textos Básicos de Saúde Brasília – DF,
2004.
______. Presidência da República. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
Relatório brasileiro sobre drogas / Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; IME USP;
organizadores Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, Vladimir de Andrade Stempliuk e
Lúcia Pereira Barroso. – Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, 2009.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. SVS/CN - DST/AIDS. A
Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas
/ Ministério da Saúde. 2.ed. rev. ampl.– Brasília:Ministério da Saúde, 2004.
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 3. ed. Campinas:
Papirus, 1994.
Laranjeira R, Zaleski M, Ratto L. Comorbidades psiquiátricas: uma visão global. J.
Bras.Dep. Quim. ABEAD São Paulo 2004;
Maximiliano,V. Z, Keer-Correia, F. Capacitação para Comunidades Terapêuticas -
Conhecer para cuidar melhor. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas,2013
Ramos LH, Pillon SC, Cavalcante MBG, Luiz MAV, Padredi FM, Laranjeira RR. O ensino
sobre dependência química em cursos de graduação em enfermagem no Brasil – 1998. Rev.
Acta Paul Enf. 2001;
RIBEIRO M, LARANJEIRA, R. O tratamento de usuários de crack. 2ª Edição, Editora
Artmed, Porto Alegre, 2012

611
SENAD/Ministério da Justiça, Prevenção ao uso de drogas: capacitação para conselheiros
e lideranças comunitárias. 5ª Edição, Brasília/DF, 2013
ENAD, Relatório do I Fórum Nacional Antidrogas, Brasília/DF, 1998
SANTOS, R. Metodologia para Trabalhos Acadêmicos e Normas de Apresentação
Gráfica. 4ª edição. Rio de Janeiro:LTC,2008.
TOWSEND, Mary C. Enfermagem Psiquiátrica: conceitos de cuidados na prática baseada
em evidências. 7ª Edição, Ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2014.

612
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE PROMOÇÃO DE SAÚDE E A AÇÃO DOS PROFISSIONAIS
ENVOLVIDOS NESSE PROCESSO

Gláucio Roberto Bernardo de Cara


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Jandira de Assumpção Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Márcia Regina Viana


Universidade Federal do Rio de Janeiro

RESUMO: Nos últimos anos, estudos apontam maior preocupação com a saúde relacionada
à atividade física e hábitos alimentares nas escolas. É reconhecido o espaço da escola como
potencial para a aquisição de hábitos saudáveis ao estabelecer relações interpessoais e de
conhecimento. As preferências alimentares dos mais jovens, que nem sempre se alinham
aos alimentos considerados mais saudáveis, associadas ao sedentarismo, são alvo de
estudos epidemiológicos, os quais têm registrado um aumento da prevalência de obesidade
entre esses sujeitos. Tal situação pode gerar, em médio prazo, o aumento da probabilidade
de riscos de doenças cardiovasculares, hipertensão e outros transtornos de saúde. O
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), implantado em 1955 garante, por meio
de repasses financeiros, a alimentação escolar dos alunos de toda a educação básica, que se
inicia na educação infantil e se estende até à educação de jovens e adultos, em escolas
públicas e filantrópicas, e que tem por objetivo atender às necessidades nutricionais dos
alunos durante sua permanência em sala de aula, contribuindo para o crescimento, o
desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes, bem como
promover a formação de hábitos alimentares saudáveis. Porém, o ato de comer na escola vai
muito além do que estabelece o programa, uma vez que as instituições disponibilizam outros
tipos de alimentos nas cantinas internas e também permitem que os alunos levem alimentos
consigo. O professor de educação física tem autonomia para tratar de questões ligadas à
saúde na escola, trabalhando com atividades em sala de aula e até com grandes projetos
voltados à prática de atividade física como instrumento de manutenção da saúde, o que por
sua vez relaciona-se à prevenção de diversos tipos de doenças crônicas.
Palavras-Chave: Alimentação escolar. Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Saúde pública.

INTRODUÇÃO
Segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), garante, por meio de repasses
financeiros, a alimentação escolar dos alunos de toda a educação básica, e que tem por
objetivo atender às necessidades nutricionais dos alunos durante sua permanência em sala
613
de aula, contribuindo para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o
rendimento escolar dos estudantes, bem como promover a formação de hábitos alimentares
saudáveis.
Segundo a controladoria-geral da união (2006), especificamente, os beneficiários da
Merenda Escolar são alunos da educação infantil (creches e pré-escolas), do ensino
fundamental, da educação indígena, das áreas remanescentes de quilombos e os alunos da
educação especial, matriculados em escolas públicas dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios, ou em estabelecimentos mantidos pela União, bem como os alunos de escolas
filantrópicas, em conformidade com o Censo Escolar realizado pelo INEP no ano anterior ao
do atendimento.
O programa tem sua ascensão no início da década de 40, quando o Instituto de
Nutrição, assim reconhecido, defendia a proposta de o estado oferecer alimentação na
escola. Entretanto, não foi viável concretizar a proposta por falta de recursos financeiros. Já
então na década de 50, foi elaborado o Plano Nacional de Alimentação e Nutrição, chamado
de conjuntura alimentar e o problema da nutrição no Brasil. Através deste, se estrutura um
programa de merenda escolar em abrangência nacional, sob a responsabilidade pública. Na
proposta original, apenas o Programa de Alimentação Escolar se manteve, contando com o
financiamento do Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), atualmente UNICEF, que
permitiu a distribuição do excedente de leite em pó destinado, inicialmente, à campanha de
nutrição materno-infantil. Em 31 de março de 1955, foi assinado o Decreto n° 37.106, que,
como apresentado no artigo 1º, institui a Campanha de Merenda Escolar na Divisão de
Educação Extraescolar do Departamento Nacional de Educação, do Ministério da Educação e
Cultura. Em sua legislatura, foram celebrados convênios diretos com o FISI e outros órgãos
internacionais. Daí então surgiu a ideia de cantinas escolares, assim como estabelecido no
artigo 3º deste mesmo decreto” A ação da campanha se estende a todo território e será
realizada, ou diretamente através da criação de cantinas escolares, ou mediante convênios a
serem firmados com entidades públicas ou particulares” Decreto n° 37.106/ 55).
O nome do projeto foi alterado ainda mais três vezes. No ano de 1956, com a edição
do decreto nº 39.007, sendo chamado de Campanha Nacional de Merenda Escolar (CNME),
com o propósito de promover o atendimento ainda com abrangência nacional.

614
Posteriormente, já em 1965 foi denominado, pelo Decreto n° 56.886, Campanha Nacional de
Alimentação Escolar (CNAE) e surgiu com um elenco de programas de colaboração
americana, entre os quais, ainda segundo dados do FNDE, destacavam-se o "Alimentos para
a Paz", financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
(USAID); o Programa de “Alimentos para o Desenvolvimento”, voltado ao atendimento das
populações carentes e à alimentação de crianças em idade escolar; e o “Programa Mundial
de Alimentos” (PMA), da Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e
Alimentação (FAO/ONU). Somente em 1979 passou a denominar-se Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE) ao qual se mantém atualmente.
A partir de então ficou assegurado o direito à alimentação escolar a todos os
matriculados no ensino fundamental através de um programa suplementar de alimentação
escolar a ser oferecido por todos os entes federados com a promulgação da Constituição
Federal, em 1988.
Segundo estudos epistemológicos, o ato de comer na escola vai muito além do que o
programa estabelece. Bosi, 1988 descreve:

O discurso científico da nutrição privilegia categorias que explicitam apenas


um tipo de enfoque do fenômeno sobre o qual discorrem a estrutura desse
discurso, nitidamente ligada à biologia, se detém num nível meramente
descritivo de processos individuais, onde a nutrição é tratada
primordialmente como um ato fisiológico. Desta forma, oculta-se a
dimensão social, ou seja, as origens e determinantes dos problemas
nutricionais de nossa população.

Além destes aspectos, quase sempre desprezados, outra questão relevante deve ser
tratada, a alimentação paralela que ocorre dentro da escola, uma vez que as instituições
disponibilizam outros tipos de alimentos nas cantinas internas e também permitem que os
alunos levem alimentos consigo, sendo assim, o programa não pode se restringir somente a
merenda escolar, ações educativas devem ser elaboradas para que o objetivo da escola seja
assegurado também no aspecto de educação alimentar. Ações desta natureza podem ser
trabalhadas intersetorialmente e interdisciplinarmente uma vez que estas contribuições
serão refletidas nestes mesmos setores por ser é sabido que os maus hábitos alimentares
são fatores de risco para diversas doenças crônicas.

615
Partindo do pressuposto este estudo tem o objetivo de avaliar criticamente o
posicionamento da escola e dos profissionais responsáveis como interventores no processo
de promoção de saúde.
De fato, a alimentação desempenha um papel primordial durante todo o ciclo de vida
dos indivíduos. Dentre os estágios da vida destaca-se a idade escolar, que se caracteriza por
um período em que a criança apresenta um metabolismo muito mais intenso quando
comparado ao do adulto. Considerando as preferências alimentares dos mais jovens, que
nem sempre convergem com os alimentos considerados mais saudáveis, associados ao
sedentarismo, os estudos epidemiológicos têm registrado um aumento da prevalência de
obesidade entre esses indivíduos. Segundo o relatório da International Obesity Task Force
(IOTF) de 2003, para a Organização Mundial da Saúde, estima que aproximadamente 10%
dos indivíduos entre cinco e 17 anos de idade apresentam excesso de gordura corporal,
sendo que de 2 a 3% são obesos. Já no Brasil, o modelo da prevalência mundial está se
repetindo, como identificado na segunda etapa da Pesquisa de Orçamentos Familiares
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2006), na qual se
encontrou excesso de peso em 40,6% da população. Na faixa etária pediátrica, estudos
nacionais demonstram prevalências de excesso de peso que variam entre 10,8% a 33,8% em
diferentes regiões. Dados do IBGE, mostram que o excesso de peso e a obesidade são
encontrados com grande frequência, a partir de cinco anos de idade, em todos os grupos de
renda e em todas as regiões brasileiras. Em 2009, uma em cada três crianças de cinco a nove
anos estavam acima do peso recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Tal situação pode gerar, a médio prazo, o aumento da probabilidade de riscos de
doenças cardiovasculares, hipertensão e outros transtornos de saúde.
Desde a implantação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), muitas
foram as iniciativas e medidas por parte do poder executivo em relação ao estabelecimento
de políticas públicas de alimentação, formuladas e implementadas sob alegações diversas,
mas que, essencialmente, compartilham a constatação óbvia do precário estado nutricional
de diversos segmentos da população brasileira, sendo mais crucial aquele constituído pelas
crianças na fase pré-escolar.

616
O governo brasileiro, através de programas sociais, têm expressado a preocupação
em desenvolver atividades promotoras de saúde no ambiente escolar, como o Programa
Saúde na Escola (PSE), que no ano de 2014 estava aberto aos municípios e passou a atender
creches e pré-escolas. São mais de 50 mil escolas que participam do programa. O mesmo é
gerenciado pelo Ministério da Saúde que investe também em ações preventivas para evitar
a obesidade em crianças e adolescentes. Essa intervenção na escola se dá, pois, a mesma
apresenta-se como um espaço e um tempo potencial para promover a saúde, por ser um
meio onde passa-se grande parte do tempo, ainda mais as que oferecem ensino em tempo
integral, sendo uma forte influência na formação do sujeito se considerarmos as mais
diversas teorias de aprendizagem. O ambiente de ensino, ao articular de forma dinâmica a
comunidade escolar, familiares e profissionais de saúde, proporciona as condições
necessárias para desenvolver atividades que reforçam a capacidade da escola de se
transformar em um local favorável à aquisição de hábitos saudáveis, o trabalho de todos os
envolvidos nesse processo, podendo, por conseguinte, constituir-se em um núcleo de
promoção de saúde local na grande relevância do fato de o PNAE estender suas ações à toda
a comunidade escolar, envolvendo as famílias, funcionários em designação administrativa,
professores, além, obviamente os alunos.
As atividades educativas que promovem a saúde na escola representam importantes
instrumentos se considerarmos que sujeitos com a posse de informações e conhecimentos,
têm mais possibilidades de melhorar seu bem-estar em seus diversos aspectos. A
informação sobre os comportamentos identificados como fatores de risco para as doenças
crônicas, incentivam o desenvolvimento de atitudes pessoais que promovam a saúde. Por
parte da escola, a conscientização sobre as causas econômicas e ambientais da saúde e da
doença, propriamente dita, podem contribuir para organizar atividades pedagógicas,
direcionadas a mudanças ambientais, econômicas e sociais, criando condições favoráveis à
saúde. É necessário uma relação dialogal, uma comunicação emancipadora, em que os
sujeitos sejam envolvidos na ação educativa, levando em conta a reconstrução do saber da
escola
O nutricionista, por sua vez, como o profissional de saúde que atua diretamente na
relação entre o homem e o alimento, juntamente com o profissional de educação física da

617
escola, também promotor de saúde, podem exercer as suas funções de promoverem a
saúde no meio escolar através de atividades assistenciais e educativas relacionadas com o
desenvolvimento do Programa de Alimentação Escolar (PNAE), de forma a não somente
garantir o que está previsto no documento, mas também, contribuir verdadeiramente com a
saúde da comunidade.

ATIVIDADE EDUCATIVA PARA PROMOÇÃO DE SAÚDE NUTRICIONAL.


Na escola, para que o trabalho do nutricionista seja, de fato, educativo, é necessário
que se estabeleça uma relação de diálogo entre o saber popular e o saber técnico,
rompendo com o modelo técnico e tradicional de intervenção aquele que tem por objetivo a
mudança de comportamento da clientela atendida por meio da transmissão de normas. É
necessário que esse diálogo ajude a desenrolar os processos de determinação do problema a
ser enfrentado, alcançando, se possível, às causas básicas do processo, ao discutir os
processos educativos em nutrição, e ainda possibilite o desenvolvimento das aptidões
pessoais, contribuindo para a conquista de qualidade de vida.
Vale, no entanto, destacar que o modo de o nutricionista desenvolver atividades
educativas não é neutra, pois recebe influências diretas e indiretas do meio social,
econômico e político em que ele atua. A política de saúde e de educação, valorizando
determinadas práticas em detrimento de outras, acaba por definir o que deve ser ensinado e
aprendido pelo nutricionista e que estratégias pedagógicas devem ser utilizadas na educação
inibindo a flexibilidade e articulação com o contexto ao qual se aplicam. Toda vez que os
recursos financeiros e humanos são designados preferencialmente para determinados
programas de cunho interventivo e não para aqueles que favorecem as atividades
educativas promotoras de saúde, definem-se também as práticas de saúde que devem ser
adotadas e outras que permanecem em segundo plano. Desse modo, as condições de
trabalho e seus determinantes invariáveis e em parte inflexíveis, condicionam, de alguma
forma, a prática educativa e a produção de conhecimento em saúde, inibem a construção de
práticas alternativas e criativas com a comunidade atendida, em razão dos limites impostos
pelas instituições financiadoras dos programas, sendo assim a burocracia imposta engessa os
gestores e dificulta a ação de alternativas pelo aparente padrão estabelecido.

618
Para Abreu (1995), Castro & Peliano (1985), Moyses & Collares (1995), e Pipitone
(1995), as atividades educativas em nutrição desenvolvidas no ambiente escolar não têm
conseguido atingir esse objetivo.

[...] professores, merendeiras e pais de alunos, em discussões que mostrem


a função social e o significado dado à merenda escolar e ao atendimento
das necessidades nutricionais das crianças durante a jornada escolar [...]
valem mais do que aulas tradicionais apoiadas em cartazes coloridos sobre
noções de boa alimentação.

As atividades educativas em nutrição têm espaço determinado nas escolas quando se


fala em promoção da saúde e na possibilidade de estarem próximos a vir a ser produtoras de
conhecimento. Segundo Ipiranga (1995), a integração da nutrição ao ensino representa a
mais eficaz forma de intervenção nutricional, porque atua sobre uma geração de indivíduos;
os quais reproduzirão, no futuro, as condutas alimentares adequadas à manutenção da
saúde e do estado nutricional.
Embora a carência de recursos financeiros para adquirir alimentos necessários à
manutenção da boa saúde seja o primordial condicionante do problema alimentar nacional,
outros determinantes como a desinformação, apressão publicitária, os hábitos familiares e
sociais e mesmo as alterações de ordem psicológicas não devem ser desconsiderados.
Portanto, as atividades educativas em nutrição podem e devem ser utilizadas como um
importante instrumento de apoio na promoção da saúde aproveitando-se do espaço criado
pelo Programa nacional de Alimentação Escolar (PNAE) para refletir, analisar e discutir esses
fatores, sem que isso seja considerado um substitutivo das necessárias e urgentes reformas
estruturais que, certamente, proporcionariam uma melhor distribuição de renda e, por
consequência, condições de vida mais dignas.

ATIVIDADE FÍSICA E PROMOÇÃO DE SAÚDE.


A saúde é um dos temas transversais apontados pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais, lidam com as condições concretas de sujeitos e comunidades sendo
complementar e interdependente. No cotidiano escolar, esses temas emergem em situações
concretas, nas tomadas de decisões e nas interações, nos impasses entre pessoas e grupos,
nos conteúdos dos textos e materiais de estudo e de trabalho.

619
O trabalho escolar lida com os valores, as crenças, os mitos e as representações que
se têm sobre a própria relação do saber-fazer-ser educador e educando. Organizar e
estimular situações de aprendizagem nas quais a saúde possa ser compreendida como
direito de cidadania e um pressuposto ético, valorizando as ações voltadas para sua
promoção, é inerente à escola.
São múltiplas as faces do estar saudável ou estar doente, e, reconhecida essa
complexidade, o professor lidará com as questões de saúde e de doença de maneira
diferenciada, atuando mais intensamente nas ações preventivas, ou seja, através da
informação e orientação para a profilaxia.
Considerando as teorias sócio interacionistas de base da educação e assimilando com
o tema abordado, pode-se dizer que promover saúde é tocar nas diferentes dimensões
humanas, é considerar a afetividade e a inteligência, igualmente relevantes e como
indissociáveis das demais dimensões, portanto, a promoção da saúde é vivencial,
interiorizada através da prática e pela influência do meio, desta forma, nitidamente, a escola
exerce o potencial nesse desenvolvimento.
Asseguradamente o professor de educação física tem total autonomia para tratar de
questões ligadas à saúde na escola através dos Temas Transversais, pois este se baseia numa
tomada de posição diante de problemas fundamentais e urgentes da vida social, o que
requer uma reflexão sobre o ensino e a aprendizagem de seus conteúdos: valores,
procedimentos e concepções a eles relacionados partindo da necessidade do contexto ao
qual está inserido, trabalhando com atividades em sala de aula e até com grandes projetos
voltados à prática de atividade física como instrumento na manutenção da saúde, uma vez
que o mesmo está diretamente relacionado aos mais diversos tipos de doenças crônicas.
Tratando de saúde, o PCN apresenta como um de seus objetivos a manutenção de
saúde assim como apresentado: “Conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e
adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo
com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva.”
Para isto, podemos observar que os métodos liberais de ensino e aprendizagem não
são eficientes para tratar desse assunto, necessitando de uma ação mais construtiva,

620
partindo da real necessidade do aluno e nele centrado, a fim de desenvolver sua autonomia
assim como também é tratado no documento citado.

A autonomia refere-se, por um lado, a um nível de desenvolvimento


psicológico (conforme explicitado no documento de Ética), e, por outro
lado, à uma dimensão social. A autonomia pressupõe uma relação na qual
os outros se fazem necessariamente presentes como alteridade. Nesse
sentido, trata-se da perspectiva da construção de relações de autonomia.
Não existe a autonomia pura, como se fosse uma capacidade absoluta de
um sujeito isolado. Por isso, só é possível realizá-la como processo coletivo
e que implica relações de poder não autoritárias.

Nessa perspectiva, fica evidente a relevância das relações sociais democráticas para a
construção dessa competência. Ainda no mesmo capitulo em que se encontra o texto
anterior vemos:

O comportamento pessoal se articula com inúmeros outros fatores sociais


seja na manutenção, seja na transformação desses valores e das relações
que os sustentam. Portanto, o desenvolvimento de atitudes pressupõe
conhecer diferentes valores, poder apreciá-los, experimentá-los, analisá-los
criticamente e eleger livremente um sistema de valores para si.

CONSIDERAÇÕES GERAIS
De fato, para que se tenha um resultado interventivo relevante, mais do que ações
isoladas, é preciso articular os sistemas, integrando-os e possibilitando a intersetorialidade
de forma a garantir a qualidade de vida e a saúde da população. O programa de alimentação
escolar se revela, assim, como um espaço propício para desenvolver atividades de promoção
da saúde, produção de conhecimentos e de aprendizagem na escola. Atendendo aos
requisitos expostos anteriormente, o PNAE poderia utilizar o espaço educativo em que se
constitui no sentido de provocar o diálogo com a comunidade escolar sobre os fatores que
influenciam suas práticas alimentares diárias, possibilitando questioná-las e modificá-las,
ajustando-as com as diferenciações culturais, por meio da discussão de temas como: fatores
condicionantes e determinantes de práticas alimentares, crenças e tabus.
Criar um ambiente favorável à aprendizagem, enquanto um processo social e
permanente, para que todos aqueles que exercem suas atividades no cenário escolar
possam conduzir sua alimentação em busca de uma vida mais saudável, cientes dos
condicionantes de suas práticas alimentares, é uma forma de desenvolver os recursos sociais
621
e pessoais necessários para alcançar o estado de bem-estar. Esta é a mais relevante
contribuição que o programa de alimentação escolar pode dar para promover a saúde da
comunidade escolar e de seus familiares. O nutricionista tem aí a oportunidade de
desenvolver outros papéis além daquele de administrador de refeições que suavizam o
efeito da pobreza sobre a população carente, como se fosse essa a única função dos
programas de suplementação alimentar. Desenvolvendo seu potencial como educador em
nutrição, deve estar presente na transformação do espaço da merenda escolar em um
ambiente de promoção da saúde e de aprendizagem. Explorando, no serviço de alimentação
escolar, situações que permitam adquirir conhecimentos significativos a partir da
experiência cotidiana, o nutricionista cria condições para tornar o ambiente onde quem atua
também ensina e aprende, num empenho conjunto na busca por melhores condições de
saúde.
O educador físico, por sua vez, também deve exercer papel fundamental no processo
de promoção de saúde, pois a sua atuação permite, além de tudo, um contato pessoal com
seus alunos, dando-lhe possibilidade de ações ajustadas ás particularidades.
Em fim, podemos constatar em diversos estudos a atividade física e a alimentação
como componentes indissociáveis e ambos por si só, se não equiparadas, não são suficientes
para a intervenção e manutenção da saúde do sujeito.
No auge da transformação da escola para uma total democracia, sendo um dos
principais objetivos do plano nacional de educação, a cooperação em conjunto com os mais
diversos segmentos sociais e cidadãos interligados pode colabora um atendimento mais
eficiente dando ênfase aos aspectos qualitativos sobre os quantitativos.

REFERÊNCIAS
ABREU, M. Alimentação escolar: combate à desnutrição e ao fracasso escolar ou direito
da criança e ato pedagógico? Em Aberto. Brasília, v.15, n.67, p.5-20, 1995.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais. Introdução. Ensino Fundamental. Brasilia:
MEC/SEF, 1998

622
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Gestão de Recursos Federais – Manual para Agentes
Públicos. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/cgu/cartilha_CGU.pdf> Acessado em 12 de
dezembro de 2014
Decreto nº 37.106, de 31 de Março de 1955. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-37106-31-marco-1955-
332702-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acessado em 12 de dezembro de 2014.
IPIRANGA, L. Prefácio. In: LEME, Maria José Paes; PERIN, Maria da Luz F. 1, 2. Feijão com
arroz: educação alimentar. Brasília: FAE/MEC, 1995, p. 5.
MOYSES, M.A.A., COLLARES, C.A.L. Aprofundando a discussão das relações entre
desnutrição, fracasso escolar e merenda. Em Aberto, Brasília, v.15, n.67, p.33-56, 1995.
PIPITONE, M.A.P. A relaçãosaúde e educação na escola de 1º Grau. Alimentação e
Nutrição, São Paulo, n.65, p.48-52, 1995.

623
A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO – A PERSPECTIVA
VYGOTSKYANA DA EDUCAÇÃO NA ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

Camilla Paiva Silva Crespo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Fernanda Castro Manhães


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Rosalee Santos Crespo Istoe


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente artigo se ocupa em apresentar a perspectiva Vygotskyana dos


processos de aquisição do conhecimento, colocando ênfase no papel da mediação para
construção desses processos. Em princípio se questionou como as relações interpessoais
poderiam contribuir para o desenvolvimento cognitivo da criança. A partir do conceito de
Zona de Desenvolvimento Proximal, Vygotsky então apresenta a intervenção do mediador
social como instrumento fundamental para a eficácia desse desenvolvimento. A metodologia
utilizada foi a revisão bibliográfica com o uso de fonte primária e secundárias.
Palavras-chave: Desenvolvimento Cognitivo; Mediação e Zona de Desenvolvimento
Proximal.

INTRODUÇÃO
Desde o nascimento, a criança é observada por pesquisadores em seu
desenvolvimento fisiológico, motor, intelectual, psicológico e social. Muitos estudos nas
áreas da saúde, da educação, da psicologia, da sociologia tentam dar conta da complexidade
que é conhecer o humano e seu desenvolvimento. Cada disciplina focando em um aspecto
determinado e todas procurando uma comunicação entre si acabam conferindo ao tema o
status de interdisciplinar, uma vez que diante de um objeto de estudo tão complexo,
nenhuma alcança êxito sozinha.
Falar de desenvolvimento humano é falar de interdisciplinaridade, é falar de
cognição, é falar de linguagem. O presente artigo tem por objetivo apresentar a visão
Vygotskyana acerca do desenvolvimento cognitivo da criança, que enfatiza a aquisição da
linguagem com marco qualitativo de sua evolução maturacional, e também, refletir sobre a
importância da mediação nesse processo.

624
A inserção da criança no meio social, tanto pela via da família, quanto pela via da
escola, é fortemente marcada por mediadores, pessoas que se incumbem de lhe passar
informações e conhecimentos culturais e científicos, capazes de alterar sua condição
psicoemocional e intelectual.
Num intercâmbio entre Psicologia, Educação e Sociologia, Vygotsky trata dessa
relação entre aprendizado, desenvolvimento e mediação quando apresenta o conceito de
Zona de Desenvolvimento Proximal e diz que as capacidades reais de uma criança
influenciam seu aprendizado e este amplia aquelas. Tal processo é manejado pela figura da
mediação, principalmente a social, que fará a ponte entre um nível de desenvolvimento e
outro mais elevado.
Por seu turno, o instrumento psicológico mais utilizado pelo mediador social é a
linguagem, responsável não só pela comunicação e inter-relação dos sujeitos, mas também
por uma função organizadora do conhecimento, que produz novas formas de
comportamento.

INTERAÇÃO ENTRE APRENDIZADO E DESENVOLVIMENTO


Depois de concluir que o momento de maior significação no curso do
desenvolvimento intelectual do indivíduo acontece quando a fala e a atividade prática
convergem, e que a relação entre o uso de instrumentos e o domínio da fala influenciam
várias funções psicológicas. Vygotsky passa a resenhar a teoria e a prática educacionais de
sua época. De acordo com Newman e Holzman (2002), ele percebeu que havia três
perspectivas principais sobre a relação entre Desenvolvimento e Aprendizagem:
A primeira perspectiva assevera que os processos de desenvolvimento da criança são
independentes do aprendizado. Essa perspectiva, chamada por Newman e Holzman (2002)
de Separatista, tem em Piaget seu maior defensor. Os clássicos da literatura psicológica
admitem que o desenvolvimento é sempre antecessor, sempre um pré-requisito para o
aprendizado, e que mesmo que haja explicações e métodos de ensino excelentes, a criança
só seria capaz de aprender ou assimilar o conhecimento se já estivesse madura
suficientemente para aquela informação.

625
Todos os esforços concentram-se em encontrar o limiar inferior de uma
capacidade de aprendizado, ou seja, a idade na qual um tipo particular de
aprendizado se torna possível pela primeira vez” (VYGOTSKY, 2007, pag.
88).

Vygotsky (2007) critica essa perspectiva no sentido de que ela não abre margem de
possibilidade para que o processo de aprendizagem possa trazer algum ganho de
desenvolvimento para o indivíduo. Somente o desenvolvimento poderia favorecer o
aprendizado. Mas nunca o aprendizado poderia aumentar ou qualificar o desenvolvimento.
Newman e Holzman (2002) falam de uma dependência unilateral: “a aprendizagem, embora
separada do desenvolvimento, depende do desenvolvimento, enquanto o desenvolvimento
não é afetado pela aprendizagem” (p.73).
E, Vygotsky (2007) resume essa perspectiva dizendo que “o aprendizado forma uma
superestrutura sobre o desenvolvimento, deixando este último essencialmente inalterado”
(p.89).
A segunda perspectiva é a da Identidade, que postula a igualdade entre aprendizado
e desenvolvimento. Seu precursor foi Willian James que admitia que o desenvolvimento era
o domínio de reflexos condicionados. O processo de aprendizado era visto inseparavelmente
misturado com o processo de desenvolvimento. James acreditava que os hábitos eram a
base tanto para o desenvolvimento quanto para a aprendizagem.
Vygotsky (2007) se referiu a essa perspectiva como reducionista, vez que reduzia
aprendizado à formação de hábitos e identificava dois processos diferentes,
desenvolvimento e aprendizado.
A terceira perspectiva era uma tentativa de conjugar as duas anteriores,
combinando-as. Koffka foi seu grande representante, ele acreditava que o desenvolvimento
poderia se realizar através da maturação do sistema nervoso, mas também por meio da
aprendizagem. Newman e Holzman (2002) destacam que Koffka admitia a influência da
aprendizagem sobre o desenvolvimento, mas o criticam dizendo que ele não especificou
como essa influência acontecia.
Apesar de não aderir a essa terceira perspectiva de relação entre desenvolvimento e
aprendizagem, Vygotsky valoriza três aspectos que a diferenciam das demais: o primeiro, é
que ela combina dois pontos de vista que até então eram tidos como opostos, ou seja, que

626
maturação biológica e aprendizado influenciam o desenvolvimento; o segundo, é que os dois
aspectos que constituem o desenvolvimento são interagentes e dependentes, apesar de
Koffka não explorar muito como se dá essa interação; e o terceiro, é a importância que ele
dá ao aprendizado no desenvolvimento da criança. Koffka e outros teóricos do
desenvolvimento afirmam que

o processo de aprendizado não pode, nunca, ser reduzido simplesmente à


formação de habilidades, mas incorpora uma ordem intelectual que torna
possível a transferência de princípios gerais descobertos durante a solução
de uma tarefa para várias outras tarefas (VYGOTSKY, 2007, p.93).

Nesse sentido, o aprendizado de uma tarefa ou operação seria capaz de alterar


algum aspecto psicológico do indivíduo, possibilitando um acréscimo qualitativo no seu
desenvolvimento.
Conforme dito, Vygotsky (2007) não concordou completamente com nenhuma das
três perspectivas que na época norteavam a relação entre aprendizagem e
desenvolvimento. Ele conseguia perceber nitidamente que a criança em idade escolar já
chegava a esse ambiente com uma história prévia que dava a ela um suporte cognitivo capaz
de auxiliá-la no aprendizado de conhecimentos científicos. Segundo ele, já no período de
suas primeiras interrogações, quando a criança começa a falar e a nomear os objetos em seu
ambiente, ela está aprendendo.
Desse modo, seu contato com outros indivíduos, a imitação que faz de seus
comportamentos, seu sistema de perguntas e resposta desenvolvem na criança um
repositório de habilidades. “De fato, aprendizado e desenvolvimento estão inter-
relacionados desde o primeiro dia de vida da criança” (VYGOTSKY, 2007, p.95).
Vygotsky (2007) aponta para o fato de que Koffka dedicou-se a aspectos mais simples
do aprendizado, àqueles que aconteciam em idade pré-escolar, e afirma que ele erra ao
apontar similitudes entre aprendizado pré-escolar e escolar, não conseguindo perceber
elementos novos que este último pode introduzir.

ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL (ZDP)


Além de o aprendizado escolar ser mais sistematizado que o pré-escolar, há nele algo
que produz uma mudança fundamental no desenvolvimento da criança. Mas para elaborar
627
melhor as dimensões do aprendizado escolar, Vygotsky (2007) precisou descrever um
conceito novo, o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal como sendo a

[...] distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma


determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes (p. 97).

Até então a maturidade de uma criança era medida pelo nível de desenvolvimento
real que ela apresentava, ou seja, por aquelas habilidades que ela era capaz de
desempenhar sem ajuda de qualquer pessoa, de forma independente, sem, contudo, levar
em consideração o que ela seria capaz de fazer se recebesse algum tipo de auxílio. No
entanto, o que Vygotsky (2007) quis demonstrar é que aquilo que a criança está prestes a
realizar de forma autônoma revela mais sobre seu desenvolvimento do que aquilo que ela já
faz sozinha.
A fim de demonstrar sua teoria, Vygotsky (2007) construiu um exemplo em que
compara duas crianças que acabaram de entrar na escola, ambas com dez anos de idade
cronológica e oito anos em termos de desenvolvimento mental. Ele questiona se poderia
dizer que elas têm a mesma idade mental, e responde que naturalmente sim, no sentido de
que elas podem lidar, de forma independente, com tarefas até o grau de dificuldade que foi
padronizado para o nível de oito anos de idade. Vygotsky afirma que se parasse nesse
ponto, as pessoas poderiam imaginar que o curso subsequente do desenvolvimento mental
e do aprendizado escolar para essas crianças seria o mesmo, uma vez que ele depende dos
seus intelectos. No entanto, se esse ponto de referência fosse apenas um dado inicial, e se
fossem mostradas às crianças várias maneiras de tratar um determinado problema,
diferentes resultados surgiriam: alguns adultos poderiam realizar uma demonstração inteira
e pedir à criança para repeti-la, outros poderiam iniciar a solução e pedir à criança para
terminá-la ou, ainda, fornecer pistas. Nessas circunstâncias, seria possível perceber que a
primeira criança pôde lidar com problemas até o nível de doze anos de idade e a segunda
até o nível de nove anos de idade. Com isso, Vygotsky conclui que essas crianças não
apresentam a mesma idade mental.

628
Nesse sentido, para se alcançar a realidade mais próxima do desenvolvimento mental
da criança, é preciso analisá-la em seus dois níveis: o de desenvolvimento real e a zona de
desenvolvimento proximal. Feito isso, Hedegaard (1996) salienta que seria possível traçar
condições de ensino mais adequadas, estimulando uma série de processos internos de
desenvolvimento. Para a autora, a zona de desenvolvimento proximal funcionaria como uma
ferramenta analítica para planejar o ensino, e favorecer a aprendizagem.
Pode-se perceber que o pensamento de Vygotsky aponta para o fato de que a
aprendizagem conduz o desenvolvimento, ela o direciona. A partir do desenvolvimento real,
deve-se estimular a criança apresentando-lhe desafios que vão além desse marco, criando a
zona onde será possível a produção de um salto qualitativo de desempenho cognitivo, a
zona de desenvolvimento proximal. Vygotsky (2007) propõe que “um aspecto essencial do
aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o
aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, (...)” (p.103).
Newman e Holzman (2002), afirmam que a análise de Vygotsky sobre a história do
desenvolvimento da relação entre conceitos espontâneos e conceitos científicos é um
excelente exemplo de como a aprendizagem conduz o desenvolvimento, e é exemplo
também da afirmação que ele faz de que essa condução favorece a crescente capacidade da
criança em se envolver em atividades de forma volitiva e consciente. Para eles, essa
abordagem é a comprovação da natureza social da volição e da consciência. Isso porque, ela
é desenvolvida numa interação entre a criança e o adulto ou entre a criança e outras mais
desenvolvidas.
Considerando conceitos espontâneos como aqueles que a criança aprende na sua
vida diária e conceitos científicos como aqueles recebidos no ambiente escolar como parte
de um sistema de conhecimento (NEWMAN, HOLZMAN, 2002), Hedegaard (1996) chama
conceitos espontâneos de conceitos corriqueiros e afirma que:

o grau com que a criança domina os conceitos corriqueiros mostra seu nível
de desenvolvimento presente, e o grau com que ela adquiriu os conceitos
científicos mostra a zona de desenvolvimento proximal (p. 200).

629
De maneira que, a maior ou menor facilidade que o indivíduo tem em assimilar
conceitos científicos, aponta para o seu maior ou menor desenvolvimento, dentro da zona
de desenvolvimento proximal.
Conclui-se que, no que se refere à relação entre desenvolvimento e aprendizado,
Vygotsky percebeu que o bom aprendizado é aquele que se adianta ao desenvolvimento,
uma vez que é ele, o bom aprendizado, quem cria a zona de desenvolvimento proximal.
Somente através do ensino/aprendizado, notadamente o sistematizado, é que processos
internos de desenvolvimento são despertados.

MEDIAÇÃO
Coll et al, (1996) em seu livro Desenvolvimento Psicológico e Educação, II, declara
que o processo de formação das funções psicológicas superiores se dá através da atividade
prática e instrumental do indivíduo sobre seu ambiente. Porém, essa atividade não acontece
de forma individual, mas sim em interação ou em cooperação social. A transmissão dessas
funções acontece mediante a atividade ou interatividade entre a criança e o adulto ou entre
ela e outras crianças mais maduras, na zona de desenvolvimento proximal. Ele afirma que
esse processo de mediação pode ser chamado de educação, e salienta que Vygotsky
apresentou dois tipos de mediação, a instrumental e a social.
Baseando-se na lógica dialética de Marx e no seu materialismo histórico,
principalmente na ideia de que o homem produziu instrumentos para modificar o ambiente,
e assim evoluiu culturalmente, ele afirma que Vygotsky propôs a mediação instrumental a
partir do conceito de instrumento psicológico, que caracteriza a atividade humana, e é
conceituado como sendo “todos aqueles objetos cujo uso serve para ordenar e reposicionar
externamente a informação” (COLL et al,1996, p.83).
São exemplos de instrumentos psicológicos uma moeda, uma régua, uma agenda, um
semáforo e, o mais importante de todos, o sistema de signos, e com ele a linguagem, que se
constitui como grande sistema de mediação instrumental.
Dessa forma, a internalização dos instrumentos psicológicos, notadamente da
linguagem, possibilita ao indivíduo um salto de qualidade na sua interação cultural,
produzindo desenvolvimento psíquico e cognitivo. Coll et al (1996) afirmam que, na

630
perspectiva de Vygotsky, “nossos sistemas de pensamento são fruto da internalização de
processos mediadores desenvolvidos por e em nossa cultura.”(p.84)
Assim também, e mais ainda, a mediação social ou mediação instrumental
interpessoal constrói as estruturas necessárias para o desenvolvimento da criança. Ao ser
inserida num contexto social e cultural desde o nascimento, a criança vai internalizando as
informações e as experiências recebidas do adulto e de outras crianças maiores. Esse
processo de mediação interpessoal “permite que a criança desfrute de uma consciência im-
própria, de uma memória, atenção, categorias e inteligência, emprestadas pelo adulto, (...)”.
(COLL et al, 1996, p.85)
Inicialmente, a visão de mundo da criança é uma visão social e externa, construída
pelo outro. Na medida em que a criança vai amadurecendo e construindo correlatos
internos para os operadores externos, é que sua mente, sua visão de mundo vai se tornando
individualizada. Isso é o que Vygotsky estabeleceu com sua lei da dupla formação dos
processos psicológicos, segundo Coll et al (1996):

No desenvolvimento cultural da criança, toda função aparece duas vezes:


primeiro em nível social e, mais tarde, em âmbito individual: primeiro entre
pessoas – interpsicológica – e depois, no interior da própria criança –
intrapsicológica.

É possível perceber que o conceito de mediação, tanto instrumental quanto social, é


fundamental pra a construção do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. A relação
que se estabelece entre o indivíduo e os instrumentos psicológicos, e a relação desse
indivíduo com outros mais desenvolvidos, traz como consequência um ganho qualitativo no
desenvolvimento intelectual, cognitivo e psicológico desse indivíduo.

Empregar conscientemente a mediação social implica dar, em termos


educativos, importância não apenas ao conteúdo e aos mediadores
instrumentais (o que é que se ensina e com o quê), mas também aos
agentes sociais (quem ensina) e suas peculiaridades (COLL et al, 1996, p.85).

A mediação interpessoal acontece dentro da ZDP e leva em consideração aspectos


particulares do mediador, dentre eles sua maior experiência sobre a questão mediada. Mas
não apenas isso, o mediador acaba por se transformar em um modelo, em uma referência
para a criança.

631
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, é possível perceber que, dentro da perspectiva de
Vygotsky, a mediação tem papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo, por isso sua
teoria tem um cunho social tão relevante. O indivíduo se constrói e é construído numa
interação relacional, tanto dele com o ambiente, quanto dele como outros indivíduos.
Em princípio se questionou como as relações interpessoais poderiam contribuir para
o desenvolvimento cognitivo da criança, mas o que se pode inferir com o presente estudo é
que as relações interpessoais estão na base de todo desenvolvimento, não só o cognitivo.
No que se refere especificamente à mediação social ou interpessoal, a contribuição
também se verifica nos aspectos psicoemocionais, vez que, ao se levar em conta a qualidade
da relação entre mediador e mediado, vínculos afetivos podem se estabelecer. Nesse
sentido, é preciso lançar um olhar mais acurado sobre a relação aluno/professor, dentro do
ambiente escolar. Para além do quê e do como, é fundamental que se questione sobre quem
está mediando.
O mediador escolar há que ser um indivíduo competente, qualificado e empenhado
no seu ofício. Há que ter consciência da importância do seu papel e do quanto pode
modificar a realidade intelectual, emocional, psicológica e social do seu aluno. Independente
das políticas públicas, do reconhecimento e valorização profissional necessários, o
profissional da educação necessita responsabilizar-se e comprometer-se com a
profundidade do alcance da sua função: não apenas informar, mas também formar.

REFERÊNCIAS
COLL, César; PALACIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro. Desenvolvimento psicológico e
educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes médicas, 1996.
HEDEGAARD, M. A Zona de Desenvolvimento Proximal como Base para a Instrução. In:
MOLL, L. C. (org) Vygotsky e a educação: Implicações pedagógicas da psicologia sócio-
histórica. Artes Médicas, 1996.
NEWMAN Fred; HOLZMAN, Lois. Lev Vygotsky – cientista revolucionário. São Paulo. Ed.
Loyola. 2002.

632
VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins, 2007.

633
ALFABETIZAÇÃO E APRENDIZAGEM NA TERCEIRA IDADE: EDUCAÇÃO, INCLUSÃO E
CIDADANIA

Márcia Regina Pacheco Soares


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Rosalee Santos Crespo Istoe


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Uma das características da sociedade no século XXI é o aumento da população


idosa. Diante das alterações nas distribuições etárias a educação se destaca como um
elemento relevante na inclusão social e para a longevidade com qualidade de vida da
população na terceira idade. O objetivo desse trabalho é refletir e discutir a relevância da
alfabetização de pessoas idosas, visto que no Brasil há um significativo contingente de idosos
que não sabem ler e escrever, e por isso, enfrentam limitações no cotidiano de suas vidas,
além da exclusão social e do preconceito por eles vivenciados frente a supremacia de uma
sociedade letrada. Este trabalho, de natureza qualitativa e embasado em referenciais
teóricos, desponta para a importância das políticas e ações educativas no processo de
alfabetização de idosos serem mediadas por especificidades e adequações, para que essa
população viva com melhor qualidade de vida.
Palavras-chave: Idoso. Analfabetismo. Letramento.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Novos paradigmas surgem na sociedade em função do envelhecimento populacional
e das alterações na distribuição etária com significativo aumento da população idosa no
Brasil. A longevidade com qualidade de vida, antes de tudo, pressupõe a superação de
estigmas, preconceitos e a concepção de que o envelhecimento estaria associado ao
declínio, à incapacidade e à morte. O paradigma da inclusão social ou não exclusão desta
parcela populacional, nos remete a pensar em novas práticas pedagógicas que visem
promover a interação e a valorização em diferentes formas de construção do conhecimento,
eliminando barreiras, questionando os mecanismos de segregação e vislumbrando novos
caminhos que possibilitem a permanência ativa da pessoa idosa na sociedade.
Ações educativas para este público pressupõe o desenvolvimento de ações
estruturadas que atendam as especificidades do aluno idoso no processo educacional,
enfatizando recursos que assegurem a aquisição de novas aprendizagens, do
desenvolvimento cognitivo e de inclusão social. A educação nesta fase da vida já não

634
apresenta o mesmo significado da juventude, nem tem a obrigatoriedade legal, mas
representa a auto realização, a participação social, a autoconfiança e a autonomia.
Se considerarmos as faixas etárias, a população idosa apresenta a maior taxa de
analfabetismo, o que consequentemente acarreta maior grau de dependência e exclusão
social. Transpor barreiras impostas pelo analfabetismo pressupõe ações estratégicas
flexíveis, produtoras de conhecimentos e que abranjam as mudanças oriundas das
transformações sociais.
Diante desses argumentos, este trabalho se apresenta com objetivo principal
provocar reflexões e discuções a respeito da importância da alfabetização na terceira idade.

O “AGRISALHAMENTO” DA POPULAÇÃO
O processo de transição demográfica, relacionado com a queda das taxas de
mortalidade e fecundidade, tem provocado uma rápida variação na estrutura etária do Brasil
e de todo o mundo. Esta tendência tem se caracterizado pela redução proporcional de
crianças e jovens, associado ao aumento da população adulta e da substantiva elevação da
população idosa. No Brasil, em relação à população idosa, a previsão, segundo dados
divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística ( IBGE, 2011), é que esse
número triplique do ano de 2010 até 2050, passando de 21 milhões de idosos em 2010 para
63 milhões, correspondentes a 10% do total da população em 2010 para 29% em 2050.
Revela ainda, que em 2025 o Brasil estará mundialmente colocado no sexto lugar em
população idosa, com aproximadamente 32 milhões de pessoas com 60 ou mais anos de
idade. A tendência de envelhecimento populacional fica ainda mais clara ao se observar que
o grupo de idosos de 60 anos ou mais de idade será maior que o grupo de crianças com até
14 anos de idade após 2030, e em 2055 a participação de idosos na população total será
maior que a de crianças e jovens com até 29 anos de idade (IBGE, 2013). Assim, para a
Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005), “Uma redução nas taxas de fertilidade e um
aumento da longevidade irão assegurar o contínuo “agrisalhamento” da população
mundial”. (OMS, 2005, p.8).
Sendo assim, o envelhecimento populacional e as alterações na distribuição etária,
acarretam consequentemente demandas por políticas públicas específicas, além de servir

635
como alerta para uma sociedade excludente e seletiva do necessário comprometimento com
a inclusão das pessoas envelhecidas como agentes atuantes do contexto social. A OMS
(2005) considera que qualquer que seja a idade definida dentro de contextos diferentes, é
importante reconhecer que a idade cronológica não é um marcador preciso para as
mudanças que acompanham o envelhecimento. Existem variações significativas relacionadas
ao estado de saúde, participação e níveis de independência entre pessoas idosas que
possuem a mesma idade. Afirma que as autoridades precisam considerar essas variações ao
formular políticas e programas para esta população. A longevidade com qualidade de vida,
antes de tudo, pressupõe a superação de estigmas, preconceitos e a concepção de que o
envelhecimento estaria associado ao declínio, à incapacidade e à morte. O idoso que
compõe a sociedade atual está aberto a novos conhecimentos, é produtivo, ativo,
autônomo, capaz de ocupar e ter seu espaço reconhecido pela sociedade.

UM NOVO CONCEITO DE ENVELHECIMENTO


A partir das últimas décadas do século XX, o envelhecimento populacional, passou a
chamar a atenção de cientistas e pesquisadores de todo mundo, corroborando com a
produção científica sobre a velhice, onde estudos e pesquisas de diversas áreas, com
abordagens a diferentes temas, passaram a contribuir significativamente na alteração dos
conceitos referentes à velhice e suas representações sociais. Tais contribuições, de
incontestáveis relevâncias, vêm fortalecendo a superação de estigmas e preconceitos
relativos às pessoas idosas e a inclusão do novo conceito de envelhecimento. Para Lima
(2001, p. 51) “A partir do reconhecimento de que a velhice é algo além do envelhecimento
fisiológico e psicológico de indivíduos, as práticas de intervenção puderam ser modificadas
significativamente”.
Para a OMS (2005), um envelhecimento ativo baseia-se no reconhecimento dos
direitos humanos das pessoas mais velhas e nos princípios de independência, participação,
dignidade, assistência e auto realização; permitindo que essas pessoas percebam o seu
potencial para o bem estar físico, social e mental ao longo do curso da vida; e afirma ainda
que: “A palavra “ativo” refere-se à participação contínua nas questões sociais, econômicas,

636
culturais, espirituais e civis, e não somente à capacidade de estar fisicamente ativo ou de
fazer parte da força de trabalho.” (OMS, 2005,p.13).
Partindo desta concepção de envelhecimento ativo, pressupõe-se que preservando o
equilíbrio entre as suas potencialidades e limitações, a aquisição de novas aprendizagens se
destaca como auxiliar na manutenção de um envelhecimento saudável quer seja nos
aspectos físicos, psicológicos ou sociais, visto que, “o desenvolvimento das capacidades
cognitivas ocorre durante toda a vida, inclusive na velhice, contrapondo-se à tradicional
ideia de que somente crianças e adolescentes poderiam se desenvolver cognitivamente”
(SCORALICK-LEMPKE, et al., 2012, p.650).
Como coadjuvantes do funcionamento e fortalecimento cognitivo na velhice,
destacam-se, entre outros, a motivação, a autoestima, a satisfação com a vida, a
autoconfiança e a segurança de pertencimento a grupos familiares e sociais. Neste sentido,
a educação ocupa papel fundamental para os aspectos cognitivos durante o processo de
envelhecimento, favorece a formação crítica do idoso, para que tenha condições de manter-
se ativo e com maior inserção social, com consciência de seus valores, com potencialidade
de articulação, de exigir mais respeito, dignidade, reivindicar os seus direitos e maior
percepção de suas próprias competências. A OMS (2005) acrescenta que:

Apoio social, oportunidades de educação e aprendizagem permanente, paz


e proteção contra a violência e maus-tratos são fatores essenciais do
ambiente social que estimulam a saúde, participação e segurança, à medida
que as pessoas envelhecem. Solidão, isolamento social, analfabetismo e
falta de educação, maus-tratos e exposição a situações de conflito
aumentam muito os riscos de deficiências e morte precoce (OMS, 2005,
p.28).

Além de ser agente da ação que transforma, a educação é um direito elementar de


todo ser humano, independente da idade. O idoso tem direito à educação, não como
compensação, mas enquanto espaço de novas aprendizagens, de dignidade e de inclusão.
Assim, as ações educativas direcionadas a este público, devem possibilitar o equilíbrio entre
os declínios provenientes do envelhecimento e os benefícios ocasionados por essas
atividade.

637
Assim, a educação pode estimular a aquisição de novas descobertas, promovendo
possíveis ganhos durante a velhice. Para SCORALICK-LEMPKE, et al., (2012) a educação
destinada a pessoas idosas tem três diferentes funções:

1) oferecer recursos àqueles que, por circunstâncias pessoais, não tiveram


oportunidades educativas em etapas anteriores; 2) auxiliar os idosos
quanto à prevenção e à solução de déficits associados a essa fase, na
medida em que novos aprendizados propiciam significativos benefícios
sobre o funcionamento cognitivo; 3) facilitar a retomada de papéis sociais,
bem como potencializar as atividades e os relacionamentos interpessoais,
evitando as perdas dos vínculos que parte da população idosa experimenta
(SCORALICK-LEMPKE, et al., 2012, p.651).

Para a UNESCO (2009, p.11) “a educação é um direito fundamental, uma chave que
permite o acesso aos direitos humanos básicos, tais como saúde, habitação, trabalho e
participação, entre outros”.

O IDOSO E O ANALFABETISMO
A UNESCO (2008) adverte que os desafios da alfabetização dos jovens, dos adultos e
principalmente dos idosos no Brasil ainda são imensos, aponta que em 2006 mais de 65
milhões de jovens, adultos e idosos brasileiros tinham escolaridade inferior ao ensino
fundamental, e o país possuía, ainda, 14,3 milhões de analfabetos absolutos, a maior parte
dos quais pertencentes aos grupos com idades mais avançadas. Apesar dos avanços da
última década, dados do INAF (2011/2012) apontam que o percentual da população
alfabetizada funcionalmente passou de 61% em 2001 para 73% em 2011, mas acrescenta
que apenas um em cada quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura,
escrita e matemática.
O censo de 2010 realizado pelo IBGE (2011) revela que a maior taxa de
analfabetismo, segundo os grupos de idade, está entre as pessoas com 60 anos ou mais,
apesar de ter havido redução entre os anos de 2000 e 2010. Para justificar este fato,
considera-se que a falta de oportunidade de acesso às instituições escolares nas décadas de
1930 a 1950, seja um dos fatores relevantes a essa realidade, como demonstrado a seguir:

No caso da população idosa, o indicador de alfabetização é considerado um


termômetro das políticas educacionais brasileiras do passado. Nas décadas

638
de 1930 até, pelo menos, os anos 1950, o ensino fundamental ainda era
restrito a segmentos sociais específicos. Nessa medida, o baixo saldo da
escolaridade média dessa população é um reflexo desse acesso desigual
(IBGE, 2002, p.20).

Para a OMS (2005, p. 30) “os baixos níveis de instrução e o analfabetismo estão
associados a maiores riscos de dependência e morte durante o processo de
envelhecimento”. Tajra (2013) acrescenta que:

O aprendizado, além de ser um processo em contínua mudança, é coletivo.


Negar o contexto no qual se vive é se transformar numa “caixa-preta”; é
não querer perceber o que está ao redor; é desprezar uma característica
típica do ser humano: a capacidade de aprender. Aprender é mudar.
Aprender significa romper constantemente para que possamos nos
posicionar como seres autônomos e transformadores diante do
ecossistema no qual estamos inseridos (TAJRA, 2013, p.112).

Ao longo de suas vivências, idosos analfabetos, apesar de não terem domínio da


leitura e da escrita, já ocupam papéis sociais e participam de práticas diárias onde são
obrigados a lidar com diversas situações em que a escrita e a leitura estão presentes.
Pertencentes a uma sociedade de cultura letrada, o uso da linguagem escrita exige
competências cada vez mais elaboradas. Cotidianamente os idosos deparam com a
necessidade de interagirem apoiados em textos escritos em folhetos, cartazes, receitas
médicas, caixas eletrônicos, rótulos, entre outros, uma vez que “a linguagem escrita é um
instrumento cultural por meio do qual se estabelecem relações sociais, se ordena e regula a
vida em sociedade, se produzem, registram e fazem circular conhecimentos e informações,
se promovem o acesso e a interação com a cultura, entre tantas outras coisas”.(UNESCO,
2008, p.57).
O domínio ou não da leitura e da escrita e saber ou não usá-las nas práticas sociais
afeta de muitas maneiras os papéis que idosos assumem ou lhes são atribuídos nas mais
diferentes atividades. Visto que: “São saberes que podem limitar ou ampliar a participação e
neles estão implicadas a aprendizagem de comportamentos, gestos, procedimentos,
atitudes e valores, o que traz uma série de conseqüências para os modos como as pessoas
percebem a si mesmas e são vistas socialmente”.(UNESCO, 2008, p.57).
A Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos ressalta no Artigo 11 que:

639
A alfabetização, concebida como o conhecimento básico, necessário a
todos num mundo em transformação (...), é um direito humano
fundamental. Em toda sociedade, a alfabetização é uma habilidade
primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras
habilidades. (...) A alfabetização tem também o papel de promover a
participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além
de ser requisito básico para a educação continuada durante toda a vida
(SESI/UNESCO,1999, p.23).

No Brasil, há um enorme contingente de idosos que não sabem ler e escrever e até
que nunca frequentaram instituições escolares. Sendo assim, muitas vezes “não
correspondem às expectativas sociais relacionadas à escolarização e aos diversos usos da
linguagem escrita, o que afeta suas vidas, restringindo os lugares sociais que podem ocupar,
as possibilidades e os recursos de que podem lançar mão para agir nos mais variados
âmbitos sociais”. (UNESCO, 2008, p. 58). E constantemente são estigmatizados e
discriminados como analfabetas e excluidas de situações que envolvem domínio da
linguagem escrita.
Na concepção de Paulo Freire, citado por Gadotti (2011, p. 13) a alfabetização vai
além do domínio do código linguístico, “possibilita uma leitura crítica da realidade, constitui-
se como importante instrumento de resgate da cidadania e reforça o engajamento do
cidadão nos movimentos sociais que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela
transformação social”.
Além de ser uma necessidade básica, independentemente da idade ou do grupo
social a que pertencem, ser alfabetizado é um direito humano e dever do Estado. Transpor
paradigmas na alfabetização de idosos pressupõe romper com o estigma do
assistencialismo, da recompensa por não estar na idade “própria” de estudar.
Na concepção de Soares (2002), indivíduos ou grupos sociais que dominam o uso da
leitura e da escrita têm habilidades e atitudes necessárias para a participação ativa e
competente de interação com os outros e com o mundo que os cerca, têm atitudes e
competências discursivas e cognitivas que lhes conferem estado ou condição de inserção em
uma sociedade letrada.
A UNESCO (2008) destaca que a alfabetização envolve aprendizagens para além da
decodificação e dos princípios de organização do sistema da escrita, inclui o domínio das
relações entre fonemas e grafemas, as regularidades e irregularidades ortográficas; de
640
compreensão e construção de sentidos em contextos de usos sociais da escrita e da leitura.
O processo de alfabetização envolvem, portanto, um conjunto de procedimentos
pertinentes ao planejamento de rotinas necessárias à aprendizagem da leitura e da escrita.
Inclui ainda, a seleção de livros e materiais didáticos que apóiem de forma consistente o
trabalho pedagógico, o diagnóstico dos saberes e necessidades dos estudantes, bem como a
análise dos processos de aprendizagem por eles já vivenciados.

A ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO NA VELHICE


Na concepção de UNESCO (2008) letramento e alfabetização são processos
indissociáveis e interdependentes. A alfabetização demanda o ensino intencional e
sistemático. É uma dessas práticas que introduz os estudantes na reflexão sobre o sistema
de escrita (saber para que serve, sua função social), que promove o domínio desse sistema
(saber como ele funciona) e que introduz aprendizagens sobre a leitura e a produção de
textos. Já o letramento que diz respeito ao conjunto de práticas de uso da linguagem escrita
numa dada sociedade ou contexto e se inicia ao conviver com as diferentes manifestações
da escrita na sociedade e se prolonga por toda a vida, com a crescente possibilidade de
participação em variadas práticas relevantes e necessárias que envolvem a escrita.
Nessa perspectiva Bagno, et al. (2005) ressalta que

Letrar não é simplesmente “ensinar a ler e a escrever”, mas criar condições


para que o indivíduo ou o grupo possa exercer a leitura e a escrita de
maneira a se inserir do modo mais pleno e participativo na sociedade
tipicamente letrada que é a nossa, (...) uma vez que a inserção na sociedade
letrada é requisito indispensável para a construção da cidadania e de uma
sociedade democrática, além de constituir direito inalienável do cidadão
(BAGNO, et al., 2005, p.69).

Assim, a alfabetização é um processo que permite as pessoas se envolverem e


participarem de modo autônomo onde a leitura e a escrita estejam de presentes. “Pessoas
não alfabetizadas não têm autonomia para lidar com a escrita em seu cotidiano. Sabem
muitas coisas sobre a escrita, criam estratégias para lidar com situações em que a escrita
está presente, mas não possuem conhecimentos suficientes para participar de modo pleno
em diversas práticas sociais”. UNESCO, 2008, p. 75).

641
Para Tajra (2013, p. 11) “os analfabetos são aqueles que não sabem relacionar,
criticar, interpretar e interagir com o seu meio”. Transpor barreiras impostas pelo
analfabetismo carece ações estratégicas flexíveis, produtoras de conhecimentos e que
abranjam as mudanças provenientes das transformações sociais.
São milhões os idosos brasileiros que não puderam se escolarizar no decorrer de suas
vidas, o que consequentemente difculta, entre outras coisas, a sua autonomia e a inclusão
social. Pensar na alfabetização de idosos nos compromete a refletir sobre sua condição de
cidadão e sujeito histórico, considerar suas vivências e experiências ao longo da vida, como
também atentar ao fato de que são cidadãos excluídos do universo escolar por razões
diversas, além das limitações físicas em relação à audição, visão, e aos aspectos cognitivos,
em função do envelhecimento. Contudo, tais condições e limitações não os caracterizam
como incapazes diante do processo de aprendizagem.
Portanto, para que o idoso possa ser usuário da escrita é preciso que além do
domínio de letras e códigos ele interaja em situações sociais em que a leitura é necessária. O
idoso uma vez alfabetizado aprende a fazer uso da escrita e da leitura em sua vida cotidiana.
Nesse sentido, os processos de alfabetização de idosos, devem focar as suas práticas
relacionadas à escrita e as variadas formas de uso, dando sentido em suas vivências.
Alfabetizar idosos, no entanto, não é apenas inseri-lo no mundo da leitura e da escrita é
acima de tudo despertar a sua capacidade de interpretar, compreender, criticar, reconstituir
e produzir conhecimento. Colaborando assim, para que possam transitar com intimidade
entre diversas práticas sociais e saibam buscar conhecimentos e informações para continuar
aprendendo ao longo da vida. No entanto, romper a marginalidade do analfabetismo na
terceira idade pressupõe ações estratégicas de transformação e de produção de
conhecimentos, dentro do contexto histórico, cultural e social.
Programas que atendem a esse público precisam considerar as suas experiencias, o
que já sabem e o que querem aprender. Assim, os programas de alfabetização de idosos,
“sua organização e funcionamento, seus conteúdos e abordagens metodológicas devem
estar ancorados nas necessidades dos sujeitos que dela tomam parte” (UNESCO, 2008, p.55).

642
Uma oferta educativa que inclua o ensino e a alfabetização de idosos deve antes de
tudo reconhecer as suas aprendizagens ao longo da vida, na família, na comunidade, no
trabalho, na sua participação social e no exercício da própria cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso interesse neste trabalho foi provocar uma reflexão, no que diz respeito, às
estratégias educacionais utilizadas no processo de ensino e aprendizagem de idosos,
ressaltando a alfabetização como necessidade elementar, e de direito, favorecedora no
desenvolvimento de competêncais e habilidades e de participação social, sem, no entanto,
ressaltar as ações educativas como assistencialistas, mas, como direito humano e exercício
da cidadania.
A alteração na configuração etária e a substantiva elevação da população idosa
configuram a nova estrutura da população brasileira e mundial, diante desta realidade, se
faz necessário à inclusão das pessoas envelhecidas como agentes atuantes do contexto
social. Tal ação reflete a necessidade de mudanças nas demandas por políticas educacionais
específicas, e acarretam implicações e adaptações, para que essa população viva com
melhor qualidade de vida.
Vivemos numa sociedade letrada e de constantes transformações sociais, o
analfabetismo, ainda imperativo entre pessoas com idade acima de 60 anos, ocasiona não
apenas limitações de leitura e escrita mas também exclusão social frente à supremacia do
letramento.
O processo de aprendizagem na alfabetização de idosos, se configura como uma
ferramenta de estímulo, de motivação, de elevação da autoestima, além de favorecedora no
desenvolvimento cognitivo, na autonomia, na descoberta de capacidades e potencialidades
e como promotora de interação e participação da pessoa idosa na sociedade atual, visto que
vivemos numa sociedade organizada por meio da escrita, e deparamos, tanto no ambiente
doméstico, nos espaços de lazer, na religião e nas práticas sociais mais variadas, com a
necessidade de ler e de escrever. Dominar a escrita e a leitura e conhecer seus usos amplia
as possibilidades de expressar opiniões e sentimentos. Assim, a alfabetização é um processo

643
que favorece a inclusão em diversas práticas de comunicação e é, principalmente, um
processo de conquista da cidadania.
Conferir prioridade à escolarização e alfabetização de pessoas idosas é uma postura
relevante em um país com elevado analfabetismo nesta faixa etária, mas a percepção
limitada em relação a educação dessa específica população, vista com desleixo e muitas
vezes considerada desnecessária, dificulta e inibe a adoção de políticas educacionais que
articulem o desenvolvimento para a cidadania e para inclusão no contexto atual da
sociedade.
Conhecer os interesses da população idosa, assegurar seus direitos e viabilizar
programas que sejam acessíveis e significativos é de imprescindível relevância. O
envelhecimento populacional e a irrefutável contribuição de atividades educacionais para a
manutenção de um envelhecimento saudável, nos aspectos físicos, psicológicos e sociais, se
constituem em justificativas determinantes para que sejam promovidas iniciativas efetivas
de educação e de alfabetização na velhice.

REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos; RANGEL, Egon de Oliveira. Tarefas da Educação Linguística no Brasil. In:
Revista Brasileira de Linguística Aplicada. V. 5, n. 1, 2005.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: MEC, 1988.
______. Ministério da Educação. Educação e aprendizagem para todos: um olhar dos
cinco continentes. Brasília: UNESCO, Ministério da Educação, 2009.
GADOTTI, Moacir. Prefácio: Alfabetização e Letramento: Como negar nossa história. In:
Afbabetização e Letramento: o que muda quando muda o nome. Org. ZACCUR, Edwiges. Rio
de Janeiro: Rovelle, 2011.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Perfil dos Idosos Responsáveis pelos
Domicílios no Brasil 2000. Disponível em
WWW.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/perfilidoso/perfilidosos2000.pdf, acessado
em 24 de novembro de 2014.

644
_____. Sinopse do censo demográfico 2010. 2011. Disponível em
www.igbe.gov.br/home/estatistica/populaçao/censo2010/sinopse.pdf, acessado em
13/03/2013.
_____. Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Síntese de Indicadores Sociais: Uma
análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro, 2013.
INAF, Indicadores de Alfabetismo Funcional. INAF Brasil 2011 – Principais resultados.
2011/2012. Disponível em www.ipm.org.br. Acessado em 30 de novembro de 2014.
LIMA, Marcelo Alves. A gestão da experiência de envelhecer em um programa para a
terceira idade: A UNATI/UERJ. In: Velhice numa perspectiva saudável. Organização VERAS,
Renato Peixoto. Rio de Janeiro: UERJ, UnATI, 2001.
OMS, Organização Mundial da Saúde. Envelhecimento Ativo: uma política de saúde.
Tradução CONTIJO, Suzana. Brasília: Organização Pan-Americana de Saúde, 2005.
SCORALIC-LEMPKE, Natália Nunes; BARBOSA, Altamir José Gonçalves. Educação e
envelhecimento: contribuições da perspectiva Life-Span. In: Estudos de Psicologia.
Campinas: 2012.
SESI/UNESCO, Conferência internacional sobre a educação de adultos
(V:1997:Hamburgo, Alemanha): Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro. Brasília:
SESI/UNESCO, 1999.
SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. In: Educ.
Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002 Disponível em
http://www.cedes.unicamp.br. Acessado em 30/07/2014.
TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação: Novas Ferramentas Pedagógicas para o
Professor na Atualidade. 9ª ed. rev., atual e ampl., 4ª impressão. São Paulo: Érica, 2013.
UNESCO, Alfabetização de jovens e adultos no Brasil: lições e práticas. Brasília: UNESCO,
2008.

645
646
“COMER E CONVERSAR É SÓ COMEÇAR” - AS NARRATIVAS CULINÁRIAS COMO ESTRATÉGIA
DE RECONHECIMENTO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO COMER, BEBER E ENVELHECER

Márcia Regina Viana


Universidade Federal Do Rio De Janeiro

Gerson Tavares do Carmo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Rosalee Crespo Istoe


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Este estudo apresenta o principal objetivo de conhecer as construções sociais do


grupo estudado – idosos frequentadores do projeto de extensão TERCEIRA IDADE EM AÇÃO
DA UENF – sobre temas concernentes à ideia de alimentação saudável, partindo do princípio
de que esta ideia é uma das que compõem as representações sociais do comer, beber e
envelhecer. Para tal, organizou-se encontros com os idosos, as Oficinas de Narrativas
Alimentares, com o intuito de proporcionar ambiente favorável às narrativas pessoais de
experiências com a comida e o seu preparo, envolvendo os saberes e práticas acumulados
nas trajetórias individuais. É parte do Projeto de Pesquisa “REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO
COMER, BEBER E ENVELHECER: aspectos políticos subjetivos na perspectiva da Educação
Alimentar e Nutricional de idosos e da Educação de Jovens e Adultos”, cujo cenário de fundo
é a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e onde
cogitou-se inicialmente o uso da Teoria das Representações Sociais como arcabouço teórico.
Neste estudo, fundamentamos a discussão na ideia de “comida como voz” para analisar as
narrativas do grupo focal, referentes ao tema objeto.
Palavras-chave: Narrativas alimentares. Comida como voz. Alimentação saudável.

INTRODUÇÃO
Na atualidade é inquestionável o fato de que a alimentação humana deve ser
considerada a partir de uma perspectiva integral e multidisciplinar e nesse propósito, é
necessário a colaboração de disciplinas, tanto das ciências da natureza, como também da
visão diferenciada das ciências humanas. Desde o início dos estudos nutricionais, foi a
biologia, a física, a química e suas interfaces (bioquímica, fisiologia), as searas nas quais tal
tema era comumente tratado. Entretanto, é mister reconhecer que a alimentação é
atividade humana das mais importantes, não só pelas razões biológicas evidentes, mas
também e principalmente, por envolver aspectos econômicos, sociais, científicos, políticos,
psicológicos e culturais fundamentais na dinâmica da evolução das sociedades. Diante destas

647
argumentações, ANDREATTA (2012) aponta a Teoria das Representações Sociais como uma
opção interessante para o estudo dos significados que as pessoas constroem em torno da
alimentação e seus vínculos com a saúde, por associar as dimensões subjetivas e as
dimensões sociais que intervêem nesta construção. A partir dessas considerações, objetivou-
se estudar as representações acerca da ideia de alimentação saudável que os idosos
frequentadores do projeto de extensão TERCEIRA IDADE EM AÇÃO da UENF elaboraram
durante as Oficinas de Narrativas Alimentares, atividade estratégica utilizada para conhece-
las. Foi alvo de interesse suas construções acerca do que seja considerado alimentação
saudável a partir do questionamento provocativo inicial comer bem é comer saudável?
Buscou-se nestas oficinas oferecer condições favoráveis para o compartilhamento das
experiências alimentares e das principais inquietações ligadas à elas, principalmente ao se
pensar no conjunto de construções sociais sobre doenças e seus riscos na fase da vida em
que se encontram e o papel que a alimentação ganha nestas preocupações.

A REPRESENTAÇÃO E A VOZ DA COMIDA


Na atualidade, reconhece-se que o conhecimento científico tem assumido um papel
cada vez maior na orientação de hábitos cotidianos da população, principalmente no que se
refere à temas como alimentação e saúde. Moscovici (2003) já havia atentado para esta
consequência ao afirmar que o grande espaço que o conhecimento científico conquistou
junto ao sistema de crenças das pessoas seria um ponto interessante no estudo das
Representações Sociais. Hoje reconhece-se a alimentação como uma representação
geradora de opiniões, crenças e significados que circulam socialmente e que geram grande
impacto na produção, distribuição, seleção, preparação e consumo de alimentos. Além do
mais, nas últimas décadas, a produção científica e técnica nesta área aumentou
significativamente e a partir disso, novos conhecimentos que vinculam a alimentação à
saúde e à doença se desenvolveram, e com eles, uma explosão de produtos diferenciados
surgiram no mercado - light, funcionais, nutracêuticos, transgênicos, entre outros. Percebe-
se que a noção racionalizada do que venha a ser considerado alimentação saudável tem
adquirido maior importância do que prazeres simples: comer e conviver. Além do mais, a
comensalidade, atividade antes considerada prazerosa por proporcionar o

648
compartilhamento das refeições, hoje se vê gradualmente substituída pelas opções de
alimentação rápida, normalmente pensadas para atitudes individuais. Parafraseando
Giddens, isto seria uma das consequências da modernidade – a maior racionalidade, tanto
no aspecto da funcionalidade quanto da conveniência, que agora acompanha as práticas
alimentares.
O empenho em utilizar oficinas de narrativas culinárias, como chamado neste
trabalho, apresenta algumas intenções significativas. É conhecido o argumento de que a
comida é uma voz que comunica e, assim como a fala, pode contar histórias (AMON &
MENASCHE, 2008).
As práticas alimentares podem se constituir narrativas expressivas e constitutivas das
subjetividades. Ao lado disso, estudos (JOVCHELOVITCH, 2007) apontam que o contar
histórias tem a capacidade de transformar, tanto o conhecimento social, como as
representações do passado e as apresentações da identidade, em vida. As histórias de vida
narradas pelos próprios sujeitos quando em grupo, podem dar sentido aos acontecimentos
auferindo-lhe identidade enquanto grupo e, além disso, propiciam a construção de um
futuro individual e social. As narrativas entrelaçam-se com a continuidade das comunidades,
com os saberes do senso comum compartilhados e ainda, possibilitam a reflexão, o
questionamento e a crítica, sendo, portanto, constituintes das comunidades. Assim,
narrativas culinárias e/ou alimentares servem como estratégia para alcançar-se a expressão
de comer bem e comer saudável do grupo estudado e prática da Teoria das Representações
Sociais.
Em outro ramo do estudo das humanidades, na Filosofia da Linguagem de Roland
Barthes, em sua obra Elementos de semiologia (1971) a alimentação é tratada como um
exemplo de sistema de significação. Para Barthes, a relação entre a linguagem e o ato de
comer é muito semelhante aos processos linguísticos puros: somos sujeitos e nossas ações
são controladas por um código geral determinante, pois a comida responde como possuindo
um autêntico caráter de linguagem, uma vez que não deixa de ser um conjunto de
elementos, os quais as palavras seriam os ingredientes; organizados conforme regras
gramaticais – as receitas; os tipos de preparações, a arrumação de pratos, a ordem de

649
ingestão, a composição de cardápios – a sintaxe; e a retórica – o que se diz e o que não se diz
da comida que se come e o que se diz com a comida.
Ao tratarmos a alimentação como um tipo de linguagem, estaremos dizendo que,
assim como esta, a alimentação expressa a tradição e a identidade dos grupos sociais. As leis
que regem a comestibilidade e a comensalidade são leis que visam a compatibilidade, a
conveniência, o ajuste e a expressão de identidade de cada área cultural: alimentos, comidas
e iguarias são classificados de acordo com cada região e por um código de valores, regras e
símbolos, o que traduz o modelo simbólico de uma área cultural em uma época
determinada.
Um outro aspecto considerado muito importante e que nos chamou a atenção neste
estudo é o grande espaço que a industrialização dos alimentos tem ocupado nas práticas
alimentares atualmente. Uma vez definido que a comida é uma forma de linguagem,
questão das mais evidentes sobre a alimentação atual é o processo de distanciamento
humano em relação aos alimentos, pelo fato de estarem disponíveis em embalagens que há
muito já transcenderam suas origens. Para os idosos esse distanciamento é um fator
importante quando pensamos no consequente afastamento de suas experiências
alimentares destes novos alimentos, principalmente se considerarmos que tais experiências
é um dos elementos constituintes da subjetividade, tal como discutido por ANDREATTA (op.
cit.).
A produção de alimentos em larga escala e o grande tempo de prateleira de que hoje
dispõem aliados à viabilidade global de transporte e negociação, acabam por ocasionar a
ruptura espacial e temporal entre a produção e o seu acesso. Aos moldes da expressão
utilizada por Anthony Giddens em As Consequencias da Modernidade (GIDDENS, 1991), há
um certo “desencaixe” do tempo biológico do alimento e de seu tempo de consumo, não
havendo linearidade temporal imediata entre estas duas situações – o surgimento do
alimento no mundo e o uso desse alimento como comida. Na esteira deste raciocínio, a
industrialização pode ser percebida como um processo que distancia o alimento original das
pessoas. Muitas vezes torna-se difícil perceber qual alimento está na composição de um
produto, sem contar que já existem produtos que não contém ingredientes naturais, ou seja,
alimentos in natura, mas sim elementos sintetizados pela inovação tecnológica. As

650
informações alimentares e nutricionais contidas nos rótulos podem causar estranheza por
não oferecer nenhum reconhecimento dos produtos químicos listados como ingredientes,
como componentes alimentares, conforme destaca Pollan (2008). A recomendação do autor
de que – “coma somente aquilo que a sua avó identificaria como alimento” – releva esse
estranhamento que vem mediando a relação humana e os industrializados. A estranheza dos
ingredientes listados nos rótulos dos produtos alimentícios não favorece o reconhecimento
de tais nomes no cotidiano do sujeito que come aquele alimento. O ingrediente estranho
não compõe sua narrativa quando relata suas preferências alimentares ou o recordatório do
que comeu naquele dia. Aliás, ninguém sequer consegue guardar na lembrança os aditivos
ou ingredientes com nomes diferentes presentes nos rótulos de alimentos industrializados.
Alimentos são reconhecidos e tratados como tal quando inseridos na história de vida do
sujeito e o relato a respeito do que come mistura-se com a sua história de vida. Além dos
elementos adicionados aos alimentos em função de seu processamento industrial,
atualmente existe a modalidade gastronômica chamada gastronomia molecular (THIS,
2003), cuja proposta é trabalhar quimicamente os compostos alimentares para buscar novas
sensações de sabor, o que praticamente desconstrói a identidade da comida. A prática
gastronômica objetiva a distinção de seus pratos puramente pelo aspecto visual, o que pode
ocasionar a separação do alimento de sua origem natural e regional e convertê-lo em
ornamento de um status social.

MÉTODO
Este trabalho é o resultado de investigação qualitativa e foi utilizada a técnica de
grupo focal com idosos do projeto TERCEIRA IDADE EM AÇÃO.
Estes idosos passaram a ser os sujeitos desse estudo e o critério de seleção utilizado
foi apenas o de ser um frequentador do projeto com disponibilidade e desejo de frequentar
os encontros às segundas feiras. Todos eles ficaram cientes da situação de pesquisa e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como já colocado, o objetivo era
conhecer as construções desse grupo acerca da noção de “comer bem é comer saudável?”.
O trabalho de campo foi realizado entre os meses de novembro e dezembro de 2014.
Em um primeiro momento, o grupo foi abordado com o convite para participar da pesquisa,

651
com a proposta de “Conversas sobre comer, beber e viver: aspectos da vida saudável”. O
convite apresentava o seguinte cronograma:
– 03/11 -Acolhimento e primeiras prosas;
– 10/11 - Comer bem é comer saudável?;
– 17/11 - Tenho pressão alta mas adoro uma feijoada!;
– 24/11 - Manga com leite faz mal?;
– 01/11 - Diabetes, essa vilã;
– 08/12 - Fechar a boca por que?;
– 15/12 - Cozinhar só pra mim é um saco!!
– 22/12 - Comer e beber entre amigos, como é bom!!
Por motivos alheios à nossa vontade, as três últimas sessões não puderam ser
realizadas. Entretanto, as duas últimas datas já haviam sido condensadas em um encontro.
Dessa forma não houve prejuízo na exposição dos conteúdos previstos e não foi realizada
apenas a última sessão programada. Assim, o último encontro ocorreu no dia 01/12.
Cada sessão do grupo focal tinha o tempo médio de noventa minutos e foram
gravadas em arquivos de áudio e vídeo. Para a apresentação desses primeiros resultados, foi
feita transcrição temática das falas da oficina sob o tema “Comer bem é comer saudável?” e
utilizado o referencial teórico de Lawrence Bardin (2011) para análise de seu conteúdo,
quando foram definidas algumas categorias de expressão das construções do grupo,
mostradas mais adiante. Os encontros aconteciam às segundas-feiras pela manhã, de 9:30
às 11:00 horas. No primeiro encontro os integrantes se apresentaram e foram convidados a
comentar suas expectativas em relação a essa nova experiência. A partir da segunda sessão,
os encontros foram orientados por temas definidos. Para motivar a narrativa dos
participantes foi feito levantamento superficial na internet de informações disponíveis sobre
os temas de conversa. Por exemplo, sobre o tema “Comer bem é comer saudável?”, foram
também mostradas e comentadas algumas informações de blogs que circulam na rede. Com
essa inciativa, pensou-se em levar para as sessões o que está comumente povoando o senso
comum acerca dos temas trabalhados. Entretanto, apesar de termos alcançado o objetivo
esperado – fomentar as falas – percebemos que essa estratégia pode não ter sido a mais
adequada, uma vez que pode ou poderá, em futuros trabalhos com o grupo, intimidar

652
aqueles que não têm o domínio da leitura. Apontamos essa possível falha do recurso
utilizado porque em algumas sessões o material foi disponibilizado para o grupo e isto pode
ter causado algum desconforto, apesar de não termos notado nenhuma situação que
sinalizasse esta possibilidade.

RESULTADOS
As oficinas tiveram frequência variada como mostrado no quadro a seguir:

Data Participantes
1º. Encontro – 03 de novembro Sete
2º. Encontro – 10 de novembro Cinco
3º. Encontro – 17 de novembro Três
4º. Encontro – 24 de novembro Dois
5º. Encontro – 01 de dezembro Seis
Quadro demonstrativo de frequência das oficinas.

As primeiras categorias vinculadas ao objetivo desse estudo surgidas durante a


análise do conteúdo das entrevistas foram as seguintes:
1- viver com equilíbrio
2- cuidar da saúde
3- comida pesada = comer mal
4- comer saudável
5- comer bem é comer gostoso
6- conhecimento médico/científico soberano
7- aspecto financeiro

A seguir mostraremos alguns trechos das falas que ilustram essas categorias e que
indicaram algumas das preocupações presentes nas narrativas.

TEMA 1 - viver com equilíbrio

653
Fala C - “eu acho que do jeito que eu tô fazendo vai ajudar o mecanismo do organismo,
porque se eu começar a fazer estravagância, comer, comer, aí vai sobrecarregar o
organismo, os rins, o coração, e mais pra frente vai te dar um resultado negativo”

TEMA 2 - cuidar da saúde


Fala E: “eu tava com 70, 71 kg, eu emagreci, não posso engordar, não posso passar de 60,
sempre com 57 e meio, 56, 58..., mas não passo de 58, tô sempre mantendo essa faixa,
porque se eu for na endócrino e tiver mais ela me puxa a orelha... mas eu não passo mal, eu
como bem, eu acredito né, eu procuro manter meu prato colorido...”
Fala B: “eu como a fruta não porque eu estou com fome, mas porque precisa comer a fruta,
porque pra matar a fome não adianta não”
Fala E: “tem que tomar cuidado com o colesterol, a pressão”
Fala D: “agora eu tô com problema de glicose...,(nunca passou de 150), mas se bobear vai
passar”

TEMA 3 - comida pesada = comer mal:


Fala D: “... um peixinho, um arrozinho, uma saladinha, [...] o peixinho foi frito, aí o que pesou
foi a gordura...”
Fala B: “... o mais saudável seria o (peixe) cozido né...”
Fala B: “ ... se for aquela muqueca com dendê, igual da Bahia...”
Fala C: “ ah, não, aí é muita gordura”
(Moderadora): Na Bahia a base é o dendê, no Espírito Santo o leite de côco.
Fala E: “todos dois são gordurosos”
Fala E: “(em relação às rosquinhas de cebola) não é bom não, porque é sal e gordura

TEMA 4 - comer saudável:


Fala A: “... comer frutas, legumes e verduras, né, claro que que tem que ter a porção de
feijão, arroz, um não é melhor do que o outro, claro que também comer um pratão, a gente
não pode fazer isso...”

654
Fala B: “... eu gosto muito de salada, salada de fruta, salada de legume, salada de folha não
sou muito chegada não... agora frutas eu adoro”
Fala C: “... bota um tempero, um pouquinho de alho, um pouquinho de óleo, um pouquinho
de vinagre, aí pega o alface, tomate, pepino [...] depois vai comer com arroz e feijão e a
complementação aí você não fica tão pesado, parece que vai purificando o caminho, vamos
dizer assim, aí quando o pesado bate...”
Fala B: “... o netinho, quando vai ao restaurante pede suco... até nabo, que para mim é
horrível a netinha gosta....”
Fala E: “isso é comida saudável”
Fala B: “com o tempo a menina passou a comer chocolate, mas é por causa do colégio”
Fala E: “eu vejo por essa ótica, já estão sendo orientados pro futuro... [porque já estão tendo
uma boa formação de saber escolher depois né, o que vi ser bom e o que não vai, vão
entender essa orientação”
Fala A: “a minha neta ficava 14 dias comigo porque minha filha trabalhava embarcada então
eu fazia a comida dela, aí fazia quase uma sopa no feijão, botava, chuchu, cenoura,batata,
beterraba, ela até sabia que tinha tudo, era só bater tudo, aí ela comia mesmo sabendo que
tinha isso tudo, então, eu achava que ela estava bem alimentada né? Porque não mastigava
mas, automaticamente tava comendo tudo ali”
Fala B: “Eu gosto de cozinhar a beterraba no feijão”
Fala C: “O meu arroz não é branco não, o meu arroz é com cenoura”
Fala E: “o saudável é o que vai fazer bem à saúde”

TEMA 5 - comer bem é comer gostoso:


Fala A: “Comer bem é comer a combinação certa, a quantidade certa...”
(moderadora): E no final de semana?
Fala D: “Aí é churrasco, batata frita, a gente sempre sai da linha...”
Fala C: “... todo dia podia ser domingo porque a gente come bem...(risos)...[...] durante a
semana tem o arroz, o feijão, o ovo, aí no domingo tem a galinha frita, né”
Fala B: “com aquela pelezinha, né...”
Fala C: “aquela pele não dá não, aquilo faz mal...”

655
Fala B: “faz mal, mas que é gostosinha é...”
Fala C: “às vezes tem um empadão...”
Fala B: “ah, isso não é comer bem é comer muito...”
Fala D: “quer dizer que as vezes a gente vai comer, aí tem aquele churrasco, aquela
gordurinha, eu gosto demais”
Fala B:”carnezinha com gordura, ‘dilícia’”
Fala D: “final de semana a gente sai do sério”
(moderadora): Por que?
Fala C: “Pra poder comer bem”

TEMA 6: conhecimento médico/científico soberano/industrializados


Fala E: “mas hoje, eu não tô entendendo, hoje é óleo de côco que faz bem, é tanta coisa com
côco...
Fala B: “tem o leite de côco light né, já tem o leite de côco light”
Fala E: “a gente tem que saber questionar as coisas, a gente vai através da propaganda, o
que que acontece, você fica só se afundando na saúde”
Fala C: “eu não como após as 20 h, porque é como o professor de yoga falou, depois dessa
hora o corpo começa a fazer a distribuição”
(Moderadora): “E os empacotados?”
Fala C: “O quê, gordura trans, sai dessa!”
Fala D: “aquele macarrão de pacote (miojo)? Ih.... aquilo faz um mal danado...”
Fala E: “e o temperinho dele também, é condenado também”
Fala E: “as pessoas precisam de orientação”
TEMA 7: aspecto financeiro
Fala C: “Cinco refeições (por dia)? Vai depender do bolso né?”

DISCUSSÃO
O grupo analisado – os idosos do TERCEIRA IDADE EM AÇÃO da Uenf – é
notoriamente um grupo que apresenta condição muito diferenciada pelo fato mesmo de
estarem expostos à frequentes atividades físicas e intelectuais do referido projeto. Por isso

656
considerou-se que o grupo já apresente um perfil sofisticado em relação às construções
relacionadas ao cuidado alimentar e nutricional e de saúde. Alguns discursos já revelam esta
apropriação de orientações. Por exemplo a fala “se eu começar a fazer estravagância, comer,
comer, aí vai sobrecarregar o organismo, os rins, o coração, e mais pra frente vai te dar um
resultado negativo” e também, “eu não como após as 20 h, porque é como o professor de
yoga falou, depois dessa hora o corpo começa a fazer a distribuição” já denota um
conhecimento mais elaborado do funcionamento orgânico, matéria trabalhada em outras
atividades do projeto. Por outro lado há falas que mostram um conhecimento tradicional,
que remete ao aprendizado histórico, relacionado à experiência de cada um, como a fala “eu
fazia a comida dela, aí fazia quase uma sopa no feijão, botava, chuchu, cenoura, batata,
beterraba, ela até sabia que tinha tudo isso, era só bater tudo, aí ela comia mesmo sabendo
que tinha isso tudo, então, eu achava que ela estava bem alimentada”.
Ficou clara a distinção feita entre as concepções de comer bem e comer saudável.
Algumas falas demonstram que comer bem é comer com prazer; “todo dia podia ser
domingo porque a gente come bem”; “final de semana a gente sai do sério [...] pra poder
comer bem”, enquanto que comer saudável é a alimentação prescrita por alguma
autoridade em saúde que, além da alimentação, estende sua vigilância a outras variáveis,
como o peso e a combinação de alimentos; “comer frutas, legumes e verduras, né, claro que
que tem que ter a porção de feijão, arroz”, “não passo de 58, tô sempre mantendo essa
faixa, porque se eu for na endócrino e tiver mais ela me puxa a orelha”.
Saltou aos olhos o fato de o grupo se mostrar conhecedor de algumas informações
bem específicas e de cunho científico, por exemplo nas falas “o quê, gordura trans, sai
dessa!”, “mas hoje, eu não tô entendendo, hoje é óleo de côco que faz bem, é tanta coisa
com côco”, o que aponta o fato de o senso comum atualmente estar muito exposto a esse
tipo de informação, através das mídias e da propaganda de alimentos. Por um lado
possibilita o esclarecimento em relação a benefícios e/ou malefícios de algumas práticas,
mas por outro lado, a exacerbada crença na ciência pode favorecer a desvalorização do
conhecimento tradicional.

CONCLUSÃO

657
As Oficinas de Narrativas Alimentares foram uma iniciativa que buscou promover o
compartilhamento de saberes sobre comida e cuidados com a saúde entre os
frequentadores do projeto de extensão TERCEIRA IDADE EM AÇÃO. Observou-se que o
compartilhamento fortaleceu vínculos e identidades, ao favorecer o encontro de situações
vivenciadas por cada sujeito na história contada pelo outro, como também pela
comprovação de como tudo pode ser feito de modo diferente do que estamos acostumados
a fazer, reafirmando a troca de saberes e a liberdade criativa das subjetividades.
Partindo do princípio que que comer é uma ação intimamente associada à inserção
social subjetiva, as oficinas objetivaram tratar a EAN pela perspectiva de se considerar a
prática alimentar como uma forma de expressão subjetiva e proporcionar ao participante do
programa espaço de compartilhamento de histórias.

REFERÊNCIAS
AMON, D & MENASCHE, R. Comida como narrativa da memória social. Sociedade e
Cultura, v.11, n.1, jan/jun. 2008. pg 13 a 21. Disponível em
http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/view/4467/3867. Acesso em 15/01/2015.
ANDREATTA, MM. Social Representations on the study of diet related to health. Buenos
Aires: DIAETA, 2013; 31(142):42-49.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Trad. Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro. São Paulo:
Edições 70, 2011.
BARTHES, R. Elementos de semiología, Madrid, Alberto Corazón, 1971.
________ Por una Psico-Sociología de la Alimentación Contemporánea. EMPIRIA. Revista
de Metodología de las Ciencias Sociales, n. 11, enero-junio. Madrid: 2006, pp. 213-221.
Disponível em http://www.redalyc.org/pdf/2971/297125210010.pdf . Acesso em
17/01/2015.
GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São Paulo. UNESP,
1991.
JOVCHELOVITCH, S. Knowledge. In Context: Representations, Community and Culture.
London and New York: Routledge, 2007.

658
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis:
Vozes, 2003.
POLLAN, M. Em defesa da comida. Tradução Adalgisa Campos da Silva. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2008.
THIS, H. La gastronomie moléculaire . Sciences des Aliments, v. 23, p. 187–198, 2003.

659
PERFIL DE ADOLESCENTES GRÁVIDAS ATENDIDAS PELO SISPRENATAL EM CAMPOS DOS
GOYTACAZES, RJ

Karla Rangel Ribeiro


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Rosalee Santos Crespo Istoe


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Gisele Pessin
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O Sistema de Acompanhamento do Programa de Humanização no Pré-Natal e


Nascimento (SISPRENATAL) foi desenvolvido com o objetivo de realizar ações de promoção,
prevenção e assistência à saúde de gestantes e recém-nascidos, sendo que todas as
adolescentes têm que ser acompanhadas pelo sistema. O objetivo do presente trabalho é
apresentar dados consolidados referentes a escolaridade e estado civil de adolescentes
atendidas pelo SISPRENATAL em Campos dos Goytacazes. Foi realizada uma compilação de
fichas de cadastro preenchidas por adolescentes grávidas no município de Campos de
Goytacazes, RJ, durante o período de 24 de julho a 4 de outubro de 2014, sendo anotados os
dados relacionados à idade, escolaridade e estado civil das entrevistadas. Verificou-se que,
dentre as que tinham idade superior a 15 anos, apenas 23,5% tinham conseguido concluir o
ensino fundamental. Quanto ao estado civil, apenas 40,0% das adolescentes grávidas
declararam viver com o companheiro, sendo que, dentre as que possuem até 15 anos, a
proporção que vive com o cônjuge é ainda menor, da ordem de 32,6%. Conclui-se que,
embora o estudo ainda vá ser ampliado, já se observa que a gravidez na adolescência pode
ter impactos negativos no desempenho escolar e que, em sua maioria, as entrevistas
declararam não terem constituído família propriamente dita, com independência dos pais.
Palavras-chave: SISPRENATAL. Gravidez. Adolescência.

INTRODUÇÃO
A gravidez na adolescência tem sido um assunto recorrente na literatura mundial,
com crescente interesse pelo tema, sendo publicados trabalhos científicos em diversos
países. O assunto é tratado, em alguns países, como problema de saúde pública, inclusive
com grandes investimentos no sentido de reduzir o número de adolescentes grávidas.
Campanhas e esforços têm sido conduzidos a fim de que os adolescentes evitem a gravidez,
principalmente através do estímulo ao uso de métodos contraceptivos, como a camisinha, e
de orientações sobre o planejamento familiar.

660
A incidência de gravidez durante o período de adolescência parece ser um problema
associado aos níveis social, cultural e de educação dos envolvidos, sendo a ocorrência maior
em países menos desenvolvidos e em indivíduos da população cujo grau de escolaridade seja
menor.
No Brasil, a cada ano, cerca de 20% das crianças que nascem são filhas de
adolescentes, o que representa o triplo dessas ocorrências na década de 1970. A Pesquisa
Nacional em Demografia e Saúde, realizada em 1996, apontou que 14% das adolescentes já
tinham pelo menos um filho, e as jovens mais pobres apresentavam fecundidade dez vezes
maior (CORREA, 2003). Em 1990, os partos de mães adolescentes representaram 12,5% de
todos os nascimentos no país. Entre as adolescentes grávidas atendidas pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) no período de 1993 a 1998, houve aumento de 31% dos casos de meninas
grávidas entre 10 e 14 anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
O Brasil é um dos países em que se verifica alta incidência de adolescentes grávidas,
sendo que as estatísticas apontam aumentos gradativos na parcela da população nesta fase
e que contraem a gestação. Os nascidos vivos gerados por mães adolescentes
representavam 15,86% do total de nascimentos em 1984 e, em 2002, esta proporção
aumentou para 20,74% e, embora em 2010 tenha ocorrido redução para 18,42%, ainda pode
ser considerada alta (Figura 1).

661
Valor ainda alto

25%
% de filhos nascidos de mães adolescentes
21,2%
19,3%

20%
13,9%

15%

10% Aumentos gradativos Redução (exceto


2002 – 2003)

5%

0%
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Figura 1- Proporção de filhos nascidos de mães adolescentes de 1984 a 2010.

O incremento crescente nas taxas de gravidez na adolescência pode ser explicado por
diferentes causas, dependendo do país. Dentre os fatores de risco associados ao problemas
podem ser citados os aspectos socioeconômicos. Apesar do fenômeno atingir e estar
crescente em todas as classes sociais, ainda se verifica forte relação entre pobreza e baixa
escolaridade com a baixa idade para gravidez. Além disso, fatores como a diminuição global
para a idade média para menarca e da primeira relação sexual compõem um cenário de risco
que colabora para o aumento dessas taxas (CERQUEIRA-SANTOS et al., 2010).
Segundo Faisal-Cury e Menezes (2008), adolescentes grávidas têm início da vida
sexual de forma mais precoce e usam menos métodos contraceptivos na primeira relação
sexual. Apesar de possuírem conhecimento sobre contracepção, parcela considerável das
adolescentes não usou nenhum método durante a coitarca. Assim, estes autores concluíram
que o simples conhecimento sobre técnicas contraceptivas não é suficiente para evitar
gestações não planejadas, sugerindo a importância de investigar outros aspectos
psicossexuais da maternidade e identidade materna entre adolescentes.
Além disso, pode-se citar: a falta de lazer, maus exemplos familiares, curiosidade
natural, necessidade de expressar amor e confiança, solidão, carência afetiva e necessidade
de afirmação, como elementos adicionais que podem levar a adolescente iniciar sua vida
662
sexual precocemente, com risco de uma gravidez indesejada (COSTA; PINHO; MARTINS,
1995). Concomitantemente, neste período surge, entre as adolescentes, o interesse de
quebrar tabus de caráter moral. Estes tabus são impostos pela sociedade, o que pode levar
as jovens a contestá-los, mantendo relações sexuais ilícitas, na busca da libertação da tutela
paterna (FREDIANI; ROBERTO; BALLESTER, 1994).
A literatura cita uma série de problemas decorrentes da gestação em adolescentes,
incluindo os impactos da gestação em adolescentes sobre o rendimento e evasão escolar,
bem como redução das oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Alguns estudos
averiguaram que parcela significativa dos adolescentes, tanto pais quanto mães,
interrompem os estudos para cuidarem dos filhos e/ou para ajudarem financeiramente no
sustento da família. Verifica-se um certa retaliação social às mães adolescentes, que sentem-
se marginalizadas, o que acaba por implicar no abandono à escola por vergonha. Ainda,
estas mães adolescentes, não raro, não tem como e com quem deixar o filho, e tendem a
obter apenas empregos informais.
Diversos autores apresentaram problemas relacionados à saúde da adolescente
grávida, podendo ser citados: complicações obstétricas (BELO; SILVA, 2004; GONTIJO;
MEDEIROS, 2004), elevado índice de morbidade materno-fetal (VIÇOSA et al., 1992), maior
probabilidade de morrer durante a gravidez (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005), concepto com
baixo peso ao nascer (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998), toxemia gravídica, disfunção uterina,
maior índice de parto cesárea, desproporção céfalo-pélvica, síndromes hemorrágicas,
lacerações perineais, amniorrexe prematura e prematuridade, anemia materna, trabalho de
parto prolongado, infecções urogenitais, abortamento (FIGUEIREDO; PACHECO;
MAGARINHO, 2005). Além disso, ocorrem mais casos de morte da mãe com baixa renda,
resultantes do recurso ao abortamento por automanipulação ou abortamento clandestino
(BROWN, 2006).
A gravidez acaba por conduzir a diversos efeitos sociais negativos, como: casos de
violência associada à gravidez na adolescência (BURROWS et al., 1998; MONTEIRO; CUNHA;
BASTOS, 1998), maus tratos em filhos (FALCONE et al., 2005), abandono da escola, a
ausência do pai e/ou da mãe do domicílio, o desemprego paterno e/ou materno e a menor

663
participação da família em grupos comunitários (FIGUEIRÓ, 2002), associação com utilização
de drogas (MITSUHIRO et al., 2006) e tabaco (CAPUTO; BORDAIN, 2007),
Dentre os impactos negativos sob o ponto de psicológico, foram contatados: conflito
emocional e educacional mediante a situação da maternidade (VIÇOSA et al., 1992),
depressão pós-parto e durante a gestação (PEREIRA et al., 2010; CORREIA et al., 2011) e
ideação suicida (FREITAS; BOTEGA, 2002; VAZQUEZ; PIÑEROS, 1997; CASSORLA, 1985;
DATASUS, 1999).
Alguns trabalhos têm demonstrado que a gravidez durante a adolescência pode ser a
causa de baixos rendimentos escolares e/ou evasão, além de reduzirem as chances de
inserção das mães no mercado de trabalho, sobrecarregando o Estado. Neste contexto, a
implantação de creches poderia ajudar na redução da sobrecarga sobre o Estado, à medida
auxilia na manutenção da mãe adolescente na escola.
De acordo com Figueiró (2002), um maior risco de gravidez é associado com o
abandono da escola e a baixa auto-estima das jovens. Dentre as causas que as adolescentes
elencam para terem deixado de estudar aparece a gravidez ou casamento (PAPALIA; OLDS,
2000). Dentre os fatores que determinam a saída da adolescente da escola, antes do
nascimento do filho estão o constrangimento e as pressões de diretores, professores,
colegas e pais de colegas (BARALDI et al., 2007). De acordo com Bhana et al. (2010), em
estudo realizado na África do Sul, as atitudes e práticas dos professores têm influência sobre
a permanência das adolescentes grávidas na escola, que pode implicar em efeitos negativos
e destrutivos da vida acadêmica das alunas. Frediani, Roberto e Ballester (1994) apresentam
dados de pesquisas diversas que relacionam a maternidade ao abandono definitivo da
escola. Em um estudo realizado em 180 instituições de ensino público da Colômbia, foi
verificada desistência 8 vezes maior em adolescentes grávidas (OSORIO; HERNÁNDEZ, 2011).
Alguns autores (BRANDÃO, 2003; AQUINO-CUNHA et al., 2003) têm ressaltado as
dificuldades envolvidas na análise da relação entre precocidade da vida reprodutiva e
desempenho escolar. Stevens-Simon et al. (1996) afirmam que o fato de adolescentes terem
desanimado com o rendimento escolar constitui um fator que levou-as a utilizarem relações
sexuais, o que culminou na gravidez. Godinho et al. (2000), afirmam que, durante a
adolescência, acontecem modificações da sexualidade que, se associada a falta de apoio

664
familiar e de expectativas de vida, levam a perda da auto-estima e baixo rendimento escolar.
Stevenson, Maton e Teti (1998) sugerem que a evasão escolar, nos Estados Unidos, estaria
fortemente associada a fatores sociais e a características individuais, como suporte
emocional/psicológico e que adolescentes grávidas mostraram-se estimuladas a
continuarem os estudos durante o período gestacional, reconhecendo a importância do
mesmo.
Quanto às possibilidade de inserção da mães no mercado de trabalho, podem ser
citados alguns efeitos negativos da gravidez como a perda das oportunidades de trabalho,
com limitações de oportunidade (FREDIANI; ROBERTO; BALLESTER, 1994). Rangel e Queiroz
(2008) constataram que adolescentes acreditam que a gravidez nessa fase seria um
destruidor de planos futuros. Ainda, o aspecto social implica no abandono escolar e na
limitação da formação profissional, podendo comprometer suas expectativas de vida futura
(BARALDI et al., 2007).
Percebe-se que o assunto “gravidez na adolescência” é pesquisado por diversos
autores sob diferentes prismas, mas poucos artigos entrevistam especificamente mães
adolescentes que evadiram para saber os motivos da interrupção dos estudos. Não
obstante, não se registram trabalhos que apresentem quais procedimentos deveriam ser
adotados para manter as mães adolescentes nas escolas.
Assim, seria interessante a realização de um estudo para verificar a percepção das
gestantes e mães adolescentes que abandonaram os estudos no município de Campos dos
Goytacazes quanto aos motivos que as levaram a evadir e o que poderia ser feito para evitar
a evasão.
O presente artigo faz parte do projeto de tese intitulado “Proposta de políticas
públicas para o enfrentamento da evasão escolar de adolescentes grávidas e mães
adolescentes no município de Campos dos Goytacazes, RJ”, sendo que um dos estudos
abordados é o acompanhamento das adolescentes grávidas através do SISPRENATAL.
O Sistema de Acompanhamento do Programa de Humanização no Pré-Natal e
Nascimento (SISPRENATAL) tem como objetivo o desenvolvimento de Ações de Promoção,
Prevenção e Assistência à Saúde de Gestantes e Recém-Nascidos, ampliando esforços no
sentido de reduzir as altas taxas de morbi-mortalidade materna, perinatal e neonatal,

665
melhorando o acesso, da cobertura e qualidade do acompanhamento pré-natal, da
assistência ao parto e puerpério e da assistência neo-natal, subsidiando Municípios, Estados
e o Ministério da Saúde com informações fundamentais para o planejamento,
acompanhamento e avaliação das ações desenvolvidas, através do Programa de
Humanização no Pré-Natal e Nascimento.
O objetivo do presente artigo é apresentar dados consolidados referentes a
escolaridade e estado civil de adolescentes atendidas pelo SISPRENATAL em Campos dos
Goytacazes.

METODOLOGIA
Foi realizada uma compilação de 133 fichas de cadastro (Figuras 2 e 3), preenchidas
pelos enfermeiros, no Centro de Referência e Tratamento da Criança e do Adolescente
(CRTCA), nas unidades I e II do município de Campos de Goytacazes, RJ.
O período de abrangência das fichas foi de 24 de julho a 4 de outubro de 2014, sendo
anotados dados relacionados a idade, escolaridade e estado civil das entrevistadas.

666
Figura 2- Ficha de cadastro do SISPRENATAL

667
Figura 3- Detalhe das informações na ficha de cadastro do SISPRENATAL

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A idade das adolescentes cadastradas pelo SISPRENATAL é apresentada na Figura 4.

% das pacientes

19 anos 6,8%

18 anos 11,3%

17 anos 20,3%
Idade

16 anos 25,6%

15 anos 20,3%

14 anos 13,5%

13 anos 2,3%

Figura 4- Frequência de adolescentes cadastradas no SISPRENATAL de Campos dos Goytacazes por


idade.

668
Observa-se, pela Figura 4, que mais do que 60% das adolescentes grávidas de
Campos dos Goytacazes, de acordo com o SISPRENATAL, estão na faixa etária entre 15 e 17
anos, com menores percentagens nas idades próximas de 19 ou 13 anos. Ressalta-se que,
embora possa parecer uma frequência baixa, 2,3% das adolescentes engravidaram aos 13
anos, o que é extremamente preocupante. Nesta idade, ou próxima dela, a adolescente
provavelmente está física e psicológica em formação e bastante vulnerável.
A Figura 5 apresenta a proporção de adolescentes grávidas com ensino fundamental
completo de acordo com a idade.

% das pacientes que completou o Ensino Fundamental

55,6%
19 anos
(5 de 9)

46,7%
18 anos
(7 de 15)
Idade

40,7%
17 anos
(11 de 27)

23,5%
16 anos
(8 de 34)

7,4%
15 anos
(2 de 27) Geral: 24,8%

Figura 5- Proporção de adolescentes grávidas com ensino fundamental completo de acordo com a
idade.

Em princípio, com 15 anos de idade, o ideal seria que a adolescente já tivesse


concluído o ensino fundamental. No entanto, daquelas que apresentavam esta idade por
ocasião do cadastro no SIPRENATAL de Campos dos Goytacazes, apenas 7,4% já tinham
completado os estudos básicos. De forma geral, verificou-se que, dentre as que tinham
idade superior a 15 anos, apenas 23,5% tinham conseguido concluir o ensino fundamental, o
que pode ser considerada uma percentagem muito baixa.
Na Figura 6 pode ser observada a percentagem de adolescentes grávidas que reside
com o esposo de acordo com a idade.
669
% das pacientes que reside com esposo

66,7%
19 anos
(6 de 9)

92,9%
18 anos
(13 de 14)

44,4%
17 anos
(12 de 27)
Idade

31,3%
16 anos
(10 de 32)

Geral: 43,5% 37,0%


15 anos
(10 de 27)
32,5%
27,8%
14 anos
(5 de 18)

33,3%
13 anos
(1 de 3)

Figura 6- Frequência de adolescentes grávidas que reside com o esposo de acordo com a idade.

Quanto ao estado civil, apenas em torno de 40,0% das adolescentes grávidas


declararam viver com o companheiro, sendo que, dentre as que possuem até 15 anos, a
proporção que vive com o cônjuge é ainda menor, da ordem de 32,6%. Estes fatos são
preocupantes, uma vez que a constituição de famílias, tanto para o desenvolvimento do filho
como para suporte à mãe adolescente é essencial no sentido de proporcionar segurança e
apoio.

CONCLUSÕES
Verificou-se que, dentre as que tinham idade superior a 14 anos, apenas 24,8%
tinham conseguido concluir o ensino fundamental. Quanto ao estado civil, apenas 43,5% das
adolescentes grávidas declararam viver com o companheiro, sendo que, dentre as que
possuem até 16 anos, a proporção que vive com o cônjuge é ainda menor, da ordem de
32,5%. Conclui-se que, embora o estudo ainda vá ser ampliado, já se observa que a gravidez
na adolescência pode ter impactos negativos no desempenho escolar e que, em sua maioria,
as entrevistas declararam não terem constituído família propriamente dita, com
independência dos pais.
670
REFERÊNCIAS
AQUINO-CUNHA, Margarida et al. Gestação na Adolescência: Relação com o Baixo Peso
ao Nascer. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de Janeiro, v. 24, n. 8, set. 2003.
BARALDI, Ana Cyntia Paulin et al. Gravidez na adolescência: estudo comparativo das
usuárias das maternidades públicas e privadas. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão
Preto, v. 15, n. spe, out. 2007.
BELO, Márcio Alves Vieira; SILVA, João Luiz Pinto e. Conhecimento, atitude e prática
sobre métodos anticoncepcionais entre adolescentes gestantes. Rev. Saúde Pública, São
Paulo, v. 38, n. 4, ago. 2004.
BHANA, D. et al. South African teachers' responses to teenage pregnancy and teenage
mothers in schools. Culture, Health and Sexuality. v.12, n. 8, p. 871-883, 2010.
BRANDÃO, E. R. Individualização e Vínculo Familiar em Camadas Médias: Um Olhar
Através da Gravidez na Adolescência. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de
Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2003.
BROWN, R.T. Pregnancy and abortion in adolescents. Pediatr 5. Endocrinol Rev., v. 3,
Suppl 1, p. 167-9, 2006.
BURROWS, R. et al. Variables psicosociales y familiares asociadas com el embarazo de
adolescentes. Rev Méd Chile, v. 122, p. 510-16, 1998.
CAPUTO, Valéria Garcia; BORDIN, Isabel Altenfelder. Problemas de saúde mental entre
jovens grávidas e não-grávidas. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 41, n. 4, ago. 2007.
CASSORLA, R.M.S. Jovens que tentam suicídio: relacionamento social, gravidez e
abortamentos: um estudo comparativo com jovens normais e jovens com problemas
mentais (III). J Bras Psiquiatr, v. 34, p. 151-6, 1985.
CERQUEIRA-SANTOS, Elder et al. Gravidez na adolescência: análise contextual de risco e
proteção. Psicol. estud., Maringá, v. 15, n. 1, Mar. 2010 .
CORREA, H. Aspectos sociodemográficos sobre a maternidade na adolescência: o
contexto brasileiro. Femina, v. 31, n. 8, p. 691-5, 2003.

671
CORREIA, Divanise Suruagy et al. Adolescentes grávidas: sinais, sintomas, intercorrências
e presença de estresse. Rev. Gaúcha Enferm. (Online), Porto Alegre, v. 32, n. 1, mar. 2011.
COSTA, M.C.O.; PINHO, J.F.C.; MARTINS, S.J. Aspectos psicossociais e sexuais de
gestantes adolescentes em Belém-Pará. J. Pediatr., v. 71, n. 3, p. 151-7, 1995.
DATASUS. Banco de dados do Sistema Único de Saúde 1999. Disponível em:
http://www.datasus. com.br.
FAISAL-CURY, Alexandre; MENEZES, Paulo Rossi. Sexual activity among female teenagers:
a comparison between two groups of middle class adolescents from a private clinic
according to pregnancy status. Rev. Bras. Saude Mater. Infant., Recife, v. 8, n. 3, set. 2008.
FALCONE, V.M. et al. Atuação multiprofissional e a saúde mental de gestantes. Rev
Saúde Pública, v. 39, n. 4, p. 612-8, 2005.
FIGUEIREDO, B., PACHECO, A., MAGARINHO, R. Grávidas adolescentes e grávidas
adultas: diferentes circunstâncias de risco? Acta Med Port, v. 18, p. 97- 105, 2005.
FIGUEIRO, Ana Cláudia. Condições de vida e saúde reprodutiva de adolescentes
residentes na comunidade de Roda de Fogo. Recife. Rev. Bras. Saude Mater. Infant., Recife,
v. 2, n. 3, dez. 2002.
FREDIANI, A.M.; ROBERTO, C.M.; BALLESTER, D.A.P. Aspectos psicossociais da gestação
na adolescência. Acta Med., v. 15, p. 349-60, 1994.
FREITAS, G.V.S.; BOTEGA, N.J. Gravidez na adolescência: prevalência de depressão,
ansiedade e ideação suicida. Rev Assoc Med Bras, v. 48, n; 3, p. 245-9, 2002.
GODINHO, Roselí Aparecida et al. Adolescentes e grávidas: onde buscam apoio?. Rev.
Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 8, n. 2, abr. 2000.
GONTIJO, D. T.; MEDEIROS, M.. A gravidez/maternidade e adolescentes em situação de
risco social e pessoal: algumas considerações. Revista Eletrônica de Enfermagem, n. 3, v. 6,
2004.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. A mortalidade perinatal e neonatal no Brasil. Brasília; 1998.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde integral de adolescentes e
jovens: orientações para a organização de serviços de saúde. Brasília: Ministério da Saúde;
2005. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).

672
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria Executiva. Caderno de informações de saúde:
informações gerais: Brasil [Internet]. Disponível em:
http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/cadernos/BR/Brasil_GeralBR.xls, 2009.
MITSUHIRO, Sandro Sendin et al. Teenage pregnancy: use of drugs in the third trimester
and prevalence of psychiatric disorders. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 28, n. 2, jun. 2006.
MONTEIRO, D.L.M., CUNHA, A.A., BASTOS, A.C. Gravidez na Adolescência. Rio de Janeiro
(RJ): Revinter; 1998.
OSORIO, I.; HERNÁNDEZ, M. Prevalencia de deserción escolar en embarazadas
adolescentes de instituciones educativas oficiales del Valle del Cauca, Colombia, 2006.
Colombia Medica, v. 42, n. 3, p. 303-308, 2011.
PAPALIA, D.E.; OLDS, S.W. Desenvolvimento Humano. 7ª ed. São Paulo: Pioneira, 2000.
PEREIRA, Priscila Krauss et al. Complicações obstétricas, eventos estressantes, violência
e depressão durante a gravidez em adolescentes atendidas em unidade básica de saúde.
Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 37, n. 5, 2010.
RANGEL, Débora Luiza de Oliveira; QUEIROZ, Ana Beatriz Azevedo. A representação social
das adolescentes sobre a gravidez nesta etapa de vida. Esc. Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 12,
n. 4, dez. 2008.
SANTOS JÚNIOR, J.D. Fatores etiológicos relacionados à gravidez na adolescência:
vulnerabilidade à maternidade. In: Cadernos juventude saúde e desenvolvimento. Brasília
(DF): Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde; 1999. p. 223-9.
STEVEN-SIMON et al. Why pregnant adolescents say they did not use contraceptives
prior to conception. Journal of Adolescent Health, v. 19, n. 1, p. 48-55, 1996.
STEVENSON, B.A.W.; MATON, K.I.; TETI, D.M. School importance and dropout among
pregnant adolescents. Journal of Adolescent Health, v. 22, p. 376–382, 1998.
VASQUEZ, R.; PIÑEROS, S. Psicopatologia en madres adolescentes. Pediatria (Bogotá), v.
32, p. 229-38, 1997.
VIÇOSA, G. et al. Programa de assistência integral à gestante adolescente (Paiga). Rev.
Cient. Matern. Infant. Ginecol., v. 11, n. 1, p. 20-5, 1992.

673
OBJETOS DE APRENDIZAGEM:ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NA BASE SCOPUS

Guilherme Melo Miranda


Instituto Federal Fluminense – Campus Quissamã

Rui Manuel Pinto Dantier


Instituto Federal Fluminense – Campus Quissamã

Erenildo da Silva Rios


Universidade Candido Mendes - Campos

RESUMO: Diversos tem sidos os esforços desprendidos no sentido de aumentar o interesse


dos alunos e, em consequência, o grau de conhecimento. Dentre estas estratégias,
encontram-se os chamados objetos de aprendizagem. O objetivo do presente trabalho foi
realizar uma análise bibliométrica na base Scopus a respeito do tema “objetos de
aprendizagem”. Para tal, no dia 20 de janeiro de 2015 foi realizada uma busca na base
Scopus, acessível através do portal Periódicos da Capes, sendo pesquisada a expressão
“learning object”. Analisaram-se informações bibliométricas relacionadas ao número de
publicações, países que mais produziram, principais autores e instituições, dentre outros. No
total, foram obtidos 35.982 artigos, dos quais 613 brasileiros. Dentre os países que mais
publicam, destacam-se os Estados Unidos, China e Reino Unido. Verificou-se que o Brasil
ainda representa pouco da produção científica mundial, embora a taxa de crescimento
brasileira seja superior à média mundial. O presente estudo poderá contribuir no sentido de
identificar tendências na área de educação interagindo com a informática.
Palavras-chave: Bibliometria. Objeto de aprendizagem. Base Scopus.

INTRODUÇÃO
O objeto de aprendizagem (OA) pode ser descrito como entidades reutilizáveis com
características instrucionais e tecnológicos, que podem ser confeccionados em formato
digital ou não digital, sendo usados no processo ensino/aprendizagem com a finalidade de
complementar os aprendizados, auxiliando tanto na modalidade à distância como na
presencial (PRATA; NASCIMENTO, 2007).
Wiley (2001) menciona o termo reutilização em sua definição de objetos de
aprendizagem: “todo o recurso digital que pode ser reutilizado para apoiar aprendizagem” o
que reforça ainda mais os fundamentos para a criação dos OA´s.
De acordo com Polsani (2003) os objetos devem incluir explicitamente a reutilização
em sua definição, sendo um recurso independente e autônomo baseado em conteúdos de

674
aprendizagem que estão predispostos a serem reutilizados em vários contextos
instrucionais.
Segundo Tavares (2004) a idéia da aprendizagem significativa, durante o processo de
ensino/aprendizagem o aprendiz precisa ter uma experiência única, individual e pessoal ao
utilizar o material didático empregado na abordagem de um conteúdo específico. Baseado
nesse requisito, o recurso busca no uso da interatividade a solução para o desenvolvimento
cognitivo mais eficiente do aprendiz.
Por conseguinte, tem-se a interatividade, a qual tem grande destaque, pois sugere
não apenas a simples participação do usuário de forma unidirecional, mas sim, a
participação do aprendiz de forma bidimensional. Além de receber conteúdos, o aluno
torna-se capaz de intervir e modificar a informação recebida, interagindo ativamente do
processo e saindo da passividade presente nos métodos tradicionais de ensino (PRATA;
NASCIMENTO, 2007).
Sicilia e García (2003) relatam que a evolução da aprendizagem com base na internet
tem estimulado a busca de métodos e tecnologias que pode possibilita um grau de
reaproveitamento de conteúdos de aprendizagem e de atividades. O conceito de OA está no
centro de um novo paradigma de design instrucional para a Web baseado em aprendizagem.
Cada objeto deve auxiliar os aprendizes a atingir o objetivo previamente planejado. A
produção de um OA é uma tarefa complexa que envolve várias fases de análise e cujos
produtos vão desde pequenas atividades realizadas em computadores até simulações
complexas, mas que sempre visem fomentar o aprendizado do aluno (PRATA; NASCIMENTO,
2007).
Palloff e Pratt (2004) destacam que as interações entre estudantes e professores são
fundamentais para o processo de ensino e aprendizagem. Considerando esse ponto de vista,
acredita-se que o trabalho realizado com a utilização desses recursos tecnológicos signifique,
além de uma nova proposta de interação, o favorecimento de uma melhoria no processo da
obtenção do conhecimento.
Os objetos de aprendizagem apresentam inúmeras vantagens, à medida que se
tornem mais eficientes, padronizados, disponibilizados, e comuns, eles se tornarão ainda
mais importantes. Bibliotecas de referência e instrução tais como coletores de informação

675
da internet, disseminadores e a forma com que educadores lidam com os OA, devem
desempenhar um papel vital na utilização de objetos de aprendizagem para melhorar os
seus repositórios e sessões de informação de instrução de alfabetização, além de prestar
assistência para instrutores na busca e localização de objetos de aprendizagem úteis
existentes (SHANK, 2003).
Os professores, em geral, estão utilizando as tecnologias para ilustrar aquilo que já
vinham fazendo, para tornar as aulas mais interessantes. Faltam ainda o domínio técnico-
pedagógico que os permitam perceber as tecnologias como instrumentos que fornecem
novas formas de pensar, e que são capazes de ajudar o educando a alcançar níveis de
habilidades requeridas e compatíveis com o mercado de trabalho do século XXI (MORAN,
2002).
Deve ser alvo de atenção do educador então, a forma com que essas técnicas serão
aplicadas e utilizadas no cotidiano docente e discente e para que isso aconteça essas
tecnologias precisam ser aprofundadas pelos professores para que possam assegurar uma
efetiva participação em sala de aula e em seu cotidiano profissional (PRATA; NASCIMENTO,
2007).
Os objetos de aprendizagem mostraram-se intelectualmente estimulantes para os
professores. Eles revigoraram os conhecimentos e os desafios apresentados. Em alguns
casos, superaram os receios iniciais no uso das Tecnologias de Informação e Comunicação
quando foram expostos a objetos de aprendizagem percebendo o impacto positivo que
poderia ter em seu ensino (SCHIBECI et al., 2008).
Seguindo padrões propostos pelas entidades governamentais, tais como programas
específicos do Ministério da Educação, a construção dessas ferramentas tecnológicas
possibilita a quebra de modelos educacionais no ensino cotidiano pelo professor, uma vez
que o mesmo adere o uso das mesmas em suas atividades letivas (BRASIL, 2010).
Shank (2003) comenta sobre as possíveis formas com que um OA pode ser criado ou
utilizado, o que pode gerar um contexto de confusão semântica. Sendo importante examinar
esse recurso por meio de suas bibliotecas e métodos de distribuição para esclarecer o termo
e conceito. Este procedimento possibilita um entendimento mais profundo de alguns dos

676
benefícios da utilização de objetos de aprendizagem por meio de um exame de como uma
referência e instrução pode fazer uso de um OA.
Várias propostas de avaliação da qualidade dos OA têm sido relatadas nos últimos
anos, no entanto, ainda não há consenso sobre o que constitui um OA de boa qualidade,
nem a melhor maneira de conduzir o processo de avaliação. Isto pode ser atribuído à
natureza heterogênea e multifacetada desses recursos. Como eles podem diferir em vários
aspectos (padrão de ensino, tecnologia utilizada, design, o tipo, tamanho, duração, etc.) é
razoável supor que os critérios de qualidade e as formas de avaliá-los também possam
diferir de acordo influências do cotidiano educacional (CECHINEL; SÁNCHEZ-ALONSO;
GARCÍA-BARRIOCANAL, 2011).
Um das formas de se mensurar e analisar as tendências de publicações em
determinada área é a utilização de métodos bibliométricos. O objetivo do presente trabalho
é realizar uma análise bibliométrica a respeito de objetos de aprendizagem na base Scopus.

METODOLOGIA
A base Scopus, presente no Portal Periódicos da Capes, foi consultada para quanto à
expressão “objeto de aprendizagem” em inglês (learning object). A consulta ocorreu no dia
20 de janeiro de 2015, sendo anotadas informações relacionadas aos número de artigos dos
principais autores, países e instituições, sendo os resultados estratificados de acordo com a
modalidade de publicação (em periódicos ou em anais de congressos) e de acordo com a
abrangência (mundial ou brasileira).
Com base no número de artigos por ano, foram obtidas equações de regressão
exponencial, sendo calculado, com base nestas, as taxas de crescimento anual.

RESULTADOS
Os principais países que mais publicaram a respeito do tema “objeto de
aprendizagem” são apresentados na Figura 1.

677
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0%

Estados Unidos 33,2%

Reino Unido 11,1%


China 8,2%

Alemanha 6,5%
Canadá 6,4%
Periódico

França 4,4%

Japão 4,4%
Itália 3,5%

Austrália 2,8%
Espanha 2,8%

Holanda 2,6%
Brasil 1,7%
.

Estados Unidos 23,3%

China 13,3%
Alemanha 7,1%
Japão 6,5%
Reino Unido 6,1%

Canadá 4,1%
Congresso

Espanha 4,1%

França 3,9%
Itália 3,3%
Taiwan 2,7%
Austrália 2,6%
Índia 2,4%
Coréia do Sul 2,0%
Brasil 1,9%

Figura 1- Países com maiores quantidades de publicações a respeito do tema “objeto de


aprendizagem” na base Scopus.

Pode-se perceber que os Estados Unidos constituem o país com maior quantidade de
artigos publicado a respeito do tema tanto em congressos quanto em periódicos presentes
na base Scopus. De forma geral, também sobressaem a China, a Alemanha, o Japão e o
Reino Unido como países com significativas contribuições na área.

678
As Figuras 2, 3, 4 e 5 demonstram as curvas de crescimento exponencial do número
de publicações por ano, de artigos em periódicos no mundo, em periódicos no Brasil, em
congressos no mundo e em congressos no Brasil, respectivamente. As taxas de crescimento
anual são apresentadas na Tabela 1.

log Y = - 757,9 + 230,4 log X (P<0,001; R-Sq = 97,3%)


1750
A rtigos em periódicos - Mundo

1500

1250

1000

750

500

2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014


A no

Figura 2- Curva exponencial de artigos em periódicos no mundo em função do ano

log Y = - 1683 + 509,9 log X (P<0,001; R-Sq= 93,3%)

60
A rtigos em periódicos - Brasil

50

40

30

20

10

0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
A no

Figura 3- Curva exponencial de artigos em periódicos no Brasil em função do ano

679
log Y = - 1159 + 351,8 log X (P<0,001; R-Sq=80,7%)
2500

A rtigos em congressos - Mundo


2000

1500

1000

500

0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
A no

Figura 4- Curva exponencial de artigos em congresso no mundo em função do ano

log Y = - 1704 + 516,2 log X (P<0,001; R-Sq=82,2%)

60
A rtigos em congressos - Brasil

50

40

30

20

10

0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
A no

Figura 5- Curva exponencial de artigos em congresso no Brasil em função do ano

Abrangência Taxa de crescimento anual


Periódico Congresso
Mundo 12,2% ao ano 19,2% ao ano
Brasil 29,0% ao ano 29,4% ao ano
Tabela 1- Taxas de crescimento dos artigos publicados a respeito do tema “objetos de
aprendizagem” na base Scopus.

680
Pode-se perceber que a taxa de crescimento mundial é maior em congressos (19,2%
ao ano) do que em periódicos (12,2% a.a.). Ainda, o Brasil apresenta evolução mais
acelerada do número de publicações, tanto em congressos quanto em periódicos, sendo que
as taxas de crescimento estão em torno de 29% ao ano.
A Tabela 2 apresenta os principais autores que publicaram na base Scopus.

Periódicos Congressos
Mundo Brasil Mundo Brasil
Autor n Autor n Autor n Autor n
Gaffan, D. 57 Izquierdo, I. 15 Bischof, H. 45 Siqueira, S.W.M. 10
Smith, L.B. 51 Cammarota, M. 11 Shih, T.K. 35 Vicari, R.M. 8
Rolls, E.T. 44 Quevedo, J. 10 Darrell, T. 32 Silveira, R.A. 8
Aggleton, J.P. 37 Pereira, G.S. 8 Zisserman, A. 32 Fontanari, J.F. 7
Murray, E.A. 36 Schroder, N. 8 Kragic, D. 27 Cechinel, C. 6
Humphreys, 34 Roesler, R. 7 Duval, E. 26 Melo, R.N. 6
G.W.
Bussey, T.J. 32 Comim, C.M. 7 Chen, T. 24 Perlovsky, L.I. 6
Gauthier, I. 29 Rossato, J.I. 6 Huang, T.S. 24 Sicilia, M.A. 6
Grossberg, S. 29 Souza, D.O. 6 Ng, A.Y. 23 Sanchez-Alonso, 5
S.
Vallortigara, G. 29 Reolon, G.K. 5 Piater, J. 23 Braz, M.H.L.B. 5
Prediger, R.D.S. 5 Yano, Y. 23 Ulbricht, V.R. 5
Barichello, T. 5
Porciuncula, L.O. 5
Takahashi, R.N. 5
Tabela 2- Principais autores que publicaram a respeito do tema “objetos de aprendizagem” na base
Scopus.

Nas Tabelas 3 e 4 podem ser observados as principais revistas e congressos em que


mais se publica a respeito do tema “objetos de aprendizagem”.

Mundo Brasil
Periódico n Periódico n
Behavioural Brain Research 307 Behavioural Brain Research 13
Journal of Neuroscience 225 Educacao E Pesquisa 12
Cognition 194 Neurobiology of Learning and Memory 9
IEEE Transactions on Pattern 186 Revista Brasileira De Ensino De Fisica 9
Analysis and Machine
Intelligence
Neuropsychologia 185 Neuroscience 7
681
Journal of Experimental Child 179 Acta Paulista De Enfermagem 5
Psychology
Child Development 179 Lecture Notes in Computer Science Including Subseries 5
Lecture Notes in Artificial Intelligence and Lecture
Notes in Bioinformatics
Plos One 176 Revista Latino Americana De Enfermagem 5
Neurocomputing 174 Brain Research 4
Journal of Comparative and 161 Hippocampus 4
Physiological Psychology
Tabela 3- Periódicos com maiores quantidades de publicações a respeito do tema “objetos de
aprendizagem” na base Scopus.

Mundo Brasil
Congresso n Congresso n
Lecture Notes in Computer Science 1837 Lecture Notes in Computer Science Including 39
Including Subseries Lecture Notes in Subseries Lecture Notes in Artificial
Artificial Intelligence and Lecture Intelligence and Lecture Notes in
Notes in Bioinformatics Bioinformatics
Proceedings of SPIE the International 526 Communications in Computer and 11
Society for Optical Engineering Information Science
Proceedings of the IEEE Computer 392 Proceedings of the International Joint 10
Society Conference on Computer Conference on Neural Networks
Vision and Pattern Recognition
Proceedings of the IEEE International 209 Iberian Conference on Information Systems 7
Conference on Computer Vision and Technologies Cisti
Proceedings IEEE International 197 Proceedings Frontiers in Education 6
Conference on Robotics and Conference Fie
Automation
Proceedings International Conference 195 Ceur Workshop Proceedings 4
on Pattern Recognition
Proceedings of the International Joint 185 ACM International Conference Proceeding 4
Conference on Neural Networks Series
IEEE International Conference on 176 IFIP Advances in Information and 4
Intelligent Robots and Systems Communication Technology
ACM International Conference 170 7th International Conference on Information 3
Proceeding Series Technology Based Higher Education and
Training Ithet
Communications in Computer and 154 IEEE Global Engineering Education Conference 3
Information Science Educon
IEEE International Conference on Neural 3
Networks Conference Proceedings
Advances in Intelligent Systems and 3
Computing
Conference Proceedings IEEE International 3
Conference on Systems Man and Cybernetics
Proceedings International Conference on Next 3
Generation Web Services Practices Nwesp
2005
682
Proceedings of the IASTED International 3
Conference on Computers and Advanced
Technology in Education
Proceedings of the Iadis International 3
Conference E Learning 2012
Tabela 4- Congressos com maiores quantidades de publicações a respeito do tema “objetos de
aprendizagem” na base Scopus.

Instituição N Instituição n Instituição n Instituição n


Massachusetts 165 Universidade 51 Carnegie Mellon 172 Universidade de 48
Institute of Federal do Rio University Sao Paulo - USP
Technology Grande do Sul
University of 164 Universidade de 47 Stanford University 97 Universidade 35
California, San Sao Paulo - USP Federal do Rio
Diego Grande do Sul
Harvard 161 Pontificia 31 University of 94 Pontificia 26
University Universidade Illinois at Urbana- Universidade
Catolica do Rio Champaign Catolica do Rio
Grande do Sul de Janeiro
University of 160 Universidade 25 UC Berkeley 94 Universidade 20
Cambridge Federal de Santa Federal de
Catarina Pernambuco
University of 144 Universidade 23 Massachusetts 93 Universidade 17
Toronto Federal de Minas Institute of Federal de Santa
Gerais Technology Catarina
Carnegie 142 Universidade 12 Tsinghua 91 Universidade 15
Mellon Federal do Rio de University Federal de Sao
University Janeiro Carlos
University of 141 Universidade do
12 Institute of 90 Universidade 10
Oxford Medical Extremo Sul
Automation Federal do Rio
Sciences Catarinense Chinese Academy de Janeiro
Division of Sciences
UC Berkeley 134 Universidade 11 Technische 79 Universidade do 10
Estadual de Universitat Vale do Rio dos
Campinas Munchen Sinos
Indiana 131 Universidade 11 Shanghai Jiaotong 79 Pontificia 8
University Federal de University Universidade
Pernambuco Catolica do
Parana
Stanford 127 Hospital de 10 Georgia Institute 73 Universidade 8
University Clinicas de Porto of Technology Tecnologica
Alegre Federal do
Parana
Universidade 10 Universidade 8
Federal do Rio Federal de Minas
Grande do Norte Gerais
Tabela 5- Instituições com maiores quantidades de publicações a respeito do tema “objetos de
aprendizagem” na base Scopus.

683
CONCLUSÕES
Pode-se concluir que o tema “objeto de aprendizagem” tema apresentado crescente
interesse por parte da comunidade científica, sendo que os Estados Unidos constituem o
país com maior número de publicações. Ainda, o Brasil tem ainda baixa representatividade
quanto aos artigos sobre o tema, mas apresenta taxas de crescimento anuais bem
superiores as médias mundiais. Ainda, foi possível identificar os principais autores,
instituições e periódicos, tanto em congressos quanto em periódicos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Rede Internacional Virtual de Educação - RIVED. Conheça
o Rived. Disponível em: <http://rived.mec.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2010.
CECHINEL, Cristian; SÁNCHEZ-ALONSO, Salvador; GARCÍA-BARRIOCANAL, Elena.
Statistical profiles of highly-rated learning objects. Computers & Education. Amsterdam, v.
57, n. , p.1255-1269, 2011.
MORAN, José Manuel. A interatividade na Televisão e nas Redes Eletrônicas. 2002.
Disponível em: <http://www.eca.usp.br/prof/moran/interativ.htm>. Acesso em: 07 dez.
2010.
PALLOFF, Rena M.; PRATT, Keith. O Aluno Virtual: Um Guia para Trabalhar com
Estudantes On-Line. Porto Alegre: Artmed, 2004.
POLSANI, Pithamber R.. Use and Abuse of Reusable Learning Objects. Journal Of Digital
Information, v. 3, n. 4, p.1-10, 2003.
PRATA, Carmem Lúcia; NASCIMENTO, Anna Christina Aun de Azevedo. Objetos de
aprendizagem: uma proposta de recurso pedagógico/Organização. Brasília: Mec, Seed,
2007.
SCHIBECI, Renato et al. Evaluating the use of learningobjects. In Australian and
NewZealandschools. Computers & Education, Amsterdam, v. 50, n. 1, p.271-283, 2008.
SHANK, John D.. The emergence of learning objects: The reference librarian. Research
Strategies, Amsterdam, v. 19, n. 3, p.193-203, 2003.

684
SICILIA, Miguel-angel; GARCÍA, Elena. On the Concepts of Usability and Reusability of
Learning Objects. International Review Of Research In Open And Distance Learning, v. 4, n.
2, p.1-11, 2003.
TAVARES, Romero. Aprendizagem significativa. Revista Conceitos, v. 5, n. 10, p.55-60,
2004.
WILEY, David A.. The Instructional Use of Learning Objects. Bloomington: Agency For
Instructional Technology, 2001.

685
ATENDIMENTO HUMANIZADO: ANÁLISE ESTATÍSTICA DAS PUBLICAÇÕES NA BASE SCOPUS

Viviane Rangel Ribeiro Manhães


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Karla Rangel Ribeiro


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Eduardo Shimoda
Universidade Candido Mendes - Campos

RESUMO: A humanização do atendimento consiste em proporcionar, de forma ética, um


ambiente favorável aos pacientes, contribuindo para que o atendimento seja menos
traumático. O tema é relativamente novo e diversos estudos têm sido conduzidos
recentemente. O objetivo do presente trabalho é analisar, bibliometricamente, as
publicações relacionados ao assunto na base Scopus. Foi realizada uma pesquisa durante o
mês de novembro de 2015, sendo pesquisados os artigos obtidos utilizando a palavra-chave
“humanization”. Observou-se que o crescimento no número de publicações é exponencial,
da ordem de 19% ao ano, sendo que a maioria dos artigos são da área de medicina, ciências
sociais, enfermagem e psicologia. O Brasil é o país que mais tem publicações a respeito do
tema, sobressaindo a USP como instituição que mais publicou. Ainda, 9 dos 10 periódicos
com mais artigos relacionados ao assunto são brasileiras. Conclui-se que a humanização no
atendimento é um tema cujo interesse tem crescido rapidamente, sendo o Brasil, até o
momento, o país que mais tem investido esforços no sentido de estudá-lo.
Palavras-chave: Atendimento. Humanização. Bibliometria.

INTRODUÇÃO
Estimativa do IBGE revela que, em 2050, a população brasileira com mais de 60 anos
ultrapasse 29% da população, que será maior que a quantidade de habitantes com menos de
15 anos (28%), tornando a procura de centros ou abrigos para idosos cada vez mais intensos,
minimizando o isolamento das pessoas mais velhas que continuam tendo necessidade de
participar do convívio social (IBGE, 2013).
A humanização do atendimento consiste em proporcionar, de forma ética, um
ambiente favorável aos pacientes, contribuindo para que o atendimento seja menos
traumático. Humanizar é uma preocupação constante na saúde. Para tanto tem sido
buscada a melhoria das práticas de cuidado, adotando novos modelos assistenciais, onde a
equipe multidisciplinar que atende as pessoas, não se preocupem apenas com a doença,
mas com o ser humano como um todo.
686
A importância do atendimento humanizado e os benefícios que serão alcançados
com essas práticas serão fatores estimulantes para as práticas humanizadas, conforme a
política de humanização preconizada pelo Ministério de Saúde, e que, ainda não está
plenamente implantada em muitas instituições hospitalares por falta de conhecimento e
incentivo efetivo e continuado aos trabalhadores.
Além disso, o tema é relativamente novo e diversos estudos têm sido conduzidos
recentemente. A análise de tendências de publicações e estatísticas relacionadas às
publicações na área seria interessante. Desta forma, o objetivo de presente trabalho é
analisar, bibliometricamente, as publicações relacionados ao assunto “humanização” na
base Scopus.

CONCEITO DE HUMANIZAÇÃO
Humanizar - ato ou efeito de humanizar. Humanizar, tornar humano, torna afável,
dar condições de homem. Tornar-se humano, afável, humanizar-se (HOUAISS, 1994).
A humanização hospitalar é a palavra chave para se projetar um hospital do futuro.
Sendo necessário conhecer as características da população que irá utilizar o espaço e as
atividades predominantes que essa população vai desenvolver, para projetar um ambiente
adequado (SANTOS, 2007).
O processo de humanização tem impactos múltiplos na instituição hospitalar
podendo transformar a cultura organizacional, promover a revisão da política de
atendimento da instituição e buscar, constantemente, maior valorização e
comprometimento de todos os profissionais envolvidos; promover a democratização das
informações, com o estímulo ao diálogo entre as famílias e os profissionais de saúde. Esse
processo busca o desenvolvimento de uma nova cultura institucional que possa instaurar
novos padrões de relacionamento ético entre gestores, técnicos e usuários (SANTOS, 2007).
Nesse sentido, humanizar implica dar lugar tanto a palavra do usuário quanto a
palavra dos profissionais, de forma que possam fazer parte de uma rede que promova o bem
estar de todos (SANTOS, 2007).

A HISTÓRIA DA ASSISTÊNCIA

687
No início de nossa história a enfermidade era vista com resignação pela civilização e o
alívio da dor só poderia ser encontrado em templos, onde religiosos se dedicavam aos
cuidados dos moribundos que, na maioria das vezes, eram deixados à própria sorte.
Consequentemente, foram criados os Hospitais, que eram vistos como abrigos para
indigentes, onde os cuidadores não possuíam técnicas ou formação específica para as
enfermidades. Com o avanço dos conhecimentos científicos, o atendimento foi ampliado,
exigindo conhecimentos e técnicas especificas. O uso de tecnologia e normatização foram
medidas essenciais neste processo de mudança. Devido a essa grande transformação, as
instituições passaram a enfrentar um novo problema: as relações interpessoais, pois quanto
mais eram exigidas técnicas e burocratizarão no atendimento maior o distanciamento entre
a equipe e a pessoa sob cuidado (BENEVIDES e PASSOS, 2004).
A realidade no serviço de saúde no Brasil mostra que esse distanciamento só fez
aumentar a insatisfação por parte dos pacientes. A preocupação em demasia com outros
aspectos no atendimento, tornou periférica, pelos profissionais de saúde, a necessidade de
entender que o sujeito hospitalizado se vê retirado do ambiente familiar, e privado de sua
individualidade fazendo com que aumente a necessidade de um contato mais humano.
(BENEVIDES e PASSOS, 2004).

HUMANIZAÇÃO COMO PREOCUPAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE


O art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988,
afirma que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Após a publicação do documento oficial, houve um empenho do governo em
democratizar a saúde. A lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 expõe no Art. 2º que a saúde é
um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício. Além disso, dispõe sobre alguns preceitos que regem
o Sistema Único de Saúde (SUS) como: preservação da autonomia das pessoas na defesa de
sua integridade física e moral; igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou

688
privilégios de qualquer espécie e direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua
saúde.
A partir desse marco histórico para a saúde no Brasil, foram construídos alguns
alicerces que sustentam o programa de humanização no país. No ano 2000, o Ministério da
Saúde regulamentou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar
(PNHAH). O PNHAH foi criado no intuito de promover uma nova cultura de atendimento à
saúde no Brasil. A humanização passou a ser considerada um elemento a ser alcançado e
defendido pelo SUS para melhoria da qualidade da assistência. Conforme Benevides (2004) a
“humanização como política pública deveria criar espaços de construção e troca de saberes,
investindo nos modos de trabalhar em equipe. Isto supõe, é claro, lidar com necessidades,
desejos e interesses destes diferentes atores”.
Assim a humanização busca considerar os clientes dos serviços de saúde como
elementos significativos no processo de cuidar. Esse conjunto de normas e diretrizes
políticas construídas pelo Ministério da Saúde buscam a aproximação entre quem cuida
(profissionais) e quem é cuidado (os clientes do SUS). O documento Humaniza SUS afirma
que a humanização vista como política, implica em ser tomada como medida transversal,
onde há troca de saberes, diálogo entre os profissionais, trabalho em equipe e consideração
aos desejos e necessidades dos atores sociais, sejam clientes ou profissionais (BRASIL, 2002).
Desejar do cuidador que ele trabalhe de maneira humanizada requer que ele próprio
trabalhe num ambiente humanizado.

HUMANIZAÇÃO NO ATENDIMENTO À SAÚDE


Na abordagem do atendimento à saúde de forma humanizada, os autores referem-se
às atitudes humanas com mais profundidade. Waldow (1998) discute que o cuidado humano
é uma atitude ética em que seres percebem e reconhecem os direitos uns dos outros.
Pessoas se relacionam numa forma de promover o crescimento e o bem-estar umas das
outras. A humanização pode ser reconhecida como um aspecto político, uma diretriz para o
cuidado e como fenômeno social individualizado.
O ambiente no qual se presta assistência de saúde, geralmente, comporta
diversificados grupos humanos que apresentam variados perfis, estados de saúde e

689
sentimentos. Pensar em um ambiente de trabalho que seja propício e que haja um aparato
técnico, filosófico e institucional voltado para a qualidade do trabalho, isso repercute no
cuidado ao cliente (BRASIL, 2002).
Percebe-se que, na atenção à saúde, as ações voltadas à humanização do cliente
devem ser manifestadas nos âmbitos: organizacional, ambiental, tecnológico, nas inter-
relações, nas atividades terapêuticas.
Esses fatores não podem ser desarticulados da intenção de querer o bem ao cliente,
de afetividade e envolvimento profissional com os preceitos do cuidado ético e digno.
Humanizar, tanto no aspecto político, quanto no aspecto do cuidado individualizado, requer
do profissional a percepção das implicações éticas do cuidado. Cuidar de forma mais digna
requer uma interação e o estabelecimento de vínculos entre a equipe e a família no intuito
de promover uma comunicação mais aberta e amenizar o estresse do cliente frente a sua
patologia (CAMPOS, 2002).
A humanização no atendimento e nas relações interpessoais da equipe exige uma
mudança nas relações profissionais tornando-as mais saudáveis, respeitosas e,
principalmente, investindo na formação humana da equipe, para que assim possam oferecer
um cuidado mais humanizado e com um embasamento ético (SILVA, 2005).
Além disso, é de fundamental importância a produção de uma arquitetura capaz de
proporcionar as condições físicas e mentais necessárias para os usuários, funcionários e
acompanhantes, dos centros de cuidado ao idoso, resultando em espaços acolhedores,
humanos e resolutivos.
A estrutura da instituição, sua construção física, sua localização, o acesso a
população, são fatores importantes para a prática da humanização. Além disso, programas
de prevenção; criar e incentivar grupos multidisciplinares de estudo; estabelecer canais de
informações; realizar pesquisa de satisfação; criar ouvidoria; dar continuidade ao trabalho
de prevenção quando o paciente sai do hospital; relação pessoal com a família melhoram as
relações interpessoais (interna e externa).
Não basta ao hospital dispor de estrutura moderna, equipamentos apropriados às
suas atividades médicas e uma administração criativa, se tudo isto não estiver voltado para a
satisfação das necessidades dos usuários e dos funcionários que os atendem, antes de se

690
pensar em paredes, móveis, equipamentos, tem de se priorizar a valorização das relações
humanas, pois dela surgirá a estrutura humanizada (MEZZOMO, 2002).
Humanização surge como um desafio no novo século para os profissionais de saúde,
pois há a preocupação com a complexidade tecnológica, fragmentação do cuidado em visões
isoladas, áreas específicas. Além do que, há deficiências estruturais do sistema de saúde
como um todo, faltam filosofias de trabalho e de ensino voltadas à humanização de maneira
efetiva (BENEVIDES e PASSOS, 2004).

METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada na Base Scopus, presente no portal Periódicos da Capes,
durante o mês de novembro de 2014, sendo utilizada a palavra-chave “humanization”.
Restringiu-se a pesquisa a apenas artigos em periódicos, excluindo-se artigos das áreas de
bioquímica, imunologia e farmacologia. Foram coletadas informações referentes a autores,
países, ano, instituição e periódicos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 1 mostra a quantidade de artigos (%) relacionados ao tema “humanização”
por país.

691
32,4%

30%
Quantidade de artigos (%)

20%

10%

6,6%

4,2% 3,9% 3,5% 3,2% 2,8% 2,3% 2,1% 1,8%

0%
Itália
Brasil

França

Canadá

Bélgica
Alemanha
Espanha

Reino Unido
Estados Unidos

China

Figura 1- Percentagem de artigos sobre “humanização” na base Scopus por país.

Pode-se perceber que o Brasil é o país que mais tem publicações no tema
humanização, sendo responsável por quase 1/3 dos artigos mundiais. O segundo lugar,
representado pelos Estados Unidos, tem apenas 6,6% das publicações. É possível constatar
que, definitivamente, o Brasil é o país que mais tem investidos em pesquisas a respeito do
tema.
As Figuras 2 e 3 apresentam as curvas exponenciais do número de publicações
mundiais e brasileiras, respectivamente, bem como as taxas de crescimento anuais.

692
140

log Y = - 1109 + 336,2 log X (P<0,001; R-Sq=92,4%)


120
Nº de publicações (mundo)

100 Taxa de crescimento:


18,3% ao ano
80

60

40

20

0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014
A no

Figura 2- Curva exponencial do número de publicações mundiais em função do ano.

120
log Y = - 2580 + 781,5 log X (P<0,001; R-Sq=82,8%)
100
Nº de publicações (Brasil)

80
Taxa de crescimento:
47,8% ao ano
60

40

20

2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014


A no

Figura 3- Curva exponencial do número de publicações brasileiras em função do ano.

693
Analisando as Figuras 2 e 3, é possível observar que, no mundo, as publicações
relacionadas ao tema “humanização” têm apresentado crescimento exponencial bastante
acelerado, em torno de quase 20% ao ano. O Brasil, além de ser o país que mais publica
sobre o tema, demonstra crescimento ainda maior, da ordem de quase 50% ao ano,
havendo tendência de incremento ainda maior da diferença em relação aos demais países
do mundo.
A Figura 4 traz informações referentes aos principais autores que publicaram artigos
sobre “humanização” na base Scopus.

7 7

6
6
Quantidade de artigos

5 5 5 5 5

4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4
4

0
Demoulin, S. (Bélgica)

Gong, J. (China)

Todres, L. (Reino Unido)


Erdmann, A.L. (Brasil,

Nagahama, E.E.I. (Brasil,


Nations, M.K. (Brasil,

Moimaz, S.A.S. (Brasil,


Leyens, J.P. (Bélgica)

Paladino, M.P. (Itália)


Rios, I.C. (Brasil, USP)
Correa, A.K. (Brasil, USP)
Garbin, C.A.S. (Brasil,

Gallian, D.M.C. (Brasil,

Gualda, D.M.R. (Brasil,


Vaes, J. (Itália)

Folta, J.R. (Brasil)


Backes, D.S. (Brasil,
Cotta, R.M.M. (Brasil,

de Barros, M.E.B. (Brasil,


UNESP)

UFRN)

Unifor)

UNICAMP)
UNESP)
UFSC)

UFV)

USP)

USP)

UFES)

Figura 4- Principais autores que publicaram a respeito do tema “humanização” na base Scopus.

Observa-se, na Figura 4, que, dos 19 principais autores citados, 13 são brasileiros,


incluindo um dos dois que mais publicaram. Ressalta-se, ainda, que dentre os 3 principais
autores, 2 são belgas.

694
A Figura 5 apresenta os principais periódicos com mais artigos relacionados ao tema
“humanização”.

60

52
50
Quantidade de artigos

40

32 31
30
25

20 19 18 18
17 16 15

10

0
Interface Communication

Online Brazilian Journal of


Revista Latino Americana

Revista Gaucha De

Texto E Contexto
Cadernos De Saude

Revista Da Escola De
Revista Brasileira De
Ciencia E Saude Coletiva

Saude E Sociedade

(Brasil, FIOCRUZ)

(Brasil, UFSC)
(Brasil, UFRGS)

Enfermagem
EENFUFRGS
Enfermagem
(Brasil, ABRASCO)

(Brasil, ABEn)

(Brasil, USP)
Health Education

Enfermagem
(Brasil, UNESP)

(Brasil, USP-RP)

(Brasil, USP)
Enfermagem
De Enfermagem

(Brasil, UFF)

Publica
Nursing

Figura 5- Dez principais periódicos com mais publicações relativas ao tema “humanização”.

Na Figura 5 fica claro os esforços brasileiros no sentido de publicar artigos sobre


“humanização”. As 10 principais revistas científicas com mais publicações a respeito do tema
são brasileiras.
A Figura 6 mostra as 10 instituições com mais artigos publicados sobre
“humanização”.

695
80 76

60
Quantidade de artigos

40

24
22 21 21
19 18
20
16 16 15

0
UNIFESP

FIOCRUZ

UFSC
UFC

UFRN
USP

UNESP
UFRJ

UFRGS

UFF
Figura 6- Dez principais instituições que mais publicam sobre “humanização” na base Scopus.

Novamente é possível verificar que o Brasil é predominante dentre as instituições


que mais publicam a respeito do tema, sendo que todas as dez principais são brasileiras,
sobressaindo a USP com 76 artigos publicados.

CONCLUSÕES
Conclui-se que a humanização no atendimento é um tema cujo interesse têm
crescido rapidamente, sendo o Brasil, até o momento, o país que mais tem investido
esforços no sentido de estudá-lo.
O país tem a maior quantidade, maior taxa de crescimento, os principais autores, os
principais periódicos e as principais instituições que mais publicam na base Scopus.

REFERÊNCIAS

696
BENEVIDES, R.; PASSOS, E. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cadernos de
Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p.1342-1353, set./out. 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual do Programa Nacional de Humanização da
Assistência Hospitalar-PNHAH. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
_______, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.
CAMPOS, G. W. S. A saúde pública e a defesa da vida. São Paulo: Hucitec, 2002.
HOUAISS, Antonio; KOOGAN, Abrahão. Enciclopédia e Dicionário. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara Koogan, 1994.
IBGE, Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística. Projeção da população brasileira.
Disponível em: <http/:www.ibge.gov.br>. Acessado em: 05.03.2013.
MEZZOMO, A. A. Humanização hospitalar. Fortaleza: Realce, 2002.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São
Paulo: Hucitec, 2004.
SANTOS, Fernanda Moura Medrado. Centros Integrados de Cuidado ao Idoso:
Arquitetura e Humanização. Monografia de Especialização em Arquitetura Hospitalar.
Universidade Federal da Bahia, 2007.
SILVA, M. J. P. O amor é o caminho. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
WALDOW, V. R. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre: Sagra Luzzato,
1998.

697
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NO BRASIL E NO MUNDO A RESPEITO DO TEMA MELANOMA NO
PORTAL ISI WEB OF KNOWLEDGE

Bianca da Silveira Abreu e Abreu


Faculdade de Medicina de Campos

Douglas de Jesus Vitoi Fonseca


Instituto Federal Fluminense – Campus Quissamã

Luis Antonio França Silva


Instituto Federal Fluminense – Campus Quissamã

RESUMO: Melanoma é uma neoplasia originada a partir de mutações nos melanócitos, que
são as células da pele responsáveis pela produção de melanina, pigmento que promove a
proteção da pele contra os danos dos raios solares. Ele é encontrado em imensa maioria na
pele, porém não é único dela. É uma neoplasia que pode ser encontrada em diferentes
formas, cuja incidência e mortalidade estão aumentando durante décadas sendo, portanto,
um problema de saúde pública. O objetivo do presente trabalho é realizar uma análise
bibliométrica das publicações brasileiras e internacionais a respeito do melanoma no Portal
ISI Web Of Knowledge. A coleta de dados foi realizada em maio de 2013, procurando
informações sobre o número de publicações internacionais e nacionais, ano das publicações,
áreas de pesquisa abordadas, países que mais publicaram palavras-chaves, instituições e
periódicos. Após isso, uma análise da taxa de crescimento anual e as concentrações dos
artigos. Foi verificado que o Brasil, apesar de não estar entre os líderes no ranking das
publicações, possui taxa de crescimento anual de 22,4%, que é significativamente maior que
a taxa mundial, de 4,2%. As principais áreas das publicações são: oncologia, dermatologia e
biologia molecular e bioquímica. Constatou-se ainda que as faculdades federais do estado de
São Paulo são as que dominam as publicações no Brasil, vindo o estado do Rio de Janeiro
atrás. Assim, pode-se entender que apesar do Brasil possuir um número cada vez mais
crescente nas publicações, estas ainda estão concentradas nas instituições de São Paulo.
Palavras-chave: Melanoma. Bibliometria. Evolução temporal. Concentração de publicações.

INTRODUÇÃO
O melanoma é um tumor maligno derivado de melanócitos da crista neural. Essas
células são encontradas predominantemente na epiderme, em sua camada basal, possuindo
função de produção e transferência da melanina para os queratinócitos ativos. A melanina
quando concentrada no espaço perinuclear desses queratinócitos protege a célula da
radiação UV (GIORGI et al., 2012). Com a formação embrionária ocorre uma migração dessas
células para seus destinos finais. O melanoma apesar de ser primariamente encontrado na

698
célula, pode ser visto nas meninges, vaginas, olhos, trato gastrointestinal e aparelho
respiratório (artigo 12). A transformação dos melanócitos a células tumorais pode ocorrer
tanto por via normal, quanto em indivíduos geneticamente predispostos. A Agência
Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (INCA, 2012), um órgão da OMS classificou a
radiação solar como carcinogênica para seres humanos UV (GIORGI et al., 2012). O
melanoma costuma ocorrer em 5% e 4% dos homens e mulheres, respectivamente no
Ocidente (ZIMMERER et al., 2013).
De acordo com os dados do Instituto do Câncer (INCA, 2012), embora a pele seja alvo
de 25% do tumores malignos mais frequentes do Brasil o melanoma representa somente 4%
dos cânceres malignos da pele. Apesar de relativa baixa incidência, ele é o considerado mais
grave devido à alta chance de metástase. Foi estimado que no ano de 2012 surgiriam 6.230
novos casos, sendo aproximados os números entre homens e mulheres. Os óbitos no mesmo
ano seriam de aproximadamente 1.507, sendo a maioria no sexo masculino. (INCA)
A patogêneses dessa neoplasia é complexa e não totalmente esclarecida, porém
sabe-se que a radiação ultravioleta (UV) é o principal fator etiológico. Relacionam-se com a
patogênese a interação de vários fatores de risco, como meio ambiente, acúmulo de
mutações genéticas, ativação de oncogenes, inativação de genes supressores tumorais e
lesão ao DNA UV (GIORGI et al., 2012).
Dada a importância dos raios UV, quando se analisa a influência dessa radiação, o
risco depende de qual é o tipo dos raios UV, qual foi a intensidade da exposição e qual a
proporção de melanina na pele. Os raios UV possuem um espectro que pode ser dividido em
três grupos de acordo com o comprimento de onda: UVA (ondas de 320 a 400 nm), UVB
(ondas de 280 a 320 nm) e o UVC (ondas de 200 a 280 nm). Os raios B são os grandes
responsáveis pela indução da carcinogênese de pele e os raios C são muito potentes nesse
aspecto, mas por sorte ele não traz malefício já que é filtrado pela camada de ozônio, sendo
portanto, outro aspecto importante na preocupação sobre a redução da dessa camada
devido aos poluentes produzidos pela população humana. Sabe-se que os cânceres de pele
de tipos não-melanoma estão mais associados a uma exposição cumulativa à radiação,
diferentemente os melanomas, que ocorrem mais por intensa exposição intermitente, logo a

699
radiação de alta intensidade e intermitente oferece mais riscos quando comparada a
acumulativa crônica (KUMAR; PERKINS, 2010).
Os locais que têm exposição solar intermitente possuem um pico de incidência mais
comumente em indivíduos entre a terceira e a quinta décadas de vida, já os locais com
exposição crônica têm um aumento da ocorrência depois dos 50 anos. (MORDOH, 2009).
Existe, porém, um paradoxo: que é o que os raios UVB estimulam a síntese de vitamina D na
pele, substância que pode promover apoptose das células do melanoma. Estudos
epidemiológicos, clínicos e pré-clínicos apoiam o papel da vitamina D na prevenção de vários
tumores. O derivado ativo dessa vitamina é o calcitriol (1,25 dihidroxivitamina D) que é
considerado um anti-proliferativo, com efeitos pró-apoptóticos e anti-angiogênicos (GIORGI
et al., 2012.; POMMERGAARD et al., 2013).
A radiação UV artificial é uma fonte de vitamina D, mas também pode aumentar a
incidência de melanoma. Usuários de bronzeamento artificial, muito comum pelos jovens
nos países não tropicais, aumentam o risco relativo de melanoma e de cânceres de pele não-
melanoma. Porém, os estudos atuais indicam a necessidade de mais pesquisa a respeito
desse tema (JOHANE et al., 2013). Quando se compara com outras neoplasias de pele, os
cânceres não-melanoma são mais comuns, com menos chances de metástases e recidivas
locais, sendo frequentemente tratados com tratamento cirúrgico (POMMERGAARD et al.,
2013).
O fenótipo do indivíduo é um dos fatores de risco mais variados. Cabelos claros ou
ruivos, características de bronzeamento da pele, predisposição a sardas, existência de nevos
melanocíticos (existe relação entre o número de nevos e à exposição à luz UV) e
susceptibilidade a queimaduras solares são exemplos. Indivíduos com pele mais escura
apesar de possuírem maior proteção contra a ação dos danos do sol, quando são afetados,
são detectados frequentemente em estágios mais avançados (SONDA; GOMES, 2011).
Pacientes com parentes de primeiro grau diagnosticados com melanoma possuem o dobro
de risco de desenvolvimento. A história pessoal de cada melanoma ou tumor de pele não-
melanoma também são fatores, já que o risco de 5 anos de desenvolvimento de um segundo
melanoma primário é de 11,4% (TUONG et al., 2012). Ainda assim, não há indicação de
testes de detecção da susceptibilidade genética fora do contexto dos protocolos de

700
investigação diagnóstica. (MORDOH, 2009). A localização do indivíduo pode interferir na sua
exposição à radiação UV, logo os que se situam em elevadas altitudes ou baixas latitudes
possuem maior risco (TUONG et al., 2012).
A mortalidade e a incidência do melanoma estão aumento durante as décadas sendo,
portanto, um problema de saúde pública, logo a investigação sobre quais são os indivíduos
de alto risco é uma importante arma a ser utilizada para programas de educação em saúde e
também tratamento individual, auxiliando na prevenção e no diagnóstico precoce, que ainda
é o fator mais importante na cura. (MORDOH, 2009).
Sabe-se que incidência de melanoma maligno cutâneo aumento 690% no período de
1950 a 2001. Essa incidência continua crescendo, porém com alterações mínimas na
mortalidade. Esses dados podem sugerir que os diagnósticos feitos são mais de lesões com
níveis de Breslow mais precoces, tendo um melhor prognóstico e comportamento indolente
(GIORGI et al., 2012).
A partir disso, fica evidente a importância das novas técnicas utilizadas (PCR,
marcadores sorológicos) tanto para o diagnóstico quanto para escolha de melhor estratégia
de tratamento e terapia adjuvante (quimioterapia, radioterapia, imunoterapia).
A clínica do melanoma é classicamente assintomática, porém o prurido e a dor
podem ser considerados manifestações precoces. Os sinais clínicos característicos são
analisados didaticamente com a mnemônica ABCDE do melanoma e significam: Assimetria,
Bordas irregulares, Colorações alteradas, diâmetro e evolução. Os melanomas podem
apresentar variações de tons como preto, marrom, vermelho e azul mais escuro. Essa
neoplasia possui como característica duas etapas de crescimento e evolução, sendo a
primeira de forma horizontal na epiderme e derme superficial. Nesse início as células
tumorais não possuem grande capacidade de metástase. A segunda etapa do crescimento
ocorre após um período indeterminado de tempo e passa a ser de modo vertical o
crescimento, logo há uma invasão das células tumorais para as camadas mais profundas;
essa fase em muitas das vezes é evidenciada pelo aparecimento de um nódulo e está
relacionada com aumento do potencial para metástases (KUMAR; PERKINS, 2010.; TUONG et
al., 2012.; REGO et al., 2012).

701
Histologicamente, as células tumorais do melanoma são maiores, com grandes
núcleos que possuem contornos irregulares, cromatina perifericamente aglomerada e
nucléolo eosinofílico, diferentemente dos melanócitos normais ou das células dos nevos
melanocíticos. Sendo que, não há muita diferença na célula do crescimento vertical
comparada com o crescimento horizontal. Vale ressaltar que existe uma pequena parcela
das lesões que são consideradas atípicas e de difícil diagnóstico, sendo classificadas como
tumores melanocíticos de potencial maligno indefinido; sendo necessária a excisão
completa(KUMAR & PERKINS, 2010). Relevante também, é o fato de nem todos os
melanomas apresentarem todas as características do ABCD, isto é, são as combinações dos
parâmetros que fazem com que uma lesão cutânea seja ou não suspeita de ser melanoma
(TUONG et al., 2012).
Determinam um pior prognóstico: figuras de mitoses, regressão da lesão, sexo
masculino, localização em extremidades, ulceração (reduz em 5% a sobrevida), existência de
xeroderma pigmentoso (doença autossômica recessiva caracterizada por aumento da
sensibilidade à luz solar e incapacidade de reparar o dano ao DNA ocorrido pela luz),
profundidade maior que 1,7 mm (relação direta entre a profundidade do tumor e o
surgimento de metástases) (KUMAR & PERKINS, 2010.;TUONG et al., 2012). O prognóstico
costuma ser bom para melanomas finos, tendo uma sobrevida de mais de 90% em cinco
anos no estágio I e de 45-79% no estágio II. As metástases reduzem drasticamente os índices
de sobrevida. No estágio IV o cérebro é o local de maior incidência de metástase e possui o
pior prognóstico quando comparado a outras metástases viscerais, prevendo uma sobrevida
de 3 a 4 meses após o diagnóstico. Em segundo lugar são os pulmões. Pacientes que
possuem doença metastática visceral, o órgão mais invadido é o fígado (TUONG et al., 2012).
Esses tumores são um dos que apresentam maior incidência de complicações neurológicas,
onde as metástases cerebrais respondem por grande mortalidade, contribuindo em mais de
90% dos óbitos e que pode se disseminas gerando poucos sintomas, tendo frequentemente
diagnóstico mais lento, o que de certa forma, justifica a sobrevida média baixa (JACKSON et
al., 2013).
A disseminação do melanoma ocorre mais por via linfática, que se faz de modo
sequencial (LAGES et al., 2011), por isso quando os linfonodos são alcançados pelas células

702
tumorais, inicia-se uma nova resposta das células T frente aos antígenos, possibilitando uma
invasão metastática em um novo ambiente repleto de citocinas pró-inflamatórias. Sua
metastatização costuma iniciar-se pelos gânglios linfáticos e secundariamente para o tecido
subcutâneo, pulmão e cérebro. Em alguns casos raros, pode ocorrer a metastatização para o
trato gastrointestinal, podendo ter complicações associadas como anemia, hemorragia,
obstrução, intuscepção e dor abdominal. No trato gastrointestinal, o jejuno e o íleo são os
locais mais envolvidos, podendo em casos mais raros, afetar o estômago, reto e colo, sendo
assim, uma indicação cirúrgica (REGO et al., 2012).
Estatisticamente, o melanoma é mais frequente na parte superior das costas e braços
dos homens abaixo de 50 anos, acrescentando ouvido e face nos acima de 50 anos e, nas
costas e nas pernas das mulheres baixo de 50 anos,acrescentando face e braços nas com
mais de 50 anos (TUONG et al., 2012). Esse dados indicam fortemente a relação com a
exposição a luz solar, porém como o melanoma também é visto em indivíduos de
pigmentação mais escura e em locais pouco expostos ao sol, fica claro que essa exposição ao
sol não é o único fator predisponente (KUMAR & PERKINS, 2010).
O melanoma é encontrado sobre as formas de: 1) Melanoma extensivo superficial –
que é a forma de maior incidência em indivíduos de pele clara, sendo comum o diagnóstico
entre terceira e quinta décadas de vida. No momento diagnóstico, costuma ter pelo menos 6
mm, chegando até 25 em fase avançada. Geralmente em vários tons de bege, marrom,
cinza, preto e violeta; raramente possui tons azuis ou áreas de hipopigmentação; 2)
Melanoma nodular – corresponde a 20-30% dos casos, têm início precoce do crescimento
vertical, clinicamente grossos à palpação e castanhos escuros ou preto, ocorrendo
principalmente após os 60 anos de vida. É uma lesão de rápida evolução (meses); 3)
Melanoma Lentigo Maligno - costuma ser diagnosticada aproximadamente na sétima década
de vida. Sua ocorrência é maior em peles cronicamente lesada pela luz solar, ocorrendo
portanto em locais mais expostos, como face e nariz. Seu início se dá como uma pequena
lesão, mas que pode atingir vários centímetros, apesar da lenta evolução, é tipicamente
assimétrico com bordas elevadas. É predominantemente plano, podendo ter um foco de
crescimento vertical; 4) Melanoma Acro-lentiginoso - É uma lesão pouco frequente em
indivíduos de pele clara, cujo diagnóstico ocorre por volta da sétima década de vida, por isso

703
grande parte dessas lesões são diagnosticadas em fases avançadas. Sua incidência é maior
nas palmas das mãos, plantas dos pés e próximo às áreas ungueais. Uma marca dessa forma
é que ela costuma ser a mais frequente nos indivíduos de raça negra. Apresenta-se como
uma mácula negra-amarronzada; e 5) Melanoma amelanótico -Existe ainda, o melanoma
amelanótico cujo diagnóstico é mais difícil, visto que uma característica clássica do
melanoma é a sua pigmentação e este, não possuem pigmentação clínica bem evidente.
(BONFA, 2011; TUONG et al., 2012; REGO et al., 2012). Sendo os melanomas nodular e acral
lentiginoso os que mais surgem nos idosos, tipicamente em locais de pequena exposição
solar, como palmo-plantar (REGO et al., 2012).
A primeira classificação do melanoma aceita universalmente foi desenvolvida em
1983 pela American Joint Commission on Cancer e pela União Internacional Contra o Câncer,
em que o dividiu em 4 estágios, de acordo com o risco de disseminação e com sua espessura
(Índice de Breslow) e com a invasão das células tumorais (Níveis de Clark). O
microestadiamento deve considerar o tamanho do crescimento vertical de acordo com os
níveis de Clark, o espessamento do tumor em milímetros de acordo com a calssificação de
Breslow e possivelmente a ulceração (REGO et al., 2012).
Em maio de 2002 foi realizado um novo estadiamento do melanoma com o objetivo
de oferecer um guia de estudo para melhor noção sobre o prognóstico, sendo incorporados
novos marcadores como: existência de ulceração, número de linfonodos metastáticos e
níveis elevados de LDH. (BONFA, 2011). O índice de Breslow ainda é a mais importante
forma de predizer a sobrevida (BONFA 2011.; KUMAR & PERKINS, 2010.; TUONG et al.,
2012).
Apesar das diversas técnicas que auxiliam no diagnóstico, o estudo histopatológico
ainda é o melhor método de confirmação diagnóstica. A biópsia de linfonodo sentinela
aumenta significativamente a detecção de micrometástases, essa técnica baseia-se no fato
do linfonodo sentinela ser o primeiro a receber a drenagem das células. Pode-se ainda usar o
tecnécio, um corante azul (o gânglio mais fortemente corado e com emissão de
radioatividade é retirado, sendo este estudado com cortes histológicos corados por
hematoxilina-eosina e imunohistoquimica; caso haja positividade, procede-se com
extirpação completa de todo o território ganglionar), técnica comumente utilizada em lesões

704
com Breslow maior ou igual a 1 mm ou aqueles menores, mas com níveis de invasão que
comprometem a hipoderme e ulcerações. Vale ressaltar que essa técnica também evita
tratamentos desnecessários, como em algumas situações, a própria linfonodectomia radical,
quando desnecessária (MORDOH, 2009). Alguns anticorpos contra proteínas específicas à
gênese do melanoma, como gp100/HMB45, Melan-A/MART-1, tirosinasa e proteina tipo 1 e
2 relacionada a tirosinasa (TyrP1/2) são úteis para o diagnóstico de melanoma, porém o
antígenos específicos de diferenciação, como tirosina e Melan-A\MART-1 tem limitada
sensibilidade. O HMB 45 reconhece a glicoproteina gp100 que é específica dos melanomas e
células névicas, porém o índice de falso negativo não permite uma ampla utilização.
(MORDOH, 2009) Como a biópsia do linfonodo é uma técnica menos invasiva, Morton em
1992 disseminou a utilização do rastreamento linfático pré-operatório e linfonodectomia
quando necessário, em lesões com Breslow maiores que 1 mm ou até com tamanho menor,
mais com Clark maior que III ou ulceração. A linfoncintilografia pré-operatória é uma
importante etapa que deve ser realizada algumas horas antes da cirurgia. Essa técnica
evidencia o trajeto das cadeias linfáticas, suas localizações e drenagem (LAGES, et al, 2011).
A biópsia de pele ainda é o padrão-ouro para diagnóstico de melanoma cutâneo,
sendo a biópsia excisional com margem de 1 a 2 mm a mais preferida para lesões suspeitas
de melanoma. A incisional pode ser utilizada nos melanomas faciais ou com envolvimento
acral, também em lesões pouco suspeitas ou muito grandes, porém essa biópsia quando
subtotal pode não ser de boa acurácia para o estadiamento preciso (TUONG et al., 2012).
Apesar de haver um aumento da incidência, também há um aumento na sobrevida
dos doentes, isso se deve a detecção precoce do tumor devido principalmente aos
programas de educação social da população, já que não houve mudança brusca nas técnicas
de tratamento (BONFA, 2011). Alguns dados sugerem um excesso de diagnóstico dessa
patologia em jovens, em que várias campanhas de rastreio aumentam a consciência da
população. Em contrapartida, o aumento da incidência e da mortalidade verifica-se mais na
população mais antiga, principalmente em homens acima de 50 anos, que costumam ser
menos sensíveis à vigilância e às campanhas públicas(GIORGI et al., 2012). Com esses dados,
fica clara a importância das campanhas públicas para o incentivo da prevenção, sendo

705
igualmente importante o treinamento dos médicos para um diagnóstico cada vez mais
precoce, aumentando dessa forma a cura.
Mesmo os cânceres de pele não-melanoma, têm a radiação UVB como importante
fator de risco e grande parte dos indivíduos com essas neoplasias, são UVB-susceptíveis.
Logo, a identificação de indivíduos UBV-susceptíveis também é uma boa técnica de
prevenção, devendo ter uma melhor educação a respeito de fotoproteção, instruções sobre
o reconhecimento dos sinais do melanoma no início de seu desenvolvimento (regra do
ABCD), realizar autoexame e ter contato regularmente com atendimento de
dermatologistas. É fundamental a proteção e o cuidado mais atencioso durante a infância,
visto que é uma fase vulnerável aos efeitos do sol em que a exposição acumulativa nas duas
primeiras décadas de vida aumenta significativamente o desenvolvimento de câncer de pele
(SONDA & GOMES, 2011).
Vale ressaltar que a erradicação do tumor precocemente é ainda a forma mais segura
de cura (NASER, 2011). Foram aprovadas Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do
Melanoma Maligno Cutâneo pelo Ministério da Saúde através da portaria de número 357,
de 8 de abril de 2013, com objetivo de estabelecer parâmetros e diretrizes nacionais para o
diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos portadores dessa doença (INCA, 2013)

BIBLIOMETRIA
A bibliometria é um método quantitativo das áreas de biblioteconomia e ciência da
informação, com objetivo de mapear informações a partir de registros bibliográficos de
documentos (BOUSTANY, 1997, apud KOBASHI; SANTOS, 2009). O seu uso vem aumentando
devido ao fato de usar de métodos quantitativos na busca por uma avaliação objetiva de
toda a produção científica, acrescida das informações sobre autores, trabalhos, países e
outros temas que podem existir em cada categoria do que desejamos saber (PRICE, 1976,
apud ARAÚJO, 2006). A crescente vontade de novos conhecimentos com alta circulação e
disseminação é um dos motivos pelos quais ocorre o levantamento do inventário das
atividades científicas (SILVA et al., 2011).
No estudo da bibliometria, três estudiosos possuem destaque: Lotka, Zipf e Bradford.
Esses nomes correspondem cada um a uma “lei” específica. A Lei de Zipf (Lei do Mínimo

706
Esforço) mede a frequência do surgimento das palavras em diversos textos, gerando
ordenadamente uma lista de termos de um assunto. A Lei de Bradford (Lei de Dispersão)
proporciona a quantificação da produtividade das revistas, estabelendo as áreas de
dispersão e o núcleo sobre algum assunto em um mesmo conjunto de resvistas. Por fim, a
Lei de Lotka (Lei do Quadrado Inverso) demostra a quantificação da produtividade dos
autores, frente a um modelo de distribuição do tipo tamanho-frequência dos diferentes
autores em um conjunto de documentos (VANTI, 2002).
O estudo bibliométrico possui variadas finalidades, como a avaliação da qualidade da
pesquisa dos cientistas e da produtividade dos mesmos, através da medição com base nos
números de citações\publicações dos mesmos, podendo assim, revelar os avanços e as
tendências de publicações nas variadas áreas do conhecimento. Também serve para o
acompanhamento dos estudos desenvolvidos nas diferentes esferas do conhecimento
científico, ao analisar quais são os autores que mais publicam e outras variáveis (SILVA;
SANTOS; RODRIGUES, 2011).

MÉTODOS
A análise de dados desse trabalho foi feita através do Portal ISI Web Of Knowledge. A
busca foi realizada no dia 29 de abril de 2013, retorna as publicações que têm as palavras em
seu título, resumo ou palavras-chaves. As informações consideradas pertinentes à evolução
temporal, áreas de pesquisa, às palavras-chaves, aos periódicos, aos países e às instituições,
foram obtidas através de uma busca refinada nesse Portal.
Foi através de uma regressão logarítmica das publicações em função dos anos em
que se conseguiu uma análise temporal e, para isso as variáveis foram linearizadas. A taxa de
crescimento é representada pelo coeficiente angular da equação. Após isso, foi possível
saber a relação entre as publicações a respeito de melanoma durante os anos no Brasil e no
mundo. A evolução das publicações e a taxa de crescimento foram avaliadas através de
gráficos que para estes, foram utilizadas funções de regressão exponenciais entre
quantidade de publicações e os anos. Os valores das variáveis foram linearizados quando se
aplicou o logaritmo.

707
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análise por país
A tabela 1 mostra uma listagem dos países que mais publicam sobre Melanoma.
Pode-se constar que o país que mais publica atualmente é os Estados Unidos (EUA), com
aproximadamente 41% das publicações mundiais. A Alemanha encontra-se em segundo
lugar com aproximadamente 9,3% das publicações. Os 10 países que mais publicam somam
89,9%. Isso demonstra que uma maioria dos trabalhos produzidos no mundo vêm sendo
feitos por uma minoria. O Brasil ocupa o 22º lugar, respondendo por 1% das publicações,
indicando uma grande defasagem entre o volume de pesquisas realizadas no mundo e as do
país, principalmente quando analisado o fato de ser um país tropical, cuja incidência solar é
de maior intensidade e frequência, por outro lado, existe o fato das populações de pele mais
clara, como as dos outros países analisados, serem as mais afetadas quando comparado o
fenótipo de maior risco ao melanoma.

Tabela 1- Os 10 países que mais publicam em sobre Melanoma.


País Nº de publicações
EUA 28797
Alemanha 6552
Japão 5529
Itália 4534
Inglaterra 3957
França 3670
Austrália 2669
Países baixos 2382
Canadá 2350
República Popular da China 2323
...
BRASIL 731

A análise das Figuras 1 e 2 permite avaliar a evolução temporal do das pesquisas


sobre o tema e comparar o desenvolvimento do Brasil e do Mundo. Ambos apresentam
crescimento exponencial, porém o coeficiente linear no Brasil (404,6) é maior do que o
verificado no mundo (82,15). Ainda, com base nas equações foi possível determinar as taxas
de crescimento anual, sendo que, no mundo as publicações sobre melanoma crescem a uma
taxa de 4,2% ao ano, enquanto no Brasil, esta taxa é de 22,4%. Embora o Brasil ainda possua,

708
proporcionalmente, poucas publicações, a taxa de crescimento é bem maior do que a média
mundial.

140 4500
log y = - 1335 + 404,6 log X log Y = - 267,8 + 82,15 log X
120
4000

Nº de publicações (Mundo)
Nº de publicações (Brasil)

100
3500
80

3000
60

40 2500

20
2000

0
1995 2000 2005 2010 1995 2000 2005 2010
A NO A NO

Figura 2- Evolução das pesquisas sobre Figura 3 - Evolução do Mundo nas


Melanoma no país, de acordo com o publicações a respeito do tema Melanoma,
número de publicações por ano. de acordo com o número de publicações por
ano.

Análise por área


A Figura 3 demonstra as dez principais áreas cujas publicações sobre Melanoma
foram realizadas no Mundo e no Brasil. Tanto no Mundo quanto no Brasil, a principal área de
publicação é a oncologia, porém existe uma discrepância significativa em relação aos
números, tendo em vista em que apesar do Brasil possuir 22% das suas publicações nessa
área, isto representa menos de 1% quando comparado ao Mundo este que, tem a oncologia
como 34% das suas pesquisas. Em segundo lugar vem a dermatologia em ambas as análises
(BR sendo responsável por 16,5% e Mundo responsável por 13,8%). Em terceiro lugar, está a
Biologia Molecular e Bioquímica no Mundo (com 9,6%) e a Farmacologia e Farmácia no Brasil
(12,7%).

709
40%

34,8%
35%

30%
% das publicações

25%
22,2%

20%
16,3%
15% 13,8%
12,7%
11,5%
9,6%
10% 8,2%
7,5% 7,5% 7,5% 7,4%
6,6% 6,3%
5,6% 5,2% 5,0% 5,7% 5,3%
4,7%
5%

0%
Cirurgia

Patologia

Patologia

Cirurgia
Oncologia

Oncologia
Biologia Celular

Biologia Celular
Dermatologia

Imunologia

Dermatologia
Biologia Molecular e Bioquímica

Biologia Molecular e Bioquímica

Química
Oftalmologia

Oftalmologia
Pesquisa experimental médica

Farmacologia e Farmácia

Farmacologia e Farmácia

Pesquisa experimental médica


Mundo (n=69.828) . Brasil (n=731)

Figura 4 - Percentagem das dez principais áreas de publicação a respetio de Melanoma no Mundo e
no Brasil

Análise por Autor


A Figura 4 lista os dez principais autores das publicações sobre melanoma no Mundo
e no Brasil. Verifica-se que o primeiro autor no Brasil possui um total de 29 publicações,
enquanto que o primeiro no Mundo possui 394 publicações a respeito do Melanoma. O
gráfico 4 permite avaliar a percentagem desses autores com relação ao total de publicações.
O primeiro autor do Brasil apesar de possuir somente 29 publicações, representa 3,97% de
todas as publicações, enquanto o primeiro autor do Mundo mesmo tendo 394 publicações,
esse número representa 0,56% do total dessas no Mundo.

710
4,5%

3,97%
4,0%

3,5% 3,42%

3,01%
3,0%
2,74% 2,74%
% das publicações

2,60% 2,60%
2,5% 2,33%
2,19% 2,19%

2,0%

1,5%

1,0%
0,56% 0,50%
0,48%
0,5% 0,36% 0,36% 0,35% 0,34% 0,33% 0,30% 0,30%

0,0%
HERLYN M
ROSENBERG SA

SHIELDS JA

MARIA DA
SHIELDS CL

FERRONE S

GARBE C

CHAMMAS R

PESSOA C

BUZAID AC

BURNIER MN
DE MORAES MO
SCHADENDORF

JASIULIONIS MG
RODRIGUES EG
TRAVASSOS LR
MORTON DL

THOMPSON JF

COSTA-LOTUFO
KIRKWOOD JM

LV
D

Mundo (n=69.828) . Brasil (n=731)

Figura 5 - Principais autores de publicações sobre Melanoma e suas percentagens quando


comparadas às publicações no Mundo e no Brasil, respectivamente.

Análise por Instituições


A Figura 5 permite a identificação das principais instituições responsáveis pelas
publicações de Melanoma no Mundo e no Brasil. Está em evidência que no Brasil, tanto a
primeira quanto a segunda posição estão ocupadas por Universidades do estado de São
Paulo (USP e Unifesp) vindo em terceiro lugar a Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), sendo esta a única do estado do Rio entre as primeiras posições, vindo depois as
Universidades de Campinas, Ceará, Minas Gerais, etc. Isso permite avaliar que apesar do
sudeste ser considerado o grande investidor em novas tecnologias do país, essa região tem
em São Paulo o monopólio da busca por novos conhecimento. O gráfico 5 embasa essa
afirmação ao demonstrar que o estado de São Paulo tem a representação de 41,9% das
populações brasileiras a respeito de melanoma, enquanto o estado do Rio, representado
apenas pena UFRJ, mesmo em segundo lugar, detém somente 8,6% dessas publicações.

711
30%
28,5%

25%

20%
% das publicações

15%
13,4%

10%
8,6%

5% 4,5% 4,4% 4,0%


3,4% 3,3% 3,0% 3,0%
2,8%
2,3% 2,2% 1,9%
1,1% 1,1% 1,0% 1,0% 1,0% 0,9%

0%

UNIV FED PARANA

BUTANTAN INST
UNIV ESTADUAL
UNIV SAO PAULO
HARVARD UNIV

UNIV CALIF SAN

YALE UNIV

UNIV FED SAO PAULO

UNIV FED CEARA


UNIV SYDNEY
UNIV CALIF LOS
NCI

UNIV FED MINAS GERAIS


UNIV TEXAS

UNIV FED RIO GRANDE


UNIV PENN

UNIV PITTSBURGH

UNIV FED RIO DE


MEM SLOAN KETTERING

MEM SLOAN KETTERING


FRANCISCO

CAMPINAS
ANGELES

JANEIRO
CANC CTR

CANC CTR

DO SUL
Mundo (n=69.828) . Brasil (n=731)

Figura 6 - Percentagem e relação das principais instituições responsáveis pelas publicações a respeito
de Melanoma.

Análise por periódicos


A Figura 6 demonstra os principais periódicos em que são publicados trabalhos e
estudos a respeito de Melanoma, comparando os números do Mundo e do Brasil. Anais
Brasileiros de Dermatologia representam o principal periódico do Brasil, possuindo somente
34 publicações a cerca do tema, enquanto o primeiro do Mundo (Cancer Research) possui
2574 publicações. Fica também evidente o fato de nos 10 principais periódicos brasileiros
existem somente 131 publicações, enquanto no periódico em décimo lugar no Mundo,
existem 864 publicações. A Figura 6 faz a comparação dessas instituições e a relação delas na
percentagem das publicações do Mundo e do Brasil. Ele mostra que os Anais Brasileiros de
Dermatologia detêm 4,65% das publicações brasileiras e que o “Melanoma Research”
mesmo estando em segundo lugar, possui quase metade da percentagem do primeiro
(2,87), o que não acontece no Mundo, em que o periódico situado na primeira colocação
corresponde a 3,69% e o seguido dele não tem tanta diferença, com 2,41%.

712
5,0%
4,65%
4,5%

4,0%
3,69%

3,5%
% das publicações

3,0% 2,87%

2,5% 2,41%
2,33%

1,97%
2,0% 1,78%
1,74%
1,53% 1,45% 1,50%
1,43%
1,5% 1,31% 1,24%
1,23% 1,23% 1,23%
1,09%
1,0%

0,5%

0,0%

BRAZILIAN JOURNAL OF
ANAIS BRASILEIROS DE

INTERNATIONAL

EUROPEAN JOURNAL OF
JOURNAL OF CANCER

CLINICAL CANCER

BIOLOGICAL RESEARCH
CANCER RESEARCH

BRITISH JOURNAL OF
CANCER

DERMATOLOGY

CANCER
MELANOMA RESEARCH

MELANOMA RESEARCH

TOXICON
BMC CANCER
CANCER IMMUNOLOGY

PLOS ONE
IMMUNOLOGY

DERMATOLOGY
INVESTIGATIVE
JOURNAL OF

MEDICINAL CHEMISTRY
JOURNAL OF

JOURNAL OF
IMMUNOTHERAPY
INTERNATIONAL

RESEARCH

DERMATOLOGIA

MEDICAL AND
CANCER

Mundo (n=69.828) . Brasil (n=731)

Figura 7 - Percentagem dos principais periódicos que publicam a respeito do Melanoma no Mundo e
no Brasil.

CONCLUSÃO
Melanoma é uma neoplasia de alta incidência e mortalidade, sendo considerado um
problema de saúde pública. Através de estudos bibliométricos verificou-se que o Brasil não
se encontra entre os líderes no ranking das publicações, respondendo apenas a 1% destas,
porém a partir de 2005 houve um aumento exponencial nessas publicações, estas possuindo
atualmente, uma taxa de crescimento anual de 22,4%, o que é bem superior à taxa mundial
de 4,2%. No país, duas universidades do Estado de São Paulo representam quase 50% do
Brasil nessas publicações, logo deve haver maior incentivo e investimento por parte do
restante dos estados do país para que todas as regiões acompanhem esse crescimento
significativo no conhecimento.

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, C. A.. Bibliometria: evolução histórica e questões atuais. Em Questão, Porto
Alegre, v. 12, n. , p.11-32, 2006
BONFA, R.; BONAMIGO, R. R.; DURO, K. M.. A Precocidade diagnóstica do melanoma
cutâneo: uma observação no sul do Brail . Anais Bras Dermatol. Porto Alegre: 2011.

713
GIORGI, V.; GORI, A.; GRAZZINI, M.. S. Epidemiology of melanoma: is it still epidemic?
What is the role of the sun, sunbeds, Vit D, betablocks, and others? , Dermatology Therapy.
United States, v. 25, n. , p.392-396, 2012.
JACKSON, J. E.; H.BURMEISTER, B.; BURMEISTER, E. A.. Melaonoma brain metastases: the
impact of nodal disease. Clin. Exp. Metastasis, Boston, Usa, n. , p.8-13, 2013.
JOHANE, M.; BATURAITE, Z.; GRIGALAVICIUS, M.. Sunbed use and cutaneous melanoma
in Norway. Scandinavian Journal Of Public Health, Oslo, Montebello, p. 1-6. 01 ago. 2013.
KUMAR, V.; PERKINS, J. A.. Robbins e Cotran patologia: bases patológicas das doenças. 8.
ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010
LAGES, R. B.; VIEIRA, S. C.; ABREU, B.a. L.. Linfonodo sentinela em melanoma: experiência
inicial de um centro do nordeste brasileiro. Anais Bras Dermatol. Piauí.v. 86, n. , p.379-382,
2011.
MORDOH, A.. Clínica Del melanoma. Actac Bioquím Clín Latinoam, Buenos Aires, v. 43, n.
, p.327-331, 2009.
NASER, N. Melanoma cutâneo – estudo epidemiológico de 30 anos em cidade do Sul do
Brasil, de 1980-2009. Anais Bras Dermatol. Blumenau (SC). v. 86, n. 1, p.932-941, 2011.
POMMERGAARD, H. C.; BURCHARTH, J.; ROSENBERG, J.. Combination Chemoprevention
with Diclofenac, Calcipotriol ans Difluoromethylornithine Inhibits Development of Non-
melanoma Skin Cancer in Mice. Anticancer Research, Copenhagen, v. 33, n. , p.3033-3040,
2013.
REGO, C. S.; SILVA, A. L.; RIBEIRO, E.. Um melanoma “mascarado”. Rev Bras Med Fam
Comunidade, Florianópolis, v. 07, n. , p.49-52, 2012.
SANTOS, R. N. M.; KOBASH, N. Y.. Bibliometria, cientometria, infometria: conceitos e
aplicações. Pesq. Bras. Ci. Inf, Brasília, v. 02, n. , p.155-172, 2009.
SILVA, R. A.; SANTOS, R. N. M.; RODRIGUES, R. S.. Estudo bibliométrico na base LISA: um
enfoque nos artigos sobre os surdos. Em Questão, Rgs, v. 17, n. , p.283-298, 2011.
SONDA, L.C.; GOMES, J. S.; Fatores de risco para melanoma: uma revisão integrativa.
Trabalho de conclusão de curso de graduação – Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul, RGS, 2011.

714
TUONG, W.; CHENG, L. S.; ARMSTRONG, A. W.. Melanoma: Epidemiology,
Diagnosis, Treatment, and Outcomes. Dermatol Clin. California, Us, v. 30, n. , p.113-124,
2012.
VANTI, N.. Da Bibliometria à Webometria: uma exploração conceitual dos mecanismos
utilizados para medir o registro da informação e a difusão do conhecimento. Ciência da
Informação. Brasília. v. 31, n. , p.152-162, 2002.
ZIMMERER, R. M.; KORN, P. K.; DEMOUGIN, P.. Functional features of cancer stem cells
in melanoma cell lines. Cancer Cell International. Germany. p.1-13, 2013.

715
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA A RESPEITO DAS PUBLICAÇÕES MUNDIAIS E BRASILEIRAS SOBRE
TIROXINA NA BASE SCOPUS

Júlia Marcelino Terra


Faculdade de Medicina de Campos

Luis Antonio França Silva


Instituto Federal Fluminense – Campus Quissamã

Rui Manuel Pinto Dantier


Instituto Federal Fluminense – Campus Quissamã

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é realizar um estudo bibliométrico a respeito do


hormônio da tireoide tiroxina. Os dados foram obtidos a partir da busca de artigos científicos
na base Scopus, sendo a busca realizada no dia 07 de maio de 2013. Inicialmente foi feita
utilizando-se o termo “thyroxine”, sendo utilizada a opção de busca rápida. Os resultados
mostram que os Estados Unidos é o país que mais publica. Nessa classificação, o Brasil ocupa
o 17° lugar, indicando que ainda se encontra em fase de expansão. No que diz respeito à
evolução de publicações verificou-se que a taxa de crescimento do caso brasileiro é
expressivamente maior que a taxa de crescimento mundial. Foi analisada a frequência
relativa das áreas que publicam no assunto. A medicina ocupou um lugar de destaque,
sendo indiscutivelmente a área que mais publica no tema tiroxina. Em relação aos veículos
de publicação, o presente estudo observou que a maioria dos veículos com os maiores
números de publicações no mundo é na área de Medicina e de nacionalidade americana,
que está de acordo com a classificação quanto aos países que mais publicam e quanto às
universidades que mais publicam. Por fim, os resultados mostram uma grande concentração
de publicações nas áreas de saúde, nos Estados Unidos, em revistas e instituições
americanas. Cabe ressaltar que o Brasil atualmente não ocupa uma posição de destaque em
relação ao número de publicações, porém o seu potencial de crescimento é expressivo.
Palavras-chave: Tiroxina. Tireóide. Bibliometria.

INTRODUÇÃO
Endocrinologia é uma especialidade médica que estuda as ordens do sistema
endócrino e suas secreções específicas, chamadas de secreções fisiológicas. A endocrinologia
possui vários ramos de estudo, como a neuroendocrinologia, obesidade e diabetes, adrenais,
endocrinologia feminina e masculina, metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas,
tumores neuroendócrinos, síndromes poliglandulares e a tireoide, a qual será abordada em
mais detalhes neste trabalho.

716
Acerca da tireoide sabe-se que esta fica localizada na face anterior da região cervical,
no seu terço médio, próxima à traqueia, e é dividida em dois lobos. Essa glândula pesa
aproximadamente 20 g, e sua atuação é controlada pela ação do TSH, que já foi abordado
anteriormente. Sua função depende, também, da absorção do iodo, elemento químico
essencial na síntese de seus dois principais hormônios são: a tiroxina (também chamado de
T4) e a triiodotironina (T3). O T4 funciona sobretudo como um pré-hormônio, sendo que a
monodeiodinação do anel externo de sua estrutura molecular fornece 75% da produção
diária de T3, que é o principal hormônio ativo (Berne et al 2000; Guyton & Hall, 2012)
Sobre a produção desses hormônios, o processo se inicia no retículo endoplasmático
e no complexo de Golgi das células epiteliais cuboides, os quais secretam uma grande
glicoproteína chamada tireoglobulina nos folículos. Cada molécula de tireoglobulina contém
cerca de 70 aminoácidos tirosina. As tirosinas são os principais substratos e se combinam
com o iodo para formar os hormônios tireoideanos. Assim sendo os hormônios tiroxina e
triiodotironina são formados no interior da molécula de tireoglobulina. A tireoide armazena
estes hormônios em seus folículos no interior das moléculas de tireoglobulina em uma
quantidade suficiente para suprir as necessidade normais do organismo por 2 a 3 meses
(GUYTON; HALL, 2012).
Os principais efeitos fisiológicos destes hormônios são ativação da transcrição
nuclear de um grande numero de genes, fazendo com que seja sintetizado um grande
número de enzimas, proteínas estruturais e de transporte e de outras substâncias; aumento
da atividade metabólica celular com o aumento do número e a atividade das mitocôndrias
elevando a taxa de formação de trifosfato de adenosina (ATP) para fornecer energia para as
funções celulares; aumento do transporte ativo de íons através de membranas celulares
aumentando assim a taxa metabólica corporal através do aumento da ativação da bomba de
sódio e a produção de calor; promoção do crescimento e desenvolvimento do cérebro
durante a vida fetal e nos primeiros anos de vida pós-natal. Na fase de criança determinam a
maturação dos ossos e o fechamento das epífises; influenciam o metabolismo dos
carboidratos estimulando a captação rápida de glicose pelas células, aumento da glicólise, da
gliconeogênese, da taxa de absorção pelo trato gastrointestinal e da secreção da insulina;
influencia no metabolismo de lipídios, os quais através dos hormônios tereoideanos são

717
mobilizados rapidamente do tecido adiposo, o que reduz os acúmulos de gordura do
organismo e aumenta a concentração de ácidos graxos livres no plasma e acelera
amplamente sua oxidação pelas células; aumento da taxa metabólica basal em 60% a 100%
pelo fato de aumentarem o metabolismo em quase todas as células corporais; devido ao
aumento no metabolismo provocado pelos hormônios tireoideanos, os tecidos utilizam o
oxigênio mais rápido que o normal e há uma liberação aumentada de produtos metabólicos.
Esses efeitos aumentam a vasodilatação e consequentemente o fluxo sangüíneo, levando-se
também, desta forma, o débito cardíaco; efeito direto sobre a excitabilidade do coração, o
que eleva a frequência cardíaca; elevação da atividade enzimática provocada pelos
hormônios tireoideanos provoca um aumento da força de contração cardíaca; aumento da
frequência e a profundidade da respiração, devido aos efeitos causados pelos hormônios
tireideanos como a maior taxa metabólica basal que aumenta a utilização de oxigênio e a
formação de dióxido de carbono; aumento da taxa de produção de secreções digestivas e a
mobilidade do trato gastrointestinal; e produção de efeitos excitatórios sobre o sistema
nervoso central aumentando a velocidade do pensamento.
Neste trabalho apresenta-se um estudo bibliométrico a respeito das publicações
sobre este hormônio produzido pela tireoide, a thyroxine, no Brasil e no mundo, na base de
dados Scopus.
A bibliometria consiste na utilização de métodos quantitativos a fim de se obter uma
avaliação objetiva da produção (ARAÚJO, 2006). Ainda sobre a bibliometria Oliveira et al
(1992) explicam que a avaliação da produtividade científica deve ser um dos elementos
principais para o estabelecimento e acompanhamento de uma política nacional de ensino e
pesquisa, uma vez que permite um diagnóstico das reais potencialidades de determinados
grupos e/ou instituições. A bibliometria constitui uma técnica quantitativa de avaliação
desta produtividade. A partir desta, é possível, mediante a aplicação de métodos
estatísticos, fazer constatações a respeito do estado de uma dada arte, ou ramo
(PRITCHARD, 1969).
De acordo com Mesquita et al (2006) a Scopus é uma base de dados multidisciplinar,
produzida pela editora Elsevier desde 2004, com cobertura desde 1960, que contém
resumos de 27 milhões de artigos, referências e índices da literatura científica, técnica e

718
médica. Esta base de dados pode incluir citações e links para texto completo de artigos,
quando esses estão disponíveis. Eles explicam que segundo a empresa, a base de dados
indexa 14.000 títulos de periódicos de 4.000 editoras internacionais, com atualizações
diárias. Mais de 60% dos títulos são de outros países que não os Estados Unidos e 85% do
conteúdo é indexado utilizando os vocabulários controlados para a definição das palavras-
chave e/ou descritores. Esta base pesquisa, simultaneamente, o conteúdo dos artigos
indexados em sua própria plataforma, na web (através do Buscador Scirus da Elsevier para
páginas com conteúdo científico) e ainda bases de patentes sobre o assunto pesquisado. A
base Scopus cobre as seguintes áreas do conhecimento: química, física, matemática,
engenharia, ciências da saúde e vida, ciências sociais, psicologia, economia, biologia,
agricultura, ciências ambientais e ciências gerais. Em recente pesquisa, constatou-se que a
Scopus encontra-se, juntamente com o Google Scholar e a Web of Science, entre as maiores
bases de dados multidisciplinares (MESQUITA, 2006).
O objetivo do presente trabalho é, portanto, realizar um estudo bibliométrico,
utilizando a base de busca Scopus, a respeito do hormônio da tireoide, thyroxine, tanto no
Brasil como no mundo, sendo apresentados a evolução temporal e os países, autores,
instituições e periódicos que mais publicam acerca deste tema.

MÉTODOS
Os dados foram obtidos a partir da busca de artigos científicos na base Scopus,
disponível no Portal Periódicos da Capes. A busca foi realizada no dia 07 de Maio de 2013.
Inicialmente foi feita utilizando-se o termo “thyroxine”, sendo utilizada a opção de busca
rápida, que retorna as publicações que tenham a palavra digitada no título, no resumo ou
nas palavras-chaves. As demais informações foram obtidas através de uma busca refinada na
própria base de dados.
Foi através de uma regressão logarítmica das publicações em função dos anos que se
conseguiu uma análise temporal e, para isso as variáveis foram linearizadas. A taxa de
crescimento é representada pelo coeficiente angular da equação. Após isso, foi possível
saber a relação entre as publicações a respeito de melanoma durante os anos no Brasil e no
mundo.

719
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Recuperou-se um total de 32.158 trabalhos científicos sobre tiroxina publicados no
mundo que estão indexados na base Scopus, e no Brasil a quantidade de publicações
recuperadas na base Scopus sobre o mesmo tema foi de 615.
A Tabela 1 e a Figura 1 apresentam os dezessete primeiros países que mais
publicaram a respeito deste tema, e o Brasil se encontra na 17º posição. Os Estados Unidos
se destaca em relação aos outros países, que está bem a frente com 10739. Em segundo
lugar está o Reino Unido com 3083 publicações a respeito de tiroxina e logo abaixo, bem
próximo do Reino Unido está o Japão em terceiro lugar.

Tabela 1 - Países que mais publicaram artigos na base Scopus sobre tiroxina
País Nº de artigos %
EUA 10739 23,11%
Reino Unido 3083 6,63%
Japão 2917 6,28%
Itália 2042 4,39%
Alemanha 1955 4,21%
França 1527 3,29%
Canada 1368 2,94%
India 1251 2,69%
Holanda 1129 2,43%
Turquia 928 2,00%
...
Brasil (17º lugar) 615 1,32%

720
25%
23,11%

20%
Frequência relativa (%)

15%

10%

6,63% 6,28%

5% 4,39% 4,21%
3,29% 2,94% 2,69% 2,43%
2,00% 1,96% 1,81% 1,74% 1,61% 1,45% 1,33% 1,32%

0%
Italy

Brazil
Sweden
Germany

Turkey
Canada
Japan

India

China
Spain

Poland
Australia
United States

France

Netherlands

Belgium
United Kingdom

Figura 1 - Países que mais publicaram artigos na base Scopus sobre tiroxina

Todos os outros países estão bem abaixo dos EUA, mas a diferença entre eles não é
tão grande. O Brasil se comparado aos EUA, se encontra muito inferior a respeito das
publicações sobre tiroxina e não faz parte dos dez primeiros países que mais publicam a
respeito deste tema.
Pode-se perceber que os dezessete países que mais publicam somam 69,19%. Apesar
de totalizar mais da metade das publicações feitas no mundo na base scopus a respeito de
tiroxina pode-se perceber que a diferença entre esses países não é muito grande. Isso
significa que muitos países no mundo realizam pesquisas acerca deste assunto.
O Brasil ocupa a 17ª posição, com apenas 1,32% nas publicações no mundo,
indicando que há uma grande defasagem entre o volume de pesquisas realizadas no planeta
e as realizadas no país.
A Figura 2 apresenta a distribuição exponencial das publicações na base scopus sobre
tiroxina ao longo das décadas no Brasil e no mundo. A partir das equações de regressão
exponenciais, que podem ser observadas na parte superior da Figuras 1, foi elaborada a
Tabela 2, que apresenta o coeficiente angular das equações de regressão. Este indica a taxa
de crescimento do número de publicações científicas relacionadas a tiroxina no mundo e no
Brasil.
721
De acordo com os dados da Tabela 2, na década de 80 o Brasil apresentou uma taxa
de crescimento de 11,2% enquanto no mundo essas publicações tiveram uma taxa de
crescimento negativa, de -1,2%. Já na década de 90 a taxa de crescimento no brasil foi de
30,4% e no mundo esta permaneceu negativa, de -0,8%.
Entre os anos de 2000 e 2012 o número de publicações sobre tiroxina no Brasil
cresceu 11,5% e no mundo houve um aumento significativo nessas publicações de 3,4%, se
comparado com os anos anteriores. Isso mostra que o Brasil mantém um número
significativo de publicações anuais sobre esse assunto e que no mundo, nos últimos anos
esse número cresceu muito. Esses dados estão de acordo com o aumento da incidência de
doenças da tireoide no Brasil e no mundo, que vem apresentando um aumento.

Tabela 2 – Taxa de crescimento do número de publicações sobre tiroxina ao longo dos anos

1100
6
log Y = 80,42 - 23,48 X
log Y = - 716,6 + 217,5 log X

1050 5
Publicações

Publicações

1000 4

950 3

2
900
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989
Ano Ano

2a 2b

20
1040
log Y = - 1751 + 530,9 X
log Y = 56,02 - 16,07 X
1020
15
1000
Publicações

Publicações

980
10
960

940
5

920

900 0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Ano Ano

2c 2d

722
60
1300 log Y = - 219,3 + 67,33 log X
log Y = - 717,7 + 217,8 log X

50

1200
Publicações

Publicações
40

1100
30

1000
20

900 10
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
Ano Ano

2e 2f
Figura 1 – Crescimento do número de publicações sobre tiroxina ao longo dos anos

1980-1989 1990-1999 2000-2012


Região
Coefic. Cresc/ano Coefic. Cresc/ano Coefic. Cresc/ano
Mundo -23,80 -1,2% -16,07 -0,8% 67,33 +3,4%
Brasil 217,5 +11,5% 530,9 +30,4% 217,8 +11,5%

A Tabela 3 e o Gráfico 2 apresentam uma listagem dos autores que mais publicam
sobre o assunto no brasil e no mundo. Observa-se o autor com o maior número de
publicações no mundo é o Visser, T.J, com 231 trabalhos publicados. Em segundo lugar com
204 publicações, Braverman, L.E., e em terceiro lugar o Refetoff, S. Com 188 trabalhos. O
somatório de publicações dos dez mais que publicam é igual a 1.518, isso equivale a 3,25%.
Já no Brasil, a soma das publicações dos dez primeiros autores resulta em 238
trabalhos, ou 38,69%. Em primeiro lugar encontra-se Vaisman, M. com 36 trabalhos
publicados, ou 5,85%, em segundo lugar Lisboa, P.C. com 30 trabalhos, ou 4,88% e em
terceiro, o Medeiros-Neto, G. com 26 trabalhos, ou 4,23%.

Tabela 3 – Principais autores que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil
Nome do Autor n % Nome do Autor n %
Visser, T.J. 231 0,50% Vaisman, M. 36 5,85%
Braverman, L.E. 204 0,44% Lisboa, P.C. 30 4,88%
Refetoff, S. 188 0,40% Medeiros-Neto, G. 26 4,23%
Larsen, P.R. 151 0,32% Pazos-Moura, C.C. 24 3,90%
Pinchera, A. 141 0,30% Carvalho, D.P. 22 3,58%
Chopra, I.J. 136 0,29% Knobel, M. 21 3,41%
Fisher, D.A. 122 0,26% Bianco, A.C. 21 3,41%
Hershman, J.M. 120 0,26% Passos, M.C.F. 20 3,25%
Wiersinga, W.M. 116 0,25% Moura, E.G. 19 3,09%
Ingbar, S.H. 109 0,23% Barreto-Chaves, M.L.M. 19 3,09%
723
7%

6% 5,85%

4,88%
5%
Frequência relativa (%)

4,23%
3,90%
4%
3,58%
3,41% 3,41%
3,25%
3,09% 3,09%
3%

2%

1%
0,50% 0,44% 0,40% 0,32% 0,30% 0,29% 0,26% 0,26% 0,25% 0,23%

0%

Pazos-Moura, C.C.

Carvalho, D.P.

Barreto-Chaves,
Lisboa, P.C.

Knobel, M.
Pinchera, A.

Chopra, I.J.

Ingbar, S.H.

Bianco, A.C.

Moura, E.G.
Larsen, P.R.

Fisher, D.A.

Medeiros-Neto, G.

Passos, M.C.F.
Visser, T.J.

Braverman, L.E.

Vaisman, M.
Hershman, J.M.
Refetoff, S.

Wiersinga, W.M.

M.L.M.
Mundo . Brasil

Figura 3 - Principais autores que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil

A Tabela 4 e o Figura 4 representam as áreas que mais publicam sobre esse tema.
Pode-se observar que no mundo em primeiro lugar a área que mais publica é a medicina
com 27.148 publicações ou 58,41%. Em segundo lugar está Bioquímica, genérica e biologia
molecular com 21097 publicações ou 43,39%, e em terceiro lugar está a Farmacologia,
toxicologia e farmácia com 2.927 publicações que correspondem à 6.30%.
Já no Brasil o primeiro lugar é ocupado pela Bioquímica, genética e biologia
molecular com 341 trabalhos e 55,45%. Em segundo lugar está a Medicina, porém com o
mesmo número de publicações e mesmo percentual que o primeiro lugar, e em terceiro
lugar está Agricultura e Ciências Biológicas com 49 trabalhos e 7,97%.

Tabela 4 - Áreas que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil


Área n % Área n %
Bioquímica, Genética e Biologia
Medicina 27148 58,41% 341 55,45%
Molecular
Bioquímica, Genética e Biologia
21097 45,39% Medicina 341 55,45%
Molecular
Farmacologia, Toxicologia e
2927 6,30% Agricultura e Ciências Biológicas 49 7,97%
Farmácia
Agricultura e Ciências Biológicas 2427 5,22% Neurosciência 43 6,99%
Farmacologia, Toxicologia e
Neurosciência 1990 4,28% 42 6,83%
Farmácia
724
Veterinária 1311 2,82% Veterinária 29 4,72%
Ciência Ambiental 874 1,88% Imunologia e Microbiologia 13 2,11%
Imunologia e Microbiologia 737 1,59% Profissionais de saúde 10 1,63%
Química 684 1,47% Dentista 7 1,14%
Profissionais de saúde 583 1,25% Química 6 0,98%
- - - Ciência Ambiental 6 0,98%

70%

60% 58,4%
55,4% 55,4%

50%
45,4%
Frequência relativa (%)

40%

30%

20%

10% 8,0%
7,0% 6,8%
6,3%
5,2% 4,7%
4,3%
2,8% 2,1%
1,9% 1,6% 1,5% 1,3% 1,6% 1,1% 1,0% 1,0%
0%
Pharmacology, Toxicology

Pharmacology, Toxicology
Biochemistry, Genetics

Veterinary

Immunology and

Chemistry

Biochemistry, Genetics

Veterinary

Immunology and

Dentistry

Chemistry
Agricultural and Biological

Environmental Science

Agricultural and Biological

Environmental Science
Neuroscience

Health Professions

Neuroscience

Health Professions
Medicine

Medicine
and Molecular Biology

and Molecular Biology


Microbiology

Microbiology
and Pharmaceutics

and Pharmaceutics
Sciences

Sciences

Mundo Brasil

Figura 4 - Áreas que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil

As principais palavras-chaves quando se refere ao tema tiroxina estão presentes na


Tabela 5 e no gráfico 4. O que se percebe é que todas as dez primeiras palavras-chaves
usadas nos artigos são comuns aos trabalhos publicados em todo o mundo e os publicados
no Brasil. A palavra-chave “Feminino” ocupa destaque tanto nos artigos publicados no
mundo como no Brasil. Além disso, essas principais palavras-chaves representam uma
porcentagem significativa em ambos os casos, o que indica que elas são de fato muito
usadas nos trabalhos científicos sobre aglomerados produtivos.

Tabela 5 - Principais palavras-chaves que se referem ao tema tiroxina no mundo e no Brasil


Palavra-chave n % Palavra-chave n %
Feminino 23202 49,9% Feminino 392 63,7%
Masculino 22542 48,5% Masculino 363 59,0%
Tireotropina 15754 33,9% Tireotropina 314 51,1%
Liotironina 15617 33,6% Liotironina 261 42,4%
725
Adulto 15415 33,2% Adulto 251 40,8%
Triiodotironina 12901 27,8% Triiodotironina 208 33,8%
Hipotireoidismo 10733 23,1% Hipotireoidismo 189 30,7%
Hipertireoidimo 6582 14,2% Hipertireoidimo 141 22,9%
Meia Idade 5256 11,3% Meia Idade 111 18,0%
Adolescente 4766 10,3% Adolescente 90 14,6%

70%
63,7%

59,0%
60%

51,1%
49,9%
50% 48,5%
Frequência relativa (%)

42,4%
40,8%
40%
33,9% 33,6% 33,2% 33,8%
30,7%
30% 27,8%

23,1% 22,9%

20% 18,0%

14,2% 14,6%
11,3%
10,3%
10%

0%
Hypothyroidism

Hyperthyroidism

Hypothyroidism

Hyperthyroidism
Liothyronine

Liothyronine
Thyrotropin

Triiodothyronine

Thyrotropin

Triiodothyronine
Male

Adult

Middle Aged

Male

Adult

Middle Aged
Adolescent

Adolescent
Female

Female

Mundo . Brasil

Figura 5 - Principais palavras-chave que se referem ao tema tiroxina no mundo e no Brasil

Na Tabela 6 e no Gráfico 5 estão os primeiros dez periódicos em que são publicados


os trabalhos científicos sobre tiroxina no mundo e no Brasil. No mundo o Journal of Clinical
Endocrinology and Metabolism obteve destaque, ele representa quase 3,92% da quantidade
total de artigos publicados nos dez primeiros veículos de comunicação. Os periódicos
Endocrinology e Clinical Endocrinology ocupam o segundo e terceiro lugar, com 3,59% e
1,87%, respectivamente.
No Brasil, o periódico Thyroid se destacou com 6,02% das publicações, e logo abaixo
está o Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism e Arquivos brasileiros de
Endocrinologia e Metabologia com 4,55% e 3,90% respectivamente. Vale ressaltar que, a
maioria dos periódicos com publicações sobre tiroxina são da área da medicina.

726
Tabela 6 – Periódicos que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil
Periódico n % Periódico n %
Journal of Clinical Endocrinology 1823 3,92% Thyroid 37 6,02%
and Metabolism
Endocrinology 1669 3,59% Journal of Clinical Endocrinology and 28 4,55%
Metabolism
Clinical Endocrinology 867 1,87% Arquivos Brasileiros De Endocrinologia 24 3,90%
E Metabologia
Acta Endocrinologica 854 1,84% Hormone and Metabolic Research 24 3,90%
General and Comparative 787 1,69% Journal of Endocrinological 23 3,74%
Endocrinology Investigation
Thyroid 711 1,53% Clinical Endocrinology 22 3,58%
Journal of Endocrinological 591 1,27% Journal of Endocrinology 21 3,41%
Investigation
Journal of Endocrinology 552 1,19% Brazilian Journal of Medical and 16 2,60%
Biological Research
Hormone and Metabolic Research 450 0,97% Endocrinology 10 1,63%
European Journal of Endocrinology 420 0,90% Journal of Pediatric Endocrinology and 9 1,46%
Metabolism

7%

6,02%
6%

5%
4,55%
Frequência relativa (%)

3,92% 3,90% 3,90%


4% 3,74%
3,59% 3,58%
3,41%

3%
2,60%

2% 1,87% 1,84%
1,69% 1,63%
1,53% 1,46%
1,27% 1,19%
0,97% 0,90%
1%

0%
Endocrinology and Metabolism

Endocrinology and Metabolism

Endocrinology and Metabolism


Journal of Endocrinology

Journal of Endocrinology

Brazilian Journal of Medical and


Clinical Endocrinology

Clinical Endocrinology
Journal of Endocrinological

European Journal of

Journal of Endocrinological
Endocrinology

Endocrinology
Acta Endocrinologica

General and Comparative

Hormone and Metabolic

Hormone and Metabolic


Endocrinologia E Metabologia
Thyroid

Thyroid
Endocrinology

Arquivos Brasileiros De
Endocrinology

Journal of Pediatric
Biological Research
Journal of Clinical

Journal of Clinical
Research

Research
Investigation

Investigation

Mundo Brasil

Figura 6 - Periódicos que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil

As principais instituições que mais publicam a respeito do tema distritos industriais


do mundo e do Brasil estão presentes na Tabela 7 e no gráfico 6. Percebe-se que as
instituições que se encontram nos Estados Unidos são as que mais publicam artigos sobre
este tema em relação às instituições dos outros países do mundo. Das dez primeiras
727
instituições que mais publicam a respeito do tema, cinco estão nos Estados Unidos e apenas
duas na Itália e duas na Holanda. As instituições americanas são essenciais para a publicação
de artigos científicos a respeito de aglomerados produtivos. O Brasil não possui nenhuma
instituição que esteja entre as dez primeiras instituições que mais publicam sobre este tema,
mas a décima primeira universidade que mais publica acerca desse tema no mundo é a USP
do Brasil.
No Brasil a USP – Universidade de São Paulo obtém destaque, em segundo lugar é a
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estas duas universidades juntas representam
quase 40% do número total de publicações sobre tiroxina entre as dez primeiras instituições
do Brasil, ou seja, elas publicam uma quantidade significativa de artigos para o Brasil. Entre
as dez primeiras instituições que mais publicam no Brasil, cinco pertencem ao estado de São
Paulo, sendo este o estado brasileiro que mais publica a respeito de aglomerados
produtivos. E apenas duas instituições das dez primeiras pertencem ao estado do Rio de
Janeiro.

Tabela 7 – Instituições que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil


Instituição n % Instituição n %
VA Medical Center (USA) 600 1,29% USP 140 22,76%
Erasmus University Medical Center 294 0,63% UFRJ 103 16,75%
(Holanda)
Università di Pisa (Itália) 263 0,57% UNIFESP 49 7,97%
University of Chicago (USA) 240 0,52% Hospital das 45 7,32%
Clinicas/USP
University of California, Los Angeles (USA) 208 0,45% UERJ 37 6,02%
Academic Medical Centre, University of 206 0,44% UNESP 33 5,37%
Amsterdam (Holanda)
Brigham and Women's Hospital (USA) 196 0,42% UFRGS 33 5,37%
Università degli Studi di Napoli Federico II 169 0,36% UNICAMP 32 5,20%
(Itália)
National Institute of Diabetes and Digestive 167 0,36% UFMG 31 5,04%
and Kidney Diseases
Inserm (França) 165 0,35% Hospital de 23 3,74%
Clinicas/Porto
Alegre
Universidade de Sao Paulo (Brasil) 146 0,31%

728
25%
22,76%

20%

16,75%
Frequência relativa (%)

15%

10%
7,97%
7,32%

6,02%
5,37% 5,37% 5,20% 5,04%
5%
3,74%

1,29%
0,63% 0,57% 0,52% 0,45% 0,44% 0,42% 0,36% 0,36% 0,35% 0,31%

0%
Erasmus University Medical
VA Medical Center

University of Chicago

University of California, Los

National Institute of Diabetes

Universidade Federal de Minas


Inserm
Academic Medical Centre,

Brigham and Women's Hospital

UNESP-Universidade Estadual
Università degli Studi di Napoli

Universidade Estadual de
Universidade de Sao Paulo

Universidade de Sao Paulo


Università di Pisa

Hospital das Clinicas da FMUSP


Universidade Federal do Rio de

Universidade Federal de Sao

Universidade do Estado do Rio

Universidade Federal do Rio

Hospital de Clinicas de Porto


University of Amsterdam

and Digestive and Kidney

Grande do Sul

Campinas
Angeles

Diseases
Federico II

de Janeiro
Center

Paulista

Alegre
Paulo
Janeiro

Gerais
Mundo Brasil

Figura 7 - Instituições que mais publicam sobre tiroxina no mundo e no Brasil

CONCLUSÃO
Essa pesquisa teve a intenção de mostrar o comportamento dos estudos realizados
sobre tiroxina na base Scopus. Foram considerados países, autores, áreas, palavras-chaves,
instituições e periódicos para as devidas análises do número de publicações.
Os resultados mostram que os Estados Unidos é o país que mais publica. Nessa
classificação, o Brasil ocupa o 17° lugar, indicando que ainda se encontra em fase de
expansão.
No que diz respeito à evolução de publicações verificou-se que a taxa de crescimento
do caso brasileiro é expressivamente maior que a taxa de crescimento mundial, significando
que o Brasil possui um grande potencial de crescimento.
A maior parte das palavras-chaves usadas nos artigos brasileiros e mundiais sobre
tiroxina são iguais e todas relacionadas à doenças da tireoide e seus hormônios. Já os
autores que mais publicam sobre esse assunto no mundo o no Brasil diferem em sua
totalidade.
Outro ponto analisado foi frequência relativa das áreas que publicam no assunto. A
medicina ocupou um lugar de destaque, sendo indiscutivelmente a área que mais publica no

729
tema tiroxina. A justificativa para essa posição consiste no aumento significativo da
incidência de doenças da tireoide envolvendo distúrbios do hormônio tiroxina.
Em relação aos veículos de publicação, o presente estudo observou que a maioria dos
veículos com os maiores números de publicações no mundo é na área de Medicina e de
nacionalidade americana, que está de acordo com a classificação quanto aos países que mais
publicam e quanto às universidades que mais publicam.
Por fim, os resultados mostram uma grande concentração de publicações nas áreas
de saúde, nos Estados Unidos, em revistas e instituições americanas. Cabe ressaltar que o
Brasil atualmente não ocupa uma posição de destaque em relação ao número de
publicações, porém o seu potencial de crescimento é expressivo. Além disso, esse estudo
possibilitou identificar que a maioria das instituições que tratam do tema é de administração
pública, retratando que o maior incentivo da pesquisa brasileira ainda vem dessas
instituições.

REFERÊNCIAS
BERNE, Robert M. et al. Fisiologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. . Tratado de Fisiologia Médica. 11. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier 2006.
MESQUITA, R. et al. Elaboração e aplicação de instrumentos para avaliação da base de
dados Scopus. Perspectivas em Ciência da Informação. Belo Horizonte. v. 11, n. 2, p. 187-
205, maio-ago. 2006.
OLIVEIRA, A. C. de; DÓREA, J. G.; DOMENE, S. M. Bibliometria na avaliação da produção
científica da área de nutrição registrada no Cibran: período de 1984-1989. Ciência da
Informação, Brasília, v. 21, n. 3, set./dez. 1992.
SCOPUS. Disponível em: <http://www.scopus.com/home.url>. Acesso em: 07 mail. 2013.

730
ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA NO BRASIL E NO MUNDO SOBRE OS PRINCIPAIS TIPOS DE
CÂNCER NO PORTAL SCOPUS

José Olympio Terra Guimarães


Faculdade de Medicina de Campos

Erenildo da Silva Rios


Universidade Candido Mendes – Campos

Guilherme Melo Miranda


Instituto Federal Fluminense – Campus Quissamã

RESUMO: O câncer atualmente é uma doença comum, na qual sua incidência aumenta a
cada dia, sendo uma das principais causas de morte no mundo. Esta enfermidade acarreta
em sérias consequências biológicas e psicossociais para o paciente, visto como uma doença
associada a sofrimento e morte. Neste trabalho, são relatados os principais tipos de câncer
no Brasil, dentre eles, o de mama, próstata, pulmão, colorretal, pele, fígado e câncer
metastático. Hoje a medicina ocupa um lugar de destaque, sendo indiscutivelmente uma das
áreas que mais publicam artigos científicos. A atual pesquisa tem como objetivo mostrar
uma análise bibliométrica no Brasil e no mundo sobre os principais tipos de câncer no portal
Scopus. Foi feito um levantamento de dados onde se conseguiu identificar o número total de
publicações no mundo, os países que mais publicam sobre o tema, os tipos de câncer que
são mais estudados no mundo e no Brasil, qual posição do Brasil no ranking mundial de
publicações e a taxa de crescimento anual de publicações do Brasil quando comparada a
taxa de crescimento mundial.
Palavras-chave: Bibliometria. Câncer. Brasil.

INTRODUÇÃO
O câncer hoje é uma doença comum, em que sua incidência aumenta a cada dia,
sendo umas das causas que mais matam no mundo perdendo somente para doenças
cardiorrespiratórias e causas externas como acidentes automobilísticos, acidentes de
trabalho, entre outros (AUSTRALIAN BUREAU OF STATISTIC, 1997; MINISTÉRIO DA SAÚDE,
1997).
Com a crescente industrialização e com o envelhecimento da população, houve uma
redefinição desde os aspectos de padrão de vida, consumo, modo de trabalho. Essas
modificações contribuem muito na incidência de câncer atualmente, já que esta é uma
doença de caráter multifatorial associada a fatores genéticos, hábitos alimentares, sexuais e

731
sociais, utilização de alguns medicamentos, algumas formas de radiações, condições
ocupacionais e ambientais (WATERS, 2001; ALBALA et al., 2001).
O câncer é uma doença a qual acarreta em sérias consequências biológicas e
psicossociais para o paciente, visto como uma enfermidade associada a sofrimento e morte
(BARBOSA et al., 2004). Em parte dos casos, o câncer apresenta evolução mais agressiva e
exige tratamento mais rigoroso, que na maioria dos casos provoca importantes e
desagradáveis efeitos adversos (VENTUR; PAMPLONA; CARDOSO, 2004).

PRINCIPAIS TIPOS DE CÂNCER


A Tabela 1 apresenta a distribuição proporcional dos dez tipos de câncer mais
incidentes no Brasil, estimados para 2012 por sexo, exceto pele não melanoma.

Tabela 1: Principais tipos de câncer (exceto pele não melanoma) no Brasil, em 2012, de acordo com o
sexo.
Sexo masculino Sexo feminino
Localização primária casos percentual Localização primária casos Percentual
novos novos
Próstata 60.180 30,8% Mama Feminina 52.680 27,9%
Traqueia, Brônquio e 17.210 8,8% Colo do Útero 17.540 9,3%
Pulmão
Cólon e Reto 14.180 7,3% Cólon e Reto 15.960 8,4%
Estômago 12.670 6,5% Glândula Tireoide 10.590 5,6%
Cavidade Oral 9.990 5,1% Traqueia, Brônquio e 10.110 5,3%
Pulmão
Esôfago 7.770 4,0% Estômago 7.420 3,9%
Bexiga 6.210 3,2% Ovário 6.190 3,3%
Laringe 6.110 3,1% Corpo do Útero 4.520 2,4%
Linfoma não Hodgkin 5.190 2,7% Sistema Nervoso 4.450 2,4%
Central
Sistema Nervoso 4.820 2,5% Linfoma não Hodgkin 4.450 2,4%
Central
Fonte: INCA (2012).

O câncer de mama é a principal neoplasia maligna que acomete o sexo feminino no


Brasil (Tabela 1) e é o segundo tipo mais frequente no mundo. Os sintomas variam desde
nódulos palpáveis, dolorosos a palpação ou não, podendo surgir retrações ou abaulamentos
ou lesões cutâneas na região da mama. Os fatores de risco associados são história familiar,
idade (quanto maior a idade, maior incidência),menarca precoce, menopausa tardia,

732
primeira gravidez após os 30 anos, nuliparidade e a ingestão de álcool. A mamografia é o
exame de imagem utilizado para detectar precocemente esta neoplasia através de lesões
inicias (INCA, 2012).
O câncer de pulmão é o câncer mais comum no mundo e, também, a principal causa
de morte por tumor maligno. A estimativa de novos casos no Brasil em 2012 foi 27.320,
sendo 17.210 homens e 10.110, mulheres. A principal causa relacionada a esta doença é o
tabagismo, o qual constitui um problema de saúde pública. Esta neoplasia é altamente letal
e os principais sintomas encontrados são tosse e sangramento pelas vias respiratórias. Os
exames utilizados no diagnóstico são radiografia simples de tórax, tomografia
computadorizada, broncoscopia e biópsia. Os tabagistas têm cerca de 20 a 30 vezes mais
risco de desenvolver o câncer de pulmão, dessa forma, o ato de não fumar permite a
redução da incidência e da mortalidade por esta neoplasia. Entretanto, vale ressaltar que
existem outros fatores de risco como exposição à poluição do ar, infecções pulmonares de
repetição, doença pulmonar obstrutiva crônica, fatores genéticos e história familiar (PARKIN
et al., 2001; INCA, 2012).
O câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens no Brasil como
apresentado na Tabela 1. O aumento da incidência pode ser justificado pela aumento da
expectativa de vida , visto que é uma doença considerada da terceira idade, pelo maior
acesso a informação e pela evolução dos métodos diagnósticos. A etnia e a história familiar
também têm sua importância como fatores de risco. Os sinais clínicos normalmente são
silenciosos, por ser tratar de uma doença de evolução lenta e, quando presentes o paciente
queixa-se de disúria, polaciúria, retenção urinária aguda e hematúria (INCA, 2012;
GONÇALVES et al., 2008).
O câncer colorretal é classicamente considerado como doença de indivíduos idosos
com mais de 50 anos, porém, quando a população jovem é afetada o prognóstico é pior
comparado com a população geral. Os fatores de riscos são os ambientais, predisposição
genética, obesidade, idade acima de 50 anos, historia de fístula anal infectada pelo vírus HPV
e com feridas no ânus. Os principais sintomas apresentados são dor na hora da evacuação,
com sangramento ou não, coceira, ardor, com presença ou não de secreções, mudança de
hábito intestinal, anemia de origem indeterminada, desconforto abdominal e tenesmo. Essa

733
neoplasia pode ser detectada precocemente pela pesquisa de sangue oculto nas fezes e
colonoscopia e, assim, direcionar a melhor conduta terapêutica (INCA, 2012).
O melanoma representa 4% das neoplasias malignas da pele, sendo que o câncer de
pele é o mais frequente no Brasil, correspondendo há 25% de todos as neoplasias malignas
no país. O prognóstico está diretamente ligado a detecção precoce da doença. O diagnóstico
é clinico pelo aparecimento de uma lesão pigmentada ou modificações numa lesão
pigmentada pré-existente como assimetria, bordas irregulares, cores diferentes na mesma
lesão, coceira e descamação, sendo confirmado pela biopsia. A doença tem predomínio em
pacientes com pele clara e com exposição a luz solar. Entretanto, a história prévia de câncer
de pele, história familiar de melanoma, nevo congênito, maturidade, xeroderma pigmentoso
e nevo displásico também contribuem para o aparecimento da doença (INCA, 2012).
As neoplasias malignas de fígado são divididas em primárias e secundárias. As
primárias são originadas no próprio órgão, enquanto as secundárias são provenientes de
metástases. O tumor hepático mais comum é o carcinoma hepatocelular, correspondendo a
80% dos casos, é altamente agressivo e apresenta rápida evolução. Os sintomas
predominantes são dor e massa abdominal, distensão, anorexia e emagrecimento, falta de
apetite, astenia, icterícia e ascite. A detecção precoce deste tumor pode ser feita através da
ultrassonográfica abdominal e da dosagem de alfafetoproteina no sangue. Outros exames
que auxiliam no diagnóstico são tomografia computadorizada, ressonância magnética e
confirmado pela biopsia e histopatológico (INCA, 2012).
No Brasil, esses tumores aparecem em quarto lugar na incidência entre homens e em
sexto, entre as mulheres (Tabela 1). O efeito protetor contra essa doença é a dieta rica em
vegetais e frutas, tendo como fator de risco a ingesta de bebidas alcoólicas, tabagismo,
infecção pela bactéria Helicobacter pylori. Os sintomas podem ser confundidos com doenças
benignas como úlcera e gastrite, já que não são específicos e variam entre perda de apetite,
plenitude gástrica, vômitos, náuseas, epigastralgia, magrecimento, sangramentos ocultos
nas fezes, hematêmese . O diagnostico é feito através da visualização da lesão, com biopsia e
avaliação citológica utilizando a endoscopia digestiva alta (INCA, 2012).
A metástase é definida como o comprometimento a distancia de um foco primário
pra outro órgão. As vias de disseminação podem ocorrer de três maneiras: sanguíneas,

734
continuidade e a via linfática, que segue a drenagem normal da área do tumor primário que
recebe maior número de vasos linfáticos. O primeiro linfonodo a receber a metástase do
câncer primário é chamado de linfonodo sentinela. Isto é importante, pois, se ele for
biopsiado e não apresentar comprometimento tumoral, haverá baixa probabilidade dos
restantes dos linfonodos da mesma região estarem comprometidos (INCA, 2012).
A União Internacional Contra o Câncer (UICC) desenvolveu um sistema de
estadiamento dos tumores que tem como base a avaliação da dimensão do tumor primário
(T), a extensão da disseminação em linfonodos regionais (N) e a presença ou não de
metástases a distância (M) – Sistema TNM de Classificação dos Tumores Malignos. Esse
sistema auxilia na escolha da melhor conduta terapêutica para cada caso (INCA, 2012).

BIBLIOMETRIA
Bibliometria é uma análise quantitativa de variáveis do discurso, é o tratamento
quantitativo (matemático e estatístico) das propriedades e do comportamento da
informação registrada, conforme Pritchard (1969).
A bibliometria tem como objetos de estudo os livros ou as revistas científicas, cujas
análises se vinculam à gestão de bibliotecas e bases de dados. (SANTOS E KOBASHI, 2009)
Atualmente a bibliometria comporta três leis básicas, que são: 1. a Lei de Bradford,
que descreve a distribuição da literatura periódica numa área específica; 2. a Lei de Lotka,
que descreve a produtividade dos autores; e 3. a Lei de Zipf, que descreve a frequência no
uso de palavras num determinado texto (ALVARADO, 1984).
A bibliometria, como área de estudo da ciência da informação, tem um papel
relevante na analise da produção cientifica de um país, uma vez que seus indicadores
retratam o grau de desenvolvimento de uma área do conhecimento (MACHADO, 2007).
Com a popularização do termo, muitos estudos foram sendo realizados, tornando a
bibliometria um método de pesquisa que da subsidio ao bibliotecário no gerenciamento dos
serviços informacionais, como também proporciona maior conhecimento, por meio de seus
indicadores, do desenvolvimento cientifico e tecnológico de um país (MACHADO, 2007).
A base Scopus está disponível no Portal Periódicos da Capes e é uma dos principais
bases de indexação de periódicos no mundo.

735
OBJETIVO
O objetivo do presente trabalho é apresentar um estudo bibliométrico sobre os
principais tipos de câncer, com o intuito de identificar as taxas de crescimento das
publicações na base Scopus, comparando-se o Brasil e o mundo.

MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho foi realizado através da coleta de informações na base de busca
de artigos científicos Scopus, disponível no Portal Periódicos da Capes. A busca foi realizada
no dia 27/08/2013, sendo utilizada a opção de busca rápida, que retorna as publicações que
tenham a palavra digitada no título, no resumo ou nas palavras-chaves.
A busca pelas informações foi feita a partir das palavras-chave associadas aos
principais tipos de tumor obtidas no sistema DECs (Tabela 2). As informações relacionadas à
evolução temporal foram obtidas nos campos em que é possível refinar a busca.

Tabela 2- Tipos de câncer e palavras-chave utilizadas na busca na base Scopus


Tipo de
Palavra chave Keyword
câncer
Mama Câncer de mama Breast cancer or Breast neoplasm
Neoplasias
Pulmão Lung Neoplasms or lung cancer
Pulmonares
Próstata Câncer de próstata Prostate cancer or Prostate neoplasm
Sistema Metástases em Lymph node metastasis or Lymph node cancer or Lymph
linfático linfonodos node neoplasm
Reto O câncer colorretal Colorectal cancer or colorectal neoplasms
Pele Melanoma Melanoma
Fígado Neoplasias Hepáticas Liver Neoplasms or liver cancer
Neoplasias de
Estômago Stomach Neoplasms or Stomach cancer
estômago

A análise temporal foi realizada a partir de equações de regressão exponenciais do


número de publicações sobre os tipos de câncer em função do ano, que permitiu a
determinação de uma equação para cada tema e pos região (Brasil ou mundo). Os valores de
cada variável serão linearizados mediante a aplicação de logaritmo, de forma que o
coeficiente angular da equação é um indicador da taxa de crescimento em dado período.

736
RESULTADOS E DISCUSSÃO

250.000

200.000 195.155

175.340
Número de publicações

150.000

112.436
108.579

100.000
85.375
76.052
67.282
61.115

50.000

0
Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático Reto Pele Fígado Estômago

Figura 1- Números de publicações de artigos dos principais tipos de câncer no mundo na base
Scopus.

Pode-se perceber que os principais tipos de câncer no Brasil (Tabela 1) são os que
mais foram publicados e estudados pelo mundo todo, onde mama está em primeiro lugar
em números de publicações.

737
Tabela 3- Dez países (mais o Brasil) com mais publicações a respeito de câncer de mama, pulmão,
próstata e sistema linfático na base Scopus
Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático
País N % País n % País n % País n %
EUA 6524 33,4 EUA 5062 28,9 EUA 3185 41,9 EUA 2361 21,7
7 % 1 % 7 % 1 %
Reino 1458 7,5% Japão 2235 12,7 Japão 4701 6,2% Japão 1383 12,7
Unido 5 3 % 9 %
Aleman 9989 5,1% China 1297 7,4% Aleman 4404 5,8% Aleman 7043 6,5%
ha 4 ha ha
Itália 9900 5,1% Reino 9285 5,3% Reino 4293 5,6% China 6044 5,6%
Unido Unido
Japão 9049 4,6% Aleman 9112 5,2% Canadá 3522 4,6% Itália 5296 4,9%
ha
França 7978 4,1% Itália 8497 4,8% Itália 2988 3,9% Reino 4573 4,2%
Unido
Canadá 7595 3,9% França 7145 4,1% França 2540 3,3% França 3804 3,5%
China 6478 3,3% Canadá 5218 3,0% China 2214 2,9% Holanda 2670 2,5%
Holanda 5066 2,6% Coréia 4299 2,5% Suécia 1997 2,6% Coréia 2552 2,4%
do Sul do Sul
Austráli 4297 2,2% Holanda 4125 2,4% Holanda 1976 2,6% Canadá 2113 1,9%
a
Brasil 1353 0,7% Brasil 986 0,6% Brasil 572 0,8% Brasil 853 0,8%
(26º) (26º) (23º) (21º)
Total 195155 Total 175340 Total 76052 Total 108579

Tabela 4- Dez países (mais o Brasil) com mais publicações a respeito de câncer de reto, pele, fígado e
estômago na base Scopus
Reto Pele Fígado Estômago
País N % País n % País n % País n %
EUA 1636 26,8 EUA 2916 34,2 EUA 2879 25,6 Japão 1473 21,9
3 % 4 % 8 % 5 %
Japão 6472 10,6 Aleman 6770 7,9% Japão 1853 16,5 EUA 8947 13,3
% ha 9 % %
Reino 5759 9,4% Japão 5418 6,3% China 1173 10,4 China 7670 11,4
Unido 4 % %
Aleman 4271 7,0% Reino 4878 5,7% Aleman 6520 5,8% Coréia 3188 4,7%
ha Unido ha do Sul
Itália 3664 6,0% Itália 4711 5,5% Itália 5625 5,0% Aleman 3124 4,6%
ha
China 2985 4,9% França 3485 4,1% Reino 5167 4,6% Itália 2939 4,4%
Unido
França 2772 4,5% Austráli 2746 3,2% França 4670 4,2% Reino 2571 3,8%
a Unido
Holanda 2226 3,6% China 2342 2,7% Coréia 3168 2,8% França 1407 2,1%
do Sul
Austráli 1902 3,1% Canadá 2291 2,7% Taiwan 2828 2,5% Taiwan 1100 1,6%
a

738
Canadá 1818 3,0% Holanda 2278 2,7% Canadá 2457 2,2% Holanda 976 1,5%
Brasil 405 0,7% Brasil 862 1,0% Brasil 626 0,6% Brasil 455 0,7%
(24º) (20º) (25º) (20º)
Total 61115 Total 85375 Total 112436 Total 67282

As Tabelas 2 e 3 apresentam os dez primeiros países que mais publicaram a respeito


do tema câncer, mais o Brasil. O EUA se destaca em relação aos outros países, e apenas o
Japão se aproxima dos EUA. O Brasil se comparado a EUA, ainda se encontra muito inferior a
este país em termos de publicações relacionadas a câncer e não faz parte dos dez primeiros
países que mais publicam a respeito deste tema.
Os EUA representa na grande maioria o país que mais publicou artigos sobre os
principais tipos de câncer, o que demonstra sua importância para a pesquisa científica sobre
câncer. O Japão vem se destacando em relação ao crescente número de trabalhos científicos
publicados no mundo ultrapassando o EUA nos números de publicações de câncer de
estomago.

1.600

1.400 1.353

1.200

986
Número de publicações

1.000

853 862

800

626
600 572

455
405
400

200

0
Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático Reto Pele Fígado Estômago

Figura 2- Números de publicações de artigos dos principais tipos de câncer no Brasil na base Scopus.

Percebe-se quando comparado o número de publicações no mundo com o número


de publicações no Brasil, os órgãos mais estudados e mais publicados são mama e pulmão.

739
Porém, no Brasil, pele está em terceiro órgão mais publicado enquanto no mundo está em
quinto. Isso possivelmente se deva ao fato de ocorre, no Brasil, grande incidência de câncer
de pele em função dos fatores de risco presentes.

Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático Reto Pele Fígado Estômago


10º

13º
Posição do Brasil no ranking mundial.

16º

19º 20º 20º


21º
22º 23º
24º
25º
25º 26º 26º

28º

31º

34º

37º

40º

43º

46º

49º

52º

Figura 3- Posição do Brasil no ranking mundial

Conforme o Brasil no ranking mundial de publicações varia da posição de vigésimo


sexto ao vigésimo, sendo que o câncer de pele está em melhor colocação.

740
1,20%

1,01%
1,00%
Publicações brasileiras (% do mundo).

0,79%
0,80%
0,75%
0,69%
0,66% 0,68%

0,60% 0,56% 0,56%

0,40%

0,20%

0,00%
Mama Pulmão Próstata Sist. Linfático Reto Pele Fígado Estômago

Figura 4- Publicações brasileiras (%do mundo).

Conforme a Figura 4 e a Tabela 3, conclui-se que o Brasil quando comparado ao resto


do mundo, não representa 1% das publicações mundiais.

Mama Mama
log10(Mundo) = - 417,2 + 127,5 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1288 + 390,6 log10(Ano)

12000 S 0,0132559 250 S 0,104029


R-Sq 98,6% R-Sq 91,6%
R-Sq(adj) 98,5% R-Sq(adj) 90,9%
11000
200
10000

150
9000
Mundo

Brasil

8000
100

7000
50
6000

5000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no

741
Pulmão Pulmão
log10(Mundo) = - 589,4 + 179,7 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1272 + 385,7 log10(Ano)

S 0,0098775 160 S 0,102960


13000
R-Sq 99,6% R-Sq 91,6%
12000 R-Sq(adj) 99,6% R-Sq(adj) 90,8%
140
11000
120
10000
100
Mundo

Brasil
9000
80
8000
60
7000
40
6000

5000 20

4000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no

Próstata Próstata
log10(Mundo) = - 453,2 + 138,3 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1083 + 328,3 log10(Ano)
5500 S 0,0156798 S 0,0877212
90
R-Sq 98,4% R-Sq 91,6%
R-Sq(adj) 98,2% 80 R-Sq(adj) 90,8%
5000

70
4500
60
4000
Mundo

Brasil
50

3500 40

30
3000
20
2500
10

2000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no

Sistema linfático Sistema linfático


log10(Mundo) = - 411,9 + 125,8 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1210 + 366,8 log10(Ano)
7000 S 0,0106996 140 S 0,0906660
R-Sq 99,1% R-Sq 92,7%
R-Sq(adj) 99,0% R-Sq(adj) 92,0%
120
6000
100

80
Mundo

Brasil

5000
60

40
4000

20

3000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no

Reto Reto
log10(Mundo) = - 534,3 + 162,9 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1334 + 404,4 log10(Ano)
5500 S 0,0136019
80 S 0,123066
R-Sq 99,1% R-Sq 89,3%
5000 R-Sq(adj) 99,0% 70 R-Sq(adj) 88,4%

4500 60

50
4000
Mundo

Brasil

40
3500
30
3000
20
2500
10
2000
0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no

742
Pele Pele
log10(Mundo) = - 386,6 + 118,1 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1257 + 381,1 log10(Ano)

S 0,0198400 140 S 0,0744089


4500 R-Sq 96,5% R-Sq 95,3%
R-Sq(adj) 96,2% R-Sq(adj) 94,9%
120

4000
100

3500 80
Mundo

Brasil
60
3000
40
2500
20

2000 0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no

Fígado Fígado
log10(Mundo) = - 573,4 + 174,7 log10(Ano) log10(Brasil) = - 1090 + 330,5 log10(Ano)
9000 S 0,0082982
100 S 0,0813717
R-Sq 99,7% R-Sq 92,8%
R-Sq(adj) 99,7% 90 R-Sq(adj) 92,1%
8000
80
7000 70
Mundo

60
Brasil
6000
50
5000
40

4000 30

20
3000
10
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no

Estômago Estômago
log10(Mundo) = - 507,2 + 154,6 log10(Ano) log10(Brasil) = - 817,4 + 247,9 log10(Ano)
4500 S 0,0121588 S 0,0852285
R-Sq 99,2% R-Sq 86,8%
50
R-Sq(adj) 99,1% R-Sq(adj) 85,6%
4000

40
3500
Mundo

Brasil

3000 30

2500
20

2000

10
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012
A no A no

Figura 5- Evolução do número de publicações acerca do tema principais tipos de câncer no mundo e
no Brasil.

743
Tabela 4- Taxa de crescimento do número de artigos relacionados aos principais tipos de câncer no
Brasil e no mundo.
Coeficientes Taxa de
Órgão Região crescimento
A b (% a.a.)
Mundo -417,2 127,5 6,6%
Mama
Brasil -1288,0 390,6 21,6%
Mundo -589,4 179,7 9,4%
Pulmão
Brasil -1272,0 385,7 21,3%
Mundo -453,2 138,3 7,2%
Próstata
Brasil -1083,0 328,3 17,8%
Mundo -411,9 125,8 6,5%
Sist. Linfático
Brasil -1210,0 366,8 20,1%
Mundo -534,3 162,9 8,5%
Reto
Brasil -1334,0 404,4 22,4%
Mundo -386,6 118,1 6,1%
Pele
Brasil -1257,0 381,1 21,0%
Mundo -573,4 174,7 9,1%
Fígado
Brasil -1090,0 330,5 18,0%
Mundo -507,2 154,6 8,0%
Estômago
Brasil -817,4 247,9 13,2%

25%

22,4%
21,6% 21,3% 21,0%
20,1%
20%
17,8% 18,0%
Taxa de crescimento anual (%)

15%
13,2%

10% 9,4% 9,1%


8,5%
8,0%
7,2%
6,6% 6,5%
6,1%

5%

0%
Mundo

Brasil

Mundo

Brasil

Mundo

Brasil

Mundo

Brasil

Mundo

Brasil

Mundo

Brasil

Mundo

Brasil

Mundo

Brasil

Mama . Pulmão . Próstata . Sist. . Reto . Pele . Fígado . Estômago


Linfático

744
Figura 6- Taxa de crescimento anual (%)

O Brasil tem uma taxa de crescimento maior do que o restante do mundo em


número de publicações científicas.

CONCLUSÃO
O estudo feito sobre analise bibliométrica no Brasil e no mundo sobre os principais
tipos de câncer no portal Scopus permite fazer as seguintes conclusões:
- O câncer hoje e uma doença comum e bastante estudada pelos países, porém as
publicações estão muito concentradas em um número pequeno de países onde se destacam
os EUA e Japão.
- A produção científica brasileira cresceu nos últimos tempos, mas o Brasil não ficou entre os
dez primeiros países que mais publicam sobre os principais tipos de câncer. Mesmo assim, a
taxa de crescimento de publicações, foi maior do que a taxa de crescimento mundial para
todos os tipos de câncer estudados.
- Outro ponto analisado foi que os principais tipos de câncer no Brasil, em 2012, também
foram os mais estudados e publicados no contexto mundial e brasileiro.

REFERÊNCIAS
ALBALA, C., et. al. Nutrition transition in Chile: determinants and consequences. Public
Health Nutrition. 5(1A), 123–128. 2002.
ALVARADO, R. U. A Bibliometria no Brasil. Ci. Inf. Brasília,13(2)1:91-105, jul./dez. 1984.
91. Australian Bureau of Statistics. Causes of death, Australia, 1997. ABS Catalogue n.
3303.0. Belconnen: Australian Bureau of Statistics; 1999
BARBOSA, L. N. F et. al. Repercussões psicossociais em pacientes submetidos a
laringectomia total por câncer de laringe: Um estudo clínico-qualitativo. Revista da
Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 7(1), 45-58.
FILHO,V.W. ; MONCAU, J.E. Mortalidade Por Câncer No Brasil 1980-1995: Padrões
Regionais E Tendências Temporais. Rev Assoc Med Brás. São Paulo. 2002; 48(3): 250-7.

745
GUERRA,M.R; GALLO,C.V.M; MENDONCA,G.A.S. Risco de câncer no Brasil: tendências e
estudos epidemiológicos mais recentes. Revista Brasileira de Cancerologia 2005; 51(3): 227-
234 227.
MACHADO, R. N. Analise cietometrica dos estudos bibliometricos publicados em
periódicos da área de biblioteconomia e ciência da informação (1990-2005). Perspectiva
em ciência da informação, v.12, n.3, p. 2-20, set. /dez. 2007
PISANI P. Burden of cancer in developing countries. In: Pearce N, Matos E, Vainio H,
Boffetta P, Kogevinas M, editors. Occupational cancer in developing countries. IARC
Scientific Publications. n.129. Lyon: IARC; 1994. p.31-9.
PRITCHARD, A. Statistical bibliography or bibliometrics?. Journal of documentation,
25:348-9, 1969.
SANTOS, R.N.M.; KOBASHI, N.Y. Bibliometria, cientometria, infometria: conceitos e
aplicações. Pesq. bras. Ci. Inf., Brasília, v.2, n.1, p.155-172, jan./dez. 2009.
Sistema de informação sobre mortalidade. Dados de declaração de óbito 1979- 1996.
Ministério da Saúde. Brasília. 1997.
Tipos de câncer. Disponível em:
http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home. Acesso em:
24/05/2013
VENTURI, B. R. M., PAMPLONA, A. C. F., & CARDOSO, A. S. Carcinoma de células
escamosas da cavidade oral em pacientes jovens e sua crescente incidência: Revisão de
literatura. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 70, 679-686.
WATERS, W.F. Globalization, socioeconomic restructuring, and community health. J
Community Health. 2001 Apr;26(2):79-92.

746
MANUTENÇÃO DA APTIDÃO FÍSICA DO IDOSO MEDIANTE EXERCÍCIO FÍSICO

Gláucio Roberto Bernardo de Cara


Universidade Salgado de Oliveira

Osli Julieth Tirado Estupiñán


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Carlos Henrique Medeiros de Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Praticar exercício físico, além de combater o sedentarismo, contribui de maneira relevante
para a manutenção da aptidão física do idoso. O objetivo do estudo foi verificar o efeito dos
exercícios físicos do programa do centro de convivência de Marataízes – ES, Brasil, associada à saúde.
Foram avaliados 45 dos 90 idosos participantes. Foram coletados dados para avaliação
antropométrica e foi realizada uma bateria de testes de aptidão física proposta por Rikli e Jones
(1999), com avaliações de força e resistência de membros superiores e inferiores e variável
metabólica. As avaliações e os testes foram aplicados no início das aulas até o período determinado
para o desenvolvimento deste artigo, para verificar o desempenho dos avaliados quando
comparados aos resultados iniciais.
Palavras-chave: Idosos. Exercício físico. Aptidão física. Avaliação física.

INTRODUÇÃO

À medida que aumenta a idade cronológica, as pessoas tornam-se menos ativas e a


sua capacidade funcional diminui, contribuindo para que a sua independência seja reduzida
(VALE, 2004). A população idosa no mundo cresce mais que as outras faixas etárias. Segundo
relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2005 o percentual mundial de
pessoas acima de 60 anos era 11,7%. No Brasil esse percentual aparece na marca de 10%.
Segundo Benetti, Gonçalves e Mota (2007) as consequências econômicas e sociais
percebidas com o aumento na expectativa de vida e o envelhecimento populacional têm
exigido aprovação e desenvolvimento de ações políticas. Não basta reduzir a mortalidade
por doenças infecto-contagiosas, uma vez que as doenças crônico-degenerativas crescem
com o aumento da longevidade. Vários são os programas e ações de políticas públicas
voltadas para o envelhecimento com qualidade, destacando-se os que envolvem as
atividades físicas, já que elas promovem mudanças de hábitos de vida dos idosos,
retardando o aparecimento de doenças crônicas e mantendo-os por mais tempo
funcionalmente capazes para realizar as tarefas diárias.

747
Vários municípios têm investido em programas de atividade física para idosos, com o
objetivo de promover a saúde populacional, porque através da atividade física algumas
doenças são prevenidas ou amenizadas, economizando assim recursos do sistema de saúde,
além de proporcionar melhor qualidade de vida aos idosos. Baseado nesse contexto, o
presente estudo teve como objetivo apresentar um trabalho feito no município de
Marataízes no estado do Espírito Santo - Brasil, desenvolvido como parte da política pública
do município e destacando a importância na vida dos idosos de trabalhos como esse
realizado em consonância com a expectativa de envelhecimento ativo e saudável.

METODOLOGIA
O município de Marataízes – ES, Brasil, adota o Centro de Convivência como meio de
proporcionar atividade física para os munícipes com idade igual ou superior a 60 anos e é
mantido por meio da Secretaria de Assistência Social e Habitação. A pesquisa deste artigo
baseou-se no trabalho realizado entre abril de 2011 a outubro de 2012, quando as
atividades eram realizadas em um salão de aproximadamente 50m² utilizando-se apenas de
halteres na prática dos exercícios.
O programa de atividade física do centro de convivência era oferecido nas segundas,
terças e quartas feiras das 07h00min às 08h40min da manhã e atendia a 90 idosos que
frequentavam regularmente.
No programa eram realizadas séries de exercícios de flexibilidade, resistência
muscular localizada, desenvolvimento cardiopulmonar e aeróbico através de um trabalho
específico.
Os exercícios de flexibilidade duravam cerca de 20 a 30 minutos, trabalhavam todos
os grupamentos musculares independente dos segmentos que seriam trabalhados
posteriormente na parte neuromuscular.
O trabalho de resistência muscular localizada durava cerca de 40 minutos e
alternava-se por segmento, de forma que nas segundas-feiras eram trabalhados
grupamentos musculares de membros superiores, enquanto nas terças-feiras trabalhavam-
se os músculos do tronco e nas quartas-feiras grupamentos musculares de membros

748
inferiores. Utilizavam-se alteres de 1 a 3 quilos dependendo da idade e condição física do
participante.
Os exercícios que enfatizavam o desenvolvimento cardiopulmonar e aeróbico
duravam em torno de 10 e 30 minutos e eram realizados através de ginástica aeróbica e
caminhadas respectivamente, com intensidade variada de leve á moderada. Ao fim do
trabalho eram propostas atividades de volta à calma.
Para ingressar no programa de atividade física deviam-se seguir alguns critérios:
Primeiramente o idoso seguia ao setor administrativo para fazer seu cadastro munido
de identidade, comprovante de residência e título de eleitor. Após a inscrição, o idoso era
encaminhado ao professor responsável e logo, se possível, realizavam-se testes pré-
avaliativos para atividade física como Par-q e teste de fatores de risco para doenças
coronarianas. Se nos testes o avaliado estivesse marcado duas ou mais opções em “sim”,
encaminhava-se ao médico através de uma carta específica, para verificação de seu estado
de saúde com relação à prática de exercícios físicos. O atestado médico era solicitado
independente dos resultados dos testes, pois era critério para ingresso no programa. Se no
primeiro momento não se constatasse nenhum fator de risco à prática de exercícios físicos,
o idoso já se ingressava nas atividades e recebia orientação diferenciada dos demais já
praticantes, com exercícios de leve intensidade para adaptação e preparo para exercícios de
maior intensidade, enquanto cumpria o prazo para entrega do atestado médico que durava
cerca de 30 dias. O não cumprimento do prazo acarretava na suspensão da participação das
atividades.
Após todo o processo anterior marcava-se uma nova data para o inscrito passar por
uma série de avaliações com data e hora registradas para verificação da condição física e
esta era realizada de seis em seis meses sempre nos mesmos horários.

AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA
Nesta avaliação coletavam-se dados de Idade, peso corporal, estatura corporal,
circunferência de cintura e de quadril. Baseando-se nos mesmos, calculava-se o IMC (índice
de massa corporal) com os valores obtidos do peso corporal e a estrutura corporal total

749
dividindo o valor do peso (em quilogramas) pelo quadrado da estrutura corporal (em
metros), conforme especificado na fórmula a seguir:

IMC = Peso em quilograma


(Estatura em m)²

A relação cintura/quadril (C/Q) se calculava dividindo o valor da cintura (em


centímetros) pelo valor da circunferência do quadril (em centímetros), da forma
representada a seguir:

C/Q = Circunferência da cintura (cm)


Circunferência do quadril (cm)

Após a obtenção dos resultados, aferia-se com os dados apresentados nas tabelas
propostas no livro: “A avaliação do idoso: física e funcional de MATSUDO, S. M. M.; 2000,
páginas 29 e 34 respectivamente.

Índice de Massa corporal - IMC


Classificação IMC (Kg/ m2)
Abaixo do normal <18,5
Normal 18,5 – 24,9
Sobre peso > 25
Pré-obeso 25 – 29,9
Obeso classe I 30 – 34,9
Obeso classe II 35 – 39,9
Obeso classe III >40
A avaliação do idoso: Física e Funcional. MATSUDO, S. M. M.; 2000, página 29.

Relação cintura/quadril
GÊNERO IDADE RISCO ALTO RISCO MUITO ALTO
50 - 59 0,97 – 1,02 > 1,02
Masculino 60 - 69 0,99 – 1,03 > 1,03
50 - 59 0,82 – 0,88 > 0,88
Feminino 60 - 69 0,84 – 0,90 > 0,90
A avaliação do idoso: Física e Funcional. MATSUDO, S. M. M.; 2000, página 34.

750
FUNÇÕES NEUROMOTORAS
Flexão de cotovelo
É um teste alternativo descrito por Rikli e Jones (1999) para mensurar indiretamente
a força dos membros superiores quando não se tem a disposição o dinamômetro manual.
Para aplicação deste teste é recomendado à utilização de halteres de 2,27kg para mulheres e
3,63kg para homens. Devido a dificuldade de encontrar pesos com esta padronização foram
utilizados halteres de 2kg e 4kg, respectivamente.
Neste teste o avaliado permanecia sentado em uma cadeira, com as costas retas no
encosto e pés totalmente apoiados no chão, com o lado dominante do corpo perto da
extremidade lateral da cadeira. Segurava-se peso de lado com a mão dominante fechada. O
teste se iniciava com o braço estendido para baixo ao lado da cadeira, perpendicularmente
ao chão. Ao sinal o avaliado com a palma da mão voltada para cima, flexionava o braço,
completando totalmente o ângulo de movimento, voltando depois à posição inicial com o
cotovelo totalmente estendido. Ao retornar à posição, o participante devia manter o peso
segurado com a mão fechada. Solicitava-se que o idoso repetisse o movimento o maior
numero de vezes possíveis dentro do tempo de 30 segundos. Após a realização do teste o
resultado era aferido com a tabela a seguir:

IDADE 60 – 64 65 – 69 70 – 74 75 – 79 80 – 84 85 – 89 90 – 94
Média feminina 16,1 15,2 14,5 14 13 13 10,9
Média masculina 19 18,4 17,4 16,2 16 16 12
Rikli e Jones (1999).

Força muscular dos membros inferiores


Teste de levantar da cadeira em 30 segundos: Este teste é recomendado como uma
alternativa prática para medir indiretamente a força dos membros inferiores. Nele é
utilizada uma cadeira com encosto reto (sem braços) com altura de aproximadamente 43
cm.
O teste inicia-se com o avaliado sentado no meio da cadeira, com as costas retas e os
pés apoiados no chão e braços cruzados contra o tórax. Ao sinal, o avaliado levanta, ficando
totalmente em pé e, então, retornava a uma posição completamente sentada.

751
Solicitava-se a realização do movimento completo o maior número de repetições
possíveis dentro de 30 segundos. Após a obtenção do resultado, aferia-se com os dados
apresentados na tabela a seguir descrita por RIKLI; JONES:

IDADE 60 - 64 65 - 69 70 - 74 75 - 79 80 - 84 85 - 89 90–94
Média feminina 14,5 13,5 12,9 12,5 11,3 10,3 8
Média masculina 16,4 15,2 14,5 14 12,4 11,1 9,7
Rikli e Jones (1999).

VARIÁVEIS METABÓLICAS
Teste de marcha estacionária de 2 minutos
É um teste alternativo para medir endurance aeróbica, descrito por Rikli e Jones
(1999).
A altura mínima adequada do joelho para realizar a marcha de cada participante é
em nível do ponto médio entre a patela e a crista ilíaca. Ao sinal, o participante deve iniciar
a flexão dos joelhos, simulando o movimento de marcha (sem correr), sem sair do lugar,
começando com a perna direita, completando a maior quantidade possível de passadas
dentro do período de tempo de 2 minutos. Somente se conta o número de vezes que o
joelho direito alcança a altura determinada. As passadas podem ser reassumidas se o
período de tempo de 2 minutos não haver terminado. Ao final do teste o avaliado deve
caminhar lentamente durante 1 minuto como estratégia de volta á calma.
Solicitava-se a realização do movimento completo o maior número de repetições
possíveis dentro de 2 minutos. Após a obtenção do resultado, aferia-se com os dados
apresentados na tabela que se segue:

IDADE 60 – 64 65 – 69 70 – 74 75 – 79 80 – 84 85 – 89 90 – 94
Média feminina 91 90 84 84 75 70 58
Média 101 101 95 91 87 75 69
masculina
Rikli e Jones (1999).

AVALIAÇÃO POSTURAL

752
Após a realização dos testes remarca-se uma nova data para realização da avaliação
postural e logo o idoso era orientado quanto à vestimenta adequada para realização.
O teste de avaliação postural consistia na visualização do corpo com relação à
postura do indivíduo para verificar se há presença de desvios, os mesmos eram registrados
numa ficha específica.
Em primeiro momento observava-se os pés, joelhos e cintura pélvica. Após avaliava-
se a coluna vertebral em dois planos, sagital e frontal. Na sequência observavam-se o
abdômen, nivelamento da cintura escapular e posição da cabeça com relação ao tronco. Por
fim solicitava-se ao avaliado executar a marcha para verificar se há erros com relação à
execução. Na constatação de um desvio, o idoso era encaminhado ao médico para um
diagnóstico clínico.

RESULTADOS
Os resultados, exceto a relação do sexo, foram baseados na análise da primeira e
ultima avaliações realizadas de 45 dos 90 participantes, pois os demais não foram avaliados
regularmente, impossibilitando a comparação dos dados.

Sexo
Dos 90 participantes 9 são do sexo masculino (10%) e 81 são do sexo feminino (90%).

IMC
TABELA 1
Média dos resultados do índice de massa corporal antes e após o período de trabalho.
Pré Pós Diferença de médias (pós-pré)
27,7 27 - 0,7

Com relação aos resultados do índice de massa corporal, observa-se que não houve
desenvolvimento significativo, porem deve-se levar em conta que o nível de fidedignidade
desta avaliação ébaixa e não muito satisfatória.

Relação cintura/ quadril

753
TABELA 2
Média dos resultados da relação cintura quadril antes e após o período de trabalho.

Pré Pós Diferença de médias (pós-pré)


0,99 0,93 - 0,06

Na avaliação encontrou-se 5 participantes com classificação normal segundo os


valores de referência, já os que estavam com classificação de risco se mantiveram a pesar de
haver redução na circunferência de cintura.

Teste flexão de cotovelo


TABELA 3
Resultados do teste “Flexão de cotovelo”, antes e após o período de trabalho.
Pré Pós Diferença de médias (pós-pré)
22,08 26,42 4,34

O resultado deste teste já se apresentava satisfatório, já que desde a primeira


avaliação os resultados se mantiveram na média exceto para dois dos avaliados, entretanto,
podemos observar que houve um aumento nos resultados mostrando a eficácia do trabalho
desenvolvido com relação a força dos membros superiores.

Teste de levantar e sentar


TABELA 4
Resultados do teste “levantar e sentar”, antes e após o período de trabalho.
Pré Pós Diferença de médias (pós-pré)
17,82 23,08 5,26

Os resultados deste teste foram mais significativos, pois se constata o


desenvolvimento de todos avaliados, e os que se encontravam com resultados abaixo da
média estabelecidas nos valores de referência alcançaram acima do estimado.

Teste de marcha estacionária


TABELA 5
Resultados do teste de “marcha estacionária”, antes e após o período de trabalho.
754
Pré Pós Diferença de médias (pós-pré)
60,42 80,48 20,06

Dentre os avaliados apenas 10 saíram da classificação baixa e tiveram o resultado do


teste acima da média, os demais avaliados não podem ser desconsiderados, pois, mesmo
não alcançando os valores atribuídos na tabela de referência podemos observar um
relevante aumento na endurance aeróbica.

Avaliação postural
RELAÇÃO DE DESVIOS E PERCENTUAL COM RELAÇÃO À QUANTIDADE DE AVALIADOS

SEGMENTO QUANT. %

Hiperlordose cervical 3 6,6%


Coluna vertebral Hipercifose torácica 2 4,4%
(Plano sagital)
Hiperlordose lombar 9 20%
Coluna vertebral
Escoliose simples lombar direita ou esquerda 2 4,4%
(plano frontal)
Flácido 13 28,8%
Abdômen
Protuso 11 24,4%
Cintura escapular Elevação direita ou esquerda 4 8,8%
Protusão 6 13,3%
Cabeça
Inclinada para a direita ou esquerda 2 4,4%

No gráfico mostram-se somente os desvios encontrados nas avaliações e o


percentual com relação à quantidade de avaliados. A maior incidência foi com relação ao
abdômen que o percentual de flacidez nos avaliados foi de 28,8%.

CONCLUSÃO
Diante dos resultados apresentados e discutidos, concluímos que o programa de
exercício físico produziu melhoras significativas nas variáveis neuromotoras de força de
membros inferiores e superiores, mas não foi suficiente para alterar o índice de massa
corporal, baseando-se somente no teste de IMC. Levando em consideração que o teste de
IMC não produz certeza no aumento ou diminuição de percentual de massa magra ou gorda,

755
visto que não é um teste com fidedignidade alta, não pôde ser afirmado que os idosos
obtiveram aumento ou diminuição desses percentuais.
Mesmo não apresentando minuciosamente os resultados do estudo, pode-se
concluir que na comparação dos dados das avaliações, foram observadas diferenças no
desenvolvimento das capacidades motoras dos idosos. Principalmente nos testes de flexão
de cotovelo, de sentar e levantar e corrida estacionária 2 minutos, foram observadas
expressivas mudanças, confirmando a importância da atividade física para melhoria da
qualidade de vida e independência na realização das atividades da vida diária,
proporcionando aos idosos um envelhecimento saudável e ativo.

REFERÊNCIAS
ALVES, R.V.et al. (2004)Aptidão física relacionada à saúde de idosos: influência da
hidroginástica. Revista Brasileira de Medicina do Esporte – Vol. 10, Nº 1.
BENEDETTI, T.R.B. GONÇALVES, L.H.T. MOTA, J.A.P.S. (2007) Uma proposta de política
pública de atividade física para idosos. Texto Contexto Enferm, Florianópolis.
ELIAS, R.G.M. et al. (2004) Aptidão física funcional de idosos praticantes de hidroginástica.
Revista Brasileira de Medicina do Esporte – Vol. 10, Nº 1.
ILKIV, T.F (2005) Avaliação da aptidão física de idosos do centro de convivência da melhor
idade do município de monte alto. Dissertação (Mestrado em Promoção de Saúde) –
Universidade de franca – Franca.
MATSUDO, S. M. M. (2000). A avaliação do idoso: física e funcional, páginas 29, 34, 38, 41,
44.
MOVIMENTUM - Revista Digital de Educação Física. Vol. 3. Nº2; Ipatinga: UNILESTE-MG.
NOBREGA, A.C.L. et.al. (1999) Posicionamento oficial da sociedade brasileira de medicina
do esporte e da sociedade brasileira de geriátrica e gerontologia: Atividade física e saúde no
idoso. Revista Brasileira de Medicina do Esporte – Vol.5, Nº6.
RIKLI R.E., JONES C.J. Development and validation of a functional fitness test for
community - residing older adults. Journal of Aging and Physical Activity. 1999; 7:
ROCHA, P.E.C. (2008) Medidas e avaliação em ciências do esporte; 7ª Ed. Sprint.

756
SANTOS, L.A.B.N., RABELO, H.T. (2008) Análise da força muscular de mulheres idosas após
doze semanas de interrupção de um programa de exercícios físicos.
TEIXEIRA, D.C. et al. (2007) Efeitos de um programa de exercício físico para idosas sobre
variáveis neuromotoras, antropométrica e medo de cair. Revista brasileira de educação física
e esportes. Vol.21. Nº2; São Paulo; pag.107-20.
VIDMAR, M.F et. al. (2011) Atividade física e qualidade de vida em idosos. Revista Saúde e
Pesquisa. Vol. 4, Nº 3, pag.(s) 417- 424.

757
GT 04 – Multiculturalismo e Processos de Formação Humana

O MULTICULTURALISMO NO AMBIENTE ESCOLAR: QUESTÕES PERTINENTES AO TRABALHO


DOCENTE

Carolina Carlos da Silva de Souza Sobrinho


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Bianka Pires André


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir a presença do multiculturalismo no


ambiente escolar, especialmente, em sala de aula, agregando questões pertinentes ao
trabalho docente e pedagógico. Durante vários anos, os educadores foram formados a partir
de uma visão homogeneizadora e linear, conduzindo-os a uma neutralidade que ignora
valores básicos da composição pluriétnica da sociedade brasileira. Como marco teórico
desse trabalho, destacamos a ideia de Canen (2007) na qual o multiculturalismo encara as
identidades plurais como a base de constituição das sociedades. Através desse estudo
bibliográfico e exploratório verificamos que a escola é um ambiente social, onde se
confronta diferentes culturas e etnias. Dessa forma, as práticas pedagógicas em sala de aula
se revelam como fortes estratégias para a promoção da consciência cidadã de crianças e
jovens.
Palavras-chave: Multiculturalismo. Ambiente escolar. Trabalho docente.

INTRODUÇÃO
A discussão e reflexão proposta neste trabalho giram em torno das tensões
multiculturais geradas e vivenciadas no ambiente escolar, especialmente, no espaço da sala
de aula.
A sociedade transfere cada vez mais à escola o dever de uma formação cidadã, que
agregue desde valores a aspectos cognitivos. No entanto, a escola não cumpre seu dever
social isolada das demais instituições, é necessário o apoio da família, por exemplo.
Um dos motivos de discórdia entre os estudiosos do multiculturalismo está no
próprio nome, uma vez que alguns consideram mais adequado a utilização do termo
interculturalismo, por considerarem que traz a ideia de culturas em relação.

758
Além do termo, citamos também como impasse, as perspectivas pelo qual o
multiculturalismo é defendido, desde uma perspectiva folclórica até as perspectivas mais
críticas.
Essas diferentes abordagens e tensões existentes acerca do multiculturalismo
proporcionam uma revisão e reflexão sobre as formas pedagógicas de inseri-lo de maneira
que os sujeitos envolvidos nesse processo sejam contemplados.
Para que a educação multicultural aconteça nas escolas é necessário que os
profissionais envolvidos possuam uma formação adequada, que atenda o trabalho
individual, mas também as demandas coletivas impostas pelas diferenças.
Canen e Moreira (2001) defendem a necessidade de formação emocional do
professor, uma vez que para enfrentar as adversas situações diárias o docente precisa de um
olhar afetivo.
Com relação ao currículo, ocorreu alguns avanços legais ligado a questões
multiculturais, como os PCN e a lei no 10.639/03, que inclui no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". No entanto, o
questionamento que fazemos está na prática docente, será que houve mudança na
metodologia em sala de aula?
Outro fato, que torna a tarefa da educação multicultural desafiadora está ligada a
obrigatoriedade de cumprir um currículo disciplinar adotado e, muitas vezes, elaborado
pelas secretarias sem a participação dos professores. Diante dessa realidade, o professor
necessita ser um questionador capaz de refletir e reformular o currículo e sua prática, na
medida do possível, com vistas a diminuir a marginalização dos grupos que não são
contemplados nas atividades dos livros didáticos, por exemplo.
A fim de conquistar essa liberdade é necessário que as atividades ultrapassem o
cunho folclórico das datas comemorativas e análises superficiais e incorporem tensões e
aspectos multiculturais críticos ao debate cotidiano.

ENTENDENDO O MULTICULTURALISMO

759
O multiculturalismo é um termo que tem sido empregado com frequência em
publicações e eventos, estando ou não associados a educação. Por isso, nosso primeiro
passo, será entendê-lo visto que há diferentes significados.
Segundo Candau (2008), o multiculturalismo não nasceu nas universidades e no
âmbito acadêmico em geral, de forma que seu locus de produção está nos movimentos
sociais. A autora também enfatiza que um dos motivos de discórdia entre os estudiosos e
críticos do tema está no próprio nome, devido a polissemia do termo.

Considero que um primeiro passo nessa direção é distinguir duas


abordagens fundamentais: uma descritiva e outra prescritiva. A primeira
afirma ser o multiculturalismo uma característica das sociedades atuais. [...]
A perspectiva prescritiva entende o multiculturalismo não simplesmente
como um dado da realidade mas como uma maneira de atuar, de intervir,
de transformar a dinâmica social (CANDAU, 2008, p.50).

Ainda segunda a autora, é necessário distinguir as diferentes concepções que podem


inspirar essa construção: o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo
diferencialista e a interculturalidade.

Uma política assimilacionista favorece que todos se integrem na sociedade


e sejam incorporados à cultura hegemônica. [...] a abordagem
diferencialista propõe colocar enfase no reconhecimento da diferença e
garantir espaços para que estas possam se expressar[...] O
multiculturalismo crítico e de resistência parte da afirmação de que o
multiculturalismo tem de ser situado a partir de uma agenda política de
transformação (CANDAU, 2008, p.50-51).

Dessa forma, o multiculturalismo é defendido, desde uma perspectiva folclórica até


perspectivas mais críticas.

O multiculturalismo crítico ou perspectiva intercultural critica busca


articular as visões folclóricas a discussões sobre as relações desiguais de
poder entre culturas diversas, questionando a construção histórica dos
preconceitos, das discriminações, da hierarquização cultural (CANEN, 2005,
p.93).

Assim, de acordo com a autora, o trabalho pedagógico depende do tipo de


abordagem a ser seguida. Na folclórica, por exemplo, a pluralidade cultural é valorizada, mas
as estratégias de trabalho se resumem aos aspectos exóticos, folclóricos e pontuais, como as
datas comemorativas.
760
Essas diferentes abordagens e tensões existentes acerca do multiculturalismo
proporcionam uma revisão e reflexão sobre as formas pedagógicas de inseri-lo de maneira
que os sujeitos envolvidos nesse processo sejam contemplados.
Destacamos a ideia de Charlot (2006) ao propor uma definição para o
multiculturalismo,

Um campo de sabe em que se cruzam, se interpelam e, por vezes, se


fecundam, de um lado, conhecimentos, conceitos e métodos em de outro,
saberes, práticas, fins éticos e políticos. O que o define é essa mestiçagem,
essa circulação (p.9).

De acordo com o autor, o multiculturalismo está além de uma prática ou mesmo


política, destacando-a como um campo de saber no qual perpassam e conversam entre si
diferentes saberes, línguas, práticas e culturas.
Em contrapartida, Gonçalves e Silva (1998) destacam que o multiculturalismo é uma
estratégia política de reconhecimento e representação da diversidade cultural, não podendo
ser concebido dissociado dos contextos das lutas dos grupos culturalmente oprimidos.
Neste sentido, Bourdieu (1999) expressa certo receio ao Multiculturalismo, pois este
ao defender as identidades marginalizadas pode criar novos universalismos e essencialismos
identitários.
De acordo com Taylor (1997), todas as sociedades estão a tornar-se cada vez mais
multiculturais e, ao mesmo tempo, mais permeáveis. Como já vimos, o multiculturalismo
refere-se a existência de diferentes culturas numa mesma sociedade e como destacou o
autor acima, é uma tendência social que as diferenças culturas aumentem cada vez mais
com o passar o tempo e o grande desafio é uma harmoniosa convivência.
Segundo Lévy (1999), no que tange a pensamentos, comportamentos, crenças e
valores, tem havido abertura para a aceitação de novos padrões de beleza, de trabalho, de
relacionamentos assim como maior possibilidade de questionamentos sobre modelos de
casamento, modelos de sucesso, sobre as expectativas e desejos fabricados.
Acreditamos que as redes sociais funcionam como uma importante forma de
expressão de pensamentos e opiniões acerca de determinados comportamentos e situações
que podem ser amplamente divulgadas ou não.

761
D’Akesky (2005) argumenta a favor de um “multiculturalismo democrático” como
política capaz de reconhecer as singularidades de cada cultura, sem a pretensão de se
identificar uma cultura como universal e ampliando o diálogo e o respeito entre as diversas
formas de manifestação e identificação cultural.
Neste contexto, acreditamos que a postura defendida pelo autor só será possível
através da educação, até mesmo pelo fato da própria escola ser um espaço de convivência
de culturas diferentes.
De acordo com Canen (2005), o multiculturalismo deve superar posturas dogmáticas,
que tendem a congelar as identidades e desconhecer as diferenças no interior das próprias
diferenças.
Com essa fala da autora passamos para o próximo tema, no qual discutiremos a
formação multicultural do professor como prerrogativa para uma educação pautada na
valorização do diferente na constituição da rotina escolar.

POR UMA FORMAÇÃO MULTICULTURAL


Para que a educação multicultural aconteça nas escolas é necessário que os
profissionais envolvidos possuam uma formação adequada, que atenda o trabalho
individual, mas também as demandas coletivas impostas pelas diferenças.
Para D’Adesky (2001), o grande desafio é formar profissionais para viver em uma
sociedade multicultural, respeitando-se as diferenças. Pahim Pinto (2002) argumenta que o
grande desafio não é somente capacitar os docentes a dominar o conteúdo, mas verificar a
metodologia que será empregada.
De acordo com Canen e Moreira (2001),

Para formar um professor com postura multicultural, além dos aspectos


cognitivos envolvidos na formação, também é necessário que haja um
envolvimento afetivo, isso se a intenção é desinquietar e transformar
percepções, valores, sentimentos e emoções, é preciso procurar, organizar,
cuidadosa e adequadamente, a prática pedagógica de modo a atingir tanto
a ‘mente’ como o ‘coração’ do futuro docente (p. 15).

762
A ideia defendida pelos autores enfatiza a necessidade de formação emocional do
professor, uma vez que para enfrentar as adversas situações diárias o docente precisa de um
olhar afetivo. Afinal, o ato de educar envolve também os aspectos sentimentais.
Ainda de acordo com os autores Canen e Moreira (2001),

Para se obter sucesso com a pluralidade cultural no campo da educação e


na formação docente, é necessário buscar-se formas de valorizar e
incorporar as identidades plurais em políticas e práticas curriculares e haver
reflexão sobre os mecanismos discriminatórios ou silenciadores dessa
pluralidade (p. 44).

Outro ponto essencial suscitado está na questão do currículo, no qual ocorreram


alguns avanços legais ligados a questões multiculturais, como os PCN e a lei no 10.639/03,
que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira". No entanto, o questionamento que fazemos está na prática
docente, será que houve mudança na metodologia em sala de aula?
Nos PCN (1997) encontramos a seguinte fala com relação à pluralidade cultural

Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar


os diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é
formada não só por diferentes etnias, como por imigrantes de diferentes
países. Além disso, as migrações colocam em contato grupos diferenciados.
Sabe-se que as regiões brasileiras têm características culturais bastante
diversas e a convivência entre grupos diferenciados nos planos social e
cultural muitas vezes é marcada pelo preconceito e pela discriminação. O
grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a
conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural que compõe
o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos
grupos que compõem a sociedade. Nesse sentido, a escola deve ser local de
diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a própria cultura e
respeitando as diferentes formas de expressão cultural (p.27).

Neste ponto, o documento do MEC enfatiza o dever da escola perante as demandas


sociais e culturais, no entanto, a escola não se faz sozinha, ela é construída por pessoas, que
necessitam de uma preparação profissional a fim de torná-la, de fato, um local de diálogos
ao invés de confrontos.
Acreditamos que, aliada à elaboração de políticas públicas torna-se necessário um
amplo movimento que leve à revisão dos currículos e materiais pedagógicos em todos os
níveis de ensino, principalmente dos livros didáticos, no que tange a constituição social,
763
demográfica, cultural e política. Imprescindível, também, é o estabelecimento de diretrizes
para uma sólida formação do profissional da educação, tendo como enfoque, dentre outras
questões, as abordagens referentes à Pluralidade Cultural.
Portanto, a globalização, o multiculturalismo, questões de gênero e de raça, novas
formas de comunicação, manifestações culturais e religiosas, diversas formas de violência e
exclusão social configuram novos e diferenciados cenários sociais, políticos e culturais, que
as escolas, por meio de seus profissionais possuem o dever social de atender. Dessa forma,
os desafios multiculturais na formação docente apresentam-se como forma de propor novas
metodologias para o ensino.
De acordo com Canen (2005)

O multiculturalismo encara as identidades plurais como a base de


constituição das sociedades. Leva em consideração a pluralidade de raças,
gêneros, religiões, saberes, culturas, linguagens e outras características
identitárias para sugerir que sociedade é múltipla e que tal multiplicidade
deve ser incorporada em currículos e práticas pedagógicas (p. 94).

Neste contexto, o educador poderá ser um mediador dos estereótipos caso sua
formação se paute em uma visão acrítica das instituições, que não contempla outras formas
de ação e reflexão. Por outro lado, uma formação ligada à pluralidade cultural e étnica pode
despertar nesse educador uma postura crítica acerca dos instrumentos pedagógicos em
voga, possibilitando-lhe a desconstrução de mitos, paradigmas e preconceitos
historicamente veiculados na cultura escolar.

O TRABALHO EM SALA DE AULA


Pensar na prática do multiculturalismo em sala de aula requer refletir a formação do
docente, que exerce um papel muito importante no âmbito intercultural, pois a sua prática
pedagógica diária é um dos fatores que influenciam o sucesso do ensino-aprendizagem.
Portanto, essa prática pode favorecer ou mesmo criar obstáculos ao desenvolvimento
cognitivo, social e emocional dos alunos como também ao desenvolvimento de
competências e capacidades de cada um.

Que professores estão sendo formados, por meio dos currículos atuais,
tanto na formação inicial como na formação continuada? Que professores
764
deveriam ser formados? Professores sintonizados com os padrões
dominantes ou professores abertos tanto à pluralidade cultural da
sociedade mais ampla como à pluralidade de identidades presente no
contexto específico em que se desenvolve a prática pedagógica?
Professores comprometidos com o arranjo social existente ou professores
questionadores e críticos? Professores que aceitam o neoliberalismo como
a única saída ou que se dispõem tanto a criticá-lo como a oferecer
alternativas a ele? Professores capazes de uma ação pedagógica
multiculturalmente orientada? (MOREIRA, 2001, p. 43).

A preocupação do autor justifica-se num momento de grande cobrança da sociedade


para que a educação potencialize o desenvolvimento de uma postura multicultural de seus
membros. Por isso, de acordo com Moreira e Candau (2003) a formação deve ajudar os
professores a desenvolverem uma nova identidade, uma nova postura, assim como “novos
saberes, novos objetivos, novos conteúdos, novas estratégias e novas formas de avaliação”.
O papel do educador é determinante no processo de reapropriação e reinvenção do
conhecimento. Através da análise crítica dos textos, de questionamentos das ilustrações, da
comparação do que se lê com o que se vê e da comparação do que se lê nos textos oficiais
com o cotidiano, experiências e cultura pessoais, pode-se desconstruir estigmas
relacionados a questões multiculturais.
Destacamos que se o professor conseguir desconstruir esses olhares e posturas, ele
com certeza, desenvolverá um trabalho multicultural de forma a proporcionar instrumentos
de reflexão em sala de aula, utilizando livros, imagens, propagandas, reportagens e tudo o
mais que a criatividade permitir.
A tarefa proposta é complexa, porém acreditamos que uma orientação específica
contribua para desenvolver no processo uma reflexão que possibilita uma ação criadora por
parte dos alunos. Para tanto é preciso acreditar que a aprendizagem não se realiza de forma
estática.
Outro fato, que torna a tarefa da educação multicultural ainda mais difícil está ligada
a obrigatoriedade de cumprir um currículo disciplinar adotado e, muitas vezes, elaborado
pelas secretarias sem a participação dos professores. Diante dessa realidade, o professor
necessita ser um questionador capaz de refletir e reformular o currículo e sua prática, na
medida do possível, com vistas a diminuir a marginalização dos grupos que não são
contemplados nas atividades dos livros didáticos, por exemplo.

765
De acordo com Santomé (2005),

é muito raro no espaço das salas de aula, que os professores desafiem os


alunos e alunas a refletir e investigar as questões relacionadas com a vida e
a cultura dos grupos mais próximos do contexto local a que pertencem.
Assim, os materiais e o próprio currículo não oferecem qualquer elemento
com o qual esses educandos possam se identificar; “suas crenças,
conhecimentos, destrezas e valores são ignorados”. Em geral, o local é
encarado como um estigma, algo que, dentro de uma prática
“colonizadora” é necessário ocultar ou, pelo menos, não problematizar
(p.170).

O posicionamento do autor nos remete a algumas reflexões ligadas a nossa própria


vivência escolar. Atividades que envolvam o lugar onde moramos e as aprendizagens
relacionadas às vivências ainda não são o foco da educação.
A ocultação desse assunto, por exemplo, carrega em si uma negatividade,
principalmente para os alunos que residem em locais já estigmatizados fora da escola e
própria escola só faz aumentar este preconceito.
É necessário que o educador perceba os educandos como cidadãos em potencial,
fato que envolve respeitar suas experiências de vida, sua linguagem e seus valores culturais,
pois não existem conhecimentos que sejam melhores ou mais legítimos do que outros. Não
cabe à escola, desqualificar ou ignorar essas experiências, e sim tentar incorporá-las, a fim
de que o educando perceba uma articulação da vida social com seu cotidiano escolar. Ao dar
liberdade de expressão o professor, em sala de aula permite que estes sejam encorajados a
atuar criticamente em outras instâncias do mundo social.
A fim de conquistar essa liberdade é necessário que as atividades ultrapassem o
cunho folclórico das datas comemorativas e análises superficiais e incorporem tensões e
aspectos multiculturais críticos ao debate cotidiano.
Como as turmas e os próprios professores são heterogêneos, não existe nenhum
manual de instruções que nos forneça o passo a passo para o trabalho multicultural em sala
de aula. No entanto, a contextualização do currículo escolar e a contribuição disciplinar no
desenvolvimento de eixos temáticos trabalhados de forma interdisciplinar podem indicar um
caminho de excelência para o ensino e valorização da diversidade.
André (2012) em seu trabalho Um multiculturalismo à brasileira, destaca que

766
Uma política que de fato reconhecesse as diferenças culturais no ambiente
escolar, seria por um lado abraçar o modelo aberto e interativo de Candau
(2009) que visa a educação e a negociação cultural; adotar como modelo o
multiculturalismo revolucionário de McLaren (1997) que propõem não só o
combate às praticas discriminatórias, mas também, uma reestruturação nas
bases sociais, políticas e culturais; assumindo também o multiculturalismo
critico e pós-modernizado ou pós-colonial sugerido pó Canen (2007) que,
não congela as diferenças e a capacidade de construção das identidades
plurais como base de construção das identidades (ANDRÉ, 2012, p. 21).

Dessa forma, destacamos que todas as perspectivas multiculturais tem muito a


contribuir para o trabalho pedagógico. O caso, não está em julgar ou separar se existe bom
ou ruim, a questão é saber, através de uma formação apropriada, os momentos da pratica
pedagógica que mais se adéquam ao trabalho com as respectivas perspectivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, então, que a sala de aula poderá ser um espaço para o conhecimento e
valorização de culturas, se houver uma metodologia que estimule discussões e reflexões,
ultrapassando o olhar folclórico cultural.
A escola é um ambiente social, onde se confronta diferentes culturas, etnias, sendo
assim é importante que em suas práticas cotidianas seja prioridade a construção de valores
e saberes.
No atual cenário brasileiro, uma formação multicultural implica uma revisão dos
próprios projetos pedagógicos das universidades. É preciso que haja uma reformulação das
práticas pedagógicas desenvolvidas. Também é fundamental que se discuta a questão do
currículo dos cursos destinados à formação de professores.
Percebemos que tivemos alguns avanços legais, como os PCNs, que apesar de
reconhecer que um dos maiores desafios da escola é vencer a discriminação, nos
entristecemos ao ver que, na prática, os professores ainda não possuem uma formação
adequada para alcançar esta necessidade de ensino.
Outro fato, que torna a tarefa da educação multicultural ainda mais difícil está ligada
a obrigatoriedade de cumprir um currículo disciplinar adotado e, muitas vezes, elaborado
pelas secretarias sem a participação dos professores. Diante dessa realidade, o professor
necessita ser um questionador capaz de refletir e reformular o currículo e sua prática, na

767
medida do possível, com vistas a diminuir a marginalização dos grupos que não são
contemplados nas atividades dos livros didáticos, por exemplo.
Como as turmas e os próprios professores são heterogêneos, não existe nenhum
manual de instruções que nos forneça o passo a passo para o trabalho multicultural em sala
de aula. No entanto, a contextualização do currículo escolar e a contribuição disciplinar no
desenvolvimento de eixos temáticos trabalhados de forma interdisciplinar podem indicar um
caminho de excelência para o ensino e valorização da diversidade.

REFERÊNCIAS
ANDRÉ, B.P. Um multiculturalismo à brasileira: a importância do reconhecimento das
diferenças e da diversidade cultural no ambiente escolar. RETTA, vol.III, nº06, p.15-24, Jul.-
dez./2012.
BOURDIEU, P. A Dominação masculina. Rio de Janeiro: BCD União de Editoras: 1999.
BRASIL. Lei nº. 10.639 de 2003. Inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira” no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
10/01/2003. Secção 1, p.1.
CANDAU, V.M. Direitos humano, educação e interculturalidade:as tensões entre
igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação. V.13, nº37, jan./abr.2008.
CANEN, A. Avaliando a avaliação a partir de uma perspectiva multicultural. Educação
Brasileira, 2005, V.27, nº54,pp.95 a 114.
______, Ana; MOREIRA, Antonio Flavio. Barbosa. Reflexões sobre o multiculturalismo na
escola e na formação docente. In: ______. Ênfases e omissões no currículo. São Paulo:
Papirus, 2001, p. 15-44.
CHARLOT, B. A pesquisa educacional entre conhecimentos, políticas e práticas:
especificidades e desafios de uma área de saber. Revista Brasileira de Educação,2006, V. 11,
nº. 31, pp. 7-19.

ADESKY, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e antirracismos no


Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001, p. 75.

768
________, J.E.F. Racismos e antirracismos no Brasil. Pluralismo Étnico e
Multiculturalismo. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.
MOREIRA, A. F. B. Currículo, cultura e formação de professores. Revista Educar, Curitiba:
2001, Editora da UFPR, n. 17, p. 39-52.
________, A. F. B. e CANDAU, V. M. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos.
Revista Brasileira de Educação. nº. 23. Rio de Janeiro: 2003. Mar/Ago, p. 156-168
PINTO, Regina Pahim. A questão racial e a formação dos professores. In. OLIVEIRA,
Iolanda. (Org). Relações raciais e educação: temas contemporâneos. Niterói: EDUFF, 2002.
105-122.
SANTOMÉ, J.T. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: Silva, T. T. da. (org.)
Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis,
RJ: 2005, Vozes, p. 159-177.
GONÇALVES, L.O; SILVA, P. G. O Jogo das Diferenças: o Multiculturalismo e seus
Contextos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
TAYLOR, C. Multiculturalismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

A MARCA DO SIGNIFICANTE SOBRE O CORPO DO VIVO

Evacyra Viana Peixoto


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Rita Maria Manso de Barros


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

769
RESUMO: Na visão da psicanálise fundamentada na posição lacaniana o sujeito do
inconsciente se constitui em sua divisão subjetiva causada pelo significante por uma
operação dialética causada pelo efeito divisor da linguagem sobre o ser vivo, que lhe aliena
ao campo do Outro. Esta posição se contrapõe à visão desenvolvimentista da psicologia do
desenvolvimento, que atribui a formação do psiquismo humano à evolução biológica e à
adaptação do bebê humano ao seu contexto sócio-histórico-cultural pregando a maturação
do organismo como base da organização do psiquismo da criança, como também se
contrapõe às teorias psicanalíticas dos pós-freudianos e demais enfoques que adotam o
ponto de vista do desenvolvimento psicológico infantil em etapas evolutivas, num
reducionismo biologizante. Para os psicanalistas adeptos da releitura da obra freudiana
realizada por Lacan, o sujeito se estrutura pela incidência da linguagem verbal humana sobre
o corpo do vivo, o que lhe abre a porta do mundo simbólico, campo dos significantes. Do
ponto de vista lacaniano, para se tornar um ser da linguagem, o indivíduo (até então
indiviso) passa pelas experiências do estádio de espelho e a edípica, e estas resultam em
efeitos singulares para cada um. Em meio ao drama edípico da pequena infância, ocorre a
escolha da estrutura psíquica do sujeito frente à castração do Outro.
Palavras-chave: Sujeito do inconsciente. Campo do Outro. Significante e linguagem.

Na visão que propõem de uma psicologia do desenvolvimento sócio-cognitivo-


emocional, Seidl-de-Moura & Ribas (2004) investigam a formação da mente e da cognição
humana em bebês recém-nascidos, que se deveria à integração do bebê ao ambiente
humano e provocaria transformações em seu comportamento natural, considerado pré-
cultural até então. Com um cunho marxista da evolução humana, esta psicologia prega que
as transformações humanas, oriundas da evolução, deram origem à cultura e emanciparam
o homem da natureza, - cultura aqui sendo concebida como o acervo de instrumentos e
dispositivos criados pelo ser humano, entre eles a linguagem. Deste ponto de vista, toda
evolução histórico-cultural humana deveu-se a uma dialética em que o natural transforma a
cultura e a cultura transforma a natureza. E assim sendo, nesse processo de auto-regulação
natural-cultural, o bebê humano se humanizaria e realizaria a aquisição da linguagem, o que
significa que a linguagem surgiria na ontogênese, como resultado do processo de
desenvolvimento do indivíduo, que englobaria a filogênese (Seidl-de-Moura, 2005).
Contrapondo-se à visão evolucionista da psicologia do desenvolvimento infantil, na
teoria lacaniana o sujeito humano deve sua constituição às suas relações de objeto no
campo simbólico, ou seja, o sujeito do inconsciente se constitui em sua divisão subjetiva
causada pelo significante, por uma operação dialética causada pelo efeito divisor da
linguagem sobre o corpo do ser vivo.

770
Para Lacan é a estrutura70 da linguagem que se abate sobre o corpo do vivo
provocando o efeito da constituição do sujeito, em seu encontro inaugural com o Outro, o
que leva o ser vivo do infans71 ao falasser72. O ser vivo é cindido pelo significante que lhe
insere enquanto sujeito na ordem da linguagem, estruturando o inconsciente como uma
linguagem. Essa posição se contrapõe à visão desenvolvimentista da psicologia do
desenvolvimento, que atribui a formação do psiquismo humano à evolução biológica e à
adaptação do bebê humano ao seu contexto sócio-histórico-cultural pregando a maturação
do organismo como base da organização do psiquismo da criança.
A pressuposição do desenvolvimento psicológico com bases na genética tentou
condicionar a emergência pulsional à fisiologia. O geneticismo fundamenta as teorias do
desenvolvimento psicológico da criança, que nele se baseando, exclui o sujeito. Sabe-se ser
parte da tradição psicanalítica a observação de crianças, prática sobre a qual pesam as
críticas lacanianas de ser esta a base sobre a qual se ergueram as psicologias do
desenvolvimento da criança.
Na visão da psicanálise fundamentada na posição lacaniana, a linguagem humana
vem a se estabelecer para o sujeito em suplência de uma falta; falta esta originária que
comparece como objeto do desejo, marcada no real do corpo, em torno do qual a pulsão
circula.
O conceito de sujeito foi resgatado por psicanalista francês Lacan da tradição
filosófica para, na psicanálise, designar aquele que é o sujeito do desejo humano, enquanto
que a ciência procura isolar e excluir o sujeito de suas produções e experimentos científicos.
Na psicanálise esse conceito adquiriu relevância central ao ser identificado como o sujeito do

70
A estruturação é uma armação, um arcabouço; é o ato ou efeito de estruturar, de fazer ou formar estrutura,
que é a disposição e ordem das partes de um todo. Lacan foi a princípio tomado como um estruturalista, mas o
estruturalismo pregava uma estrutura sem centro, excluindo o sujeito, e Lacan a isto se opôs. A noção de
estrutura do estruturalismo inclui a combinação de elementos inter-relacionados de modo dependente, de
modo que a posição de cada um afeta a do outro, que reunidos em uma totalidade apresentam qualidades
específicas da totalidade, que é autônoma.
71
Aquele que ainda não fala. “A palavra ‘infância’ vem do latim infantìa, ae que significa tanto ainda não falar
como infância, o que é novo, novidade; do latim infans, ántis, que não fala, criança” (CASTRO, 2005). A palavra
infans, utilizada por Lacan a princípio, foi preterida ao tornar mais preciso o campo da fala (parole) e da
linguagem (langage).
72
Parlêtre (parler+être), é a junção de parler (falar) e être (ser). Traduzido como falasser esta palavra é um
neologismo utilizado por Lacan para designar o sujeito afetado pela falta a ser que indroduz o significante que
divide o seu ser e seu corpo (LACAN, [1972-1973, 1975-1976, 1979] 1985, 2007).

771
inconsciente, ou seja, o sujeito do desejo que anima o ser vivo. Para Lacan o sujeito do
inconsciente é o sujeito do desejo, e o desejo é o eixo fundamental em torno do qual gira a
existência do sujeito73.
Do ponto de vista lacaniano, para se tornar um ser da linguagem, o indivíduo (até
então indiviso) passa pelas experiências do estádio de espelho e a edípica, e estas resultam
em efeitos singulares para cada um.
Em meio ao drama edípico da pequena infância, ocorre a escolha da estrutura
psíquica do sujeito frente à castração do Outro. É a partir da experiência do estádio do
espelho e dos distintos momentos do complexo de Édipo, que culminam na experiência da
castração, que os pais vêm a ter papel fundamental na singularização74 do infans, daquele
que ainda está por se constituir. A imagem refletida no espelho é tomada do Outro para si
pelo sujeito em vias de advir, e é o elemento de troca simbólica pelo qual este ser vivo se
torna humano, passando de uma existência animal a uma existência humana com a
instauração da ordem simbólica. Ao constituir-se enquanto um sujeito, o ser vivo habitado
pelo humano torna-se passível de um inconsciente, que é o patológico que habita o sujeito.
Neurose, psicose e perversão são as três estruturas possíveis onde o sujeito se situa.
Há ainda a hipótese da estrutura autista, ventilada pelos contemporâneos de Lacan, Rosine e
Robert Lefort, que afirmaram que nessa estrutura não existiria o Outro. É a estrutura da
linguagem, campo do Outro, que faz acontecer a constituição psíquica do sujeito ao se
conectar ao corpo do vivo, conexão que não ocorre no autismo pela sua recusa em entrar na
ordem da linguagem.
O estádio do espelho (Lacan, [1949] 1998) enquanto matriz do imaginário é a
experiência pela qual passa o sujeito em vias de advir, em seus três tempos, que explica os
efeitos constitutivos do sujeito pela linguagem.
Em suas incursões iniciais pela psicanálise, Lacan escreveu seu artigo “O estádio do
espelho como formador da função do Eu (je) tal como nos é apresentado pela experiência

73
Cindido pelo significante, este sujeito do inconsciente, embora evanescente, se faz presente na cadeia
significante emergindo como non sense no discurso do falante, ou seja, ele emerge no discurso no intervalo
entre significantes.
74
Aqui a palavra singularização foi preferida à subjetivação, pelo cunho singular que a psicanálise dá à
constituição do sujeito, diversamente ao caráter psicológico dado à segunda palavra, sendo a subjetividade
objeto da Psicologia.
772
psicanalítica”, preparado para o Congresso de Marienbad em 1936 e reescrito em 1949 para
publicação.
No “Estádio do espelho” Lacan ([1949], 1998) examina, na experiência vivida pelo
bebê de 06-18 meses, o modelo constitutivo de um Eu [moi] alienado ao campo do Outro –
Outro que funciona como um espelho onde a imagem egóica se projeta.
Enquanto matriz do imaginário, o estádio do espelho, em seus três tempos, nos
mostra que: num primeiro momento, o bebê humano vive a experiência de seu corps
morcelé, um corpo despedaçado, sem dentro nem fora; num segundo momento, ele pode
visualizar uma imagem de um outro em reflexo; e num terceiro momento ele reconhecerá a
imagem refletida no espelho como sua, ou seja, encontrará sua unidade imaginária através
do Eu [moi], uma imagem ofertada através do desejo do Outro materno.
O corpo fragmentado de um recém-nascido é, a princípio, vivido e percebido em
pedaços: pela boca que suga o seio/alimento, pelos olhos que veem, pela barriga que ronca,
pelo seio que alimenta, pela voz que é escutada, pelo ânus que defeca. O corpo é a princípio
puro auto-erotismo, sem dentro e nem fora, e ao mesmo tempo dentro e fora.
A identificação que acontece no estádio do espelho é a “transformação produzida no
sujeito quando ele assume uma imagem” (LACAN, [1949] 1998, p. 97), que lhe proporcionará
inclusive o controle motor de seu corpo.
Lacan explana a experiência de júbilo vivida pelo o bebê humano ainda titubeante, ao
reconhecer-se na imagem do Eu [moi] projetada pelo Outro materno, a ela identificando-se
como seu Eu ideal, origem de futuras identificações secundárias.

A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda


mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que
é o filhote do homem nesse estágio de infans parecer-nos-á, pois
manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o eu se
precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da
identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no
universal, sua função de sujeito (Ibidem, p. 97).

Esta unificação imaginária do corps morcelé é feita por uma imagem alienada que
proporciona ao sujeito em vias de advir um reflexo de sua superfície corporal. Funciona

773
como uma gestalt75 que configura e antecipa para o bebê uma imagem completa enquanto
ele ainda se encontra mergulhado em sua insuficiência orgânica derivada de sua
prematuração, e esta gestalt vem a ter efeitos formadores sobre seu organismo.

Esse desenvolvimento é vivido como uma dialética temporal que projeta


decisivamente na história a formação do indivíduo: o estádio do espelho é
um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a
antecipação – e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da
identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem
despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos
de ortopédica – e para a armadura enfim assumida de uma identidade
alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo seu desenvolvimento
mental (LACAN, [1949] 1998, p.100).

No terceiro momento do estádio do espelho o infans se identifica a uma imagem


fálica, ao falo do Outro materno, àquilo que lhe falta, o que vai proporcionar a unidade ao
corps morcelé do infans. Esta unidade vem a ser a imagem de um outro, o moi, projetada no
espelho, que passa a estabelecer a relação entre o dentro e o fora do corpo.

A função do estádio do espelho revela-se para nós, por conseguinte, como


um caso particular da função da imago, que é estabelecer uma relação do
organismo com sua realidade – ou, como se costuma dizer, do Innenwelt
com o Umwelt76 (LACAN, [1949] 1998, p.100).

O sujeito em vias de advir constrói sua identidade imaginária pela via do desejo do
Outro, que lhe engaja em uma alienação fundamental. Este terceiro momento do estádio do
espelho, que coincide com o primeiro momento do Édipo, é um momento de
assujeitamento do sujeito em vias de advir à ordem simbólica.

É esse momento que decisivamente faz todo o saber humano bascular para
a mediatização pelo desejo do outro, constituir seus objetos numa
equivalência abstrata pela concorrência de outrem, e que faz do eu esse
aparelho para o qual qualquer impulso dos instintos será um perigo (Ibid.,
p. 101).

Na relação dual de completude imaginária vem a intervir um terceiro, no lugar de


interditor, impondo a Lei da interdição do incesto que reordena estes primeiros laços. A

75
Termo em alemão que significa configuração, forma. Este termo vem a dar nome a um dos vários sistemas
teóricos em psicologia.
76
Innenwelt = interior, Umwelt = exterior.
774
ordem simbólica é instaurada pelo Nome-do-Pai, que vem a proporcionar a estrutura
triádica ao sujeito em vias de advir. “É uma rivalidade fundamental, numa luta com a morte
primeira e essencial, que se produz a constituição do mundo humano como tal” (LACAN,
[1955-1956] 1985, p. 51).
A interdição do incesto se dá pela entrada do sujeito no campo da linguagem, com a
cisão causada pelo significante, uma vez que a Coisa (Das ding) está interditada. A Coisa foi o
que Freud denominou como esse objeto inominável causador do desejo do qual o que
podemos apreender, só se possibilita pela abordagem simbólica do furo no Real. “De que se
trata na metáfora paterna? Há, propriamente, no que foi constituído por uma simbolização
primordial entre a criança e a mãe, a colocação substitutiva do pai como símbolo, ou
significante, no lugar da mãe.” (LACAN, [1956-1957] 1995, p. 186).
A constituição do sujeito do inconsciente vem a se dar pelo atravessamento do Édipo,
na medida em que o sujeito em vias de advir vive a experiência da castração ao ser atingido
e cindido pela Lei do Pai. Diante da castração do Outro, este sujeito torna-se assim um
sujeito barrado e portanto, desejante, o que o remeterá a uma eterna busca da coisa
perdida, o que fará dele um sujeito angustiadamente desejante.
A constituição do sujeito é um efeito dialético da entrada no mundo da linguagem
que vem a produzir o efeito de singularização do infans. É a este campo da linguagem ao
qual o sujeito em vias de advir deve se alienar para que se efetive sua singularização, o que o
tornará um sujeito desejante, levando-o à habitar um lugar simbólico no campo do Outro.
O sujeito do inconsciente se constitui na imersão do ser vivo no campo da linguagem,
experiência que lhe imprimirá um sintoma e transformará o real do seu corpo, exilando-o na
linguagem, esse campo do Outro. E assim a palavra mata a coisa, que passa a se representar
pelo significante da falta.

Pela palavra, que já é uma presença feita de ausência, a ausência mesma


vem a se nomear em um momento original cuja perpétua recriação o
talento de Freud captou na brincadeira da criança. [...]
Pois ainda não é o bastante dizer que o conceito é a própria coisa, o que
uma criança pode demonstrar contrariando a escola (Lacan, [1953] 1998, p.
277-278).

775
Para Lacan o Simbólico é o fictício que estrutura o inconsciente como uma linguagem,
e que faz o homem buscar "o retorno de um signo": “É o mundo das palavras que cria o
mundo das coisas, inicialmente confundidas no hic et nunc do todo em devir, dando um ser
concreto à essência delas [...]. O homem fala, pois, mas porque o símbolo o fez homem.”
(LACAN [1953] 1998, p. 277-278).
O sujeito advém pela afetação feita pelo significante, que o faz desejante do objeto
da falta. “Pelo discurso analítico o sujeito se manifesta em sua hiância, ou seja, naquilo que
causa o seu desejo” (LACAN, [1972-1973] 1985, p. 20).
É o significante que permite fundar, com sua ordem, a dimensão simbólica para o
sujeito em vias de advir. “Por que é que damos tanta ênfase à função do significante?
Porque é o fundamento da dimensão do simbólico, o qual só o discurso analítico nos permite
isolar como tal” (Ibid., p. 32).
O sujeito em vias de advir se constituirá como um produto desta alienação estrutural.
E para isto, é preciso que o Outro materno lhe ofereça uma significação matricial pela
linguagem, que com uma função de corte vem recortar o corpo do infans onde se marcará a
letra, para que se institua uma ordem simbólica, dando-lhe uma significação fálica.
A Singularização é este advento que faz do infans um falasser, um sujeito falante e
desejante, tal como o desejo do Outro materno o pré-determina. O destino do infans como
habitante do mundo simbólico sofre suas vicissitudes pela interferência do desejo do Outro
materno. Portanto, para adentrar no mundo simbólico, o infans deve assumir como sua a
imagem ofertada pelo Outro, numa identificação que vem do Outro para o sujeito, o que lhe
possibilita constituir-se como um sujeito e construir seu lugar no mundo. O campo do Outro
é o campo da linguagem, mundo simbólico onde o sujeito é chamado a habitar pelo convite
do desejo materno. É a este campo da linguagem ao qual o infans deve se alienar para que
se efetive sua humanização, o que o levará à sua constituição subjetiva.
Assim sendo, o desejo do homem emerge pela via do desejo do Outro, pois para
Lacan, por ser “um animal presa da linguagem, o desejo do homem é o desejo do Outro”
(LACAN, [1958] 1998, p.634).
Para o freudiano Lacan, a linguagem é inscrita para o sujeito no jogo de
presença/ausência da coisa. Assim, ela acaba por tecer sobre a falta real uma nomeação

776
simbólica que visa contornar esta falta, ao tempo que, por sua dialética, esta abordagem
resulta em ressaltá-la, destacando-a. O desejo do Outro é o que possibilita ao sujeito o
acesso ao seu próprio desejo, cujo objeto é o objeto da falta.
O registro Simbólico instaura a mediação entre o Real e o Imaginário, operando como
um instrumento lógico de transposição de uma desordem real para um ordenamento mítico,
por meio do pensamento mítico, edípico por excelência.
É a instalação da ordem da linguagem que possibilita haver sujeito, substituindo o
desejo da mãe pelo significante do Nome-do-pai. Sem isso, o sujeito estaria enredado na
objetalidade do desejo do Outro materno e seu destino seria o confinamento ao lugar
reservado pelo desejo do Outro materno, como nas psicoses.
A metáfora paterna vem se colocar no lugar ocupado pela mãe como uma sequela da
passagem do sujeito pelo Édipo. “O complexo de Édipo é, como tal, um sintoma. É na
medida em que o Nome-do-Pai é também o Pai do Nome, que tudo se sustenta, o que não
torna o sintoma menos necessário.” (LACAN, [1975-1976] 2007, p. 23).
É a linguagem, com sua estrutura e seu sistema de representações, aquilo que faz
furo no real, que margeia e contorna o real do corpo e o que se pretenderia que fosse o
instinto humano. Mas o Real permanece sem lei e impossível de se inscrever, ainda que o
sistema simbólico possa abordar este inominável de diversas formas, na forma de criação e
artifício humanos.
Ao se inserir no campo do Outro, o campo dos significantes, o sujeito em vias de
advir sofre uma divisão subjetiva causada pelo objeto da falta, que funciona como um
primeiro significante para o sujeito. A inscrição do significante produz no infans, massa
amorfa de carne, com seu efeito de corte, um sujeito dividido, que deixa cair um resto, o
objeto a, uma operação significante que sexualiza o corpo do vivo pelo desejo do Outro,
contornando-o e tornando-o um corpo delineado e erotizado pela letra.
O objeto a é a causa do desejo e preexiste ao objeto Eu - esta imagem que tenta a
recobrir a falta causada pela perda do objeto, o primeiro de uma mítica satisfação. Neste
sentido fundamenta-se a noção lacaniana de que é preciso que haja falta para haver sujeito,
ou seja, é preciso pagar com uma “libra de carne” (LACAN, [1962-63], 2005) para participar

777
do mundo humano, para fazer laço social, o que não vem a ocorrer, por exemplo, em caso
de autismo.
O significante produz no infans, com seu efeito de corte, um sujeito dividido, que
deixa cair um resto, o objeto a, que a partir de então, sexualiza e erotiza este sujeito. Os
objetos caem do corpo em sequência: o seio, o bebê, as fezes, a imagem, a voz e o pênis (em
detumescência), caem em substituição ao objeto perdido.
O investimento do desejo do Outro materno sobre o corpo da criança resulta na
erogeneização de suas bordas orificiais e na criação de um circuito pulsional que a anima.
Seria assim, produzindo bordas simbólicas em torno de orifícios reais, que se instalariam os
significantes, que se enraízam na “areia da carne”.
Para Lacan os “estágios se organizam em torno da angústia da castração”, que é
“como um fio que perfura todas as etapas do desenvolvimento” (Lacan, [1964] 1979, p. 65).
Nos aparecimentos e reaparecimentos do objeto - o objeto que se constitui enquanto
faltoso - o desejo do Outro se apresenta dirigido a um falo, significante da falta, ao qual o
sujeito se aliena e se constitui enquanto dividido pela falta do Outro, assumindo como seu
desejo, o desejo do Outro. Este desejo está ligado à função de corte e a função do resto (a)
passa a ser a de mover o desejo do sujeito.
O sujeito em vias de advir precisa, mediante a experiência da angústia, ceder uma
parte do seu corpo ao Outro para entrar na ordem simbólica, o que Lacan denomina como a
extração do objeto a.
É preciso, portanto que o corte se faça para que, em suas bordas, se delineie o desejo
do sujeito, sem o que não haverá sujeito desejante.
Marcado pela letra, objeto da falta, o sujeito se insere no Campo do Outro, que é o
campo do saber e da linguagem. Este objeto da falta constitui-se no jogo de
presença/ausência da coisa, tal como o explicou Freud (1920): na brincadeira do fort-da77
uma criança jogava um carretel por trás do sofá e dizia, em alemão, “fort”, e depois puxava o
carretel e dizia “da” para elaborar as ausências da mãe: “Foram esses jogos de ocultação que
Freud, numa intuição genial, produziu, a nosso ver, para que neles reconhecêssemos que o

77
Foi embora- voltou.
778
momento em que o desejo se humaniza é também aquele em que a criança nasce para a
linguagem.” (LACAN, [1953] 1998, p. 320).
Perante o non sense do Real, introduzimos um semblante que lhe faça face, já que a
confrontação direta com esse vazio suscita angústia. O objeto a faz semblante perante o
vazio do real, dando-lhe uma forma de abordagem, uma forma de borda, como o desenho
do litoral sobre a terra.
É no campo do inconsciente do sujeito, assim constituído de significantes, que
emerge a pulsão78, oriunda do vivo, mas que comparece no campo da representação
simbólica em sua busca incessante de reencontrar uma satisfação que o sujeito supõe que
houvera, que o leva ao encontro com o objeto da falta. A pulsão é uma força interna
constante com um objeto indiferente: o objeto a.
Para Lacan (1964) a pulsão é a articulação entre o significante e o corpo do sujeito, de
modo que o Simbólico invade o Real para nele circular. Da borda corporal erótica emana
uma força constante em direção ao seu alvo em busca da satisfação. Mas neste circuito, o
que é encontrado é o objeto de uma perda, que remete a pulsão a percorrer infinitamente
um circuito pulsional, contornando o objeto em seu encontro faltoso. Daí a pulsão ser
sempre parcial, num trajeto possibilitado pela intervenção de um outro que erotiza o corpo
do sujeito.
O circuito pulsional só se instalaria dentro da lógica do significante, com a
estruturação do inconsciente (freudiano). O ordenamento das pulsões se deve à demanda
do Outro em suas intervenções sobre o corpo do sujeito, neste caso, em vias de advir. Para
Lacan, a libido “é o órgão essencial para se compreender a natureza da pulsão” (LACAN,
[1964] 1979, p. 195). Ele é um órgão irreal que tem suas relações com o Real e se materializa
no corpo em sua função erótica.
Deste modo, não é a biologia que se impõe ao corpo em maturação, que levaria à
sucessão de fases oral, anal, fálica e genital, como querem os pós-freudianos.

78
A pulsão situa-se na fronteira entre o somático e o psíquico, “como o representante psíquico dos estímulos
que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no
sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo” (FREUD, [1915] 1976, p. 142)

779
A alienação fundamental pela qual o ser vivo adentra no reduto humano faz de um
objeto, a, o foco do sujeito desejante. Desde então este sujeito é portador da sintomática
humana, de um pathos que o funda como sujeito, constituído em sua singularidade.

REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS
FREUD, S. Os instintos e suas vicissitudes (1915). In: A história do movimento
psicanalítico: artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Direção-geral da
tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 14).
______. Além do princípio de prazer (1920). In: Além do princípio do prazer, psicologia
de grupo e outros trabalhos (1920-1922). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio
de Janeiro: Imago, 1976. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud,
18).
LACAN, J. . Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. 937 p.
______. O estádio do espelho como formador da função do eu [je] tal como nos é
revelada na experiência psicanalítica (1949). In. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p. 96-103.
______. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957). In: Escritos.
Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 496-533.
______. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1957-1958).
In: Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 537-590.
______. A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958). In: Escritos.
Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 591-652.
______. O Seminário, livro 10. A angústia [1962-1963]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2005.
______. O Seminário, livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise [1964].
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979.
LEFORT, R. e R. Nascimento do Outro: duas psicanálises. Salvador- BA: Fator, Biblioteca
Freudiana Brasileira, 1984.
______. La distinction de l’autisme. Paris: Seuil, 2003.

780
PEIXOTO, E. Viana. A linguagem em seus efeitos constitutivos do sujeito: uma teoria
psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e demarca o lugar do
sujeito psíquico. 2003. 159 f. Dissertação (Mestrado em Cognição e Linguagem), Centro de
Ciências do Homem, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes-
RJ, 06/06/2003. Mimeo.
SEIDL-DE-MOURA, M. L.. Bases para uma psicologia do desenvolvimento sociocultural e
evolucionista. In: F.A.R. Pontes; R.C.S. Brito & C.M.C. Magalhães (orgs.). Temas pertinentes
na construção da psicologia contemporânea. (págs. 163-190) Belém: Editora Universitária
UFPA, 2005.
_______________, M. L. & RIBAS, A. F. P. Evidências sobre características de bebês
recém-nascidos: um convite a reflexões teóricas. In M. L. Seidl-de-Moura (org.). O bebê do
Século XXI e a psicologia em desenvolvimento (págs. 21-60). São Paulo: Casa do Psicólogo,
2004.

781
ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL NA REDE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO E SUA
RELAÇÃO COM A FORMAÇÃO HUMANA

Evandro Francisco Marques Vargas


Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Leandro Garcia Pinho


Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Tendo como referencial teórico-metodológico a pesquisa histórica em legislações


educacionais (BRASIL; ESTADO DO RIO DE JANEIRO) sobre o tema, (OLIVEIRA, 2007, FUCHS,
2012; FERNANDES 2014, MENDONÇA, 2012) pertinentes, espera-se perceber os meandros e
as tendências que marcaram o Ensino religioso no Brasil. Esta proposta analítica busca
entender em que sentido pode haver uma incompatibilidade da Lei nº 3.459, de 14/09/2000
(ESTADO DO RIO DE JANEIRO), e o atual estágio das discussões sobre o Ensino religioso no
Brasil. Segundo esta lei, em seu artigo 1º., assegura-se o “respeito à diversidade cultural e
religiosa no Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo”. Apesar disso, o que
se pode perceber é que isso não ocorre atualmente no Estado do Rio de Janeiro, pois a atual
legislação do ER fluminense desqualifica a dimensão da formação humana deste campo de
ensino, servindo-se superficialmente do conceito de laicidade do Estado. Ao exigir que os
docentes para ministrarem a disciplina de Ensino religioso tenham que se credenciar “pela
autoridade religiosa competente” e “exigir do professor formação religiosa obtida em
Instituição por ela mantida ou reconhecida”, destitui do Estado seu caráter de provedor de
um ensino laico. A ideia, então, é possibilitar a problematização acerca do atual panorama
histórico do ER no Brasil e, em especial, no Estado do Rio Janeiro tentando descortinar o
“verniz ideológico” que possa estar fazendo uso da escola como mero aparelho de
reprodução (BOURDIEU, 1975, 1982, 2007), potencializado no ambiente da escola pública
pelo caráter proselitista.
Palavras-chave: Ensino Religioso. Laicidade. Formação Humana.

INTRODUÇÃO
Neste estudo analisamos o atual estágio da regulação para o Ensino Religioso (ER) no
Estado do Rio de janeiro. A problemática que motiva essa reflexão é o possível descompasso
entre a regulação da legislação estadual para o (ER) expresso na Lei nº 3459 de 14 de
setembro de 2000, em relação a outras legislações seja no âmbito estadual como na
Constituição Estadual de 1989 - (CE) quanto no âmbito nacional com a Constituição Federal
de 1988 - (CF) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - (LDBEN) de 1996 para esse
componente curricular.

782
A (CF) no art. 210 evidencia que o ER deverá ser cumprido no Ensino Fundamental. A
(CE) mantem a regulação da Carta Constitucional Federal em seu art. 313: “O ensino
religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental.” (RIO DE JANEIRO, 1989, P. 167). Na legislação estadual
para o ER a disciplina também é ofertada no Ensino Médio. Contrariando a orientação
federal e estadual.
Muito há o que se discutir sobre tudo isso. Para começarmos, devemos lembrar que
o próprio conceito de laicização, buscado por muitos Estados Nacionais da atualidade,
encontra barreiras nesse tipo de postura política. A constituição brasileira, em seus
princípios gerais, busca fundamentar a todos os cidadãos a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como
o pluralismo político. Nesse sentido faz-se primordial buscar compreender como as
discussões sobre o ER manifestaram-se nas mobilizações pela Constituinte e após a
promulgação da Constituição cidadã e as repercussões da nova Carta Constitucional sobre a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) e na legislação estadual sobre
o ER no Rio de janeiro analisando a regulação e participação no desdobramento de sua
implantação.
O que buscamos compreender é como essa noção foi se desenvolvendo. Para isso
propomos analisar como e quando o (ER) passa a ser entendido e regulado enquanto política
educacional? Quais os fundamentos epistemológicos legitimam essa posição? Sem
comprometer ou violar o princípio do Estado Laico na Educação Pública no Brasil.
Por limite desse estudo definimos laicização como processo resultante da laicidade.
“A expressão laicidade deriva do termo laico, leigo. Etimologicamente laico se origina do
grego primitivo laós, que significa povo ou gente do povo. De laós deriva a palavra grega
laikós de onde surgiu o termo latino laicus. Os termos laico, leigo exprimem uma oposição
ao religioso” (RAQUETAT JR, 2008, p. 4).
O autor distingue o conceito de laicização com o de laicidade. Laicização “é uma
noção que possui caráter negativo, restritivo. Sucintamente pode ser compreendida como a
exclusão ou ausência da religião da esfera pública. A laicidade implica a neutralidade do

783
Estado em matéria religiosa.” (Ibiden, p. 5). Logo é um fenômeno político, deriva do Estado e
não da religião.
Por conta dos limites desse trabalho não apresentamos a trajetória das diversas
legislações sobre o tema, focando nossa analise no recorte temporal dos 25 anos passados
da promulgação da (CF). No entanto, relevamos da literatura referente ao ER os seguintes
aspectos: (1) presença ou não de ER nas escolas oficiais; (2) a obrigatoriedade, ou não, do
aspecto facultativo da confessionalidade; (3) as diferentes modalidades de ensino em que o
ER seria exercido; (4) a questão do financiamento de instituições privadas com recursos
públicos.
Estas indefinições são reflexos da falta de uma política educacional nacional para
regular o ER. Ficando a cargo de cada Estado a responsabilidade pela regulação e
implementação do ER. Essas tentativas que trazem, por outro lado, uma diversificação na
elaboração de materiais e conteúdos que possibilitam a experiência de diferentes
concepções de ER: confessional, ecumênico e interconfessional na prática de sala de aula. E
que levam a novas reflexões como:

Ensino Religioso é garantido por lei, mas não é concebido e compreendido


como integrante do currículo escolar. Isso gera uma busca por uma
identidade própria ocasionada pela crise provocada pela perda da sua
função catequética evangelizadora […] A passagem de um Ensino Religioso
catequético para uma nova educação voltada para uma visão ampla do ser
humano começa a ser debatida na sociedade, na medida em que essa
disciplina deixa de ser um espaço privilegiado da Igreja na escola. Ao
mesmo tempo em que o catecismo vai deixando a escola, busca-se uma
nova identidade desse componente curricular, integrante do processo
educativo. Essa identidade foi sendo construída através da prática e do
estudo promovidos pelos Encontros de Ensino Religioso (ENER), desde 1974
(FUCHS, 2012, p.28).

Identificamos dois estágios para o ER o primeiro estaria ligado a uma epistemologia


que associa o ER como Educação Religiosa, seria o modelo catequético. Denominado como
confessional ou proselitista. O segundo fugindo a essa identidade busca legitimar através de
uma nova epistemologia, que busca uma identidade curricular, articulando saberes do
campo de conhecimento da Ciência da religião. Denominado não confessional ou sem
proselitismo. Essa nova perspectiva mais sofisticada compreende o ER enquanto princípio
educativo para a formação humana.
784
PODER RELIGIOSO E PODER POLÍTICO
A relação entre religião e política é bastante imbrincada, ainda que existam
movimentos combativos a essa aproximação. A literatura da Ciência Política tem como
marco divisor dessa ruptura a obra “O príncipe” de Nicolau Maquiavel, que desvela o caráter
temporal do poder. Sérgio Miceli, ao escrever na introdução da edição brasileira do livro “A
economia das trocas simbólicas” de Pierre Bourdieu. Destaca:

A religião serve aos interesses extra religiosos na medida em que instaura


um sistema de símbolos ordenados em torno de uma ética. Na verdade não
passa de um sistema de regras e normas, de um habitus que orienta as
condutas e os pensamentos dos leigos, de acordo com uma doutrina que
justifica a ordem social prevalescente numa determinada sociedade
(BOURDIEU, 1982, P. LIX).

Bourdieu (1982) através do conceito de Campo religioso irá explicar como a formação
de um grupo de trabalhadores intelectuais que ao tornarem-se especializados, pela
burocratização e racionalização, irão construir representações com o objetivo de possibilitar
a produção do sentido. E como esse corpo será de fundamental aporte para manter a
legitimação da dominação de um grupo social, pela construção de sistemas simbólicos:

Os “sistemas simbólicos” distinguem-se fundamentalmente conforme


sejam produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo
ou, pelo contrário, produzidos por um corpo de especialistas e, mais
precisamente, por um campo de produção e circulação relativamente
autônomo: a história da transformação do mito em religião (ideologia) não
se pode separar da história da constituição de um corpo de produtores
especializados de discursos e de ritos religiosos, quer dizer, do progresso da
divisão do trabalho religioso, que é, ele próprio, uma dimensão da divisão
do trabalho religioso, que é, ele próprio, uma dimensão do progresso da
divisão do trabalho social, portanto, da divisão em classes e que conduz,
entre outras consequências, a que se desapossem os laicos dos
instrumentos de produção simbólica (BOURDIEU, 2007, p. 12-13).

Essa estrutura irá compor o capital religioso, que irá inculcar um habitus religioso:
“princípio gerador de todos os pensamentos, percepções e ações, segundo as normas de
uma representação religiosa do mundo natural e sobrenatural, ou seja, objetivamente
ajustados aos princípios de uma visão política do mundo social.” (BOURDIEU, 1982, p. 57).

785
De outra forma as produções simbólicas tornam-se instrumentos de dominação, e as
ideologias compostas por um caráter religioso alcançam bastante eficácia, para a
legitimação, pois ao elevarem-se ao nível do sagrado, do não mundano, praticamente anula
qualquer tipo de desconstrução desses discursos. Nesse sentido:

A estrutura das relações entre o campo religioso e o campo do poder


comanda, em cada conjuntura, a configuração da estrutura das relações
constitutivas do campo religioso que cumpre a função externa de
legitimação da ordem estabelecida na medida em que a manutenção da
ordem simbólica contribui diretamente para manutenção da ordem política
(BOURDIEU, 1982, p. 69).

Com efeito, vislumbramos nesse processo a perspectiva teórica do habitus. “Por meio
deste conceito compreende-se também que o dominado aceita a dominação não
simplesmente por conformar-se com ela, mas por incorporar valores que realmente o fazem
acreditar na legitimidade da dominação” (MENDONÇA, 2012, p.22).
Assim, “A transformação social como trabalho de inculcação deve durar o bastante
para produzir uma formação durável; isto é, um habitus como produto da interiorização dos
princípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se após a cessação da Ação
Pedagógica e por isso de perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado
(BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 44).
Esse processo é categorizado pelos autores como “violência simbólica” uma vez que
ele não se dá sob a forma de coerção física, mas envolve consentimento e dominação. O
desdobramento do impacto teórico dessa perspectiva para o ambiente educativo gera
posições como a de Mendonça em que:

para estes autores, a escola é uma instituição fundamental na formação do


ser social, por trabalhar com a educação formal do indivíduo. Essa
instituição reforça um habitus em conformidade com a reprodução social e
torna-se eficiente, na medida em que dissimula as relações de dominação e
concede à ação pedagógica, pelo discurso da neutralidade, uma
legitimidade inquestionável. Dessa forma, a escola obscurece a realidade e
exclui o reconhecimento da sua força simbólica, concedendo uma
aparência natural aos seus procedimentos, discursos e práticas na
inculcação do arbitrário cultural (MENDONÇA, 2012, p.23).

Sem desconsiderar a validade teórica dessa perspectiva, nos posicionamos frente a


ela ao levarmos em conta com a noção de dialética, que a realidade por ser contraditória,
786
tem em seus elementos constitutivos, ao mesmo tempo, a identidade e distinção entre
conceito e realidade. Essa perspectiva abarca o referencial teórico gramsciano de Estado
Ampliado.

Ao aprofundar sua analise sobre essas relações de poder no Estado,


Gramsci aborda uma questão epistemológica que é fundamental à
compreensão de suas formulações sobre as especificidades da sociedade
civil e da sociedade política e dos vínculos que ambas mantêm entre si:
trata-se da distinção entre o conceito da realidade e a realidade em
movimento (in fiere). O autor se detém no exame das relações entre esses
dois termos mas, sobretudo, na diferença entre eles. Seu esforço teórico
para identificar os problemas que levaram a uma espécie de “indistinção”
entre esses termos, problemas com os quais ele estabelece um vivo debate,
pode ser entendido como parte de suas tentativas de fazer um “acerto de
contas” com as tendências idealistas e/ou positivistas que tinham
impregnado a concepção marxiana e lhe impossibilitavam captar
modificações que se processavam na esfera estatal. Queria, assim,
reconstruir as possibilidades teóricas e metodológicas de uma análise
dialética do Estado (SOARES, 2000, p. 55).

Assim, pensamos que a escola pode manter um ethos para além da reprodução.
Sendo espaço de reflexão ao levar em conta o conflito de classe como perspectiva política
ideológica. Como um local de debate e reflexão sobre a realidade com intenção de
transformar através da emancipação.

A razão e a razão de ser de uma instituição (ou de uma medida


administrativa) e dos seus efeitos sociais, não esta na “vontade” de um
indivíduo ou de um grupo, mas sim no campo de forças antagonistas ou
complementares no qual em função dos interesses associados às diferentes
posições e dos habitus dos seus ocupantes, se geram as “vontades” e no
qual se define e redefine continuamente na luta – e através da luta – a
realidade das instituições e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos
(BOURDIEU, 2007, p. 81).

Para isso fez-se necessário apontar como o cenário atual de estagnação vem se
estruturando para podermos desconstrui-lo.

A POLÊMICA EM TORNO DA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI Nº 3.459, DE 14/09/2000.


O início da controvérsia ocorreu quando o deputado Carlos Dias apresentou um
projeto de lei que foi aprovado regulando o ER com caráter confessional nas escolas
públicas, ao passo que, o deputado Carlos Minc apresentou um projeto de lei alternativo
787
(Projeto de Lei n. 1840) contrariando a confessionalidade no ER. O projeto de Carlos Dias
representa os setores tradicionais da Igreja Católica, enquanto o de Minc representa setores
progressistas de outros segmentos religiosos, incluindo o da própria Igreja Católica.

Os projetos dos dois deputados se contrapunham em vários aspectos, dois


dos quais vale a pena destacar: confessionalidade x interconfessionalidade.
Enquanto o primeiro pressupunha alunos separados por credos, o segundo
apontava para uma disciplina em que se apresentasse aos alunos as
diferentes tradições religiosas e fosse capaz de enfocar valores
humanitários comuns. A definição dos conteúdos curriculares e a formação
dos professores deveriam, na lei aprovada, ser realizadas pelas autoridades
religiosas de cada confissão. No projeto alternativo, esta tarefa deveria ser
assumida pelo Estado em parceria com instituições e especialistas que
pudessem enfocar a questão religiosa nas dimensões filosófica e
antropológica (CARVALHO, 2008, p.11).

A lei 3.459/00 foi aprovada durante o governo de Anthony Garotinho que no ano
anterior já havia instituído a Lei n. 3.280/1999. Esta última “uma lei que determinava a
obrigação de toda escola pública fluminense ter, na disciplina ensino religioso,
obrigatoriamente o ‘estudo dos livros da Bíblia’.” (ALMEIDA 2006, p.215). Num primeiro
momento pode parecer estranho que um governador evangélico possa ter aceitado um
projeto católico.
No entanto, devemos ficar atentos a alguns dados demográficos do Rio de Janeiro
que “mostram o Rio de Janeiro como o Estado com o maior contingente de adeptos das
denominações evangélicas" (CAVALIERE, 2006, p.11). Some-se a isso a regulamentação da lei
que oferece a palavra final sobre a qualificação do professor de ER seria a autoridade
religiosa e fica fácil compreender quão longe de um processo laico nos encontramos quando
pensamos estas questões.
No seu posicionamento, o Deputado Estadual Minc se utiliza largamente do
argumento laicização. Apesar disso, mesmo atendendo ao foco da laicização
compreendemos que esse argumento, embora tenha força persuasiva, não confere
legitimidade à Lei. Inconformado com a aprovação do texto da lei sobre o ER, Minc ajuizou
uma Representação por Inconstitucionalidade da Lei n. 3.459/00. Para tal, baseou-se em três
argumentos: (1) a violabilidade da lei pelo caráter confessional, (2) o estabelecimento de
que o contrato de servidor público fosse condicionado à determinação de autoridade

788
religiosa, (3) o caráter sectário do ensino do ER por ser atribuído por autoridades religiosas.
Em 08 de abril as proposições de Minc foram decididas. A primeira das proposições de Minc
não foi aceita tendo sido exposto pelo tribunal que confessionalidade:

[...] seria mera relação com “crença religiosa”, característica que estaria
presente em qualquer modelo de ensino religioso, ao passo que a própria
lei proibia o proselitismo religioso, entendido como “sentido de
recrutamento, com hostilidade por crenças ou adeptos de outras correntes
confessionais” (ALMEIDA, 2006, p.216).

Por fim, no entendimento do tribunal a proposta ecumênica de Minc também era


confessional. Pelo exposto, parece que, naquela época, a concepção de proselitismo não foi
entendida como tomamos como premissa nesta pesquisa, pois entendemos que
proselitismo é “hostilidade por crenças ou adeptos de outras correntes profissionais”
(Ibidem). Os dados apresentados na atual literatura apontam para uma intensificação desse
processo. Baseamos nosso posicionamento nos dados obtidos pela pesquisa de Cavalieri
(2006), realizada nas escolas públicas estaduais da baixada fluminense no Rio de Janeiro. De
acordo com a autora:

os 16 professores de ensino religioso entrevistados em nosso estudo


afirmaram ter vivenciado questionamentos de ordem doutrinária, vindos
de alunos. A grande maioria dos profissionais de nossa amostra, isto é, 85
deles, no conjunto de 96 profissionais formado de professores de ensino
religioso, de outras disciplinas e das equipes de direção, demonstrou
preocupação com a possibilidade de existirem conflitos religiosos nas
escolas. Ao invés de indicar o ensino religioso como espaço para a
ampliação da compreensão e da tolerância religiosa, a maioria dos
professores se mostrou preocupada com a possibilidade de ser ele um meio
para o acirramento das diferentes posições (CAVALIERE, 2006 p.11).

Esses dados apontam que o Estado do Rio Janeiro através da atual regulação do
ensino religioso de caráter proselitista nas escolas públicas está favorecendo a intolerância
ao possivelmente acirrar conflitos nas camadas populares. Acentuando, portanto, a divisão
de entre grupos sociais e reduzindo o exercício da Cidadania e da Educação Republicana.
Acreditamos que, da forma como se configura atualmente, ao manter o “verniz ideológico”
de uma posição reacionária que busca legitimar a ordem vigente, utiliza-se da escola como
mero aparelho de reprodução, potencializado pelo ER de caráter proselitista.

789
A atual legislação de ER no Estado do Rio de Janeiro vem contrariando o
posicionamento em que o ER está inserido atualmente. De acordo com esse debate mais
sofisticado, o ER vem sendo abordado numa perspectiva não proselitista que possibilita
avanços na questão da formação humana, uma vez que não haverá denominações religiosas
preteridas ou favorecidas.

Vale destacar que o estado do Rio de Janeiro foi o primeiro da federação a


criar uma lei definindo o Ensino Religioso nesse formato, evidenciando que
os interesses políticos estão acima dos coletivos. A discussão sobre a
privatização do espaço público deve levar em consideração também que,
além de ferir a laicidade do Estado, recursos financeiros – tradicionalmente
escassos – são deslocados para concursos, pagamento de salário de
professores, realização de fóruns, seminários, encontros para formação
continuada desses docentes e financiamento da infraestrutura necessária à
oferta da referida disciplina. Mas, a face mais perversa da associação entre
agentes públicos e instituições religiosas é a concessão que faz o Estado à
Igreja Católica, especialmente, e às Evangélicas para catequizar e
evangelizar os discentes das escolas públicas da rede estadual (FERNANDES,
2014, p.59).

Alguns dados obtidos nos estudos sobre o tema nos dão indícios de que no Estado do
Rio de Janeiro, a legislação vigente que regula o componente curricular aqui em destaque
manifesta uma (des)virtualização em relação à dimensão de formação humana presente na
atual produção acadêmica. Pode-se perceber que nos municípios fluminenses o ER mostra-
se como dispositivo de exclusão social79 (CAVALIERE, 2007), (MENDONÇA, 2012)
promovendo intolerância, impossibilitando o exercício do conceito de laicidade do Estado.

CONCLUSÃO
Podemos compreender as incoerências nas legislações no que concerne o ER,
levando-se em consideração alguns eventos relevantes ao tema: a assinatura da Concordata
Brasil-Vaticano, o credenciamento de professores pelas entidades religiosas e o caráter
confessional que essa disciplina tem assumido nas escolas do Rio de Janeiro ao “exigir do

79
As pesquisas realizadas no ano de 2004 por Ana Maria Cavalieri em 14 escolas da Baixada Fluminense
concluem que a forma como e o Ensino Religioso vem sendo praticado no modelo confessional adotado no Rio
de Janeiro promove a intolerância religiosa entre os alunos da rede básica; a dissertação de Amanda André
Mendonça defendida em 2012 apresenta como essa regulação de Ensino Religioso implica numa violência
simbólica às minorias religiosas.
790
professor formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida”. Essas
características destituem do Estado seu caráter de provedor de um ensino laico.
Isso tudo, apesar de todos os avanços conceituais que demandam uma nova
epistemologia que influencia a reorganização curricular dos conteúdos da disciplina.
Proposta esta que promove a reflexão acerca da importância em se considerar a escola
pública como um local de debate e reflexão sobre a realidade com a intencionalidade de
transformá-la através da emancipação.
O ensino religioso confessional transforma o Estado em seu aparelho de reprodução e
usando o campo religioso como um poder simbólico. Operacionalizado pelo habitus, busca
na religião a força legitimadora para reproduzir a dominação. Esta proposta analítica buscou
entender em que sentido pode haver uma incompatibilidade da Lei nº 3.459, de 14/09/2000
(ESTADO DO RIO DE JANEIRO), e o atual estágio das discussões sobre o Ensino religioso no
Brasil. Segundo esta lei, em seu artigo 1º., assegura-se o “respeito à diversidade cultural e
religiosa no Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo”. Apesar disso, o que
se pode perceber é que isso não ocorre atualmente no Estado do Rio de Janeiro, pois a atual
legislação do ER fluminense desqualifica a dimensão da formação humana deste campo de
ensino, servindo-se superficialmente do conceito de laicidade do Estado.
Para romper com essa lógica precisamos da escola, ela é o instrumento por
excelência para operar essa mudança tendo em vista seu caráter de formação massivo, mas,
para isso precisamos encarar uma luta inaudível, passando pela desconstrução das faltas de
continuidades nas políticas educacionais, na setorização do atendimento a política social, no
aligeiramento da formação de professores, no embuste da participação democrática
esvaziada de conteúdo, distanciada da realidade social de seus atores, e do poder simbólico
advindo do campo religioso dentro do espaço público.
E nessa escola o ER pode ser conforme prenunciamos um elemento não de alienação,
mas, de transformação ao elevar a categoria humana às coisas do espírito. Criar um espírito
do corpo para que os seres humanos não esqueçam que apesar de todo o avanço material e
progresso tecnológico, possamos alcançar os ideais de uma modernidade que mantenha a
realidade do mundo socialmente construído em que os homens existam em suas vidas
cotidianas, não como meros clientes, produtos ou mão de obra. Mas, que tragam para a

791
materialidade o improvável o utópico, para que isso possa povoar o espírito e tornar-se
concreto.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, F. P. L. de. Liberalismo Político, Constitucionalismo e Democracia: a questão
do ensino religioso nas escolas públicas. 2006. 316f. Dissertação (Mestrado). Programa de
Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília. Brasília. 2006.
BOURDIEU, P; PASSERON, J. C. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de
ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
_________; MICELI, S. (Org.). Economia das trocas simbólicas. 2.ed. São Paulo:
Perspectiva, 1982.
_________, P. O poder simbólico. 10ª ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988.
_____. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 20 dez. 1996.
CARVALHO, F. de A. O gênero editorial e a polêmica do Ensino Religioso. 2008. 217f.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Departamento
de Letras Clássicas e Vernáculas. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2008.
CAVALIERE, A. M. Quando o Estado pede socorro a religião. Revista Contemporânea de
Educação. v.1. nº.2. 2006. Disponível em:
<http://www.revistacontemporanea.fe.ufrj.br/index.php/contemporanea/article/view/20/1
4>, Acesso em 20 dez. 2014.
__________. O mal-estar do ensino religioso nas escolas públicas. Cadernos de Pesquisa.
2007, vol.37, n.131, pp. 303-332. Disponível em:
<www.scielo.br/pdf/cp/v37n131/a0537131.pdf> Acesso em: 20 dez. 2014.
FERNANDES, V. C. (As) simetria nos sistemas públicos de ensino fundamental em Duque
de Caxias (RJ): a religião no currículo. 2014. 238f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Rio de
Janeiro. 2014.

792
FUCHS, H. L. As políticas educacionais e o currículo a partir do ensino religioso. 2012.
82f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro
Universitário La Salle. Rio Grande do Sul. 2012.
MENDONÇA, A. A. Religião na escola: registros e polêmicas na rede estadual do Rio de
Janeiro. 2012. 125f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Educação, Programa de Pós Graduação em Educação, Rio de Janeiro. 2012.
OLIVEIRA, L.B. [et al.] Ensino Religioso: no ensino fundamental. São Paulo: Cortez, 2007.
RIO DE JANEIRO. Constituição (1989). Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Diário
Oficial [do] Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 6 de out. 1989. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/internet/interacao/constituicoes/constituicao_rj.pdf>.
_____. (Estado). Lei nº 3459, de 14 de setembro de 2000. Dispõe sobre ensino religioso
confessional nas escolas da rede pública de ensino do estado do rio de janeiro. Diário Oficial
do Estado, Rio de Janeiro, 14 set. 2000.
RANQUETAT JÚNIOR, C. A. Laicidade, laicismo e secularização: definindo e esclarecendo
conceitos. Revista Sociais e Humanas, Santa Maria, v. 21, n. 1, p. 67-75, jan./jun. 2008.
SOARES, R. A concepção Gramsciana do estado e o debate sobre a escola. Ijuí: Ed. Unijuí,
2000.

793
A GEOMETRIA E O DEFICIENTE VISUAL: UMA PROPOSTA DE INCLUSÃO UTILIZANDO
MATERIAIS CONCRETOS

Lívia Azelman de Faria Abreu


Instituto Federal Fluminense

RESUMO: Este texto tem por objetivo apresentar reflexões de pesquisa de mestrado que
visa compreender a relação existente entre o ensino de Geometria e o deficiente visual. Para
tanto, num primeiro momento, realizou-se uma breve análise dos tipos de deficiência visual
existentes, da história e importância da Geometria, além das leis que regem a Inclusão
Escolar no Brasil. Foi elaborada uma proposta de ensino de Geometria (Geometria Plana e
Introdução à Geometria Espacial) utilizando materiais concretos, como geoplano, chapas de
alumínio e figuras espaciais representadas por objetos do cotidiano. Aplicou-se,
inicialmente, a proposta no Educandário de Cegos São José Operário localizado na cidade de
Campos dos Goytacazes e logo após, numa escola da rede municipal de ensino também da
cidade de Campos dos Goytacazes, numa turma regular de ensino que continha alunos
videntes e alunos com deficiência visual. Por fim, apresenta-se uma pequena conclusão
acerca da vivência observada entre esses alunos e suas relações. Espera-se contribuir de
maneira significativa para reflexões a respeito do tema em questão.
Palavras-chaves: Deficiência visual. Geometria. Material concreto. Geoplano.

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA GEOMETRIA: VISUALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE


HABILIDADES
A Geometria é um ramo da matemática dotada de diversas aplicações no mundo
cotidiano e que possibilita maior compreensão, quando utilizada com potencial, devido sua
alta capacidade e possibilidade de visualização.
A palavra Geometria, derivada do grego geometrein, significa medição da terra (geo =
terra e metrein = medida).
Kaleff (1994) diz que:

A Geometria surgiu das necessidades dos habitantes que viviam às margens


dos rios Nilo, Eufrates e Ganges. Essas sociedades precisavam medir terras
devido às inundações desses rios e, também, pela necessidade de calcular
os impostos referentes a essas áreas. Foi da necessidade do Homem em
compreender e descrever o seu meio ambiente (físico e mental), que as
imagens, representadas através de desenhos, foram lentamente
conceitualizadas até adquirirem um significado matemático, na Geometria
e uma forma, nas Artes (KALEFF, 1994, p. 19).

794
Visto a importância histórica da Geometria e comparando com os dias atuais, pode-
se afirmar que ela é um instrumento que permite a percepção e a visualização do espaço. É
importante também para desenvolver habilidades em outras áreas do conhecimento. Possui
muitas aplicações no mundo real, além de levar o aluno a investigar, descrever e perceber
propriedades, pré-requisitos estes importantes no desenvolvimento da atitude científica e
na elaboração de uma linguagem escrita clara e sucinta, envolvendo vários conceitos
aprendidos.
A cada dia mais a Geometria tem sido fundamental no processo de ensino e
aprendizagem, auxiliando na organização do pensamento e raciocínio. Por meio da
visualização, o aluno interage e isso o leva ao exercício da reflexão.
Lorenzato (1995) afirma que:

Pesquisas psicológicas indicam que a aprendizagem geométrica é


necessária ao desenvolvimento da criança, pois inúmeras situações
escolares requerem percepção espacial, tanto em matemática (por
exemplo: algoritmos, medições, valor posicional, séries, sequências...) como
na leitura e escrita. Ela é uma das melhores oportunidades para aprender a
matematizar a realidade, já que as descobertas feitas pelos próprios olhos e
mãos são mais surpreendentes e convincentes (LORENZATO, nº 4, 1º
semestre de 1995).

Acerca dessa afirmativa de Lorenzato, pode-se refletir e inferir que a visualização


possibilitada pela Geometria não necessariamente se dará apenas pelo sentido da visão. Ao
afirmar que “as descobertas feitas pelos próprios olhos e mãos são mais surpreendentes e
convincentes”, faz-se importante e necessário tornar possível que todos os alunos, sejam
eles ditos “normais” ou com alguma deficiência, principalmente visual, consigam alcançar
essa visualização proporcionada pela Geometria. Portanto, é nesse sentido que este
trabalho busca refletir e apresentar uma proposta de ensino utilizando materiais concretos,
possibilitando assim que os alunos com deficiência visual possam, através do tato, tornar a
Geometria o mais visual possível.
Segundo Kaleff (2002), nos últimos anos, visando a motivar o aluno ao estudo das
formas e relacioná-lo com a realidade à nossa volta, têm sido desenvolvidos diversos
recursos didáticos, dos quais fazem parte alguns materiais concretos manipulativos, dentre
os quais se destacam jogos geométricos planos e espaciais, do tipo "quebra- cabeça", jogos

795
que utilizam espelhos, dobraduras de papel, redes gráficas, entre outros. Esses tipos de
jogos têm sido utilizados na sala de aula como motivadores para o estabelecimento de
situações que levam a criança a identificar, diferenciar, reconhecer e comparar formas;
comparar distâncias; visualizar figuras; observar movimentos realizados no plano, etc.
Portanto, essas situações possibilitam que a criança vivencie precocemente atividades
dinâmicas que valorizem a visualização, as características e as regularidades das formas.
No caso dos alunos que possuem alguma deficiência visual, a Geometria pode ser
uma grande aliada. Se o aluno for estimulado, com objetos concretos, por exemplo, durante
as aulas de Geometria, certamente ele conseguirá desenvolver-se também em outras áreas.
Segundo Sá (2004), quando um deficiente visual é levado desde criança a dispensar
sua atenção ao que percebe por meio de outros sentidos, o setor em sua mente responsável
pela visão será estimulado a se conectar com os demais setores, auxiliando-os a se
desenvolverem além dos padrões convencionais. Pode-se imaginar que o tato será o
primeiro da fila a receber apoio. No caso de um aluno deficiente visual, é muito importante
que ele receba uma atenção especial. Um cuidado a mais do profissional da educação; neste
caso, do professor de Matemática e/ou Geometria.
Como a Geometria é muito "visual", é imprescindível torná-la o mais palpável
possível. E fazendo isso, o professor contribui não só com o aluno com deficiência visual,
mas com todos os alunos de forma geral.

DEFICIÊNCIA VISUAL E INCLUSÃO: ALGUNS MEIOS FACILITADORES


Segundo o site do Instituto Benjamin Constant (www.ibc.gov.br), as possíveis causas
da deficiência visual são: congênitas (amaurose congênita de Leber, malformações oculares,
glaucoma congênito, catarata congênita) e adquiridas (traumas oculares, catarata,
degeneração senil de mácula, glaucoma, alterações relacionadas à hipertensão arterial ou
diabetes).
É de vital importância que pais e professores atentem para sinais que seus filhos e
alunos possam dar, indicando assim possíveis casos de deficiência visual, como por exemplo:
não seguimento visual de objetos; olhos vermelhos, inflamados ou lacrimejantes; pálpebras
inchadas ou com pus nas pestanas; esfregar os olhos com frequência; inclinação da cabeça

796
para a frente ou para trás, piscar os olhos para ver os objetos que estão longe ou perto;
entre outros.
É fundamental que a sociedade entenda que o ser humano pode ser um ser humano
deficiente, mas nunca a deficiência em forma de ser humano. É imprescindível que, um a
um, os obstáculos da rejeição familiar, as dificuldades de adaptação e integração social
dentro da sociedade, sejam, transformadas em alavancas (SÁ, 2004).
Não se pode nunca medir as capacidades de um indivíduo pela sua deficiência. Deve-
se compreendê-los como seres humanos sem um dos sentidos mas plenamente capazes de
se conectar e interagir com o mundo ao redor por meio dos sentidos restantes. Apesar disso,
não se pode negar que o progresso ora auxilia, ora dita novas regras. Com a informática, por
exemplo, displays touch-screens, imagens digitais de alta definição parece que quem vê
pode fazer quase tudo.
O aluno deficiente visual é aquele que difere da média, a tal ponto que irá necessitar
de professores especializados, adaptações curriculares e/ou materiais adicionais de ensino,
para ajudá-lo a atingir um nível de desenvolvimento proporcional às suas capacidades.
Em entrevistas realizadas a pessoas com deficiência visual, percebe-se que há muita
dificuldade nas aulas de Geometria para compreender a parte teórica e colocá-la em prática
pelo fato de, na maioria das vezes, não haver nenhum material concreto para analisarem.
Destaca-se a fala de um dos entrevistados: "Deveria ter mais ênfase no ensino para
pessoas com necessidades especiais. Porque se o professor der aula pra todos os alunos,
como se todos fossem cegos, todos aprenderiam da mesma forma. Agora, os professores
dão aulas exclusivamente para pessoas que enxergam... aí dificulta demais a aprendizagem
do aluno com necessidade especial" (Aluno A.C.C.).
Dessa forma, percebe-se a necessidade de uma educação inclusiva que vise, muito
além do que a simples inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais, uma
educação de qualidade. Faz-se necessária reflexão e atitude a fim de modificar as estruturas
que ainda são precárias no âmbito da inclusão:
De acordo com Bueno (1993), “dentro das atuais condições da educação brasileira,
não há como incluir crianças com necessidades educativas especiais no ensino regular sem
apoio especializado, que ofereça aos professores dessas classes, orientação e assistência”.

797
Assim a educação inclusiva possibilita ao educando um ensino por completo,
respeitando sempre suas necessidades e diferenças.
A capacitação de profissionais (Formação Continuada) é algo fundamental para que a
inclusão tenha cada vez mais força. Embora ainda seja algo que caminha a lentos passos,
sabe-se que a Inclusão Escolar vem ganhando força. Mas quando começou-se a falar em
Inclusão? Quais são as leis que a regem?
Segundo Santos e Rodrigues (2011),

No Brasil, as primeiras constituições, a de 1824 e 1891 não tratavam da


educação com a devida atenção que ela merece e não a qualificavam como
um direito. A Constituição de 1924 apresentou-se em oito Títulos, dez
Capítulos e 18 Seções. Pela primeira vez a educação ganhou Título separado
da Família, no qual fixaram normas gerais, como o a da obrigatoriedade e
gratuidade do ensino primário e igualdade de todos, e ainda caracterizaram
e educação como direito social. Em 1961, surgiu a primeira Lei de Diretrizes
e Bases da Educação brasileira, a Lei 4.024/61. A educação era vista como a
forma de preparar o indivíduo para o bem a sociedade e que só o Estado
deve educar.

Em 20 de dezembro de 1996 foram estabelecidas, pelo então Presidente Fernando


Henrique Cardoso, as diretrizes e bases da educação nacional com a Lei Nº 9394 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº9.394/96 (Brasil,1996)), cujo Capítulo III,
art. 4º, inciso III, diz que é dever do Estado garantir o “atendimento educacional
especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na
rede regular de ensino”. Inclusive, o capítulo 5 da LDB 9.394/96 trata somente de aspectos
referentes à Educação Especial. Entre os pontos especificados, o art. 58. § 1º diz que, sempre
que for necessário, haverá serviços de apoio especializado para atender às necessidades
peculiares de cada aluno portador de necessidades especiais.
Existe também um documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação
Especial, em Salamanca, na Espanha, em 1994, com o objetivo de fornecer diretrizes básicas
para a formulação e reforma de políticas e sistemas educacionais de acordo com o
movimento de inclusão social. A Declaração de Salamanca é considerada um dos principais
documentos mundiais que visam a inclusão social. Ela é o resultado de uma tendência
mundial que consolidou a educação inclusiva.

798
A educação inclusiva no Brasil ainda está em seu estado inicial, e sabemos que apoio
e investimento são necessários. Todavia, esperamos que o contínuo aprimoramento de
projetos, tanto na formação de professores, como, principalmente na formação continuada
dos mesmos, com o tempo sane ou pelo menos diminua os pontos decadentes do
atendimento aos educandos com necessidades especiais.
Com relação a instrumentos e formas facilitadoras para o ensino dos alunos com
deficiência visual destaca-se o Sistema Braille, que é um processo de escrita e leitura
baseado em 63 símbolos em relevo, resultantes da combinação de até seis pontos (também
disponível com combinação de até oito pontos), dispostos em duas colunas de três pontos à
direita e três à esquerda de uma cela básica denominada cela braille. Pode-se fazer a
representação tanto de letras, como algarismos e sinais de pontuação (Figura 1). A leitura é
feita da esquerda para a direita, ao toque de uma ou duas mãos ao mesmo tempo.

Figura 1: Ordem Braille

A escrita braille é realizada por meio de uma reglete e punção (Figura 2) ou de uma
máquina de escrever braille. A reglete é uma régua de madeira, metal ou plástico com um
conjunto de celas braille dispostas em linhas horizontais sobre uma base plana. O punção é
um instrumento em madeira ou plástico no formato de pera ou anatômico, com ponta
metálica, utilizado para a perfuração dos pontos na cela braille. O movimento de perfuração
deve ser realizado da direita para a esquerda para produzir a escrita em relevo de forma não
espelhada. Já a leitura é realizada da esquerda para a direita. Esse processo de escrita tem a
799
desvantagem de ser lento devido à perfuração de cada ponto, exige boa coordenação
motora e dificulta a correção de erros.

Figura 2: Reglete e punção

Existe uma máquina, já antiga no mercado e com um alto custo, chamada Duplicador
Braille Ez-Form, também conhecida como Thermoform (Figura 3). É uma espécie de
copiadora para material adaptado. O Thermoform produz as matrizes empregando calor e
vácuo para produzir relevo em películas de PVC.

Figura 3: Duplicador Braille Ez-Form

Existem, ainda, outras ferramentas que possibilitam a produção de livros em formato


digital, em áudio e em braille. É o caso, por exemplo, de scanner, de programas de
reconhecimento óptico de caracteres para a digitalização de textos e programas que
permitem converter o texto digitalizado em arquivo de áudio.
Uma novidade tecnológica, que vem conquistando mais espaço a cada dia são as
impressoras 3D (Figura 4). Considera-se que as impressões em 3D deixarão de ser apenas
casuais. A relação custo/benefício mostra-se muito favorável a adotar cada vez mais esta
ferramenta como facilitadora de aprendizagem.
Com uma impressora 3D, pode-se facilmente construir objetos em 3D que facilitam o
aprendizado não só do aluno com deficiência visual, mas também de todos os outros. O
material é produzido, na grande maioria das impressoras, com plástico ABS (Acrilonitrila

800
Butadieno Estireno) ou PLA (Ácido Poliático). O material possui baixo custo e é altamente
durável.

Figura 4: impressora 3D e sólidos impressos

Ao decidir-se por desenvolver um trabalho envolvendo Geometria e alunos com


deficiência visual, algumas perguntas podem surgir: Como ensinar Geometria de forma a
proporcionar aos alunos cegos ou de baixa visão, a percepção e o poder de interpretação
das imagens geométricas? Quais seriam os procedimentos adequados para alcançarmos
resultados satisfatórios?
Para este projeto de pesquisa de mestrado, a questão norteadora foi a seguinte:
Quais são as possíveis contribuições de uma proposta de ensino envolvendo o uso de
materiais concretos para a aprendizagem de conceitos geométricos por alunos normovisuais
e com deficiência visual?
Para tanto, nos propusemos a investigar o potencial de algumas atividades
envolvendo conceitos de Geometria (Plana e Espacial) para alunos que não enxergam e
também para uma turma regular mista de alunos videntes e não videntes. Nesse sentido,
construímos, desenvolvemos e analisamos atividades nas quais o uso de materiais concretos
ocupou papel central e a expressão oral e escrita por parte dos alunos foi estimulada
constantemente.

UMA PROPOSTA DE ENSINO UTILIZANDO MATERIAIS CONCRETOS


A proposta de ensino se caracteriza pela exploração do ambiente físico e social dos
alunos participantes do estudo bem como na utilização de materiais concretos e objetos do
cotidiano. Procurou-se desenvolver conceitos formais em Geometria a partir das
experiências vivenciadas pelos alunos durante as atividades propostas.
801
A aplicação do trabalho aconteceu em dois momentos: primeiramente no
Educandário de Cegos São José Operário localizado no município de Campos dos Goytacazes
com alunos cegos e com baixa visão e num segundo momento, numa classe regular de
alunos do 7º ano do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Municipal de Ensino
também de Campos dos Goytacazes. A primeira parte do projeto, ocorrida no Educandário
de Cegos São José Operário, funcionou como um laboratório para a aplicação do mesmo
projeto numa escola regular de ensino. Pode-se, no Educandário, vivenciar mais a fundo a
realidade desses alunos que não enxergam, descobrir quais suas necessidades e quais
metodologias funcionam melhor e assim, ao levar o projeto para a escola regular pudemos
aplicar todas as metodologias que já haviam funcionado com o grupo anterior, o que
facilitou o alcance dos objetivos propostos.
Em resumo, aplicou-se uma proposta de ensino envolvendo temas básicos da
Geometria Plana como ponto, reta, plano, polígonos, ângulos e uma introdução à Geometria
Espacial, utilizando objetos do dia a dia e sólidos feitos de polipropileno e impressos em uma
impressora 3D.
No Educandário São José Operário, iniciou-se a aula de Geometria oralmente com
uma conversa informal. Já falando sobre as formas geométricas, foi dito para eles que
muitos objetos que constituem formas reais, como forno de micro-ondas, bolas, notebooks,
garrafas, entre outros possuem idealizações na Geometria.
A seguir, apresenta-se imagem dos alunos do Educandário realizando atividades que
envolvem os temas iniciais da Geometria: ponto, reta, plano, segmentos de reta e polígonos
(Figura 5). Para essas atividades, foram utilizados materiais como: lã, EVA, lixa de madeira,
barbante, etc

Figura 5: Alunos realizando atividades iniciais de Geometria

802
Já no segundo laboratório realizado no Educandário, foi apresentado aos alunos
conceitos de ângulos. A aula foi iniciada com uma pequena recordação da aula anterior que
falou, como já relatado anteriormente, sobre a ideia intuitiva de ponto, reta, plano,
segmentos de reta e polígonos. Logo em seguida, foi perguntado aos alunos se sabiam o que
era um ângulo e para que eles servem. Um aluno que estava sentado no fundo da sala disse
que ângulos serviam para medir. E aí foi iniciada uma conversa em que o objetivo era
estimular a fala e a participação de todos. Para a realização das atividades envolvendo o
conceito de ângulo, foram utilizadas chapas de alumínio cujas aberturas representam
ângulos. Segue imagem de alunos manipulando as chapas de alumínio (Figura 6).

Figura 6: Alunos manipulando as chapas de alumínio


Como o Educandário recebe apenas alunos com baixa visão ou com deficiência visual,
optou-se por aplicar uma proposta semelhante numa escola que contivesse, numa mesma
classe, alunos normovisuais e alunos com deficiência visual. Após pesquisa e visitas a
algumas escolas, escolheu-se uma da rede municipal da cidade de Campos dos Goytacazes
que continha 17 alunos, dentre eles, 2 alunas sem acuidade visual. Todo o material foi
preparado utilizando três linguagens: alfabeto latino (para os videntes), impresso em Braille
(para uma das alunas não videntes) e no formato .txt num pen drive (para a outra aluna não
vidente), de forma a alcançar a todos respeitando cada necessidade.
A seguir, apresenta-se imagem dos alunos trabalhando com o Geoplano e figuras
geométricas feitas com material EVA para resolução de atividades envolvendo Geometria
Plana (Figura 7).

803
Figura 7: Alunos realizando atividades de Geometria Plana

Acrescentou-se, nesta aula, o tema: Introdução a Geometria Espacial. Para a


resolução das atividades envolvendo este tema, os alunos foram divididos em grupos e
utilizaram objetos do cotidiano e sólidos feitos com uma impressora 3D (Figura 8):

Figura 8: Alunos resolvendo atividades de


Geometria Espacial

É interessante registrar que o fato de termos colocado as alunas com deficiência


visual em grupos diferentes proporcionou uma excelente interação dos colegas com elas. No
momento da leitura da apostila, as alunas que estavam no mesmo grupo da aluna que utiliza
o método Braille para leitura e escrita ficaram encantadas de ver e entender como ela fazia
para ler e escrever com a reglete e o punção. Considera-se ser necessário estimular essa
interação visando melhores resultados no processo de ensino e aprendizagem. É preciso
proporcionar o aluno cego oportunidades de se tornar participativo e autônomo. A partir do
momento que ele se vê capaz de interagir, ajudar os outros ou entender que tem
possibilidades acreditará em si próprio (KRIK, ZYCH, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o processo de pesquisa, pode-se perceber que esta área ainda necessita de
muito investimento e incentivo. Os professores não se sentem totalmente capacitados para

804
atuar com alunos com deficiência visual e os próprios alunos dizem não conseguir aprender
tudo que o professor deseja ensinar, devido a dificuldade de visualização.
Em contrapartida, observou-se ser uma área, embora ainda carente de materiais e
adaptações necessárias, possibilitadora de um retorno indescritível. Trabalhar com alunos
com deficiência visual permite-nos enxergar além. Permite-nos sentir que o processo de
ensino e aprendizagem é literalmente uma troca, no qual cada um está ali por inteiro,
doando-se uns aos outros por um bem maior. Os laboratórios realizados no Educandário de
Cegos São José Operário foram de extrema importância e crescimento profissional, pois,
além de ter proporcionado o meu primeiro contato com alunos com deficiência visual, foi o
que gerou e possibilitou maior desejo de continuar adentrando esta área de ensino que
utiliza a fala e o uso de materiais concretos. Muitas concepções que pareciam inabaláveis,
foram, com esse projeto se transformando e dando vez a novos pensamentos e opiniões. O
contato dinâmico com os alunos com deficiência visual permitiu a percepção da pluralidade
de trajetórias e maneiras de viver, mas, sobretudo de um desejo unânime de aprender e
revelar suas potencialidades.

REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 09 de junho de 2014.
BUENO, J.G.S. Educação especial brasileira: integração /segregação do aluno diferente.
São Paulo: EDUC/PUCSP, 1993.
KALEFF, A. M. M. R. Tomando o ensino da Geometria em nossas mãos... Educação
Matemática em Revista, n° 2, pp. 19-25. Blumenau: SBEM, 1994.
KALEFF, A. M. M. R.. Quebra-cabeças geométricos e formas planas. 3. ed. Rio de Janeiro:
EDUFF, 2002.
KRIK, L.; ZYCH, A. C. Alfabetização do Educando Cego: Um estudo de caso. IX Congresso
Nacional de Educação e III Encontro Sul Brasileiro de Psicopedagogia. PUCPR, 2009.
LORENZATO, S. Por que não ensinar geometria? Educação Matemática em Revista. São
Paulo: Sociedade Brasileira de Educação Matemática. n. 4, p. 3-13, 1995.

805
SÁ, S. Feche os olhos para ver melhor: Os limites dos sentidos e os sentidos dos limites.
São Paulo: Sá Editora, 2004.
SANTOS, M. J. O.;RODRIGUES, M.M. A LDB e a inclusão educacional no Brasil, 2011.
Disponível em <http://www.webartigos.com/artigos/a-ldb-e-a-inclusao-educacional-no-
brasil/79477/#ixzz3M3cXF9XP>. Acesso em 09 de junho de 2014.

806
A EDUCAÇÃO COMO PROCESSO DE FORMAÇÃO VIRTUOSA DO CIDADÃO EM ARISTÓTELES

Lenilson Alves dos Santos


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Carolina Fragoso Gonçalves


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Carlos Eduardo M. Pires


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A educação, sem dúvida nenhuma, é um tema de grande importância para a vida
humana. Ela está relacionada com a necessidade de construção do ser humano e do mundo
que o cerca. Assim, é por causa da singular importância da educação para o
desenvolvimento humano, que se pensa ser relevante uma investigação acerca da natureza
do processo educativo. Contudo, apesar de ser objeto de pesquisa de inúmeros estudiosos, a
temática não se esgota em nenhuma vertente. Por isso, pretende-se investigar a natureza
do processo educativo desenvolvido por Aristóteles e apresentar, em linhas gerais, os
princípios de uma educação comprometida com a eudaimonia humana.
Palavras-chave: Ética. Natureza. Indivíduo. Virtudes e educação.

INTRODUÇÃO
Aristóteles nasceu em Estagira, na Calcídia, no ano de 384 a.C., foi professor e
fundador de uma escola, Liceu. Sua teoria sobre a educação chegou-nos de maneira
fragmentada e esparsa. Para compreender um pouco mais sobre sua pedagogia é
fundamental que se investigue duas obras escritas por ele: a Ética a Nicômaco e A Política.
Nestas duas obras encontrar-se-á os princípios norteadores da formação segundo
Aristóteles. De maneira geral, pode-se dizer que o que é apresentado na Ética a Nicômaco
nos possibilitará falar dos princípios pedagógicos para a virtude e, na Política, poder-se-á
encontrar as bases para um processo educativo de inserção do indivíduo na Pólis
(comunidade política). Desse modo, a investigação acerca do processo educativo, segundo
Aristóteles terá como objeto de análise essas duas obras.
O processo educativo, de acordo com Aristóteles, é desenvolvido a partir das
seguintes questões: de que maneira poderá o homem tornar-se virtuoso, contribuindo para
a vida política de sua cidade? Como o homem poderá realizar a sua própria eudaimonia na
Pólis? Pode-se antecipar que Aristóteles, inserido na sua realidade, observou o

807
comportamento de pessoas e grupos para desenvolver aquilo que seria, para ele, o melhor
modelo educacional, isto é, um modelo humanitário que conduziria o indivíduo à
eudaimonia na Pólis. Neste modelo, a eudaimonia só pode ser atingida numa Pólis formada
por indivíduos virtuosos. O seu modelo educacional não se destina apenas aos indivíduos,
mas também a Pólis. O objetivo de Aristóteles ao relacionar ética, política e educação foi
desenvolver princípios gerais norteadores da ação humana, a fim de que o homem pudesse
agir sempre em conformidade com o que é bom para si e para a Pólis. Estes princípios são
oriundos de uma investigação acerca do melhor modelo de vida e do como realizá-lo.
Segundo Aristóteles, a educação deve formar o homem em todas as suas dimensões
para uma vida virtuosa e feliz no seio da Pólis. Contudo, esta educação não pode ser um
projeto pessoal, ela deve ser uma ação desenvolvida por um projeto político comprometido
com o melhor modelo de vida. Portanto, a educação não pode ser um processo que não vise
a um télos (fim) nobre, em outras palavras, a educação não pode deixar de considerar o para
quê educar para poder saber como educar. Assim, a teleologia será algo indispensável para a
elaboração de um projeto político educacional. Esta preocupação com a teleologia da
educação, presente no pensamento de Aristóteles, parece colidir com os projetos
educacionais que estão mais preocupados com os meios, com a técnica, do que
propriamente com o télos.
Aristóteles foi lido por vários historiadores da educação como alguém que deu uma
contribuição pouco original a essa área, se comparado a Platão e Isócrates, contemporâneos
seus que retomaram a herança sofista e a modificaram80. Compartilham dessa ideia autores
como Werner Jeger e Henri Marrou. Outros expositores do seu pensamento, tais como
Höffe, Düring, Guariglia, não dedicam nenhum espaço à sua concepção de educação.
Contudo, seguindo o pensamento de outros autores que também são expositores do
pensamento aristotélico, tais como Lombard, Cenci, Hourdakis, Lopes, investigar-se-á o
pensamento educacional de Aristóteles como um pensamento que tem muito a dizer sobre
a educação. Apesar dos Livros VII e VIII da Política serem os únicos escritos substancias de
Aristóteles sobre a educação, são Livros que revelam não apenas uma reflexão do que já foi
dito, sobretudo por Platão nas Leis. Embora estes livros tenham sido escritos na primeira

80
Cf. CENCI, Vitório A. Aristóteles e a educação. Belo Horizonte, Autentica Editora, 2012, p. 27.
808
fase do pensamento aristotélico, fase platonisiante, eles contêm um método investigativo
próprio de Aristóteles e sua conclusão é absolutamente original.
Aristóteles não era um mero pesquisador. Sua trajetória com mestre no Liceu fez
dele um experiente pedagogo e isso fica evidente em todo o seu sistema filosófico, de modo
que, pode-se dizer que o interesse de Aristóteles pela educação não se limita aos Livros VII e
VIII da Política. Em todo o sistema filosófico de Aristóteles perpassa uma preocupação com a
educação. Nas chamadas ciências práticas – Ética e Política – a ideia de uma práxis educativa
para formar o homem de forma virtuosa para o bem viver é absolutamente clara. Por isso,
Ética, Política e Educação estão amalgamadas em Aristóteles.
Na Metafísica, Aristóteles afirmou que “o sinal que distingue o sábio do ignorante é a
capacidade de ensinar”81. O sábio é, portanto, aquele que é capaz de apreender e de
ensinar. Aristóteles não fora considerado “mestre dos que sabem” meramente por causa da
sua sabedoria apreendida, mas por causa da sua sabedoria ensinada. Logo, ele é mestre
porque tem o que ensinar.

FORMAÇÃO VIRTUOSA DO CIDADÃO


O pensamento de Aristóteles sobre a educação, nos Livros VII e VIII da Política, foi
resultado de um diagnóstico feito por ele de Atenas num momento de crise. Atenas, na
época de Aristóteles, estava mergulhada em uma crise de valores. Esta crise estava
vinculada a outra crise, a educacional. Atenas desde o séc. V a.C. foi cenário de grandes
transformações no que tange a educação. Nela, segundo Marrou, a cultura e a educação
tornaram-se primacialmente civis82. Nesse sentido, Atenas se distingue de Esparta, uma vez
que esta continua sendo uma cidade-estado iminentemente militar, aristocrática e semi-
iletrada83. Em Esparta os jovens recebiam uma educação precisamente militar, aprendiam o
ofício das armas. Já em Atenas ocorreu o abandono da educação militar e surgiu uma
educação mais voltada para o cívico.
Além do mais, a educação ateniense passou a ser algo público e regida por uma
legislação. A Pólis começou a se interessar pela educação e fez surgir as escolas. Por tudo

81
Met. I, 1, 981b.
82
MARROU, Henri Irénée. História da Educação na Antiguidade. São Paulo, EPU, 1990, p. 67.
83
Cf. MARROU, opcit, p. 33.
809
isso, a pedagogia ateniense tornou-se modelo e inspiração para toda a Grécia. O ideal da
educação ateniense tornou-se okalokagathía84 (Καλοκἀϒαϑία).
Aristóteles chegou a Atenas em 367a.C. para ingressar como estudante, na Academia
de Platão. Ele observou uma degeneração do sistema educacional de Atenas, pois esta havia
sofrido uma transformação no seu ideal, o ideal de formar o homem para a beleza do corpo
e para o bem nas ações cedeu lugar ao lucro. Para Cenci, “o espírito de lucro, presente em
Atenas nesse contexto, importava mais que o sentido cívico, o que revela uma crise de
valores estreitamente ligada a uma crise educativa”85. Esse espírito foi plantado na cultura
ateniense pelos sofistas.
Os sofistas chegam a Atenas no momento de seu apogeu. São estrangeiros que
recusam a ideia de enraizamento: “não são de lugar nenhum e vão a toda a parte, entre os
outros, dando mais valor à circulação e à troca que à autoctonia e à autarquia86. Atenas era
uma cidade perfeita para os sofistas, era rica, hospitaleira, dada às novidades; a ágora era o
ambiente apropriado para a retórica dos sofistas. A sophia é para eles uma technê profana e
útil, por isso deveria ser vendida como mercadoria.
Naturalmente, os sofistas provocaram em Atenas uma crise de valores, pois o lucro e
o útil eram mais importantes que as virtudes. Aristóteles, ao observar essa crise, constatara
que ela era conseqüência de uma crise educacional, uma vez que ela ocorreu graças ao
desinteresse da Pólis pela educação. Não havendo uma educação organizada pela Pólis, ela
começou a ser uma espécie de educação doméstica, onde os pais educavam seus filhos de
acordo com interesses utilitaristas87. Seguindo a construção do pensamento educacional de
Aristóteles, pode-se dizer, como Cenci, que a escola, quando desvinculada das finalidades da
cidade e de seus ideais comuns, não sabe mais o que e nem como ensinar 88. Assim, a crise de
Atenas é uma crise educativa, pois havia nela uma educação voltada para os interesses
privados.
Aristóteles desenvolveu um projeto político educacional que visava a apresentar os
princípios básicos para uma educação comprometida com o télos da Pólis e do próprio

84
Ideal de beleza e bondade.
85
CENCI. op cit. p. 29.
86
VERGNIÈRE.op cit. p. 24.
87
Cf. CENCI, op cit. p. 29.
88
Ibidem.
810
homem. Antecipando, pode-se dizer que, neste projeto, ele chama a responsabilidade pela
educação para o legislador. Neste projeto, a negligência na educação é apresentada como
uma ruína para a própria cidade, assim “a negligência das cidades a este respeito é nociva
aos respectivos governos”89. Contudo, a preocupação de Aristóteles fora de formar o
cidadão para viver bem dentro da Pólis. Embora, esta empreitada exigisse, em primeiro
lugar, o empenho da Pólis, ela não deixou de evocar a família para participar dela. Deste
modo, seguindo a concepção da precedência da Pólis em relação às outras espécies de
associações, Aristóteles propusera que fosse de dever da Pólis determinar o que e como se
deve ensinar em harmonia com a família.
No início do séc V a.C., em Atenas, surgiu um grande debate acerca da possibilidade
ou não do ensino das virtudes. Figuravam neste debate os sofistas e, mais tarde, Sócrates e
Platão também se debruçaram sobre esta questão. Aristóteles, quando ainda era discípulo
de Platão, certamente, ouviu as lições do seu mestre sobre o assunto. Quando ele fundou o
Liceu e começou sua reflexão na condição de pesquisador e mestre, trouxe mais uma vez a
questão da possibilidade ou não de ensinar as virtudes para o âmbito da reflexão.
Na Ética a Nicômaco, há um tratado sobre a virtude que constitui o Livro II desta
obra. Na Política, há várias passagens sobre a importância das virtudes para a efetivação da
eudaimonia tanto no âmbito individual como coletivo. Embora a Ética a Eudemo e a Magna
Ética também tratem das virtudes, concentrar-se-á a reflexão na Ética a Nicômaco e na
Política.
A cultura grega revela uma espécie de entendimento geral sobre a possibilidade ou
não do ensino das virtudes. Esta cultura é testemunha da afirmação positiva acerca da
possibilidade do ensino das virtudes, pois, nas diversas formas de manifestações dessa
cultura, fica claro que os gregos aprendiam as virtudes por meio delas, assim os gregos
aprendiam virtudes com as leis, o teatro, as poesias, as epopeias, e também com a filosofia.
Para Perine, os gregos aprendiam mais do que conteúdos nestas manifestações, pois, por
estes instrumentos pedagógicos, aprendiam um modo de ser humano, em outras palavras,
aprendiam virtudes que governariam as suas relações interpessoais e, também, virtudes que

89
Pol 1333 a.
811
possibilitariam um modo próprio de vida fundado e articulado com um télos propriamente
humano.

Com efeito, o que é que os gregos aprendiam quando se defrontavam com


a experiência depositada nas leis, ou quando eram conduzidos, desde de
pequenos, a espelhar-se nas condutas dos heróis recolhidas na poesia, no
teatro, na prática retórica dos discursos e no exercício da filosofia?
Aprendiam, acima de tudo, um determinado modo de ser humano no
interior de uma comunidade que se reconhecia naquelas leis proclamadas,
naqueles modelos exaltados, naquelas situações apresentadas, naqueles
discursos arrebatadores e naquelas argumentações demonstrativas. Numa
palavra, aprendiam um ethos90.

Desde pequenos, os gregos aprendiam virtudes que os capacitavam para as diversas


situações da vida; virtudes que patrocinavam um tipo de vida baseado na moderação, no
equilíbrio e na reflexão.
Para Aristóteles, as virtudes preparam os homens para os desafios da vida, pois os
homens são os únicos animais que se deparam com desafios que exigem mais do que uma
ação, mais do que uma escolha, em outras palavras, só os homens deparam-se com desafios
que exigem uma postura ética, uma vez que só eles podem transcender o simples agir, o
simples viver; só eles podem chegar ao que é nobilitante. Um animal irracional também se
depara com desafios, perigos, entretanto, para eles os desafios não exigem atitude ética,
uma vez que eles, na ausência da capacidade reflexiva, não podem agir em função de algo
nobilitante, mas apenas agem em função do que é prazeroso.
Contudo, somente o homem de caráter firme pode chegar ao que é nobilitante, “pois
não é o lobo ou qualquer outra fera que enfrenta perigos nobilitantes, e sim um homem de
caráter”91. Este homem não nasce pronto, ele carece ser construído e a educação será esta
arte que constrói esse homem de caráter, preparando-o para vencer moralmente as
peripécias da vida comum.
O grande pensador MacIntyre também considerou que as virtudes são necessárias a
uma vida que se desenvolve em meio a desafios, que deve progredir nas boas escolhas, de
outro modo, a uma vida que visa à eudaimonia.

90
PERINE, M. Quatro Lições sobre a ética de Aristóteles. São Paulo, Edições Loyola, 2006, p. 105.
91
Pol 1338
812
[...] adotar uma postura acerca das virtudes será adotar uma postura acerca
do caráter narrativo da vida humana. [...] se a vida humana é compreendida
como progresso através de males e riscos, morais e físicos, com os quais o
indivíduo pode deparar-se e superá-los, de maneiras melhores ou piores e
com maior ou menor grau de êxito, as virtudes encontraram seu lugar com
as qualidades cuja posse e exercício costumam levar ao êxito nessa
empreitada, e os vícios, da mesma forma, comas qualidades que tendem ao
fracasso92.

Para Aristóteles, as qualidades morais que possibilitam o maior grau de êxito na vida
humana não são inatas no homem, mas são acrescidas à natureza dele pelo processo
educativo. A natureza estaria, desse modo, sendo compreendida como um feixe de
potencialidades que devem ser orientadas pela educação, a fim de que se atualize em
virtudes. A educação, portanto, possui a tarefa de desenvolver estas capacidades e a forma
de fazer isto é harmonizar três capacidades no homem, a natureza, o hábito e a razão. Estas
três capacidades devem ser harmonizadas para que o homem tenha a posse das qualidades
morais, isto porque, as qualidades morais se relacionam, vitalmente, com estas três
capacidades. Assim, para Aristóteles, três coisas fazem os homens bons e dotados de
qualidades morais, a natureza, o hábito e a razão.
Três coisas fazem os homens bons dotados de qualidades morais, e as três são: a
natureza, o hábito e a razão. Primeiro a natureza deve fazer nascer um homem, e não um
animal qualquer; depois o homem deve nascer com determinadas qualidades de corpo e
alma; não há utilidade alguma em nascer com certas qualidades, pois os hábitos podem
levar a alterá-las (algumas qualidades são, naturalmente, sujeitas a serem modificadas pelos
hábitos para pior ou melhor). Os outros animais vivem, de modo geral, levados pela
natureza, embora em pequena proporção, alguns sejam guiados também pelos hábitos; o
homem, todavia, usa também a razão para viver, por ser o único dotado de razão; logo, nele
estas três coisas devem harmonizar-se entre si, pois muitas vezes os homens agem,
contrariamente, aos seus hábitos e à natureza por causa da razão, se convencem de que é
melhor conduzir-se de certa maneira. Já definidas as qualidades que os homens devem ter
por natureza, para serem mais facilmente guiados pelas mãos do legislador; o restante é

92
MACINTYRE, A. Depois das virtudes. Tradução de Jussara Simões, São Paulo, EDUSC, 2001, p. 246.
813
obra da educação, pois os homens aprendem algumas coisas pelo hábito e outras por ouvi-
las dos mestres93.
Depreende-se da afirmação da supra cit que a natureza não oferta qualidades morais,
mas que é predisposta para recebê-las, por meio do processo educativo, e embora ela seja
de suma importância para as qualidades morais, pois um homem não dotado naturalmente
de predisposições não poderá apreender as virtudes, ela não determina se os homens serão
ou não virtuosos. Contudo, a natureza é passível de ser melhorada, pois há lacunas nela e,
para Aristóteles, a educação pode preencher estas lacunas94. Como só o homem é capaz de
ser instruído, só ele é capaz de melhorar sua natureza. Logo, “nem por natureza nem
contrariamente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá
capacidade de recebê-la, e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito”95.
Visto que a posse das qualidades morais não se deve à natureza, mas não acontece
sem ela, resta então que o hábito e a razão engendram na natureza humana as qualidades
morais. Dessa maneira, as virtudes são aprendidas tanto pelo hábito quanto pela razão. Ao
chegar a esta compreensão, Aristóteles se viu diante da necessidade de examinar qual das
duas capacidades humanas tem primazia no processo educativo. Na verdade, ele quer saber
“se é pela razão ou pelo hábito que se deve iniciar a educação”96.
Aristóteles fora buscar na psicologia um princípio ordenante entre alma e corpo,
entre alma racional e alma apetitiva, para poder dizer se é o hábito ou a razão que deve ter a
primazia no processo educativo. No que tange o composto corpo-alma a primazia, a juízo de
Aristóteles, está no corpo, “pois o corpo é anterior à alma, no processo da geração”97. O
corpo e a alma formam duas partes distintas. Ela, a alma, teria duas partes, uma racional e
outra irracional. Na parte irracional também há uma subdivisão, pois ela é composta por
uma parte totalmente isenta de razão, a parte vegetativa - comum a todos os seres vivos – e
a apetitiva que é capaz de ouvir a razão e de obedecê-la.

Consequentemente, o elemento irracional parece ser dúplice. O elemento


vegetativo, todavia, não participa de forma alguma da razão, mas o

93
Cf. Pol 1332 a.
94
Cf. Pol 1337 a.
95
EN 1102 b.
96
Pol 1334 b.
97
Ibidem.
814
elemento apetitivo e em geral o elemento concupiscente participam da
mesma em certo sentido, até o ponto em que a ouvem e lhe obedecem; é
nesse sentido que falamos na “racionalidade” de um pai ou de amigo, em
contraste com a “racionalidade” matemática98.

Na Política, Aristóteles dissera que a “alma apetitiva é anterior a alma racional”99 e


isto está em sintonia com a primazia do corpo em relação a alma no processo de geração,
uma vez que, a primeira capacidade humana é o desejo e ele atua diretamente no corpo e o
corpo sendo anterior a alma, conclui-se que o elemento irracional também seria anterior à
razão. Todavia, essa anterioridade ou primazia não significa grau de importância, mas ordem
de geração. Portanto, a educação deve começar por aquilo que vem primeiro, ou seja, a
educação deve começar pela percepção, em outras palavras, pelos desejos, apetites e pelas
emoções. Não podemos esquecer que o método utilizado por Aristóteles nesta investigação
é genético, ou seja, o método que segue as coisas desde o princípio e os acompanha no seu
desenvolvimento. Assim, essas partes inferiores das capacidades humanas devem estar em
função da parte superior, i.e. da razão. Logo, a razão estaria no final desse processo e, como
o raciocínio é tardio na criança em relação ao desejo, ela deve ser educado primeiro pelos
hábitos e só mais tarde pela razão.

Isto é óbvio também porque a irracibilidade e a vontade, e igualmente os


apetites, existem nas crianças desde o seu nascimento, mas o raciocínio e a
inteligência só se manifestam nelas à proporção que elas crescem. Em
primeiro lugar, portanto, é necessário que os exercícios do corpo precedam
os do espírito, e em segundo lugar devem vir os exercícios relativos aos
apetites (os dos apetites devem ter em vista a inteligência, e os do corpo
devem ter em vista a alma)100.

Ao dizer que “os apetites devem ter em vista a inteligência”, Aristóteles está partindo
do princípio segundo o qual, há sempre na natureza partes que mandam e partes que
obedecem101. Assim, os apetites (parte comandada) devem ser educados para ouvir a razão
(parte que comanda); embora isso não aconteça por natureza, pode acontecer por meio da
instrução. Já ao dizer que “os exercícios do corpo devem ter em vista a alma”102, ele quer

98
EN 1102 b.
99
Pol 1334 b.
100
Ibidem.
101
Esse princípio já foi tratado por nós no segundo capítulo dessa pesquisa.
102
Pol 1334 b.
815
salientar o télos da existência humana, pois não exercita o corpo da criança visando apenas
conquistas matérias, mas, sobretudo, exercita o corpo delas para que elas possam obter não
apenas uma beleza física, mas também uma beleza espiritual, ou seja, para que o corpo seja
espelho de uma alma nobilitante. Assim, há um télos para os exercícios dos corpos que
transcende o físico, da mesma maneira, há um télos para capacidade desejante do homem
que transcende o mero desejar.
Aristóteles também fez uma subdivisão da parte racional da alma a exemplo do que
fez na parte irracional. Para ele a razão humana possui duas faculdades, uma que encontra
os princípios invariáveis e universais, trata-se da parte científica, e a outra chamada
calculativa, que se relaciona com as coisas passíveis de variações e, portanto, não universais.

Partamos do pressuposto de que há duas faculdades racionais: uma que


nos permite contemplar as coisas cujos primeiros princípios são invariáveis,
e outra que nos permite contemplar as coisas passíveis de variação; com
efeito, no pressuposto de que o conhecimento se baseia numa certa
semelhança ou afinidade entre o sujeito e o objeto, as partes da alma aptas
para conhecer objetos de espécies diferentes devem ser também
especificamente diferentes. Uma desta destas duas faculdades racionais
pode ser chamadas de científica e a outra de calculativa, pois deliberar e
calcular são a mesma coisa, mas ninguém delibera sobre coisas
invariáveis103.

A subdivisão da parte racional da alma em científica e calculativa serve para demarca


o campo de atuação de cada uma delas. Como disse Aristóteles na supra cit, os objetos que
essas partes se envolvem são de espécies diferentes; uma se envolve com os objetos que
não variam, já a outra se envolve com a ação e esta é totalmente flexível. Não apenas a
subdivisão demarca as espécies de objetos de cada uma dessas partes, mas também,
estabelece que a forma de verificação dos princípios de cada uma delas é, também,
diferente. Enquanto a parte científica da alma chega à comprovação de seus princípios por
meio da demonstração, a parte calculativa comprova por meio dos fatos, ou seja, apontando
para a vida daquele que é considerado feliz. Corroborando esta ideia diz Ricken: “Aristóteles
sugere que os princípios morais não são a priori, como os princípios da matemática. Em

103
EN 1139 a.
816
muitos casos precisamos primeiro ter feito nossas experiências”104. A experiência, a vida
vivida, valida ou não um certo princípio moral.
Finalmente, é de juízo de Aristóteles que há duas formas de virtudes que podem ser
atribuídas à alma raciona, uma é a intelectual e a outra é a moral. Como nenhuma virtude é
inata, as virtudes intelectuais ( sabedoria, inteligência, discernimento, etc) e as morais
(liberalidade, moderação, etc), são acrescidas à natureza humana por meios diferentes;
enquanto as intelectuais são acrescidas à natureza humana pelo ensino, as morais são por
meio dos hábitos. E como as crianças desde pequenas são mais sensação do que razão, a
instrução delas, por este motivo, deve começar pelos hábitos.

REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad. Mario da Gama Kury, 3ª ed. Brasília: UnB. 2001.
__________. Política. Trad. de Mário da Gama Kury 2ª ed. Brasília: UnB, 1988.
CENCI, A. V. Aristóteles & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
___________. A educação moral em perspectiva, concepções clássicas e desafios atuais.
Passo Fundo: UPF, 2007.
MACINTYRE, A. Depois das Virtudes: um estudo em teoria moral. Trad. de Jussara
Simões, São Paulo: EDUSC, 2001.
MARROU, H. I. História da Educação na Antiguidade. Trad. de Mário Leônidas.
PERINE, M. Quatro Lições sobre a Ética de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 2006.Casa-
nova. São Paulo: EPU, 1990.
RICKEN, F. O bem-viver em comunidade, a vida boa segundo Platão e Aristóteles. Trad.
de Inês Antônia Lohbauer. São Paulo: Loyola, 2008.
VERGNIÈRES, S. Ética e Política em Aristóteles. São Paulo: Paulus, 1998.

104
RICKEN, F. O bem-viver em comunidade, a vida boa segundo Platão e Aristóteles. Tradução Inês Antônia
Lahbaeur. São Paulo, Edições Loyola, 2008, p. 126.
817
GT 05 - Educação, Trabalho e Qualidade

POLÍTICA EDUCACIONAL PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O SIGNIFICADO DO


PROEJA SEGUNDO OS PROFESSORES / IFF

Clarissa Menezes de Souza Poubel


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Leandro Garcia Pinho


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Gerson Tavares do Carmo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Este texto tem por objetivo apresentar reflexões de pesquisa de mestrado que
visa compreender os significados que professores do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia Fluminense, que fazem parte do grupo de pesquisa OBEDUC, atribuem ao
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Para tanto, num primeiro
momento, realizou-se discussão a respeito da trajetória da Educação de Jovens e Adultos ao
longo da história da educação no Brasil. Narra-se numa perspectiva crítica vários
acontecimentos e momentos importantes à efetivação da Educação de Jovens e Adultos
como Modalidade de Ensino, o que ocorreu a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei nº9394/96, bem como a integração dessa Modalidade de Ensino com a
Educação Profissional, através do Decreto n°5.478/2005, substituído após um ano pelo
Decreto nº 5.840/2006, que instituiu o PROEJA. Além disso, realizou-se, levantamento da
produção científica, nos bancos de dados do Google Acadêmico, da CAPES, do SCIELO e do
SCIRUS, com a finalidade de mapear as produções que apresentavam a palavra PROEJA no
título, nas palavras-chaves e/ou nos resumos, entre os anos de 2009 até 2013, com a
finalidade de focalizar as principais temáticas abordadas nesses artigos e assim escanear as
principais argumentações a respeito do tema. Por fim, apresenta-se uma pequena
apreciação das significações expressas por professores do PROEJA, através das entrevistas
realizadas e dos dados coletados. Espera-se contribuir de maneira significativa para reflexões
a respeito da política educacional em questão.
Palavras-chave: PROEJA. Produção acadêmica. Representações sociais.

A ARENA DE TENSÕES
Constata-se que a escolarização de jovens e adultos foi se consolidando ao longo do
tempo como um importante campo de discussão de práticas e teorias dentro do âmbito do

818
conhecimento científico. Dessa forma, é uma arena de pesquisa fortalecida e que apresenta
um significativo quantitativo de produções acadêmicas.
Diante dessa afirmativa, vale acrescentar a essa discussão o posicionamento crítico
de autores que ao longo dos anos refletiram e problematizaram o tema da escolarização dos
jovens e adultos no Brasil.
Como lembram Oliveira e Pinto (2012, p.13-14),

[...] dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),


de 2010, indicam que o Brasil possui uma taxa de 9,7% de pessoas
analfabetas, o que corresponde a mais de 14 milhões de pessoas em idade
acima de 15anos. Somando esse número ao do contingente de quase 40
milhões de trabalhadores que possuem escolarização até a 4ª série
primária, constata-se o descaso com as políticas públicas de educação em
uma perspectiva de inclusão social e garantia do direito à escolarização
para essa parte da população.

Pode-se perceber que a educação de jovens e adultos apesar de não ter deixado de
ser uma preocupação de momentos históricos de nossa história educacional, os dados acima
evidenciam que ela não se fez eficaz.
A história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil é marcada por uma relação de
domínio estabelecida historicamente entre a elite e as classes populares. Uma concepção
que nasce da relação entre conquistador e conquistado e manifesta-se em muitos
documentos oficiais que parecem tratar a EJA como um favor e não como institucionalização
de um direito. Assim, reproduz-se a visão de que a escolarização de jovens e adultos é algo
inferior, destinado a cidadãos inferiores. Essa concepção fomenta o preconceito contra seu
público, considerado: adulto analfabeto, “incompetente, marginal, culturalmente inferior”
(FÁVERO, 2004, p.15). Concepção esta que tem sido profundamente internalizada por estas
pessoas que se julgam sem direito à educação.
Percebe-se que a Educação de Jovens e Adultos se desenvolveu ao longo da história
atrelada a políticas educacionais desarticuladas e que, portanto, nunca permitiram um
avanço qualitativo dessa modalidade de ensino. Em acordo com esse argumento Paiva
(2006) afirma que o histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil aponta a
descontinuidade e a insuficiência das políticas públicas. No entanto, afirma que os projetos e

819
as políticas públicas têm um importante papel pedagógico e que, se dispostas, são
instrumentos de transformação da sociedade.

Como política pública, pensar a educação nessa modalidade implica não


apenas tomar o sistema educativo formal nas mãos, mas assumir o
concurso da sociedade em todas as iniciativas que vem fazendo, para
manter viva a chama do direito, que ainda não se constitui uma prática para
todos. Implica, também, assumir que a sociedade educa em todas as
práticas que realiza, que as cidades educam, e que projetos de nação e
políticas de governo têm um vigoroso papel pedagógico, se
intencionalmente dispostos a transformar a realidade. Educar jovens e
adultos, em última instância, não se restringe a tratar de conteúdos
intelectuais, mas implica lidar com valores, com formas de respeitar e
reconhecer as diferenças e os iguais. E isto se faz desde o lugar que passam
a ocupar nas políticas públicas, como sujeitos de direitos. Nenhuma
aprendizagem, portanto, pode-se fazer destituída do sentido ético, humano
e solidário que justifica a condição de seres humanizados, providos de
inteligência, senhores de direitos inalienáveis (PAIVA, 2006, p.34-5).

Rummert e Ventura (2007) apontam ainda que o Governo de Lula trouxe maior
destaque para a Educação de Jovens e Adultos do que os governos anteriores. No entanto, o
discurso de valorização não foi acompanhado por ações concretas para a superação das
dificuldades vinculadas a essa modalidade de ensino.

Ao buscar a origem e os pressupostos dos "novos" programas para a


educação de jovens e adultos desenvolvidos pelo MEC, [...] o estudo
evidencia que estes programas caracterizam-se por ser mais um rearranjo
do mesmo pensamento hegemônico que tem gerado, ao longo da história,
um conjunto de propostas com vistas a atender, prioritariamente, às
necessidades do capital nos países periféricos ou semiperiféricos
(RUMMERT; VENTURA, 2007, p.40).

Assim, dada à integração dessa modalidade de ensino (EJA) e a Educação Profissional


(EP), na experiência do PROEJA, as discussões não cessam. Ao contrário, as tensões
tornaram-se ainda mais aparentes devido a pouca experiência das instituições de ensino no
oferecimento de cursos com essa integração.
Segundo a educadora Jane Paiva (2012, p.45):

A construção de um campo de conhecimentos de interseção da educação


profissional e da educação de jovens e adultos traz para o terreno da
educação certo “abalo” no estabelecido até então. Quando propomos um
programa que integra a educação profissional à educação de jovens e

820
adultos (EJA), a exemplo o Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (PROEJA), detona-se uma onda sísmica, que produz em nós,
educadores, a necessidade de repensar o conhecimento até então
instituído para, de novo, aventurar-nos pelas possibilidades e potências da
criação científica.

Dessa forma, faz necessário refletir sobre os novos desafios que permeiam essa
experiência educacional – PROEJA- evidenciando a importância dessa reflexão para o melhor
desenvolvimento da pratica educacional.

PRODUÇÕES ACADÊMICAS SOBRE O PROEJA


Diante do exposto, realizou-se levantamento a respeito do Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos – PROEJA, nos últimos 5 (cinco) anos (2009-2013), verificando-se que as
produções a respeito do tema cresceram de maneira quantitativa e qualitativa, expressando
uma necessidade de reflexão sobre o programa. Assim muitos artigos, livros, seminários,
congressos e entre outros, foram produzidos na busca de contribuir criticamente ao debate
do tema.
De acordo com os dados levantados no banco de produções acadêmicas do Google
Acadêmico, da CAPES, do SCIELO e do SCIRUS, verificou-se que entre as principais questões
abordadas nos artigos produzidos estão as temáticas: implantação do PROEJA; currículo
integrado; relação educação e trabalho; perfil dos alunos PROEJA; formação de professores
para atuar no PROEJA; processo de ensino-aprendizagem; avaliação da aprendizagem e
evasão escolar.
No que tange a implantação de cursos de PROEJA, podemos citar as pesquisas de:
Nascimento (2009); Cardoso (2010), Silva (2010), Barbosa (2010); Losso Filho (2011); Schmitz
(2012), Scopel, Oliveira & Ferreira(2012); Garcia & Ramos (2013); e demais autores, que
apontam que a implantação de cursos de PROEJA exigiu um esforço das instituições de
ensino em adaptar-se a uma nova realidade de integração, o que gerou acertos e desacertos
do ponto de vista do que previa o Discurso Oficial. Mas apesar dos desajustes, cursos de
PROEJA significaram um avanço qualitativo com relação à qualificação profissional dos
jovens e adultos.

821
De acordo com Garcia e Ramos (2013, p. 123):

É possível dizer que a implantação do PROEJA representou e ainda


representa um grande avanço para a educação principalmente no que se
refere ao público para o qual o Programa é destinado, uma vez que se trata
de uma parcela da população excluída do processo escolar e carente de
formação profissional.
Com relação ao currículo integrado entre educação profissional e educação básica na
modalidade de EJA, autores como Lopes (2009), Gotardo & Viriato (2009); Silva (2010),
Castro, Machado & Vitorette (2010), Ferreira & Oliveira (2010); Ivo & Hypólito (2011); Fartes
& Bentes (2011); Yukizaki & Cristiano (2012), Sydow (2012); Pizzi & Limeira (2013), Sales
(2013); entre outros, abordam especialmente que embora o PROEJA, programa instituído no
âmbito federal, preveja uma articulação entre o ensino técnico e ensino médio de forma
integrada, o currículo integrado representa, de fato, um desafio. Esse desafio implica a
adesão de gestores e de professores responsáveis pela formação geral e pela formação
específica.
A expressão que identifica o posicionamento crítico desses autores com relação à
temática fica claro nos ditos de Pizzi e Limeira:

A integração curricular não acontece “espontaneamente”. Há uma


deliberada criação de espaços, momentos e disciplinas no currículo que
favorecem a integração de saberes, provocando a confluência entre níveis e
modalidades da educação básica, profissional e de EJA. E ainda porque se
propôs a superar a dualidade clássica entre o ensino profissional e o ensino
médio. A integração curricular entre os saberes é processual e necessita de
um “lugar” no currículo para que possa se desenvolver (PIZZI e LIMEIRA,
2013, p. 108).

Dessa forma, é possível perceber que esse modelo de currículo integrado é de fato
inovador, uma vez que chama à cena o reconhecimento das pluralidades dos saberes além
dos científicos e tecnológicos, visando dialogar com outras formas de conhecimento, porém
é um desafio aos sistemas de ensino e seus agentes, para fazer com que a proposta do
discurso oficial se consolide nas práticas estabelecidas nas Instituições de Ensino.
Sob a ótica do tema Educação e Trabalho destacam-se autores como: Vieira (2009);
Rismann (2011), Oliveira & Machado (2011); Yamanoe & Viriato (2012); Xavier (2013),
Machado & Rodrigues (2013), entre outros.

822
A partir do estudo dos autores citados percebe-se que o discurso que alia trabalho
com educação é algo que desponta novamente, o que pode ser comprovado pelas políticas
públicas voltadas para educação em prol do mundo do trabalho e que continuam gerando
discussões na comunidade científica.
De acordo com Xavier (2013, p. 09):

[...] para gerarmos emancipação através do trabalho, é preciso aliarmos a


educação a este processo, ou seja, tendo o trabalho como princípio
educativo, poderá haver uma ruptura da alienação. Assim, ocorrerá o
desenvolvimento de consciência crítica e não apenas uma formação para o
mercado de trabalho. Isso significa, educar tendo como base um
fortalecimento do homem em todos os seus sentidos, onde o mesmo tenha
conhecimento do processo histórico em que está inserido, bem como
conhecimentos específicos capazes de articular as atividades educativas
com as lutas sociais.

A respeito do tema perfil dos alunos tem-se como fonte os trabalhos de: Baggio
(2009), Silva e Farias (2009); Angelo, Moura e Gomes (2010), Moura e Melo (2010); Santos
(2012), Souza e Silva (2012); Barros (2012) e outros.
Sob essa discussão a problemática aponta uma visão de que os alunos de PROEJA
buscam uma formação de qualidade e gratuita, com a finalidade de conseguir (re) inserção
no mercado de trabalho. Além disso, os textos apontam um desafio que é a viabilização do
acesso pleno ao direito dos trabalhadores jovens e adultos à educação de qualidade.
Qualidade essa que, segundo Silva e Souza (2012, p. 13):

[...] assegure a elevação da escolaridade, integrada com a formação


profissional, numa perspectiva ampla, e que está sendo prejudicado pela
necessidade de os alunos conciliar as atividades de sobrevivência, muitas
vezes em condições precárias com os tempos de estudo. Sabe-se que o
curso PROEJA é destinado a trabalhadores jovens e adultos, mas fica a
dúvida se o curso é pensado realmente para esse público como deveria ser.

No que diz respeito à produção sobre os profissionais que atuam com o PROEJA, os
artigos apontam principalmente sobre questões como: formação inicial, formação
continuada e perfil dos professores, entre os autores temos: Vargas (2009), Silva(2009), Lira
(2010), Leal e Holanda (2010); Coan e Viseu (2011), Jacinto e Cedro (2011); Viriato, Favoreto
e Klein (2012), Ventura e Cavalcante (2012), Gonçalves (2012), Paiva (2012); Freitas (2013),
Maron (2013).
823
De acordo com Paiva (2012, p.63):

Compreender os sentidos possíveis da condição de educador parece ser


indispensável na formação continuada que sustenta o PROEJA. Essa
compreensão põe-se para além da formação inicial como professor e
alcança funções exercidas por profissionais que vivem da e na escola –
instrutores, técnicos e servidores administrativos de nível fundamental,
médio e superior, ou seja, muitos agentes escolares não docentes. As
práticas profissionais de todos esses ultrapassam a categoria profissional
professor, e são requeridas como constitutivas de um fazer pedagógico –
com diferentes significados, mas essencialmente mediadoras de
aprendizagens (o que passa por concepções do que é aprender).

Além disso, os artigos produzidos sob essa temática apontam, de um modo geral, que
o professor é também sujeito no processo educativo escolar. Dessa forma, enquanto sujeito,
possui uma história de vida, aprende e reconstrói seus saberes pela experiência e no
cotidiano de suas atividades. Diante disto, faz-se necessário analisar a formação docente
para atuar no PROEJA discutindo os limites neste campo de pesquisa. Propiciando uma
reflexão sobre a (re) construção dos saberes docentes de professores do PROEJA, trazendo
ao debate a relevância da formação continuada.

A formação de Educadores de Jovens e Adultos requer, portanto, a reflexão


contínua da práxis pedagógica, favorecendo assim a constituição do
educador-pesquisador. Há de se fortalecer ainda a formação de educadores
de Jovens e Adultos que parta da diversidade de sujeitos, espaços e tempo,
ambientes e contextos. E não se trata de qualquer formação, trata-se de
formação inicial e continuada (GONÇALVES, 2012, p. 94).

Diante dessa perspectiva Gonçalves (2012, p.88) afirma ainda que:

De forma geral e em particular a formação do Educador de Jovens e


Adultos, enquanto ação permanente, construída ao longo da vida, através
de percepções diárias da realidade onde o educador está inserido e da
percepção das mudanças pelas quais o mundo está passando, é uma das
exigências para essa modalidade de ensino. A formação continuada é
necessidade intrínseca para os profissionais da educação escolar e faz parte
de um processo permanente de desenvolvimento profissional que deve ser
assegurado a todos.

No que diz respeito ao processo de ensino-aprendizagem em cursos de PROEJA,


encontra-se um grande contingente de produções que afirmam a necessidade do uso de
estratégias pedagógicas diversas com a finalidade de que o processo de construção do
824
conhecimento torne-se dinâmico, criativo e crítico. Entre essas produções estão os estudos
de: Amaral (2009), Vargas (2009); Mendonça (2010), Júnior, Sales, Dantas, Oliveira, Silva,
Figueiredo e Freitas (2010); Coan e Viseu (2011), Jacinto e Cedro (2011); Augustinho, Silva e
Rôças (2012), Souza e Linhares (2012); Fernandes (2013), Reis, Borges e Blissari (2013);
Martins e Neto (2013).
Nesse sentido, Fernandes (2013) afirma que utilização do ambiente colaborativo de
aprendizagem moodle é uma importante ferramenta de apoio ao ensino presencial, em
especial, para o ensino de Matemática na Educação de Jovens e Adultos de acordo com
pesquisa realizada.

O moodle permite, assim, o acompanhamento de dados, auxiliando na


aprendizagem do aluno e oportunizando aos professores a visualização do
desempenho de cada participante no ambiente virtual. O professor pode,
assim, auxiliar o aluno na construção do conhecimento com base em suas
próprias habilidades e conhecimentos. Cabe, ainda, ressaltar, que os
recursos disponíveis permitem que se valorize a relações entre pares,
potencializam as conexões linguísticas, graças à produção por parte do
aluno de resenhas, fóruns, wikis, narrativas; e pode desenvolver a
aprendizagem cooperativa, a pesquisa em grupo, troca de resultados, etc.
(FERNANDES, 2013, p. 184).

Além dos ambientes virtuais de aprendizagens, autores apontam que, vários são os
instrumentos de apoio ao processo de construção do conhecimento. De acordo com Martins
e Neto (2013) o turismo pedagógico constitui-se como elemento dinamizador do processo
de aprendizagem no PROEJA, além disso, Augustinho, Viana e Rôças (2012) apontam que o
cinema pode ser importante recurso pedagógico de ensino em cursos como o PROEJA.
A avaliação da aprendizagem em PROEJA é outro tema discutido sob uma perspectiva
que valoriza a constante busca da construção do conhecimento. Autores como: Maffasioli
(2009); Leal e Holanda (2010), Blum e Zanardine (2010); Blum (2011); Rodrigues e Pretes
(2013), entre outros abordam essa temática.
Segundo Maffasioli (2009, p.4):

[...] a avaliação da aprendizagem escolar na Educação Básica vem sendo


concebida como um processo contínuo e sistemático que, por sua vez
integra uma metodologia mais complexa – a de ensino e de aprendizagem.
Da etapa final do planejamento didático, forma de punição, com vistas à
classificação e totalmente mensurável, sob a ótica tradicional, o processo
825
avaliativo pretende deixar de lado, aos poucos, essas características, ainda
culturalmente enraizadas em algumas escolas, para se fazer instrumento
pedagógico, ato de estudo, reflexão e inclusão, que prima pela
aprendizagem dos educandos e pela melhoria das práticas docentes.

Diante do exposto percebe-se que existe uma tendência crítica a pensar a avaliação
na busca de um novo sentido, em que a classificação dê lugar a aprendizagem. Assim
Maffasioli (2009, p. 4/5) afirma que:

[...] a avaliação como um dos momentos mais significativos do processo de


ensino e de aprendizagem, deve levar em conta o tipo de educando que
atende. Para tanto precisa acontecer de forma contínua e privilegiar os
saberes dos alunos, vinculando-os as práticas pedagógicas e aos conteúdos.
É através dela que o professor percebe o processo de construção de seus
alunos e consegue interferir de forma a ajudá-los na (re) construção do
conhecimento, bem como na sistematização dos mesmos. O aluno precisa
ser sujeito da avaliação e perceber, por sua vez, que a avaliação não é um
julgamento e sim uma forma de levá-lo a desconstrução, reconstrução e
construção do conhecimento e consequentemente a superar suas
dificuldades.

De acordo com os autores estudados, há que se refletir sobre maneiras de romper


com a lógica avaliativa classificatória, em especial em cursos como os de PROEJA, na busca
da construção de uma avaliação que priorize os aspectos qualitativos do processo
construção do conhecimento.
No que tange ao tema evasão no PROEJA, destacaram-se os estudos de: Almeida &
Silva (2009); Cavalcante (2010), Debiasio (2010); Martins e Brito (2011); Monteiro, Oliveira e
Oliveira (2012);
Os estudos nessa temática buscam investigar as causas da evasão levando em
consideração a eficiência política e social do Programa de integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na modalidade da EJA – PROEJA.
De acordo com Almeida e Silva (2009, p. 20), muitos fatores contribuem para a
evasão no PROEJA, entre os principais estão:

[...] a restrição orçamentária, a falta de condições infra-estruturais das


escolas, a falta de efetivação dos quadros docentes, a pouca efetividade da
formação continuada. Outra questão, [...] é a especificidade da EJA como
uma das principais dificuldades para a implantação de uma política de
integração.

826
Vale ressaltar que visando à permanência do aluno, é necessário que se busque
novas metodologias de ensinar e aprender, considerando os interesses e o histórico dos
jovens e adultos. Dessa forma, a educação para jovens e adultos precisa ser pensada de
forma articulada com o mundo do trabalho, numa perspectiva criadora e não alienante.
Segundo Stoco (2010, p.7 e 8):

[...]além de garantir o acesso, é preciso que as políticas públicas destinadas


a essa modalidade de ensino possibilitem e garantam a permanência desses
estudantes trabalhadores nos cursos que iniciam e, mais ainda, que
satisfaçam a necessidade que tem esse público de uma educação
qualitativamente rica, já que os programas voltados exclusivamente para a
certificação de graus não alcançados no “tempo certo”, nos quais os
currículos e conteúdos são condensados, adaptados para acelerarem a
escolarização, apenas têm sido válidos para a alteração das estatísticas, a
despeito da oferta de uma educação verdadeira.

Diante das perspectivas expostas, entende-se que o PROEJA, de acordo com os


aportes legais, nasceu de uma proposta oficialmente inovadora no âmbito da modalidade de
ensino da educação de jovens e adultos. Paiva (2012, p.48) afirma que o PROEJA do ponto de
vista da concepção/formulação é “uma das mais bem tecidas políticas públicas que já se teve
no país”. No entanto, a perspectiva crítica nos aponta que, apesar do PROEJA nascer de uma
proposta inovadora, que requer novos olhares e mudanças o sentido de fazer e pensar a
escolarização dos jovens e adultos, o programa ainda reflete um desencontro entre a sua
concepção e a implementação prática o que tem causado essa “arena de tensões” no
interior das instituições de ensino, que diante do novo, sentem-se inseguras e sem suporte.

DESCPORTINANDO AS TENSÕES DO PROEJA: O QUE DIZEM OS PROFESSORES


Objetivando descobrir os significados atribuídos ao PROEJA pelos professores,
lançou-se como possibilidade a Teoria das Representações Sociais. Sistematizada por Serge
Moscovisci, em 1961, a “Teoria das Representações Sociais”, indica os caminhos para a
captação da maneira como os sujeitos de um determinado grupo social pensam e agem
cotidianamente a partir das representações que criam sobre os objetos da vida social. Dessa
forma, a partir dessa teoria, entendeu-se que seria possível acessar os conteúdos cognitivos
dos sujeitos pesquisados e consequentemente desvendar as Representações Sociais
elaboradas sobre o PROEJA. Para Moscovisci (2012, p.216):
827
Representar significa a uma vez e ao mesmo tempo, trazer presentes as
coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que satisfaçam as
condições de uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e da
integridade normativa do grupo. É, portanto, muito importante que isso se
dê de forma comunicativa e difusiva, pois não há outros meios, com
exceção do discurso e dos sentidos que ele contém, pelos quais as pessoas
e os grupos sejam capazes de se orientar e se adaptar a tais coisas.

Assim, compreender as Representações Sociais é compreender como os sujeitos, na


maneira como cada um age, chegam a operar ao mesmo tempo para se definir e para
transformar o social.

Na tentativa de traçar um perfil dos professores entrevistados algumas informações


tornaram-se relevantes. Como a pesquisa tomou como referência de lugar o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF), todos os professores
entrevistados fazem parte do corpo docente da Instituição de forma efetiva ou contrato
temporário. Sendo assim, temos o quantitativo de: 4 professores que atuam no IFF Campos
dos Goytacazes – 1 professore no campus Centro e 3 professores no campus Guarus -; 2
professores que atuam no IFF campus Itaperuna e 2 professores que atuam no IFF campus
Quissamã. Essa diversidade de campus permitiu entender que os desafios que permeiam o
PROEJA não são particulares e nem estão localizados, mas são próprios da implantação
desses cursos.
Do total de 8 entrevistados, 7 professores pertencem a área propedêutica e 1 a área
técnica. Todos os professores necessitam ser formados em nível superior, como exigência
mínima para admissão na Instituição, dessa forma, todos possuem alguma licenciatura e
ainda apresentam a seguinte formação acadêmica: 1 professor especialista; 1 professor
mestrando; 3 professores mestres; 2 professores doutorandos e 1 professor doutor. O que
demonstra grande interesse pela busca da qualificação e nos leva a querer entender a
relação entre a formação acadêmica e a prática pedagógica.
O resultado da Técnica de Associação Livre de Palavras aplicado aos professores não
apontou uma Representação Social a respeito do PROEJA, posto que os professores quase
não se referem ao objeto, no entanto, referem-se aos alunos, a respeito dos quais fazem
descrições. Como a Teoria das Representações Sociais, acreditam que a frequência no uso de

828
palavras é sinal de convenção, as palavras evocadas na Técnica de Associação Livre de
Palavras foram agrupadas da seguinte forma:
1) Perfil do público alvo: aluno, aluno, aluno adulto, adulto, baixo capital cultural,
defasagem escolaridade/idade, diversidade, heterogeneidade, jovens e adultos, poucos,
multifacetado.
2) Qualidades desse público: atenção, boa relação, comprometimento,
compromisso, dignidade, esforço, generosidade, persistência, superação.
3) Perspectivas com relação ao PROEJA: aprendizagem, cidadania, conhecimento,
direito, ensino, ensino, educação, formação técnica, oportunidade, permanência, qualidade,
reconhecimento, satisfação.
4) Desafios: dificuldade de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem, dificuldade
de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem e dificuldade de permanência.
Dados os agrupamentos e as evocações percebe-se que a palavra mais frequente foi
detectada no grupo “Desafio”, sendo a palavra – dificuldade – seja de aprendizagem ou
permanência, destacada entre 5 professores do total de 8 entrevistados. Essa frequência nos
aponta a convenção de que o PROEJA trouxe a Instituição um grande desafio que se dá em
relação a garantir que o processo de ensino aprendizagem aconteça de forma significativa e
que os alunos possam de fato construir conhecimentos.
Trona-se perceptível à pretensão de se caracterizar o PROEJA a partir do referencial
familiar trazido pelos professores, por isso a evocação de palavras dirigiu-se a caracterizar o
PROEJA, tendo como referência o público alvo, ou seja, aos alunos. Entende-se que o
PROEJA como um objeto não-familiar pelo estranhamento que causou ao grupo de
professores, que precisou recorrer às questões familiares para compreendê-lo.

É como se, ao ocorrer uma brecha ou uma rachadura no que é geralmente


percebido como normal, nossas mentes curem a ferida e consertem por
dentro e que se deu por fora. Tal processo nos confirma e nos conforta;
restabelece um sentido de continuidade no grupo ou no indivíduo
ameaçado com descontinuidade e falta de sentido. É por isso que, ao
estudar uma representação, nós devemos sempre tentar descobrir a
característica não-familiar que a motivou, que esta absorveu(MOSCOVISCI,
2012, p.59).

829
Entende-se que o PROEJA como um objeto não-familiar pelo estranhamento que
causou ao grupo de professores, que precisou recorrer à questões familiares para
compreendê-lo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do levantamento e abordagens feitas, percebe-se que as pesquisas realizadas
e apontadas nesse trabalho, estão bem articuladas e assinalam um crescimento constante
de produção científica a respeito do tema. Vale ressaltar que, essas pesquisas traduzem os
desafios que permeiam a prática, o “fazer”, das políticas educacionais, mais
especificamente, da política educacional em questão – PROEJA. Constatou-se ainda a
necessidade das instituições se sensibilizem para a efetivação de uma educação e
profissionalização de fato, para o público do PROEJA. Ao longo deste artigo, com base nos
apontamentos das produções acadêmicas pesquisadas, percebeu-se que ainda existem
alguns limites para a superação da histórica dicotomia entre formação profissional e
educação de jovens e adultos, apesar da notável intencionalidade em alterar os rumos da
educação no país.
Esse trabalho buscou ainda desvelar os significados que os professores, que fazem
parte do grupo de pesquisa OBEDUC e atuam no PROEJA, no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Fluminense, construíram em torno do programa, levando em
consideração seus conhecimentos. Para tanto, a Teoria das Representações Sociais foi
utilizada no sentido de delineara representação que esses sujeitos fazem do objeto em
questão a partir da identificação das convenções. Além disso, os significados também
emergiram das falas dos sujeitos que foram categorizadas de acordo com o tema abordado.
Nesse sentido, a ênfase dessa pesquisa recai sobre o que dizem e percebem os sujeitos
envolvidos no PROEJA na certeza de que os significados levantados permitem uma reflexão a
respeito do programa a partir de uma interlocução entre o ideal e o real.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Adriana de e Silva, Mônica Ribeiro. A problemática da evasão no processo de
implantação do PROEJA Estado do Paraná. Curitiba: UFPR, 2009.

830
FERNANDES, Rosane Rosa Dias. O ambiente virtual de aprendizagem moodle como
apoio ao ensino presencial da disciplina matemática na educação de jovens e adultos.
Vitória: UFES, 2013.
GARCIA, Charline e RAMOS, Elenita Eliete de Lima. A Implantação do PROEJA no IFSC
Câmpus Florianópolis: Algumas Reflexões. Revista EJA em debate, Florianópolis, ano 2, n. 3.
Dez/2013.
GONÇALVES, Dalimara Conceição da Silva. Formação Continuada de professores da EJA.
In: ARAÚJO, Judith Maria Daniel de e VALDEZ, Guiomar do Rozário Barros. PROEJA:
refletindo o cotidiano, v.01. Campos dos Goytacazes: Essentia Editora, 2012, p.87-97.
MAFFASIOLI, Luciana Gonçalves. Avaliação da aprendizagem no PROEJA do IFRS-BG:
uma abordagem a partir de seus sujeitos. Porto Alegre: UFRGS, 2009.
MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social.
Petrópolis – RJ: Vozes, 2012.
OLIVEIRA, Edna Castro de e PINTO, Antônio Henrique. O percurso do PROEJA/ES:
conflitos, desafios e proposições. In: OLIVEIRA, Edna Castro; PINTO, Antonio Henrique;
FERREIRA, Maria José de Resende (org.). EJA e Educação Profissional: desafios da pesquisa e
da formação no PROEJA. Brasília: Liber Livro, 2012, p. 13-44.
PAIVA, Jane. Direito à educação no Brasil: democratizar-se a política pública de
Educação Profissional integrada ao Ensino Médio para Jovens e Adultos? Congresso Latino
Americano, Califórnia, maio de 2012.
______________. Desafios da Formação de Educadores na perspectiva da integração da
Educação Profissional e EJA. In: OLIVEIRA, Edna Castro; PINTO, Antonio Henrique; FERREIRA,
Maria José de Resende (org.). EJA e Educação Profissional: desafios da pesquisa e da
formação no PROEJA. Brasília: Liber Livro, 2012, p.45-66.
______________. Histórico da EJA no Brasil: descontinuidades e políticas públicas
insuficientes. In: EJA: formação Técnica Integrada ao Ensino Médio. Boletim 16, setembro de
2006.
PIZZA, Laura Cristina Vieira e LIMEIRA, Ana Cristina Santos. Currículo do PROEJA: diálogos
entre práticas e saberes em uma proposta de integração curricular. Revista e-Curriculum,
São Paulo, v.11, n.01. abr/ 2013.

831
RUMMERT, Sônia Maria e VENTURA, Jaqueline Pereira. Políticas públicas para educação
de jovens e adultos no Brasil: a permanente (re)construção da subalternidade –
considerações sobre os Programas Brasil Alfabetizado e Fazendo Escola. Revista Educar,
Curitiba, n. 29, p. 29-45, 2007. Editora UFPR.
SILVA, Luciana Cândido e SOUZA, Paulo Henrique. O PROEJA e o perfil de seus alunos no
curso técnico de edificações. Revista Eletrônica Itinerarius Reflectionis, Goiás, n.13, p. 2-15,
2012.

STOCO, Heloísa Panciere. A educação de jovens e adultos trabalhadores no PROEJA:


acesso e permanência no CEFET-BA. Revista Eletrônica Multidisciplinar Pindorama do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, n 01, p. 1-45, ano I,
agosto/2010.
XAVIER, Ângela. Trabalho como princípio educativo – uma perspectiva de emancipação
humana no PROEJA. Disponível em:
http://periodicos.franca.unesp.br/index.php/caminhos/article/view/631/713. Acesso em:
30/01/2014.

832
A NOVA EJA NA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE SEUS DISCENTES

Cristiana Barcelos da Silva


Universidade Estadual do Norte Noroeste Fluminense

Gerson Tavares do Carmo


Universidade Estadual do Norte Noroeste Fluminense

RESUMO: Este trabalho foi realizado no primeiro semestre do ano 2014. Objetivou
compreender as representações sociais dos discentes de uma escola pública, localizada no
interior norte do estado, sobre uma proposta de programa denominada “Nova Eja”,
implementada pela Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC)
a partir do ano de 2013. O referencial metodológico utilizado foi a Teoria das
Representações Sociais de Serge Moscovici (2007) enquanto aporte teórico e constructo
utilizado em investigações de fenômenos sociais no sentido de colaborar para uma
proposição de discussões que relacione significação e realidade. Em um primeiro momento,
refletimos a respeito da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. Em seguida,
exploramos as representações expressas pelos sujeitos sociais, a respeito da nova política de
EJA. Os resultados revelaram que as representações que os alunos construíam sobre essa
nova proposta, nos pareceu estarem ancoradas em informações superficiais.
Palavras-chave: Educação básica. Educação de Jovens e Adultos. Representação social.

INTRODUÇÃO
Neste trabalho procuramos analisar um programa elaborado pela SEEDUC
denominado “Nova Eja” e refletir a respeito dos indícios das representações sociais dos
discentes sobre essa recente política de EJA.
Foi realizado em três fases: a inicial se constitui em um breve estudo da história da
EJA no Brasil. Na segunda, analisamos alguns aspectos ligados à elaboração teórica da “Nova
Eja”. Por último, procuramos compreender via Teoria das Representações Sociais, as
representações produzidas pelos discentes a respeito do programa.

BREVE ANÁLISE DA HISTORICIDADE DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL


No período Imperial, a chegada da família real impulsionou a consolidação de um
sistema público de educação elementar, quando a Constituição Federal (C.F) de 1824 previa
a oferta de curso primário gratuito para os não-escravos. O índice de analfabetismo era tão
grande que, ações filantrópicas se ocuparam em oferecer por meio da educação, uma

833
espécie de regeneração da disciplina aos pobres brancos e negros alforriados (ARROYO,
2007).
Os anos posteriores aos de 1940 foram de ebulição no que concernem as políticas
públicas. Foram marcados por políticas que ampliavam as discussões em torna da EJA, como:
a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP) que previa o repasse de
25% de recursos da União aos Estados para serem aplicados na educação supletiva dos
adultos, a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) que se dedicou a
fomentar e publicar obras ligadas ao ensino supletivo, o lançamento da Campanha de
Educação de Adolescente e Adultos (CEAA) que somada a Campanha Nacional de Educação
Rural, visavam alfabetizar e aprofundar o trabalho educativo e a Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo que marcou uma nova etapa nas discussões sobre a educação
de adultos. (BEISIEGEL, 1982).
Necessário destacar que após os anos 40 o analfabetismo era ser visto como grande
problema nacional. Cerca de 55% da população brasileira era analfabeta, fato que estimulou
a arquitetura urgente de ações, como projetos e campanhas locais e nacionais. O
pesquisador Osmar Fávero (2004) interpretou o lançamento dessas campanhas emergências
para a diminuição do analfabetismo da seguinte maneira:

[...] mesmo partindo de um conceito extremamente limitado de analfabeto


e trabalhando com um conceito restrito de analfabetismo/alfabetização, as
campanhas significaram um movimento positivo do Estado e da sociedade
brasileira, no atendimento às necessidades educacionais da população
adolescente, jovem e adulta mais pobre (FÁVERO, 2004, p.17).

O baixo nível de instrução do povo brasileiro significará um grande atraso


sociocultural do país, tanto que o governo criou o sistema “S”, inaugurando em 1942 o
SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) com a missão de treinar e qualificar
mão de obra para a produção fabril e em 1946, o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial) com o propósito de formar mão de obra para o comércio. Ainda em 47, o I
Congresso Nacional de Educação de Adultos refletiu o desejo de expansão da escolarização
dos jovens e adultos, quando lançou o slogan “Ser brasileiro é ser alfabetizado” (ARROYO,
2007).
Em 1958, o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, pautado na filosofia de

834
Paulo Freire, defendia as ideias progressivas de uma educação igualitária e com intensa
mobilização popular. A partir da década de 60, movimentos populares se organizaram no
Norte e Nordeste do Brasil, em prol da alfabetização de jovens e adultos. Em Recife, nasceu,
o Movimento de Cultura Popular, os Centros de Cultura Popular da União Nacional dos
Estudantes e o Movimento de Educação de Base. Em Natal a Campanha “De pé no chão
também se aprende a ler” e a Campanha de Educação Popular da Paraíba. Os representantes
destes grupos se organizaram e pressionaram o governo federal a fim de que este
oferecesse apoio e coordenasse tais iniciativas a nível nacional, o que fora feito no ano de
1963, ano em que se cria o Plano Nacional de Alfabetização, como avigorou o estudioso
Guadêncio Frigotto:

Na década de 50 e início da década de 60, esboçou-se, na sociedade


brasileira, em todos os âmbitos, um movimento que apontava para
reformas de base e para a implantação de uma sociedade menos submissa
ao grande capital transnacional, às oligarquias e, portanto, mais
democrática. Este movimento envolveu grupos importantes da sociedade:
movimentos de cultura popular, de erradicação do analfabetismo, de
educação popular, cinema novo, teatro popular, movimento estudantil e,
no plano político- econômico, um projeto que procurava romper com a
relação de submissão unilateral ao capital transnacional (FRIGOTTO, 2003,
p.38).

Com Golpe Militar de 1964, ações e iniciativas ligadas a EJA foram extintas, mas
devido aos altos índices de analfabetismo, o governo no ano seguinte ao golpe, lançou a
Cruzada ABC, com a pretensão de - subordinada ao capital internacional-, desenvolver
programas de alfabetização e formação de jovens e adultos (VENTURA, 2001).
De acordo com a referida autora, em 1968 foi criado o MOBRAL (Movimento
Brasileiro de Alfabetização), cujo objetivo era erradicar o analfabetismo, que até os anos 80
atingia o território nacional. Quase duas décadas após sua criação, em 1985 foi substituído
pela Fundação Nacional de Educação de Jovens e Adultos (Fundação Educar) que tinha como
meta, assessorar municípios e instituição que ofereciam o ensino supletivo. Na ocasião, a Lei
de Diretrizes e Bases 5692/71 regulamentava o ensino supletivo, diferenciando-o do ensino
regular e do ensino secundário, separando um capítulo próprio composto de cinco artigos.
Apontando para as seguintes funções do Ensino Supletivo suplência, suprimento e
aprendizagem e qualificação.

835
No ano de 1974, a fim de organizar o esse ensino, as Secretarias Estaduais de
Educação criam os Centros de Estudos Supletivos. Anos depois, a C.F de 1988, artigo 208
estabeleceu algumas garantias para a educação, como o Ensino Fundamental, obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria (VENTURA 2001).
No contexto internacional, o ano de 1990 foi declarado pela Organização das Nações
Unidas (ONU), como o Ano Internacional da Alfabetização. Entretanto, no Brasil, a Fundação
EDUCAR foi extinta e por um período, a União deixa de se responsabilizar por essa
modalidade de ensino (RUMMERT, 2007).
No mandato do Presidente Fernando Collor de Melo (eleito pelo povo que tomou
posse em 15 de março de 1990 e teve seu afastamento do governo no dia 02 de outubro de
1992, após aprovação do impeachment em 29 de setembro) registrou-se a ausência do
Governo Federal nos projetos de alfabetização. Os municípios assumiram a EJA. Para
substituir a Fundação EDUCAR, o governo Collor criou o Plano Nacional de Alfabetização e
Cidadania (PNAC), que não se concretizou efetivamente e serviu apenas para demonstrar
respeito ao Ano Internacional da Alfabetização (VENTURA, 2001).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei no 9.394/96 substitui a
denominação de Ensino Supletivo para Educação de Jovens e Adultos (EJA), considerada
como modalidade da Educação Básica. A Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de
1996 institui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF). Regulamentado pela Lei n.º 9.424 (BRASIL, 1996), de 24
de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264/97, o FUNDEF foi implantado,
nacionalmente, em de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de
redistribuição dos recursos destinados ao Ensino Fundamental, não contemplando
matrículas na EJA (VENTURA, 2001).
Neste contexto, as necessidades educativas da EJA foram definidas como políticas
marginais, de caráter emergencial e transitório. No cenário internacional, a V Conferência
Internacional da EJA, realizada em Hamburgo/Alemanha, em julho de 1997, resultou em dois
importantes documentos, a Declaração de Hamburgo e a Agenda para o Futuro. Discutiu-se
na conferência e afirmou-se na declaração a crença em que, apenas o desenvolvimento
centrado no ser humano e a existência de uma sociedade participativa, baseada no respeito

836
integral aos direitos humanos, levariam a um desenvolvimento justo e sustentável e pautado
no direito de todos à educação continuada ao longo da vida (UNESCO, 1997).
Tal discussão suscitou no Brasil, um processo de organização e estruturação de
Fóruns Estaduais e dos Encontros Anuais da EJA. Entretanto, a oportunidade de educação
continuada ao longo da vida para homens e mulheres não foi consolidada devido à ausência
políticas públicas educacionais (RUMMERT, 2007).
Se posicionado frente à problemática, o Conselho Nacional da Educação (CNE),
através de sua Câmara de Educação Básica (CEB), aprova o Parecer CNE/CEB nº 11, de 10 de
maio de 2000, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos, no qual a EJA passa a ter três funções básicas: reparadora, equalizadora e
permanente ou qualificadora. Na visão pesquisadora Sonia Rummert (2007), para cumprir
com tais funções a EJA deveria ser pensada a partir de um modelo pedagógico próprio, que
assegurasse na prática pedagógica, na relação professor aluno e no processo de ensino-
aprendizagem a inclusão de estratégias de valorização da experiência de vida de jovens e
adultos trabalhadores.
Em 2003, o Governo Federal lança o Programa Brasil Alfabetizado, cujo objetivo foi
superar o fenômeno do analfabetismo da população jovem com 15 anos ou mais, adultos e
idosos e contribuir para a universalização do Ensino Fundamental no Brasil. Outro programa
foi instituído em 2005, sob a Lei n° 11.129 denominado Programa Nacional de Inclusão de
Jovens (ProJovem). Este, com a intenção de executar ações integradas que promovessem a
elevação do grau de escolaridade dos brasileiros. No mesmo ano, a Lei nº 11.180 criou o
Projeto Escola de Fábrica, com a finalidade de promover a formação profissional inicial e
continuada para jovens com idade entre 16 e 24.
Em 2005, o Governo Federal cria um programa nacional que sofre alteração em sua
nomenclatura antes mesmo de ser posto em prática, conforme Silva (2003) chamado de

Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na


Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), que (antes mesmo
de serem implantados), foi expandido para a Educação Básica e para além
das redes federais, incluindo assim, os sistemas estaduais e municipais de
Educação Profissional, conforme Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006
(SILVA, 2012, p. 76).

837
Em termos de propostas, registrou-se, ainda, o Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC, criado pelo Governo Federal, em 2011, com o
objetivo de ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica, que vem
sendo ofertado atualmente, por várias instituições do país (Brasil, 2011).

ELABORAÇÃO TEÓRICA DA NOVA POLÍTICA DE EJA


No plano legal, a EJA emerge na C.F de 1988, com redação dada pela Emenda
Constitucional n° 59/2009 ao apresentar a Educação Básica como obrigatória e gratuita dos
4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos, “assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os
que a ela não tiveram acesso na idade própria” (art. 208, inciso I), evidenciando a
responsabilidade do Estado para com os jovens e adultos cujo acesso ao Ensino
Fundamental e Médio, não foi possibilitado na idade regular. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 9.394/96 complementou a Constituição Federal (C.F) ao determinar que:

Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos,


que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades
educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus
interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames
(BRASIL, 1996).

Avanços em relação à EJA, também foram registrados, pós V Conferência


Internacional de Educação de Adultos (V CONFITEA), ocorrida em julho de 1997, na cidade
Hamburgo, na Alemanha, quando se afirmou que somente o desenvolvimento centrado no
indivíduo e a existência de uma sociedade participativa, baseada no respeito dos direitos
humanos, levariam a um desenvolvimento justo e sustentável, fundamental para a
sobrevivência das futuras gerações (UNESCO, 2007).
Na declaração encontramos o seguinte:

É de fundamental importância à contribuição da educação de adultos e da


educação continuada para a criação de uma sociedade tolerante e
instruída, para o desenvolvimento socioeconômico, para a erradicação do
analfabetismo, para a diminuição da pobreza e para a preservação do meio
ambiente (UNESCO, 1997,p.1).

Fundamentado em dados estatísticos, o governo do o governo do Estado do Rio de


Janeiro, através da Secretaria de Estado de Educação, principal mantenedora da oferta de
838
matrículas de EJA para o Ensino Fundamental e, sobretudo no Ensino Médio, implementou
em 2013, um Programa chamado Nova EJA. A proposta, objetivou prover meios para
consolidação de uma escola de qualidade contextualizada e capaz de preparar os jovens e
adultos para o mercado de trabalho.
A proposta foi fruto da Resolução SEEDUC de nº 4951 de 04 de Outubro de 2013,
quando na ocasião, o Secretário de Estado de Educação, Vossa Excelência, o Sr. Wilson
Risolia Rodrigues no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o processo nº
E.03/001/5612/13, fixou diretrizes de para implantação das matrizes curriculares para a
Educação Básica nas unidades escolares da rede pública. Previa uma parceria com a
Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro –
CONSÓRCIO CEDERJ para a formação continuada de professores para atuar nessa
modalidade. Quanto a organização o Capítulo VI, da resolução, dizia o seguinte:

Art. 31 - O Projeto Nova EJA Ensino Médio estrutura-se em 04 (quatro)


módulos semestrais, totalizando 02 (dois) anos para a conclusão do Ensino
Médio nesta modalidade, conforme previsto no Anexo VI.
Art. 32 - No Projeto Nova EJA Ensino Médio, cada tempo será constituído
por 50 (cinquenta) minutos, garantindo-se, assim, a duração mínima de
1.200 (mil e duzentas) horas para esta etapa de ensino.

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS


A Teoria das Representações Sociais (TRS) foi desenvolvida pelo romeno Serge
Moscovici na década de 60, tendo como ponto de partida uma obra chamada La
Psychanalyse, son image, son public, contendo a matriz da teoria, publicada em 1961 na
França. Na verdade, a pesquisa de Moscovici, tinha como foco, fenômenos marcados pelo
subjetivo, captados indiretamente, baseados em metodologias inabituais da psicologia da
época, fugindo, portanto, dos cânones da ciência psicológica normal de então (MADEIRA,
1998).
Com a TRS, Moscovici marcara o estabelecimento de uma nova visão de mundo, que
integrava fenômenos individuais e fenômenos sociais, caracterizando no campo das Ciências
Humanas, a importância da Psicologia Social. O romeno, afirmava que para tornar
fenômenos sociais ininteligíveis inteligíveis, era necessário incluir conceitos psicológicos e
sociológicos e que a TRS cumpriria esse papel, tamanha abrangência e vivacidade, conforme

839
explicita Arruda (2002):

A Teoria das Representações Socias -TRS- operacionalizava um conceito


para trabalhar com o pensamento social em sua dinâmica e em sua
diversidade. Partia da premissa de que existem formas diferentes de
conhecer e de se comunicar, guiada por objetivos diferentes, formas que
são móveis [...] (ARRUDA, 2002, p.3-4).

A respeito da natureza diversa da teoria, Denise Jodelet (2011), contemporânea de


Moscovici, discorreu, numa palestra proferida no Brasil, o seguinte:

Entre as razões que explicam a força desse movimento, já mencionei o


alcance da Teoria das Representações Sociais. A diversidade das dimensões
psíquicas, intelectuais e cognitivas que ela abraça, a diversidade dos níveis
sociais, individuais, interinindividuais, intergrupais e ideológicos que ela
articula permitem dar conta da complexidade dos fenômenos que uma
psicologia autenticamente social deve considerar (JODELET, 2011, p.21).

Entendendo a complexidade dos indivíduos e dos fenômenos sociais, Moscovici e


seus seguidores, buscaram via Teoria das Representações Sociais, construir uma ponte entre
os conceitos sociológicos e os psicológicos. Geraldo Duveen (2013) pesquisador da Grã-
Bretanha que tem dedicado seus estudos ao desenvolvimento das representações, dando
ênfase às relacionadas aos papéis sociais, exemplificou tal relação, ao prefaciar o livro do
teórico escrevendo o seguinte: “a Teoria das Representações Sociais de Moscovici procurou
tanto reconhecer um fenômeno social específico, como fornecer os meios para torná-lo
inteligível como um processo sociopsicológico” (DUVEEN 2013, p.28).
A respeito da transparência e da natureza ampla da teoria, o próprio Moscovici
esclareceu o seguinte: “Seja como for, a aspiração da teoria das representações sociais é
clara. Pelo fato de assumir como seu centro a comunicação e as representações. A teoria
espera elucidar os elos que unem a psicologia humana com as questões culturais
contemporâneas” (MOSCOVICI, 2007, p.206).
Reforçando a ideia do autor supra citado, Jodelet (2011) ao elucidar que no plano
epistemológico, a teoria se apresentava como resolução aos estudos humanos centrados em
processos intraindividuais, explanou a seguinte ideia: “Ela restitui ao pensamento e aos
processos psíquicos seu caráter dialógico. Considerando os contextos em que se inscrevem a
prática e a ação, ela reintroduz, na análise dos fenômenos representativos, a ordem da

840
cultura e a da história”. (JODELET, 2011, p.21)
Quanto à dimensão funcional da teoria enquanto produto social e aporte para
compreender a realidade o francês Jean-Claude Abric (1998) que estuda a representação no
mundo do trabalho revelou o seguinte:

A representação funciona como um sistema de interação da realidade que


rege as relações dos indivíduos com seu meio físico e social, ela vai
determinar seus pensamentos e suas práticas. A representação é uma guia
para a ação, ela orienta as ações e as relações sociais. Ela é um sistema de
pré-decodificação da realidade por que ela determina um conjunto de
antecipações e expectativas (ABRIC, 1998, p.28).

A busca por tratar o indivíduo e a tentativa de abarcar sua complexibilidade, talvez


retratasse algum dos pontos que expliquem a visão holística das representações e, por
conseguinte, desse campo de pesquisa que abarcou diversas amostragens temáticas, como
indagou Celso Pereira Sá (1998) que vem analisando a noção de representação social com
enfoque na educação:

Quais são os problemas ou fenômenos de representação social que têm


sido preferencialmente explorados? A rigor, a diversidade de problemas
pesquisados é tão grande que se corre o risco de sua apresentação parecer
uma espécie de ‘catálogo de supermercado’. Tentaremos atenuar essa
impressão, agrupando os numerosos problemas em sete temas
substantivos gerais, que parecem configurar áreas mais consistentes de
interesse de pesquisadores: ciência, saúde, desenvolvimento, educação,
trabalho, comunidade e exclusão social (SÁ, 1998, p. 34).

Sobre a grande teoria, como denominam os especialistas da área e a pesquisadora


brasileira Sandra Jovchelovitch (1998), que tem estudado o próprio conceito de
representação social, entendeu-a como uma teoria sobre os saberes sociais produzidos na
vida cotidiana e originados por ela, pela construção e transformação dos saberes sociais em
relação a diferentes contextos. A relação entre o saber, à vida e o contexto indicou a
necessidade de atenção e compreensão das várias formas assumidas pelo conhecimento e
as racionalidades que o mantêm, ou seja: a teoria se referiria tanto ao processo pelo qual
são elaboradas as representações quanot como as estruturas do conhecimento que são
estabelecidas. Nessa perspectiva, a Teoria das Representações Sociais esteve na visão da
autora, “preocupada em compreender como pessoas comuns, comunidades e instituições

841
produzem saberes sobre si mesmos, sobre os outros e sobre a multidão de objetos sociais
que lhes são relevantes” (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 87).
Notório ressaltar a importância e veemência da Teoria das Representações Sociais,
enquanto campo complexo e interdisciplinar de estudos, uma vez que na visão de Sá (1998)
“o campo de estudo das representações sociais se encontra em franca expansão no Brasil,
não apenas no âmbito da psicologia social, mas também nos de disciplinas aplicadas, como
educação, enfermagem e serviço social [...]” (SÁ, 1998, p.15).

RESULTADOS
Caracterização da unidade escolar e dados quantitativos
A fim de analisar as representações dos alunos que estavam matriculados no 1º Ano
do Ensino Médio na Modalidade “Nova Eja”, a respeito desta modalidade de ensino, foi
aplicado um instrumento de geração de dados constituído por uma entrevista aberta,
divididas em duas:
1ª Parte - Identificação: Composta por quatro perguntas relacionadas a nome, idade,
série, sexo.
2ª Parte - Composta por basicamente por três perguntas, que de acordo com as
respostas dos entrevistados, geraram (ou não) outras, a fim de arguir no maior grau possível
o nível de conhecimento dos entrevistados. As perguntas bases eram:1) Tempos sem
estudar; 2)No próximo ano, se fosse possível escolher entre se matricular na Eja e Nova Eja,
qual escolheria? 3)Sabe a diferença entre Eja e “Nova Eja”?
A escola selecionada para a pesquisa fazia parte da rede estadual de ensino do
estado do Rio de Janeiro e ficava localizada na área urbana da cidade de Campos dos
Goytazaces, município do Norte Noroeste do estado.Por determinação da SEEDUC a escola
iniciou no ano letivo de 2014 com vagas para a “Nova Eja”. E, na ocasião da coleta de dados,
a unidade escolar formou uma única turma de alunos para o 1º módulo da Nova Eja,
composta por 17 alunos, dentre os quais 11 participaram da pesquisa, o que corresponde a
aproximadamente 65 % do total de matriculados na turma (conforme gráfico 1).

Gráfico 1: Número respondentes

842
Fonte: Pesquisa.

Com base nas respostas fornecidas na primeira parte da entrevista, foi possível
identificar um traço muito peculiar na EJA: o processo de juvenilização, uma vez que os
dados mostraram que do total de entrevistados, 66% tinham menos de 20 anos de idade
(conforme gráfico 2).

Gráfico 2: Idade

Fonte: Pesquisa.

Notamos por meio deste dado, o que algumas secretarias de educação já


constataram, quando afirmaram que, os adolescentes eram presença marcante nas escolas
de EJA. A maioria foi oriunda de um processo educacional fragmentado, marcado por
frequente evasão e reprovação no Ensino Fundamental e Médio regulares (PARANÁ, 2006,
p.30).
Os dados retrataram o processo de juvenilização da “Nova Eja”, quando tornou-se
alternativa de estudos não apenas para a população adulta, mas também, e com expressiva
procura, para jovens.
Quanto ao sexo predominante no universo da pesquisa, constatou-se que 55% eram
do sexo feminino (conforme gráfico 3).

Gráfico 3: Sexo

843
Fonte: Pesquisa.

Esses dados confirmam que o público da “Nova Eja” seria fruto de um processo de
juvenilização da Eja e que talvez o percentual de mulheres que abandonavam os estudos
poderia ser menor que o dos homens.
Na segunda parte do instrumento de pesquisa, a partir das respostas dadas, percebe-
se que 75% estava 2 ou mais anos fora dos bancos escolares.

Gráfico 4: Tempo fora da escola

Fonte: Pesquisa.

ANÁLISES DE DADOS QUANTITATIVOS COM BASE NA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES


SOCIAIS
A primeira indagação feita aos discentes, foi a respeito do conhecimento deles frente
a chamada “Nova Eja”. Perguntou-se se sabiam o que era de fato a “Nova Eja”, o que
significava e as respostas foram as seguintes:
P3 - “Sei não fessora (...) ”
P5 - “Não é essa que eu tô fazendo?”
P9 -“Teria que perguntar a diretora (...)”
P10 - “A mesma coisa que Eja, ué termina tudo junto?

844
P11 - A Nova Eja termina mais rápido!
Observou-se, que a questão da natureza da “Nova Eja”, pareceu ser uma temática
conflituosa no âmbito da educação discente. Importante observar, que os discursos dos
docentes, se remeteram à Representação Social, à medida que demonstram algumas de
suas elaborações mentais construídas no coletivo, a partir da dinâmica que se estabeleceu
entre as atividades psíquicas dos sujeitos (nesse caso, os discentes) e o objeto do
conhecimento (a questão da “Nova Eja” para esses atores).
A análise das entrevistas orais permitiu-nos verificar que dentre os participantes,
poucos entrevistados demonstraram saber a respeito das diferenças entre EJA e “Nova Eja”,
como se pode ver nos seguintes depoimentos, quando se perguntou se sabiam a diferença
entre Eja e “Nova Eja”:
P3 - “Sei não qual a diferença(...)”
P5 - “Não é a mesma coisa não?”
P9 -“Teria que saber o que é Nova Eja (...)”
P10 - “Qual a diferença entre os dois?
P11 - A Nova Eja é está em que eu estou agora?
Considerando a indispensável necessidade de conhecer as condições reais em que os
indivíduos estão inseridos para uma análise plausível e cuidadosa da realidade e a questão
do papel social e histórico da EJA, foi que percebemos a importância de se analisar as
representações dos discentes, uma vez que essas, cumpririam com uma das funções da
Teoria das Representações Sociais, a medida estabelecia uma ordem e orientava os
indivíduos em seu mundo social, como apontou Moscovici (2007) ao definir sua teoria como:

[...] um sistema de valores, ideias e práticas, como uma dupla função:


primeiro estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se
em seu mundo material e social e controlá-lo; e em segundo lugar,
possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma
comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem
ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e
social (MOSCOVICI, 2007, p.21).

Pode-se contatar também que o nível de conhecimento por parte dos alunos da rede
estadual de ensino a respeito das mudanças ocorridas na estruturação da rede estadual de
ensino no que diz respeito à Eja, mesmo daqueles que buscam matrícula nessa modalidade
845
de ensino foi muito aquém, do ponto de vista social e político, como afirmou Gadotti (1997),
quando disse que a escola não distribui poder, mas constrói saber que é poder. O autor
afirmou também que não se muda a história sem conhecimentos, mas tem-se que educar o
conhecimento para que se possa interferir na realidade. Para o ele, o papel da escola
consistia em colocar o conhecimento nas mãos dos excluídos de forma crítica, porque, a
pobreza política produz pobreza econômica (GADOTTI, 1997).
Diante destes discursos, ainda recorrendo aos estudos de Moscovici (2007),
percebeu-se a caracterização coletiva das representações, enquanto ideologias que se
transformaram em realidade compartilhada, na medida em que corporificou ideias, valores
e experiências coletivas. Nesse mérito, tendeu-se a induzir a seguinte provocação: até que
ponto foi, é, ou será real a remodelação estrutural da EJA no estado do Rio de Janeiro
enquanto proposta de educacional, proposta pelo estado? Nesse sentido, acrescentou
Moscovici “(...) um dos motivos do estudo das representações é o próprio ser humano com
o que ele tem de mais preciso: a capacidade de fazer perguntas e de procurar respostas,
buscando compreendê-las sem se conformar a elas (MOSCOVICI, 2007 p,48).

BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS


A pesquisa teve como objetivo, compreender as representações sociais presentes no
discurso dos alunos do Programa “Nova Eja” a respeito dessa diferente proposta, tendo em
vista seus depoimentos orais. Com base nos momentos de vivencia do processo de
entrevista, percebeu-se a “impaciência” dos alunos a respeito do não conhecimento das
especificidades da EJA, uma vez que em outros momentos, perguntavam o porquê da
entrevista e comentavam sobre a falta de informação a respeito do programa. Assim, com
base na análise dos depoimentos dos discentes da “Nova Eja”, verificou-se que suas falas
apresentaram um aspecto comum: o do não conhecimento. No decorrer da entrevista, os
discursos demonstraram que os alunos matriculados na “Nova Eja” não tinham
conhecimento de informações básicas a respeito do curso em que estavam matriculados,
tanto que alguns deles se alto declaram não conhecedores e outros, demonstram ter
dúvidas quanto à natureza de sua matrícula na Eja ou na “Nova Eja”.
Concluímos, portanto, que os resultados desta pesquisa revelaram à reflexão de que

846
as representações que os alunos tinham sobre a “Nova Eja” pareceram estar ancoradas na
superficialidade e no “achismo”. Tal dado talvez indique a necessidade de se lançar um novo
olhar sobre a literatura referente às analises dos discursos dos alunos no sentido de ampliar
os conhecimentos sobre o núcleo estruturante da realidade vivida por esses sujeitos, assim
como até que ponto gestores, docentes e sociedade devem pensar toda estrutura, contexto
e diálogo no que concerne a implementação de projetos e programa sociais, sobretudo na
área da Educação de Jovens Adultos.
Assim, entendeu-se que grandes ainda sãos as dificuldades e entraves encontrados
Educação de Jovens e Adultos. Fato, que talvez se deva a dimensão essencialmente histórica
dessa educação que no Brasil, trilhou caminhos diversos, mas que cabe à sociedade e à
comunidade científica analisar os fenômenos e propostas educacionais, a fim de buscar
formas de superação dos problemas e embates, como aponta Moscovici ao insistir no papel
fundante de sua teoria no enfrentamento de tais questões: “[...] através das representações
nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com
isso, enriquecido e transformado” (MOSCOVICI, 2007, p.26).

REFERÊNCIAS
ABRIC, Jean-Claude. A Abordagem estrutural das representações Sociais. In: Estudos
Interdisciplinares de Representação Social. MOREIRA, A.S.P; OLIVEIRA, D.C de (orgs.).-
Goiânia: AB, 1998
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à
educação. Múltiplas Leituras, v. 1, n. 1, p. 18-43, 2009.
ARRUDA. Angela Teoria das representações sociais e gênero. Cadernos de Pesquisa,
n.117, p.127-147, nov.2002.
ARROYO, M. Balanço da EJA: o que mudou nos modos de vida dos jovens-adultos
populares? In: 67ª Plenária do Fórum Mineiro de Educação de Jovens e Adultos, FAE-UFMG,
29 de junho de 2007.
BEISIEGEL, C.de R. Política e Educação Popular. São Paulo: Ática, 1982.
BRASIL. Lei 12.513. Institui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(Pronatec), 2011;

847
______.LEI N 9394/96. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Setembro de 1996.
Editora do Brasil.
______. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,
1988.
______.LEI N 5692/71. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Setembro de 1996.
Editora do Brasil.
BRITO, M I.F. O processo de ensino aprendizagem na apreensão de conceitos
matemáticos na Eja. Campinas, 2009.
DUVEEN, G. Prefácio. In: MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em
psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
FÁVERO, O. Lições da História: os avanços de sessenta anos e a relação com as políticas
de negação de direitos que alimentam as condições de analfabetismo no Brasil. In:
OLIVEIRA,M.I;PAIVA,J.(orgs). Educação de jovens e adultos. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.p.13-
28
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Autores Associados: Cortez , 1988.
________.Educação e Mudança/Paulo Freire; tradução de Moacir Gadotti e Lilian Lopes
Martins - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Coleção Educação e Comunicação vol.1
________. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 2003.
GADOTTI, M; ROMÃO J. E. Educação de Jovens e adultos: teoria, prática e proposta. 2
ed. São Paulo: Cortez, 2005.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, vol. 2, 2000/V. 3,
2000.
JODELET, D. Conferência de Denise Jodelet por ocasião do recebimento do título de
doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro. In: SOUZA, Clarilza Prado
de [et al]- Representações Sociais: estudos metodológicos em educação- Curitiba:
Champagnat; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2011.
_________. D. As Representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002, p.17-44.
_________.Representações Sociais: um domínio em expansão: In: JODELET, D. (Org.).As
representações Sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ (2001).

848
JOVCHELOVITCH, S. Representações Sociais: para uma fenomenologia dos saberes
sociais. Psicologia e Sociedade, v. 10, n. 1, p. 54-68, 1998.
MADEIRA, Margot Campos. Um aprender do viver: Educação e Representação social. In:
Estudos Interdisciplinares de representação social. MOREIRA.A.S.P (org.) & OLIVEIRA, D.C
(org). Goiânia:AB, 1998.
MANUAL DE ORIENTACOES NOVA EJA. Disponível em:
http://projetoseeduc.cecierj.edu.br/principal/download/Manual_projeto_nova_eja_final_20
14.pdf
MOSCOVICI, S.; GUARESCHI, P. A. Representações Sociais: investigações em Psicologia
Social.5.ed.Petrópolis: Vozes, 2007.
NAIFF, L. AM et al. Educação de jovens e adultos em uma análise psicossocial:
representações e práticas sociais. Psicologia & Sociedade, v. 20, n. 3, p. 402-407, 2008.
PARANÁ, Diretrizes Curriculares para Educação de Jovens e Adultos – SUED/SEED/2006.
RUMMERT, S. M.. A educação de jovens e adultos trabalhadores brasileiros no século
XXI: O “novo” que reitera antiga destituição de direitos. Sísifo: revista de ciências da
educação, n. 2, p. 43-45, jan./abr. 2007,
SÁ, C. P. de. A construção do Objeto de Pesquisa em Representações Sociais. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 1998.
SILVA, C. B. O Proeja no Instituto Federal Fluminense campus Campos-Guarus: o olhar
dos docentes (2006-2010). In: ARAÚJO, J.M.D; VALDEZ, G.R.B. In: PROEJA: refletindo o
cotidiano:v.1-Campos dos Goytacazes (RJ): Essentia Editora, 2012.
SOARES, L. J. G. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos. Rio
de Janeiro: DP&A, 2002.
UNESCO. Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos e Plano de Ação para o
Futuro. In: Conferência Internacional sobre Educação de Adultos. Hamburgo,
Alemanha:jul./1997.
VENTURA, J. P. Educação de jovens e adultos trabalhadores no Brasil: revendo alguns
marcos teóricos. Adaptação do Capítulo II da Dissertação (Mestrado em Educação) - UFF,
2001(mimeo).

849
ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E DO CONCEITO DE
INTERDISCIPLINARIDADE

Cristiana Barcelos da Silva


Universidade Estadual do Norte Noroeste Fluminense

Gerson Tavares do Carmo


Universidade Estadual do Norte Noroeste Fluminense

RESUMO: O presente trabalho é fruto de algumas reflexões iniciadas nas aulas da disciplina
“Introdução à Cognição e Linguagem” ofertada na Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF) pelo Programa de Mestrado em Cognição e Linguagem credenciado pela
Capes. Configura-se num estudo de cunho qualitativo de natureza bibliográfica, cujo objetivo
é observar as possibilidades de interseção entre a Teoria das Representações e a perspectiva
da Interdisciplinaridade. A investigação girou em torno das situações históricas e contextuais
envolvidas na construção dos conceitos. Para tanto, observou as proposições de ambos no
campo científico e suas prováveis respostas frente à necessidade contemporânea de
superação das fragilidades impostas pela fragmentação da ciência.
Palavras-chave: Psicologia social. Representações sociais. Conhecimento.

ANÁLISES INTRODUTÓRIAS
A humanidade ao longo da história sempre procurou analisar e explicar os
fenômenos. Mas na medida em que, o conhecimento foi se tornando cada vez mais
complexo, houve uma veemente necessidade de exigir-se uma análise integrada e
multifacetada de explicação da realidade. Fazendo referência à busca humana por saberes e
sua relação com a vida social, o professo Gaudêncio Frigotto (2008) argumentou o seguinte:

O homem na busca incessante de satisfazer suas múltiplas e sempre


históricas necessidades de natureza biológica, intelectual, cultural, afetiva e
estética, estabelecem as mais diversas relações sociais. A produção do
conhecimento e sua socialização ou negação para determinados grupos ou
classes não é alheia ao conjunto de práticas e relações que produzem os
homens num determinado tempo e espaço (FRIGOTTO, 2008, p.43).

Desse modo foi que contextualmente falando, o historiador britânico Erick Hobsbawn
desejando compreender como e por que o mundo veio a ser o que é, e para onde se dirige,
explicou em seu livro “A era das revoluções” que o século XX foi marcado por inúmeras

850
transformações, sobretudo do ponto de vista da ciência, da filosofia da religião e da arte e,
por conseguinte, dos impactos produzidos por essas mudanças (HOBSBAWN, 1962).
O fato de pensar na história da humanidade e no que tratou o pesquisador, fomos
estimulou a buscar discutir nesse trabalho, de forma breve e sucinta a questão da relação
entre a Teoria das Representações Sociais e a Interdisciplinaridade, enquanto categorias de
análises da realidade em construção, com vista a novas maneiras de fazer ciência na
contemporaneidade.

ANÁLISES A RESPEITO DO CONCEITO DE INTERDISCIPLINARIDADE


Saraiva (2006) ao elaborar o “O Dicionário latino-português”, se referiu ao vocábulo
“inter” explicando que significava entre (indicando separação reciprocidade), entre o
número de, no meio de.
Se tratando de analisar o conceito, nas palavras de Alvarenga (2010), a
interdisciplinaridade em termos históricos, teve suas raízes na ciência moderna, sobretudo
aquela produzida a partir desse século XX. Contudo, para compreendê-la, pareceu
necessário apontar para o início dos estudos científicos que dataram do século XV, quando a
sociedade passou por uma mudança estrutural, o que resultou numa explosão de novos
conhecimentos, novas práticas e técnicas de pesquisa. Surgiu definitivamente a ciência e a
pesquisa científica, tomando lugar entre a teologia e a filosofia, com a missão de apresentar
a razão em oposição à fé e a pesquisa em oposição ao discurso e a retórica (ALVARENGA,
2010).
Referindo-se a um movimento, um conceito e uma prática em processo de
construção e desenvolvimento dentro das ciências, a Interdisciplinaridade buscou definir um
objeto também em construção: a sociedade. Não qualquer sociedade, mas a sociedade que
se auto-explicava de forma compartimentada, onde a disciplinarização, entendida como
"fatias" dos estudos científicos e das disciplinas escolares, tais como matemática, biologia,
ciências naturais, história, etc. tentavam dar contas dos fenômenos. Mas, foi do um esforço
em sobrepujar o conceito de disciplina e suas limitações que a Interdisciplinaridade nasceu
(FAZENDA, 1995).

851
Por essa perspectiva, Alvarenga explicou que em termos de prática de pesquisa, a
ampliação da Interdisciplinaridade na ciência, impulsionou a partir do século XX, o
desenvolvido de novas práticas de pesquisa, com o propósito de unir as disciplinas, para que
juntas tentassem produzir respostas para os problemas (ALVARENGA 2010).
A interdisciplinaridade, como um enfoque teórico-metodológico ou gnosiológico,
como a denominou Gadotti (1999), insurgiu na segunda metade do século XX, em resposta a
uma necessidade verificada principalmente nos campos das ciências humanas e da educação
na busca em superar a fragmentação e o caráter de especialização do conhecimento,
causados por uma epistemologia de tendência positivista em cujas raízes estavam o
empirismo, o naturalismo e o mecanicismo científico do início da modernidade. Afirmou o
autor:

A interdisciplinaridade, como questão gnosiológica, surgiu no final do


século passado, pela necessidade de dar uma resposta à fragmentação
causada por uma epistemologia de cunho positivista. As ciências haviam-se
dividido em muitos ramos e a interdisciplinaridade restabelecia, pelo
menos, um diálogo entre elas, embora não resgatasse ainda a unidade e a
totalidade (GADOTTI, 1999, p.1).

Apesar de parecer um conceito púbere e algumas pesquisas serem muito recentes no


Brasil, autores como Ivani Fazenda e Hilton Japiassu vem se destacando no país quanto à
produção de trabalhos sobre o tema.
A pesquisadora Inani Fazenda (1995) tem vinculado suas publicações com a questão
da educação, voltando seus estudos para a evolução histórico-crítica do conceito e para o
retrato do seu nascimento e desenvolvimento (FAZENDA, 1979).
Já o estudioso Hilton Japiassu (1976) vem discutindo o movimento contemporâneo
presente nas dimensões da epistemologia e da pedagogia que marcaram o rompimento com
a visão cartesiana e mecanicista de mundo, e assumiram uma concepção integradora,
dialética e totalizadora na construção do conhecimento via interdisciplinaridade (JAPIASSU,
1976).
Pode-se, portanto sugerir, que após o século XX, a pesquisas interdisciplinares se
justificaram, por ter a disciplinarização da ciência se apresentado com inúmeras limitações e
a interdisciplinaridade surgido como proposta inédita de construção de certo modo mais

852
holística de conhecimento. Como resultado desse movimento, a aplicação da
Interdisciplinaridade na ciência, recomendou também, o surgimento de novas disciplinas
agregadoras, que unissem áreas especificas do conhecimento, a fim de compreender
fenômenos que seriam incompreensíveis com o conhecimento de apenas uma área
(ALVARENGA 2010).
Como um dos exemplos de “disciplina agregadora”, podemos quem sabe citar, na
Psicologia Social, a Teoria da Representação Social enquanto categoria epistemológica que
em sua origem recebeu influência tanto da Psicologia quanto da Sociologia.

ANÁLISES A RESPEITO DA TEORIA DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS


Estudos apontam que a expressão representações sociais foi mencionada pela
primeira vez em 1961 pelo romeno Serge Moscovici. Em seu estudo sobre a representação
social da psicanálise, que recebeu o título de Psychanalyse: son image et son public.
Moscovici apresentou um trabalho que tentava considerar as representações sociais não
como um conceito, mas como um fenômeno (MOSCOVICI, 2013).
O termo surgiu antes do nascimento da Psicologia Social que negou a dicotomia
existente entre o individual e o social, até então representadas respectivamente pela
Psicologia que se encarregava de explicar o sujeito na sua individualidade e pela Sociologia
com seus estudos sobre a sociedade, no seu coletivo (ALEXANDRE, 2004).
A Teoria das Representações Sociais, desenvolvida e apresentada por Moscovic,
portanto, tratou das produções dos saberes sociais, centrando-se na análise da construção e
transformação do conhecimento social e elucidação da forma como a ação do pensamento
individual se interligava na dinâmica social. Imprescindível ressaltar que, nessa conjectura,
os saberes alvo, eram aqueles que se produziam no cotidiano, e que pertenciam ao mundo
vivido (JOVCHELOVITCH, 1998).
Parece que o que motivou Moscovici a desenvolver o estudo das representações
sociais, dentro de uma metodologia científica foi sua crítica aos pressupostos positivistas e
funcionalistas das demais teorias que não explicavam a realidade sob diversas dimensões. A
respeito da natureza diversa da teoria, Denise Jodelet (2011), contemporânea de Moscovici,
discorreu, numa palestra proferida no Brasil, o seguinte:

853
Entre as razões que explicam a força desse movimento, já mencionei o
alcance da Teoria das Representações Sociais. A diversidade das dimensões
psíquicas, intelectuais e cognitivas que ela abraça, a diversidade dos níveis
sociais, individuais, interinindividuais, intergrupais e ideológicos que ela
articula permitem dar conta da complexidade dos fenômenos que uma
psicologia autenticamente social deve considerar (JODELET, 2011, p.21).

Entendendo a complexidade dos indivíduos e dos fenômenos sociais, Moscovici e


seus seguidores, buscaram via Teoria das Representações Sociais, construir uma ponte entre
os conceitos sociológicos e os psicológicos. Geraldo Duveen (2013) pesquisador da Grã-
Bretanha que tem dedicado seus estudos ao desenvolvimento das representações, dando
ênfase às relacionadas aos papéis sociais, exemplificou tal relação, ao prefaciar o livro do
teórico escrevendo o seguinte: “a teoria das representações sociais de Moscovici procurou
tanto reconhecer um fenômeno social específico, como fornecer os meios para torná-lo
inteligível como um processo sociopsicológico” (DUVEEN 2013, p.28).
A respeito da transparência e da natureza ampla da teoria, o próprio Moscovici
esclareceu o seguinte: “Seja como for, a aspiração da teoria das representações sociais é
clara. Pelo fato de assumir como seu centro a comunicação e as representações. A teoria
espera elucidar os elos que unem a psicologia humana com as questões culturais
contemporâneas” (MOSCOVICI, 2013, p.206).
Reforçando a ideia do autor supra citado, Jodelet (2011) ao elucidar que no plano
epistemológico, a teoria se apresentava como resolução aos estudos humanos centrados em
processos intraindividuais, explanou a seguinte ideia: “Ela restitui ao pensamento e aos
processos psíquicos seu caráter dialógico. Considerando os contextos em que se inscrevem a
prática e a ação, ela reintroduz, na análise dos fenômenos representativos, a ordem da
cultura e a da história”. (JODELET, 2011, p.21)
Quanto à dimensão funcional da teoria enquanto produto social e aporte para
compreender a realidade o francês Jean-Claude Abric que estuda a representação no mundo
do trabalho (1998) revelou o seguinte:

A representação funciona como um sistema de interação da realidade que


rege as relações dos indivíduos com seu meio físico e social, ela vai
determinar seus pensamentos e suas práticas. A representação é uma guia
para a ação, ela orienta as ações e as relações sociais. Ela é um sistema de

854
pré-decodificação da realidade por que ela determina um conjunto de
antecipações e expectativas (ABRIC, 1998, p.28).

A busca por tratar o indivíduo e a tentativa de abarcar sua complexibilidade, talvez


retratasse algum dos pontos que expliquem a visão holística das representações e, por
conseguinte, desse campo de pesquisa na área que se desdobrou as diversas amostragens
temáticas, como indagou Celso Pereira Sá (1998) que vem analisando a noção de
representação social com enfoque na educação:

Quais são os problemas ou fenômenos de representação social que têm


sido preferencialmente explorados? A rigor, a diversidade de problemas
pesquisados é tão grande que se corre o risco de sua apresentação parecer
uma espécie de ‘catálogo de supermercado’. Tentaremos atenuar essa
impressão, agrupando os numerosos problemas em sete temas
substantivos gerais, que parecem configurar áreas mais consistentes de
interesse de pesquisadores: ciência, saúde, desenvolvimento, educação,
trabalho, comunidade e exclusão social (SÁ, 1998, p. 34).

Sobre a grande teoria, como denominam os especialistas da área e a pesquisadora


brasileira Sandra Jovchelovitch (1998), que tem estudado o próprio conceito de
representação social, entendeu-a como uma teoria sobre os saberes sociais produzidos na
vida cotidiana e originados por ela, pela construção e transformação dos saberes sociais em
relação a diferentes contextos. A relação entre o saber, à vida e o contexto indicou a
necessidade de atenção e compreensão das várias formas assumidas pelo conhecimento e
as racionalidades que o mantêm, ou seja: a teoria se referiria tanto ao processo pelo qual
são elaboradas as representações assim como as estruturas do conhecimento que são
estabelecidas. Nessa perspectiva, a Teoria das Representações Sociais esteve na visão da
autora, “preocupada em compreender como pessoas comuns, comunidades e instituições
produzem saberes sobre si mesmos, sobre os outros e sobre a multidão de objetos sociais
que lhes são relevantes” (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 87).
Notório ressaltar a importância e veemência da Teoria das Representações Sociais,
enquanto campo complexo e interdisciplinar de estudos, uma vez que na visão de Sá (1998)
“o campo de estudo das representações sociais se encontra em franca expansão no Brasil,
não apenas no âmbito da psicologia social, mas também nos de disciplinas aplicadas, como
educação, enfermagem e serviço social [...]” (SÁ, 1998, p.15).

855
ANÁLISES RELACIONAIS ENTRE A TEORIA DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL E A
INTERDISCIPLINARIDADE
Se atentarmos para o significado da palavra interdisciplinaridade, perceberemos que
o sentido denotativo apresentado na primeira parte desse trabalho, fez referência à ideia de
ponte assentada na Teoria das Representações Sociais apresentada por Moscovici (1971) ao
explicar sua origem na relação dialógica entre psicologia e sociologia. Moreira e Oliveira
(1998) ao explicitar a interface entre Interdisciplinaridade e representações sociais partiram
dessa noção de diálogo entre as disciplinas, explicando assim, sua particularidade de
natureza interdisciplinar e o estabelecimento de comunicação em níveis de contribuição e
entendimento entre as disciplinas, de forma a auxiliar a compreensão cada vez mais clara
dos objetos de pesquisa (MOREIRA E OLIVEIRA, 1998).
Por essa perspectiva, Alves (2004), em um trabalho que abordou de forma crítica e
histórica a interdisciplinaridade enquanto conceito em construção, explorou o potencial das
representações sociais de explicar os fenômenos sociais em um enfoque dialético,
compreendendo o homem com ser psicológico e social. Sobre o caráter interdisciplinar da
teoria de moscoviciana, nos escritos da estudiosa observou-se o seguinte fragmento:

Uma pista para o entendimento dessa teoria como interdisciplinar sinaliza


para o campo epistemológico, mais especificamente a superação da
dicotomia sujeito/objeto. Significa dizer que os múltiplos constructos e
possibilidades metodológicas, permitem a construção dos objetos de
pesquisa sobre a base da integração entre as pessoas e os processos sociais.
Talvez seja este o caminho a ser percorrido na direção da explicitação do
caráter interdisciplinar dessa teoria (ALVES, 2004).

Pelo olhar da autora, em termos práticos, interdisciplinaridade e representações


sociais, partiram de um empenho na busca por superar a fragmentação do conhecimento,
relacionando realidade e os problemas da vida moderna. Nos âmbitos científicos, os
esforços em prol da elaboração e explicação de ambas as teorias, estariam atreladas ao
empenho de buscar respostas, impossíveis de serem alcançadas, com os conhecimentos
fragmentados de uma única área especializada (ALVES, 2004).
Denise Jodelet (1998), sucessora de Moscovici, pensando na teoria desse autor,
argumentou que ela por natureza transita em todas as Ciências Humanas. Possui, portanto,
856
uma origem híbrida e uma essência interdisciplinar, enquanto conceito articulador das
múltiplas perspectivas de diversos campos de pesquisa, permitindo sobretudo uma interface
entre noções psicológicas e sociológicas (JODELET, 1998).
O professor Celso Pereira de Sá (1998) ao se posicionar em relação ao conceito de
Representação Social, enquanto campos de conhecimento se reportou a importância de
eventos vivenciados no Brasil como o Encontro Nacional sobre Representação Social e
Interdisciplinaridade, ocorrido em julho de 1997 em João de Pessoa e o IX Encontro Nacional
de Psicologia Social realizado em setembro do mesmo ano em Belo Horizonte. O autor
pareceu tecer seu discurso, considerando o movimento no país de estimulo, dedicação e
esforços de novas e consistentes pesquisas, que tomem os dois campos enquanto suporte
teórico-metodológico e conceitual (SÁ, 1998).
BREVES ANÁLISES CONCLUSIVAS
Buscou-se, por assim dizer, nesse trabalho, discutir a questão da Teoria das
Representações Sociais inserida no movimento histórico de discussão em torno do conceito
de Interdisciplinaridade.
Apontou-se a questão do movimento em torno da Interdisciplinaridade, que emergiu
enquanto termo científico com a pretensão de superar algumas fragilidades frente à
fragmentação da ciência e como uma das respostas à necessidade de reconciliação
epistemológica e social na produção do conhecimento.
Percebemos ao longo da construção desse estudo, o quanto a complexidade do
conhecimento exigiu historicamente uma análise integrada, holística e multifacetada de
explicação da realidade.
Nesses meandros, as representações sociais, enquanto teoria por natureza
Interdisciplinar se inseriu nesse contexto, enquanto categoria de análise da realidade, com
vista a uma inovadora maneira de fazer ciência, reconhecendo a complexidade do fenômeno
social. Para além dessa questão, carregou a possibilidade de determinar e explicar
fenômenos, pensamentos, práticas e relações sociais de maneira global e complexa.
Se tratando dessas relações, impossível não compreendê-la como integral e
multifacetada, que, por conseguinte pareceu demandar práticas de produção de

857
conhecimento condizentes com sua natureza, no sentido de abarcar ao máximo a totalidade
da realidade.
Sendo assim, o entendimento da Teoria das Representações Sociais como
Interdisciplinar ultrapassou sua gênese estrutural de interligar a área da psicologia e
sociologia. Compreendê-la como essencialmente Interdisciplinar, significa também apontar
suas potencialidades metodológicas e seus múltiplos constructos, como forma de integração
entre os sujeitos, processos sociais e o real.

REFERÊNCIAS
ABRIC, J-C. A Abordagem estrutural das representações Sociais. In: Estudos
Interdisciplinares de Representação Social. MOREIRA, A.S.P; OLIVEIRA, D.C de (orgs.).-
Goiânia: AB, 1998
ALEXANDRE, M. Representação Social: uma genealogia do conceito. Comum. Rio de
Janeiro-v.10, nº 23, 2004.
ALVARENGA, A. T. de. PHILIPPI Jr., A. SOMMERMAN, A. ALVAREZ, A. M. de S.
FERNANDES, V. Histórico, fundamentos filosóficos e teórico-metodológico da
interdisciplinaridade. In: Interdisciplinaridade em Ciência, Tecnologia & Inovação. Manole
Editora. 2010. p. 3 - 68.
ALVES, R. F.; BRASILEIRO, M. do C. E.; BRITO, Suerder M. de O. Interdisciplinaridade: um
conceito em construção. Episteme, v.19, nº 02, 2004
DUVEEN, G. Prefácio. In: MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em
psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
FAZENDA, I. C. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou
ideologia. São Paulo: Loyola, 1979.
_______, I. C. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 2 ed. Campinas, SP:
Papirus, 1995.
FRIGOTTO, G. A Interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas Ciências
Sociais. Foz do Iguaçu. Revista Ideação, 2008, v.10, nº1.
GADOTTI, M. Interdisciplinaridade: atitude e método. São Paulo: Instituto Paulo
Freire.1999. Disponível: <www.paulofreire.org>. Acesso em: 02 nov. 2014.

858
HOBSBAWN, E. J. E.. A Era das Revoluções: 1789-1848. Paz e Terra, 1962.
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
JODELET, D. Prefácio. In: SÁ, C.P. A construção do objeto de pesquisa em representações
sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.
________. Conferência de Denise Jodelet por ocasião do recebimento do título de
doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro. In: SOUZA, Clarilza Prado
de [et al]- Representações Sociais: estudos metodológicos em educação- Curitiba:
Champagnat; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2011.
JOVCHELOVITCH, S. Representações Sociais: para uma fenomenologia dos saberes
sociais. Psicologia e Sociedade, v. 10, n. 1, p. 54-68, 1998.
MOREIRA, A.S.P; OLIVEIRA, D.C. Apresentação. In: MOREIRA, A.S.P.; OLIVEIRA, D.C. (Org.).
Estudos interdisciplinares de representações sociais. Goiânia: AB, 1998.
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2013.
SÁ, C. P. de. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 1998.
SARAIVA, F. R. S. (2006). Novíssimo Dicionário Latino-Português. 12. ed. Rio de Janeiro,
RJ: Livraria Garnier.

859
SATISFAÇÃO E IMPORTÂNCIA DO CURSO DE ELETROTÉCNICA/PROEJA - CAMPUS
ITAPERUNA NA PERCEPÇÃO DISCENTE

Jorge Luiz Clemente Gomes


Instituto Federal Fluminense

Rozana Quintanilha Gomes Souza


Instituto Federal Fluminense

Márcia Alves Corrêa


Faculdade Profº. Miguel Ângelo da Silva Santos
Instituto Municipal de Educação de Rio das Ostras

RESUMO: Este trabalho utiliza uma ferramenta estatística com o objetivo de ordenar itens
pré-definidos que interferem na análise da avaliação de satisfação e de importância que os
discentes do Instituto Federal Fluminense atribuíram à qualidade do curso de Eletrotécnica.
A pesquisa foi realizada no período de outubro/2011 a dezembro/2012 por meio de
aplicação de questionários aos discentes das turmas do 1º ao 6º períodos do Curso de
Eletrotécnica do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), no âmbito do projeto
“Diagnóstico da qualidade de ensino no PROEJA: um estudo na Região Norte e Noroeste
Fluminense, com foco nos aspectos formativos e metodológicos”, financiado pela
Capes/Observatório da Educação. Com base no trabalho de campo, os dados obtidos foram
tabulados e analisados. Desse modo, verificou-se que, considerando a análise dos discentes,
alguns itens apresentaram uma importância alta e uma satisfação baixa, demonstrando
necessidade de melhorias; outros apresentaram importância e satisfação altas, devendo ser
mantida a mesma política de ação; e ainda itens que, na visão discente, não interferem na
qualidade do curso. Dessa forma, nossa pesquisa justifica-se pela intenção de avançar nas
discussões sobre a qualidade do curso e apresentar itens gritantes para a gestão atuar de
forma pontual.
Palavras-chave: Questionário. Discentes. Importância e Satisfação.

INTRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), através de amparo legal, é definida como
sendo uma modalidade de ensino, que se apresenta com o propósito de contemplar àqueles
indivíduos que, por únicas ou múltiplas razões, não acessaram a educação propedêutica
regular na faixa etária apropriada.
Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010),
o número de brasileiros com mais de 15 anos de idade que não sabem ler e nem escrever é

860
de 12,9 milhões. Isto significa que 9,6% da população do país encontra-se em condição de
analfabeto ou analfabeto funcional. Nesse cenário, o número de matrículas no curso do
PROEJA em 2010 foi de 27 milhões e o total de investimentos disponibilizados pelo governo
federal nessa modalidade de ensino correspondeu a 37 milhões de reais, segundo dados da
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC (BRASIL, 2010).
O Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade
de Jovens e Adultos (PROEJA) trazia em seu arcabouço a junção das disciplinas técnicas com
as propedêuticas, assim como afirma a SETEC (2007, p. 12):

Assim, essas experiências, em diálogo com os pressupostos referenciais do


programa, indicaram a necessidade de ampliar seus limites, tendo como
horizonte a universalização da educação básica, aliada à formação para o
mundo do trabalho, com acolhimento específico a jovens e adultos com
trajetórias escolares descontínuas.

Com o advento do Decreto nº. 5840 de 13/07/2006, o PROEJA, agora denominado


Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, pôs fim ao limitador teórico que impedia a
integração do ensino médio regular com o ensino médio técnico nessa modalidade e a
trouxe para dentro das instituições federais mantenedoras de cursos profissionalizantes.
O presente trabalho se baseia na estatística descritiva, ou seja, não se deseja realizar
nenhum teste de hipótese estatística sobre os dados. Deseja-se apenas utilizar a
estratificação dos dados como forma de levantar evidências sobre itens selecionados para
observação, que venham a lançar luz sobre observações empíricas, esta mesma abordagem
pode ser encontrada nos trabalhos de: Cordeiro (2010); Leeworthy e Wiley (1996); Skok et
al. (2001).
O objetivo geral deste artigo encontra-se em, através da percepção discente,
identificar utilizando como base um conjunto de itens específicos, aqueles que influenciam
na avaliação de satisfação e são importantes para uma análise da qualidade do curso.
Nessa perspectiva, objetiva-se apontar os itens de maior influência e por meio da
análise de questionários aplicados aos alunos do curso de Eletrotécnica na modalidade
PROEJA, identificar respostas influenciáveis quando se analisa o curso.
De forma mais específica, busca-se apresentar um material de suporte técnico-

861
administrativo para os gestores atuarem de forma pontual nas áreas onde se fizer
necessário. Assim, no âmbito do objetivo geral, cinco objetivos específicos são apontados:
 Identificar a avaliação de satisfação dos discentes em relação a itens
disponibilizados;
 Identificar a avaliação de importância de itens disponibilizados na percepção
discente;
 Sequenciar os itens em relação a avaliação de importância na visão discente;
 Sequenciar os itens em relação a avaliação de satisfação na visão discente;
 Propor trabalhos futuros sobre o tema da pesquisa.

REVISÃO DA LITERATURA

Criado pelo Decreto nº. 5.478 de 24 de junho de 2005, o Programa de Integração de


Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de jovens e
Adultos surge como consequência das demandas concretas da sociedade, bem como das
dificuldades referentes à universalização da Escola Básica.
Nesse sentido, uma formação integral capaz de articular a educação básica à
educação profissional, unindo em um só currículo o Ensino Médio e o Ensino Técnico
Profissional, torna-se possível através do artigo 1º do Decreto nº 5.478 de 24 de junho de
2005, que cria o PROEJA:

Fica instituído, no âmbito dos Centros Federais de Educação Tecnológica,


Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e Escolas Técnicas
Vinculadas às Universidades Federais, o Programa de Integração da
Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos – PROEJA.

Como afirma Frigottoet al. (2005), o Decreto nº 5.478/2005, através de seus artigos
3º e 4º, legitima a união da formação profissional integrada ao ensino médio na modalidade
de Educação de Jovens e Adultos e deve ser ofertada como formação inicial e continuada ou
como habilitação técnica.
Em 13 de julho de 2006 é promulgado o Decreto 5.840/2006, o qual regulamenta o
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na

862
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) em conformidade e compatibilidade
com a Lei 9394 de 1996 e que oferece as diretrizes legais da Educação Nacional. Conforme
afirma Campos (2011, p.1):

Que avança na sua abrangência para além das instituições federais de


educação tecnológica e passa a ser um programa federal, que poderá ser
adotado ainda pelos sistemas de ensino estaduais e municipais, nos níveis
fundamentais e médios.

Com a promulgação da Lei nº 11.741 de 16 de julho de 2008, os dispositivos da Lei nº


9.394 de 20 de dezembro de 1996 estabeleceram novas diretrizes e bases da educação
nacional para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional
técnica de nível médio à educação de jovens e adultos e à educação profissional e
tecnológica (BRASIL, 2008). Como descreve em seu Art.39:

A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da


educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de
educação e as dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia.

§1º Os cursos de educação profissional e tecnológica poderão ser


organizados por eixos tecnológicos, possibilitando a construção de
diferentes itinerários formativos, observadas as normas do respectivo
sistema e nível de ensino.

§2º A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos:


I- de formação inicial e continuada ou qualificação profissional;
II- de educação profissional técnica de nível médio;
III- de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação.”

De acordo com Frigotto (2011), a Lei nº 11.741/2008 busca incorporar o Decreto nº


5154/2004 que em seu texto separou o ensino médio da educação profissional, corrigindo-o
no momento que reintroduz o ensino médio integrado à educação profissional, visando
inter-relacionar conhecimento, cultura e trabalho

METODOLOGIA

O espaço geográfico do estudo limitou-se ao campus Itaperuna, localizado na região


noroeste do Estado do Rio de Janeiro, onde o curso técnico em eletrotécnica na modalidade
863
PROEJA funciona em horário noturno (das 18h e 20min. às 22h e 40min). O curso tem
duração de três (3) anos, ou seja, seis (6) semestres e apresenta como exigência de requisito
para ingresso a obrigatoriedade de o candidato ter idade mínima de 18 anos e possuir, no
mínimo, o Ensino Fundamental concluído. No momento da pesquisa no campus, as turmas
estavam distribuídas em seis módulos semestrais.

Descrição da Análise

A análise foi desenvolvida através de coleta de dados do questionário e inserida na


planilha de Excel com os seguintes passos: formulação e análise do problema; planejamento
da metodologia; formulação do modelo para cálculo estatístico no Sistema de Análises
Estatístico e Genético (SAEG); verificação e validação; experimentação; interpretação e
análise estatística dos resultados; comparação e identificação das melhores soluções; e
documentação e apresentação dos resultados. Em função dos dados obtidos foram
apresentados os itens de maior importância e maior satisfação entre os alunos do curso de
Eletrotécnica.

Universo de Coleta de Dados

Para se construir a fundamentação teórica deste trabalho, o primeiro passo foi a


realização de uma pesquisa que, segundo Tulle Hawkins (1976), objetiva dar embasamento
ao pesquisador sobre o tema ou problema relativo aos questionamentos levantados. Busca-
se, desta forma, definir os itens a serem avaliados e fazer um levantamento através de
questionário aberto respondido por discentes do curso de eletrotécnica na modalidade
PROEJA. É importante esclarecer, que as variáveis e itens avaliados são informações
qualitativas sendo quantificadas apenas para fins de apresentação gráfica, ou seja, não se
trata de valores numéricos quantificando os itens em questão. As variáveis definidas são
expostas no quadro abaixo com suas respectivas definições:

Quadro 1 – Definição das variáveis constantes da pesquisa


VARIÁVEL DEFINIÇÃO
Corpo docente Quadro de professores que lecionam no curso.
864
Realização profissional Motivação do discente para entrar no mercado de trabalho.
Coordenação do curso Quadro de gestores específicos do PROEJA.
Infraestrutura Sistemas de transportes, energia, serviços e saneamento
básico da Instituição.
Horário Corresponde a hora de início e de término das aulas do curso.
Conciliar curso e emprego Condição do discente de associar o horário de trabalho com o
horário de curso.
Conteúdo ministrado Tópicos (assuntos) pertinentes às áreas técnica e propedêutica
que compõem a matriz curricular do curso.
Pontualidade dos Freqüência dos docentes do curso.
professores
Realização pessoal Motivação do discente para suprir a lacuna de conhecimentos
técnicos e propedêuticos.
Didática Procedimentos (maneiras) do docente de transmissão de
conteúdos.
Oportunidade de emprego Visualização do momento atual e futuro de postos de
trabalhos específicos da área de eletrotécnica.
Novas tecnologias Aquisição de maquinários e softwares modernos para os
laboratórios do curso.
Estágios Programa de encaminhamento dos formandos e egressos do
curso ao mercado de trabalho.
Visitas técnicas Programa de parceria com empresas visando agregar
conhecimentos práticos aos discentes.
Localização Posição geográfica do campus.
Fonte: Elaborada pelo autor, 2012.

No Campus Itaperuna, a aplicação dos questionários (43 no total) ocorreu nos meses
de agosto e setembro de 2012 e foi constituído por 20 itens de perguntas referentes a duas
vertentes: A Importância dos tópicos em relação à avaliação da qualidade do curso para os
discentes; e a Satisfação dos discentes com os tópicos analisados. Na avaliação para
Importância, foram listadas as seguintes opções:
[1] Nada Importante;
[2] Pouco Importante;
[3] Importância Média;
[4] Importante;
[5] Muito Importante, e
[N] Não Sei/ Prefiro Não Opinar.
Enquanto para Satisfação, foram avaliadas as seguintes opções:
[1] Totalmente Insatisfeito;
[2] Parcialmente Insatisfeito;
865
[3] Nem Satisfeito/Nem Insatisfeito;
[4] Parcialmente Satisfeito;
[5] Totalmente Satisfeito e
[N] Não Sei/Prefiro Não Opinar.
Posteriormente, os resultados são apresentados estatisticamente de forma descritiva
e é realizada a comparação entre a satisfação e a importância de cada item. Para tal análise,
segundo Matsukuma (2007, p. 89):

Será usado o método de importância vs satisfação, que consiste em plotar


os dados de satisfação e importância em um gráfico com quatro (4)
quadrantes para se identificar áreas de melhoria pela comparação do índice
de satisfação e a importância dos atributos.

A satisfação e a importância serão consideradas acima da média quando localizadas


no quadrante superior direito e para os itens que se encontrarem nesta região, deve-se
MANTER a política de gestão que os norteiam. Para os itens que se localizarem no quadrante
inferior direito, deve-se MELHORAR as políticas de gestão, pois, estão com a importância
acima da média e a satisfação abaixo da média. Os itens que se localizarem no quadrante
superior esquerdo, serão considerados pertencentes a uma faixa de EXCEDENTE,
significando que a importância está abaixo da média e a satisfação acima da média, não
precisando, no momento, de uma prioridade de ação por parte da gestão. Por fim, os itens
posicionados no quadrante inferior esquerdo são aqueles que apresentam tanto a satisfação
quanto a importância, valores abaixo da média, sugerindo ATENÇÃO especial nesses itens.
Conforme demonstra a Figura 1:

Figura 1 - Matriz dos Quadrantes.

866
Fonte: Elaborada pelo autor, 2012.

A representação do gráfico simples de dispersão se baseia em 2 eixos principais:


vertical e horizontal, onde se encontram as respectivas escalas de valores e suas variáveis
correspondentes.

RESULTADOS NO CAMPUS ITAPERUNA


Com este estudo buscou-se identificar, través da percepção do discente, os pontos
fortes e fracos do curso na modalidade PROEJA do Campus Itaperuna.

Matriz de análise dos gráficos (Campus Itaperuna)


Na Figura 2, observa-se a disposição dos itens em relação aos tópicos atenção,
melhorar, manter e excedente quando forem avaliados pelos discentes do Campus.

867
Figura 2 - Matriz dos itens nos quadrantes.

Fonte: Elaborada pelo autor, 2012.

Observa-se que, nos resultados apresentados, dos quinze (15) itens pré-
determinados, 11 se encontra na região do quadrante MANTER, o que significa que as
políticas públicas de fomento implantadas pela equipe gestora estão com uma avaliação
satisfatória; quatro (4) itens se encontram na região do gráfico MELHORAR, o que significa
que, as políticas públicas que dão subsídios a esses itens deverão ser reajustadas, visando a
uma melhoria.
Na figura 3, notam-se as posições dos itens em relação à satisfação e a importância,
dependendo da avaliação dos discentes do Campus Itaperuna.

868
Figura 3 - Matriz de posição de cada item em relação às médias de satisfação e importância.
4,5

Realização
profissional
4,0 Oportunidade de emprego
Horário

Localização Realização pessoal


Pontualidade dos professores
Corpo docente
3,5
Satisfação

Conteúdo ministrado Infra-estrutura

Didática
Conciliar curso e emprego

3,0
Novas tecnologias
Coordenação do curso

2,5
Visitas técnicas
Estágios

2,0
3,5 4,0 4,5 5,0
Importância
Fonte: Elaborada pelo autor, 2012.

Os itens, “Didática”, “Conteúdo Ministrado”, “Corpo Docente”, “Pontualidade dos


Professores”, “Realização Pessoal”, “Horário”, “Conciliar Curso e Emprego”, “Infra-
estrutura”, “Oportunidade de Empregos” e “Realização Profissional” apresentaram
satisfação e importância alta. Em situação que inspira atenção, estão os itens “Novas
Tecnologias”, “Coordenação do Curso”, “Visitas Técnicas” e “Estágios”, todos posicionados
no quadrante “MELHORAR”. Outro ponto a destacar é a posição do item Localização, com
índices de satisfação e importância elevados.

Panorama das variáveis significativas concernentes a avaliação de importância


Na Figura 4, expõe-se a sequência das variáveis considerando a importância que elas
representam na percepção dos alunos do Campus Itaperuna.

869
Figura 4 – Percepção dos discentes em relação a avaliação de Importância-Campus Itaperuna.
Grau de Importância (médias e erros padrão)

0
go

rs o
a

n te
ias

r es
io
o

o
al

ca

ão
al

ios
as

tur

ad
reg

rár

so
ion
pre

áti
lo g


ce
cu

so

tág
n ic

tr u

str
es
Ho
mp
is s

Did

liz
em

do
es
no

do
éc

Es

ini
s

op

ca
ae
r of

ee

rof
ec
st

om
rpo
de

ão

Lo
çã
nfr
op

sp
st
it a

Co
de

úd
za
I

urs
V is

va

çã

do
en

ali

nte
ida

No

za

rc

ord

de

Re
un

Co
ali

ilia

da
Co
o rt

Re

nc

ali
Op

Co

ntu
Po

Fonte: Elaborada pelo autor, 2012.

Em relação ao grau de importância, como demonstra a Figura 4, o item de melhor


avaliação é “Visitas Técnicas”, seguido de “Oportunidade de Emprego” e logo depois, “Novas
Tecnologias”. Na seqüência, com uma avaliação de importância baixa em relação aos demais
itens, estão: “Conteúdo Ministrado”, ”Didática” e “Localização”.

Panorama das variáveis significativas concernentes a avaliação de satisfação


Na Figura 5 expõem-se a sequência das variáveis considerando a satisfação dos
discentes do Campus Itaperuna.

870
Figura 5 – Percepção dos discentes em relação a avaliação de Satisfação – Campus Itaperuna
Grau de Satisfação (médias e erros padrão)

0
o

ra

s
pe o

nt frae n te

té so
do
do s

de ecn g o
Ho l

al

No e e tica
o

os
na

Es s
eg

ia
ri

re
p r açã

tu
so

ica

ur
ra

og
re

gi
ce
o
sio
pr

ru

á
s

Co ess

sit o c


ist

Co vas mp

cn
d
liz

ol
em

st
is

Di
in
ca

d
of

of

m
o

o
iza de

o
pr

as
Lo
çã

rp

çã
t
do
In

so
o

iza
Re ad e

na
çã


do

ur

Vi
al

rc
d

e
Re
ni

ad

or
Co

ilia
al
rtu

lid

nc
po

ua

Co
O

nt
Po

Fonte: Elaborada pelo autor, 2012.

As variáveis melhor avaliadas em relação à satisfação na percepção dos discentes


foram: “Oportunidade de Emprego”, “Realização Profissional” e “Horário”. As que
demonstraram pior avaliação na percepção discente foram: “Coordenação do Curso”,
“Visitas Técnicas” e “Estágios”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na avaliação dos dados obtidos na pesquisa realizada no Campus Itaperuna, os itens


mais bem avaliados na percepção discente, em relação à importância e à satisfação, foram:
“oportunidade de empregos” e “realização profissional”. Os resultados observados
explicitam a necessidade de continuidade, pela equipe gestora do Campus, das políticas
educacionais que sustentam os fatores de influencia, diretamente e/ou indireta, na
avaliação desses itens pelos discentes.
No resultado da pesquisa realizada no Campus Itaperuna, pode-se citar como fator
negativo, o posicionamento no quadrante “MELHORAR” dos seguintes itens: “Novas
tecnologias”, “Coordenação do curso”, “Visitas técnicas” e “Estágios”. Concretiza-se a

871
importância dada a esses itens pelos discentes, no momento de avaliar a qualidade do curso
e reflete-se, com os resultados apresentados, o alto índice de insatisfação e também alerta a
equipe gestora do Campus sobre a necessidade de reformulação de suas políticas públicas
no momento de atribuir importância aos fatores de gestão da qualidade.
O item Localização, na análise dos resultados, apresentou, tanto para a avaliação da
importância como a da satisfação, valores considerados médios, demonstrando que, em
relação à mobilidade, a mesma não é considerada, por parte dos discentes, um fator de
interferência quando se analisa a qualidade do curso.
Conforme os resultados apresentados nesse trabalho, foi possível identificar alguns
aspectos que poderão subsidiar novas pesquisas, em que se destacam: a) Fazer uma análise
global envolvendo os outros cursos nesta mesma modalidade; b) Realizar pesquisa
semelhante junto aos docentes do curso; c) Realizar uma comparação dos dados obtidos
pelas visões dos discentes e docentes; e d) Fazer a comparação dos resultados obtidos entre
os softwares estatísticos SAEG e SPSS(Statistical Package for the Social Sciences).

AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Observatório da Educação,
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto n° 5.840. 13 de julho 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 11 ago. 2012.
_______. Decreto nº 5.478. 24 de junho 2005. Institui, no âmbito das instituições federais
de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino
Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 11 nov. 2012.
_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica.
Sinopse das ações do ministério da educação. Brasília: DF Ministério da Educação, 2010.

872
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index. php>. Acesso em: 16 out. 2012.
_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica.
Ações PROEJA 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php> . Acesso em: 10
out. 2012.
______. Lei nº 9.394, de 20/12/1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Diário Oficial da União. Brasília: Gráfica do Senado, ano CXXXIV, n. 248, 23/12/96,
p. 27833-27841.
______. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 11.741, de 16 de julho de 2008. Altera
dispositivos da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação
profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação
profissional e tecnológica.
CORDEIRO, A. G. Priorização de requisitos e avaliação da qualidade de software segundo
a percepção dos usuários. Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, UENF,
Campos dos Goytacazes, RJ, abril 2010.
DI PIERRO, M. C. Educação de Jovens e Adultos na América Latina e Caribe: trajetória
recente. Educação e Sociedade, v. 38, n. 134, p. 367-391, maio/ago. 2008.
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A gênese do Decreto n. 5.154/2004: um debate
no contexto controverso da democracia restrita. In: ______. Ensino médio integrado:
concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. Revista Educ. &Soc, Campinas, v. 26, n.
92, out. 2005. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/50101.73302005000300017. Acesso
em: 10 ago. 2012.
______. CIAVATTA, Maria. Perspectivas Sociais e Políticas da Formação de Nível Médio:
Avanços e Entraves nas suas Modalidades. Educ. Soc., Campinas, v. 32, n.116, p. 627 – 628,
jul./set. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v32n116/a02v32n116.pdf.
Acesso em: 10 set. 2012.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Taxa de analfabetismo.
Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE,2011.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FLUMINENSE. Institucional
2009. Disponível em: <http://portal.iff.edu.br/institucional>. Acesso em: 02 mar.2012.

873
LEEWORTHY, V.R.; WILEY, P.C. Importance and Satisfaction ratings by recreating visitors
to the Florida Keys/ Key West. ed. The University of Georgia, p. 27, 1996.
MATSUKUMA,C.M.O; HERNANDEZ, J.M.C. Escalas e métodos de análise em pesquisa de
satisfação de clientes. Revista de Negócios, Blumenau, v. 12, n. 2, p. 85-103, abr./jun. 2007.
SKOK, W.; KOPHAMEL, A.; RICHARDSON, I. Diagnosing information systems success:
importance–performance maps in the health club industry. Information & Management.
38:409-419, 2001.
TULL, D.S.; HAWKINS, D.I. Marketing Research, Meaning, Measurement and Method.
London: Macmilian Pubhishing, 1976.

874
O ESTUDO DE CASO NA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O ENSINO DE JOVENS E ADULTOS:
REPENSANDO A DOCÊNCIA

Rozana Quintanilha Gomes Souza


Instituto Federal Fluminense

Elane Kreile Manhães


Instituto Federal Fluminense/Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Jorge Luiz Clemente Gomes


Instituto Federal Fluminense

RESUMO: Este trabalho teve sua origem nos fundamentos que regem a legislação da EJA, a
qual prevê o direito à educação básica daqueles que não tiveram acesso à escolarização
formal na idade devida ou tiveram sua escolaridade interrompida por algum motivo; e
ressalta a particularidade desse público. Por isso, a escola deve traçar diretrizes pedagógicas
para atender a essa modalidade de ensino. Contudo, o sistema educacional, apesar de ter
avançado em relação ao acesso à escolarização garantido por lei, ainda tem o desafio de
promover um ensino de qualidade que, efetivamente, atenda a essa especificidade. Dessa
forma, a prática docente precisa ser repensada a fim de buscar novas metodologias de
ensino adequadas ao perfil desse aluno. Nesse viés, a experimentação do estudo de caso
histórico pode ser um recurso para o diálogo como estratégia a dinamizar as relações de
ensino-aprendizagem, pois respeita, à medida que são conduzidas atividades que valorizem
a vivência do aluno, o princípio educacional da oferta de ensino específico para a
modalidade de jovens e adultos. Desse modo, o objetivo do presente trabalho foi verificar a
viabilidade da aplicação da técnica do estudo de caso para o processo de ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa numa turma de PROEJA do Instituto Federal
Fluminense, no âmbito do projeto Observatório da Educação. Percebemos, nesse estudo de
caso, os avanços dos alunos quando promovemos ações que valorizaram os seus saberes
trazidos e construídos sobre o tema da pontuação, uma vez que a apreensão das regras
desse conteúdo fez sentido prático para sua vida.
Palavras-chave: Estudo de caso. Docência. PROEJA.

INTRODUÇÃO
A proposta de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), concebida pelo Ministério da
Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), promove a formação de jovens e adultos para o
mercado de trabalho e para o efetivo exercício da cidadania e inclusão social.
Os fundamentos que alicerçam o PROEJA estão em consonância com os pressupostos
da Constituição Federal do Brasil (1988) que prevê o direito à educação básica e a inclusão
875
daqueles que não tiveram acesso ao processo de escolarização formal ou tiveram sua
escolaridade interrompida por algum motivo.
Em 1996, a LDB reafirma os princípios da Constituição e destaca que a Educação de
Jovens e Adultos tem um perfil diferenciado, um público específico. Por isso, a escola deve
traçar diretrizes pedagógicas para atender a essa especificidade. Com isso, o sistema
educacional tem por imperativo legal e desafio propor uma nova estrutura, uma
metodologia adequada ao perfil desse aluno, uma proposta de ensino de formação completa
(humana, social e profissional) de um cidadão capaz de atuar plenamente no mundo.
A Educação de Jovens e Adultos traz em sua história momentos de avanços em
relação à Constituição e ao acesso à escolarização garantido por lei, mas não em relação ao
atendimento a esse público de modo particular. Mesmo que já se tenha reconhecido o
aspecto legal e que essa oferta de ensino deva ser diferenciada, a EJA não conquistou,
plenamente, esse reconhecimento junto aos profissionais da educação. Percebe-se, nesse
cenário, um momento de transição, um desejo de mudança que, por sua vez, traz a
necessidade de repensar a prática educativa, respeitando o princípio educacional de oferta
de ensino específica para a modalidade de jovens e adultos.
Todo momento de mudança, na verdade, é um momento de angústias, de incertezas
que gera insatisfações, desentendimentos, mas que, justamente por isso, é, ao mesmo
tempo, um momento positivo, fértil e, sobretudo, anunciador. O novo nasce do velho e
depende dele por isso. A solução surge no problema, partindo do reconhecimento de que
algo não funciona, requer mudança e necessita de atitude. É no desdobramento desse
percurso que a docência se encontra. A prática docente precisa ser repensada e discutida
porque é nesse exercício do pensamento que o professor encontra caminhos e faz
descobertas.
Nessa necessidade de mudanças, surge o estudo de caso, inicialmente desenvolvido e
aplicado em Medicina, Direito, Administração e Ciências Naturais, como recurso didático
para a compreensão de conceitos e resolução de problemas. Nesse viés, a experimentação
do estudo de caso no campo da Educação poderia ser uma ferramenta de revitalização da
prática docente fundamentada numa concepção de que a docência deve ser investigada no

876
ato da própria função e de que o diálogo deve ser promovido como estratégia a dinamizar as
relações ensino-aprendizagem.
Dessa forma, a técnica de estudo de caso pode também ser experimentada na
compreensão de conceitos e resolução de problemas na área da língua materna. E nesse
sentido, nosso estudo justifica-se por ser pioneiro no uso dessa metodologia no ensino de
Língua Portuguesa e por avançar nas discussões sobre a necessidade de se pensar em
práticas educativas diferenciadas que levem em conta a experiência de jovens, adultos e
idosos no processo de aprendizagem.
O estudo de caso é uma metodologia que busca criar situações-problemas, conflitos
inseridos em um contexto que favoreçam o debate e a argumentação. O papel principal do
professor consiste em mediar o conhecimento, criar um ambiente propício ao
desenvolvimento da autonomia, autoestima, senso crítico, iniciativa própria, criatividade,
capacidade de propor soluções, enfim, um ensino voltado para o perfil do aluno como
sujeito ativo e participante da construção do seu próprio conhecimento, da sua identidade
social e inclusão no mundo do trabalho.
O estudo de caso, de certa forma, veio atender a necessidade de pensar o ensino de
Jovens e Adultos de forma diferenciada, posto que não se pode mais conceber a EJA como
uma função de suplência, sendo agora uma modalidade da educação básica e como
modalidade tem um perfil específico, com características próprias (LDB 9394/96).
O estudo do caso valoriza a resolução de problemas de forma compartilhada, onde os
indivíduos assumem o compromisso de sua aprendizagem e ainda contribuem para o
aprendizado do outro. Para isso, deve-se levar em conta a vivência do aluno, os
conhecimentos, os valores que ele traz e ter a sensibilidade e habilidade de integrar as
questões em discussão com as suas contribuições.
Essa formação desejada implica uma postura ousada do professor, ou seja, implica
quebrar paradigmas, vencer as resistências surgidas na comunidade escolar, inclusive por
parte dos alunos habituados e acomodados ao sistema tradicional de ensino.
A aplicação do estudo de caso é mais disponível ao diálogo e mais complexa porque
o professor não tem apenas que dominar o conteúdo da aula, mas também promover a
interação, despertar os elementos provocadores do raciocínio, conhecer bem seus alunos,

877
manter a discussão viva, instigar, ou seja, deve conhecer a técnica na hora da elaboração e
aplicação do caso. Como diz Joseph Schuwab apud Merseth (1969), o professor deve [...]
“estar consciente de forma alerta e sensível do que cada aluno está dizendo e fazendo, não
só no momento, mas todo o curso da discussão”.
Com base nesses fundamentos, o presente trabalho tem como propósito utilizar a
técnica do estudo de caso no ensino da língua materna com o objetivo de verificar sua
viabilidade e sua relevância para o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa numa turma
do PROEJA do Instituto Federal Fluminense. Na aplicação da técnica do estudo de caso,
aborda-se o tema “pontuação”, partindo de atividades desencadeadoras de discussões que
promovam reflexões, que viabilizem a construção dos sentidos e que proporcionem o
reconhecimento da necessidade da pontuação em um texto escrito.
A escolha do conteúdo “Pontuação” no ensino da língua portuguesa, neste estudo de
caso, tem como justificativa o letramento como um dos fatores de pertencimento, pois

[...] o não estar em pé de igualdade no interior de uma sociedade


predominantemente grafocêntrica, onde o código escrito ocupa posição
privilegiada, revela-se como problemática a ser enfrentada. Sendo leitura e
escrita bens relevantes, de valor simbólico, o não acesso a graus elevados
de letramento é particularmente danoso para a conquista de uma cidadania
plena (Legislação da EJA – Síntese).

Ouvimos, comumente, a fala de que “os sinais de pontuação servem para marcar, na
escrita, as pausas respiratórias, permitindo a entonação correta.” O estudo de caso em
questão tem o objetivo de revelar ou de fazer o aluno perceber a relevância e o sentido
prático da pontuação na elaboração do discurso, que o papel dos sinais de pontuação vai
além de marcas de pausas respiratórias, que a ausência da pontuação, assim como o seu uso
indevido, prejudica a compreensão do enunciado e compromete o discurso. A pontuação é
um recurso da língua escrita que aborda as inumeráveis particularidades da língua falada,
como gestos, expressões faciais, tonalidade de voz e todas as demais intencionalidades de
sugerir aquilo que está além da elocução oral, mas subentendido nas entrelinhas, como por
exemplo, pensamentos e sentimentos dos interlocutores.
A metodologia do estudo de caso, a ser aplicada nesta pesquisa, tem como proposta
verificar:

878
a) a construção do conhecimento como resultado da interação humana sob a
influência de um contexto específico: a pontuação;
b) o desempenho dos alunos através do estudo de caso.
Nesse sentido, o papel do professor é decisivo para contribuir na formação de um
leitor mais aguçado e malicioso, capaz de perceber a intencionalidade na utilização dos
recursos da pontuação nos textos.
PLANEJAMENTO DA AÇÃO DO ESTUDO DE CASO
Na prática docente, a etapa do planejamento é de suma importância para se
alcançarem os objetivos da proposta pedagógica. O planejamento do estudo de caso deve
ser traçado tendo em vista o perfil do público alvo. O corpo discente do PROEJA é
diferenciado e, para atender a essa especificidade que é exigência da LDB105, deve-se
conhecer bem os alunos, saber ouvir suas experiências, dialogar, criar uma relação de
confiança e de respeito entre escola-aluno, professor-aluno e aluno-aluno, gerando um
ambiente democrático, amigável, harmonioso e decisivo para o sucesso da aprendizagem.
O papel do professor é de líder da discussão e, ao mesmo tempo em que ele a
conduz, é também participante desse processo. O estudo de caso exige mais tempo de
preparação, um planejamento diferente da aula do ensino tradicional, que inclui preparar o
material, conhecer o assunto proposto, supor as indagações possíveis, direcionar as
discussões, envolver os alunos, incentivá-los e encorajá-los na troca de conhecimentos e na
participação do processo de aprendizagem.
A estratégia adotada no estudo de caso se pauta num planejamento detalhado e
flexível de uma proposta de um problema contextualizado no formato de um texto narrativo
e, como relata Fonseca (2012, p.36):

e deve levar em conta algumas características importantes: i) o texto não


deve ser longo, para evitar o desinteresse do leitor; ii) deve ser escrito de
forma simples e objetiva para facilitar sua compreensão; iii) deve iniciar de
forma a estimular a leitura e, iv) deve finalizar com uma pergunta para
começar as etapas pedagógicas.

105
O art. 4º, inciso VI, da LDB impõe a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; e
no inciso VII, a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades
adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições
de acesso e permanência na escola.

879
Em seguida, a próxima etapa é a da interação: o aluno vai refletir sobre a questão
proposta e direcionada pelo professor, explicar seu ponto de vista, avaliar a opinião dos
colegas, repensar seus conceitos e, a partir dessa interação, elaborar uma solução.

O ESTUDO DE CASO
Para esta fase da pesquisa, escolhemos a técnica (ou metodologia) de Bardin (2009)
para aplicarmos o caso. Ela é dividida em três etapas: i) a pré-análise, ii) a exploração do
material e, iii) o tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação. Essa metodologia
de ensino foi aplicada em uma turma do PROEJA do Instituto Federal Fluminense e teve
como primeiro momento a leitura, compreensão e interpretação do fragmento do texto
“Pontuação: operador da textualidade” (anexo 1).
Para esse momento da leitura foi utilizado um texto sobre a história da pontuação
cuja escolha justificou-se pelo fato de que se deve conhecer o assunto em sua origem para
despertar nos alunos o interesse, a curiosidade pelo tema, a disposição em fazer
descobertas e promover o conhecimento de forma segura, eficaz e construtiva.
Primeiramente, foi feita uma leitura direta do texto, sem interrupções ou
considerações para que os alunos percebessem a ideia geral. Sabemos que essa leitura inicial
é apenas a primeira etapa do processo, que a leitura, por si só, não dá conta de alavancar a
discussão pretendida no estudo de caso e que não é suficiente para desenvolver o
comportamento leitor. Promovemos essa prática efetiva da leitura como condutores para a
construção de sentidos, cientes dos objetivos didáticos a que essa ação se destinava.
Esse ato da leitura não deve ser visto como uma ação banal, mas como uma ação
com um propósito comunicativo entre professor-aluno para desencadear a discussão
pretendida. A leitura em voz alta permite uma interação entre a língua escrita e a língua
falada. Dessa interação, resulta um conhecimento novo. Isso significa que enquanto o aluno
escuta a leitura do professor, ele descobre que o seu pensamento organiza-se de formas
diferentes, atribuindo novas relações de sentidos.
A leitura do texto foi proferida em voz alta a fim de atrair a atenção do aluno e
revelar-lhe as múltiplas possibilidades que o texto oferece. Conduzimos essa prática social
da leitura fazendo com que todos os alunos participassem comentando o que foi lido,
880
levantando hipóteses, debatendo ideias e construindo seu conhecimento. Valorizamos a
vivência e as contribuições que os alunos trouxeram para a discussão, pois acreditamos que,
dessa forma, podemos contribuir no desenvolvimento da autoconfiança, autonomia e
pensamento crítico, imprescindíveis na construção do conhecimento e na formação
profissional e humana desse indivíduo.
Após esse momento inicial, fizemos uma releitura de cada parágrafo acompanhada
de indagações e inferências sobre a ideia central. Nessa etapa, procuramos atrair a atenção
para a história da pontuação, envolvendo os alunos e aguçando sua curiosidade.
O texto, sobre a história da pontuação (anexo 1), foi essencial para que os alunos
desenvolvessem a construção do conhecimento. Os alunos perceberam que os sinais de
pontuação não obedeciam, na sua origem, ao padrão hoje estabelecido: o lógico-gramatical.
Antigamente, a pontuação seguia o critério baseado nas pausas respiratórias e no perfil
melódico da cadeia falada: o ritmossemântico. Com esse conceito apreendido, os alunos
identificaram os motivos pelos quais o critério ritmossemântico foi sendo desconsiderado ao
longo do tempo e pelos quais a pontuação passou a seguir o critério lógico-gramatical
orientado pelos novos princípios do pensamento matemático.
Em seguida, desencadeamos a discussão encorajando os alunos a expor suas ideias e
motivando-os a continuar no exercício do pensamento, mantendo a discussão viva. Depois,
levantamos os seguintes questionamentos oriundos do texto:
1. Por que surgiu a necessidade do critério lógico-gramatical da pontuação?
2. Os textos, na Antiguidade, eram pontuados de acordo com a melodia dada pelo
autor. Outros leitores poderiam fazer diferentes interpretações desses textos?
Nessa etapa do debate, em que essas questões foram propostas, percebemos que os
alunos chegaram às conclusões de modo esperado pelo planejamento. Após esse momento,
pedimos que os alunos respondessem por escrito às questões que foram propostas para que
suas ideias ficassem registradas. Chamou-nos a atenção o fato de que os alunos, em sua
maioria, mostraram-se à vontade e seguros em realizar tal atividade, pois o debate
promoveu o envolvimento e a segurança do aluno com o tema.
É importante destacar que o nosso trabalho em sala de aula foi o de direcionar a
aprendizagem, não demos respostas prontas, induzimos o caminho ao aluno que participou

881
ativamente da construção do seu próprio conhecimento, assumindo a responsabilidade de
seu aprendizado. Desse modo, as respostas de grande parte dos alunos nos confirmaram
que eles compreenderam o papel da pontuação como um instrumento fundamental na
produção de sentido.

Registros escritos referentes à primeira pergunta


Para facilitar a organização e dar clareza de sentido ao texto. (aluno 1)
Para dar maior entendimento e lógica ao texto. (aluno 2)
O critério lógico-gramatical surgiu para facilitar a organização do texto e dar maior
entendimento. (aluno 3)
Para facilitar o entendimento das frases, para organizar o texto e para não haver
interpretações diferentes. (aluno 4)
O critério lógico gramatical surgiu para dar sentido claro ao texto e para facilitar a
leitura, interpretação e análise do texto. (aluno 5)
Para deixar os textos mais organizados e facilitar a leitura do texto. (aluno 6)
Para facilitar a leitura, interpretação e organização do texto e para não gerar
interpretações diferentes. (aluno 7)
Para evitar várias interpretações do texto. (aluno 8)
Para colocar ordem no texto, facilitar o entendimento e interpretação dos textos.
(aluno 9)
O uso da pontuação com o critério lógico gramatical surgiu com a necessidade de
organizar o texto, facilitar a interpretação do texto. (aluno 10)
Deixar os textos mais organizados, dando pausa entre os parágrafos e entendimento
do contexto. (aluno 11)
Surgiu para facilitar a interpretação, organização e entendimento do texto. (aluno 12)
Para facilitar a interpretação do texto e evitar o duplo sentido. (aluno 13)
Deixar o texto mais organizado e dar sentido lógico. (aluno 14)
Para o texto ter maior clareza de sentido e evitar a confusão de sentido. (aluno 15)
Esta necessidade surgiu para melhor organizar e entender o que está sendo dito.
(aluno 16)

882
Registros escritos referentes à segunda pergunta
Sim. Por que o texto sem um padrão de pontuação a ser seguido gera muitas
interpretações. (aluno 1)
Sim. Talvez o leitor não entendesse o texto. O critério lógico-gramatical dá clareza de
sentido e lógica na relação entre as palavras. (aluno 2)
Sim. Porque o texto ficaria sem sentido, desorganizado e não obedeceria à um
padrão. (aluno 3)
Na época, o que era certo para eles, hoje é errado para nós. Então, eles entendiam
de um jeito diferente do de hoje. Sendo assim, para eles esse era o jeito certo da pontuação.
(aluno 4)
Sim. Porque cada um interpretaria de maneira diferente. (aluno 5)
Mais ou menos. Hoje nós temos esse entendimento, mas naquela época não
tínhamos essa visão. (aluno 6)
Sim. Hoje pontuamos seguindo um critério padronizado, mas naquela época
obedeciam a um padrão melódico. (aluno 7)
Sim. Porque na Antiguidade não se seguia um padrão. (aluno 8)
Sim. Porque as palavras colocadas sem pontuação confundiam muito o
entendimento, pois não havia organização nos textos. (aluno 9)
Talvez, antigamente, eles conseguissem até interpretar os textos. Mas, hoje, cada um
interpretaria de uma forma diferente esses textos antigos. (aluno 10)
Nos tempos antigos eles entendiam, pois era o modo de organizar o pensamento
deles. Mas, hoje organizamos de modo diferente. (aluno 11)
Sim. Quem lesse entenderia de formas diferentes ou sem lógica gramatical. Mas,
para as pessoas da época era certo. (aluno 12)
Sim. Pois os textos eram lidos de forma direta, ou seja, sem uma pausa definida e
isso, de uma certa forma, gerava duplo sentido, interpretações diferentes. (aluno 13)
Sim. Pois sem uma regra que siga o padrão lógico, o texto gera duplo sentido. (aluno
14)

883
Sim. Porque cada um lia de maneira diferente, fazendo entonações diferentes e por
isso gerava entendimentos diferentes. (aluno 15)
Sim, o texto gerava interpretações variadas. O emprego lógico-gramatical surgiu para
padronizar o texto. (aluno 16)

Consolidação
Neste momento, buscamos atrair a atenção do aluno para a relevância do conteúdo
da pontuação e consolidar o conhecimento que foi construído no estudo histórico realizado
através da atividade referente ao texto I. Dessa forma, a fim de despertar o interesse para
esse momento, aplicamos um segundo texto “O testamento e a Pontuação” (anexo 2) - que
narra a história de um homem rico à beira da morte que resolve escrever seu testamento,
mas morreu antes mesmo de ter tido tempo de pontuar o texto. A partir desse texto,
propomos uma atividade seguindo as seguintes etapas:
1. Fizemos a leitura até o terceiro parágrafo do texto.
2. Apresentamos o problema a ser solucionado.
3. Dividimos a turma em 4 grupos e cada grupo representou um dos quatro
personagens do texto citados no testamento.
4. A tarefa de cada grupo foi pontuar a frase do testamento de modo a contemplar o
interesse do personagem, representado pelo respectivo grupo, em receber a herança.
5. Ao final das apresentações do grupo, levantamos a seguinte questão: Qual a
importância da pontuação como instrumento imprescindível na produção de sentido?
6. Pedimos aos alunos que respondessem essa pergunta por escrito.

Registros escritos referentes à pergunta do texto II


A ausência da pontuação ou o uso inadequado dela afeta a coerência do texto. (aluno
1)
A pontuação dá sentido ao texto, assim como, o uso em desacordo com as regras
pode causar mudança de sentido. (aluno 2)
A importância da pontuação é muito grande porque pode causar falta de
entendimento nas interpretações. (aluno 3)

884
A importância da pontuação está na clareza de sentido que dá ao texto. Pontuar
corretamente garante o sentido que se quer dar ao texto. (aluno 4)
O uso indevido da pontuação gera ambiguidade. (aluno 5)
A pontuação é muito importante para preservar o sentido do texto, pois a pontuação
errada muda totalmente o sentido do texto. (aluno 6)
O uso errado da pontuação causa alteração de sentido do texto. (aluno 7)
Para garantir o sentido que se quer dar ao texto. (aluno 8)
A pontuação é muito importante para dar o sentido que se quer dar ao texto. O uso
incorreto ou a ausência da pontuação deixa o texto sem sentido, confuso. (aluno 9)
A pontuação é muito importante para dar o sentido que se quer dar ao texto. (aluno
10)
A ausência da pontuação muda o sentido das frases. (aluno 11)
A ausência da pontuação pode gerar vários entendimentos para o texto. (aluno 12)
O uso adequado da pontuação evita variações de sentido do texto. (aluno 13)
A pontuação dá sentido às frases e a ausência da pontuação gera desentendimento
para o leitor. (aluno 14)
Os sinais de pontuação dá clareza ao texto. (aluno 15)
Por causa da pontuação, observamos sentidos diferentes para um mesmo texto.
Portanto, a pontuação feita corretamente dá o real sentido que se quer dar ao texto. (aluno
16)
Percebemos que os alunos aprofundaram seus conhecimentos de forma prática
nessa atividade do texto II quando aplicaram os sinais de pontuação no texto. Conforme
propõe o estudo de caso, o grupo teve que discutir o problema, interagir com os colegas,
ouvir as opiniões, reavaliar sua conclusão e propor solução. Como nos diz Merseth (1991):

O método do caso salienta a dependência de resolver problema de modo


compartilhado, onde os indivíduos assumem a responsabilidade por sua
própria aprendizagem e também contribuem significativamente para o
aprendizado de outros.

Esse exercício de interação dos alunos foi essencial para a resolução da questão, pois
à medida que os alunos iam inserindo os sinais de pontuação eles iam percebendo a
mudança de sentido no contexto e fazendo o uso adequado da pontuação. Desse modo, os
885
alunos perceberam que pontuar é mais do que uma pausa na respiração, mais do que
entonação e ritmo, mais do que uma organização sintática, mas, especialmente, um
instrumento capaz de construir sentidos ao texto. Assim, reconheceram o papel dos sinais de
pontuação como operador da textualidade e consolidaram o conhecimento apreendido no
texto sobre a história da pontuação (anexo1).

AVALIAÇÃO FORMATIVA
A avaliação aplicada neste estudo de caso foi baseada na concepção de avaliação
formativa, ou seja, uma atividade prática que se constitui de uma ação articulada e coerente
realizada no contexto da sala de aula nos momentos de interação professor-aluno a partir de
propostas colocadas pelo docente que observa o desempenho do aluno e conclui sobre as
aprendizagens construídas.
Sob esse enfoque a avaliação desempenhou um papel essencial, quando a
concebemos como

[...] processo/instrumento de coleta de informações, sistematização e


interpretações das informações, julgamento de valor do objeto avaliado
através das informações tratadas e decifradas, e, por fim, tomada de
decisão (como intervir para promover o desenvolvimento das
aprendizagens significativas) (Silva, 2003, p. 12).

Nesse sentido, a avaliação formativa considera que o aluno constrói seu


conhecimento ao longo do processo de aprendizagem através das atividades que ele realiza
como sujeito ativo e sob a condução eficaz do professor. A avaliação faz parte do processo
ensino-aprendizagem, pois ela contribui para a construção do conhecimento.
A respeito da contribuição da avaliação formativa, para o desenvolvimento do
processo ensino-aprendizagem, Esteban (1997, p.53) faz considerações:

[...] avaliar o aluno deixa de significar fazer um julgamento sobre a


aprendizagem do aluno, para servir como momento capaz de revelar o que
o aluno já sabe, os caminhos que percorreu para alcançar o conhecimento
demonstrado, seu processo de construção de conhecimentos, o que o
aluno não sabe, o que pode vir a saber, o que é potencialmente revelado
em seu processo, suas possibilidades de avanço e suas necessidades para
que a superação, sempre transitória, do não-saber, possa ocorrer (Esteban,
1997, p. 53).

886
Desse modo, a avaliação é vista como um instrumento de orientação para a prática
docente, possibilitando ao professor diagnosticar e acompanhar a aprendizagem dos alunos.
Ao contrário da avaliação formal (de caráter classificatório), a avaliação formativa vai além
de medir conhecimentos, pois oferece informações aos professores e alunos para que eles
ajustem suas ações buscando novas estratégias de aprendizagem.
Primeiramente, aplicamos as tarefas contextualizadas que propunham problemas
levando os alunos a estabelecer relações para solucioná-los e, em seguida, realizamos
momentos de feedback que foram essenciais para analisar o desempenho dos alunos, pois
através deles recolhemos informações a respeito do processo ensino-aprendizagem para a
conscientização dos progressos e dos caminhos a seguir a fim de sanar as dificuldades.
Os momentos de feedback foram além de uma simples comunicação, foram
fundamentados no tema, no planejamento da aula, no estímulo à participação dos alunos,
na retomada das etapas do processo de construção do conhecimento e na contrapartida dos
alunos. Desse modo, avaliamos os resultados obtidos, observamos aqueles que alcançaram
os objetivos e aqueles que ainda não haviam reconhecido o papel da pontuação na
construção de significados, como instrumento de enunciação. Assim, através desse processo
de interação, pudemos ajustar as ações pedagógicas para a consolidação dos êxitos e fazê-
los perceber, de maneira plena, os recursos que a língua portuguesa oferece.
Dessa forma, concluímos que é viável utilizar a técnica do estudo de caso no ensino
da Língua Portuguesa. Essa metodologia foi primordial para a compreensão dos conceitos
que envolvem a pontuação. Constatamos que a construção do conhecimento baseada na
interação promoveu a autoconfiança, autonomia e contribuiu, significativamente, para o
desempenho dos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à educação não se restringe a uma etapa da vida e nem se restringe ao
espaço da escola, pois a vida é feita de aprendizados contínuos em diferentes espaços. O
sujeito é um ser que se faz por meio de experiências humanizadas, e é essa sua essência que
o faz interagir com o mundo e participar ativamente da construção do seu conhecimento, ao
mesmo tempo em que participa da construção do conhecimento do outro. E, justamente por

887
essa característica essencial do ser humano que não se deve conceber uma escola que
ofereça uma educação baseada na transmissão de saberes. A escola precisa partir desse
princípio humanístico para traçar suas diretrizes pedagógicas, propiciar situações e criar
ambientes para que essa interação promova a construção do conhecimento. Portanto,
aplicar a técnica de estudo de caso - metodologia baseada na interação - significa avançar na
busca de novas práticas pedagógicas emancipatórias, contribuindo para uma outra
concepção de educação de Jovens e Adultos que respeite especificidades da modalidade
EJA.
Dessa forma, entendemos que a dimensão linguística corresponde a um dos pilares
dessa formação desejada de um cidadão capaz de atuar plenamente na sociedade em que
vive. Vale lembrar que muitos Jovens e Adultos que retornam à escola desenvolveram
experiências culturais em sua vivência, mas vivemos numa sociedade que privilegia àqueles
que sabem ler, escrever e, sobretudo, àqueles que sabem fazer uso da escrita com
propriedade. Desse modo, entendemos que, para caminhar em busca da permanência do
aluno na escola, do sentimento de pertencimento, de uma educação de qualidade e de uma
formação completa e continuada, a escola deve partir do universo desse aluno, dar voz e vez
às suas expectativas. Não queremos adotar o estudo de caso como a salvação da educação e
nem como solução para os percalços do ensino da língua portuguesa, longe disso, mas essa
metodologia mostrou-se ser uma ótima estratégia para uma educação que promove uma
formação possível e condizente com a realidade.
Percebemos, nesse estudo de caso, os avanços dos alunos quando promovemos
ações que valorizaram os seus saberes trazidos e construídos sobre o tema da pontuação,
uma vez que a apreensão das regras desse conteúdo fez sentido prático para sua vida.
Reconhecemos que o estudo de caso não é o único caminho para essa concepção do
ato educativo como ação transformadora e participativa na construção do conhecimento,
mas que é viável para o ensino da língua portuguesa.

AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Observatório da Educação, da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/Brasil.

888
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro, 1999.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. 20 de dezembro de 1996.
__________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
__________. Parecer CNE/CEB nº 11/2000, de 10 de maio de 2000.
BRASIL. Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica.
Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de nível médio na modalidade
de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Documento Base, 2007.
ESTEBAN, M. T. Avaliação: momento de discussão da prática pedagógica. In: GARCIA, R. L.
(org.). Alfabetização dos alunos das classes populares. São Paulo: Cortez, 1997.
FONSECA, M. H. P. B. Ensino de Ciências da Natureza no PROEJA. 2011. Tese
(Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Ciências Naturais, Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, RJ, 2011.
HERREID, C. F. The Death of problem-based learning? Journal of College Science
Teaching, v. 32, n. 6, p. 364-366, 2003.
HYGINO, C. B. Uso de Episódios da História da Ciência em Aulas de Física no PROEJA.
2011. 91 F. Dissertação (Mestrado) – Mestrado em Ciências Naturais, Departamento de
Programa de Pós-graduação em Ciências Naturais, Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, RJ, 20011.
MERSETH, K. The case for cases in teacher education. Washington, D.C.: American
Association of Colleges for Teacher Educacion, 1991.
O TESTAMENTO e a pontuação. Disponível em:
http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/3300458. Acesso em 05 de set. 2014.
PAIVA, Jane. Os desafios da Educação no tempo presente. O lugar da EJA: de que
Educação estamos falando? Entrelaçando olhares por uma educação planetária. 1. ed. Rio
de Janeiro: Caetés, 2014. p. 77 – 106.
SÁ, L. P. e QUEIROZ, S. L. Estudos de Caso no Ensino de Química. Campinas: Átomo, 2009.

889
SILVA, J. F. (Org.). Práticas avaliativas e aprendizagens significativas. Porto Alegre:
Mediação, 2003.

ANEXO I

PONTUAÇÃO: OPERADOR DA TEXTUALIDADE


Os sinais de pontuação datam de época relativamente recente na história da língua
escrita. No sistema hoje empregado, é possível observar, porém, a permanência de alguns
sinais usados desde os gregos, os latinos e a Alta Idade Média.

890
Segundo Houaiss, a história da pontuação revela, no mundo ocidental, como uma
lenta conquista. A tradução medieval legou-nos o sistema iniciado pelos alexandrinos,
enquanto o Renascimento limitou-se a herdar, em linhas essenciais, os principais signos de
pontuação modernos, empregando-os num sentido progressivamente lógico-gramatical,
enquanto antes se fazia preferentemente subordinado ao perfil melódico da cadeia falada e
às pausas respiratórias mais nítidas.
Essas observações de Houaiss, ao lado de considerações de antigos gramáticos,
deixam evidente que o emprego dos sinais de pontuação não obedecia, na sua origem, ao
padrão hoje estabelecido - o lógico-gramatical. Razões de ordem melódica, prosódicas
determinavam o uso desses sinais; assim, a produção do sentido fazia-se a partir de uma
base ritmossemântica, que foi, ao longo do tempo, sendo desconsiderada.
A lógica do pensamento, orientada por um raciocínio eminentemente matemático,
mudou os princípios sobre os quais se deveria pautar a pontuação. A partir daí, a
estruturação lógica passou a ser considerada como a base de uso da pontuação, deixando de
levar em conta as questões relativas a ritmo, à lógica aparentemente desorganizada do
pensamento em si.
[...]
Tânia Maria Nunes de Lima Câmara

ANEXO II

O TESTAMENTO E A PONTUAÇÃO

891
Um homem rico, sem filhos, sentindo-se que morreria logo, pediu papel e caneta e
escreveu assim:
“Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do
mordomo nada dou aos pobres”
O moribundo não teve tempo de pontuar o texto e morreu.
Eram quatro concorrentes. Chegou o sobrinho e fez estas pontuações numa cópia do
bilhete:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do
mordomo. Nada dou aos pobres.”
A irmã do morto chegou em seguida com outra cópia do testamento e pontuou
assim:
“Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do
mordomo. Nada dou aos pobres.”
Apareceu o mordomo, pediu uma cópia do original e fez estas pontuações:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do
mordomo. Nada dou aos pobres.”
Um juiz estudava o caso, quando chegaram os pobres da cidade. Um deles, mais
sabido, tomou outra cópia do testamento e pontuou deste modo:
“Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do
mordomo? Nada! Dou aos pobres!”
(Autor desconhecido)
http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/3300458

892
DESAFIOS DA PRÁTICA EDUCATIVA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO SÉCULO XXI

Jaqueline Dias da Silva


IFF

Claudia Márcia Ribeiro de Azeredo


IFF

RESUMO: A economia como protagonista do contexto social abre espaço para que as
mudanças provocadas pelas novas tecnologias da informação se estabeleçam e suas
variadas possibilidades de aprendizado ramificaram-se para diversificadas áreas, mas o
sistema educacional permanece cercado por ideologias que não contextualizam a realidade.
No quadro de mudanças na natureza e no processo de trabalho passam a ser exigidos dos
trabalhadores: a capacidade de diagnosticar e solucionar problemas, aptidão para tomada
decisão, trabalho em equipe, enfrentamento de situações em constantes mudanças e
intervenção no trabalho para melhoria da qualidade dos processos, produtos e serviços. Essa
situação trouxe um lado luminoso para o processo de educação para o trabalho que foi a
possibilidade de um novo tratamento para os conteúdos, a partir de concepções gerenciais e
da introdução de tecnologias que exigem maior base de educação geral e formação integral
do indivíduo. Este estudo analisa práticas docentes nos cursos de formação profissional,
tomando por base a importância de uma educação voltada para o desenvolvimento de
competências e habilidades que ultrapassem a dimensão técnica. O procedimento que
envolve esta pesquisa é descritiva analítica e reflete a proposta pedagógica de uma
instituição de formação profissional relacionada à prática dos instrutores. A captação de
informações foi feita por meio de questionários respondidos por professores e alunos da
instituição. Os instrutores e alunos destacam a indisponibilidade/não utilização de recursos
tecnológicos e material didático como limitadores da prática de ensino dos instrutores. Isso
demonstra a complexidade da docência na educação profissional e a necessidade de
utilização destes recursos na operacionalização do desenvolvimento de competências.
Palavras-chave: Educação profissional. Práticas pedagógicas. Ensino por competência.

REALIDADE EM TRANSIÇÃO
É inegável a disponibilidade, em variadas formas, dos conteúdos que transitam por
meio de diferentes sistemas de informação. Real e virtual se completam das mais variadas
formas e mudam rapidamente o presente.
Na sociedade da informação, como é compreendido o atual momento que vivemos,
funções e processos dominantes estão cada vez mais organizados em torno de redes. De
acordo com Castells (1999), o processo que ocorre nesse novo modo de desenvolvimento
pelas redes é caracterizado por três estágios: a automação de tarefas (racionalização de

893
processos existentes); a experimentação de usos (inovações) e a reconfiguração de
aplicações (implementação de novos processos, criando novas tarefas). Como a matéria-
prima fundamental das novas tecnologias é a informação, cada novidade tecnológica pode
se tornar instantaneamente a matéria-prima para o próximo ciclo do desenvolvimento,
contribuindo para o aumento da rapidez do processo de inovação.
A transição se constata quando é manifestada a convivência de pessoas de gerações
tão diferentes. Seja Y, X, Z ou A, as classificações variam e são separadas sob variados
aspectos, sendo os mais marcantes a velocidade de propagação das informações e a
utilização das tecnologias.
Para uma geração que não experimentou viver toda uma vida na era digital dos
tempos atuais, compreender o perfil do estudante gera desconforto, insegurança e
compreensão limitada. Afinal, seus modelos mentais tem como base a educação
socioeducativa recebida em tempos cuja predominância da ideologia era baseada nos
sistemas produtivos. Nestes, os modelos de produção eram alinhados com características
em que os ambientes de aprendizagem consideravam o aluno de forma passiva. Assim como
o controle que caracterizava de forma marcante o período.
Por fim, neste sentido, Kenski (2012) no livro Educação e Tecnologias: o novo ritmo
da informação, salienta que:

A velocidade das alterações no universo informacional exige atualização


permanente. Para que todos possam ter informações que lhe garantam a
utilização confortável das novas tecnologias é preciso um grande esforço
educacional geral. Como as tecnologias estão em permanente mudança, a
aprendizagem, por toda a vida torna-se consequência natural do momento
social e tecnológico em que vivemos. Já não há um momento determinado
em que qualquer pessoa possa dizer que não há mais o que aprender. Ao
contrário, a sensação é a de que quanto mais se aprende mais há para
estudar, para se atualizar.

As evidências apontam um caminho de reflexão e exame das mudanças


comportamentais, sociais e tecnológicas. Neste contexto é imprescindível o professor fazer
adaptações dos modelos educacionais que considerem a variadas formas de linguagem
midiáticas em sua prática diária de ensino.

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
894
Em decorrência do processo de inovação e de uma sociedade em que os
conhecimentos não param de evoluir, surge uma nova natureza para o trabalho. Para Pierre
Lévy (1999), filósofo francês da cibercultura, “trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender,
transmitir saberes e produzir conhecimentos”. O que é preciso saber profissionalmente já
não pode ser totalmente planejado nem precisamente definido com antecedência, diz Lévy.
As necessidades postas pelo trabalho e a definição de perfis profissionais são cada vez mais
singulares e mutantes.
Conforme relata, Pastore (2013), o mundo do trabalho não quer diploma, quer
pessoas com bom senso, lógica de raciocínio, que saibam trabalhar em grupo, saibam se
comunicar, saibam escrever, que entendem o que lê e que dominem o seu ofício.
As instituições educativas impulsionadas por demandas e significados oriundos dos
avanços tecnológicos e das novas concepções do trabalho sofrem mudanças decorrentes da
cultura, tempo, espaço e rumos educacionais. Nesse contexto de perplexidade do mundo
educacional que vivencia bruscas rupturas provocadas pelos avanços tecnológicos e
demandas produtivas, surge a preocupação sobre o desempenho do trabalho docente.
Moran (2013) destaca que, as mudanças dependem, em primeiro lugar, de termos
educadores maduros intelectual e emocionalmente, pessoas curiosas, entusiasmadas,
abertas, que saibam motivar e dialogar. Pessoas com as quais valha a pena entrar em
contato, porque desse contato saímos enriquecidos.
De acordo com Deffune e Depresbiteris (2002), muitos princípios e ações
pedagógicas poderiam ser criados para humanizar os currículos da formação técnica, entre
eles, i) a busca de estratégias para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa,
desafiadora, estimuladora de raciocínios mais elaborados, da participação ativa, da
resolução de problemas; ii) o oferecimento de oportunidades de simulação das diversas
formas de organização do trabalho, em série, em células e de modo individual, de maneira a
preparar o aluno para o contexto real, tanto para o mercado formal como para o informal;
iii)a visão do todo e de suas partes, considerando-se, principalmente, a lacuna encontrada
em práticas do trabalho organizado em série e a necessidade de preparar o futuro
trabalhador organizado para células de manufatura, que exige competências que vão além
do trabalho taylorizado.

895
E, dentro deste debate, este artigo prioriza compreender questões relacionadas à
competência docente e a formação profissional no curso técnico em Logística oferecido no
SENAC/RJ na Unidade Campos. O estudo reflete sobre os documentos institucionais sob a
ótica da Lei Diretrizes e Bases da Educação (LDB) seu percurso histórico da educação
profissional brasileira e o ensino do professor da formação técnica.
BASE LEGAL PARA FORMAÇÃO DE PESSOAS PARA O MERCADO DE TRABALHO
Uma educação voltada para o desenvolvimento de competências e habilidades que
ultrapasse a dimensão técnica contemplando o trabalho com as dimensões de
desenvolvimento do indivíduo e a formação cidadã.
A nova diretriz constitucional demonstra a necessidade de ajustes nos sistemas de
ensino, conduzindo à elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que após oito anos da promulgação da nova constituição, é finalmente
regulamentada, como a lei 9394 em dezembro de 1996, e denominada lei “Darcy Ribeiro”
em homenagem ao seu mentor. Segundo Frigotto (1998, p.25), a nova LDB apresenta-se de
forma generalizada, em relação à legislação anterior, a lei 5692/71, na medida em que passa
a conferir aos sistemas de ensino, maior liberdade na organização de suas propostas.
Ao ensino profissional, por suas características técnicas e específicas, a nova lei
atribui o estatuto de preparação para o mundo do trabalho às unidades de ensino que
atendem por força de lei, a esta modalidade. Esta especificidade da formação profissional,
segundo o legislador não pode excluir da formação do técnico, e educação geral, tanto que,
em seus artigos 39 e 42, a LDB considera que: “A Educação Profissional deve estar integrada
às diferentes formas de educação, assim como ao trabalho, à ciência e à tecnologia”.
Entre os referenciais específicos, destaca-se o Decreto Federal 2.208/97, que
estabelece as diretrizes da Educação profissional, situando às competências do Ensino
Técnico e Tecnológico, desde a preparação para o trabalho na Educação Básica, até o ensino
profissional e as instituições que estão credenciadas para ministrá-lo.
Sua organização curricular passa a ser própria e independente do ensino médio,
podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este. Mas, a desvinculação
não significa que as instituições deverão oferecer um ensino exclusivamente prático:

896
Qualquer curso profissionalizante sempre demandará a estruturação de
currículos contemplando todas as dimensões do desenvolvimento humano:
a cognitiva, a afetiva e a psicomotora, fundadas em princípios éticos,
políticos e estéticos que contribuam para consolidação de conceitos e
valores indispensáveis ao exercício da cidadania na democracia. (DECRETO
N° 2.208/ 97).

É a partir deste disciplinamento jurídico que decorrem as Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação Profissional de nível técnico, instituídas pela Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação/CNE por meio da Resolução nº 04/99, nos termos
do Parecer 16/99.
Em 2004, o Ministério da Educação, por meio do Decreto 5.154/2004, apresenta o
Documento base, que faz a integração entre a educação Básica no segmento de nível médio
e o Ensino Técnico Profissional, promovendo uma transformação curricular, pelo Parecer
39/2004 da Câmara de Educação Básica (CBE), que integra os currículos desses cursos.
O Ensino Técnico passa a ser adequado ás necessidades sociais e às mudanças
ocorridas no mundo do trabalho, atualmente dependendo das novas tecnologias e servindo
para o atendimento às demandas sociais. Isto ocorre em função da inovação trazida pela
noção de competência: o reconhecimento do saber prático/tácito do trabalhador.

VISÃO SOBRE A PRÁTICA DOCENTE - ANÁLISE DA PESQUISA


A pesquisa de campo exploratória foi desenvolvida junto aos instrutores de Logística
da instituição SENAC/RJ Unidade Campos foi considerada uma averiguação. A coleta de
dados se deu por meio de questionários direcionados aos instrutores com o objetivo de
comparar suas possíveis repostas por meio das questões indicadas pelos alunos.
O tratamento dos dados foi feita da seguinte forma: os conteúdos teóricos serão
apresentados por meio de texto dissertativo. O resultado dos questionários foi apresentado
por meio do texto discursivo com a síntese das comparações entre teses apresentadas por
cada parte envolvida; acreditou-se que desta forma haveria a possibilidade de alcançar
maior veracidade em algumas respostas encontradas.
Os dados foram interpretados quantitativa e qualitativamente, tendo como base o
referencial teórico levantado na pesquisa bibliográfica.

897
ALUNOS
A população alvo da pesquisa foi composta por 140 alunos do curso de Técnico em
Logística, sendo distribuídos em seis grupos. Dos grupos não foi considerado participantes
do primeiro módulo, pois a percepção seria afetada pelo curto prazo de experiência
discente.
A pesquisa realizada foi do tipo censo que conforme aponta Lopes (2003, p.1): é a
coleta exaustiva de informações das "N" unidades populacionais, ou seja, o exame de todos
os elementos de uma população ou universo. Na etapa de aplicação dos questionários não
foi possível alcançar toda a população alvo, tanto de instrutores como de alunos mostrando
indícios de taxa de insucesso ao final do levantamento. A coleta de dados utilizada foi uma
adaptação do instrumento SERVQUAL, cujo objetivo é analisar a satisfação de cliente em
relação a serviços ou produtos ofertados por empresas e organizações.
O documento foi disponibilizado por meio de formulário do aplicativo Google docs. A
coleta com os alunos foi feita presencialmente em sala de informática da instituição. Foi
encaminhada mensagem eletrônica aos instrutores e também solicitação de preenchimento
do formulário presencialmente de acordo com a disponibilidade na instituição.
Os gráficos 1, 2 e 3, apresentam dados levantados por meio dos questionários. São
cinco afirmativas, diante das quais cada aluno e instrutor deveria se posicionar em uma das
opções dadas: Discordo fortemente (1), Discordo (2), Concordo parcialmente (3), Concordo
(4), Concordo fortemente (5).
No Gráfico 1, segundo as pesquisadoras, dos alunos que participaram da pesquisa,
61% concordam fortemente que nas aulas são apresentados desafios que estimulam a
aprendizagem e o agir profissional. A estratégia de utilizar desafios para estimular a
aprendizagem é de grande importância na educação profissional, pois o aluno vai sendo
preparado para enfrentar situações inesperadas e desafiadoras que podem acontecer no seu
dia-a-dia e no ambiente de trabalho.

Gráfico 1: Utilização de desafios, perguntas ou questões que estimulem a aprendizagem

898
Fonte: SIQUEIRA; SILVA, 2013.

Gráfico 2: Recursos didáticos adequados

Fonte: SIQUEIRA; SILVA, 2013.

Quadro 1: Pergunta aberta respondida por um dos alunos

899
Fonte: SIQUEIRA; SILVA, 2013.

Na indagação que consta no item 13 relacionado à maior dificuldade para realização


das atividades de forma plena e satisfatória, a manifestação da população deu-se por meio
de pergunta aberta. Nela encontram-se variadas contribuições, das quais destacamos duas
que obtiveram maior quantidade de lançamentos. Aproximadamente 24% dos entrevistados
que caracterizou a falta de material didático e tecnológico como limitador para realização
das atividades no ambiente de aprendizagem.
Ao serem usados no trabalho com os conteúdos escolares, os recursos didáticos
servem de mediadores entre estes conteúdos e os alunos. Os alunos se apropriam dos
conteúdos e do papel social de terminado recurso didático, como exemplo podemos citar o
uso da fita métrica na sala de aula para trabalhar com o conteúdo de medida de
comprimento. A escolha da fita métrica e o seu uso, feitos pelo educador, podem criar as
condições para que o aluno se aproprie desse conteúdo escolar e, inclusive de seu valor
cultural. A partir dessa apropriação e de sua interiorização ele poderá recorrer ao uso desse
instrumento em outros momentos de sua vida achar útil e necessário.

INSTRUTORES
No item 14 do questionário, questão de base discursiva, os instrutores apontam duas
vertentes em relação à maior dificuldade para realização de suas atividades. A falta de
equipamentos tecnológicos e materiais didáticos disponíveis foram descritos por 55,56% dos
instrutores como a principal dificuldade encontrada. No Quadro 2 é mostrada a resposta de
um dos instrutores ao referido item do questionário.

900
Quadro 2: Pergunta aberta respondida por um dos instrutores

Fonte: SIQUEIRA; SILVA, 2013.

Podemos perceber que recurso didático é todo o tipo de material que possa facilitar
a absorção do conteúdo pelo aluno. A fim de exemplificar, podemos citar como recursos
didáticos: cartazes, data-show, computador, filmes, mapas, retroprojetor, revistas, jogos. O
professor tem o papel de selecionar os melhores recursos a fim de facilitar o entendimento e
absorção do conteúdo que ele deseja aplicar.

Gráfico 3: Conhecimento da realidade do aluno

Fonte: SIQUEIRA; SILVA, 2013.

Nesta apuração o percentual de instrutores que concordam fortemente com os


questionamentos se aproxima dos 80%, mostrando o quanto na educação profissional é
901
preciso considerar a bagagem que o aluno traz e utilizar-se desses conhecimentos para
incentivá-lo a aprender novas coisas que o ajudarão no mercado de trabalho.
Os resultados da pesquisa direcionam caminhos para que os sujeitos que atuam na
educação profissional integrem os recursos didáticos e tecnológicos à atividades
desafiadoras, aproveitando as experiências trazidas pelos alunos com o objetivo de tornar
suas aulas mais dinâmicas e atrativas facilitando a aprendizagem.

DESAFIOS QUE APONTAM CAMINHOS


Desenvolver a construção de competências e habilidades nos alunos que garantam
perspectivas de trabalho, facilitem seu acesso ao mercado e reinseriram trabalhadores no
mercado de trabalho são objetivos desafiadores para a Educação Profissional na
contemporaneidade. As rápidas mudanças e demandas mercadológicas no setor produtivo
avançam e eclodem questões desafiadoras para o desenvolvimento da educação
profissional.
O recurso tecnológico e material didático adequados se apresentam
como pontos que deverão ser enfrentados e não se esgota apenas em sua reflexão, mas
exige intervenção para mudança da realidade permanente, como forma de capacitar,
atualizar, especializar e aperfeiçoar jovens e adultos em seus conhecimentos tecnológicos
rumo à uma educação de qualidade.

REFERÊNCIAS
CASTELLS, Manoel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DEFFUNE, Deisi; DEPRESBITERIS, Léa. Competências, habilidades e currículos de
Educação Profissional: crônicas e reflexões. 3. ed. São Paulo: Editora SENAC, 2002.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: o novo rítmo da informação. 8. ed. São
Paulo: Papirus, 2012.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.
MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda Aparecida. Novas
tecnologias e mediação pedagógica. 21. ed. São Paulo: Papirus, 2013.

902
PASTORE, J. Educação e mercado de trabalho. Publicado em 26 jul. 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=QIa2RaCqqfE>. Acesso em: 02 nov. 2014.
SIQUEIRA, Carla Lessa; SILVA, Jaqueline Dias. Prática de Ensino dos Instrutores e
Proposta Pedagógica: Curso Tecnico de Logística do SENAC\ RJ unidade Campos. Rio de
Janeiro, 2013 Artigo Científico apresentado ao Curso de Pós Graduação em Educação no
Século XXI do IFF Campos.

903
DESIGUALDADES SOCIAIS E VIOLÊNCIA CONTRA O PROFESSOR NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Bárbara Viana Villaça


Instituto Brasileiro de Ensino

Tatiane Almeida de Souza


Instituto Brasileiro de Ensino

RESUMO: As desigualdades sociais presentes no Brasil se dão por meio, também, da escola,
por não ofertar uma educação de qualidade, acarretando em desigualdades educacionais,
tendo em vista que o país ainda não atingiu um ensino de excelência. O presente trabalho
tem por objetivo analisar como as desigualdades sociais no Brasil contribuem para o
crescimento dos casos de violência escolar contra os profissionais da educação,
especialmente contra os professores e que os fatores educacionais são fortes determinantes
de futuras desigualdades sociais, o que se dará por meio das desigualdades de
oportunidades presentes no sistema educacional. A metodologia utilizada foi qualitativa,
tendo como instrumentos relatos de professores, pesquisa e revisão bibliográfica. A
pesquisa traz a problemática da desvalorização do docente perante a sociedade e suas
consequências para o universo escolar. Foram pesquisados relatos de professores que
sofreram com a violência escolar e os motivos para ocorrência destas. As considerações têm
por objetivo contribuir para uma melhor reflexão sobre o sistema educacional brasileiro,
bem como a importância da educação no processo de identidade do educando.
Palavras-chave: Desigualdades sociais. Desvalorização do docente. Violência escolar.

INTRODUÇÃO
As desigualdades sociais presentes no Brasil se dão por meio, também, da escola, por
não ofertar uma educação de qualidade, acarretando em desigualdades educacionais, tendo
em vista que o país ainda não atingiu um ensino de excelência. Para que a economia do país
cresça com maior igualdade de renda é necessário que a educação passe por muitas
mudanças, com políticas públicas eficazes e comprometidas com a qualidade do ensino.
Na atualidade, com as informações que chegam a todo o momento pelos diversos
tipos de meios de comunicação, a escola está inserida em uma sociedade que requer uma
mudança, cujas transformações em todos os seus aspectos econômicos, políticos e culturais,
estão subordinados a uma dinâmica globalizante e demandam a vitalização de competências
de toda a comunidade escolar. A sociedade atualmente está inserida num contexto marcado
pela crise do mundo do trabalho que se reflete de várias formas no universo educacional.
Um exemplo é a participação da mulher no mercado de trabalho. A responsabilidade da

904
educação dos filhos, que antes pertencia principalmente à família, passa a ser cada vez mais
transferida para a escola, que atualmente é responsável pela socialização e formação moral
das crianças e jovens, indo muito além dos limites da formação intelectual.
Nessa perspectiva de desigualdades educacionais, a educação se torna cada vez mais
presente e necessária para a formação do capital humano e cultural, e o professor acaba
sendo o agente facilitador da aprendizagem, contribuindo para um melhor desempenho de
seus alunos.
Nesse sentido este estudo tem por objetivo analisar a importância da educação para
todo indivíduo seja ele de classe mais favorecida ou menos favorecida, bem como o
problema da desvalorização que o professor sofre enquanto profissional da educação e
agente primordial neste processo do conhecimento, buscando analisar os casos de violência
sofrida por este profissional.
Este estudo trará, posteriormente, as considerações finais. Espera-se que este
contribua de forma satisfatória para uma melhor compreensão sobre a importância da
educação e do professor para a sociedade.

A EDUCAÇÃO COMO PRINCÍPIO DA IGUALDADE SOCIAL


A educação é um campo muito complexo, pois está ligada diretamente com a vida
dos indivíduos. Assim, fica muito difícil definir educação, porque é um processo que sofre
grandes mudanças ao longo do tempo, com a inserção das novas tecnologias e o surgimento
de “novas” instituições de ensino.
Ao longo da história da educação, podemos observar que ela é vista de diferentes
formas; para muitos é um campo de novas perspectivas e para outros, o seu real valor é
desconhecido. Para Pires (2005), quanto mais educado for o indivíduo, mais ele se humaniza
e se ampliam as suas potencialidades. Nessa concepção de educação, os indivíduos
adquirem conhecimento e percepções de mundo. A sociedade ganha novas formas de se
organizar em prol da globalização, e a educação novos paradigmas.
Do ponto de vista econômico, a industrialização aumentou o efeito da educação no
rendimento das famílias, na desigualdade da distribuição da renda e na mobilidade social. Ao
aumentar a demanda por mão-de-obra qualificada, acredita-se que a partir da escolaridade,

905
os cidadãos possam estudar e se qualificar para atender a urgente expansão da
industrialização que requer da escola, técnicas e alto poder de inovação para que os
estudantes possam dar retorno como demanda efetiva do desenvolvimento tecnológico e
econômico.
E é nesse cenário educacional, econômico e político que surgem as análises de
Bourdieu, voltadas à sociologia da educação e da cultura. Ele dedicou-se
à pesquisa empírica e teórica relacionadas às sociedades contemporâneas e às relações
sociais que permitem a reprodução da cultura dominante dentro do sistema de ensino.
Conforme Bourdieu, o ser humano é um ator socialmente construído, em seu
ambiente familiar, tornando-se fruto do meio em que se vive e o capital cultural é de grande
valia para explicação das desigualdades escolares.
Nessa mesma perspectiva, Soares (2006) define a ideologia do dom, segundo a qual
as causas do sucesso ou do fracasso na escola devem ser buscadas nas características dos
indivíduos: a escola oferece “igualdade de oportunidades”, e o bom aproveitamento dessas
oportunidades dependerá do dom de cada um. Este “dom” seria a capacidade do aluno em
se adaptar à sociedade como um todo, em favor de suas aptidões individuais. Deste modo, o
fracasso escolar está fundamentado pela incapacidade do aluno em se ajustar ao que lhe é
ofertado.
Pode-se se contrapor a abordagem de Bourdieu com a concepção da ideologia do
dom. Para ele, a escola é uma das principais instituições a qual os privilégios sociais se
mantêm, pois o conhecimento é cobrado em prol dos grupos dominantes, como se sua
cultura fosse universal. Já para Soares o fracasso do aluno não seria de responsabilidade da
instituição, porque ela competiria atender de forma desigual os desiguais por natureza,
perpetuando assim as desigualdades sociais dentro da escola (NOGUEIRA e NOGUEIRA,
2002).
De acordo com Nogueira e Nogueira (2002), na sociedade existem vários arbitrários
culturais, pois nenhuma cultura é superior à outra. Os valores, atitudes, comportamentos
não se fundamentam de forma universal. Cada grupo social possui uma cultura e no caso da
escola a cultura escolar só se fará legítima quando considerada em disputa igualitária entre
as classes sociais. O autor acredita que os valores arbitrários capazes de se consolidar como

906
cultura legítima, no caso das sociedades de classes, seriam os valores da classe dominante,
tornando-se legítima por esta classe. As classes dominadas teriam que se adequar a este
arbitrário imposto da cultura escolar que acaba por favorecer apenas à classe dominante o
conhecimento necessário. A violência simbólica ocorre pelo fato dos estudantes da classe
dominada não se reconhecerem como parte integrante da cultura escolar.
No caso mais específico da instituição de ensino que é fundamentada pela ação
pedagógica, ela pode ter a capacidade de, a partir de seu currículo, não ser arbitrária e nem
vinculada a nenhuma classe social.
Segundo Nogueira e Nogueira (2002, p. 29),

[...] a comunicação pedagógica, assim como qualquer comunicação cultural,


exige, para a sua plena compreensão e aproveitamento, que os receptores
dominem o código utilizado na produção dessa comunicação. Dito de outra
forma, a rentabilidade de uma relação de comunicação pedagógica, ou seja,
o grau em que ela é compreendida e assimilada pelos alunos, dependeria
do grau em que os alunos dominam o código necessário à decifração dessa
comunicação. Para Bourdieu, esse domínio variaria de acordo com a maior
ou menor distância existente entre o arbitrário cultural apresentado pela
escola como cultura legítima e a cultura familiar de origem dos alunos.

A escola reproduz a desigualdade, pois trata igual às pessoas diferentes. Os


receptores da comunicação pedagógica acreditam que para ensinar com total sucesso são
necessárias habilidades e referências linguísticas que apenas os membros das classes mais
favorecidas possuem. Os professores assim acreditam que todos os alunos possuem os
mesmos saberes, ou seja, instrumentos da cultura escolar como cultura familiar, como se o
conhecimento de todos se iniciasse no ambiente familiar.
Para Nogueira e Nogueira (2002), a teoria de Bourdieu explicita o problema de como
a escola, ao tender desprezar o saber e a linguagem dos mais pobres, acaba produzindo e
reproduzindo as desigualdades sociais, porque exclui ou classifica as culturas e decide o tipo
de aprendizagem a ser imposto aos alunos. A classificação não se detém somente aos
rendimentos provenientes das avaliações escolares. Ela é conduzida também pela herança
cultural de cada um, favorecendo assim as classes dominantes que detém o saber da cultura
escolar. Diante desses aspectos, os efeitos das condições socioeconômicas das famílias sobre
a escolaridade de um indivíduo variam segundo a competência familiar de proporcionar
meios que promovam uma boa realização dos objetivos que lhe são estabelecidos.
907
Conforme Nogueira e Nogueira (2002), Bourdieu propõe uma análise acerca dos
conteúdos curriculares e da avaliação da aprendizagem, acreditando que esses dois
instrumentos seriam selecionados em função dos conhecimentos, dos valores, que assim
verificariam o aprendizado dos alunos em favor das classes dominantes. Desta forma, seriam
os indivíduos provindos de famílias mais ricas que tendem a chegar à escola em melhores
condições, devido, o investimento feito por seus pais, que os colocam nas mais conceituados
escolas, podendo se manter nas mesmas, por longos anos. Assim, é garantido o acesso a
diferentes línguas como o inglês, espanhol e o francês, acesso também à compra de livros,
idas a teatro, museus e viagens. Em consonância, a escola acaba por legitimar e gerar grande
desigualdade de oportunidades entre alunos de baixa e alta renda.
Nesse contexto se destaca a sociedade moderna, a qual a escolarização de todos os
cidadãos faz-se necessária, pois eles precisam de uma educação mais elaborada, para
desfrutar dos benefícios desta sociedade. Sendo assim, a educação é de suma importância
para o cotidiano de qualquer cidadão nas questões mais corriqueiras, quando se necessita
ter o domínio da leitura para pegar um ônibus ou metrô, receber e dar trocos
monetariamente, bem como em situações mais complexas, por exemplo, estar qualificado
para um bom emprego, ou até participar dos bens culturais, como idas à teatro, leitura de
crônicas ou poemas.
Anísio Teixeira, grande educador e escritor brasileiro, buscou compreender e estudar
a importância da educação brasileira. Ele denotou:

A escola pública, comum a todos, não seria, assim, o instrumento de


benevolência de uma classe dominante, tomada de generosidade ou de
medo, mas um direito do povo, sobretudo das classes trabalhadoras, para
que, na ordem capitalista, o trabalho (não se trata, com efeito, de nenhuma
doutrina socialista, mas do melhor capitalismo) não se conservasse servil,
submetido e degradado, mas igual ao capital na consciência de suas
reivindicações e dos seus direitos (TEIXEIRA, 1994, p.83).

Para o autor, o que não pode faltar na vida de uma pessoa é uma escola pública de
qualidade, eficaz e gratuita, capaz de levar o aluno a conscientização do seu reconhecimento
como cidadão atuante e incluso na sociedade civil, nas reivindicações de seus direitos, a
refletir antes de tomadas de decisões que o auxiliem na construção de um mundo mais
digno e justo.
908
Nessa sociedade moderna é preciso ainda compreender a educação como meio de
ascensão social, pois ela é o principal meio para se inserir o sujeito no mundo em que vive e
no mercado de trabalho, hoje tão competitivo. A partir dela, pode-se conhecer diferentes
realidades e vivenciar melhores oportunidades como, histórias e culturas de outras nações
por meio dos livros de História, tornando-se necessário que o sujeito tenha a escolarização
da educação básica, para que posteriormente possa escolher qual disciplina do Ensino
Médio na qual se identifica, para o ingresso em uma universidade ou faculdade e assim,
prolongar-se nos estudos, sempre lembrando que é a partir da mesma que poderá sair do
grau de pobreza e desigualdade humana ao qual se vive e até chegar ao sucesso almejado.
De acordo com a LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996:

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: igualdade de


condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
respeito à liberdade e apreço à tolerância; gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais; garantia de padrão de qualidade; vinculação
entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (Art. 3º).

Em suma, a educação vem sofrendo mudanças contínuas em sua estrutura, porém


não suficientes o necessário. Ainda não se tem uma educação pública de qualidade como
deveria ser e que tanto se almeja. Desta forma pode-se dizer que:

Estamos convencidos, acima de tudo, que a educação, mais do que passar


por uma melhoria da qualidade do ensino que está ai, como sustenta o
Banco Mundial, ela precisa de uma transformação radical, exigência
premente e concreta de uma mudança estrutural provocada pela inevitável
globalização da economia e das comunicações, pela revolução da
informática a ela associada e pelos novos valores que estão refundando
instituições [...] (GADOTTI, 2001, p.42).

Em consequência, acredita-se que o Brasil está vivendo um momento de


reestruturação educacional secular, porque o país garante na (LDBEN) Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996, em seu art. 3º, “a garantia de padrão de qualidade”,
onde tem se mostrado comprometido com esta reestruturação e consequentemente com a
qualidade do ensino. O Brasil está começando a entender que, para crescer sua economia,
faz-se necessário um maior compromisso social e igualitário com a educação. Espera-se
assim, que o país se transforme em uma nação com maior igualdade e humana para todos.

909
Dentro das ações políticas educacionais, o Governo Federal lança o novo projeto de lei do
PNE (Plano Nacional de Educação), no decênio 2011-2020, de acordo com artigo 214 da
Constituição Federal, no qual altera as metas a serem alcançadas, sendo revisto também o
percentual do PIB (Produto Interno Bruto) nacional a ser investido na área da educação.
Conforme Art. 2º São diretrizes do PNE - 2011/2020:

I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais;
IV - melhoria da qualidade do ensino;
V - formação para o trabalho;
VI - promoção da sustentabilidade sócio-ambiental;
VII - promoção humanística, científica e tecnológica do País;
VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em
educação como proporção do produto interno bruto;
IX - valorização dos profissionais da educação; e
X - difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão
democrática da educação (MEC) 2012.

Nesta nova perspectiva de metas do PNE (decênio 2011-2020) a serem alcançadas,


observa-se a grande preocupação do Governo Federal em englobar todas as classes da
sociedade com uma educação real, democrática, humanista e comprometida com todo o
cidadão brasileiro sem distinção de etnia, credo ou classe social, e também a aproximação
do rendimento econômico entre as famílias, para isso, com a nova redação do PNE votada
pela Câmara do Senado, com investimento de até 10% no final do decênio 2011-2020,
espera-se que a educação brasileira realmente chegue a todos com a sua real função, que
consiste na diminuição das desigualdades sociais.
Escola pública universal e gratuita para todos é algo possível de ser concretizado,
desde que o Governo Federal cumpra fielmente com as suas propostas e planos. Sendo
assim, no momento em que todo o projeto iniciado cumprir-se-á na íntegra, e com isso,
proporcionar condições educacionais favoráveis e possibilidades para a melhoria da
realidade, valorizando e investindo principalmente na primeira etapa da educação básica.
Pois é na educação infantil que o aluno deve ser estimulado e valorizado como sujeito
pertencente a uma sociedade. A partir daí, inicia-se o processo de valorização da autoestima
e da convivência social no universo educacional deste sujeito.

910
A VIOLÊNCIA ESCOLAR NO COTIDIANO DO PROFESSOR
O professor, sendo um agente do processo de ensino e aprendizagem, se vê
ameaçado, angustiado e desvalorizado, deixando sua autoestima baixa, pois quando não
consegue exercer seu papel na sociedade, que é o de educador, ou seja, facilitador da
aprendizagem se encontra retraído e com medo. Nota-se que esses casos de violência
ocorrem dentro do seu próprio ambiente de trabalho.

A violência escolar no Brasil vem sendo bastante difundida nas últimas


décadas, principalmente pela mídia, frente aos inúmeros casos ocorridos e
cada vez mais frequentes na sociedade. Desde a década de 80, estudiosos
debruçam-se sobre essa temática no país, dando ênfase a determinados
aspectos de suas investigações, considerando-os como determinantes
específicos de cada realidade observada (SOARES, 2012, p. 1).

Dessa forma para trazer os casos de violência foram pesquisados e selecionados


alguns relatos de professores que sofrem violência em seu ambiente de trabalho, seja
violência física, verbal ou emocional. Os depoimentos e relatos foram retirados da internet,
esperando-se assim trazer uma contribuição reflexiva dos casos de violência presentes nas
salas de aula do nosso país.
Uma das novas questões sociais globais é reconhecer a violência no espaço escolar e,
ao falar de violência no interior do âmbito educacional, não pode se deixar de falar sobre a
violência ao docente. Nessa perspectiva, nota-se que o professor sofre de diversas formas no
contexto da sala de aula, a violência exercida pelos alunos, o fenômeno mais presente no
cotidiano dele é essa violência escolar, juntamente com as longas cargas horárias e as más
condições de trabalho.

Considera-se a violência como parte da própria condição humana,


aparecendo de forma peculiar de acordo com os arranjos societários de
onde emergem. Ainda que existam dificuldades e diferenças naquilo que se
nomeia como violência, alguns elementos consensuais sobre o tema podem
ser delimitados: noção de coerção ou força; dano que se produz em
indivíduo ou grupo social pertencente à determinada classe ou categoria
social, gênero ou etnia. Define-se violência como o fenômeno que se
manifesta nas diferentes esferas sociais, seja no espaço público, seja no
espaço privado, apreendido de forma física, psíquica (WAISELFISZ, 1998,
apud SILVA, 2008).

911
No caso mais especifico da violência escolar, a sala de aula torna-se um campo de
trabalho ameaçador para os professores, com isso a escola que deveria ser um lugar de paz
e construção do conhecimento, está cada vez mais violenta e insegura.

“Fui firme numa atitude disciplinadora, contrariando os atos de um aluno e,


após o término das aulas, encontrei meu carro pichado, com inscrições que
faziam alusão a uma facção criminosa e com a frase “vai morrer”, além de
palavras obscenas. O caso foi discutido com a direção da escola que tomou
as providências internas junto com a Guarda Municipal” (Relato do
professor de uma escola em Campo Grande-RJ, UOL EDUCAÇÃO, 2010).

O relato acima comprova o que foi afirmado por Silva (2008), que o professor tem
sofrido violência, até mesmo quando tem por objetivo corrigir um aluno, visto que a
violência tem ocorrido também aos arredores das escolas, se manifestando nos espaços
públicos e privados.

A sociedade brasileira por sua vez, vem-se deparando com um aumento das
violências nas escolas, sendo diversos os episódios envolvendo agressões
verbais, físicas e simbólicas aos atores da comunidade escolar, fato que
despertou as atenções das diversas instâncias governamentais, dos
organismos internacionais e da sociedade civil (SILVA, 2008, p. 3).

A violência na escola tem ocorrido de diferentes formas como: vandalismo,


xingamentos, pichações, brigas, agressões entre professores e alunos, desse modo a falta de
respeito tem se alastrado no universo educacional. A violência interpessoal aumentou muito
nas escolas, crescendo os casos de professores que sofrem com o medo no cotidiano
escolar.

Pode existir no professor a vivência do medo, mas que não aparece na


superfície, pois se encontra contido pelos mecanismos de defesa. Se o
medo não fosse neutralizado, se pudesse aparecer a qualquer momento
durante o trabalho, neste caso, os professores não poderiam continuar suas
tarefas por mais tempo. Esse medo quando aparece é camuflado, por
exemplo, com sintomas medicalizantes de ansiedade, e constitui-se uma: a)
ansiedade relativa à degradação do funcionamento mental e do equilíbrio
psicoafetivo; b) ansiedade relativa à degradação do organismo e morte
(SOUZA e OVÍDIA, 2012, p. 72).

Nesse sentido, com a violência presente na escola, o professor se vê amedrontado e


vulnerável, com a saúde comprometida, pois a escola que deveria ser um lugar seguro,

912
acolhedor, torna-se um lugar agressivo e que acaba por contribuir para doenças de muitos
professores.

Por isso, a urgência que se tornou essencial hoje – e que muitos não
percebem, é tratar a violência na escola como um trabalho de lucidez
quanto ao que estamos fazendo com nosso presente, mas, sobretudo, com
o que nele se planta e define o rumo do futuro. Para isso, é preciso renovar
nossa capacidade de diálogo e propor um novo projeto de sociedade no
qual o bem de todos esteja realmente em vista (TONCHIS, 2012, p. 3).

Diante desses aspectos, espera-se que a escola coloque em seus projetos anuais,
formas de tratar a violência escolar, a partir de debates e discussões, até mesmo através de
relatos de outros professores trazendo para os alunos a importância de respeitar o próximo,
bem como o sofrimento, o próprio afastamento do magistério e o trauma que um professor
pode levar para o resto de sua vida, quando é agredido na escola, que é o seu local de
trabalho.
Sendo assim, acredita-se na necessidade do poder público em se envolver de forma
comprometida com as instituições de ensino, pois assim os professores estarão mais seguros
em seu ambiente de trabalho e a escola passaria a ser um lugar com menos agressões físicas
e verbais.

“Quando alguns alunos colocaram uma tesoura pontuda, aberta, em cima


da cadeira para eu sentar. Por sorte, percebi, evitando a tempo, danos à
minha integridade” (Professora de escola do RJ, PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA, 2008).

Desta forma acredita-se que muitos professores têm desistido do magistério, pois
levam horas planejando suas aulas, e quando chegam à sala de aula são deparados com
alunos desinteressados e ainda por isso munido de objetos cortantes, como neste exemplo,
uma tesoura. A pergunta que fica é até que ponto o professor vai ser desvalorizado neste
país, principalmente os de educação básica?
“Não sei onde recorrer, pois, dentro da escola não tenho apoio. Fui
agredida, fui xingada e registrei no livro de ocorrências, porém a escola não
fez nada. Fui à delegacia e agora estou sendo discriminada dentro da
escola. O que fazer?” (Relato de uma professora, EDUCAÇÃO PÚBLICA,
2012).

Pode-se definir violência como sendo "o uso de palavras ou ações que
machucam as pessoas. Violência também é o uso abusivo ou injusto do
913
poder, assim como o uso da força que resulta em ferimentos, sofrimento,
tortura ou morte" (MALDONADO, 1997, p. 9).

A violência no meio escolar vem se firmando e sendo constatada de maneira cada vez
mais rápida no dia a dia dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, mais
específico no caso do professor, sendo um campo que não pode ser deixado de lado, pois a
agressividade tem se alastrado no universo escolar, desse modo o professor deverá
promover o entendimento com as diferenças, e a escola deverá ser um espaço de
convivência, onde os conflitos deverão ser trabalhados da melhor forma possível e
compreensível. Nota-se que as políticas públicas e a segurança na escola são fatores
decisivos na contribuição para que esta violência escolar se amenize.
Assim, a violência aparece de maneira assustadora nos mais variados ambientes
sociais, mas principalmente na escola.

“Registrei o caso para que tomassem providências em relação à segurança


dos profissionais da escola. Não quero mais trabalhar lá. Estou tentando a
transferência, mas isso não é o bastante. Precisam tomar providências para
por segurança. As pessoas não podem entrar na escola e agredir um
professor com facilidade” (Relato de um professor - RJ, O DIA, 2012).

Este relato traz a indignação de um professor que após repreender seu aluno por
indisciplina é agredido com socos e chutes. Pode-se assim afirmar que entrar em uma sala
de aula hoje passou a representar uma tarefa de risco para muitos educadores. Sabe-se que
a violência contra os professores ocorre tanto na rede pública quanto na rede particular de
ensino, se fazendo sempre presente.
Nesse sentido, torna-se necessário um amplo debate sobre essas questões, pois não
há mais quem diga que aquele olhar respeitoso, de valorização e de reconhecimento social
oferecido aos professores vem perdendo lugar para a desvalorização, o desrespeito, o
estresse e o desânimo.
Acredita-se que na atualidade, a velocidade com que as mudanças e as informações
ocorrem é preciso que a escola, principalmente na figura do próprio professor, participe de
maneira efetiva de toda essa mudança. O professor neste contexto de violência se vê
coagido e despreparado.

914
As agressões físicas ou verbais e as ameaças de alunos contra professores são
evidências do retrocesso que sofre o profissional da educação vítima de uma clara
desvalorização da sociedade. Ainda existem professores que são agredidos e não denunciam
por medo de perderem suas vidas ou até mesmo de envolverem suas famílias neste
contexto violento e inseguro.
O Portal O Globo Educação diz que:

Segundo dados do Ministério da Educação (MEC) tabulados pela Fundação


Lemman e pela Meritt Informação Educacional, 4.195 professores de Língua
Portuguesa e Matemática que dão aulas para alunos de 5º e 9º ano do
ensino fundamental disseram que foram agredidos fisicamente por
estudantes dentro de colégios em 2011.

De acordo com o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro -


Sepe, só em 2010 pelo menos um caso grave a cada mês vem sendo divulgado pelos meios
de comunicação – e outros tantos não são divulgados.
Com esta informação do Sepe, pode-se observar que a falta de políticas públicas
plausíveis e o número excessivo de alunos só agravam a violência nas escolas, levando os
profissionais a desistirem de sua profissão. Segundo Sepe, o número de professores tende a
diminuir, pois, além da falta de remuneração adequada e outros fatores, os muitos episódios
de violência têm levado professores a desistir do magistério.
Segundo o site Educação Pública do estado do Rio de Janeiro (2012):

Em junho deste ano, uma professora do município do Rio de Janeiro, com


mais de 40 anos de magistério, teve um dedo da mão quebrado após ser
agredida por um aluno dentro da sala de aula. Também no Rio, uma
professora foi espancada por uma mãe de aluno ao chegar à escola. Depois
da agressão, ela não conseguia mais voltar para a sala de aula e ficou
afastada por seis meses em tratamento. A professora disse que já havia
sido ameaçada há cinco anos pela mãe do aluno, o qual levara conceito R
(regular) e que a direção da escola sabia e nada fez.

A partir destas informações acima evidencia-se duas professores na tentativa de


exercer seu trabalho, de forma digna e comprometida, mais uma vez se vê desmotivada,
agredida, afetando desta maneira seu emocional, sua saúde mental. Os docentes são os
profissionais que mais sofrem violência e ameaças verbais e físicas diárias, não somente de

915
alunos, como também de parentes deles, no entanto pouco o país tem feito para garantir
verdadeiramente a saúde do professor e a segurança nas escolas.

As enfermidades psicossomáticas são expressas através de um conjunto de


sintomas: cansaço constante após repouso, depressão, esgotamento físico
e mental, desânimo, alterações digestivas e de sono, e enxaquecas. São
problemas potencializados ao final do ano letivo, e que podem ser um
elemento estratégico de investigação da saúde mental dos docentes. São
sintomas que podem promover: inibição da iniciativa, embotamento afetivo
e diminuição da criatividade (OVÍDIA e SOUZA, 2012, p.76).

Essa situação é agravada pelo fato do professor além de ter que trabalhar muito e em
diversas escolas, na tentativa de receber um salário digno para sua sobrevivência. Para a
resolução dessas agressões, muitos professores se abstém à direção da escola, considerando
adequada e suficiente para solucionar os conflitos entre alunos, professores, funcionários,
pais e a comunidade.
Outro relato que deve ser levado em consideração, é de um professor de História da
Escola Poeta Manuel Bandeira localizado no Estado de Pernambuco.

“Me encontrava na sala dos professores com mais cinco colegas, se não me
falhe a memória, preenchendo o diário escolar de 2010, quando o aluno
Emaxwell Robson foi saber o resultado, assim como várias outras pessoas. A
vice-diretora havia dito que ele estava reprovado em quatro disciplinas,
dentre as quais a minha. Segundo relato da vice-diretora, após xingar todos
os professores, de que podia xingar, ele se dirigiu para sala dos professores.
Ele abriu a porta, eu não percebi, só senti duas tapas fortes nas costas
quando eu virei o rosto para briga do lado de fora. Em momento nenhum
esbocei reação com medo que ele estivesse armado. Eu estava com medo
que ele estivesse armado. Me deu dois chutes, mas não pegaram. As
meninas começaram a gritar e alguém gritou algo relativo ao portão. Feche
o portão, fecha à grade, alguma coisa assim, na esperança de prendê-lo na
escola, enquanto a polícia era chamada. Ele correu, acho que ele empurrou
alguém que iria fechar o portão, porque funcionários do sexo masculino
com exceção da minha pessoa havia só o menino dos serviços gerais, todas
as demais eram mulheres. Ele saiu, pegou a bicicleta, ele sempre vinha de
bicicleta e disse que do lado de fora a gente acertava o restante. Após a
agressão ele me ameaçou. Eu não percebi que estava sangrando, as
meninas perceberam e chamaram a patrulha escolar. Tem um posto que
fica bem próximo à escola, mas chegando no posto só tinha um policial,
esse policial não podia sair dali e deixar o posto vazio. Meia hora depois, 40
minutos, chegou a patrulha do GTARC, responsável pela área. Foram
repassados os dados de Emaxwell, endereço, nome da mãe, tudo isso, os
policiais sabiam quem era. A família dele tem um histórico policial longo.
Ele não tem ficha, mas segundo relato dos policiais, ele era conhecido por
916
uso de drogas. Na escola, ele é conhecido por perturbar bastante, não
respeitar os funcionários, não respeitar o pessoal da limpeza” (SINTEPE,
2011).

Nota-se que o professor é coagido ao exercer seu trabalho de forma comprometida,


podendo ser agredido pelo simples fato de reprovar um aluno por falta de mérito. Isso faz
com que o professor se sinta retraído em lecionar e não se sentir bem em seu papel como
professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que existe a necessidade de uma maior reflexão do Estado sobre o seu
papel quanto à legitimidade no controle da violência, para que assim contribua de forma
significativa para a diminuição da violência escolar. É necessário que o professor da rede
pública consiga ter uma prática de ensino com qualidade. Nesse sentido as situações e
problemas que permeiam as relações na escola atentam para uma compreensão de diversos
tipos de disparidades, que são produzidas e redimensionadas por aqueles que compõem o
universo escolar e que necessitam ser pensados, visando trazer novos significados sociais e
políticos do que é vivenciado no cotidiano escolar.
Diante dos relatos foi possível observar que os professores costumam adotar uma
posição passiva diante das agressões físicas, verbais e morais sofridas. Por outro lado outros
vão contra o sentimento de impotência, recorrendo assim a instituições que os ajudem a
resolver esses conflitos. Diante desses aspectos pode-se constatar que, para uma sociedade
ser bem desenvolvida, faz-se necessário uma educação dotada de instrumentos eficazes
para o pleno desenvolvimento do educando.
Em suma, entende-se que para a educação ser eficaz é preciso que a qualidade do
ensino não esteja somente presente nas leis brasileiras e, sim, garantida, de forma que o
professor seja valorizado em seu campo de trabalho, com escolas bem estruturadas,
professores recebendo um salário digno para exercer seu trabalho, que é fundamental para
obtenção da verdadeira qualidade do ensino, bem como projetos educativos que tratem
toda essa problemática da violência escolar na sociedade.

REFERÊNCIAS
917
CAMARA. Aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 e dá outras
providências. Camara.gov, Brasília, publicado
em:<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/831421.pdf> Acesso em: 27/10/12.
CASTRO, Magali de. As instituições escolares rumo ao terceiro milênio: implicações do
atual contexto de globalização na construção do projeto político pedagógico. In: PINTO, F. C.
F.; FELDMANN, M.G.; SILVA, R.C.(orgs) Administração escolar e política da educação.
Piracicaba: Editora Unimep, 1997. Cap.3, p.65-82.
EDUCAÇÃO PÚBLICA. Discutindo. Educação pública.rj, Rio de Janeiro, publicado em
21/09/12.Disponível em:
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/discutindo/discutindo.php?cod_per=158> Acesso
em: 15/01/2013.
EDUCAÇÃO PÚBLICA. Violência nas escolas: o desrespeito é inaceitável; a compreensão,
fundamental. Educação pública, Rio de Janeiro, publicado em 24/08/2010. Disponível em:
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/jornal/materias/0419.html> Acesso em: 28/12/12.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São
Paulo: Ed. Paz e Terra, 2011.
GADOTTI, Moacir. “Projeto político pedagógico da escola: fundamentos para sua
realização.” In: GADOTTI, Moacir & ROMÃO, José Eustaquio (orgs.). Autonomia da escola:
princípios e propostas. 4º. Ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 33-41.
GLOBO. Aluno agride professora dentro da sala de aula no DF. Globo.com, Distrito
Federal, publicado em 04/06/2008b. Disponível em:<
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL589797-5598,00-
ALUNO+AGRIDE+PROFESSORA+DENTRO+DA+SALA+DE+AULA+NO+DF.html> Acesso em:
10/01/2013.
GLOBO. Escolas lutam contra violência em sala de aula. Globo. Com, São Paulo, publicado
em 25/02/2013a. Disponível em:<http://oglobo.globo.com/educacao/escolas-lutam-contra-
violencia-em-sala-de-aula-7664828#ixzz2MtwW3boB> Acesso em: 02/03/13.
MALDONADO, Maria Tereza. Os construtores da paz: caminhos da prevenção da
violência. Coleção Polêmica. São Paulo: Moderna, 1997.

918
NISKIER, Arnaldo. LDB A nova lei da educação: tudo sobre a lei de diretrizes e bases da
educação nacional: uma visão crítica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Consultor, 1996.
NOGUEIRA, C.M.M.; NOGUEIRA, M.A. A sociologia da educação de Pierre Bourdieu:
limites e contribuições. Educação & Sociedade, Minas Gerais, ano XXIII, n°78, 2002, p.15-36.
O DIA. Professor é agredido em sala de aula. Odia.ig, Rio de Janeiro, publicado em
01/10/2012. Disponível em: <http://odia.ig.com.br/portal/rio/professor-%C3%A9-agredido-
em-sala-de-aula-1.496842> Acesso em: 02/03/13.
OVÍDIA, K.; SOUZA, J. Violência em escolas públicas e a promoção da saúde: relatos e
diálogos com alunos e professores. Promoção da saúde, Fortaleza, vol. 25, n° 1, 2012, p.71-
79.
PIRES, Valdemir. Economia da educação: para além do capital humano. São Paulo: Ed.
Cortez, 2005.
PLANALTO. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Planalto.gov, Brasília, publicado em
20/12/1996. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>Acesso
em: 10/04/12.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA. A violência gerando a vulnerabilidade da
professora das séries inicias do ensino fundamental. Pucpr.br, Paraná, publicado em
2008.Disponível em:
<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/523_636.pdf> Acesso em:
15/01/13.
SILVA, Fábia Geisa Amaral. Apresentando e analisando as causas da violência escolar. Ed.
Edgard Blucher, 2008.
SINTEPE. Professor agredido dentro da escola relata violência. Sinpete.org, Pernambuco,
publicado em 11/01/2011. Disponível em:
<http://www.sintepe.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1161:profess
or-henrique&catid=40:noticias> Acesso em: 20/12/12.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 17ª ed. São Paulo: Ed.
Ática, 2006.
SOARES, Michelle Beltrão. Estratégias de enfrentamento da violência escolar no discurso
docente. Encontro de pesquisa educacional em Pernambuco (EPEPE IV), 2012.

919
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 5ª ed. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 1994.
TONCHIS, Luiz Claudio. Violência na escola e suas consequências. Luiz Nassif Online,
publicado em 26/12/2012. Disponível em: <http://www.advivo.com.br/
blog/luisnassif/violencia-na-escola-e-suas-consequencias>. Acesso em 02/03/2013.
UOL EDUCAÇÃO. Mãe de aluno ajuda filho a bater na professora:leia relatos sobre
violência escolar. Educação.uol, Rio de Janeiro, publicado em 03/05/2010. Disponível em:
http://educacao.uol.com.br/noticias/2010/05/03/mae-de-aluno-ajuda-filho-a-bater-na-
professora-leia-relatos-sobre-violencia-escolar.htm> Acesso em: 10/12/12.
ZARAGORA, José Manuel Esteve. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos
professores. 3ª Ed. São Paulo : EDUSC (coleção Educar), 1999.

920
INVESTIGAÇÕES SOBRE ESTRATÉGIAS QUE LEVAM AO BOM DESEMPENHO DE ALUNOS DO
ENSINO SUPERIOR A DISTÂNCIA

Lívia Badaró Fabricio


CEDERJ /UAB/UNIRIO

Maria das Graças Estanislau Mendonça de Mello de Pinho


CEDERJ /UAB/UNIRIO

RESUMO: O presente trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa com alunos do
Curso de Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior à Distância que visou analisar
elementos que colaboram ou não com o bom desempenho dos estudantes, visto que apesar
do seu crescimento e aprimoramento, a EAD ainda tem altos índices de reprovação e/ou
evasão. A pesquisa foi realizada com alunos que permanecem em curso e teve como
objetivo compreender as motivações que levam a essa permanência. Outro intuito é
esclarecer possíveis problemas e buscar estratégias para melhorias. Sua realização se deu
através de entrevistas e questionários que buscavam conhecer os instrumentos de avaliação
mais utilizados, os problemas mais frequentes, os resultados e outros fatores considerados
essenciais ao sucesso ou fracasso pelos alunos. Os alunos apontaram algumas falhas nas
práticas do curso, como desorganização do material, avaliações em desacordo com o
conteúdo programático e pouca interatividade com os coordenadores de disciplina e tutores
à distância. Em relação às suas práticas, apontaram a pouca dedicação e a falta de
organização pessoal. O bom desempenho foi associado à qualidade do material e dos
profissionais envolvidos, ao desenvolvimento de uma autonomia por parte do aluno e aos
estudos em grupo. Os alunos pesquisados foram levados a se autoavaliar, e assim puderam
perceber suas falhas e suas conquistas. Muitos alunos reconheceram ser responsáveis tanto
pelos êxitos como pelos fracassos, se reconheceram como sujeitos ativos no processo
ensino-aprendizagem. Essa tomada de consciência parece ser elemento essencial para o
bom desempenho e permanência no curso.
Palavras-chave: Autonomia. Autoavaliação. Alunos. EaD.

INTRODUÇÃO
Interessamos em investigar que estratégias podem auxiliar no bom desempenho dos
alunos do Ensino Superior à Distância após nos depararmos com um alarmante número de
evasão e reprovação do curso em que atuamos. Analisamos alguns dados quando fomos
fazer o trabalho de conclusão de curso da Especialização em Planejamento, Gestão e
Implementação da Educação à Distância.
O curso em que atuamos é o de Pedagogia, funciona há 7 anos na cidade de
Natividade/RJ. O índice de evasão está próximo de 30%, mas em períodos passados chegou a

921
mais de 50%. Constatamos que muitos alunos desistem do curso logo no início e outros vão
perdendo disciplinas e não estão conseguindo dar prosseguimento satisfatório, nem concluir
no prazo esperado. Até hoje menos de 10 alunos concluíram. Apesar dos dados negativos,
não é interesse aqui debruçar sobre o fracasso, pelo contrário. O intuito aqui é compreender
as motivações de alguns alunos, que mesmo em meio a um cenário de muitas desistências
estão dando prosseguimento a seus estudos, uns inclusive muito próximos de concluir.
A pesquisa foi realizada com alunos que permanecem em curso e teve como um dos
objetivos compreender as motivações que levam a essa permanência. Outro intuito foi
esclarecer possíveis problemas e buscar estratégias para melhorias. Fizemos entrevistas e
aplicamos questionários a trinta alunos. Buscamos identificar os instrumentos de avaliação
mais utilizados, os problemas mais frequentes, os resultados e outros fatores considerados
essenciais ao sucesso ou fracasso pelos alunos.
A Educação à Distância pode possibilitar uma aprendizagem mais autônoma. Se, por
um lado, a ausência do contato direto com o professor pode ser um entrave para alguns, por
outro lado faz com que o aluno se torne mais independente e responsável, desenvolva
hábitos de estudo e organize melhor o seu tempo, adaptando sua rotina às suas
necessidades de estudo e se tornando, assim, mais disciplinado. A EAD permite uma
aprendizagem mais independente, em que o aluno irá aprender a aprender e aprender a
fazer; favorece uma maior flexibilização, principalmente em relação ao tempo; permite uma
autonomia de estilo, ritmo, método de aprendizagem; estimula a responsabilidade
(MOREIRA, ARNOLD e ASSUMPÇÃO, 2006).
Riccio (2010) define autonomia como “assumir-se a si próprio como sujeito de sua
história”. E destaca que ser autônomo nessa modalidade de ensino é fundamental. Para a
autora, o ideal é que se promova um ambiente de aprendizado colaborativo. A proposta
pedagógica deverá ser pautada no diálogo. Para que esse ideal seja alcançado, a participação
deve ser estimulada e, sobretudo, as ações autônomas. Autonomia não quer dizer
isolamento; é tornar-se ativo, participante. “Os ambientes virtuais de aprendizagem são
espaços multirreferenciais onde a aprendizagem ocorre graças à interação, autonomia e
colaboração” (Idem).

922
Longe de criar uma nova educação, a EAD e suas tecnologias se constituem em
possibilidades diferenciadas de fazer educação, para o que é necessário criar uma cultura
pedagógica “que tenha compromisso com as autonomias do professor, do aluno e da
própria estrutura e organização da educação em relação aos seus tempos, espaços e
pressupostos teóricos” (KENSKI, 2006).
É preciso analisar os prós e contras dos meios tecnológicos e as linguagens utilizadas,
enfatizando a importância da produção do conhecimento individual e do desenvolvimento
da autonomia. É ainda importante ressaltar, de acordo com Preti (2005):

Não podemos confundir autonomia com liberdade absoluta, com


possibilidade de a pessoa decidir “livremente”, sem interferências externas,
sem estruturas de poder, pois há condicionantes culturais, sociais,
econômicos e pedagógicos que delimitam sua decisão. Trata-se de processo
que não é apenas individual, ou individualista; é necessária a contribuição
do outro, de instituições e educadores, que, mesmo quando propõem
desenvolver ação emancipatória em relação ao cidadão, ao educando,
acabam exercendo algum tipo de influência, apontando a direção,
produzindo valores e significados.

Para obter bom desempenho na EAD é preciso desenvolver uma autonomia no


sentido, como afirmou Riccio (2010), de assumir-se como sujeito de sua história. É preciso
também colaboração. Sem o professor presencial é preciso que os alunos se unam em
colaboração.

A PESQUISA E ALGUNS RESULTADOS


As entrevistas e questionários levaram a constatar que existe pouca diferença entre
as avaliações do ensino presencial e as do ensino à distância. O ensino à distância tem-se
utilizado de avaliações presenciais e à distância de caráter muito formal, como o ensino
presencial já usa há tempos. Os alunos informaram que noventa por cento das avaliações
são formais e escritas. Essas avaliações também são padronizadas, iguais para todos os
alunos de diferentes pólos que tem o mesmo curso. Apenas dez por cento das avaliações
correspondem a atividades mais interativas como fóruns, participação em oficinas, como
podemos observar no gráfico abaixo.

923
Gráfico 1: Instrumentos de avaliação mais utilizados.

Os alunos relataram que a maioria das avaliações, e as que valem maiores notas, são
formais, fechadas e padronizadas. Outros métodos de avaliação são participação em fórum,
chats e oficinas presenciais, mas esses métodos ainda são pouco utilizados e, quando o são,
valem poucos pontos para a média final. A maioria dos alunos, cerca de noventa por cento
entre os pesquisados, relatou o desejo de ter as atividades feitas pelos ambientes virtuais de
aprendizagem mais valorizadas. Também relataram a necessidade de se elaborar atividades
mais dinâmicas, menos formais e fechadas, para que se possam valorizar melhor as
individualidades.
Os alunos responderam algumas questões, como iremos expor abaixo:
1) As instruções de aulas e demais orientações da equipe da disciplina (coordenador
e tutores à distância) deram ênfase ao desenvolvimento do pensamento crítico?

924
2) O resultado obtido nas avaliações presenciais (corrigidas pelo coordenador e
tutores à distância) foram coerentes com o que você estudou ou acredita ter merecido?
3) O resultado obtido nas avaliações à distância (corrigidas pelo tutor presencial)
foram coerentes com o que você estudou ou acredita ter merecido?
4) Ao terminar de cursar a disciplina, você acredita ter compreendido os conteúdos
de que maneira?
As respostas nos levaram a algumas reflexões sobre como os alunos percebem seus
desempenhos. Em relação à primeira questão destacada as respostas foram confusas, como
podemos observar no gráfico 2. Dos trinta alunos, trinta e três por cento responderam que a
ênfase ao desenvolvimento do pensamento crítico foi pouca. No entanto, esse mesmo
percentual respondeu que a ênfase foi extrema. Esses dados são interessantes para
percebermos como cada aluno entende e vivencia uma mesma situação de forma diferente.

Gráfico 2: Ênfase ao desenvolvimento do pensamento crítico.

Se somarmos os indicativos de “muito” e “extremamente” podemos entender que a


ênfase ao pensamento crítico é boa. No entanto, o índice de “pouca” é alto. Podemos
perceber que o pensamento crítico esta sendo bem enfatizado, valorizado e estimulado, mas
ainda deixa de contemplar um número significativo de alunos.

925
Quando questionados sobre os resultados da avaliação presencial, segunda questão
destacada, os alunos fizeram um exercício de autocrítica. Foram levados a pensar se suas
notas estavam coerentes com o que estudaram. Pensaram no critério merecimento, se
mereceram mesmo a nota que tiveram. Como podemos observar no gráfico 3, mais de
oitenta por cento responderam que seus resultados nas avaliações presenciais foram entre
“coerentes” e “muito coerentes”.

Gráfico 3: Coerência no resultado das avaliações presenciais.

Para entender melhor esses dados, perguntamos a cada um, em tom informal, se
suas notas foram boas. Queríamos que fossem sinceros e espontâneos, sem pensar no peso
de uma resposta para uma pesquisa. Dos alunos que consideraram “coerente”, “muito
coerente” ou “extremamente coerente” (total de vinte e quatro), metade (doze) respondeu
que não, que as notas não foram muito boas. Perguntamos o motivo dessas notas e a
maioria dos que responderam não ter tido boa nota (oito de doze), respondeu que não
haviam estudado ou se dedicado suficientemente. Autoavaliaram-se como responsáveis pela
nota ruim. Esses alunos que reconheceram suas falhas consideraram o resultado coerente.
Dos que afirmaram que o resultado foi “pouco coerente”, todos afirmaram ter obtido
nota ruim. Quando perguntamos o motivo, ressaltaram uma desorganização na disciplina e
926
incoerência na matéria dada com a matéria cobrada na prova. Instigamos a se autoavaliarem
e, mesmo assim, afirmaram que se dedicaram suficientemente, que o resultado era
incoerente, que eles mereciam notas melhores.
Na questão da coerência das notas em relação ao merecimento, verificamos que os
dois problemas apontados para resultados ruins foram falta de dedicação pessoal e
desorganização da disciplina. Entre os dezessete por cento dos alunos que responderam que
seu resultado foi “pouco coerente”, todos afirmaram ter tido nota ruim por culpa de
desorganização da disciplina. Dos oitenta e três por cento que responderam “coerente”,
“muito coerente” ou “extremamente coerente”, a metade que afirmou ter nota ruim culpou
a falta de dedicação pessoal. Percebemos, assim, que a maioria dos alunos reconhece o peso
de suas ações. Os alunos reconhecem que devem ser mais autônomos, responsáveis pelos
seus êxitos. No entanto, há de se considerar o número de alunos que aponta falhas na
organização da disciplina como elemento prejudicial aos bons resultados.
Sobre o terceiro questionamento destacado, que fala da coerência no resultado das
avaliações à distância corrigidas pelo tutor presencial, sessenta e seis por cento
consideraram “coerente” ou “muito coerente”. A maioria destes afirmou ter tido bons
resultados. Ao serem questionados por que tiveram bons resultados, os alunos responderam
que frequentaram as tutorias e dedicaram tempo suficiente para estudar para essas
avaliações. Dos alunos que afirmaram que o resultado foi “pouco” ou “nada coerente”,
todos afirmaram ter tido resultados ruins e, ao serem interrogados dos motivos, as respostas
variaram entre má organização das avaliações, questões confusas e questões incoerentes
com o material estudado. Consideraram o resultado incoerente porque acreditam que
tiraram notas ruins por culpa da desorganização da disciplina.

Gráfico 4: Coerência no resultado das avaliações presenciais.

927
Percebemos com esses dados e com as respostas informais, que os alunos que
tiveram bom resultado nessas avaliações reconheceram que foram responsáveis por isso.
Afirmaram que se dedicaram e frequentaram as tutorias, por isso o resultado foi justo e
coerente. No entanto, parte significativa, trinta e quatro por cento, afirmou que o resultado
foi incoerente por que mereciam nota melhor, e só não conseguiram por culpa da
desorganização da disciplina.
A última questão destacada foi uma autoavaliação sobre o que compreenderam da
disciplina. Todos responderam que a compreensão foi “boa”, “muito boa” ou
“extremamente boa”.

Gráfico 5: Nível de compreensão que o aluno acredita ter atingido.

928
Essa questão foi muito subjetiva (propositalmente): não foi perguntado o resultado
em nota, foi perguntado o nível de compreensão que tiveram. Essa pergunta pretendeu
instigá-los a pensar sobre o aprendizado que eles acreditam ter conquistado efetivamente.
Mesmo os alunos que, em questões anteriores, afirmaram ter obtido nota ruim, agora
afirmaram ter compreendido “bem” ou “muito bem” os conteúdos. Quando questionados
por que acreditam ter tido essa boa compreensão, oitenta por cento afirmou que se
dedicaram aos estudos e vinte por cento consideraram boas as disciplinas, com conteúdos
de fácil compreensão. Podemos perceber mais uma vez o reconhecimento nas ações
pessoais. A maioria entende que a boa compreensão se deve à sua atitude de se dedicar em
estudar.
O método de avaliação da instituição em que os alunos pesquisados estudam ou
estudaram tem suas provas presenciais padronizadas. Vários alunos, de vários pólos, fazem a
mesma prova ao mesmo tempo na ausência do professor que a elaborou. Devido a essa
condição, o rigor na sua elaboração deve ser grande para que se minimizem os problemas. O
planejamento pedagógico deve ser mais criteriosamente observado de modo que se
harmonizem conteúdos e avaliações.
Quando os alunos foram instigados a se autoavaliar, cerca de noventa por cento do
total de trinta alunos admitiram que deveriam se dedicar mais aos estudos. Apenas dez por
929
cento afirmaram que se dedicam suficientemente. No entanto, como pode-se observar nos
apontamentos anteriores, é bastante significativo o quantitativo de alunos que fala sobre a
desorganização da instituição.
Os alunos reconheceram que essa modalidade de ensino necessita de uma maior
dedicação, que eles precisam desenvolver certo grau de autonomia, se não, o êxito fica
difícil de ser alcançado.
Esses alunos parecem se aproximar de um trabalho autônomo, pois caminham muito
individualmente. Eles relataram que lêem o material, tiram suas próprias compreensões e
interagem pouco ou quase nada com os tutores à distância e coordenadores de disciplina,
que são os que organizam o material e as avaliações. Cerca de setenta por cento do total de
trinta alunos reclamaram da falta de diálogo com os tutores à distância, reclamaram que
eles não interagem, alguns dos tutores nem ao menos respondem as solicitações.
Após as questões citadas perguntamos que estratégias cada um dos alunos utilizava
para atingir bons resultados e ser aprovado nas disciplinas. As estratégias mais citadas
foram:
1) Dedicação pessoal;
2) Organização de horários para se dedicar exclusivamente ao estudo;
3) Frequencia nas tutorias presenciais;
4) Frequencia nas salas de tutoria na plataforma de ensino;
5) Organização de grupos de estudo presenciais;
6) Organização de grupos de estudo por meio de rede social;
7) Estreitamento laços com tutores presenciais, trocando e-mails, mensagens por
rede social e celular;
8) Pesquisas em diferentes fontes de informação além do material disponibilizado.
9) Observação dos motivos que levaram colegas a abandonar o curso;
As estratégias citadas também levam a entender que os alunos reconhecem a
importância do esforço pessoal. Dedicação, organização de horários, frequência nas tutorias
e pesquisa em outros materiais demonstra que o esforço pessoal é essencial. Além disso, o
estreitamento de laços com colegas e tutores também parece colaborar bastante.

930
Um dos fatores que chamou atenção, e que vários alunos citaram, foram as histórias
dos colegas que desistiram. O fracasso de um colega parece ser um fator estimulante a se
empenhar. Vivenciar o fracasso de um colega parece fazer com que esses alunos tenham
mais vontade de vencer, de superar os obstáculos. Muitos relataram com tristeza historias
de colegas que não puderam ou não conseguiram dar prosseguimento ao curso e
demonstraram muita vontade em ter histórias diferentes.
Percebemos com essas respostas que a EAD exige muita presença. Seja de modo
presencial ou virtual, esses alunos que estão dando prosseguimento aos estudos disseram
estar sempre em contato com colegas e tutores. Fazem grupos de estudo frequentemente
no pólo ou na casa de algum colega. Ficam em constante contato virtual com os colegas
através de e-mail, plataforma ou rede social. A maioria disse ter estreitado laços com os
tutores presenciais. Eles buscam frequentar as tutorias e quando não podem trocam e-mail,
mensagens e telefonemas.
Os poucos alunos que relataram não manter muito contato com colegas e tutores já
haviam feito outra graduação, alguns já haviam feito até uma especialização. Nesse caso os
alunos já estão habituados com o ensino superior e conseguem ter bom desempenho devido
a essa experiência que já trazem. Quando perguntado o motivo do bom desempenho
afirmaram que se dedicam a leitura do material e à pesquisa.
Quando perguntamos o motivo por que muitos deles se reúnem em grupo alguns
responderam que possuem ou possuíam dificuldades em escrever. Disseram que entendiam
os conteúdos quando liam o material, mas que tinham dificuldade em se expressar na hora
das provas. Para superar essa dificuldade eles começaram a se unir para fazer as atividades
de pesquisa (Avaliação à Distância). Também passaram a recorrem aos tutores presenciais
pedindo orientação sobre os trabalhos feitos. Com ajuda dos colegas e tutores começaram a
superar esse problema.
Outros alunos, além de ter dificuldade em se expressar disseram não entender bem a
linguagem utilizada no material e recorrem a colegas e tutores para buscar um melhor
entendimento. Todos os alunos disseram que após as reuniões de grupo ou as seções de
tutoria, que conseguem compreender as matérias de maneira muito mais satisfatória e
assim conseguem se desempenhar melhor nas avaliações.

931
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aluno que conseguimos identificar com essa pesquisa que está conseguindo ter
bom desempenho na EAD é um aluno ativo, que não se acomoda com as dificuldades e
busca estratégias para ultrapassá-las. É o aluno que conquistou uma autonomia aliada à
interação e colaboração.
Percebemos que os alunos compreendem que suas ações, que suas iniciativas são
fundamentais para alcançarem bons resultados. Quando questionados do motivo de maus
resultados, muitos se autoavaliaram e responderam que deveriam ter-se dedicado mais.
Constatamos que grande parte se vê como sujeito da própria história.
O repetido relato sobre a desorganização das avaliações, no sentido de não estarem
coerentes com a matéria indicada para estudo, faz-nos refletir o que afirmou Luz (2007). O
autor destaca que há grande necessidade de planejamento e elaboração criteriosa de todas
as avaliações utilizadas no ensino de modalidade à distância. Mais ainda do que no
presencial, o critério rigoroso é condição básica e imprescindível para o sucesso das mesmas.
O rigor no critério deve ser ampliado porque, na modalidade à distância, avaliações de
grande importância são aplicadas aos alunos por quem não as elaborou, o que impossibilita
ajustes e orientações complementares na hora da aplicação. Quando o professor que deu as
aulas e preparou a prova é o mesmo que aplica, ele pode, na hora, tomar ciência de
possíveis reclamações dos alunos e pode, assim, tomar as providências necessárias, seja
reformulando, cancelando e acrescentando questões ou até mesmo anulando a prova caso
perceba que se equivocou na formulação. Na forma atual da EAD, isso nem sempre é
possível e a pesquisa constatou as queixas sobre essa situação.
Os alunos pesquisados foram levados a fazer um exercício de autoavaliação. Eles
reconheceram algumas habilidades e deficiências, deram suas opiniões, fizeram muitas
reflexões. Refletir sobre seu próprio desempenho é um meio eficiente para o aluno
identificar suas habilidades e deficiências e, assim, melhorar no que precisa. Essa tomada de
consciência parece ser elemento essencial para o bom desempenho e permanência no
curso.

932
REFERÊNCIAS
AMARAL, Cirlene Maria do; CAMPO, Genoveva S. do. Avaliação da aprendizagem.
Trabalho de conclusão de curso (Monografia – especialização em Metodologias Inovadoras
Aplicadas à Educação). Facinter. Marmeleiro, 2006.
BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96.
Brasília: 1996.
HOFFMANN, Jussara M. L. Avaliação: mito e desafio – uma perspectiva construtivista. 17
ed. Porto Alegre: UFRGS, 1995.
IANZEN, Adriane; BEIRAUTI, Adriane Martins; KLIPPEL, Sandra Regina; Acompanhamento
e Avaliação em Educação a Distância: Reflexões – Revista: Científica de Educação a
Distância, v. 3, n. 5 – dez. 2011. Disponível
em:<http://revistapaideia.unimesvirtual.com.br/index.php?journal=paideia&page=article&o
p=view&path[]=211>. Acesso em: 12 mar. 2013.
LUZ, René de Carvalho. A avaliação da aprendizagem no ensino à distância. Monografia.
ESAB. Salvador, 2007.
MORAN, Jose Manuel. O que é educação a distância. 2002. Disponível em:
http://www.eca.usp.br/moran/textos.htm. Acesso em 12 mar. 2013.
MOREIRA, Mercia; ARNOLD, Stela Beatris Torres; ASSUMPÇÂO, Solange Bonomo. “A EAD
no processo de democratização do ensino superior no Brasil” In: Desafios da educação e
distância na formação de professores. Brasília: Secretaria de Educação a
Distância/Ministério da Educação, 2006.
PADILHA, Emanuele Coimbra; SELVERO, Caroline Mitidieri. A importância da motivação
no ensino a distância (EAD). Inletras, UNIFRA, Santa Maria/RS, 2012.
PRETI, Oreste (Org.). Educação a distância: sobre discursos e práticas. Brasília: Liber Livro,
2005.
RICCIO, Nicia C. R. Ambientes virtuais de aprendizagem na UFBA: A autonomia como
possibilidade. Tese. UFBA. Salvador, 2010.
SANTOS, Edméa; SILVA, Marcos. Avaliação da aprendizagem em educação online:
fundamentos interfaces e dispositivos relatos de experiência. Edições Loyola, São Paulo,
2006.

933
GT 06 - Questões de Ética e de Filosofia Política

OS CONFLITOS ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, O DEVER DE INFORMAÇÃO E O USO


NÃO AUTORIZADO DA IMAGEM

Ione Galoza de Azevedo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Julio Cesar Ramos Esteves


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Embora seja considerada como direito da personalidade, o presente artigo, tem
como objetivo geral, analisar a necessidade ou não do consentimento do titular do direito à
imagem e as consequências da sua utilização não autorizada. Para tanto, será feito um
estudo sobre a colisão de direitos que envolvem a liberdade de expressão, o dever de
informação e o direito à imagem. Inicialmente, será feita uma breve evolução do conceito de
liberdade para a Filosofia e para o Direito, em seguida, abordaremos a liberdade de
expressão e de informação como direitos fundamentais e finalmente a colisão desses
direitos frente ao uso não autorizado da imagem, tendo como fundamentando o art.20,
caput, do Código Civil, objeto central deste estudo. Também será analisado toda a evolução
do tema diante do avanço das novas tecnologias, que em curto espaço de tempo levam as
informações a todos os lugares.Frente a todos esses avanços, surge a necessidade de se
conhecer os limites impostos pela lei, o posicionamentos da doutrina e dos tribunais, no
contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Princípios. Direito. Filosofia. Liberdade. Personalidade.

INTRODUÇÃO
Pesquisas demonstram que as novas tecnologias, sem dúvida, muito têm
contribuído para o acesso à informação. Contudo, surgem novos desafios não só para o
operador do Direito, como também para os educadores: orientar sobre a liberdade de
expressão e o direito de informação sem que isso se transforme em abuso de direito.
Nesse contexto, a liberdade de expressão, o direito à informação e o direito à
imagem serão temas centrais deste artigo, assunto inovador trazido pelo Código Civil
vigente e que está relacionado e tutelado expressamente como direitos
personalíssimos.
Porém, embora seja um tema atual, diversos pensadores filosóficos em tempos
mais distantes já discutiam os pontos que serão objetos deste estudo. No mundo
934
globalizado, aonde as informações chegam a curto espaço de tempo, é possível
observar que a divulgação de comentários, notícias e fotos (que expõem a intimidade
excessiva, muitas vezes) são vistos por internautas espalhados nos mais diversos
lugares, mesmo aqueles em lugares mais isolados. Mais ainda, é possível perceber que
a divulgação de informação é imediata, o que possibilita a integração de povos e países
em um curto espaço de tempo.
Toda essa mudança traz consigo pontos positivos, porém, em contrapartida
provoca também uma série de novos fatos com necessidades de soluções. No senso
comum, muitos não possuem consciência do que divulgam ou publicam, no entanto,
existem também os profissionais que vivem da divulgação e publicação de obras, o que,
nos últimos anos, tem gerado a polêmica que envolve o ponto de central desse artigo.
Trata-se das publicações de autores a respeito das biografias envolvendo figuras
públicas e as discussões que cercam esta polêmica. Assim, diante do exposto, tem-se o
seguinte questionamento: de que maneira importa reconhecer o uso da liberdade de
expressão, o direito à informação e o direito à imagem no cotidiano da comunicação?
Nessa perspectiva, surge a discussão a respeito dos limites entre o direito de
liberdade de expressão, o direito à informação, o direito à imagem e as consequências
para os atos daí decorrentes.
Esses direitos podem conflitar, visto que, de um lado, está um direito
fundamental, garantido constitucionalmente, bem como em lei ordinária, que é o da
liberdade de se expressar. Da mesma forma, existe o direito que todo cidadão tem de
ser informado e, por outro lado, há o direito também considerado como
personalíssimo, que é o de ter a imagem protegida.
Nesse contexto, em caso de problemas com exposição cibernética, surge a
possibilidade do autor do dano ter que reparar o prejuízo causado quando, através de
ações judiciais, aqueles que sofreram tais lesões recorrerem ao Poder Judiciário.
Assim, em face dos fatos ocorridos nos últimos tempos a respeito da polêmica
envolvendo autores e personalidades públicas, no que diz respeito às biografias não
autorizadas e à possível alteração dos artigos 20 e 21 do Código Civil de 2002, surge
esta proposta.

935
Nesse ponto, cumpre ressaltar que está em andamento uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, bem como projeto de lei que visa alterar parcialmente os
referidos artigos do atual Código Civil brasileiro.
Tendo em vista a exposição da problemática inicial, é impositivo que se pontue o
modo como a pesquisa pretende ser conduzida: estabelecidos os conceitos e a evolução
no primeiro momento, serão tratadas em seguida, as garantias e a proteção no que diz
respeito à liberdade de expressão, direito à informação e direito à imagem, na
legislação vigente e, finalmente, a colisão desses direitos no uso autorizado - ou não -
envolvendo as biografias de pessoas públicas, bem como as consequências jurídicas daí
decorrentes.

DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS: ASPECTOS FILOSÓFICOS E JURÍDICOS


São considerados personalíssimos, os direitos diretamente ligados à pessoa humana,
e também, nos casos em que couber à pessoa jurídica. Não possuem caráter econômico
direto e imediato, contudo, necessitam de proteção, pois conforme salientam Gagliano e
Pamplona Filho (2006), o homem não deve ser protegido somente em seu patrimônio, mas,
principalmente, em sua essência.
Ressalta-se que o conceito de pessoa humana, nos tempos atuais, muito evoluiu, e a
própria palavra homem abrange de forma genérica homem e mulher.
Segundo Immanuel Kant (apud NEVES, 2011, p. 90-91): “O homem é o fim em si
mesmo e é justamente isso que lhe daria um valor absoluto, não podendo ser utilizado como
instrumento para se atingir algum objetivo, razão pela qual reconheceria sua própria
dignidade”. Assim sendo, de acordo com o referido autor, a racionalidade é que deve tornar
o ser humano tão singular e diferente dos demais seres.
Uma grande inovação trazida pelo Código Civil de 2002 foi justamente o fato de o
legislador ter dedicado um capítulo próprio para regulamentar os direitos da personalidade.
Direitos estes que, de acordo com Gagliano Pamplona Filho (2006), são aqueles que têm por
objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais.
Dentre os direitos considerados personalíssimos está o direito de imagem, que
também é considerado como um direito fundamental, o que para Neves (2011), deve ser

936
entendido não apenas como a representação física de uma pessoa, mas, igualmente, como a
forma pela qual ela é vista na coletividade.
Por outro lado, é também direito do cidadão a liberdade de expressão, o que
representa, sem dúvida, uma forma de democracia. O Direito à liberdade em seu sentido
amplo já se fazia presente desde a Declaração Universal de Direitos do Homem, de 1948,
como forma de oportunidade de vida digna.
Segundo Rodrigues Junior (2009), no que se refere à titularidade no exercício dessa
liberdade, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, e não apenas aquelas que fazem da
comunicação de ideias e informações a sua profissão. Sobre o direito à informação o autor
assim preceitua:

Tanto a comunicação de informações quanto a de opiniões são


amplamente asseguradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e
nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro, podendo-se até dizer
que há uma tríade de direitos compreendidos na liberdade de informação,
quais sejam:
a) direito de informar: consiste na faculdade de comunicar informações a
outrem sem impedimentos;
b) direito de se informar: consiste na faculdade de obter informações sem
impedimentos;
c) direito de ser informado: consiste na liberdade de receber informações
íntegras, verdadeiras e contínuas, sem impedimentos (p. 61).

Nessa ordem de ideias, o art.5º, inciso IX da Constituição Federal, dispõe que “é livre
a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença”.
Porém, frente a esse direito, a Constituição Federal, ao tratar dos direitos
fundamentais, tutela também o direito à própria imagem, dispondo em seu art.5º:

V. É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da


indenização por dano material, moral ou à imagem;
X. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.

Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro cria regras que necessitam ser
respeitadas, ficando certo que, quando os direitos considerados como direitos fundamentais

937
e personalíssimos são violados pelo abuso da manifestação de pensamento, cabe ao Poder
Judiciário o dever de responsabilizar o indivíduo causador do dano.
Sobre o assunto, o Código Civil de 2002 consagra de maneira expressa em seu artigo
12 que “[...] pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
Levando em consideração o tema objeto de nosso estudo, a lei civil de 2002 assim se
expressa:

Art.20: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou


à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama, ou a
respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

Em seguida, assim dispõe: “Art.21: A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o


juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou
fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Venosa (2012) considera que a imagem da pessoa é uma das principais projeções de
sua personalidade e atributo fundamental dos chamados direitos personalíssimos. Assim
sendo, usar indevidamente a imagem de um determinado indivíduo traz, de fato, grande
prejuízo e constrangimento.
Segundo Gonçalves (2006),

O direito à própria imagem integra, pois, o rol dos direitos da


personalidade. No sentido comum, imagem é a representação pela pintura,
escultura, filme etc. de qualquer objeto e, inclusive, da pessoa humana,
destacando-se, nesta, o interesse primordial que apresenta o rosto (p.170).

Diante da evolução tecnológica dos novos tempos, é inegável a afirmação de que


o mundo vive na Era da Informação (ou digital) que, de acordo com Albertin (2004),
começou a partir dos primeiros anos da década de 1980. Há de se observar também,
que a internet influencia no cotidiano do indivíduo, possibilitando um espaço eletrônico
de convivência que vai além das fronteiras do seu próprio Estado, diminuindo assim as
fronteiras existentes.

938
O internauta, tendo este mecanismo a seu alcance, com a possibilidade de
manifestar-se livremente sobre tudo e todos, utiliza-o muitas vezes de forma
descompromissada, expressando opiniões que vão desde um elogio até mesmo à
exposição de fotos e palavras agressivas, que podem causar constrangimento e ofensas
capazes de gerar sérias consequências ao(s) envolvido(s).
Para Garcia (2012), dentre tantos ambientes virtuais existentes, destacam-se as
chamadas redes sociais digitais, dos quais se tem como exemplos mais conhecidos no
Brasil, o Facebook, o Orkut, o Linkedin, Myspace, o Flicker e o Twitter. Em tais
ambientes é possível compartilhar, curtir, postar fotografias, vídeos, dados pessoais e
profissionais, interesses e informações em geral.
Souza (2003) descreve que as novas formas midiáticas permitem que os
interessados tenham acesso a um número maior de pessoas e a um volume maior de
informações mais rapidamente do que se é capaz de imaginar. Gonçalves (2012)
considera que o Direito Digital e a preocupação que dele decorre habita o cotidiano
brasileiro. Do mesmo modo, fala que se tornou rotineiro invadir a privacidade das pessoas,
com o objetivo de conhecer algum fato constrangedor que propicie vantagem ilícita.

A BATALHA PARA MUDANÇA DA LEI

Dentro desse contexto, ocorre também a questão do conflito dos direitos


fundamentais da pessoa, direitos chamados individuais, que nos últimos anos vem
desafiando legisladores, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o próprio Supremo Tribunal
de Justiça para uma solução no que diz respeito à colisão existente entre o direito de
liberdade de expressão e direito do autor frente ao direito à imagem nas biografias não
autorizadas de figuras públicas.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo (2014), a Ordem dos Advogados do Brasil ingressou
oficialmente no debate das biografias não autorizadas, declarando-se, na Justiça, a favor da
publicação destas obras. No dia 05 (cinco) de fevereiro de 2014 a ministra Carmem Lúcia,
relatora da ação que discute o caso no Supremo Tribunal Federal, aceitou o pedido da OAB
para ingressar como “amicus Curiae” (interessada na causa) no processo.
O jornal Folha de S. Paulo (2014) ainda afirma que:

939
O dispositivo do “amicus Curiae” permite que a entidade exponha sua
opinião na corte sem participar como parte no processo. A OAB já havia
declarado-se a favor da publicação de biografias que não tenham sido
previamente autorizadas.

É relevante destacar que a polêmica gira em torno da Ação no STF, de autoria da


Associação Nacional de Editores de livros - ANEL, que tem por objeto a declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 da Lei Federal n°
10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) - o Projeto de Lei que tramita no Congresso
Nacional para modificar o artigo 20 do Código Civil, bem como da Associação Procure saber,
que é uma associação de artistas, autores e pessoas ligadas a músicas.
Assim, é importante ressaltar que existem diversos posicionamentos por partes das
entidades citadas, incluindo a menção às formas mais comuns de tutela de direitos da
personalidade, previstas na legislação vigente sobre a responsabilidade por danos morais
causados no desempenho da atividade de informar (este é, inclusive, o posicionamento do
ANEL) e, por outro, lado tem-se o pensamento de membros do Procure Saber que até
defendem a liberdade de expressão, porém criticam a má-fé.
Sobre o assunto manifestou Caetano Veloso em entrevista, concordar com quem
defende a liberdade de expressão e o direito à informação histórica, desde que não se
falasse com os “malucos da internet e com os jornalistas de má-fé”.
Entretanto, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, quem se depara com
uma lesão ou mesmo uma ameaça à sua imagem, pode buscar o Poder Judiciário para
impedir um dano maior. Sobre isso, o Código de Processo Civil oferece meios capazes de
fazer cessar tal ameaça ou lesão a direito personalíssimo, dentre os quais se inclui do direito
à imagem, conforme já dito anteriormente. É o que dispõe o art. 461 do CPC:

Na ação que tenha por objetivo o cumprimento de obrigação de fazer ou


não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.

Segundo Venosa (2012), não se pode permitir que a tecnologia, os meios de


comunicação e o próprio Estado invadam um dos bens mais valiosos do ser humano, que é a
sua intimidade. Nesse sentido, as fotografias e imagens obtidas e publicadas sem a devida
940
concordância de quem tem legitimidade para autorizar, devem ser coibidas e podem gerar
direito à indenização para quem, em nome da liberdade de expressão, causar prejuízo a
outrem.
Na seara do direito à informação, é preciso ponderar que muito embora seja também
considerado um direito fundamental, deverá ter limitações em seu exercício.
De acordo com Mendes, Coelho e Branco (apud NEVES, 2011),

Uma matéria jornalística, por exemplo, sobre a vida de alguém pode por em
linha de atrito o direito de liberdade de expressão e a pretensão à
privacidade do retratado. Considerados em abstrato, ambos os direitos são
acolhidos pelo constituinte com direitos fundamentais. A incidência de
ambos no caso cogitado, porém, leva a conclusões contraditórias entre si.
Para solucionar o conflito, hão de se considerar as circunstâncias do caso
concreto, pesando-se os interesses em conflitos, no intuito de estabelecer
que princípio há de prevalecer, naquelas condições específicas, segundo um
critério de justiça (p.189).

Ainda que recebam a mesma proteção, tanto na esfera constitucional quanto no


direito privado, é possível que os direitos que são o foco do nosso estudo, descritos no
artigo 20 do Código Civil, entrem em colisão, como foi dito no título deste trabalho. A
grande discussão que envolve o tema é justamente a expressão que inicia o referido
texto legal, a saber, “salvo se autorizadas”. Observa-se que é requisito essencial para a
utilização da imagem de uma pessoa que a mesma autorize.
De acordo com Venosa (2013),

Sem dúvida, a imagem da pessoa é uma das principais projeções de nossa


personalidade e atributo fundamental dos direitos ditos personalíssimos. O
uso indevido da imagem traz, de fato, situações de prejuízo e
constrangimento. No entanto, em cada situação é preciso avaliar se, de
fato, há abuso na divulgação da imagem (p.155).

Como visto, o direito aqui mencionado difere do direito à liberdade de expressão


e do direito à informação, com características diferentes, mas que encontra proteção no
mesmo dispositivo legal da lei civil vigente. Portanto, para a solução do conflito
envolvendo as biografias não autorizadas, faz-se necessário um estudo minucioso sobre
o respectivo tema.·.

941
A POLÊMICA DAS BIOGRAFIAS E O USO NÃO AUTORIZADO DA IMAGEM
Após analisar através da presente pesquisa, o que a filosofia, a doutrina jurídica, a lei,
a jurisprudência tratam a respeito da liberdade de expressão, o direito às imagens e os
institutos afins, relevante, ainda, destacar a saída encontrada, no direito em caso de colisão
desses direitos considerados como direitos fundamentais e a possível solução encontrada
para resolução de conflitos, especificamente no caso das biografias não autorizadas.
Os direitos inerentes aos seres humanos, conforme já analisados anteriormente, no
âmbito do direito público, são, portanto, considerados como direitos fundamentais, já na
esfera do direito privado, direitos da personalidade, e que de acordo com a grande maioria
dos doutrinadores, não podem ser elencados com um rol taxativo.
Adotando a tese do professor FLÁVIO TARTUCE, “didaticamente, podemos aqui
trazer uma regra de três, afirmando que, na visão civil-constitucional, assim como os direitos
da personalidade são para o Código Civil,os direitos fundamentais estão para a Constituição
Federal”.
Por serem direitos, inerentes ao ser humano, é possível que em algumas situações
concretas, haja conflito, daí o interesse de estudiosos do direito procurarem encontrar uma
solução quando, por exemplo, no exercício de um determinado direito que esteja previsto
na CF ou no CC, ocorra à colisão ao direito assegurado a outrem.
De acordo com Norberto Bobbio:

Existem alguns direitos que valem em qualquer situação e para todos os


homens indistintamente: são os direitos acerca dos quais há a exigência de
não serem limitados nem diante de casos excepcionais, nem com relação a
esta o àquela categoria, mesmo restrita, de membros do gênero humano (é
o caso, por exemplo, do direito de não ser escravizado e de não sofrer
tortura).

Importante destacar, que em caso de conflitos de direitos, a solução a ser aplicada,


valerá, de acordo com a doutrina, apenas para o caso em análise, não devendo ser adotado
como regra para toda e qualquer situação.
Dentre as ferramentas a serem utilizadas, tem-se o princípio da proporcionalidade,
que segundo Neves:

942
É o princípio não expresso, mas implícito, em nosso sistema normativo e
que deve nortear a tarefa do julgador, no sentido de sempre sopesar os
direitos em conflito em face do caso concreto que lhe é oferecido para
análise e solução, diante da formação de seu convencimento.

Sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade, é que decidiu o TJ/RS:

TJ-RS - Apelação Cível AC 70058987553 RS (TJ-RS). Data de publicação:


17/06/2014Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL.
REPORTAGEMJORNALÍSTICA. DIREITO ÀIMAGEM. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
PROPORCIONALIDADE. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. Na solução de conflitos entre
a liberdade de expressão e os direitos da personalidade deve-se aplicar o princípio da
proporcionalidade, segundo o qual, no processo de ponderação desenvolvido para a solução do
conflito, o direito de opinar há de ceder espaço sempre que o seu exercício importar em
agressão à imagem de outrem. No caso sub judice, a reportagem jornalística sobre a falta de
adaptação dos estabelecimentos comerciais à nova legislação, que regula o transporte de gás de
cozinha e bombonas de água, tinha caráter meramente informativo, não contendo agressão
despropositada ou ofensiva à imagem do autor. Ato ilícito não configurado. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(Apelação Cível Nº 70058987553, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de
Oliveira Martins, Julgado em 29/05/2014).

E mais:

TJ-RS - Apelação Cível AC 70056391451 RS (TJ-RS). Data de publicação:


24/07/2014 Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. CARTAS. DISPUTA
SINDICAL. DIREITO ÀHONRA. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
PROPORCIONALIDADE. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. Na solução de
conflitos entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade
deve-se aplicar o princípio da proporcionalidade, segundo o qual, no
processo de ponderação desenvolvido para a solução do conflito,
o direito de opinar há de ceder espaço sempre que o seu exercício importar
em agressão à honra de outrem. No caso sub judice, as cartas que deram
ensejo à ação não continham agressões despropositadas ou
ofensivas à moral do autor, pelo que ausente qualquer mácula à honra do
demandante. Ademais, justificadas no contexto da disputa sindical. Desse
modo, ausente a violação a direito de personalidade, pois inexistente o
abuso no exercício da liberdade de expressão. Ato ilícito não configurado.
Precedentes jurisprudenciais. - Precedente desta Câmara. NEGARAM
PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70056391451,
Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto
Schreiner Pestana, Julgado em 17/07/2014).

Outro critério para solucionar o conflito, apresentado pela doutrina, consiste na


técnica de ponderação, que, de acordo com consiste basicamente, na cautela que será

943
aplicada para satisfação de um interesse, sopesando, qual deverá prevalecer em detrimento
do outro.
Justamente por isso, é que o Enunciado n. 274 da IV Jornada de Direito civil prevê na
sua segunda parte, que em caso de colisão entre direitos da personalidade deve-se adotar a
referida técnica.

274 – Art. 11. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não


exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da
pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da
dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum
pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

Sobre o critério de ponderação, assim destaca Edilson Pereira De Farias:

Verificada, no entanto, a existência de uma autêntica colisão de direitos


fundamentais cabe ao intérprete-aplicador realizar a ponderação dos bens
envolvidos, visando resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos
direitos em jogo. Nessa tarefa, pode guiar-se pela unidade da constituição,
da concordância prática e da proporcionalidade, dentre outros, fornecidos
pela doutrina.

Como demonstra Flávio Tartuce:

Pela técnica de ponderação, em caso de difícil solução (hard cases) os


princípios e direitos fundamentais devem ser sopesados no caso concreto
pelo aplicador do Direito, para se buscar a melhor solução. Há sim um juízo
de razoabilidade de acordo com as circunstâncias do caso concreto. A
técnica exige dos aplicadores uma ampla formação, inclusive
interdisciplinar, para que não conduza a situação absurda.

Ainda sobre o parâmetro para a ponderação, salienta Anderson Schreiber:

A ponderação somente se faz necessária quando há efetiva colisão entre


interesses igualmente protegidos. Na impossibilidade de proteger
integralmente a ambos, o juiz vê-se forçado a ponderar. A ponderação
consiste, assim, em sopesar, no caso concreto, o grau de realização do
interesse lesivo (liberdade de informação) com o grau de sacrifício do
interesse lesado (direito de imagem). Trata-se, em outras palavras, de
verificar se, naquelas condições concretas, o grau de realização do interesse
lesivo justifica o grau da afetação do interesse lesado.

No mesmo sentido, leciona Alessandra Helena Neves:

944
Esse critério visa, embora com a satisfação de um interesse, que se
restrinja, da menor forma possível, aquele que é o alvo do sacrifício para o
caso concreto, não o aniquilando e sempre lhe preservando um mínimo
irredutível chamado núcleo essencial, estando, portanto, também ligado ao
princípio da concordância prática ou da harmonização.

Como se observa, é papel da doutrina, oferecer parâmetros que possam auxiliar o


juiz no caso concreto, a aplicar o critério de ponderação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vida em sociedade implica necessariamente, que as liberdades e direitos sejam
desempenhadas de tal forma que não prejudique o direito alheio. O estudo se ateve,
portanto, ao art. 20, caput do Código Civil, tratando especificamente de dois assuntos dentro
dos direitos da personalidade: A liberdade de expressão e o direito à imagem, sendo
analisados sob a ótica filosófica, constitucional e civilista.
Foi analisada também a polêmica existente em caso de colisão, concluindo que
quando estes direitos são declarados no texto constitucional, conferem aos indivíduos
proteção, por individualizarem a pessoa em si e sua projeção na sociedade em que vivem.
Porém, pelos conflitos existentes na aplicação da norma, a doutrina estabelece alguns
critérios a serem levados em consideração pelo aplicador do direito no caso concreto.

REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Compiladas por
Nello Morra. Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo:
Ícone, 2006.
__________________. A era dos Direitos. 14.ed.Tradução de Carlos Nelson Coutinho.Rio
de Janeiro:Campus, 1992.
BRASIL. Código 4 em 1: Civil; Comercial; Processo Civil e Constituição Federal. 10. ed.- São
Paulo: Saraiva, 2014.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. volume 1: teoria geral do direito
civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

945
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a
imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 2000
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. ed. rev.
atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006.
GODOY, Cláudio Luiz Bueno. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. 2.
ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.
GRAGNANI, Juliana. OAB no Supremo a favor das biografias não autorizadas. Jornal Folha
de S. Paulo, 2014. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/02/1408342-oab-entra-no-supremo-a-favor-
das-biografias-nao-autorizadas.shtml>. Acesso em: 06 fev. 2014.
GUERRA, Sidney. A liberdade de imprensa e o direito à imagem. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004.
JURISPRUDÊNCIA/LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/ Acesso em: 15 jan. 2015.
MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
NEVES, Alessandra Helena. Direito de autor e direito de imagem: à luz da Constituição
Federal e do Código Civil. Curitiba: Juruá, 2011.
RODRIGUES JUNIOR, Álvaro. Liberdade de Expressão e Liberdade de informação: limites
e formas de controle. Curitiba: Juruá, 2009.
SANDEL, MICHEL J. Justiça - O que é fazer a coisa certa. Tradução de Heloisa Matias
e Maria Alice Máximo. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 3 ed.São Paulo:
Atlas, 2011.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Comunicação, educação e novas tecnologias.
Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Fafic, 2003.
TARTUCE. Flávio. Manual de direito civil: volume único. 3. ed. ver., atual.e amp.- Rio
de Janeiro: Forense;São Paulo: MÉTODO, 2013.

946
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil (Parte Geral). v. 1. São Paulo: Atlas, 2012.
Revista/enunciados/IVJornada. Disponível em:http://daleth.cjf.jus.br. pdf. /Acesso em:
16 jan.2015.

947
DISTANÁSIA AUTOMATIZADA – REFLEXÃO TEÓRICO CONCEITUAL

Marcos Vieira Ferreira


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Marcia Regina Viana


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Retirar o ato distanásico, ou o prolongamento angustiante do morrer, da conduta


médica foi um objetivo do no Código de Ética Médica de 2009. Porém a atuação do médico
esbarra em múltiplos fatores de foro éticos, sociais e jurídicos que o conduzem a
manutenção da conduta distanásica. Não obstante a concordância em todos os campos da
sociedade que a conduta ortotanásica (que permite o processo natural do morrer) deva ser
considerada o objetivo final frente a pacientes terminais, a imaturidade da ação jurídica e a
realidade prática da atividade médica no Brasil têm encontrado motivações para a
manutenção da conduta distanásica como um padrão em nosso meio. Embora a evolução
tecnológica seja um dos fatores que desencadeiem novas dúvidas de quando devemos
estabelecer o momento de atuarmos ortotanasicamente, somente o tempo poderá nos dar
o conforto necessário para amadurecer em nossa sociedade as novas diretrizes, que
fudamentadas na ética e bioética, que orientam a conduta médica frente a pacientes
terminais.
Palavras-chaves: Distanásia. Bioética. Paciente terminal.

INTRODUÇÃO
A atividade do profissional médico em nossa sociedade parece estar associada a uma
conduta automatizada de caráter distanásico na abordagem de pacientes terminais. O
próprio sentido do termo distanásia ganhou diferentes entendimento em diferentes
momentos de avaliação e ocorrência de sua existência, dificultando o estabelecimento de
um padrão balizador de condutas necessárias à administração responsável de uma vida
humana – bioética. Além disso, a popularização e discussão da eutanásia na mídia relegou a
distanásia uma discussão em segundo plano em nossa sociedade apesar da eutanásia ser
banida de nossa sociedade e a distanásia quase uma rotina diária de nossos hospitais.
O automatismo das condutas humanas, uma consequência da repetição de uma
atividade humana qualquer, torna o indivíduo uma ator robótico do existir. Somente um
incômodo em sua existência o torna questionador de tais condutas automatizadas. As
alterações de tais condutas se fazem, normalmente, após um desagradável questionamento
sobre ações e suas consequências que encontram oposição em ideias pré-definidas, em
948
informações moldadas por uma formação inicial. Após reanálise de tais questionamentos,
podemos observar a inovação de nossos conceitos/definição de novos preceitos.
A renovação destes conceitos iniciais da formação médica se faz quando constatamos
o quanto normalmente aceitamos sem questionar ultrajantes violações de conceitos éticos e
morais. No âmbito do agir médico, a máxima de nunca desistir de uma vida humana nos
levou, ao longo de séculos, a atuar de modo distanásico por um ideal de um bem maior. Na
primeira metade do século passado, incentivado pelo forte alavancamento da pesquisa
cientifica e pelo aprendizado obtido durante as duas Grandes Guerras, o saber médico
verdadeiramente avançou e atingiu um significativo marco na segunda metade do século XX.
Isso reverberou diante da comunidade médica mundial na certeza de que, a qualquer
momento, uma nova descoberta poderá mudar o curso de uma patologia que impõe hoje
um sofrimento sem opções, principalmente para um paciente que encara a morte estando
de posse de um suporte médico/tecnológico. Porém, registra-se que nas últimas décadas do
século XX e no início deste novo milênio nos deparamos com a presença de uma nova
conjuntura social questionando a visão do ato médico quando este se vê em situação
distanásica. A publicação do revisto Código de Ética Médica CEM em 2009, foi resultado
deste questionamento sofrido pela sociedade médica em vários âmbitos e entre eles a
postura médica frente uma sociedade francamente distanásica. Cabe neste momento,
definir de melhor modo possível o que seria a distanásia, a eutanásia e também a
ortotanásia. Segundo o dicionário Michaelis/UOL
(http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/), o termo distanásia significa “morte
dolorosa, agonia lenta”. A palavra distanásia vem do grego dys = ato defeituoso ou errado e
thánatos = morte. O mesmo dicionário ainda o define como o antônimo de eutanásia que
seria a ‘morte sem sofrimento ou ainda a eliminação ou morte sem dor de pacientes com
moléstia incurável’. Observar a ressalta ser a morte sem sofrimento em vigência de uma
moléstia incurável. A palavra eutanásia também deriva do grego eu=boa e thánatos = morte.
Já a palavra ortotanásia, por incrível que pareça, não se encontra disponível neste mesmo
dicionário em acesso até a data de 20jan2015. Ortotanásia também vem do grego e significa
orto=correto, da orientação certa e e thánatos = morte. Ou seja, é a morte corretamente
conduzida, sem sofrimento. É o processo natural da morte sem agonia. Esta, a ortotanásia,

949
foi questão integrante da Resolução 1.805/2006, pelo Conselho Federal de Medicina. No
entanto, o Ministério Público Federal do Distrito Federal requereu a suspensão desta
resolução por estar em desacordo com o Código Penal Brasileiro. Ao longo de quatro anos
esta ação perdurou até que, em 2010, o juiz Roberto Luis Luchi Demo, em decisão divulgada
pela 14ª Vara da Justiça Federal de Brasília considerou improcedente o pedido do Ministério
Público Federal (MARTINELLI, 2014). Porém, o curtíssimo tempo de aprovação e validade
desta lei traz distorções no seu entendimento entre profissionais da área médica e da área
jurídica dificultando sua real e verdadeira implantação em nossa sociedade. A
multifatoriedade de questões sociais e individuais que incidem sobre essa questão será
apresentado a seguir.

OBJETIVOS
Refletir sobre o significado da palavra distanásia em nossa sociedade, principalmente
no meio médico, e entender a dificuldade do profissional em identificar os limites da
conduta ortotanásica e a distanásica. Como “encaixá-las” no verdadeiro e real entendimento
que o alvo destas condutas (pacientes, familiares, demais membros da equipe médica e
sociedade jurídica brasileira) para que possam se acomodar em seus anseios sem deturpar o
senso de dignidade de cada um. Como acomodar suas visões de ética, moral e justiça, e sem
abalroar os diversos e diferentes preceitos religiosos dos componentes de nossa sociedade.

METODOLOGIA
Revisão bibliográfica das discussões em conselhos profissionais de medicina e das
últimas publicações do meio jurídico culminando com uma reflexão teórico conceitual
acerca do termo distanásia no Brasil de hoje.

UMA SOCIEDADE COM VALORES COMPLEXOS E DIFERENTES IDENTIFICAÇÕES DE


ORTOTANÁSIA
Em que momento na evolução de um paciente o profissional médico identifica que
passamos do momento de tratamentos férteis e atingimos uma ação distanásica? Será que
este momento seria marcado por algum evento puntiforme na linha de evolução de uma

950
patologia? A resposta é que, com muita certeza, não estamos avaliando nenhuma doença e
sim, avaliando e tratando uma pessoa. Não um indivíduo mas um sujeito, ser dotado de sua
própria noção de ética, de sua própria vontade de lutar pela vida (ou desistir dela), sua
próprio conjunto de valores, costumes e conceitos religiosos, não deixando de citar todas
estas mesmas visões em sua família e o peso econômico que seu processo patológico exerce
sobre ele e sua família. Se simplesmente tratar fosse dar medicamento talvez fosse mais
fácil, porém o ato médico é tratar o sujeito e não a doença. Logo, o ator principal na
definição do ato ortotanásico, o profissional médico, deve considerar cada um dos fatores
acima descritos na consideração ética de suas decisões. Impor conduta ortotanásica
enquanto paciente e/ou família considera eutanásia seria um erro horrendo do ato médico.
Abaixo, encontra-se um quadro comparativo entre a eutanásia, ortotanásia e
distanásia e o reconhecimento destas em nossa sociedade, além da sequência de valores
que influenciam a consideração destes valores para cada indivíduo e o médico.

Eutanásia Ortotanásia Distanásia

Banida ética e Objetivo do CEM 2009 Ato médico facilmente


criminalmente observado, conduta
automatizada.

Muito raramente Não se identifica por Observada com freqüência


observada observação única, é uma
ação contínua.

Significado e conduta bem Significado muito pouco Significado e conduta mal


conhecida pela sociedade, conhecido e conduta de conhecida pela sociedade,
embora rara difícil delimitação embora comum

Condenada pela ética e Considerado alvo ético e Para muitos ainda é


bioética bioético que culmina com a considerada conduta
publicação do CEM 2009 francamente aceitável
quando não única

Ética – caráter multidisciplinar e transdisciplinar


Múltiplos entendimentos valores
Todas as variáveis são móveis ao longo do tempo, do momento social e o grau de
sofrimento do paciente e da família.

951
 Visão médica – (onde está atuando) (precisa considerar demais visões )
 Visão individual como paciente (sofrimento, esperança, etc)
 Visão familiar (aspecto afetivo, econômico, social)
 Visão religiosa/espiritual
 Visão cultural/costumes
 Visão social
 Visão econômica
 Visão jurídica
O peso destas variáveis na sociedade moderna de hoje se diferencia do peso
apresentado em tempos de outrora quando o médico era autoridade isolada e detentor
único do conhecimento. Hoje, através do ganho educacional e cultural do brasileiro,
associada à facilidade de acesso informação (principalmente após o surgimento e
crescimento da internet com acesso universal à informação), o médico foi despojado do
poder de único detentor do conhecimento. Esta situação coloca o profissional médico em
uma nova condição de postura ética onde ouvir e considerar demais opiniões de familiares e
pacientes se torna obrigatória. Ainda assim, este não se exime de atuar de modo
emergencial quando não há tempo hábil para notificação de paciente e/ou familiares e se
expor as discordâncias. Entra, então, em cena um novo personagem no relacionamento
médico-paciente, o receio do questionamento jurídico.

A VISÃO JURÍDICA E SUA DISSONÂNCIA


Definir ética e bioética106 em formato estático para o uso da lei, sem considerar a
temporalidade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade destas, seria como ignorar uma
diversidade gigante de interpretações justas, adequadas e moralmente corretas para as
atividades humanas e o relacionamento social (ética). Deste modo, tendemos para uma
eterna e distanásica angústia na busca da conduta ortotanásia, por mais que a tecnologia e a
sociedade evolua. Devemos considerar uma eterna volatilidade dos conceitos ética e

106
“Bioética é o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo a visão moral, as decisões, a conduta e as
linhas que guiam – das ciências da vida e da saúde, com o emprego de uma variedade de metodologias éticas e
uma impostação interdisciplinar”
Reich, W.T., Encyclopedia of Bioethics. New York, Macmillian, 1995;247-56
952
bioética. Logo, entende-se que um juiz também usará seu conhecimento de situação e sua
avaliação sobre o questionamento do requerente assim como o profissional da medicina o
fez, porém com a vivência de um jurista e não de um profissional de medicina. Segundo
PESSINI (2013), para uma enorme legião de juristas ainda sem cultura ética e bioética no
Brasil, observamos outro entendimento da situação segundo o nosso Código Penal onde se
verifica a confusão entre os conceitos de eutanásia e ortotanásia. Comumente interpretam o
ato ortotanásico como, diante da morte iminente e inevitável de um paciente, abreviar sua
vida (praticando a eutanásia). Martinelli (2014) preferiu denominar tal visão de “eutanásia
passiva”. Continuando, encontramos situações onde, diante da morte iminente não praticar
distanásia pode ser encarada como eutanásia e não deixar margem para caracterização da
eutanásia por ser encarada como distanásia. Em avaliação desta situação na visão Código
Penal Brasileiro, Martinelli (2014) descreve a ortotanásia, ou eutanásia passiva como “...
uma omissão de uma indicação terapêutica para determinado caso. Também pode ser
definida como a omissão de toda intervenção que possa prolongar a vida de forma artificial”.
Para Borges (2005), o código civil assegura o direito à vida e não o dever não havendo
a possibilidade de se obrigar um indivíduo a submeter-se a um tratamento. Esse direito do
cidadão brasileiro é uma garantia constitucional de sua liberdade de consciência e
autonomia jurídica assegurada no art. 1º da Constituição Federal. O inciso XXXV do art. 5º
garante, inclusive, o direito de o paciente recorrer ao Judiciário para impedir qualquer
intervenção ilícita em seu corpo contra sua vontade. Neste ponto, Pessini (2013) abre um
novo questionamento: até quando podemos assegurar que um paciente em situação
terminal pode apresentar consciência adequada para manter sua autonomia. Em exemplos
desta situação se enquadrariam alguns pacientes com Alzheimer em processo degenerativo
mais avançado ou diversas outras situações degenerativas que evoluem com torpor da
consciência.
Retornando a publicação de Borges (2005) encontramos a definição de eutanásia
“quando ocorre a morte movida por piedade, por compaixão em relação ao doente. A
eutanásia verdadeira é a morte provocada em paciente vítima de forte sofrimento e doença
incurável, motivada por compaixão. Se a doença não for incurável, afasta-se a eutanásia.”
Reconhece, por fim, segundo o Código Penal Brasileiro a eutanásia pode ser considerada um

953
homicídio privilegiado. Não há referência específica a eutanásia no Código Penal Brasileiro.
Conforme a interpretação desta conduta, ela pode assumir a caracterização de homicídio,
auxílio ao suicídio ou ser atípica. Logo, podemos ser criminalizados por uma conduta
ortotanásica quando esta for interpretada como uma “eutanásia passiva”. Finalizando a
análise que Borges desenvolve sobre eutanásia, ortotanásia, distanásia e o biodireito, Borges
descreve que “a ortotanásia é conduta atípica frente ao Código Penal” por não se apresentar
como causa mortis visto que o processo de morte já se encontra em vigência.
Mais uma vez, Pessini (2013) cita o jurista José Henrique R. Torre que comenta que o
envolvimento dos médicos em causar ou apressar a morte de pacientes é obviamente
proibido, mas há na lei suporte ético para medicação para alívio da dor e demais
contribuições para o conforto de pacientes terminais, mesmo que isso traga risco à vida. No
entanto, não deixa de destacar, que do ponto de vista jurídico, pode-se questionar se a
ortotanásia como uma omissão. Em mais um adendo de sentido dúbio, cita que, caso o
médico, na subtração parcial ou total de uma droga terapêutica, “somente será considerado
o causador da morte do doente se essa terapêutica tiver potencial para evitar a morte”. Ou
seja, o jurista Jose Henrique R. Torre estabelece condição de total instabilidade a decisão
médica frente a uma conduta ortotanásica, pois o médico pode ser, a qualquer momento,
enquadrado na situação de homicídio.

O MÉDICO E A SUA REALIDADE


Paralelamente às considerações médicas, individuais, familiares e jurídicas para a
construção de uma conduta ortotanásica, não podemos esquecer que o profissional da área
médica se defronta com a realidade de nosso país onde frequentemente não temos
condições de proporcionar condições básicas para o conforto e segurança de um paciente
fora de uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Dados fornecidos pelo Conselho
Federal de Medicina revelam que 30% dos internados em UTIs são pacientes em estado
terminal. Inclui-se nestes dados os pacientes que necessitariam de dispendiosos recursos
tecnológicos para manter sua segurança e conforto e que representam um gasto totalmente
inadmissível para a maioria das famílias brasileiras. Seria hipocrisia negar que muitas outras
famílias simplesmente preferem não ter que arcar com qualquer outro custo associado a um

954
paciente terminal, fato este que, a imposição de uma decisão médica neste âmbito nos
levaria mais uma vez ao desgaste de um questionamento jurídico.
Outro estresse participante do dia a dia do profissional da área médica está na sua
própria interpretação/identificação técnica do momento médico de assumir sua postura
ortotanásia. A “linha ortotanásica” (eutanásia  ortotanásia  distanásia), assim como a
linha do tempo (ontem  hoje  amanhã) apresentam seus alvos (a ortotanásia e o hoje)
no encontro de seus extremos. Porém, diferente da linha do tempo, a “linha ortotanásica”
não apresenta limites precisos. Isso que dizer que dois médicos podem apresentar diferentes
opiniões, mesmo quando não divergem em questão do emocional, do social, do religioso ou
do jurídico. Estou falando somente da visão técnica. Assim, principalmente o médico
intensivista, é frequentemente exposto ao dilema de quando estará prolongando o morrer
(distanásia) ao invés de salvando uma vida. A opção por mais um esforço terapêutico
sempre nos atormenta na forma da dúvida possível. Nesta mesma linha de pensamento
Borges (2005) cita a ressalvas descritas por Ramón Martín Mateo, que descreve objeções na
busca angustiante pela ortotanásia. Ramón se apropria do argumento de que, o intenso e
incessante desenvolvimento do conhecimento médico faz com que a determinação da
irreversibilidade de um quadro de saúde pode ser falha e/ou imprecisa. Em um campo muito
mais amplo, não de discute apenas uma licitude ou a ilicitude da ortotanásia mas indaga-se
sobre os limites ou possibilidades do conhecimento científico a cada determinado momento
e a ciência e consciência destes a cada momento. Assim, em vista da existência desses
limites, os cuidados contra o arbítrio devem ser maximizados.

CONCLUSÃO
A distanásia na sociedade brasileira ainda é considerada como conduta dentro de um
padrão ético por um grande número de profissionais da área médica e também jurídica. A
principal razão deste entrave evolutivo de nossa sociedade se encontra no curto período de
tempo desde o início de discussão do tema bioética em nosso meio (menos de duas
décadas) que culminou com a recentíssima formulação do nosso Código de Ética Médica
(2009).

955
São causas observadas para a resistência do meio médico em implementar condições
para abolir a distanásia:
 Aceitar opinião de terceiros sem embasamento técnico o fato esse que pode levá-
lo a agir contra seus próprios preceitos éticos,
 A formação médica, até o momento, direcionada pela máxima que sempre é
possível um resultado positivo,
 Além da imaturidade do sistema judiciário brasileiro frente esta questão bioética
que pode punir o profissional médico por agir dentro ou fora das novas normatizações do
CEM 2009.

BIBLIOGRAFIA
BEAUVOIR, Simone. Uma morte muito suave.Trad. Álvaro Cabral. 3a. ed. Nova Fronteira,
RJ.1990.
BORGES, RCB. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves considerações a partir do
biodireito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 871, 21 nov. 2005. Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/7571>. Acesso em: 19 jan. 2015.
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM Nº 191/2009, publicação no
D.O.U, 24 set 2009, seção I, p.90. retificação publicação no D.O.U, 13 out 2009, seção I,
p.173., http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2009/1931_2009.htm. Acesso em:
01 dez. 2014
MARTINELLI, JPO. A ortotanásia e o direito penal brasileiro, Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, http://www.ibccrim.org.br/artigo/10507-A-ortotanásia-e-o-direito-penal-
brasileiro. Acesso em: 01dez2014
PESSINI, Léo. Distanásia: por que prolongar o sofrimento?, Disponível em:
http:cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/301/distanásia-por-que-prolongar-o-
sofrimento. Publicado em 22/03/2013. Acesso em: 26/10/14
PÍCOLO, GG. O direito de morrer: eutanásia, ortotanásia e distanásia no direito
comparado. Por jean mattos- Postado em 28 setembro 2012. Disponível
em: http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-constitucional/232395-o-

956
direito-de-morrer-eutanasia-ortotanasia-e-distanasia-no-direito-comparado. Acesso em
20jan 2015.
REICH, W.T. Encyclopedia of Bioethics. New York, Macmillian, 1995;247-56

957
ENTRE A JUSTIÇA E A LIBERDADE: UMA BREVE REFLEXÃO DA TEORIA LIBERTÁRIA

Alonso Castro Colares Júnior


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O presente artigo pretende apresentar uma breve reflexão acerca do pensamento
libertário, com base na obra de Michael Sandel – Justiça, o que é fazer a coisa certa, e suas
relações entre a justiça e a liberdade, apresentando o pensamento libertário e suas
premissas básicas onde defende a ausência de qualquer tipo de paternalismo por parte de
Estado, nenhuma legislação sobre moral e a ausência de qualquer distribuição de renda e
riqueza. Assim, para tal teoria, um Estado moralmente justificável seria aquele que
garantisse o direito da propriedade privada, fizesse cumprir contratos e mantivesse a paz,
sendo um conceito elementar nas relações entre a justiça e a liberdade.
Palavras-chave: Teoria libertária. Pensamento libertário. Liberdade. Paternalismo.

INTRODUÇÃO
Qual é o ponto comum entre a justiça e a liberdade? E qual o papel fundamental do
Estado na promoção da justiça e da liberdade dos indivíduos? O presente artigo propõe uma
reflexão sobre o pensamento libertário com base na obra de Michael Sandel - Justiça, O que
é fazer a coisa certa, e outros teóricos, para expressar as bases fundamentais do que sejam,
segundo eles, a concepção de justiça e liberdade, defendendo a ideia de que somente um
Estado que faça garantir os direitos individuais, protejam a propriedade privada contra
roubos e mantenham a paz, é compatível com uma justificação moral do Estado.
Em um primeiro momento, tratarei sobre o ponto de partida do libertarianismo e a
partir dai sobre seus pontos principais, e sua premissa básica que opõe a qualquer
paternalismo, nenhuma legislação sobre a moral e nenhuma redistribuição de renda, e sua
defesa de um Estado mínimo que garanta a mais ampla esfera de liberdades individuais.
Assim, pretendo nessa breve reflexão tratar as questões de justiça e liberdade sob a
ótica libertária e seus pontos principais para que possamos tentar um vislumbre auspicioso
sobre a relação entre justiça e a liberdade e seus efeitos em um Estado verdadeiramente
democrático.

O PONTO DE PARTIDA DO LIBERTARIANISMO

958
A aplicação dos efeitos da liberdade humana é muito importante para concebermos
uma teoria plausível de justiça. Se considerarmos uma teoria em que as liberdades
individuais estejam ligadas as proposições ditadas pelo Estado, não teremos, de fato, uma
aplicação de justiça social plena. Michael Sandel aborda no capítulo três da sua obra Justiça -
O que é fazer a coisa certa,107 sobre a teoria libertária e suas implicações para a justiça e
liberdade do indivíduo. Ele afirma que “Apenas um Estado mínimo – aquele que faça cumprir
contratos, proteja a propriedade privada contra roubos e mantenha a paz – é compatível
com a teoria libertária dos direitos. Qualquer Estado que vá além disso é moralmente
injustificável.”108
Milton Friedman em sua obra: Capitalismo e Liberdade109 expressa o ideal libertário
acerca do papel do Estado na Economia. Entretanto, ele ainda coloca em questão o papel do
Estado em outras esferas da sociedade. Segundo ele, somente um Estado que garanta as
liberdades individuais e que tenha um sistema jurídico compatível com essas liberdades no
seu sentido mais amplo, e que garanta a livre iniciativa, protegeria, de fato, os cidadãos para
exercerem sua liberdade. Ele ainda escreve, em relação ao Estado que:

Sua principal função deve ser a de proteger nossa liberdade contra os


inimigos externos e contra nossos próprios compatriotas; preservar a lei e a
ordem; reforçar os contratos privados; promover mercados competitivos.
Além desta função principal, o governo pode, algumas vezes, nos levar a
fazer em conjunto o que seria mais difícil ou dispendioso fazer
separadamente. Entretanto, qualquer ação do governo nesse sentido
representa um perigo. Nós não devemos nem podemos evitar usar o
governo nesse sentido. Mas é preciso que exista uma boa e clara
quantidade de vantagens, antes que o façamos. E contando principalmente
com a cooperação voluntária e a empresa privada, tanto nas atividades
econômicas quanto em outras, que podemos constituir o setor privado em
limite para o poder do governo e uma proteção efetiva à nossa liberdade de
palavra, de religião e de pensamento.110

107
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de Heloísa Matias e
Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2013.
108
Ibidem, Pág. 79.
109
FRIEDMAN, Milton, Capitalismo e Liberdade, titulo original: Capitalism and Freedom, Org. Igor César Franco.
Disponível em: http://liberalismo.0catch.com/
110
Ibidem, Pág.05

959
Friedrich A. Hayek escreveu em Os Fundamentos da Liberdade111 uma importante
obra em que aborda as relações entre o Estado e os indivíduos. Ele classifica as liberdades
individuais em varias esferas concebendo um conceito de liberdade plena do indivíduo, de
modo que o mesmo se torne completamente responsável pelas suas ações, e impulsionado
a desenvolver ainda mais suas potencialidades. Assim, qualquer impedimento a essa
liberdade primordial seria uma coerção à verdadeira liberdade individual e um cerceamento
da livre iniciativa.
Uma teoria do Estado que interfira nas escolhas intimas dos seus cidadãos e na forma
que lidam com os recursos provenientes do seu trabalho seria, para Hayek, uma espécie de
coerção, pois tal teoria impediria os seus cidadãos de usarem todas as suas capacidades. Ele
assim escreve:

A coerção, portanto, é indesejável porque impede o ser humano de utilizar


plenamente seus poderes mentais e, consequentemente, de prestar a
maior contribuição possível à comunidade. Embora o coagido ainda procure
obter o melhor para si em dado momento, o único plano ao qual suas ações
obedecem é o determinado pelo coator.112

Portanto, a mais ampla garantia das liberdades individuais é a fundamental tarefa do


Estado. Não há, para os libertários, uma teoria defensável de justificação do Estado que não
seja mínimo. Ou seja, apenas um Estado com um sistema de leis que garanta a livre
iniciativa, proteja a propriedade privada, promova a segurança e a paz, seria viável para
conferir e promover as mais amplas esferas de liberdades individuais promovendo a justiça
social. Assim, quanto maior o Estado, menor será o individuo em sua liberdade de ação,
criação e pensamento. Veremos agora, três premissas fundamentais do pensamento
libertário: Nenhum paternalismo, qualquer legislação sobre a moral e nenhuma
redistribuição de renda e riqueza.

NENHUM PATERNALISMO
Segundo os libertários, o paternalismo é injustificável porque não deve haver uma lei
que proteja a pessoa contra si mesma. Isso implica na detenção do Estado sobre a escolha

111
HAYEK, Friedrich August Von, Os fundamentos da liberdade, Título original: The constitution of liberty,
Introdução de Henry Maksoud, tradução de Anna Maria Capovilla e José Ítalo Stelle. São Paulo, Visão, 1983.
112
Ibidem, Pág. 147
960
dos cidadãos em escolher livremente qual o caminho a seguir. Um Estado paternalista é
injustificável, em primeiro lugar porque cercearia a liberdade dos mais bem sucedidos sob a
pretensão de ajudar os “bem menos favorecidos” sem o seu consentimento. Por si só, O
Estado não pode produzir riqueza, e assim, impõe sobre os cidadãos uma forte alta taxação
a fim de justificar a ajuda aos menos bem sucedidos, Provocando, desse modo, a restrição
da liberdade dos mais afortunados. Em segundo lugar, porque o Estado paternalista mina a
livre iniciativa. Ao favorecer um determinado setor produtivo em detrimento de outro o
Estado paternalista provoca um tolhimento da capacidade criativa gerada pela concorrência.
O resultado são preços maiores e menor qualidade no serviço prestado.
Milton Friedman assim escreve:

O governo não poderá jamais imitar a variedade e a diversidade da ação


humana. A qualquer momento, por meio da imposição de padrões
uniformes de habitação, nutrição ou vestuário, o governo poderá sem
dúvida alguma melhorar o nível de vida de muitos indivíduos; por meio da
imposição de padrões uniformes de organização escolar, construção de
estradas ou assistência sanitária, o governo central poderá sem dúvida
alguma melhorar o nível de desempenho em inúmeras áreas locais, e,
talvez, na maior parte das comunidades. Mas, durante o processo, o
governo substituirá progresso por estagnação e colocará a mediocridade
uniforme em lugar da variedade essencial para a experimentação que pode
trazer os atrasados do amanhã por cima da média de hoje.113

Dessa forma, o Estado não age com o espírito paternal a que se pretende, mas sim,
como o padrasto que impede o crescimento dos seus “enteados”, no caso, os indivíduos,
relegando sempre a mediocridade da sociedade e impedindo o crescimento social através da
livre iniciativa. Ao agir de forma paternalista, o Estado taxa os cidadãos para proteger
determinado setor, provocando o empobrecimento dos indivíduos, a diminuição do poder
de compra, o enfraquecimento da economia, produzindo, ao fim um Estado inchado e uma
economia debilitada.
Henry Hazlitt, no capítulo 11 de sua obra Economia Numa Única Lição aborda essa
questão:

113
FRIEDMAN, Milton, Capitalismo e Liberdade, titulo original: Capitalism and Freedom, Org. Igor César Franco.
Pág. 06.

961
Na questão das tarifas devemos ter em mente uma precaução final. É a
mesma precaução que achamos necessária ao examinarmos os efeitos da
maquinaria. É inútil negar que uma tarifa beneficia realmente - ou, pelo
menos, pode beneficiar - interesses particulares. A verdade é que ela os
beneficia, a expensas de todos os demais. Beneficia-os realmente. Se
apenas uma indústria pudesse obter proteção alfandegária, ao mesmo
tempo em que seus donos e operários desfrutassem os benefícios do
comércio livre, em tudo o mais que comprassem, essa indústria estaria
sendo, afinal, beneficiada. Como tentamos, porém, estender as bênçãos da
tarifa mesmo às pessoas das indústrias protegidas, tanto produtores como
consumidores, com o protecionismo outras pessoas começam a sofrer, e,
finalmente, acabam ficando em situação pior do que quando elas e outras
não tinham tal proteção.114

Sandel levanta nesse ponto algumas objeções sobre, se realmente as coisas devem
ser vista sob esse ponto de vista e se não haveria outros fatores que deveriam ser colocados
em pauta para um conceito que conciliasse justiça e liberdade, virtude e livre mercado. Se a
lógica do mercado totalmente livre seria que os trabalhadores deveriam trabalhar para
quem bem entendessem, por outro lado, poderiam haver empregadores que os explorassem
e que não pagassem o justo. Se é assim, como não haver um órgão, que seria o Estado, que
garanta a segurança de um trabalhador? Portanto, a taxação sobre os produtos, tese em que
a posição libertária condena, não é tão ruim como o trabalho forçado. Ele mesmo alega, que
a resposta libertária seria afirmativa, porém com uma ressalva: “Por que o Estado deveria
forçá-lo a fazer essa escolha?”115 indicando que, na verdade, o Estado não age como pai,
mas sim como ladrão que rouba um bem que não se pode interferir. A economia das
sociedades.

NENHUMA LEGISLAÇÃO SOBRE A MORAL


Sandel afirma que: “Os libertários são contra o uso da força coerciva da lei para
promover noções de virtude ou para expressar as convicções morais da maioria.” 116 E diante
disso surge a pergunta: seria o Estado quem poderia chancelar o que seria felicidade? Os
indivíduos têm conceitos de felicidade muito diferentes uns dos outros, o que poderia

114 HAZLITT, Henry. Economia Numa Única Lição, Trad. Leônidas Gontijo de Carvalho. – São Paulo, Instituto
Ludwig von Mises Brasil, 2010 pág. 82-83
115
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de Heloísa Matias e
Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2013, Pág. 86
116
Ibidem, Pág. 79
962
significar felicidade para uns nem sempre se configura como felicidade para outros. Por isso
a proposta libertária defende o Estado não deve impor nenhuma ação que cerceie a
liberdade dos indivíduos.
Um caso interessante seria o uso obrigatório do cinto de segurança. Para os
libertários a imposição do Estado com relação ao uso obrigatório do cinto de segurança seria
um acinte à liberdade dos indivíduos, ou seja, a pergunta libertária parte do seguinte
princípio: Por que o Estado deve aferir o que seja moral ou não? Se o que eu faço sem dar
prejuízos a terceiros é bom para mim, por que o Estado tem o poder de dizer que não é?
Essa pergunta libertária toca em dois temas de grande reflexão quando se trata da
questão do aborto e a liberação das drogas: para a maioria dos libertários a proibição das
drogas, discriminadas pelo Estado entre “lícitas” e “ilícitas” é um tipo de paternalismo que
cerceia a liberdade dos indivíduos em relação a fazer o que entende ser o melhor para si.
Para os libertários, não é o Estado quem deve fazer a escolha entre o que eu devo usar e não
usar e mais uma vez, O Estado não deve usar a força coerciva da lei para impor aos seus
cidadãos a vontade da maioria. Nesse ponto em questão a proposta libertária se distancia
ainda mais da proposta utilitárias e seu princípio básico de Maximizar a felicidade da maioria
e minimizar o sofrimento.
A questão do aborto torna o a proposta libertária mais complexa. Libertários mais
moderados, defendem que a legalização do aborto não é lícita, pois, não garante a liberdade
do indivíduo que está sendo gerado, assim, a despeito do corpo da mãe ser livre para tomar
sua decisão, tal não é lícita em virtude de sua liberdade cercear a liberdade de terceiros.
Porém, libertários mais radicais defendem que o Estado não deve interferir na escolha que
cabe somente à mulher que é “dona” seu próprio corpo, sendo portanto soberana sobre que
“contém” dentro dele.
Sandel alega que “a filosofia libertária não se define com clareza no espectro
político.”117 Ou seja, em alguns casos alguns libertários são contra determinadas ações
como fruto de uma ação de virtude governamental. Ele também alega que alguns dos
grandes defensores do livre mercado são também a favor de política culturais supostamente

SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de Heloísa Matias e
117

Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2013; Pág. 80

963
de produção de virtude, outros partidários do Estado tem uma visão libertária mais radical
com relação a ações culturais do ponto de vista de assuntos como os direitos dos
homossexuais, direitos de reprodução e a separação da Igreja e Estado, entre outros.

QUALQUER REDISTRIBUIÇÃO DE RENDA E RIQUEZA.


Segundo a teoria libertária não é justo que uma lei force as pessoas a ajudar outras
com impostos sem que as mesmas queiram ajudá-las. Um programa do Estado que force os
indivíduos mais bem sucedidos a ajudarem outros menos bem sucedidos, viola um princípio
básico da teoria libertária. Nenhum indivíduo deve ser cerceado pela força da lei a ajudar os
outros a não ser quando por livre e espontânea vontade de fazê-lo. Alegam os libertários,
que o Estado não tem justificação moral que confira a ele o poder de redistribuir renda em
que o abonado não produziu para recebe-lo.
Teóricos libertários chamam isso de um Estado como pretenso “Robin Hood” que
segundo a lenda, era um ladrão que roubava dos mais afortunados, no caso da lenda, as
autoridades, para então distribuir aos pobres. Todavia mesmo que tal distribuição seja com a
melhor das intenções, Robin Hood não deixava de ser um ladrão. Partindo dessa perspectiva
a teoria libertária defende que o Estado ao se comportar como redistribuidor de renda se
comporta como um ladrão que rouba dos mais bem sucedidos para redistribuir aos menos
bem sucedidos.
Com relação a esse ponto em questão, uma objeção lançada por Sandel é que em
todas as sociedades sempre haverá pobres e ricos, e como uma questão de justiça, o pobre
naturalmente precisa de mais dinheiro, como seria sem que houvesse uma intervenção do
Estado? Poderíamos contar com a boa vontade das pessoas em ajudar? A resposta libertária
é que roubar do rico para dar ao pobre, ainda que seja uma atitude interessante, todavia
não deixa de ser roubo. Portanto, injustiça. Os libertários alegam que “seria o caso de
persuadir o abonado a colaborar com o necessitado por livre e espontânea vontade.” 118 E
que “a necessidade alheia não está acima do meu direito fundamental de fazer o que bem
entender com aquilo que possuo,”119 i.e. ainda que se faça uma redistribuição de renda para

118
Ibidem, Pág. 87
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de Heloísa Matias e
119

Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, 2013; Pág.87
964
os menos bem sucedidos, trata-se de uma apropriação indevida dos bens dos mais bem
sucedidos em forma de impostos que visam o bem estar dos menos bem sucedidos.
Um grande problema nessa questão é se o Estado tem justificação moral plausível
sobre os bens daqueles que produziram renda e riqueza e que são obrigados a ajudar,
mesmo contra a sua vontade, sob a alegação de os menos bem sucedidos serão
recompensados pelo que não produziram. A teoria libertária contesta que o Estado teria
autoridade moral para redistribuir renda e riqueza em virtude da injustiça cometida para
com os mais bem sucedidos.
Essa questão nos leva a outra objeção importante dada por Sandel que tem
características de um trabalho em equipe. Todos sabem que ninguém chega ao topo sem
que seja ajudado por outros, e em uma equipe, seja esportiva ou empresarial, sempre
haverá aqueles que ganham mais e aqueles que ganham menos. Não teriam, os que ganham
mais, uma dívida para com aqueles que ganham menos? A resposta dos libertários seria que
tais “pessoas já foram remuneradas por seus serviços de acordo com o valor de mercado.
Embora recebam menos (...) elas aceitaram voluntariamente os valores atribuídos às funções
que desempenham.”120
Segundo a teoria libertária, o trabalho em equipe é remunerado de acordo com a
importância de cada um no exercício da atividade. Em uma equipe esportiva, por exemplo,
médicos, jogadores, técnicos, roupeiros, árbitros etc, já recebem o seu sustento, de acordo
com os valores de mercado, não sendo justo, assim, que o astro do time receba o mesmo
valor que o roupeiro, porque na verdade, as pessoas vão ao Estádio ver o astro a
desempenhar seu papel e não o roupeiro. Partindo dessa premissa, igualar os salários do
astro e do roupeiro seria injusto com o astro que se preparou e que é o centro da atenção
das pessoas que estão ali para vê-lo. Esse é um ponto interessante que revela um mercado
que automaticamente afere o valor mediante o trabalho e a importância de cada individuo
promovendo a livre iniciativa e a liberdade econômica.
Mais ainda sobre esse ponto em questão, Sandel ainda levanta uma objeção ao
pensamento libertário que tem a ver com a “sorte” de algumas pessoas com o seu talento

120
Ibidem, Pág. 87

965
especial, e assim, tal pessoa não achar que aquilo que lhe “foi dado”, o leva a entender que
não precise considerar seja unicamente responsável pelo seu sucesso. Mas, partindo dessa
mesma objeção a teoria libertária entente que cada sociedade aprecia determinados valores
em detrimento de outros e não seria o Estado que deveria regular a sociedade a valorizar
pessoas e prazeres.
Outra objeção levantada por Sandel é com relação a que uma vez que todos
participam do Estado, temos voz ativa para abordar sobre leis e discordar quando for o caso
delas. Dentro de uma democracia todos nós podemos nos opor à criação de novas leis como
em todo o Estado democrático de direito. Assim, as taxações e os impostos cobrados pelo
Estado não são feitos sem o consentimento das pessoas. A resposta libertária é nesse ponto
mais confortável, pois ainda que uma pessoa possa se opor a uma determinada lei, se a
mesma fosse aprovada e sancionada tal, pessoa seria obrigado a cumpri-la mesmo contra a
sua vontade. A resposta libertária ainda vai mais longe como podemos ver no texto abaixo:

Se esse for o caso, a maioria pode cobrar impostos da minoria ou até


mesmo confiscar arbitrariamente sua fortuna e propriedade. E o que
acontece com os direitos individuais? Se ao aceitar a democracia
estivermos justificando o confisco da propriedade, estaremos também
justificando o confisco da liberdade? Poderia a maioria privar-me da
liberdade de expressão e de religião alegando que, como cidadão
democrático, eu já teria dado o meu consentimento para qualquer coisa
que ele venha a decidir?121

Assim, em uma perspectiva libertária, o fato de um indivíduo viver em uma


democracia, não quer dizer que as decisões serão feitas democraticamente. Tais decisões só
poderão ser verdadeiramente democráticas se comtemplarem as liberdades individuais. O
simples fato de pertencer a um sociedade, não justifica, nem autoriza o Estado a expropriar
a renda dos mais bem sucedidos e dá-las os menos bem sucedidos, seria portanto, uma
agressão ao princípio de liberdade que todo o indivíduo em uma sociedade democrática
deve ter.

CONCLUSÃO

121
Ibidem, Pág. 88
966
Essa breve reflexão se ateve, de forma bem introdutória, a fazer uma análise do
pensamento libertário, levando em conta os ideais de liberdade e democracia tão
importante para as sociedades. Não defendemos aqui, de forma alguma, uma ausência do
Estado, nem tampouco um Estado omisso quanto às suas responsabilidades. Entretanto,
com base no pensamento libertário não foi defendida um excesso de atribuições do Estado
interferindo na vida e nas escolhas das pessoas. Uma liberdade que impeça seus cidadãos de
produzir e de escolher o que é melhor para sim, não é verdadeira liberdade, assim como um
Estado que impõe o que acha melhor para os indivíduos sem dar a eles a chance de escolher,
é um Estado opressor e, portanto, injustificável moralmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. Título original: Capitalism and Freedom,
Org. Igor César Franco. Disponível em: http://liberalismo.0catch.com/.
HAYEK, Friedrich August Von. Os fundamentos da liberdade. Título original: The
constitution of liberty, Introdução de Henry Maksoud, tradução de Anna Maria Capovilla e
José Ítalo Stelle. São Paulo, Visão, 1983.
HAZLITT, Henry. Economia Numa Única Lição. Trad. Leônidas Gontijo de Carvalho. São
Paulo, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010 pág. 82-83.
SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa/ Michael J. Sandel; tradução de
Heloísa Matias e Maria Alice Máximo; 10ª edição; Rio de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira,
2013.

967
968
UMA ANÁLISE DE POLÍTICA SOBRE O LIBERALISMO POLÍTICO DE RAWLS

Viviane Bastos Machado


Universidade Nacional de La Plata

RESUMO: O debate que se verifica no decorrer do trabalho é estabelecido por uma reflexão
existente dentro do direito e da filosofia sobre as ações afirmativas. A importância desse
debate organiza-se a partir de reflexões que são formadas por vários entendimentos
filosóficos, no entanto, especialmente se procura tratar aqui da visão de Rawls e seu
liberalismo no fomento de posições e politicas estatais em sua concretude.
Palavras-chave: Ações afirmativas. Políticas de cotas. Liberalismo. Filosofia.

INTRODUÇÃO

A escolha do tema proposto para este projeto de dissertação decorre de análises


feitas enquanto professora da disciplina de Direitos Humanos do Curso de Direito,
estando cotidianamente em contato com discussões acerca de hierarquia e privilégios
de determinados direitos em detrimento de outros. Também incide a guisa de debates
sobre o que seria certo em relação à retirada do direito de uma pessoa para transferir a
outra. Constantemente, embates sobre temas permeados de dúvidas e
questionamentos surgem a partir de alunos de Direito e até mesmo de minhas próprias
indagações sobre o que realmente é certo. Desse cenário costumeiro, emerge a
questão: até que ponto conseguimos distinguir entre o que a maioria precisa e o que
ela deseja?
Também relevantes para a escolha do tema (sistema de cotas no Brasil) foram as
análises filosóficas feitas, seguidas de debates e discussões sobre a obra Justiça, o que é
fazer a coisa certa, do professor Michael J. Sandel, da Universidade Norte-americana de
Harvard, que servirá como fio condutor deste trabalho.
Historicamente, no interior das políticas públicas conhecidas como “ações
afirmativas”, surge a política de cotas – uma proposta originada nos Estados Unidos da
América. O interesse era proporcionar igualdade em meio à desigualdade que tinha se
instaurado naquele Estado após décadas de racismo e preconceito. No entanto, uma
reviravolta se aproxima após cinquenta anos de utilização da referida ação afirmativa.

969
Hoje, com o intento de salvaguardar a estrutura da democracia norte-americana, a
Suprema Corte Americana tende a conceber a inconstitucionalidade do sistema de
cotas, que fora instituído para beneficiar as maiorias raciais.
Mesmo tão contrastantes as realidade norte-americana e brasileira, o Brasil seguiu a
linha de cotas dos Estados Unidos. Adotou uma política criada para um contexto tão diverso
do nosso, sem entender o seu funcionamento e os critérios para a efetivação dessa ação
afirmativa. Sociólogos, historiadores e até mesmo alguns educadores criticaram essa
política. Ainda o governo ignorou a seara do técnico para abarcar a ideia protecionista, ao
custo de gerar grande insatisfação às maiorias.
Tal arbítrio tem gerado graves discussões sociais sobre raça e a mais severa crítica
sobre tal ação afirmativa. Daí se presume que este programa procede uma discriminação
entre pessoas, porque, em verdade, não há que se falar em diferenças ou raças, o que deve
existir é a igualdade. No entendimento de Célia de Azevedo, em sua obra Anti-racismo e seus
paradoxos: reflexões sobre cota racial, raça e racismo, ela afirma que o

[...] combate ao racismo significa lutar pela desracialização dos espíritos e


das práticas sociais. Para isso é preciso rechaçar qualquer medida de
classificação racial pelo Estado com vistas a estabelecer um tratamento
diferencial por raça, ou, para sermos mais claros, os direitos de raça
(AZEVEDO, 2004, p. 50, apud DOMINGUES, 2007).

Com esse mesmo entendimento o jornalista Ferreira Gullar declara a incongruência


dos dogmas apresentados, no momento em que se estabelecia a chamada política de cotas,
demonstrando a diferença na concepção da palavra igualdade.

Viabilizar a entrada de pessoas de cor negra ou parda e de índios no


ensino superior é um processo louvável, mas o que estão sugerindo é
um critério que deveria ser antidiscriminatório e que acaba por
discriminar os brancos pobres. O problema não é de cor, é de
desigualdade (GULLAR, 2006, p. 2).

Um fator a ser advertido é a existência de diferenças históricas e sociais na


construção de uma política decorrente de ações afirmativas no Brasil que se diferem
daquelas produzidas nos Estados Unidos da América. Em nosso Estado Federal
encontramos peculiaridades que estão presentes somente em nossa realidade, como
afirma Benjamin:
970
Como resultado, não somos nem brancos nem negros – somos
mestiços. Biológica e culturalmente mestiços. Aqui, mais do que em
qualquer outro lugar, a tentativa de constituir uma identidade baseada
na “raça” é especialmente reacionária. A afirmação, que tantas vezes
já ouvi, de que o Brasil é o país mais racista do mundo é uma patética
manifestação de nosso esporte favorito – falar mal de nós mesmos
(BENJAMIN, 2002, p. 33).

Ainda com a mesma linguagem, e fazendo uma observação de um futuro que


hoje é realidade, Pena, em um artigo à Folha de São Paulo, esclarece os efeitos que
estão sendo produzidos pela criação de uma legislação que positiva diferenças. Assim
se expressa:

[...] devemos fazer todo esforço possível para construir uma sociedade
desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e
celebrada e na qual exista a liberdade de assumir, por escolha própria,
uma pluralidade de identidades.[...] Talvez isso não ocorra a curto
prazo aqui no Brasil, principalmente se o Congresso cometer a
imprudência de aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, o qual forçará
os cidadãos a assumir uma identidade principal baseada na cor da pele
(PENA, 2006, p. 47).

Adverte-se, entretanto, que o enfoque deste trabalho não incide


especificamente sobre discussões raciais, mas sobre algumas das teorias filosóficas
sobre justiça: as correntes filosóficas distintas frente a uma questão de direito
fundamental. E, ainda, sobre a adequada maneira de se realizar ações afirmativas, não
se utilizando indevidamente de realidades incompatíveis com o sistema brasileiro, para
isso trazemos uma passagem sobre a realidade norte-americana e motivações de suas
políticas afirmativas, conforme análise da Suprema Corte Norte-Americana.

A Corte achou que as escolas para negros são inferiores em instalações


físicas, currículo e meios de transporte e ordenou que os réus,
imediatamente, promovam substancialmente um currículo e meios de
transporte iguais e que “proceda com todas as diligências razoáveis
para remover” as desigualdades nas instalações físicas. Mas, como no
caso da Carolina do Sul, a Corte sustentou a validade das provisões
contestadas e negou aos autores a admissão nas escolas para brancos
durante o programa de igualdade dos estabelecimentos educacionais
(ESTADOS UNIDOS, 1954a).

971
A tessitura de teorias antigas com as mais atuais poderão sustentar formas
diferenciadas de analisar a temática em pauta, sublinhando sempre a questão dos
direitos individuais. Por essa razão, iniciaremos o trabalho com a teoria do liberalismo,
que defende tão ardorosamente tais direitos, enquanto políticas, como a das cotas, os
violam em nome de uma abstração coletiva como a propalada “justiça social”, que
atropela os direitos dos indivíduos.
Nessa empreitada, partirei da compreensão do que seria a teoria do liberalismo
inglês, surgido na Inglaterra, durante o século XIX. Nesse momento o país vivia um
apogeu, como a maior potência mundial. Em plena Revolução Industrial, impulsionava
movimentos em massa dos operários que procuravam, com suas manifestações, atingir
um maior número de pessoas possível com a igualdade de direitos à liberdade.
Para desenredar a discussão do tema, trarei à baila a teoria filosófica do
utilitarismo, impelida por movimentos de liberdade e igualdade. Dois de seus
precursores são John Stuart Mill e Jeremy Bentham, sendo este último o seu fundador.
Bentham (1748-1832), simpatizante desta teoria, vem inová-la, ao substituir o
direito natural, ideal típico dos teóricos contratualistas, pela ideia da utilidade ou
“princípio da utilidade”. A nova teoria fundamenta o meio hábil e capaz de influenciar
os legisladores na criação de normas legais mais adequadas à realidade social. Para
Bentham, a verdade depende de resultados práticos. Nesse sentido, é preciso criar
normas que prestigiem um maior número de pessoas otimizando a felicidade. Estaria aí
a receita correta para uma sociedade menos egoísta e mais satisfeita.
Em contrapartida, John Stuart Mill (1806-1873), que herda de seu pai, James
Mill, o interesse pela teoria utilitarista, traz a ela influências próprias de sua época,
como o positivismo de Comte, uma construção teórica mais democrática.
Sobre as duas teorias (liberalismo e utilitarismo), o autor Lionel Robbins
descreve:

[...] as teorias liberais de política econômica dos séculos XVIII e XIX têm
como origem duas tradições filosóficas diferentes. Por um lado, temos
a tradição do direito natural e dos direitos naturais, segundo a qual o
critério para julgar uma política consiste na sua conformidade a uma
ordem natural preexistente [...]. Por outro lado, temos a tradição
utilitarista, difundida principalmente por Hume e Bentham, segundo a
972
qual as leis são feitas essencialmente pelos homens e devem ser
julgadas de acordo com seus efeitos sobre a felicidade geral, a curto e
a longo prazos (ROBBINS,1972).

Assim, a discussão sobre o tema é vasta e carregada de conteúdo interdisciplinar


nas áreas da Filosofia, da Educação, do Direito, da Sociologia e da História. Estas duas
últimas são a base de discussão sob a perspectiva filosófica desta pesquisa, que
polemiza o justo por meio de teorias da justiça.
Impossível esgotar o tema, mas procurarei questioná-lo de maneira democrática
e coerente, por isso a necessidade do viés interdisciplinar se torna inevitável e
enriquecedor.

AS VISÕES FILOSÓFICAS NA PRÁTICA DE POLÍTICAS PÚBLICAS


Entre os diversos problemas que surgem no meio pedagógico-social, a inclusão das
minorias em constante exclusão vem alarmando com frequência a realidade brasileira. Um
fenômeno que angaria, ainda hoje, muita discussão na realidade estudantil e legal de nosso
país diz respeito à verdadeira face do sistema de cotas implantado no Estado brasileiro. Ele
teve seu início em uma relevante instituição, a Universidade Nacional de Brasília (UNB). Em
seu primeiro episódio, deixa transparecer a clássica e desmantelada concepção racista,
vexatória do conceito democrático dado ao elementar direito à educação. Democracia
duvidosa em face da arrebatada fortaleza nas concepções de obrigação do governo federal.
O fator conflitante nesta realidade é a análise crítica do objetivo delimitado por este
“benefício”. Ele é visto como meio de exclusão, e não de inclusão de indivíduos de uma
facção pouco atingida da sociedade de pessoas que tiveram acesso ao nível superior de
educação, principalmente por meio de uma instituição pública. Além disso, emerge a
suspeição se tais alunos têm desenvolvimento semelhante ao restante de sua turma. O mais
comum é se destacarem por suas deficiências advindas normalmente de um ensino
fundamental básico insuficiente, como foi alegado por alunos e professores na discussão
dentro da UNB e de outras instituições do país, sobre a possibilidade de existência das
referidas cotas.
Questiona-se também se as cotas deixam seus favorecidos à mercê de um enfoque
preconceituoso, excluindo-os, quando, na verdade, a meta é inclusão, diminuição das
973
desigualdades sociais. Tal situação poderia sobremaneira prejudicar o desenvolvimento dos
cotistas em suas atividades acadêmicas. Além do mais são muitas as brechas ocorridas pela
inércia do Poder Legislativo que pouco fala sobre aqueles que perderam a oportunidade de
uma educação de qualidade com fundamento nas cotas. Nada manifesta também sobre os
que tiveram a mesma oportunidade com fundamento neste mesmo fim, contradizendo,
assim, o interesse do Estado Democrático na efetividade educacional.
No entanto, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, em recentes atividades,
tomaram posicionamentos formalizadores da ação afirmativa para o sistema de cotas para
negros com o Estatuto Racial e com o julgamento da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 186, com decisão em 2012. Tais ações atestaram a existência
de raças diferentes, em especial branca e negra, e ocasionaram a afirmação de diferenças.
Embora a pretensão aqui não seja discutir a juridicidade de tais decisões, não há como
ignorá-las. Em verdade, elas são ponto de partida para debates sobre princípios, pois os
grandes defensores do sistema de cotas afirmam que elas existem para defender o princípio
da igualdade e da justiça.
Assim, ao dialogar sobre as concepções de formação de Estado dentro da realidade
de direitos fundamentais como a igualdade, Rousseau afirma qual resultado seria possível
visualizar:

[...] o pacto fundamental, em lugar de destruir a igualdade natural, pelo


contrário substitui por uma igualdade moral e legitima aquilo que a
natureza poderia trazer por desigualdade física entre os homens, que,
podendo ser desiguais na força ou no gênio, todos se tornariam iguais por
convenção e direito (ROUSSEAU, 1973, p. 45).

É interessante observar que em diferentes áreas de conhecimento, seja jornalística,


seja sociológica, seja jurídica, seja filosófica, o entendimento traz imensos conflitos a ponto
de não se atingir unanimidade sobre conceitos básicos como a defesa de direito. Sobre esse
aspecto, Ferreira Gullar (apud PISCITELLI, 2009, p.66) declara que “ Nenhuma pessoa hoje
tem culpa do que ocorreu no país há séculos”. Essa é uma concepção primária das
discussões sobre cotas raciais, mas não menos importante. Neste ínterim, de forma mais
aprofundada, Habermas defende:

974
Todavia, também as teorias compensatórias sofreram duras críticas, uma
vez que constitui regra basilar de qualquer legislação sobre indenizações,
em casos de responsabilidade civil por atos ilícitos, de que apenas aquele
agente que de fato os praticou pode ser acionado judicialmente. Dizer que
toda a sociedade é culpada pela discriminação é, a nosso sentir, um
argumento de conteúdo exclusivamente moral, sem qualquer pretensão
jurídica. Dessa maneira, as ações afirmativas não se sustentam com base na
teoria da compensação, e, por conseguinte, não podem ser vistas como
mero mecanismo de redistribuição de bens e oportunidades, sob pena de
chegarmos às conclusões absurdas acima mencionadas (apud PISCITELLI,
2009, p. 66).

Já, na linha do sistema compensatório e (re)distributivo de Habermas podemos


entender que as medidas compensatórias e (re)distributivas que organizam os sistemas
de cotas devam ser rejeitadas por não se adequarem ao estabelecido pelos legisladores
ou juristas no meio social. A utilização mais adequada, talvez seja, justificar tais
políticas pelos princípios do pluralismo jurídico e da dignidade humana. Habermas
afirma:

O paradigma procedimental do direito orienta o olhar do legislador


para as condições de mobilização do direito. Quando a diferenciação
social é grande e há ruptura entre o nível de conhecimento e a
consciência de grupos virtualmente ameaçados, impõem-se medidas
que podem capacitar os indivíduos a formar interesses, a tematizá-los
na comunidade e a introduzi-los no processo de divisão do Estado
(PISCITELLI, 2009, p. 66).

A palavra justiça tem várias acepções e várias formas de se adequar a realidade


ao contexto social apresentado no momento. Ainda assim, verificam-se, por vezes,
diferenças entre autores na sua apresentação.
Destaca-se, a seguir, a reprodução da definição feita por Garrone:

A justiça pode ser considerada por três pontos de vista diferentes:


como virtude moral, como ordenamento jurídico e como ideal que
deve ter ou deveria ter o direito. Embora a justiça constitua um
conceito único, cabem essas diferentes posições que se completam a
partir de ângulos distintos (GARRONE, 2010).

Tais concepções apresentadas acima são o pano de fundo para os debates que
circundarão a realidade de apresentação deste trabalho, objetivando dentro de cada
visão, encontrar caminhos e analisar aspectos conflitantes entre os autores objeto

975
desta pesquisa. Sublinha-se o importante Johw Rawls (autor da obra A Justiça) e
também o já citado Michael Sandel, indubitavelmente com relação ao debate que eles
delineiam em torno de conceitos conexos de justiça dentro da realidade da tutela dos
desiguais na concepção de ações afirmativas.
Mas, o que seria a tutela dos desiguais e o que pretendem as ações afirmativas?
Neste diapasão, fomentamos a discussão sobre até que ponto os nomeados desiguais
são realmente desiguais e até que ponto a exclusão realmente existe por causas sociais
ou por causas legais. Até que ponto estamos efetivamente vendo a justiça ou
escamoteando-a. Até que ponto estamos realizando trabalhos de inclusão ao bem-estar
comum, conforme desejam os teóricos utilitaristas, que serão objeto de nosso estudo
aprofundado, ou efetivando a desigualdade como meio de promoção do populismo. Até
que ponto o Estado deve interferir e, em contraparte, deve se excluir como meio de
provocação justa.
Já as ações afirmativas vêm para fortalecer que tais tutelas sejam atingidas; são
os caminhos proporcionados pelo Estado, seja juiz, seja legislador, seja seu executor
com os mecanismos necessários para dirimir ou diminuir a desigualdade atingida por
determinadas ações. O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, em
seu voto sobre a ADPF 186, assim deliberou:

Definiu-se que as políticas de ação afirmativa, compreendidas como


medidas que têm como escopo “reparar ou compensar os fatores de
desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica”, não
configuram meras concessões do Estado, mas consubstanciam deveres
que se extraem dos princípios constitucionais (BRASIL, 2012, p. 9).

Ainda, junto ao Supremo Tribunal Federal, o ministro presidente, Joaquim


Benedito Barbosa Gomes, define ações afirmativas desta forma:
Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à
concretização do princípio constitucional da igualdade material e à
neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade,
de origem nacional, de compleição física e situação socioeconômica .
Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até
mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não
somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a
discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De
cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de
exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de
976
transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores
sociais a utilidade e a necessidade de observância dos princípios do
pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio
humano (GOMES, 2001, p. 6-7).

No pertinente às técnicas de implementação das ações afirmativas,


podem ser utilizadas, além do sistema de cotas, o método do
estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e os incentivos
fiscais (como instrumento de motivação do setor privado). Noutras
palavras, ações afirmativas não se confundem nem se limitam a cotas
(GOMES, 2002, p. 142).

O ministro Lewandowski, também abordando sobre o caráter transitório das


ações afirmativas para a proposição da igualdade tão almejada por um Estado
Democrático, determina:

As políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa


apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à
persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu
origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses
permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em
detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer
– incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se
pretenda democrática (BRASIL, 2012, p. 14).

Desta forma, é imprescindível compreender o que seria o princípio da igualdade.


A maior justificativa dada ao sistema de cotas é esta: trazer igualdade, o que significa
dar condições aos cotistas de elevar o seu nível social por meio do acesso à educação.
Trata-se de uma condição fundamental para que facções sociais, carentes e
discriminadas, consigam atingir o patamar da dignidade humana.
Dada a sua complexidade, até hoje é difícil conceituar o princípio da igualdade. É
um tema amplamente discutido desde os primórdios da civilização e ainda não há um
consenso conceptual dele. Vamos aqui procurar entendê-lo sob três perspectivas:
meramente formal; em sua concepção material (quando ocorre a igualdade perante a
lei); enquanto projeto real, visando à obtenção da igualdade de oportunidades como
concretização da ideia de justiça social.
A doutrinadora Maria Berenice Dias cita Konrad Hesse identificando o conceito
de igualdade como sendo:

977
Igualdade jurídica formal é igualdade diante da lei (artigo 3º, alínea 1,
Lei Fundamental). Ela pede a realização, sem exceção, do direito
existente, sem consideração da pessoa: cada um é, em forma igual,
obrigado e autorizado pelas normalizações do direito, e, ao contrário,
é proibido a todas as autoridades estatais não aplicar direito existente
em favor ou à custa de algumas pessoas. Nesse ponto, o mandamento
de igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado
fundamental do estado de Direito (DIAS, 2004, p. 2).

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Aires Brito, em seu voto sobre a ADI
4277/DF, declara:

Princípio da Igualdade: o legislador e o intérprete não podem conferir


tratamento diferenciado a pessoas e a situações substancialmente
iguais, sendo-lhes constitucionalmente vedadas quaisquer
diferenciações baseadas na origem, no gênero e na cor da pele (inciso
IV do art. 3º) (BRASIL, 2011, p. 3).

Com isso, atingimos um estágio de questionamentos que nos remete


inevitavelmente a uma discussão sobre o conceito de dignidade humana para instruir a
ótica inspiradora da tomada de decisões. A visão kantiana muito aprofundou e norteou
sua delimitação. O filósofo iluminista estabelece conceitos que hoje inspiram e fazem
transição para as realidades jurídicas mais perenes apresentadas pela realidade social.
Assim afirma Barreto e Mota (2011):

O conteúdo do princípio da dignidade humana pode desdobrar-se em duas


máximas: não tratar a pessoa humana como simples meio e assegurar as
necessidades vitais da pessoa humana. Ambas as máximas deitam suas
raízes na teoria moral de Kant e podem servir como bases para justificar a
natureza jurídica da dignidade humana. Com isto, contornamos a armadilha
na qual se aprisionam alguns juristas ao tratar o princípio da dignidade
humana como simples petitio principii, que se justifica por si mesmo, pois
empregado como argumento de autoridade sem qualquer justificativa que
demonstre como e por que o princípio da dignidade aplica-se a
determinado caso (BARRETO; MOTA, 2011).

Como contraponto entre as palavras trabalhadas por Kant e a teoria utilitarista


aqui já citada, Sandel afirma:

Se você acredita em direitos humanos universais, provavelmente não é


um utilitarista. Se todos os seres humanos são merecedores de
respeito, não importa quem sejam ou onde vivam, então é errado

978
tratá-los como meros instrumentos da felicidade coletiva (SANDEL,
2013, p.135).

São essas diferenças e esses conflitos que nos importam, desnudando a análise
realizada de justiça sobre o manto da teoria que melhor se adapta ao interesse
governamental e social.
Sandel, ao falar em seu capítulo cinco sobre Kant, afirma: “Uma coisa é condenar
o sofrimento de uma criança porque ele reduz a felicidade geral e outra é condená-lo
por ser moralmente inaceitável, uma injustiça com a criança”. (SANDEL, 2013, p.135).
Ainda, argumenta Kant “que a moral não diz respeito ao aumento da felicidade
ou a qualquer outra finalidade. Ele afirma, ao contrário, que ela está fundamentada no
respeito às pessoas como fins em si mesmas.” (SANDEL, 2013, p. 137). Desta forma, a
teoria kantiana procura em sua base analisar o ser humano como o fim, e não o objeto
para se atingir esse fim pretendido. Isso fatalmente conflita com a politica de cotas hoje
adotada, tendo em vista que se sacrifica um indivíduo sob a pretensão do interesse de
uma parcela da sociedade.
Entre o utilitarismo, o libertarismo, o kantismo, as análises do próprio Sandel
sobre essas teorias, muitas são as abordagens para definir uma mesma coisa. Suas
visões variadas e plurais nos proporcionam uma gama inesgotável de combustível,
capaz de inflamar o debate sobre como se definir o que é justo.
“Os libertários talvez tenham uma resposta: as pessoas não deveriam ser usadas
como meros instrumentos para a obtenção do bem-estar alheio, porque isso viola o
direito fundamental da propriedade de si mesmo”, observa Sandel. (2013, p.179). Quão
profunda e esclarecedora é essa observação, pois demonstra a diferença leg ítima de
diversas visões e nem sempre ações afirmativas são a pureza da legitimidade e da
propriedade como parece ser.
Na defesa dos direitos às cotas, temos uma concepção paternalista de governo,
algo como diz Nozick, longe de um estado mínimo de intervenção, visão destinada aos
libertários. (NOZICK, 2011, p.32).

979
Diferentemente dessa ótica, o desenvolvimento da teoria kantiana inspira as
doutrinas jurídicas e políticas contemporâneas, bem como a definição de dignidade
humana e a concepção dos direitos fundamentais.
Há um destaque entre Rawls e Kant delineado por Sandel. Ele explica que, para
Kant, uma lei será justa quando ocorrer a aquiescência da população como um todo. Já
Rawls argumenta que encontraremos a verdadeira justiça quando nos perguntarmos
quais princípios adotaríamos em uma situação de igualdade. Assim Sandel busca
justificativa, que nos ajudam melhor compreender qual deveria ser a proposta de
justiça na realidade contemporânea, em especial no Estado brasileiro. (SANDEL, 2013,
p.178-179).
Em outra perspectiva, conhecer as faces das teorias filosóficas do utilitarismo
que priorizam o ato que pode garantir uma maior felicidade é maximização de um
resultado. Esta teoria, em determinados momentos, minimiza o interesse do ser
humano ou ele próprio por um interesse maior.
Já o libertarianismo procura enfrentar suas questões como sendo uma total
liberdade apresentada ao Estado e às pessoas. Cada qual faz o que deseja consigo
independentemente de outras vontades, pela ausência de regras. O ser human o é o seu
próprio dono, pode, inclusive, dispor até de sua vida se melhor lhe convier.
Em uma importante passagem, Sandel conclui as principais teorias da seguinte
forma:

Na introdução deste livro, destaquei três abordagens de justiça. Uma


delas, a dos utilitaristas, diz que devemos definir a justiça e determinar
a coisa certa a fazer perguntando-nos o que maximizará o bem-estar
ou a felicidade da sociedade como um todo. Uma segunda abordagem
associa justiça a liberdade. O pensamento libertário é um exemplo
dessa abordagem. Segundo os libertários, a distribuição justa de renda
e riqueza é aquela que tem origem na livre troca de bens e serviços,
em um mercado sem restrições. Regular esse mercado é injusto, dizem
eles, porque viola a liberdade individual de escolha. De acordo com
uma terceira abordagem, justiça é dar às pessoas o que elas
moralmente merecem, alocando bens para recompensar e promover a
equidade (SANDEL, 2013, p. 137-138).

980
As apresentações de pontos de vista distintos, seguidas de análises e d iscussões,
bem como as pesquisas de dados de três universidades brasileiras inseridas no sistema
de cotas estão estruturadas, neste trabalho, em três capítulos.
Para tanto, procurarei ter sempre em mente as palavras de Friedrich Muller:

O jurista que não identifica a justiça com o que é dado avaliará o


direito desigual como direito injusto. Se procurar atingir com seu
trabalho a justiça, deverá procurar dar o que é de direito aos que não
carecem de ajuda e, aos que dela carecem, o que lhes falta (MULLER ,
2013, p. 12).

A FILOSOFIA DE RAWLS
Os grandes debates emersos nas ações afirmativas sobre o sistema de cotas têm
gerado críticas acirradas. Um dos pontos fundamentais dessa discursão é relativo aos
conceitos de justiça e igualdade, que requer uma análise sobre a efetividade dos pretensos
conceitos. Outro fator conflitante surge em meio à análise de existência ou não de
diferenças ou raças, haja vista que deve existir igualdade. No entendimento de Célia de
Azevedo, em sua obra Anti-racismo e seus paradoxos: reflexões sobre cota racial, raça e
racismo,

[...] o combate ao racismo significa lutar pela desracialização dos espíritos e


das práticas sociais. Para isso é preciso rechaçar qualquer medida de
classificação racial pelo Estado com vistas a estabelecer um tratamento
diferencial por raça, ou, para sermos mais claros, os direitos de raça
(AZEVEDO, 2004, p. 50, apud DOMINGUES, 2007).

Com esse mesmo entendimento, o jornalista e poeta Ferreira Gullar declara a


incongruência dos dogmas apresentados, no momento em que se estabelecia a chamada
política de cotas, demonstrando o desentendimento na concepção da palavra igualdade.

Viabilizar a entrada de pessoas de cor negra ou parda e de índios no


ensino superior é um processo louvável, mas o que estão sugerindo é
um critério que deveria ser antidiscriminatório e que acaba por
discriminar os brancos pobres. O problema não é de cor, é de
desigualdade (GULLAR, 2006, p. 2).

Um fator a ser advertido é a existência de diferenças históricas e sociais na


construção de uma política decorrente de ações afirmativas no Brasil que se diferem

981
daquelas produzidas nos Estados Unidos da América, como já aventado no capítulo
anterior. Não se trata de um simples dado histórico, mas de uma forma contextual de se
compreender as motivações e a estrutura de cada realidade que deve ser observado no
momento de reações invasivas do governo na realidade individual. Em nosso Estado
Federal encontramos peculiaridades que estão presentes somente em nossa realidade,
como afirma Benjamin:

Como resultado, não somos nem brancos nem negros – somos


mestiços. Biológica e culturalmente mestiços. Aqui, mais do que em
qualquer outro lugar, a tentativa de constituir uma identidade baseada
na “raça” é especialmente reacionária. A afirmação, que tantas vezes
já ouvi, de que o Brasil é o país mais racista do mundo é uma patética
manifestação de nosso esporte favorito – falar mal de nós mesmos
(BENJAMIN, 2002, p. 33).

Ainda com a mesma linguagem, e fazendo uma observação de um futuro que


hoje é realidade, Pena, em um artigo à Folha de São Paulo, esclarece os efeitos que
estão sendo produzidos pela criação de uma legislação que positiva diferenças. Assim
se expressa:

[...] devemos fazer todo esforço possível para construir uma sociedade
desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e
celebrada e na qual exista a liberdade de assumir, por escolha própria,
uma pluralidade de identidades. [...] Talvez isso não ocorra a curto
prazo aqui no Brasil, principalmente se o Congresso cometer a
imprudência de aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, o qual forçará
os cidadãos a assumir uma identidade principal baseada na cor da pele
(PENA, 2006, p. 47).

Fato é que o Brasil já aprovou o referido Estatuto no qual são inseridas várias
ações afirmativas com o fim de proteger as minorias excluídas. Também os Estados
Unidos da América, motivados por causas similares, criaram políticas
antidiscriminatórias no sistema de ensino, sobre as quais a Suprema Corte Norte -
Americana faz a seguinte análise:

A Corte achou que as escolas para negros são inferiores em instalações


físicas, currículo e meios de transporte e ordenou que os réus,
imediatamente, promovam substancialmente um currículo e meios de
transporte iguais e que “proceda com todas as diligências razoáveis
para remover” as desigualdades nas instalações físicas. Mas, como no
982
caso da Carolina do Sul, a Corte sustentou a validade das provisões
contestadas e negou aos autores a admissão nas escolas para brancos
durante o programa de igualdade dos estabelecimentos educacionais
(ESTADOS UNIDOS, 1954).

A tessitura de teorias antigas com as mais atuais poderão sustentar formas


diferenciadas de analisar a temática em pauta, sublinhando sempre a questão dos
direitos individuais. Por essa razão, o liberalismo – que defende tão ardorosamente tais
direitos, enquanto políticas, como a das cotas –, em nome de uma abstração coletiva
como a propalada “justiça social”, atropela os direitos dos indivíduos.

OS PRINCÍPIOS SOBRE A ÓTICA DO LIBERALISMO DE RAWLS


Nessa empreitada de compreensão sobre o que seria a teoria do liberalismo
inglês, surgida na Inglaterra, durante o século XIX, destaca-se o momento, em que o
país vivia um apogeu, como a maior potência mundial. Em plena Revolução Industrial,
impulsionava movimentos em massa dos operários que procuravam, com suas
manifestações, atingir um maior número de pessoas possível com a igualdade de
direitos à liberdade.
Para o liberalismo, forma-se um contraponto com a tendência absolutista na era
do Iluminismo, demonstrando em sua estrutura a necessidade de se estabelecer a
abertura e a tolerância como forma de respeito à liberdade moral, econômica e cívica.
Ademais, entende-se que a sociedade é um misto de diferenças e que por esse motivo
tolerância e um forte conceito de justiça são importantes para sua preservação.
Na concepção de Rawls, vários questionamentos iniciais devem ser feitos para se
compreender a análise liberalista. O autor questiona:

que concepção de justiça é mais apropriada para especificar os termos


equitativos de cooperação social entre cidadãos considerados livres e
iguais e membros plenamente cooperativos da sociedade, de uma
geração às seguintes?
quais são os fundamentos da tolerância assim compreendida,
considerando-se que o fato do pluralismo razoável é um produto
inevitável de instituições livres?
Combinando ambas as questões, temos: como é possível existir, ao
longo do tempo, uma sociedade justa e estável de cidadãos livres e
iguais que permanecem profundamente divididos por doutrinas
religiosas, filosóficas e morais razoáveis? (RAWLS, 2000, p. 3-4).
983
No pano de fundo desses debates uma grande dificuldade é refletir: o que seria
democracia e como estabelecê-la a todos de maneira isonômica? O liberalismo
demostra a importância de direitos humanos e fundamentais que seriam a proposta de
sua atuação no uso de uma democracia que seja sustentável e verdadeira do ponto de
vista prático. Assim afirma Rawls sobre o pensamento democrático nos dois últimos
séculos:

Deixo claro que ainda não há concordância em relação à forma como


devem ser organizadas as instituições básicas de uma democracia
constitucional, se o que se quer é que correspondam a termos
equitativos de cooperação entre cidadãos considerados como livres e
iguais (RAWLS, 2000, p. 4).

O liberalismo identifica como forma de realização de uma “justiça como


equidade” a utilização de dois conceitos dessa ideia que, em verdade, corroboram toda
sua sustentação: a liberdade e a igualdade. Assim, relativamente sobre uma variante
igualitária que sustentaria os princípios norteadores da justiça, Rawls define:

a) A garantia do valor equitativo das liberdades políticas, de modo que


não se tornem puramente formais; b) a igualdade equitativa (e, de
novo, não meramente formal) de oportunidades; e c) o denominado
princípio de diferença, segundo o qual as desigualdades sociais e
econômicas associadas a cargos e posições devem ser ajustadas de tal
modo que, seja qual for o nível dessas desigualdades, grande ou
pequeno, devem redundar no maior benefício possível para os
membros menos privilegiados da sociedade (RAWLS, 2000, p. 7).

Desta forma, dialogando com a concepção política de justiça encontramos


diversas formas de estabelecer o seu conceito e seus critérios de existência. Rawls
identifica três deles e tem como foco inicial para essa caracterização “estrutura de
instituições básicas e os princípios, padrões e preceitos que se aplicam”. Essa aplicação
refere-se aos padrões de justiça em uma “estrutura básica” de democracia
constitucional contemporânea, que elege Rawls como linha mestra para concepção de
suas ideias.
Uma segunda visão dada por Rawls parte da concepção política de justiça por si
só, como se fosse um significado em si mesma. No entanto, ao estabelecer essa

984
segunda característica, o autor menciona a necessidade de comparação de suas
próprias ideias com o utilitarismo e afirma: “uma concepção política de justiça difere de
inúmeras doutrinas morais, pois estas são comumente consideradas visões gerais e
abrangentes. O utilitarismo é um exemplo.” (RAWLS, 2000, p. 16).
Ainda sob o aspecto da segunda característica na concepção política de justiça,
uma passagem do filósofo não pode deixar de ser destacada pela dimensão de
igualdade que ela proporciona ao tratar do desejo de justiça:

Uma concepção é inteiramente abrangente quando abarca todos os


valores e virtudes reconhecidos dentro de um sistema articulado de
forma precisa, ao passo que é parcialmente abrangente quando
compreende determinados valores e virtudes não políticos, mas de
modo algum todos, e quando é articulada de forma menos rígida.
Muitas doutrinas religiosas e filosóficas aspiram a ser tanto gerais
como abrangentes (RAWLS, 2000, p.15).

Relativamente a passagem acima se remete à compreensão de Ralws em sua


obra Uma teoria da Justiça quando identifica que “a estrutura básica é o objeto
primário da justiça porque seus efeitos são profundos e estão presentes desde o
começo”. (RAWLS, 2000, p.15).
Na terceira característica, identifica-se um expresso conteúdo de ideias
fundamentais estabelecidas como implícitas de uma sociedade, em sua cultura público-
política, como suas instituições, seus acervos, documentos e poderes, tudo que a
sustenta, como já dizia Ferdinand Lassalle:

Os fatores reais do poder que regulam no seio de cada sociedade são essa
força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da
sociedade em apreço, determinando que não possam ser, em substância, a
não ser tal como elas são.

Caso elas não correspondem à realidade e interesse daquela sociedade, tornar-se


uma folha de papel, perde eficácia e validade. Assim se faz com as instituições na captação
das políticas de conduta social em cotejamento com a ideia da necessidade de se analisar
incialmente a sociedade, como se os indivíduos ali fossem nascidos e morressem sem
inserção de novas figuras e sem sua retirada daquela realidade. Nesse sentido, Rawls
declara:

985
As doutrinas abrangentes de todos os tipos – religiosas, filosóficas e morais
– fazem parte do que podemos denominar “cultura de fundo” da sociedade
civil. É a cultura do social, não do político. É a cultura da vida cotidiana, de
suas diversas associações: igrejas e universidades, sociedades científicas e
profissionais, clubes e times, para citar somente algumas. Em uma
sociedade democrática, há uma tradição de pensamento democrático, cuja
substância é pelo menos familiar e inteligível ao senso comum educado dos
cidadãos em geral. As principais instituições da sociedade e as formas
aceitas de interpretá-las são vistas como um acervo de ideias e princípios
implicitamente compartilhados (RAWLS, 2000, p.16).

Interessante é a abordagem de justiça estabelecida por Rawls em vários aspectos e


estruturas. Em uma analise comparada, ele próprio aborda a questão trazida à luz por Hume
quando diz: “Embora a justiça possa ser, a virtude cautelosa e ciumenta, ainda podemos
perguntar como seria uma sociedade perfeitamente justa”. (RAWLS, 2000, p.17).
Na tentativa de solução, as intervenções do Estado no quesito de uma justiça
equânime trazem várias teorias formuladas por doutrinadores diversos, divagando cada uma
delas sobre qual seria o melhor trajeto para se atingir a plenitude de seu conceito. No
entanto, há serias divergências sobre o conceito de justiça, e até hoje não foi estabelecida
uma norma que formasse esse instituto sem causar questionamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a necessidade do debate sobre questões emergentes e cotidianas as


pesquisas de forma geral envolvem reflexões de novas visões, e buscando efetivamente
encontrar um novo olhar sobre uma temática que vem sendo encharcada de tendências
positivas e incontestes, vislumbra-se com esse trabalho um olhar crítico relativamente ao
que seria um novo ideal sobre questões relativas a justiça e sua consecução nas ações
afirmativas, até que ponto as teorias de Rawls poderiam justificar a realidade de um sistema
que traz com sua aplicação um conjunto de debates tendentes ao liberalismo.
REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais, 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008.
BRASIL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 (ADPF 186/RJ).

986
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Barreto; Mota (2011) e Garrone (2010).
DIAS, Maria Berenice. A Igualdade Desigual. Disponível em
http://www.mariaberenice.com.br/uploads/32_-_a_igualdade_desigual.pdf. Acesso em 22 de
fevereiro de 2014.
DOMINGUES, Petrônio. Varia hist. v. 3, n. 37. Belo Horizonte, jan./fev. 2007. Resenha.
Disponível em www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-877520070001100015.
FRY, Peter et alli. Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007.
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa: aspectos jurídicos. In: Abong, Racismo no Brasil.
São Paulo: Peirópoles/ABONG, 2002.
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade: o
direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar,
2001.
MULLER, Friedrich. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 1, jan/jun. – 2003, p. 12.
NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
PISCITELLI, Rui Magalhães. O Estatuto como Promotor de Ações Afirmativas e a Política de
Cotas para o Acesso dos Negros à Universidade. Curitiba: Juruá, 2009.
RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ROBBINS, Lionel. Teoria da Política Econômica. Ibrasa, 1972.
ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013.
VITA, Álvaro de. O liberalismo igualitário, sociedade democrática e justiça internacional. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.

987
ASPECTOS JURÍDICOS E FILOSÓFICOS SOBRE O PODER PUNITIVO DO ESTADO NA ESFERA
PENAL

Inessa Trocilo Rodrigues Azevedo


Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Julio Cesar Ramos Esteves


Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar de forma interdisciplinar algumas concepções
jurídicas e filosóficas sobre o exercício do poder punitivo do Estado, com ênfase aos desafios
encontrados pelo julgador criminal, no exame de casos concretos. Para tanto, dividimos este
trabalho em quatro partes: na primeira, discorremos acerca das concepções teóricas sobre o Direito
Penal, abordando sua finalidade, definição e as ações do Estado. Na segunda, explanamos sobre o
direito de punir do Estado e seus limites, fazendo uma relação entre Direito e Filosofia. Na terceira,
tratamos da punição e as éticas normativas, com o fim de se buscar o sentido da punição. Na última
parte, propomos reflexões sobre os desafios para se fazer a coisa certa na Justiça Penal, com base na
obra de Michael Sandel. A partir das discussões sobre justiça, explanadas pelo filósofo americano,
refletimos acerca da liberdade de tomada de decisão do juiz e sua missão em “fazer justiça” na área
criminal.
Palavras-chave: Poder punitivo do Estado. Justiça. Punição.

CONCEPÇÕES SOBRE O DIREITO PENAL: FINALIDADE, DEFINIÇÃO E AÇÕES DO ESTADO


De acordo com Mirabete e Fabbrini (2012), o Direito nasce em decorrência das
necessidades humanas decorrentes da vida em sociedade, tendo como fim, garantir as
condições indispensáveis à coexistência dos elementos que integram o grupo social. O fato
contrário à norma de Direito, que viola ou põe em risco um bem alheio ou até mesmo a
existência da sociedade, é considerado um ilícito jurídico, que pode ter suas consequências
na área civil ou ensejar a aplicações de sanções penais, como a aplicação de alguma espécie
de pena.
Os penalistas explicam que, em diversas situações, as sanções civis são insuficientes
para inibir a prática de ilícitos jurídicos considerados graves, que atingem bens jurídicos
relevantes, por meio de ações humanas lesivas tanto aos interesses individuais quanto à vida
social. Sendo assim, a intervenção do Estado passa a ser necessária, através da cominação e
aplicação de sanções penais, estabelecidas por um conjunto de normas jurídicas que
constituem o Direito Penal. As normas penais, portanto, são justificadas quando as

988
alternativas menos incisivas, como o Direito Civil ou Direito Público, são insuficientes à
proteção eficaz dos bens jurídicos. Neste sentido, discorre outro penalista brasileiro:

O legislador, por meio de um critério político, que varia de acordo com o


momento em que vive a sociedade, sempre que entender que os outros
ramos do direito se revelem incapazes de proteger devidamente aqueles
bens mais importantes para a sociedade, seleciona, escolhe as condutas,
positivas ou negativas, que deverão merecer a atenção do Direito Penal.
Percebe-se, assim, um princípio limitador do poder punitivo do Estado
(GRECO, 2012, p. 47).

Greco (2012) correlaciona esse entendimento ao princípio da intervenção mínima, ou


ultima ratio, responsável pela indicação dos bens mais relevantes que devem permanecer
sob a tutela do Direito Penal, mas também explica que, por este princípio, o legislador deve
estar atento às mudanças da sociedade, do comportamento social, que podem ensejar a
retirada de certas infrações do ordenamento jurídico-penal. O autor ainda complementa:

O Direito Penal deve, portanto, interferir o menos possível na vida em


sociedade, devendo ser solicitado somente quando os demais ramos do
Direito, comprovadamente, não forem capazes de proteger aqueles bens
considerados da maior importância (GRECO, 2012, p. 47).

Mirabete e Fabbrini (2012) explanam que a finalidade do Direito Penal é a proteção


da sociedade, a tutela dos bens jurídicos fundamentais, como a vida, a integridade física e
mental, a honra, a liberdade, o patrimônio, a paz pública, entre outros. Feitas estas
explicações, apresentamos duas definições de Direito Penal, a saber: “é o conjunto de
normas jurídicas que o Estado estabelece para combater o crime, através das penas e
medidas de segurança.” (GARCIA, 1980, p.8). Outra definição, segundo Noronha (1978,
p.12): “é o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em
vista os fatos de natureza criminal e as medidas aplicáveis a quem os pratica”.
O Direito Penal, portanto, possui um conjunto de normas que descrevem as infrações
penais e estabelecem suas respectivas sanções, regulamentam os institutos penais, bem
como regulam o exercício do poder punitivo e preventivo do Estado, que não deve ser
exercido de modo arbitrário, como destacam Mirabete e Fabbrini (2012).

989
O DIREITO DE PUNIR E SEUS LIMITES
Direito Penal objetivo e Direito Penal subjetivo são duas expressões utilizadas pelos
estudiosos penais para explicar a relação entre as normas penais positivadas e as ações e
intervenções do Estado. Conforme Mirabete e Fabbrini (2012), o Direito Penal objetivo é
formado pelo conjunto de normas que regulamentam a ação do Estado, estabelecendo os
crimes e as sanções penais. Os autores discorrem: “Somente o Estado, em sua função de
promover o bem comum e combater a criminalidade, tem o direito de estabelecer e aplicar
essas sanções.” (MIRABETE e FABBRINI, 2012, p. 5-6). Desta forma, o Estado é considerado o
único titular do jus puniendi, isto é, do “direito de punir”, denominado Direito Penal
subjetivo. Destaca-se que o jus puniendi estatal não deve ser praticado com arbitrariedade,
como se pode confirmar:

O direito de punir, todavia, não é arbitrário, mas limitado pelo próprio


Estado ao elaborar este as normas que constituem o Direito subjetivo de
liberdade que é o de não ser punido senão de acordo com a lei ditada pelo
Estado. Só a lei pode estabelecer o que é proibido penalmente e quais são
as sanções aplicáveis aos autores dos fatos definidos na legislação como
infrações penais (MIRABETE e FABBRINI, 2012, p. 6).

Sobre o Direito Penal Subjetivo, Estefam e Gonçalves (2014) apresentam a seguinte


subdivisão: direito de punir abstrato ou jus puniendi abstracto e direito de punir em
concreto ou jus puniendi em concreto. A primeira hipótese nasce com a criação da norma
penal, firmando-se na prerrogativa de exigir de todos os seus destinatários a abstenção da
prática criminosa, definida em lei. A segunda hipótese surge a partir da ocorrência da
infração penal, fato que mobilizará o Estado ao exercício do poder-dever de exigir do
infrator que se sujeite ao cumprimento da sanção estabelecida.
No capítulo “Funções do Direito Penal”, Smanio e Fabretti (2012) introduzem que a
vida em sociedade exige o respeito a determinadas regras de convivência, em razão das
diferenças e imperfeições do ser humano, de suas mais distintas ambições, desejos,
frustrações que podem conflitar com os sentimentos de outras pessoas, gerando lesões ao
direito do outro. Os autores explicam que, por meio dos sistemas de controle social, são
impostos os limites ao comportamento dos membros do grupo social, a fim de se obter o

990
bom funcionamento das relações sociais e manter suas formas de vida e cultura. A
imposição dos limites é estabelecida por meio de normas que, a partir de sua violação,
impõem ao infrator uma sanção, que pode ser social ou jurídica.
De acordo com Smanio e Fabretti (2012), o Direito Penal insere-se no denominado
sistema de controle social, sendo uma de suas instituições e o controle social jurídico-penal
é um controle normativo, isto é, exercido por um conjunto de normas, em que a
pena/punição passa a ser considerada monopólio do Estado. Veja-se:

A partir do Estado moderno, a pena passa a ser considerada monopólio


estatal. No Estado liberal clássico, formou-se a expressão Estado de Direito,
posto que se buscava a limitação jurídica do poder punitivo. A pena era
uma exigência de justiça, base da retribuição penal, fixada no ordenamento
jurídico, sendo, então, um limite para o poder punitivo do Estado. Com a
aparição do Estado social, intervencionista, com a finalidade de influir e
modificar a realidade da sociedade, foi acentuada a luta contra a
delinquência, com a atenção para a prevenção especial realizada sobre a
pessoa do delinquente. Entretanto, o Estado social trouxe consigo o risco
dos sistemas políticos totalitários, que existiram historicamente no período
entre as guerras mundiais, embora, ainda hoje, no mundo, sejam sentidos
seus efeitos. Surge, dessa forma, a necessidade de um Estado que, sem
abandonar a intervenção na realidade social, tenha reforçado seus limites
jurídicos em um sentido democrático. O Estado passa a ser visto como um
Estado Social e Democrático de Direito (SMANIO e FABRETTI, 2012, p. 100-
101).

Fundamentados na formação de um Estado Social e Democrático de Direito, Smanio


e Fabretti (2012) sustentam que o Direito Penal passa a assumir as funções de proteção real
dos cidadãos e afirmam que a missão de prevenção deve ocorrer nos moldes dos limites
estabelecidos pelos princípios democráticos. Os autores reforçam:

A relação entre Estado e Direito Penal é, portanto, visceral, pois é do Estado


que emanam as normas jurídico-penais e é o Estado o único detentor
legítimo do jus puniendi, ou seja, o mesmo ente que cria o Direito Penal –
através de normas jurídico-penais – é quem irá aplicá-las, fazendo-o,
entretanto, por órgãos diversos – Legislativo e Judiciário – numa relação de
interdependência. O Estado, por sua vez, não pode criar normas de forma
indiscriminada e ilimitada, pois, por ser Democrático de Direito, deve
respeitar a lei máxima que o fundamenta e fixa seus objetivos, qual seja, a
Constituição Federal (p. 101).

Ao analisar os fundamentos acima citados, podemos inferir que Smanio e Fabretti


(2012) compreendem o Direito Penal como um instrumento ao dispor do Estado para a
991
realização de suas funções constitucionais, como realizar a proteção da vida, da liberdade,
da igualdade, como faz ao criminalizar o homicídio, o sequestro, o racismo, entre outras
condutas violadoras de direitos fundamentais. Deste modo, inferem que o Direito Penal
deve ser um meio eficaz e necessário para a proteção dos cidadãos, pois Estado e Direito
devem servir ao homem.
Após expormos alguns fundamentos jurídico-legais sobre o exercício do poder
punitivo do Estado na esfera penal, passamos a propor uma correlação entre Direito e
Filosofia no que diz respeito às concepções sobre a punição. Neste sentido, mencionamos o
reconhecimento de Zaffaroni (2010), ao considerar que o Direito Penal possui uma aspiração
ética, desejando evitar a prática de crimes que afetam de modo intolerável os bens jurídicos
sublimes.
Mirabete e Fabbrini (2012) discorrem que o Direito Penal relaciona-se com a
Filosofia, considerando que as concepções desta levam à fixação de princípios, à formulação
de conceitos e à definição de categorias fundamentais e indispensáveis à elaboração da lei
penal. Deste modo, existem fundamentos filosóficos nos conceitos de delito, pena, punição,
responsabilidade penal, entre outros.
Ao considerarmos a relação interdisciplinar entre o Direito Penal e a Filosofia,
pretendemos refletir sobre os aspectos jurídicos e morais da punição e do poder punitivo do
Estado exercido na área criminal.

PUNIÇÃO E ÉTICAS NORMATIVAS


De acordo com Mirabete e Fabbrini (2012, p. 230), “investigando-se o direito de
punir do Estado (também dever de punir), que nasce com a prática do crime, surgiram três
correntes doutrinárias a respeito da natureza e dos fins da pena.” Estas teorias apresentam-
se são: Teorias absolutas (de retribuição ou retribucionistas), Teorias relativas (utilitárias ou
utilitaristas) e Teorias mistas (ou ecléticas).
Os penalistas discorrem que as terias absolutas têm como fundamento da sanção
penal a exigência da justiça: pune-se o agente porque cometeu o crime. Para Kant, a pena é
um imperativo categórico, consequência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao
mal do crime impõe-se o mal da pena. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral. O

992
castigo é imposto por uma exigência ética, não se tendo que vislumbrar qualquer conotação
ideológica nas sanções penais. Para a Escola Clássica, a pena era tida como puramente
retributiva, não havendo qualquer preocupação com a pessoa do delinquente.
Com relação às teorias relativas, Mirabete e Fabbrini (2012) explicam que à pena era
atribuído um fim exclusivamente prático, em especial o de prevenção. O crime não seria
causa da pena, mas a ocasião para ser aplicada. Sendo o crime a violação do Direito, o
Estado deve impedi-lo por meio da coação psíquica (intimidação) ou física (segregação). A
pena é intimidação para todos, ao ser cominada abstratamente, e para o criminoso, ao ser
imposta no caso concreto. O fim da pena é a prevenção geral, quando intimida todos os
componentes da sociedade, e de prevenção particular, ao impedir que o delinquente
pratique novos crimes, intimidando-o e corrigindo-o.
Mirabete e Fabbrini (2012) explanam que, a partir das teorias ecléticas, passou-se a
entender que a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua
finalidade é não só a prevenção, mas também uma correlação de educação e correção. Para
Pelegrino Rossi, a pena deve objetivar, simultaneamente, retribuir e prevenir a infração.
Na perspectiva do Direito Penal, com o surgimento da Escola da Defesa Social, de
Adolfo Prins e Filippo Grammatica e, mais recentemente, com a Nova Defesa Social, de Marc
Ancel, Mirabete e Fabbrini (2012) afirmam que tem-se buscado instituir um movimento de
política criminal humanista fundado na ideia de que a sociedade apenas é defendida à
medida que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social (teoria
ressocializadora). Para Miguel Reale Junior, foi adotada a perspectiva da pena como
instrumento de ressocialização do condenado. Esse posicionamento moderno procura
excluir definitivamente a retributividade da sanção penal.
Em que pese o posicionamento teórico mencionado, a respeito da pena como
instrumento de ressocialização do condenado, é importante destacar o posicionamento da
Filosofia para atribuir o sentido da punição, considerando as éticas normativas.
No capítulo “Éticas deontológicas: a ética Kantiana”, o filósofo e pesquisador Júlio
Esteves, faz relevante explicação sobre o retributivismo e o prevencionismo, como se pode
observar:

993
O retributivismo assume uma atitude retrospectiva diante do crime e
pergunta em que medida a justiça pode ser feita retribuindo ao criminoso
no grau e proporção de seu delito, restituindo assim o equilíbrio da
“balança da justiça”. O retributivista se baseia numa fundamentação moral
deontológica da punição, sustentando que ela deve se seguir ao crime em
virtude de uma qualidade (negativa) intrínseca ao ato e ao agente
criminoso, e não em virtude de supostas consequências socialmente
desejáveis que ela possa produzir no futuro. [...] Para os prevencionistas, a
finalidade e a justificativa moral da punição estão justamente na sua
capacidade de prevenir o comportamento socialmente indesejável,
dissuadindo as pessoas a não cometerem o crime (ESTEVES, 2014).

As considerações do pesquisador promovem e despertam reflexões a respeito da


busca pela compreensão do sentido da punição aplicada ao condenado infrator e suas
implicações na sociedade.

JUSTIÇA PENAL: OS DESAFIOS PARA SE FAZER A COISA CERTA


Como membros de uma sociedade, diversas questões morais, complexas ou não,
podem ser vivenciadas pelos indivíduos em suas relações pessoais e sociais. Em Justiça: O
que é fazer a coisa certa?, o filósofo Michael Sandel ergue importantes questionamentos
éticos e morais, a respeito de variados dilemas que podem ser vividos pelo homem, nos
quais é preciso escolher entre duas alternativas contraditórias. Compartilhamos aqui alguns
dos questionamentos do filósofo americano: Quais são as nossas obrigações uns com os
outros em uma sociedade democrática? Às vezes, é errado dizer a verdade? Matar é, em
alguns casos, moralmente justificável? O autor discorre:

A vida em sociedades democráticas é cheia de divergências entre o certo e


o errado, entre justiça e injustiça. Algumas pessoas defendem o direito ao
aborto, outras o consideram um crime. [...] Algumas rejeitam a tortura de
suspeitos de terrorismo por a considerarem um ato moralmente
abominável e indigno de uma sociedade livre, enquanto outras a defendem
como um recurso extremo para evitar futuros ataques (SANDEL, 2014, p.
36-37).

Sandel (2014) destaca as muitas divergências que podem ser encontradas na análise
e reflexão sobre o que é correto e incorreto, o que é justo e injusto, diante dos
posicionamentos e entendimentos diferentes a respeito do mesmo tema. O filósofo afirma
que uma das formas para começarmos a raciocinar com clareza sobre as concepções de

994
justiça e injustiça, é observarmos como a reflexão moral aflora com naturalidade, quando
nos deparamos diante de uma difícil questão de natureza moral.
A princípio, do ponto de vista jurídico e filosófico, todo indivíduo que pratica um
crime (violando e sacrificando, assim, um bem jurídico alheio) é merecedor de uma
pena/punição, em razão da violação de uma norma jurídico-penal e de uma norma de
conduta. Entretanto, se considerarmos todo o conjunto de circunstâncias que podem levar
uma pessoa a praticar um delito, vamos nos deparar com difíceis questões a serem decididas
pela justiça penal. A vontade do indivíduo, sua consciência e motivação, os meios
empregados, sua finalidade, as consequências do crime, o grau de lesividade, o contexto em
que ocorre o fato, todos estes elementos, quando analisados em um fato concreto, podem
sugerir uma alternativa diferente da punição.
Nos questionamentos e reflexões explanados em seu livro, Sandel (2014) resume as
três abordagens da justiça que explorou, a saber: a) justiça significa maximizar a utilidade ou
o bem-estar (visão utilitarista); b) justiça significa respeitar a liberdade de escolha (visão
libertária) e c) justiça envolve o cultivo da virtude e a preocupação com o bem comum. O
filósofo posiciona-se favorável a esta última abordagem e critica as outras duas, como
podemos conferir:

A abordagem utilitária contém dois defeitos: primeiramente, faz da justiça


e dos direitos uma questão de cálculo, e não de princípio. Em segundo
lugar, ao tentar traduzir todos os bens humanos em uma única e uniforme
medida de valor, ela os nivela e não considera as diferenças qualitativas
existentes entre eles. As teorias baseadas na liberdade resolvem o primeiro
problema, mas não o segundo. Elas levam a sério os direitos e insistem no
fato de que justiça é mais do que um mero cálculo. Ainda que discordem
entre si quanto a quais direitos devem ter maior peso do que as
considerações utilitárias, elas concordam que certos direitos são
fundamentais e devem ser respeitados. Mas, além de destacar
determinados direitos como merecedores de respeito, elas aceitam as
preferências dos indivíduos, quaisquer que sejam. Não exigem que
questionemos ou contestemos a preferências e os desejos que levamos
para a vida pública. De acordo com essas teorias, o valor moral dos
objetivos que perseguimos, o sentido e o significado da vida que levamos e
a qualidade e o caráter da vida comum que compartilhamos situam-se fora
do domínio da justiça (SANDEL, 2014, p. 322).

Para Sandel (2014), não há como se conquistar uma sociedade justa meramente pela
maximização da utilidade ou pela garantia da liberdade de escolha. O filósofo afirma que o
995
alcance de uma sociedade justa exige um raciocínio coletivo a respeito do significado da vida
boa e cria uma cultura pública que admite as discordâncias que ocorrerão de forma
inevitável. Complementa: “[...] questões de justiça são indissociáveis de concepções
divergentes de honra e virtude, orgulho e reconhecimento. Justiça não é apenas a forma
certa de distribuir as coisas. Ela também diz respeito à forma certa de avaliar as coisas.”
(SANDEL, 2014, p. 322-323).
Se aplicarmos, por semelhança, as explicações e considerações de Michael Sandel
para a prática da justiça penal, novas reflexões podem ser pensadas e discutidas.
Definitivamente, a tarefa de julgar é uma árdua tarefa, sobretudo, aquela exercida pelo juiz
criminal, vez que este exerce o poder punitivo do Estado, aliás, o juiz pode ser considerado o
próprio poder, isto é, o Poder Judiciário. No livro As misérias do processo penal, o jurista
italiano expõe interessante posicionamento:

Para se sentir digno de julgar e punir, é necessário estar aparte, livre de


pecado, portanto, só assim o juiz estará acima daqueles que serão julgados.
Como pecar é não ser, ou não fazer aquilo que devemos, para ser juiz é
preciso ser e fazer o que deve ser feito plenamente, sem deficiências, nem
sombras, e sem lacunas; resumindo, para ser juiz é necessário não ser parte
(CARNELUTTI, 2012, p. 10).

Ser e fazer o que deve ser feito de forma plena, sem deficiências, sem sombras e sem
lacunas está longe de ser uma tarefa fácil, entretanto, fazer a coisa certa, “fazer justiça”
deve ser a maior missão do julgador na tomada de sua decisão diante dos conflitos penais.
Carnelutti (2012, p. 49) afirma: “Nenhum ser humano que refletisse sobre o que seria
necessário para poder julgar um outro aceitaria ser juiz. Mas encontrar juízes é preciso, e
este é o drama do direito.”
De fato, a justiça deve envolver o cultivo da virtude e a preocupação com o bem
comum. Em relação ao exercício da justiça penal, há grandes desafios para o Poder
Judiciário. Propomos as seguintes reflexões: a) Ao analisar um caso concreto, valendo-se de
normas penais não incriminadoras permissivas, o julgador pode tomar a decisão de excluir o
crime, por reconhecer que o autor da conduta agiu em legítima defesa ou em estado de
necessidade, próprio ou de terceira pessoa, ainda que este agente tenha tirado a vida ou
violado a integridade física ou o patrimônio de outrem. b) Em outra situação, o juiz pode

996
deixar de aplicar a pena para um ladrão que cometa um furto de bagatela, em razão dos
princípios da insignificância e da intervenção mínima do Estado, sob o entendimento
minimalista do Direito Penal.
Considerando os casos mencionados e a existência de decisões judiciais que excluem
o crime, em razão de alguma norma jurídica, ou absolvem algum agente, em decorrência de
algum princípio, perguntamos: para a Filosofia, a falta de punição nestas situações pode ferir
a moral e a justiça? Em alguns casos, matar e furtar, seriam fatos moralmente toleráveis?
Existem decisões judiciais que ferem a moral?
As indagações apresentadas têm por finalidade despertar reflexões acerca do que
seria fazer a coisa certa em situações conflitantes, em dilemas como os fatos apresentados,
em que o juiz precisa analisar os casos concretos, as provas e ser convencido para a tomada
de sua decisão.
Segundo Sandel (2014), justiça também diz respeito à forma certa de avaliar as
coisas. Concordamos com o filósofo e compreendemos que, no exercício da justiça penal, o
poder punitivo do Estado deve ser limitado, moderado e proporcional, devendo o julgador
estabelecer, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, a
punição, entretanto, também compreendemos que nem sempre a punição será necessária.
Na dissertação de mestrado, A punição no sistema moral Kantiano, encontramos o
seguinte posicionamento:

Immanuel Kant, apesar de ter escrito pouco sobre direito penal, é citado
unissonamente, segundo a literatura jurídico-criminal que se conhece,
como o principal autor a defender o retribucionismo; Kant consideraria
absoluta a necessidade de pena jurídica, sequer permitindo que indivíduos
condenados à morte em uma sociedade que estava para se dissolver
consensualmente pudessem escapar da execução. Apesar dessa posição
juridicamente consolidada, ao ler alguns trechos de A Metafísica dos
Costumes percebe-se que a defesa da pura retribuição não é compatível
com o exposto por Kant. E mais, ao ler as anotações dos ouvintes das aulas
de Kant, editadas pela Academia no volume XXVII das obras completas,
resta explícito que o filósofo vislumbra uma finalidade preventiva na
punição (SCARIOT, 2013, p.8).

Scariot (2013), em sua pesquisa, propõe que Kant não tenha defendido uma sanção
jurídico-criminal exclusivamente retributiva (retribucionismo puro) e sustenta que existem
escritos em que o filósofo expõe uma concepção preventiva da pena. Nesta direção,
997
pretendemos iniciar outras investigações, a fim de pesquisar o significado e a finalidade da
punição, tanto para o Direito Penal quanto para a Filosofia, associando a concepção de
justiça como a forma certa de se avaliar as coisas.

REFERÊNCIAS
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas/SP: Servanda, 2012.
ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Parte Geral. São Paulo:
Saraiva, 2014.
ESTEVES, Julio César Ramos. Éticas Deontológicas: a Ética Kantiana. 2014.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Impetus: Rio de Janeiro, 2012.
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. São
Paulo: Atlas, 2012.
SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa? Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2014.
SCARIOT, Juliana. A punição no sistema moral Kantiano. Dissertação de Mestrado.
Programa de Pós Graduação em Filosofia: Universidade Caxias do Sul, 2013.
SMANIO, Gianpaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. Introdução ao Direito
Penal: Criminologia, princípios e cidadania. São Paulo: Atlas, 2012.
ZAFFARONI, Eugenio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Manual de Derecho
Penal: parte general. Buenos Aires: Ediar, 2010.

998
GT 07 - Hipertextualidade e Literatura: Modos de escrita e de leitura

LINGUAGEM E LINGUAGEM LITERÁRIA: A LIBERDADE DE CRIAÇÃO E A FUNÇÃO DA


LITERATURA

Luciano Dias de Sousa


UENF

Regiane de Aparecida da Cunha


UEMG/FIJ

RESUMO: A literatura é expressão do homem e das relações que ele estabelece com o meio
em que vive e com o seu espaço social. Essa relação somente é possível através da
linguagem. Nesse sentido, o intuito desse artigo é fazer uma análise da linguagem através do
viés da literatura pontuando as relações cognitivas e interdisciplinares, e ainda pensar sobre
a função da literatura numa sociedade cercada de tecnologias e mudanças constantes. A
literatura é capaz de resistir no mundo onde o curto tempo e as rotinas de trabalho exigem
do homem cada vez mais de seu tempo e não sobrando espaço para reflexão e lazer. A
literatura é capaz de humanizar o homem diante dos confrontos sociais de hoje. As
fundamentações teóricas utilizadas são: Barthes (2004), Candido (2000), Compagnon (2010),
autores do campo da teoria literária; Koch (2009) e Marcuschi (2008) do campo da
Linguagem.
Palavras-chave: Linguagem. Literatura. Sociedade.

CONSIDERAÇÕES SOBRE LINGUAGEM


A comunicação é a troca de informações, idéias e sentimentos. Processos que
mantém os indivíduos em contato propiciando a interação. A língua que usamos revela o
que somos e está presente na música, na arte, no trabalho, na política, em toda a cultura e
nos papéis que adotamos nas nossas relações sociais.
Para Marcuschi (2008) a língua é vista como uma prática sociointerativa de base
cognitiva e histórica. A língua é um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente
situadas. Podemos dizer que as línguas são objetivações históricas do que é falado. Em
suma, a língua é um sistema de práticas com o qual os falantes e ouvintes agem e expressam
suas intenções com ações adequadas aos objetivos em cada circunstância.
Pensar em comunicação é pensar na linguagem, um fenômeno complexo que pode
ser estudado de vários pontos de vista, pois pertence a diferentes domínios. É, ao mesmo

999
tempo, individual, social, fisiológica e psíquica. Por isso, a linguagem sofre determinações
sociais e está relacionada às questões cognitivas.
Podemos destacar o conceito de cognição em Koch (2009), o princípio básico da
ciência cognitiva é que o homem representa mentalmente o mundo que o cerca de uma
maneira específica e que, nessas estruturas da mente, se desenrolam determinados
processos de tratamento, que possibilitam atividades cognitivas bastantes complexas. Dessa
forma a cognição e linguagem se realizam como uma forma de ver e sentir o mundo, de
estar no mundo, de perceber, de entender as múltiplas implicações que se realizam, ao
analisar um acontecimento, um aspecto da natureza, isto é, os fenômenos na dimensão
social, natural ou cultural.
Entendida assim, a cognição é o fenômeno que ocorre no processamento de
informação na mente e tem relação ampla com a linguagem. O ser humano captura e
processa as informações que lhes são transmitidas no cotidiano através da linguagem,
também entendida não somente como a escrita, mas a linguagem como todo processo de
interação e comunicação do homem.
A linguagem é essencial para aprender, ela permite construir e reconstruir
significados, ampliando e tornando mais complexos nossos conhecimentos. Mais do que
apenas nos ajudar a comunicar conhecimentos, a linguagem permite que homem relacione
com conhecido e o desconhecido, como também a reinventar o experimentado.
Para Faraco (entrevista em Cortez e Xavier, 2003), acredita na premissa de que
somos fundamentalmente seres de linguagem, é difícil separar linguagem e sujeitos. A
linguagem ou práticas de linguagem nos precedem e, em certo sentido, elas nos sujeitam. E
nelas que nos constituímos como seres heterogêneos, seja porque a realidade da linguagem
é heterogênea, seja porque nosso psiquismo, imerso nesse caldo de heterogeneidade, tem
diferentes formas de produzir sentidos, seja no plano consciente, seja no plano inconsciente.
A língua como uma atividade social não somente usada para comunicar, mas também
para realizar ações através da interação social e cognitiva entre os falantes. Esta visão leva
em conta as situações de interlocução nas quais a língua se realiza e a influência de fatores
de diversas ordens no curso dessas situações.

1000
A possibilidade de perceber, sentir, olhar e expressar implicam em modos de
comunicação. Essas relações, por sua vez, formam e constituem-se pela linguagem como um
recurso para se expressar social, cultural e subjetivamente, percebendo o ser e o agir das
outras pessoas. Essa capacidade humana possibilita nos comunicarmos através do
pensamento expresso tanto pela palavra oral ou escrita, como pelos gestos corporais, ou
seja, meios que nos permitem enunciar percepções individuais e coletivas.
Em Fiorin (2008), a linguagem verbal é a matéria do pensamento e o veículo da
comunicação social. Assim como não há sociedade sem linguagem, não há sociedade sem
comunicação. Tudo o que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para se
comunicado, e como tal, constitui uma realidade material, que se relaciona com que lhe é
exterior, como o que existe independentemente da linguagem. Como realidade material:
organização de sons, palavras e frases. A linguagem é relativamente autônoma, como
expressão de emoções, ideias, propósitos, no entanto, ela é orientada pela visão de mundo,
pelas injunções da realidade social, histórica e cultural de seu falante.
Pensando na relação da linguagem com o homem, muitos estudiosos da língua
propuseram conceitos e estudos sobre a linguagem, mas foi com Ferdinand Saussure (1857 -
1913) ao divulgar sua visão sobre a Linguística Geral, cujas anotações foram reunidas e
publicadas por dois de seus discípulos, após a sua morte, resultando em um de seus mais
importantes trabalhos: o Curso de Linguística Geral, que ajudou os estudos linguísticos a se
consolidar como ciência. Saussure considera a língua um sistema de signos, cuja significação
depende das relações de valor entre eles, pois a língua se estrutura ordenadamente de
maneira a formar um todo significativo, a partir de pares opostos. Ele institui, então a sua
visão dicotômica da linguagem, distinguindo língua e fala, sincronia e diacronia, significado e
significante, relações sintagmáticas e relações paradigmáticas.
Voltando no ponto da interação e do convívio social pela linguagem, podemos
também pensar a linguagem a serviço da criação artística. O texto da literatura é um objeto
de linguagem com qual associa uma representação da realidade física, social e emocional
através de palavras da língua na configuração de um objeto estético. O texto está em nós na
medida em que revela marcas profundas do ser humano. O artista da palavra incorpora

1001
elementos dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Será que a literatura é capaz
de resistir no mundo contemporâneo? Qual a função dela na sociedade?
Tendo em vista que à modernização e a tecnologia, seus avanços e influências no
cotidiano do ser humano, o homem contemporâneo virou escravo do tempo em função do
mundo globalizado, capitalista e individualista ao qual vivemos.

A LINGUAGEM LITERÁRIA: LIBERDADE DE CRIAÇÃO


A literatura é uma arte, uma manifestação estética de grande valor. E como toda
arte, possui um objeto estético, aquilo que está presente no mundo e que deve ser recriado.
A literatura recria o mundo através das palavras. É por isso que costumamos enunciar a
literatura como a arte da palavra.
Para Candido (2000) a grandeza da literatura ou de uma obra, depende de sua
relativa intemporalidade e universalidade, e estas dependem por sua vez da função total que
é capaz de exercer desligando-se dos fatores que a prendem a um momento determinado e
um determinado lugar.
A autora Clarice Lispector (1920 – 1977) em um dos seus muitos textos faz uma
revelação de sua relação com as palavras e o ato de escrever como algo que nos diferencia
dos outros animais, como algo especial e mágico que nos eleva como seres humanos,
embora esta forma de expressar os sentimentos e pensamentos humanos não seja uma
tarefa fácil de ser feita.

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é
macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é
o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como
se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a
barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o
espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu
sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro
dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é
identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que
digo – é por esconderem outras palavras.122

122
LISPECTOR, Clarice. Sobre a escrita. Disponível em: www.releituras.com/clispector_escrita.asp. Acesso em:
15de setembro de 2014.
1002
Para Compagnon (2010) podemos conceituar a literatura no sentido amplo e no
sentido restrito. Para o autor, no sentido amplo, a literatura é tudo o que impresso, é todos
os livros que a biblioteca contém. Essa acepção corresponde à noção clássica de “belas-
letras” as quais compreendiam tudo o que a retórica e a poética podiam produzir, não
somente a ficção, mas também a história, a filosofia e a ciência, e ainda toda eloquência. Por
outro lado, no sentido restrito, a literatura varia consideravelmente segundo as épocas e
culturas.
Ao considerar a literatura como arte é determiná-la como tipo especial de
comunicação, que se vale também de uma linguagem especial. Assim podemos pensar que a
linguagem especial precisa apoiar-se em uma língua que se configura em textos, os quais se
caracterizam em uma forma de discurso. A literatura e as artes constroem modelos para a
percepção de realidade e para a reconstrução de experiência.

As manifestações literárias podem envolver adesão, transformação ou


ruptura em relação à tradição linguística, à tradição retórico-estilística, A
tradição técnico-literária ou a tradição temático-literária às quais
necessariamente está vinculado o trabalho do escritor. A literatura se abre
então, plenamente, à criatividade do artista. Em seu percurso, ele envolve a
constante invenção de novos meios de expressão ou uma nova utilização
dos recursos vigentes uma determinada época (FILHO, 2007, p.46).

A obra literária está na criatividade do artista e, desse modo, ela consiste na invenção
de novos meios de expressão; não há uma gramática normativa com regras rígidas para o
texto literário, seu único espaço de criação é a liberdade, o escritor é captador da imagem
do cotidiano e busca na palavra a forma de representação.
A poesia é um exemplo de como a literatura representa um processo de linguagem
criativo que através das práticas discursivas, verifica na própria escrita a eficácia
comunicativa, com total liberdade escrita textual, sendo o conteúdo expressivo o ponto
importante da escrita poética. Já lembra Aristóteles (1987), que toda poesia se origina da
imitação, que é próprio da natureza humana, pois a harmonia e o ritmo sempre a
acompanharam. No decorrer destas imitações chegaram-se aos metros. Pouco a pouco tais
imitações deram origem à poesia, que se diversificou pelos vários poetas e estilos de época.
A essência da linguagem da poesia está na palavra, na imaginação criadora, e no seu
isolamento de regras da escrita. A poesia é uma criação sublime, ela está para o homem na
1003
essência da criação e depois do seu fim porque a poesia não morre. O poeta cria o mundo e
os seus significados sendo capaz de invadir os pensamentos dos leitores e transportá-los ao
mundo dos sonhos, suas palavras são mágicas, puras e nos leva ao além, nos fazendo
descobrir os segredos da vida, ao encontro do sentimento humanizado no próprio homem.

o poema
antes de escrito
antes de ser
é a possibilidade
do que não foi dito
do que está
por dizer (GULLAR, 2010, p.21).

Compagnon (2010), afirma que a literariedade de um texto se caracteriza por um


deslocamento, uma perturbação do automatismo da percepção. Esse automatismo resulta
não somente do sistema próprio do texto em questão, mas também do sistema literário em
seu conjunto.
A literatura trabalha com a possibilidade de um vocabulário espontâneo,
despretensioso e sem julgamentos, onde o escritor cria novas formas de expressar de
aproximação com o leitor. Esse universo de possibilidades da criação da escrita e de
significado é aberto, subjetivo e, por isso mesmo individual. A palavra quase sem pretensão,
livre para criar e recriar, inventar e desvendar horizontes desconhecidos do mundo onde não
existem limites para despertá-lo dos sentimentos mais profundos no ser humano.

LINGUAGEM LITERÁRIA: A FUNÇÃO DA LITERATURA


O século XXI é marcado por uma série de mudanças ocorridas e pela velocidade das
descobertas. Os avanços no setor tecnológicos juntamente com o desenvolvimento da
imprensa e da comunicação cada vez mais rápida e ágil deram ao homem do início deste
século um novo perfil. A população está diante de novas buscas, de novos anseios, de uma
nova realidade.
Santaella (2003) afirma que a cultura midiática propicia a circulação mais fluida e as
articulações mais complexas dos níveis, gêneros e formas de cultura, produzindo o
cruzamento de suas identidades. Inseparável do crescimento acelerado das tecnologias

1004
comunicacionais, a cultura midiática é responsável pela aplicação dos mercados culturais e
pela expansão e criação de novos hábitos no consumo de cultura.
Em linhas gerais, as mudanças que ocorreram fizeram surgir novas tendências na
cultura, e seguindo este caminho a literatura transcendeu seu espaço comum do papel para
o mundo interativo da internet, dos blogs, dos e-books, dos hipertextos.
Para Süssekind (2004) a escrita eletrônica toca dois pólos extremos: por um lado, a
fixação perene, intemporal de textos e documentos, já que os sistemas de depósito virtual
não estão sujeitos à usura do tempo nem à finitude do espaço; mas por outro, a produção
textual mais efêmera, introduzindo na escrita uma dimensão de provisoriedade, de
contingência, que esta, enquanto inscrição em suporte fixo, não possuía.
Em termos de tendência temos, por exemplo, o conto que passa a ser um gênero de
destaque na atualidade, trazendo muitas propostas de recursos renovadores. As temáticas
do conto são muito variadas. A crônica também economiza nas palavras, preferindo a
simplicidade e a aproximação com a oralidade. Ambos, conto e crônica estimulam o leitor a
uma nova leitura mesmo que muitas vezes as tramas continuam comuns à vida diária desse
mesmo leitor.
Nesse contexto, tem sido enfatizado que, mais do que um mero sistema de
comunicação, o suporte material da linguagem é capaz de promover inovações quanto à
maneira como a linguagem se organiza, gerando consequências também sobre a cultura, em
sentido mais amplo. Como não poderia deixar de ser, a literatura, enquanto meio
privilegiado de expressão da linguagem e da cultura.
Para Candido (2000) a função social da literatura independe da vontade ou da
consciência dos autores e consumidores de literatura. A própria natureza da obra, da sua
inserção no universo de valores culturais e do seu caráter de expressão, coroada pela
comunicação.
Mesmo a literatura sendo difundida por outro suporte além do papel, ela continua
com sua natureza pertubartiva e geradora de inquietações. Nutrindo-se da tradição ou da
inovação, ela propõe diferente e até ousadas concepções de mundo. A complexidade do
texto literário se firma nos aspectos filosóficos, existenciais e sociais do ser humano. É capaz
de levar o leitor a questionar as ações humanas dentro da sociedade.

1005
A obra depende estritamente do artista e das condições sociais que
determinam a sua posição. Por motivo de clareza, todavia, preferi
relacionar ao artista os aspectos estruturais propriamente ditos; quanto à
obra, focalizemos o influxo exercido pelos valores sociais, ideologias e
sistemas de comunicação, que nela se transmudam em conteúdo e forma,
discerníveis apenas logicamente, pois na realidade decorre do impulso
criador como unidade inseparável. Aceita, porém, a divisão, lembremos que
os valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo,
enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma
(CANDIDO, 2000, p.30).

A literatura desperta o indivíduo para mundo de ideias tendo influência direta no seu
comportamento social. A escrita literária faz com que o homem parta para a emancipação
de suas amarras ideológicas. A leitura crítica e reflexiva pode libertar o leitor e direcioná-lo
uma nova percepção das coisas e de mundo.
Barthes (2004) revela a literatura com um modo de circulação socialmente
privilegiado, mas com uma linguagem consistente, profunda cheia de segredos, dada ao
mesmo tempo como sonho e como ameaça. Esta é a consequência: a forma literária pode
doravante provocar os sentimentos existentes que estão atados ao interior vazio de todo
objeto: sentido do insólito, familiaridade, repugnância, complacência, uso, homicídio.
Dessa forma, a concepção de Barthes (2004) para uma literatura que é a utilização da
linguagem não submetida ao poder, à linguagem literária não necessita de regras de
estruturação para se fazer compreender. Enquanto a utilização da linguagem cotidiana
requer uma estrita obediência de sua estrutura, deve-se enquadrar o pensamento nas
estruturas linguísticas, para que haja uma perfeita comunicação, a linguagem literária não
obedece a qualquer regra estrutural fixa. O autor, que se utiliza dessa linguagem, não é
obrigado a emoldurar seus pensamentos nas estruturas linguísticas; ele é livre para escolher
e criar uma estrutura própria, que proporcione a ele uma clara expressão de seus
sentimentos e idéias.
Assim, construindo o texto de acordo com seus próprios desejos, o escritor consegue
que sua criação tenha um novo valor, passa da simples utilização comunicativa da linguagem
à utilização artística da mesma, e um novo poder. O poder pela nova linguagem é um poder
ligado ao valor artístico. A linguagem literária assume aspectos de representação e
demonstração. Através dessa linguagem, pode-se refletir sobre a própria língua com

1006
liberdade. A linguagem literária permite que as palavras assumam vida própria, com novas
significações que não aquelas a elas conferidas usualmente.
Segundo D’Onofrio (2002) podemos esquematizar as funções literárias em cinco
perspectivas: “estética”, arte da palavra e expressão do belo; “lúdica” provocar um prazer;
“cognitiva”, forma de conhecimento de uma realidade; “catártica”, purificação dos
sentimentos e “pragmática”, pregação de uma ideologia.
A escrita literária tece relações com e a partir da linguagem, apresentando palavras
sensíveis aos leitores. Ela emociona e mobiliza o ser humano, tanto no nível racional como
no emocional, possibilitando uma vinculação diferenciada consigo mesma, com o outro e
com o mundo. Ela manifesta-se como uma consciência que conhece certa natureza e a
admira, manipula-a, transforma pela significação, porque é a arte da palavra e sua essência é
a linguagem esteticamente organizada, de modo a efetivar a expressão e a comunicação.
A literatura, pelo seu caráter artístico e criativo no emprego da linguagem, possui
características que permitem não apenas o encontro das pessoas com sua própria
subjetividade, mas também a construção de uma espécie de rede invisível, ligando aqueles
que compartilham a experiência com mundo, numa sociedade carente de ideologia.

CONSIDERAÇÕES
A literatura contribui fortemente para a formação intelectual do indivíduo. Ela é
imprescindível e deve fazer parte da vida das pessoas de maneira constante, pois fornece a
base cultural necessária ao indivíduo para viver plenamente sua subjetividade integrada à
sua vida prática. Portanto, a literatura exerce uma função social importante. É através dela
que o indivíduo abandona temporariamente sua própria disposição e preocupa-se com algo
que até então não experimentara. Essa função é que possibilita ao indivíduo o
reconhecimento da realidade que o cerca quando transporta para o mundo ficcional.
Assim, a experiência vivenciada pelo leitor literário está diretamente relacionada ao
horizonte de sua expectativa, em sua compreensão do mundo, como de seu comportamento
social. O texto literário não é e não pretende ser um texto utilitário. São os leitores que, a
partir do diálogo com o mesmo, lhe atribuem diferentes funções ou finalidades.

1007
Diante da literatura abrem-se inúmeras virtualidades cognitivas do texto, pois como
seres singulares têm reais condições de interpretar de maneiras diversas. Esse contato com
o texto literário é riquíssimo para o desenvolvimento cognitivo e emocional dos indivíduos,
para que eles possam constituir-se cada vez mais seres humanos reflexivos e críticos.
Uma das necessidades fundamentais do homem é dar sentido ao mundo e a si
mesmo, e a literatura permanece como veículo para esse diálogo. O texto literário é a
modalidade textual abrangente por fazer o leitor viajar por um mundo talvez desconhecido
por ele, a leitura das descobertas da vida.
Vivemos numa sociedade que a preocupação com as atividades cotidianas faz do
homem escravo de seu próprio tempo, imerso no espaço vazio de sentido e convicções. A
literatura pode promover o encontro do homem com seus anseios, pode ampliar a visão de
mundo através de seus personagens e mundo fictício. Um mundo dentro do livro, mas que
poderia ser um mundo com personagens da vida real.

REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Editora Martin Claret Ltda, 2005.
BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004.
CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade: estudos de teoria e história literária. São
Paulo: T.A. Queiroz, 2000.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2010.
CORTEZ, Suzana; XAVIER, Antônio Carlos. Conversas com linguísticas: Virtudes e
controvérsias da lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
COUTINHO, Afrânio. Notas de Teoria Literária. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2008.
D’ONOFRIO, S. Teoria do texto: prolegômenos e teoria da narrativa. 2 ed. São Paulo:
Ática, 2002.
FILHO, Domício Proença. A linguagem literária. São Paulo: Editora Ática, 2007.

1008
FIORIN, José Luiz. Linguagem e interdisciplinaridade. Revista Alfa, v. 2008 p. 29-53.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/alea/v10n1/v10n1a03.pdf. Acesso em:
25/09/2014.
GULLAR, Ferreira. Em alguma parte alguma. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Editora Cortez,
2009.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008.
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes pós-humano: da cultura das mídias a cibercultura.
São Paulo: Paulus, 2003.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Editora Cultrix, 2008.
SÜSSEKIND, Flora. Historiografia literária e as técnicas de escrita: do manuscrito ao
hipertexto. Rio de Janeiro: Editora Vieira e Lent, 2004.

1009
MODOS DE LEITURA NA INTERNET: ATO DE DEAMBULAÇÃO DA POESIA

Talita Vieira Barros


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Analice de Oliveira Martins


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro/Instituto Federal Fluminense

RESUMO: O presente trabalho propõe uma reflexão sobre as possibilidades de leitura na


internet que se multiplicam frente ao leitor. Como objeto de análise, utiliza-se o poema “O
grito do sangue Tupiniquim”, que faz parte da coletânea “Vinagre – uma antologia de poetas
neobarracos”, lançada em sites enquanto aconteciam os protestos em diversas cidades
brasileiras em junho de 2013. Em função de o poema ter sido elaborado a partir de
referências a personalidades históricas e a letras de músicas pretende-se ainda observar os
atuais modos de produção de um texto que priorizam a pilhagem de informações (HARVEY,
2010) e que revelam pouco apreço pela originalidade (HUTCHEON, 1988), fazendo da leitura
um “ato nômade de deambulação” (VILLAÇA, 2002) e colocando o leitor para elaborar seu
próprio percurso de leitura a partir dos hipertextos (LÉVY, 1996). Por fim, o ensaio também
reflete sobre a aquisição de conhecimento nessa leitura aos saltos, de uma janela a outra.
Palavras-chave: Protesto. Poema. Leitura. Hipertextos.

INTRODUÇÃO
Durante o mês de junho de 2013 aconteceram protestos no Brasil que revelaram
diversas reivindicações da população do país e também o mero extravasamento de
insatisfações contra a corrupção/a impunidade no país. Essas ações, por não terem uma
pauta específica, ganharam múltiplas interpretações, que acabaram por gerar ora
esperanças ora preocupações e se transformaram em sinal de alerta para parte da esquerda
brasileira, a partir do momento em que manifestantes começaram a utilizar o slogan “o
gigante acordou”, pautando-se por um nacionalismo exacerbado e tentando obscurecer
bandeiras de partidos políticos.
Desse desentendimento, surgiu uma tensão entre os partidos políticos que “sempre
estiveram nas ruas” e aqueles que até junho de 2013 não as haviam experimentado como
espaço para a reivindicação social. Afinal, o que estava acontecendo e quem eram aqueles
cidadãos que foram às ruas protestar? Os estudos feitos acerca desse momento histórico (e
movimentos que aconteceram em todo o mundo no decorrer dos últimos anos) apontam
para o esvaziamento das esferas tradicionais de reivindicação.

1010
O protesto estopim para todo o país foi o convocado pelo Movimento Passe Livre
(MPL) e realizado em São Paulo contra o aumento de R$0,20 nas tarifas do transporte
público. O que poderia ser mais um protesto contra o aumento de passagem foi o início de
uma onda que afetou todo o país, inclusive outras nações, quando brasileiros residentes em
outros países resolveram também ir às ruas em apoio ao que ocorria em sua terra natal. A
aparente banalidade da causa, que levou milhões de brasileiros às ruas, logo foi respondida:
“Não é só pelos 20 centavos”, externando que motivos não faltavam para ocupar o espaço
público.
Os protestos eram mostrados em diversas mídias, tradicionais ou não, apontando
para as disputas simbólicas no campo jornalístico. Instituições de ensino superior
produziram debates, apresentando correntes sociológicas que poderiam explicar o
movimento que tinha como premissa o apartidarismo, fato que despertou não só o gigante,
mas também um viés direitista, contribuindo para um esfriamento de algumas alas da
esquerda tradicional.
Além disso, houve diversas publicações acerca do tema (Castells acrescentou um
posfácio à edição brasileira em seu livro Redes de Indignação e Esperança. Também foram
lançados os livros Cidades Rebeldes. Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do
Brasil pela Boitempo e A internet e a rua pela editora Sulina). Diante desse cenário, era difícil
manter um ar blasé.
Neste contexto, em que as notícias chegam até nós alguns segundos após um clique,
Vinagre – uma antologia de poetas neobarracos, coletânea lançada na internet em formato
PDF durante os protestos, foi capaz de causar burburinhos: foi tema de entrevista aos
vândalos na revista Cult, de matéria no jornal O Globo, e ganhou espaço na mesa de debate
“Narrar a rua” da edição da Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP) daquele mesmo
ano. A produção dos poemas se fez no calor dos protestos, que não foram iguais a tantos
outros ocorridos no país anteriormente, mas semelhantes aos ocorridos na Espanha, nos
Estados Unidos e em países árabes, revelando novas formas de protestar por meio das redes
sociais (CASTELLS, 2013).
O que se pretendia com a rápida divulgação era a explosão de significados e
insatisfações; que a coletânea fosse como uma bomba a cair e a sacudir a todos. O

1011
organizador da coletânea Fabiano Calixto, também poeta e doutorando em teoria literária e
literatura comparada pela Universidade de São Paulo (USP), fez uma convocação pelo
Facebook, compilou os poemas em uma edição PDF e jogou no mar da internet. A única
triagem feita no material foi a não publicação de poemas de direita. Foram duas edições: a
primeira divulgada no dia 17 de junho e a segunda, quatro dias depois. A coletânea reuniu
poemas produzidos em todo o país, totalizando 157 poetas.
As ruas serviram para os cidadãos se manifestarem, mesmo aqueles que nunca foram
militantes políticos e que não puderam/quiseram anteriormente experimentá-las nesse
processo social. As ruas, nos poemas da coletânea citada, revelam um momento ímpar da
história do Brasil. Explodem emoções e também significados. Fazem uma imensa rede por si
só, conectando os gritos de São Paulo e os protestos do Pará. Fazem o leitor caminhar pelas
ruas e conhecer a batalha de poetas cidadãos e suas agonias durante a repressão policial e
estimulam o leitor (no poema aqui analisado – “O grito do sangue Tupiniquim”) a extrapolar
as páginas da coletânea em PDF. O poema parece querer levar o leitor a outras páginas. As
aspas no poema expõem outras vozes, revelam o recorte dado pelo autor, mas ao mesmo
tempo instigam a procura por outra(s) referência(s). E um site de busca está apenas a um
clique.
Em função dessas inquietações, o ensaio analisa os modos de leitura na internet, de
acordo com os processos de virtualização e atualização (LÉVY, 1996), expondo as
possibilidades de seleção e hierarquização do texto pelo leitor. Além disso, pretende-se
também, a partir das observações de Villaça (2002), refletir sobre aspectos qualitativos da
leitura atravessada pelos hipertextos.

AS ESCOLHAS DO LEITOR: DÂNDI OU DETETIVE?

O grito do sangue Tupiniquim

Águas de maio de 68 nosso sangue


Barricadas e Bastilha nosso sangue
DNA de Guevara e Cohn-Bendict _
Nosso sangue _ DNA de Graciliano,
Pagu, Oswald. Sangue Tupiniquim
Sangue dos meninos mortos pelo AI-5
Marcha do ritmo de “Grândola Vila Morena”

1012
Desliza ao som de “A las barricadas”
“Há de ser outro dia”
“Caminhando contra o vento,
sem lenço, sem documento”
E este vinagre nas mãos é tão inofensivo...
O sangue dentro _ este é o estopim e o grito _
Este ninguém tira de nós, ninguém tira de mim...
(Bárbara Lia)

Em um contexto marcado pelas Novas Tecnologias, as leituras são feitas cada vez
mais por atravessamentos, por acúmulos de informações aqui e acolá que se somam a um
texto primeiro/base ou mesmo que contribuem para sua dispersão. E se a mudança ocorreu
na leitura, por outro lado, podemos notar alterações na escrita, que no caso analisado neste
trabalho apresenta uma pilhagem de informações, revelando uma tendência de nossa
época, tal como sinaliza David Harvey: “Rejeitando a ideia de progresso, o pós-modernismo
abandona todo sentido de continuidade e memória histórica, enquanto desenvolve uma
incrível capacidade de pilhar e absorver tudo o que nela classifica como aspecto do
presente”. (2010, p. 58)
Outra tendência é o questionamento à originalidade (HUTCHEON, 1988), que se
mostra no poema analisado. As frases e os fatos não são inéditos, haja vista que remetem a
músicas já conhecidas no cenário brasileiro. O ineditismo se dá na organização dos trechos
musicais e dos nomes de personalidades conhecidas do universo político e cultural.
Além da pilhagem e do questionamento à originalidade, percebe-se ainda a
importância dos aspectos políticos nos versos, assim como aconteceu com a poesia marginal
brasileira dos anos 1970.

Os 26 poetas dos anos 1970, imbuídos de desbunde, do espírito rebelde,


lúdico e libertino dos inconformados daquele tempo, foram uma tradição
literária anticonvencional, cujos traços recorrentes podemos delinear:
coloquialismo, espontaneidade, brevidade, urbanidade, força crítica do
humor, poetização do relato cotidiano, anotação do momento político,
libertação das repressões políticas e morais […]. Os poetas marginais
queriam retirar a poesia de sua torre de marfim, levando-a para a calçada
(CEI, 2011, p. 4).

A pós-modernidade compreende diversas mudanças que se dão nas concepções


acerca do estudo histórico e no âmbito da linguagem, implicando em colagens,

1013
sobreposições de fatos históricos, e na quebra da linearidade discursiva, o que representa a
maior valorização da interpretação do leitor, abrindo espaço para a estética da recepção.

O efeito é quebrar (desconstruir) o poder do autor de impor significados ou


oferecer uma narrativa contínua. Cada elemento citado, diz Derrida,
'quebra a continuidade ou linearidade do discurso e leva necessariamente a
uma dupla leitura: a do fragmento percebido com relação ao seu texto de
origem; a do fragmento incorporado a um novo todo, a uma totalidade
distinta'. A continuidade só é dada no 'vestígio' do fragmento em sua
passagem entre a produção e o consumo. O efeito disso é o
questionamento de todas as ilusões de sistemas fixos de representação
(FOSTER apud HARVEY, 2010, p. 55).

Em um paralelo com os protestos ocorridos no Brasil em junho de 2013, base criativa


para a coletânea “Vinagre – uma antologia de poetas neobarracos”, da qual analiso o poema
“O grito do sangue Tupiniquim”, percebe-se a busca por referenciais em outros contextos
históricos, citando escritores e artistas brasileiros, movimentos e lideranças políticas do
cenário internacional, além de inserir trechos de músicas escritos entre aspas e em itálico,
colocando a poesia para refletir sobre o momento atual por meio da evocação de
personagens e fatos históricos de modo a estimular as várias vozes do texto e as diversas
leituras, não centrado ou não se pautando por um viés ensimesmado.

Um texto é feito de escrituras múltiplas, saídas de várias culturas e que


entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas
há um lugar em que essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o
autor, como se tem dito até aqui, é o leitor: o leitor é o espaço exato em
que se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que
uma escrita é feita; a unidade de um texto não está na sua origem, mas no
seu destino (BARTHES, 2004, p. 5).

Bárbara Lia, ao elaborar o poema, virtualiza uma série de informações ao leitor, a


partir da análise de Pierre Lévy, que afirma: “o virtual é como o complexo problemático, o nó
de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou
uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização” (1996, p.
16). Com isso, entende-se que a poeta dispõe vários nós ao leitor, não os desatando, mas
deixando esta tarefa para quem recebe o texto, que é o responsável pela atualização das
informações ou pelo desatar dos nós. O texto pulula significações que devem
trituradas/digeridas/interpretadas pelo leitor.

1014
Com efeito, hierarquizar e selecionar áreas de sentido, tecer ligações entre
essas zonas, conectar o texto a outros documentos, arrimá-lo a toda uma
memória que forma como que o fundo sobre o qual ele se destaca e ao qual
remete, são outras tantas funções do hipertexto informático (LÉVY, 1996, p.
37).

O poema analisado possui marcas (aspas e itálico) que reforçam a ideia de que o
leitor pode se comportar como protagonista, dependendo do modo pelo qual escolhe
percorrer o texto (haja vista que ele é chamado para fora e buscar informações acerca
dessas referências ou mesmo tirar dúvidas/relembrar determinado fato histórico, que foi
associado pela poeta nos versos). O leitor pode querer relembrar alguma coisa sobre a vida
de Pagu, de Graciliano Ramos, de Guevara, ou mesmo se desconhecer esses personagens
pode procurar saber quem foram. Assim também com a “Grândola Vila Morena” e “A las
barricadas”. Como Villaça (2002, p. 108) aponta “o leitor pode libertar-se da obrigatoriedade
do linear”.
Mesmo não possuindo hipertextos convencionais para remeter a janelas da internet
nos versos, uma checagem no Google remete o leitor a outros espaços virtuais, “pilhando” a
leitura com outros dados, a partir de um simples e rápido jogo de palavras disposto no site
de busca acima mencionado. Esse processo é facilitado porque a coletânea foi lançada na
internet e as marcas no poema funcionam como hipertextos, que aguçam o leitor.
Entretanto, Lévy chama a atenção para o papel preponderante da subjetividade
humana na atualização de um texto, evitando as entradas ou cliques a esmo nos hipertextos
que aparecem, chamados por Lévy de “conjunto de possíveis”.

Um hipertexto é uma matriz de textos potenciais, sendo que alguns deles


vão se realizar sob o efeito da interação com um usuário. Nenhuma
diferença se introduz entre um texto possível da combinatória e um texto
real que será lido na tela. A maior parte dos programas são máquinas de
exibir (realizar) mensagens (textos, imagens etc.) a partir de um dispositivo
computacional que determina um universo de possíveis. Esse universo pode
ser imenso, ou fazer intervir procedimentos aleatórios, mas ainda assim é
inteiramente pré-contido, calculável […]. O virtual só eclode com a entrada
da subjetividade humana no circuito, quando num mesmo movimento
surgem a indeterminação do sentido e a propensão do texto a significar,
tensão que uma atualização, ou seja, uma interpretação, resolverá na
leitura (LÉVY, 1996, p. 40).

1015
Nesse ambiente virtual, o leitor escolhe se vai clicar ou não em um hipertexto, se vai
abrir ou não outra janela, se vai se deixar levar a esmo pelos links que surgirem ou pelas
marcas que podem funcionar como hipertextos (como as aspas e o itálico do poema “O grito
do sangue Tupiniquim”). Nessa leitura aos saltos, escapando da linearidade, é preciso, de
fato, que o leitor seja protagonista, para não incorrer nas artimanhas citadas por Lévy
(1996).
O leitor vai percorrer o texto aleatoriamente, distraindo-se com os “índices prescritos
intencionalmente por um autor ou editor” (VILLAÇA, 2002, p. 109), comportando-se como
um dândi, ou vai caminhar tendo consciência desses pulos para não se perder na infinidade
de possibilidades colocadas diante dele pela internet? A resposta se define pelas escolhas do
próprio leitor. Melhor que ele se mantenha na posição de detetive.

O leitor da leitura na Internet encarna o papel do detetive auditivo que lê as


pistas do hipertexto, que segue as linhas e que estabelece uma ligação
plausível entre os vários segmentos do texto. Em vez de seguir apenas os
links fornecidos, o leitor-detetive também tem de procurar e encontrar os
missing links. Não pode confiar. Na estrutura linear do link do hipertexto,
tem de decifrar a ligação secreta, as estratégias discursivas e restabelecer a
ligação temática das presunções auditivas a partir do tópico, servindo-se do
seu instinto de detetive (VILLAÇA, 2002, p. 109).

Segundo observações de Lévy (1996), tanto a escrita quanto a leitura nas redes
digitais não podem ser avaliadas como inovadoras quando se pensa na possibilidade de
associação com outros textos, haja vista que a diferença entre nosso tempo e épocas
passadas se dá na velocidade e nas facilitações de acesso às informações extras.
A novidade está no fato de que cada leitor, ao atualizar o texto/dar uma resposta
criativa ao nó que surge a sua frente de forma mais rápida, pode, por meio do hipertexto,
multiplicar sentidos, a partir das construções realizadas, não apenas modificando ligações,
mas também podendo acrescentar nós, ocorrendo a virtualização do texto e da leitura.

Enfim, os leitores podem não apenas modificar as ligações mas igualmente


acrescentar ou modificar nós (textos, imagens, etc.), conectar um
hiperdocumento a outro e fazer assim de dois hipertextos separados um
único documento, ou traçar ligações hipertextuais entre uma série de
documentos […] Os hiperdocumentos acessíveis por uma rede informática
são poderosos instrumentos de escrita-leitura coletiva. Assim a escrita e a
leitura trocam seus papéis. Todo aquele que participa da estruturação do

1016
hipertexto, do traçado pontilhado das possíveis dobras do sentido, já é um
leitor. Simetricamente, quem atualiza um percurso ou manifesta este ou
aquele aspecto da reserva documental contribui para a redação, conclui
momentaneamente uma escrita interminável. As costuras e remissões, os
caminhos de sentido originais que o leitor inventa podem ser incorporados
à estrutura mesma dos corpus. A partir do hipertexto, toda leitura tornou-
se um ato de escrita (LÉVY, 1996, p. 45 e 46).

Diante de infinitas possibilidades, o leitor não precisa ficar à mercê dos links
imediatos que aparecem a partir do hipertexto. Ele pode elaborar novos percursos,
protagonizando novas redes e sentidos com suas respostas criativas aos textos. “A diferença
entre autor e público tende a perder seu caráter fundamental, ela é apenas funcional. Pode
variar de um caso para outro. O leitor está a todo momento pronto para passar a escritor”.
(BENJAMIN apud CLÉMENT, 2003, p. 35)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ler algum texto que esteja em um arquivo no computador é um desafio para mim,
principalmente quando estou conectada à internet. Confiro o e-mail, olho o Facebook,
escrevo, releio textos, paro e retorno à atividade inicial. Entretanto, talvez essa seja uma
dificuldade só minha, haja vista que sem a internet a dispersão me faz dar voltas pela casa,
beliscar algo na geladeira, ligar a TV, conferir a roupa na máquina de lavar. Enfim, quis
apenas refletir sobre a dispersão que nos acomete, estejamos ou não no computador
conectado à internet.
O fato é que a leitura na internet amplia nosso leque de possibilidades. Às vezes, a
dispersão em função de um texto complexo pode nos levar a buscar leituras mais palatáveis
acerca do tema ou mesmo nos fazer desistir e procurar um amigo com quem conversar no
Facebook sobre qualquer coisa.
Já não somos os mesmos de gerações anteriores. Os modos de leitura se alteraram
com o desenvolver da humanidade. A começar da fase oral para a escrita, a primeira
virtualização lembrada por Lévy (1996). Estamos pilhando, talvez nos mantendo na
superfície, como sentencia Harvey (2010), mas as possibilidades de interpretação são
imensas, posto que “o hipertexto tende a permitir uma evanescência do autor e uma
incorporação do leitor”. (BABO, 2004, p. 109)

1017
Lidar com o efêmero, grande marca da pós-modernidade, é um desafio. Talvez o
outro seja aprofundar a base de conhecimento. O cidadão escolhe como percorrer a rua, se
a toma em dias de protestos ou se apenas anda a esmo, alienado das tensões sociais. A
analogia serve também ao leitor. Quem ele possa ser como o flanêur descrito pelo jornalista
João do Rio em uma das crônicas compiladas no livro A alma encantadora das ruas: “Flanar é
a distinção de perambular com inteligência”. (2008, p. 28)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BABO, M. A. O hipertexto como nova forma de escrita. In: SUSSEKIND, F (org).
Historiografia literária e as técnicas da escrita: manuscrito ao hipertexto. Rio de Janeiro:
Vieira e Lent, 2004. p.104-111.
BARTHES, R. A morte do autor. In: O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas: Ed. Unicamp, 2004.
CASTELLS, M. Redes de Indignação e Esperança: Movimentos sociais na era da internet.
Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
CEI, V. O teor testemunhal da poesia marginal: política, filosofia, desbunde. Disponível
em: http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0186-1.pdf.
Acessado em janeiro de 2014.
CLÉMENT, J. Do livro ao texto: as implicações intelectuais da edição eletrônica. In:
SUSSEKIND, F (org). Historiografia literária e as técnicas da escrita: manuscrito ao
hipertexto. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2004. p. 28-35.
HARVEY, D. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. São Paulo: ed. Loyola, 2010.
HUTCHEON, L. A poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

LÉVY, P. O que é o virtual? São Paulo: ed. 34, 1996.


OBRA COLETIVA. Vinagre – uma antologia de poetas neobarracos. Disponível em
https://www.mediafire.com/view/8xo1155vho004ir/VINAGRE_UMA_ANTOLOGIA_DE_POET
AS_NEOBARRACOS_junho2013.pdf. Acessado em agosto de 2013.
RIO, J. do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Martin Claret, 2008.

1018
VILLAÇA, N. Impresso ou eletrônico?: um trajeto de leitura. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
“Vinagre – 2ª edição ampliada” (entrevistas). Disponível em:
http://babelpoetica.wordpress.com/2013/06/24/vinagre-2-a-edicao-ampliada/. Acessado
em janeiro de 2014.

1019
O UNIVERSO FICCIONAL DAS FANFICTIONS: AS REGRAS DOS FÓRUNS COMO ESTRATÉGIA
NA ADEQUAÇÃO DA ESCRITA ÀS NORMAS ORTOGRÁFICAS DA LÍNGUA PORTUGUESA

Elaine Santana de Souza


UENF

Luciano Dias de Sousa


UENF

RESUMO: Atualmente percebe-se o crescimento das redes sociais e da utilização do


ciberespaço pelos jovens. Para se comunicar nesse ambiente utiliza-se a escrita simplificada,
por meio de abreviações que caracteriza o chamado “internetês”. Pode-se observar que
fóruns de publicação de textos conhecidos como fanfictions apresentam regras que buscam
uma escrita de acordo com as normas ortográficas vigentes na língua Portuguesa. As fanfics
(abreviatura de fanfictions) são estória escritas por fãs sem fins comerciais ou lucrativo
tomando como base estórias criadas por terceiros. Ao constatar esse vim, surge o
questionamento: os fóruns funcionariam como um movimento contrário ao uso do
internetês pelos jovens? Para responder a esse questionamento, utilizou-se o fórum social
Spirit, as regras disponibilizadas e acesso aos administradores para saber as políticas do site
de exclusão e fiscalização dos textos. O objetivo é analisar se as regras dos fóruns seriam
uma corrente contrária a expansão do internetês difundido pelas redes sociais. Foi feita
revisão de literatura sobre o uso do internetês e as redes sociais, sobre as fanfictions e
análise das regras do fórum Social Spirit. Pode-se perceber que muitos jovens frequentam
esse fórum e que a tentativa de se enquadrar nas regras do mesmo auxilia na melhora da
escrita em outros tentos produzidos por esses jovens.
Palavras-chave: Internetês. Redes Sociais. Fanfictions.

O TEXTO NA ERA DIGITAL: O INTERNETÊS


Os avanços tecnológicos acarretam um conjunto de mudanças comportamentais,
entre elas, a formas de se comunicar. Com a popularização da internet surgiu também uma
variação da língua portuguesa que foge das normas cultas, “o internetês”.
Podemos considerar norma culta como um conjunto de padrões linguísticos rigorosos
que definem o uso correto de uma língua. Geralmente esse padrão é usado por pessoas com
determinado nível de escolaridade. Para dominar perfeitamente uma língua, para falar e
escrever de forma correta, respeitando a norma culta, é importante o conhecimento e
estudo da gramática.
Para Gomes (2009) primeiro, elege-se uma variedade linguística, aquela considerada
“a melhor, a mais pura e bela”, cri-se uma norma explícita que se refere a apenas um dos
1020
possíveis usos. Essa norma, eleita como padrão, passa a ser prescrita como a forma
“correta” de usar a língua.
A palavra norma é referente às variedades linguísticas, que podem ser utilizadas por
indivíduos de acordo com o contexto em questão. Esse contexto depende da classe social,
da cultura e história dos intervenientes na comunicação.
A norma culta é vista como uma linguagem erudita, utilizada por um grupo de
pessoas de elite, que utilizam a língua portuguesa de forma culta. Pode ser dividida em duas
modalidades, a formal e a coloquial. A modalidade formal é usada na escrita, e é
fundamentada nas regras da gramática, com um elevado grau de rigor. A vertente coloquial
é relativa à parte oral de uma língua, onde a rigidez é menor, há uma maior liberdade em
relação às regras da gramática, no entanto, essas normas não podem ser transgredidas.
Algumas alterações são permitidas somente no contexto falado de uma língua.
Bagno (2002) afirma a norma padrão clássica do português, inspirada nos postulados
da gramática tradicional, ainda hoje define como seu objeto único de estudo e prescrição a
língua escrita, mas precisamente a língua empregada, com finalidades estéticas. No
português do Brasil, o apego à tradição dificulta o conhecimento da língua tal como
efetivamente hoje pelos falantes nativos.
Saber falar e escrever de acordo com a norma culta de uma língua é uma
competência bastante valorizada no mercado de trabalho, sendo que o domínio da norma
culta possibilita o indivíduo a comunicar de uma maneira culta e respeitosa, com precisão e
eficiência. Portanto, a norma culta é o padrão de linguagem que se deve usar em situações
formais. Do ponto de vista temporal, ela tende a ser conservadora, refletindo um padrão
que recobre pelo menos o último século; em termos geográficos, corresponde ao linguajar
dos grandes centros.
A comunicação eletrônica via internet vem tornando cada vez mais difícil a
delimitação entre o que norma culta e coloquial, tradicionalmente, muito do que era admito
na língua falada não poderia ser usado e cobrado na língua escrita, entretanto, parece não
existir esse limite no mundo virtual.
Na língua portuguesa, ou em qualquer outra língua do mundo, a internet já
modificou os habituais meios de comunicação considerados como politicamente corretos. A

1021
linguagem utilizada pelo internauta é determinada pelas características e restrições do meio
no qual ela se encontra, ou seja, trata-se de uma mistura de características da linguagem
escrita, pois assim ela se apresenta, com características da linguagem oral, pois a natureza
de sua comunicação é de interação direta e simultânea, típica deste tipo de linguagem.
Para Santaella (2003) é através da linguagem que o ser humano se constitui como
sujeito e adquire significância cultural. Os tipos de cargas que a sociedade impõe aos
indivíduos, a natureza dos constrangimentos e domínio com que ela opera produzem seus
efeitos na linguagem. Esses efeitos tendem a ser obliterados pelo privilégio sistemático que
costuma se dar ao sujeito como ponto de origem da motivação,consciência e intenção.
Desde a configuração cartesiana do sujeito, depois disseminada no Iluminismo, desde a
inscrição dessa configuração nas instituições da democracia representativa, na economia
capitalista, na organização social burocrática e na educação secular, ela se tornou a
fundação cultural ocidental.
O modo de ver e interagir com o mundo, de sentir e de atuar são sempre orientados
pelos meios de comunicação, e servem de modelo de vida. A sedução da linguagem da
internet é constante, proporcionando ao público um mundo de informações, que mesmo
sem tratamento pedagógico, transforma-se em formação.
A grande provocação é a de integrar e interagir no mundo de informações rápidas e
globalizadas, harmonizando a metodologia da construção da conversação humana dentro de
um contexto da norma culta. Familiarizar com as linguagens múltiplas, com a proliferação de
tecnologias, de frases e de expressões e as diferentes lógicas de articulação.
A internet quebrou as barreiras geográficas e culturais, e acabou criando, também,
uma linguagem universal, um código que, muitas vezes, só os internautas conseguem
decifrar. Quem entra na sala de bate-papo, escrevendo palavras com pontuações corretas e
colocando os devidos acentos, acaba por denunciar que não pertence àquele grupo e não
está acostumado a utilizara linguagem da internet.
O que caracteriza a linguagem dos internautas é a expressividade, a forma
despreocupada com que usam e abusam da língua escrita, sem se importarem com as
normas rígidas da língua escrita formal. Isso faz com que os interlocutores se expressem de

1022
modo o mais informal possível, fazendo com que a língua escrita usada por eles, no
momento da conversação, se pareça bastante com a linguagem coloquial.
Nessa nova forma de comunicação, os internautas utilizam recursos da própria
linguagem escrita e oral, obtendo um resultado bastante satisfatório e comunicativo. Além
disso, eles, nas conversações em tempo real, não dispõem de tempo para fazer um
planejamento prévio de seu discurso.
A imagem de degradação da escrita e, por extensão, a da língua, pelo uso da
tecnologia digital, advém do pressuposto de que haveria uma modalidade escrita pura,
associada seja à norma culta padrão, seja à gramática, seja à imagem de seu uso por autores
literários consagrados que deveria ser seguido por todos em quaisquer circunstâncias. Há,
portanto, a presunção de um sistema abstrato de formas linguísticas destituído da expressão
dos modos de interação e de sua relação com a sociedade, com a história, com a cultura.
Segundo Antunes (2010) o léxico tem uma função significativa na estruturação do
texto, na construção de seus sentidos na definição de sua adequação às condições sociais de
seus contextos de uso. Em qualquer grupo social. As situações de uso da linguagem são
imensamente diversificadas. Variam os eventos sociais em que atuamos; variam os
interlocutores; variam os propósitos com que interagimos; variam os gêneros textuais em
que nos expressamos. As atividades de linguagem supõem uma versatilidade de quem
executa, sobretudo em um mundo caracterizado por uma explosão de mais e novos modos
de interação em mundo cada vez mais dependente da informação escrita ou digital.
Não se pode desprestigiar e desconsiderar as modalidades escritas ou orais que estão
em uso nos diversos segmentos da sociedade, em todos os seus níveis. Nesse contexto, há
que se considerar a questão da adequação, cada situação exige de quem nela está envolvido
comportamento, vestimenta e linguagem adequada.
A língua, em suas diversas formas e variantes, é uma entidade viva, dinâmica e é o
código utilizado pelo ser humano para se comunicar com seus semelhantes, trocar
informações, difundir suas idéias e conceitos. Cada segmento de nossa sociedade, assim
como cada indivíduo, tem a sua forma de se expressar. A internet, a maior rede de
comunicação e informação criada pelo homem, também criou sua variante da língua. Todos

1023
os dias, milhares pessoas se conectam a essa enorme rede. Cada vez mais pessoas vão
aprendendo o "internetês", o linguajar dos internautas.
A língua escrita e quase falada dos internautas é mais uma das inúmeras variantes de
uso de nossa língua. Não há dúvida de que esse segmento poderia influir nas futuras
transformações por que a língua irá passar, mas isso não significa deterioração, mas
evolução do idioma.
Uma prova que a língua evolui e não perde suas estruturas e a relação das variantes
de uso de nossa língua, é caso dos autores e leitores de fanfiction. A palavra fanfiction vem
da palavra “fanática” e “ficção”. É uma história fictícia inventada por um fã sobre os
membros do seu grupo preferido, ou sobre os seus atores favoritos ou mesmo sobre
personagens de novelas ou de mangas.
Os leitores e autores são adolescentes e pré-adolescentes, que estão ainda em
período de estruturação de vocabulário e geralmente são pertencentes a grupos que usam
gírias. Mas ao escrever uma história, seja num diálogo ou na descrição de fanfiction existe
toda uma preocupação com a linguagem, ponto incomum no mundo virtual das
principalmente das redes sociais. Nas histórias de fanfiction, por exemplo, as abreviações
são evitadas e os cuidados com a coerência e a escrita no desenvolvimento do enredo
existem toda uma preocupação para não dar impressão de que escreveu tudo com pressa,
mas que valorizou a história. As únicas exceções para o internetês é quando as personagens
da história estão conversando por mensagens no celular ou em algum chat da internet. O de
autor de fanfiction deve passar longe do internetês.
Dessa forma, podemos afirmar que a gramática é um conjunto de regras para o
funcionamento de uma língua, não existe língua sem gramática, mas existe liberdade para
usar, entretanto, é relevante pensar em aprender a as regras e normas para utilizar em
diferentes ambientes onde a qualidade do discurso fará diferença.

FANFICTIONS
Fanfictions possui como abreviatura os termos fanfic (muito utilizado em fóruns de
publicação de fanfictions) e fic (mais usado pelos escritores e leitores de fanfictions).
Segundo Oswand e Rocha, fanfic

1024
é uma história criada por um fã de determinada obra e/ou personagem
(Harry Potter, Cavaleiros do Zodíaco, Crepúsculo etc.) aos quais tem acesso
seja individualmente, por intermédio das mídias massivas – livros, filmes,
desenhos animados –, seja coletivamente, por intermédio da conexão em
rede – msn, blogs, orkut, wikipedia, sites etc. (OSVALD; ROCHA, 2013,
p.276).

Fanfics são histórias escritas por fãs baseadas no universo ficcional criado por
terceiros. As fanfics não possuem fins lucrativos e são escritas, geralmente, por desagrado
dos fãs quanto a finais ou para prestigiar personagens criados por terceiros ou alguma
personalidade famosa, como os cantores e atores.
As fanfics observadas em muitos fóruns podem ser agrupadas em duas categorias:
estórias que seguem o universo ficcional criado pelo autor do trabalho em questão, fanfics
canônicas, ou aquelas estórias que não seguem o estilo criado pelo autor da obra fazendo
com que os personagens se comportem de forma diferencia da esperada na obra a qual a
fanfictions foi baseada, fanfics não-canônicas.
As fanfics canônicas ou não-canônicas podem ser observadas por muitos autores e
podem gerar mudanças no enredo de alguma série ou anime. Isso pode ser observado em
entrevistas de Masashi Kishimoto, criador do manga Naruto. Kishimoto mencionou que
possivelmente apresentaria no final da série alguns dos casais que os fãs da série gostavam e
tanto mencionavam. Após a finalização da série de manga, pode-se observar ao final a
presença dos casais Naruto e Hinata, mencionados em várias fanfics da categoria Naruto, e
Sasuke e Sakura, também protagonizando várias fanfictions sobre a série.
Alguns fóruns como o SocialSpirit, abriram espaço para escritas originais, permitindo
aos membros deixarem o universo ficcional de terceiros e podendo criar o seu próprio. Essas
estórias não são originalmente classificadas como fanfictions, apesar de pertencerem e
serem publicadas em um site de hospedagem de fanfics.
O fórum SocialSpirit, analisado neste artigo, apresenta uma definição para
fanfictions. A imagem abaixo representa a classificação do site em questão.

1025
Figura 1: Definição encontrada no canal fanfic do fórum SocialSpirit

Nesta definição podemos encontrar os traços já mencionados de uma fanfictions,


como ela ser sem fins lucrativos e baseada em um universo ficcional desenvolvido por
terceiros. Encontra-se também uma chamada a escrita feita de forma criativa iniciando-se
comum “Solte sua imaginação”.
Como as fanfics são baseadas, em sua maioria, no universo ficcional de terceiros, elas
devem ser classificadas em:
 Tipo (anime, manga, livro, série, ídolos, entre outras), sendo essa é uma categoria
maior;
 Categoria: nesse caso serão acrescentadas as subdivisões do tipo escolhido. Por
exemplo, se o escritor escolheu o tipo Anime, poderá escolher como categoria Naruto (a
série já mencionada anteriormente).
 Gênero: nessa parte será especificado se a estória conterá drama, romance, ação
e outros que auxiliarão na procura feita por leitores.
 Classificação: a estória também deverá apresentar a classificação que varia de
livre até maiores de 18 anos. Isso ajuda os fóruns a bloquearem leitura de conteúdos adultos
pormenores ou colocarem a mensagem e aviso para que todos estejam cientes do conteúdo
a ser apresentado no corpo do texto.
As classificações podem ser alteradas de fórum para fórum, mas sempre
apresentarão esses itens mencionados acima. O fórum SocialSpirit apresenta ainda a sessão
terminada para o leitor selecionar se deseja ler uma estória já completa ou se irá ler algo
que ainda está em andamento.

SOCIALSPIRIT
1026
Como já mencionado esse foi o site analisado durante a pesquisa. Suas regras serão
apresentadas posteriormente para análise dos resultados encontrados.
Esse site foi criado por Túlio Henrique Thomé, sua classificação de membro aparece
como dono. Observando seu perfil nota-se que sua data de registro foi em 18 de janeiro de
2006. Como o site não apresenta uma parte falando sobre o histórico do mesmo, pode-se
entender essa data como a fundação o fórum. Inicialmente era conhecido como AnimeSpirit
(AS para simplificar e muito usado por seus membros).Em 2014, como crescimento do fórum
e não sendo mais dedicado apenas a animes e mangás, o fórum teve seu nome alterado para
SocialSpirit.
Existe muitos detalhes do site que não serão tratados nesse artigo, serão
mencionados e analisados apenas a categoria fanfic, que é o objeto desta pesquisa.

Figura 2: Exemplo da parte inicial de uma fanfic da Categoria Naruto.

No SocialSpirit, quando as fanfics são listadas em uma busca feita no canal fanfic, elas
aparecem na forma simplificada presente na imagem acima. Nela o leitor poderá encontrar
parte da classificação da fanfic e a sinopse, algo obrigatório nas fics publicadas no fórum e
também o maior atrativo aos leitores. Uma sinopse mal feita poderá deixar um bom texto
sem muita procura.
Quando clicado, o leitor será direcionado a página principal da fanfic em questão.
Será o momento de entrar em contato com todos os dados da fanfic e a lista de capítulos do
mesmo. Alguns autores acrescentam capas na fanfic e nos capítulos, geralmente, fruto de
manipulação de imagens e servindo também como atrativo aos leitores.
1027
Figura 3: Exemplo de fanfiction da categoria Original

A fanfic utilizada como exemplo é intitulada Insuficiente e foi escrita pela usuária
Insuficiente. Nessa imagem pode-se notar a capa feita pela autora e um detalhe presente
apenas na categoria original, o aviso legal mencionando que o universo ficcional foi criado
pelo autor e não baseado em terceiros. Também aparece a nota ante plágio, avisando aos
leitores que o material não deve ser utilizado sem a autorização do autor. Note-se também o
botão de denúncia, utilizado por usuários, fiscalizadores, betas e administradores quando a
fanfic não desobedece as regras do site.
É necessário fazer alguns apontamentos nessa parte. O fórum apresenta uma
hierarquia. Os administradores são aqueles que fiscalizam o site inteiro e responsável por
investigar as denúncias e excluir fanfics ou banir membros quando necessário. Eles estão
1028
sujeitos as ordens do dono do fórum. Existem os betas, são usuários que ganham um status
maior, eles auxiliam os administradores, uma vez que o site cresceu muito, houve
necessidade de mais ajuda para a manutenção e fiscalização. Os betas do canal fanfic são
chamados de Beta Reader.

Figura 4: Definição de Beta Reader

Atualmente o site apresentou a seleção de usuários para tornarem-se fiscalizadores e


auxiliarem os betas. Eles são divididos por inicialmente por tipo e divergindo-se em
categorias e gêneros, para auxiliarem na fiscalização de fanfics publicadas no SocialSpirit.
Caso encontrem algo que desobedeça alguma regra, devem denunciar e deixar ao cargo dos
betas e posteriormente dos administradores a resolução do que acontecerá com aquela
fanfic.
Esses usuários fiscalizadores são apenas auxiliares, não tendo qualquer diversificação
dos demais usuários comuns em seus perfis. Fato que é observado nos administradores e
betas (marcado com a letra grega Beta em seus nomes de usuário).
Atualmente, no SocialSpirit, além de fanfictions e estórias em prosa originais também
podem ser publicados poemas, ampliando a recepção de novos escritores e agradando aos
diferentes tipos de escritores. Nesse fórum, os usuários utilizam o termo FicWiriter para
aqueles que possuem alguma estória publicada no fórum. Alguns desses escritores tiveram a
chance de ter seus trabalhos originais publicados na forma impressa enquanto outros ainda
sonham com essa possibilidade.

AS REGRAS DO SOCIALSPIRIT E A ADEQUAÇÃO A NORMA PADRÃO DA LÍNGUA


PORTUGUESA
Quando um usuário vai publicar uma fanfic, ele entra em contato com as regras do
canal Fanfic que devem ser aceitas antes de ir para a parte de preenchimento (com a

1029
classificação, título, sinopse, a estória em si, entre outras.). Serão apresentados alguns prints
das regras, apenas as partes relevantes para esse trabalho.

Figura 5: Parte inicial do Termo/Regras de Envio.

Logo na parte inicial é frisado que as regras devem ser lidas antes de adicionar a
estória. São destacados dois pontos logo inicialmente: O primeiro é a proibição da
publicação de trabalhos de terceiro, ou seja, o plágio. Isso gera o banimento do usuário e
esse trabalho é realizado pelos administradores do canal fanfic. O segundo ponto é a ofensa
aos membros. Isso não é tolerado, o respeito é uma das regras que devem ser obedecidas
pelo usuário independente de que parte do site esteja utilizando.

1030
Figura 6: Parte inicial das Regras de Envio de Fanfics.

Na parte inicial das regras de envio de histórias, o item destacado na imagem acima
apresenta as características dos textos aceitos no canal Fanfic. São aceitos os textos em
prosa e em verso (há alguns anos poemas não eram aceitos). Não são aceitos plágios,
biografias e autobiografias, artigos, avisos, apenas descrições de personagens, já que o site
aceita as fics de fichas, onde os usuários criam personagens e o escritor apenas desenvolve a
história.
Os textos devem ser literários e estarem adequados aos padrões de fanfics
apresentados no site. Se esta regra for desrespeitada, o texto será excluído por estar fora da
regra 1.1, é essa a mensagem que o usuário receberá em suas notificações.
Um detalhe interessante é que, apesar de não poderem ser publicadas biografias e
autobiografias, podem ser encontradas nos sites autoficções e romances biográficos. Para a

1031
apresentação de alguns termos, Leujeune define a autobiografia como “uma narrativa
retrospectiva em prosa que uma pessoa faz de sua própria existência, quando focaliza sua
história individual, em particular a história de sua personalidade.” (LEJEUNE, 2008, p. 14). O
termo autoficção foi um termo utilizado por Doubrovisky em 1977 para qualificar o romance
que havia escrito. Segundo Figueiredo, “a autoficção é um gênero que embaralha as
categorias de autobiografia e ficção de maneira paradoxal ao juntar, numa mesma palavra,
duas formas de escrita que, em princípio, deveriam se excluir.” (FIGUEIREDO, 2010, p. 91).
Quando esses textos são “encontrados” são levados aos administradores para que
eles resolvam o que deverá acontecer. Geralmente são usuários que conhecem a vida do
autor e que identificam as autoficções. Esses textos não são excluídos, geralmente.

Figura 7: Regra sobre a Formatação.

É nessa região que se encontram as regras mais importantes e objeto de análise


deste trabalho. Nessa parte encontram-se as regras que vão adequar os textos a norma
padrão, auxiliando na melhora da qualidade da escrita dos jovens. É interessante notar que

1032
muitos usuários são pré-adolescentes e adolescentes. Uma minoria possui mais de 30 anos
de idade (entre 10% e 20% dos usuários).
A regra 5.1 vai lidar com a presença de emoticons, símbolo muito utilizado no
“internetês”. Emoticons não deve estar presente no corpo do texto, caso sejam
encontrados, pode gerar a exclusão de uma fanfic mesmo que ela já tenha trinta capítulos
publicados e apenas dois capítulos apresentem um emoticon. Existem apenas exceções para
seu uso nas notas do autor e quando o texto for a descrição de uma conversa dos
personagens em um chat na internet.
A regra 5.4 vai lidar com os textos de baixa qualidade. São aqueles com muitos erros
ortográficos, com muito internetês, erros gramaticais, muita incoerências entre outros
aspectos. Esse ponto apresenta maior relevância, porque aponta justamente para a
qualidade da escrita dos textos, diminuindo muito o uso do internetês no fórum.
Essa regra surgiu a pouco tempo, após 2010. Inicialmente existiam muitas fanfics com
muito internetês e erros que dificultavam a leitura. Os usuários tiveram que se adequar a
ova regra, contudo, houve um tempo para isso acontecer e textos anteriores a 2010, senão
fossem atualizados com nova postagem não são excluídos porque a regra é nova. Todas
essas regras serve para a melhora da escrita e dos textos dos usuários já que o fórum é
visitado por editoras e alguns usuários já tiveram seus textos publicados na forma impressa,
como já foi mencionado.
É fato que os usuários ficam revoltados inicialmente quando seus textos são
excluídos. São muitas reclamações em fóruns e mensagens mal educadas para os
administradores. Porém, um fato observável, é que após a crise inicial da exclusão, os
usuários voltam a publicar a mesma estória com maior qualidade.
Os administradores julgam as denúncias que são feitas por meio de um formulário
preenchido com os motivos da denúncia para ser identificada qual a regra que está sendo
desobedecida. Os administradores poderão alterar a fanfic, removendo o problema, mas, se
forem muitos erros ou muitas regras infringidas, o texto será excluído. Todos os usuários
devem estar cientes das regras, então, é apenas mencionado a regra que foi infringida na
notificação que o usuário recebe após ter seu texto excluído.

1033
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como a amplificação das novas tecnologias e da utilização do ciberespaço e das redes
sociais, a linguagem simplificada com emoticons foi surgindo e se expandindo. Muitos jovens
utilizam essa linguagem com seus pares enquanto usam as redes sociais.
O internetês, assim classificada essa linguagem simplificada nesse trabalho, acaba
surgindo nos textos escritos por esses jovens. Dessa forma, a escrita destes apresenta baixa
qualidade por não se adequar a norma padrão da língua portuguesa.
Muitos sites estão funcionando como uma ferramenta contra o uso excessivo desse
internetês, são os foruns de escrita de fanfictions. As regras que esses sites possuem mostra
a necessidade de uma escrita mais adequada à norma padrão e aumenta a qualidade dos
textos escritos pelos jovens.
No SocialSpirit a regra 5.5 é a que trata mais especificamente da qualidade do texto e
classificados textos excluídos como baixa qualidade. Ela inibi o uso de internetês e excesso
de erros ortográficos, gramaticais e de pontuação.
Para a fiscalização, o fórum conta com usuários comuns, fiscalizadores, beta Readers
e administradores. Eles irão ler os textos publicados e identificar aqueles que estão
desobedecendo às regras. Apesar da revolta inicial, os usuários voltam com uma escrita
melhor e pode-se perceber que o texto vai evoluindo, surgindo enredos cada vez melhores.
E assim, muitos usuários são contemplados com a publicação de seu texto na forma
impressa, algo gratificante para um mero fórum de fanfictions e para os usuários.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola
Editora, 2010.
BAGNO, Marcos. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Editora
Parabóla, 2002.
FIGUEIREDO, Eurídice. Autoficção feminina: a mulher nua diante do espelho. Revista
Criação & Crítica, n. 4, abr/2010. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/46790/50551. Acesso em: 05 out.
2014, 18h.

1034
GOMES, Maria Lúcia de Castro. Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. São Paulo:
Editora Saraiva, 2009.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Belo Horizonte:
UFMG, 2008.
OSWALD, Maria Luiza; ROCHA, Sergio Luiz Alves da. Sobre juventude e leitura na
“idade mídia”: implicações parapolíticas e práticas curriculares. Educar em Revista,
Curitiba, Brasil, n. 47, p. 267-283, jan./mar. 2013. Editora UFPR.
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes pós-humano: da cultura das mídias a cibercultura.
São Paulo: Paulus, 2003.
SOCIALSPIRIT. Disponível em: http://socialspirit.com.br/ Acesso em: 14 dez. 2014.

1035
CRÍTICA GENÉTICA - ANÁLISE DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DE POEMAS. ENTRE
MANUSCRITOS E POSTAGENS NO CIBERESPAÇO

Ingrid Ribeiro da Gama Rangel


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Pedro Lyra
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A crítica genética de poemas é uma forma de ver os versos em desenvolvimento,


através da escrita e das emendas do autor. Com o advento das novas tecnologias, a
produção de documentos do processo criativo foi minimizada. No computador, há a
possibilidade de “deletar” o que não se deseja manter da obra. Neste processo de modificar
sem deixar vestígios, são cada vez mais raros os indícios das etapas da criação. Neste
contexto, o objetivo deste trabalho é verificar como podem ser feitas análises genéticas de
textos produzidos na era digital e de que maneira os leitores cibernautas, conectados com os
autores, influenciam em seus processos de produção. Como metodologia, propõem-se
pesquisa bibliográfica, crítica genética de um poema e entrevistas com poetas cibernautas. A
revisão bibliográfica será em torno da crítica genética, com Cecília Almeida Salles, e do
ciberespaço, com Zygmunt Bauman e Pierre Lévy. A crítica genética de um poema (o Soneto
da Fêmea VIII – Às suas flechas, do poeta Pedro Lyra, feita a partir dos manuscritos) será
necessária para o entendimento do processo de criação da obra. Entrevistas com alguns
poetas que divulgam e produzem seus textos em redes sociais serão importantes para
verificar as criações poéticas no ciberespaço As investigações apontam para a mudança do
papel do crítico genético que, ao invés de analisar manuscritos, terá que verificar postagens
de produções ciberculturais.
Palavras-chave: Crítica genética. Poema. Manuscrito. Ciberespaço.

INTRODUÇÃO
A arte é a possibilidade de se conhecer o mundo de forma menos técnica e mais
humanizada. Pesquisadores que optam por análises de obras de arte para compreensão de
determinadas cronotopias aspiram a conhecer as sensações do artista e seu modo de
transcender a realidade.
No documentário Janela da alma, dirigido por de João Jardim e Walter Carvalho
(2001), o poeta Manoel de Barros declara que: “O olho vê, a lembrança revê as coisas e a
imaginação, é a imaginação que transvê, que transfigura o mundo, que faz outro mundo.
Para o poeta e para o artista, de modo geral, a transfiguração é a coisa mais importante”.

1036
Entendendo o artista como este ser capaz de transfigurar o mundo, o crítico genético
pretende desvelar o processo de transfiguração.
A crítica genética torna o artista mais humano, pois ao acompanhar o desenvolver e o
surgir de uma obra, revela as escolhas e os processos de criação. A ideia de arte como fruto
de mera inspiração é substituída pela revelação de um árduo trabalho em busca da
expressão ideal.
Charles Sanders Pierce (apud SALLES, 2008, p. 126) explica que: “Pessoas que
constroem castelos no ar, na sua maioria, não realizam muito; mas todo homem que
realmente realiza grandes feitos elabora castelos no ar, mas depois penosamente os copia
em chão firme”. O crítico genético entende, como Manoel de Barros, o artista como ser
capaz de criar um novo mundo. Entretanto, o crítico quer acompanhar a construção dos
castelos no chão, na tela, na folha de papel.
O desejo em se conhecer os processos de construção das obras de arte não é
recente. Entretanto, a crítica genética, reconhecida como forma de análise da criação de
obras de arte, surgiu apenas em 1968, na França. “No Brasil, ela só surgiria mais tarde, em
1985, com o ‘I Colóquio de Crítica Textual: o Manuscrito Moderno de Philippe Willemart’”
(TEIXEIRA; SOUZA; LYRA, 2012, p.193).
Cecília Salles (2008, p.20) esclarece que “A Crítica Genética surgiu com o desejo de
melhor compreender o processo de criação artística, a partir dos registros desse seu
percurso deixados pelo artista”. O crítico não concebe a obra como um todo acabado, mas
como algo que “vai se tornando, ao longo de um processo que envolve uma rede complexa
de acontecimentos” (SALLES, 2008, p. 24).
A crítica genética pode se ocupar de plurais manifestações artísticas. É possível
acompanhar o desenvolver de uma imagem na tela, de textos no livro ou mesmo de uma
apresentação de dança. Com as novas tecnologias, é possível filmar ensaios e acompanhar o
nascer de uma coreografia, por exemplo. Também a crítica genética cinematográfica foi
facilitada com o desenvolvimento tecnológico. No começo da arte cinematográfica, as fitas,
muitas vezes caras, eram regravadas a fim de se buscar economia. Desta forma, era comum
manter apenas a última versão editada. Nos atuais anos de 2015, pode-se arquivar imagens
na internet ou em dispositivos com alta capacidade de armazenamento.

1037
Se, para os críticos genéticos que contam com as imagens como documentos do
processo, o trabalho foi facilitado com o desenvolvimento tecnológico, para os que se
ocupam da crítica de textos impressos as novas tecnologias geraram novos desafios.
O poema, antes escrito a punho, hoje pode ser criado diretamente na tela do
computador. Nos textos à tinta, era possível ver as rasuras e analisar a própria caligrafia do
poeta. Era o nascer artesanal do texto, com vestígios da identidade fisiológica do autor.
Frente aos manuscritos, cabia ao geneticista:

Analisar o documento autógrafo para compreender, no próprio movimento


da escritura, os mecanismos da produção, elucidar os caminhos seguidos
pelo escritor e o processo que presidiu ao nascimento da obra, elaborar os
conceitos, métodos e técnicas que permitam explorar cientificamente o
precioso patrimônio que os manuscritos conservados nas coleções e
arquivos representam (...) (In: brochura de apresentação do Item, CNRS,
1988, p.4 apud GRÉSILLON, 1991, p.7).

Com a máquina de escrever, perdeu-se a possibilidade de analisar o individual


desenho da letra, que passou a ser padronizada. Entretanto, a máquina de escrever não era
generosa com quem mudava de ideia ao produzir um texto. Ao rasurar, o escritor deixava
marcas, mesmo que feitas à máquina. Letras sobrepostas eram índices de alteração, de
alternância de ideia. O poeta Pedro Lyra contou em sua aula sobre Crítica Genética 123 uma
conversa que teve com o escritor português José Saramago em um restaurante, em Lisboa,
no outono de 1986. Segundo Pedro, Saramago confessou: “Não quero que saibam do meu
processo. quanto troco uma palavra, borro completamente a anterior, para que ninguém
saiba qual era”. É possível que, ao analisar as digitações de Saramago, o crítico genético não
consiga ler o que estava escrito, mas o “borrão” provocado pela sobreposição de letras
revela que o texto foi modificado e que a versão publicada não foi a ideia primeira do autor.
Com os computadores e os editores de texto, surgiu a possibilidade de alterar a obra
literária sem deixar vestígios. Basta clicar no Backspace ou no Delete para pôr um fim na
palavra que se deseja substituir ou mesmo ocultar.
Neste cenário, o trabalho do crítico genético que se dedica a textos impressos fica
dificultado. Para desenvolver sua análise, o geneticista necessita dos documentos do

123
Disciplina “Tópicos Especiais – Na era da escrita on line: A crítica genética”, oferecida em 2014-2 pelo Curso
de Doutorado em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
1038
processo que são “índices do artista em ação, uma criação em processo, um pensamento em
movimento” (SALLES, 2008, p.50).
A fim de compreender as mudanças no trabalho do crítico genético decorrentes dos
avanços das novas tecnologias de informação e comunicação, este trabalho apresenta o
relato sobre a crítica de um poema a partir de manuscritos. A experiência da crítica com
acesso aos documentos do processo será confrontada com os relatos dos poetas
cibernautas, que muitas vezes só “salvam” a obra final.

A GÊNESE DO “SONETO DA FÊMEA-VIII – ÀS SUAS FLECHAS”


O soneto escolhido para análise começou a ser escrito em 1995, no salão do Bingo
Arpoador, no Rio de Janeiro. Sua primeira publicação foi no Jornal de Letras, Artes e Ideias
de Lisboa, em 1997, em um conjunto sob o título de “9 Sonetos da Fêmea”, em página dupla
na seção de “Inéditos” do jornal. Posteriormente, foi publicado na antologia Visão do ser
(LYRA, 1998) e nas edições de 2001 e 2002 de Desafio – Uma poética do amor (LYRA). A
última publicação do soneto ocorreu no dia 6 de junho de 2013, na página do Facebook do
poeta.
Para o trabalho de crítica genética, foram disponibilizados, pelo próprio autor, 15
documentos. Dentre eles, pode-se contar com manuscritos, datilografados com rasuras,
digitações, páginas de livro com emenda feita a punho e a imagem do texto já no
ciberespaço. Apesar da pluralidade de documentos, pode-se considerar que o que desperta
maior curiosidade é o primeiro, um cartão de bingo. O cartão instiga a crítica a imaginar o
que teria levado o poeta a escrever, em pleno salão de bingo, um poema erótico.
Considerando que na época, como revelou Pedro Lyra, estava sendo escrito o livro Jogo –
um delírio erótico-metafísico-econômico (LYRA, 1999), seria mais compreensível que o poeta
escrevesse sobre jogo. Mas o tema abordado no Soneto da Fêmea em nada tem a ver com o
do Jogo. Não se pode deixar de tentar imaginar o que teria levado o poeta a escrever sobre a
fêmea. Teria sido a visão de alguma musa? A chegada – à mesa – de alguma bela jogadora?
A lembrança de algum amor ou o mau estado do cartão? Não, o cartão não estava tão ruim
assim. Pode-se detectar, pelo menos, duas chances de vitória.

1039
Ideias sobre o porquê do início da escrita do soneto no meio do salão de jogos são
apenas especulações da crítica. Mas o texto escrito no verso do cartão revela que o poeta
desejava outro jogo, queria jogar com as palavras e que estava muito mais interessado na
poesia do que na conquista do jogo. Compreensível para poetas que preferem a eternidade
dos versos ao prazer efêmero dos prêmios.

Figura 1: Primeiro documento do processo: bilhete de bingo – Arquivo do autor

Figura 2: Transcrição das palavras contidas no bilhete.

As palavras soltas no bilhete ganharão significado, durante o processo de criação.


Algumas como “cama” e “rua” sumiram do poema, mas a maioria delas é encontrada na
versão final.
O trabalho genético do Soneto da Fêmea – VIII foi feito verso por verso. No primeiro
verso, por exemplo, puderam ser notadas alterações nos documentos. Em M-1124 aparece:

124
Primeiro manuscrito.
1040
Figura 3: M-1 - Arquivo do poeta

O documento é extremamente interessante para o geneticista, pois revela, na


caligrafia corrida do autor, a rasura, a mudança de ideia. O sintagma “A mulher” é riscado
para dar lugar a “Mais cuidado...”. A partir do rabisco o verso surge, ainda em M-1, na sua
expressão definitiva: “Cuidado, meu amigo. Mais cuidado...”. Os esboços feitos a partir do
M-1 praticamente só diferem em pontuação.

Figura 4:M-2125- Arquivo do poeta

Em M-2, as reticências do final do verso são transformadas em ponto final. As


reticências podem indicar suspense ou podem sugerir que o leitor conclua o pensamento.
Ao substituí-las pelo ponto final, o poeta toma para si a decisão de fechar o verso.

Figura 5: M-3126– Arquivo do poeta

Em M-3, Pedro Lyra substitui o ponto final depois do vocativo “meu amigo” por uma
vírgula. Com isso, o autor reduz o tempo do vocativo levando o leitor mais rapidamente ao
alerta “mais cuidado”. Outra alteração no terceiro manuscrito é o retorno das reticências. As
mudanças levam a crer que o poeta pretende dar leveza ao verso, aproximando-o da
oralidade.

125
Segundo manuscrito.
126
Terceiro manuscrito.
1041
Figura 6: D-1 127- Arquivo do poeta

As reticências somem novamente em D-1. Entretanto, desta vez, elas são substituídas
por dois pontos. A mudança demonstra a intenção do autor em deixar claro que o porquê de
o “amigo” ter que tomar cuidado será colocado no verso imediatamente posterior. Outra
mudança observada em D1 é a diagramação do texto. O primeiro verso deixa de ocupar
somente uma linha. Cada um dos seus três sintagmas passa a ocupar uma linha, com
supressão das vírgulas: o primeiro sintagma no alinhado à esquerda, o segundo centralizado
e o terceiro alinhado à direita. Desta forma, a organização do verso coloca todos os seus
sintagmas em evidência, pois segue o campo de visão mais comum entre os observadores.
Temos a tendência de olhar do canto superior esquerdo para o canto inferior direito. Esta
organização do primeiro verso foi mantida até a última publicação.
Em D-2128, os dois pontos do final do verso são substituídos pelo ponto final. A
mudança permanece até a última publicação.
Ao analisar a última versão do trecho, pode-se considerar que a expressão “meu
amigo” aproxima autor e leitor. O segundo sintagma tem grande importância no verso. Um
“Cuidado” isolado não é suficiente para convencer o interlocutor a parar. Mas uma
advertência oriunda de um amigo, de quem normalmente se espera o bem, é transformada
em um importante conselho. O terceiro sintagma sugere que se tenha ainda mais atenção e
é concluído com um ponto final. O poeta opta por não deixar o verso em aberto. Ele propõe
uma pausa maior. A mudança na pontuação no fim do verso assemelha-se à oscilação das
cores do semáforo. Ao invés de apenas alertar e pedir atenção, o poeta sugere ao indivíduo
chamado no segundo sintagma que pare, pelo menos um pouco mais. Depois de mais quatro
documentos com pequenas alterações de pontuação, surge em D-2 o primeiro verso em sua
versão, pelo menos até aqui, definitiva:

Cuidado
meu amigo
mais cuidado.

127
Primeira digitação.
128
Segunda digitação.
1042
A crítica do primeiro verso do soneto lyrano revela a importância dos documentos
para o desenvolvimento do trabalho. O geneticista necessita dos vestígios, dos registros do
processo para analisar a criação da obra.
A crítica129 do Soneto da Fêmea- VIII foi facilitada porque o poeta guardava os
registros de seu processo de criação. Depois do trabalho genético feito em cada verso, foi
possível não apenas comtemplar o poema em sua versão final, mas ver as ideias soltas no
bilhete de bingo ganharem corpo e sentido durante o processo revelado nos documentos.

OS POETAS POSTADOS NO CIBERESPAÇO


O desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação impulsionou
o surgimento de uma nova cultura, de uma nova forma de vivência. Pierre Lévy (2009)
chama de cibercultura esta cultura digital na qual os indivíduos têm possibilidades ampliadas
de interação com a coletividade e de simulação pela rede.
A escrita, no ciberespaço sofre transformações: do leitor que escreve linearmente e
apaga ou rasura o que não deseja manter no texto para o cibernauta que copia, cola, deleta.
O usuário das novas tecnologias ainda conta com a possibilidade de simular seus caminhos,
de testar alternativas mantendo apenas a versão final, no caso do poeta, de seu texto.
Os elementos mais solidificados do modernismo – que apesar de aspirar ao novo,
mantinha sólidas características – são substituídos pela liquidez da pós-modernidade
(BAUMAN, 2001). Nesse espaço líquido, a probabilidade de passar sem deixar marcas é
ampliada. Na produção do texto escrito, tanto as novas tecnologias possibilitam as
alterações sem vestígios dos textos à tela do computador quanto muitos usuários não estão
preocupados com a documentação do processo de criação.
A sociedade líquida preocupa-se com o instantâneo e não com a história. Marc
Prensky (2001 apud PESCADOR, 2010, p.2) explica a diferença existente no comportamento
entre nativos e imigrantes digitais. Enquanto imigrantes – formados antes do ciberespaço –
mantêm práticas lineares de leitura e escrita, os nativos – nascidos imersos às novas
tecnologias – foram formados atuando no espaço conectado e instantâneo. Na produção

129
Empreendi a análise integral do soneto noutro ensaio: A gênese do “Soneto da Fêmea-VIII – Às suas flechas”,
a sair no 3º volume de Conhecimento em Processo, série coletiva de professores e pós-graduandos do
mestrado e do doutorado em “Cognição e Linguagem” da UENF.
1043
dos textos, os dois grupos têm normalmente comportamentos distintos: enquanto o
primeiro sente mais intimidade com o papel, o segundo prefere os computadores. Para a
crítica genética, o grupo de imigrantes deixa mais vestígios. O professor Pedro Lyra, por
exemplo, mantém em seu laboratório na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro um acervo com manuscritos – documentos do processo de inúmeros poemas. A
preocupação do poeta, imigrante digital, em manter os arquivos difere de muitos poetas que
iniciaram suas atividades artísticas no ciberespaço.

Figura 7: Acervo do poeta Pedro Lyra (UENF) - Foto: Eleonora Campos

Para entender o comportamento dos poetas cibernautas e traçar previsões para o


futuro da crítica genética, foi realizada uma pesquisa, entre os dias 02 de novembro e 02 de
dezembro de 2014, em páginas do Facebook destinadas a poetas e apreciadores de poesia.
Foram entrevistados 11 poetas para a pesquisa qualitativa.
O poeta A, de 33 anos, afirmou que tem mais de 200 poemas publicados na internet.
Quando questionado se tinha o hábito de salvar as versões do processo de criação, o poeta
que afirmou escrever diretamente ao computador, disse que salva “apenas a versão final”.

1044
Outro poeta (B) de apenas 19 anos, e com mais de 100 poemas publicados no
ciberespaço, afirmou que, apesar de escrever no papel, só salva a versão final.
Estre os poetas que salvam várias versões do poema, todos têm mais de 10 anos de
trabalho literário. O poeta C, que escreve há mais de 30 anos, afirmou: “Só coloco na
internet depois de fazer minha autocensura e corrigir alguns erros ortográficos ou de
concordância”. Quando questionado se salva os documentos de seu processo de criação, ele
declarou: “Salvo tudo que escrevo, além de imprimir, visando uma futura publicação”.

A CRÍTICA GENÉTICA NO CIBERESPAÇO


A pesquisa revela que a preocupação de preservação dos documentos do processo é
maior entre os imigrantes digitais. Mesmo os que não têm conhecimento sobre o trabalho
do crítico genético apreciam ter guardadas as rasuras, partes da história de suas obras. Entre
os mais jovens, a importância da memória fica menos evidente. A preocupação está mais
voltada à divulgação dos textos e a “curtidas” feitas por outros usuários da rede.
Neste cenário, o trabalho do crítico genético fica ameaçado. Se é a partir dos
documentos do processo que são feitas as análises do geneticista, se é nos textos que
sofreram alterações que se percebe o movimento da obra, questiona-se como ficará o
trabalho do crítico sem a manutenção desses documentos.
O crítico genético muitas vezes tem dificuldade em levantar os documentos do
processo. Mesmo antes do ciberespaço, existiam autores que destruíam seus manuscritos a
fim de preservar apenas a imagem da obra final. Para encontrar os documentos, muitos
críticos tiveram que vasculhar guardados pessoais e contar com a colaboração de pessoas do
convívio pessoal do artista. O que ocorre na pós-modernidade é que o poeta disposto a
apagar os vestígios de seu processo de criação terá menos dificuldades. Ao invés de queimar
ou rasgar papéis, bastará apetar um botão no teclado ou tocar na tela do computador para
que o texto suma sem deixar vestígios.
A pesquisa realizada junto a comunidades virtuais de poetas aponta que o crítico
genético terá que buscar novos tipos de documentos se quiser desenvolver seu trabalho.
Alguns poetas afirmaram que escrevem diretamente nos blogs e que chegam a fazer
alterações no texto a partir das observações dos outros internautas.

1045
Dentro deste contexto, caberá ao crítico analisar postagens, e-mails, chats e
quaisquer vestígios do poema deixados no ciberespaço. Os documentos do processo serão
virtuais e demandarão uma detalhada pesquisa em um meio marcado pela dificuldade de
identificação dos autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho do crítico genético é facilitado quando o poeta guarda os documentos de
seu processo de criação. A análise do “Soneto da Fêmea-VIII – Às suas flechas” se deu sem
dificuldades porque os documentos dos processos estavam resguardados pelo próprio autor.
O trabalho do crítico foi apenas analisar o desenvolver do texto, os vestígios dos momentos
da criação.
Não se pretende dizer que, com as novas tecnologias, não se possa fazer críticas
genéticas. O autor que desejar salvar as versões de seu texto não terá grandes dificuldades.
A criação de uma pasta virtual com todos os documentos do processo é extremamente
possível. O que acontece é que a produção de poemas ao computador facilita o trabalho dos
artistas que, como Saramago, desejam sumir com as marcas de seu processo de criação, ou
nem sequer se preocupam com isso. Ao crítico, caberá a análise de textos de postagens,
indícios do processo involuntariamente criados pelo artista.

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro, RJ: Zahar,
2001.
GOBIRA, Pablo. O Arquivo do Escritor na Era da Reprodutibilidade Técnica Digital:
algumas questões de crítica genética. Manuscrítica, 2010.
GRÉSILLON, Almuth. Alguns pontos sobre a História da Crítica Genética. São Paulo, SP:
Estudos Avançados, vol. 5, nº 11, 1991, p. 7 – 18. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141991000100002 – Acesso:
10/10/2014.
JARDIM, João; CARVALHO, Walter. Janela da alma. Europa Filmes, 2001.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2009.

1046
LYRA, Pedro. Desafio: uma poética do amor. 3ed. Fortaleza, CE: TOPBOOKS / UFC, 2002.
__________. Jogo: um delírio erótico-metafísico-econômico ou uma aventura em
versifrases. Fortaleza, CE: EUFC, 1999.
PESCADOR, Cristina M. Tecnologias digitais e ações de aprendizagem dos nativos
digitais. In.: Anais do V CINFE (Congresso Internacional de Filosofia e Educação). Caxias do
sul, RS: 2010. Disponível em:
http://www.ucs.br/ucs/tplcinfe/eventos/cinfe/artigos/artigos/arquivos/eixo_tematico7/TECNOLOGI
AS%20DIGITAIS%20E%20ACOES%20DE%20APRENDIZAGEM%20DOS%20NATIVOS%20DIGITAIS.pdf.
Acesso: 08/01/2015.
SALLES, Cecilia Almeida. Crítica Genética: Fundamentos dos estudos genéticos sobre o
processo de criação artística. 3ed. São Paulo, SP: EDUC, 2008.
TEIXEIRA, Eleonora Campos Teixeira; SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de; LYRA, Pedro.
Crítica genética do manuscrito ao virtual: a gênese literária inicia-se na rasura. Anais do III
Colóquio Interdisciplinar de Cognição e Linguagem. Campos dos Goytacazes, RJ: UENF,
2012. p. 192-2005. Disponível em:
http://www.pgcl.uenf.br/cicl/download/anais/Anais_Col%C3%B3quio.pdf – Acesso:
20/12/2014.

1047
RECURSOS HIPERTEXTUAIS NO LIVRO NADA NA LÍNGUA É POR ACASO, DE MARCOS
BAGNO

Ana Isabel Ferreira de Magalhães


Universidade Estadual Norte Fluminense

Analice de Oliveira Martins


Universidade Estadual Norte Fluminense

RESUMO: O livro impresso tem passado por mudanças e sido submetido a olhares diversos
ao longo de sua história. Nesse sentido, esta comunicação irá apresentar uma reflexão
acerca dos modos de escrita assim como dos modos de leitura a partir dos recursos
hipertextuais no contexto contemporâneo. Para tanto, como objeto de análise será utilizado
o livro de Marcos Bagno “Nada na língua é por caso: por uma pedagogia da variação
linguística”, acreditando ser tal livro um exemplo de nova forma de escrita de texto teórico e
consequentemente contribuindo para a formação de um novo leitor. Nesta pesquisa,
interessa-nos o olhar para as mudanças ocorridas em relação aos aspectos organizacionais
do livro impresso e as implicações que isso tem trazido para uma nova forma de leitura.
Ulilizou-se como embasamento teórico Lévy (1996), Marcuschi (2007), Villaça (2002),
Zilberman (2001), dentre outros. O objetivo deste trabalho é identificar no livro de Bagno
exemplos de hipertexto e ainda destacar a mudança da forma de escrever e dos processos
de leitura e atualização por parte do leitor.
Palavras-chave: Leitura. Leitor. Hipertexto.

INTRODUÇÃO
A inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) na vida cotidiana
dos cidadãos é um evento marcante porque reordena o modo como o homem se relaciona
na sociedade. No bojo das TICs, o hipertexto se destaca sobremaneira tanto por sua
funcionalidade quanto por sua difusão, na medida em que se tem constituído em um
instrumento cada vez mais utilizado na veiculação de informações e na construção de
espaços dialógicos de comunicação. Nesse sentido, este ensaio irá apresentar uma reflexão
acerca dos processos do modo de escrita assim como os modos de leitura a partir da
influência hipertextual no contexto contemporâneo. Por isso, levanta-se a seguinte questão-
problema: como essas mudanças intervêm nas formas de escrita e leitura e quais as suas
consequências para a formação de um leitor com gestos e práticas de leitura hipertextual?
Em face disso, utilizamos como objeto de estudo deste trabalho o livro de Marcos Bagno
“Nada na língua é por caso: por uma pedagogia da variação linguística” acreditando ser um
1048
exemplo de nova forma de escrita de texto teórico e consequentemente contribuindo para a
formação de um leitor hipertextual. Este trabalho parte-se da hipótese de que os processos
criativos de leitura e modos de escritas que ocorrem na atualidade sofreram modificações
por consequência das tecnologias de informação, tanto pelo fato de o escritor utilizar novas
estratégias de escritas, como pelo fato de haver surgido um novo perfil de leitor. Neste
ensaio, interessa-nos o olhar para as mudanças ocorridas em relação aos aspectos
organizacionais do livro impresso e suas implicações que isso tem trazido para uma nova
forma de leitura. Ou seja, interessa-nos analisar o livro, particularmente o de Bagno, como
um objeto hipertextual, numa perspectiva de texto como hipertexto e que põe em cena um
novo leitor. Este ensaio tem como objetivo identificar aspectos no livro de Bagno como
exemplos de hipertexto e ainda destacar a mudança da forma de escrever e os processos de
leitura e atualização por parte do leitor.

INFORMAÇÕES SOBRE O LIVRO


O livro de Marcos Bagno “Nada na língua é por caso: por uma pedagogia da variação
linguística” teve sua 1ª edição em fevereiro de 2007 e está em sua 4ª reimpressão (2012). O
livro faz parte de uma coleção intitulada “Educação Linguística” composta de sete títulos de
autores variados. Segundo o autor, Marcos Bagno, “O livro não sofreu nenhuma alteração
desde sua 1ª edição”. Na descrição exposta no site da editora Parábola, o livro é “dirigido a
professores em atuação e em formação, autores de material didático, gestores da educação,
estudantes de letras e de pedagogia, jornalistas e comunicadores em geral”. “Nada na
língua é por caso: por uma pedagogia da variação linguística” apresenta e discute de
maneira clara e acessível os principais conceitos da sociolinguística e com embasamento
teórico esclarecedor e “com reflexões solidamente apoiadas nos postulados da
sociolinguística e da sociologia da linguagem, — as duas disciplinas que lidam com o
fenômeno da variação e da mudança linguísticas e suas consequências sociais, culturais,
políticas e pedagógicas”. Neste ensaio, o livro de Bagno será analisado numa perspectiva de
texto como hipertexto que põe em cena um novo leitor, pois ao lê-lo o leitor poderá
selecionar, combinar e executar os itens de informações que o faz constituir como
hipertexto, segundo Lévy ao ler um texto podemos dar a ele um sentido novo, pois

1049
“podemos desobedecer as instruções, tomar caminhos transversais, produzir dobras
interditas, estabelecer redes secretas, clandestinas, fazer emergir outras geografias
semânticas” (LÉVY, 1996, p. 36). Segundo Marcos Marcionilo, editor do livro de Bagno, “Toda
a criação do livro foi feita pelo autor. A editora aprovou o projeto e começou a intervir na
produção gráfica do livro. Por isso, o copyright do texto é do autor e o copyright do livro
como produto gráfico é da editora”.

Figura 8: Capa do livro “Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística”

DIFERENTES FORMAS DE ESCRITA E LEITURA


O livro impresso tem passado por mudanças e sido submetido a olhares diversos ao
longo de sua história, Marcuschi diz que “O livro, na forma como o conhecemos hoje, é um
espaço de escrita desenvolvido há menos de 1000 anos e na sua forma impressa tem cerca
de 500 anos. Antes disso, era a parede das cavernas, o papiro, os códex, as tabuinhas etc. o
suporte dos textos escritos” (MARCUSCHI, 2001, p.81). Podemos observar que o avanço
tecnológico das mídias computacionais influenciam os formatos textuais e fazem com que os
livros impressos assumam uma feição diferente na atualidade, Soares diz que existe uma
relação muito estreita “entre o espaço físico e visual da escrita e as práticas de escrita e de
leitura” (SOARES, 2002, p149) e explica que:

1050
O espaço da escrita relaciona-se até mesmo com o sistema de escrita: a
escrita em argila úmida, que recebia bem a marca da extremidade em
cunha do cálamo, levou ao sistema cuneiforme de escrita; a pedra como
superfície a ser escavada serviu bem, num primeiro momento, aos
hieróglifos dos egípcios, mas, quando estes passaram a usar o papiro, sua
escrita, condicionada por esse novo espaço, foi-se tornando
progressivamente mais cursiva e perdendo as tradicionais e estilizadas
imagens hieroglíficas, exigidas pela superfície da pedra (SOARES, 2002,
p.149).

Dessa forma, podemos perceber que a relação entre o texto e seus leitores passou
por diversas transformações ao longo da história. A distribuição, organização e estrutura do
texto encontrado nos livros em rolo da Antiguidade, nos manuscritos medievais não são de
forma alguma as mesmas que nos apresenta a escrita contemporânea. Essas novidades em
relação à apresentação do escrito sempre causam certo impacto nos leitores. A necessidade
de dominar a nova forma, através das técnicas de escrita ou leitura inéditas, propõe novos
pensamentos e novas atitudes, para Soares “O espaço de escrita condiciona, sobretudo, as
relações entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto” (SOARES, 2002,
p.149).
Nesse sentido, analisando a forma de composição do livro de Bagno, podemos
afirmar que existem diversas possibilidades de leitura com suas páginas povoadas de
imagens fazendo uma mescla entre o verbal e o visual. Ao abrirmos o livro de Marcos Bagno
“Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística” deparamos com
uma multiplicidade de formas de dizer. Isso porque, recursos tornados possíveis com a
escrita do computador passaram a fazer parte de outros textos: notas laterais, boxes
diversos, quadros, links, figuras e tantos outros não são mais restritos à escrita midiática.
Esses recursos estão presentes nas várias páginas desse livro, de acordo com Koch “todo
texto é plurilinear na sua construção, poder-se-ia afirmar que – pelo menos do ponto de
vista da recepção – todo texto é um hipertexto” (KOCH, 2011, p.61).
No livro abordado podemos destacar aspectos que configuram a hipertextualidade,
caracterizando-se realmente como um retrato do hipertexto eletrônico. As separações
textuais que condensam em si textos particulares, além de links muito se assemelham ao
modo de escrita do ambiente digital. O leitor poderá escolher seu modo de leitura, por
exemplo, “ler o texto de maneira contínua e só consultar as notas após essa leitura;

1051
consultar apenas as que mais lhe interessarem ou mesmo não ler nenhuma” o leitor poderá
ainda ler ou consultar separadamente os recursos presentes nas páginas desse livro “Poderá,
também, interromper sua leitura a cada chamada e integrar o conteúdo da nota à leitura
que está fazendo” (KOCH, 2011, p.61). Segundo Marcuschi “A ordem das informações não
está dada na própria estrutura da escrita” (MARCUSCHI, 2007, p.147). O livro de Bagno pode
ser visto numa perspectiva hipertextual pela forma como é escrito, ou seja, pela
heterogeneidade de linguagens que lhe é constituído “A diferença com relação ao hipertexto
eletrônico está apenas no suporte e na forma e rapidez do acessamento” (KOCH, 2011,
p.61). O leitor desta obra poderá considerá-la, portanto, como uma rede em que se
transpassam outros textos. A esse respeito, Koch entende que:

O texto, assim constituído, é dinâmico, está sempre por fazer. Isto implica,
por parte do leitor, um trabalho contínuo de organização, seleção,
associação, contextualização de informações e, consequentemente, de
expansão de um texto em outros textos ou a partir de outros textos, uma
vez que os textos constitutivos dessa grande rede estão contidos em outros
e também contêm outros (KOCH, 2007, p.24).

Esse tipo de leitura propõe ao leitor formular suas hipóteses acerca do que leu e do
que lhe é novo, não no sentido de alguém que decifra e interpreta os recursos da escrita
eletrônica, mas de alguém que lida com os “caminhos” que uma página de livro, como o
analisado, pode oferecer. Segundo Martins “Novos procedimentos narrativos exigem
também formas diferentes de leitura" (MARTINS, 2011, p.166) tal pensamento se afina com
o de Zilberman “Experiências de vanguarda propuseram outras instruções ao leitor (...)”
(ZILBERMAN, 2001, p.107), a autora considera também que o leitor “é encarado na condição
de sujeito histórico, passível de transformação e adequação em virtude das mudanças
sociais e tecnológicas” (2001, p.85), Umberto Eco conclui que: “Os leitores empíricos podem
ler de várias formas, e não existe lei que determine como devem ler, porque em geral
utilizam o texto como um receptáculo de suas próprias paixões, as quais podem ser
exteriores ao texto ou provocadas pelo próprio texto” (ECO, 2004, p. 14).
A partir dessas considerações podemos concluir que o hipertexto não se restringe
apenas ao texto eletrônico, mas a qualquer texto que possibilite leituras que extrapolam o
próprio texto, independentemente do suporte em que se encontre. Assim, é possível

1052
considerar o livro de Bagno como um hipertexto, pois se trata de “uma matriz de textos
potenciais” (LÉVY, 1996, p. 40), em que o leitor, por meio das escolhas que faz produz uma
nova e diferente leitura. Desse modo, podemos compreender tal livro como uma rede
hipertextual em que seus itens de informações se encontram disposto como um objeto
multifacetado com relação às linguagens e que põe em cena uma nova prática de leitura.

O HIPERTEXTO
Segundo Marcuschi “O termo hipertexto foi cunhado por Theodor Holm Nelson em
1964, para referir uma escritura eletrônica não-sequencial e não linear, que se bifurca e
permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de
escolhas locais e sucessivas, em tempo real” (MARCUSCHI, 2007, p.146). Desta forma, o
leitor tem condições de definir o fluxo de sua leitura a partir de assuntos que o faz buscar
outros temas, de forma ágil e dinâmica o que podemos entender que o sentido de um texto
é móvel e não fixo, Pierre Lévy explica que “a abordagem mais simples do hipertexto é a de
descrevê-lo por oposição a um texto linear, como um texto estruturado em rede” (1996,
p.44), de acordo com Koch “ O hipertexto constitui um suporte linguístico-semiótico hoje
intensamente utilizado para estabelecer interações virtuais desterritorializadas” (KOCH,
2011, p.63) para Villaça “Os hipertextos servem para interromper o fluxo de leitura através
de redes remissivas interligadas, os links, e para conduzir o leitor a um vertiginoso delírio de
possibilidades” (VILLAÇA, 2002, p.107) é justamente esse tipo de leitura que encontramos no
livro de Bagno.
Se o livro de Marcos Bagno “Nada na língua é por caso: por uma pedagogia da
variação linguística” tivesse circulação pela internet, poderíamos selecionar algumas
palavras chave, a exemplo do termo “helenismo” (p.62), ou um enunciado como:
“Infelizmente, essas inovações linguísticas também continuam sendo alvo de outro tipo de
abordagem, nada científica dessa vez, e consistente apenas com uma ideologia linguística
obscurantista e preconceituosa: o ataque dos defensores (...)” (p.156), marcá-las como
hiperlinks (ligações eletrônicas) e pular diretamente para a caracterização linguístico-

1053
discursiva do tema proposto. Ao leitor caberia posicionar o cursor do mouse sobre o
hiperlink e seguir (ou não) a indicação marcada para leitura, de acordo com Koch os
hiperlinks “permitem ao leitor realizar livremente desvios, fugas, saltos, instantâneos para
outros locais virtuais da rede, de forma prática, cômoda e econômica” (KOCH, 2011, p.63).
Entretanto, no livro analisado, não há os recursos do suporte eletrônico, pois estamos
tratando de um texto impresso, mas há, neste caso, um grande número de notas explicativas
tão eficientes quanto os hiperlinks. De acordo com Lévy “Desde suas origens
mesopotâmicas, o texto é um objeto virtual, abstrato, independente de um suporte
específico. Essa entidade virtual atualiza-se em múltiplas versões, traduções edições,
exemplares e cópias” (LÉVY, 1996, p.35).

Figura 9: Exemplo de notas explicativas (p.62)

1054
Figura 10: Enunciados que funcionam como links (p.156)

O LEITOR ESCRITOR
Tudo o que vem sendo discutido até aqui intervêm nos gestos de leitura e lança
questões para os estudos nesta área, especialmente no que se refere à formação de
um leitor com olhar amplo que consiga interagir com um objeto “plurilinear”, como o
livro de Bagno, que busca diferentes linguagens, diferentes olhares, com diferentes
formas de expressão do conhecimento. Ao folhear o livro de Bagno deparamos com
uma heterogeneidade textual que mobiliza recursos formais e tipográficos, com tipos e
cores de fontes diferenciadas, além das ilustrações que criam um fundo, um contexto
para o que está sendo apresentado.

Figura 11: Por que tratar da variação linguística? (p. 27)

mlv
O livro em análise pode ser visto numa perspectiva hipertextual pela
heterogeneidade que se virtualiza ao seu redor, pois este objeto permite não apenas
visualizar a heterogeneidade material que lhe é constitutiva, mas inferir as diversas
possibilidades que suas páginas podem materializar, nesse sentido, “O leitor pode
libertar-se da obrigatoriedade do linear” (VILLAÇA, 2002, p.108). No capítulo intitulado
“Por que tratar da variação linguística?” (p. 27) podemos ver nas páginas seguintes
(p.28 e 29) algumas notas explicativas, que tratam do tema, visando elucidar dentro da
linguística o termo “Sociolinguística”, além de informá-los sobre questões mais atuais,
a exemplo: estatísticas e indicação de livro para leitura. O visual das ilustrações é
complementado pelo verbal (ou vice-versa) que se dispõe em plaquinhas ou quadros
ancorados em diferentes pontos deste hipertexto. Além disso, há o jogo de cores que
funciona como um atrativo a mais. O leitor poderá escolher seu modo de leitura e
traçá-la da forma que preferir, criando, dessa forma, em cada “nota” ou link seu
próprio hipertexto, conforme diz Villaça: “Através de links que ligam passagem do livro
a outras, o leitor caminha” (VILLAÇA, 2002, p.108). Segundo Lévy o texto é repleto de
vazios que estimulam o desdobrar de seus múltiplos sentidos, diz o autor:

Tal é o trabalho da leitura: a partir de uma linearidade ou de uma


platitude inicial, este ato de rasgar, de amarrotar, de torcer, de
recosturar o texto para abrir um meio vivo no qual possa se
desdobrar o sentido. O espaço do sentido não preexiste à leitura. É
ao percorrê-lo, ao cartografá-lo que o fabricamos, que o atualizamos
(LÉVY, 1996, p.36).
A atualização é responder o que não estava previsto, é deslocar, o leitor inclui
sua subjetividade no ato de sua leitura, ou seja, o que se espera é que novos
conhecimentos sejam adquiridos, que o leitor atualize o que foi lido. De acordo com
Lévy:

[...] os leitores podem não apenas modificar as ligações, mas


igualmente acrescentar ou modificar nós (textos, imagens etc.),
conectar um hiperdocumento a outro e fazer assim de dois
hipertextos separados um único documento, ou traçar ligações
hipertextuais entre uma série de documentos (LÉVY, 1996, p.45,46).

mlvi
Figura 12: Exemplos de hipertextos (p. 28 e 29)

Torna-se relevante se valer das questões de Deleuze; Guatarri quando abordam


o 4º Princípio da Ruptura na obra “Mil Platôs”: “Um rizoma pode ser rompido,
quebrado em um lugar qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas
linhas e segundo outras linhas” (DELEUZE; GUATARRI, 1995, p.18), isso porque quando
o leitor é crítico, voraz, ele enxerga um texto como uma arena de vozes e atualiza sua
leitura, mas volta a virtualizar suas informações, problematizando-as. Como afirma
Lévy: “(…) o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças
que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade
qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização" (LÉVY, 1996, p. 16).
Posto isso, podemos considerar que o leitor é quem definirá a ordem da leitura,
como também os caminhos a serem seguidos, determinando sua interpretação e visão
final do texto o que poderá diferenciar da proposta sugerida pelo autor, a esse
respeito Koch diz que “Do ponto de vista da leitura, perceber o que é realmente
relevante vai depender da habilidade do hiperleitor não só de seguir as pistas que lhe
são oferecidas, como de saber onde ir e onde parar” (KOCH,2011, p.69). Cada leitor
pode determinar o caminho a seguir, as leituras a fazer, criando seu próprio texto que
também pode ser redefinido a todo instante, Zilberman afirma que o texto é flexível “A
flexibilidade de cada texto decorre de sua habilidade em responder de modo distinto a

mlvii
cada leitor ou aos segmentos variados de público; decorre igualmente da propriedade
de o destinatário intervir na obra” (ZILBERMAN, 2001, p.91), ou seja, é o leitor quem
dá significado ao que foi lido, baseado nos conhecimentos de mundo que já possui.
Desta forma, para Lévy:

Assim a escrita e a leitura trocam seus papéis. Todo aquele que


participa da estruturação do hipertexto, do traçado pontilhado das
possíveis dobras do sentido, já é um leitor. Simetricamente, quem
atualiza um percurso ou manifesta este ou aquele aspecto da reserva
documental contribui para a redação, conclui momentaneamente
uma escrita interminável. As costuras e remissões, os caminhos de
sentido originais que o leitor inventa, podem ser incorporados à
estrutura mesma dos corpus. A partir do hipertexto toda leitura
tornou-se um ato de escrita (LÉVY, 1996, p.46).

A partir dessas considerações podemos concluir que a leitura de forma


hipertextual não obedece a uma ordem. Cada leitor pode determinar o caminho a
seguir, ou seja, dar saltos, produzindo uma leitura não-linear, criando seu próprio texto
e que também poderá ser redefinido a todo instante segundo Lévy: “A partir do
hipertexto toda leitura tornou-se um ato de escrita” (LÉVY, 1996, p.46).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este breve trabalho permitiu um novo olhar para o livro de Bagno “Nada na
língua é por caso: por uma pedagogia da variação linguística”, no qual a estrutura
hipertextual apresenta-se como um novo caminho. A leitura passa a ser definida ao
andar “através de links que ligam passagem do livro a outras, o leitor caminha”, não
havendo “obrigatoriedade do linear”, podendo, dessa forma, “o leitor libertar-se”. Os
aspectos destacados nas páginas do livro analisado exigem a presença de um novo
leitor. Não no sentido de alguém que decifra e interpreta apenas os recursos da escrita
contidos no livro, ou seja, uma “leitura horizontal”, sem aprofundamento, mas de
alguém que lida com as exigências que uma página de livro, a exemplo, o de Bagno,
pode oferecer ao seu leitor. Nesse sentido, o hipertexto aparece como a
potencialização do texto, um novo processo de escrita/leitura que determina novas
práticas de leitura, entrando em cena um novo leitor capaz de criar e construir seu
próprio texto. A partir do contato com o livro de Bagno o leitor se vê aguçado pelo

mlviii
interesse de descobrir novos “nós” e passa a agir como um detetive que busca
informações e parte para novas leituras, passando a construir seu próprio texto, de
forma atualizada e inovadora.

REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação
linguística. São Paulo: Parábola, 2012.
DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Introdução: rizoma Em Mil platôs, capitalismo e
esquizofrenia v. 1. Editora 34: São Paulo. 2000
ECO, Umberto. Seis passeios pelo bosque da ficção. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
EDITORA PARÁBOLA. http://www.parabolaeditorial.com.br/website/
KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do Texto 7ª ed. São Paulo:
Cortez, 2011
KOCH, Ingedore G. Villaça. Hipertexto e Construção do Sentido. São Paulo, Alfa
Revista de Linguística, 2007 vol. 51 nº 1 p. 23-38. Disponível em:
http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/1425/1126. Último acesso 21 jan 2014
LÉVY, Pierre. O que é o Virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Cognição, Linguagem e Práticas Interacionais. Rio de
Janeiro: Lucerna,2007.
MARTINS, Analice de Oliveira; MOURA, Adriano Carlos. “Babel: cinema hipertextual
e processos de significação”. In: Conhecimento em processo: ensaios
interdisciplinares sobre linguagem e cognição. RJ: TEMPO BRASILEIRO, 2011. (ISBN:
97885282-01628).
SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura.
Educ. Soc., dic. 2002, vol.23, no.81, p.143-160. ISSN 0101-7330. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/es/v23n81/13935.pdf. Acesso em: 10 jan 2014.
VILLAÇA, Nízia. Impresso ou Eletrônico? Um trajeto de leitura. Rio de Janeiro:
Mauad, 2002.
ZILBERMAN, Regina. Fim do Livro, Fim dos Leitores? SP: Senac, 2001.

mlix
A PERSPECTIVA DA (RE)CONFIGURAÇÃO DA LINGUAGEM DA COMUNICAÇÃO NO
FACEBOOK

Tanisse Paes Bóvio Barcelos Cortes


UENF

Analice de Oliveira Martins


UENF

RESUMO: O artigo apresenta pesquisa feita para a dissertação de mestrado com a


finalidade de analisar a linguagem utilizada na rede social digital Facebook, a partir da
hipótese de que a linguagem da comunicação institucional vem sendo (re)configurada
significativamente nas redes sociais digitais. Para tal, realizaram-se pesquisas
qualitativas para identificar conceitos que se entrelaçam com o tema do estudo e são
fundamentais para o seu desenvolvimento, tais como evolução da comunicação e da
linguagem; internet e redes sociais digitais, além dos estudos teóricos sobre as
matrizes de linguagem e pensamento; funções da linguagem; reconfiguração da
linguagem; entre outros. Foram feitas também pesquisas exploratórias pela escassez
de reflexões sobre o tema e a delimitação da amostra a ser analisada de duas fan
pages das marcas Guaraná Antarctica e Banco Itaú. Além disso, fez-se pesquisa
descritiva, por meio da observação sistemática no intervalo de tempo determinado por
um mês – dezembro de 2013, sendo analisada a linguagem utilizada nessas páginas
pelos critérios de estilo linguístico, forma, conteúdo e função da linguagem, para as
consequentes considerações sobre os “objetos” analisados. Dentre os resultados do
trabalho, é apresentada como particularidade, no Facebook, a presença das linguagens
verbal, visual, sonora e suas hibridizações, e das funções referencial, conativa e
emotiva da linguagem, em uma espécie de unimídia que agrega interatividade e
hipertextualidade.
Palavras-chave: Linguagem. Comunicação Social. Tecnologia de Informação e
Comunicação. Formas de Comunicação. Redes Sociais Digitais.

INTRODUÇÃO
A história da evolução humana sempre esteve atrelada às formas de
comunicação desde a linguagem gestual e pictórica, à era da fala e da escrita até, mais
recentemente, à era da informação. Assim, a informação que vem sendo transmitida
por vários veículos de comunicação tornou-se ainda mais presente na vida do ser
humano a partir dos meios eletrônicos. Com as inovações tecnológicas e o
desenvolvimento de interfaces comunicacionais, o espaço virtual vem sendo
amplamente difundido. Nesse novo ambiente, a sociedade contemporânea depara-se
com novos paradigmas que exigem mudanças, inclusive de comportamento.
mlx
O advento da comunicação mediada pelo computador muda as formas de
organização, identidade, conversação e mobilização social. Assim o ciberespaço
possibilita outras capacidades. Ao cibernauta é apresentada uma rede quase infinita
de informações que podem ser utilizadas de inúmeras maneiras. Esse ambiente
inventa uma nova interação, conforme avalia o filósofo da informação francês Pierre
Lévy (2011): comunicação em tempo quase real, novas perspectivas de espaço-tempo
(mutantes), velocidades qualitativamente novas, junção de várias mídias - unimídia, ou
seja, um mundo de possibilidades.
Com o desenvolvimento da internet, potencializada pela era World Wide Web -
WWW, as redes sociais, que já faziam parte da sociedade, foram atualizadas no meio
digital. Apesar de o modelo emissor e receptor continuar o mesmo, o canal muda e
potencializa as formas de interação. O receptor “passivo” pode assumir o papel de
emissor e vice-versa num diálogo instantâneo, ou quase, totalmente diferente da
dinâmica que ocorria com as mídias anteriores – rádio e televisão. A troca de
informações ganha novo status e acontece efervescentemente nos meios digitais e as
organizações empresariais utilizam essa mídia para a comunicação. Dentre a gama de
assuntos a serem abordados, destaca-se o objeto de estudo desse trabalho: a
comunicação organizacional130 nas redes sociais digitais, sendo matriz do estudo a
linguagem utilizada pelas instituições nessa mídia.
Em tempo de comunicação digital, no qual as mudanças acontecem a todo
momento, tanto a prática quanto o estudo desse assunto contemporâneo tornam-se
cada vez mais desafiantes. Nesse ínterim, buscam-se desenvolver reflexões que
possam compreender a questão sobre a forma como a linguagem da comunicação
institucional vem sendo (re)configurada em função da migração das organizações para
as redes sociais digitais. Tendo o objetivo de caracterizar as (re)configurações
ocorridas com a linguagem usada nas fan pages das marcas Guaraná Antarctica e

130
Expressão equivalente, nesse estudo, à comunicação social e à comunicação institucional.
Considerando, conforme avalia Kunsch (2003, p. 164, 165): a comunicação institucional não se reduz a
uma simples divulgação institucional e de marcas, mas compartilha informações de interesse público
sobre os atributos organizacionais (missão, visão, valores, filosofia e políticas) e objetiva conquistar a
simpatia, credibilidade e confiança, realizando influência político-social. É preciso interagir com o
público sem se restringir como uma “emissora de marcas”. Nessa perspectiva, a instituição é um sujeito
consciente, pensando e dirigindo sua produção.
mlxi
Banco Itaú, analisadas pelo tempo de um mês (dezembro, 2013) a partir dos critérios
de estilo linguístico, forma, conteúdo e função da linguagem. Diante do exposto, é
levantada a hipótese de que a linguagem da comunicação institucional vem sendo
(re)configurada significativamente nas redes sociais digitais. No caso do Facebook,
utilizam-se menos a persuasão e o enaltecimento da empresa para a comunicação
institucional e de marca com informações de interesse público – seguindo o formato
de notas rápidas (que mesclam texto, imagem, vídeos e links) – mas, principalmente,
busca-se a interação imediata com os públicos de interesse da empresa para manter
uma relação mais próxima, transparente e conquistar a simpatia, a credibilidade e a
confiança do público, utilizando uma linguagem não-linear de caráter interativo e
hipertextual.
Em tempos de globalização, nos quais as sociedades do mundo inteiro passam
a estar conectadas, é imposta aos homens a busca incessante pela compreensão das
transformações que ocorrem na contemporaneidade. Tais mudanças afetam
diretamente as formas de comunicação, e os profissionais da área devem assumir o
papel de analisar criticamente as comunicações que vêm surgindo, percorrendo
sobretudo as transformações ocorridas com a linguagem – mola propulsora da
comunicação. Além disso, as análises das mudanças que ocorrem na sociedade
contribuem de certa forma para impulsionar e/ou explicar essas transformações do
mundo contemporâneo, sendo importante para enriquecer as discussões acadêmicas e
sociais.

LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E CIBERESPAÇO


Dentre os recursos criados para atender às necessidades humanas estão
também as tecnologias de comunicação e informação e as linguagens. Tais técnicas
evoluem, resultando diretamente da e na construção da cultura. Assim, entende-se
que, ao reduzir a linguagem a um instrumento da comunicação, recai-se no fracasso.
As linguagens estão na base, e relacionadas ao meio (de comunicação e contexto
histórico), interferem e são, simultaneamente, resultado da cultura. Com isso, tida
como ação, a linguagem não é considerada como meio instrumental passível de
apenas codificar o pensamento humano, e/ ou descrever, espelhar o mundo

mlxii
(referência). Pela linguagem o homem pensa, age e interage com o mundo, sendo
possível a referência e a comunicação. Nesse processo, a linguagem interfere e é, ao
mesmo tempo, transformada pelos atores sociais.
Desta forma, a jornalista e docente em Comunicação Social brasileira Mágda da
Cunha (2005, p. 1531) afirma que cultura, linguagem e historicidade são fatores
envolvidos na multiplicidade de sentidos que recobrem a comunicação. Entende-se
que a linguagem, que ganha outras possibilidades em uma mídia atual, configura e é
reconfigurada por esse ambiente. Sob o enfoque sociológico, o espanhol docente em
Sociologia e Planejamento Regional Manuel Castells (1999) discorre sobre a relação
direta entre a história, a sociedade, a cultura, a economia, a inovação tecnológica,
acrescenta-se a linguagem. Para o autor, a revolução tecnológica da informação,
apresentada com mais impulso a partir das duas últimas décadas do século XX, tem, no
mínimo, a mesma importância da revolução industrial do século XVIII. Este evento
histórico atual induz um padrão de descontinuidade nas bases da economia, da
sociedade e da cultura.
Para o sociólogo (ibid.) o capitalismo teria uma realidade limitada sem a nova
tecnologia da informação. Não foi por acaso que a revolução tecnológica surgiu em
meio à reestruturação do capitalismo, servindo-lhe como ferramenta básica para
instaurar essa remodelagem, assim como o industrialismo esteve ligado à constituição
do capitalismo como modo de produção. Com isso, a sociedade emergente desse
processo atual é capitalista e também informacional. No entanto esses processos de
renovação do capitalismo e difusão do informacionalismo acontecem de maneiras
diferentes em cada país pela peculiaridade de sua história, cultura e instituições,
apesar de o capitalismo e do informacionalismo serem processos inseparáveis em
escala global. Castells (1999, p. 69) ressalta que a atual revolução tecnológica não é
caracterizada pela centralidade de conhecimentos e informação, mas pela utilização
destes para a “geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/
comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a
inovação e seu uso.”
A linguista francesa Julia Kristeva (1969, p. 9) discorre sobre a dimensão da
linguagem:

mlxiii
O nosso século é tanto o do átomo e o do cosmos como o da
linguagem. Rádio, televisão, cinema, jornais diários com tiragens de
milhões de exemplares, livros de bolso e de biblioteca, relatórios
econômicos, políticos e sociais, documentos internacionais,
conferências – os verbos falar, ler e escrever são conjugados em
todas as pessoas e em todos os tempos, de manhã à noite e em
todos os países do mundo, a um ritmo que nunca se tinha conhecido
e que não se podia imaginar há uns cinquenta anos. E a estas
linguagens sobrepõem-se todas as outras, não menos ricas, do gesto
e da imagem [...]: uma banda desenhada, um quadro abstrato, [...]
um filme mudo ou uma dança são práticas de linguagem – tal como
as lengalengas do nosso vizinho ou os editoriais do nosso jornal. O
homem moderno está mergulhado na linguagem, vive na fala, é
assaltado por milhares de signos, a ponto de já quase só ter uma
existência de emissor e de receptor.

À época, a estudiosa não poderia dimensionar que o gigantesco computador,


criado em 1946 e que ganhou novo aspecto em 1971 já como micro-computador – o
microprocessador causou uma “revolução dentro da revolução” e deixou o mundo de
“pernas pro ar” com a capacidade de conter um computador em um chip (CASTELLS,
1999, p. 79) – proporcionaria revoluções comunicacionais, sociais, geográficas,
econômicas, educacionais, dentre outras, juntamente com a internet, criada em 1970.
Em 1989, a internet foi aprimorada por Tim Berners-Lee com a fase WWW de interface
mais fácil para usuários por organizar o teor dos sítios da Internet, através da
informação e não por localização (ALTMAN, 2004). Castells (1999) relata que as
pesquisas para desenvolver essa nova interface teve base, em partes, no trabalho de
Ted Nelson, americano pioneiro da tecnologia da informação, que aspirava um novo
sistema para organizar informações, denominado “hipertexto” (remissões horizontais).
Nelson definiu o hipertexto como escrita não-sequencial que se baseia em ligações,
remissões múltiplas de texto, uma rede interligada de nós (NELSON, s.n.t.). Assim,
Beners-Lee e seus colegas acrescentaram a essa ideia pioneira novas tecnologias para
oferecer uma linguagem audiovisual ao aplicativo. Para o sociólogo, a internet marca o
início da Era da Informação em grande escala.
Castells (2003) também fez a ressalva de que, na década de 80, o uso da
internet apresentou-se como o advento de uma nova era da comunicação livre e da
realização pessoal nas comunidades virtuais mediadas por computador. Continuou
reafirmando que a internet não se constitui apenas como uma tecnologia, na verdade,
mlxiv
ela é também um meio de comunicação com uma forma organizativa concreta: a rede.
Afirma, ainda, que a internet é, antes de tudo, uma criação cultural, sendo
indispensável para os movimentos sociais que estão surgindo na sociedade em rede. A
pesquisadora brasileira da área de Comunicação e Linguística Aplicada, com ênfase em
redes sociais na internet, Raquel Recuero (2009), acresce que a comunicação mediada
por computadores permite aos indivíduos mais do que se comunicar, ela amplia a
capacidade de conexão, possibilitando a criação de redes que conectam não apenas
computadores, mas pessoas.
Ao analisar esses processos de desenvolvimento tecnológico, pode-se constatar
que naturalmente cada descoberta tornou possível o avanço de outras. Como o
microprocessador que possibilitou o microcomputador, os avanços
telecomunicacionais que permitiram o funcionamento em rede dos
microcomputadores com o aumento do seu poder e flexibilidade, bem como o
investimento em novos softwares que viabilizou uma teia mundial direcionada para o
usuário. O poder de comunicação da internet em conjunto com os progressos da
telecomunicação e computação propiciaram, nos fins da década de 1990, a autonomia
e a descentralização dos computadores através da interconexão de dispositivos de
processamento de dados em diversos formatos (CASTELLS, 1999).
Nesse contexto, além de evidenciar o contexto atual com as NTICs, caminha-se
para o conhecimento do espaço de interação mundial – o ciberespaço, ambiente esse
que compreende o universo de análise da pesquisa. O termo ciberespaço, de autoria
do escritor de ficção científica William Gibson, surgiu em 1984 no livro
“Neuromancer”. Posteriormente, acrescentaram-lhe uma série de termos derivados:
cibermundo, ciber-sociedade, cibercultura, cibereconomia, cibercafé, ciberbulling, etc.
A raiz ciber faz referência a universos virtuais. Tal virtualidade caracteriza o
ciberespaço e é tido erroneamente pelo senso comum como algo irreal. A seguir,
apresentam-se fundamentos que assumem a internet como ambiente atual que
influencia a cultura e a vida social.
Segundo Pierre Lévy (2010, p. 90) “o virtual não ‘substitui’ o ‘real’, ele
multiplica as oportunidades para atualizá-lo”, é a releitura, a atualização de algo que
existe concretamente. Por exemplo, quando se edita um texto fisicamente gravado no

mlxv
HD (Hard Disk) do computador, quem edita está sempre saindo do totalmente virtual
para o físico para não perder as informações. E mesmo que não se tenha gravado o
documento nessa memória virtual – HD – há a memória temporária, onde pode, com
alguma sorte, ser recuperado o arquivo da inexistência concreta. Nesse contexto, os
lugares ainda existem, apenas se apresentam de forma atualizada, em ícones que
muitas vezes mascaram até mesmo a existência de um lugar-origem que, nesse mundo
virtual, pode ser um lugar-físico (hardware) ou um lugar-linguagem (software). Castells
(1999) também contribui com tal concepção, sendo contundente com a afirmação de
que a realidade “vivida” sempre foi virtual, visto que é percebida pela representação
simbólica. A humanidade existe em um ambiente simbólico e atua por meio dele.
Há uma metamorfose da realidade “real”, que já existia, para a virtual. A
grande mudança está na noção de espaço-tempo, não presença,
velocidade/interatividade. A partir da virtualização, não se pode mais dimensionar,
mais propriamente no ciberespaço, alguma coordenada espaço-temporal: “O virtual
existe sem estar presente.” (LÉVY, 2010, p. 50). Vive-se em outro momento, no qual se
encoraja um estilo de interação quase independente dos lugares geográficos
(telecomunicação, telepresença) e da coincidência dos tempos (comunicação
assíncrona). Apesar de não ser uma novidade absoluta, pois já se tinha de alguma
forma uma comunicação contínua, recíproca e a distância com a escrita, a gravação de
som e imagem, o rádio, a televisão, o telefone e a carta, a internet potencializou de
uma forma única a comunicação.
O mundo virtual, sustentado pelos aparatos tecnológicos, possibilita a
existência do ciberespaço. Afinal, o ciberespaço, como fundamentam o pesquisador
em tecnologia da informação e comunicação e na área de educação, Carlos Henrique
Souza e o pesquisador em antropologia e sociologia Marco Aurélio Costa (2005), é a
virtualização, a atualização em um lugar, de dados registrados em outro lugar,
interconectados por redes, e que, por suas características técnicas de programação,
permite a mediação da comunicação entre os seres humanos e com a própria cultura
por eles produzida, principalmente, se considerar que os dados que aparecem na tela
do computador, em um site, por exemplo, podem estar hospedados em um lugar físico
do outro lado do mundo.

mlxvi
O ciberespaço pode ser associado ao hipertexto, por sua característica
agregativa, interativa e no qual se pode interagir de uma maneira diferenciada,
seguindo caminhos já determinados pelos links, que sugerem uma navegação
orientada, ou criando novos links, perfazendo o caminho por suas escolhas, seus
acréscimos à leitura que se faz: “Os hipertextos servem para interromper o fluxo de
leitura através de redes remissivas interligadas, os links, e para conduzir o leitor a um
vertiginoso delírio de possibilidades” (VILLAÇA, 2002, p.107). Além de conter vários
hipertextos, o ciberespaço pode ser caracterizado como um “mega” hipertexto, numa
escala gigante. O ambiente torna disponível um dispositivo de comunicação original,
pois ele permite que várias pessoas construam de forma progressiva e cooperativa um
contexto comum. Por essa nova modalidade de interação em que as informações
estão interligadas em remissões múltiplas, ‘nós’ em rede, concretiza-se o ciberespaço
como um espaço hipertextual.
Além disso, compreendem-se as influências que o ambiente do ciberespaço
causa na vida sociocultural do ser humano. Segundo Castells (1999), a comunicação
molda a cultura porque a realidade é reconhecida como tal a partir de como são as
linguagens. É por meio das linguagens – meios de comunicação como metáforas do
indivíduo, mas não somente isso – que o conteúdo da cultura é criado. Sendo a cultura
mediada e determinada pela comunicação (atrelada à história), o “nosso sistema
tecnológico” provoca transformações fundamentais nas crenças, valores, códigos e
comportamentos. Atenta-se para o fato de os sistemas tecnológicos serem
socialmente produzidos, sendo a produção social estruturada pela cultura. Desta
maneira, a internet, como ciberespaço, é moldada pela cultura dos seus produtores/
usuários131 e não, somente, pelos valores das inovações tecnológicas.
Mesmo desconfiado das previsões dos “futurólogos” da mídia, que anunciavam
a convergência entre computadores, internet e mídia (“multimídia” como possibilidade
de comunicação interativa em vídeo, áudio e texto), pela capacidade de conexão da

131
Castells (2003, p. 34) denomina “por produtores/usuários [...] àqueles cuja prática da Internet é
diretamente reintroduzida no sistema tecnológico; os consumidores/usuários, por outro lado, são
aqueles beneficiários de aplicações e sistemas que não interagem diretamente com o desenvolvimento
da Internet, embora seus usos tenham certamente um efeito agregado sobre a evolução do sistema.”
mlxvii
época, Castells (2003) define a internet como meio que vai além da convergência de
mídias.

A Internet é [...] um meio de comunicação com lógica própria e


linguagem própria. Mas ela não se restringe a uma área particular de
expressão cultural. Atravessa todas elas. Além disso, sua
comunicação está em geral embutida na prática social, não isolada
em algum tipo de mundo imaginário, o domínio da representação e
das identidades falsas. É usada para a divulgação de mensagens
políticas, para a comunicação por e-mail com as redes da vida, para a
transmissão de idéias e a busca de informação. É comunicação, mas
não entretenimento, pelo menos predominantemente. E como as
mídias audiovisuais, e particularmente a televisão, tornaram-se
dominados pela lógica de entretenimento, inclusive em programas
que misturam notícias e entretenimento, a Internet interpreta essa
lógica como um fracasso da comunicação, e passa ao largo dela. O
tipo de comunicação que prospera na internet está relacionado à
livre expressão em todas as suas formas, mais ou menos desejável
segundo o gosto de cada pessoa. É a transmissão de fonte aberta, a
livre divulgação, a transmissão descentralizada, a interação fortuita, a
comunicação propositada e a criação compartilhada que encontram
sua expressão na Internet. Se a convergência vier a ocorrer um dia,
será quando o investimento necessário ao estabelecimento de
capacidades de bandas largas além dos usos instrumentais do mundo
corporativo for justificado por um novo sistema de mídia, disposto e
pronto a satisfazer a mais importante demanda latente: a demanda
de livre expressão interativa e de criação autônoma – hoje em grande
parte frustrada pela visão esclerosada da indústria da mídia
tradicional (CASTELLS, 2003, pp. 164, 165).

Já Lévy (2010, p. 68) defende ser mais adequado o termo “unimídia” para
indicar “a confluência de mídias separadas em direção à mesma rede digital
integrada.”, já que multimídia indica uma variedade de suportes ou canais, algo
contrário à tendência do ciberespaço rumo à interconexão e à integração.
É importante destacar a consideração da semioticista brasileira Lucia Santaella
(2003, p.24 e 25) que argumenta que as mídias são simplesmente meios, suportes
materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e pelos quais
transitam. Assim, no meio atual – a rede social digital –, a linguagem tende a se ajustar
aos seus limites e às suas possibilidades de expressão. “O computador traz consigo o
hibridismo sígnico e midiático que é próprio do ciberespaço” (SANTAELLA, 2007, p.84).
Tais mudanças com as mídias digitais produzem reflexos na vida do indivíduo como um
todo, inclusive na sua vida social e na forma de pensar, agir e sentir a realidade, ainda
mlxviii
que não se consiga dimensionar o quanto ou a qualidade disso pela efervescência
recente das transformações.

PERCURSOS LITERÁRIOS: BREVE ABORDAGEM DE TEORIAS REFERENCIAIS


Para o critério de estilo de linguagem foi escolhida a teoria de matrizes de
linguagem e pensamento para, a partir desta, criar uma reflexão sobre a linguagem
presente nas fan pages, já que tal abordagem propõe que as hibridizações da
linguagem se originam das matrizes sonora, visual e verbal. A semioticista Lucia
Santaella, que desenvolve suas pesquisas mais recentes nas áreas de Comunicação,
Semiótica Cognitiva e Computacional, Estéticas Tecnológicas e Filosofia e Metodologia
da Ciência, apresenta, no seu livro intitulado Matrizes da Linguagem e Pensamento:
sonora, visual e verbal, em 2001, pela perspectiva peirceana, a ênfase de que apenas
três tipos de linguagem constituem-se como matrizes de linguagem e pensamento. A
partir dessas três matrizes, originam-se todos os tipos de linguagens que o ser humano
foi capaz de produzir ao longo dos séculos. Com base nas três matrizes de linguagem e
pensamento – matriz verbal, matriz sonora e matriz visual, a autora ressalta que:

[...] a partir das quais se originam todos os tipos de linguagens e


processos sígnicos que os seres humanos ao longo de toda sua
história, foram capazes de produzir. A grande variedade e a
multiplicidade crescente de todas as formas de linguagem (literatura,
música, teatro, desenho, pintura, gravura, escultura, arquitetura,
etc.) estão alicerçadas em não mais que três matrizes. Não obstante
a variedade de suportes, meios, canais (foto, cinema, televisão,
vídeo, jornal, rádio, etc.) em que as linguagens se materializam e são
veiculadas, não obstante as diferenças específicas que elas adquirem
em cada um dos diferentes meios, subjacentes a essa variedade e a
essas diferenças estão tão só e apenas em três matrizes (SANTAELLA,
2005, p. 20).

Em sua pesquisa, Lucia Santaella (2005) busca uma consideração mais


econômica e integradora das linguagens, dos sígnicos, dos códigos e dos canais que
compreenda como os signos se formam e como as linguagens e os meios se combinam
e se misturam. Como assinalado anteriormente, Santaella (op. cit.) busca extrapolar as
categorias fenomenológicas universais de Peirce por considerar seus conceitos em um
nível elevado de abstração, o que dificulta sua aplicação direta. Nesse sentido, com sua

mlxix
teoria das matrizes de linguagem e pensamento, a pesquisadora viabiliza o intermédio
entre os conceitos peircianos e as linguagens manifestas, de modo a orientar a leitura
de processos concretos de signos com um mapa flexível e multifacetado.
Santaella (2005) fundamenta que não existem matrizes, linguagens puras. A
sonoridade poderia alcançar certo grau de pureza se o ouvido não fosse tátil e não se
ouvisse com o corpo todo. A verbal é a mais misturada, pois envolve a sintaxe do
domínio sonoro e a forma do domínio verbal. Sendo assim, esclarece-se que
a lógica da matriz verbal não quer necessariamente significar que a
linguagem tem de estar manifesta em palavras, assim como a lógica
da matriz sonora não quer dizer que a linguagem deva estar
necessariamente manifesta como som. Há uma lógica da matriz
verbal que, certamente, o discurso verbal realiza de maneira
otimizada, assim como há uma lógica da sonoridade que o som
evidentemente realiza de maneira otimizada, tanto quanto há uma
lógica da visualidade que, sem dúvida, a linguagem visual realiza em
sua plenitude. Entretanto, isso não quer dizer que a lógica verbal não
possa se realizar em signos visuais ou sonoros. Assim também, a
lógica visual pode se manifestar em signos verbais ou sonoros, tanto
quanto a sonoridade pode adquirir formas que a aproximam dos
signos plásticos ou da discursividade própria do verbal (SANTAELLA,
2005, p. 373).

Por outro lado, justifica-se a inexistência de outras matrizes além da sonora,


visual e verbal. Os outros sentidos, paladar, olfato, tato, não se constituem como
origens de outras linguagens, porque se esgotam no ato perceptivo sem deixar rastros.
Porém o tato é um “instrumento” de sentir e de fazer. Ao explorar o ambiente, o tato
pode inclusive mudá-lo. Esse agir propicia o som (gesto sonoro puro e simples) que
gravado, o registro sonoro (manifestado com o gesto), oportuniza ao tato existir
enquanto linguagem – sua única oportunidade: “O ponto central da matriz sonora é
assim um ponto nevrálgico em que som e tato se unem, nessa situação [...] limite em
que o som nasce tão-somente do gesto tátil, do corpo a corpo com as coisas, para dar
corpo à única oportunidade do tato poder ser linguagem.” (SANTAELLA, 2005, p. 374).
Quando se trata de linguagens manifestas, como denomina Lucia Santaella
(2005), a consideração a se fazer é que todas as linguagens existentes são híbridas.
Cada linguagem surge do cruzamento entre as matrizes e/ou suas submodalidades.
Quanto mais cruzamentos em uma mesma linguagem, mais híbrida essa linguagem
será. Para sinalizar alguns cruzamentos entre as matrizes, Santaella (op. cit.) sugere
mlxx
algumas sinalizações não exaustivas para caracterizar a complexidade de cada sistema
de signos, são elas: linguagens sonoro-verbais, sonoro-verbo-visual, sonoro-visuais,
visuais-sonoras, visuais-verbais, verbo-sonoras, verbo-visuais, verbo-visuais-sonoras.
Sobre os papéis que a linguagem pode assumir, convocam-se as funções da
linguagem de Jakobson. O linguista Russo Roman Jakobson (2003) desenvolveu um
esquema, em 1969, que reflete sobre o processo de comunicação, envolvendo
elementos e funções que o autor aperfeiçoou com base nas três funções
(representativa, emotiva e conativa) caracterizadas pelo psicólogo Alemão Karl Büler
(1933). Assim, na concepção de Jakobson (2003), a comunicação, ou qualquer ato de
fala, envolve sempre uma mensagem e quatro elementos conexos: o emissor, o
receptor, o tema (topic) da mensagem e o código utilizado. Sendo a relação entre
esses elementos variável. A comunicação não é uma função da linguagem, da mesma
forma que a linguagem não é apenas um instrumento da comunicação. A razão de
existir de ambas está intrinsecamente ligada. “A linguagem deve ser estudada em toda
a variedade de suas funções.” (JAKOBSON, 2003, p. 122).
Cada fator determina uma diferente função da linguagem. Não que haja apenas
uma única função em uma determinada mensagem, mas que se entenda que existe
uma função que se apresenta em primazia em relação às outras funções. Ou seja, a
diversidade não reside no monopólio de alguma dessas funções, mas em uma
diferente ordem hierárquica de funções. Jakobson (2003) acrescenta outras funções às
três de Bühler, compondo uma cadeia de seis funções da linguagem, cada uma delas
mais diretamente ligada a um dos fatores no ato de comunicação verbal:
• Ao contexto (ou referente; conteúdo da mensagem, contexto relacionado ao
emissor e receptor): Função referencial – objetiva, denotativa, direta;
• Ao remetente (emite a mensagem): Função emotiva – revela opinião,
emoção, julgamento, expressão direta;
• Ao destinatário (indivíduo/grupo que decodifica a mensagem): Função
conativa – busca persuadir, influenciar o comportamento do receptor;
• Ao contato (ou canal, meio físico que circula a mensagem entre o emissor e o
receptor): Função fática – busca prolongar ou interromper o contato com o receptor
ou testar a eficiência do canal;

mlxxi
• Ao código (conjunto de signos usado na transmissão e recepção da
mensagem): Função metalinguística – faz referência ao próprio código usado;
• À mensagem (texto/informação transmitida): Função poética – afetiva,
conativa, metafórica, subjetiva.
Tais funções podem agir em separado, mas, normalmente, apresenta-se um
feixe de funções. Jakobson (2003) ressalta que esse feixe não significa uma simples
acumulação de funções, mas constitui uma hierarquia de funções. O que torna
importante distinguir a função primária e as funções secundárias.
Com a mudança de suporte, outras potencialidades são oferecidas como
características agregativas à linguagem presente na internet pela possibilidade de
integração do meio. Sobre a (re)configuração da linguagem, temática contundente
para esta pesquisa, abordam-se as reflexões de Mark Poster, David Crystal e Mauro
Sousa, estudiosos no assunto. O pesquisador americano Mark Poster, docente em
história, cinema e mídia, dedicou seus últimos anos de vida (faleceu em 2012) a
reflexões sobre as novas mídias e as oportunidades políticas propiciadas pela internet.
Em seu livro A segunda era dos média, versão portuguesa lançada em 2000, Poster
fundamenta o seu interesse sobre o papel dos novos média132 a partir da teoria crítica
social, inspirando-se, principalmente, nos postulados de Michel Foucault. Poster (2000,
p. 71) fundamenta:

A minha tese (geral) é que o modo de informação decreta uma


reconfiguração radical da linguagem, que constitui sujeitos fora do
padrão do indivíduo racional e autônomo. Este sujeito familiar
moderno é deslocado pelo “modo de informação” em favor de um
que seja múltiplo, disseminado e descentrado, interpelado
continuamente como uma identidade instável. Ao nível da cultura,
esta instabilidade coloca tantos perigos como desafios que se tornam
parte de um movimento político, ou se estão relacionados com às
políticas feministas, minorias étnicas/ raciais, posições gays e
lésbicas, podem conduzir a um desafio fundamental às instituições e
estruturas sociais modernas.

Outro pesquisador que reconhece as transformações por que a linguagem vem


passando é o linguista britânico David Crystal, docente honorário em Linguística na

132
Média (português europeu) é o mesmo que media (inglês) e mídia (português brasileiro). Para ser
compatível com o livro de Poster, utilizam-se ambas as terminologias para designar veículo de
comunicação.
mlxxii
Universidade de Wales, em Bangor (cidade do estado americano do Maine). Em seu
livro A revolução da linguagem, de 2005, Crystal ressalta a década de 1990, em
particular, como um período significativo na história da linguagem em que se pode
observar o encontro de três tendências principais com implicações globais de cada
uma e que, juntas, vêm alterando a “ecologia linguística” do mundo. São elas: o
surgimento de uma língua global – o inglês; o fenômeno das línguas ameaçadas e a
chegada da internet. Crystal (2005) denomina a linguagem da internet como netspeak,
uma linguagem que não é idêntica à fala ou à escrita, mas apresenta certas
propriedades seletivas e adaptáveis presentes em ambas. Desta maneira defende que

Netspeak é mais do que um agregado de características faladas e


escritas. Porque faz coisas que nenhum desses outros meios faz, tem
de ser visto como uma nova espécie de comunicação. É mais do que
um híbrido de fala e escrita, ou o resultado do contato entre dois
veículos existentes há muito. Os textos eletrônicos, de qualquer tipo,
não são a mesma coisa que as outras formas de texto. Eles
demonstram fluidez, simultaneidade (ao estarem disponíveis em um
número indefinido de máquinas) e não se degradam com cópias;
transcendem as limitações tradicionais de disseminação do texto; e
possuem fronteiras permeáveis (por causa do modo como um texto
pode ser integrado a outros ou exibir links para outros). Algumas
dessas possibilidades apresentam consequências para a língua, e
essas se combinam com aquelas associadas à fala e à escrita para
tornar o netspeak um autêntico “novo veículo” (CRYSTAL, 2005, p.
90).

No Brasil, Mauro Sousa, docente e pesquisador em Teorias da Comunicação,


com ênfase em Práticas de Comunicação na Universidade de São Paulo – ECA/USP,
contribui para a discussão sobre as mudanças na linguagem a partir das comunicações
eletrônicas, principalmente com a consolidação da internet, em seu livro intitulado
Novas linguagens, de 2003, no qual disserta sobre essas transformações de
perspectivas socioculturais e educacionais.
Para Sousa (2003), as linguagens e sua relação com as mídias passam por três
grandes idades que podem ser modos de compreender a sociedade, a relação entre as
pessoas. A primeira idade é a oralidade/escrita, pela comunicação mediada pela
expressão corporal, pela palavra oral que em seguida decorreu-se a escrita; a segunda,
que começou ao longo dos últimos duzentos anos, é a imagem eletrônica que se
tornou indispensável na vida das pessoas (cultura da imagem), transmitida pela
mlxxiii
fotografia (imagem fixa), pelo cinema (imagem em movimento) e pela televisão
(imagem em movimento com a ideia de temporalidade): “A imagem, presente e
percebida desde a Antiguidade, é agora redescoberta e publicizada pelos suportes
tecnológicos.” (ibid., p. 12); e a terceira é chamada de multimídia (convergência
midiática), que é a idade do visual, da simulação, da linguagem digital. Para o
pesquisador tais idades podem coexistir, partindo do princípio de que uma pessoa
pode estar dentro de uma idade que se confunde ainda com o predomínio da escrita
ou outras já tenham avançado para as tecnologias (multimídia). Talvez, isso seja
resultado da coexistência de linguagens e de suportes midiáticos:

Mais do que reconhecer as novas linguagens, a grande questão é a de


como interpretá-las. Quando eu dizia que a palavra está ligada ao
código escrito, que a imagem está ligada à representação e que a
multimídia está ligada à simulação, isso dá bem uma idéia da
complexidade do que significa hoje o processo comunicacional. Nós
estamos vivendo a transição entre o que se chama modernidade e o
fim dessa mesma modernidade (SOUSA, 2003, p. 14).

Em suma, nas abordagens dos três autores, Poster, Crystal e Sousa, pode-se
reconhecer o entendimento das mídias como expressões de linguagens em
transformação:

As mídias isoladamente, tanto quanto as tecnologias de modo geral,


não são causas únicas e deterministas de comportamentos,
pensamentos e linguagens. Mas conseguem ser expressão, às vezes
cúmplices, de processos mais amplos e complexos de mudança
social.
[...] Vivemos traços especiais de uma mudança na sociedade. Não são
mudanças a partir de estruturas sociais sendo imediatamente
revolucionadas. São mudanças que lentamente vão modificando,
como que numa ambiência, modos de ser e de viver, de entender a
vida e os outros, de redefinição do espaço e do tempo social (SOUSA,
2003, p. 60).

METODOLOGIA E ANÁLISE DOS OBJETOS


O estudo tem por base a pesquisa qualitativa para embasamento teórico e a
pesquisa exploratória devido à escassez de estudos sobre a temática. O universo de
análise é o Facebook por atender aos objetivos do estudo e demonstrar pontos fortes
nos quesitos: quantitativo de audiência, interatividade, representatividade,

mlxxiv
comunicação institucional, linguagem utilizada. A amostra qualitativa, conforme
Recuero et al. (2012), das duas fan pages – Guaraná Antarctica e Banco Itaú – foi
definida com base nas características necessárias para a observação dos fenômenos e
pela pesquisa feita pela empresa Dito (especializada em monitoramento de mídias)
que em 2012 monitorou mais de 5.400 fan pages brasileiras, por meio da ferramenta
GraphMonitor (primeira ferramenta brasileira criada em novembro de 2010 para
monitorar fan pages do Facebook) e vem apontando desde janeiro de 2012 essas
páginas como as mais influentes no quantitativo de fãs – cada qual com 17.014.074 fãs
do Guaraná e 6.568.735 fãs do Banco, em 19 de janeiro de 2014, nas categorias marcas
e instituição financeira, respectivamente133. Além disso, faz-se pesquisa descritiva, por
meio de observação sistemática no intervalo de tempo determinado por um mês em
2013 (dezembro), sendo analisados o estilo linguístico, a forma, o conteúdo e a função
da linguagem.
A página do Guaraná Antarctica possui 16.879.225 fãs (no último dia do
período analisado – 31.12.2013), dentre as pessoas que mais comentaram sobre a
marca são 323.722 fãs na semana de 16.12 a 22.12.2013 (pico de audiência); na última
semana de dezembro, 25.12 a 31.12.2013 foram 233.207 seguidores; a faixa etária
média é de 18 a 24 anos de idade e a cidade da maioria delas é São Paulo. Nesta
mesma semana última de dezembro, teve-se 128.212 novas curtidas. As informações
foram apresentadas na página na seção “Curtidas e Pessoas falando sobre isto” 134.
Com esta observação, registra-se que foram feitas, na fan page do Guaraná Antarctica,
237 publicações em dezembro, uma média de 07 publicações por dia na linha do
tempo. Pode-se perceber que a cor verde pertencente ao rótulo da marca e sua cor
oficial (o logotipo é branco e vermelho) aparece na maioria das publicações como
maneira de reforçar a presença da marca. Imediatamente a cor verde é associada ao
Guaraná Antarctica.

133
*Pesquisa em janeiro de 2012, nas duas categorias. Fonte: http://blog.dito.com.br/2012/01/top-10-
facebook-brasil-janeiro-confira-as-fan-pages-que-comecaram-bem-2012/_ *Pesquisa, categoria marcas,
última em outubro. Fonte: http://blog.dito.com.br/2012/11/confira-as-marcas-e-midias-brasileiras-com-
mais-fas-no-facebook-brasilem-outubro/_*Pesquisa, categoria instituição financeira, última em agosto.
Fonte: http://blog.dito.com.br/2012/09/top10-marcas-e-midias-no-facebook-brasil-em-agosto/. Acesso
em 07 jan. 2013.
134
Fonte: https://www.facebook.com/GuaranaAntarctica/likes. Acesso em 10 jan. 2014.
mlxxv
Na fan page do Banco Itaú, houve 6.514.182 de seguidores (no último dia do
período analisado – 31.12.2013). Dentre eles, os usuários que mais comentaram sobre
a marca - 204.432, na semana de 06.12 a 12.12.2013 (pico de audiência); na última
semana de dezembro, 25.12 a 31.12.2013 foram 55.513 curtidores com idade entre 18
a 24 anos, e São Paulo foi a cidade da maioria. Nesta última semana, registraram-se,
também, 8.770 novas curtidas. Todas as informações são apresentadas na página do
Banco na seção “Curtidas e Pessoas falando sobre isto”135. O acompanhamento da
página teve o resultado de 22 postagens no mês de dezembro. O Banco busca utilizar
todas as possibilidades do Facebook e dar notoriedade à marca por meio de um layout
atrativo e agradável. A cor laranja oficial da marca - o logotipo do Banco é azul e
amarelo- faz-se presente na maioria das postagens para reforçar a presença da marca
na memória dos usuários. Intuitivamente os usuários associam de imediato a cor
laranja ao Banco Itaú.
O estudo comparativo é apresentado no Quadro 1. Desta maneira, as
aproximações são apresentadas na cor padrão do texto, e as dicotomias são
destacadas nas cores verde oficial do Guaraná Antarctica e laranja oficial do Banco
Itaú.

Quadro 1 – Análise comparativa das publicações: Aproximações e dicotomias.


ANÁLISE DOS REGISTROS
Critérios de Fan Page
Análise Guaraná Antarctica Banco Itaú
a) Matrizes de Ling. a) Matrizes de Ling.
Linguagens visuais; visuais- Linguagens visuais; visuais-
sonoras; verbo-visuais-sonoras; sonoras; verbo-visuais-sonoras;
visuais-verbais; verbais. visuais-verbais; verbais.
b) Netspeak b) Netspeak
Abreviações (sms - mensagem; tá Abreviações (vc - você, pra - para,
- está/estar; bora - vamos ó – olha); links e hashtag
Estilo Linguístico embora; pros - para os; pra - (#AmoràVida;#issomudaomundo;#
para; pro – para o; ó – olha; cadê BrasilSim;#Encontro;#issomudaojo
- que é de? (Onde está?); ok – go;#leiaparaumacrianca);
okay (Está bem); links e hashtag emoticons que caracterizam
(#comGuarana; sentimentos, expressões faciais e
#DesafioGuarana;#DesafioGA); substitui, no Face do Banco,
interjeições (né; hein; ixi); gírias pontuação ( - sorriso; ;) –
(rola - acontece; topa - aceita; piscadela; \o/ - EEE! ou Oba!).

135
Fonte: https://www.facebook.com/itau/likes. Acesso em 10 jan. 2014.
mlxxvi
rolê - passear; top - ótimo; dose -
paciência).
Cartazes digitais (frases Cartazes digitais (frases
metafóricas, de incentivo, metafóricas, de incentivo); fotos;
significado); fotos; vídeo; promoções; notas rápidas; links;
promoção; notas rápidas; links; aplicativos personalizados e vídeo.
Forma
aplicativos personalizados; foto
montagem; enquetes; enigma do
dia; imagem com ilusão de ótica;
desafio do dia (caça-palavra).
Datas comemorativas; dicas Datas comemorativas; dicas
(almoço, lanche da tarde e (gastos, compras seguras,
jantar); amizade; amigo (Série pulseiras identificadoras para as
“Belas Reflexões”); dicionário crianças na praia, doação de parte
Guaraná Antarctica; do imposto de renda); Copa Brasil
Conteúdo mandamentos; listagens (15 – 2014; novela; leia para uma
micos, 15 promessas para manter criança; coleção Itaú de livros
amizade); feriados; dia da infantis; filme do Programa Espaço
semana; contagem regressiva Itaú de Cinema; sorte do dia;
para o fim de ano; receitas; programa de compartilhamento
personalidades na história. de bicicletas.
Função da Funções referencial, conativa, Funções referencial, conativa,
Linguagem emotiva e metalinguística. emotiva.

Observa-se que o estilo linguístico é mantido em relação às matrizes de


linguagem e a netspeak, salvo algumas diferenças nesta última em que a página do
Guaraná apresenta palavras mais comuns na fala (interjeições, gírias) e o Face do
Banco que utiliza emoticons, que em muitos casos substituem a pontuação da frase. O
formato é recorrente em ambas as publicações, tendo acréscimos apenas do Guaraná
(foto montagem, enquetes, enigma do dia, ilusão de ótica e desafio do dia). Em relação
ao conteúdo, há mais especificidades do que aproximações (datas comemorativas e
dicas), algo já esperado pelas segmentações de mercado, público dirigido e interesses
temáticos próprios de cada marca. As funções da linguagem identificadas (referencial,
conativa e emotiva) nas duas páginas são características da comunicação institucional.
O diferencial foi a função metalinguística explorada nas postagens do Guaraná.
Percebe-se um equilíbrio entre as características das fan pages, sobretudo,
quanto ao estilo linguístico e às funções da linguagem, comprovando a hipótese
levantada: No caso do Facebook, utilizam-se menos a persuasão e o enaltecimento da
empresa para a comunicação institucional e de marca com informações de interesse
público – seguindo o formato de notas rápidas (que mesclam texto, imagem, vídeos e

mlxxvii
links) – mas, principalmente, busca-se a interação imediata com os públicos de
interesse da empresa para manter uma relação mais próxima, transparente e
conquistar a simpatia, credibilidade e confiança do público, utilizando uma linguagem
não-linear de caráter interativo e hipertextual. Nota-se ainda que a linguagem
reconfigura-se em diversos estilos e hibridizações reunidas em um mesmo suporte,
fato inédito como declarado, anteriormente, por Santaella (2005), potencializando as
características de não-linearidade e hipertextualidade. Além disso, a interatividade do
ciberespaço contribui para o contato mais próximo e imediato com o público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, entendeu-se a linguagem como sistema aberto que sofre
alterações ao longo do tempo pelas transformações socioculturais relativas às épocas
históricas. Reconheceu-se a importância do estudo linguístico sob a perspectiva que
considera a estrutura da linguagem não suficiente em si mesma, ou seja, a certeza de
que o sentido não está somente nas palavras, mas no fato de que a linguagem se
desdobra e ganha sentido nas múltiplas possibilidades de uso e nas circunstâncias em
que são utilizadas por um dado grupo social.
Da mesma forma, os meios e as formas de comunicação são considerados
como constituintes de determinantes das relações de poder e de dominação nas
sociedades contemporâneas. Assim, a internet – como mídia atual - não é apenas um
fato tecnológico, mas é um fato social que interfere diretamente nas relações sociais,
culturais, econômicas, políticas, “e a sua principal moeda de troca é a linguagem” (Tim
Berners-Lee) – “a linguagem é o coração da Internet e o motor que aciona a
característica de interatividade na rede” (CRYSTAL, 2001, p. 237 apud CORRÊA, 2005,
p. 317).
Esse movimento permitiu compreender que a linguagem, que já não se reduzia
à representação da realidade (espelhamento do mundo), não é apenas uma
ferramenta instrumental que enfatiza a racionalidade mecânica das estruturas sociais,
mas a linguagem (re)configura e é (re)configurada pela própria realidade/atualidade.

mlxxviii
Dessa forma, as estruturas sociais são afetadas pela linguagem e não podem
permanecer imunes frente a tal (re)configuração. Ao reconhecê-la, a forma de
organização das estruturas sociais e empresariais é transformada.
Assim, os sistemas de comunicação eletrônica são percebidos como linguagem
determinante da vida dos indivíduos e dos grupos em todos os seus aspectos, social,
econômico, cultural e político. É com base no papel da linguagem nas relações sociais
que se aborda a forma como a própria linguagem vem sendo alterada pelas
tecnologias da comunicação. Poster (2000, p. 73) diz que, nas comunicações
eletrônicas, “a linguagem é entendida como performativa, retórica, como um veículo
ativo na construção e no posicionamento do sujeito”. Acrescenta-se: uma linguagem
não-linear de caráter interativo e hipertextual.

REFERÊNCIAS
ALTMAN, Fábio (Org.). A Arte da Entrevista. São Paulo: Boitempo, 2004. pp. 454-
459.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. A Era da Informação: Economia,
Sociedade e Cultura. Tradução de Roneide Venâncio Majer. v. 1. 6ª ed. São Paulo: Paz
e Terra, 1999.
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os Negócios e
a Sociedade. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2003.
AUTOR. A (re)configuração da linguagem da comunicação: Uma análise das fan
pages institucionais no Facebook. 2014. 169 f. Dissertação (Mestrado em Cognição e
Linguagem) – Centro de Ciências do Homem, Universidade Estadual do Norte
Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, 2014.
CORRÊA, Elizabeth Saad. Linguagens da informação digital: reflexões conceituais e
uma proposta de sistematização. In: FIDALGO, Antônio; SERRA, Paulo (org.). Actas do
III Sopcom, VI Lusocom e II Ibérico. v. I. Covilhã (Portugal): Universidade da Beira
Interior, 2005. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/correa-elizabeth-saad-
linguagens-infor macao-digital-reflexoes-conceituais-proposta-sistematizacao.pdf.
Acesso em 14 ago. 2013.

mlxxix
CRYSTAL, David. Revolução da Linguagem. Tradução de Ricardo Quintana. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
CUNHA, Mágda Rodrigues da. Linguagens Tecnológicas são Resultado da Cultura. In:
Livro de actas do 4º Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da
Comunicação – SOPCOM. Aveiro/Portugal, 2005. Disponível em
http://www.bocc.ubi.pt/pag/cunha-magda-linguagens-tecnologicas-resultado-
cultura.pdf. Acesso em 10 nov. 2012.
GIBSON, William. Neuromancer. Tradução de Abdoulie Sam Boyd e Lumir Nahodil.
São Paulo: Aleph, 1984.
KRISTEVA, Julia. História da Linguagem. Tradução de Maria Margarida Barahona.
Lisboa: Edições 70, 1969.
KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de Relações Públicas na
Comunicação Integrada. Ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Summus, 2003.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. de Carlos Irineu da Costa. 3ª ed. São Paulo: Editora
34, 2010.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Tradução de Paulo Neves. 2ª ed. São Paulo: Editora
34, 2011.
NELSON, Theodor Holm. The Literary Machine. s.n.t. Disponível em
http://www.literarymachine.com/lm__index2.htm. Acesso em 03 set. 2013.
POSTER, Mark. A Segunda Era dos Media. Tradução de Maria João Taborda e
Alexandra Figueiredo. Oeiras: Celta, 2000.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Col. Cibercultura. Porto Alegre: Sulina,
2009.
SANTAELLA, Lucia. Da cultura das Mídias à Cibercultura: O Advento do Pós-
humano. Revista Famecos n.º 22, dezembro de 2003, pp. 23-32. Disponível em
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index. php/revistafamecos. Acesso em 25 out.
2012.
SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem Pensamento: Sonora, Visual, Verbal. São
Paulo: Iluminuras/Fapesp, 2005.

mlxxx
SANTAELLA, Lucia. As Linguagens como Antídotos ao Midiacentrismo. Revista
Matrizes, n.º 1, 2007. pp. 75-97. Disponível em www.matrizes.usp.br/ojs/index.php.
Acesso em 15 out. 2012.
SOUSA, Mauro Wilton de. Novas Linguagens. 2ª ed. São Paulo: Editora Salesiana,
2003.
SOUZA, Carlos H. M. de; COSTA, Marco Aurélio Borges. Fronteiras do Ciberespaço.
Revista Vértices. vol.7, n.º 1. Campos dos Goytacazes: Essentia, 2005. pp.105-114.
VILLAÇA, Nízia. Impresso ou Eletrônico: Um Trajeto de Leitura. RJ: Mauad, 2002.

mlxxxi
O MEDO DE ESCREVER: PROBLEMAS DA AUTORIA NARRATIVA ENTRE
ALUNAS/PROFESSORAS DO PARFOR/UENF

Jackeline Barcelos Corrêa


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Gerson Tavares do Carmo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A presente pesquisa teve por objetivo investigar as relações de alunas-


docentes com a escrita, a partir de uma experiência de autoria sobre memórias
marcantes em sala de aula. Os dados foram coletados junto a uma turma do curso de
Pedagogia do PARFOR, da Universidade Estadual do Norte Fluminense-RJ.
Problematizando o medo de escrever entre as alunas-docentes, indagamo-nos em
quais aspectos este medo interfere em atividades textuais de autoria narrativa. Desta
forma, teve-se como hipótese que o exercício da autoria narrativa sobre memórias
pode contribuir para melhorar a relação das alunas com a escrita. A pesquisa, foi de
caráter qualitativo, teve como base metodológica entrevistas semiestruturadas,
questionários contendo perguntas abertas e fechadas, e aplicação de atividades de
produção textual. Foram duas as etapas da pesquisa: a primeira investigou a
percepção das alunas em relação a sua experiência de escrita autoral; a segunda
investigou as práticas dessa escrita de modo a verificar com que frequência essas
alunas escrevem, para quais finalidades, onde escrevem e como se sentem quando
escrevem. Como marco teórico referencial trabalhou-se principalmente com a noção
de autoria escolar e memória narrativa. O estudo concluiu que apesar da satisfação
com as experiências de autoria, as alunas-professoras mantiveram sua resistência em
escrever e participar de novas experiências produção textual com foco na autoria.
Palavras-chave: Escrita docente. Autoria narrativa. PARFOR. Medo de escrever.

INTRODUÇÃO

Durante minha formação inicial, no Curso Normal Superior do Instituto de


Educação Professor Aldo Muylaert (ISEPAM), percebi que nós, futuras educadoras,
temíamos a escrita e tínhamos uma relação difícil com a produção textual.
Apesar desse temor, já exercendo a docência em uma escola da rede particular,
certo dia me vi escrevendo um livro infantil sobre o Rio Paraíba do Sul, com meus
alunos da educação infantil. Tive a oportunidade de experienciar a curiosidade e o
convite das crianças para que juntas, escrevêssemos o livro que recebeu o título:
Socorro meu Paraíba quase morreu!

mlxxxii
A pesquisa justificou-se pelo interesse em dar continuidade a um trabalho
realizado durante a graduação. O objeto de investigação para a pesquisa de mestrado
foi a relação das alunas do PARFOR136/UENF com a escrita, considerando o medo de
escrever, e, como a autoria narrativa poderia ser vivenciada pelas alunas do
PARFOR/UENF no sentido de buscar uma relação mais “amigável” com a escrita.
Dessa forma, neste trabalho problematizamos o medo de escrever entre as
alunas do PARFOR/UENF com a escrita. Indagamos em quais aspectos esta relação
negativa pode ser revertida pela ação da autoria narrativa, ou seja, será que os
exercícios da autoria narrativa sobre memórias marcantes podem contribuir para
melhorar a relação das alunas com a escrita?
O objetivo geral da pesquisa foi analisar a relação das alunas de uma de
Pedagogia do PARFOR com a escrita, e o quanto esta relação pode melhorar a partir do
exercício da autoria envolvendo narrativas escritas de experiências marcantes em sala
de aula.
A pesquisa teve de cunho qualitativo e teve sua metodologia orientada por
uma análise exploratória através de entrevistas e questionários, cujas perguntas foram
elaboradas conforme orientações sugeridas por Selltiz (1974) seguida de propostas de
produção textual.
Para a condução teórica da pesquisa utilizamos principalmente os pressupostos
teóricos de Eni Orlandi (1988) e Michel Foucaul (2006). Hilário Bohn e Osmar de Souza
(2003), que abordam os processos de autoria escolar com o intuito de salientar a
necessidade de esses elementos estarem presentes de forma dinâmica e coerente no
processo de aprendizagem, em busca de transformações educacionais no ensino da
escrita da língua materna.
Quanto ao aspecto metodológico, o público que constituiu a amostra foi
composto de 26 estudantes do 1º período da Licenciatura em Pedagogia do PARFOR/
UENF. A turma escolhida para realização deste estudo é constituída de alunas oriundas

136
O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) presencial é um
programa nacional implantado pela CAPES em regime de colaboração com as Secretarias de Educação
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e com as Instituições de Ensino Superior (IES). O
objetivo principal do programa é garantir que os professores em exercício na rede pública de educação
básica obtenham a formação exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, por
meio da implantação de turmas especiais, exclusivas para os professores em exercício.
1083
de várias instituições de Ensino Médio e Superior, de bairros da cidade e distritos
vizinhos e todas atuam na profissão docente, na Educação Infantil e primeiro
segmento do Ensino Fundamental.
Para iniciar a pesquisa foi realizada uma sondagem exploratória sobre as
relações com a escrita, junto às alunas do 1º período do Curso de 1ª Licenciatura do
PARFOR da Universidade Estadual do Norte Fluminense-RJ. Em seguida, aplicou-se um
questionário biográfico com a finalidade de colher informações e assim traçar um
perfil destas alunas. O questionário foi aplicado individualmente, contendo perguntas
abertas e fechadas.
Na sequência, foram realizadas as atividades da autoria narrativa, desde
entrevistas gravadas em áudio até a produção textual e ilustração para a
sistematização e confecção do livro “Professoras autoras: lembranças profissionais”.

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA ESCRITA E O MEDO DE ESCREVER

Importante chamar a atenção para o fato de que a expressão medo de escrever


orientou minhas buscas por pesquisas a respeito desse tema. Entretanto, nenhuma
referência acadêmica foi encontrada com essa expressão no título. Por isso o
destacamos, tanto no título da dissertação quanto lhe dedicamos um capítulo, no
sentido de caracterizá-lo, a partir de trabalhos que o mencionam. O objetivo não foi
destacar um aspecto negativo do ensino da língua materna, mas dar visibilidade a um
sentimento, que nos parece ser coletivo, e cuja reação daqueles que o sofrem é de
resignação e impotência, porque se julgam responsáveis por suas dificuldades com a
escrita.

O MEDO DE ESCREVER: RESULTADO DO QUE ACONTECE NA ESCOLA?

De acordo com Bernardo (2010, p. 2), “Quem escreve despe mais do que as
próprias roupas, porque enquanto escreve ainda não sabe o que mostra para os
outros”. Para o autor, esses “outros” são a razão do porque “todo aluno não quer que
ninguém leia sua redação enquanto a escreve ou faz questão de colocá-la debaixo da
pilha de redações na mesa do professor, não importa se suas notas são boas ou não na

1084
matéria” (id. p. 2). Bernardo é incisivo ao explicar tais reações, simplesmente “Porque
escrever definitivamente não é fácil, expondo-nos no momento mesmo de fazê-lo” (id.
ib.).
No mesmo sentido, Bernardo (2010, p. 1) afirmando que “o medo maior é de
nos entregarmos e nos deixarmos sem proteção, sem máscaras, desnudos, livres”.
Quando escrevemos deixamos a nossa marca, a nossa personalidade, uma palavra em
lugar de outra, isso pode dizer muito sobre nós. E mais: o que escrevemos pode ser
lido, relido, analisado, estudado, interpolado, enfim, um universo infinito de
possibilidades que nos exporá para o mundo, nos descortinará diante dos outros.
Enquanto professoras a cobrança da escrita perfeita é ainda maior. Palavras
ditas, o vento leva. E quando alguém as usa contra nós, muitas vezes podemos e o
fazemos, argumentamos que não era bem aquilo que pretendíamos dizer. Mas ao
escrever, a prova está gravada, presa no papel, não tem como renegar, está ali
provado, escrito.
Para avançar na questão, nos apropriamos do questionamento de Kramer
(2001, p. 103): “É possível tornarmos nossos alunos pessoas que leem e escrevem se
nós mesmos, professores, não temos sido leitores e temos medo de escrever?”. Ao
mencionar sua pesquisa “Cultura, modernidade e linguagem”, na qual investigou o que
leem e escrevem os professores, a autora afirma que conheceu “histórias de
desprazer, indisposição, obrigatoriedade e vontade de não ler”, depoimentos de
professoras com “pavor e vergonha de escrever seus relatórios escolares”. Mais uma
vez, deparamo-nos com a relação restrita do professor com a escrita, possivelmente
adquirida no contexto escolar de sua infância e adolescência.
Bonh (2003, p. 83) discute em sua pesquisa que o professor “não se considera
escritor e entende que não forma alunos escritores”. No entanto, sente-se angustiado
com essa situação e, muitas vezes, incapaz de solucioná-la. Percebemos assim a
extensão do problema das alunas PARFOR/UENF em sua distante relação com a
escrita, pois, como seus alunos, também partilham do medo de escrever que,
provavelmente, originou-se em sua formação na educação básica. E mais, não está
sendo resolvido em sua primeira formação superior, uma vez que, ressalta Bohn
(ibdem, p. 81), não é de se estranhar que “alunos universitários, profissionais liberais,

1085
pós-graduandos, quando confrontados com a produção textual, entram em pânico”.
Pânico este, provavelmente, oriundo dos modelos conservadores de ensino da escrita,
nos quais não se permite errar na ortografia ou na concordância, por exemplo.
Dentre as vinte e seis professoras-alunas pesquisadas, vinte e duas (84,6%)
explicitaram algum sentimento negativo em sua relação com a escrita.
Entretanto, escrever para si foi mencionado por 50% delas como algo mais fácil,
que lhes dá prazer ou lhes permite “desabafar” ideias e sentimentos. É assim que o
medo e o fascínio, como também a recusa e o desejo, deixam à mostra alguns dos
paradoxos exercidos pela escrita.
A partir desse ponto, a pesquisa de Bohn (2004) foi escolhida para finalizar a
discussão sobre o medo de escrever, considerando que o autor reúne todos os
elementos até agora descritos no sentido de explicar a dinâmica no interior da escola
que leva ao medo de escrever em qualquer nível de escolaridade, e mais, apresenta
pistas que remetem à formação universitária, na perpetuação desses medos.

AUTORIA ESCOLAR, NARRAÇÃO E A NOÇÃO DE AUTOR

Na trajetória de nossa descoberta do medo de escrever, a ideia de que a


autoria seria uma saída para esse medo e vergonha de escrever foi considerada por
nós, intuitiva. E porque não, a partir do senso comum, de que autor é alguém que
escreve e publica alguma coisa.
Chartier nos informa ainda que (1998, p. 44):

Dez anos antes de Furetière, o Dictionnaire Français, de Richelet,


havia estabelecido a necessária ligação existente entre autor e
impressão, propondo como segunda definição da palavra (a partir do
sentido original de “O primeiro que inventou alguma coisa, que disse
alguma coisa, que é causa de alguma coisa que se realizou”) o
seguinte: “Aquele que compôs algum livro editado”, assim
exemplificando: “Ablancour, Pascal, Voiture e Vaugelas são
excelentes autores franceses. A rainha Margarida, filha de Henrique
III, era autora”. Na sua série de exemplos, Furetière demonstra uma
atenção semelhante à presença das mulheres entre os autores: “Diz-
se também de uma mulher que se erigiu em autor, quando escreveu
algum livro ou peça de teatro.

1086
Mas, se a relação autor/obra publicada, tem referência no século XVII, esta é
apenas uma parte da história dos usos da palavra autor ligada à produção textual.
Considerando que, entre o fim da Idade Média e o século XVIII, houve um imenso
trabalho de interessados em organizar a progressiva multiplicação de textos de livros
manuscritos e impressos colocados em circulação, o resultado de tantas operações de
arrolar os títulos, classificar as obras, reconhecer textos, foi o fato de ter tornado
“possível o ordenamento do mundo do escrito”, conforme assinala Chartier (1998, p.
7).
É nesse momento da história que a noção de autor se expande como princípio
fundamental ligado à produção dos textos. Para Chartier (1998, p. 7): “o sonho de uma
biblioteca universal, real ou imaterial, contendo todas as obras já escritas, a
emergência de uma nova definição do livro, associando indissoluvelmente um objeto,
um texto e um autor constituem algumas das invenções que, desde Gutenberg,
transformaram as relações com os textos”.
Mas, Chartier pergunta se a relação autor/obra publicada, observada no século
XVII, seria a mais antiga. E, citando trabalhos do final do século XVI, Chartier (id. p. 46)
nos informa que nesse período a noção de autor não está necessariamente ligada
apenas à publicação impressa, mas também aos manuscritos. Nesse sentido, o
primeiro critério de classificação das obras é o da ordem alfabética dos primeiros
nomes dos autores e o segundo é instituir a biografia do autor como referência
fundamental da escrita, como podemos observar a seguir:

Para responder a essa pergunta, podemos nos reportar aos dois


primeiros catálogos dos autores em língua vulgar publicados na
França: o Premier volume de ia bibliotheque du sieur de La Croix
duMaine (1584) e La bibliotheque d'Antoine Verdier, seigneur de
Vauprivas (1585). O título longo da Bibliotheque de La Croix du Maine
se organiza claramente a partir da categoria de autor: “É um catálogo
de todos os tipos de autores que escreveram em francês, desde há
150 anos, ou mais, até hoje: com um discurso sobre as vidas dos mais
ilustres e renomados entre os três mil que compõem essa obra,
reúne uma narração de suas composições, tanto as impressas quanto
as de outro tipo”.

Conforme Chartier (1998, p. 46) La Croix du Maine, justificando a utilidade do


seu catálogo que “impedirá aos usurpadores publicar sob seus próprios nomes obras

1087
ainda manuscritas quando da morte de seu verdadeiro autor”, especifica: “Visto que já
falei muito das obras daqueles que ainda não estão em evidência”. Nesse sentido,
Chartier (id.) conclui: “No fim do século XVI, na França, se a categoria autor constitui o
princípio fundamental da classificação do discurso, ela não pressupõe
obrigatoriamente a sua “evidência”, quer dizer, a sua existência impressa”.

O CONCEITO DE FUNÇÃO-AUTOR

Ao longo do processo de revisão bibliográfica sobre autoria, emergiu uma


pergunta: discutir a autoria a partir de sua perspectiva literária seria necessário ou não
aos nossos objetivos? De outro modo, seria necessário visitar Roland Barthes, Bakhtin,
Foucault, Sírio Possenti, entre outros, ou poderíamos seguir um caminho mais
direcionado à trajetória da noção de autoria escolar?
O recorte da revisão bibliográfica concentrou-se em dois autores: Eni Orlandi
(1988) e Michel Foucaul (2006). O primeiro, conforme Chartier (1998, p. 36), “[...]
esboça uma descoberta histórica sobre a emergência e as variações desse regime
particular de citações de textos, que os identifica a partir de sua relação a um nome
próprio cujo funcionamento é inteiramente específico: o nome do autor”. A segunda,
de acordo com Souza (2008, p. 66), “[...] procura estender a noção de autoria para o
uso corrente, enquanto função enunciativa do sujeito e não para situações
enunciativas especiais com faz Foucault”. Será, então, a partir de uma discussão sobre
as bases conceituais da função-autor formulada por Foucault que Eni Orlandi irá
deslocar a função-autor para a questão da unidade do texto e, por conseguinte, para o
ambiente da escola (1988, p. 75).
Em 1985, no Seminário do Departamento de Psicologia Social da PUC-SP, Eni
Orlandi e Eduardo Guimarães, apresentaram o artigo “Unidade e Dispersão: uma
questão do texto e do sujeito”137 para propor uma mudança na perspectiva da função-
autor formulada por Foucault. Porém, sem se deixar de se pautar no que Foucault
apresenta como base primeira de compreensão do que seja autor: “o autor como
princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações,
como foco de sua coerência” (FOUCAULT, 1999, p. 26).

137
Este artigo foi publicado em Discurso e Leitura, em 1988.
1088
Porém, em nota de rodapé, vinculada à citação que fez do princípio formulado
por Foucault, Orlandi (1988, p. 77), acrescenta o detalhe que os diferencia:

Para Foucault o princípio da autoria não vale para qualquer discurso


nem de forma constante. O modo como o estamos utilizando aqui
difere deste autor. Para nós, o princípio é geral. O texto pode não ter
autor específico, mas sempre se imputa uma autoria a ele.

No livro “Discurso e Leitura”, capítulo “Nem escritor, nem sujeito: apenas


autor”, Orlandi (1988, p. 61) explica a extensão que dá ao princípio formulado por
Foucault:

No sentido em que estamos tomando a noção da autoria, e que é


uma extensão ao de Foucault, a própria unidade do texto é efeito
discursivo que deriva do princípio da autoria. Desse modo
atribuímos um alcance maior e que especifica o princípio da autoria
como necessário para qualquer discurso, colocando-o na origem da
textualidade.

Retomando Foucault, quando afirma “o princípio do autor limita o acaso do


discurso pelo jogo de uma identidade que tem a forma da individualidade e do eu”,
Orlandi propõe a sua versão da função-autor. De sua parte, Orlandi ressalta “e aí está
nossa contribuição específica para esta reflexão, gostaríamos de acrescentar, de
acordo com o “princípio da autoria” de Foucault, uma outra função, a de autor (1988,
p. 61).

Podemos pensar essa unidade que se faz a partir da heterogeneidade


e que devia do princípio da autoria como uma função enunciativa.
Teríamos, então, as várias funções enunciativas do sujeito falante,
como segue, e nessa ordem: locutor, enunciador e autor. Onde o
locutor é aquele que se representa como “eu” no discurso, o
enunciador é a perspectiva que esse “eu” constrói, e o autor é a
função social que esse “eu” assume enquanto produtor da
linguagem. O autor é, das dimensões enunciativas do sujeito, a que
está mais determinada pela exterioridade (contexto sócio-histórico) e
mais afetada pelas exigências de coerência, não-contradição,
responsabilidade, etc.

Para Orlandi, a função-autor, tal como a concebe, permite perceber que o


sujeito entra na relação com o corpo do discurso, com o acesso ao seu acontecimento:

1089
Em meus trabalhos tenho ressignificado a noção de autoria e
procurado deslocar também a de comentários/versões que não se
limita apenas a uma questão formal, de repetição, mas de
formulação, tendo a ver com a função-autoria tal como a concebo.
Na função-autor efetiva do sujeito não reformula apenas em um
sentido superficial, ele entra na relação com o corpo do discurso,
com o acesso ao seu acontecimento. Ele desliza, produz efeitos
metafóricos, faz funcionar sua memória discursiva (Orlandi, 2008, p.
4).

Assim, do autor é exigido: “coerência, respeito aos padrões estabelecidos,


tanto quanto à forma do discurso como às formas gramaticais; explicitação; clareza;
conhecimento das regras textuais; originalidade; relevância e, entre várias coisas,
unidade, não contradição, progressão, e duração do seu discurso” (1988, p. 78).
Entretanto, para Orlandi (id. Ib.) essas exigências têm um sentido: “procuram tornar o
sujeito visível (enquanto autor, com suas intenções, objetivos, direção argumentativa).
Um sujeito visível é calculável, controlável, em uma palavra, identificável”.
Para Orlandi (id. ib.):

O que tem faltado, desse ponto de vista, quando se pensam as


condições de produção da escrita, na escola, é compreender o
processo em que se dá a assunção, por parte do sujeito, de seu papel
de autor. Essa assunção implica, segundo o que estamos procurando
mostrar, uma inserção (construção) do sujeito na cultura, uma
posição dele no contexto histórico-social. Aprender a se colocar -
aqui: representar - como autor é assumir, diante da instituição-escola
e fora dela (nas outras instâncias institucionais) esse papel social, na
sua relação com a linguagem: constituir-se e mostrar-se autor. Aí está
uma tarefa importante da atividade pedagógica, na escola, em
relação ao universo da escrita: responder a essa questão - o que é ser
autor - é atuar no que define a passagem da função de sujeito-
enunciador para a de sujeito-autor.

Eis onde deve incidir a reflexão linguístico-pedagógica para que o professor de


língua possa atuar, dando a conhecer ao aluno a natureza desse processo no qual o
“aprender a escrever” o engaja. E o momento é exatamente o da passagem do
enunciador a autor.
Orlandi (id. ib.), destaca que a escola deve oportunizar essa passagem, da
função enunciador para a de autor, de modo que o aluno possa experimentar e
apreender os mecanismos com os quais está lidando quando escreve. Para Orlandi (id.
ib.), estes mecanismos são de dois tipos:
1090
a) mecanismos do domínio do processo discursivo, no qual ele se
constitui como autor e;

b) mecanismos do domínio dos processos textuais nos quais ele


marca sua prática de autor. Creio que aí está configurada uma função
da escola com respeito ao sujeito que escreve.

Dessa forma, Orlandi (id., p. 82) conclui que a escola, como lugar de reflexão, é
um lugar necessário para a elaboração da experiência de autoria, na relação com a
linguagem. Embora não é suficiente, tendo em vista que a relação do aluno com o
mundo fora da escola também possibilita a experiência da autoria. De toda forma, a
escola.

MEMÓRIA, NARRAÇÃO E HISTÓRIA DE VIDA COMO “MATÉRIA PRIMA” PARA A


AUTORIA DE PROFESSORES

Partimos do pressuposto que as concepções sobre as práticas docentes


encontram-se enraizadas em contextos e histórias individuais que, até mesmo a
entrada dos futuros professores na escola, estendendo-se a partir de toda a trajetória
escolar e ao longo da sua formação profissional e atuação com professor, uma vez que
todos os sujeitos da pesquisa são professores da rede pública de ensino.
As palavras de Bosi (2003) nos convidam a refletir sobre o significado das
histórias de vida, que desvelam, descortinam lembranças profissionais, lembranças de
fotos marcantes da infância e fazem emergir a memória com a sua magia através de
fatos, imagens, pessoas, lembranças que emocionam e que reconstroem histórias
singulares carregadas de verdades, de emoções e sentimentos.
No processo de investigação é importante ressaltar que o diálogo com as
experiências das estudantes pôde proporcionar um espaço para a reflexão sobre as
experiências pedagógicas marcantes de suas memórias.
Portanto, ao sistematizarmos as narrativas (auto) biográficas que foram
registradas ao longo do percurso da pesquisa, favorecemos com que as reflexões sobre
si realizadas por cada aluna participante ressignifiquem os seus mundos, forjando-se
como agentes do seu processo de formação e o espaço escolar, como lócus

1091
privilegiado de formação e autoformação, apontado para uma nova epistemologia de
formação.

CONSTRUÇÃO DE COLETA DE DADOS


Para a construção do instrumento de coleta de dados; buscamos traçar um
perfil das alunas participantes da pesquisa; destacamos a percepção das alunas em
relação à escrita e a percepção das alunas em relação ao livro pronto e pontuamos as
reflexões sobre a experiência de autoria.
A obra de Selltiz et al. (1974), Métodos de pesquisa nas relações sociais, foi
nossa referência para seguir recomendações quanto a construção do roteiro de
entrevista e formulação das perguntas para o questionário aplicado na turma em sala
de aula no ano de 2011, no primeiro e no segundo semestre. Essa escolha deve-se à
atenção que Selltiz e colaboradores dão ao “conteúdo da pergunta”, de modo a
precisar ao máximo o objetivo de cada questão do instrumento, eliminando assim
possíveis ambiguidades, e mal entendidos. Conforme epígrafe do referido capítulo:

Se desejamos saber como as pessoas se sentem – qual sua


experiência interior, o que lembram, como são suas emoções e seus
motivos, quais as razões para agir como fazem – porque não
perguntar a elas? (ALLPORT apud SELLTIZ, 1974, p. 265).

Portanto a melhor maneira para pesquisar sentimentos é fazer perguntas que


deem à liberdade para a resposta. Frequentemente as reações emocionais são
excessivamente complexas para que sejam descritas numa frase.
A metodologia de Selltiz et al. (1974) foi de suma importância na elaboração
das perguntas e nas análises das respostas.
Recorreu-se à pesquisa qualitativa por ela possuir caráter exploratório,
descritivo, indutivo e envolver atividades como análise de dados secundários. Para
coleta de dados, buscou-se suporte em procedimentos/instrumentos como
entrevistas.
Quando as novas tecnologias educacionais não são usadas com regularidade,
torna-se cada vez mais difícil o processo de inclusão digital tão esperado, pois o que
importa é usá-las e não apenas tê-las. Por exemplo, 100% das alunas possuem

1092
computador em casa, 93% possuem internet e e-mail, mas apenas 36% responderam
aos e-mails enviados pela sondagem, as outras precisavam aguardar a disponibilidade
de outra pessoa, geralmente os filhos, para respondê-los.
Observa-se que existe uma gama de profissionais da educação, principalmente
professores, que não aceitam as novas tecnologias como instrumento transformador
da sua prática pedagógica, entretanto não duvidam de seus benefícios, nem de que
representam uma transformação na sociedade, concordando paradoxalmente com o
que afirma Souza (2009, p. 10):

[...] Ninguém duvida dos benefícios que a tecnologia da informação


tem proporcionado. Acessar, em tempo real informações sobre
quase tudo que existe no mundo e poder estabelecer contato com as
fontes de informação representa uma drástica mudança de
paradigma da sociedade.

Todas as participantes são professoras atuantes da Rede Municipal de Ensino


nas cidades de Campos dos Goytacazes e no município de São João da Barra e Macaé,
esse é um dos requisitos para estarem cursando a Licenciatura em Pedagogia do
PARFOR/UENF.

CONCLUSÕES
A partir das análises realizadas pode-se concluir que as alunas não tinham
despertado em si o desejo da escrita, como parte integrante da produção textual. E
percebemos também uma relação negativa com a escrita que interferia na
comunicação, em expressar-se e comunicar-se com destreza, principalmente através
da escrita.
O principal desafio que o professor encontra hoje é o de descobrir novas
formas de ensinar, explorando os recursos da comunicação para motivar o aluno à
escrita, apontando as diferenças entre as várias formas de narrar e escrever um texto,
explicando a finalidade e a utilidade da escrita, uma vez que para utilizá-las, os
usuários precisam ler e escrever de maneira segura.
Consideramos necessário para a formação pedagógica das alunas, postular a
centralidade da escrita como ponto de convergência interdisciplinar e epistemológico,
pelo entendimento da escrita como direito social, direito de todos de aprendê-la em
1093
seus usos e práticas sociais numa relação amigável, não submissa, com o ato de
escrever.
Destacamos também a necessidade de estudos futuros em relação à
problemática do medo de escrever entre docentes e durante a formação de
professores para os anos iniciais principalmente.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
BERNARDO, Gustavo. Escrever é fácil? Revista Eletrônica do Vestibular [online],
Ano 3, n. 9, 2010. Disponível em:
<http://www.revista.vestibular.uerj.br/coluna/coluna.php? seq_coluna=52>. Acesso
em: 04 jun. 2013.
BOHN, H. I. Produção textual e cultura: a interlocução necessária da construção do
saber. In: BOHN, H. I.; SOUZA, O. de (Orgs.). Escrita e cidadania. Florianópolis: Insular,
2003, p.75-88.
BOHN, H. I.; SOUZA, O. de (Orgs.). Escrita e cidadania. Florianópolis: Insular, 2003.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo, Companhia
das Letras, 1998.
CERTEAU, M. De. 1998. A Invenção do Cotidiano I. Artes de Fazer. Petrópolis:
Vozes, 1998.
CHARTIER, R. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os
séculos XIV e XVIII. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1998.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? In: Ditos e escritos III - Estética: Literatura e
Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 264-298.
_______. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada
em 2 de dezembro de 1970. 5. ed. - São Paulo: Edições Loyola, 1999.
KRAMER, Sônia. Leitura e escrita como experiência-notas sobre o seu papel na
formação. In: ZACCUR, E. (Org.) A magia da linguagem. Rio de Janeiro: DP & A: SEPE,
2001.

1094
LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy. Texto e autoria. In: ORLANDI, E. P.; LAGAZZI-
RODRIGUES, S. (Orgs.). Introdução às ciências da linguagem - discurso e textualidade.
2. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2010, p. 81-104.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. O texto: escrita e leitura. Campinas: Pontes, 1988.
______. Unidade e dispersão: uma questão do texto e do sujeito. In: ORLANDI, Eni
Pulcinelli. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1988, p.
53-74.
______. Nem escritor, nem sujeito, apenas autor. In: Orlandi, Eni Pulcinelli. Discurso
e Leitura. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1988, p. 75-84.
______. Silêncios: presença e ausência. ComCiência Revista Eletrônica de
Jornalismo Científico. 2008. Disponível em: <http://www.
comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=38&id=456>. Acesso em: 05 maio 2014.
SELLTIZ et all. Métodos de pesquisas nas relações sociais. Editora Helder: São Paulo
1974.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Tecnologias e Novos Modos de Comunicação:
(Re)Invenção do Conhecimento. Revista Economía Política de las Tecnologias de la
Informácion y Comunicacíon, v. 11, n.1, enero./abr. 2009.
SOUZA, Osmar de. O texto nas atividades escolares, produção de conhecimento e
autoria. In: BOHN, H. I.; SOUZA, O. de (Orgs.). Escrita e cidadania. Florianópolis:
Insular, 2003, p. 55-74.

1095
DESMUNDO, DE ANA MIRANDA: A LINGUAGEM LITERÁRIA E A RECONSTRUÇÃO
FICCIONAL DA HISTÓRIA DO BRASIL COLONIAL POR UM OLHAR FEMININO

Cínthia Marítz dos Santos Ferraz Machado


Universidade Federal de Juiz de Fora

RESUMO: Desmundo, de Ana Miranda, é um convite para mergulharmos no diálogo


entre Literatura e História. Entremeado por palavras que revelam as angústias,
consternações e anseios, o admirável relato íntimo de Oribela, personagem central da
obra, nos coloca em contato direto não apenas com sua desamparada existência
feminina, mas com a brutalidade de um “desmundo” ou mesmo de um “des-rumo” em
que se ela encontra. Arrancado de extratos mais inconscientes, seu relato, permeado
de espiritualidade, fantasia e sensualidade, nos permite entrever a transposição não só
o oceano Atlântico em direção ao Brasil (para o qual vinha para se casar, por
“encomenda”) como também a linha que aparta sonho de realidade ao pisar um novo
mundo belíssimo, mas rude e violento. A partir de outro prisma, o olhar feminino,
pontilhado de crenças, medos e questionamentos diante do mundo/desmundo, o
texto de Ana Miranda resgata elos e explora amarras históricas numa literatura que
passa a traduzir uma história que não se quer imóvel: numa reconstrução ficcional,
apresenta a história do Brasil colonial. A obra disponibiliza, assim, uma leitura da
história pela literatura, e se faz tema privilegiado para os debates acerca da linguagem
literária e da construção do discurso ficcional nas relações entre Literatura e História
que aqui se pretende discutir.
Palavras-chave: Liguagem literária. Ficção. Olhar feminino.

LINGUAGEM LITERÁRIA, ESPECIFICIDADE E CONSCIÊNCIA DRAMÁTICA


O que distingue a linguagem literária de outras formas de uso é o fato de ela
“alterar” a linguagem comum; ir para além da linguagem usual, num duplo e
simultâneo movimento: pela pluralidade discursiva e pela pluralidade perceptiva.
Não sendo meramente uma matéria inerte, a linguagem é em si própria uma
criação do homem, e, como tal, pejada da herança cultural de um determinado grupo
linguístico. A literatura, portanto, rejubila-se com a diversidade, conforme afirma
Jacques Derrida (2002). O filósofo francês, através de suas reflexões, nos expõe em
“Torres de Babel” a metonímia de um universo incomensurável da noção de texto e de
conhecimento pela perspectiva da experiência de criação, num movimento cada vez
mais ascendente de totalidade do escritor contemporâneo.

1096
Paradoxalmente, a incomensurabilidade da ideia de texto e produção literária
se choca com a ideia de originalidade do processo criativo, por estar embutida na
pluralidade perceptiva que a palavra literária conserva e dispõe. Entretanto, a
literatura não tem nenhuma obrigação, a partir do ponto de vista que tomamos, com o
real. Ela apenas o simula, ou simula a experiência por meio da linguagem literária.
Assim, essa contraversão em torno do emprego artístico da palavra e das questões de
originalidade criativa, resulta, para nós, em virtualidades linguísticas e em
possibilidades de ser ver na linguagem literária os rostos que ela veio a desejar, bem
como os diferenciados diálogos que ela experimentou no seu processo de criação.
Estas são, para nós, percepções que se mesclam e não que se excluem.
A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-as
sistematicamente da cotidiana. Assim como as demais acepções de linguagem
(técnica, inspirada, emotiva, expressiva, entre outras), possui raiz comum à língua
comum, terra-mãe de todas elas. Todavia, não é e não pode ser uma simples
depuração da linguagem utilitária. Ao transpor o mundo utilitário para o mundo da
representação, a obra literária despoja-o de sua contingência e torna-o, então,
profunda e extremamente significativo.
Portanto, a especificidade da linguagem literária procede da língua comum em
termos de potenciação. De acordo com Alonso Schökel,

Nem sempre toda a riqueza das experiências que desejamos


compartilhar, toda a riqueza da nossa vida interior que queremos
comunicar atingem plena objetivação na linguagem comum da
conversação. Esta é complementada, em boa parte, pelo contexto,
pelo conhecimento prévio, pelos fatores extralógicos que podem
acompanhar o diálogo. Terminada a conversa, muitas vezes sentimos
a distância, a inadequação das nossas palavras, já que passaram e
cumpriram de modo regular a sua tarefa. Tivemos de diluir um
repentino vislumbre em meandros prolongados, uma intuição central
tornou-se demasiado reflexiva ou periférica, a urgência do diálogo
roubou-nos a palavra, a intensidade do sentimento inibiu, em vez de
favorecer a expressão. É nesses momentos que lamentamos: “Não
sei como dizê-lo... faltam-me palavras...” (SCHÖKEL, 1986, p. 110).

Nesse sentido, Roman Jakobson, citado por Schökel (1986), comenta que a
linguagem literária procura ir além do discurso do ornato retórico. Ela não é um

1097
complemento deste, “[...] mas uma reavaliação total do discurso e de todos os seus
diversos componentes” (p. 110).
A linguagem literária é, para Schökel (1986), uma estrutura múltipla. Isso
significa que possui diversos planos que podem se corresponder harmoniosamente ou
então se contrapor em assonância ou dissonância: o plano sonoro, com inúmeros e
múltiplos valores expressivos estritamente ligados ao sentido – sem contar o sopro de
sensibilidade que os permeia; o plano rítmico em que se manifestam a flexibilidade e a
emoção; o plano da significação com seus círculos concêntricos de conotações e de
ressonâncias que a combinação pode intensificar; o plano das imagens enquanto
descoberta e manifestação das analogias do ser; o plano das formas parciais de
desenvolvimento, herdadas, renovadas e inovadas; o plano das formas totais que
denominamos gêneros; e o plano das ideias, pensamento e concepções.
O processo de escrita literária, a nosso parecer, singulariza relações e processos
de criação frente às demais aplicações e usos da linguagem comum. Nesta trama
verbal, tornam-se presentes e manifestos, o intelectual, o imaginativo e o emotivo,
que conjuntamente com as três funções da linguagem, compactuam na obra.
Decorre daí o aspecto da pluralidade que se assume dentro da obra literária por
meio de sua linguagem e sua especificidade, uma vez que não é possível esgotar a
percepção e a análise de uma obra apenas por um aspecto, principalmente no que
tange às questões de representação, já que esta mesma pluralidade admite graus.
Sua tessitura orgânica, ritmo e ressonância superam empregos usuais. Trata-se,
portanto, de um tipo de linguagem que chama atenção sobre si mesma, enquanto que
exibe sua existência material face aos usos corriqueiros.
Considerando já ser observado que a linguagem poética sempre foi distinta da
linguagem de uso comum, o estudioso Alonso Schökel (1986) considera que o escrever
contemporâneo apresenta relações entre temas e motivos às vezes mais contrapostos
que justapostos, gerando no leitor uma impressão de anormalidade, surpresa,
estranheza, enfim, categorias emergentes desta busca pela palavra rica em matizes –
fenômeno que causa tanta impopularidade às poéticas moderna e pós-moderna, como
afirma José Ortega y Gasset (2005) em A Desumanização da Arte.

1098
Portanto, não devemos considerar a linguagem poética como pedra inerte,
aprisionadora do sentido, mas algo que colabora intimamente com o autor e que vai
adquirindo o entendimento do leitor. A imago não está aprisionada na palavra e esta
não a torna enrijecida. Ao contrário, a palavra poética evoca significações, imagens,
matizes que tornam a expressão poética suave e fluida.
Embora a transferência de atenção para a realidade material do texto seja uma
característica dos estudos formalistas russos, a aplicação do conceito de linguagem
literária como uma reunião de “artifícios” relacionados entre si, dispostos sobre
funções dentro de um sistema textual que incluem som, ritmo, rimas, métrica, sintaxe,
imagens e demais técnicas, contribuiu para o alavancamento da tomada de
compreensão de palavra literária fora da ideia de “automatização”.
Entendendo a especificidade da linguagem literária como aquilo que a distingue
de outras formas do discurso, pelo fato de “deformar” a língua comum de várias
maneiras, os estudos formalistas começavam a perceber que, sob recursos ou
“artifícios” literários, a linguagem comum era intensificada, ora expandida, ora
condensada; torcida; reduzida; ampliada ou invertida.
Este efeito de estranhamento gerado, observado no emprego artístico da
palavra sublinhava, a nosso parecer, o início das reflexões ou da tomada de
consciência sobre a fala cotidiana, das nossas apreensões e reações mediante a nossa
realidade e ao nosso tempo, que podem torná-las apagadas, embotadas ou mesmo
automatizadas.
O estudo da especificidade da linguagem literária assume, aqui, propositalidade
a partir do momento em que nos chama à consciência dramática dessa mesma
linguagem. Ele renova, modifica e amplia nossas relações habituais, tornando nosso
objeto mais perceptível. A lida com uma linguagem de emprego diferenciado,
engenhoso, encerra uma autoconsciência sobre o intensificado em relação ao usual.

HISTÓRIA, LITERATURA E NARRATIVA FICCIONAL


Temos observado hoje, uma gradativa redefinição epistemológica operada no
campo do saber histórico, que estimula este diálogo de discursos por meio de uma
reelaboração e um repensar crítico do passado através das narrativas de ficção. Sobre

1099
isso, Marinho (2008), considera que, a partir do momento em que a História
abandonou uma posição positivista, de verdade única e totalizante, a Literatura
percebeu “que poderia explorar os interstícios silenciados, os segredos escondidos,
que lhe acenavam em todas as palavras não ditas e situações não esclarecidas”
(MACHADO, 2008).
A Literatura adentra espaço enquanto a História passa a ser então, repensada
enquanto criação humana, com estruturas e práticas sociais que podem ser
compreendidas como textos sociais, à medida que todo acesso ao passado se dá via
texto.
Nesta reelaboração, os narradores surgem de maneiras extremamente
múltiplas e complexas dentro de um mundo que não pode mais ser visto unicamente
por uma perspectiva.
Corroborando com esta reorientação dos estudos no exame do diálogo em
questão, Marinho (2008) alude a um reempenhamento da escrita, dada a
complexibilidade da natureza humana diante a construção e o resgate da memória
pela transcrição ficcional da história.
Este reeempenhamento da escrita consiste numa ruptura com peso dos relatos
históricos de que temos conhecimento enquanto nossos próprios documentos ou
monumentos, condicionantes da nossa visão de passado e da consequente memória
de que dele possamos ter ou fazer.
Já na década de 70, Rayden White, ocupado com o estudo da influência do
texto ficcional nas narrativas históricas do século XIX, observara que a narratividade
ficcional se constituía uma via de mão dupla, já que esta, tanto poderia utilizar
informações recolhidas no campo da história, quanto a história também poderia se
servir de seus recursos de escrita.
Os estudos da época, ao revelarem que os textos históricos eram narrativas,
possibilitaram uma série de conclusões, dentre elas, a de que os historiadores
constroem uma versão para o passado, ou seja, a história é vista enquanto uma
construção da memória.

1100
Pode-se, desta maneira, aproximar historiadores e ficcionistas, na medida em
que ambos constroem em seus textos uma versão ou uma possível história para um
momento determinado.
A narratividade que une os discursos históricos e literários deixa claro que a
leitura do mundo, dos eventos e das pessoas, seja histórica ou ficcional, configura-se
sempre como uma tomada de posição (entenda-se aqui, como manipulação) e de uma
codificação que faz uso de uma “linguagem comum [que] tem as suas próprias formas
de determinismo terminológico, representadas pelas figuras de linguagem sem as
quais o discurso em si é impossível” (WHITE, 2001, p.151).
O historiador vê-se compelido a explicar os acontecimentos que registra, a
partir do momento em que o que busca descrever é a interpretação de um dado fato
histórico, muito embora esteja cerceado pelo dever de ater-se única e exclusivamente
ao fato que relata. Contudo, como já perscrutara White (2001), os recursos de que ele
dispõe não o auxiliam nesta tarefa, pois “nenhum escritor pode representar algo vivo
se evita completamente os elementos acidentais” como afirma Gerog Lukács (1968). Já
o ficcionista se satisfaz plenamente neste ponto, pois está desobrigado à apreensão do
real, podendo, livremente, por sua interpretação, resgatar e interligar o passado ao
presente ao passo que convoca o futuro a partir das potencialidades que o ato literário
lhe oferece.
Assim, para Hayden White, interessado em analisar como a os discursos
históricos e literários dialogam:

O problema não é a natureza dos tipos de eventos com que se


ocupam historiadores e escritores imaginativos. O que nos deveria
interessar na discussão da “literatura do fato” ou, como preferi
chamar, das “ficções da representação factual”, é o grau em que o
discurso do historiador e o do escritor imaginativo se sobrepõem, se
assemelham ou se correspondem mutuamente (WHITE, 2001, p.137).

Desta maneira, a leitura de textos ficcionais de cunho histórico, como


Desmundo, de Ana Miranda busca perturbar as relações estabelecidas entre fato e
ficção, possibilitando ao leitor um deslocamento e reposicionamento do conhecimento
e até do imaginário, mediado por uma visão presente: o texto literário. É a partir de
um olhar consciente quanto às relações entre diferentes unidades culturais na

1101
contemporaneidade que percebemos as narrativas como um possível lócus de reflexão
do diálogo em questão, operante na obra.
Ao explorar lacunas do discurso histórico através da potencialidade permitida
pelo literário, sob a ótica do tempo presente, a autora confecciona um enredo com
fortes amarras, que revelam pesquisa comprometida e empenhada na produção do
trabalho. Através da leitura do romance é possível a identificação de elementos
textuais que implicam na revisão das narrativas que construíram (e continuam
construindo) a identidade nacional como o trecho que segue, da carta de Manoel da
Nóbrega a El-Rei D. João, datada de 1552138:

Já que escrevi a Vossa Alteza a falta que nesta terra ha de mulheres,


com quem os homens casem e vivam em serviço de Nosso Senhor,
apartados dos pecados, em que agora vivem, mande Vossa Alteza
muitas orphãs, e si não houver muitas, venham de mistura dellas e
quaesquer, porque são tão desejadas as mulheres brancas cá, que
quaesquer farão cá muito bem à terra, e ellas se ganharão, e os
homens de cá aparta-se-hão do peccado (NÓBREGA, 1988).

A ficção emerge como uma leitura possível da história destes momentos a


partir da voz de uma das órfãs, que vêm de Portugal, a mando da Rainha, para se casar
de acordo com as relações e os interesses do patriarcado e da igreja com os homens
brancos, colonos das terras. O leitor é convidado a ingressar em formas de ação e de
pensamento da época, deparando-se com aspectos tais como existência feminina,
religiosidade, nova terra, amor e sexualidade:

Noite, as zanguizarras deitadas nos camarotes com a chave passada


pelo padre, feito a cadeia que era nossa vida, nos colos umas das
outras, ouviam as cantorias, risos, rugidos daqueles infelizesmas mais
que eu, pois para mim se acabara a infernal a infernal viagem e para
eles havia seguir e tornar, Deus permitisse, eu espera. As órfãs faziam
sinal-da-cruz, iam arranjar marido bom e principal, ou então uns
fideputas desdentados. Trolocutores surdos, furtamelões, bêbados,
cornos, condes de Barlegas, bem-me-queres, mal-me-queres, lobo
nas ovelhas, fosse o que fosse, dês que dissesse: Senhora, quereis
companhia? Mas ordenara a rainha, que seriam uns gentilhomens.
As mancebas, nenhuma de nós dormia, de boca fechada, os ouvidos
alongados, cada qual a pesar em seu coração os dias que viriam, que
ventos assoprariam, o que haveria ali, recolhidas ao pensamento de

138
NÓBREGA, Manoel. Cartas Jesuíticas I - Cartas do Brasil (1549-1560). Belo Horizonte: Editora Itatiaia,
1988.
1102
nossa fortuna, ocupando-os no sentimento das coisas que nos mais
doíam, numa quietação de pouco sono e medo das nossas próprias
imaginações, as quais nos faziam desejar grandemente a chegada da
manhã, porque tudo quanto podíamos estender aos olhos era a
pequena ordem com que a desventura nos tinha cortado a vida
(MIRANDA, 1996, p. 21).

A Literatura transcende então o mero registro factual para afirma-se como


potência da criação artística a partir do momento em que, por meio do relato da
personagem fictícia, torna-se possível pensar no que ela possui de comum com outros
indivíduos que viveram no século XVI, que, por sua vez, herdaram sua forma de ver o
mundo a partir de estruturas mentais construídas culturalmente.
Para Ginzburg (2007), a utilização de recursos tais como o relato íntimo da
personagem Oribela, em que se reduz a escala de leitura e, portanto, o foco, ou ainda
o recorte, é eficiente para que se possa compreender processos, mudanças ou
acontecimentos mais amplos. Segundo Massaud Moisés (1997) em consonância com
esta idéia, sugere que:

O ficcionista abandona a visão macroscópica do Universo em favor


duma visão microscópica: não mais entender, nem reformar, mas
conhecer o homem no seu “eu” subterrâneo e procurar enriquecer o
leitor com o espetáculo das próprias mazelas (MOISÉS, 1997, p. 287).

O desmanchar de um mundo nos é apresentado pelo olhar de Oribela, que,


através da voz narrativa, e nos leva a compreender que algo está sendo desfeito,
desmontado, desnudado.
Oribela de Mendo Curvo está em um lugar, numa terra que não reconhece, não
se sentindo, portanto, em lugar algum. Esse lugar não é Portugal, sua terra natal, nem
é o Brasil, sua terra de exílio. Oribela está em mundo só dela, num entre-lugar:

Havia ainda em meu coração o desejo de tornar, embora fosse a cada


anoitecer mais pálida a vista da Princesa, suas torres e muralhas
dentro de mim, mais apagada a vista do rio, mais borradas a face de
minhas amizades, de Sabina, de Giralda, de dona Isobel morta. [...] De
bom, só restavam as flores de Mendo Curvo e o mel de suas abelhas. E
tanto me agarrava eu, como se fosse um fio de seda que levasse ao
mundo, estando eu no meu desmundo (MIRANDA, 1996, p.138).

BIBLIOGRAFIA

1103
BENJAMIN, Walter et.al. O narrador. In: ________. Textos escolhidos/ Benjamin,
Horkheimer, Adorno, Habermas. São Paulo: Abril, 1980-a. (Os pensadores).
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a El-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil. São
Paulo: Martin Claret, 2004.
CANDIDO, Antonio. A personagem de ficção. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
________________. Literatura e sociedade: estudos de teoria e de história literária.
8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000.
DERRIDA, Jacques. Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2002.
GINZBURB, Carlo. O Fio e os Rastros. Tradução Eduardo Brandão e Rosa Freire
d'Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
LIMA, Luiz Costa. História, ficção e literatura. São Paulo: Companhia das Letras,
2006.
LUKACS, Georg. Narrar ou Descrever? Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.
A, 1968.
MOISÉS, Massaud. A criação literária. Prosa I. Cultrix, 1997.
MIRANDA, Ana. Desmundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
MARINHO, Maria de Fátima. A construção da memória. Veredas 10: Santiago de
Compostela, 2008, 135-148.
ORTEGA Y GASSET, José. A desumanização da arte. São Paulo: Cortez, 2005, 5ª Ed.
SCHOKEL, L. Alonso. A Palavra Inspirada – A Bíblia à luz da Ciência da Linguagem.
São Paulo: Edições Loyola, 1992, 3 ed.
SCOTT, Joan. História das mulheres. In: A escrita da história: novas perspectivas.
Peter Burker (Org.). Trad. Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1992.
WHITE, Hayden. As ficções da representação factual. In: ______. Trópicos do
Discurso; ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: EDUSP, 2001.

1104
LITERATURA INFANTOJUVENIL, VISUALIDADES E LINKS: INTERAÇÕES E LEITURAS

Rodrigo da Costa Araujo


UFF/FAFIMA

RESUMO: A literatura e os livros infantojuvenis contemporâneos, apoiados em vários


recursos da linguagem visual e no contexto da hipermídia, apresentam-se e propõem-
se como lugares criativos de manifestação da experiência das imagens, sejam como
ponto de confronto entre riscos do dizer e o que falam (ou escrevem) sobre o ver, ou
como ponto de fricção e de interpretação de linguagens. Ao considerar esses olhares,
o jogo dos intertextos e de links em algumas tramas e obras, essa comunicação oral
pretende analisar o livro infantojuvenil e a ilustração como corpus e leitura estética e
visual. Esta pesquisa, em desenvolvimento, acontece através da Disciplina Literatura
infantojuvenil e prática pedagógica, e é parte de experiências com a leitura e
visualidades em cursos de Licenciaturas onde atuo como docente, em Macaé-RJ. Como
exemplos para esse recorte, utilizaremos os livros: Abrindo Caminho (2004), de Ana
Maria Machado; Cantiga (2013), de Blexbolex, Alice viaja nas histórias (2007), do
escritor italiano Gianni Rodari e Abra este pequeno livro, de Jesse Klausmeier. Como
referencial teórico, utilizaremos conceitos e abordagens dos estudiosos Gerard
Genette, Rui Oliveira, Luiz Camargo e Lucia Santaella. Nessa operação de “ler”
ilustrações, links e intertextos, portanto, implica a importância capital da imagem na
cultura contemporânea e no design do livro infantil, por conseguinte, em critérios de
leitura para desvendar suas discursividades e narratividades em potência.
Palavras-Chave: Literatura infantojuvenil. Leitura. Ilustração. Hipermídia.

ILUSTRAÇÃO & HIPERTEXTUALIDADE

Para avançar na leitura é preciso um gesto que atravesse a solidez


material do livro e dê a você o acesso à substância incorpórea dele.
Penetrando por baixo entre as folhas, a lâmina sobe impetuosa e
abre um corte vertical numa fluente sucessão de talhos que investem
contra as fibras uma a uma e as ceifam. [...]. A borda das folhas se
rompe, revelando o tecido filamentoso; um fiapo sutil - dito
“encaracolado”– se destaca, suave como a espuma de uma onda.
Abrir uma passagem com o fio da espada na fronteira das páginas
sugere segredos encerrados nas palavras: você avança na leitura
como quem penetra uma densa floresta (CALVINO, 1999, p. 48).

A imagem, essencialmente a ilustração de livros infantojuvenis, tem ocupado


lugar de destaque na sociedade moderna, não só na produção gráfica e editorial, mas
em outros vários seguimentos, a exemplo do que ocorre no setor publicitário e no
espaço virtual. Em virtude disso e pautando-se nessa dinâmica, é notório que as

1105
publicações literárias para crianças e jovens139 tenham primado por ilustrações de
qualidade, visando, assim, garantir a preferência do público consumidor, ampliando,
por sua vez, o mercado para designers, ilustradores e outros profissionais do mercado
editorial.
Essa literatura, apoiada em vários recursos da linguagem visual e no contexto
da hipermídia, apresenta-se e se propõe como lugar criativo de manifestação da
experiência das imagens ou como ponto de fricção e de interpretação de linguagens.
Ao considerar esses olhares, o jogo dos intertextos e de links em algumas tramas e
obras, essa comunicação oral pretende analisar o livro infantojuvenil e a ilustração
como corpus e leitura estética e visual.
O universo do texto literário para criança e jovens, principalmente a partir da
década de 90, recebeu uma migração de artistas plásticos que concebe o objeto livro
de outra maneira; o objeto livro apresenta-se no jogo e concentração de linguagem de
natureza vária e variada. Ele perde, definitivamente, o estatuto de mero instrumento
decorativo ou puramente literal. Integram-se ao livro, os avanços tecnológicos e a
articulação com os vários ambientes midiáticos, fortalecendo o intercambio de
culturas, saberes e textos, reconhecendo o perfil do leitor do terceiro milênio. Nesse
contexto, a hibridização de códigos, linguagens e mídias - suscita novo leitor e outra
interatividade com o design digital. Dessas confluências de mídias e hibridização das
esferas tecnológicas, emerge o dinâmico universo hipermidiático.
Essas obras solicitam, de algum modo, novos paradigmas de pensar, agir e
sentir ou ensinar esse novo modo de leitura. A estrutura multilinear e multisequencial
de suas características requerem um leitor/receptor capaz de interagir, por meio de
escolhas e percepção astuta suas descobertas, enredos, objetivos.
Ao acompanhar esse contexto multifacetado, fluido e não sequencial, Abrindo
Caminho, de Ana Maria Machado (2004), Cantiga (2014), de Blexbolex - pseudônimo
de Bernard Granger, Abra este pequeno livro (2013), de Jesse Klausmeier e Alice Viaja
nas Histórias (2007), de Gianne Rodari exploram as formas tradicionais de som,

139
Ler melhor a esse respeito o livro: SERRA, Elizabeth Org. A arte de ilustrar livros para crianças e
jovens no Brasil. Fundação Nacional do Livro infantil e juvenil. Rio de Janeiro: FNLIJ, 2013.

1106
imagem e escrita que se metamorforseiam, representando uma espécie de cartografia
através de elementos-chave ou links (nexos associativos).
Com o intuito de sugerir essa cartografia de certos sistemas visuais com a
aparente falta de arranjo sistemático, em que, todavia, mantêm coerência e coesão
dentro de uma dialética da desordem, recorre-se às contribuições teóricas do
hipertexto140. Essas contribuições disponibilizam novas possibilidades de leitura ao
incorporar em sua dinâmica o modo fragmentado e fluido com que a memória opera,
pois ele “[...] não é feito para ser lido do começo ao fim, mas sim através de buscas,
descobertas e escolhas”. (SANTAELLA, 2007ª, p. 308) Assim, “[...] permite ao leitor
abrir janelas e mais janelas no texto, promovendo um encadeamento com outros
textos e contextos, sem seguir necessariamente as trilhas já traçadas.” (WALTY, 2006,
p. 117)
Acompanhando o formato hipertextual, essas obras estão sujeitas a volatilizam-
se, seguindo o curso de um rizoma, o qual imbrica em uma cadeia de caminhos
formada por vários blocos interdependentes que permite redescobrir a autonomia e a
importância das partes. Logo, tal multiplicidade dota o texto/livro de um excesso de
entradas e saídas que pode transbordar por uma linha de fuga e ultrapassar o livro.
O objetivo dessa leitura não é apresentar questões pertinentes à natureza e às
tipologias da imagem, nem tampouco discutir o que está subjacente aos mecanismos
editoriais no que concerne à circulação do livro infantojuvenil, mas mostrar algumas
modalidades literárias em que a imagem visual se faz decisiva no processo de
motivação de transposição para o nível do abstrato e convencional do código escrito
ou virtual, fortalecendo, por outro lado, uma expressividade peculiar e representativa
da literatura infantojuvenil com a tecnologia e com a versatilidade estética da leitura
pela ilustração.
A partir dessas premissas, torna-se fundamental destacar que, nesse fluxo de
linguagens, o livro impresso, também, é afetado significativamente pela cibercultura,

140
Hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, imagens, gráficos
ou parte de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser
hipertextos. [...] Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que
pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.
(LÉVY, 1993: 33)

1107
constituindo-se, assim, em um campo fértil de experimentações literárias,
especialmente, para crianças e jovens. Ou seja, nessas obras:

Diversos códigos migram para livro, da mesma forma como códigos


do livro migram para outros suportes, e, com esse trânsito, os textos
vão assumindo características de estrutura hipertextual; o que vai
requerer um programa de acesso via leitura com características de
um mapa de navegação multidirecional e interativo do hipertexto do
computador para explorar os limites e possibilidades desse hiperlivro,
feito de links múltiplos, que vão traçando vias permutacionais pelas
quais é possível navegar. (CUNHA, 2008, p.49)

LEITURA, VISUALIDADES & VERSATILIDADE


Leitura de imagens (2012), de Lucia Santaella é, como o próprio título
encaminha, uma obra que se propõe a pensar o ensino teórico e prático da leitura de
elementos não verbais e suas possíveis significações e elementos estéticos em signos
visuais. Para tal proposta, a pesquisa dedica-se às imagens fixas e bidimensionais, ou
seja, centra-se nas imagens que podem ser representadas em superfícies planas ou
impressas.
A introdução do livro - porta de entrada para a proposta - trata da necessidade
de expandir o conceito de leitura, uma vez que ele não fica restrito ao código
linguístico ou a elementos, predominantemente, verbais. Mais do que nunca, a escrita,
unida à imagem, ao som, ao movimento, ou a outros recursos imagéticos, afasta a
“visão purista da leitura restrita à decifração da letra” (2012, p. 11) do enunciado
verbal, construindo, a esse modo, um novo leitor, chamado por Lucia Santaella, de
“leitor imersivo”.
Santaella (2004) compreende o leitor imersivo como aquele que navega sobre a
liquidez dos signos, construindo mapas de leitura a partir da escolha de rotas e
direções em um roteiro multilinear e labiríntico, juntando fragmentos, os quais se
vinculam a partir de uma lógica associativa. Esse leitor, segundo suas premissas,
assemelha-se a uma espécie de flâneur141.

141
O flâneur é um observador que se estimula em fixar residência na multiplicidade, onde tudo se move,
infinito e evanescente. É um personagem errante e misterioso que teve origem na obra de Baudelaire. O
flâneur é consciente, livre, preserva a própria identidade e emerge em tempos diversos, ele é capaz de
1108
Para fundamentar o conceito de leitura que a obra amplia, Lucia Santaella,
considera e retoma intertextualmente a expressão visual literacy (letramento visual ou
alfabetização visual). A partir dessa premissa, para se ler uma imagem, “deveríamos
ser capazes de desmembrá-la parte por parte, como se fosse algo escrito, de lê-la em
voz alta, de decodificá-la, como se decifra um código, e de traduzi-la, do mesmo modo
que traduzimos textos de uma língua para outra" (2012, p.12).
Ressignificada, a alfabetização visual, nesse caso, significa aprender a ler
imagens, desenvolver a observação de seus aspectos e traços constitutivos, detectar o
que se produz no interior da própria imagem, sem, no entanto, fugir para outros
pensamentos que nada têm a ver com ela. Ou seja, nessa perspectiva, significa adquirir
os conhecimentos correspondentes e desenvolver a sensibilidade necessária para
saber como as imagens se apresentam em suas diversas facetas e modos específicos.
Na rubrica O que é imagem, Lucia Santaella discute o conceito de imagem
retomando princípio platônico: existem imagens naturais, como as refletidas na água e
existem imagens artificiais, como as produzidas, criadas ou recriadas pelo homem.
Com base nessa distinção, a estudiosa instaura uma breve discussão entre os ideais
naturalistas e os convencionalistas sobre a imagem. Porém, os dois vieses possuem o
caráter de duplo, inerente e decorrente da similaridade entre imagem e o que dela
pode ser representada.
O terceiro e quarto capítulo da obra exploram as imagens que articulam e
integram, em sua composição, a palavra e a imagem e as suas relações diversas na
construção de sentidos. Na rubrica Imagens nos livros ilustrados explora as
proximidades entre imagem e texto, considerando três tipologias de leitura como
forma de leitura dos enunciados verbo-visuais: a relações sintática, semânticas e
pragmáticas.
O quinto e último capítulo trata das rubricas Imagens no design e A imagem no
contexto da hipermídia. Esse último olhar, em consonância com essa discussão,
conceitua e apresenta a hipermídia como a nova configuração de linguagens humanas,
constituída pela fusão do hipertexto com a multimídia. O hipertexto caracteriza-se,

retornar e remontar o passado histórico a partir do presente, apontando para um futuro cheio de
possibilidades.
1109
segundo Santaella, “por nós ou pontos de intersecção que, ao serem clicados,
remetem a conexões não lineares, compondo um percurso de leitura que salta de um
ponto a outro de mensagens contidas em documentos distintos, mas interconectados”
(2012, p.177). Na conexão dos hipertextos com documentos distintos e
multimidiáticos (fotos, músicas, vídeos etc), inaugura-se uma nova maneira de formar,
configurar e disseminar informações: a hipermídia.
Leitura de imagens, em seu conjunto, questiona ou desconstrói opiniões, ideias
e concepções que, muitas vezes, são instituídas como naturais, necessárias,
consensuais, para a leitura ou trabalho pedagógico com a imagem. Nesse sentido, a
obra traz importantes reflexões e críticas sobre ideias estabelecidas pelo senso
comum.
Discutir as condições atuais de produção de leitura, numa interseção entre o
livro literário e as diversas mídias, torna-se fundamental para quem quer chegar perto
dos sentidos da leitura ou da versatilidade que ela propõe ou instaura. Hoje, mais do
que nunca, o cenário dos estudos sobre a leitura, cresce a preocupação com a
multimodalidade, ou seja, com os espaços multimodais, em que os sentidos são
construídos a partir de recursos como gestos, olhares, postura e disposição de objetos
visuais, conceito que vem produzindo desdobramentos no campo dos estudos sobre a
literatura para crianças e jovens.

LIVROS, ILUSTRAÇÕES & LINKS

Texto, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns
para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-
se, unem-se, separam-se e entrecuzam-se. Tornam-se leves,
perambulantes. Perderam a estabilidade que a força de gravidade
dos suportes fixos lhes emprestavam. Viraram aparições, presenças
fugidias que emergem e desaparecem ao toque delicado da pontinha
do dedo em minúsculas teclas (SANTAELLA, 2007, p.27).

Em tempos de proliferação das linguagens - inclusive nas ilustrações


contemporâneas - e de toda espécie de misturas que correspondem a fusões,
combinações e simultaneidades das redes culturais, tratar da leitura literária, e
consequentemente do livro como objeto artístico, requer uma compreensão mais

1110
aberta do que até então se considera literatura, para não se correr o risco de alcançar
a complexidade desse tema. Para discutir o que destacamos como versatilidade do
leitor, nesse texto, trazemos exemplos de algumas reflexões através das obras-recorte.
Em Abrindo Caminho, de Ana Maria Machado e ilustrado por Elisabeth Teixeira,
acompanham-se construções circulares, formas fragmentadas, rizomáticas e
labirínticas, que instigam visualmente jogo de retomadas, e interatividade com o leitor,
segundo a teoria de Santaella (2007a).

Figura 1: Capa do livro Abrindo Caminho, de Ana Maria Machado.

Nessa fabricação texto-visual, nota-se que a arquitetura narrativa gira em torno


de três grupos, os quais se referem cada um a três personagens. O primeiro trata dos
sujeitos ligados à poesia, aludindo a Dante Alighieri, Carlos Drummond de Andrade e
Tom Jobim. O segundo seria das grandes personalidades da História, mencionando
Cristóvão Colombo, Marco Pólo e Alberto Santos Dumont. Já o terceiro reporta-se a
uma garota, um menino e ao leitor da obra, os quais se relacionam, respectivamente,
com as divisões anteriores, feito retomadas em mise en abyme.
Assim, mesmo que, aparentemente, aos fragmentos, as micros narrativas se
re(inter))cruzam, engendrando em um espaço de simultaneidade e sobreposição de
acontecimentos que se multiplicam em um diagrama de vozes e combinações, nos
quais o leitor é obrigado a ziguezaguear por uma estrutura não mais linear e fixa.
Contudo, o que se estabelece é uma conexão multiespaço-temporal que, a partir de
links, constrói os sentidos em uma vasta rede hipertextual sempre em crescimento,
assemelhando-se a uma enciclopédia ou espécie de biblioteca virtual.

1111
Figura 2: Capa de Cantiga (2014), de Blexbolex.

Já a dialética entre o visual e o imaginário, entre os manejos da materialidade e


o sopro do imaterial, são algumas das principais linhas de força da viagem ou da
cantiga poética do artista plástico francês Blexbolex, publicada recentemente pela
editora Cosac Naify. Cantiga (2014), de Blexbolex - pseudônimo de Bernard Granger -
já conquistou o público e o mercado da literatura infantojuvenil na Europa e nos
Estados Unidos, porque foi eleito, pelo New York Times Boocks Reviews, como um dos
dez melhores livros ilustrados de 2013. A obra também recebeu prêmio Pépite du Livre
Orni, na França.
Dividido em sete capítulos, o livro funciona como museu de imagens delicadas,
trazendo as marcas da musicalidade poeticamente administradas. São figuras que a
cada recomeço - feito gestos da oralidade ou mesmo links visuais - vão ganhando
novos personagens, cores e sentidos. Em outros momentos e conexões, as paisagens e
esses personagens ou cenas cotidianas retomam lendas alemães, mas, também,
podem ser encontradas em histórias populares que circulam pelo mundo todo.
Blexbolex escreve e ilustra esses elementos com criatividade e fino
acabamento, coincidindo, com os traços minimalistas de recortes desenhados com
refinado encanto. Dinamiza o livro e o enredo de Cantigas, em fragmentos, com base
numa escala rítmica em que se revezam palavras e pequenas frases, com refrões, que
se repetem e servem como legendas para os desenhos.
Por fim, Cantiga, de Blexbolex constitui-se num livro em que a reflexão sobre as
cantigas e a oralidade, em conjunto com suas ilustrações e traços, o ato de fixar e
olhar, mais alto, na exata medida em que sua arte, à feição de humanista e dos artistas

1112
plásticos, pesa e mede as palavras, justapõe o presente e o passado, interroga
realidades aparentemente óbvias, para representar nas suas instigantes imagens, o
fluxo e refluxo da condição humana e das imagens do mundo em links.
Definitivamente, Cantiga funciona como um elogio aos olhos, ao ato de ouvir e contar
histórias, como, também, ao mundo da arte.

Figura 3: Abra este pequeno livro (2013), de Jesse Klausmeier.


Capa do livro.

Abra este pequeno livro (2013) 142, de Jesse Klausmeier, com ilustrações de Suzy
Lee revela, num primeiro lance de olhar, o jogo metalinguístico do processo da leitura
ou do próprio ato de brincar com o livro. Jogo relacional, além de apelativo pelo título
que nomeia a obra, a brincadeira propõe equações, referências recíprocas de um
sistema de signos e de linguagem.

Figura 4: Detalhe do livro Abra este pequeno livro.

142
Livro que recebeu o prêmio da FNLIJ Monteiro Lobato como melhor tradução/adaptação para criança
em 2014.
1113
Espécie de elogio ao livro e à leitura, Abra este pequeno livro - que não tem
nada de pequeno - é, também, metáfora e estratégia da leitura como jogo da memória
ou identidade individual e coletiva, bem como baú que guarda alguma visão de
mundo, impressões visuais e hipertextuais, relações, descobertas, saberes, memória
poética ou links visuais.
Livros dentro do livro, a obra sugere que um personagem abra um novo livro, e
o leitor, por sua vez, também, o acompanhe, descobrindo outro livro, e assim,
sucessivamente, até o infinito de livros e leituras, descobertas e horizontes. O livro
como um todo, é a arte e arte de inventar, de fingir, de enganar e ao mesmo tempo
mostrar o seu engano. Essas atitudes são vistas em livros que se repetem na ilustração
e na própria estrutura da obra, na leitura que se propõe e no ato de folhear, nas
bordas das páginas que escondem e prolongam, visualmente, um quantitativo de
páginas que não existem de fato, no gesto de abrir e fechar, na multiplicidade poética
de livros e leituras nas mãos dos personagens e na mão do próprio leitor. É, também,
uma linguagem instauradora de realidades e exploradora de sentidos, a qual possui
uma capacidade de gerar, tanto na forma impressa, como poética, inúmeras
significações a cada nova leitura ou olhar, porque a leitura é, a partir daí, uma
estratégia visual/hipertextual.
Semelhantes aos hipertextos ou acompanhando essas características, os livros
que se abrem dentro de um livro maior, com capa dura e em tons de roxo e lilás,
trazem formatos inovadores, proporcionando uma experiência de leitura estética,
criativa, lúdica e interativa. Dentro de cada livro, escondem-se livros menores, até
ficarem menores ainda, tão menor do que o dedo da giganta da história, que precisará
da delicadeza do ato de virar a página. Suzy Lee e Jesse Klausmeier criam, ludicamente,
assim, livros dentro de livros que merecem serem lidos em suas individualidades,
delicadezas e gesto específico. Leitura e sentidos, os sentidos da leitura, ou mesmo, a
leitura pelos sentidos: o ver, o ler, o sentir, o manusear.

1114
Figura 5: Capa do livro Alice Viaja nas Histórias (2007), de Gianni Rodari.

Como quem acompanha o gesto dos links, quem folheia Alice Viaja nas
Histórias (2007), do italiano Gianni Rodari e com ilustrações de Anna Laura Cantone
não tem como ficar encantado com as viagens, a memória de leitura e o deleite visual.
Qualquer leitor atento experimentará os links como estratégias de retomadas e
memória, tanto visual como hipertextual.
Alice Viaja nas histórias cresce, alonga-se, como os tempos e links dos contos
de fadas pelos séculos a fora, em profusão: palavras, pensamentos, vontades,
acúmulo, leituras infinitas, páginas e paisagens. Uma biblioteca de Alice? E o livro
multiplica-se, porque ele se alastra, e ri: enquanto houver histórias e livros, o leitor
estará tomado, possuído dos pequenos recuos, dos adjetivos cheios, dos vocábulos
encharcados, cobrindo, com folhas e leituras, as páginas. O desenho do rosto de Alice
permanecerá, tal como comprovam os retratos, praticamente o mesmo. Por isso, ela
não morre e atravessa séculos e linguagens.
O livro inteiro é um elogio à leitura, à literatura ou a certa hipertextualidade
que faz do enredo uma rede de citações. É uma memória, trabalho de retomadas que
não apenas narram; recolhem, imprimem, espalham, retém, recriam. Costuras,
lembranças, sensações. Histórias que correm de dentro para fora, para cima e para
baixo, para lá e para cá. Agita mil fragmentos díspares, ora iluminados, ora em sombra,
pendentes, oscilantes, errantes.

ÚLTIMA PÁGINA, OUTROS LINKS?

1115
Por meio de visualidades, exercício interativo de leitura e jogo, foi possível
imergir nas malhas ou redes textuais que compõem os livros Abrindo Caminho,
Cantiga, Abra este pequeno livro e Alice viaja nas histórias revisitando-os, olhando-os
(sem pressa alguma), percebendo outros textos, livros ou imagens de livros que eles
guardam ou aludem. Essa navegação visual e impressa pelas páginas e nexos reforçam
e estabelecem, de alguma forma, certa trama de linguagens, guiada pelas percepções
dos leitores; possibilitando compreender que cada itinerário é uma descoberta nova
(de caminhos que se bifurcam, como quis Borges) e que nunca se está perdido na
profusão de fios (ou rede que eles retomam, reforçam, reconstituem, refazem,
reescrevem, recontextualizam visualmente).
Essa atividade leitura e versatilidade que ora pausa em uma página,
provisoriamente, à espera de novas descobertas ou detalhes, possibilitaram a
amplidão de um olhar para além dos horizontes nacionais, em um encontro com o
outro, com muitos, com traços e descobertas. Do veio teórico utilizado para perceber
essa intricada rede de fios múltiplos da ilustração, emergem novas leituras e
visualidades, além de um novo perfil do leitor cognitivo, como via de acesso e
maneiras de entender as interfaces criadas, bem como proporcionar a percepção dos
complexos enlaces da cultura e da língua.
Os livros, utilizados como recortes para esta leitura, em suas diversas
configurações e linguagens são, nesse sentido, exemplos de sugestões visuais ou
impressas de hipertextos, pois se constituem de centros e hierarquias provisórios que
se estabelecem na interação do leitor com o tecido texto-visual por meio de uma
produção em rede multilinear, certo mapa de linhas que remete ao mundo, à cultura e
à leitura. Eles, em sua potencialidade ou versatilidade de leitura, abarcam, pelo jogo
interativo e visual, o que Lúcia Santaella reforça como novas configurações da imagem
em um novo ambiente altamente híbrido, o da hipermídia.
Clicada a palavra ou a imagem, ela pode nos levar a outros cantos e esquinas da
rede e nelas podemos encontrar outros textos explicativos ou imagens ilustrativas. É
difícil prever o que vamos encontrar. De todo modo, os livros em questão sugerem
uma leitura em rede, inteiramente feita de conexões e chegar a elas depende do
usuário, de suas visualidades, leituras e interações. Por meio de suas ações interativas,

1116
fragmentos de ilustrações, partes de algum desenho vão de juntando a outras partes
de outra ilustração, transmutando-se em intocáveis versões que brotam, na medida
em que o receptor/leitor se coloca em posição de coautor desse processo. Isso só é
possível devido à estrutura de caráter hiper, não sequencial, multidimensional, que dá
suporte às opções daquele que Lucia Santaella consagrou como “leitor imersivo”.
Esse leitor, por sua vez, e a partir dessas reflexões estéticas e pedagógicas, deve
perceber os processos dinâmicos de produção e recepção (hiper)textual, os quais
pressupõem a desconstrução de lugares fixos, uma vez que ele torna-se, também,
coautor dos sentidos, da interação do movimento alinear, contínuo, multidirecional
das tramas e artimanhas que a obra sugere. Em mais de um livro do recorte estudado,
as ilustrações são integradas à linguagem verbal, a qual, por sua vez, estaria integrada
aos enunciados não verbais (ou visuais) em um procedimento que resultaria em uma
duplicação da leitura.
A literatura infantojuvenil contemporânea seja ela da criação impressa - com os
recursos extremamente visuais e apelativos ou técnicas de designers - seja das tramas
virtuais e labirínticas com seus recursos hipermidiáticos - assume, definitivamente,
novas formas de ler/ver e novas formas de conceber o objeto livro. A abordagem
impresso-virtual trouxe uma nova perspectiva da tecnologia enquanto fonte cultural.
As diversas linguagens utilizadas, sons, movimentos, imagens e, sobretudo, a
interatividade, transformaram a leitura e releitura do conto numa experiência criativa
e pedagógica.
Assim, estudar literatura ou estabelecer novas práticas com o processo de
alfabetização visual e leitura é correlacionar, o tempo todo, diferentes sistemas de
signos. Desse modo, sempre num ambiente descontraído e lúdico, percebemos como a
linguagem das ilustrações e do mundo artístico sofre os efeitos e características de
diferentes códigos, e, por outro lado, como esses efeitos agem sobre eles, o que, de
certa forma, provoca um processo ininterrupto de transformação com o trabalho da
linguagem. Um trabalho que ganha força com os vários recursos tecnológicos.
Enfim, o trabalho lúdico com a leitura e a literatura infantojuvenil de boa
qualidade é o lugar, comprovadamente, de manifestações da linguagem, e, que faz
confluir, além dos diversos códigos e manifestações culturais, um ambiente diverso e

1117
atraente. Além do mais, pela literatura infantojuvenil, a sensibilização artística da
leitura das ilustrações acontece em comum com as mutações do mundo das
linguagens, linguagens pelas quais o concreto histórico fala e relaciona-se
semioticamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Rodrigo da Costa. Para além das palavras: a ilustração e o livro infantil
contemporâneo. Revista Mosaicum. v. 10, p. 10-20, 2009.
___. O livro infantojuvenil, a ilustração e o deleite dos signos. In: ARAUJO, Rodrigo
da Costa Araujo, OLIVEIRA, W. Literatura Infantojuvenil: diabruras, imaginação e
deleite. Vila Velha. ES. Opção Editora. 2012.
___. Leitura hipermídia, Literatura e outros universos interartes. In: ARAUJO,
Rodrigo da Costa, OLIVEIRA, W. Educação a distância e novas tecnologias. Vila Velha.
ES. Opção Editora. 2013. pp.79-102.
___. Como ler imagens? [Resenha] E-scrita Revista do Curso de Letras da UNIABEU
Nilópolis, v.5, Número 3, set.-dez. 2014. pp.194-198.
___. Leitura(s), literatura infantil e as diversas linguagens. In: ARAUJO, Rodrigo da
Costa, OLIVEIRA, W. ES. Leituras em educação. Opção Editora. 2011.
CALADO. Isabel. A utilização educativa das imagens. Lisboa. Porto Editora. 1994.
CALVINO, I. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
CUNHA, Maria Zilda. Entre livros e telas - A narrativa para crianças e jovens:
saberes sensíveis e olhares críticos. In. VI Atlântica n.14. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 2008.
BLEXBOLEX. Cantiga. Tradução: Alexandre B. de Souza e Érka N. Vieira. São Paulo:
Casac Naify.2014.
KLAUSMEIER, Jesse. Abra este pequeno livro. Ilustrações de Suzy Lee. São Paulo:
Cosac Naify. 2013.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo. Editora 34.1996.
MACHADO, Ana Maria. Abrindo Caminho. Ilustrações de Elisabeth Teixeira. São
Paulo: Ática, 2004.

1118
MARTINS, Aracy A. [et. al.] Organizadoras. Livros & Telas. Belo Horizonte: Editora
UFMG. 2011.
NASCIMENTO, José Augusto de A. Literatura infantil e cultura hipermidiática.
Relações sócio-históricas entre suportes textuais, leitura e literatura. São Paulo USP.
Faculdade de Letras. Dissertação de Mestrado. 2009.
OLIVEIRA, Rui de. Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para
crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
RODARI, Gianne. Alice Viaja nas Histórias. Ilustração Anna L. Cantone. Tradução
Silvana C. Leite e Denise M. Marino. São Paulo: Biruta, 2007.
SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1996.
___. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007a.
___. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo:
Paulus, 2007b.
___. Leitura de imagens. São Paulo: Melhoramentos. 2012c.
SANTAELLA, Lúcia; ARANTES, Priscila. Estéticas Tecnológicas: novos modos de
sentir. São Paulo: Educ,2011d.
SERRA, Elizabeth Org. A arte de ilustrar livros para crianças e jovens no Brasil.
Fundação Nacional do Livro infantil e juvenil. Rio de Janeiro: FNLIJ, 2013.
VIANA, Fernanda L.; COQUET, E.; MARTINS, Marta. [Organizadoras]. Leitura,
Literatura infantil e ilustração. Coimbra. Almedina. 2005.
WALTY, Ivete Lara Camargo. Palavra e imagem: leituras cruzadas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006.

1119
VIDAS SECAS: UMA LEITURA HIPER E INTERTEXTUAL

Giselda Maria Dutra Bandoli


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Sérgio Arruda de Moura


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Neste trabalho procederemos a uma reflexão sobre as noções de hipertexto


a partir de algumas atualizações da obra Vidas secas, de Graciliano Ramos. Nosso
propósito é, ao realizar a leitura de um objeto artístico, desvincular o hipertexto da
ideia de que este é um dispositivo possibilitado apenas pelo meio eletrônico. Assim,
evidenciaremos que em um texto impresso o hipertexto também se manifesta.
Postularemos que a linguagem literária, dado o seu caráter plurissignificativo e
conotativo, pode ser uma manifestação da hipertextualidade, além de evidenciarmos
que a estrutura formal da obra em análise – construída hipertextualmente – é
portadora de significados que devem ser atualizados pelos leitores. Por fim,
realizaremos uma leitura intertextual da obra, procurando destacar o diálogo existente
entre esta e outras obras de autores representativos da literatura brasileira.
Palavras-chave: Hipertexto. Intertextualidade. Atualização. Virtualização.

DOS HIERÓGLIFOS AO HIPERTEXTO: BREVES CONSIDERAÇÕES


Pode-se dizer que a escrita foi uma das mais estupendas invenções do ser
humano. Assim, aproximadamente 4000 a.C., os hieróglifos egípcios deram início a
uma nova relação do homem com o seu presente e seu passado e permitiram o
registro não só do pensamento de um indivíduo, mas também de toda a memória e
cultura de um povo. A humanidade se deu conta de que, por meio de um sistema de
símbolos, a comunicação através do tempo e do espaço se tornaria possível e
inevitável. Muitas foram, no entanto, as transformações pelas quais a escrita passou:
os hieróglifos cederam lugar à escrita alfabética e os rolos de pergaminho se
estabeleceram, alguns séculos mais tarde, retomando a linearidade da fala e
possibilitando uma escrita – e uma leitura – também linear.
Por volta do século III, um objeto com páginas separadas e protegidas por uma
lombada permitiu que a escrita claramente articulada formatasse o texto em
parágrafos, capítulos, sumários, índices e outros elementos que pudessem claramente

1120
facilitar a leitura e a sua compreensão. É o códice, o precursor do livro no formato que
hoje conhecemos. Tem-se, com esse novo suporte, a possibilidade de se tocar esse
objeto, folheá-lo livremente. Já no século XV, a tecnologia da impressão,
potencializada pela invenção de Gutenberg, colocou o livro ao alcance de um número
extraordinário de pessoas.
Muitas foram, por conseguinte, as transformações ao longo da história que
marcaram a relação entre a escrita/leitura e o escritor/leitor. Agora, em pleno século
XXI, estamos inseridos na era da escrita eletrônica que evidencia uma revolução de
suporte material no qual o hipertexto se destaca.
Muitas são hoje, no campo dos estudos da linguagem, as discussões acerca da
noção e natureza do hipertexto. Constituindo a base de escrita na internet, o
hipertexto configura um processo de leitura/escrita pautado na não linearidade,
permitindo o acesso, através de inúmeros links, a outros textos – verbais ou não
verbais – de maneira instantânea. Blocos de textos estariam conectados entre si e
estruturas agregativas – sons, imagens e palavras – comporiam todo o universo dessa
escrita hipertextual. Dessa forma, em um meio informático, digital, o hipertexto
possibilita o leitor escolher o percurso de leitura que deseja seguir já que o processo
da escrita associado ao da leitura pauta-se não em um trabalho de sucessão, mas de
associação.
O caráter não linear do texto e a ideia de um suporte informático são
comumente atribuídos à noção de hipertexto. Lévy (1996, p. 44), entre outras
concepções, o define

por oposição a um texto linear, como um texto em rede. [Assim] o


hipertexto seria constituído de nós (os elementos de informação,
parágrafos, páginas, imagens, sequências musicais etc) e de ligações
entre esses nós (referências, notas, indicadores, ‘botões’ que
efetuam a passagem de um nó a outro).

Realmente, por estarem disponibilizadas em um veículo com especificidades


próprias, as novas tecnologias de informação e de comunicação, permitem a
potencialização da hipertextualidade, já que a leitura realizada na tela de um
computador não apresenta fronteiras visíveis, permitindo o entrecruzamento de
outros textos e outras mídias. No entanto, verificamos que a forma de escrita (e de
1121
leitura) hipertextual não se restringe às formas de composição dos meios eletrônicos,
mas pode também ser observada em uma obra impressa. O próprio Lévy (1996)
exemplifica como leitura hipertextual a leitura de uma enciclopédia: aqui inúmeras
ferramentas de orientação (recorrência a dicionários, léxicos, índices, sumários,
remissões ao final do artigo, entre outras) são mobilizadas com o objetivo de facilitar a
compreensão do texto. Dessa maneira, o texto passa a ser lido de forma aleatória, não
apenas na sequência pré-determinada pelo autor.
O que dizer das iluminuras dos manuscritos medievais? E da leitura bíblica
empreendida desde o início do Cristianismo? E das notas de rodapé em textos
científicos? Esses são também exemplos de uma leitura não condicionada ao linear,
fugindo ao padrão hierárquico de informações: rompe-se com a leitura da esquerda
para a direita, de cima para baixo ou recorre-se a saltos ou a supressões de fragmentos
na leitura. O hipertexto, nessa perspectiva, configura-se como um dispositivo textual
existente muito antes de as tecnologias alcançarem seu domínio no mundo
contemporâneo, estando presente em nossa escrita desde tempos remotos. Ele não é,
portanto, exclusivo de ambientes virtuais, mas concebido como uma forma de um
autor construir seu texto e o leitor proceder à sua respectiva leitura.

A LINGUAGEM LITERÁRIA: UMA MANIFESTAÇÃO DA HIPERTEXTUALIDADE


Amparamo-nos na concepção de que a palavra é a essência da linguagem
literária, é a matéria-prima da literatura. Por ser carregada de todo um potencial
significativo e sonoro, o autor dela se apropria transferindo-lhe conotações que, por
sua vez, são atualizadas pelos leitores. Assim, através da conotação, há uma estreita
relação entre texto e leitor já que este cria, em sua imaginação, os mundos ficcionais
descritos naquele. A literatura permite, portanto, que o leitor invente mundos e
desperte suas lembranças ou ainda que viva experiências semelhantes às descritas
pelo autor de um texto literário.
É nessa perspectiva que aproximamos essa linguagem conotativa e
plurissignificativa do hipertexto. Tentemos associá-los: a linguagem literária possui o
poder de sugestão e evocação, ou seja, a palavra tem a capacidade de “desenhar” uma
série de imagens para o leitor. A construção dessas imagens em nossas mentes, no

1122
instante da leitura, assemelha-se às recorrências que fazemos aos hipertextos na tela
de um computador, ou seja, da mesma forma como os links em ambiente virtual são
acionados – transportando-nos a inúmeros outros eventos agregativos de som ou
imagens, por exemplo, – a linguagem literária, comportando-se também como um link,
aciona a imaginação e criatividade do leitor. Esse poder têm os textos literários. Na
obra Vidas secas, em particular, observamos tal comportamento. Vejamos:

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas


verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam
cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como
haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira
bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A
folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados
da caatinga rala (RAMOS, 1968, p.7)143.

Como não há trilha sonora, clipes do cenário onde é ambientando o enredo ou


ilustrações no texto, o leitor, já no primeiro parágrafo do primeiro capítulo da obra, é
convocado a construir uma representação do que é descrito no texto. Os adjetivos
selecionados pelo escritor, os campos semânticos relacionados ao sertão e a ação dos
personagens “obrigam” o leitor a iniciar toda a contextualização do tema a que se faz
referência na obra: o drama dos retirantes no momento em que a seca domina o
sertão. Aqui o leitor, se é menos ativo – na opinião de alguns –, comparado a um leitor
de uma versão informatizada portadora de inúmeros recursos hipertextuais
informáticos, com certeza não é o menos imaginativo já que pensou, imaginou por si
próprio, e sua imaginação não pode ser “achatada” dado que o fornecimento da
imagem não foi dada aprioristicamente. Aliás, Villaça (2004) já reconhece algumas
possíveis limitações do hipertexto em contexto eletrônico e a “homogeneização da
percepção” se instaura como uma delas. Isso porque a leitura, em ambiente virtual,
torna-se padronizada: imagens e sons são pré-estabelecidos e a capacidade de criação
do leitor consequentemente é reduzida.
Ainda podemos citar muitos outros exemplos, como o seguinte:

143
Daqui por diante citaremos trechos de Vidas secas pelas iniciais VS, seguidas da página
correspondente.
1123
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas
verdes. [...] A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos
galhos pelados da caatinga. [...] Os juazeiros aproximavam-se,
recuaram, sumiram-se. (VS, p. 7).

Essas três imagens dos juazeiros sugerem a longa caminhada que os


personagens empreendem pelo sertão: a expressão “manchas verdes” mostra que a
distância é tão grande que os personagens não podem avistar os juazeiros totalmente;
em seguida, a idéia de que sua folhagem “apareceu longe” sugere uma aproximação e,
por fim, a sequência dos verbos aproximar-se, recuar e sumir indica o afastamento
total do grupo. Ou seja, o escritor, recorrendo ao repertório lexical disponibilizado pela
própria língua, cria linguisticamente uma espécie de cena que deverá ser atualizada
pelo leitor no momento exato da leitura. Mais uma vez a linguagem literária permite
uma conexão entre palavra e construção cognitiva de imagens pelo leitor. E essa é a
função do hipertexto, interligar, conectar, linkar. Aliás, Lévy, citado por Coscarelli
(2003, p. 73), já evidencia esse “caráter hipertextual da palavra”:

Quando ouço uma palavra, isso ativa imediatamente em minha


mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas
também de imagens, sons, odores, sensações proprioceptivas,
lembranças, afetos, etc.

Também as figuras de linguagem, outro recurso linguístico que explora as


possibilidades da conotação da linguagem, seriam uma espécie de estrutura agregativa
uma vez que permitem que o leitor acesse ou acione inúmeras informações fora do
texto. Por exemplo, no fragmento: “Chape, chape. Os três pares de alpercatas batiam
na lama, rachada, seca e branca por cima, preta e mole por baixo. A lama da beira do
rio, calcada pelas alpercatas, balançava” (p.19), a onomatopeia “chape, chape” sugere
o som do atrito dos calçados de Fabiano, de Sinha Vitória e de um de seus filhos no
chão: é como se estivéssemos lendo e um dispositivo hipertextual/sonoro fosse
acionado; mas não, é apenas a palavra com o seu poder de também produzir som.
O que dizer de passagens como as seguintes: “As brasas estalaram, a cinza caiu, um
círculo de luz espalhou-se em redor da trempe”, “O som dos chocalhos era familiar,
mas a cantiga dos sapos e o rumor das goteiras causavam estranheza”? São
selecionados vocábulos que expressivamente sugerem som: lê-se a palavra, ouve-se

1124
um som, com a vantagem de que cada leitor estabelecerá relações (representações)
sonoras ímpares e únicas ao passo que, na rede, todos os leitores têm acesso às
mesmas informações hipertextuais pois aqui tudo já está configurado.
Como se vê, o signo lingüístico – através das duas faces que o compõem:
significado e significante – cria outros signos visuais ou sonoros, cria imagens e sons.
Nesse sentido, podemos considerar que a palavra – objeto da literatura – comporta-se
como um link no texto literário, isto é, no ato da leitura, o leitor busca seja na memória
seja nos conhecimentos adquiridos representações ou associações para tudo o que lê.
Esse ato de buscar empreendido pelo leitor compara-se com as conexões que são
realizadas quando um hipertexto informático é acionado.

ESTRUTURA HIPERTEXTUAL DE VIDAS SECAS: SIGNIFICADOS A SEREM ATUALIZADOS


O autor de um texto literário, ao criar uma obra, entre inúmeras outras
realizações, estabelece um pacto com o leitor, oferecendo-lhe a oportunidade de ver e
compreender a realidade a partir de um prisma diferente. Esse acordo possibilita a
entrada do leitor no mundo da ficção, ou seja, para que os mundos literários ganhem
vida, o leitor precisa habitar neles. Assim, todo o processo de construção de sentidos
de uma obra está condicionado ao percurso realizado pelo leitor no ato da leitura. É
ele quem reorganiza os sentidos dados a priori pelo autor.
São de Lévy (1996, p. 36) as imagens de um leitor completamente absorto
durante a leitura de um texto: um leitor que se vale do “ato de rasgar, de amarrotar,
de torcer, de recosturar o texto para abrir um meio vivo no qual possa se desdobrar o
sentido”. Essas imagens são metáforas de um leitor que constrói todo o processo de
criação de sentidos de um texto. Dessa forma, amparados nos conceitos do filósofo da
informação, entendemos que a leitura de um texto literário configura-se como um
processo necessário e inevitável de atualização, já que o leitor é chamado a atribuir
sentidos aos textos que lê.
Em Vidas secas, particularmente, enquanto leitores, somos então convidados a
instaurar o processo de atualização do texto, dado o caráter simbólico da literatura. A
estrutura formal da obra em questão torna-se, por conseguinte, um elemento
portador de significado que deve ser atualizado pelo leitor. Esse processo – a

1125
atualização – é convocado em resposta a um processo oposto: a virtualização.
Procuremos esclarecer esse ponto e, para iniciarmos nossas considerações,
tomaremos a noção de hipertexto em Babo (2004, p. 107):

As características que lhe [ao hipertexto] vêm sendo


consensualmente assinaladas são o abandono da fixidez [fixação e
rigidez] pela maleabilidade ou mutabilidade constante, o abandono
da linearidade pela natureza recticular, assim como a abertura às
remissões inter e intratextuais, o que provoca um descentramento
quer da linearidaridade quer do próprio núcleo textual, para além do
consequente descentramento do nó-da-intriga e da unidade de
acção, no caso dos textos narrativos.

A noção de hipertextualidade apresentada pela autora alinha-se à nossa, ou


seja, o hipertexto não se configura apenas como um “objeto”, uma “janelinha” a ser
clicada na tela de algum dispositivo informático, mas como uma forma de leitura e
também de escrita. Embora à época de Graciliano Ramos a ideia do hipertexto ainda
não estivesse sido amplamente estabelecida, postulamos que a construção da
narrativa de Vidas secas se deu de forma hipertextual144, já que os capítulos que
compõem a obra são independentes e não obedecem a uma sequência linear do
tempo ou do espaço da narrativa ou ainda dos fatos enredados. Essa é, portanto, uma
obra cuja composição literária se ordena por capítulos justapostos permitindo que o
leitor escolha qual caminho de leitura seguirá. Nesse sentido, não só o processo de
escrita da obra é hipertextual, mas também o processo de leitura empreendido pelo
leitor o é.
Formada por treze capítulos, Vidas secas apresenta-nos, por meio do drama da
família de Fabiano, toda a problemática do povo nordestino – fome, miséria e
necessidade de fuga – quando assolado pela seca. A narrativa é engendrada de modo
que a “fixidez” (Babo, 2004) seja abandonada, pois a obra não segue um esquema
convencional de enredo. O primeiro capítulo, por exemplo, se inicia registrando a
caminhada da família de retirantes, em busca de um lugar não castigado pela seca:

144
Todo o projeto da obra, desde a sua concepção, caminhou para a hipertextualidade quando
Graciliano Ramos inicia a escrita do texto pelo nono capítulo “Baleia” e não pelo primeiro, o modo
tradicional da construção de uma narrativa.
1126
Arrastaram-se para lá, devagar, sinha Vitória com o filho mais novo
escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio,
cambaio, o aio a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa no
cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho
e a cachorra Baleia iam atrás (VS, p.7).

E tem como desfecho a cena de um “banquete” da família proporcionado pela


caça de Baleia: a cachorra caçara um preá, o que postergou a fome de toda a família,
naquele momento:

Em seguida acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as


raízes de macambira, soprou-as, inchando as bochechas cavadas.
Uma labareda tremeu, elevou-se, tingiu-lhe o rosto queimado, a
barba ruiva, os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava
no espeto de alecrim. [...] Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E
como não podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a
hora de mastigar os ossos. Depois iria dormir (VS, 14-5).

Já o segundo capítulo – “Fabiano” – se inicia apresentando uma cena que não


encontra correspondência com o capítulo anterior: “Fabiano curou no rastro da
bicheira da novilha raposa. Levava no aió um frasco de creolina, e se houvesse achado
o animal, teria feito o curativo ordinário. Não o encontrou, mas supôs distinguir as
pisadas dele na areia”. Quebrou-se a sequência narrativa, quebrou-se a linearidade do
texto. Ainda nesse momento a figura de Fabiano merecerá destaque já que esse
personagem é o foco do capítulo. Um ser animalizado devido às condições miseráveis
em que vive nos é então apresentado: “— Fabiano, você é um homem, exclamou em
voz alta” [...] “— Você é um bicho, Fabiano” [...] “— Um bicho, Fabiano”. Nossa
observação volta-se agora para o último parágrafo deste segundo capítulo:

Àquela hora sinha Vitória devia estar na cozinha, acocorada junto à


trempe, a saia de ramagens entalada entre as coxas, preparando a
janta. Fabiano sentiu vontade de comer. Depois da comida falaria
com sinha Vitória a respeito da educação dos meninos (VS, p. 28).

Sem nenhum compromisso com os fatos enredados no capítulo terceiro –


“Cadeia” –, exatamente essa cena é retomada no primeiro parágrafo do quarto
capítulo, intitulado “Sinha Vitória” (p. 47): “Acocorada junto às pedras que serviam de
trempe, a saia de ramagens entalada entre as coxas, sinha Vitória soprava o fogo. Uma
nuvem de cinza voou dos tições e cobriu-lhe a cara, a fumaça inundou-lhe os olhos”.

1127
Mais uma vez a organização interna da obra evidencia o “descentramento da
linearidade” e do “núcleo textual” narrativo (Babo, 2004) visto que se permitem, em
sequência aleatória, leituras variáveis, numa disposição diversa da apresentada pelo
autor.
Nesse sentido, observamos que Graciliano Ramos vale-se da hipertextualidade
para compor toda a arquitetura narrativa em Vidas secas. Essa estrutura fragmentária
se instaura devido à inexistência de transição entre os capítulos que ora focam os
personagens da obra – “Fabiano”, “Sinha Vitória”, “O menino mais novo”, “O menino
mais velho”, “Baleia”, “O soldado amarelo” – ora algumas circunstâncias em que se
encontra toda a família em determinado momento – “Mudança”, “Cadeia”, “Festa”,
“Inverno”, “Contas”, “O mundo coberto de penas” e “Fuga”. Esses capítulos, dessa
forma, constituem quadros, fragmentos da realidade.
Há, nessa estrutura hipertextual de Vidas secas, o que Lévy (1996, p. 16) chama
de virtualização, já que para o filósofo “o virtual é como o complexo problemático, o
nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um
objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a
atualização”. O autor ao apresentar uma obra cujo enredo é formado por capítulos
“desmontáveis” cria um “nó” para o leitor, dado que este deve proceder a um ato de
atribuir significado a essa escolha do autor. Partindo do pressuposto de que “um ato
de leitura é uma atualização das significações do texto” (Lévy, 1996, p. 41), o leitor
entende que a independência entre os capítulos de Vidas secas reflete o isolamento
social de todos os membros da família de Fabiano e, por extensão, do povo nordestino
que vive à margem, sofrendo por conta de uma ordem social e econômica injusta, em
nosso país. Assim os capítulos autônomos ou independentes entre si funcionam como
uma espécie de espelho do ilhamento do homem nordestino, impossibilitado de
compreender o mundo em que vive, impossibilitado de interagir com seus pares,
vivendo estanque, à margem da sociedade.145

145
Não se pode pensar que essa sequência descontínua do texto provoque incoerências na obra; ao
contrário, há um todo coeso, uma unidade que resulta do tema tratado e a forma como o autor mescla
os episódios narrados.

1128
Ainda convém lembrar a estrutura circular entre o primeiro e o último capítulos
da obra, que é também uma forma hipertextual de organização da narrativa. E é
também em Lévy (1996, p. 43) que encontramos respaldo em nossa discussão, quando
nos diz: “ler consiste em selecionar, em esquematizar, em construir uma rede de
remissões internas ao texto, em associar a outros dados, em integrar as palavras e as
imagens a uma memória pessoal em construção permanente”. Os capítulos
autônomos e justapostos apresentam uma narrativa determinada por três
movimentos: retirada – período de estabilização (estio) – retirada novamente. A
circularidade desses movimentos é marcada no capítulo inicial e no final.
Há uma convergência temática entre esses capítulos, ambos registram a
mesma cena: a seca expulsando a família de Fabiano, que sai em busca de um local
onde possa encontrar uma condição melhor de vida.

E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio


grande. [...] As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano
aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As
alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe
aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. [...] Deixaram a
margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira,
chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra (VS,
Capítulo “Mudança”, p. 9-10).

Saíram de madrugada. Sinha Vitória meteu o braço pelo buraco da


parede e fechou a porta da frente com a taramela. Atravessaram o
pátio, deixaram na escuridão o chiqueiro e o curral, vazios, de
porteiras abertas, o carro de bois que apodrecia, os juazeiros. [...]
Arrastara-se até ali na incerteza de que aquilo era mudança (VS,
Capítulo “Fuga”, p. 147-8).

E quanto aos sonhos da família – marcados gramaticalmente pela presença de


verbos no futuro do pretérito – também presentes nesses dois capítulos? Eles são
recorrentes em ambos os capítulos. Desse modo, a obra se inicia da mesma forma
como se finaliza. Observemos:

A fazenda renasceria – e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem


dizer seria dono daquele mundo. [...] Uma ressurreição. As cores da
saúde voltariam à cara triste de sinha Vitória. Os meninos se
espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos
tilintariam pelos arredores. A caatinga ficaria verde (Capítulo
“Mudança”, p. 15).

1129
Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano
estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela
era nem como era. [...] Os meninos em escolas aprendendo coisas
difíceis e necessárias (VS, Capítulo “Fuga”, p. 159).

Assim, o capítulo inicial “Mudança” e o final “Fuga” reforçam o modo de escrita


e de leitura hipertextual de Vidas secas, e mais uma vez convoca-se a atualização como
a solução de outro “nó” criado pelo autor do texto. Ao estruturar a obra em capítulos
que apresentam a mesma situação temática, apresentando essa circularidade, o autor
propõe ao leitor que se faça um “desligamento”, uma “desleitura" do texto (LÉVY,
1996) na medida em que a essa circularidade também se pode atribuir um significado,
atualizado pelo leitor. Essa sequência circular pode simbolizar que o fenômeno da seca
também é cíclico e que qualquer forma de estabilidade para um nordestino retirante é
simplesmente impossível. Não há também qualquer perspectiva de mudança social
para os dramas das populações miseráveis nordestinas. Nada se altera. Dessa forma,
tal como um lema – às avessas – pessoano: caminhar também é preciso, viver não é
preciso, essas famílias, acuadas pela seca, terão sempre que buscar locais onde
possam dar continuidade a toda uma precária existência e, por isso, precisam lançar-se
inexoravelmente às fatigadas caminhadas pelo sertão afora sob um sol que parece
existir somente para castigá-las.

A INTERTEXTUALIDADE: CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA DE TODO DISCURSO


Nossas considerações a respeito da hipertextualidade nos levam a realizar
também uma leitura intertextual em Vidas secas. E Lévy (1996, p. 37) nos dá o mote
para relacionarmos o hipertexto à intertextualidade. Vejamos:

Com efeito, hierarquizar e selecionar áreas de sentido, tecer ligações


entre essas zonas, conectar o texto a outros documentos, arrimá-lo a
toda uma memória que forma como que o fundo sobre o qual ele se
destaca e ao qual remete, são outras tantas funções do hipertexto
informático.

Realmente, em um ato de escrita e de leitura, conectamos um texto a outros


documentos e esse processo além de hipertextual é também intertextual. Partindo
desse pressuposto, iniciemos nossas considerações a respeito da intertextualidade
1130
relembrando o seu clássico conceito apresentado por Kristeva (1974, p. 74): “todo
texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de
um outro texto”.
Essa concepção nos leva a considerar que, em sentido amplo, em todo texto há
a presença de outros textos já que, como nos afirma Maingueneau (apud Koch, 2008,
p. 60), “ um discurso não vem ao mundo numa inocente solicitude, mas constrói-se
através de um já-dito em relação ao qual toma posição”.
A intertextualidade assim compreendida nos permite relacionar a temática
discutida em Vidas secas a outras obras, observando em que medida se realiza o
diálogo temático entre elas. Assim, somos levados a buscar a presença de outros
textos na obra em análise. As respostas para essa busca vêm das palavras de Abaurre
(2010, p. 125), ao comentar o projeto literário de escritores brasileiros modernistas e
regionalistas da década de 30:

O Brasil testemunhou, na década de 30, uma explosão do romance.


Preocupados com o país em que viviam, escritores usaram a
narrativa como instrumento de denúncia de uma realidade que,
principalmente na região Nordeste, condena milhares de brasileiros à
miséria.

Muitas obras que nasceram nesse momento histórico estão, por conseguinte,
comprometidas em denunciar uma realidade socioeconômica, desmistificando a
idealização de um país sem problemas, tão proclamada pelo Romantismo. Autores
como José Américo de Almeida e Rachel de Queiroz, entre outros, participaram desse
projeto literário, tendo, inclusive, a seca como motivo literário:

Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não
tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do
seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no
arrastão dos maus fados.
Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo (ALMEIDA,
2004, p.8).

Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma


cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai.
Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não
tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois
no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz (QUEIROZ, 1971, p. 71).

1131
O diálogo entre os textos citados é evidente. Como participam da mesma
tendência – a literatura engajada de 30 –, há nas narrativas desses autores citados
uma retomada de tema. O drama vivido pela família de Fabiano em Vidas secas
também é o mesmo vivido pelos personagens de A bagaceira e de O quinze. Inevitável
recorrermos também a Koch (2008, p. 59) para finalizarmos nossas ponderações. Suas
palavras reforçam nossos postulados:

Todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical


de seu interior com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente,
fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam,
com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe.

PALAVRAS FINAIS
Estruturada a partir de capítulos narrando episódios independentes, atribuímos
a Vidas secas o caráter de escrita hipertextual, o que faculta ao leitor inúmeras
combinações de sequências de leituras, que a nosso ver são também hipertextuais. O
leitor, portanto, liberta-se da obrigatoriedade do linear, da hierarquia, se é que essa
obrigatoriedade existe.
Cabe ressaltar que não pretendemos abarcar as inúmeras considerações a
respeito do assunto em nossas análises; aliás, esse trabalho seria impossível.
Procuramos, dessa forma, enfatizar em nossas leituras que a hipertextualidade não
habita exclusivamente os meios eletrônicos como o senso comum pode conceber.
Muito mais do que uma realização para suporte dos meios virtuais, ela se manifesta
também em textos impressos, inclusive em obras literárias. Assim, partilhamos com
Lévy (1996, p. 40) a ideia de que “um hipertexto é uma matriz de textos potenciais,
sendo que alguns deles vão se realizar sob o efeito da interação com um usuário”. A
leitura hipertextual de Vidas secas, dessa maneira, além de tornar-se um leque que se
abre para a percepção de inúmeros significados que devem ser atualizados pelo leitor,
possibilita ainda estabelecer um diálogo com outras obras, de diferentes autores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABAURRE, Maria Luiza M.; ABAURRE, Maria Bernadete M.; PONTARA, Marcela.
Português – contexto, interlocução e sentido. São Paulo: Moderna, 2010.
1132
ALMEIDA, José Américo de. A bagaceira. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
BABO, Maria Augusta. O hipertexto como nova forma de escrita. In SÜSSEKIND,
Flora. (org.) Historiografia literária e as técnicas de escrita: do manuscrito ao
hipertexto. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2004.
COSCARELLI, Carla Viana (org.). Novas tecnologias, novos textos, novas formas de
pensar. Belo Horizonte: Autentica, 2002.
KOCH, Ingedore. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2008.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Tradução de Lúcia Helena França Ferraz.
São Paulo: Perspectiva, 1974.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.
QUEIROZ, Rachel de. O quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1968.
VILLAÇA, Nízia. Impresso ou eletrônico?: um trajeto de leitura. Rio de Janeiro:
Mauad, 2002.

1133
GT 09 - Autorregulação da aprendizagem

PERCEPÇÃO DE ALUNOS SOBRE PROCEDIMENTOS DO PROFESSOR EM SALA DE AULA


NA PERSPECTIVA DA AUTORREGULAÇÃO

Anádia Maria C. Alves Salles


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Tendo em vista a importância do docente para o desenvolvimento do


comportamento autorregulado do aluno, este relato objetiva analisar resultados de
uma pesquisa quantitativa acerca da percepção de sessenta alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental, de uma escola pública localizada no sudeste do Brasil, sobre o
comportamento dos professores em sala de aula e, assim, refletir se as práticas dos
docentes apresentam características que contribuem para a aprendizagem
autorregulada. Como instrumento para a coleta de dados, aplicou-se um questionário,
elaborado de acordo com a literatura especializada, compreendendo questionamentos
relacionados a duas das quatro dimensões que compõem o construto da
autorregulação (dimensões cognitiva/metacognitiva e motivacional). Os resultados
apontaram que, na percepção dos alunos, embora os professores tendem a
desenvolver práticas facilitadoras para uma aprendizagem autorregulada, há
necessidade de maior envolvimento dos professores no desenvolvimento dessas
práticas, principalmente no que se refere a estratégias que facilitam a manutenção da
motivação durante a realização das tarefas
Palavras-chave: Prática docente. Aprendizagem. Comportamento autorregulado.

INTRODUÇÃO
É recorrente nos dias de hoje a discussão acadêmica sobre a qualidade da
aprendizagem em ambiente escolar. Muitos estudos recentes têm apontado que o
processo de ensino-aprendizagem é uma construção que vai além do modelo de ação
do professor como mero transmissor de conhecimento e o aluno como passivo
receptor do saber. A literatura especializada tem mostrado que a autorregulação
contribui para uma aprendizagem eficaz, sendo a autonomia na aprendizagem
geralmente relacionada ao processo de autorregulação.
Segundo Corno (2012), para que os alunos adquiram hábitos de uma
aprendizagem autorregulada, faz-se necessário que a prática de ensino vá
1134
gradativamente mudando o controle da aprendizagem do professor para o próprio
aluno.
Considerando-se a significância do docente frente ao desenvolvimento do
comportamento autorregulado do aluno, busca-se neste artigo relatar algumas
observações decorrentes de um estudo sobre a percepção de alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental, acerca do comportamento dos professores em sala de aula,
verificando se essa conduta apresenta características facilitadoras para a
aprendizagem autorregulada dos aprendizes.
A escolha dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental decorreu do fato desses
sujeitos encontrarem-se em pleno desenvolvimento do pensamento formal, o que nos
leva a crer que possuem uma visão mais realística da relação professor X aluno em sala
de aula. Para tanto, foram aplicados questionários a 60 alunos (29 do sexo masculino e
31 do sexo feminino), estando eles com idade entre 13 e 16 anos.

CONCEITOS REFERENTES À AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM


A autorregulação, segundo Zimmerman (2010), refere-se a pensamentos,
sentimentos e ações autogerados, previamente planejados, e ciclicamente adaptados
para a obtenção de objetivos pessoais. Vê-se assim que a aprendizagem autorregulada
envolve quatro dimensões: cognitiva/metacognitiva, motivacional, comportamental e
contextual, sendo possível verificá-las não somente na aprendizagem escolar, como
em qualquer outra atividade146.
Este processo de aprendizagem é dividido em três fases específicas: a fase de
antecipação ou planejamento prévio, onde se define objetivos e traça-se o
planejamento de estratégias para a ação; a fase da execução, quando ocorre o
monitoramento e o controle da ação; e a terceira fase, a de autorreflexão, que se
refere à avaliação da execução da tarefa, em que o aprendiz reflete analisando a
trajetória percorrida durante o processo.
Zimmerman (2000 apud LOPES DA SILVA, 2004) afirma que estas fases
cumprem um ciclo de ação na autorregulação que permite novos desenvolvimentos,

146
Este relato focaliza algumas características da relação professor/aluno referentes às dimensões
cognitiva/metacognitiva e motivacional.
1135
com recuos e avanços sempre diferentes, porque enriquecidos pela experiência
anterior, pelo contexto em que ocorrem, e pelos resultados que vão sendo alcançados.
Alguns teóricos tendem a destacar aspectos distintos da autorregulação, no
entanto Pintrich (2010) afirma que todos corroboram com a ideia de que o estudante
que autorregula sua aprendizagem tende a ter uma participação ativa e construtiva em
relação à construção de significados, adaptando seus pensamentos, sentimentos e
ações de modo a facilitar sua aprendizagem.
Segundo Zimmerman (1986), faz-se necessário que o indivíduo organize e
discrimine seus recursos internos e externos, para que possam ser alcançados os
objetivos propostos em cada tarefa. Para o autor, tanto na aprendizagem escolar ou
em qualquer outra tarefa, a autorregulação abrange as dimensões anteriormente
citadas.
Pintrich (2010) apresenta um modelo que sintetiza as dimensões e fases do
comportamento autorregulado, apresentado a seguir:

Quadro 1 – Fases e dimensões da aprendizagem autorregulada


Fases Dimensões

Cognitiva/metacogni Motivacional Comportamen Contextual


tiva tal
1-Antecipação, Estabelecimento de Adoção do Planejamento Percepçõe
planejamento e objetivos objetivo pré- do tempo e do s do
avaliação estabelecido esforço contexto
Ativação do em relação
conhecimento prévio Julgamentos Planejamento à tarefa
do conteúdo de eficácia para auto-
observação de
Ativação do Julgamento comportamen
conhecimento sobre a to
metacognitivo facilidade ou
dificuldade
da tarefa

Ativação do
valor da
tarefa
Ativação do
interesse

1136
2- Execução: Consciência Consciência Consciência e Monitoran
metacognitiva e e monitorament do
 Monitorament monitoramento da monitorame o do esforço, (avaliando)
o cognição nto da do uso do a tarefa e
motivação e tempo e da condições
do afeto necessidade do
de ajuda contexto
Auto-
observação do
comportamen
to

Seleção e adaptação Seleção e Aumento ou Mudança


 Controle de estratégias adaptação diminuição do na tarefa
cognitivas para de esforço ou
aprender, pensar estratégias renegociaç
para manejar ão
a motivação
e o afeto
3- Reação e reflexão Julgamentos Reações Persistência, Alterar ou
final cognitivos afetivas desistência deixar o
contexto
Atribuições Comportamen
Atribuições to de busca de Avaliação
ajuda da tarefa

Mudança de Avaliação
escolha do
contexto
Fonte: PINTRICH (2010, p. 454).

Constata-se assim que o construto da autorregulação da aprendizagem é


multidimensional, uma vez que abrange mais de uma dimensão, e é cíclico, visto
envolver várias fases conforme demonstra o quadro anterior.
Através do questionário aplicado aos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental,
procurou-se verificar se os professores, na percepção dos alunos, incentivam o
comportamento autorregulado dos alunos nas duas dimensões que esse relato
focaliza, como já mencionado (dimensão cognitiva/metacognitiva e motivacional).
Metacognição significa conhecimento e controle sobre a própria atividade
cognitiva (MATEOS, 2001). Por conseguinte, a metacognição engloba tanto o

1137
autoconhecimento dos processos cognitivos quanto o autocontrole da atividade
cognitiva.
Segundo o modelo de metacognição elaborado por Flavell (1987), o
conhecimento metacognitivo envolve: autoconhecimento da pessoa; da tarefa a ser
realizada; e da estratégia para a realização da tarefa. Para Flavell (1987), o alcance das
metas ou dos objetivos pretendidos decorre desse conhecimento.
Vê-se assim o quão importante é levar os alunos a refletirem sobre suas
limitações e potencialidades, bem como sobre a adequação das estratégias utilizadas
na realização das tarefas. Entretanto, conforme reconhece Eccles e Wigfield (2002), é
necessário que o aprendiz atribua valor ao que faz para que se sinta motivado a agir,
por conseguinte, é importante que o professor explicite a finalidade das tarefas que
solicita, pois sem isto o aprendiz não tem como reconhecer sua importância ou lhe
atribuir valor.
A motivação do sujeito e a clareza dos objetivos a alcançar são fundamentais
para a ocorrência do comportamento metacognitivo. Os objetivos a serem alcançados
a longo prazo podem ser desestimuladores, por conseguinte é importante que se
estabeleça etapas na realização das tarefas (SÁ, 2004), e que os alunos saibam utilizar
estratégias para a manutenção da motivação durante o processo de aprendizagem
(CORNO, 2001).
O monitoramento, possibilitando ao aprendiz refletir acerca da adequação dos
procedimentos utilizados, lhe permite reformular procedimentos ou estratégias
utilizadas, quando percebe que essas não estão sendo eficazes para o alcance dos
objetivos pretendidos ( BROWN, 1978). Ter um comportamento estratégico é saber
usar a técnica autoconsciente da sua finalidade, ou saber quando, onde, e como usá-la
(VEIGA SIMÃO, 2004).

ASPECTOS METODOLÓGICOS
O instrumento aplicado, elaborado segundo a literatura especializada, foi
composto de 31 (trinta e uma) questões assim distribuídas: 13 (treze) perguntas
relacionadas à fase de antecipação ou de antevisão da tarefa; 12 (doze) perguntas
relacionadas à fase de execução e de controle da tarefa; e 6 (seis) perguntas

1138
relacionadas à reflexão ou avaliação após o término da atividade. O questionário foi
aplicado no horário de aula dos alunos. Neste relato discutiremos apenas os resultados
obtidos em decorrência da análise das perguntas que nos pareceram mais
significativas para o tema em pauta. Tais perguntas são de natureza
cognitiva/metacognitiva e motivacional e buscaram verificar:
 Se os objetivos da disciplina eram esclarecidos aos alunos pelo professor;
 Se os alunos eram incentivados a estabelecer etapas para a realização das
tarefas;
 Se antes da realização de cada tarefa, o professor justificava para os alunos a
finalidade de sua execução;
 Se havia motivação dos alunos durante a execução da tarefa, e se utilizavam
estratégias para mantê-la;
 Se os alunos eram incentivados a monitorar a adequação das estratégias
utilizadas para o alcance do objetivo desejado;
 Se os alunos eram incentivados a analisar se caminhavam em direção aos
objetivos pretendidos, e se haveria outra maneira mais eficaz para executar a tarefa
solicitada;
 Se os alunos eram capazes de identificar seus pontos fortes, e aqueles que
necessitavam melhorar.

RESULTADOS OBTIDOS
Os resultados relacionados às dimensões cognitiva/metacognitiva e
motivacional, correspondentes a cada fase que integra o ciclo do comportamento
autorregulado, serão apresentados inicialmente em forma gráfica e posteriormente
analisados.
Vejamos inicialmente os resultados das perguntas mencionadas relacionadas à
fase de antecipação de realização da tarefa. Embora tenhamos analisado apenas 3
(três) variáveis do comportamento nesta etapa e nas demais, há outras variáveis
integram cada etapa, além das que focalizamos.

1139
Quadro 2 - Variáveis de natureza cognitiva/metacognitiva, observadas na fase de antecipação
da ação ou fase de planejamento prévio:

- Os alunos identificam que os


professores esclarecem os
objetivos da disciplina no início
do ano letivo.

- Os alunos percebem que os


professores os orientam a
estabelecer etapas para a
realização das tarefas.

- Os alunos reconhecem que o


professor explica a finalidade das
tarefas que realizam.

Ao avaliarmos o percentual das respostas apresentados no Quadro 2, percebe-


se que os resultados são predominantemente positivos. A incidência de respostas na
alternativa “nunca” foi baixa, o que leva a concluir que os professores tendem a
transmitir condições que favoreçam o desenvolvimento do comportamento
metacognitivo dos alunos.
A literatura especializada (ZIMMERMAN, 1986; 2001) enfatiza que a falta de
clareza de objetivos a serem alcançados e o não entendimento do porquê de realizar a
tarefa dificulta o processo de autorregulação do indivíduo. Para o autor, o
desenvolvimento do comportamento autorregulado não é possível ocorrer sem que
haja clareza do objetivo pretendido; é dele que decorre o planejamento estratégico.
1140
Na fase de execução da tarefa, buscou-se verificar aspectos relacionados à
motivação durante a execução da tarefa, a utilização de estratégias para manter a
motivação, e também o monitoramento das estratégias, ou seja, se havia reflexão
sobre a adequação das estratégias para o alcance dos objetivos desejados. O quadro
seguinte apresenta os resultados obtidos.

Quadro 3- Variáveis relacionadas ao aspecto motivacional e metacognitivo,


observadas na fase de execução da tarefa

- Os alunos são incentivados a


avaliar sua motivação durante
a execução da tarefa.

-Os alunos são incentivados


a utilizar estratégias para se
manterem motivados durante a
execução das tarefas.

- Os alunos são incentivados a


avaliar se estão no caminho certo
para alcançarem os objetivos
pretendidos.

Nesta etapa, percebe-se no primeiro e segundo gráficos, que meninos e


meninas divergem em suas respostas. A percepção das meninas é mais favorável do
que a percepção dos meninos, no que diz respeito ao monitoramento e controle
relacionados ao aspecto motivacional.

1141
Os resultados parecem que estão polarizados, ou seja, não há grande
discrepância entre as respostas dos sujeitos favoráveis ou contrárias à atitude
facilitadora do professor ao comportamento autorregulado do aluno.
Comparando os resultados apresentados no Quadro 3 com os do Quadro 4,
constata-se que os estudantes de ambos os sexos apresentam melhor desempenho
nas variáveis de natureza cognitiva/metacognitiva, e relacionadas à fase que antecipa
a ação (Quadro 3), em comparação ao desempenho das variáveis de monitoramento e
controle relacionadas ao aspecto motivacional e metacognitivo observado na fase da
execução da tarefa (Quadro 4).
Dentre as variáveis observadas nesta fase, a utilização de estratégias de
incentivo à manutenção da motivação, é o aspecto evidenciado como o menos
trabalhado pelos professores.
Segundo a literatura especializada (ZIMMERMAN, 2001), o comportamento
autorregulado utiliza estratégias adequadas durante a realização das tarefas. É
fundamental que o aluno tenha o hábito de utilizar também estratégias para que sua
motivação não diminua durante esta etapa; o professor em sala de aula deve estimula-
lo a refletir e agir nesta direção.
Para Veiga Simão (2002b), os professores podem favorecer o envolvimento dos
estudantes na aprendizagem, conduzindo-os a terem uma atitude mais crítica no que
concerne aos seus próprios métodos de estudo, mesmo sem a presença de um
educador. Neste contexto, ao refletirem se estão no caminho certo para atingirem os
objetivos pretendidos, os alunos passam a conhecer melhor seu aprendizado, podendo
identificar maneiras mais eficazes para melhorarem seus processos de aprendizagem.
Na fase de reflexão ou avaliação final da tarefa, buscou-se verificar se os alunos
eram incentivados a analisar se os objetivos requisitados foram alcançados, se haveria
outras maneiras de se executar a tarefa realizada, e se eles conseguiam identificar seus
pontos fortes e também aqueles que necessitam ser aprimorados. O Quadro 4
apresenta as variáveis observadas na fase de avaliação final da tarefa.

1142
Quadro 4- Variável de natureza cognitiva/metacognitiva, observadas na fase de
reflexão ou de avaliação final da tarefa

- Os alunos são incentivados


a analisar se os objetivos
pretendidos foram
alcançados.

-Os alunos são incentivados


a se perguntarem se
haveria outra forma
mais adequada para
executar a tarefa.

- Habitualmente os alunos
são incentivados a
identificar seus pontos
fortes e aqueles que
precisam ser melhorados.

Nesta etapa final é possível constatar na primeira e na segunda pergunta que a


maior ocorrência de respostas foi em “algumas vezes” e pouca incidência em “nunca”,
indicando que alguns professores buscam, ao final das tarefas, levar os alunos a
fazerem análise dos resultados alcançados. Na terceira questão que aborda a
identificação dos pontos fortes e aqueles que precisam ser melhorados, vimos que a
maior parte da turma concentrou suas respostas em “frequentemente” e “sempre”, ou
seja, em respostas favoráveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

1143
A autorregulação da aprendizagem se desenvolve através da interação entre
professores e alunos e entre estes e seus pares. O professor é, talvez, a fonte mais
importante no direcionamento de experiências facilitadoras ao comportamento
autorregulado dos aprendizes. Para que os alunos adquiram hábitos de uma
aprendizagem autorregulada, é importante que a prática de ensino gradativamente
mude o controle da aprendizagem do professor para o próprio aluno (CORNO, 2012).
Percebeu-se, através da análise dos dados que, na percepção dos alunos,
alguns professores desenvolvem práticas facilitadoras para uma aprendizagem
autorregulada. Entretanto, há necessidade de que mais professores se envolvam no
desenvolvimento destas práticas, ensinando estratégias que possam manter a
motivação durante a realização das tarefas, e incentivem com mais frequência os
alunos a refletirem durante a execução das atividades que desenvolvem, e sobre as
formas de melhor alcançarem os objetivos propostos, contribuindo assim para que
esses aprendizes melhorem seus rendimentos escolares.
A autorregulação da aprendizagem pode transformar a educação, uma vez que
colabora na construção de um modelo de aprendizagem mais eficaz. Percebe-se que
muitos professores não desenvolvem estas práticas por não terem uma preparação
prévia para tal, o que nos leva a concluir sobre a necessidade de se investir mais na
formação continuada desses docentes, visto que o professor desempenha um papel
muito importante no processo de aprendizagem.

REFERÊNCIAS
BROWN, A. L. Knowing when, where, and how to remember: a problem of
metacognition. In: GLASER, R. Advances in intructional psychology. Hillsdade, N.J.:
Erlbaum, p. 77-165, 1978
CORNO, L. Volitional Aspects of Self-Regulated Learning. In: ZIMMERMAN, B. J.;
SCHUNK, D. Self Regulated Learning and academic Achievement. New Jersey: Lawrence
Erlbaum Associates, p. 191-225, 2001.
_______. Work Habits and Self- regulated learning: Helping students to find a
“Will” from a “Way”. In: ZIMMERMAN, B. J.; SCHUNK, D. H. Handbook of self-
Regulation of Learning and Performance. New York: Routledge, 2012.

1144
ECCLES, J. S.; WIGFIELD, A. Motivacional beliefs, values and goals: learning
andperformance in educational settings. Annual Review of Psychology, v.53, p.109-
132, 2002.
FLAVELL, J. H. Speculations about the nature and development of metacognition.
In: WEINERT, F.; KLUWE, R. Metacognition, motivation and understanding. Hillsdale:
LEA, 1987.
LOPES DA SILVA, A. VEIGA SIMÃO A. M.; SÁ, I. A autorregulação da aprendizagem: estudos
teóricos e empíricos. InterMeio : Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação –
UFMS, v. 10, n.19, 2004. Disponível em:
http://www.intermeio.ufms.br/ojs/index.php/intermeio/article/view/179. Acesso em: 05
de jan. 2015.
MATEOS, M. Metacognición y educación. Buenos Aires: Aique, 2001.
PINTRICH, P. R. The Role of goal orientation in self-regulated learning. In:
BOEKAERTS, M.; PINTRICH, P.R.; ZEIDNER, M. Handbook of self-regulation. Academic
Press, San Diego, 2010.
SÁ, I. Os componentes motivacionais da aprendizagem autorregulada.
Autodeterminação e a orientação para objetivos. In: LOPES DA SILVA, A.; DUARTE, A.;
SÁ, I.; VEIGA SIMÃO, A. M. A aprendizagem autorregulada pelo estudante: perspectivas
psicológicas e educacionais, p. 55-75, 2004.
VEIGA SIMÃO, A. M. Estudo acompanhado: uma oportunidade para aprender a
aprender. Reorganização Curricular do Ensino Básico. Novas áreas Curriculares, n.2,
Ministério da Educação. Departamento da Educação Básica. 2002b.
_______. O conhecimento estratégico e a auto-regulação da aprendizagem.
Implicações em contexto escolar. In: LOPES DA SILVA, A.; DUARTE, M.; SÁ, I.; VEIGA
SIMÃO, A. M. Aprendizagem autorregulada pelo estudante: perspectivas psicológicas e
educacionais. Porto, p. 77-87, 2004.
ZIMMERMAN, B. J. Developement of self-regulated learning: wich are the key
subprocesses? Contemporary Educational Psychology, v. 11, p. 307-313, 1986.
________. Theories of Self-Regulated Learning and Academic Achievement: An
Overview and Analysis. In: ZIMMERMAN, B. J.; SCHUNK, D. Self-Regulated Learning
and Academic Achievement. New Jersey: Lawrence Erlbaun Associates, p. 1-37, 2001.

1145
_________. Attaining self-regulation: A social cognitive perspective. In:
BOEKAERTS, M.; PINTRICH, P.; ZEIDNER, M. Handbook of Self-Regulation. New York:
Academic Press, 2010. p. 13-39.

1146
O ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL E A CRENÇA EM DEUS COMO SUSTENTÁCULO
DA CRENÇA DE AUTOEFICÁCIA

Thiago Azevedo da Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Este artigo decorre de uma pesquisa realizada com jogadores profissionais
de futebol em treinamento técnico, integrantes de um clube localizado na cidade de
Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. O estudo fundamentou-se na teoria da
Autorregulação da Aprendizagem e a observação do comportamento dos atletas em
treinamento técnico teve como referência as dimensões que integram o construto da
Autorregulação da Aprendizagem (dimensões cognitiva/metacognitiva, motivacional,
comportamental e contextual), nas diferentes fases do comportamento autorregulado
(de antecipação, de execução, e de reflexão ou avaliação final da tarefa). Participaram
do estudo trinta e dois atletas. Além do questionário, utilizou-se como recurso de
observação um grupo focal, do qual participaram quinze sujeitos, como forma de
aprofundamento de alguns resultados. Dentre os temas abordados no grupo focal,
discutiu-se a crença de autoeficácia por parte dos atletas entrevistados, onde estes
afirmaram que estão sempre pedindo a Deus para que tenham sucesso na carreira,
que suas forças vêm de Deus, e sem Ele fica impossível ir além, e que tudo na vida
depende de Deus, o que demonstra que a crença em Deus é o sustentáculo da crença
de autoeficácia, manifestada pelos atletas. Neste sentido, esta pesquisa explora a
análise deste resultado relacionado à crença de autoeficácia, fundamentando-se na
literatura especializada que afirma que o comportamento autorregulado pode
influenciar esta crença. Observou-se que a crença religiosa é algo muito forte e
presente na vida dos atletas entrevistados. De acordo com os mesmos, a religião e a fé
contribuem para a vida de jogador e em seus desempenhos.
Palavras-chave: Autorregulação da aprendizagem. Atleta de futebol. Crença de
autoeficácia.

INTRODUÇÃO
O futebol é a modalidade esportiva de maior destaque no Brasil. Os clubes têm
procurado jogadores cada vez mais qualificados, seja no aspecto físico, técnico, tático,
psicológico, ou em outros; buscam a formação de fortes equipes, que correspondam
às suas expectativas para a disputa de campeonatos e obtenção de títulos. Por outro
lado a literatura especializada mais recente, como Zimmerman (2010), Pintrich (2010),
dentre outros, tem enfatizado que em todas as áreas profissionais o comportamento
autorregulado contribui para o bom desempenho da pessoa que almeja alcançar
determinado objetivo.

1147
Nessa perspectiva fez-se um estudo de caso147 com um grupo de trinta e dois
(32) atletas profissionais de futebol em treinamento técnico, integrantes de um clube
localizado na cidade de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, com o objetivo de
identificar se esses sujeitos apresentavam comportamento condizente ao que
preconiza a teoria da Autorregulação da Aprendizagem.
Utilizou-se como recurso de observação um questionário, elaborado de acordo
com a literatura especializada, compreendendo procedimentos relacionados às
dimensões que integram o construto da autorregulação nas suas diversas fases.
Após a aplicação do instrumento, as respostas dos sujeitos foram quantificadas
através de frequência e porcentagem transformadas em tabelas, e fez-se a análise dos
dados tomando como referência as fases e dimensões que integram o construto da
autorregulação, segundo o modelo apresentado por Pintrich (2010). Neste estudo,
concluiu-se que a dimensão em que os atletas apresentaram melhor desempenho foi
no que diz respeito à dimensão motivacional, onde, constatou-se que 100% dos
entrevistados acreditavam em suas capacidades de realizar as tarefas, ou seja, tinham
crença de autoeficácia, além disso, esse sentimento dos atletas prevaleceu em todas
as etapas.
Após a análise do questionário, sentiu-se necessidade de se realizar um grupo
focal ou entrevista coletiva com um grupo de quinze sujeitos escolhidos
aleatoriamente, objetivando aprofundar alguns resultados decorrentes da aplicação do
questionário. Dentre as temáticas que se buscou compreender melhor com o grupo,
uma foi relacionada a crença em Deus como sustentáculo da crença de autoeficácia,
onde observou-se que esse sentimento tem suporte na religião. Neste sentido,
constatou-se que o sentimento de autoeficácia está sendo amparado pela crença em
deus, ou seja, com a ajuda de Deus.

147
Dissertação de mestrado intitulada “O comportamento em treinamento técnico de jogadores
profissionais de futebol: um estudo na perspectiva da autorregulação da aprendizagem”, realizada por
Thiago Azevedo da Silva, e apresentada ao programa de pós graduação em Cognição e Linguagem da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)”, para a obtenção do título de Mestre,
sob a orientação da profa. Dra. Vera Lucia Deps.
1148
A TEORIA DA AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM
A literatura especializada mais recente tem enfatizado que em todas as áreas
profissionais o comportamento autorregulado contribui para o bom desempenho da
pessoa que almeja alcançar determinado objetivo.
Segundo Zimmerman (2010, p.14) “Autorregulação refere-se a pensamentos,
sentimentos e ações autogerados, planejados, e ciclicamente adaptados para a
obtenção de objetivos pessoais”. Assim a autorregulação envolve o entrelaçamento
das seguintes dimensões: cognitiva/metacognitiva, motivacional/afetiva,
comportamental e ambiental.
Ainda o mesmo autor também cita o caráter cíclico da autorregulação em
diferentes fases, quais sejam: a) fase de antecipação ou de planejamento e avaliação
que antecede a ação; b) fase de execução, que inclui o monitoramento e o controle da
ação; e c) fase de reação e reflexão, após a conclusão da tarefa.
A aprendizagem autorregulada compreende as dimensões e fases
mencionadas. Zimmerman (2010) afirma que tais dimensões podem ser verificadas
tanto no contexto das atividades escolares, quanto em qualquer outra atividade.
Zirmmerman (2010) comenta sobre o caráter cíclico da autorregulação, ou seja,
diferentes fases, sendo essas também reconhecidas por diversos autores, dentre eles,
Pintrich (2010), Lopes da Silva (2004) e Veiga e Simão (2004).
Essas fases, segundo a literatura especializada acima mencionada, são: fase de
antecipação, planejamento e avaliação que antecede a ação; fase de execução, que
engloba monitoramento e controle da ação; e fase final que consiste em reflexão da
ação executada.
Na fase de planejamento faz-se o mesmo para execução de determinada tarefa,
pois é o momento em que ocorre também a clarificação de objetivos pessoais, ou
metas a alcançar. Nesta, faz-se necessário que a pessoa venha também estabelecer
etapas para a concretização de metas. Nesta fase o indivíduo deve analisar seus
conhecimentos anteriores, de modo que contribua, com este exercício, para a
realização da tarefa, e, consequentemente, para o alcance das metas pretendidas. Há
também, nesta etapa, um processo de seleção e reflexão de estratégias relacionadas à

1149
ação a ser executada. O planejamento de determinada atividade inclui também o
tempo gasto no cumprimento de uma tarefa.
Na fase de execução ocorre o desenvolvimento da ação e a utilização da
estratégia selecionada. Esta fase engloba o monitoramento e o controle da ação. No
que diz respeito ao monitoramento, o indivíduo analisa seu comportamento na ação
que executa, a adequação das estratégias utilizadas e avalia seu desempenho,
identificando seus pontos fortes além dos que precisam ser melhorados. Quanto ao
controle, este está ligado à seleção e utilização de novas estratégias em substituição às
que não estão possibilitando caminhar em direção ao objetivo pretendido, como ao
aumento ou diminuição do esforço em determinada tarefa, a mudanças e
renegociações.
A fase de autorreflexão, ou fase final, refere-se à avaliação da tarefa executada,
ou seja, o julgamento pessoal, que permite a autoavaliação e autocorreções por parte
do indivíduo, fazendo com que este venha a analisar o caminho percorrido durante a
execução da tarefa. Tal avaliação é influenciada pelos fatores metacognitivos (pessoa,
tarefa e estratégia) motivacionais (expectativas de eficácia e atribuições causais),
volitivas (administração do tempo, persistência), bem como pelo feedback recebido
tanto de amigos, como de familiares e docentes. Nesta etapa, também podem ser
revistos planos e estratégias, avaliar os resultados atingidos; corrigir os processos da
etapa de execução, pois são ações necessárias não apenas na fase final, mas durante
todo o processo da ação realizada. Isto, porque nesta fase poderá ocorrer a
mobilização dos esforços relacionados à tarefa, tanto para a manutenção, quanto para
a correção, havendo, assim, a reflexão a respeito dos sucessos e fracassos. Além disso,
dentro do processo de autoavaliação a pessoa poderá se deparar com resultados
indesejáveis, fazendo com que a mesma venha a ter dificuldade de se desenvolver,
buscar alternativas e de se empenhar no processo de mudança da tarefa.
No que diz respeito às dimensões do comportamento autorregulado de acordo
com Zimmermamm (2010), são de natureza cognitva/metacognitiva, motivacional,
comportamental e contextual. O autor afirma que a autorregulação na aprendizagem é
o grau em que os indivíduos atuam a nível metacognitivo, motivacional,
comportamental e contextual sobre os seus próprios processos e produtos de

1150
aprendizagem durante a realização das tarefas; informa também que em qualquer
atividade a autorregulação da aprendizagem implica nas dimensões citadas.
No que diz respeito à dimensão metacognitiva, Flavell (1976) afirma que se
trata do conhecimento pessoal em relação ao próprio funcionamento cognitivo. Além
disso, o mesmo autor menciona que a metacognição está relacionada aos processos de
supervisão e regulação que o sujeito exerce sobre a própria atividade cognitiva na
realização de uma tarefa.
A metacognição é conceituada por Brown (1978) como o controle deliberado e
consciente das atividades cognitivas. Nesse sentido, as ações metacognitivas são os
mecanismos autorregulatórios utilizados pelo sujeito durante a resolução de um
problema ou diante do enfrentamento de uma tarefa, o que implica ter consciência
das limitações do próprio sistema; conhecer o repertório de estratégias
disponibilizadas e utilizá-las de forma apropriada; identificar e definir problemas;
planificar e sequenciar ações para o alcance de objetivos; supervisionar, comprovar,
revisar e avaliar o andamento dos planos e sua efetividade.
Mateos (2001) informa que a Metacognição está ligada aos conhecimentos
conscientes e verbalizáveis acerca de atividades cognitivas, além dos processos e
operações de planejamento, supervisão e avaliação dessas ações, baseando-se nos
conhecimentos declarativos (conhecimento daquilo que se sabe e saber expressar esse
conhecimento); e conhecimentos procedimentais (saber o caminho para conhecer
aquilo que se sabe).
Nesta perspectiva, Flavell (1981) afirma que o controle que um indivíduo exerce
sobre sua própria atividade cognitiva depende das ações e interações entre os
conhecimentos metacognitivos (conhecimento sobre a pessoa, a tarefa e as
estratégias), experiências metacognitivas (aquelas que acompanham a atividade
cognitiva), as metas cognitivas (objetivos a serem alcançados) e as estratégias
(cognitivas - empregadas para o desenvolvimento da atividade cognitiva em direção ao
objetivo; metacognitiva - a função é supervisionar o progresso).
Em relação ao conhecimento metacognitivo sobre pessoa, Flavell (1981) afirma
que este está ligado ao conhecimento que o indivíduo tem sobre seus pontos positivos

1151
e negativos, com a finalidade de utilizar tais conhecimentos de modo estratégico para
o alcance de objetivos pessoais.
Em relação à tarefa, segundo Flavell (1981), diz respeito ao entendimento da
sua dificuldade, das informações disponibilizadas sobre a mesma, dos conhecimentos
que devem ser ativados para seu melhor desempenho, dos fatores colaboradores para
seu desempenho, e sua relação com os objetivos a que o indivíduo almeja alcançar.
Quanto às estratégias, estas relacionam-se à execução da tarefa e ao
conhecimento que a pessoa tem sobre as mesmas. O conhecimento estratégico é
indispensável para a aprendizagem e autonomia do aluno, a fim de que a atividade
seja conduzida de forma eficaz. Para Veiga Simão (2004), na construção da
autorregulação da aprendizagem, o uso das estratégias é um marco relevante, seja na
fase de planejamento, dos atos executórios, seja da avaliação do trabalho.
Zimmerman (2010) acrescenta que uma das características da aprendizagem
autorregulada é o uso de estratégias pelo indivíduo com o intuito de aprimorar seu
aprendizado.
Quanto à dimensão motivacional, relacionado ao aspecto da autorregulação da
aprendizagem, Wolters (2003) afirma que esta também pode ser compreendida como
o grau em que os sujeitos agem de modo intencional, no sentido de principiar, manter
ou reforçar a sua determinação quanto ao seu próprio desenvolvimento, completar
uma tarefa ou atingir um objetivo.
As pessoas podem ser motivadas por variadas razões, sejam pelos seus próprios
interesses e valores ou por razões externas. Nesse sentido, Deci e Ryan discorrem
sobre a motivação humana intrínseca, a saber:

[...] a motivação intrínseca é a propensão inata e natural para


envolvermos o nosso interesse e exercitarmos as nossas capacidades
e, ao fazê-lo, procurar superar desafios. Esta motivação emerge
espontaneamente de tendências internas e pode modificar o
comportamento mesmo sem ajuda de esforços externos ou controle
do meio. A motivação intrínseca é também um motivador importante
da aprendizagem, da adaptação e do desenvolvimento de
competências que caracterizam o desenvolvimento humano (DECI;
RYAN, 1985, p. 43).

1152
Falk e Pereira (2010) relatam que a motivação intrínseca é “caracterizada pelo
envolvimento do indivíduo em uma tarefa, gerado pelo prazer provocado pela
atividade” (p. 81).
Weinberg e Gould (2008, p. 157) afirmam: “as pessoas com motivação
intrínseca esforçam-se interiormente para serem competentes e autodeterminadas
em sua busca por dominar a tarefa em questão”.
Por outro lado, sobre a motivação extrínseca, Moreno et.al. (2006 p. 1)
descreve:

A motivação extrínseca é dependente de múltiplos fatores de


recompensa, onde o executar da tarefa não é o único objetivo,
existem fatores externos que direcionam as ações dos indivíduos com
grande influência, tais como: dinheiro, fama, sucesso,
reconhecimento, etc. (MORENO, et al., 2006).

Berleze, Vieira e Krebs (2002) citam que a motivação extrínseca advém de


fatores externos, destacando a necessidade dos atletas receberem esse tipo de
incentivo por parte do seu treinador e de seus familiares.
Ammes (1992) afirma que uma poderosa maneira de se motivar um indivíduo é
fazê-lo enxergar a importância ou o significado de determinada tarefa. Eccles e
Wigfield (2002) relatam que a motivação de um indivíduo depende de suas
expectativas pessoais, do êxito, da credibilidade na importância da tarefa a ser
realizada.
É neste sentido que, muitas vezes, em um ambiente de ensino-aprendizagem,
alguns professores solicitam determinadas tarefas para seus alunos sem ao menos
esclarecer o motivo ou a finalidade das mesmas. Sem saber “o porquê” e o “para quê”
de determinada atividade, poderá ocorrer à desmotivação e o desinteresse do
discente. Assim, deve ser observada a seguinte explicação:

Não se pode pensar em motivação sem lembrar do motivo, que é a


base do processo motivacional. O motivo é a mola propulsora
responsável pelo início e manutenção de qualquer atividade
executada pelo ser humano. Portanto, deve-se considera-lo como a
peça fundamental e também aquela que origina todo o complexo
processo motivacional (MACHADO, 2006 p. 136).

1153
Nesta ordem de ideias, considera-se importante que o professor contribua para
o desenvolvimento motivacional de seus aprendizes. Neste aspecto, outro fator
relevante à motivação é o feedback realizado pelo docente. Segundo Bzuneck (2010) o
feedback que o discente recebe afeta tanto o processo de aprendizagem quanto a
motivação. Sobre o assunto pode-se observar:

O feedback sobre o desempenho pode beneficiar os praticantes de


várias formas, e duas das principais funções são motivar e instruir. O
feedback motivacional tenta facilitar o desempenho por aumentar a
confiança, inspirar maior esforço e gasto de energia e criar um humor
positivo. Exemplos incluem “continue assim”, “você consegue” e
“aguente firme”. Uma segunda forma de o feedback ser motivador é
quando ele serve como reforço valioso para o praticante, que, por
sua vez estimula sentimentos positivos e negativos (WEINBERG;
GOULD, 2008, p. 150).

Schmidt e Wrisberg (2010, p. 307-308) apresentam dois tipos de feedback:

Feedback Intrínseco – informação sensorial que normalmente ocorre


quando os executantes produzem movimentos [...]. Feedback
extrínseco – informação sensorial advinda de uma fonte externa,
somando-se àquelas que normalmente ocorrem quando os
executantes produzem seus movimentos [...].

O feedback dado pelo professor contribui para que o aprendiz alcance


resultados positivos em suas tarefas (feedback extrínseco). Bandura (2001) avalia que
uma pessoa que conquista esses tipos de resultados tem a tendência de fortalecer sua
crença de autoeficácia e erguer suas expectativas sobre aquela situação e outras
similares. A experiência vicária, isto é, aquela adquirida pela observação das atitudes,
das tarefas e experiências de outros, também constitui fonte de autoeficácia.
Entretanto, os efeitos dessa fonte são limitados, pois o poder de persuasão alheia
pode aumentar ou diminuir a autoeficácia.
Dando sequência à abordagem, a aprendizagem por observação diz respeito ao
“[...] processo pela qual os aprendizes adquirem a capacidade para agir observando a
performance de outros” (SCHMIDT e WRISBERG, 2010, p. 253).
A aprendizagem por observação é mais eficaz quando os aprendizes estão
motivados a realizar os comportamentos-modelos (BANDURA, 2001).

1154
Quanto à dimensão comportamental/volitiva, Veiga Simão (2006) informa que
esta se refere às estratégias ligadas à volição, ao esforço realizado nas tarefas, tal
como a persistência, a procura de ajuda, e a escolha de um comportamento em razão
dos êxitos a serem alcançados.
Carta (2012) explica que a fase de controle volitivo está relacionada aos
processos que ocorrem em um determinado momento de aprendizagem, tendo como
objetivo possibilitar aos sujeitos o alcance dos objetivos estabelecidos, por meio do
uso de adequadas estratégias.
A volição relaciona-se ao controle de intenções e impulsos para que a ação
ocorra. Portanto, as estratégias volitivas contribuem na gestão do esforço, uma vez
que estimulam a procura de boas condições para a realização de uma ação bem-
sucedida (KUHL, 1984; CORNO, 2001). Desta maneira, a volição traduz a vontade e o
esforço que a pessoa executa para alcançar e manter o objetivo a que se propõe.
(CORNO, 1994)
Segundo Corno (2001) o controle volitivo é acionado quando outros interesses
ou necessidades subjetivas competem com a intenção de trabalhar ou aprender,
dividindo, assim, a atenção dos sujeitos. O autor afirma que existem algumas situações
que exigem controle volitivo, a saber: quando os alunos têm que realizar determinadas
tarefas sem ter liberdade para outras atividades naquele momento; quando existe
algum ruído considerável que cause distração nos objetivos traçados pelos alunos;
quando a ansiedade está associada ao desempenho, o que possa interferir ou bloquear
o desejo de agir.
Em relação às estratégias volitivas, o autor prossegue informando que estas
podem contribuir para que o aluno possa ter o controle de sua motivação, de seus
processos internos, de seu comportamento e do ambiente de aprendizagem, bem
como no tocante à atenção, à ansiedade e aos elementos que desviam a atenção das
tarefas e/ou objetivos elaborados.
Para Kuhl (1984), as estratégias volitivas contribuem para a manutenção da
atenção, podendo evitar respostas impulsivas, como também colaboram com a
perseverança, a gestão do esforço durante a realização da tarefa e o controle das
emoções e sentimentos.

1155
Na dimensão contextual, Veiga Simão (2006) informa que essa envolve o
contexto físico e social do ambiente de aprendizagem. Além disso, esse ambiente é
fator essencial para que ocorra a aprendizagem na perspectiva do processo
autorregulatório (LOPES DA SILVA, VEIGA SIMÃO e SÁ, 2004).
Carita et al (1998) informa que o espaço da execução da tarefa deve ter boas
condições para o desenvolvimento, promovendo a concentração dos indivíduos.
Todavia, Freire (2009) ressalta que no ambiente de aprendizagem, os alunos devem ter
o controle do ambiente físico e ter a consciência dos fatores sociais envolvidos à
aprendizagem. O autor ressalva também que o devido ambiente poderá sofrer
influência de valores, pressões sociais, o que poderá interferir nos resultados.

A AUTOEFICÁCIA NO COMPORTAMENTO AUTORREGULADO E A CRENÇA EM DEUS


COMO SUSTENTÁCULO DA CRENÇA DE AUTOEFICÁCIA DE JOGADORES DE FUTEBOL
Relembra-se que o construto da autorregulação da aprendizagem é
multidimensional, incluindo as dimensões metacognitiva, motivacional,
comportamental e do ambiente. Cada uma dessas dimensões engloba uma grande
variedade de variáveis que devem ser observadas durante as fases de realização das
tarefas (antes, durante e após). No estudo de caso realizado com atletas de futebol
focalizaram-se algumas variáveis relacionadas a essas dimensões, destacadas pela
literatura especializada, quais sejam:
- Em relação à dimensão metacognitiva: Ter consciência das limitações;
conhecer o repertório de estratégias disponíveis e as selecionar apropriadamente;
identificar e definir problemas; planificar e sequenciar ações para sua resolução;
avaliar se está alcançando os objetivos.
- Em relação à dimensão motivacional: satisfação ou não na realização da
tarefa; monitoramento e controle da motivação através da utilização de estratégias;
crenças, destacando-se a de autoeficácia.
- Em relação à dimensão comportamental: o planejamento do tempo; busca de
ajuda; selecionar e utilizar estratégias adequadas
- Em relação ao contexto: percepções sobre o contexto; ações tendo em vista a
sua adequação; avaliação da tarefa e do contexto.

1156
No que diz respeito à dimensão motivacional observou-se aspectos
relacionados à crença de autoeficácia dos jogadores de futebol.
Inicialmente é válido ressaltar que Bandura (1986; 1997) refere-se à
autoeficácia como sendo a percepção da capacidade para realização de uma tarefa
específica ou um conjunto de tarefas em um domínio específico. Segundo o autor,
relaciona-se à crença de um indivíduo sobre sua capacidade para atingir determinadas
realizações, e à crença ou expectativa de que é possível, através do esforço pessoal,
realizar com sucesso uma determinada tarefa e alcançar um resultado desejado.
Cunha et al. (2011) tecem comentários a respeito da autoeficácia, afirmando:
A teoria da autoeficácia – entendida sistematicamente como a
percepção subjetiva da sua capacidade – também é muito
significativa no construto motivacional, pois se a crença de
autoeficácia de um indivíduo é baixa em uma determinada tarefa,
menos motivado ele estará para realizá-la, em virtude do medo do
fracasso (p. 97).

Nesta linha de raciocínio, as estratégias de motivação abrangem credos


pessoais que conduzem o aluno a ter maior esforço frente ao valor que atribui à tarefa
apresentada (BANDURA, 1997). A motivação serve de instrumento na influência da
maneira como as pessoas participam ou não de determinada tarefa (ECCLES e
MIDGLEY, 1989).
No construto da autorregulação, a motivação assume um papel fundamental
no desenvolvimento da aprendizagem, considerando que o aluno motivado pode ter
seu aprendizado mais eficaz. Seus aspectos estão voltados para a área da regulação,
relacionados à crença que o sujeito tem sobre as tarefas, ao despertamento do
interesse e à reação mediante a execução das tarefas (VEIGA SIMÃO, 2006).
Para Zimmerman, Bandura e Martinez-Pons (1992), os aprendizes
autorregulados são diferenciados tanto por suas performances quanto por suas
capacidades automotivadoras. Por sua vez, Bandura (1997) explana que a
autorregulação requer não apenas habilidades autorregulatórias, mas também a
crença na própria capacidade de autorregulação.
Assim, o comportamento autorregulado pode influenciar a crença de
autoeficácia ao prover informações sobre desempenho, esforço e tempo empregado
na realização da atividade. (ZIMMERMAN & CLEARY, 2006).
1157
Cleary e Zimmermann (2001) observaram diferenças entre os especialistas de
basquete, os não especialistas e os novatos no comportamento autorregulado. Dentre
os resultados, constatou-se que os especialistas apresentavam níveis mais elevados de
auto eficácia que os demais.
Quanto alguns resultados relacionados ao estudo, no que diz respeito a
dimensão motivacional, (instrumento de avaliação feita por questionário) constatou-se
que 100% dos entrevistados acreditavam em suas capacidades de realizar as tarefas,
ou seja, tinham crença de autoeficácia, que, segundo Bandura (1986, 1993, 1997),
entre outros teóricos da autorregulação, é fundamental para o desencadeamento da
ação. A pessoa que não se sente capaz de realizar algo, poderá não executar a tarefa
ou iniciá-la com o sentimento de impossibilidade, ficando suscetível a não persistir em
qualquer dificuldade que possa surgir.
O sentimento de autoeficácia prevaleceu em todas as etapas, o que é positivo,
visto que a motivação está relacionada a essa crença (Bandura, 1986, 1993, 1997).
Nesse sentido, no intuito de aprofundar neste assunto relacionado ao
sentimento de autoeficácia, foi feito um grupo focal (entrevista coletiva) com os
atletas e observou-se que esse sentimento tem suporte na religião.
Os sujeitos entrevistados afirmaram que estão sempre pedindo a Deus para
que tenham sucesso na carreira, que suas forças vêm de Deus, e sem Ele fica
impossível ir além, e que tudo na vida depende de Deus. Isto demonstra que a crença
em Deus é o sustentáculo da crença de autoeficácia, manifestada pelos atletas, é Nele
que seus anseios e forças se ancoram.
Segundo Gomes (2012, p. 06),

Em grande parte de entrevistas de jogadores de futebol brasileiros o


que se nota com inacreditável freqüência é a expressão “graças a
Deus” ou “com a bênção de Deus”, como se o jogador depositasse
em Deus os méritos pela vitória ou por um gol. O talento do próprio
jogador e as conquistas daqui advindas são dádivas divinas, são fruto
da providência.

A autoeficácia, segundo Bandura (1993), está relacionada ao grau de convicção


e crenças que uma pessoa tem, a respeito de sua capacidade no sentido de alcançar o
resultado de uma ou de várias tarefas. Neste sentido, conforme relato dos jogadores, o

1158
sentimento de autoeficácia está sendo amparado pela crença em Deus, ou seja, com a
ajuda de Deus.
É comum dentro do contexto do futebol ver determinados tipos de
manifestações religiosas por parte dos jogadores, seja através do gesto do sinal da
cruz, das mãos levantadas aos céus, atletas ajoelhados, em círculos, em grupo de
oração. Todas essas manifestações variam no decorrer do jogo, podendo ser vista
antes da equipe entrar em campo, antes e após uma substituição de um jogador, antes
e depois de uma cobrança de falta ou pênalti, depois de um gol marcado ou não, e
principalmente depois de uma conquista.
Gomes (2012) destaca a religião como um aspecto em que os atletas de futebol
e outros personagens envolvidos depositam suas esperanças para diversos anseios:

Jogadores, torcedores, dirigentes e treinadores, vão a igrejas


católicas, evangélicas, a terreiros de umbanda e candomblé, a
centros espíritas, a benzedeiras e etc. em busca de qualquer tipo de
ajuda sobrenatural, seja para que um time vença ou perca um jogo,
seja para curar uma contusão, seja para retirar a onda de azar, ou
seja, a religião, em sua acepção “pura” ou sincrética, é
recorrentemente buscada como forma de realização de um interesse
específico (p. 06).

Observou-se que a crença religiosa é algo muito forte e presente na vida dos
atletas entrevistados. De acordo com os mesmos, a religião e a fé contribuem para a
vida de jogador e em seus desempenhos. Além disso, os jogadores ressaltaram que
dentro do grupo há respeito à religião de todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como propósito possibilitar reflexões no que diz respeito a
importância da motivação no comportamento autorregulado juntamente com a crença
de autoeficácia no comportamento autorregulado dos atletas de futebol.
Verificou-se que a motivação dos atletas relacionada à crença de autoeficácia,
que se traduz em maior persistência, esforço e atenção, essa crença é sustentada por
outra, qual seja, a crença em Deus e que a religiosidade é um aspecto de forte
evidência no grupo observado e que de acordo com os mesmos, a religião e a fé
contribuem para a vida de jogador e em seus desempenhos.
1159
REFERÊNCIAS

AMES, C. Classrooms: Goals, structures, and student motivation. Journal of


Educational Psychology, v. 84, p. 161-171, 1992.
BANDURA, A. Self-efficacy: the exercise of control. New York: W. H. Freeman, 1997.
___________. Social cognitive theory: An agentic perspective. Annual review of
Psycology, v. 52, p. 1-26, 2001.
___________. Social foundations of thought and action. A social cognitive theory.
Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1986.
___________. Perceived self-eficaccy in cognitive development and functiong.
Educational Psychologist, v. 28, n. 2, p. 117-148, 1993.
BERLEZE, A.; VIEIRA, L. F.; KREBS, R. J. Motivos que levam crianças à prática de
atividades motoras na escola. Revista da Educação Física/UEM. Maringá, v. 13, n. 1, p.
99-107, 2002.
BROWN, A. L. Knowing when, where, and how to remember: a problem of
metacognition. In: GLASER, R. Advances in intructional psychology. Hillsdade, N.J.:
Erlbaum, p. 77-165, 1978.
BZUNECK, J. A. Como motivar os alunos: sugestões práticas. In: BORUCHOVITCH, E.;
BZUNECK, J. A.; GUIMARÃES, S. E. R. Motivação para aprender: motivações no
contexto educativo. Petrópolis: Vozes, 2010.
CARITA, A.; SILVA, A.; MONTEIRO, A.; DINIZ, T. Como ensinar a estudar. Lisboa:
Presença, 1998.
___________. Avaliação do uso de estratégias volitivas: estudo exploratório
utilizando o método q-sort em jovens do 7º, 8º e 9º ano de escolaridade. Lisboa,
2012. Disponível em:
http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/7828/1/ulfpie043047_tm.pdf. Acesso em: 07
de jul. 2013.
CLEARY, T. J.; ZIMMERMAN, B. J. Self-regulation differences during athletic practice
by experts, non-experts, and novices. Journal of Applied Sport Psychology, 13, p. 185-
206, 2001.

1160
CORNO, L. Volitional Aspects of Self-Regulated Learning. In: ZIMMERMAN, B. J.;
SCHUNK, D. Self Regulated Learning and academic Achievement. New Jersey:
Lawrence Erlbaum Associates, p. 191-225, 2001.
___________. Student volition and education: outcomes, influences, and practices.
In: SCHUNK, D. H.; ZIMMERMAN, B J. Self-regulation of learning and performance:
Issues and educational applications. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, p.
229-251, 1994.
CUNHA, S. A.; MOURA, F. A.; SANTIAGO, P. R. P.; CASTELLANI, R. M.; BARBIERI, F. A.
Futebol: aspectos multidisciplinares para o ensino e treinamento. Rio de Janeiro,
Guanabara Koogan, 2011.
DECI, E. L.; RYAN, R. M. Intrinsic motivation and self-determination in human
behavior. Nova York: Plenum, 1985.
ECCLES, J. S.; MIDGLEY, C. Stage-environment fit: developmentally appropriate
classrooms for young adolescentes. In: AMES, C.; AMES R. Research on motivation in
education. San Diego, CA: Academic Press, v. 3, p. 139-186, 1989.
___________.; WIGFIELD, A. Motivacional beliefs, values and goals: learning and
performance in educational settings. Annual Review of Psychology, v. 53, p. 109-132,
2002.
FALK, P. R. A.; PEREIRA, D. P. Futebol: gestão e treinamento. São Paulo: Ícone,
2010.
FLAVELL, J. H. Cognitive monitoring. In: DICKSON, W. P. Children s oral
communication skills. New York: Academic Press, p. 35-60, 1981.
___________. Metacognitive aspects of problem solving. In: RESNICK, L. B. The
nature of intelligence. Hillsdade, N.J.: Erlbaun, p. 110-238, 1976.
FREIRE, L. G. L. Auto-regulação da aprendizagem. Revista Ciência & Cognição. Rio
de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 276-286, 2009. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S180658212009000200019&script=sci_artte
xt. Acessado em: 07 de jul. 2013.
GOMES, L. R. “Religião e religiosidade no futebol brasileiro”. In: XV ENCONTRO DE
CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉ-ALAS BRASIL. Teresina, 2012.

1161
KUHL, J. Volitional aspects of achievement motivation and leanerd helpplessness:
Towards a comprehensive theory of action control. In: MAHER, B; MAHER, W. Progress
in experimental personality research. New York: Academic Press, v. 13, 1984.
LOPES DA SILVA, A. A autorregulação na aprendizagem. A demarcação de um
campo de estudo e de intervenção. In: LOPES DA SILVA, A,; DUARTE, A; SÁ, I.; VEIGA
SIMÃO. A. M. A aprendizagem autorregulada pelo estudante: perspectivas
psicológicas e educacionais. Porto, p. 18-39, 2004.
LOPES DA SILVA, A. VEIGA SIMÃO A. M.; SÁ, I. A auto-regulação da aprendizagem:
Estudos teóricos e empíricos. Intermeio: revista do programa de pós-graduação em
educação – UFMS, v. 10, n.19, 2004. disponível em:
http://www.intermeio.ufms.br/ojs/index.php/intermeio/article/view/179. acessado
em: 07 de jul. 2013.
MACHADO, A. Psicologia do Esporte: da Educação física escolar ao esporte de alto
nível. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2006.
MATEOS, M. Metacognición y educación. Buenos Aires: Aique, 2001.
MORENO, R. M.; DEZAN. F.; DUARTE, L. R.; SCHWARTZ, G. M. Persuasão e
motivação: interveniências na atividade física e no esporte. Revista Digital - Buenos
Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006. Disponível em:
http://www.efdeportes.com/efd103/motivacao.htm. Acesso em 07 de jul. 2013.
PINTRICH, P. R. The Role of goal orientation in self-regulated learning. In:
BOEKAERTS, M.; PINTRICH, P.R.; ZEIDNER, M. Handbook of self-regulation. Academic
Press, San Diego, 2010.
SCHMIDT, R. A.; WRISBERG, C. A. Aprendizagem e performance motora: uma
abordagem da aprendizagem baseada na situação. Porto Alegre: Artmed, 2010.
SILVA, T. A. Da.; O Comportamento em Treinamento Técnico de Jogadores
Profissionais de Futebol: Um Estudo na Perspectiva da Autorregulação da
Aprendizagem. 2013. 127 f. Dissertação (Cognição e Linguagem) – Centro de Ciências
do Homem, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos
Goytacazes, 2013.

1162
VEIGA SIMÃO, A. M. Auto-regulação da aprendizagem: um desafio para a formação
de professores. In: BIZARRO, R.; BRAGA, F. Formação de professores de línguas
estrangeiras: reflexões, estudos e experiências. Porto, p. 192-206, 2006.
___________. O conhecimento estratégico e a auto-regulação da aprendizagem.
Implicações em contexto escolar. In: LOPES DA SILVA, A.; DUARTE, M.; SÁ, I.; VEIGA
SIMÃO, A. M. Aprendizagem auto-regulada pelo estudante: perspectivas psicológicas
e educacionais. Porto, p. 77-87, 2004.
WEINBERG, R. S.; GOULD, D. Fundamentos da Psicologia do esporte e do exercício.
Porto Alegre: Artmed, 2008.
WOLTERS, C. Regulation of motivation: evaluating an underemphasized aspect of
self-regulation learning. Education Psychologist, 2003.
ZIMMERMAN, B. J. Attaining self-regulation: A social cognitive perspective. In:
BOEKAERTS, M., PINTRICH, P.; ZEIDNER, M. Handbook of Self-Regulation. New York:
Academic Press, p.13-39, 2010.
ZIMMERMAN, B. J.; BANDURA, A.; MARTINEZ-PONS, M. Self-motivation for
academic attainment: The role of self-efficacy beliefs and personal goal-setting.
American Educational Research Journal, 29, p. 663-676, 1992.
ZIMMERMAN, B. J.; CLEARY, T. J. Adolescent’s development of personal agency: the
role of self-efficacy beliefs and self-regulatory skill. In: PAJARES, F.; URDAN, T. Self-
efficay beliefs of adolescents. Greenwich, CT: Information Age Publishing, p. 45-69,
2006.

1163
A METACOGNIÇÃO E A TRANSFERÊNCIA LINGUÍSTICA NA LEITURA ESTRATÉGICA EM
L1 (PORTUGUÊS BRASILEIRO) E L2 (INGLÊS)

Diane Blank Bencke


IFRS - Farroupilha/PUCRS

RESUMO: O presente artigo aborda os fenômenos da metacognição, da transferência


linguística e da compreensão leitora nas perspectivas teórica e empírica, investigando a
transferência de estratégias metacognitivas de leitura do português brasileiro para o
inglês, como segunda língua, em relação aos tipos e a frequência de uso de estratégias
metacognitivas de leitura em L1 e em L2 nos cursos de Administração e Letras.
Dezesseis acadêmicos de Letras e dezesseis de Administração realizaram testes de
compreensão leitora em português e em inglês, pela técnica do protocolo escrito
retrospectivo, em um software com o propósito de se verificar as estratégias
metacognitivas de leitura utilizadas, bem como as demais respostas fornecidas em
exercícios de resumo e avaliação. A existência de procedimentos leitores empregados
por aprendizes de línguas e de formações acadêmicas diferentes e a possível existência
de padrões cognitivos para a realização dessa atividade foi verificada, bem como uma
considerável padronização quanto ao tipo e à frequência de uso das categorias de
estratégias metacognitivas, o que parece indicar sua transferência em nível
inconsciente.
Palavras-chave: Metacognição. Transferência linguística. Leitura em L1 e L2 (Inglês).
Estratégias leitoras.

O ELO TEÓRICO E EMPÍRICO ENTRE METACOGNIÇÃO, TRANSFERÊNCIA LINGUÍSTICA E


LEITURA.
O conceito de metacognição enquanto “cognição sobre o fenômeno cognitivo”
(FLAVELL, 1979), apareceu inicialmente nos estudos de Psicologia Desenvolvimental
para nomear o conhecimento e monitoramento dos próprios pensamentos.
Apresentando diferentes terminologias e formas de manifestação como tipos e
modelos, a metacognição é investigada, também, no campo da educação em atividades
cognitivas como a leitura (FLAVELL, 1981). Ato de processamento cognitivo e
metacognitivo (KLEIMAN, 1998), a compreensão leitora e, especialmente, a proficiência
leitora, está relacionada à metacognição (LEFFA, 1996), que também auxilia na
transferência de conhecimentos, sendo, em vista disso, benéfica em contextos de
aprendizagem, como aqueles referentes à influência do conhecimento linguístico
prévio na aquisição de uma segunda (ou terceira, ou quarta...) língua.

1164
Quanto à transferência de conhecimentos na leitura, assim como na produção
oral e escrita e na compreensão auditiva, o aprendiz de segunda língua pode elaborar
um output linguístico em segunda língua (L2) que reflita seu raciocínio na primeira
língua, o que se constitui em fator interveniente no aprendizado de uma segunda
língua. Esse fenômeno é denominado de transferência linguística: a transposição de
estruturas de uma língua primeiramente adquirida pelo aprendiz, no seu desempenho
na língua-alvo. Neste estudo, discutem-se as pesquisas sobre transferência de
procedimentos como estratégias, observando-se que na leitura em língua estrangeira o
aprendiz tende a fazer uso dos mesmos procedimentos leitores que emprega em L1
(ALDERSON e URQUHART, 1984).
A metacognição, cognição de segunda ordem, além de diferentes
manifestações, também apresenta especificações terminológicas. Um dos exemplos é a
distinção cognição e metacognição. O critério distintivo mais utilizado é o do
envolvimento ou não da consciência, como assume Brown (1980). Consciência aqui
tomada como o “[...] conhecimento que as pessoas têm de seus objetos mentais, sejam
eles percepções, imagens ou sentimentos”. (POERSCH, 1998, p. 8). Segundo esse
critério, atividades conscientes seriam caracterizadas como metacognitivas e atividades
inconscientes ou subconscientes seriam consideradas cognitivas. Tal critério é adotado
neste estudo, porém numa versão mais fraca, envolvendo gradualidade, o que implica
que o cognitivo pode se tornar metacognitivo sob determinadas circunstâncias e vice-
versa (MOTTA, 2007).
Um dos planos em que a metacognição se manifesta é na aquisição de uma
segunda língua e seus fenômenos correlatos. Nesse sentido, menciona-se o processo
de transferência de conhecimentos da L1 para a L2, já que os conhecimentos
sedimentados na L1 são constantemente recrutados pelo aprendiz da L2, na tentativa
de construir generalizações e detectar diferenças, que podem motivar a construção de
novas categorias. A esse processo denominamos transferência linguística, conceituado
por Odlin (1989) da seguinte forma: “transferência é a influência resultante das
similaridades e diferenças entre a língua-alvo e qualquer outra língua que tenha sido
previamente (e talvez imperfeitamente) adquirida”(ODLIN, 1989, p. 27).

1165
Quanto aos âmbitos linguísticos em que ocorre, segundo Hawkins e Towell
(1994), a transferência se manifesta em distintas direções, da L1 para a L2, da L2 para a
L1 e, em vários planos da língua, tais como o fonológico, o lexical, o sintático, etc., bem
como em diferentes habilidades linguísticas, dentre as quais a compreensão leitora. A
compreensão leitora em L2, fruto da interação das motivações e saberes anteriores do
leitor, seus conhecimentos discursivo-linguísticos e enciclopédicos e os saberes que
estão no texto, em seus aspectos conteudistas e formais, mediada por fatores afetivo-
cognitivos, pode manifestar influência das estruturas da língua nativa do aprendiz.
Assim, a compreensão leitora pode ser facilitada ou dificultada pela presença de
cognatos ou falsos cognatos e, também, pela variação dos padrões gramaticais entre
línguas.
Além disso, autores como Seidenberg (1992) e Alderson e Urquhardt (1984)
parecem pressupor a existência de mecanismos comuns na leitura em L1 e L2, quanto
ao processamento cognitivo. Mas há também posições contrárias, como a de Revell e
Sweeney (1993), para quem a transferência de capacidades leitoras da língua-mãe para
a língua estrangeira é de rara ocorrência. Isso porque os aprendizes de L2 tendem a se
concentrar em demasia na decodificação, o que faz, segundo os autores citados, com
que não empreguem procedimentos da leitura proficiente em L1, supostamente
ativados em níveis superiores de processamento leitor, quando da construção de
sentidos.
Outra importante via de estudo do processamento leitor, tanto em L1 quanto
em L2, é a da análise de estratégias, já que a leitura é uma atividade que inclui
procedimentos cognitivos e metacognitivos (KLEIMAN, 1998). Assim, quanto ao tipo de
processamento envolvido, no entendimento de Kleiman (1998, p.50), “as estratégias
cognitivas de leitura seriam aquelas operações inconscientes do leitor, no sentido de
não ter chegado ainda ao nível consciente, que ele realiza para atingir algum objetivo
de leitura”, tratando-se de procedimentos altamente eficazes e econômicos. Já as
estratégias metacognitivas de leitura envolveriam consciência e controle sobre o ato
leitor e intencionalidade no propósito da leitura (KLEIMAN, 1998).
Quanto às estratégias metacognitivas de leitura, existem alguns estudos
brasileiros como os de Joly, Cantalice e Vendramini (2004), Evidências de validade de

1166
uma escala de estratégias de leitura para universitários; Joly, Santos e Marini (2006),
uso de estratégias de leitura por alunos do ensino médio; Joly (2007), Escala de
estratégias metacognitivas de leitura para universitários brasileiros: estudo de validade
divergente; e Filho (2002), Repertório de estratégias de compreensão da leitura e
conhecimento metacognitivo de professores de língua portuguesa. Envolvendo
participantes de diferentes níveis, esses estudos abordam tipos de estratégias mais e
menos empregadas como as estratégias metacognitivas globais, de apoio e de
resolução de problemas ou de previsão, monitoramento e avaliação em categorias
como antes, durante e após a leitura e traços como faixa etária, gênero, curso, período,
turno frequentado, etc. Tais estudos embasam o estudo empírico sobre metacognição,
transferência linguística e compreensão leitora constante na próxima seção.
Um estudo empírico transversal, com delineamento comparativo sobre os
fenômenos da metacognição, transferência linguística e compreensão leitora, foi
desenvolvido a partir de uma situação prática de leitura em duas línguas. Na avaliação
do uso e da transferência de estratégias metacognitivas na leitura em português
brasileiro e em inglês, nos cursos de Letras e Administração, empregou-se o tratamento
quanti-qualitativo dos dados.
O curso de Letras foi escolhido com o propósito de verificar a manifestação de
processos metacognitivos aliados à linguagem e ao seu ensino, já que acadêmicos de
Letras, como futuros professores de línguas, poderiam estar mais cientes de aspectos
linguísticos, sendo mais capazes de refletir de modo consciente sobre eles. Elegeu-se,
em contraponto, o curso de Administração, cujos egressos não possuem uma formação
linguístico-didático-pedagógica específica.
Inicialmente, os acadêmicos de Administração e Letras Português/Inglês da
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) foram submetidos, segundo as condições
usuais de aplicação (individualmente ou em pequenos grupos) à seção de leitura de um
do testes do TOEIC (2000), Test of English for International Communication, para
verificação da proficiência leitora em inglês.
Dos acadêmicos aprovados com notas acima de 50% no TOEIC, constituiu-se a
amostra da pesquisa, 16 acadêmicos em cada grupo. Os sujeitos então foram
submetidos a dois instrumentos de leitura, um em inglês e outro em português,

1167
compostos por textos de caráter expositivo-argumentativo, sobre os quais foram
elaboradas questões objetivas e dissertativas de compreensão textual e questões de
reflexão sobre a tarefa. Tendo como suporte um programa de computador
desenvolvido especialmente para esta pesquisa, escrito na linguagem Java, esses
instrumentos buscaram captar o processamento leitor através da técnica do protocolo
escrito retrospectivo e do desempenho nas tarefas.
Os textos selecionados para compor os instrumentos descrevem e discutem as
diferenças entre homens e mulheres sob a perspectiva de descobertas científicas,
sendo que ambos os instrumentos são constituídos de quatro partes com estrutura e
nível das questões similares. A parte I contém uma questão em que o leitor deve prever
a temática do texto a partir do título. Em seguida, na parte II, após ler as instruções, o
participante descreve o seu processamento leitor ao longo da leitura do texto, sempre
após a leitura de cada parágrafo, tendo acesso a todo o texto somente após finalizada a
leitura e a descrição do processamento leitor.
Já na parte III, há cinco questões de múltipla escolha que propõem a
substituição de palavras por sinônimos, a identificação do tema, a escolha da ideia
mais importante para a tese, a compreensão da tese e a identificação do
propósito/objetivo do texto. A parte IV contém quatro questões abertas sobre a tarefa
realizada, uma autoavaliação justificada sobre a compreensão leitora, a confirmação
justificada de hipóteses sobre o texto, um resumo do texto e a avaliação da influência
do conhecimento do inglês e da habilidade de leitura em língua inglesa na realização da
tarefa de compreensão leitora em português e vice-versa.
Desenvolveu-se também um teste piloto para simular a aplicação dos
instrumentos de compreensão leitora a serem utilizados, realizado individualmente
com três sujeitos. A principal conclusão do teste piloto foi a necessidade de realizar as
sessões dos instrumentos de modo separado. As testagens foram realizadas
concomitantemente, sendo que em cada grupo de sujeitos, metade iniciou a realização
das atividades de compreensão leitora pelo instrumento em português brasileiro e a
outra metade pelo instrumento em inglês, para que houvesse controle de uma
eventual alteração dos resultados em função da língua e do cansaço decorrente das
tarefas, do conhecimento da temática dos textos e da estrutura dos testes, o que é

1168
chamado de efeito de treino (bias effect). Ao término, os sujeitos respondiam ao
formulário de perfil leitor e conhecimento linguístico em L1 e L2, uma entrevista escrita
sobre o histórico de estudo e hábitos de leitura em português e inglês.
As estratégias foram analisadas a partir de uma adaptação da classificação de
estratégias leitoras metacognitivas de Filho (2002), Joly, Cantalice e Vendramini (2004),
Joly, Santos e Marini (2006) e Joly (2007). Estruturou-se uma classificação de 67
estratégias, que aparecem arroladas abaixo, posteriormente agrupadas em 23
categorias como estratégias de previsão do texto, verificação de sua estrutura,
questionamento, visualização, opinião, anotações, referência, atenção,
análise/interpretação, paráfrase, etc. para diminuir o efeito da sobreposição
classificatória.
Quanto aos resultados referentes às partes específicas dos instrumentos, nas
questões de múltipla-escolha, o grupo de Administração apresentou melhor
desempenho, embora essa diferença seja sutil, no instrumento em inglês e o grupo de
Letras apresentou um sutil melhor desempenho no instrumento em português. De
modo geral, houve uma pontuação aproximadamente mediana em ambos os grupos e
instrumentos, com leve declínio na pontuação no instrumento em português em
relação ao de inglês.
Os resumos dos sujeitos foram analisados, segundo a tipologia de unidades de
ideias para protocolos de reconto de Carrell (1992), por sua vez, baseada na
classificação de Meyer e Freedle (1984). Essa classificação divide os resumos em nível
topo, alto, médio, baixo a partir da divisão entre ideias principais e detalhes do texto.
Para efeito de estabelecimento dos níveis dos resumos, solicitou-se a quatro juízes da
área de Letras, a leitura dos textos dos dois instrumentos e posterior identificação das
ideias principais e secundárias.
Quanto aos resultados, considerando-se o nível topo, nível de resumos que
indica o maior nível de compreensão textual, no instrumento em inglês o grupo de
Letras obteve um desempenho ligeiramente superior ao grupo de Administração. No
tocante ao instrumento em português e no nível topo, o grupo de Administração
obteve um sutil melhor desempenho na comparação com o de Letras. A diferença de
porcentagens de frequência de uso é pequena, de modo que, numa perspectiva

1169
genérica, pode-se afirmar que o desempenho em ambos os grupos é semelhante em
ambos os instrumentos.
Referente à questão sobre a transferência linguística, no instrumento em
português, em ambos os grupos, houve maior incidência de respostas negativas quanto
à influência do conhecimento de língua e leitura em inglês. Já no instrumento em
inglês houve maior incidência de respostas positivas quanto à influência do
conhecimento de língua e leitura em português. Quanto à transferência explícita de
estratégias leitoras, duas incidências foram observadas, uma no grupo de
Administração, da L1 para a L2, no aspecto do entendimento da ideia principal de um
texto e outra no grupo de Letras, da L2 para L1, no aspecto da compreensão a partir do
contexto.
Observando-se as três primeiras posições no instrumento em inglês, as
categorias 40 (produções sobre o texto) e 8 (hipóteses sobre o texto) figuram como
primeira e terceira colocação entre grupos respectivamente, excetuando-se a segunda
posição que, no grupo de Letras, conforme supracitado, é a categoria 17 (mobilização
de conhecimentos prévios sobre o texto) e no grupo de Administração, a categoria 48
(avaliação da compreensão do texto). Quanto às demais categorias, houve distinções
muito pequenas entre as posições de frequência das categorias.
No instrumento em português, por seu turno, houve mais distinção entre
grupos nas três primeiras colocações de categorias de estratégias leitoras
metacognitivas mais usadas e maior semelhança nas demais posições. Enquanto no
grupo de Administração a categoria 40 (produções sobre o texto) aparece em primeiro
lugar, no grupo de Letras está em terceiro lugar. A categoria 64 (comentários opinativos
sobre o texto), em segundo lugar no grupo de Administração, aparece em primeiro
lugar no grupo de Letras. E a categoria 17 (mobilização de conhecimentos prévios
sobre o texto), em segundo lugar no grupo de Letras, aparece em sexto lugar no grupo
de Administração, de forma que o seu uso configura uma diferença mais significativa
no uso de estratégias leitoras metacognitivas entre grupos. Já a categoria 51 (releitura
do texto), em terceira posição no grupo de Administração, aparece em quarto no grupo
de Letras; as demais categorias apresentam semelhança nas posições de frequência de
uso.

1170
A relativa homogeneidade no uso de estratégias leitoras metacognitivas entre
grupos pode ocorrer devido a diferentes razões. Pode-se supor que haja influência da
experiência e conhecimento prévio da tarefa, ou a existência de procedimentos
universais de leitura, ou, ainda, a existência de padrões nos tipos de estratégias
metacognitivas leitoras utilizadas, tanto em relação à tipologia quanto à frequência de
uso. A padronização do uso de estratégias leitoras metacognitivas nos instrumentos em
idiomas diferentes, pode também sugerir que o processamento leitor entre línguas
também tenha a mesma natureza, semelhante ao que afirma Seidenberg (2002), para
quem o processamento leitor em L1 e L2 provavelmente possua mecanismos comuns.
Quanto à verificação numérica da quantidade de incidências das categorias de
estratégias entre cursos, no instrumento em inglês, o grupo de Administração fez 475
incidências de categorias de estratégias enquanto o grupo de Letras fez 567
incidências. No instrumento em português, enquanto o grupo de Administração fez
507 incidências, o grupo de Letras fez 592. Em ambos os instrumentos, portanto, houve
maior utilização de categorias de estratégias metacognitivas leitoras no grupo de
Letras, o que pode indicar que o enfoque no ensino de línguas, próprio da área de
formação de Letras, pode evidenciar um maior nível de ativação metacognitiva em
tarefas linguísticas como a leitura.
Quanto ao âmbito geral, conclui-se que as estratégias utilizadas têm relação
direta com o tipo de questões dos instrumentos. Quanto aos cruzamentos estatísticos
realizados entre as porcentagens de uso de estratégias e os vários aspectos descritos
no formulário de perfil leitor e de conhecimento linguístico em L1 e L2, a maioria não
apresentou diferenças significativas.
Acadêmicos do curso de Administração utilizaram mais estratégias
metacognitivas de leitura relacionadas à produção sobre o texto (paráfrase, reescritura,
reflexão) em ambos os instrumentos, enquanto os acadêmicos do curso de Letras
utilizaram mais estratégias metacognitivas de leitura relacionadas ao uso de
conhecimento linguístico em ambos os instrumentos. Verificou-se, também, que houve
uma considerável padronização quanto ao tipo e frequência de uso das categorias de
estratégias utilizadas nos instrumentos, com maior emprego das categorias de
estratégias metacognitivas de leitura, 08 (hipóteses sobre o texto), 17 (mobilização de

1171
conhecimentos prévios sobre o texto), 22 (atenção a determinados aspectos leitores),
36 (recordações a respeito do texto), 40 (produções sobre o texto), 48 (avaliação da
compreensão do texto), 51 (releitura do texto), 59 (interpretação de texto) e 64
(comentários opinativos sobre o texto). No tocante às diferenças quanto ao número de
incidências de mobilização de categorias de estratégias metacognitivas entre grupos,
observou-se que o grupo de Letras utilizou mais estratégias metacognitivas de
compreensão leitora em relação aos alunos do curso de Administração em ambos os
instrumentos.
Além disso, houve baixíssima manifestação explícita de transferência de
estratégias leitoras metacognitivas, registrando-se apenas uma ocorrência de L1 para
L2 e uma de L2 para L1, em cada grupo. De fato, portanto, os sujeitos não transferiram
estratégias metacognitivas de compreensão leitora do português brasileiro na
compreensão leitora em inglês e vice-versa com frequência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As estratégias metacognitivas, estudadas na perspectiva teórica deste trabalho,
foram analisadas empiricamente nos aspectos de tipo e frequência de uso, bem como
na transferência de seu uso de um instrumento de compreensão leitora para outro.
Aqui, portanto, bem se evidenciou a interação do leitor com sua cognição via processos
metacognitivos (JOU e SPERB, 2003).
Os resultados, que evidenciaram uma significativa padronização das categorias
de estratégias leitoras metacognitivas mais utilizadas em ambos os grupos e
instrumentos, sinalizam a possível existência de procedimentos universais de leitura
que se evidenciem em leitores falantes de diferentes línguas e de diferentes áreas de
formação, ou, então, a existência de transferência implícita de estratégias leitoras
metacognitivas. A vinculação do maior uso de determinadas estratégias a certas áreas
de formação e aos tipos de questões formuladas, bem como a correlação positiva entre
a formação linguístico-pedagógica e a maior evidência metacognitiva na leitura
também constituem resultados importantes.
Como pontos positivos deste estudo, o uso de uma metodologia diferenciada –
o protocolo escrito retrospectivo – e a reclassificação de estratégias para a solução da

1172
questão da sobreposição classificatória, podem ser citados. Em termos de futuros
estudos, sugere-se que certos aspectos da investigação empírica sejam aprofundados,
tais como verificar se o conhecimento prévio sobre a temática do texto é um fator
relevante no uso e frequência de estratégias; o estabelecimento de diferentes níveis de
complexidade em uma mesma estratégia é viável; e a diferenciação dos tipos de
transferência é possível de ser estabelecida. Tais detalhamentos teóricos talvez possam
contribuir efetivamente para pesquisas centradas na interface leitura e cognição.

REFERÊNCIAS
ALDERSON, J. Z., URQUHART, A. H. Reading in a foreign language. London:
Longman, 1984.
BROWN, James Dean; RODGERS, Theodore. Doing second language research. New
York: Oxford University Press, 2002.
CARRELL, P. L. Awareness of text structure: effects on recall. Language Learning, v.
42, n. 1, p.1 -20, 1992.
FLAVELL, John. Metacognition and cognitive monitoring: A new area of cognitive-
developmental inquiry. American Psychologist, v. 34 n. 10, p. 906-911, 1979.
________. Cognitive monitoring. In: DICKSON, W. P. (Org.) Children´s oral
communication skills. New York: Academic Press, p.35-60, 1981.
FILHO, Henrique Kopke. Repertório de estratégias de compreensão da leitura e
conhecimento metacognitivo de professores de língua portuguesa. Psicologia Escolar
e Educacional. v.6. n. 1. Campinas, jun./ 2002. Disponível em < http://pepsic.bvs-
psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
85572002000100008&lng=pt&nrm=iso> Acesso em 08. Ago. 2008.
HAWKINS, R; TOWELL, R. Approaches to second language acquisition.
Clevedon/Philadelphia: Multilingual Matters, 1994.
JOLY, Maria Cristina Rodrigues Azevedo; CANTALICE, Lucicleide Maria de;
VENDRAMINI, Claudette Maria Medeiros. Evidências de validade de uma escala de
estratégias de leitura para universitários, Interação em Psicologia, v. 8, n. 2, p. 261-
270. Disponível em <

1173
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/psicologia/article/viewFile/3262/2621> Acesso
em 08. ago./ 2008.
JOLY, M. C. R. A.; PAULA, L. M. Avaliação do uso de estratégias de aprendizagem e a
compreensão em leitura de universitários. In: M. C. R. A., Joly A. A. A., Santos & F. F.
Sisto (Orgs). Questões do cotidiano universitário. (pp 33-58). São Paulo. Casa do
Psicólogo. 2005.
JOLY, Maria Cristina Rodrigues Azevedo; SANTOS, Lílian Mendes dos Santos; MARINI,
Janete Aparecida da Silva. Uso de estratégias de leitura por alunos do ensino médio.
Paidéia (Ribeirão Preto) vol.16 n.34 Ribeirão Preto may/aug./ 2006Disponível em: <
http://sites.ffclrp.usp.br/paideia/artigos/34/08.htm> Acesso em 08. ago./ 2008.
_________. Escala de estratégias metacognitivas de leitura para universitários
brasileiros: estudo de validade divergente. Universitas Psychologica, v.6, n. 3, Bogotá,
2007. p.507-522 sep./dic. 2007 Disponível em: < http://pepsic.bvs-
psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1657-
92672007000300004&lng=pt&nrm=> Acesso em 08. Ago. 2008.
JOU, Graciela Inchausti; SPERB, Tânia Mara. Leitura compreensiva: um estudo de
caso. In: Revista Linguagem & Ensino, v. 6, n.. 2, p.13-54, 2003.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 6. ed. Campinas: Pontes,
1998.
LEFFA, Vilson J. Aspectos da leitura. Porto Alegre: Sagra DC Luzzatto, 1996.
MOTTA, Alayde. O continuum cognição-metacognição nas estratégias bottom-up
empregadas na compreensão textual em L2. Dissertação (Programa de Pós- Graduação
em Letras – Mestrado) - Universidade de Santa Cruz do Sul. Santa Cruz do Sul, 2007.
ODLIN, Terence. Language transfer: crosslinguistic influence in language learning.
Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
POERSCH, Marcelino. Consciência, metacognição e o processo de
ensino/aprendizagem da linguagem. Revista Letras de Hoje, v. 33, n. 4, p.7-12, 1998.
REVELL, R. SWEENEY, S. In print reading business English. Cambridge: Cambridge
University Press, 1993.

1174
SEIDENBERG, Mark S. Beyond orthographic depth in reading: equitable division of
labour. In: FROST, R; KATZ, L. Orthography, phonology, morphonology and meaning.
Amsterdã: Elsevier, 1992, p. 85-118.
WELKER, H. O uso de dicionários. Thesaurus: Brasília, 2006.

1175
A INFLUÊNCIA DO COMPORTAMENTO DO PROFESSOR NA TRANSMISSÃO DO
CONHECIMENTO PARA ALUNOS UNIVERSITÁRIOS

João Batista Rodrigues Junior


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Lorena Borsoi Agrizzi


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O artigo levanta informações e dados relevantes do processo de


aprendizagem do aluno e a responsabilidade do professor no processo de transmissão
de informações, que de acordo com o entendimento e assimilação do aluno, poderá
ser transformado em novo conhecimento. O tema desperta uma inquietação que pode
ser discutida através desta pesquisa onde visa identificar que comportamentos e ações
do professor universitário podem influenciar o aprendizado do aluno em sala de aula,
e o comprometimento com os estudos complementares em casa. Novas tecnologias de
ensino fazem parte do cotidiano acadêmico, interatividade via internet em tempo real,
aulas por vídeo conferência, acesso á internet para debates de temas propostos em
sala de aula e lousas digitais. O uso do datashow - projetor de slides pode ser
considerado prejudicial á transmissão do conhecimento quando utilizado como
reprodutor de texto? O Papel do professor sofre mudanças diante deste cenário de
novas tecnologias para o ensino?
Palavras-chave: Conhecimento. Novas Tecnologias. Ensino. Aprendizagem.

INTRODUÇÃO
Estudos recentes têm acentuado o papel do aluno na regulação da sua
aprendizagem, o uso de estratégias de monitoração da ação escolar, a avaliação dos
processos adotados e a análise dos resultados alcançados, demonstram um
comportamento autorregulado no processo de aprendizagem, estas ações exigem uma
participação ativa do aluno na gestão do aprendizado, onde aspectos intrínsecos como
interesse e motivação, são considerados da mesma forma que aspectos extrínsecos
como o papel do professor na transmissão do conhecimento.
Tradicionalmente era dada ao aluno a incumbência da aquisição do
aprendizado restando ao professor a transmissão do conhecimento, hoje estudos
mostram que passa a ser papel do professor ajudar os alunos a interiorizar os
conteúdos, ensinando-os a aprender, e a aprender a aprender. Definir com clareza os
objetivos e as estratégias de aprendizado pode facilitar a compreensão dos alunos em

1176
relação ao que está sendo ensinado ás estratégias devem ser conscientes e
intencionais, dirigidas para um objetivo relacionado com a aprendizagem.
De Acordo com o site (http://revistaescolapublica.uol.com.br) acessado em 06
de janeiro de 2015: “O Censo Escolar de 2011 revelou um dado preocupante. A taxa de
reprovação no ensino médio brasileiro atingiu 13,1%, maior número desde 1999. A
constatação levanta uma importante questão: o país está regredindo na educação dos
jovens? Os alunos do ensino médio aprendem menos hoje e, por isso, são mais
retidos? Segundo diversos especialistas, não é esse o caso. A reprovação é resultado
de uma conjunção de fatores nem sempre negativa - embora longe de ser positiva”.
De que forma as falhas na educação do ensino médio comprometem a
capacidade de aprendizagem do aluno quando chega ao nível universitário? Que
estratégias podem ser utilizadas pelo professor universitário a fim de nivelar o
entendimento dos alunos prejudicados pela decadência do ensino médio?
O grande crescimento das universidades no país, apoiadas por incentivos do
governo que promovem a facilidade de acesso ao nível acadêmico, como por exemplo,
o FIES, Programa de financiamento estudantil, levou o ensino superior a muitas
pessoas que antes não poderiam cursar uma faculdade, porém, podemos perceber,
que esta facilidade de acesso tem aumentado o número de egressos, por conseguinte
exigindo a contratação de mais professores de nível universitário, e que saibam lidar
com os desafios do mundo acadêmico atual onde tecnologias, motivação, habilidade
de relacionamento e interação com os alunos são fundamentais para o sucesso do
professor.

UMA INTRODUÇÃO À TEORIA DA APRENDIZAGEM


De acordo com as ideias de Skinner (2005), pode-se dizer que aprendizagem é
uma mudança na probabilidade da resposta, devendo especificar as condições sob as
quais ela acontece. É importante salientar que o mesmo autor garante ainda que a
execução de um comportamento é essencial mas não é isso que afirma a existência de
uma aprendizagem. Assim, é necessário que se saiba a natureza do comportamento,
bem como, entenda-se o seu processo de aquisição. Percebe-se, com isso, que, para
este autor, o grande foco dos estudiosos da aprendizagem não deve ser as ações que

1177
os indivíduos emitem em si, mas sim as contingências do qual o comportamento é
função. Tentando elucidar sua ideia, Skinner (1972, p.4) expõe que “Três são as
variáveis que compõem as chamadas contingências de reforço, sob as quais há
aprendizagem: A ocasião em que o comportamento ocorre, o próprio comportamento
e as consequências do comportamento”.
Skinner aponta que um dos grandes problemas do ensino atualmente está em
criar condições favoráveis para as consequências do comportamento. Para que o
comportamento seja efetivamente reforçado é importante que a consequência esteja
associada em um breve tempo com a resposta emitida pelo organismo. Na tentativa
de aproximar o aparecimento de um reforçador do comportamento emitido do aluno
Skinner criou as máquinas de ensinar. Para ele, essas máquinas deveriam ser colocadas
em sala de aula para auxiliar o professor no ensino dos conteúdos. As máquinas são
programadas com perguntas de múltipla escolha sobre um determinado assunto, o
aluno terá que colocar o botão na casa que corresponde a resposta correta, caso erre,
o aluno não consegue passar para a pergunta seguinte. Pode-se acoplar uma luz que
acenda toda vez que o estudante apresente a resposta correta. Um fator importante a
ser citado sobre a maquina é que, como cada criança teria um aparelho, o ritmo da
sequência de perguntas é controlado porcada aluno (SKINNER, 1972).
Para Skinner, o uso das máquinas cessa com o problema da contiguidade do
reforço e permite que cada aluno tenha o seu tempo respeitado, podendo cada
criança ter um trabalho mais individualizado possível. Este autor expõe também os
benefícios que o uso das máquinas trariam ao professor e a forma como deve
comportar-se com este novo instrumento em sala de aula. Esta relação do uso de tal
instrumento com o professores será descrita no tópico seguinte.
A preocupação de Skinner com um trabalho individual que seja coordenado
pelo próprio sujeito mostra que, diferentemente do que se divulga em muitos
materiais didáticos, este autor considera a subjetividade de cada indivíduo. Fica
evidenciado, então, que a teoria de Skinner não só aponta para um trabalho
individualizado, como também indica formas de fazê-lo.

O PAPEL DO PROFESSOR PARA SKINNER

1178
Skinner considerou o professor como um dos principais elementos para a
aprendizagem dos sujeitos. Esta ideia se torna ainda mais explicita quando o autor diz
que “ensinar é o ato de facilitar a aprendizagem; quem é ensinado aprende mais
rapidamente do que quem não é” (SKINNER, 1972, p. 4). Fica claro, nesta afirmação, o
valor dado por Skinner aos professores e à função indispensável que esta profissão
exerce no desempenho de uma boa aprendizagem.
Skinner (1972) procurou esmiuçar ainda mais a função de um professor na
aquisição da aprendizagem de um sujeito ao apontar que este deve arranjar
contingências de reforço. Assim, o professor deve fornecer situações indicando o que
deve ser observado ou adquirido na experiência, de modo que o sujeito possa emitir
e/ou exercitar os comportamentos que se pretende ser ensinado. Um importante
ponto, citado por esse autor, se refere à consideração das condições dos indivíduos no
desenvolvimento da aprendizagem, seja ela física, psíquica ou social, pois toda
arrumação de contingências é ineficaz se o sujeito está limitado, em seu
desenvolvimento, a responder da forma pretendida. Visto isso, fica clara a necessidade
do professor em montar um ambiente que estimule e propicie o aluno a compreender
e executar os comportamentos que se pretende ensinar. Assim, para Skinner, um
professor, ao montar uma situação de aprendizagem, deve sempre se questionar
sobre os reforçadores que estão e irão ser utilizados e na forma como estão dispostas
as contingências de reforço. Essas questões podem levar o professor a rever a sua
estratégia de ensino, tornando-a mais eficaz. (SKINNER, 1972)
Faz-se necessário também, após a aquisição de um comportamento, que sejam
feitos exercícios que repitam a sua emissão, para que assim seja possível ao aluno uma
manutenção, bem como a sua fixação enquanto ação para situações similares. Para
auxiliar na execução dos exercícios, Skinner (1972) aponta para o uso das máquinas de
ensinar. Como foi explicado no tópico anterior, para Skinner as máquinas serviriam
para trabalhar com os alunos assuntos específicos previamente planejados. Cabe ao
professor programar as sequências dos exercícios numa ordem que vá do mais simples
ao mais complexo, como também supervisionar as crianças quando na execução das
máquinas para poder criar estratégias mais individualizadas para cada aluno.

1179
Skinner (1972) aposta na ideia do uso das máquinas, até mesmo para a
valorização dos professores. Para ele, o uso das máquinas garante o aprendizado
mecanicista, que os currículos pressupõem, deixando o professor com mais tempo e
preocupação para questões interpessoais.
ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM
A estratégia é considerada como um guia das ações a seguir. A autorregulação
consciente permite que o aluno esteja atento a sua estratégia á todo momento, como
se estivesse tendo um diálogo consigo mesmo, e quando se desvia de seus propósitos
é capaz de reorientar e regular suas ações, o que supõe um verificar permanente do
processo de aprendizagem. São 3 as fases desse processo a planificação quando o
aluno decide o que vai fazer, a realização quando o aluno realiza a tarefa e Avaliação
quando ao aluno avalia sua própria atuação Nisbet e Shuckmith (1986).
Para Snowman (1986) a estratégia de aprendizagem é um plano geral que se
formula para tratar uma tarefa de aprendizagem, e a técnica de aprendizagem é uma
competência mais específica que se usa à serviço da estratégia.
O ato de ensinar passa a ter o compromisso de levar os alunos a terem esses
conhecimentos e não somente transmitir informações, é ensinar os alunos a pensar, a
fazer esquemas, resumos a terem estratégias de aprendizagem. Nisbet (1992) Salienta
que deve existir um equilíbrio entre processo e conteúdo para facilitar a
aprendizagem.

O aprendizado seria excessivamente trabalhoso, para não mencionar


perigoso, se as pessoas dependessem somente dos efeitos de suas
próprias ações para informá-las sobre o que fazer. Por sorte, a maior
parte do comportamento humano é aprendido pela observação
através da modelagem. Pela observação dos outros, uma pessoa forma
uma idéia de como novos comportamentos são executados e, em
ocasiões posteriores, esta informação codificada serve como um guia
para a ação. (BANDURA, 1977, p22).

TEORIA DA APRENDIZAGEM SOCIAL


Segundo Albert Bandura (1925) “Todos os fenômenos que ocorrem por meio
de experiência direta também podem ocorrer de forma vicariante – com a observação
de outras pessoas e das consequências para elas.” REFORÇO VICARIANTE: Aprendizado

1180
ou fortalecimento de uma resposta por meio da observação das consequências de tal
comportamento.
Alguns comportamentos dos alunos podem ser reforçados pelo
comportamento do professor. O medo dos alunos de responderem uma pergunta em
sala de aula, pode receber um reforço positivo ou reforço negativo: Dizer ao aluno que
sua resposta está errada, pode despertar uma aprendizagem vicária negativa, gerando
no aluno respondente e nos outros alunos da sala de aula o medo de dar respostas.
Caso a observação do professor seja positiva mesmo diante de uma resposta errada,
poderá despertar um reforço positivo, promovendo a coragem e a motivação para
responder outras perguntas, exemplo - Se a resposta for: Interessante seu ponto de
vista, agora o que pensa sobre esta visão? Apresentar outro ponto de vista – Reforço
positivo.
Bandura afirma que este processo se dá pela observação do próprio
comportamento e o comportamento alheio, obtendo informações relevantes as
pessoas desenvolvem hipóteses sobre as prováveis consequências de produzir aquele
comportamento no futuro. Embora Bandura concordasse com Skinner sobre a
possibilidade de mudar o comportamento humano por meio do reforço, também
sugeriu que a aprendizagem por observação é mais segura do que o comportamento
operante de Skinner. No condicionamento operante o sujeito sofre as consequências,
diferentemente do aprendizado por condicionamento vicário no qual pode antecipar e
avaliar os prós e os contras. O que importa não é diretamente o reforço, mas sim o que
o individuo faz com este estímulo. O modelo de autorregulação está relacionado com
este tipo de aprendizagem, pois uma mudança voluntária de comportamento sempre
será mediada pela percepção do sujeito a respeito de seu desempenho.
Bandura prefere a utilização do termo “regulação” em detrimento do termo
classicamente utilizado por Skinner de “reforço”, pois um reforço funciona
principalmente como “Uma operação informativa e motivacional, mais do que um
reforçador mecânico de resposta” (BANDURA, 1977, p.21). Deste modo, a natureza
humana é vista como uma vasta potencialidade, a ser elaborada pela experiência
vicária ou direta. Bandura descreve a teoria do autorreforço, que pode gerar emoções
tanto negativas como positivas, pois acontece por comparação onde o individuo

1181
compara o seu comportamento com padrões internos, se julgar que o comportamento
esta a altura de seus conceitos, pode haver um sentimento de satisfação, mas se não
corresponde aos seus padrões, pode causar culpa, insatisfação ou frustração. Este tipo
de reforço fornece uma noção de autodireção, proporcionando alternativas
relacionadas ao comportamento que podem evitar a autopunição posteriormente. A
teoria do autorreforço demonstra mais uma vez a crença de Bandura na
funcionalidade da capacidade cognitiva do ser humano.
TEORIA DA AUTOEFICÁCIA
Autoeficácia é a crença ou percepção do indivíduo sobre sua capacidade de
desempenho em atividades específicas, as experiências de êxito são a fonte mais
importante do desempenho das crenças de autoeficácia, pois constituem para o aluno
a prova de que consegue desempenhar os comportamentos ou executar as ações
necessárias para a realização da tarefa (Fontaine 2005, p123).
Acredita-se que a autoeficácia influencia o desempenho escolar e, da mesma
forma é influenciada por ele, tendo implicações no desenvolvimento e aprendizagem
do aluno os Alunos com elevado senso de autoeficácia tendem a se esforçar mais,
desta forma melhoram seus resultados por outro lado esta consciência de autoeficácia
reforça a percepção de competência escolar, mas as experiências de fracasso escolar
também influenciam negativamente o desenvolvimento das crenças de autoeficácia,
podendo se associar a prejuízos de ordem emocional e comportamental. As pessoas
com baixas crenças de autoeficácia evitam as situações potencialmente ameaçadoras,
não por estarem bloqueadas pela ansiedade, mas porque acreditam serem incapazes
de lidar com as ameaças ( BANDURA,1989).
Uma pessoa com elevada crença de autoeficácia faz um julgamento de suas
próprias capacidades, ou seja, avalia sua própria inteligência, conhecimentos e
habilidades, acreditando que as possui ou que pode adquiri-las para a realização de
uma determinada tarefa, acredita-se que a autoeficácia é um instrumento
fundamental para o sucesso, a autoeficácia tem muito em comum com a motivação
intrínseca, referem-se ao julgamento pessoal que o aluno tem de suas próprias
capacidades para executar as ações necessárias para atingir determinado objetivo, tais
crenças influenciam as aspirações e o envolvimento com metas estabelecidas, o nível

1182
de motivação, a perseverança em face das dificuldades, a resiliência, as adversidades,
relacionando-se com a qualidade do pensamento que o aluno utiliza.

O ALUNO E A ESCOLA
Segundo Thomas ( 2002 apud DEPS; GULIATH,2013), o ambiente escolar e o
discurso do professor são de fundamental importância para o desenvolvimento
metacognitivo do aluno. Ele comenta que alguns pesquisadores concluíram que a
linguagem do pensamento não esta presente no discurso em sala de aula e que os
professores precisam estar conscientes e precisam usar tal linguagem. Os alunos
devem ser levados a entender as razões de desenvolverem as atividades em sala de
aula e a refletir sobre a forma ideal de aprender de acordo com seu estilo pessoal e de
acordo com as necessidades da tarefa.
Resultados de avaliações têm evidenciado o baixo desempenho escolar dos
estudantes brasileiros, e comparando-se com estudantes de outros países, verifica-se
que os brasileiros têm obtido a mais baixa classificação, conforme vem sendo
divulgado através dos meios de comunicação. Sou propensa a acreditar que tal
fracasso decorre, em grande parte, do fato de os alunos não saberem estudar, ou seja,
de não refletirem sobre os seus processos de aprendizagem, de não saberem utilizar
estratégias de estudos adequadas, procedimentos que vêm sendo dominados pela
literatura especializada, de ineficácia do comportamento metacognitivo. (Deps, Vera
Lúcia, Formação de professores: percursos investigativos no cotidiano escolar, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que vários fatores podem contribuir para o sucesso na
aprendizagem do aluno, o uso das tecnologias, e de métodos de ensino adequados,
devem ser utilizados à favor dos interesses dos alunos, gerando a motivação
necessária para o alcance dos objetivos individuais de cada aluno, meta que parece
ser uma missão impossível para os professores diante do atual cenário, não diferente é
o desafio dos alunos de conseguir assimilar conteúdos diversos em meio a tanta
informação, desta forma, o aluno deixa de ser sujeito passivo para ser sujeito ativo no
processo de ensino- Aprendizagem.

1183
È possível que muitos alunos não alcancem o sucesso escolar por não
possuírem estratégias de aprendizagem e não possuírem controle sobre seu
comportamento cognitivo, ao estabelecer estas estratégias o aluno se torna capaz de
efetivar suas ações direcionando seu comportamento para os objetivos traçados,
conquistando assim novos conhecimentos e sendo capaz de modificar suas ações de
forma estratégica.
O uso de estratégias de monitoramento da ação escolar, a avaliação dos
processos adotados e a análise dos resultados alcançados, demonstram um
comportamento autorregulado no processo de aprendizagem, estas ações exigem uma
participação ativa do aluno na gestão do aprendizado, onde aspectos intrínsecos como
interesse e motivação, são considerados da mesma forma que aspectos extrínsecos
como o papel do professor na transmissão do conhecimento.
O discurso do professor em sala de aula tem demonstrado ser um fator
importantíssimo no desenvolvimento e estímulo dos alunos, portanto a aprendizagem
conta com a colaboração do professor que talvez seja a fonte mais importante no
direcionamento de experiências motivacionais, para que os alunos adquiram hábitos
de aprendizagem adequados, de forma que possam aprender a planejar suas ações de
aprendizagem, monitorar as estratégias escolhidas, e refletir sobre os resultados
alcançados. Ser professor segundo as teorias do Skinner e Albert Bandura possui
implicações motivacionais, estratégicas e de consciência da importância de seu papel,
como condutor dos alunos, para uma viajem também chamada de busca por novos
conhecimentos.

REFERÊNCIAS
BANDURA, A. (1969). Modificação do comportamento. Rio de Janeiro:
Interamericana.
BZUNECK,J.A. & GUIMARÃES, S.É.R, Motivação para aprender. Petrópolis: Vozes,
2010.
DEPS, Vera Lúcia. Formação de Professores: Percursos Investigativos no Cotidiano
Escolar. Editora Unimontes, 2010.
MATEOS, M. Metacognición y educación. Buenos Aires: Aique, 2001.

1184
REVISTA ESCOLA PÚBLICA,
http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/28/ensino-medio-reprovado-267452-
1.asp
_________. (1994). Self-efficacy. In V. S. Ramachaudran (Ed.), Encyclopedia of
human behavior (Vol. 4, pp. 71-81). New York: Academic Press.
SKINNER, Burrrhus Frederic. (1972). Tecnologia do ensino. (Rodolpho Azzi, Trad.).
São Paulo: Herder, Ed. da universidade São Paulo, 1972.
VEIGA SIMÃO, A.M. (2002). Estudo acompanhado: uma oportunidade para
aprender a aprender, Lisboa, Ciclo de conferências. Departamento da Educação
Básica, Ministério da Educação.

1185
USO DO MAPA CONCEITUAL COMO ESTRATÉGIA AUTORREGULADA DA
APRENDIZAGEM

Elizangela Tonelli
Instituto Federal do Espírito santo

Raiza Teixeira Griffo de Vasconcelos


Instituto Federal do Espírito Santo

RESUMO: O processo de aprendizagem deve ser entendido como um conjunto de


metas que dentro do seu percurso agrega conhecimentos por meio de diferentes tipos
de estratégias cognitivas e metacognitivas. Esses conhecimentos quando organizados
por meio de estratégias metacognitivas e uma postura autorregulada, permitem o
aluno alcançar níveis elevados de aprendizagem. Sendo assim, este estudo propõe
verificar a opinião dos alunos acerca do uso dos mapas conceituais como
estratégia/ferramenta de auxílio nas ações autorreguladas de aprendizagem. Por meio
da construção de mapas e aplicação de questionários, observou-se que os mapas
conceituais incentivam a postura autorregulada do aprendiz em adotar estratégias
para organizar e transformar as informações recebidas e autoavaliar-se mediante o
percurso e a evolução da sua aprendizagem.
Palavras-chave: Mapa conceitual. Metacognição. Autorregulação da Aprendizagem.

INTRODUÇÃO
Os indivíduos adotam procedimentos na regulação, monitoramento e
planejamento do seu próprio pensamento que são chamados de metacognição, que é
uma habilidade reflexiva e crítica sobre o próprio pensar e o como agir.
A partir dessas reflexões o indivíduo planeja como irá executar uma atividade
adotando estratégias que considera adequadas e eficazes para seu aprendizado. A
regulação é o próprio pensar que, quando posto em prática, corresponde à atividade
em si e sua manutenção, ou seja, é a ação de monitorar as variáveis que norteiam sua
aprendizagem, bem como a autoavaliação em todo o processo.
O aluno que possui uma postura autorregulada é proativo, mantém-se firme na
realização das tarefas, exibe competências em todos os contextos de aprendizagem e
utiliza com mais assertividade as estratégias que estão a seu dispor, sustentando-as ou
alterando-as sem muitas dificuldades (BANDURA, 2008).
Acerca dos aspectos mencionados, muitas pesquisas em educação têm focado
seus estudos em busca de estratégias de ensino e aprendizagem que promovam o
1186
comportamento autônomo e autorregulado dos estudantes, principalmente, do Ensino
superior.
Levando em consideração essas necessidades, esse estudo propôs o uso dos
mapas conceituais como estratégias de estudo autorregulado, tendo em vista a
reflexão e organização do pensamento, de forma a monitorar e autoavaliar o quanto
se sabe acerca do conteúdo proposto.
O objetivo desse estudo foi identificar o nível de concordância dos alunos do 2º
período do curso de Engenharia Mecânica do IFES, acerca do uso dos mapas
conceituais como ferramenta de auxílio nos pensamentos metacognitivos dos
conteúdos disciplinares, bem como no monitoramento do aprendizado. Como
metodologia aplicada para a coleta das informações, primeiramente, cada aluno
construiu o seu mapa conceitual acerca dos conhecimentos adquiridos com a disciplina
de Ciências dos Materiais. Ao final da tarefa, eles responderam um questionário com 9
(nove) ações vistas como estratégias autorreguladas da aprendizagem,
implicitamente contempladas no processo de construção do mapa conceitual.
Ao final desse estudo, os alunos consideraram o uso dos mapas conceituais
como uma estratégia prática e eficaz para identificar e simplificar o entendimento,
assim como para verificar o quanto se sabe acerca do conteúdo. Conclui-se a partir
daí que as ações promovidas na construção de mapas conceituais incentivam a postura
autorregulada do aprendiz em adotar estratégias para organizar e transformar as
informações recebidas, facilitar a sua codificação, aferir as consequências lógicas,
bem como avaliar seu aprendizado, utilizando-se de ensaios e auxílio da memória das
experiências anteriormente adquiridas.

TECENDO TEORIAS
Muitas investigações têm sido feitas no âmbito da aprendizagem centrada nas
capacidades cognitivas e nos aspectos atitudinais. No que diz respeito à realização
escolar, Flavell (1970) aponta diferenças significativas no desempenho, não apenas em
função das estratégias cognitivas utilizadas, mas também às estratégias
metacognitivas.

1187
Um dos aspectos mais relevantes na aprendizagem tem sido o reconhecimento
de quando e como utilizar determinada estratégia, sua aplicabilidade, eficácia e
momento certo. A tomada de consciência em conhecer o que já se sabe, analise e
avaliar como se conhece, Flavell (1970) denomina essas ações como metacognição.
Apesar de semelhantes, a cognição e a metacognição possuem ações
singulares. Em termos restritos cognição se refere a um tipo específico de
representação dos objetos e fatos (isto é, representações proposicionais). Já
a metacognição diz respeito, entre outras coisas, ao conhecimento do próprio
conhecimento, à avaliação, à regulação e à organização dos próprios processos
cognitivos. De acordo com Weinert (1987), as metacognições podem ser consideradas
cognições de segunda ordem: pensamentos sobre pensamentos, conhecimentos sobre
conhecimentos, reflexões sobre ações.
Flavell (1987) acrescenta ainda que, enquanto as estratégias cognitivas são
destinadas simplesmente a levar o sujeito a um objetivo cognitivo, as estratégias
metacognitivas se propõem a avaliar a eficácia das primeiras.
Ribeiro (2003) resume em duas formas o entendimento da
metacognição: conhecimento sobre o conhecimento (tomada de consciência dos
processos e das competências necessárias para a realização da tarefa) e controle ou
autorregulação (capacidade para avaliar a execução da tarefa e fazer correções
quando necessário - controle da atividade cognitiva, da responsabilidade dos
processos executivos centrais que avaliam e orientam as operações cognitivas).
Assim, é suposto que a prática da metacognição conduz a uma melhoria da
atividade cognitiva e, consequentemente, uma potencialização do processo de
aprender. Estes processos são exigentes, pois implicam em uma postura autorregulada
do aprendiz em reestruturar o que já se sabe pela inserção de novas informações,
reconhecendo os avanços e as lacunas ainda existentes.
De acordo com Bandura (2008), a agência humana possui características
fundamentais: intencionalidade, antecipação e autorregulação. Por meio da
intencionalidade as pessoas elaboram planos e estratégias de ação para realizá-los.
Pela antecipação, as pessoas antecipam resultados esperados de ações prospectivas,
guiando e motivando seus esforços. Com a autorregulação os agentes criam padrões

1188
para monitorar, regular e avaliar os seus atos e refletir sobre suas ações, fazendo
ajustes quando necessários.
Na trajetória de pesquisas sobre a autorregulação, Zimmermann nos ajuda na
identificação do tema. Para Zimmerman (2000, p.14), "a aprendizagem autorregulada
refere a pensamentos, sentimentos e ações autogeradas que são planejadas e
ciclicamente adaptadas para realização de metas pessoais". O autor resume que ações
metacognitivas, motivacionais e comportamentais colocam os alunos como
participantes do seu próprio processo de aprendizagem. Como critérios de definição,
Zimmermann (2008) diz que essas três categorias devem estar presentes na trajetória
de realização acadêmica dos alunos. Essas categorias englobam, entre outros, as
análises sobre estratégias de aprendizagem, monitoramento metacognitivo e
percepção de autoconceito.
A autorregulação é descrita por Zimmerman (2006) e Zimmerman e Cleary
(2006) como cíclica, pois que o feedback de um desempenho anterior torna-se
propostas de ajustes para as ações subsequentes, para o aprimoramento e elevação
das metas e dos desafios. Zimmerman apresenta três ciclos para a ocorrência da
aprendizagem autorregulada: a fase prévia que é a análise da tarefa onde ocorre o
planejamento de estratégias e definição dos objetivos; a fase da realização que inclui
os processos de autocontrole do desempenho e da motivação e também a auto-
observação; e por fim a fase de autorreflexão que envolve o julgamento pessoal como
a autoavaliação e as atribuições causais. Conforme exposto, o modelo é cíclico,
portanto a fase de autorreflexão influencia na fase prévia seguinte.
Polydoro e Azzi (2009) apontam que tanto para Zimmerman quanto para
Bandura os aprendizes autorregulados não são diferenciados somente por sua
orientação pró-ativa e performance, mas também por suas capacidades
automotivadoras.
Independente da concepção acerca da autorregulação percebe-se que elas
realçam o caráter efetivamente intencional da ação, com um objetivo previamente
estabelecido. Os processos por meio dos quais se pode alcançá-lo dependem das
características individuais e contextuais, bem como da capacidade do aluno em refletir
e operar sobre essas mesmas características. O que se espera, então, para possibilitar

1189
a efetivação dessa proposta é um sujeito que se coloca no processo como
protagonista.
Assim, a autorregulação pode ser encarada como um mecanismo complexo que
envolve múltiplos componentes motivacionais, comportamentais e metacognitivos,
sendo o último um dos mais relevantes pois a tomada de consciência, ou seja, o
reconhecimento daquilo que se sabe e o que desconhece acerca do seu
conhecimento é de fundamental importância para o aprendizado autônomo.

ENTRELAÇANDO OS MAPAS CONCEITUAIS À ESTRATÉGIAS AUTORREGULADA DE


APRENDIZAGEM
De acordo com Ausubel (1980) o aprendizado parte do aluno e não
simplesmente do conceito que lhe é ensinado. “O ensino só se torna efetivo na medida
em que manipula as variáveis que regulam a aprendizagem”. (AUSUBEL et al, 1980,
p.13) Por esta razão é de fundamental importância pensar em mecanismos que
possibilite o aluno relacionar o seu aprendizado à conceitos relevantes, existentes em
sua estrutura cognitiva. O autor denomina essa forma de aquisição do conhecimento
como “Aprendizagem Significativa”.
De acordo com Ausubel (1980) a aprendizagem deve se vista como um
processo de armazenamento de informação, organização e integração de um conceito.
O autor considera a estrutura cognitiva como uma estrutura hierárquica de conceitos
na qual elementos mais específicos de conhecimento são ligados e assimilados a
conceitos mais gerais, mais inclusivos.
Fundamentado na teoria de aprendizagem significativa, Novak (1984) criou os
mapas conceituais que são considerados instrumentos importantes para organizar e
representar o conhecimento, pois evidenciam por meio de proposições as conexões
entre ideias-chave.
Nos mapas conceituais os conceitos aparecem dentro de caixas enquanto que a
relação entre eles é feita por frases de ligação. Essas frases são chamadas de
“proposição” e possuem funções estruturantes desenvolvendo um papel fundamental
na representação da relação entre dois conceitos ou mais. Na figura 1 se pode
visualizar um exemplo de mapa conceitual que trata do assunto em questão:

1190
Figura 1: Exemplo de um mapa conceitual

Fonte: (NUNES, at al., 2005)

Okada (2006) vê o mapa conceitual como um “retrato hipertextual da mente”,


segundo o autor o pensamento humano não é linear, ele é construído por redes e
associações no qual um novo saber se conecta com um saber já construído podendo
atualizá-lo e até mesmo refutá-lo. Tudo depende da nossa produção de sentidos e de
que forma damos significados a eles.
O mapa conceitual é um desenho cognitivo no qual expressa uma rede de
pensamentos que num movimento dinâmico são externalizado e internalizado
simultaneamente, no qual o objetivo não é classificar conceitos e sim hierarquizá-los
envolvendo o cognitivo de quem o usa mantendo sua autenticidade sem limitar seu
conhecimento de forma idiossincrática.
Na qualidade de estratégia metacognitiva e autorrregulada os mapas
conceituais apresentam particularidades relevantes. Visto como verificação do
conhecimento adquirido, por meio deles professor é capaz de visualizar a forma como
o aluno “estrutura, hierarquiza, diferencia, relaciona, discrimina e integra conceitos de
uma determinada unidade de estudo, tópico, disciplina, etc” (MOREIRA; BUCHWEITZ,
1993, p.43).

1191
Sendo assim, o mapa conceitual orienta tanto professor como aluno em buscar
ações e intervenções para o aperfeiçoamento do ensino e ampliação da aprendizagem.
Vale ressaltar que,
a análise do mapa é essencialmente qualitativa. O professor, ao invés
de preocupar-se em atribuir um escore ao mapa traçado pelo aluno,
deve procurar interpretar a informação dada pelo aluno no mapa a
fim de obter evidências de aprendizagem significativa (MOREIRA,
2006, p. 8).

Enquanto estratégias voltadas para a organização do conhecimento, os mapas


conceituais possuem vantagens relevantes a atividade metacognitiva, pois eles
conduzem o aluno ao planejamento, monitoramento, e à regulação do próprio
pensamento e das próprias ações.
Visto por esse ponto, os mapas conceituais combinam com a autorregulação
seja como estratégia de ensino e aprendizagem ou a serviço de uma avaliação
formativa, pois possibilitam o rompimento com a “pedagogia magistral” e a elevação
de uma pedagogia que se dispõe a respeitar a lógica do educando e favorece o
desenvolvimento de sua autonomia (PERRENOUD, 1999. P. 58).

MAPAS CONCEITUAIS: UMA ANÁLISE PEDAGÓGICA


Este estudo se trata de uma pesquisa de campo, de caráter qualitativo, baseada
no nível de concordância de 18 alunos do 2º período do curso de Engenharia
Mecânica do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), em relação as contribuições
do uso dos mapas conceituais para uma postura autorregulada, em relação ao
aprendizado dos conteúdos da disciplina de “Ciências dos Materiais”. A atividade com
os mapas bem como a aplicação dos questionários foram feitas no encerramento do 1º
semestre de 2014, durante as aulas de Metodologia científica. O uso dos mapas
conceituais foi proposto pela professora como ferramenta de estudo.
Para a construção dos mapas os alunos utilizaram o programa Cmap Tools 148. A
partir da apresentação do modelo de um mapa conceitual (figura 1), foi solicitado aos
alunos que construíssem seus mapas com conceitos ligados por proposições, acerca
de todo aprendizado adquirido com a disciplina de Ciências dos Materiais, durante o

148
um software livre desenvolvido pelo IHMC (Institute for Human and Machine Cognition).
1192
semestre estudado. Para a construção dos mapas os alunos utilizaram o programa
Cmap Tools 149.
Abaixo segue um exemplo de mapa construído:
Figura 2: Mapa Conceitual construído pelo aluno A acerca da disciplina de Ciências dos
Materiais.

Após a construção dos mapas os alunos responderam um questionário com


estrutura baseada na escala de Likert150 , com o intuito de registrar o nível de
concordância ou discordância acerca do uso do mapa conceitual como uma
estratégia/ferramenta de aprendizagem autorregulada, considerando os aspectos:
reflexão, organização do pensamento, monitoramento e autoavaliação acerca do que

149
um software livre desenvolvido pelo IHMC (Institute for Human and Machine Cognition).
150
Escala de resposta psicométrica usada habitualmente em questionários. Ao responderem a um
questionário baseado nesta escala, os perguntados especificam seu nível de concordância com uma
afirmação.
LIKERT. R. (1932), A Technique for the Measurement of Attitudes, Archives of Psychology . 140: pp. 1-5
1193
sabe do conceito “Ciência dos Materiais” bem como autoavaliação da sua
aprendizagem. Conforme apresentado no quadro 1.

Quadro 1: Contribuições do uso dos Mapas Conceituais

NIVEL DE Concord Concord Concordo Discor Discordo Discor


CONCORDÂNCIA/ o o parcialme do parcialme do
DISCORDÂNCIA totalme nte nte totalm
nte ente

O uso do Mapa F % F % F % F % F % F %
Conceitual me permitiu...
Pensar o que eu sei
1 acerca da disciplina. 9 50 7 38 2 12 0 0 0 0 0 0
Usar a lógica do meu
2 pensamento. 10 56 7 38 1 6 0 0 0 0 0 0
Relacionar o conceito
3 geral aos conceitos
mais específicos
(características, 15 82 3 18 0 0 0 0 0 0 0 0
diferenças,
semelhanças, etc).
Visualizar tudo que eu
4 sei acerca da 16 88 1 6 1 6 0 0 0 0 0 0
disciplina.
Acompanhar o
5 percurso e a evolução 7 38 8 33 3 18 0 0 0 0 0 0
do meu aprendizado.
Reconhecer o que eu
6 desconheço acerca da 8 44 8 44 1 6 0 0 0 0 0 0
disciplina.
Reconhecer o que eu
7 ainda preciso 7 38 7 38 4 24 0 0 0 0 0 0
aprender acerca da
disciplina.
De uma forma geral,
8 autoavaliar na 6 33 8 44 4 22 0 0 0 0 0 0
disciplina.
Utilizá-los como uma
9 estratégia eficaz na
de avaliação do meu 13 72 2 12 2 12 1 6 0 0 0 0
aprendizado.

1194
A partir das respostas apresentadas no Quadro 1 buscaremos fazer uma análise
tecendo apontamentos embasados nos aporte teórico utilizado neste estudo. Vale
ressaltar que o objetivo desse estudo não é mensurar a eficácia dos mapas conceituais
como ferramenta e/ou estratégia autorregulada, mas sim, por em evidência, os níveis
de concordância/discordância dos alunos, (a partir do contato com a ferramenta)
relacionados a alguns aspectos relevantes à autorregulação da aprendizagem
contemplados na construção dos mapas conceituais.
Portanto, buscando verificar se os mapas conceituais permitem o aluno,
refletir de forma metacognitiva, ou seja, pensar acerca do que ele sabe da disciplina
de Ciências dos Materiais, 9 alunos disseram “concordar totalmente”, 7 alunos
disseram “concordar” e 2 disseram “concordar parcialmente” com essa afirmativa
(Questão 1 - quadro 1).
De acordo com Flavell (1987) por meio de estratégias metacognitivas o
individuo é capaz de pensar sobre o próprio pensar. Em virtude disso, o individuo
autorregulado desenvolve o controle das operações cognitivas e assume os
processos executivos centrais que avaliam e orientam essas operações.
Mantendo o foco no controle das ações cognitivas pelo aprendiz, verificamos a
opinião dos alunos sobre o uso dos mapas conceituais como forma de organizar o
pensamento cognitivo por meio da livre lógica, 10 alunos disseram “concordar
totalmente”, 7 alunos disseram “concordar” e 1 aluno disse “concordar parcialmente”
com essa afirmativa. (Questão 2 – Quadro 1).
Acerca da possibilidade de organizar o conhecimento de forma hierárquica por
meio do mapa, na ação de relacionar e classificar conceitos gerais à conceitos
específicos (características e semelhanças, divergências, etc), dentre os respondentes,
15 alunos disseram “concordar totalmente” e 3 alunos disseram “concordar”, que
os mapas os permitiram executar essa ação (Questão 3 - quadro 1).
A esse respeito Ausubel (1980) diz que a aprendizagem envolve um processo de
armazenamento de informação, organização e integração de um conceito, que a
posteriori irá ancorar novos conhecimentos.
No intuito de possibilitar o aluno fazer um desenho da sua estrutura cognitiva
acerca dos seus conhecimentos, de forma a permitir que visualize tudo que ele sabe

1195
em relação a disciplina, entre os alunos, 16 alunos “concordaram totalmente”, 1 aluno
“concordou” e 1 “concordou parcialmente com essa afirmativa (Questão 4 - quadro
1). Essa visão geral acerca do que sabe pode ser visto como um feedback do
desempenho anterior, bem como o monitoramento do aprendizado que, de acordo
com Zimmerman (2000) pode ser usado para fazer ajustes em performances atuais
como um contínuo aprimoramento pró-ativo que inclui elevação de metas e desafios.
Um dos aspectos relevantes que favorece o comportamento autorregulado é
criar condições para que o aluno amplie o seu envolvimento com a gestão de seus
percursos e se responsabilize progressivamente pela sua aprendizagem. Em relação às
contribuições dos mapas, como forma de analisar a trajetória do seu aprendizado e
acompanhar o percurso e a evolução do seu aprendizado, 7 alunos “concordaram
totalmente”, 8 disseram que “concordam” e 3 “concordaram parcialmente” com essa
afirmativa (Questão 5 - quadro 1).
Aprender de forma autorregulada é ser protagonista de sua aprendizagem. Assim,
para verificar a relevância dos mapas conceituais no reconhecimento de suas
dificuldades, ou seja “reconhecer o que ainda precisa aprender”, 7 alunos
“concordaram totalmente” com essa afirmativa, outros 7 alunos “concordaram” e 4
alunos disseram que “concordam parcialmente” (Questão 7 - Quadro 1).
Como forma de se autoavaliar por meio do mapa conceitual, reconhecendo os
avanços e as lacunas ainda existentes em seu aprendizado, 6 alunos “concordaram
totalmente”, 8 alunos “concordaram” e 4 “concordaram parcialmente” com a
afirmativa de que o uso do mapa conceitual permitiu a eles, de uma forma geral, se
autoavaliarem na disciplina de “Ciências dos Materiais”, conforme mostra a (Questão 8
- Quadro 1).
Bandura diz que o aluno autorregulado cria padrões para avaliar, monitorar,
regular e refletir sobre suas ações. São a partir da autorreflexão e autoavaliação que o
aluno busca possíveis ajustes para superar suas dificuldades.
Por fim, ao avaliar, de forma geral, a eficácia dos mapas conceituais como estratégia
de avaliação da aprendizagem, 13 alunos “concordaram totalmente” com a eficácia
dos mesmos para esse fim, 2 disseram “concordar”, 2 disseram “concordar
parcialmente” e 1 disseram “discordar” com essa afirmativa (Questão 9 - quadro 1).

1196
Entre as justificativas alguns apontamentos colocam o mapa conceitual como “um
recurso prático que facilita a aprendizagem, pois informa visualmente uma sequência
de raciocino [...] tornando o aprendizado mais simples. [...] e um entendimento maior
sobre o assunto”.
Resumindo as teorias apresentadas por Flavell (1970), Bandura (2008) e
Zimmerman (2000; 2006; 2008) uma das principais características que definem o
comportamento autorregulado do aluno é quando ele se coloca protagonista do seu
aprendizado e se torna o gestor dos seus projetos, seus progressos e suas estratégias
diante de tarefas e obstáculos. Portanto, acredita-se que o uso do mapa
conceitual, dentre outras ferramentas e estratégias, contribui de forma significativa
para o constructo da aprendizagem, de forma a proporcionar subsídios informacionais
tanto para educadores como para estudantes seja na forma de diagnóstico quanto na
forma de organização do pensamento reflexivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem dos mapas conceituais em sala de aula, sob um olhar geral, é
vista pelos alunos como uma estratégia/ferramenta eficaz ao aprendizado pois
proporcionam de forma livre e única, expressar o conhecimento construído. Por meio
dos mapas é possível identificar e simplificar o entendimento de um conceito, de
forma a externalizá-lo, modificá-lo e internalizá-lo novamente em sua estrutura
cognitiva, valorizando os conhecimentos prévios enquanto fundamento para a
apropriação e/ou ampliação de conceitos. Esses aspectos geram condições para os
alunos se responsabilizem progressivamente pelas suas aprendizagens.
Visto como estratégia de aprendizagem, os mapas conceituais provêm aos seus
autores uma visão ampla do que se sabe acerca de um determinado conceito ou
disciplina, ampliando assim as oportunidades do individuo se valerem de recursos
pessoais favoráveis para refletirem e compreenderem seus percursos de
aprendizagem. A estruturação e reestruturação, resultantes dos conflitos cognitivos e
espaços, proporcionando ao aluno a tomada de consciência acerca das discrepâncias,
dificuldades e erros que, quando analisados e confrontados se mostram como espaços
de avanços e superações.

1197
Apesar de não ter feito uma abordagem com os professores, pode-se inferir
que como estratégia de ensino, os mapas são capazes de prover aos educadores
direcionamentos acerca do aprendizado dos seus alunos por meio da identificação e da
relação entre os conceitos bem como delinear a qualidade das alterações processadas
na estrutura cognitiva do aluno. Porém, faz-se importante lembrar que nessa
verificação não cabe ao professor julgar acerca da assertividade entre as relações
estabelecidas entre os conceitos, mas sim promover a regulação do ensino e a
autorregulação da aprendizagem dos alunos.
Considera-se ainda que mais do que uma ferramenta, o mapa conceitual é
também uma estratégia que pode ser usada por professores e estudantes, como forma
de avaliar os objetivos educacionais, sistematizar e organizar o material instrucional,
bem como, articular os conhecimentos prévios aos conhecimentos novos. Há de se
considerar ainda que, por mais eficiente que seja uma proposta didática seu valor é
relativo às necessidades de aprendizagem dos alunos, respeitando os diferentes ritmos
de aprender de cada um. Considerando esses fatos, para uma melhor avaliação e
compreensão acerca da eficácia dos mapas conceituais no aprendizado autorregulado,
deixamos como proposta de estudos futuros, a análise das etapas realizadas pelos
alunos na construção dos mapas, no intuito de verificar como o pensamento cognitivo
e metacognitivos foram empregados pelos alunos, afim de reconhecer as deficiências e
potencialidades de cada um.

REFERÊNCIAS
AUSUBEL, D.P, NOVAK, J.D. & HANESIAN, H. Psicologia educacional. Rio de
Janeiro:Interamericana, 1980.
BANDURA, A. A teoria social cognitiva na perspectiva da agência". In: Bandura, A.;
Azzi, R.; Polydoro, S. A. J. (orgs.). Teoria Social Cognitiva: conceitos básicos. Artmed:
Porto Alegre, 2008.
FLAVELL, J. H.: Development studies of mediated memory. In: Reese H. H & L. P.
Lipsitt (Eds.), Advances in child development and behaviour, v.5, N. Y: Academic Press,
1970.

1198
__________. Speculations about the nature and development of metacognition.
In F. E. Weinert & R. H. Kluwe (Eds.), Metacognition, motivation and understanding.
Hillsdale: LEA, 1987, pp. 21–27.
LIKERT. R. (1932), A Technique for the Measurement of Attitudes, Archives of
Psychology . 140: pp. 1-5
MOREIRA, M. & MASINI, E. Aprendizagem Significativa - A teoria de David
Ausubel. São Paulo: Editora Moraes, 1982.
__________.; BUCHWEITZ, B. Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os
mapas conceptuais e o Vê epistemológico. Lisboa: Plátano, 1993.
__________. A teoria da aprendizagem significativa e sua implementação em
sala de aula. Brasília: Universidade de Brasília, 2006.
NOVAK, J.D. & GOWIN, D.B. Learning how to learn. New York: Cambridge University
Press, 1984.
OKADA, A.L.P. Web Maps: um Guia para Construção do Conhecimento em
Ambientes Virtuais de Aprendizagem, 2002. Disponível em:
www.nuted.ufrgs.br/oficinas/criacao/webmaps.pdf Acessado em 20 de novembro de
2014.
POLYDORO, S. A. J; AZZI, R. G. Autorregulação da aprendizagem na perspectiva da
teoria sociocognitiva: introduzindo modelos de investigação e intervenção. Revista
Psicologia da Educação, nº 29, São Paulo: 2009.
RIBEIRO, C. Metacognição: Um Apoio ao Processo de Aprendizagem. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 2003, 16(1), pp. 109-116. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n1/16802.pdf Acesso em 20 de novembro de 2014.
WEINERT, F. E. Metacognition and motivation as determinants of effective
learning and understanding. In F. E. Weinert, & R. H. Kluwe (Eds.), Metacognition,
Motivation and Understanding, Hillsdale: LEA, 1987, p. 1-14.
ZIMMERMAN, B. J. Attaining self-regulation: A social-cognitive perspective. In: M.
Boekaerts, M.; Pintrich, P.; Zeidner, M. (eds.). Self-regulation: Theory, research, and
applications. Orlando, FL7 Academic Press, 2000, pp.13-39.
ZIMMERMAN, B. J. & Cleary, T. J. Adolescents' development of personal agency:
the role of self-efficacy beliefs and self-regulatory skill. In: Pajares, F.; Urdan, T. Self-

1199
efficay beliefs of adolescents. Greenwich, CT: Information Age Publishing, 2006, pp.45-
69.
__________. Investigating self-regulation and motivation: Historical background,
methodological developments, and future prospects. American Educational Research
Journal, 2008, vol.45,n.1,pp.166-183.

1200
PROMOÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA EM LÍNGUA INGLESA COMO RECURSO
AUTORREGULADOR DA APRENDZAGEM: UM ESTUDO COM OS ALUNOS DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO NA DISCIPLINA DE
INGLÊS TÉCNICO

Talita Nascimento dos Santos


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Elizangela Tonelli
Instituto Federal do Espírito Santo

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Por longo tempo a leitura tem sido preterida em comparação a outras
práticas de lazer. Diferentes tipos de mídias interativas vêm ganhando espaço no
cotidiano social, refletindo assim um diferencial educacional na promoção de técnicas
e competências de leitura. A literatura especializada em língua inglesa aponta que a
leitura pode contribuir significativamente para o desenvolvimento da competência
comunicativa e intercultural dos alunos ao torna-los capazes de autorregular
diferentes estratégias, aumentando assim sua motivação na aprendizagem,
envolvendo o aluno na leitura e compreensão do texto. O objetivo deste estudo é
analisar e refletir sobre as práticas de leitura de textos em língua inglesa dos alunos da
UENF- Universidade Estadual do Norte Fluminense- na disciplina de Inglês técnico e as
estratégias utilizadas por esses alunos nos processos de compreensão textual e
tradução. Pra isso se questionou de que forma eram definidas as estratégias de leitura
para os textos em língua inglesa e se as mesmas estratégias foram úteis para a
obtenção do objetivo principal: a interpretação textual. Dessa forma, foram aplicados
27 questionários aos alunos desta disciplina a pela análise dos dados, ficou
evidenciado que os alunos utilizavam de estratégias de leitura diversificadas que os
tornavam conscientes do seu processo de pensamento e motivados para uma
participação ativa sobre seu processo de aprendizagem, promovendo dessa forma
mecanismos de autorregulação da aprendizagem.
Palavras-chave: Leitura. Língua inglesa. Estratégias de aprendizagem.

INTRODUÇÃO
Ao longo do século XXI, a leitura vem compartilhando espaço com outras
práticas de lazer aliadas as mídias interativas que refletem um diferencial educacional
na promoção de técnicas e competências de leitura. Ao referirmo-nos a língua
estrangeira inglesa, a leitura pode contribuir significativamente para o

1201
desenvolvimento da competência comunicativa e intercultural dos alunos ao torna-los
capazes de autorregular diferentes estratégias de leitura, aumentando assim sua
motivação na aprendizagem. Desse modo, a competência de leitura assume um
caráter dinâmico, pois o aluno se envolve na compreensão do texto de forma crítica,
descobrindo e monitorizando as suas estratégias de leitura de aprendizagem.
De acordo com Zimmerman (2001), a autorregulação da aprendizagem refere-
se a um processo autodiretivo, através do qual os aprendizes transformam suas
habilidades mentais em habilidades relacionadas a tarefas. Trata-se de um método ou
procedimento que os aprendizes usam para gerenciar e organizar seus pensamentos e
convertê-los em habilidades usadas para o processo de aprendizagem.
A fim de tornarem-se autorregulados, os estudantes necessitam estar
conscientes do seu processo de pensamento e motivados para uma participação ativa
sobre seu processo de aprendizagem. Evidencia-se, assim, que o uso das técnicas de
autorregulação é desejável por seus efeitos nos resultados educacionais, pois a
autorregulação envolve ativamente os alunos em suas atividades acadêmicas. Mas,
para isso acontecer, os estudantes precisam visualizar a aprendizagem como um
exercício ativo que eles fazem por conta própria, e não como um evento que ocorre
devido a instruções e comando dos professores.
Este estudo apresenta a possibilidade de desenvolver atividades associadas à
leitura que promovam o desenvolvimento de compreensão textual dos alunos de
Inglês Técnico da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, a fim de
ratificar a premissa de que os alunos, ao serem capazes de autorregular diferentes
estratégias de leitura, adquirem autoconfiança no domínio da língua estrangeira e
aumentam a sua motivação na aprendizagem.
Baseado nesta premissa, neste estudo foi perguntado aos alunos como eles
desenvolvem as estratégias de leitura em língua inglesa e se as estratégias
desenvolvidas são úteis para a compreensão de textos, ressaltando assim o objetivo
deste estudo: analisar e refletir sobre as práticas de leitura em língua inglesa bem
como o emprego de estratégias como um recurso promovedor da autorregulação da
aprendizagem.

1202
UMA BREVE ABORDAGEM SOBRE DA AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM
Deci e Ryan (1991) definem a aprendizagem autorregulada como um processo
ativo e construtivo, através do qual os estudantes estabelecem objetivos para a sua
aprendizagem e, depois, tentam monitorar, regular e controlar o pensamento, a
motivação e o comportamento, guiados por seus objetivos. Segundo esses autores, a
teoria dos objetivos presume que estes são representações cognitivas futuras daquilo
que a pessoa tenta realizar e de suas razões para realizar a tarefa.
Os autores alegam que objetivos influenciam a motivação, através de alguns
processos: dirigem a atenção e ação para um alvo intencional; mobilizam o esforço de
acordo com a dificuldade da tarefa; promovem a persistência e o desenvolvimento de
planos e estratégias; e fornecem informação sobre a qualidade do desempenho. A
falta de clareza dos objetivos a atingir dificulta a utilização de estratégias adequadas,
consequentemente conduz ao erro.
A participação ativa do indivíduo no estabelecimento dos objetivos pode levar a
uma maior satisfação no envolvimento nas atividades resultantes do sentimento de
autonomia e escolha pessoal.
O insucesso do desempenho escolar nem sempre tem origens em déficits
cognitivos ou dificuldades específicas de aprendizagem. Ele pode ser resultado da
ausência ou fraca motivação para a aprendizagem ou da utilização inadequada de
estratégias dentre outros.
De acordo com Zimmermam (2001) e Rosário (2004), para uma um indivíduo
ser autorregulado, ele deve seguir uma série de passos em que iniciam, controlam e
avaliam suas atividades.
A figura seguinte (Figura 1) apresenta o modelo da atividade autorregulada
composto por três fases: planejamento, execução e avaliação, especificando o que
deve ser observado em cada fase.

1203
Figura 1- Detalhamento do Modelo Teórico
Planejamento, Execução, Avaliação - PLEA
Fonte: Rosário (2004b).

Segundo o modelo apresentado por Rosário (2004b), primeiramente é


necessário que o aprendiz entenda seu processo de pensamento, para que ele planeje
e analise como iniciar suas tarefas. Esta fase é conhecida como “Planificação” e
envolve um estudo dos recursos pessoais e ambientais para lidar com a tarefa. Aqui
ocorre a definição dos objetivos das tarefas e um traçado do plano, ou seja, quais
estratégias utilizar para alcançar os objetivos pretendidos. Nesta fase, é importante
que os alunos separem os objetivos de curto prazo dos objetivos de longo prazo, para
que não haja uma desmotivação para com a tarefa.
Na segunda fase, a da “Execução”, ocorre a implementação das estratégias
planejadas e um constante monitoramento da sua eficácia, pois, se as estratégias
empregadas forem ineficientes, será preciso adotar novas estratégias para corrigir os
erros e alcançar os objetivos.
Na terceira e última fase, a da “Avaliação”, o aluno reflete sobre o produto final
de sua aprendizagem, verificando se a atividade foi feita corretamente, se o plano que
elaborou na primeira fase teve um sucesso. Se o resultado obtido não foi o desejado,
torna-se necessário revisar as fases anteriores, mas mantendo um foco na seleção de
estratégias.
Segundo Zimmerman (2001), estabelecer objetivos é uma prática comum entre
estudantes de sucesso. Os objetivos permitem verificar se o progresso foi alcançado,
1204
prendem a atenção, mantém o foco e aumentam a motivação para prosseguir nas
atividades, até que a meta seja atingida. Os objetivos devem ser bem definidos e
claros, para que o estudante tenha um completo entendimento do que é esperado.
Através de uma leitura de Zimmermanm (1986, 2001), Decy e Ryan (1991) e
Rosário (2004; 2007), entende-se que os estudantes autorregulados desenvolvem o
conhecimento metacognitivo quando refletem sobre as exigências das tarefas, sobre
as competências e estratégias pessoais que devem ser aplicados na resolução de
problemas e quando testam os seus conhecimentos e reveem os trabalhos realizados.
Todas estas ações podem contribuir para melhorar o nível de conhecimento
metacognitivo sobre os objetivos, as estratégias, a própria tarefa e o nível de
realização atingido. A ação, para ser autorregulada, exige a definição de um objetivo a
atingir, um motivo que a incite e a sustenha e que prolongue o esforço até que a
eficácia desejada seja atingida.
Se as fases da atividade autorregulada não foram bem definidas e/ou
executadas, é provável que o aluno se depare com uma situação de erro, ou seja, de
má elaboração da planificação, indefinição de objetivos e/ou de estratégias a serem
empregadas. Quando ocorrer um equívoco e o aluno não for capaz de perceber seu
erro, é importante que o professor o mostre ao aluno, mas não o penalizando, e sim
oferecendo suporte para uma nova planificação de suas atividades.
Verifica-se, então, quão importante, quando os alunos cometem erro, é o
significado deste para o professor. Muitos docentes, através de um pré-julgamento,
associam erro acadêmico com o fracasso discente. Todavia, uma postura docente
incentivadora do comportamento autorregulado, auxilia o aluno a compreender as
causas do erro e a buscar estratégias mais adequadas estimulando-o ao prazer da
aprendizagem.
Sob a perspectiva da Autorregulação da Aprendizagem, o professor precisa
estar apto a lecionar tomando por base os erros dos alunos, compreendendo-os, e não
os eliminando, uma vez que estes erros são reflexos dos pensamentos dos discentes.
Logo, a tarefa do professor não é apenas de correção; mas, sim, de descoberta do
caminho dos erros.

1205
Logo, conforme o princípio da regulação da aprendizagem é possível criar,
construir e implementar estratégias, ajustando-as ao ensino para que o
desenvolvimento das aprendizagens aconteça. A regulação tem como objetivo
contribuir diretamente para a progressão das aprendizagens, o que significa
acompanhar o aprendiz em seu processo. Regular atividades pedagógicas também
significa escolher, planejar, apresentar e avaliar propostas de trabalho, que têm
origem no sujeito desencadeador da ação.
Desta forma, evidencia-se que o educador/pedagogo autorregulador constrói
estratégias, que envolvam os educandos em suas conquistas e aprendizagens; atua de
forma a possibilitar-lhes melhor compreensão dos fatos e das tarefas a serem
realizadas;estimula-os para que atinjam patamares mais elevados de abstração e
compreensão.
A proposta de aprendizagem autorregulada se mostra extremamente positiva,
porque através dela o pedagogo/educador estimula o educando/trabalhador a
participar, se envolver no processo: sugerindo estratégias de ação; levantando
objetivos; acompanhando os resultados; refletindo sobre eles; organizando e
(re)organizando se necessário outras propostas. O profissional da educação, ao
oferecer oportunidades de auto regulação ao sujeito-trabalhador, também autorregula
sua própria atuação, o que fortalece o trabalho integrado. Ela proporciona o
envolvimento do trabalhador que, ao entender o que e por que está fazendo tal
atividade, se compromete e participa mais efetivamente.
O educador envolvido no processo de aprendizagem autorregulada estimula a
construção de propostas de ação que contemplem as fases e as características
previstas por esta teoria; considera os princípios subjacentes a ela; implementa ações
autorregulatórias que envolvam fatores cognitivos/metacognitivos, motivacionais e
contextuais, que estimulem à auto regulação da aprendizagem.

A LEITURA DE TEXTOS A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DA AUTORREGULAÇÃO DA


APRENDIZAGEM
A leitura é um processo interativo e pessoal de construção de um texto, o qual
se desenvolve através da sua interpretação, fruto da relação leitor-texto-contexto.

1206
Sendo assim, verifica-se uma interação entre o leitor e as suas experiências anteriores,
o seu domínio da língua, a sua afinidade como contexto, o seu objetivo e as suas
estratégias metacognitivas de aprendizagem. Na leitura, os estudantes estão
desenvolvendo o seu conhecimento metacognitivo, quando refletem sobre as
exigências das tarefas, sobre as competências e estratégias pessoais que devem ser
aplicados na resolução de problemas, quando testam os seus conhecimentos e reveem
os trabalhos realizados, Todas estas ações podem contribuir para melhorar o nível de
conhecimento metacognitivo sobre os objetivos, as estratégias, a própria tarefa e
sobre o nível de realização atingido.
Sendo assim, a organização das ideias, o objetivo e a clarificação da tarefa
específica de leitura que se pretende que o aluno-leitor realize são determinantes na
compreensão e fascínio pelo ato de ler. O ato de ler é uma competência ativa e
envolve adivinhar, prever, verificar, ou seja, todo um questionamento interior.
Wallace (1992) considera que, se os leitores numa segunda língua lerem mais
fluente e extensivamente, mais ganhos adquirem em termos de conhecimento das
estruturas chave e vocabulário da língua, e acentua que o que é determinante na
motivação dos leitores é o conteúdo dos textos selecionados e não a sua
especificidade linguística. Sugere ainda, que as primeiras experiências de leitura são
marcantes e podem abarcar grandes ganhos na aprendizagem, desenvolver atitudes
positivas na leitura e aumentar a motivação e o prazer.
Nas atividades de leitura os papéis do professor e dos alunos alteram-se,
interligando-se num trabalho conjunto, logo a participação dos alunos é mais ativa e
dominante e o professor tem um papel facilitador. O sucesso na leitura depende ainda,
de acordo com Fyfe e Mitchell (1985) da capacidade dos leitores manterem um
balanço apropriado entre duas fontes de informação: a informação contida no texto e
o conhecimento e experiência adquiridos e usados para o interpretar. Esta foi uma das
estratégias de leitura desenvolvidas pelos alunos e em que alguns demonstraram
alguma dificuldade.
Na leitura, os alunos-leitores podem demonstrar uma preocupação em
procurar saber o significado de todas as palavras que não conhecem. O uso excessivo
do dicionário ou o recurso ao professor para uma explicação exaustiva do vocabulário

1207
são estratégias que importa contrariar, no sentido da promoção de uma leitura mais
autônoma e eficaz. O leitor não tem de ter a preocupação de compreender tudo o que
lê.
A leitura extensiva implica que se verifique uma relação pedagógica em que o
professor assuma um papel de orientador, facilitando a conquista de autonomia por
parte do aluno. Trata-se de desenvolver uma pedagogia de leitura centrada no
aprendiz cuja finalidade é melhorar a sua competência de leitura de textos, mas
também torna-lo um leitor independente e responsável. As instruções relativas às
atividades a realizar têm que ser claras e o aluno deve ter um conhecimento pleno dos
seus objetivos e da sua importância, como afirma Sinclair (1996: 153-154):

[...] in order to carry out a learner-training task successfully, the


learner should know the following about it: […]. 1. They should be
informed of the aims of the learner training and its importance for
their learning and developing autonomy. 2. The purpose of the task
and its significance […]. 3. What it requires the learner to do […] 4.
How to do the task.

O professor deve estar sempre disponível para ser consultado e orientar a


realização das tarefas, o que não significa que deva resolver os problemas ao nível da
resolução das tarefas ou os conflitos interpessoais nos grupos de trabalho, mas sim
orientar a sua resolução. O desenvolvimento da autonomia é um processo individual,
mas nunca solitário, e por isso deve ser partilhado com o professor e colegas e
encarado como uma atividade social.
A promoção da autonomia na leitura implica o desenvolvimento de
competências estratégicas, como defendem Vieira e Moreira (1994: 114):

Salientamos a possibilidade de conferir aos alunos um papel mais


interventivo, ensinando-os a elaborar e levar a cabo planos
estratégicos de leitura, a gerir processos de seleção textual,
organização de tarefas e regulação da compreensão. Neste sentido, o
professor assume uma função reguladora interpessoal, com o fim
último de desenvolver uma função auto-reguladora nos seus alunos.

A leitura exige muita responsabilidade e autoconfiança dos alunos e, como


afirma Toste (1997), pode acontecer de a turma não estar habituada a este fato, por

1208
isso o professor deve ser paciente e insistente nesse ponto, incentivando os alunos a
serem responsáveis pela sua própria aprendizagem.
Os ganhos da autorregulação resumem-se à conquista de autoconhecimento
dos alunos como aprendizes e do conhecimento acerca do processo de ensino-
aprendizagem. Este conhecimento é metalinguístico, metacomunicativo e estratégico,
elevando a capacidade de identificação e resolução de problemas, mas também a
capacidade de descoberta de novas formas de aprender, E também um conhecimento
didático, que permite aos alunos compreenderem como se ensina e aprende em
contexto pedagógico, e assim favorece a sua participação ativa na negociação de
sentidos e de decisões.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O estudo assenta-se numa experiência desenvolvida no ano letivo de 2011-
2012 nas duas únicas turmas existentes de Inglês Técnico que conta com a presença de
alunos de mestrado e doutorado da Universidade Estadual do Norte Fluminense- Darcy
Ribeiro. Trata-se de um estudo, de caráter qualitativo, realizado com 27 alunos das
referidas turmas, em relação à promoção de estratégias de leitura em língua inglesa
como recurso autorregulador da aprendizagem.
Inicialmente com o intuito de reconhecer quais estratégias de leitura eram
empregadas pelos alunos, perguntou-se aos mesmos quais hábitos de leitura eles
possuíam quando eles liam artigos em língua inglesa (Tabela 1).

Tabela 1: Hábitos de leitura de artigo em língua inglesa.

Quais hábitos de leitura você utilizava antes de saber Respostas dos alunos
das estratégias de leituras de textos de língua
inglesa?
F de respostas % de respostas
-Procuras todas as palavras desconhecidas no
dicionário 10 15,2%
-Olhar imagens presentes no artigo antes da leitura
-Ler as frases devagar e com atenção 12 18,1%
-Ler o mesmo artigo várias vezes 10 15,2%
-Não ler o artigo até o fim, caso não consiga entendê- 7 10,6%
lo no princípio.
-Ler até o fim, sem avançar páginas 9 13,6%

1209
-Pedir ajuda para resolver dificuldades de leitura 10 15,2%
TOTAL 8 12,1%
66 100,0%

A partir das respostas apresentadas na Tabela 1, ficou evidenciado que 12 das


66 respostas totais, ou seja, 18,1% das respostas foi de que os alunos olhavam imagens
presentes em artigos para buscar pistas sobre o que se trataria o assunto em questão.
Ou seja, os alunos usavam de estratégias para buscar realizar o exercício, e conforme o
princípio da regulação da aprendizagem é possível criar, construir e implementar
estratégias, ajustando-as ao ensino para que o desenvolvimento das aprendizagens
aconteça.
Ao longo da disciplina de inglês técnico, o educador abordou estratégias de
leitura em língua inglesa com os alunos, a fim de que os mesmos a utilizassem para
alcançar o objetivo da atividade: a interpretação textual. Dessa forma, os recursos
facilitadores ou estratégias de aprendizagem abordadas foram: a localização de
cognatos, o uso do scanning (uma lida rápida do texto), o skimming (retirar do texto o
que é relevante), buscar palavras repetidas, pistas tipográficas, palavras chave e
analisar grupos nominais. Esses recursos facilitadores, ou estratégias, foram
apresentados e utilizados ao longo de um semestre e a fim de saber se as mesmas
estratégias ajudaram individualmente os alunos foi perguntado a eles se as estratégias
foram úteis para alcançar o objetivo do exercício. De acordo com a Tabela 2, 96,2% dos
alunos ou 26 alunos afirmaram que estratégias foram úteis na aprendizagem de leitura
de textos em língua inglesa.

Tabela 2: Utilização das estratégias de leitura como recurso autorregulador da aprendizagem.

A apresentação e desenvolvimento de estratégia de leituras de textos Opinião dos alunos


em língua inglesa como recurso autorregulador da aprendizagem
foram úteis a você?
F %
Sim 26 96,2%
Não 0 0%
Não lembro 1 3,8%
1210
TOTAL 27 100,0%

Havendo um consenso, por parte da maioria dos alunos, que as estratégias de


aprendizagem foram úteis, perguntou-se também se de que formas as estratégias de
leitura foram úteis, conforme se observa na tabela 3.

Tabela 3: Contribuição das estratégias de leitura como recurso autorregulador da


aprendizagem

De que forma foram úteis as estratégias de leitura Respostas dos alunos


desenvolvidas em sala de aula?

F de respostas % de respostas
-Fiz uma leitura prévia do texto. 13 16,0%
-Busquei/analisei as pistas tipográficas 14 17,3%
-Ativei meu conhecimento prévio sobre a temática
tratada no texto 14 17,3%
-Deduzi algumas informações. 13 16,0%
-Prestei atenção nos grupos verbais/nominais. 10 12,3%
-Anotei as palavras desconhecidas e busquei o
significado 10 12,3%
-Troquei opiniões sobre os artigos com outras 7 8,8%
pessoas
TOTAL 81 100,0%

A partir das respostas apresentadas na Tabela 3, ficou evidenciado que os


alunos utilizaram além das estratégias de leitura aprendidas em sala outras estratégias
de leitura desenvolvidas individualmente como: deduzir informações, anotar palavras
desconhecidas, trocar opinião da temática do artigo com outras pessoas. Dessa forma,
percebe-se que os alunos autorregularam sua aprendizagem através do auxílio do
professor e a fizeram também por conta própria, assim como assume a teoria da
autorregulação da aprendizagem que preza que os alunos devem atuar sobre o seu
próprio processo de aprendizagem.
Por fim, perguntou-se aos alunos quais aspectos mais ajudaram na experiência
com a língua inglesa na disciplina de inglês técnico (Tabela 4)

1211
Tabela 4: A autorregulação como recurso facilitador da aprendizagem

Quis aspectos mais te ajudaram na sua experiência Respostas dos alunos


com a língua inglesa nesta disciplina?

F de respostas % de respostas
- Desenvolvi estratégias de leitura. 30 60,0%
- Senti-me motivado para aprender. 20 40,0%
TOTAL 50 100,0%

Duas categorias de respostas foram mencionadas: 30 respostas alegaram que


os alunos desenvolveram estratégias de leitura e, 20 respostas que os alunos sentiram-
se motivados a aprender, ou seja, a participação ativa dos estudantes no seu processo
de aprendizagem levou-os a estabelecer estratégias a fim de cumprir o objetivo da
tarefa, dessa forma os alunos participaram autonomamente e ativamente do seu
processo de aprendizagem sentindo-se motivados a prosseguir o estudo obtendo
assim um sucesso acadêmico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao autorregularizem suas aprendizagens, os estudantes desenvolvem uma
atitude reflexiva e experimental face ao saber e ao seu ensino/aprendizagem,
aceitando riscos, lidando com problemas, estabelecendo e confrontando objetivos,
formulando e verificando suas estratégias, e monitorando suas atividades. O aluno se
torna autônomo a partir do momento que ele entende que deve participar ativamente
do seu processo de aprendizagem.
O professor, por sua parte, deve ser uma pessoa que auxilia na execução das
tarefas dos alunos, esclarecendo objetivos, apresentando estratégias, monitorizando
as atividades de seus alunos, enfim, fornecendo continuamente feedback aos alunos
tornando-os autoconfiantes e motivando-os para prosseguir em seu processo de
aprendizagem. Desse modo, evidenciou-se nesse estudo que, a auto regulação da
aprendizagem, contribuiu para o desenvolvimento pessoal dos alunos ao nível de
motivação, autoconfiança e criação de uma imagem positiva sobre si próprios como
aprendizes da língua-estrangeira.

1212
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, S. Auto-regulação e Aprendizagem Cooperativa na Leitura Extensiva –
Um Estudo de Caso no Ensino de Inglês. Universidade do Minho: Instituto de
Educação e Psicologia, 2006.
DECI, E. L.; RYAN, R. M. A motivation approach to self: integration in personality. In:
R. Dienstbier (org.).Nebraska symposium on motivation: perspectives on motivation.
Lincoln: University of Nebraska Press. 1991, p. 237-288.
DECI, E; VALLERAND, R; PELETTIER, L; RYAN. Motivation and Education: The Self-
determination Theory perspective. Educational Psychologist, 26 (3), 1991, p. 325-346.
Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-
69752009000200005&script=sci_arttext. Acesso em 24 de julho de 2013.
FLAVELL, J. H. Cognitive Development. Englewwod Cliffs, NJ: Prentice-Hall.1985
FYFE, R.; MITCHELL, E. Reading Strategies and their assessment. Windsor: NFER-
NELSON Publishing Company. 1985
LOPES DA SILVA, A. & SÁ, I. & VEIGA SIMÃO. A.M (1995). A auto-regulação da
aprendizagem: estudos teóricos e empíricos. Intermeio. Revista do Mestrado em
Educação/Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Mv.1,n.1. Campo Grande, MS:
A universidade.
MATEOS, M. Metacognición y Educación. Buenos Aires: Aique. 2001
MONEREO, C. LA (1997). Construción de conocimento Estratégico em Sala de Aula.
In: M.L. Perez Cabaní (Coord), La ensenanza y el aprendizage de estratégias desde el
curriculum (p.21-34). Barcelona: Horsori. 1997
ROSÁRIO, P. S. L. (2004b). Estudar o Estudar: As (Des)venturas do Testas. Porto:
Porto Editora, 2004b.
ROSÁRIO, P. S. L; NÚÑEZ, J. C; GONZÁLEZ-PIENDA, J. Autoregulação em crianças
sub-10. Projecto Sarilhos do Amarelo. Porto, Portugal: Porto Editora. 2007.
SINCLAIR, B. Materials design for the promotion of learner autonomy: how explicit
is explicit? In: Pemberton: R,: E. Li.; W. Or e H. Pierson, (eds.). Taking Control
Autonomy in language learning. Hong Kong: Hong Kong University Press. 1996
TOSTE, V. Extensive Reading. Porto: Porto Editora. 1997

1213
VEIGA SIMÃO, A. M. Aprendizagem autorregulada pelo estudante. Porto: Porto
Editora, 2004.
VIEIRA, F.; MOREIRA, M, A. Práticas de Avaliação da leitura na Aula de Língua
Estrangeira – Contributo para a sua Caracterização e Renovação. Intercompreensão
(4). Escola Superior de Educação de Santarém. 1994
WALLACE, C. Reading. Oxford: OUP. 1992
ZIMMERMAN, B. J. Becoming a self-regulated learner: which are the key
subprocesses? Comtemporary Educational Psychology, 11, 1986, p. 307-313.
ZIMMERMAN. B. J & SCHUNK, D. H (Eds.) Self-Regulated learning and academic
achievement. Theory, research, and practice. New York: Springer-Verlag. 1989.
ZIMMERMAN, B. J. Theories of self-regulated learning and academic achievement:
An overview and analysis. In B. J. Zimmerman e D. H. Schunk (Eds.), Self-regulated
learning and academic achievement: Theorical Perspectives (p. 1-37). NJ: Lawrence
Erlbaum Associates, 2001.

1214
GT 10 - Pesquisas Interdisciplinares no contexto das Ciências Humanas

VIVÊNCIAS EM MATERNIDADE E AMBULATÓRIO: EXPERIÊNCIA PRÁTICA DOS


ACADÊMICOS DO CURSO DE TERAPIA OCUPACIONAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SERGIPE

Marcio Luiz da Silva Santos


Universidade Federal de Sergipe – UFS

Adalberto Romualdo Pereira Henrique


Universidade Católica de Petrópolis – UCP

RESUMO: A Terapia Ocupacional – T.O. é um curso relativamente novo no Brasil e fora


implantado há alguns anos na Universidade Federal de Sergipe – UFS / Campus
Universitário Professor Antônio Garcia Filho. Neste Campus a metodologia de ensino
integra a teoria e a prática, baseada no método Aprendizagem Baseada em Problemas
– ABP conhecido também como Problem Based Learning - PBL, este permite que os
discentes sejam mais críticos, humanistas e investigativos. Um dos ideais do campus é
a humanização, capacitando assim profissionais que tenham uma visão mais ampla
sobre o ser humano.
Palavras-chave: Maternidade. Ambulatório. Experiência Prática. Terapia Ocupacional.

INTRODUÇÃO
A Terapia Ocupacional é um curso relativamente novo no Brasil e fora
implantado recentemente na Universidade Federal de Sergipe – UFS / Campus
Universitário Professor Antônio Garcia Filho. Neste Campus a metodologia de ensino é
voltada para a prática, baseada no Problem Based Learning – PBL. A Aprendizagem
Baseada em Problemas - ABP (MAMEDE, 2001) é uma metodologia ativa e utiliza um
conjunto de ferramentas que integram a teoria e a prática desde o primeiro período e
dessa maneira proporciona que aos acadêmicos e futuros profissionais desenvolvam
perfil humanista, crítico, líder e investigativo (GOMES, 2009).
Neste modelo metodológico não há matérias e sim unidades curriculares. No I
Ciclo (1º e 2º períodos) os alunos de Terapia Ocupacional estudam com alunos de
outros cursos, como por exemplo, Nutrição, Odontologia e Fonoaudiologia, as
unidades curriculares são: a) Tutorial: Os alunos estudam por meio de problemas, por
exemplo, na segunda-feira ou terça-feira inicia-se o tutorial, os alunos recebem o
1215
problema, escolhem um coordenador (que coordena a sessão tutorial) e um secretário
(realiza anotações), leem o problema, retiram os termos desconhecidos e as
perguntas, logo após levantam hipóteses sobre as perguntas, redigindo dessa maneira
um resumo, e por fim elencam os objetivos. Em casa os acadêmicos realizam os
estudos e voltam na quinta-feira ou sexta-feira para discorrer sobre o que estudaram
(fecha-se a sessão tutorial e abre-se outra sessão). O professor chama-se tutor, pois,
ele direciona a sessão tutorial; b) as Habilidades e Atitudes em Saúde, onde são
ensinadas técnicas “comuns” para todos os cursos, por exemplo, aferir os sinais vitais,
higienização das mãos, etc.; c) Práticas de Ensino na Comunidade – PEC, nesta unidade
há a integração da teoria com a prática. Os discentes desde o primeiro período tem
contato com a comunidade, aplicando questionários, realizando intervenções, entre
outros, e ao mesmo tempo estudam sobre politicas publicas de saúde, logo, tenta-se
interligar a teoria estudada com a vivencia na sociedade. d) Laboratório de Anatomia-
fisiologia-histologia. Vale ressaltar que ainda há palestras sobre assuntos abordados
em tutorial, em laboratório e até mesmo em PEC.
A partir do II Ciclo (3º e 4º períodos) os acadêmicos começam a estudar com
pessoas do seu próprio curso e assuntos específicos do seu próprio curso. As unidades
curriculares continuam as mesmas, só muda a terminologia: a) Sessões de tutorial
estuda-se em todos os ciclos; b) Habilidades e Atitudes em Saúde, na Terapia
Ocupacional passa a se chamar no II Ciclo (3° e 4° períodos) de Habilidades
Profissionais em Terapia Ocupacional I – HAPRO TO I, e, no III Ciclo (5° e 6° períodos)
Habilidades Profissionais em Terapia Ocupacional II – HAPRO TO II. A HAPRO são
técnicas e procedimentos voltados para a Terapia Ocupacional; c) Laboratório de
Anatomia-fisiologia-histologia na Terapia Ocupacional não há mais no II Ciclo, há agora
no II Ciclo (3° e 4° períodos) o Laboratório de Pesquisa em Terapia Ocupacional I –
LPTO I, e, no III Ciclo (5° e 6° períodos) Laboratório de Pesquisa em Terapia
Ocupacional II – LPTO II. O LPTO é um laboratório de pesquisa, ensina-se como realizar
pesquisas bibliográficas, como fazer revisão literária, buscas cientificas, pesquisa e
extensão, entre outros; d) PEC a partir do II Ciclo (3° e 4° períodos) passa a ser Práticas
de Integração Ensino-Serviço em Terapia Ocupacional I – PIESTO I, e, no III Ciclo (5° e 6°
períodos) Práticas de Integração Ensino-Serviço em Terapia Ocupacional II – PIESTO II.

1216
A PIESTO segue o mesmo raciocínio da PEC, só que as ações são relacionadas à Terapia
Ocupacional. Os estudantes relacionam a teoria e a prática; No IV Ciclo (7° e 8°
períodos) ocorrem os estágios e finalização do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.
Bem, como fora brevemente explanado, a ABP é uma metodologia totalmente
ativa e possibilita com que o acadêmico possa atuar diretamente com a comunidade,
além de participar de programas de pesquisa e extensão.

METODOLOGIA
O presente trabalho apresenta experiências vivenciadas pelos discentes do II
Ciclo (3° e 4° períodos) de Terapia Ocupacional em uma maternidade e um
ambulatório, por meio da unidade curricular Práticas de Integração Ensino-Serviço em
Terapia Ocupacional I – PIESTO I, nesta unidade os acadêmicos relacionam teoria e
prática. Os discentes supervisionados pela docente visitaram uma maternidade e
realizavam anamneses, observavam reflexos primitivos e podiam orientar as mães em
alguns aspectos. No ambulatório, os discentes eram supervisionados por uma técnica
graduada em Terapia Ocupacional, e juntos realizavam intervenções de estimulação
precoce, observação de reflexos, orientação aos pais, entre outros.

MATERNIDADE E AMBULATÓRIO: RELATOS DE EXPERIÊNCIA EM TERAPIA


OCUPACIONAL
O presente relato é fruto de uma intervenção que ocorrera na PIESTO I no II
Ciclo em dois ambientes diferentes: uma maternidade e em um ambulatório situados
na cidade de Lagarto - Sergipe. As intervenções realizadas pelos discentes eram
acompanhadas pela docente responsável e pela técnica em Terapia Ocupacional.
No dia 23 de outubro de 2013 os discentes do II Ciclo em Terapia Ocupacional
do turno matutino reuniram-se em uma maternidade, estavam sendo acompanhados
pela docente. Houve a apresentação da coordenadora da maternidade para os
acadêmicos. A coordenadora abordou sobre o sistema que a maternidade estava
inserida, mostrou e falou sobre a estrutura física, os procedimentos realizados na
instituição, trabalhos realizados como a intervenção com aleitamento materno (mãe-
bebê) e o Método Mãe-Canguru, e devido a isso a instituição foi premiada com o título

1217
de Hospital Amigo da Criança. Falou também sobre o quadro profissional, os
procedimentos que ocorrem logo após o nascimento, dentre outros. Como por
exemplo, após o nascimento, o neonato é examinado e 5 minutos depois vai para o
berço aquecido. Se o parto for normal, ele e a mãe recebem alta em 24 hs, se for
cesariana, recebem alta após 48 hs.
Esse foi o primeiro momento da aula neste dia, logo após, seis alunos dirigiram-
se para o Núcleo de Terapia Ocupacional para o segundo momento da aula. Lá estava a
técnica em Terapia Ocupacional juntamente com uma mulher jovem e uma criança.
Nesse dia também se iniciara a intervenção dos discentes no ambulatório. A técnica
graduada em Terapia Ocupacional realizou uma anamnese com a mãe da criança e
aplicou alguns testes com a criança a fim de identificar a real situação do
desenvolvimento cognitivo/sensorial/motor, como por exemplo, observar os reflexos
primitivos: Reflexo da Preensão Palmar, Reflexo de Preensão Plantar, Reação Postural
Cervical, entre outros. A criança expressou respostas significativas diante dos testes.
Com os dados obtidos durante os testes, os alunos planejaram atividades para mais
três próximos atendimentos.
Após o acompanhamento terapêutico no ambulatório os alunos dirigiram-se
para a maternidade, neste terceiro momento dividiram-se em duplas para que
pudessem aplicar uma anamnese com as mães. Com o termino da aplicação da
anamnese, as duplas realizavam os reflexos, sempre assistidos pela docente.
Por fim, todos os discentes retornaram para o Núcleo de Terapia Ocupacional a
fim de discorrer sobre as vivencias e discutir textos de referencia para a aula. O texto
dessa aula fora: A detecção precoce dos fatores de risco relacionados à prematuridade
e suas implicações para a Educação Especial.
O texto fala a respeito da detecção precoce de fatores oriundo da
prematuridade. Segundo Vaz (1986) a prematuridade pode ser um dos diversos fatores
de risco que podem comprometer o crescimento e o desenvolvimento dos indivíduos.
É um preocupante problema de saúde pública, pois esta é uma das principais
consequências para a morbidade e mortalidade infantil. Mas o que é prematuridade?
De acordo com Crossne (1980) no inicio diziam que prematuridade era o neonato que
nascia com 2500g ou menos, mas isso é errôneo, pois, diversos fatores contribuem

1218
para isto. Logo, o Comitê Especializado em Saúde Materno-Infantil da Organização
Mundial de Saúde em 1961 recomendou que o conceito da prematuridade deveria ser
substituído pelo de baixo pelo de nascimento. Sendo assim, a Organização Mundial de
Saúde (OMS, 2010) definiu o conceito de prematuridade como o nascimento abaixo de
37 semanas gestacionais e atualmente é considerada a principal causa de morte,
morbidade e incapacidade infantil no mundo.
Em Terapia Ocupacional para a identificação da prematuridade um dos meios
utilizados é conversando com a mãe. A anamnese é fundamental antes de toda e
qualquer intervenção, pois nela coletamos dados importantes para utilizarmos como
base na intervenção. Outros meios de detecção são o cálculo por meio das semanas na
amenorreia, a medida da altura do fundo uterino, o estudo do líquido amniótico, a
ultrassonografia fetal e obstétrica, entre outros, mas a ultrassonografia fetal e
obstétrica atualmente é o meio mais confiável. Também existem métodos para avaliar
a idade gestacional, alguns métodos são: Método de Dubowitz, Método de Capurro,
Método de Ballard-New Ballard Score, entre outros. De acordo com Ramos et al.
(2002), a determinação da idade gestacional tem como finalidade determinar o grau
de maturidade do recém-nascido. E os neonatologistas se baseiam em dados
selecionados pelo exame físico e neurológico. O método mais utilizado tem sido o
Método de Capurro, pois permite aplicação mais simples e atende às necessidades dos
serviços.
Para Gomella (2006) a prematuridade pode ser limítrofe, moderada e/ou
extrema. E diversos fatores contribuem para que ocorra prematuridade, alguns fatores
são: fatores epidemiológicos, obstétricos, ginecológicos, clínico-cirúrgicos,
iatrogênicos, e, diversos outros fatores que são desconhecidos pelos profissionais da
saúde. Quanto mais precoce a prematuridade for identificada, melhor é para
minimizar ou evitar sequelas tanto para o neonato, quanto para a mãe.
A prevenção de qualquer deficiência depende da identificação precoce dos
chamados indivíduos de risco. Por meio da rápida identificação dos fatores de risco
biológicos, médico-biológicos e multifatoriais e o encaminhamento das crianças para
serviços especializados, ocorre à possibilidade da realização de trabalhos preventivos,

1219
por meio de programas de promoção de saúde e de intervenção precoce (UFSCar,
2011).
De acordo com Lejarraga (2002) a detecção precoce de problemas no
desenvolvimento é importante porque permite a ação oportuna com consequente
melhor evolução a longo prazo. E, também quando identificado, pode haver
estimulação precoce. Segundo Herren e Herren apud Martins e Moser (1996), a
estimulação precoce é um conjunto de processos preventivos e/ou terapêuticos para
assegurar à criança um melhor intercâmbio com o meio em que vive durante a
primeira infância. E estimulando precocemente, algumas sequelas que existem podem
ser minimizadas ou até mesmo “acabar”. Logo, bebês prematuros possuem maior
déficit de desenvolvimento e condições de incapacidade que os bebês nascidos a
termo. E quanto antes houver intervenção com os bebês nascidos a termo melhor será
para o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial destes. Pois a intervenção precoce
atenua as consequências que a prematuridade causou. E nessa intervenção faz-se
necessária a atuação de diversos profissionais da área da saúde, onde cada um irá
realizar estímulos para sua especialidade, e todos irão promover o bem-estar da
pessoa.
Esta foi à vivência realizada no primeiro dia, ocorreram mais outros três
encontros, sendo cada um com duração de um turno, no caso o matutino e ao término
das intervenções havia esclarecimentos dos pontos positivos, pontos negativos e
discussão de textos referenciados para as respectivas aulas.
Existem atualmente diversas técnicas aplicadas em ambientes hospitalares,
sempre buscando a humanização. Uma dessas é o Método Canguru que logo no
principio era cheio de tecnológica, mas não funcionava, pois, havia alto índice de
morbimortalidade infantil. Logo, o Método Canguru fora melhorado e passou a ser o
Método Mãe Canguru, neste, o neonato é levado para a enfermaria para ter contato
pele a pele com a mãe, apresentando assim menores riscos biopsicossociais. O Método
Mãe Canguru promove a estabilidade térmica, substituindo as incubadoras,
permitindo alta precoce, menor taxa de infecção hospitalar e consequentemente
melhor qualidade da assistência com menor custo para o sistema de saúde.

1220
O Método Mãe Canguru permite que haja trabalho de equipe interdisciplinar,
onde vários profissionais atuam com um único fim. Um desses profissionais é o
Terapeuta Ocupacional que atua nos três estágios, assistindo o neonato, a família e
atuando nas áreas física, mental e social. O Terapeuta Ocupacional tem como função
realizar estimulação precoce, observar o ambiente e se necessário adaptando-o para
que não ocorra super estimulação. Orientar os pais do neonato a respeito de como
cuidar desse bebê devido à prematuridade. O Método Mãe Canguru é muito
importante para que ocorra o desenvolvimento do prematuro, e o vínculo mãe-bebê.
Segundo Fontes (1984) é crescente a população de bebês com risco de
apresentar lesão neurológica perinatal. Em especial, são os prematuros e os Recém
Nascidos – RN de baixo peso ao nascimento que podem apresentar paralisia cerebral
nos primeiros meses de vida. (MARCONDES, 1994) (DIAMENT, 1996). É importante que
os afetados neurologicamente sejam identificados. Isto possibilita uma terapêutica
precoce com um programa de estimulação, que busca melhorar o desenvolvimento
neuropsicomotor. (BRANDÃO, 1985) (LOPES, 1999).
A observação dos reflexos é importante, pois se a criança não esboçar alguma
resposta ao estimulo, pode ser que haja alguma intercorrência que deve ser analisada
com profundidade e caso seja diagnosticado alguma anormalidade, pode haver a
intervenção precoce.
Existem alguns testes que servem para que ocorram intervenções precoces
com base nos resultados obtidos, estes são os reflexos. Alguns reflexos são abordados
na literatura como técnicas utilizadas para identificar propensões de problemas
futuros, leves, moderados ou graves. Alguns reflexos são: Reflexo de Moro, Reflexo de
Preensão Palmar, Reflexo de Sucção, Reflexo de Marcha Automática, entre outros.
De acordo com Capute (1982), Levitt (1982), Molnar (1979), quanto ao reflexo
de Moro, considera-se que a persistência após o sexto mês de vida pode indicar
suspeita de lesão neurológica.
Segundo Figueiredo (1984), Duarte (1985), Levitt (1982) e Nelson (1979) o
reflexo de preensão palmar é considerado um sinal indicativo de encefalopatia grave
quando está presente após o sexto mês de vida, quando há oponencia de polegar ou
ainda se está ausente desde o nascimento.

1221
Figueiredo (1984), Levitt (1982) e Alves (1999) dizem que, quanto ao Reflexo de
Sucção, a ausência ao nascimento e durante os primeiros meses é indício de grave
comprometimento do sistema nervoso central. E em relação ao Reflexo de Marcha
Automática, sua persistência além do segundo ou terceiro mês de vida pode ser
considerado sinal precoce de lesão neurológica. (BRANDÃO, 1985) (LEVITT, 1982).
Dessa maneira, entende-se que quanto mais cedo forem analisados os reflexos,
melhor será para intervir precocemente se necessário.
Um dos profissionais que pode analisar os reflexos é o Terapeuta Ocupacional
como citado no texto A assistência da Terapia Ocupacional sob a perspectiva do
desenvolvimento da criança. O Terapeuta Ocupacional pode dar assistência em relação
ao desenvolvimento da criança. Sendo que o olhar da Terapia Ocupacional sobre a
criança deve considerar as bases teóricas que abordam o processo do
desenvolvimento e a relação da criança com o mundo externo, buscando intermediar e
facilitar esse encontro e, quando necessário, adaptar o ambiente para que este possa
ocorrer. (MOTTA, M.P. TAKATORI, M.A., 2001).
O Terapeuta Ocupacional pode atuar na pediatria, mas sempre considerando o
instrumento de ações da Terapia Ocupacional, que é a tríade paciente-terapeuta-
atividade. Ou seja, o Terapeuta Ocupacional irá intervir, mas tem que analisar o
paciente como um todo, analisando as áreas biopsicossociais, e considerando a
vontade do paciente, para que a atividade seja prazerosa e os resultados sejam
melhores. Considerando, que na infância o brincar é de suma importância, e este deve
existir durante todo o tratamento.
O Terapeuta Ocupacional tem que analisar também o ambiente que seu
paciente é inserido, pois segundo Winnicott (1963), o ambiente aqui não tem mais a
função de prover de modo pleno o indivíduo, que já não se encontra num estado de
dependência absoluta, como no caso do bebê, mas continua fundamental para o
desenvolvimento da criança, adulto, idoso, como um contexto físico, social, cultural e
emocional que possibilitará percorrer a dependência em direção à independência, a
qual, nunca é totalmente alcançada.
A Terapia Ocupacional também trabalha com a reabilitação e surgem temas
como deficiência, incapacidade e desvantagem. Segundo a Organização Mundial de

1222
Saúde (1980), a deficiência refere-se a toda alteração do corpo ou aparência física, de
um órgão ou de uma função, qualquer que seja sua causa, indicando perturbação em
nível orgânico; incapacidade reflete as consequências da deficiência em termos de
desempenho e atividade funcional do individuo; e, desvantagem diz respeito aos
prejuízos que o individuo experimenta devido à deficiência e a incapacidade, refletindo
em sua adaptação e interação com o meio.
Dessa maneira afirma-se novamente a importância de uma boa avaliação do
paciente, considerando ele (pessoa), o ambiente físico que ele é/está inserido, e
demais pessoas que tem contato com ele. Prevalecendo dessa maneira terapêuticas
voltadas para a tríade paciente-terapeuta-atividade. Sendo que essas atividades
terapêuticas podem ser de diferentes abordagens: Integração Sensorial (enfatiza o
processamento sensorial dando como base um apoio vestibular, tátil e
proprioceptivo), Tratamento do neurodesenvolvimento (enfatiza o controle motor
(postura, tônus)), entre outras.
Logo, a Terapia Ocupacional referente à população infantil, enfatiza-se que são
as necessidades da criança que orientam os caminhos da assistência, pensando na
criança e seu contexto, incluindo dessa maneira a família. Focando que um sistema irá
interferir no outro, e o Terapeuta Ocupacional irá atuar de maneira que todos os
sistemas estejam equilibrados, e o paciente tenha suas necessidades supridas, e
possua maior autonomia e independência para realizar suas atividades cotidianas.
E não só o Terapeuta Ocupacional, mas outros profissionais devem unir-se para
intervir o mais precocemente a fim de analisar o desenvolvimento infantil, para que a
criança não tenha problemas futuros. Dessa maneira, deve haver o trabalho
multidisciplinar e interdisciplinar, prevalecendo à humanização que se faz cada vez
mais rara nos dias atuais.
A Terapia Ocupacional atua também na atenção ao desenvolvimento da
criança. Segundo Anderson (2003), o desenvolvimento da criança é um importante
determinante de saúde. Os primeiros anos de vida são considerados um período de
grande oportunidade para crescimento e desenvolvimento, estabelecendo uma base
crítica para a saúde e sucesso acadêmico da criança, como também um período de
vulnerabilidade.

1223
Nessa fase é comum identificar crianças que não são capazes de realizar as
tarefas típicas para sua idade cronológica, estabelecendo assim um atraso no
desenvolvimento. Mesmo havendo atraso no desenvolvimento, o desenvolvimento
será alcançado mais tarde que o normal. E haverá o desenvolvimento de domínios das
4 áreas: Desenvolvimento Motor; Desenvolvimento da Linguagem; Desenvolvimento
Adaptativo ou cognitivo; e, Desenvolvimento Social ou Pessoal.
Existem diversos fatores de risco para o atraso no desenvolvimento, alguns
fatores de risco são: ambiente, fatores biológicos, fatores genéticos (síndromes ou
patologias), entre outros. Esses fatores interferem todas as áreas biopsicossociais,
afetando assim a vida da pessoa afeta a estrutura e função do corpo, atividade, e
participação da pessoa nas atividades.
Segundo a AOTA (Occupational Therapy Practice Framework, 2002), a estrutura
e função do corpo traduzem a perda ou anormalidade de funções fisiológicas ou
psicológicas, e na terapia ocupacional significa observar os componentes de
desempenho: sensório-motor, cognitivo e psicossocial. Nas atividades, observa-se: a
limitação no desempenho das Atividades de Vida Diária - AVD ou outras atividades
rotineiras, o que na terapia ocupacional significa observar o impacto nas áreas de
desempenho: AVD, educação e brincar, considerando o contexto. A participação é
definida como restrição na participação ativa, quer por barreiras arquitetônicas ou
exclusão social, que na terminologia da AOTA traduz o contexto de desempenho, ou
seja, a casa, a escola e a comunidade. Logo, percebe-se que a Terapia Ocupacional
avalia a criança (a pessoa) como um todo (biológico, psicológico, e, social:
biopsicossocial), e todas as atividades propostas são com base nessa visão generalista.
A Terapia Ocupacional também tem como intuito identificar o desempenho
ocupacional da criança, seja ela com atraso no desenvolvimento ou não. Para
identificar o desempenho ocupacional, deve haver a detecção do atraso do
desenvolvimento, primeiramente. Detectar atrasos no desenvolvimento significa
observar com detalhe o comportamento, examinando cada mudança e considerando o
contexto no qual a criança está inserida. Esse processo requer uma avaliação global da
criança nas áreas de abrangência (HALEY, 1994; RIDZ, 2005), pois, como defendeu

1224
Gillete (1991), os conceitos básicos de uma profissão devem estar refletidos nos
termos e medidas utilizados na prática.
Alguns instrumentos são utilizados para a detecção do atraso no
desenvolvimento, alguns instrumentos são: Canadian Occupational Performance
Measure, The Perceived Efficacy and Goal Setting System (PEGS), Pediatric Evaluation
of Disability Inventory, Functional Independence Measure for Children, School Function
Assessment, Assessment of Motor and Process Skills, Histórico Lúdico, Escala Lúdica
Pré-Escolar, Alberta Infant Motor Scale (AIMS), Bayley Scale od Infant Development,
Home Observation for Measurement of the Environment, entre outros, sendo que cada
instrumento analisa alguns aspectos, podendo avaliar o desempenho ocupacional,
nível de independência, autonomia, etc.
Diante disso, aborda-se novamente a intervenção da Terapia Ocupacional que
deixa de lado a Intervenção Central (que analisava apenas a patologia) e passa a
utilizar a Abordagem Baseada na Família (sendo que nesta a família tem uma
participação significativa, pois, ao se avaliar uma pessoa tem que considerar todos os
sistemas que esta está inserida).
Diante de tudo que fora brevemente relatado, conclui-se que a Terapia
Ocupacional atua na área física, cognitiva, mental, social, nas fases da vida. Pode iniciar
abordando a infância, principalmente avaliando o desenvolvimento, a fim de
identificar possíveis atrasos. Sendo que o atraso de desenvolvimento consiste num
desfasamento entre a idade cronológica e a idade correspondente às aquisições
demonstradas, que se exprime de um modo mais ou menos uniforme. A partir disto, é
primordial que o profissional terapeuta ocupacional saiba realizar os testes de reflexos
e identificar se o desenvolvimento da criança está adequado para a faixa etária ou não.
Para que o profissional identifique algum atraso no desenvolvimento, ele deve
conhecer o desenvolvimento normal, e ser capacitado e qualificado para aplicar testes
de reflexos e assim diagnosticar algum atraso no desenvolvimento apresentado pela
criança na faixa etária especifica. E quanto mais precoce for detectado o atraso, mais
chances existem para que este não provoque sequelas mais graves e comprometam
mais ainda todo o desenvolvimento da criança.

1225
O Terapeuta Ocupacional deve saber o desenvolvimento normal para
identificar o atraso no desenvolvimento. E desta forma intervir precocemente para
que o atraso não interfira nas atividades da vida daquela pessoa e a torne dependente
de outra, já que o terapeuta ocupacional tem como um dos objetivos, proporcionar a
autonomia e independência aos seus pacientes.

CONCLUSÃO
Percebe-se que o Terapeuta Ocupacional pode atuar na maternidade e no
ambulatório com diversos objetivos, um destes é a detecção precoce de atraso no
desenvolvimento, para que possa haver a estimulação e acompanhamento precoce.
Logo, identificando precocemente qualquer atraso no desenvolvimento, o profissional
atuará a fim de minimizar os danos biopsicossociais, ressaltando que o homem
interfere no sistema e o sistema interfere no homem.
REFERÊNCIAS
COELHO, Z.A.; REZENDE, M.B. Atraso no desenvolvimento. In: CAVALCANTI, A.
Terapia Ocupacional: Fundamentação e Prática. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan.
2007.
GOMELLA TL. Neonatologia: manejo, procedimentos, problemas no plantão,
doenças e farmacologia neonatal. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.
GOMES, R. et al. Aprendizagem Baseada em Problemas na formação médica e o
currículo tradicional de Medicina: uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de
Educação Médica 33 (3): 444 – 451; 2009.
GUIMARÃES, E. L.; TUDELLA, E. Reflexos primitivos e reações posturais como sinais
indicativos de alterações neurossensoriomotoras em bebês de risco. Pediatria (São
Paulo) 2003; 25:28-34. Disponível em:
http://pediatriasaopaulo.usp.br/index.php?p=html&id=571. Acessado em: 17 de
novembro de 2013.
MAMEDE, S.; PENAFORTE, J. (org.). Aprendizagem baseada em problemas.
Fortaleza: Hucitec. 2001.
MOTTA, M.P.; TAKATORI, M. A assistência em Terapia Ocupacional sob a
perspectiva do desenvolvimento da criança. In: DE CARLO, M. M. R. P; BARTALOTTI,

1226
C.C. Terapia Ocupacional no Brasil: fundamentos e perspectivas. São Paulo; Plexus
Editora, 2001.
PIZZANI, L. et al. A detecção precoce dos fatores de risco relacionados à
prematuridade e suas implicações para a Educação Especial. Revista Educação
Especial. v. 25, n. 44, p. 545-562, set./dez. 2012.
SOUZA, A. C. de; GALVÃO, C. Terapia Ocupacional: Fundamentação & Prática.
Guanabara: Koogan. 512-519.

1227
INTERDISCIPLINARIDADE EM UM PROJETO DE PESQUISA: ENTRE OS ÂMBITOS DA
COGNIÇÃO E DA LINGUAGEM

Martha Caroline Duarte de Brito


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A interdisciplinaridade é um conceito enriquecedor que vem sendo inserido


em diversos âmbitos, como em escolas, projetos e em pesquisas científicas. Este artigo
desvenda, através das contribuições das análises feitas por Ivani Fazenda (2013), Selma
Leitão (2007) e de Augusta Alvarenga (et. al. 2010), a relação entre cognição e a
linguagem, a partir de um panorama interdisciplinar. O presente estudo envereda por
desvendar tal perspectiva numa pesquisa (em andamento) - do Programa de Pós-
Graduação em Cognição e Linguagem, do Centro Ciências do Homem, da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - que visa analisar a relação entre a crença
de autoeficácia e o desempenho em escrita de redação de alunos pré-vestibulandos
em Campos dos Goytacazes/RJ. O estudo analisou conceitualmente a crença de
autoeficácia e investigou, bibliograficamente, as concepções de interdisciplinaridade,
cognição e linguagem, buscando aproximar tais vertentes em relação à referida
pesquisa. Constatou-se que a cognição e a linguagem estabelecem um diálogo de
grande relevância no respectivo projeto, o qual promove trocas e ganhos para o
campo científico.
Palavras-chave: Cognição e Linguagem. Interdisciplinaridade. Crença de autoeficácia.
Escrita de redação. Cursos Pré-Vestibulares.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sabe-se que o mundo, hoje, encontra-se inserido numa era de globalização, no
qual o conhecimento pode ser acessível a todos, com uma velocidade constante. De tal
forma, as informações, em instantes, tornam-se um objeto de posse para muitos,
porém, em poucos segundos tornam-se obsoletas. É a geração da rapidez, do
instantâneo, da fugacidade.
Em consonância com tal era, a forma como o conhecimento é assimilado,
absorvido e reformulado também sofreu alterações, ao longo do tempo. O que era
único, fechado em si próprio, ou o que comumente chamam de resignado a uma “área
dura” passou a não responder a tantos questionamentos (demanda científica),
justamente por se limitar ao seu campo exclusivo de trabalho.

1228
Assim, o conhecimento ansiava por desvendar novas veredas; um desejo
emergente e urgente de transcender aquilo que já era de propriedade de uma
determinada área. Foi devido a esta urgência, que surgiu a interdisciplinaridade.
Este estudo, motivado por esta nova forma de conceber e elaborar o
conhecimento, pretende fazer uma ponte entre a cognição e a linguagem, a partir de
um projeto de pesquisa em andamento do Programa de Pós-Graduação em Cognição e
Linguagem (UENF) – Desempenho na escrita de redação e a crença de autoeficácia: um
estudo com pré-vestibulandos em Campos dos Goytacazes/RJ - , verificando se o último
pode ser considerado um trabalho interdisciplinar, visto que esta é a proposta inicial
do referido programa.
Partindo destas considerações, atuarão como referências bibliográficas
principais as obras Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação (PHILIPPI JR.
& SILVA NETO – Ed., 2010), Argumentação e desenvolvimento do Pensamento Reflexivo
(LEITÃO, 2007), Epistemologia e cognição (ABRANTES org., 1994) e Práticas
Interdisciplinares na escola (FAZENDA, 2013).
Assim, o presente artigo desvendará os caminhos que levaram ao aparecimento
da interdisciplinaridade, além de compreender os conceitos de cognição e linguagem,
salientando a importância desta pesquisa por tratar de uma temática tão atual e que,
sem dúvida, será a sustentação e o embasamento das investigações que estão por vir.

A INTERDISCIPLINARIDADE
O presente tópico fará uma análise de como o conhecimento elaborou um
trajeto até o campo interdisciplinar, partindo, principalmente do capítulo Histórico,
fundamentos filosóficos e teórico-metodológico da interdisciplinaridade (ALVARENGA,
et.al., 2010) do livro Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação organizado
por Arlindo Philippi Jr e Antônio Silva Neto. A obra foi produzida com apoio da Escola
de Altos Estudos da CAPES, em comemoração aos 10 anos da área multi e
interdisciplinar da CAPES e ficou em segundo lugar no 53º Prêmio Jabuti, na categoria
Educação.
Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação advoga que a
interdisciplinaridade é um campo do conhecimento em construção. Ela emerge no ano

1229
de 1960. Entretanto, para adentrar neste assunto é preciso, primeiramente, analisar
seus pressupostos; neste caso, a ciência.
Analisando a história da ciência, Japiassu (2006 citado por ALVARENGA, 2010)
diz que se trata de uma categoria da história moderna, na medida que não se encontra
nada equivalente na história da humanidade. O que hoje se trata como ciência era
conhecido como Filosofia Natural, firmando-se apenas com a nomenclatura primeira,
na segunda metade do século XIX.
A partir daí, a ciência distancia-se de todas as outras formas de conhecimento,
baseando-se apenas em provas argumentativas apoiadas na razão, através da
experimentação e da verificação. Japiassu (2006 citado por ALVARENGA, 2010) ainda
contribui ao dizer que são as transformações pelas quais o mundo passa que
permitirão explicar as condições favoráveis para o surgimento da Ciência Moderna, a
qual nasce no Ocidente e começa a ganhar expressão na 2ª fase da história da
Universidade de Paris, nos séculos XVIII e XIX. Concomitante à criação das
Universidades de Berlim e de Londres, a ciência inicia seu processo de fragmentação
numa série de especialidades fechadas, as disciplinas.
Maria Elisa Ferreira, no capítulo Ciência e Interdisciplinaridade do livro Práticas
interdisciplinares na escola (FAZENDA, 2013) ressalta, em relação a este paradigma
desvinculado da realidade, que:

O que permeia esse processo não é simples nem inconseqüente: é a


visão de mundo fragmentada, é o esfarelamento da
existência(...)surge, dessa forma, a ciência como tal, multiplicada em
reinos. Surgem a filosofia, a arte e a religião. Cada qual seguindo seu
caminho, desencontradas, antagônicas muitas vezes, retalhando o
mundo e a integridade humana... (FERREIRA in FAZENDA, 2013, p.26).

É uma fase da ciência que se demonstra totalitária, uma vez que nega todas as
outras formas de conhecimento que não se pautam nos seus princípios (SANTOS, 2004
citado por ALVARENGA, 2010). A crítica aos limites da Ciência Moderna indica a
importância e o reconhecimento da interdisciplinaridade, como nova forma de se fazer
ciência.
A interdisciplinaridade busca respostas para o que a ciência fechada em si
mesma não conseguia responder. Diante disso, os saberes são (re)ligados e como

1230
consequência novas áreas do conhecimento multiplicam-se. O termo passa a ganhar
espaço em Congressos, debates, como forma de promover conexões/intercâmbios.
Muitos são os estudiosos que tratam (trataram) deste assunto, enriquecendo as
discussões, como Piaget (considerado o criador da transdisciplinaridade), Jantsch,
Heckhausen, Marcel Boisot, Berger, entre outros. Muitos deles refiguraram o citado
termo, nomeando outras situações de ampliação do conhecimento, como a
multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade, por exemplo, o que é destacado por
Ivani Fazenda, disseminadora da interdisciplinaridade no Brasil: “Muitos estudiosos
têm tomado para si a tarefa de definir a interdisciplinaridade e, nessa busca, muitas
vezes se perdem na diferenciação de aspectos tais como : múlti, plúri e
transdisciplinaridade” (2013, p. 18).
Assim, é necessário uma reflexão neste sentido, a fim de que tais
nomenclaturas não sejam confundidas. Retomando Piaget (1972 citado por
ALVARENGA, 2010), o mesmo apresenta 3 formas específicas do conhecimento:
1) Multidisciplinaridade: colaboração mútua de duas ou mais ciências, sem que
as disciplinas sejam modificadas ou enriquecidas (patamar inferior);
2) Interdisciplinaridade: há reciprocidade dentro das trocas / enriquecimento
mútuo/ busca de estruturas mais profundas;
3) Transdisciplinaridade: não se contenta com as interações entre as
disciplinas, mas situa as ligações no interior de um sistema local
O que é importante depreender destas definições, especificamente neste
trabalho, é que como foi dito, o conhecimento vive um processo de transição e a
interdisciplinaridade faz parte deste contexto, constituindo-se uma forma
enriquecedora de se fazer ciência através do diálogo entre áreas, que até então
poderiam ser consideradas não relacionáveis:

[...] o pensar interdisciplinar parte do princípio de que nenhuma


forma de conhecimento é em si mesma racional. Tenta, pois, o
diálogo com outras formas de conhecimento, deixando-se
interpenetrar por elas. Assim, por exemplo, aceita o conhecimento
do senso comum como válido, pois é através do cotidiano que damos
sentido as nossas vidas. Ampliando através do diálogo com o
conhecimento científico, tende a uma dimensão utópica e

1231
libertadora, pois permite enriquecer nossa relação com o outro e
com o mundo (FAZENDA, 2013, p.20).

É direcionando esta pesquisa diante de tais deferências, que enxerga-se a


interdisciplinaridade como um personagem essencial para que as ciências possam ir
além, cooperando para a construção de um conhecimento amplo e atrelado à
realidade.

COGNIÇÃO E LINGUAGEM
A cognição e a linguagem são duas áreas que se relacionam diretamente ao
longo do desenvolvimento do ser humano. Como é de conhecimento geral, o homem é
dotado de pensamento, o qual ganha expressão através da linguagem.
São muitos os estudos que comprovam tal relação, e até mesmo teorias de
grande prestígio no mundo científico, como as de Piaget e Vygotsky, por exemplo.
Todavia, é importante, primeiramente, tentar explicar e esclarecer os respectivos
conceitos. Para esta tarefa, se fará necessária um breve comentário sobre algumas
passagens do artigo Argumentação e desenvolvimento do pensamento reflexivo
(LEITÃO, 2007), além da análise de alguns trechos do livro Epistemologia e cognição
(ABRANTES –org., 1994).
Tendo em vista as referidas obras, percebe-se que a cognição e a linguagem,
mais uma vez, ocupam um papel importante nas investigações acadêmicas, por
justamente compartilharem de um objeto de estudo, o homem.
De acordo com Abrantes (1994, p.9), a cognição reúne “uma variedade de
processos associados à percepção, ao raciocínio, à resolução de problemas, à
aprendizagem, à memória, etc.”. Deste modo, pode-se inferir que a cognição é relativa
aos processos de pensamento e/ou do conhecimento humano.
Retomando Piaget (1999) e Vygotsky (1995), ambos enxergavam a reflexão/a
cognição/ o pensamento como processos ligados às formas argumentativas de
comunicação. Na verdade, esta ligação levou algum tempo para ser considerada
relevante, devido justamente às diferentes concepções pelas quais a linguagem
passou: a)linguagem como representação (espelho) do mundo, b) linguagem como
instrumento (ferramenta) de comunicação, c)linguagem como forma (“lugar”) de ação,

1232
interação. Diante de tais concepções e a partir de investigações e transformações
ocorridas durante este processo, verificou-se que, na essência, o homem é a
linguagem, visto que esta faz a mediação entre o indivíduo e o mundo.
É importante destacar que quando se fala em linguagem, há uma referência aos
padrões de comunicação criados pelos sujeitos, como a fala, a escrita, as imagens, etc.
Sem linguagem, não há aquisição de conhecimento, isto é, não há cognição.
Selma Leitão, baseando-se em estudos de Bakhtin (1995) e Vygotsky (1995),
ressalta que:

formas estritamente humanas de cognição e outros funcionamentos


psicológicos conscientes surgem no contexto de relações dialógicas e
são de natureza necessariamente sociossemióticas – mediadas pela
linguagem e outros recursos semióticos histórica e culturalmente
constituídos (2007, p. 455).

Tanto Bakhtin quanto Vygotsky enfatizaram a argumentação como permissão


para o desenvolvimento da reflexão. Em outras palavras, a linguagem tinha um papel
constitutivo em relação ao pensamento, à cognição; ao contrário do que Piaget
advogava, ao considerar a reflexão como algo previamente constituído, tendo a
linguagem como elemento subordinado à estruturação cognitiva.
A concepção dialógica defendida por Bakhtin e Vygotsky é reiterada por Selma
Leitão, em seu artigo sobre as relações entre reflexão e argumentação:

Concepções dialógicas sobre as relações entre mundo, cognição e


linguagem enfatizam a relação (mediada pela linguagem) do
organismo com o ambiente físico e social em que vive como condição
primeira para a constituição dos processos que possibilitam a
comunicação e o conhecimento humano.(...) O entendimento da
cognição como processo dialógico exige, entretanto, que se supere a
concepção estrita que identifica diálogo com interação face a face e
se focalizem as relações mundo-pensamento, sujeito-sujeito,
enunciado-enunciado, constituídas na linguagem, seja esta produzida
em situações de interação face a face, ou não (2007, p. 455).

O que se percebe, nestas considerações, é que assim como a comunicação


humana, as atividades cognitivas são de natureza social. A concepção dialógica
permeia a cognição e a linguagem, o que não deixa de ser uma relação interdisciplinar
– questão a ser apresentada a seguir.

1233
PROJETO DE PESQUISA EM FOCO: SUA INTERDISCIPLINARIDADE
Este tópico do trabalho preocupa-se com a verificação de elementos
interdisciplinares referentes a um projeto de pesquisa em andamento no Programa de
Pós-Graduação em Cognição e Linguagem, do Centro Ciências do Homem, da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. O referido projeto tem
como título “Desempenho na escrita de redação e a crença de autoeficácia: um estudo
com pré-vestibulandos em Campos dos Goytacazes/RJ”.
A temática dessa pesquisa surgiu de uma reflexão, primeiramente, sobre as
diversas oportunidades de acesso ao ensino superior, hoje, no Brasil. Estas
oportunidades, tanto públicas quanto as privadas, têm apresentado-se como uma
realidade desde o final dos anos 90, sobretudo a partir da criação das políticas
públicas, como o Enem, o Pró-Uni, o FIES, por exemplo, conforme afirma Zago (2008).
Assim, ao mesmo tempo, surgiram os Cursos Pré-Vestibulares, aulas preparatórias
para auxiliar neste processo de ingresso à faculdades e universidades do país.
Em diversos exames pré-vestibulares que ocorrem no Brasil, há um grande
enfoque na Língua Portuguesa e suas vertentes. Além disso, geralmente, a nota neste
campo disciplinar tem grande relevância, no que se refere à parte de Redação, a qual
exige do aluno um olhar crítico, argumentos definidos, o domínio da norma culta, além
de outras habilidades.
Desta forma, havendo a motivação por esta temática, o problema desta
investigação surgiu de uma pesquisa feita por Albert Bandura e Barry Zimmerman
(1994) ao analisarem o impacto das influências autorreguladoras no desempenho nos
cursos de redação com calouros de uma faculdade. Tal estudo concluiu que a
autoeficácia acadêmica observada - a crença na própria capacidade para organizar e
executar ações requeridas ao desempenho de situações específicas (Bandura, 1997) -
afetou a nota de aprendizado diretamente e também por seu impacto no
estabelecimento de metas pessoais.
Por ser um elemento tão importante e determinante nas diversas situações que
o homem enfrenta, a autoeficácia também se constitui como regulador dos
pensamentos e do comportamentos dos indivíduos. Assim a autoeficácia está

1234
intimamente ligada às metas que um sujeito estabelece para si próprio, aos seus
pensamentos otimistas e/ou pessimistas que ele cria ao executar certa tarefa, além de
permitir a autorregulação e o autocontrole, conforme Zimmerman (1999, p.193)
destaca: “as crenças de autoeficácia influenciam sobre as metas que as pessoas
selecionam e sobre o compromisso que adquirem com elas. Quanto mais capaz uma
pessoa se considera, mais fortes são as metas que estabelece para si mesma”.
A partir desta consideração, pretende-se reconfigurar o respectivo estudo com
outros sujeitos, especialmente pela relevância de uma dissertação-argumentativa bem
elaborada como quesito para aprovação num vestibular/ENEM
Esta pesquisa de natureza quantitativa e do tipo descritivo, quanto ao ponto de
vista dos objetivos, tem como intuito geral analisar a relação entre a crença de
autoeficácia e o desempenho em redação de alunos inscritos no curso Pré-Vestibular
(a ser definido), em Campos dos Goytacazes/RJ. Sua metodologia consistirá de analisar
conceitualmente a crença de autoeficácia – assim como a autorregulação da
aprendizagem e seu aspecto motivacional -, e investigará, bibliograficamente, o
universo dos cursos Pré-Vestibulares e a escrita de redação. Além desta etapa, haverá
a aplicação, no início do cursinho, de um questionário e de um inventário de escrita
aos pré-vestibulandos (elaborado por Bandura e Zimmerman) com 25 questões, além
de um teste de autosatisfação. Os resultados destes instrumentos serão
comparados/relacionados com as notas finais das redações feitas nos simulados do
respectivo Curso Pré-Vestibular, obedecendo aos critérios de avaliação do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).
A partir destas observações a respeito do projeto de pesquisa analisado, busca-
se investigar se o mesmo encaixa, de fato, na proposta interdisciplinar do Programa de
Pós-Graduação em Cognição e Linguagem (CCH-UENF). Nesse programa, prioriza-se
um diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, promovendo assim uma reflexão
crítica, ancorada na realidade:

Nosso programa inclui profissionais com formação em diferentes


áreas do conhecimento (Tecnologias da Comunicação, Educação,
Letras, Psicologia, Filosofia, Direito, Física, Biologia, Agronomia,
Sociologia e Artes). Todos entretanto, têm um dado fundamental em
comum: uma abertura para o diálogo interdisciplinar. Nosso desafio é

1235
o de pôr em contato essas diferentes abordagens para produzir um
conhecimento mais vasto, mais profundo, mais fértil e mais útil
socialmente do que o restrito conhecimento especializado, a respeito
da cognição e da linguagem, tal como figuram em nossas duas linhas
de pesquisa (SOUZA, 2014, p.15).

O programa apresenta duas linhas de pesquisa: A Linha 1 (PICENTI) - “Pesquisas


Interdisciplinares em Comunicação, Educação e Novas Tecnologias da Informação” e a
Linha 2 - (PICHAF) - “Pesquisas interdisciplinares em Ciências Humanas, Artes e
Filosofia”. Como na linha 2, os estudos dedicam-se a pesquisas interdisciplinares em
ciências humanas, artes e filosofia, sugere-se que o projeto em análise esteja inserido
na primeira linha, por apresentar uma proposta interdisciplinar na área da educação,
relacionando-se à psicologia cognitiva (autorregulação/autoeficácia) e área da
linguagem (escrita de textos argumentativos) também, em que não só uma área do
conhecimento detém as respostas que o conhecimento exige, diante das suas diversas
dimensões e de sua realidade multifacetada, mas um estudo ávido por interações
enriquecedoras de diversos âmbitos e prismas, conforme Ivani Fazenda expõe: “fazer
pesquisa significa, numa perspectiva interdisciplinar, a busca da construção coletiva de
um novo conhecimento, onde este não é, em nenhuma hipótese, privilégio de alguns.”
(2013, p.21).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho, foi enfatizada a importância de se considerar a relação
cognição-linguagem como algo inerente ao ser humano – fato este comprovado por
muitos estudiosos.
A essência dialógica do homem evidencia a necessidade deste em fazer
interagir seu psiquismo e o aspecto social. Neste contexto, nota-se que, em síntese,
pode-se considerar que o os indivíduos são interdisciplinares, conforme Assumpção
diz: “a interdisciplinaridade mostra-se fundamentada na intersubjetividade, tornando-
se presença, através da linguagem como forma de comunicação e expressão humana.”
(in FAZENDA, 2014, p.30)

1236
Analisar e verificar se uma pesquisa insere-se num aspecto interdisciplinar
consiste em estabelecer relações, diálogos, de forma que um fato não seja encarado
de forma isolada, mas que sofra influências da interação entre diversos campos.
Ter foco, intencionalidade e respeito por cada área que norteia um estudo
interdisciplinar é a chave de sucesso para a compreensão de qualquer fenômeno.

REFERÊNCIAS
ABRANTES, Paulo. (Org.) Epistemologia e cognição. Editora Universidade de Brasília,
Brasília, 1994.
ALVARENGA, Augusta Thereza de. PHILIPPI Jr.,Arlindo. SOMMERMAN, Américo.
ALVAREZ, Aparecida Magali de Souza. FERNANDES, Valdir. Histórico, fundamentos
filosóficos e teórico-metodológico da interdisciplinariedade. In Interdisciplinariedade
em Ciência, Tecnologia & Inovação. Manole Editora. 2010. p. 3 – 68.
BAKHTIN,M. & VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da linguagem. Hucitec,
São Paulo, 1995.
BANDURA, A. Self-efficacy: the exercise of control. Englewood Cliffs, NJ: Prentice
Hall,1997.
BANDURA,A. & ZIMMERMAN, B.J. Impacto of self-regulatory influences on writing
course attainment. American Educational Research Journal Winter 1194, Vol. 31, n4,
p. 845-862.
FAZENDA, Ivani. (Org.) Práticas interdisciplinares na escola. Cortez, São Paulo,
2013.
LEITÃO, Selma. Argumentação e Desenvolvimento do Pensamento Reflexivo. In:
Psicologia Reflexão e Crítica, vol. 20, número 003. Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Porto Alegre, Brasil. 2007. pp. 454 -
462.http://redalyc.uaemex.mx/pdf/188/18820313.pdf
PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. Martins Fontes, São Paulo,
1999.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. et al. Manual para elaboração de
tese/dissertação: documento eletrônico e Impresso. Campos dos Goytacazes, RJ:
UENF/CCH/PPGCL, 2014.

1237
VYGOSTSKY, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. Martins Fontes, São
Paulo, 2001.
ZAGO, N. Cursos pré-vestibulares populares: limites e perspectivas. PERSPECTIVA,
Florianópolis, v. 26, n. 1, 149-174, jan./jun. 2008
ZIMMERMAN, Barry J. Auto-eficacia y desarrolo educativo. In Auto-eficacia: Cómo
afrontamos los câmbios de La sociedad actual (Albert Bandura – Ed.). Biblioteca de
Psicología Desclée de Brouwer, 1999.

1238
ORTOTANÁSIA: A MORTE NO “TEMPO CERTO” E O DIREITO EXISTENCIAL À
AUTODETERMINAÇÃO

Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Ieda Tinoco Boechat


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Raquel Veggi Moreira


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Ortotanásia é tema atual e polêmico, embora pouco debatido no contexto


acadêmico. Trata-se de proteger a pessoa no momento mais delicado de sua vida, que
é o fim da existência humana. Significando “morte na hora certa”, a Ortotanásia visa à
adoção de cuidados paliativos capazes de minorar a dor e o sofrimento, não
prolongando o processo doloroso de morte do paciente em estado terminal. O
presente artigo buscou reafirmar a efetividade da autodeterminação da pessoa que
decide morrer sem submissão ao excesso terapêutico outrora praticado, cumprindo os
ideais ditados pela dignidade da pessoa humana como valor supremo da vigente
Constituição Democrática.
Palavras-chave: Ortotanásia. Autonomia existencial. Tratamentos paliativos.
Efetividade.

INTRODUÇÃO
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, passando pela
consagração da dignidade da pessoa humana no texto constitucional, logo no artigo
1º, o assopro de constitucionalização, descortinou novas fronteiras aos direitos da
personalidade, que passaram a ter um tratamento legal, doutrinário e jurisprudencial
mais exigente, visando acompanhar a perspectiva de respeito à pessoa inaugurada
pela vigente Carta Cidadã, de 1988.
Nessa linha de intelecção, os direitos relativos à dignidade da pessoa humana,
os direitos de personalidade, também denominados direitos existenciais, se assentam
sobre novos paradigmas, alçando a autodeterminação a um status jamais verificado.
Na perspectiva civil-constitucional, de mais ampla tutela aos direitos existenciais, a
Ortotanásia se mostra importante discussão atual e de grande relevância para a

1239
efetividade dos direitos fundamentais assegurados pela constituição democrática em
vigor.
O presente artigo visa abordar o respeito à autodeterminação da pessoa no que
tange à sua livre escolha quanto à opção pela Ortotanásia e demais decisões sobre
como deseja passar os últimos dias de sua existência com vistas à efetividade da tutela
dos direitos existenciais – cerne dos elevados anseios desta Constituição Democrática.
Será desenvolvida uma abordagem bibliográfica da temática. Utilizou-se metodologia
qualitativa, mediante pesquisa bibliográfica em autores contemporâneos, estudiosos
do assunto de artigos científicos jurídicos e do Conselho Federal de Medicina. Na
perspectiva da temática eleita – Constituição democrática e efetivação dos direitos –
tem-se a Ortotanásia como discussão pertinente no que tange ao respeito à
autodeterminação da pessoa e à efetividade dos direitos existenciais
constitucionalmente tutelados.

PRINCIPIOLOGIA CIVIL-CONSTITUCIONAL
Respeito à dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana, elencada no artigo inaugural da Constituição
Cidadã, não sem razão, confere grande primazia aos atributos da personalidade,
elevando-a a valor de altíssima grandeza, o que "demonstra sua precedência – não
apenas topográfica, mas interpretativa - sobre todos os demais capítulos
constitucionais” (ROSENVALD, 2007, p. 35). E o fez com a finalidade de que sejam
resguardados os ideais de cidadania que inspiraram a Carta de 1988. Essa precedência
impõe que a dignidade humana, não mais simplesmente como princípio, mas como
valor do Estado Democrático de Direito, seja analisada com primazia sobre qualquer
outro princípio, pois ferir a dignidade humana, importaria lesão a toda a principiologia
constitucional, e, por via reflexa, feriria todo o ordenamento jurídico. Comenta
Perlingieri (2007, p. 155, 156), que "A personalidade é, portanto, não um direito, mas
um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de
situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessante mutável exigência de
tutela", passando a ser axioma a permear toda conduta no estado democrático de
direito.

1240
Explica Schreiber (2007, p. 86) que a dignidade humana é a essência dos
direitos da personalidade, não podendo se limitar, como cláusula geral, a interesses
restritos.
A ortotanásia traz o ser humano para o centro da discussão. Valorizar a vida
humana é considerar o homem como um ser complexo, formado por dimensões
biopsicológica, social e espiritual. Toma como ponto de partida o fato de que por mais
que a doença subtraia as faculdades normais do enfermo, não será capaz de tirar-lhe a
dignidade, que deverá acompanhá-lo até o último suspiro.

Tutela da autonomia existencial, da liberdade e da vedação à tortura


A autonomia existencial, entendida como a faculdade de que goza a pessoa
capaz de decidir os rumos de sua existência e tomar decisões a respeito de si mesma, é
que faculta à pessoa decidir com lucidez o que ela própria deseja para seu futuro.
Trata-se de encarar o doente não mais como paciente, mas como agente de suas
escolhas livres e conscientes.
Ensina Borges (2007, p. 230) que na dignidade da pessoa humana se insere a
faculdade de decidir a respeito de si e da própria vida, sendo lícito ao ser humano
escolher o que deseja ou não para sua vida ou seu futuro, no que se refere aos seus
direitos existenciais. No mesmo sentido, assinala Ribeiro (2006) que viver é um direito
potestativo, cabendo ao próprio titular da vida exercê-lo ou não sem imposição ou
restrição por terceiros, sendo lícito renunciá-lo, senão, deixaria de ser um direito para
ser ônus – a obrigação de viver.
Assim, a autodeterminação se constitui expressão da vontade, um direito de
escolha, que objetiva privilegiar a liberdade; é o direito a autogovernar-se e assumir
todas as consequências decorrentes desse ato. No mesmo sentido, explica Moraes
(2009, p. 98):

Na área da biomedicina, é o interesse, o ponto de vista do indivíduo,


que deve prevalecer quando se trata de sua saúde, física e psíquica,
ou de sua participação em qualquer experiência científica. A regra
expressa o conceito da não instrumentalização do ser humano,
significando que este jamais poderá ser considerado objeto de
intervenções e experiências, sempre sujeito de seu destino e de suas
próprias escolhas.
1241
Obviamente as garantias deferidas aos direitos de personalidade incluem o
direito ao não sofrimento. Ninguém em sã consciência elegeria uma forma de morte
angustiante, dolorosa, lenta e tardia. Assim, todas as pessoas em condições de exercer
escolhas livres e conscientes optariam por morrer com dignidade. O direito a optar
pela Ortotanásia e pelo não sofrimento faculta à pessoa decidir não se utilizar de
suporte artificial para respirar ou não ser mantida em vida vegetativa com o auxílio de
aparelhos que somente são capazes de retardar o processo de morte (distanásia),
adiando-a para além do tempo normal, submetendo o enfermo à verdadeira tortura –
constitucionalmente vedada. Constata-se que, em alguns casos, a utilização de suporte
vital pode significar prática de tortura, lesão à dignidade do enfermo e ainda à garantia
fundamental da vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante (artigo
5º, III, CF). Além disso, o direito à autodeterminação de que goza a pessoa, conforme
já salientado, impõe respeito à sua decisão sobre se deseja ou não se submeter a
formas de tratamento reputadas cruéis pela Medicina e pela própria doutrina
contemporânea do direito civil-constitucional.
Por esse motivo é que a Ortotanásia vem ganhando expressão na atual
perspectiva dos direitos existenciais, pois optando livremente por sua aplicação, a
pessoa escolhe não ser submetida a procedimentos médicos que lhe diminuam a
dignidade, como por exemplo, excesso terapêutico, submissão a tratamentos como
quimioterapia ou radioterapia se o quadro de saúde se mostrar irreversível, sem
mínima chance de cura.

ORTOTANÁSIA
Cabe aqui diferençar Eutanásia de Ortotanásia. Enquanto na Eutanásia a morte
se dá no momento em que age o terceiro movido pela condolência, provocando o
processo de falecimento, na Ortotanásia, a intervenção não influenciará o destino do
doente terminal, apenas garantirá que a morte seja menos dolorosa e ocorra no seu
tempo certo. Em suma, aduz Santoro (2013, p. 22), “ortotanásia é a supressão de
cuidados, a não ser os paliativos, em pacientes que se encontrem em estado terminal,
cujo curso da morte já se iniciou. Assim não há uma conduta positiva ou negativa que

1242
seja a causa do resultado morte.” O enfermo deve ser considerado incurável quando
não há qualquer chance de recuperação que leve o médico ao dever de agir. Sendo
incurável, deve o médico optar pelo máximo de cuidados paliativos.
Relevante ainda asseverar que distanásia é justamente o contrário, é a
obstinação terapêutica, a busca pela vida a qualquer custo, sem se ponderar o melhor
interesse do doente, havendo preterição da dignidade da pessoa humana em
detrimento da luta pela infalibilidade da ciência, que levada ao extremo, assemelha-se
à tortura, dado o nível de sofrimento e dor a que submete o doente.
Cabe ainda ponderar que a vida não deve ser entendida como um direito
absoluto. Quando a CF/88 garante que o direito à vida é inviolável (caput do artigo 5º),
quer protegê-lo contra toda ação ou omissão injusta. A Ortotanásia apenas ressignifica
a relativização do direito à vida, para entendê-lo como uma oportunidade de
promover a morte com dignidade, como corolário da vida digna.

Conceito
Ortotanásia é uma palavra de etimologia grega, formada pelas expressões ortos
(certo) e tanatos (morte natural, no tempo certo). Estudos realizados pelo professor
Jackes Roskam, em 1950, apresentaram um conceito intermediário entre provocar a
morte e prolongar o processo de morte (SANTORO, 2012, p. 132). Concluiu que, entre
antecipar o fim da vida humana por meio da eutanásia e prolongá-la pela obstinação
terapêutica (distanásia), há um instituto intermediário que é a morte na hora correta,
natural – a Ortotanásia.
A Ortotanásia somente tem lugar mediante constatação de estado terminal do
paciente, caracterizado pela morte inevitável e iminente, configurado pelo início do
processo de morte, no qual qualquer conduta interventiva se mostraria ineficaz para
evitar o resultado morte. O fim altruístico que move a prática da conduta é uma
característica que compõe o conceito de Ortotanásia. O enfermo não será deixado à
própria sorte, sendo-lhe deferidos cuidados paliativos, já que a Medicina Paliativa
desenvolveu-se, mudando o foco de atenção da doença para o paciente e, ao fazê-lo,
passou a tratar o enfermo de forma integral (VIEIRA, 2012, p. 263). Visa a aliviar a dor

1243
física e sintomas da moléstia, com ênfase em tratar o sofrimento psicológico e
espiritual da pessoa acometida de doença grave, evolutiva ou terminal.
Por fim, é indispensável o aspecto do consentimento do enfermo ou,
subsidiariamente, da família, a anuência. Trata-se do consentimento informado
(CABRAL, 2011, p. 64). Farias e Rosenvald (2013, p. 214) acrescentam que “o
profissional da Medicina tem de atuar em conjunto com o paciente, orientando sem
coagir e sem menosprezar a vontade”.
Disciplina jurídica
No âmbito do Direito Criminal, o Projeto de Lei nº 236, de 2012, de autoria do
Senador José Sarney, que trata da reforma do Código Penal Brasileiro, prevê a
inexistência de crime para o médico quando deixar de fazer uso de meios
extraordinários, adoção de cuidados paliativos e atestado de morte iminente por dois
médicos. Restando clara a atipicidade da conduta do médico, cabe ressaltar a
relevância de que o estado de terminalidade (caracterizado pelas expressões morte
iminente, inevitável e doença irreversível) seja atestado por dois médicos, o que
conduz a uma segurança maior a respeito do quadro clínico do enfermo que se valerá
da Ortotanásia.
No âmbito do Direito Civil-constitucional, toda a principiologia voltada para a
tutela da dignidade da pessoa humana busca proteger os direitos de personalidade e
todas as suas emanações, constituindo-se a autodeterminação, o livre arbítrio e a
possibilidade de autogovernar-se, a base do direito constitucional à liberdade.
Comenta Moraes (2009, p. 93) que a tutela psicofísica das garantias penais é muito
mais restrita do que a contida na órbita cível151, sendo a segunda apta a preservar um
âmbito muito maior de hipóteses de interesses existenciais.
Embora sempre houvesse princípios implícitos e disciplina sobre o respeito à
vontade humana no que tange aos tratamentos de saúde, o Enunciado nº 403 do
Conselho de Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil, regulamenta o art. 15 do

151
Comenta a autora: “No princípio da proteção à integridade psicofísica da pessoa humana estão
contemplados, tradicionalmente, apenas o direito de não ser torturado e o de ser titular de certas
garantias penais, como o tratamento do preso nas detenções e nos interrogatórios, a proibição de penas
cruéis, etc. Na esfera cível, no entanto, a integridade psicofísica vem servindo a garantir numerosos
direitos da personalidade [...].” (MORAES, 2009, p. 93).
1244
Código Civil, admitindo que a pessoa possa se negar a tratamento médico, inclusive
transfusão de sangue.
Toda a proteção deferida pela ciência jurídica à dignidade da pessoa, liberdade
de autodeterminação e exercício do livre arbítrio buscam efetivar o direito civil-
constitucional.
Por fim, o direito à Ortotanásia chega aos tribunais, sendo indispensável
colacionar parte da ementa e breve comentário do relatório da Apelação Cível Nº
70054988266 do TJRS. Desprovida por unanimidade. Decisão recente, de 20.11.2013.
Relator: Des. Irineu Mariani.

APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA.


TESTAMENTO VITAL.
[...] 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da
ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem
prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o
processo natural.
3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado
com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos
da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A
Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela
qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a
tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na
esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir
tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida,
não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar
a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. [...]

O relator reconheceu que o paciente idoso estava lúcido, vendo a morte como
alívio do sofrimento. Salientou se tratar de um caso que se insere na dimensão da
Ortotanásia. E se o paciente se recusa ao ato cirúrgico mutilatório, conclui o relator,
invocando o princípio da dignidade da pessoa humana: em relação ao seu titular, o
direito à vida não é absoluto e nem pode ele ser obrigado a se submeter a cirurgia com
risco (art. 15 CCB). Negou provimento à pretensão que era do Ministério Publico.
A Ortotanásia vem assumindo seu papel precípuo de tutelar a
autodeterminação da pessoa enferma, bastando para isso que tenha ela capacidade,
apresente estado de terminalidade e manifeste vontade de forma livre (consentimento
informado). A orientação dessa decisão com certeza servirá como precedente para

1245
julgamentos de muitas outras situações concretas em busca de efetividade da
autodeterminação da pessoa enferma.

Tratamento pela legislação médica


Em relação ao tratamento e providências que o médico não deve deixar de
dispensar ao paciente, determina o Código de Ética Médica152 (arts 23 a 25) em vigor, é
vedado ao médico: desrespeitar a dignidade e discriminar o paciente, garantir livre
decisão. Deixar de denunciar prática de tortura ou procedimentos degradantes.
As Resoluções do Conselho Federal de Medicina, em consonância com a atual
perspectiva dos direitos da personalidade e da tutela jurídica, apontam que ambas as
ciências, Direito e Medicina estão dialogando, traçando uma necessária
interdisciplinaridade (CABRAL, 2011, p. 94) com o escopo de garantir a tutela e
assegurar a efetividade quanto aos bens jurídicos de maior relevância que
ordenamento protege: o direito fundamental à vida, à saúde, à liberdade e à dignidade
da pessoa humana.
A Lei Orgânica da Saúde, a nº 8080/90, no seu artigo 7º, inciso III, reconhece o
direito à autonomia do paciente.
Entretanto, o grande avanço quanto ao reconhecimento do direito à
Ortotanásia, no que tange à Medicina é a Resolução nº 1805, de 09 de novembro de
2006, em relação ao polêmico tema objeto deste artigo. Essa resolução traz como
esteios o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e a garantia
fundamental da vedação à tortura e a tratamento desumano ou degradante (artigo 5º,
inciso III, da Constituição). Autoriza o médico à limitação ou suspensão de
procedimentos e tratamentos destinados a manter a vida, ressalvando os cuidados
necessários a aliviar o sofrimento, para buscar a assistência integral – o homem como
ser biológico, psíquico, social e espiritual. Frisa ainda que essa decisão deve respeitar a
vontade do paciente e de seus familiares.
O artigo 1º prevê limitação ou suspensão de tratamento ao doente terminal, ou
com doença grave e incurável, respeitada sua vontade, devendo ser fundamentada e

152
Resolução Nº 1.931 do Conselho Federal de Medicina, de 17 de setembro de 2009, publicado no
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 24 set. 2009 em vigor a partir de 13/04/2010.
1246
registrada no prontuário médico, podendo o doente requerer uma segunda opinião
médica.
Ainda há que se ressaltar a adoção de cuidados paliativos como uma normativa
da Medicina, que protege a pessoa nessa fase final de vida, na qual já se encontra
debilitada, diminuindo-lhe as dores e proporcionando bem estar (será tratada em
tópico autônimo).

EFETIVIDADE DOS DIREITOS


Adoção de cuidados paliativos
O tratamento paliativo, dispensado ao enfermo terminal, no contexto da
Ortotanásia, visa trazer benefícios físicos, bem estar para o corpo, fortalecer o
emocional para vencer os momentos finais, encorajar para o enfrentamento dos
desafios da doença e proporcionar ao paciente que cada momento seja vivido com a
família e amigos, evitando assim a morte social, distante do seio daqueles a quem
ama, primando pelo fortalecimento dos laços com os entes queridos, evitando que se
sinta como um fardo a ser suportado pelos outros.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (2002):

Cuidado Paliativo é a abordagem que promove qualidade de vida do


paciente e seus familiares diante de doenças que ameaçam a
continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento.
Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da
dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.

O Estado de São Paulo é pioneiro com a Lei Estadual 10.241 /1999, que regula
direitos dos usuários dos serviços de saúde, assegurando ao paciente terminal o direito
de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida.
Mário Covas, governador do Estado à época, disse que sancionava a lei como político e
como paciente (com câncer já diagnosticado). Dois anos depois, estando em fase
terminal, dela se valeu pra recusar legitimamente o prolongamento artificial da vida
(FARAH). O foco da intervenção deixa de ser a doença para atender ao doente,
entendido com um ser único, ativo, com direito à informação e à autodeterminação
1247
(autonomia plena para decisões a respeito de seu tratamento). A prática correta dos
cuidados paliativos prioriza a atenção individualizada ao doente e à sua família,
buscando sucesso no controle e prevenção do sofrimento.
O termo paliativo se origina da expressão pallium que em latim, significa
manto, entendendo-se que o objetivo dos cuidados paliativos é envolver com um
“manto” de cuidados o enfermo em fase avançada da doença, a fim de lhe
proporcionar alívio da dor, conforto e qualidade de vida. Há uma sadia convergência
de condutas entre a Ortotanásia e a adoção de cuidados paliativos com a finalidade de
que a morte ocorra de forma natural.
Por fim, cabe ressaltar alguns princípios norteadores dos cuidados paliativos
enunciados pela Organização Mundial de Saúde em 2002 e apontados por Pessini;
Bertachini (2005): alívio de dor e estresse; vida como process0o natural; não antecipa,
nem posterga a morte; oferece suporte e auxílio ao paciente e à família até a morte;
deve ser iniciado o mais rápido possível.
O Projeto de Lei nº 524/2009, do Senado Federal, traz oportunas definições de
procedimentos paliativos, cuidados básicos, tratamentos desproporcionais e
extraordinários, nos incisos II a VI do seu artigo 3º. Entendido o cuidado paliativo como
tratamento proporcional ao estado terminal, cabe à equipe médica diagnosticar as
condições de sobrevida, optar pelos tratamentos que minorem o sofrimento e
promovam a dignidade humana, sem deixar de suprir o paciente e a sua família de
todas as informações e ferramentas para que continue decidindo os rumos de sua
própria vida.

Observância do testamento vital


Trata-se de um instrumento no qual a pessoa manifesta sua vontade sobre
adoção ou não de determinados procedimentos médicos ou decisões sobre as
circunstâncias de sua morte. É realizado quando a pessoa possui plena capacidade,
porém com vistas à produção de efeitos em data futura quando da superveniência de
incapacidade (coma, alienação mental, estado vegetativo).
Para realizar um testamento vital válido o agente deve ser capaz (art. 104 do
CCB), para que a vontade seja manifestada de forma livre e consciente. Não necessita

1248
de forma especial (art. 107 do CCB), podendo ser realizado por documento particular
ou por escritura pública, sem que a forma comprometa sua validade, produção de
efeitos e efetividade.
Borges (2007, p. 240) o conceitua como “documento em que a pessoa
determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não-tratamento deseja para a
ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de
manifestar sua vontade”.
Assim, pode-se dizer que o Testamento Vital é um instrumento no qual a
pessoa expressa decisões a serem tomadas a respeito de si mesma ou de sua saúde
com produção de efeitos futuros, para o momento de inconsciência, sendo que a
grande questão a ser enfrentada, reside na efetividade quanto ao cumprimento das
declarações nele contidas. Deve ser escrito, datado e assinado de próprio punho ou
digitado. Pode ser ainda registrado em cartório, sob forma de escritura pública, cujo
principal escopo é limitar a atuação médica e da própria família no momento em que o
titular da vida e da saúde já não possui capacidade para decisão. O autor deve avisar
ao médico e à família da existência desse documento, podendo solicitar que seja
anexado ao prontuário (se físico) ou digitalizado (se virtual) a fim de garantir
efetividade.

Efetividade dos direitos constitucionais


O ordenamento jurídico reconhece a importância da vontade e disciplina
formas de fazê-la valer em várias leis internas, além de tratados e convenções
internacionais que vinculam vários Estados, como é o caso dos Tratados de Direitos
Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos protege a dignidade e os direitos
da pessoa logo no seu 1º artigo. Mais tarde, o texto da vigente Constituição Federal, a
Constituição Democrática por excelência, elenca a dignidade da pessoa como
“fundamento da República Federativa do Brasil”, o que significa dizer que a dignidade
é a base, o alicerce sobre o qual se edifica a construção do Estão Democrático de
Direito.

1249
Além dessas razões, o vigente Código Civil Brasileiro (CCB), no seu art. 15
determina: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” – razão primeira para se afirmar que a
lei interna oferece uma tutela bastante cuidadosa à pessoa e suas decisões,
permitindo-lhe o direito a não sofrer, conforme já comentado em tópico anterior. Um
direito que transcende todas as tendências anteriores da Medicina cuja obstinação
terapêutica (ou distanásia) era um compromisso do médico, inafastável pela vontade
do paciente.
A nova perspectiva do Direito e da Medicina faz ruir a clássica interpretação do
juramento hipocrático que fazia o médico refém da obrigação de “salvar a vida” em
qualquer circunstância. Agora, por várias disposições legais, a pessoa somente se
submete a certos tratamentos se optar por eles, devendo o médico, pelas razões
insculpidas no Código de Ética e já apresentadas nesta breve reflexão, respeitar a
vontade e a decisão da pessoa. Mediante consentimento informado.
A adoção de cuidados paliativos, a observância do testamento vital e proteção
pelo Judiciário, conforme se verificou no julgado supra, são medidas capazes de
imprimir efetividade ao direito do enfermo que deseja se valer da Ortotanásia, sem
prejuízo da legislação específica que se faz necessária no âmbito Civil. Enfim, a
efetividade dos direitos existenciais depende ainda de atuação consciente do
Judiciário, como foi possível constatar no acórdão proferido na Apelação Cível
interposta pelo Ministério Público no TJRS. Enquanto não há lei específica, cabe ao
Judiciário agir em consonância com a doutrina, princípios constitucionais e livre
convencimento motivado em defesa da autodeterminação do enfermo.
Em boa doutrina, analisa Barroso (2009, p. 83), o significado da expressão
efetividade: “a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela
representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a
aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da
realidade social."
Assim, um direito somente se efetiva quando se torna real no mundo sensível,
fazendo-se respeitar. Mas, em relação ao objeto em análise, como assegurar a

1250
efetividade da vontade do titular do bem jurídico “vida”? Como assegurar-lhe que não
será submetido a tratamentos, a seu ver, desumanos, inúteis e cruéis?
Tanto a Medicina (Resoluções do CFM e atuação ética dos profissionais) como o
Direito (leis, doutrina e jurisprudência) são ciências que traçam uma necessária
interdisciplinaridade no sentido de proteção da pessoa: “ambas as ciências são
corresponsáveis pela efetividade da tutela dos direitos existenciais” (CABRAL, 2011, p.
94).
Acrescenta Barroso (2009, p. 287) sobre a atuação do Estado para a efetividade
das normas: “são imprescindíveis instituições, atitude e procedimentos aptos a fazer
atuar, concretamente, o comando abstrato da norma”. Então, em relação à
Ortotanásia, somente haverá efetividade quando a autodeterminação da pessoa
enferma for respeitada e seus desejos para os últimos dias de existência forem
cumpridos pelo Poder Público, por médicos, família e amigos, que possuem o poder-
dever de cumprirem as determinações verbais ou expressas em testamento vital,
imprimindo efetividade ao direito fundamental à liberdade, manifestados pela
autodeterminação, livre arbítrio e em respeito à dignidade da pessoa que deseja
realizar a Ortotanásia, por entender que certos tratamentos absolutamente
desnecessários e degradantes podem se tornar verdadeira tortura para a fase terminal
de sua vida que é tão importante quanto à inicial, a merecer tantos cuidados e
respeito, já que a pessoa se vê completamente fragilizada. Seria desarrazoado na fase
terminal ceifar da pessoa o direito de morrer dignamente, sem dor e sofrimentos que
podem e devem ser evitados.

CONCLUSÃO
Os direitos existenciais firmados sobre a perspectiva do direito à
autodeterminação, alça a autodeterminação a um valor intrínseco à dignidade
humana, valor supremo, fundamento da República Federativa do Brasil. Assim, a
pessoa capaz que não deseja suportar tratamentos desumanos e inúteis, que pela
intensidade da dor podem ser comparados à tortura, pode optar pela Ortotanásia, a
fim de aliviar suas dores e encontrar refrigério para atravessar a fase mais delicada de
sua vida, que são os derradeiros momentos da existência humana.

1251
Tanto o Direito Criminal como o Civil-constitucional, encontram-se caminhando
no sentido de tutelar o direito à autodeterminação, reconhecendo na Ortotanásia uma
conduta lícita e em consonância com a dignidade da pessoa humana, oferecendo a
mais ampla tutela aos direitos existenciais. Além disso, a Medicina, no mesmo sentido,
vem protegendo a pessoa, sua autodeterminação e a prática da Ortotanásia, que conta
com a resoluções importantes do Conselho Federal, a disciplina contida no Código de
Ética Médica (protegendo direitos, consentimento e respeito ao paciente) e a
específica do tema em tela, a Resolução Nº 1805/2006, considerada um avanço até
mesmo maior que o Direito.
Delineou-se a aceitação da aplicação da Ortotanásia pelo Direito, pela
Medicina, inclusive comentando-se um julgado de vanguarda do tribunal do Rio
Grande do Sul, que garantiu ao doente o direito de não ter o pé amputado, com base
no direito de decidir lucidamente sobre sua saúde, invocando inclusive o art. 15 do
CCB que desobriga a pessoa a se submeter a intervenções contrárias à sua vontade.
Efetividade desses direitos mostra-se a grande questão, que paulatinamente
vem ocorrendo, seja através do atuar ético do médico, de uma sentença justa como a
do juiz monocrático que sentenciou no mesmo sentido que o tribunal do RS e ainda na
conduta da própria família em se posicionar com respeito aos desejos do doente,
atendendo sua vontade, ainda que manifestada de forma verbal. Vale destacar ainda a
importância do testamento vital, que deve ser fomentado a fim de que se aumente a
efetividade da prática lícita e ética da Ortotanásia, conforme já se salientou, sem
prejuízo de necessária disciplina jurídica capaz de fornecer segurança para a prática
ética da Ortotanásia em relação a todos os sujeitos envolvidos, como enfermos,
familiares, médicos e operadores do direito.

REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas.
Rio de Janeiro: Renovar, 9ed, 2009.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e autonomia
privada. São Paulo: Saraiva, 2 ed., 2007.

1252
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70054988266
(N° CNJ: 0223453-79.2013.8.21.7000), Desprovida por unanimidade. Relator: Des.
Irineu Mariani. Porto Alegre, 20 de novembro de 2013.
CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral. Consentimento informado no
exercício da medicina e tutela dos direitos existenciais – uma visão interdisciplinar:
Direito e Medicina. Itaperuna: Editora Hoffmann, 2011.
FARAH, Elias. Ortotanásia – longo tema e conflituoso debate. Disponível em
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&arti
go_id=1902. Acesso em 20. set.14.
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana - uma leitura civil-
constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar, 4 tir. 2009.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil - introdução ao direito civil
constitucional. 3. ed. São Paulo: Renovar, 2007.
PESSINI, Leo; BERTACHINI, Luciane. Novas perspectivas em cuidados paliativos:
ética, geriatria, gerontologia, comunicação e espiritualidade. O mundo da saúde, v.
29, n. 4, p. 491-509, 2005.
RIBEIRO, Diaulas Costa. Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte.
Artigo. 2006, não paginado. Acesso em: 28/08/2014. Disponível em:
<http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/id/6194338.html>.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil. 1. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007.
SANTORO, Luciano de Freitas. Morte Digna: o direito do paciente terminal.
Curitiba: Juruá Editora, 2012.
SCHREIDER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: da erosão dos
filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Editora Atlas, 2007.
VIEIRA, Mônica Silveira. Eutanásia: humanizando a visão jurídica. Curitiba: Juruá
Editora, 2012.

1253
1254
A RELEVÂNCIA DO CONTRATO NO ÚTERO DE SUBSTITUIÇÃO

Raquel Veggi Moreira


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Ieda Tinoco Boechat


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Útero de substituição, popularmente denominada “barriga de aluguel”, é


um tema atual, polêmico e, também, interdisciplinar. Trata-se de uma prática, cuja
aplicação vem se alargando no mundo moderno. Constitui-se numa técnica que
envolve duas partes: os solicitantes – um casal ou uma mulher impossibilitado(a) de
gerar filhos – e a mulher hospedeira que cede o próprio útero pactuando a
concretização do projeto familiar de possuir descendentes. Esta técnica, ainda não
regulamentada, não possui disciplina legal que satisfaça às exigências da atualidade.
Em consequência, se torna indispensável a regulação do procedimento da cessão
temporária do útero através de contrato, tendo em vista que apresenta-se suscetível a
determinados riscos. Desta forma, objetivou-se demonstrar a necessidade de se
abordar a questão contratual, no emprego deste procedimento, no sentido de se
assegurar os direitos e deveres de ambas as partes envolvidas nesta prática. A
metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, de cunho exploratório, considerando
as diversas áreas do conhecimento. Sendo assim, para fundamentar o referido estudo,
tomou-se como embasamento teórico, sobretudo, os ensinamentos de FARIAS E
ROSENVALD (2010, 2012), ALVARENGA (2011), PEREIRA (2014), dentre outros.
Palavras-chave: Útero de substituição. Interdisciplinaridade. Contrato.

INTRODUÇÃO
O tema a ser exposto abordará a sistemática contratual na prática do “útero de
substituição”, assim como a interdisciplinaridade do tema e sua inerente
complexidade.
A técnica do “útero de substituição” constitui-se como uma prática de
reprodução medicamente assistida que não pressupõe o ato sexual, envolvendo duas
partes: os solicitantes – um casal ou uma mulher impossibilitado(a) de gerar filhos por
não ter condições física e biológica de sustentar uma gestação – e a mulher
(meramente) hospedeira que cede o próprio útero pactuando um acordo com a outra

1255
parte com o intuito de solucionar a concretização do projeto familiar do(s)
solicitante(s) e dar continuidade em suas linhagens hereditárias.
A prática em questão não é prevista em qualquer legislação pátria de forma
expressa ou, ainda, tácita. A única regulamentação existente é a Resolução do
Conselho Federal de Medicina, como parâmetro moral e ético, mas que não possuem
força de lei, portanto incapaz de controlar as consequências jurídicas provenientes da
utilização da técnica, inexistindo qualquer tipo de sanção penal prevista para as
possibilidades de descumprimento. Entretanto, é o que tem oferecido suporte aos
magistrados e aos tribunais, assim como os costumes, a analogia e os princípios gerais
de direito, para bem julgarem e dirimirem qualquer conflito de interesses.
Diante disso, faz-se mister a elaboração de contrato no sentido de se
resguardar os direitos e deveres das partes envolvidas, tendo em vista que a referida
prática pode ser acometida de alguns riscos e conflitos de interesses.
Aborda-se-á a caracterização do útero de substituição, assim como a
interdisciplinaridade que o procedimento acomete e, sobretudo, a relevância da
elaboração de contrato, demonstrando que o objeto da relação contratual não é a vida
da criança, mas o procedimento da cessão temporária do útero.
Utilizou-se metodologia qualitativa, de cunho exploratório, mediante pesquisa
bibliográfica em autores contemporâneos, estudiosos do assunto de artigos científicos
jurídicos e do Conselho Federal de Medicina, assim como nos principais bancos de
dados disponíveis.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ÚTERO DE SUBSTITUIÇÃO


Inicialmente, vale esclarecer que o útero de substituição possui várias
denominações, dentre as principais, tem-se a cessão temporária do útero, a
maternidade sub-rogada, a gestação de substituição e, ainda popularmente conhecida,
como barriga de aluguel. Ressalta-se que esta última expressão é menos aceita e
refutada por muitos pesquisadores e doutrinadores, por renascer a ideia de prática
mercantil, associada à noção de exploração do corpo da mulher, pressupondo
contraprestação e remuneração, o que não é aceito no Brasil.

1256
Nesse sentido, Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 374) se
manifesta:

ainda que se considere que a prática da ‘maternidade de


substituição’ deva ser proibida por força de pretender transformar a
mulher em res (latim), o que fere a dignidade da pessoa humana, não
se pode perder de vista a possibilidade de, a despeito de vedada, a
prática efetivamente ocorrer [...].

A Carta Magna153, vigente, prevê no §4º do artigo 199 que:

A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a


remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta,
processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo
vedado todo tipo de comercialização.

A técnica do útero de substituição apresenta-se como uma prática de


reprodução humana medicamente assistida que não pressupõe o ato sexual, podendo
envolver quaisquer técnicas, seja homóloga, heteróloga ou, até mesmo, a post
mortem. Realiza-se através de um pacto celebrado entre o(s) solicitante(s) – mulher ou
casal (hetero/homossexual) - e a mulher meramente hospedeira, que por sua vez gera
uma alternativa àquele(s) impossibilitados de ter filhos e concretizar o desejo da
paternidade/maternidade, cedendo seu próprio útero. Com isso, o casal realiza o
projeto familiar, advindo do anseio e idealização de se ter um filho.
Neste contexto, o bebê pode ser obra da fertilização do óvulo em laboratório
da mulher solicitante, assim como de terceira pessoa com ulterior implantação no
útero da mulher hospedeira e, também, ser filho biológico da própria gestante. Neste
caso, discute-se a situação advinda do bebê sendo fruto da inseminação de material
genético proveniente da mulher solicitante, sua mãe biológica.
No entanto, a denominação “maternidade de substituição” não será
empregada neste artigo, optando-se por fazer uso da expressão “útero de
substituição”, por ser mais compatível com o que se pretende, pois a maternidade será
conferida à mulher desejante e não àquela que se submete a gestar.

153
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
1257
Dados da Organização Mundial de Saúde apontam que de 10 a 15% dos casais
convivem com o problema da infertilidade. Essa realidade só materializa a necessidade
de se amparar nas técnicas de reprodução medicamente assistidas a fim de realizarem
o desejo de se ter um filho.
Com base no princípio da legalidade, não se pode proibir o direito de se ter um
filho pelo método que seja, tendo em vista que neste Estado, tudo o que não é
proibido é permitido, uma vez que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inciso II, CF/88). Por conseguinte,
afirma-se que no ordenamento jurídico não há qualquer obstáculo ou limitação para a
reprodução assistida, sendo indispensável apenas a aceitação da mulher, e se casada,
de seu marido ou companheiro.
Como forma apropriada, compete comentar que não há cabimento do
emprego desta técnica excepcional, ilustrativamente, por mera vaidade da solicitante
ou no sentido de uma provável gestação colocar em questão suas condições estéticas,
causar desconforto ou até mesmo, por embaraços profissionais, devendo ser apartada
qualquer manifestação de vaidade. Sua indicação deve ser ajustada, unicamente, por
motivos médicos.
Silvia da Cunha Fernandes (2003, p. 100) esclarece que:

as indicações médicas para a utilização dessa técnica são as


seguintes: infertilidade vinculada à ausência de útero, patologia
uterina de qualquer tratamento cirúrgico, contraindicações médicas
a uma eventual gravidez decorrente de insuficiência renal severa ou
diabetes grave insulino-dependentes.

Em um primeiro instante, a gestação por outrem tem um aspecto de novidade.


O mais curioso é que a ideia do útero de substituição não é recente. A própria Bíblia
Sagrada, no Antigo Testamento, menciona a esterilidade das mulheres, começando
por Sarai: “E Sarai, mulher de Abrão não lhe deu filhos [...]” (GÊNESIS, 15:1). Diante
disso, Sarai, irrequieta pela realização da jura de que Deus lhes mandaria um filho,
adiantou-se oferecendo sua serva egípcia Agar a Abrão, dizendo-lhe: “[...] eis que o
Senhor me tem impedido de gerar; entra, pois, à minha serva; porventura terei filhos
dela” (GÊNESIS, 16:2, 1995, p. 16). Raquel valeu-se da mesma conduta, que de forma

1258
assemelhada não podia ter filhos, realizando o seu desejo de tê-los por intermédio de
sua serva Bila.
Não se vendo na condição de gerar filhos, Raquel passa a ter a sensação de
inutilidade. Assim, relata a Bíblia no Livro de Gênesis:

Vendo, pois, Raquel que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua
irmã e disse a Jacó: Dá-me filho, senão morro. Então, se acendeu a ira
de Jacó contra Raquel e disse: Estou eu no lugar de Deus que impediu
o fruto de teu ventre? E ela disse: Eis aqui minha serva Bila; entra a
ela, para que tenha filhos sobre os meus joelhos, e eu assim receba
filhos por ela. Assim, lhe deu a Bila, sua serva por mulher, e Jacó
entrou a ela. E concebeu Bila e deu a Jacó um filho. Então disse
Raquel: Julgou-me Deus, e também ouviu a minha voz, e me deu um
filho; por isso, chamou o seu nome Dã (GÊNESIS, 30: 1-6. 1995, p.
42).

A situação de diferentes casais se assemelha à aflição de Sarai e Raquel, na


tentativa de realizar o sonho de se ter filhos e dar concretização ao tão almejado
projeto parental. Hodiernamente, o avanço das tecnologias, na área das ciências
biológicas, mais precisamente no campo da área genética e as consequentes técnicas
de reprodução humanamente assistidas nos permitem que a realização deste projeto
se torne cada vez mais plausível, sem a existência de relação sexual entre o homem
integrante do casal solicitante e a mulher receptora do material genético.
As três possibilidades mais usuais do útero de substituição apresentam-se
elucidadas por Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008, p. 374). A saber:

(a) A ‘maternidade de substituição’, que envolve o embrião


resultante de óvulo e de espermatozoide do casal, com sua
implantação no corpo de outra mulher que não aquela que deseja a
maternidade e forneceu seu óvulo;
(b) A ‘maternidade de substituição’ que se relaciona ao óvulo e à
gravidez da mulher que não quer ser mãe da criança, mas empresta
seu corpo gratuitamente para gestar o embrião, e se compromete a
entregar a criança ao casal solicitante, sendo que o sêmen utilizado
na procriação foi o do marido que resolveu, juntamente com sua
esposa, efetivar o projeto parental;
(c) A ‘maternidade de substituição’ que consiste no embrião formado
a partir da união de óvulo da própria mulher que engravida e de
espermatozoide de doador, com o compromisso da mulher de
entregar a criança ao casal que não contribuiu, por sua vez, com
material fecundante.

1259
Como se vê, os progressos da ciência são tamanhos, ao alcançar coisas e obtido
êxitos que nem mesmo Deus acreditaria. Neste sentido, o respeitável autor Rodrigo da
Cunha Pereira (2012, p. s/n) expõe:

O método DNA desviou o eixo da investigação de paternidade, que


era na verdade uma inquisição sobre a moral sexual da mãe, para
uma questão científica. A biotecnologia abriu a possibilidade de
inseminações artificiais homólogas e heterólogas. Todas essas
tecnologias, associadas ao discurso psicanalítico, filosófico e jurídico,
nos remetem hoje à compreensão de que filiação, paternidade e
maternidade são funções exercidas.
Rosalee Santos Crespo Istoe (2007, p. 19), doutora em Bioética, também
elucida que ser mãe, além de ser um desejo da maioria das mulheres, possui um
aspecto representativo de sua realização como ser feminino, perante a sociedade.
Assim, o progresso da medicina genética possibilita à mulher novas possibilidades de
efetivação da maternidade, quando inviabilizadas naturalmente. De tal modo, a autora
comenta que:

As novas técnicas desenvolvidas para possibilitar a maternidade às


mulheres que são impossibilitadas pela própria natureza de
engravidarem, são concebidas como um milagre que restitui a
possibilidade de elas serem mães e assim atingirem o ápice da
existência feminina, o que demonstra que a maternidade ainda é um
papel social presente e dominante na sociedade.

A liberalidade de os homens e as mulheres exercerem a


paternidade/maternidade, através da gravidez do útero de substituição, é uma das
situações sobre a qual ainda enseja preconceito e, atrelada ao convencionalismo,
dificulta o progresso jurídico. “No século XIX, a medicina já havia desvendado os
mistérios da concepção e ultrapassou concepções morais e teorias místicas e míticas
sobre infertilidade. Foi assim que surgiu a Resolução 1957/10 do Conselho Federal de
Medicina estabelecendo regras para a gestação de substituição e doação temporária
de útero.”, afirma Pereira (2012, p. s/n). A referida Resolução, posterior a inaugural de
nº 1358/1992, assim como a atual (nº 2013/2013) que adveio com o objetivo de
atualizar/modificar as normas, estabelecem regras para as técnicas de reprodução
assistidas, não havendo sequer qualquer tipo de sanção penal prevista para as
hipóteses de descumprimento. De certa forma, permanecem inviabilizando milhares

1260
de mulheres de serem mães por este acesso, cerceando seus direitos de escolha, ao
estabelecer diversas normas restritivas, podendo-se citar as seguintes: só podem
“emprestar” o útero quem for parente consanguíneo até o quarto grau, a idade
máxima das candidatas à gestação passa a ser de 50 anos, a idade limite para a doação
de gametas (óvulos/espermatozoides) é de 35 anos para a mulher e de 50 para o
homem e, além disso, veda-se a onerosidade do ato.
Diante do exposto, constata-se que a legislação brasileira ainda não conseguiu
acompanhar a rápida evolução da ciência médica para utilização das novas tecnologias
reprodutivas, destoando-se os seus ritmos e culminando-se, assim, numa verdadeira
lacuna da lei. Verifica-se que já é um fato consumado a normatização dessa matéria,
em diversos países, como os Estados Unidos, Austrália, Bélgica, Dinamarca, Grã-
Bretanha, Grécia, Holanda, Índia, Israel, Rússia e Ucrânia. No Brasil, entretanto, ainda
se encontra sem regulamentação jurídica específica, sendo o tema tratado pelo
Conselho Federal de Medicina, conforme mencionado.
Diante do exposto, pode ser observado que além desta temática ser polêmica e
complexa, possui natureza interdisciplinar, por abarcar várias áreas do conhecimento.
Desta forma, vale tecer uma breve análise sobre sua essência interdisciplinar.

UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR DO ÚTERO DE SUBSTITUIÇÃO


O caráter interdisciplinar que envolve esta matéria enseja uma densa reflexão,
abrangendo diferentes áreas do conhecimento como medicina, bioética, filosofia,
sociologia, antropologia, psicologia e, principalmente, o direito. A temática estimula a
que se encontre um ponto de harmonia entre as ciências médicas e as ciências
humanas. Este liame é a própria interdisciplinaridade dessas áreas. Neste sentido,
reforça Scalquette (2009, p. s/n) que a “interdisciplinaridade nos instiga à costura” de
todos os caminhos atravessados.
O seu conceito surge no século XX, apresentando-se no Brasil, “a partir dos
anos de 1960, como uma importante precursora [...] na busca de respostas aos limites
do conhecimento simplificador, dicotômico e disciplinar da ciência moderna ou
clássica”, relata Alvarenga et al. (2011, p. 20). Ainda, segundo a autora, a
interdisciplinaridade representa “um modo inovador na produção de conhecimento

1261
científico, mas é considerada, ao mesmo tempo, alternativa e complemento do modo
disciplinar do pensamento”.
A ideia de um conhecimento unitário sempre existiu na história do
pensamento, onde as disciplinas comunicavam-se entre si, constituindo uma
verdadeira unidade. Mas, com o surgimento da Modernidade, em torno do século XVII,
acarretou-se um processo de desintegração crescente da unidade do saber. Deste
modo, a interdisciplinaridade surge para a necessidade de se “ultrapassar” a
fragmentação e a característica de especialização do conhecimento.
A fim de que se incida a interdisciplinaridade, não se aborda a eliminação das
disciplinas, cultiva-se o fato de que se tornem comunicativas entre si, atuando-se nas
fronteiras disciplinares e na conexão dos saberes, por meio de interconexões e
passagens entre os conhecimentos.
Uma colaboração de inestimável valor para a temática foi de Hilton Ferreira
Japiassu (1976). Segundo o ilustre pensador:

Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um


empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele
conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que
tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e
técnicas metodológicos, fazendo uso dos esquemas conceituais e das
análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de
fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados
e julgados. Donde podermos dizer que o papel específico da
atividade interdisciplinar consiste, primordialmente, em lançar uma
ponte para ligar as fronteiras que haviam sido estabelecidas
anteriormente entre as disciplinas com o objetivo preciso de
assegurar a cada uma seu caráter propriamente positivo, segundo
modos particulares e com resultados específicos (p. 75).

No Brasil, a grande contribuição foi de Ivani Catarina Arantes Fazenda. A autora


estuda a interdisciplinaridade desde a década de 1970 e, através desse estudo,
compreendeu-se a não possibilidade da constituição de um conceito unívoco sobre a
área.
O ilustre pensador Kuhn (1987) tece seu entendimento de que a inferência
basilar na construção de uma disciplina científica é a de que encontra-se um vácuo em
meio as suas fronteiras disciplinares. Complementando a análise do tema, Piaget (1972
apud ALVARENGA, et al, 2011, p. 35) entende que a:
1262
interdisciplinaridade cessa, assim, de ser um luxo ou um produto de
ocasião para se tornar a condição mesma do progresso das
pesquisas. O sucesso relativamente recente dos ensaios
interdisciplinares não nos parece então devido nem ao acaso das
modas ou às pressões sociais impondo problemas mais e mais
complexos, mas a uma evolução interna das ciências sob a dupla
influência das necessidades de explicação, daí o esforço para
completar os ‘modelos’ causais da simples legalidade, e do caráter
mais e mais estrutural (...) que tomam tais modelos.

Em verdade, é na esfera das ciências humanas e sociais que a


interdisciplinaridade aparece com expressiva notoriedade. Logo, há a premência de
todas as áreas do conhecimento, abrangidas pela prática do “útero de substituição”,
de se ampararem mutuamente. Assim, se terá uma provável solução mais justa a um
deliberado caso concreto, ratificando em consequência o papel indispensável que a
interdisciplinaridade exerce, revestindo-se de sua intrínseca complexidade.
Nesse cenário, os princípios da medicina, da bioética, da filosofia e da
sociologia ainda são insuficientes quanto à regulação de um problema que possa vir a
calhar em um útero de substituição e se faz imperativa a edição de uma lei sobre esse
assunto. Neste ínterim, o ajuste da temática por meio contratual com base na
Resolução do CFM torna-se imprescindível, tendo em vista a importância e a seriedade
que o procedimento emprega.

A RELEVÂNCIA DO CONTRATO NA PRÁTICA DO ÚTERO DE SUBSTITUIÇÃO


Conforme supra exposto, a lei encontra-se inerte no tempo, visto que ainda
não tratou do assunto, o que, por vezes, traz instabilidade e insegurança jurídica, ao
deixar à mercê da Resolução do CFM a responsabilidade de tentar preencher as
lacunas por ela deixadas.
Deste modo, a elaboração de uma lei se faz necessária e deverá se ater,
precipuamente, ao princípio da dignidade da pessoa humana, valor supremo da nossa
Constituição Cidadã154. Portanto, a omissão legislativa não poderá cercear o indivíduo,
impossibilitando-o de procriar, no exercício do seu direito de planejamento familiar.
Destarte, faz-se mister a regulamentação do procedimento de reprodução humana

154
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
1263
medicamente assistida quando este for empregado, por meio de contrato, onde todos
expressem o seu consentimento com o procedimento, estabelecendo delimitações
inequívocas, claras e seguras a fim de se resguardar e proteger todos os direitos e
deveres das partes envolvidas. Outra medida que também pode obstar futuras
contendas é o parentesco entre a mulher solicitante, diga-se mãe biológica e a mulher
gestacional, conforme disposto na Resolução nº 2.013/2013 do CFM.
Uma das maiores referências do direito civil no Brasil, Silvio de Salvo Venosa
(2006, p. 273-274) tece a imediata articulação sobre o tema, quando alega que:

O embrião de um casal pode ser transferido para o útero de outra


mulher, para possibilitar a gestação, impossível ou difícil na mãe
biológica. Esse fenômeno traz à baila a questão ética, moral e jurídica
das mães de aluguel ou mãe sub-rogada, conforme estas aceitem o
encargo sob pagamento ou sob motivos altruístas. Essa matéria traz à
baila a discussão sobre a declaração de maternidade ao lado da
paternidade que a legislação também não contempla, colocando
mais uma vez na berlinda o princípio mater est. Importa saber, em
cada caso, se houve o consentimento da mulher que cedeu o útero e
se reconheceu a maternidade alheia.

Cabe salientar que a gestação de substituição apresenta-se envolvida por


determinados riscos, como a possibilidade de a gestante manifestar dificuldades no
momento do parto, assim como durante a gravidez, não desempenhando os cuidados
referentes a sua saúde apta a resguardar uma saudável gestação, o risco de a titular do
útero de substituição não executar o que foi acordado por meio de seu
consentimento, não entregando a criança e a probabilidade de a mesma nascer com
problemas e ser motivo de rejeição por ambas as partes envolvidas, ocasionando
sérios conflitos. A necessidade de que esse ato seja cercado de cautelas mostra-se
incontestável, a fim de não haja insatisfação da legítima perspectiva das partes.
Assim, ao término da gravidez, pode-se estabelecer um conflito – positivo ou
negativo – de interesses entre o casal/mulher solicitante e a gestacional. O conflito de
maternidade, ora positivo, caracterizado por uma situação em que ambas desejam
permanecer com a criança, ora negativo, quando por uma razão adversa
superveniente, ambas não desejam a criança. Outra grande dificuldade encontrada
pela família solicitante pode ser quanto ao registro do bebê.

1264
Havendo conflito, a regulamentação pelo Conselho Federal de Medicina é
insuficiente para deliberar tais questões que surgem entre o casal que planejou a
gestação e a mulher que cedeu o útero.
A insegurança jurídica acerca da filiação da criança nascida por meio do útero
de substituição é uma angústia que o casal solicitante vem enfrentando quando se
utiliza da referida técnica. É necessário destacar a premente necessidade de facilitação
do registro civil (no respectivo RCPN155) da criança gerada, situação que atualmente
encontra entraves, carecendo de intervenção judicial para a solução.
No que se refere a essa questão, não há um consenso legal, até o presente
momento. Pelo direito corrente, a gestação e o parto são decisivos da maternidade,
assim, a criança sairá da maternidade com a Declaração de Nascido Vivo em nome da
mulher meramente hospedeira. Como medida profilática, indica-se que o casal
biológico formalize um contrato com o devido termo de consentimento da mulher
gestacional. Uma atitude derradeira é se postular uma ação judicial baseada no exame
de DNA, comprovando que a criança é filha genética dos pais biológicos.
Conforme relatado, a regulação do procedimento da gestação por outrem
através de contrato torna-se imprescindível, haja vista uma lacuna legislativa
considerável do tema, inviabilizando-se sua possível normatização. Portanto, o
respeito e o cumprimento de alguns princípios resguardados pela Constituição
Federal/88, como os do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana,
do direito à vida, da liberdade, da igualdade, da intimidade, de procriação e do
planejamento familiar, trazem à tona a segurança que as partes contratantes
necessitam.
Ratificando essa orientação, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
(2010, p. 551-552), reforçam que “[...] é importante a fixação de requisitos necessários
para a validade do ato [...]”, já que inexiste a alternativa de negação da existência de
tal procedimento.
Tomando-se como embasamento a Resolução do CFM, o contrato não é
proibido, dispondo-se como um pacto estabelecido entre o casal/mulher solicitante e a

155
Registro Civil das Pessoas Naturais.
1265
gestante. É, comumente, formalizado por meio de contrato registrado em Cartório de
Títulos e Notas, atestando de alguma maneira a realização do compromisso firmado.
Conforme afirma Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 01), “a expansão do
fenômeno contratual não é somente de ordem quantitativa. Nessas últimas décadas,
os contratos diversificam-se e especializam-se em multifacetárias modalidades”.
Ainda, segundo o autor, as “estruturas contratuais [...] estão em constante mutação.
Os contratos mais utilizados vão paulatinamente tornando-se refinados. Alguns
resultam de uma organização social (...)” (Ibid., p. 03). Como se vê, a evolução dos
contratos está relacionada às demandas sociais, estabelecendo-se novos tipos, ou até
mesmo aprimorando os já existentes.
Silvio Rodrigues (2002, p. 09) assevera que o contrato se sujeita à participação
de, no mínimo, duas partes culminando-se por ser uma espécie de negócio jurídico,
que ocorre de maneira bilateral, visto que advém do resultado do interesse de ambas
as partes, apresentando deste modo um mútuo consenso.
Entretanto, em regra, o contrato bilateral é oneroso. Além desta modalidade de
contrato ser uma forma mais segura no que tange o adimplemento vinculado à
entrega do bebê, pois visa à garantia da entrega do mesmo, permitindo que a gestante
tenha uma gratificação financeira pela dedicação, zelo, responsabilidade, cuidados,
comprometimento referente ao feto e energia dedicados no transcorrer de toda a
gravidez. Ademais, reforça a necessidade de cumprimento do que foi estipulado, na
íntegra. Cabe assinalar o entendimento de Sergio Gischkow Pereira (1998, p.72) de que
não se admite o debate na reprodução humana medicamente assistida, se a cessão do
útero for tratada como contrato de locação de coisa ou contrato de locação de
serviços, tento em vista os princípios constitucionais supra mencionados. Diante do
exposto, é necessário frisar que o objeto do contrato não será a vida da criança, mas o
procedimento em si.
É fundamental evidenciar que, no caso de contrato oneroso, a garantia de
salvaguarda em relação ao contratante é mais segura, se comparado ao contrato
gratuito. Os doutrinadores jurídicos Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
(2012, p. 257 e 259) assinalam como contratos onerosos os “que geram vantagens e
sacrifícios para ambas as partes e gratuitos quando uma das partes concede a outra

1266
vantagens sem contraprestação, só ela se submetendo a um sacrifício patrimonial,
enquanto a outra obtém um benefício (...)”. E, ainda, reforçam expressando que:

Inobstante a validade dos contratos gratuitos, é necessário pontuar


que os contratos onerosos são mais seguros para aqueles que os
realizam a fim de que prejuízos sejam evitados (...) afinal, o legislador
quer acautelar quem poderá sofrer um prejuízo injusto e não aquele
que eventualmente será privado de um ganho [...].

De sorte que o contrato de gestação, gratuito ou oneroso, deverá se adequar


ao melhor interesse do menor, princípio norteador de todas as querelas envolvendo
menores.
Conforme supra citado, no caso em tela, se cria uma necessidade da obrigação
de um consentimento informado. Por sua vez, apresenta-se como um documento
autônomo em formulário especial, aplicável aos pacientes inférteis e doadores,
designando-se por completo com a anuência, por escrito, da paciente ou do(a)
mulher/casal infértil. “Trata-se do formato escrito e concreto do assentimento do
paciente à adoção de determinada técnica ou procedimento, mediante esclarecimento
do profissional da medicina”, reforça (CABRAL, 2011, p. 78). Ainda que seja permitida a
forma verbal dos contratos, a forma escrita, através de uma linguagem bem clara e
inequívoca, se apresenta mais segura na direção de se documentar e provar todos os
termos estabelecidos.
Diante do exposto, nota-se a extrema importância da adequada colocação
frente aos contratos do útero de substituição, no sentido de se preservar todos os
direitos e deveres assumidos por ambas as partes, assim como a boa-fé, prevista no
artigo 422 do Código Civil.
Vale frisar, que todo e qualquer contrato se baseia na autonomia privada, que
tem como instrumento propulsor a vontade humana de satisfazer seus próprios
anseios. Segundo Tartuce (2007, p. 75), “Trata-se do direito indeclinável da parte de
auto-regulamentar os seus interesses, decorrente da dignidade humana.”
É exatamente essa vontade autônoma que deve nortear a confecção do
contrato de gestação em útero alheio. Sua feitura deve se ater aos ditames dos
princípios do Direito, tendo sempre em vista a licitude das clausulas e a boa-fé dos
contratantes. Assim sendo, mesmo sem um adequado tratamento legal, a liberdade
1267
contratual deve ser utilizada para que se alcance o objetivo do contrato que é
regulamentar, ainda que individualmente, o contrato de gestação alheia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que a evolução tecnológica, científica e médica é incontestável, já que
nos permitiu benefícios incomensuráveis, oportunizando que muitas pessoas realizem
seus mais diversos sonhos, como se ter filhos, conforme o caso em tela. Sabe-se,
também, que inexiste um caminho de volta para tais avanços que seguem em
velocidade acelerada. Por outro lado, o Direito não pode se acanhar, designando o
caminho mais simples da censura, em vez de afrontar e solucionar os casos concretos
que poderão surgir. Como se vê, o ritmo da “produção” legislativa se destoa de tais
avanços e, assim, aos operadores do direito encarrega-se que encontrem as soluções
mais coerentes para as demandas que irão se manifestando.
No contexto do útero de substituição, tema deveras polêmico, amplo,
complexo e, cada vez mais, presente na realidade da sociedade contemporânea, que,
por ventura, poderá ensejar um sem número de situações fáticas diversas e
conflituosas, faz-se necessário a confecção de um contrato na tentativa de se
resguardar e formalizar tudo o que for acordado entre as partes envolvidas, impedindo
que contrariedades venham à tona.
Além disso, o contrato também apresenta como ideologia a necessidade da
igualdade entre as partes pactuantes, conferindo segurança às relações humanas. O
contrato é fruto da autonomia privada e por esta razão deve ser influenciado pelos
valores sociais relevantes. Sociologia, filosofia, medicina, bioética, direito são ciências
que unidas, molecularizam o dirigismo contratual, fazendo uma simbiose de ideias e
conceitos, trazendo um verdadeiro sincretismo de realidade.
Deve-se ter como norte a satisfação plena das partes, que devem ter absoluta
consciência de todos os aspectos do contrato, tendo todas suas questões sanadas.
Em se tratando de um contrato tão singular quanto o relacionado à gestação
em útero alheio, toda prudência é imprescindível. O manejo correto do contrato e sua
perfeita confecção evitam, no futuro, pendências jurídicas que causariam desgaste e
lamentações.

1268
Deve-se ainda frisar que, neste contrato, há inserido um dos grandes valores
humanos que é a dignidade de se viver e ter uma fonte biológica conhecida. O ser
nascente dessa gestação em útero alheio, apesar de ainda não ter experimentado o
sopro da vida, deve necessariamente ter todos os seus direitos preservados e
assegurados no contrato. O foco principal deste tipo de contrato não é o patrimônio,
nem a obtenção de lucro, mas sim a prática em questão.
É importante esclarecer que as partes, apesar de livres para escolher e realizar
este tipo de contrato, uma vez que a vontade é o elemento que impulsiona as relações
humanas, não são soberanas para utilizarem este negocio jurídico como escudo
protetivo para práticas ilícitas. Todo ser humano tem o poder de regular seus próprios
interesses. No entanto, há de se imprimir freios para que essa vontade não ultrapasse
nenhum limite do tolerável.
Neste contexto, a licitude deve ser o mecanismo principal de confecção do
contrato que delimita o uso da gestação em útero alheio. Ela deve delimitar todas as
questões atinentes ao tema, não permitindo que seja realizado nenhum tipo de prática
tortuosa, em consequência todos os direitos das partes envolvidas serão preservados
levando ao objetivo principal do contrato.

REFERÊNCIAS
ALVARENGA, Augusta Thereza de. et al. Histórico, fundamentos filosóficos e
teórico-metodológicos da interdisciplinaridade, in A. Philippi & A. Silva Neto (ed.)
Interdisciplinaridade em Ciência, Tecnologia & Inovação, Editora Manole, com apoio da
Capes, 2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.
CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat. Consentimento Informado no Exercício
da Medicina e Tutela dos Direitos Existenciais uma visão interdisciplinar. 1 ed.
Itaperuna – RJ. Editora Hoffmann, 2011
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.
__________________. Curso de direito civil – contratos – teoria geral e contratos
em espécie. Salvador: Juspodivm, 2012.

1269
FERNANDES, Silvia da Cunha. As técnicas de reprodução humana assistida e a
necessidade de sua regulamentação jurídica. São Paulo: Renovar, 2003.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil – família. São Paulo: Atlas,
2008.
GÊNESIS. Bíblia Sagrada. Traduzida por ALMEIDA, João Ferreira. Sociedade Bíblica
do Brasil, São Paulo, 1995.
ISTOE, Rosalee Santos Crespo. Bioética e Reprodução Humana Assistida: quando
ter um filho não importa o custo. 2007. 151 f. Tese (Doutorado em Bioética - Área
Saúde da Criança e da Mulher) - Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo
Cruz, Rio de Janeiro, 2007.
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago,
1976.
KUHN, Thomas Samuel. La tensión essencial: estúdios selectos sobre la tradición
cambio en el ámbito de la ciência. México, DF: Fondo de Cultura Econômica, 1987.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Barriga de aluguel: o corpo como capital. Disponível
em: http://www.recivil.com.br/noticias/noticias/view/artigo-barriga-de-aluguel-o-
corpo-como-capital-por-rodrigo-da-cunha-pereira.html. Acesso em: 25 de setembro de
2014.
PEREIRA, Sergio Gischkow. Princípios jurídicos da família de nossos dias. Diário
Oficial de Justiça do RS. 1.358. Editora: Porto Alegre, 1998.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Estatuto da Reprodução Assistida. São Paulo: USP,
2009. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-
08032010-095921/pt-br.php . Acesso em: 25 de setembro de 2014.
TARTUCE, Flávio. Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. 2 ed. Vol. 3.
São Paulo: Editora método, 2007.
VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos em espécie. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
__________________. Direito Civil: Direito de Família. 5. ed. 6º Vol. São Paulo:
Atlas, 2006.

1270
REFLEXÕES SOBRE O ATO DE DISPOR DA PRÓPRIA VIDA: O “CASO RAMÓN
SAMPEDRO” À LUZ DA MORAL KANTIANA

Ieda Tinoco Boechat


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Carlos Eduardo Moreno Pires


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat CABRAL


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Diversas situações do cotidiano levam algumas pessoas, em certo momento


de suas vidas, a desejarem pôr fim à própria existência (à própria vida). Isso (isto)
ocorre geralmente porque descobrem estar acometidas por uma enfermidade
incurável ou em razão de outro fato que as fazem considerar a vida como não mais
digna de ser preservada. O presente artigo visou questionar a moralidade do ato de
dispor da própria vida, análise que se inicia a partir do “caso Ramón Sampedro”,
passando por reflexões realizadas por filósofos que asseguram não haver motivo capaz
de justificar o suicídio como conduta ética da pessoa humana, segundo Kant.
Palavras-chave: Autonomia. Enfermidade incurável. Suicídio.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em muitos momentos da vida humana, presenciam-se situações nas quais
pessoas se encontram em condições adversas, tidas como incompatíveis com a
concepção de vida boa e digna. Se, felizmente, não se presenciam esses fatos com
familiares, de alguma maneira, acaba-se presenciando tais situações com terceiros,
seja com uma pessoa do próprio convívio ou mesmo alguém conhecido do público.
Um caso que repercutiu mundialmente se deu com o ator americano
Christopher Reeve. Famoso pelo papel de Super-homem nos cinemas, Reeve ficou
tetraplégico ao fraturar duas vértebras da coluna cervical ao cair de um cavalo em uma
competição equestre em maio de 1995. Graças ao atendimento imediato e às
tecnologias que a medicina na época, Reeve permaneceu nessas condições até o ano
de 2004, quando faleceu ao sofrer um ataque cardíaco em decorrência de seu estado
de saúde. Naquela época, a opinião pública ficara dividida entre os que sustentavam,
por um lado, que a condição de tetraplégico, para uma pessoa que gozava uma vida de
sucesso, com status de “super-herói”, não era digna de ser vivida, e, portanto, não
1271
havia razão alguma para que ele continuasse naquelas condições; e, por outro, aqueles
que acreditavam que a tetraplegia não era motivo para a perda da dignidade humana
e que, além disso, Reeve tinha, no pior dos casos, acesso aos melhores tratamentos
médicos de sua época.
Ora, diante de situações como esta, depara-se com algumas questões
fundamentais acerca da vida que normalmente não são questionadas no cotidiano. De
fato, questões como a dignidade da vida humana, o ato de tirar a própria vida, entre
outras, só se tornam motivo de reflexões quando, de alguma maneira, toma-se
conhecimento de casos que excedem o limite de uma vida comumente aceita como
digna. O presente artigo apresentará o caso “Ramón Sampedro”, com o objetivo de
iniciar uma reflexão com base na seguinte questão da ética kantiana: o ato de dispor
da própria vida poderia ser moralmente aceito?

O “CASO RAMÓN SAMPEDRO”


A história de Ramón Sampedro tornou-se pública através do filme “Mar
Adentro” protagonizado pelo ator espanhol Javier Bardem, dirigido por Alejandro
Abenábar, em 2004. O filme, baseado em fatos reais, retrata a história do marinheiro
espanhol Ramón Sampedro que, ao saltar de uma pedra para um mergulho no mar,
sofrera uma lesão na coluna cervical que o deixara tetraplégico. Com o corpo
praticamente paralisado, suas ações reduziram-se a alguns movimentos com a boca,
limitando-o à cama e à assistência de seus familiares. Não obstante suas limitações
físicas, Ramón não sofrera danos mentais, permanecendo, portanto, consciente de sua
condição física. Ramón não se conformara com sua situação, afirmando que sua vida
não era digna de ser vivida e que morrer seria a coisa mais sensata a ser feita.
Impossibilitado, no entanto, de pôr fim à sua própria vida devido às condições de
imobilidade em que se encontrava, iniciou uma batalha judicial nos tribunais espanhóis
requerendo o direito de tirar a própria vida através da prática da eutanásia 156.
De modo geral, a prática da eutanásia tem como objetivo levar uma pessoa em
fase terminal, ou em condições de saúde consideradas severas (sem perspectivas de

156
Segundo Esteves (2013, p. 4) e Agrest (2007, p. 252), a etimologia da palavra eutanásia deriva de dois
termos gregos: eu (bom) e thanatos (morte). Assim, em sua gênese etimológica, eutanásia quer dizer
“boa morte”.
1272
reversão do quadro), a uma morte rápida e indolor. Segundo Agrest (2007, p.33), o ato
de não impedir a morte de um paciente nestas condições poderia ser considerado,
analogamente, como uma prática da eutanásia. Em ambos os casos, acredita-se que a
intenção do agente seria o bem-estar da pessoa (paciente).
O caso de Ramón se enquadra em uma categoria específica da eutanásia, a
saber, a eutanásia voluntária157. Pois esta seria feita, como bem observou Esteves
(2013, p. 04), “com o consentimento ou mesmo solicitação expressos em algum
momento oportuno pelo próprio paciente”. De fato, em um diálogo com a advogada
que analisara sua solicitação, Ramón se posiciona da seguinte maneira:

eu quero morrer porque a vida para mim neste estado, a vida assim
não é digna, então eu, bom, eu entendo que alguns tetraplégicos
possam se sentir ofendidos quando eu digo que viver assim não é
digno, mas eu não estou julgando ninguém, quem sou eu para julgar
quem quer viver, e por isso eu quero que ninguém me julgue e nem à
pessoa que me presta a ajuda necessária para morrer [...]
(AMENÁBAR, Alejandro, filme Mar Adentro, 2004).

Conforme se constata na fala acima, o pedido de Ramón atende aos requisitos


básicos para o que se denominou “eutanásia voluntária”. Com efeito, ele mostrou
estar em plena posse de suas faculdades mentais, pois, além de emitir juízos de valor
sobre sua vida, estava consciente de que tais juízos não constituíam validade universal,
podendo ser facilmente refutado por outros tetraplégicos. Além disso, a consciência de
Ramón diante da solicitação do direito de morrer revelaria, ainda, um potencial caso
de suicídio.
Com efeito, em um sentido amplo, o suicídio é caracterizado pelo caráter
voluntário ou consciente de uma pessoa no ato de dispor da própria vida. Devido,

157
Em um sentido mais técnico, a prática da eutanásia pode ser interpretada por dois pontos de vista
distintos. O primeiro diz respeito ao paciente e, o segundo, ao médico. Aquele se divide em três
categorias: eutanásia voluntária, não-voluntária e involuntária. A primeira categoria se caracteriza pela
consciência ou voluntariedade do paciente no ato; a segunda é realizada geralmente por terceiros, ou
seja, familiares ou médicos, pois neste caso, o paciente não está em plena posse de sua consciência; e, a
última, é praticada contra a vontade do paciente. Esta última categoria é interpretada como uma forma
de homicídio, sendo condenada jurídica e moralmente. Já o segundo ponto de vista, se divide em:
eutanásia ativa e passiva. Denomina-se ativa, pois é realizada através da intervenção de medicamentos;
e, passiva, quando não há a intervenção de medicamentos, ou seja, pela abstenção do tratamento. Para
mais informações ver: AGREST, Diana Cohen. Por mano propia: estudo sobre lãs prácticas suicidas. 1ª
ed. Bueno Aires: Fondo de Cultura Econòmica, 2007.

1273
portanto, às características de voluntariedade e de consciência da pessoa em ambas as
práticas, a eutanásia voluntária não passaria “de uma forma de suicídio e, por
conseguinte, deveria ser tratada como um caso particular de suicídio (ESTEVES, 2013,
p. 5)”.
Ora, se a solicitação de Ramón quanto à prática da eutanásia voluntária
equivale a um caso de suicídio particular, devido à imperativa necessidade da ajuda de
terceiros para a consumação do ato, ela poderia ser caracterizada, ainda, como um
caso particular de suicídio assistido.
Com efeito, essa forma de pôr fim à própria vida se classifica como “assistida”,
porque aquele que deseja morrer (nesse caso, Ramón Sampedro) está literalmente
impossibilitado de consumá-la por si próprio, com suas próprias mãos, necessitando,
assim, da intervenção de terceiros para obter o objetivo pretendido – a morte. De fato,
segundo Agrest (2007), o propósito do suicídio assistido seria ajudar àquele que não
pode dispor por si mesmo de uma vida que se revela para si pior do que a própria
morte, a cometer o suicídio de forma intencional e sem dor.

ASPECTOS JURÍDICOS
1. O suicídio na perspectiva de Ramón Sampedro
Ramón não encontrou ajuda imediata para cometer suicídio. A primeira
resposta negativa foi a de sua própria família, que se posicionou categoricamente
contrária ao seu desejo de morrer. Neste sentido, restou a Ramón, conforme se
anunciou acima, iniciar uma batalha judicial nos tribunais espanhóis. A justificativa da
justiça espanhola para negar pedidos a pessoas que, como Ramón, necessitam da
ajuda de terceiros para cometer o suicídio é análoga na maioria dos países.
Ora, a prática do suicídio não é um direito reconhecido juridicamente, mesmo
que a pessoa não possa ser penalizada por esse ato, porém, à pessoa que ajuda ou
incentiva o suicídio, são imputadas penas judiciais por se tratar de uma hipótese de
homicídio, consoante Agrest (2007).
Isto se comprova no caso de Ramón Sampedro. Com efeito, para isentar seus
“colaborados” de possíveis acusações jurídicas, Ramón deixou um vídeo dos últimos
momentos de sua vida com o intuito de mostrar que aquele ato era consentido,

1274
desejado e planejado por ele. De fato, antes de virar o pescoço para ingerir uma dose
letal de cianeto de potássio, ele declara que aqueles que o ajudaram a realizar o
suicídio são seus amigos e que não poderiam ser responsabilizados, nem punidos por
esse fato, pois, apenas emprestaram suas mãos por amor, praticando apenas atos
isolados que não configurariam crime, e, que, somados, fizeram com que ele obtivesse
êxito no ato de levar a cabo seu intento de antecipar a morte. Salientou, ainda, que o
plano foi exclusivamente seu, sendo ele próprio responsável. No vídeo, ele se dirigiu às
autoridades judiciárias lamentando que teve que morrer clandestinamente, embora
tivesse buscado diante do Judiciário o direito de morrer de forma digna e, ao mesmo
tempo, legítima perante seu Estado Democrático de Direito. Ele deixou as imagens e as
declarações como prova a ser usada por eles, caso fossem acusados de auxílio ao
suicídio perante a justiça.

2. O suicídio e o crime de auxílio ao suicídio no Código Penal Brasileiro


Enquanto o suicídio é o ato pelo qual uma pessoa tira a própria vida, o auxílio
ao suicídio é o ato do terceiro que ajuda o suicida a desenvolver seu projeto de
morrer.
No Brasil, apesar de o homicídio ser punido com rigor pelo Direito Criminal
Brasileiro, o suicídio não o é, não constituindo para o titular da vida, portanto, crime o
fato de tentar ou conseguir efetivamente tirá-la – tanto é assim que aquele que pratica
a tentativa de suicídio, ao se recuperar, não recebe nenhuma sanção do ordenamento
jurídico, pois não cometeu crime que possa ter enquadramento em nenhum dos
artigos do Código Penal que disciplinam os crimes contra a vida. Entretanto, o mesmo
Código, que não entende o suicídio como crime, classifica o induzimento, instigação e
auxílio ao suicídio como crime.
Ao enumerar os crimes contra a vida, o Código Penal não inclui o suicídio nem a
tentativa. Evidentemente não se pode falar em sanção a ser aplicada à pessoa que
tirou a própria vida. Entretanto, a pessoa que sem êxito tentou se suicidar também
não tem contra si uma penalidade prevista no Código Penal.
O art. 122 do vigente Código Penal Brasileiro determina que induzir, instigar ou
auxiliar outrem ao suicídio é crime e estabelece pena de 2 a 6 anos àquele que comete

1275
essa conduta, se o suicídio se consuma; e de 1 a 3 anos, se da tentativa frustrada de
causar a morte de outra pessoa resulta lesão corporal de natureza grave. Lesão
corporal grave é aquela que resulta em qualquer dos incisos do §1º do artigo 129 do
Código Penal. Pode ser incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias,
perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função ou aceleração
de parto. Explica Rogério Greco (2012, p. 260) que a incapacidade abrange tanto
atividades laborativas como de lazer, bastando que tais atividades não sejam
juridicamente ilícitas.
Os incisos I e II do parágrafo único trazem duas causas de aumento de pena:
quando o crime é praticado por motivo egoístico e quando a vítima é menor ou tem,
por qualquer motivo, reduzida a sua capacidade de discernimento. Fácil perceber que
o auxílio no contexto da eutanásia não configura motivo egoístico, ao contrário, o
motivo que move o agente é, supostamente, a compaixão pelo sofrimento de outro
ser humano. Em relação à menoridade ou a reduzida capacidade de discernimento,
dispensam-se maiores comentários, a não ser que para o menor de 14 anos e para
aquele que não tem nenhuma capacidade de discernimento por doença, embriaguez
ou outro motivo, o referido crime seria o de homicídio, conforme ensina Fernando
Capez (2011, p. 130-131).
Dentre os verbos enumerados no artigo (induzir, instigar ou auxiliar alguém ao
suicídio), o que se aplica à questão da eutanásia é o “auxílio”, que é a participação
material no delito, emprestando meios para a prática considerada nefasta. A conduta
de auxiliar pode ser comissiva (que remete ao verbo cometer, agir), quando, por
exemplo, entrega-se o veneno à vítima ou ensina-se a usá-lo, ou omissiva (que remete
ao verbo omitir, um “não agir”), que ocorre quando solicitado pela vítima, o autor
deixa de tomar as medidas necessárias para evitar o evento fatal – a morte.
Ressalta-se, a participação do agente deve ser secundária, pois, segundo Nelson
Hungria (apud CAPEZ, 2011, p. 124), “se há participação direta no ato executivo do
suicídio, o crime passa a ser o de homicídio”. Na hipótese de participação, por
exemplo, quando alguém aciona um processo mecânico que desencadeará a morte da
vítima, estará cometendo o crime previsto no artigo 121 do Código Penal.

1276
No crime de auxílio ao suicídio existe dolo (intenção de provocar a morte), que
pode ser direto ou eventual, sendo necessário, portanto, que, ao menos, o sujeito que
pratica o auxílio tenha condições de antever o resultado letal da conduta que põe em
prática. Na eutanásia está evidente que o que presta auxílio almeja a morte do
paciente.
Rogério Greco (2012, p. 189) menciona lição de Emiliano Borja Jiménez ao
abordar o crime em destaque – “o suicídio, que pode ser definido como a morte
voluntária, querida e desejada, de uma pessoa com capacidade de agir, é uma conduta
propriamente humana”. O autor aponta a relevância de a pessoa querer e, mais, ter a
possibilidade de interferir na própria trajetória, a qual não parece ser a hipótese
vivenciada por Ramón Sampedro. Este, em razão de grave acidente, restou
impossibilitado de esboçar qualquer movimento relevante, inclusive para tirar a
própria vida.

TOMADA DE DECISÃO
Tradicionalmente, ao receber o diploma universitário o médico recém-formado
faz um juramento conhecido como “Juramento Hipocrático” (baseado em Hipócrates,
considerado pai da Medicina), quando se compromete moralmente a preservar a vida
e promover a saúde do paciente, por razões médicas. Neste mesmo juramento, o
médico se compromete a nunca causar mal ao paciente, não administrar
medicamentos que o levem à morte, e nem incentivá-lo a morrer. Mesmo em
hipóteses nas quais o paciente se encontra em condições consideradas degradantes,
como é o caso de um paciente acometido por uma doença degenerativa já em estágio
avançado, em tese, o médico teria a obrigação e o dever moral de lutar por sua vida
até o último instante. Entretanto, se esse mesmo paciente, consciente de sua
condição, como Ramón, decidir pôr fim à sua própria vida por acreditar que ela não
seria mais digna de ser vivida, o médico deveria ainda seguir os princípios morais de
seu juramento e mantê-lo vivo mesmo contra sua vontade? Caso a resposta seja sim,
pode-se caracterizar essa conduta do médico como uma espécie de paternalismo?
Age de forma paternalista, segundo Agrest (2007, p. 226), aquele que, segundo
seus critérios pessoais de benefícios, considera a obrigação moral de ajudar pessoas,

1277
superior à obrigação de respeitar a autonomia do ajudado. No que se refere à relação
entre médico e paciente, uma atitude paternalista seria ilustrada, por exemplo, pela
intervenção do médico na liberdade do paciente de se autodeterminar, fundamentada
na concepção de que a obrigação moral do médico de preservar a vida do paciente
seria maior do que a obrigação moral de respeitar suas decisões.
Uma das justificavas para esta forma de paternalismo, estaria relacionada ao
fato de os danos causados por uma possível interrupção do tratamento serem
irreparáveis, ou até mesmo levarem o paciente a óbito. Desse modo, concepções de
bem-estar, preservação e promoção da vida seriam interpretadas de forma objetiva
através de critérios inerentes à medicina, ao passo que as opiniões do paciente,
mesmo quando sua própria vida se encontra em risco, seriam consideradas como
irrelevantes para o seu tratamento.
No entanto, nas últimas décadas, como bem observou Brock (2009), tem
ocorrido uma mudança fundamental no quadro ético da medicina no que diz respeito
às práticas paternalistas. Em um nível mais avançado, nos Estados Unidos e em algum
grau em outros países, esse novo quadro ético da medicina tem sido marcado por uma
rejeição ao modelo paternalista, em favor de uma tomada de decisão compartilhada
entre médico e paciente.
De acordo com Brock (2009), tomada de decisão seria aquela realizada no fim
ou próximo do fim de uma vida em condições consideradas severas, em que estariam
em jogo o bem-estar, a forma de tratamento e a vida do próprio paciente. São várias
as razões, segundo Brock (2009, p. 231), para esta mudança histórica, sendo algumas
internas à própria medicina e outras determinadas por mudanças externas à medicina,
ou seja, localizadas na sociedade e na cultura em geral.
Os fatores externos à medicina poderiam ser representados pelos vários
movimentos dos direitos do consumidor, originários de nosso tempo, e pelo que Brock
designou de “general chalenges to established authority”. Acredita-se que esses
fatores externos citados por Brock, poderiam ser analisados à luz de um modelo de
sociedade, neste caso, a norteamericana, fortemente influenciado por princípios
libertários, uma vez que eles tendem a fomentar a liberdade de escolha e, por
conseguinte, o direito originário do indivíduo de tomar suas decisões sem intervenções

1278
contrárias a sua vontade, caso eles não causem danos a terceiros. Por outro lado, os
fatores internos manifestariam mudanças fundamentais na concepção dos objetivos
da própria medicina como, por exemplo, considerar como importante a participação
do paciente na tomada de decisão para o seu próprio tratamento, o denominado
consentimento informado, consoante Boechat Cabral (2011).
Desse modo, questões sobre o bem-estar do paciente, preservação e promoção
de sua vida, passariam a ser concebidas também por princípios subjetivos. Nesta
perspectiva, o paciente passaria a ter a possibilidade de participar ativamente das
decisões sobre o seu tratamento, escolhendo se privar de qualquer espécie de
tratamento, por exemplo, caso esta decisão satisfaça sua concepção de vida digna.
No entanto, é importante reconhecer, como bem observa Brock (2006, p. 232),
que mesmo no exercício de sua autodeterminação, ou melhor, de sua autonomia,
alguns pacientes poderiam tomar decisões que não promoveriam seu bem estar, como
escolher um tratamento inadequado, por exemplo.

AUTONOMIA
1. Autonomia como princípio de autodeterminação
Ao se autodeterminar, o paciente se depara com a possibilidade de escolher
um tratamento inadequado ao seu caso, ou de decidir pôr fim a sua própria vida, ainda
que estas decisões estejam orientadas pelos seus próprios valores. Sendo assim, quais
seriam as justificativas dadas pelo paciente ao seu médico para que este interrompa
seu tratamento, mesmo sabendo que essa decisão resultaria em sua morte? E, em que
princípios esta eventual justificativa estaria fundamentada? Para que as reflexões
sobre o ato de dispor da própria vida, objeto do presente artigo, possam pretender
possuir certa plausibilidade, faz-se necessário considerar alguns pontos fundamentais
que deverão norteá-las.
Para tanto, deve-se criar um caso hipotético de um paciente acometido por
uma doença degenerativa que lhe impossibilitaria viver sem o sustento de aparelhos
médicos, e, consciente de sua condição, desejasse abreviar sua vida com base em
argumentos única e exclusivamente racionais. A exigência imposta aqui para que seus
argumentos sejam racionais, justifica-se na medida em que se acredita que a razão

1279
humana seria o único ponto comum os seres humanos, ao qual se poderia recorrer
caso se pretendesse que os juízos possam ser universalmente aceitos. Não que outras
instâncias, como, por exemplo, metafísicas ou religiosas, não possuam argumentos
que poderiam ser utilizados com o mesmo propósito, porém, podem não ser
reconhecidos por aqueles que não participam destes pontos de vista. Desse modo,
esses argumentos deverão ser emitidos à luz de princípios de uma moral laica e, por
conseguinte, racional. Ademais, o paciente deverá ainda estar quite de suas obrigações
e deveres para com terceiros, estando, portanto, em jogo apenas deveres e obrigações
morais para consigo mesmo, pois, de acordo com Esteves,

não somente entre filósofos que se debruçaram sobre o tema, mas


mesmo no seio do assim chamado senso comum, há um relativo
consenso de que são moralmente reprováveis suicídios que implicam
prejuízos para terceiros, como, por exemplo, quando um pai de
família tira a própria vida porque perdeu uma grande soma na bolsa
de valores, deixando seus dependentes como herdeiros de pesadas
dívidas (ESTEVES, 2013, p. 6).

Portanto, circunscritos os pontos que conduzirão tais reflexões, pode-se


apontar a questão da dignidade humana como o pano de fundo das justificativas
utilizadas pelo paciente para exigir o desligamento dos aparelhos. Ora, parece não
haver dúvida que aquele que deseja pôr fim à sua própria vida questione, ao menos
por um instante, se sua condição de vida é digna ou não de ser mantida. No caso do
paciente em questão, a resposta seria negativa.
Em sua concepção, uma vida não seria digna quando se depende em tempo
integral de aparelhos médicos para manter-se vivo e, além disso, de doses diárias de
medicamentos com o intuito de aliviar suas dores, ao mesmo tempo em que
prolongariam sua vida nestas condições. Para ele, estas circunstâncias tornariam cada
vez mais sua vida insustentável, pois, além de torná-la degradante, as intervenções
médicas não resolveriam o problema de sua morte eminente.
Baseado em sua própria concepção de “vida digna”, decide não viver mais
nessas condições, solicitando assim, o desligamento dos aparelhos que o mantêm vivo.
Para tanto, ele alegaria que esta decisão foi tomada autonomamente, pois, ser

1280
autônomo para ele, assim como para Agrest (2007, p. 234), é poder viver de acordo
com valores que ele mesmo elegeu e com os quais se identifica.
No entanto, uma possível objeção poderia ser feita ao paciente em questão,
com o objetivo de questionar sua capacidade de decidir autonomamente. Em casos
como este, os médicos alegariam que decidir pela rejeição do tratamento seria sempre
um ato de irracionalidade, pois, decidir pela morte não poderia ser uma atitude
autônoma e, por conseguinte, racional. Além disso, poderiam alegar que devido às
circunstâncias de seu quadro clínico, o paciente tomaria sua decisão de maneira
precipitada, influenciado, por exemplo, por sintomas de um possível quadro
depressivo. Desta forma, parece que o critério para avaliar a autonomia do paciente
tende a ser sua decisão pela morte. Mas, se o que se entende por autonomia for
mesmo agir em conformidade com os valores com os quais se identifica, então, a
morte poderia ser um deles, e, sendo assim, não haveria problema moral algum no
fato de decidir pôr fim à sua própria vida.
Tendo em vista esta noção de autonomia, parece que a justificativa do paciente
não poderia ser refutada pelo médico, ou será que quando o que se está em jogo é sua
vida, ele deve se orientar por valores de terceiros? No que se refere à discussão sobre
a autonomia do paciente se autodeterminar baseando-se em seus próprios valores,
Agrest afirma:

es inevitable que, a menudo, surjan desacuerdos nada triviales en la


interpretación correcta de la noción de autonomía personal, tanto la
relativa al paciente como a la del profesional, en especial cuando se
deben interpretar las nociones de competencia y de información
adecuada. Si los valores o las decisiones del paciente no coincidem
con las del profesional o con la de los valores defendidos
tradicionalmente por la medicina, con frecuencia el profesional llega
a poner em tela de juicio la racionalidade de quien debe tomar una
decisión. Elegir en desacuerdo con lo que el criterio médico elegiría,
se suele pensar, no sólo es elegir mal, sino también elegir
irracionalmente (AGREST, 2007, p. 249).

Como pôde ser visto, a discussão em torno da noção de autonomia é motivada


por interpretações distintas do mesmo conceito. Pode-se incluir também nessa
discussão, a racionalidade do paciente diante de sua situação. Ora, durante muito
tempo o paciente não tinha acesso às informações sobre sua doença, porém,

1281
atualmente, é relativamente fácil de se obter acesso a diagnósticos. Desse modo, uma
das justificativas que o paciente poderia usar seria justamente seu conhecimento
sobre seu quadro clínico e seu possível prognóstico. Com base nesses conhecimentos,
ele poderia ter alguma noção das possíveis consequências da rejeição de seu próprio
tratamento, e, até mesmo que esta rejeição poderia resultar em sua morte. Além do
mais, ele estaria consciente da existência de outras formas de tratamento, e, que os
avanços da medicina, sobretudo no que concerne à sua doença, não surgiriam de uma
hora para outra, mas seriam frutos de anos de pesquisas, podendo assim, não ser
beneficiado por esses avanços ainda em vida. Ainda assim, o médico poderia alegar
que sua decisão não é autônoma e, por conseguinte, não racional?
A fim de questionar a autonomia do paciente em questão, faz-se necessário
retomar o caso de Ramón Sampedro, que permaneceu tetraplégico durante 28 anos
devido a uma lesão sofrida na coluna cervical. Durante esse período, tentou inúmeras
vezes fazer com que sua decisão de cometer o suicídio fosse reconhecida
juridicamente. Em um de seus argumentos a favor de sua morte, Ramón afirmava que
“viver é um direito e não uma obrigação”, referindo-se ao seu estado de saúde que o
impossibilitava de agir livremente e, assim, de viver o que para ele seria uma vida
digna. Ora, será que os 28 anos de sua luta para adquirir o direito jurídico e moral de
morrer não foram suficientes para que ele pudesse deliberar sobre as consequências
de sua decisão?
Neste período, Ramón escreveu um livro intitulado “Cartas desde el inferno”
com poemas e pensamentos que tinham como inspiração a questão da morte, fato
que poderia confirmar sua consciência em relação a sua decisão. Organizou, ainda,
uma estratégia para cometer o suicídio assistido por amigos e simpatizantes à sua
causa, tendo gravado um pequeno discurso com o intuito de justificar seu direito à
morte, e, ao mesmo tempo, assumir a autoria do ato para liberar as pessoas que o
ajudaram de possíveis acusações (AMENÁBAR, 2004). Ora, será que as atitudes de
Ramón neste período não poderiam ser ainda interpretadas como autônomas e
racionais?

2. Autonomia na visão de Kant

1282
Para o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), tanto Ramón quanto o
mencionado paciente hipotético, não estariam agindo autonomamente. Antes, porém,
de explicar porque Kant negaria o ato de dispor da própria vida como um ato de
autonomia, será necessário compreender o que Kant entende por ações moralmente
boas.
Em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant (1974) afirma
que uma ação seria moralmente boa não pelas consequências ou fins que ela poderia
atingir, pois, consequências reconhecidas comumente como boas poderiam, segundo
o filósofo, serem alcançadas por ações moralmente reprováveis.
Com efeito, se o valor moral das ações fosse condicionado aos seus resultados,
então, o roubo poderia ser moralmente correto, caso o ladrão praticasse boas ações
com o seu produto, como, por exemplo, ações beneficentes.
Além disso, se as ações fossem boas de acordo com suas consequências ou fins
alcançados, elas não poderiam ser boas em sentido absoluto, mas, apenas para
aqueles que concordarem que o fim alcançado seja algo bom. Isto seria, segundo Kant
(1974), contrário à moralidade, pois, ações morais devem ser incondicionalmente
boas, e não apenas relativamente boas.
Ademais, a ação em si mesma, ou seja, a ação empiricamente constatada, não
poderia ser, segundo Kant, um critério seguro para que uma ação fosse reconhecida
como moralmente boa.
Com efeito, pode-se realizar uma ação moralmente boa como, por exemplo,
ajudar pessoas necessitadas, sem que com isso tal ação possa ser digna de autêntico
valor moral. A beneficência, por exemplo, pode ser uma ação moralmente boa, visto
estar externamente em conformidade com os preceitos da lei moral. No entanto,
quando se sabe da intenção do agente, essa ação pode vir a ser moralmente
reprovável, como seria o caso, por exemplo, de uma pessoa que ajuda necessitados
visando ganhar algo em troca, ou ser reconhecido pelo público como uma pessoa
caridosa, entre outros adjetivos. Portanto, uma ação empiricamente constatada não
poderia ser, segundo Kant, digna de autêntico valor moral até que se saiba da real
intenção do agente, pois, “quando se fala de valor moral”, afirma o filósofo, “não é das

1283
ações visíveis que se trata, mas dos seus princípios íntimos que se não vêem (1974, p.
213)”.
“Princípios íntimos” seriam equivalentes a motivos ou intenções do agente em
realizar determinada ação. Para Kant, somente tais “princípios íntimos” poderiam ser
dignos de autêntico valor moral. Porém, não seriam quaisquer “princípios” ou, melhor
dizendo, não seriam quaisquer motivos que atribuiriam autêntico valor moral às ações.
Com efeito, segundo o filósofo, quando se cumpre uma ação moralmente
obrigatória tendo como motivo uma inclinação, isto é, desejos, paixões, interesses, em
suma, todos os impulsos oriundos da natureza sensível do homem, essa ação careceria
de valor moral. Pois, a máxima da ação, isto é, o princípio que determina a vontade do
agente, não expressaria, de acordo com Kant (1974), nenhum conteúdo moral.
Por exemplo: conservar a própria vida, afirma Kant (1974, p. 206), seria uma
obrigação moral, além de ser uma inclinação natural que todo ser vivo possui. No
entanto, aquele que preserva a vida de acordo com a máxima de que se deve
preservá-la apenas quando se mostra digna não teria valor moral algum. Já, aquele
que possui a máxima de que a vida deve ser preservada independente das
circunstâncias, teria autêntico valor moral, pois, essa máxima passaria no teste de
universalização, uma vez que estaria fundamentada tão somente no respeito à lei
moral que obriga todos os seres humanos a conservarem suas vidas.
Ora, Kant convida o agente que pretende realizar determinada ação, a
submeter a máxima que a fundamenta a um teste de universalização, ou seja, a uma
possível assembleia universal de seres racionais. Se, tal máxima passa pelo teste de
universalização ela seria considerada, segundo Kant, como uma lei universal, ou seja,
como uma lei válida para todos os seres racionais.
A fim de compreender essa questão, utiliza-se a máxima de Ramón, a saber,
“posso cometer o suicídio caso minha vida não se manifeste mais como sendo digna de
ser vivida”. Imagine-se que Ramón tenha sustentado: posso querer que minha máxima
seja aceita como uma lei universal e, por conseguinte, válida para todo ser racional?
Segundo Kant, a máxima de Ramón não poderia ser aceita como uma lei universal
válida para todos os seres racionais, pois, nela estaria contida uma contradição, e,
assim, ela se autodestruiria.

1284
Com efeito, se conservar a vida é uma lei universal da natureza, tendo o
homem o dever moral de conservá-la, então, uma máxima que contrarie essa lei por si
só seria uma contradição e, por conseguinte, se autodestruiria. A fórmula do teste de
universalização para que as máximas possam se tornar leis universais, Kant a
caracteriza de Imperativo categórico, ou imperativo da moralidade, que seria expresso
da seguinte maneira: “age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua
vontade, em lei universal da natureza” (Kant, 1974, p. 215, grifo do autor).
Ora, o que fundamenta o Imperativo categórico seria a possibilidade da
máxima de um ser racional ser estabelecida necessariamente como uma lei para todos
os seres racionais. Agindo desta forma, a pessoa se concebe não como meio para um
determinado fim, mas, tanto ele quanto todos os seres racionais como fins em si
mesmos. Ao desejar que todos os homens sejam fins em si mesmos, e não apenas
meios, eles estariam reconhecendo a existência de um valor absoluto que lhes seria
intrínseco.
Segundo Kant, coisas são destituídas de valor, são relativas à nossa razão, e, por
conseguinte, são contingentes; ao contrário, “os seres racionais se chamam pessoas,
porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo
que não pode ser empregado como simples meio [...]”. (Kant, 1974, p. 229, grifo do
autor). Sendo assim, o princípio desta lei consistiria no reconhecimento necessário do
valor absoluto que todo ser racional possui. A fórmula deste princípio seria uma
reformulação daquela do Imperativo categórico, e se expressa da seguinte maneira:
“age de tal maneira que tomes a humanidade, tanto em tua pessoa, quanto na pessoa
de qualquer outro, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como
meio” (KANT, 1974, p. 243).
Tendo como base a proposta de Kant sobre o valor intrínseco e necessário das
pessoas, pode-se dizer que aquele paciente hipotético, ao solicitar o desligamento dos
aparelhos que o mantinham vivo, destituiu a si mesmo e a humanidade destes valores
incondicionais. Pode-se dizer também, que, ao agir assim, o paciente em questão se
considerou como uma coisa destituída de valor, ou um objeto que pode ser descartado
ao bel-prazer. Se a máxima “dispor da própria vida quando esta não se mostrar mais
digna” fosse permitida ao paciente, como também à humanidade, então, não existiria

1285
nada na natureza que contivesse um valor em si mesmo, podendo ser tudo rebaixado
ao nível de “coisas”. Portanto, essa máxima seria moralmente reprovável, pois, além
de se encontrar em contradição com a lei moral de conservar a própria vida, não seria
compatível com aquele princípio de que as pessoas possuem um valor absoluto.
E, assim, pode-se responder àquela questão sobre a negação de Kant à
autonomia da qual tanto Ramón quanto o paciente hipotético reivindicaram como
fundamento do ato de dispor da própria vida, pois, para Kant (1974), ser autônomo é
ser uma espécie de legislador da humanidade, ou seja, é ser um representante da
humanidade que existe necessariamente em todos os seres racionais. Essa autonomia
se manifestaria justamente na determinação de máximas que possam ter validade não
somente para o indivíduo que a escolhe, mas também, e, ao mesmo tempo, válida
para todo ser racional. E, como pôde ser visto tanto no caso de Ramón, quanto no do
paciente hipotético, a máxima que fundamentaria suas ações não poderia ser validada
por todos os seres racionais e, portanto, não poderiam ser digna de seres concebidos
como autônomos. Eis, segundo Kant (1974, p. 238), o princípio da autonomia: “não
escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas
simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim dessa reflexão sobre o ato de dispor da própria vida, faz-se necessário
ressaltar a complexidade do tema, por suas implicações e consequências legais e
morais.
Sob a ótica do Direito Penal, não há uma sanção disciplinada para aquele que
comete suicídio, tanto é que quando a pessoa não consegue consumá-lo e se recupera,
não sofre nenhuma pena em razão da tentativa. Entretanto, aquele que auxilia o
suicídio, pratica crime contra a vida, segundo o mesmo Código, com penas previstas
para as diferentes situações de atuação.
Sob a ótica da moral, os casos aqui discutidos são tomados como se a vida de
cada ser humano estivesse em jogo. No caso de Ramón poder-se-ia dizer que tenha lhe
faltado dar uma chance à vida se mostrar de outra maneira, pois, desde quando tomou
ciência da tetraplegia já colocara obstáculos que o impediam de viver naquelas

1286
condições. Talvez se Ramón tivesse a oportunidade de conhecer outros casos
teoricamente mais degradantes do que o seu certamente teria repensado sua noção
de vida digna.
Quanto ao suicídio, acredita-se que a intenção de cometê-lo não se esgotava no
próprio ato, mas, visava fins ulteriores àquele de pôr fim a uma vida indigna. No caso
do paciente hipotético, algumas considerações precisam ser feitas. Por se tratar de
uma doença degenerativa já em estágio avançado, e sem perspectivas de reversão do
quadro, acredita-se que seria complexo estabelecer critérios para avaliar o que se
pode suportar quando a vida é mantida somente através de suporte vital e se sofre
dores constantes.
Apesar desta dificuldade, defendem-se intervenções médicas com o intuito de
salvar a vida do paciente. Se os critérios para estabelecer os limites das intervenções
médicas fossem subjetivos, os pacientes poderiam a qualquer instante recusar um
tratamento sem obter maiores informações sobre seu diagnóstico, e, até mesmo,
sobre seu prognóstico.
Quanto à questão da autonomia como princípio da autodeterminação,
acredita-se que, quando não se estabelece uma noção unívoca, tanto para o médico
quanto para o paciente, não se pode afirmar que a decisão do paciente tenha sido
autônoma. Para ele, ser autônomo é se guiar por seus próprios valores, já para o
médico, decidir pela morte não poderia ser uma decisão autônoma. Sendo assim,
quem estaria com a razão, o médico ou o paciente? No entanto, quando se trata de
questões sobre a vida humana, importa considerar o que traz Kant à reflexão quando
diz que o ser humano não é coisa destituída de valor, ou que se possui valor
condicional. Ao contrário, pessoas possuem um valor incondicional, absoluto,
independente de situações contingenciais.
Neste sentido, o ato de dispor da própria vida, observado sob a moral de Kant,
não poderia ser justificado moralmente, visto que se encontra em contradição com a
nossa própria natureza, na medida em que, seres humanos dotados de valor absoluto,
ao solicitarem a morte se colocam no nível de coisas. Além do mais, devem-se levar
em conta os possíveis problemas que poderiam existir para humanidade se fosse
permitido a bel-prazer, pessoas disporem de suas vidas como se elas fossem objetos

1287
destituídos de um valor intrínseco. Dessa forma, justifica-se, por exemplo, suicídios em
massa, ou até mesmo, ataques terroristas, pois, nestes casos aquele que o comete o
ato, coloca sua vida e, ao mesmo tempo, a humanidade como meio e não como fim
em si mesma.

REFERÊNCIAS
AGREST, Diana Cohen. Por mano propia: estudo sobre lãs prácticas suicidas. 1ª ed.
Bueno Aires: Fondo de Cultura Econòmica, 2007.
AMENÁBAR, Alejandro (direção). Mar Adentro. BARDEM, Javier (protagonista).
Filme espanhol em DVD, 2004. Ficha técnica: Mar adentro é um filme espanhol (com
co-produção francesa e italiana) de 2004, do gênero Drama, dirigido
pelo chileno radicado na Espanha Alejandro Amenábar.
BOECHAT CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco. Consentimento informado no
exercício da medicina e tutela dos direitos existenciais: uma visão interdisciplinar.
Itaperuna: Gráfica e editora Hoffmann, 2011.
BROCK. W. Dan. Medical Decisions at the end of life. In: The Cambrige Companion
to Bioethics. Peter Singer; Helga Kuhse (Eds.), 2009.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial. São Paulo:
Saraiva, 11ed, 2011.
ESTEVES, Julio. Eutanásia e suicídio: reflexões introdutórias. No prelo.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II. Niterói: Impetus,
9ed, 2012.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril
Cultural, 1974 (Coleção os Pensadores).
POJMAN, Louis; VAUGHAN Lewis. The Moral Life: an introductory reader in ethics
and literature. 3ª ed. New York: Oxford, 2007.
STOFFELL, Brian. Medical Decisions at the end of life. In: The Cambrige Companion
to Bioethics. Peter Singer; Helga Kuhse (Eds.), 2009.

1288
CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO BRASIL: UMA ANÁLISE HISTÓRICA

Bárbara Moreira de Mattos Figueiredo Caldeira


Universidade Católica de Petrópolis-UCP

Adalberto Romualdo Pereira Henrique


Universidade Católica de Petrópolis – UCP

RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar as influências dos diferentes
currículos de Educação Física na prática de atividades físicas escolares. O termo
currículo designa o conjunto daquilo que se ensina e aprende, tendo como referência
alguma ordem de progressão, podendo inferir-se para além do escrito ou prescrito
oficialmente, ou seja, o que é efetivamente ensinado e aprendido na sala de aula ou
fora dela. A história do Brasil mostra que os programas de atividades físicas passaram
por mudanças de acordo com as diversas concepções sobre a Educação Física. Iniciou-
se com a Educação Física Higienista, priorizando a saúde dos indivíduos, logo após a
Educação Física Militarista, visando à obtenção da saúde capaz de suportar combates e
guerras, passando para a Educação Física Pedagogicista, mostrando à sociedade uma
Educação Física como prática eminentemente educativa. Iniciou-se então a Educação
Física Competitivista, cujo objetivo era a caracterização da competição e por fim a
Educação Física Popular, sustentando-se quase que exclusivamente numa teorização
transmitida oralmente para os trabalhadores no país. Assim, os currículos sempre
foram importantes na escolha das práticas de atividades físicas.
Palavras-chave: Currículo. Educação física escolar. Brasil.

INTRODUÇÃO
Nos dias atuais a Educação Física no ensino escolar de acordo com Gebara
(2002), deve estar integrada ao projeto político e pedagógico da escola. Ao longo da
história têm sido atribuído a Educação Física, incumbências diferenciadas que a
caracterizaram/caracterizam como componente curricular responsável pela educação
do corpo. Segundo Forquin (1996) a expressão, "componente curricular" é sinônimo de
matéria escolar, matéria de ensino e identifica os conteúdos do currículo. O termo
currículo, num sentido mais corrente designa o conjunto daquilo que se ensina e
daquilo que se aprende; tendo como referencia alguma ordem de progressão,
podendo inferir-se para além do escrito ou prescrito oficialmente, ou seja, o que é
efetivamente ensinado e aprendido no interior da sala de aula, ou fora dela, enfim,

1289
currículo num sentido geral e abstrato é a dimensão cognitiva e cultural do ensino,
qual seja, seus conteúdos, saberes, competências, símbolos e valores.
Assim para Souza; Vago (1997), currículo amplia o significado de organização
disciplinar, do sentido de regras de conduta, para o sentido de organização disciplinar
como: objetivos, partes e matérias do ensino. Diante do exposto, pode se dizer que um
componente curricular é, no sentido de matérias de ensino, não apenas um
constituinte do rol de disciplinas escolares, mas, um elemento da organização
curricular da instituição.
Para Rodrigues (2003) em sua especificidade de conteúdos, traz uma seleção de
conhecimentos que, organizados e sistematizados, devem proporcionar ao discente
uma reflexão acerca de uma dimensão de cultura e que aliado a outros elementos
dessa organização curricular, visam a contribuir com a formação cultural do aluno.
Para compreender as principais influências que marcaram e caracterizaram a Educação
Física, é necessário considerar suas origens no contexto histórico, especialmente no
cenário brasileiro, ao qual, será dada ênfase.

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA


No século XIX a Educação Física esteve estreitamente vinculada ás instituições
militares e médicas. A história de Educação Física em muitos momentos se confunde
com as dos militares. Dois anos após a chegada da família real no Brasil, foi criada a
Escola Militar pela Carta Régia de 04 de dezembro de 1810 com o nome de Academia
Real Militar; a ginástica alemã é introduzida na escola militar em 1860; a escola de
Educação Física da Força Policial do Estado de São Paulo foi fundada pela missão
militar francesa em 1907 e o Centro Militar de Educação Física foi criado em 1922, com
o objetivo de dirigir, coordenar e difundir o novo método de Educação Física e suas
aplicações, ficando evidenciada a presença militar na formação dos primeiros
professores civis de Educação Física (MEDINA, 1993). A Educação Física neste século foi
entendida segundo Castelani (2003) como um elemento de extrema importância para
forjar o indivíduo forte, saudável, indispensável à implementação do processo de
desenvolvimento do país que, saindo de sua condição de colônia portuguesa, buscava
construir seu próprio modo de vida. Nessa compreensão segundo Marinho (1980)

1290
juntavam-se os médicos, que tinham a tarefa de passar à sociedade algumas das leis
morais essenciais à família, os padrões de conduta física, moral e intelectual da nova
família brasileira. A concepção denominada Educação Física Higienista era uma
concepção particularmente forte nos anos finais do Império e no período da Primeira
República (1889 - 1930), que se preocupava em instituir a Educação Física como
agente de saneamento público, agindo como protagonista num projeto de assepsia
social, tendo um papel fundamental na formação de homens e mulheres sadios, fortes,
dispostos à ação.
O liberalismo do início do século XX no Brasil para Medina (1993) acreditou na
educação, na Educação Física e particularmente na escola, como redentora da
humanidade. Sobre os ombros da educação e da escola foram depositadas as
esperanças das elites intelectuais na construção de uma sociedade democrática e livre
dos problemas sociais. Os liberais não titubeavam em jogar às costas da ignorância
popular a culpa pelos problemas sociais que, em verdade, se originavam da
perversidade do sistema capitalista. Para o autor a função de assegurar a saúde e o
vigor dos corpos, aumentando a reprodução e longevidade dos indivíduos,
incrementar a população do país e melhorar os costumes privados e a moral pública,
observa-se uma tentativa simplista de resolver os problemas da saúde pública na
escola através da Educação Física.
De acordo com Castelani (2003) vários pontos defendidos pelo pensamento
liberal em relação à Educação Física, e que culminaram naquilo que estamos
designando de Educação Física Higienista, estão vivos, ainda hoje, permeando os
discursos de autoridades governamentais, de pedagogos, de médicos e professores de
Educação Física. A Educação Física Higienista, preocupada com a saúde, perdeu
terreno para a Educação Física Militarista (1930 - 1945), que derruba o próprio
conceito de saúde, para vinculá-lo agora a saúde da Pátria. Esta concepção segundo o
autor, visava impor a toda sociedade padrões de comportamento estereotipados,
frutos da conduta disciplinar própria ao regime de quartel, cujo objetivo fundamental
era a obtenção de uma juventude capaz de suportar o combate, a luta, a guerra,
enfim, a formação de um cidadão-soldado capaz de obedecer cegamente e de servir
de exemplo para o restante da juventude pela sua bravura e coragem. É nessa

1291
construção do novo homem que podemos entender a Educação Física como uma
disciplina necessária.
Para Filho (1996) a Educação Física deveria ser suficientemente rígida para
elevar os cidadãos da nação à condição de servidores e defensores da Pátria. O seu
papel seria de colaboração no processo de seleção natural, eliminando os fracos e
premiando os fortes, no sentido da depuração da raça. Para Ghiraldelli (2004) a
influência militarista na Educação Física brasileira é um componente forte e
duradouro. Em 1921, através de decreto, impôs-se ao país como método de Educação
Física oficial, o famoso "Regulamento nº 07", ou "Método do Exército Francês". Em
1931, quando do início da vigência da legislação que colocou como disciplina
obrigatória nos cursos secundários, o "Método Francês" foi estendido à rede escolar. A
Escola de Educação Física do Exército, fundada em 1933, funcionou praticamente
como pólo aglutinador e coordenador do pensamento sobre a Educação Física
brasileira durante as duas décadas seguintes. Somente na elaboração da Constituição
de 1937 é que se fez a primeira referência explícita à Educação Física, incluindo-a no
currículo como prática educativa obrigatória em todas as escolas brasileiras.
A ideia central da concepção para Castelani (2003) era o aperfeiçoamento da
raça, seguindo assim as determinações impostas pelas falsas conclusões defendidas
pela biologia nazifascista. A ordem e a disciplina dos militares tornaram-se marcantes
na ginástica, sendo eles próprios os professores nas escolas, ou melhor, instrutores nas
escolas, onde os alunos eram adestrados de acordo com os modelos apresentados por
seus instrutores. Derrotado o nazifacismo após 1945, a Educação Física Militarista foi
obrigada a se reciclar. Isto não significa, de maneira alguma, que a prática da Educação
Física, após esta derrota, tenha se livrado dos parâmetros impostos pela Educação
Física Militarista.
A concepção Pedagogicista (1945 - 1964), é a concepção que vai reclamar da
sociedade a necessidade de encarar a Educação Física não somente como uma prática
capaz de promover saúde ou disciplinar a juventude, mas de ser uma prática
eminentemente educativa (DARIDO, 1999). Para o autor a ginástica, a dança, o
desporto, são meios de educação dos discentes. São instrumentos capazes de levar a
juventude a aceitar as regras de convívio democrático e de preparar as novas gerações

1292
para o altruísmo, o culto a riquezas nacionais, etc. o sentimento corporativista de
valorização do profissional da Educação Física permeia a concepção. Assim, é possível
forjar um sistema nacional de Educação Física, capaz de promover a Educação Física do
homem brasileiro, respeitando suas peculiaridades culturais, físico-morfológicas e
psicológicas.
Segundo Ghiraldelli (2004) do final do Estado Novo até a promulgação da
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, houve um grande debate
sobre o sistema de ensino brasileiro. A Lei 4024/61 estabeleceu a obrigatoriedade da
Educação Física para o ensino primário e médio. Gradativamente o esporte ocupa mais
espaço nas aulas de Educação Física com a introdução do Método Desportivo
Generalizado, contrapondo aos antigos métodos de ginástica tradicional. As fortes
influências da tendência tecnicista, sofridas na educação aparecem na Lei n. 5.540, em
1968 para o ensino superior e na Lei 5.692, em 1971 para o ensino de 1º e 2º graus,
onde a Educação Física torna-se obrigatória em todos os graus de ensino, teve seu
caráter instrumental voltado ao desempenho técnico e físico do aluno. No âmbito
escolar, a partir do Decreto n. 69.450 de 1971, considera-se a Educação Física como a
atividade que por seus meios, processos e técnicas desenvolvem e aprimoram forças
físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando. A falta de especificidade do
decreto manteve a ênfase na aptidão física. A iniciação esportiva, a partir da quinta
série, torna-se um dos eixos fundamentais de ensino em busca de novos talentos, para
participar de competições internacionais representando a pátria. O efeito desse
modelo não deu certo (GHIRALDELLI, 2004).
Para Filho (1996) o descontentamento cada vez maior da sociedade brasileira
com o autoritarismo presente ao longo dos governos militares no final dos anos 70
passou a clamar pela abertura política - a redemocratização. Na Educação Física
nacional, questionamentos e contestações das práticas e das políticas da época são
travados. A produção literária na área passa a ser intensa e versa principalmente sobre
as concepções que historicamente vinham formatando e orientando as suas práticas.
Aos problemas que emergiam na Educação Física escolar neste período o Estado
responderia com uma nova legislação em 1971.

1293
Na Lei nº 5692/71, a Educação Física torna-se obrigatória em todos os graus de
ensino, e teve seu caráter instrumental voltado ao desempenho técnico e físico do
aluno. A partir do decreto nº 6450 de 1971, a Educação Física é regulamentada como
componente curricular do ensino de 1º e 2º graus, hoje ensino Fundamental e Médio
(FILHO, 1996). Segundo o autor a Resolução SE nº 8, mais uma vez enfatiza a
necessidade de constar a Educação Física no currículo escolar ao observar que ela "se
constitui em componente curricular obrigatório em todas as séries do ensino de 1º e 2º
graus, nos termos do Decreto Federal nº 6450/71". (São Paulo, 1985: 493). A Educação
Física entendida, como componente curricular obrigatório, terá o planejamento de
suas atividades subordinado á escola, de modo que contemple seu plano geral de
trabalho e com ele se harmonize.

EDUCAÇÃO FÍSICA E CURRÍCULO


Na área escolar segundo Castelani (2003) a legislação educacional indica que a
Educação Física como componente curricular obrigatório, será tratada como
"atividade", no ensino de 1º e 2º graus, "disciplina", quando se constituir em
componente do Ensino Profissionalizante de Habilitação Específica de 2º grau para
Magistério, compondo assim o Currículo Pleno da Escola para esta habilitação. Então,
em termos de concepção de ensino, o Decreto nº 69.450/71 aponta a Educação Física
para o campo da "Atividade", compreendendo-a como "esporte e recreação" no
currículo escolar, como podemos ver no artigo 1º e 2º do mesmo.

Artigo 1º - A educação física, atividade que, por seus meios,


processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas,
morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constitui um dos
fatores básicos para a conquista das finalidades da educação
nacional. Artigo 2º - A educação física desportiva e recreativa
integrará, como atividade escolar regular, o currículo dos cursos de
todos os graus de qualquer sistema de ensino (BRASIL, 1996).

Na década de 80 a Educação Física Escolar, voltada principalmente para a


escolaridade de quinta a oitava séries do primeiro grau, passa a priorizar o segmento
da primeira a quarta e também a pré-escola. Tira-se a função da Educação Física de
promover os esportes de alto rendimento e o enfoque passa a ser o desenvolvimento

1294
psicomotor (CASTELANI, 2003). Passa-se a discutir as relações entre educação Física e
sociedade sob a influência das teorias críticas da educação, sobre o seu papel e sua
dimensão política. Há uma mudança de enfoque, amplia-se á visão da área biológica,
enfatizando as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o
aluno como um ser humano integral (DARIDO, 1999). De acordo com o autor, os
objetivos da disciplina se embasam em objetivos educacionais mais amplos, o
conteúdo torna-se diversificado e os pressupostos pedagógicos mais humanos,
opondo-se à visão comportamentalista expressa no ensino esportivo. Nessa época,
vários outros autores ganharam destaque com suas produções de cunho filosófico,
sociológico, histórico, antropológico e pedagógico. Com a nova Lei de Diretrizes e
Bases (LDB), a Lei nº 9394/96, a obrigatoriedade do ensino da Educação Física é de
responsabilidade dos Conselhos Nacional e Estaduais de Educação, dos sistemas de
ensino, bem como das próprias escolas (CURY, 2005).
Souza e Vago (1999) comentam sobre o ensino de Educação Física em face a
LDB e acentuam que é importante registrar que essa obrigatoriedade esta também
explicitada no Parecer nº 376/97, de 11/06/97, do Conselho Nacional de Educação,
que reafirma o parágrafo terceiro do artigo 26 da LDB, enfatizando que a Educação
Física é, sim, componente curricular da educação básica, cuja oferta deverá estar
integrada á proposta pedagógica da escola. Também o Parecer nº 5/97, de 07/05/97,
Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, garante que os
componentes curriculares que integrarão a base comum nacional somam-se á
Educação Física, nos termos da Lei.
O Ministério da Educação e do Desporto, através da Secretaria da Educação
Fundamental (MEC/SEF), mobilizou a partir de 1994 um grupo de professores
pesquisadores no sentido de elaborar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Em
1997, foram lançados os documentos referentes aos 1º e 2º ciclos (primeira a quarta
séries) do Ensino Fundamental e no ano de 1998 os relativos aos 3º e 4º ciclos (quinta
á oitava séries), incluindo um documento específico para a área de Educação Física
(CURY, 2005).

1295
Figura 1. Estudantes em educação física realizando atividades com enfoque nos jogos de
brincadeiras.

Fonte: www.unicamp.br

Figura 2. Educação física na contribuição do desenvolvimento infantil

Fonte: http://www.humanitates.ucb.br/2/educacao.htm

Segundo Cury (2005) os Parâmetros Curriculares Nacionais tem a função


primordial de subsidiar a elaboração ou versão curricular dos estados e municípios,
dialogando com suas propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão
pedagógica interna às escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como
servir de material de reflexão para a prática de professores. Ou seja, um referencial
para todo o país, que procura respeitar as diversidades regionais, culturais, políticas,
permitindo aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente
elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Educação Física trazem uma proposta que procura
democratizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da área, buscando,
ampliar, de uma visão apenas biológica, para um trabalho que incorpore as dimensões
afetiva, cognitiva e sociocultural dos alunos. Incorpora, de forma organizada, as

1296
principais questões que o professor deve considerar no desenvolvimento do seu
trabalho, subsidiando as discussões, os planejamentos e avaliações da prática de
Educação Física.

CONCLUSÃO
O presente artigo buscou apresentar questões importantes sobre a
trajetória e a inserção curricular da educação física escolar no ensino básico no
Brasil.

REFERÊNCIAS
BRASIL, Ministério da Saúde. Resolução 196/96. O Plenário do Conselho Nacional
de Saúde resolve aprovar diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos. Em 10 de outubro de 1996.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais,
Educação Física: MEC, 1998.
CASTELLANI, L. F. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. 8. ed.,
Campinas: Papirus, 2003.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Políticas inclusivas e compensatórias. Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 125, p.11-32, abr. 2005.
DARIDO, S. C. et al. Educação Física No Ensino Médio: Reflexões e Ações. Revista
Motriz, Rio Claro, v.5. n. 2, p. 138-145, 1999.
FILHO, Carol Kolyniak. Educação Física: uma introdução. São Paulo: Educ, 1996
FORQUIN, Jean Claude. As abordagens sociológicas do currículo: orientações
teóricas e perspectivas de pesquisa. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1996.
GEBARA, A. “Sociologia Configuracional: as emoções e o lazer”. In: Brunhs, H. T.
Lazer e Ciências Sociais: Diálogos Pertinentes. São Paulo: Chronos, 2002.
GHIRALDELLI, JUNIOR. Paulo. Educação física progressista: a pedagogia crítico-
social dos conteúdos e a educação física brasileira. 9 ed. São Paulo: Edições Loyola,
2004.

1297
MARINHO, Inezil Penna. História Geral da Educação Física. São Paulo: Cia Brasil
Editora, 1980.
MEDINA, João Paulo Subirá. A Educação cuida do Corpo... e mente: bases para a
renovação e transformação da educação física,11ª. Ed. Campinas, SP: Papirus,1993
RODRIGUES, David. A Educação Física Perante a Educação Inclusiva: reflexões
conceptuais e metodológicas. Rev. da Educação Física/ UEM Maringá, v. 14, nº 1, p. 67
– 73. 2003.
SOUZA, Eustáquia Salvadora de VAGO, Tarcísio Mauro. O ensino da Educação Física
em face da nova LDB. In: COLÉGIO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE
(Org.) Educação Física escolar frente à LDB e aos PCN’s: profissionais analisam
renovações, modismos e interesses. Ijuí: Sedgraf, 1997
SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas-RS,
Autores Associados, 1994.

1298
A (TRANS)FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA ATRAVÉS DA ATIVIDADE: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA

Roberto Mendes Ferreira


Faculdade de Medicina de Campos

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O estudo verificou se estudantes de medicina, em seus processos de


aprendizagem, apresentam características de comportamento autorregulado nas
diversas etapas e dimensões que integram o comportamento autorregulado, conforme
modelo de Pintrich (2010). Observou-se um grupo de 12 estudantes do 5º ano de
medicina, período em que, na Instituição observada, os alunos ingressam na prática de
procedimentos médicos. O estudo foi de natureza quanti-qualitativa, os recursos de
observação utilizados foram questionário e grupo focal, além das observações do
pesquisador. Fez-se análise qualitativa dos dados, complementados por distribuição de
frequência e percentagem, e os resultados convergiram para o que preconiza a teoria
da atividade de Leontiev e de Galparein, no sentido de que a atividade externa facilita
o desenvolvimento do comportamento autorregulado e a assimilação dos conceitos
científicos. Por conseguinte, sugere-se que o estágio ocorra a partir dos primeiros anos
de formação médica, corroborando o que preconiza as diretrizes dos cursos de
medicina.
Palavras chaves: Comportamento autorregulado. Teoria da atividade. Estágio e/ou
atividade prática. Curso de medicina.

INTRODUÇÃO
Realizou-se um estudo com o objetivo de verificar se estudantes de medicina
apresentavam, em seus processos de aprendizagem, procedimentos relacionados ao
que preconiza a teoria da autorregulação da aprendizagem158. A realização do referido
estudo justifica-se pela importância que a literatura especializada mais recente tem
atribuído ao comportamento autorregulado do aprendiz, para ocorrência de
aprendizagem eficaz.
Neste trabalho descreve-se algumas constatações obtidas através do estudo,
relacionadas às etapas e dimensões que integram o comportamento autorregulado,

158
Dissertação de mestrado realizada por Roberto Mendes Ferreira sob a orientação da profa. Dra. Vera
Lucia Deps, intitulada “A experiência na aprendizagem dos procedimentos de avaliação da alta
hospitalar pós-colecistectomia sob a ótica da aprendizagem autorregulada”. Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF. Campos dos Goytacazes – RJ, 2012.
1299
procurando estabelecer conexão entre as conclusões obtidas e a teoria da atividade
iniciada por Vygotsky (1981; 1987), ampliada por Leontiev (1985), e continuada por
Galperin (1986).
A descrição seguinte obedecerá a seguinte sequência: inicialmente far-se-á uma
breve descrição da teoria da autorregulação da aprendizagem que subsidiou a
pesquisa e da teoria da atividade. Em seguida contextualizar-se-á a prática no ensino
médico observado, e descrever-se-á a metodologia do trabalho. Posteriormente
apontar-se-á convergências entre os resultados obtidos na pesquisa realizada, e o que
preconiza a teoria da atividade. Finalizando, apresentar-se-á as conclusões e
sugestões, bem como as referências bibliográficas.

A TEORIA DA AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM: DIMENSÕES E ETAPAS


A ideia básica para os teóricos da aprendizagem autorregulada é que o aprendiz
competente é um participante intencional e ativo, capaz de iniciar e dirigir sua própria
aprendizagem. É, portanto um processo autodiretivo, através do qual os aprendizes
transformam suas capacidades mentais em competências, visando a consecução de
determinada tarefa, tendo em vista o alcance de um objetivo.
Os autores que têm se dedicado ao estudo da aprendizagem autorregulada
consideram que a mesma se processa através de diferentes fases, fazendo apelo a
diferentes processos psicológicos (BOEKAERTS, 2000; PINTRICH, 2000; ZIMMERMAN,
2000, dentre outros). Em todas as fases se faz presente as dimensões
cognitiva/metacognitiva, motivacional, comportamental e contextual, como traduz a
definição elaborada por Zimmerman (2005, p. 14): “Autorregulação refere-se a
pensamentos, sentimentos e ações autogerados, planejados, e ciclicamente adaptados
para a obtenção de objetivos pessoais”.
Vê-se assim que o construto da autorregulação é multidimensional, incluindo
dimensões de natureza cognitiva/metacognitiva, motivacional, comportamental e
contextual, e o comportamento autorregulado envolve o entrelaçamento dessas
dimensões.
Deve-se a Flavell (1981) a introdução do conceito de metacognição, entendido
como o conhecimento que alguém tem acerca da sua própria cognição bem como sua

1300
monitorização e controle. Alinham-se a este conceito outros autores, dentre eles
Brown (1978), que é também pioneira no estudo dessa área.
De acordo com o modelo de Flavell (1981), o controle que o indivíduo pode
exercer sobre sua própria atividade cognitiva depende das ações e interações entre
quatro componentes, quais sejam: a) o conhecimento metacognitivo; b) as
experiências metacognitivas; c) as metas cognitivas; d) as estratégias.
Explicando cada componente: O conhecimento metacognitivo se relaciona ao
conhecimento sobre a pessoa, a tarefa e as estratégias. O conhecimento do primeiro
aspecto compreende o conhecimento e as crenças na perspectiva intraindividual,
interindividual e universal.
O segundo aspecto do conhecimento metacognitivo se refere ao conhecimento
da tarefa, e a maneira como a natureza e demanda da tarefa influenciam sua execução
e relativa dificuldade.
O terceiro aspecto do conhecimento metacognitivo é o conhecimento da
efetividade relativa da estratégia. Flavell (1981) diferencia dois tipos de estratégias:
cognitivas e metacognitivas. Para o autor as estratégias cognitivas são empregadas
para fazer progresso da atividade cognitiva em direção ao objetivo, e as
metacognitivas utilizadas com a função de supervisionar este processo. De acordo com
Zimmerman (2000), ainda que seja difícil encontrar uma postura universal para definir
aquilo que se considera “estratégia”, a maioria dos autores atribui às mesmas as
seguintes propriedades: são procedimentos ou sequências integradas, que constituem
um plano de ação que o sujeito seleciona entre diversas alternativas, com a finalidade
de conseguir uma meta pré-fixada.
As experiências metacognitivas (ideias, pensamentos, sensações ou
sentimentos) acompanham a atividade cognitiva, estão relacionadas com o progresso
em direção aos objetivos, e podem ser interpretadas conscientemente.
Exemplificando, Mateos (2001) menciona a leitura de um texto de conteúdo familiar,
que pode estimular uma reação tal como “eu já conheço isto”.
As metas cognitivas têm um sentido equivalente aos objetivos a que se almeja
alcançar. De acordo com Pintrich (2000), o atual conceito de objetivos de realização
aborda a questão do propósito ou razão que leva os estudantes a empenharem-se nas

1301
tarefas de realização, bem como os padrões ou os critérios que eles constroem para
avaliar a sua competência ou sucesso na tarefa.
Sá (2004) assevera que os estudantes desenvolvem o seu conhecimento
metacognitivo quando refletem sobre as exigências das tarefas, as competências e
estratégias pessoais que devem ser aplicadas na resolução dos problemas, quando
testam os seus conhecimentos e reveem os trabalhos realizados.
Outra dimensão do comportamento autorregulado do indivíduo é a motivação.
Ela influencia a maneira como os indivíduos participam ou não em determinada
atividade (ECCLES et al., 1989, dentre outros).
Para vários autores (DECI e RYAN, 1985; WEINER, 1985; DWECK, 2000, ECCLES e
WIGFIELD, 2002, dentre outros) as crenças psicológicas, os objetivos e valores são
entendidos como organizadores e determinantes do comportamento e da orientação
motivacional dos indivíduos. Destaca-se, nos diversos enfoques, a teoria da
autoeficácia como parte do modelo Cognitivo-Social de aprendizagem desenvolvido
por Bandura (1977; 1997; 1986; 2001). O pesquisador define autoeficácia como “a
crença das pessoas em sua capacidade de exercer determinado controle sobre o
próprio funcionamento e sobre eventos do ambiente” (BANDURA, 2001, p. 10).
Segundo o autor, aqueles que acreditam que seus atos têm potencial para alterar os
eventos ambientais estão mais propensos a agir e a ser bem-sucedidos do que aqueles
que têm baixa autoeficácia.
Ames (1992) destaca que o sujeito interessado em despertar, desenvolver ou
manter motivação eficaz, de melhor qualidade e duradoura, deve usar “estratégias
motivacionais” no seu processo de aprendizagem.
Segundo Deci e Ryan (2000), a motivação humana foi tradicionalmente
diferenciada em intrínseca e extrínseca. No primeiro caso o comportamento é
motivado pela atividade em si, ou seja, pela satisfação a ela inerente. A motivação
extrínseca existe quando a atividade é percebida como meio para alcançar eventos
externos desejáveis ou escapar de indesejáveis, ou seja, ela é exercida por seu valor
instrumental. Os pesquisadores enfatizam que, nessa visão dicotômica, os melhores
resultados em termos de aprendizagem, desempenho, criatividade, entre outros, estão
relacionados à motivação intrínseca (RYAN e DECI, 2000). Hoje os autores argumentam

1302
que existe um consenso crescente de que as motivações intrínseca e extrínseca não
devem ser tratadas em polos opostos, mas podem operar conjuntamente em
diferentes situações e mesmo formar um conjunto gradual.
Em relação à dimensão volitiva/comportamental, várias concepções de
autorregulação enfatizam que as ações que o sujeito empreende para concretizar suas
intenções, bem como os processos psicológicos subjacentes que guiam estas ações,
são de natureza volitiva (CORNO, 2001). As variáveis volitivas são responsáveis pela
escolha e nível de empenho na realização das tarefas, bem como pela manutenção do
esforço necessário à concretização das metas desejadas (CORNO, 1994; KUHL e
FURHRMANN, 1998; PINTRICH, 1999). A volição é a vontade, o esforço que o sujeito
faz para alcançar e manter o objetivo a que se propõe, dentro ou fora da escola
(CORNO, 1994). O esforço se refere a um ato intencional, que aumenta o
comprometimento com a tarefa, aumentando a atenção, a concentração e a
quantidade de tempo gasto com a tarefa, ou no fazer de atividades específicas
(BOEKAERTS, 2002).
Para Corno (2001) as ocasiões em que há necessidade de comportamento
volitivo ocorrem quando os alunos têm que realizar determinadas tarefas e não têm
liberdade para outras atividades naquele momento. Por meio das estratégias volitivas,
o aluno pode controlar sua motivação, seus processos internos, seu comportamento e
o ambiente de aprendizagem, especificamente a atenção, a ansiedade e os elementos
que desviam a atenção das tarefas e/ou objetivos previamente elaborados (PINTRICH,
1999; CORNO, 2001). As estratégias volitivas reforçam o caráter voluntário da ação
autorregulada (KUHL, 1984; KUHL e CORNO, 1994; FURHMANN, 1998; PINTRICH,
1999).
A teoria da volição distingue este conceito daquele relacionado ao de
motivação. A motivação gera o impulso ou intenção para agir, enquanto que a volição
controla intenções e impulsos para a ação ocorrer (KUHL, 1994). Enquanto os aspectos
motivacionais são mais utilizados para iniciar as tarefas, as variáveis volitivas se
relacionam mais com a manutenção e com a persistência nos objetivos.
A dimensão contextual envolve o estudo do meio ambiente tanto físico como
social. No plano físico, a competência para organizar e reestruturar o local de estudo, é

1303
uma das características marcantes dos alunos autorregulados (ZIMMERMAN, 2000).
Apesar desse fato, Carita et al (1998) afirmam que não existe uma regra universal
quanto à melhor forma de organizar o local de trabalho, uma vez que este espaço
deverá acima de tudo, estar adequado às necessidades e aos gostos pessoais de cada
aluno, fazendo-o sentir-se bem e tornando a própria atmosfera do local de trabalho,
um incentivo ao estudo.
Entretanto Carita et al (1998) asseveram que a ausência de uma regra universal
não significa inexistência de alguns aspectos consensuais a ter-se em conta. As autoras
afirmam que existe consenso de que o espaço de trabalho deve ser tranquilo, sem
ruído nem interrupções, de forma a promover a concentração nas tarefas. Deve ter
boa iluminação, além de uma temperatura agradável com ventilação; o mobiliário
deve ser adequado de acordo com as conveniências e deverá, em regra, ser o mesmo,
uma vez que a mudança do local de trabalho implica novos estímulos geradores de
distração, bem como novas adaptações.
A utilização de suportes educacionais é um dos aspectos a ter-se em conta na
regulação do ambiente físico. Possuir um local de trabalho com acesso fácil a fontes de
informação (livros, dicionários, enciclopédias, computador, software educativo,
internet, material áudio ou vídeo, etc.), e partindo do princípio de que o aluno possui
as competências necessárias a uma boa utilização dessas fontes, pode constituir-se
como um fator chave na promoção da autorregulação (BARROSO, 1998).
No plano do contexto social, Zimmerman (2000) salienta que solicitar
informação a outrem não é diferente de pesquisar informações em fontes escritas.
Nessa perspectiva destacamos o papel do professor. Note-se, no entanto, que,
segundo Newman (1994), o tipo de ajuda procurada pelos alunos autorregulados
difere da mera dependência, sendo seletiva no que diz respeito à extensão dos
conhecimentos, além de ser direcionada a alguém que se sabe ser capaz de possuir
tais conhecimentos, e a ajuda é colocada na forma de questão.
Monereo et al (1995) salientam que para ensinar estratégias de pensamento é
necessário em primeiro lugar contar com professores que as utilizem no plano pessoal
e profissional, a fim de que não pensem só o que ensinam, mas também ensinem o

1304
que pensam e como pensam, pelo que a modelação se constitui como um aspecto
central do papel do professor.
A modelação é entendida por Schunk (2001) como mudança cognitiva, afetiva e
comportamental, que resulta da observação de modelos, sendo estes sujeitos ou
caracteres reais ou simbólicos, em cujos comportamentos, verbalizações e expressões
não verbais os observadores prestam atenção, servindo como “deixas” para a
modelação da aprendizagem em curso.
Outros autores reforçam este argumento, ressaltando que os indivíduos
adquirem novos comportamentos e cognições, assim como modificam as existentes,
como consequência de observarem o comportamento e as verbalizações de outros
(HENDERSON e CUNNINGHAM, 1994; GLASERSFELD, 1995).
Schunk (Apud ZIMMERMAN, 1994) demonstrou que proporcionar feedback aos
alunos acerca dos seus esforços e resultados, ajuda-os a perceber o progresso na
consecução dos seus objetivos, mantem a motivação, e melhora a eficácia em relação
a aprendizagens futuras. Entretanto para o autor, o feedback relativo ao esforço
dispendido só será benéfico e crível, se prestado durante a aquisição das
competências, de modo que este feedback não será benéfico se prestado após a
realização da tarefa.
O trabalho em grupo permite não só motivar para a realização das tarefas e
promover o raciocínio cognitivo como promover o desenvolvimento de competências
de relacionamento interpessoal. O trabalho em grupo é uma ferramenta poderosa no
que diz respeito ao desenvolvimento de competências de autorregulação. Segundo
Detry e Cardoso (1996), a interação social tem efeitos de desequilíbrio e
reestruturação cognitiva que Doise (Apud DETRY e CARDOSO, 1996) denomina conflito
sociocognitivo:

[...] O conflito sociocognitivo existe quando, numa única e mesma


situação, várias abordagens cognitivas de um mesmo problema são
produzidas socialmente. Nestas condições, o confronto destas
diferentes abordagens terá como resultado a sua coordenação numa
nova abordagem mais complexa e mais adaptada à resolução do
problema do que qualquer das abordagens anteriores tomadas
separadamente [...] (DOISE, 1984 apud DETRY E CARDOSO, 1996, p.
39).

1305
Outros autores focalizam as tarefas e admitem que, tarefas difíceis tornam-se
mais fáceis e potencializam mais aprendizagem, se elaboradas em pequenos grupos
(PRAT e IZQUIERDO, 1998). Alguns autores também verificaram que os alunos, ao
observarem outros a realizar uma tarefa, mais facilmente acreditarão que também são
capazes de as realizar (SCHUNK, 1994).
Vejamos sucintamente em que consiste cada fase do processo
autorregulatório:
1ª fase – Planejamento prévio:
Teoricamente o processo começa com a definição dos objetivos que se
pretende alcançar. Continua, ainda na fase inicial, com a preparação de um plano
onde, na sua elaboração, as expectativas, crenças e cognições são avaliadas. Nesta
fase, no plano cognitivo/metacognitivo, faz-se a ativação de conhecimentos prévios
para a execução da tarefa, relacionados ao conteúdo e ao conhecimento
metacognitivo (relacionado à própria pessoa, à tarefa a ser executada, e às estratégias
a serem utilizadas). No plano motivacional o aprendiz deve avaliar sua adesão ao
objetivo pré-estabelecido, as crenças que possui e que podem interferir no seu
processo de aprendizagem, dentre elas a de autoeficácia; e avaliar também o valor que
atribui à tarefa, dentre outros. Em relação à dimensão comportamental, deve ser
planejado o tempo e o esforço necessários para a execução das tarefas, e elaborado
um planejamento para auto-observação do comportamento. Em relação ao contexto,
observam-se as possíveis interferências do contexto físico e social que poderão facilitar
ou dificultar o alcance do objetivo pretendido.
Na fase de execução, as ações planejadas são executadas, monitoradas e
controladas, isto é, avaliadas no sentido de estarem ou não permitindo caminhar em
direção ao alcance dos objetivos pretendidos, e redirecionadas se necessário for. No
ciclo desta teoria, a fase do planejamento prévio pode ser modificada à medida que a
avaliação é realizada. Assim a avaliação pode modificar o planejamento, que, por sua
vez, pode ou não modificar a forma de executar a tarefa. Este é um processo dinâmico
e interconectado que não se esgota, pois é retroalimentado pelos sujeitos e pelo
desenvolvimento das etapas que o perpassam. O planejamento, a execução e a

1306
autorreflexão estão interconectados, atuando em um só foco: alcançar objetivos
previamente estabelecidos através de estratégias adequadas.
A fase de reação e avaliação final, permite rever o “caminho percorrido”,
sabendo-se que a aprendizagem é um processo inacabado, que requer esforço e
atividade constante. A avaliação é permanente, no sentido de ocorrer durante todo o
processo, e não apenas na etapa final. Avalia-se: se os objetivos pretendidos foram
alcançados; se as estratégias utilizadas foram adequadas, ou se devem ser
reformuladas; as reações afetivas e as atribuições de valor; se deve ou não haver
persistência em relação ao objetivo inicial; se o contexto deve ou não ser alterado.
Resultados de pesquisas têm demonstrado que a prática deste modelo tem
possibilitado aos alunos alcançar uma aprendizagem mais eficaz.

CONCEPÇÕES DECORRENTES DA TEORIA DA ATIVIDADE


Os teóricos da escola de Moscou, Vygotsly, Leontiev, Galperin, Talízina, dentre
outros, defendem o caráter ativo da aprendizagem e seu papel determinante no
desenvolvimento do indivíduo.
Na concepção de aprendizagem de Vygotsky o aluno, sujeito ativo, é
consciente, orientado para um objetivo a ser alcançado. A aprendizagem ocorre na
interação com os outros na dinâmica do processo histórico, e se internaliza passando
para o plano intrapsicológico. A relação do homem com o mundo é basicamente uma
relação mediada, quer através do signo com destaque para a linguagem, quer através
do instrumento. Embora em sua concepção de desenvolvimento e de aprendizagem
Vygotsky destaque o aspecto mediador, ele não descarta o suporte biológico das
funções psicológicas superiores.
Embora Vygotsky seja considerado o precursor da teoria da atividade, foi
Leontiev, seu colaborador, quem atribuiu maior destaque à atividade na compreensão
da formação das funções psicológicas superiores, como menciona Núñez (2009, p. 27),

Os conceitos de “o social” e de “mediação” foram postos em relevo


na teoria de Vygotsky, ao explicar o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. No entanto, a função da atividade, nesse
processo, precisou ser desenvolvida posteriormente por A. N.

1307
Leontiev, para tornar compreensível a relação que ocorre nos planos
teórico e prático entre a atividade, o social e a mediação.

Por conseguinte, a teoria da atividade foi recontextualizada por Leontiev, e,


como afirma Núnez (2009, p. 18):

[...] não no plano do ideal, como se criticava Vygotsky, mas no


conjunto das atividades que os indivíduos desenvolvem, no seio das
quais se dão relações diversas, entre elas a comunicação.
Nesse percurso, não são as palavras, enquanto signos em uma visão
semiótica, o objeto da psicologia, mas a atividade orientada a um
objeto. Com essa visão, a Teoria da Atividade de Leontiev vem
ampliar o potencial explicativo da Teoria Histórico-Cultural”.
Em suma, como menciona Núñez (2009, p. 54), para Vygotsky o processo de
internalização é de natureza semiótica, enquanto para Leontiev é a atividade externa,
aliada à linguagem, o objeto da internalização como fonte do desenvolvimento do
pensamento e da personalidade humana. Em outras palavras, a atividade psíquica
interna representa uma forma da atividade material externa transformada (LEONTIEV,
1991).
Assim, para Leontiev é através da ação que a consciência é formada, e esta não
é determinada pelos conceitos. A relação do homem com o meio é dialética, visto que
o homem transforma o objeto e é transformado por ele (LEONTIEV, 1983). A atividade
do homem é consciente, fruto da relação que ele estabelece com o mundo real, e é
direcionada a um fim.
Para Leontiev (1985) é a aplicação prática do conceito o que facilita sua
assimilação pelo aprendiz, entretanto o processo de formação de conceitos científicos
exige a definição do tipo de atividade específica para a sua formação, ou a escolha de
atividade que possibilite trabalhar com as características essenciais do conceito. Por
conseguinte é importante que essa atividade seja planejada com o objetivo de se
alcançar o pretendido.
Segundo Leontiev através da atividade os alunos se apropriam não só dos
conceitos, como também dos procedimentos (habilidades) através dos quais os
conceitos são aprendidos. Como Leontiev, Talízina (1988) também defende que o
domínio do conceito decorre da prática.

1308
Segundo Talízina (1988), através das várias etapas percorridas pelo indivíduo
no processo de execução de uma atividade, e no contato com o objeto correspondente
à atividade em execução, o conceito, através da palavra, torna-se uníssono ao objeto,
por conseguinte melhor compreendido ou assimilado. Isto também reforça a
importância dos conceitos científicos ou transmitidos pelo professor partirem dos
conceitos espontâneos ou aprendidos pelo educando através de suas experiências de
vida, pois possibilita que os conceitos científicos, ensinados pela formalização de
regras lógicas, estejam associados à experiência direta do aprendiz com o objeto.
As pesquisas realizadas por Leontiev (1985) e colaboradores comprovaram a
tese da unidade entre a atividade e a psique, ou seja, a atividade psíquica interna
traduz a atividade externa e materializada.
Núñez (2009, p. 71) menciona que, na análise estrutural da aprendizagem como
tipo de atividade, ou para a colocação em prática da teoria da atividade preconizada
por Leontiev, é necessário delimitar:

a) O papel do aluno no processo de aprendizagem, sua esfera de


motivos, interesses, necessidades, nível de desenvolvimento de suas
estratégias de aprendizagem e de suas habilidades para estudo;
b) As características do objeto de estudo.
c) Os procedimentos, técnicas e tecnologias a serem utilizados na
situação de aprendizagem;
d) Os recursos ou meios de que se dispõe (materiais e cognitivos)
para a realização da atividade;
e) Os resultados previstos (objetivos ou propósitos como metas);
f) A situação ou contexto da escola e do aluno;
g) Os resultados que foram alcançados (produto da atividade).

Percebe-se assim convergência entre os aspectos relativos à prática da teoria


da atividade mencionados por Núñez (2009), e a prática da teoria da autorregulação
da aprendizagem, visto que esta também destaca a importância para a aprendizagem
da clareza do objetivo a alcançar; a atenção aos aspectos motivacionais e
cognitivos/metacognitivos do comportamento (conhecimento da pessoa, da tarefa, da
estratégia); a adequação das estratégias utilizadas; a atenção à influência dos
contextos físico e social no comportamento; à avaliação ou reflexão constante do
aprendiz durante todo processo de aprendizagem.

1309
A teoria da autorregulação também reconhece, como exposto anteriormente,
que o comportamento do aprendiz autorregulado é cíclico, isto é, inclui um
planejamento prévio, o monitoramento e o controle durante a execução da ação, e a
avaliação após sua execução. Reforçando ainda essa convergência, Núñez (2009, p. 75)
menciona que:

Na teoria da Atividade de Leontiev, toda atividade humana


(mental, perceptiva ou motora) possui a seguinte estrutura
invariante: Um sujeito, um objeto, os motivos, o objetivo, o
sistema de operações, a base orientadora da ação, os meios
para realizar a ação, as condições de realização e o produto.

Vê-se assim que tanto a teoria da atividade quanto a da autorregulação,


defendem a participação ativa do aluno, mediada pelo professor, como condição para
o sucesso do processo ensino/aprendizagem.
Galperin, colaborador de Vygotsky e de Leontiev, deu continuidade à teoria da
atividade elaborada pelos pioneiros, complementando-a com a formulação de uma
teoria denominada “assimilação por etapas da atividade Histórico-Cultural”. Através
desta teoria o autor busca explicar o processo de internalização da atividade externa
para a atividade mental identificada por Vygotsky, ou seja, como ocorre a passagem da
atividade do plano interpsicológico para o plano intrapsicológico. A teoria de Galperin
possibilitou avanços na teoria da atividade, no sentido de torná-la mais operacional,
contribuindo assim para facilitar sua aplicação pelo professor.
Em sua essência a teoria de Galperin preconiza que, em primeiro lugar
necessitamos encontrar a forma adequada da ação; em segundo, é preciso encontrar a
forma material de representação da ação; e, em terceiro, transformar essa ação
externa em interna. Ele apresenta várias etapas por que passa o processo de
internalização da atividade externa em atividade interna, demonstrando mais uma vez
convergência com o que preconiza os teóricos da autorregulação da aprendizagem
(ZIMMERMAN, 2000; SCHUNK, 2001; dentre outros).
Segundo os expoentes da teoria da atividade, os conceitos abstratos
constituem direção para a atividade prática, e esta, por sua vez, contribui para a
passagem do concreto ao abstrato. Há assim influência recíproca entre os conceitos
científicos e a atividade prática, por conseguinte os conceitos não são estáticos e a
1310
atividade interna ou da consciência não é oposta à atividade externa, visto
constituírem um único processo. Entretanto, para que isto ocorra resultando em
aprendizagem, a atividade externa deve ser estruturada de modo a possibilitar a
compreensão/assimilação das características essenciais implícitas no conceito
científico.
Na forma de estruturação de uma nova ação, Galperin defende que a mesma
seja primeiramente material, posteriormente verbal, e por último mental, organizada
em diversas etapas. Nesse caminho o professor atua primeiramente como organizador
da atividade e, posteriormente, como mediador do conhecimento juntamente com os
demais participantes da atividade, ocasião em que a linguagem oral é o instrumento
chave da comunicação. Disto resulta a interiorização da atividade prática externa para
a atividade interna, ou seja, a assimilação do conceito. Por conseguinte há uma
estreita relação entre a qualidade do conhecimento e o tipo de atividade desenvolvida
pelo aprendiz.
O professor, funcionando como “andaime”, e juntamente com os demais
participantes da atividade, possibilita experiência compartilhada que muito contribui
para a ação independente do aprendiz. Chamamos atenção para esse aspecto, visto
que tem também relação com as conclusões derivadas do estudo realizado, a serem
apresentadas posteriormente.
Entretanto, como afirmam Núñez e Gonzáles (1998, p. 107) “se as imagens e
operações necessárias para a assimilação de novos conhecimentos e ações já existem
no aluno, para a aprendizagem é suficiente uma atividade gnóstica interna adequada”.
Em outras palavras, a atividade externa se faz necessária para a assimilação de novo
conceito, somente quando as operações mencionadas não estão presentes na psique
do aprendiz; após a aquisição dos primeiros esquemas ou estruturas intelectuais, a
compreensão de outros conteúdos compatíveis é facilitada. Além disto, a Escola
também transformadora da realidade social, não deve vincular o conhecimento
somente à empiria, visto que ao aluno deve ser oferecida oportunidade de
transformação da realidade através de atitude reflexiva, crítica, criadora.
Como menciona Núñez (2009, p. 134), “isso implica a compreensão do caráter
contraditório do conhecimento e sua orientação em direção à essência, explicando a

1311
multiplicidade dos fenômenos, o que o qualifica como pensamento do tipo teórico”.
Na bibliografia deste trabalho, encontra-se referência de obras dos pesquisadores da
teoria da atividade, que poderão auxiliar àqueles interessados em adquirir
conhecimento mais profundo sobre o tema.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA PRÁTICA NOS ENSINOS MÉDICO


O Ensino Médico no Brasil compreende um período de 6 (seis) anos. As
diretrizes curriculares para os cursos de medicina determinam que 35% da carga
horária destes cursos sejam preenchidas por atividades práticas. Dessa forma, grande
parte das escolas médicas dedicam os primeiros quatro anos às disciplinas
fundamentais, estritamente teóricas, reservando os dois últimos ao “Internato
Médico”, que é o ciclo de treinamento prático em serviço. Entende-se aqui
“treinamento prático em serviço” como exercício de “aprendizagem prática”
exclusivamente hospitalar, onde as atividades de ensino-aprendizagem são
desenvolvidas e articuladas à prática médica em uma Instituição de Saúde. Neste
contexto, o aluno vivencia experiências reais e projeta a teoria aprendida nas salas de
aula em uma situação semelhante à prática médica.
O Internato Médico é também uma fase para o desenvolvimento autônomo do
estudante, pois é o período em que ocorre o treinamento prático em serviço. O
exercício efetivo dessa prática corresponde na aplicação consciente daquelas
informações que foram obtidas durante o momento teórico da graduação médica.
No 5º ano da graduação médica, o Internato da disciplina cirurgia envolve
diversas atividades práticas dentre elas a aprendizagem dos procedimentos de
avaliação clínica dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico. Focalizou-se a
aprendizagem dos procedimentos de alta hospitalar pós-operatória, especificamente à
alta hospitalar pós-colecistectomia, que é um ato cirúrgico por meio do qual é
realizada a extração da vesícula biliar. Dados levantados junto à secretara de saúde do
município indicaram ser esta a cirurgia do aparelho digestivo realizada em maior
quantidade nesta localidade e também no Estado onde o estudo foi realizado. Isto
motivou o estudo do comportamento dos estudantes frente à aprendizagem dos
procedimentos de alta hospitalar relacionada a essa cirurgia.

1312
A iniciação prática ocorre partindo do pressuposto que os alunos dominam os
conhecimentos teóricos e já tenham participado de experiências que os habilite a
empreender o exame clínico com a colaboração do professor. Entretanto apenas um,
dos doze sujeitos observados, mencionou ter realizado, por iniciativa própria, atividade
de observação da prática médica antes do ingresso no internato médico em clínica
cirúrgica.

ASPECTOS METODOLÓGICOS
Natureza do estudo: Tratou-se de um estudo de caso, de natureza quanti-
qualitativa.
Sujeitos e local do estudo: A pesquisa foi realizada com estudantes de
medicina, de uma faculdade localizada na região sudeste do Brasil. Participaram doze
alunos do 5º ano da graduação médica (11 do sexo feminino e 1 do sexo masculino),
solteiros, na faixa etária entre 22 e 27 anos. Todos os participantes estavam
matriculados na disciplina “internato médico em clínica cirúrgica”, no contexto de
aprendizagem dos procedimentos de alta hospitalar pós-colecistectomia. Essa
disciplina tem caráter teórico/prático - introduz o aluno na prática de procedimentos
médicos, o que determinou sua escolha para observação. Na Instituição pesquisada, a
disciplina ocorria a partir do 5º (quinto) período.
O internato em cirurgia dos estudantes no 5º ano na instituição observada tem
a duração de sete semanas, para cada grupo de 12 alunos. Neste período a rotina de
treinamento na enfermaria foi diária, perfazendo o total de dez horas semanais. O
mínimo de 12 pacientes é assistido diariamente nesta enfermaria. Na rotina diária os
alunos realizam os procedimentos médicos necessários à assistência ao paciente. Em
seguida aos atendimentos é realizado um “round” com a presença dos 12 alunos e de
um professor, onde se promove debate sobre cada caso atendido, no intuito de
analisar a melhor abordagem e conduta para cada um. Durante este “round” há
oportunidade para que cada aluno expresse a lógica que fundamentou suas decisões
no atendimento ao paciente, exponha suas dificuldades e habilidades, viabilizando a
troca de experiência dentro do grupo, facilitando assim a superação coletiva dos
desafios.

1313
Recursos de observação: As observações basearam-se nas etapas e dimensões
que integram o construto do comportamento autorregulado, segundo modelo
elaborado por Pintrich (2000). Por conseguinte observou-se o comportamento dos
estudantes em três momentos relacionados aos seus ingressos na disciplina
mencionada: antes, durante e ao final do curso, nas dimensões
cognitiva/metacognitiva, motivacional, comportamental e contextual.
O questionário, juntamente com a entrevista coletiva (grupo focal), e a
observação propriamente dita, foram os instrumentos utilizados para a coleta de
dados. O questionário tinha perguntas predominantemente objetivas (fechadas),
complementadas com perguntas abertas ou discursivas, e foi dividido em três partes:
As perguntas do questionário foram elaboradas de acordo com o referencial da teoria
da autorregulação da aprendizagem envolvendo as três fases da aprendizagem
autorregulada. Cada parte do questionário contemplava as dimensões da
aprendizagem autorregulada mencionadas anteriormente. As perguntas relacionadas à
fase prévia ou que antecedeu à ação, eram referentes às seguintes variáveis:
consciência do pesquisado sobre os objetivos a atingir; conhecimentos prévios e
crenças dos sujeitos; comportamento volitivo relacionado à motivação e ao contexto.
As perguntas relacionadas à fase de execução da ação tinham perguntas envolvendo
variáveis da mesma natureza da fase prévia, porém na perspectiva de monitorização e
controle durante a execução dos procedimentos de alta hospitalar pós-
colecistectomia. As perguntas relacionadas à fase de reflexão final da ação, buscaram
conhecer aspectos relacionados à autoconsciência sobre os resultados alcançados
relacionados aos objetivos previamente traçados.
O questionário foi previamente submetido à avaliação de três pesquisadores,
que o consideraram adequado aos propósitos do estudo; além disso, foi testado com
um grupo de estudantes de medicina do 5º ano, não participantes da pesquisa, que
manifestaram perfeito entendimento acerca das perguntas do instrumento. Além da
aplicação do questionário, realizou-se diariamente entrevista coletiva (grupo focal),
onde se discutia os procedimentos dos estudantes nos atendimentos realizados.
Procedimentos de aplicação: O questionário foi aplicado pelo próprio
pesquisador em duas etapas: as perguntas relacionadas à caracterização dos

1314
respondentes e à 1ªfase do comportamento autorregulado foram aplicadas durante a
quarta semana do internato; arbitrou-se esta ação por ser este um período
intermediário dentro do internato em cirurgia. A segunda etapa de aplicação do
instrumento ocorreu durante a sétima e a última semana do internato, momento em
que se colheram informações acerca de comportamentos relacionados à 2ª e à 3ª fase
da aprendizagem autorregulada.
Tratamento e análise dos dados: os dados obtidos através da aplicação do
questionário foram transformados em tabelas de distribuição de frequência e
percentagem para análise. Fez-se análise de conteúdo das respostas às perguntas
abertas, que, após terem sido classificadas em categorias e subcategorias, Fez-se
tratamento estatístico transformando os dados em tabelas de distribuição de
frequência e porcentagem. Além dos relatos dos próprios estudantes através dos
questionários aplicados, a análise dos dados foi complementada com as observações
registradas através dos encontros coletivos.

CONSTATAÇÕES DECORRENTES DAS OBSERVAÇÕES REALIZADAS


Conforme mencionado anteriormente, a observação do comportamento
discente se restringiu à de um grupo do 5º ano de medicina, que cursava o internato
de cirurgia. No âmbito deste Internato a participação ativa dos alunos consiste em
fazer a transferência dos conhecimentos teóricos adquiridos, aplicando-os durante o
treinamento prático em serviço. A transferência da aprendizagem ocorre quando o
sujeito aplica experiências e conhecimentos prévios para solucionar um problema em
uma nova situação (MAYER; WITTROCK, 1996).
Constatou-se que os alunos iniciaram o estágio sem objetivos pessoais, por
conseguinte sem planejamento, sem uma reflexão antecipada dos procedimentos,
porém, à medida que foram se inserindo nas atividades, demonstraram maior
consciência e autonomia frente às tarefas.
A literatura explica que a motivação do aprendiz é também relacionada ao
reconhecimento de tarefas percebidas por ele como “possuidoras de valor” (ECCLES,
WIGFIELD, 2002, dentre outros), e isto foi constatado no decorrer do estágio, com o

1315
aumento da motivação dos estudantes. Na fase de execução, a crença de autoeficácia
dos graduandos foi aumentada em comparação à fase de antecipação à realização das
atividades, possivelmente em decorrência do aumento de leituras/informações
teóricas, que o bom desempenho das atividades exigiu.
Além da busca por informação escrita, a maioria dos pesquisados mencionou
buscar ajuda com os colegas, e principalmente com o professor. Buscar ajuda faz parte
do comportamento autorregulado, e corresponde ao que preconiza a teoria da
atividade, no sentido de que o sujeito desenvolve sua aprendizagem na medida em
que estiver envolvido pessoalmente através da mediação de pessoas mais
conhecedoras.
As atividades de estágio foram apresentadas aos estudantes pelo coordenador
da disciplina. Inicialmente foi detalhado para os alunos como deveria ocorrer a
execução das atividades e solicitado que as iniciasse, o que lhes possibilitou adquirir
consciência da lógica da estruturação da ação. Num segundo momento e
concomitantemente ao prosseguimento da execução das tarefas, foram realizadas
reuniões ou entrevistas coletivas (grupo focal), ocasião em que os alunos eram
convidados a verbalizar suas experiências, refletindo sobre seus procedimentos, e
ouvindo o feedback do professor e dos colegas, acompanhado de orientações quando
necessário. A literatura assevera que o feedback é muito benéfico, visto que ajuda o
aprendiz a perceber seu progresso em direção aos objetivos pretendidos, entretanto
para ser benéfico deve ocorrer durante a aquisição da competência como ocorreu no
grupo observado.
A verbalização do que realizavam na prática corresponde à 2ª etapa do que
Galperin (2001) denomina “etapa verbal da ação”, e vai ao encontro da ideia de
Vygotsky (1989) incorporada atualmente pela teoria da autorregulação da
aprendizagem (ZIMMERMAN, 2000; BOEKAERTS, 2000; dentre outros), no sentido de
que a linguagem oral facilita ao aprendiz a conscientização de seus conhecimentos e
dificuldades, contribuindo assim para uma melhor aprendizagem.
Os estudantes estavam num processo constante de monitoramento e de
controle de suas atividades, outra característica do comportamento autorregulado.

1316
Nos encontros dos alunos com o professor buscava-se compreender o “como se faz”,
resultando na construção de um modelo teórico da atividade.
Ao término do estágio, na autoavaliação dos alunos, suas respostas indicaram
que durante a realização do estágio prático a aprendizagem foi fundamentada na
reflexão consciente sobre o significado dos problemas que surgiram ao longo da
tarefa, possibilitando aumento da compreensão acerca das próprias capacidades,
numa espécie de diálogo consigo mesmo.
Os alunos, em sua totalidade, responderam que a experiência através do
estágio lhes possibilitou aprender o que realmente é importante nos procedimentos
de alta hospitalar pós-colecistectomia. Os objetivos a alcançar, que não estavam claros
na fase que antecipou à realização das atividades, tornaram-se mais evidentes. O
estágio possibilitou aos estudantes confirmar habilidades que julgavam possuir,
descobrir novas habilidades, desenvolver aptidões, e, para uma minoria, descobrir que
não possuíam as habilidades ou aptidões que julgavam ter. Vendo os casos na prática e
discutindo condutas com o professor, conseguiram compreender, consequentemente
aprender melhor os conceitos científicos.
A aprendizagem através dos encontros de grupo vai ao encontro da concepção
da teoria da atividade, de que os processos psíquicos inicialmente têm caráter
interpsicológico (adquiridos na relação do sujeito com o mundo externo) e
posteriormente apresentam caráter intrapsicológico. A experiência através do estágio
oportunizou aos alunos, a partir da atividade externa, elaborar melhor suas atividades
internas, ou seja, à melhor compreensão dos conceitos teóricos segundo seus
depoimentos, reforçando assim o que preconiza os pesquisadores da teoria da
atividade.
As respostas dos estudantes também são compatíveis com o que a literatura
define como características do comportamento autorregulado, no sentido de que,
enquanto o estudante vai adquirindo conhecimentos sobre si próprio e sobre os
outros, vai construindo representações mentais internas de si próprio e dos outros,
adquirindo aprendizagem.

CONCLUSÕES E SUGESTÕES

1317
Os resultados do estudo realizado respaldam a literatura quando esta afirma o
valor da prática como agente de modificação do comportamento, a atividade como
transformação das ações, pensamentos, e sentidos. Os resultados comprovaram que
situações de aprendizagem que enfatizam a utilidade daquilo que se aprende, podem
induzir a objetivos centrados na aprendizagem.
A experiência de aprendizagem através da atividade prática, e relacionada a
situações reais como ocorreu com os sujeitos deste estudo, possibilitou maior
motivação dos alunos e melhor assimilação e/ou formação/reformulação de conceitos
científicos. O engajamento na atividade possibilitou também o desenvolvimento do
comportamento autorregulado dos aprendizes, uma vez que facilitou-lhes a definição
dos objetivos a atingir, e a escolha de procedimentos ou estratégias mais condizentes
ao alcance dos mesmos. Isto reforça o que preconiza a teoria da atividade, a respeito
da unidade entre a atividade externa e a interna na formação do conceito e da
consciência, bem como reforça que a ação é a fonte do conhecimento humano.
A constatação de que os conceitos são mais bem assimilados em conexão com
a prática, tem repercussões na organização curricular dos cursos de formação
profissional, e converge para o que preconiza as diretrizes curriculares para o curso de
medicina, que recomendam, entre outras coisas, que se utilizem metodologias
destacando, além da integração dos conhecimentos, a participação ativa do aluno na
construção do conhecimento.
Por conseguinte acredita-se que o estágio, como se costuma denominar a
introdução do aluno na prática profissional, deve ser iniciado nos primeiros anos após
o seu ingresso no curso, e não nos últimos períodos de sua formação. Naturalmente
que essa prática deve ser oportunizada em etapas, inicialmente com a simples
observação do estudante, até que ele esteja apto a ter maior independência de ação, o
que possivelmente ocorrerá em uma fase mais próxima ao final do curso. Entretanto,
durante todas as etapas, a conexão teoria/prática e o acompanhamento do aprendiz
por um mediador mais experiente ou pelo professor, e o compartilhamento de
experiências com os colegas e professor acompanhado de feedback, muito poderá
contribuir para o bom desempenho futuro do profissional em formação.

1318
Não se trata de uma visão reducionista da prática pela prática, mas de uma
forma de despertar a consciência dos alunos para suas próprias dificuldades de
aprendizagem, e para os problemas da sociedade em que se insere, instigando-os à
busca de soluções para o alcance das transformações necessárias. Em suma, o estágio
prático, aliando a teoria à prática, possibilitou aos alunos maior reconhecimento da
utilidade dos conceitos teóricos estudados e maior compreensão dos mesmos,
consequentemente uma melhor aprendizagem.

REFERÊNCIAS
AMES, C. Classrooms, Goalsm structures, and student motivation. Journal of
Educational Psychology, v.84, p.261-171, 1992.
BANDURA, A. Self-efficacy: the exercise of control. New York: W. H. Freeman, 1997.
BANDURA, A. Social cognitive theory: An agentic perspective. Annual review of
Psycology, v. 52, p. 1-26, 2001.
BANDURA, A. Social foundations of thought and action. A social cognitive theory.
Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall 1986.
BANDURA, A. Social Learning Theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Han, Inc., 1977.
BARROSO, M. Salas de estudo como medida de apoio educativo – Três Estudos de
Caso. Tese de mestrado não publicada. Universidade de Lisboa, 1998.
BOEKAERTS, M. Motivation to learn. International Academy of Education, Brussels
(Belgium). 2002.
BROWN, A. L. Knowing when, where and how to remember: a problem of
metacognition. In: GLASER, R. Advances in instructionalpsychology. Hillsdade, N.J:
Erlbaum, p.77-165, 1978.
CARITA, A.; SILVA, A.; MONTEIRO, A.; DINIZ, T. Como ensinar a estudar. Lisboa:
Editorial Presença, 1998.
CORNO, L. Student volition and education: outcomes, influences, and practices. In:
SCHUNK, D. H.; ZIMMERMAN, B. (Eds.). Self-regulation of learning and performance:
Issues and educational applications. New Jersey: Lawrence Erlbaum, 1994.

1319
CORNO, L. Volitional Aspects of Self-Regulated Learning. In: ZIMMERMAM, B.;
SCHUNK, D. (Eds.). Self-Regulated Learning and Academic Achievement. New Jersey:
Lawrence Eribaum Associates, 2001. p. 191-225.
DECI, E. L.; RYAN, R. M. Intrinsic motivation and self-determination in human
behavior. Nova York: Plenum, 1985.
DETRY, B.; CARDOSO, A. Construção do Futuro e Construção do Conhecimento.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
DWECK, C. S. Self-theories: Their role in motivation personality and development.
Philadelphia. PA: Psychology Press, 2000.
ECCLES, J. S.: WIGFIELD, A. Motivacional beliefs, values and goals: learning and
performance in educational settings. Annual Review of Psychology, v.53, 2002. p. 109-
132.
ECCLES, J. S.; MIDGLEY C. Stage-envoriment fit: developmentally appropriate
classrooms for Young adolescentes. In: AMES, C.; AMES, R. (Eds.). Research on
motivation in education. San Diego, CA: Academic Press, v. 3, 1989. p. 139-186.
FLAVELL, J. H. Cognitive monitoring. In: DICKSON, W. P. Children’s oral
communication skills. New York: Academic Press, 1981. p. 35-60.
GALPERIN P. Ya. Sobre el método de formación por etapas de las acciones
intelectuales. In: ILIASOV, I. I., LIAUDIS, V. Ya. Antologia de la Psicologia Pedagógica Y
de las Edades. La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1986. P. 114-118.
_________. Tipos de orientación y tipos de formación de acciones y de los
conceptos In; ROJAS, L. Q. (Comp.). La formación de acciones y de los conceptos In:
ROJAS, L. Q. (Comp.). La formación de las funciones psicológicas durante el desarrollo
del ninño. Tlaxcala: Editora Universidad Autónoma de Tlaxcala. 2001, p. 41-56
_____________. La dirección del processo de aprendizage. In: ROJAS, L. Q. (Comp.).
La formación de las funciones psicológicas durante el desarrollo del niño. Editora
Universidad Autónoma de Tlaxcala, 2000, p. 85-92.
GLASERSFELD, E. Construtivismo Radical. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
HENDERSON, R.; CUNNINGHAM, L. Creating Interactive Sociocultural Environments
for Self-Regulared Learning. In: SCHUNK, D.; ZIMMERMAN, B. (Edts.). Self-Regulation

1320
of Learning and Performance. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1994. p. 255-
281.
KUHL, J. Volitional aspects of achievement motivation and learned helpplessness:
Towards a comprehensive theory of action control. In: MAHER, B.; MAHER, W. (Eds.).
Progress in experimental personality research. New York: Academic Press, v.13, 1984.
KUHL, J.; FURHRMANN, A. Decomposing Self-regulation and self-control: the
Volitional componentes inventory. In: HECKHARSEN, J.; DWECK, C. (Eds.). Motivation
and self-regulation across life span. New York: Cambridge University Press, 1998.
LEONTIEV, A. N. Actividad, Consciencia y Personalidad. La Habana: Editorial Pueblo
y Educación, 1985.
_______________. Actividade, consciência, personalidade. Habana, Cuba: Editorial
Pueblo u Educacion, 1975.
LEONTIEV. VYGOTSKY, L. S. Psicologia e pedagogia: bases psicológicas da
aprendizagem e do desenvolvimento, São Paulo: Moraes, 1991. p. 1-17.
MATEOS, M. Metacognición y educación. Buenos Aires: Aique, 2001.
MAYER, R. E.; WITTROCK, M. C. Problem-solving transfer. In: CALFEE, R.; BERLINER,
R. (Eds.). Handbook of educational psychology. New York: Macmillan, 1996. P.47-62.
MONEREO, C.; CASTELLÓ, M.; CLARIANA, M.; PALMA, M. E.; PÉREZ, M. L. Estratégias
de enseñanza y aprendizaje. Formación del professorado y aplicación em la escuela.
Barcelona: Colección El Lápiz. Grão Editorial, 1995.
NEWMAN, R. Adaptative Help Seeking: A Strategy of Self-Regulated Learning. In:
SCHUNK, D.; ZIMMERMAN, B. (Edts.). Self-Regulation of Learning and Performance.
New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1994. p. 283-301.
PINTRICH, P. R. Taking control of research on volitional control: challenges for
future theory and research. Learning; Individual Differences, v.11, n.3, p. 335-355,
1999.
__________. The role of goal orientation in self-regulated learning. In: BOEKAERTS,
M.; PINTRICH, P. R.; ZEIDNER, M. Handbook of Self-regulation. San Diego: Academic
Press, 2000b.

1321
PRAT, A.; IZQUIERDO, M. Función del texto escrito en la construcción de
conocimientos y en el desarrolho de habilidades. In: JORBA, J.; GÓMEZ, I.; PRAT, A.
(Edts.). Hablar y escribir para aprender. Barcelona: Editorial Sintesis, 1998.
RYAN, R. M.; DECI, E. L. Intrínsic and extrínsic motivations: classic definitions and
new directions. Comtemporary Educational Psychology, v.25, 2000. p. 54-67.
SÁ, I. Os componentes motivacionais de aprendizagem autorregulada.
Autodeterminação e a orientação para objetivos. In: LOPES DA SILVA, A.; DUARTE, A.;
SÁ, I.; VEIGA SIMÃO, A. M. A aprendizagem autorregulada pelo estudante: perspectivas
psicológicas e educacionais, 2004. p.55-75.
SCHUNK, D. Self-Regulation of Self-Efficacy and Attributions in Academic Settings.
In: SCHUNK, D.; ZIMMERMAN, B. (Edts.). Self-Regulation of Learning and Performance.
New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1994. p. 75-99.
__________. Social Cognitive Theory and Self-Regulated Learning. In:
ZIMMERMAN, B.; SCHUNK, D. (Edts.). Self-Regulated Learning and Academic
Achievement. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001. p. 125-151.
TALÍZINA, N. F. Psicologia de la enseñanza. Moscú: Editoial Progreso, 1988.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Trad. Jeferson Luiz Camargo. São Paulo:
Mrtins Fontes, 1989.
________. A Formação Social da Mente. O desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
WEINER, B. An attributional theory of achievement motivation and emotion.
Psychological Review, v.92, n.4, 1985. p. 548-573.
ZIMMERMAN, B. J. Attaining self-regulation: A social cognitive perspective. In:
BOEKAERTS, M.: PINTRICH, P.; ZEIDNER, M. (Eds.) Handbook of Self-Regulation. New
York: Academic Press, p.13-39, 2000.

1322
POSIÇÃO ESPACIAL, PERCEPÇÃO CORPORAL E SIGNIFICAÇÃO: ANÁLISE DA PRESENÇA
NAS OBRAS DE GEORGE ROUSSE

Teófilo Augusto da Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Marília Pinheiro Alves


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Em visita ao Museo de Arte Contemporáneo do Chile, presenciamos as obras


intervencionistas do fotógrafo-artista francês George Rousse. Na ocasião, as obras
apresentadas levantavam uma questão que se assemelhava com a mesma
preocupação apresentada por Maurice Merleau-Ponty no Capítulo “O corpo” de
“Fenomenologia da Percepção” (2002) quando o autor pergunta qual a verdadeira
visão de uma casa e tendo a ideia de que tomamos como certa e verdadeira
fragmentos de um todo, a essência somente seria capturada se abandonássemos a
“visão de sobrevoo” (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 103). Na exposição de Rousse, a obra
primeira, a que coroava a abertura da exposição, era uma instalação construída e
fotografada passo-a-passo de onde em um determinado ponto (marcado com um “x”
no chão e apontado pelo segurança da instituição aos visitantes) podia-se ver uma
estrela. A questão da essência da percepção e sua relação com a linguagem está aí
colocada como pilar, tal como Hans Gumbrecht apontaria como sendo “significado de
presença” (2010). Sendo assim, este artigo visa versar sobre as implicações da
percepção do corpo-próprio (a relação do corpo que se vê e que vê o mundo que o
cerca) e sua relação com a obra artística visual. Para tanto, este trabalho apoiar-se-á
nas obras do já citado Maurice Merleau-Ponty em “Fenomenologia da Percepção”
(2002) e de Hans U. Gumbrecht em “Produção de Presença” (2010) em uma revisão
bibliográfica.
Palavras-chave: Percepção. Linguagem. Corpo. Fotografia. Fenomenologia.

INTRODUÇÃO
Há um destaque expressivo na questão da percepção visual como a principal
relação do homem com o mundo que o cerca e isso é (re)conhecido há muitos séculos.
A Óptica, parte da Física que trata do estudo da propagação dos raios luminosos, foi
fundada ainda no ano 300 a.C. por Euclides, mas é no século XIX que Helmholtz e
Fechner desenvolvem a teoria da percepção visual (cf. AUMONT, 2008, p. 17). Apesar
da distância temporal dos estudos, podemos ver que definitivamente a interferência
do sentido da visão no processo cognitivo humano foi alvo de interesse filosófico e
científico nos últimos séculos.

1323
A visão como sentido é um processo extremamente especializado composto
por funções ópticas, químicas e nervosas, que não iremos abordar neste artigo, mas
que o reconhecer deste fato torna a importância do posicionamento do corpo no
espaço – interesse principal de nosso artigo – prioritária para a compreensão simbólica
da mensagem visual. Sendo assim, além das relações materiais, temos o ambiente da
relação simbólica entre ser humano e coisa percebida o centro nervoso deste estudo
como criador da mensagem visual.
Basicamente, é a visão, somada a outros sentidos, a responsável pelo nosso
entendimento do tempo e do espaço. Por exemplo, na dimensão temporal nosso
cérebro processa duas imagens comparando-as e entendendo que “algo” ocorreu
entre os momentos X e Y. Mesmo com limitação, nossos olhos só percebem dois
fenômenos como não-sincrônicos se ambos estiverem distantes pelo menos 60 a 80
milissegundos (AUMONT, 2008, p. 32), assim duas imagens da mesma coisa servem
como referências para a mente de que algo transcorreu entre o momento X e o
momento Y. Assim, como na questão espacial, há algo de marcante no fato de sermos
um corpo que se vê vendo, isso determina que a visão colabore para o entendimento
daquilo que é o corpo e aquilo que não o é, e, portanto, faz parte do Mundo.
Assim, durante o amadurecimento (processo contínuo e não findado) das Artes
Visuais, como técnica e linguagem, os diversos artistas (pintores, escultores,
desenhistas, fotógrafos, etc.) aliados aos estudos da matemática, da física e da
fisiologia, permitiram o desenvolvimento de alguns preceitos simbólicos que
representariam as dimensões do tempo e do espaço quando observados por leitores
visuais da obra.
Conceitos como os índices de profundidade (Gradientes de Textura, Perspectiva
Linear e Variações de Iluminação) foram estudados, principalmente na pintura clássica
e renascentista (ARGAN, 2002) e replicados ou mimetizados e são usadas até os dias
atuais na fotografia e na pintura/desenho.

FOTOGRAFIA: COMPOSIÇÃO E PERCEPÇÃO


Há, na história da fotografia, a compreensão de que a expressão fotográfica
surgiu como uma capacidade mecanizada do homem em capturar a visualidade do

1324
mundo tal como se observava pelo próprio olhar. A mimeses (capacidade de cópia do
“real“) mostrou-se insuficiente para entender o fenômeno da expressão fotográfica, já
que o próprio aparelho fotográfico realizava uma espécie de “recorte”
espaciotemporal, ou seja, o fotógrafo escolhe exatamente em que momento e em que
tempo realizar a captura da imagem (DUBOIS, 1993).
Mesmo assim, a fotografia é uma mensagem visual trazida em um suporte
bidimensional e capturar uma imagem em fotografia pode ser entendido como dois
atos, que variam conforme a profundidade do entendimento técnico do apreensor
fotográfico: o fotógrafo amador que nunca teve treinamento formal, talvez tenha lido
o manual da câmera, mas que nos dias atuais apenas se deleita em visualizar a imagem
a ser capturada no visor de cristal líquido do celular; e o amador-avançado ou
profissional que já tiveram treinamento técnico, leram alguns livros sobre como
fotografar ou atuaram como fotógrafos. Para o primeiro, a captura das imagens não é
um exercício de reflexão sobre qual o resultado da mensagem visual e sim questão de
reflexo para capturar o “momento inesquecível”, o olhar que não pode ser perdido na
memória, aquela roupa que ficava tão bem. Para o segundo, as “regras” de
composição determinam o entendimento que o mesmo possuí sobre o significado da
mensagem visual capturada.
Os chamados “Manuais de Fotografia” (cf. FOLTS et al, 2007) como são
conhecidos os livros mais básicos de técnicas de fotografia têm geralmente nos seus
primeiros capítulos um que trata especificamente sobre composição. Composição para
fotografia é ensinada com os mesmos princípios que para a pintura, ou seja, o
entendimento do que simbolicamente seria o perto ou o longe, e suas representações
visuais, são replicadas na fotografia tanto quanto na pintura. Por isso, conceitos como
“ponto de fuga” ou “pontos de ouro” são vistos como determinantes para uma
fotografia tecnicamente “perfeita”.
Contudo, como perceber o objeto “em si” se o que parecemos observar são
apenas “figuras sobre fundos”? Para Rudolph Arhein (2011, p. 35) “o ver é
essencialmente um meio de orientação prática, de determinar com os próprios olhos
que uma certa coisa está presente num certo lugar e que está fazendo uma

1325
determinada coisa”, o que se assemelha ao pensamento de Maurice Merleau-Ponty de
que a visão é responsável pela localização do ser humano no Mundo.

HORIZONTES E PERSPECTIVAS
A imagem produzida pelo homem seria então uma espécie de mapa que o
ajudaria a se localizar no Mundo, mas ao observarmos as obras de Georges Rousse
questionamos a acuidade destes mapas, uma vez que vê-se a priori que diferentes
posicionamentos físicos do observador podem providenciar diferentes significações do
ambiente visto.
Para entender um objeto, Merleau-Ponty apoia-se em Leibniz: “a casa ela
mesma não é nenhuma dessas aparições, ela é (...) o geometral dessas perspectivas do
qual se podem derivá-las todas, ela é a casa vista de lugar algum” (MERLAU-PONTY,
2006, p. 103). Com isso, lança mão de um termo, horizontes, baseado nos estudos da
psicologia da Gestalt, que não é especialmente físico, mas também temporal: “cada
momento do tempo se dá por testemunhos todos os outros, ele mostra sobrevindo,
‘como aquilo devia passar’ e ‘como aquilo terá acabado’” (op. cit., p. 106).
Contudo, mesmo que concebamos a totalidade dos horizontes que
apreendemos, não seremos capazes de captar a essência do “objeto absoluto” (IDEM,
p. 107). “A casa tem seus conductos de água, seu chão, talvez suas fissuras que
crescem secretamente sob a espessura do telhado. Nós nunca os vemos, mas ela os
tem ao mesmo tempo em que suas janelas ou chaminés visíveis para nós” (IDEM,
p.107-108), concluindo que “é este êxtase da experiência que faz com que toda
percepção seja percepção de algo” (IDEM, IBIDEM), levando a determinação de que é,
então, nosso corpo, o nosso ponto de vista sobre o mundo, “como um dos objetos
desse mundo” (IDEM, p.108).

A consciência que eu tinha de meu olhar como meio de conhecer,


recalco-a e trato meus olhos como fragmentos de matéria. Desde
então, eles tomam lugar no mesmo espaço objetivo em que procuro
situar o objeto exterior e acredito engendrar a perspectiva percebida
pela projeção dos objetos em minha retina (IDEM, p. 108).

Conceber o conceito de horizontes como a constatação de que a percepção de


um objeto promove nosso entendimento como objeto do mesmo Mundo percebido,
1326
indica que “o conhecimento (...) só pode ser legítimo se tiver sido produzido por um
sujeito no ato de interpreta o mundo” (GUMBRECHT, 2010, p. 107). Convém salientar
que: (1) Hans Gumbrecht busca, como outros fenomenólogos, compreender o mundo
além da dicotomia sujeito/objeto; (2) que, então, já não acreditava, na escrita de sua
obra, que “um complexo de sentido pudesse estar separado da sua medialidade”
(GUMBRECHT, 2010, p. 32).
A base de seu pensamento, portanto, está no fato de que uma “experiência
estética” nada mais seria do que uma busca por atribuir sentido (cf. GUMBRECHT,
2010, p. 128), ou seja, um exercício do racionalismo hegemonicamente determinado
como a única legitimidade do conhecimento. Por essa razão, e por acreditar que
devamos nos concentrar na intensidade da experiência trazida pelos objetos, que
Gumbrecht propõe os “efeitos de presença” trazidos pelos objetos, mas não sendo
mero frutos de associação linguística ou sígnica, talvez possamos mesmo chamá-las de
antepredicativas (a saber, significados anteriores ao processo cognitivo e linguístico).
É com esse entendimento em mãos que visualizamos as obras de Georges
Rousse, principalmente uma que abria sua exposição no Museu de Arte
Contemporânea do Chile, que servia como “legenda” para as outras obras de sua
exposição.

A ESTRELA DE GEORGES ROUSSE


Ao adentrar a nave principal do prédio do Museo de Arte Contemporáneo
(MAC) faceávamos imediatamente uma instalação em lâminas de aglomerado de
madeira, pintados em tintas branca e preta159 (cf. FIGURA 01). Olhando de maneira
errática, verificaríamos que tratar-se-ia da reprodução de um cômodo de paredes
tortas, deixando aparente parte daquilo que seria a sua parede. A sensação era a de
vermos um cômodo arrancado violentamente do corpo do edifício do qual fazia parte.
O constructo contrastava com a arquitetura do próprio prédio do MAC,
representante de uma linha mais clássica, pintado em cor de marfim, com diversos

159
Tivemos a oportunidade de ver pessoalmente o trabalho de Georges Rousse em dezembro do ano de
2013 em exposição no Museo de Arte Contemporáneo de Santiago no Chile.
1327
adornos requintados. Então, a obra não poderia ter sido extraída deste prédio em
específico, pois visualmente ela não fazia parte do mesmo.
Após alguns minutos de observação, o vigia (que fazia papel de guia por
diversas vezes), aponta um local específico no chão, marcado com uma bola em tinta
branca, de onde poderíamos “ver melhor” a obra. Este “ver melhor”, este ponto no
chão, eram os locais que Rousse havia escolhido para retratar sua obra. Assegurar-se
que aquilo que ele queria que sua obra repassasse comunicativamente advinha
daquele pequeno ponto no espaço. E lá estava a estrela, a mesma da bandeira chilena.
Esta obra, em específico, não era apresentada em um suporte fotográfico (as
outras obras da mostra, todas grandes fotogramas impressos e emoldurados, estavam
dispostas nas salas que compunham o semicírculo no entorno do constructo, mas sua
execução se dá pelo olhar, mas não como na fotografia. Nas obras apresentadas em
suporte fotográfico, apenas uma condição de observação é dada ao apreensor da
imagem fotográfica. Apesar de polissêmica (SILVA, 2012), a fotografia se limita a uma
condição espaciotemporal que condiciona parte da leitura a ela dada, diferentemente
da instalação ali colocada que por mais que houvesse algo de fotográfico nela, ainda
assim ela estava na tridimensionalidade.
A espacialidade traduzida da fotografia, sua condição ontológica, é a
bidimensionalidade, melhor dizendo, o suporte da fotografia é tradicionalmente
bidimensional. Trata-se de uma folha, uma tela de um computador ou outro tipo de
aparelho eletrônico. Mesmo assim, por exercício da composição temos a sensação da
tridimensionalidade.
Figura 01

1328
Foto de Arquivo Pessoal. Obra de George Rousse.
As outras obras apresentadas no espaço do MAC, eram registros fotográficos
de exercícios de vicissitudes ambientais orquestradas por Rousse cujo resultado é
solidificado, não permitindo que uma mudança do posicionamento da visão do
observador altere o resultado perceptivo da obra. Diferentemente daquela que nos
recepcionou, q ue não estando sob condições fotográficas, permitia que
escapássemos do “lugar correto” e tivéssemos outra vivência da obra.
Ao compararmos com o que foi visto na obra de Rousse, entendemos que as
regras de composição podem ser limitadoras da mensagem visual. Quando o mesmo
interfere em um ambiente, por exemplo desenhando uma faixa perfeitamente linear
na fotografia, mas que é pintada sobre colunas e paredes em diferentes distâncias do
observador (cf. FIGURA 02).
Rousse brinca aqui com o conceito de horizontes. A imagem estática não
permite que alteremos o posicionamento do nosso corpo em relação ao eixo da obra,
contudo, tendo a experiência da obra da FIGURA 01, podemos projetar nossa
“experiência de presença” nas outras obras, sendo que para Gumbrecht presença está
atrelada basicamente à condição física (cf. GUMBRECHT, 2010, p. 103) teremos isso
associado a nossa “Memória do Mundo” (cf. MERLEAU-PONTY, 2006, p. 108).

1329
Figura 02

Obra de George Rousse.

Criaríamos horizontes mentalmente, girando nosso corpo, projetando-o em


diversas situações, fugindo assim às regras de composição e perspectivas que tentam
nos enganar no espaço bidimensional do quadro. A “presença” como condição física,
permite que exercitemos uma transubstanciação neste caso, mas apenas tendo a
experiência primeira da instalação da estrela.
Imaginemos, por um momento, que um visitante da exposição não estivesse
possibilitado, por razões que desconhecemos, de observar a instalação da Figura 01 e
passasse direto à observar as obras como a da Figura 02. Perguntamo-nos se teria ele
(a) a mesma capacidade de tecer significações sobre a obra.
Com isso, voltamos à Hans Gumbrecht e o conceito de “efeitos de presença”
associado à intensidade da experiência estética. Salientamos que Gumbrecht busca,
conscientemente vale dizer, “conceitos não interpretativos, para acrescentá-los aos
conceitos hermenêuticos” (op cit, 2010, p 76).
A discussão trazida por Gumbrecht aprofunda-se ao relacionar o Ser (dasein) de
Heidegger com a produção de presença já que ambos os conceitos baseiam-se na
questão material. A dicotomia está no fato de que há muito somos uma sociedade

1330
baseada na cultura do sentido, em que tudo tem que ter um significado (GUMBRECHT,
2010, p. 128).

Pelo mesmo motivo, prefiro falar (...) de “momentos de intensidade” e


de “experiência vivida” [äestetiches Erleben], em vez de dizer
“experiência estética” [äestetiches Ehrfahrung], pois a maioria das
tradições filosóficas associa o conceito de “experiência” a
interpretação, isto é, a atos de atribuição de sentido (op. cit., IDEM,
IBIDEM).

Desta maneira, para Gumbrecht, que entende ser o entendimento da


fenomenologia, “a experiência vivida ou Erleben, pressupõe, por um lado, que a
percepção puramente física [Wahrnehmung] já terá ocorrido e, por outro, que a
experiência [Ehrfahrung] lhe seguirá como resultado de atos de interpretação do
mundo” (op. cit. IDEM, p. 129).
Sendo assim, para ele, momentos de intensidade da relação de presença seria
uma constante, afinal “antes de ouvir minha ária favorita de Mozart não posso ter
certeza de que sua doçura tomará de novo conta de meu corpo” (op. cit., IDEM, p.
127) e, concluí que “a presença e o sentido (...) sempre aparecem juntos e sempre
estão em tensão” (op.cit., IDEM, p. 134).
Tomando a possibilidade do “momento de intensidade da relação de
presença”, poderíamos traçar a hipótese de que a experiência primária do espectador
ao presenciar na abertura da exposição a obra da estrela (cf. Figura 01) possibilitaria
dimensões significantes diferentes devido a sua relação de presença já ter sido
mediada anteriormente não sendo, então, nesse momento, traçada a intensidade, mas
o processo sígnico comprovando assim a hipótese de Gumbrecht de que “a presença e
o sentido aparecem juntos e estão sempre em tensão” (op. cit., IDEM, p. 134).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fotografia de George Rousse escapa as amarras tradicionais da linguagem
fotográfica, demonstrando que a preocupação do fotógrafo não deve apenas ser o
domínio da técnica ou permitir que a câmera faça sua própria configuração. Ou seja,
deve o fotógrafo concentrar-se na fotografia como suporte não apenas de sensações,
mas de uma mensagem visual e deve o leitor dessa imagem fazê-lo da mesma forma,

1331
de modo que sua leitura seja aprofundada e ele mesmo se coloque virtualmente no
lugar do apreensor da imagem fotográfica.
A hipótese de ligação entre a teoria da percepção de Maurice Merleau-Ponty e
a teoria da “Produção de Presença” de Hans U. Gumbrecht demonstrou ser viável,
dentro de uma ligação conceitual que vai além de apenas considerar a veia
fenomenológica de ambos os teóricos e requer uma pesquisa mais detalhada. Se
estendermos a análise que procurou ser feita aqui a outras obras fotográficas, teremos
diferentes interpretações daquelas comumente encontradas.
Assim, conquistar a essência da obra de Rousse seria um exercício muito maior
do que apenas visualizá-la do “ponto certo”, mas o somatório de todos os horizontes
(perspectivas), inclusive de significados, presentes na obra.

REFERÊNCIAS
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 2.ed.
AUMONT, Jaques. A Imagem. Campinas: Papirus, 1993. 13 ed.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1983.
BARTHES, Roland in ADORNO, Theodor et al. Teoria da Cultura de Massa. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
BENJAMIN, Walter. "A Obra de Arte na Época de Sua Reprodutibilidade Técnica". In:
LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da Cultura de Massa. 7.ed. São Paulo: Paz e Terra,
2000, pp.221-254.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.
7.ed. Coleção Estudos.
COTTON, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2010.
DUBOIS, Philipe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. 4.ed.
GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2008. 16.ed.
GUMBRECHT, Hans Ulricht. Produção de Presença: o que o sentido n”ao consegue
transmitir. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 2010.

1332
COTTON, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2010.
DUBOIS, Philipe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. 4.ed.
KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. Barcelona: Gustavo Gili, 2010. 1.ed.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. 3.ed.
_______________________. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2007,
4.ed.
_______________________. O Olho e o Espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
MUNIZ, Fernando et al. Os filósofos e a artes. Organização Rafael Haddock-Lobo,
Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
NOVAES, Adauto et al. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo:
Editora Senac São Paulo, 2009. Tradução de Constancia Egrejas.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

1333
RESUMOS DAS APRESENTAÇÕES ORAIS E DOS BANNERS

1334
GT 01 – Língua, Linguagem e Educação

CAPITAL LINGUÍSTICO / VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: UM DIÁLOGO ENTRE BOURDIEU E


LABOV

Marcello Riella Benites


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Eliana Crispim França Luquetti


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Sérgio Arruda de Moura


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: Ler A Economia das Trocas Linguísticas (BOURDIEU, 1982) e A estratificação


social do r nas lojas de departamentos de Nova York (LABOV, 1966), num diálogo
interdisciplinar entre os autores. Observar a análise dialética de Bourdieu quanto à
busca de aquisição do capital linguístico pelos falantes. Perceber como Labov supera o
“paradoxo do observador” e registra/quantifica as variações diastráticas da fala.
Leremos Bourdieu (1982, p. 37 - 39) que cita Labov (1966). Já o sociolinguista
comparece por meio de Mendes (2013), autor do capítulo Língua e variação, em
Linguística? Que é isso? (FIORIN, 2013). O autor francês aplica noções da economia na
sociologia e na linguística, como ocorre com o conceito de “capital linguístico”. Já o
estadunidense quantifica o esforço de funcionários de lojas para falar segundo a
norma de prestígio. Um conhecimento mais aprofundado das diferenças entre as
metodologias utilizadas pelos dois autores, a saber, a análise dialética de Bourdieu, e a
pesquisa quantitativa de Labov. A percepção das possibilidades de estudos
interdisciplinares envolvendo sociologia e sociolinguística. A agudeza de Bourdieu
acerca das disputas sociais, coerções e estratégias inconscientes entre falantes de
setores dominantes e dominados encontra sintonia em Labov. O sociólogo cita o
sociolinguista para reafirmar que a busca por capital linguístico inscreve-se na fala. A
metodologia de Labov superando o “paradoxo do observador” contribui com um
registro mais preciso das variações diastráticas da fala.
Palavras-chave: Capital linguístico. Variação linguística. Bourdieu. Labov. Paradoxo do
observador.

1335
INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DE ARTE: A PROPOSTA RIZOMÁTICA DA
DVDTECA ARTE NA ESCOLA

Amanda Cristina Figueira Bastos de Melo


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – Campus Avançado
São João da Barra

Carlim Silva Paravidino


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – Campus Pádua

RESUMO: A partir de um levantamento bibliográfico, o presente artigo visa discutir a


questão da interdisciplinaridade no ensino de arte a partir da proposta rizomática,
desenvolvida no material educativo da DVDteca Arte na Escola. Traçando um breve
panorama sobre a relação entre o ensino de arte e a interdisciplinaridade, pretende-se
ressaltar a importância da Arte na Escola e a relevância de uma educação voltada para
a interdisciplinaridade. São comentadas também a visão interdisciplinar de alguns
documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, ressaltando ainda
mais a questão da interdisciplinaridade como fator importante dentro da escola. Após
um breve panorama sobre o conceito filosófico de rizoma defendido por Deleuze &
Guattari (2011), este artigo propõe uma reflexão sobre o material didático
desenvolvido pelo Instituto Arte na Escola. A DVDteca Arte na Escola foi criada em
2004, com o intuito de prover um material didático baseado no pensamento
interdisciplinar e rizomático. Como parte integrante do material didático da DVDteca,
cada DVD acompanha um livreto com informações, orientações e dicas para o
professor de arte. Ao levantar essas reflexões, o presente artigo pretende reconhecer
e destacar a importância dessa iniciativa inovadora no ensino de arte por parte do
Instituto Arte na Escola, que se coloca numa perspectiva contemporânea em busca na
melhoria da qualidade do ensino de arte.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Rizoma. Arte. Educação.

1336
FORMAÇÃO ESCOLAR E ATUAÇÃO DOCENTE: PERSPECTIVAS SOBRE LEITURA, ESCRITA
E ORALIDADE NO ENSINO FUNDAMENTAL I

Priscila de Andrade Barroso Peixoto


UENF

Dhienes Charla Ferreira


UENF

Shayane Leal Pessanha


UENF

Eliana Crispim França Luquetti


UENF

RESUMO: O objetivo deste trabalho consiste em realizar um maior diálogo entre


escola, professores e estudantes sobre as práticas de leitura, escrita e oralidade no
Ensino Fundamental I, a fim de vincular a pesquisa à realidade da sala de aula. A
pesquisa, visa também convidar professores da rede pública de ensino, a contribuírem
para a socialização das experiências educativas em torno do compromisso de ler e
escrever. Dessa forma, fizemos um levantamento das questões problemáticas que
estão envolvidas nesse processo de ensino-aprendizagem da leitura, estudamos então
o processo e suas implicaturas e, dentre essas, abordamos prioritariamente a dislexia,
o transtorno da aquisição da linguagem e da aprendizagem, utilizamos vários
referenciais teóricos dentre eles: GATTI (2013); SAMPAIO (2011); IMBERNÓN (2010);
AZEVEDO (2004); ZORZI (2003). Considerando o fato de que a leitura e a escrita
constituem-se em importantes canais de comunicação entre as pessoas, destaca-se
que todos os indivíduos têm direito ao acesso aos mesmos, e, na medida em que uns
sabem ler e escrever, e outros não, cria-se uma relação de desigualdade. Assim sendo,
trouxemos à cena o processo de formação docente, onde os futuros profissionais do
ensino devem buscar suporte para os processos de alfabetização, a fim de garantir
para as crianças e jovens, o direito à educação escolar de qualidade. Assim, este
trabalho pretende uma reflexão crítica da prática educativa, na construção coletiva e
compartilhada, contribuindo para a melhoria do ensino nas escolas.
Palavras-chave: Atuação docente. Dislexia. Ensino-aprendizagem.

1337
ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DAS CONCEPÇÕES DOS ESTUDANTES ACERCA DO CONCEITO
DE VELOCIDADE DE REAÇÃO

Ismael Cruz
IQ/UFBA

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar as diversas concepções dos
estudantes acerca do conceito de velocidade de reação química considerando sua
natureza e seus diversos contextos. A principal concepção de educação que permeia o
trabalho de intervenção é a pedagogia crítico-social dos conteúdos que concebe que o
papel primordial da escola é difundir conteúdos vivos, concretos, indissociáveis das
realidades sociais. Como referencial metodológico foram usadas a proposta de modelo
de perfis conceituais. Foi aplicado um questionário de concepções a uma turma
contendo 30 alunos do 2º ano do ensino médio da rede pública do estado da Bahia,
em Salvador, antes e após as aulas teóricas e a problematização através de fenômenos
como a dissolução de um comprimido efervescente em diferentes condições
(temperatura e pulverizado/não pulverizado) e a decomposições do peróxido de
hidrogênio (concentração), na presença de um tubérculo (batata). A partir da análise
qualitativa e quantitativa das concepções prévias foi constatado que a maioria dos
sujeitos inicialmente possuem concepções alternativas e que explicam os fenômenos
químicos através de aspectos puramente sensoriais. Porém, após as intervenções
pedagógicas constatou-se que os alunos apresentavam respostas de caráter científico,
contudo, na maioria dos casos, quando submetidos situações/problemas que
apareciam com a formulação explicitamente científica. Deste modo, fica evidente a
dificuldade que os estudantes do ensino médio têm de pensar a ciência química para
além do contexto disciplinar.
Palavras-chave: Educação. Química. Ensino.

1338
PARA QUÊ? POR QUEM? E PARA QUEM?
O LIVRO DIDÁTICO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA E GÊNERO DISCURSIVO EM
CIRCULAÇÃO NO BRASIL

Thiago Eugênio Loredo Betta


IFF

RESUMO: O livro didático é um gênero discursivo cujos espaços de emergência e


circulação envolvem vasta cadeia mercadológica. No contexto brasileiro, essa cadeia
apresenta influência e participação do Estado por meio do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD). O programa classifica obras e as distribui para as redes públicas de
ensino. Historicamente, a interferência estatal nesse domínio inicia no Estado Novo.
Neste artigo, por meio de um estudo bibliográfico, remontamos a história e o sentido
pragmático do gênero discursivo, convertido em política pública, com o objetivo de
mapear e analisar a presença e a participação dos atores sociais envolvidos a fim de
elucidar posicionamentos ideológicos. O estudo é embasado pela teoria do discurso
proposta por Pêcheux em diálogo com Marx e Althusser e atualizada por
Maingueneau. De Althusser, também consideramos o conceito de Aparelhos
Ideológicos de Estado e, com Bakhtin, atribuímos à língua o caráter de fato social e
apreendida em dispositivos estáveis, os gêneros discursivos. Nessa investigação,
sugerimos que a atuação do Estado na circulação de livros didáticos traduz-se na
manutenção do status quo e, no contexto dos livros de Língua Portuguesa e Literatura,
na imposição de um modelo sócio-discursivo dominante. Por fim, pontuamos que os
investimentos públicos devam contemplar o empoderamento intelectual do professor,
aqui observando especialmente os de Língua Portuguesa e Literatura, para que se
afirme como ator efetivo no processo pedagógico, construindo seu material de
trabalho de forma dialética entre a atividade em sala de aula, a produção ininterrupta
de discursos na sociedade e os estudos acadêmicos.
Palavras-chave: Livro Didático. Política Pública. Gênero Discursivo. Discurso e
Ideologia.

1339
POR UMA SOCIOLINGUÍSTICA DA VISUALIDADE. UM CAMINHO POSSÍVEL PARA
ENTENDER A PRODUÇÃO ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA

Carlim Silva Paravidino


IFF Campus Pádua

Amanda Cristina Figueira Bastos de Melo


IFF Campus Avançado São João da Barra

RESUMO: Esta pesquisa, de natureza qualitativa e do tipo bibliográfica, objetivou


identificar a origem do medo que muitas pessoas têm diante das produções artísticas
contemporâneas. O problema de investigação, motivador deste estudo, surge da
afirmação de Cocchiarale (2006) quando diz que esse medo, decorre do fato de que
nós habituamo-nos a pensar que a arte é uma coisa muito diferente da vida, dela
separada pela moldura e pelo pedestal. Ele diz que a ideia de uma arte que se
confunda com a vida é muito difícil de ser assimilada porque os nossos repertórios
ainda são formados por muitos traços conservadores. A partir desta consideração
perguntamos: de que forma a sociolinguística pode ajudar na compreensão das
linguagens artísticas contemporâneas? O estudo analisa conceitualmente os
fundamentos teóricos da sociolinguística, por ver nessa, uma aliada na construção de
uma melhor compreensão das diversas formas que as linguagens visuais se
apresentam. Analisaremos ainda, as teorias da arte e da estética contemporânea e
discutiremos sobre o preconceito linguístico existente pelas variações que ocorrem nas
linguagens visuais emergentes. Fica, portanto, a certeza de que qualquer pretensão de
uniformizar as linguagens visuais, ou seja, uma busca por uma estética “correta” é,
senão utópica, inviável, visto as diversas influências sofridas em sua constituição e
estruturas.
Palavras-chave: Linguagem visual. Sociolinguística. Arte contemporânea.

1340
O USO DOS ESTRANGEIRISMOS NA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO DE FALANTES DA
REGIÃO NORTE-FLUMINENSE

Laís Teixeira Lima


UENF

Eliana Crispim França Luquetti


UENF

RESUMO: Este trabalho objetiva compreender o processo de aquisição dos vocábulos


oriundos da Língua Inglesa no discurso dos falantes de Língua Portuguesa. Busca-se
ainda, estabelecer relação ente os termos Empréstimo e Estrangeirismo, evidenciando
suas particularidades e diferenças. Visto que, puristas e linguistas possuem ideias
divergentes sobre o uso de tais palavras, objetiva-se apresentar as visões opostas dos
autores em relação ao uso dos estrangeirismos na Língua Portuguesa, e a partir daí,
refletir sobre ambas vertentes. Para melhor compreensão, analisaremos a utilização
dos estrangeirismos por alunos do ensino superior das cidades de Campos dos
Goytacazes e Itaperuna, para que tal apreciação seja possível, será observado o Corpus
das cidades em questão. As propagandas também serão fontes de análise, avaliaremos
como o uso dos estrangeirismos pode influenciar o conceito dos consumidores. A
partir daí, elaboraremos um inventário de palavras cujas presenças podem ser
fortemente observadas tanto no discurso quanto nas propagandas. E então, analisar se
tal uso pode ocasionar influências tanto em aspectos linguísticos quanto políticos.
Palavras-chave: Estrangeirismo. Discurso. Propaganda.

1341
AULAS INTERDISCIPLINARES COM O XADREZ: UMA EXPERIÊNCIA NO PIBID/UENF

Cristiano da Silveira Colombo


IFES/UENF

Eliana Crispim França Luquetti


UENF

Nilson Sergio Peres Stahl


UENF

Sérgio Arruda de Moura


UENF

RESUMO: Com o intuito de oportunizar, incentivar a prática e o estudo do xadrez


como instrumento pedagógico, são descritas neste trabalho as experiências coletadas
durante a oficina de xadrez "O xadrez em sala de aula: uma abordagem
interdisciplinar". Os futuros professores elaboraram planos de aula interdisciplinares
de conteúdos da Biologia, Física, História, Matemática, Português e Química, tendo
como aporte o tabuleiro e as peças de xadrez. Esta oficina foi realizada no Fórum PIBID
2014 na Universidade Estadual Norte Fluminense (UENF) e faz parte do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) desenvolvido na UENF. O PIBID
permite uma aproximação entre as teorias estudadas do futuro professor com a
realidade que ele encontrará na sala de aula. Desta forma, torna-se natural a iniciativa
de promover aos futuros professores o uso de novas metodologias em sala de aula. O
xadrez é apontado como fator relevante para despertar o espírito reflexivo e crítico,
ampliando a capacidade para a tomada de decisões, dando ao aluno a oportunidade
de apreensão de uma pauta ética para a aquisição de valores morais, melhorando a
segurança pessoal e a autoestima. Em outros aspectos, tem ação no desenvolvimento
da atenção e da capacidade de concentração, por meio de seu conteúdo lúdico,
proporcionando prazer ao praticante (CHRISTOFOLETTI, 2007). Com os resultados
obtidos neste trabalho, pretende-se demonstrar que é possível a construção de planos
de aula interdisciplinares utilizando o jogo de xadrez, no intuito de tornar as aulas
interativas, atrativas e que despertem no aluno as suas habilidades cognitivas.
Palavras-chave: Xadrez escolar. Formação docente. Interdisciplinaridade. PIBID.

1342
ENTRE LOBOS, FADAS E BRUXAS: IDENTIDADE, MEMÓRIA E LITERATURA NOS
BOSQUES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Fabrícia Vellasquez Paiva


UFRRJ

Luana da Silva Teixeira


UFRRJ

Tamyr Cavalcante de Souza


UFRRJ

RESUMO: O presente trabalho é fruto das atividades que vêm sendo realizadas por um
grupo de bolsistas de Pedagogia/Seropédica da UFRRJ, em uma escola municipal da
mesma cidade, na educação infantil. O objetivo deste projeto é trabalhar memória e
identidade, individual e coletiva, com vistas à compreensão da história local pelos
alunos. Partindo do referencial de Benjamin (1987), segundo o qual a perda da
memória, por vezes, representa um grave problema para a sociedade que perde sua
história, utilizamos a contação de histórias, através de obras de literatura
infantojuvenil, para incentivar o entendimento acerca do nome, da identidade, do
quem sou eu, quais as minhas memórias e quem eu gostaria de ser. Utilizamos,
também, a literatura oral, em seu conceito de patrimônio (Topa, 2000), com as
cantigas de roda, as atividades de trava-línguas e parlendas para resgatar e valorizar a
cultura popular e a memória local. Como resultados, temos observado que os alunos
estão identificando melhor o seu nome, e reconhecendo seu espaço, por meio das
histórias lidas e das cantigas. Por fim, através do projeto, estão sendo confeccionados
vários materiais, como livro de biografia de cada criança, além de jogo da memória e
de fantasias para trabalhar a imaginação – todos na perspectiva dialética de quem eu
gostaria de ser, ou posso ser, sem deixar de ser eu mesmo. No momento, esse material
está sendo catalogado para compor o acervo de um espaço de leitura e de memória, a
essas crianças, na própria sala de aula, no formato de uma bebeteca.
Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil. Literatura oral. Memória. Identidade.

1343
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A TRANSPOSIÇÃO DOS PCNS ÀS PRÁTICAS DE
SALA DE AULA: ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA

Cíntia Moreira de Castro


Univesidade Federal do Norte Fluminense

RESUMO: O ensino de Língua Portuguesa tem despertado inúmeros debates acerca


dos gêneros orais e escritos como objetos de ensino nas salas de aula do país. A
reforma da educação propôs uma mudança significativa na maneira como é concebida
a disciplina, bem como deve ser examinada e ensinada. Tais mudanças ganharam voz e
sentido com a chegada de programas e propostas curriculares oficiais brasileiros a
partir de 1997/1998 e com a elaboração e publicação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais. Esta pesquisa objetiva refletir como a transposição dos PCNs às práticas de
sala de aula tem se efetivado e se a constituição desse documento assegurou as
mudanças pretendidas, sobretudo no que tange à organização curricular das escolas, e
ainda, sobre a formação inicial e contínua dos professores para um efetivo ensino de
linguagem, que garanta o aumento real das possibilidades de interação do aluno com a
sociedade, implicando maior acesso às informações e possibilidade de interpretação
dessas informações nos contextos sociais onde estejam inseridos, como preconizam os
PCNs. Assim, a fim de refletirmos sobre as práticas docentes para o ensino de língua
portuguesa serviu-nos como aporte a observação do universo das aulas de seis turmas
de 9°Ano do Ensino Fundamental, da Escola Municipal Inayá Moraes do Couto, situada
no município de Rio das Ostras e questionários aplicados aos professores e alunos,
ainda em fase de análise e tabulação. Valemo-nos dos pressupostos teóricos da
sociolinguística, além das orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa para fundamentar nossa análise e reflexão, bem como, do suporte teórico
de Bagno (2007), Bakhtin (1953/1979/1992) Bronckart (1998), Dolz e Schneuwly (1996)
e Geraldi (1984).
Palavras-chave: PCNS. Linguagem. Práticas docentes em Língua Portuguesa.

1344
A INTERLOCUÇÃO ENTRE LINGUAGEM, COGNIÇÃO E INTERDISCIPLINARIDADE

Edma Regina Peixoto Barreto Caiafa Balbi


UENF/IFF

Daniela Balduino de Souza Vieira


UENF/IFF

Eliana Crispim França Luquetti


UENF

RESUMO: Desde as últimas décadas do século XIX, a linguagem humana tem sido
objeto de estudo de diversos grupos de profissionais. Isso se deve ao fato de ela estar
relacionada a uma capacidade própria do ser humano: a comunicação. A linguagem
tanto pode ser entendida de uma forma mais geral, quanto de forma mais específica,
para os usuários de português, ela tem sentido mais amplo, ficando a língua
portuguesa como um caso específico dela, uma vez que existem diversos tipos de
linguagem além da verbal. Quando tomada como conceito geral, a linguagem refere-se
à capacidade humana de aprender e usar sistemas de comunicação mais complexos
como, por exemplo, o sistema de programação de computadores. Este artigo tem
como objetivo evidenciar o caráter interdisciplinar da linguagem, uma vez que ela nos
acompanha por toda a vida, do momento de nosso nascimento até o fim de nossa
existência, estando, portanto, presente em todas as situações de aquisição de
conhecimento. Além disso, pretende-se apontar a interdisciplinaridade como a
possibilitadora de um saber mais consistente, visto que proporciona que o
aprendizado se efetive de forma mais global, menos fragmentada, em consonância
com a visão de que o conhecimento tem como base um caráter integrador e que essa
integração dos saberes tem sido muito valorizada na atualidade.
Palavras-chave: Linguagem. Interdisciplinaridade. Comunicação.

1345
O PERCURSO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS NAS SINCRONIAS DOS SÉCULOS XIX E
XXI NA CIDADE DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

Dhienes Charla Ferreira


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Eliana Crispim França Luquetti


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar uma análise da trajetória de
mudança das expressões idiomáticas nas sincronias dos séculos XIX e XXI na cidade de
Campos dos Goytacazes. Partimos do pressuposto de que a língua não comporta
somente a gramática, mas também, abrange um léxico incluindo as normas sociais de
uso da língua. No entanto, o ensino de Língua Portuguesa, nos últimos anos, tem sido
marcado pelo lugar central e exclusivo da gramática normativa baseando na
concepção de certo ou errado. Assim, este estudo justifica-se por ser um importante
recurso pedagógico a ser utilizado nas salas de aulas de escolas, principalmente no
Ensino de Língua portuguesa. Para tal pretensão, nossa amostra será constituída por
expressões idiomáticas na linguagem publicitária presente nos jornais do século XIX e
por expressões usadas no século XXI coletados no corpus “A língua falada e escrita na
região norte-noroeste fluminense” (Núcleo de estudos Linguagem e Educação), da
Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF. Acreditamos que é possível
promover a valorização da diversidade linguística e da heterogeneidade do léxico
através de seu conhecimento e difusão de sua existência. Ressalta-se, que um estudo
desse tipo faz-se imprescindível na cidade de Campos dos Goytacazes tomando em
consideração a realidade sociocultural presente na cidade, evidenciada através de
reflexões sociolinguísticas que direcionam para a necessidade de um ensino de Língua
de Língua portuguesa que favoreça a inserção social, a partir da reflexão da língua e
seus diferentes usos.
Palavras-chave: Ensino lexical. Expressões idiomáticas. Variação linguística.

1346
POLÍTICA EDUCACIONAL: A RELAÇÃO PÚBLICO - PRIVADO NO COLÉGIO PARTICULAR
RIO BRANCO EM BOM JESUS DO ITABAPOANA

Suelen Ribeiro Souza


UENF

Silvia Alicia Martinez


UENF

Renata Maldonado Silva


UENF

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo discutir a cultura escolar do Colégio
Rio Branco, instituição privada situado no Município de Bom Jesus do Itabapoana/RJ
(1922-2011), e sua relação com as políticas públicas educacionais municipais nas
décadas de 70 e 80 do século XX, coadunado a ação interna com as diretrizes
Educacionais Estadual e Federal. Entende-se que “a cultura escolar desponta das
diversas formas de interação no ambiente escolar na transmissão de conhecimentos
teóricos do docente com o saber escolar e as conexões entre vida escolar e reformas
educativas. Essa relação será analisada através da política de bolsas existente na
escola, ofertadas pelo município, sendo a única instituição a ministrava o ensino de
segundo grau na cidade. Essa pesquisa será realizada sob a perspectiva qualitativa, na
base histórica. A averiguação da trajetória da escola dar-se através de análise de
documentos, jornais (Norte Fluminense) entrevistas. Para tal, propõe-se analisar o
discurso tendo como foco o conceito de “Capital Cultural” de Pierre Bourdier. O intuito
aqui é compreender a cultura escolar presente na instituição e a influência que a
política de bolsa exerce sobre ela. Acredita-se que a assistência do poder público
Municipal, ocorre em detrimento da ausência de instituições públicas Estadual e
Federal com oferecimento das modalidades de ensino oferecidos por esta instituição.
Conclui-se, que ao longo do tempo o Colégio Rio Branco, preocupou-se com a
escolarização bonjesuense, atendendo à todas as classes, através de bolsas de estudo,
o que contribui de forma significativa para a construção de uma cultura escolar
singular que manteve este educandário como o mais importante da cidade durante
décadas, mesmo depois da fundação de escolas públicas.
Palavras-Chave: Cultura Escolar. Política de Bolsa. Colégio Rio Branco. Política
Educacional.

1347
PRÁTICA DOCENTE: REFLEXÕES SOBRE O PIBID/ISEPAM

Euzilene dos Reis Ferreira


ISEPAM

Eliane Pereira da Costa


ISEPAM

Dhienes Charla Ferreira


UENF

RESUMO: O objetivo principal deste trabalho consiste em apresentar reflexões sobre a


leitura e da escrita no processo de desenvolvimento do aluno através dos olhares da
atuação no PIBID/ISEPAM. Além disso, apresentamos algumas contribuições do
pensamento de Emilia Ferreiro. As ações fazem parte do subprojeto “Construindo o
aprender” do PIBID/ISEPAM coordenado pala professora Eliane Pereira da Costa. As
atividades são realizadas na Escola Municipal Bartolomeu Lizandro no distrito de
Travessão em Campos dos Goytacazes-RJ e direcionadas aos alunos do primeiro
segmento do Ensino Fundamental que se encontram no processo de aquisição de
leitura e escrita. Realizamos uma sondagem baseada nas hipóteses da escrita infantil
segundo Emília Ferreiro, antes do início do período de execução das atividades de
leitura e escrita. Assim, levamos em conta o fato de alguns alunos já terem contato
com o letramento e alfabetização enquanto que outros ainda não obtiveram esse
contato. Com isso, procuramos desenvolver a aprendizagem considerando essa
diversidade e os parâmetros estabelecidos a partir dessa sondagem. Dessa forma, as
atividades são executadas de forma específica para a necessidade de cada aluno.
Ressalta-se que o trabalho é realizado através da integração escola e o Instituto
superior, buscando estabelecer um elo entre a proposta academia e a prática do
professor da turma que recebe o “pibidiano”. Essa proposta se torna válida e
enriquecedora diante da defasagem na leitura e escrita dos alunos da rede pública da
cidade de Campos dos Goytacazes, para que assim possa se alcançar êxito e a plena
formação do ensino da língua materna voltado não só para alfabetização, mas também
ao desenvolvimento do letramento na criança.
Palavras-chave: Letramento. Alfabetização. PIBID/ISEPAM.

1348
O AMOR EM CORÍNTIOS RETOMADO POR CAMÕES E RENATO RUSSO

Joel Arruda De Oliveira Neto


UFF/CEDERJ

Margarida Maria De Menezes Pelegrini


UFF/CEDERJ

Thacio Azevedo Ladeira


UFF/CEDERJ

Viviane C. F. Rodrigues
UFF/CEDERJ

RESUMO: A intertextualidade é um fenômeno que se manifesta na


construção/produção e recepção dos textos em geral, já que é um conjunto de
enunciados, tomados de outros textos que se cruzam e se relacionam. Kristeva (2005,
p. 67-68) conceitua intertextualidade afirmando que “todo texto se constrói como
mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um em outro texto”.
Para a autora, o texto é um conjunto de enunciados que se relacionam, concepção
teórica que também se alinha ao que propõe Fewell (1992) e Koch (2004). Dessa
forma, nosso trabalho tem como proposta apresentar o conceito de intertextualidade
postulado pelos autores supracitados, a partir da análise da consagrada música do
compositor Renato Russo: “Montecastelo”, cuja construção parte de textos literários
escritos por escritores e épocas diferentes. Inicialmente, nossa proposta é mostrar que
um texto cita outro tendo em vista finalidades distintas, ora para reafirmar alguns dos
sentidos do texto citado, ora para inverter, contestar, subverter alguns dos sentidos do
texto citado. Por fim, pretendemos evidenciar que em um texto circulam vozes sociais,
além de mostrar que as produções humanas configuram-se em uma infindável rede, e
cada sujeito vai construindo seu pedaço. A intertextualidade torna-se, dessa forma, um
fenômeno constitutivo do texto, sendo um enriquecimento da leitura e da produção.
Palavras-chave: Intertextualidade. Vozes sociais. Música “Montecastelo”.

1349
OS FRAMES ENQUANTO FERRAMENTAS COGNITIVO-PEDAGÓGICAS DE ATIVAÇÃO DE
CONHECIMENTO PRÉVIO NA LEITURA EM LE

Lívia Lúcia Veloso de Oliveira


Escola Municipal Afonso Salles, Itaboraí/RJ

RESUMO: O presente trabalho vem apresentar os resultados de uma pesquisa que


buscou investigar o papel ou os papéis que o conceito de frame poderia ter no ensino
de leitura em língua estrangeira. Primeiramente, procurarei conceitualizar a noção de
frame a partir de estudos situados na Linguística Cognitiva, como os de Tannen (1979),
Fillmore (1982), Lakoff (1987), Kovecses (2006), entre outros. Em seguida, apresentarei
uma das tarefas de leitura empregadas na pesquisa (elaborada conforme orientação
dos PCN LE e outros referenciais teóricos) e, inseridas nessa tarefa, duas possíveis
atividades de pré-leitura, uma que emprega a estratégia do estímulo direto e, outra, a
do estímulo indireto ao acionamento de frames, no intuito de observar qual das duas
estratégias melhor favorece a ativação de conhecimento prévio. O Cartum foi o gênero
discursivo que serviu de base para a elaboração das tarefas de leitura, uma vez que
pressupõe um alto grau de conhecimento compartilhado, conforme pôde ser
corroborado ao longo do processo de geração de dados da pesquisa a que se vincula o
presente trabalho. É importante ressaltar que na fase de pré-leitura, direcionada pela
técnica de pesquisa e estratégia pedagógica “Pensar Alto em Grupo” (Zanotto, 1992;
1995), foi onde se concentrou, com maior ênfase, o papel dos frames na leitura dos
textos propostos.
Palavras-chave: Frames. Leitura em LE. Pré-leitura. Ativação de conhecimento prévio.
Cartum.

1350
LITERATURA INFANTIL: UM CONVITE AO FANTÁSTICO MUNDO DO POEMA ATRAVÉS
DA POESIA

Alessandra da Silva Bocafoli


FAETERJ

Marcela Tavares de Mello


FAETERJ

RESUMO: O presente trabalho objetiva realizar um breve estudo sobre a importância


da poesia na vida das crianças na educação infantil, mostrando quão significativo e
prazeroso pode ser o trabalho com o gênero poema, para o desenvolvimento
intelectual dos alunos, verificando sua importância na vida dos mesmos. Nesse sentido
suscitamos as seguintes indagações: é possível sensibilizar os alunos da educação
infantil através da poesia? Quais os elementos que o educador pode lançar mão para
trabalhar a poesia com seus alunos? Além disso, apresentaremos algumas sequências
didáticas que podem ser trabalhadas com o gênero poema. Justifica-se a utilização da
poesia em sala de aula, como um recurso promotor da educação, visto todo leque de
possibilidades de trabalho que contribuem para desenvolver as potencialidades das
crianças. A metodologia empregada fundamenta-se em pesquisas bibliográficas
expressa no decorrer dos capítulos. Autores como Gebara (2012), Elias José (2003),
Sorrenti (2007), Coelho (1985), Abramovich (1997), Dolz e Schneuwly (1997),
Zilberman (1985), dentre outros, serviram de alicerce teórico para a realização deste
trabalho. Os resultados demonstraram que a poesia quando trabalhada de forma
adequada coopera para o desenvolvimento oral, cognitivo da criança, visto que ela
desenvolve a oralidade, a imaginação e a criatividade que são necessárias para o
desenvolvimento dos infantes. Concluímos que por meio de inúmeras possibilidades
lúdicas e sensoriais que a poesia propõe, pode-se contribuir para a formação de
leitores, críticos e reflexivos, sensíveis, dotados de formação cultural e afetiva, posto
que a poesia sensibiliza os sentidos, desenvolve o imaginário e sobretudo torna o
homem mais humano.
Palavras-Chave: Poema. Poesia. Sequência didática.

1351
ESCREVENDO MAIS, EU ME (RE)ESCREVO

Caroline Fardin
Centro Universitário São Camilo – ES

Dayane Herrmly
Centro Universitário São Camilo – ES

Yêrecê Regina Medeiros Simões


Centro Universitário São Camilo – ES

RESUMO: Devido à desmotivação e a problemática em relação à leitura e escrita,


notou-se a necessidade de interferir no processo de ensino-aprendizagem, por meio
de pesquisas, observações e práticas em sala de aula. Sua elaboração priorizará o
incentivo do mesmo, levando como ponto de partida as ideias que alguns autores
estudados apresentam sobre essa temática tão discutida e a verdadeira realidade
encontrada. Por isso, um dos objetivos desse trabalho é estimular e persuadir a sua
prática, assim formará um cidadão crítico. O trabalho será realizado a partir dos
diversos gêneros textuais retirados nos jornais e nas obras da “nossa” literatura. As
aulas serão preparadas de acordo com a realidade de cada turma. Para Maria Clara
Jorgewich Cohen, é interessante desvendar os mistérios que envolvem o incerto
campo da leitura e a escrita, sendo fundamental realização de um trabalho
significativo na vida dos alunos. Tudo tem que fazer a diferença na vida deles. Com
essas aplicações podemos concluir que os discentes conseguiam com maior facilidade
diferenciar e usar os diferentes tipos de gêneros textuais, juntos com as discussões que
os textos literários possibilitaram e assim, despertaram o interesse em desvenda-la e
estuda-las ainda mais. Agora tínhamos alunos questionadores. Um trabalho que
começou fazer a diferença e que tem muito a caminhar ainda.
Palavra-chave: Leitura e escrita. Jornal e Literatura. Práticas.

1352
A CRIAÇÃO ICÔNICA DOS NOMES DOS PERSONAGENS MACHADIANOS

Ana Lúcia Lima da Costa


UFF

RESUMO: Em seus romances, Machado destaca-se como um minucioso caçador de


mistérios, o que proporciona ao leitor um trabalho de investigação, lapidando o
desenvolvimento, não só da obra, mas principalmente dos elementos que o autor
aplica no interior do texto. Através de palavras bem manejadas e de sua fértil
imaginação, seus enredos trazem, artifícios, os quais, o autor captava no cotidiano e
aplicava em seus personagens, onde realçava-se, no entanto, um espírito coberto de
sutilezas, dotados de um simbolismo transparente. Dentre uma variedade de técnicas
que o escritor disponibiliza em suas obras, destacaremos a questão dos nomes e a sua
real importância para o desenrolar da narrativa. O estudo onomástico possibilita
analisar profundamente perspectivas que se encontram no interior das obras e que,
consequentemente, carregam um conjunto de conteúdos que dizem muito sobre o
personagem e o que ele representa dentro do contexto narrativo. A relação que aí se
estabelece entre o significado e o significante dos nomes dos personagens é icônica
porque é motivada e através dos sugestivos nomes de seus personagens, Machado
oferece um vasto caminho onde o leitor apropria-se de diversas informações deixando
na leitura, uma janela aberta para desvendar novas descobertas.
Palavras-chave: Iconocidade. Estudo onomástico. Machado de Assis.

1353
LIVRO-REPORTAGEM: O GÊNERO SITUADO NA FRONTEIRA ENTRE O REAL E O
FICCIONAL

Gisele Borba Correa Sampaio


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Sergio Arruda de Moura


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: As teorias dos gêneros textuais tem seus primeiros indícios atribuídos ao
filósofo grego Aristóteles que propôs a tripartição dos gêneros em épico, dramático e
lírico com formas e funções predetermiadas a fim de estabelecer uma organização da
produção poética. Ao longo dos séculos ocorre a multiplicação dos gêneros,
acompanhando os repertórios de discursos na comunicação humana. Porém, a
interdisciplinaridade dos estudos, incluindo os aspectos social, histórico e ideológico,
ocorre a partir do início do século XX e consolida-se na década de 1960, com as
publicações do filósofo russo, Mikhail Bakhtin (1895 - 1975). Ele redefine a noção de
gênero, inserindo as relações sociais na diferentes esferas de comunicação. Os gêneros
passam a ser analisados como entidades dinâmicas, com limites e demarcações fluídas.
É também na década e 1960 que repercutem os livros-reportagem, considerados pelos
teóricos da comunicação, um gênero híbrido, que conta histórias reais com técnicas da
literatura, transitando entre a objetividade do jornalismo e a subjetividade da arte
literária. Porém, segundo os pressupostos teóricos da linguística, como este gênero
seria caracterizado? Qual seu aspecto diacrônico? Revisando a bibliografia de Bakhtin e
dos linguistas Dominique Maingueneau e Luiz Antônio Marcuschi foram traçados
critérios de análise do livro-reportagem As Duas Guerras de Vlado Herzog: da
perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil, vencedor do prêmio
Jabuti de literatura, em 2013, na categoria de não-ficção. A partir da sua categorização
nos aproximamos da construção composicional da obra que, segundo Bakhtin, reúne
as principais características para definição de um gênero.
Palavras-chave: Livro-reportagem. Gênero. Linguística. Discurso.

1354
A MANIFESTAÇÃO DA SUBJETIVIDADE EM "O ESPELHO"

Vivian Orbe Prevato


UFF/CEDERJ

Giselda Maria Dutra Bandoli


UFF/CEDERJ

RESUMO: A subjetividade está ligada ao ser do autor, uma individualidade plural de


um ser único constituído a partir de vários fatores que vão formar esse EU. Machado
de Assis é o autor de uma narrativa que traz o dilema do ser versus parecer, do desejo
versus máscara, da vida pública versus vida íntima. Segundo Bakhtin (1996) percebe-se
assim que a máscara é a expressão das transferências, das metamorfoses, das
violações de fronteiras naturais, da ridicularização, dos apelidos etc. Dessa forma,
amparados nesse referencial teórico, temos como proposta metodológica a análise do
conto “O espelho”, de Machado de Assis, Inicialmente cria uma teoria a respeito da
constituição do sujeito, que ocorre no inconsciente e é essencialmente imaginário. Por
fim o signo do espelho que tantas vezes objeto de especulação, ganha aqui papel de
destaque – o encontro do homem com sua alma exterior. A proposta do tema é
mostrar como a subjetividade tratada no conto é capaz de formar o EU ou escondê-lo,
uma vez que fatores externos e internos contribuem para as subjetividades, e
Machado de Assis vem analisar todas essas dualidades mostrando as duas almas
existentes no mesmo ser.
Palavras-chave: Subjetividade. Dualidades. Conto “O espelho”, de Machado de Assis.

1355
FORMAÇÃO DOCENTE VERSUS FORMAÇÃO DE LEITORES NO ÂMBITO ESCOLAR

Iago Pereira dos Santos


UENF

Tatiane Almeida de Souza


UENF

Eliana Crispim França Luquetti


UENF

RESUMO: O presente trabalho está vinculado ao projeto de extensão e de Iniciação


Científica da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, que
evidencia propor aos futuros professores uma formação continuada de conteúdos
imprescindíveis para formação de leitores na Educação Básica. Sabemos que na
sociedade atual, as transformações sociais tem influenciado em vários aspectos, como
o comunicativo e o expressivo dos sujeitos, o que se refletem consequentemente no
contexto escolar, para isso, faz-se necessário oferecermos aos futuros educadores
novas perspectivas de formação. Dessa forma, evidenciamos a importância da prática
de leitura pelos próprios professores, mediadores de leitura escolar, compreendendo-
a como uma maneira eficiente de potencializar sua ação de formadores de jovens
leitores, bem como afirmar sua própria trajetória enquanto leitores. Nesse contexto
da formação do professor, especificamente no que diz respeito à prática de leitura nas
escolas, a pesquisa concebe a leitura como uma atividade propícia ao estabelecimento
de relações intersubjetivas, levando em consideração o papel do professor como
mediador da leitura na sala de aula. Para a realização desta pesquisa, pretende-se
atender à dinâmica das disciplinas pedagógicas do Curso Normal Médio das escolas
públicas – Colégio Estadual João Pessoa e Instituto Superior de Educação Professor
Aldo Muylaert – de forma que as atividades da pesquisa sejam aproveitadas e inseridas
no contexto de formação desses sujeitos: professores, alunos e licenciandos de
pedagogia. A presente pesquisa encontra-se em andamento, os resultados parciais
apontam para a formação continuada desses futuros profissionais, além de repensar
as práticas de leituras que norteiam as vivências presentes no contexto escolar.
Palavras-chave: Formação de professores. Leitura. Linguagem. Linguística.

1356
ENSINO DE GRAMÁTICA: QUO VADIS?

Andressa Peres Teixeira


Instituto Federal Fluminense

RESUMO: Este trabalho recorta alguns resultados da Dissertação de Mestrado da


autora sobre os indicadores de sucesso no ensino de Língua Portuguesa desenvolvida
no PPG-Linguística da UFJF. A pesquisa dissertativa, do ponto de vista metodológico,
enquadra-se no estudo de caso e o meio de coleta de dados constitui-se de dois
instrumentos: o primeiro sobre dados laborais dos docentes e o segundo sobre as
práticas de sucesso e as rotineiras através de uma entrevista oral semiestruturada. As
entrevistas foram realizadas com quinze professores de língua materna da rede
pública estadual de Muriaé/MG e analisadas segundo o aporte teórico-metodológico
eleito, qual seja, a Linguística Cognitiva, a Semântica de Frames desenvolvida por
Charles Fillmore e sua plataforma lexicográfica FrameNet. Como se trata de uma
pesquisa híbrida – Linguística e Educação, o diálogo interteórico é condição necessária
para um exercício hermenêutico dos dados consistente. Deste modo, contribuições do
campo da Educação, da Sociologia, da Antropologia e da Linguística Aplicada. Os
resultados aqui recortados apontam que o ensino de gramática pauta-se em práticas
pedagógicas convencionalizadas, distantes ainda das orientações contidas nos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Apontam também para a lacuna existente na
formação docente, tanto na inicial, quanto na continuada, e a escassez de produção
bibliográfica em que haja uma equação entre gramática e gramática dos gêneros
textuais.
Palavras-chave: Ensino de gramática. Semântica de frames. Práticas pedagógicas.

1357
ESTUDO INDIVIDUAL À LUZ DOS TESTES ABC DE LOURENÇO FILHO

Laís Rodrigues Ferreira


UENF

Gerson Tavares do Carmo


UENF

RESUMO: O presente trabalho objetiva investigar a pertinência da reconvocação dos


Testes ABC desenvolvidos por Lourenço Filho entre os anos de 1928 e 1930, baseando-
se seguinte indagação: as atividades corretivas dos Testes ABC para crianças em
processo de alfabetização, formuladas há mais de cinco décadas, ainda são
apropriadas para auxiliar no aprendizado da leitura e da escrita? De acordo com Soares
(2012) o processo de alfabetização deve levar à aprendizagem não de uma mera
tradução do oral para o escrito, ou vice-versa, mas à aprendizagem de uma peculiar
relação fonemas-grafemas, que tem em relação ao código oral, especificidade
morfológica e sintática, autonomia de recursos de articulação do texto e estratégias
próprias de expressão/compreensão.O experimento será dividido em três momentos:
i) o momento de aplicação dos Testes ABC; ii) o momento de orientação individual; e
iii) o momento de comparação de resultados. Pretende-se, com isso, caracterizar ao
máximo as etapas do experimento de modo a subsidiar diálogos entre as docentes
responsáveis pela alfabetização na escola selecionada. Embora todas as atividades
corretivas terem sido realizadas, a presente pesquisa ainda se encontra em fase de
desenvolvimento no que diz respeito à análise dos resultados, não sendo possível
verificar ainda se a hipótese se confirma ou não. No início do quarto bimestre
retornarei às escolas e aplicarei os testes com as mesmas crianças, tornando possível
verificar se os Testes ABC desenvolvidos por Lourenço Filho, em meados do século XX,
são pertinentes na atual conjuntura da educação brasileira
Palavras-chave: Testes ABC. Processo de alfabetização. Leitura e escrita.

1358
PROJETOS DIDÁTICOS COM GÊNEROS TEXTUAIS: CONTRIBUIÇÃO PARA UMA
PEDAGOGIA INTERDISCIPLINAR
Jacqueline Ribeiro Fernandes
PG-UEL

RESUMO: O Programa Ensino Médio Inovador – ProEMI (MEC- SEB),


é uma estratégia para a reestruturação dos currículos do Ensino Médio para atender às
demandas da sociedade contemporânea, integrando nas atividades curriculares as
dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia e contemplando as
diversas áreas do conhecimento. O colégio em que atuo como professora de LP no
município de Jundiaí (SP), busca implementar, entre outras iniciativas, o Projeto
Interdisciplinar - 1º Fórum Ambiental - que tem o objetivo de trabalhar questões
contemporâneas da educação ambiental. Esta pesquisa se insere nesse contexto
educacional e, à luz dos pressupostos do interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART,
2003; 2006) que tomam como instrumento sócio cognitivo o gênero textual em toda
sua dimensão histórica, social e linguística de construção do mundo, pretendo
promover a transposição didática (CHEVALLARD, 1991; HALTÈ, 2008) do gênero textual
artigo de divulgação científica. O trabalho de didatização desse gênero textual
perpassa por uma duplicidade de ações: 1.a seleção, decomposição e modelização,
que vai apontar as dimensões ensináveis do gênero e 2.a transposição didática
propriamente dita que faz dele o objeto de ensino. Com o objetivo de investigar essa
dupla semiotização (NASCIMENTO, 2012), esta investigação se caracteriza como
pesquisa-ação por buscar estudar as atividades da transposição externa e da
transposição interna do gênero textual de referência como atividades cognitivas e
sociais necessárias para o ensino e aprendizagem de língua portuguesa.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Gênero artigo de divulgação científica. Atividade
cognitiva.

1359
ONDE NÃO HAVERIA NADA. INTERAÇÃO SOCIAL, LINGUAGEM E COGNIÇÃO
HUMANA: ALGUMAS QUESTÕES A RESPEITO DESSAS RELAÇÕES OBSERVADAS A
PARTIR DO AUTISMO

Débora Klemens Oliveira


Unifesp

RESUMO: O objetivo desta pesquisa fora investigar sobre os fenômenos: linguagem,


cognição e interação, para compreendê-los epistemologicamente. Essas reflexões
foram feitas a partir de um campo observacional particular: o autismo. O primeiro
autor que serviu de base para este estudo fora Vygotsky, através da obra “Pensamento
e Linguagem”, onde teoriza que a linguagem configura-se em um sistema simbólico
fundamental em todos os grupos humanos e elaborado no curso da evolução da
espécie e história social. O segundo autor fora Steven Pinker representante de parte
da teoria contemporânea sobre as relações entre mente e linguagem a partir de uma
perspectiva cognitivo-biológica, através da obra “O instinto da linguagem”, onde
concentra suas pesquisas em torno da aquisição da fala e das noções de
desenvolvimento inato da linguagem, propostas por Noam Chomsky. E finalmente,
utilizamos também o autor Michael Tomasello através da obra “As origens culturais da
aquisição do conhecimento” em que seus estudos são voltados para a relação entre
cognição e cultura e a cognição em crianças e primatas. Para ele, todos os complexos
produtos cognitivos, inclusive a linguagem, têm uma única raiz biológica,
relativamente recente - a capacidade exclusiva dos seres humanos de associar seus
recursos cognitivos com os de outros membros de seu grupo social. Este estudo
caracteriza-se, também, como teórico interpretativo, em que foram feitas novas
leituras a partir de fontes já analisadas, desta forma, fiz uma análise a partir de
“corpus” já analisados, uma outra interpretação dos fatos a partir, talvez, de um outro
ponto de vista.
Palavras-chave: Linguagem. Interação. Cognição e autismo.

1360
PRECONCEITO LINGUÍSTICO: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA

Karina Pereira Detogne


Instituto Federal do Espírito Santo IFES Campus Nova Venécia

Fabriciano Barbosa de Souza


Faculdade Capixaba de Nova Venécia

Ingrid Pinheiro Manzoli


IFES - Campus Nova Venécia

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo tecer reflexões acerca do ensino de
Língua Portuguesa empreendido nas escolas e do preconceito linguístico instaurado
pelas mesmas. De acordo com pesquisas atuais no âmbito da Educação, o preconceito
linguístico tem sido uma forma de exclusão social e da não aceitação das variações
linguísticas que não são consideradas de prestígio/ elitizadas, excluindo, dessa forma,
toda riqueza e miscigenação que a língua possui. Dessa forma, trata-se como erro e
como uma variante marginalizada e estigmatizante a língua, patrimônio cultural de um
povo. Nesse sentido, é necessário refletir sobre o ensino de língua e suas concepções
nas aulas de Língua Materna. Nessa perspectiva, alunos e professora promoveram
leituras, análise reflexiva e crítica de obras sobre o tema em questão, expondo seus
posicionamentos em seminários avaliativos. Foi possível observar o quanto tem-se
enraizado uma cultura preconceituosa no que diz respeito ao uso da própria língua e
de toda sua heterogeneidade e, sobretudo, de sua riqueza cultural, que ultrapassa o
mito de “língua homogênea” prescrito pela tradição gramatical. Assim, descarta-se a
variação como um erro, sem que ao menos se procure analisar os processos de
evolução e mudança linguística. Para tanto, baseamo-nos em alguns referenciais
teóricos, a saber: “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz” e “A Língua de
Eulália”, ambos de Marcos Bagno.
Palavras-chave: Preconceito linguístico. Língua Portuguesa. Exclusão social. Variação
linguística. Heterogeneidade.

1361
A LINHA DE ERRÂNCIA DO AUTISMO E O MÉTODO-PENSAMENTO DE FERNAND
DELIGNY: ONDE A LINGUAGEM SE AUSENTA, O QUE HÁ?

Caroline Paola Cots


Unifesp

RESUMO: Apresentaremos no IV Colóquio Interdisciplinar de Cognição e Linguagem os


resultados parciais desta pesquisa, financiada pelo PIBIC. Nosso objetivo é mapear,
segundo o método Deligny (1968-1977), as interações de uma criança autista. O
autismo (“cujas características envolvem alterações qualitativas e quantitativas da
comunicação, da interação social e do comportamento”*) como contexto patológico
nos fornece a possibilidade de (re)pensarmos as relações entre sujeito, língua e
mundo. Já que no contexto patológico se evidenciam padrões linguísticos-interacionais
distintos dos observados em contextos sem alterações patológicas (cf. Cruz,
2008).Observamos a criança em suas ações cotidianas e estamos traçando uma linha
de “errância” de suas interações, ou seja, aquilo que nos escaparia se estivéssemos
apenas atentos aos padrões de linguagem e de interação conhecidos e mais
perceptíveis e delineáveis. A pergunta que guia nossa análise é: como Luiza produz
sentidos e significados em suas interações com ou sem linguagem verbal?
Exploraremos tal linha, ou seja, onde há um tipo ou possibilidades de interação, como
proposto por Deligny, refletindo questões relacionadas ao conhecimento humano, à
interação social, à linguagem no autismo e expandiremos nossa reflexão para as
possíveis formas de pensar a existência. Com esta pesquisa, poderemos estudar e
aprofundar o pensamento e os métodos de investigação e trabalho de Fernand Deligny
(1913-1996), além de aventar novas formas de olhar e entender o autismo.
Palavras-chave: Linguagem. Interação social. Autismo. Fernand Deligny. Modos de
existência.

1362
LÍNGUISTICA APLICADA NO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Camila Santos de Melo


UNIGRANRIO

RESUMO: Este estudo busca diferenciar a Linguística da Linguística Aplicada (L.A),


inserido a L.A no ensino de línguas estrangeiras a fim de ensinar o uso da linguagem de
acordo com a prática e realidade social. Trata-se de uma pesquisa interdisciplinar, que
busca aprimorar o uso da linguagem no ensino de línguas estrangeiras a partir da
disciplina de Linguística Aplicada (L.A). Através dos estudos de Saussure e Moita Lopes,
afim de diferenciar essas duas ciências (Linguística e L.A), para uma inserção mais
exata e objetiva na compreensão linguística. Portanto, utilizando a Linguística Aplicada
com o propósito de tornar a aprendizagem de línguas estrangeiras mais próxima da
prática social, atrativa e interdisciplinar.
Palavras-chave: Linguística aplicada. Língua estrangeira. Interdisciplinaridade.

1363
O LIVRO DIDÁTICO E O LIVRO ELETRÔNICO: RUPTURA OU RENOVAÇÃO
PEDAGÓGICA?

Rosiane Lúcia Ribeiro


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro/CEDERJ

Monique Teixeira Crisóstomo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Eliana Crispim França Luquetti


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O livro didático tem sido utilizado na sala de aula de modo tradicional, sem
maiores atrativos aos discentes, contudo, sabemos que há uma urgência na
revitalização e sua utilização no processo de ensino e aprendizagem, pois vivenciamos
transformações na sociedade decorrente das novas tecnologias, que tem provocado
mudanças muitas amplas, como por exemplo: no comportamento, na atitude e, nas
relações entre o livro, o leitor e a prática pedagógica. Desse modo, procuramos
evidenciar de que forma o livro didático tem sido usado no contexto escolar frente às
transformações decorrentes da inserção das novas tecnologias no processo educativo.
Além disso, refletiremos sobre a questão ideológica veiculada nos livros didáticos de
Língua Portuguesa. O livro didático é historicamente contextualizado, o pensar de uma
época está aí posto. Não é por acaso que os conteúdos dos livros mudam, pois se
mudam os pensares. Mas, afinal, seria possível algo sem ideologia? Como também,
discutir o futuro do livro eletrônico em detrimento do livro impresso. Assim,
vislumbramos nessa abordagem a possibilidade de compreender a evolução histórica e
cultural do livro, do leitor e também da linguagem, que observamos na sociedade da
informação, tendo como pano de fundo as Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação - NTICs, a hipermídia, a grande rede. Toda mudança, num primeiro
momento, é vista como ameaça. Mas é preciso antes de tudo conhecer, questionar,
pensar, discutir para então se posicionar. Vemos nas NTICs uma grande aliada na
democratização do saber.
Palavras-chave: Livro didático. Livro eletrônico. Novas Tecnologias. Leitura. Práticas
pedagógicas.

1364
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO DE PEQUENOS LEITORES

Daniela Silva Moura


Universidade Federal de Uberlândia-UFU

Núbia Silvia Guimarães Paiva


Escola de Educação Básica- ESEBA

Camila Pereira Teixeira


Universidade Federal de Uberlândia-UFU

Nathália dos Reis Montesino


Universidade Federal de Uberlândia-UFU

RESUMO: Esse texto apresenta o resultado de uma pesquisa realizada durante o ano
letivo de 2013, em uma sala de crianças entre 4 e 5 anos de idade, da educação
infantil. Baseamos em uma pesquisa participante, desdobramento da pesquisa
qualitativa, que prevê a participação do pesquisador na rotina escolar. Surgiu de
relações teóricas e práticas vivenciadas com essa turma e questionamentos que
procuravam apontar de que forma as crianças interagiam com o que é oferecido na
prática pedagógica, mais especificamente, com relação à literatura infantil. Além das
ações próprias do currículo, o trabalho com a literatura visou contribuir com a
formação de crianças leitoras, mesmo que ainda não dominassem o código escrito. Foi
inserida no cotidiano desses alunos a partir de várias estratégias como a criação de um
cantinho de leitura em sala de aula, o acesso aos acervos da literatura infantil na
biblioteca da escola, as contações de histórias, idas à biblioteca municipal, cultivo de
uma horta de feijão resultado da história “João e o Pé de feijão”. No movimento
apresentado pelas crianças durante o projeto, percebemos ações voltadas para a
aproximação com a linguagem escrita por meio do interesse pelas obras literárias e por
registros de manifestações, falas e histórias através de inúmeras linguagens,
resultando assim, um processo de formação de pequenos leitores.
Palavras-chave: Literatura. Espaço escolar. Formação leitora.

1365
O TRABALHO COM LEITURA NA SALA DE AULA

Rogéria Lima de Araújo Frech Domingues


UFRRJ

RESUMO: O presente artigo busca apresentar uma metodologia que desenvolva o


hábito de leitura dos alunos do nono ano do ensino Fundamental da rede pública de
ensino, a fim de que os amadureça enquanto leitores. Os objetivos definidos nesta
pesquisa foram estabelecer um paralelo entre o ensino da leitura e o leitor; apresentar
pontos relevantes sobre a diversidade em sala de aula das escolas públicas que
influenciam no ensino da leitura, propor algumas ações de práticas docentes
favoráveis ao ensino de leitura, além de fomentar um pouco a realidade das classes da
rede pública de ensino. O uso de textos relacionados aos gêneros contos e crônicas
permearam as atividades propostas para análise e coleta de dados, já que serviram
como base para o planejamento e execução das aulas de leitura dos alunos durante
um ano letivo. A preocupação de ajustar uma prática docente que resgate o prazer
pela leitura, bem como sua importância para a vida social do educando estão sugeridas
em todos os processos da pesquisa, uma vez que uma das funções do professor de
Língua Portuguesa é ser um agente de letramento.
Palavras-chave: Leitura. Amadurecimento. Gênero textual. Letramento. Prática
docente.

1366
O LEITOR DO LIVRO IMPRESSO – ESPÉCIE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO?

Ana Raquel de Sousa Pourbaix Diniz


UENF

RESUMO: A cultura midiática provoca transformações em curso e debates a respeito


do processo de constituição do leitor e da leitura na contemporaneidade. Roger
Chartier (1998) adverte que os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os
objetos lidos e as razoes de ler. Fundamentado nas acepções rogerianas, o presente
trabalho tem como objetivo apresentar uma amostragem do perfil do leitor diante do
advento dos novos suportes de leitura. A metodologia consiste em análise
quantitativa e qualitativa do perfil do leitor iniciante, de 6 a 10anos, de escolas
públicas e privadas, do município de Campos dos Goytacazes. Para traçar a identidade
leitora dos sujeitos da pesquisa, foi aplicado um questionário curto e direto (VIERA,
2009). Se leem, o que leem e como leem foram os dados investigados e,
posteriormente, analisados. (In)concluímos que, em virtude das constantes
metamorfoses ocasionadas na e pela “cultura das mídias” (SANTAELLA, 1996) , torna-
se cada vez mais necessário desvelar o lócus da leitura e discutir com mais intensidade
a possiblidade de um processo de formação de leitores pautado no diálogo
intercultural : a leitura no formato impresso e na tela.
Palavras-chave: Livro. Mídia. Leitura. Leitor. Interculturalidade.

1367
ESTRATÉGIAS PRESSUPOSTAS PARA A LEITURA DO LIVRO A NOVELA DA PANELA, DE
ÂNGELA LAGO

Amanda Aparecida Rodrigueiro


PG-UEM

RESUMO: A leitura, conforme a autora Ângela Kleiman, é um processo cognitivo-


interacional de produção de sentido. Sob essa perspectiva, o leitor lança mão de
algumas estratégias, ora de modo consciente (estratégias cognitivas), ora de modo
inconsciente (estratégias metacognitivas) para que possa dialogar com o autor, via
texto, tomar contato com suas idéias, levantar hipóteses, confirma-las ou refuta-las e,
dessa maneira, construir sentidos para o texto, numa verdadeira atitude crítica.
Embasado nesses pressupostos teóricos, esse artigo tem por objetivos: a) apresentar
algumas reflexões sobre alguns processos cognitivos e metacognitivos no ato da
leitura, à luz da cognitivista Kleiman; b) apresentar uma possível leitura sobre a história
A novela da panela, de Ângela Lago, tanto do texto verbal, quanto do não-verbal, sob o
viés das estratégias cognitivistas; c) apresentar algumas considerações acerca das
estratégias de leitura usadas na produção de sentido desse texto de Ângela Lago; bem
como o papel que cabe ao leitor, sob essa perspectiva de leitura. O resultado dessas
reflexões demonstra que as estratégias usadas na leitura dos textos distinguem-se
basicamente em dois blocos: cognitivas (top down) e metacognitivas (bottom up),
tanto na leitura do texto verbal, quanto do não-verbal. Entretanto, os caminhos usados
divergem no que diz respeito aos princípios de conhecimento prévio; lingüístico,
textual.
Palavras-chave: Leitura. Estratégias cognitivas e metacognitivas. Interação.

1368
A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA-LITERATURA E SUA INFLUÊNCIA NO CONTEXTO SOCIAL
DO ALUNO LEITOR

Sérgio Machado de Araújo


Rede Municipal de Mascote (BA)

RESUMO: Este trabalho empreende a ampliação de pesquisa desenvolvida


anteriormente para a publicação nos anais do V SEPEXLE – Seminário de Pesquisa e
Extensão do Curso de Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz, cujos resultados
já foram apresentados; trabalho enriquecido e desenvolvido a partir de novos debates
à luz da pesquisa fundamentada em outros teóricos. A literatura tem um papel
fundamental no desenvolvimento sócio-histórico do indivíduo. Por meio dela o aluno
compreende a relação autor/texto/leitor e percebe a proximidade com seu cotidiano.
Tem-se como certo que os alunos não têm motivação e nem interesse pela leitura
literária, principalmente nas aulas de língua inglesa. Essa realidade talvez se dê porque
essa disciplina visa apenas uma avaliação final como resultado da aprendizagem, ao
invés de promover uma relação que poderá partir do ponto de vista crítico do aluno à
sua interação modificadora no texto. O aluno gosta de ler o que lhe atrai, aquilo que
ele pode e sabe falar, pois é a partir do seu conhecimento prévio que ele conseguirá
desenvolver habilidades para interpretar textos literários em língua inglesa. A
literatura de língua inglesa tem grande potencial de influenciar o aprendizado da
língua-alvo, o que depende de como o professor conduz esse processo e de que forma
os textos literários são usados em suas aulas. Assim, o presente trabalho visa uma
discussão sobre o uso da literatura de língua inglesa, não apenas como suporte
complementar para o ensino da própria língua inglesa, mas como peça central no
desenvolvimento sólido de ensino/aprendizagem de uma segunda língua. Não foi o
nosso objetivo apontar os principais gêneros textuais a serem usados para o melhor
desenvolvimento em aulas de línguas estrangeiras, mas trazer uma reflexão sobre a
prática pedagógica e metodologias para motivarem os alunos a serem bons leitores.
Para tal, a fundamentação teórica deste trabalho inclui Ausubel (1980), Holden (2009),
Marcuschi (2005) e Bloom (2000), assim como uma análise nos documentos que
norteiam o trabalho educacional como os PCN. Compreende-se que a função da
literatura de língua inglesa na sala de aula não é apenas de tradução e decodificação
de signos, mas a de trazer para a realidade o poder lúdico das letras para a
transformação social.
Palavras-chave: Leitura. Literatura de Língua Inglesa. Cultura. Professor.

1369
DE ÉDIPO A JANO: A AGONIA DO ATUAL PROMETEU ACORRENTADO

Luiz Claudio Gomes de Abreu


Instituto Federal Fluminense

RESUMO: Este trabalho apresenta como tema a prática docente e tem por objetivo
propor um novo tipo de discursividade ao professor na atualidade. Em face das
diversas linguagens, digitalizadas, que de maneira hipertextual atravessam o contexto
contemporâneo, indagamos sobre a possibilidade de construir uma diferente tecitura
para o magistério na hodierna ecologia cognitiva. Adotando por referência a polifonia
e a polissemia, elaboradas por Mikhail Bakhtin, buscamos uma nova arquitetura para
as relações de ensino e aprendizagem. Baseado em uma pesquisa bibliográfica,
procuramos uma aproximação entre a subjetividade, em construção diante da cultura
digital, e a educação escolar numa tentativa de superar os desafios impostos à sala de
aula na contemporaneidade. Nesse percurso, nos deparamos com uma engenharia de
linguagens que ressignifica a relação espaço/tempo/realidade e descortina um novo
espaço antrópico, o ciberespaço, mobilizador de um descentramento do
conhecimento. Encontramos, na alteridade e na dialogicidade bakhtiniana entre os
atores da educação, um propulsor para articular as relações pedagógicas ao cenário do
novo século e assim reestruturar o trabalho e uma nova identidade docente. Para
tanto, nos espelhamos em Jano, que, na mitologia romana, inaugura um novo tempo
ao olhar, simultaneamente, com uma dupla face o passado e o futuro.
Palavras-chave: Linguagem. Dialogicidade. Alteridade. Cultura. Educação.

1370
GT 02 – Informação, Educação e Tecnologias

ADAPTAÇÃO DE MATERIAL DE DESENHO TÉCNICO PARA ESTUDANTES DEFICIENTES


VISUAIS

Caroline Moreira Marques


UENF/IFF campus Campos Centro

Nadir Francisca Sant'Anna


UENF

RESUMO: Em 1996, a Lei nº 9.394/96, no artigo 59, preconiza que os sistemas de


ensino devem assegurar aos estudantes currículo, métodos, recursos e organização
específicos para atender às suas necessidades. A partir disso, apresentamos neste
trabalho uma proposta de adaptação de material didático, para a disciplina Desenho
Técnico. A inclusão de estudantes com deficiência visual nesta disciplina acontece ao
adaptarmos os desenhos apresentados em sala de aula. O processo de
“acessibilização” neste projeto foi feito através de colagem de diversos materiais,
como miçangas, lixa, emborrachado, com diversas texturas e cores, sobre os desenhos
que seriam entregues aos estudantes para reprodução, ressaltando o que o professor
considerava importante para cada tarefa a ser realizada. Assim, através do tato e do
contraste das cores variadas, tanto o estudante baixa visão quanto o cego, seriam
capazes de diferenciar as estruturas contidas nos desenhos. A reprodução desses
desenhos acessibilizados seria feita pelo aluno em papel A4, colocado sobre uma
prancheta de papelão revestida com tela de nylon. Este fundo telado proporciona alto
relevo aos riscos feitos com giz de cera no papel, de maneira que, pelo tato, os riscos
podem ser vistos. Esse material foi testado e utilizado por um aluno cego matriculado
no curso de Zootecnia, na UENF, que conseguiu concluir a disciplina com êxito. Este
trabalho confirma que para a educação de pessoas com deficiência visual é importante
criar oportunidades de acesso e participação nos processos de ensino e de
aprendizagem, identificando as possíveis barreiras e eliminando-as, tornando o
processo inclusivo pleno e satisfatório.
Palavras-chave: Educação. Inclusão. Aprendizagem.

1371
“COLE”: UMA FERRAMENTA DE ENSINO PARA SURDOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Alessandra Oliveira de Souza Gomes


UENF

Jorge Hudson Petretski


UENF

Nadir Francisca Sant'Anna


UENF

RESUMO: Este trabalho apresenta uma proposta de elaboração de um aplicativo em


LIBRAS, Língua Brasileira de Sinais, como uma ferramenta de ensino, aprendizado e
interação no processo de inclusão de crianças surdas no período da educação Infantil.
As crianças ouvintes aprendem a língua portuguesa (língua materna) ao ouvi-la, elas
percebem os sons e de imediato, lhes atribuem os conceitos que são advindos do
processo cognitivo da própria oralidade. Uma criança surda não possui esta habilidade.
Estudos demonstram que o desenvolvimento da língua se intensifica entre os três e os
seis anos de idade, por isso, para a criança surda a informação visual através da LIBRAS
(língua materna), nesta fase, é vital e premissa para que ela absorva as palavras e seus
conceitos para a formação de seu vocabulário. A Libras é a língua natural do Surdo,
através dela adquire habilidades sociais, afetivas e cognitivas que capacita a criança
surda a um desenvolvimento de aprendizado espontâneo e contínuo. Assim, tendo
como base está realidade linguística e uma produção de material para tais
necessidades, ainda restrita, estamos desenvolvendo um aplicativo que utilizará como
metodologia básica dois programas: O “Gimp” e o “ PowerPoint”, objetivando oferecer
para a criança surda no período da Educação Infantil o contato com um vocabulário
interativo e visual, baseado nas palavras da língua portuguesa, porém apresentado de
forma ilustrada em Língua de Sinais, como uma ferramenta de aperfeiçoamento para o
processo do aprendizado e da inclusão.
Palavras-chave: Libras. Educação infantil. Vocabulário visual.

1372
NOVO CURRÍCULO MÍNIMO DE FÍSICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO:
ANÁLISE DO POSICIONAMENTO DE PROFESSORES

Josiane da Silva Ribeiro


IFF

Amâncio Gabriel Bendia Filho


IFF

Elaine Santana de Souza


UENF

RESUMO: Em pleno século XXI, em que várias tecnologias usadas no cotidiano se


baseiam em conceitos da Física Moderna, a Física apresentada nas escolas, em grande
parte, se limita às descobertas do século XIX. Com essa desatualização, o ensino de
Física não oferece para os alunos as competências necessárias para que possam
perceber e lidar com fenômenos naturais e tecnológicos tanto em seu cotidiano
imediato como a compreensão do Universo mais distante, como preveem os PCNEM+.
Já existem vários estudos que apontam a necessidade de uma atualização no currículo
de Física, para torná-la mais contextualizada e significativa na vida dos alunos.
Pensando nessa necessidade o Estado do Rio de Janeiro propôs uma atualização no
currículo mínimo seguido pelas escolas da rede pública estadual que passou a vigorar
no ano de 2012. Esse trabalho tem como objetivo fazer uma avaliação do
posicionamento de professores de Física do Estado do Rio de Janeiro a respeito das
alterações ocorridas no currículo mínimo de Física. Foram realizadas entrevistas com
professores da Rede Estadual de ensino e análises das legislações educacionais
vigentes. Pelas entrevistas realizadas, ficou claro que a maioria dos professores
concorda com as mudanças, mas se considera despreparada e sem apoio para
implementar as mudanças propostas pelo Estado.
Palavras-chave: Currículo escolar. Ensino. Física Moderna.

1373
CIBERESPAÇO E IDENTIDADE LÍQUIDA

Raquel Rocha Rosa de Brito


UENF

Carlos Henrique Medeiros de Souza


UENF

RESUMO: O presente artigo baseou-se nas teorias de dois sociólogos contemporâneos:


Anthony Giddens e Zygmunt Bauman, a fim de discorrer sobre a questão da
identidade em um mundo globalizado, capitalista, relacionando essas questões
emergentes à um lugar específico: o ciberespaço. Tratamos também sobre a liquidez
da identidade relatada na obra de Bauman, onde observa-se que o mundo pós
moderno permite, a partir das novas tecnologias da informação e comunicação, que
um único sujeito mude constantemente sua identidade sem preocupar-se na
construção de apenas uma e sólida. Veremos que o indivíduo do mundo pós moderno
parece não se preocupar com o permanente, o fixo, mas o contrário, a rapidez
decorrente das muitas informações faz com que o sujeito mude a todo o instante,
tanto a sua forma de ver o mundo quanto a forma de se ver, de construir sua
identidade. Levantamos também uma breve discussão sobre os teóricos e as teorias
que trabalham a ideia de um “deslocar” no modo de se relacionar em defesa ao
ciberespaço.
Palavras-chave: Pós-modernidade. Identidade líquida. Ciberespaço. Novas tecnologias.

1374
A ESCRITA DOS TWITTEIROS: UMA ANÁLISE DE NEOLOGISMOS NO MICROBLOG
TWITTER

Felipe de Souza da Silva


UFRRJ

RESUMO: Bronckart (2009) afirma que os novos textos emergem a partir do


surgimento de novas motivações sociais, podendo ser sucessivo ao aparecimento de
novas circunstâncias de comunicação ou pelo aparecimento de novos suportes de
comunicação. O presente artigo busca analisar o léxico na Internet, especialmente no
microblog Twitter, tomando como importância a necessidade de letramento digital e a
escrita criada por usuários do próprio site. O objetivo central da pesquisa é identificar
e descrever os neologismos presentes nas mensagens escritas no ambiente dessa rede
social para, a partir da análise e classificação das unidades neológicas, refletir sobre o
seu impacto na língua portuguesa. Para isso, a pesquisa toma como corpus publicações
previamente selecionadas de duas das contas mais ativas do Brasil: “G1” (@g1) e
“Estadão” (@Estadao), tomando como fator de escolha o seu grau de relevância no
tocante à criação de novas palavras, resultantes do site, que servem como suporte
para a transmissão de ideias e identificação do leitor. A partir da análise, é possível
verificar que, na rede social Twitter, há ocorrência de variados tipos de formação de
palavras novas, principalmente a derivação, seja por prefixação ou sufixação; e
também formação de palavras por composição.
Palavras-chave: Neologismo. Criatividade lexical. Twitter.

1375
IDENTIDADE DO PROFESSOR FRENTE ÀS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO

Rayane Kelli dos Reis Ferreira


Instituto Federal Fluminense

Dhienes Charla Ferreira


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A sociedade atual é caracterizada pela rapidez e fluência das informações. E


essa realidade implica em um novo perfil de professor e de cidadão colocando para
escolas novos desafios. Essa situação demanda a utilização das novas tecnologias da
informação e comunicação (TICs) e provoca mudanças no pensamento e nas formas de
interação entre as pessoas e a sociedade. Assim, o objetivo principal deste artigo é o
de apresentar uma reflexão sobre a identidade docente diante deste cenário. Partimos
do pressuposto de que a modernidade, caracterizada pela velocidade e grande
quantidade das informações, exige um novo perfil de professor e de cidadão
colocando para escolas novos desafios. Neste sentido, nosso questionamento está
voltado para o processo de construção da identidade docente numa sociedade que já
superou importância destes na formação dos alunos e que é, também, é muito mais
ágil e eficaz em trabalhar as informações. Neste sentido, vimos que a profissão
docente enquanto prática social se caracteriza pela dinamicidade e flexibilidade. O que
permite sempre a reconstrução e renovação das práticas pedagógicas constante.
Fatores que essencialmente fazem parte da identidade docente.
Palavras-chave: Tecnologia. Ensino. Identidade docente.

1376
SOCIEDADE NO CIBERESPAÇO DO ESPETÁCULO: A ONDA É APARECER NO YOUTUBE

Gláucio dos Santos Costa


UAA

RESUMO: A comunicação interativa e coletiva e a liberdade de acesso é a principal


atração do Ciberespaço (LÉVY, 1999). Este trabalho pretende abordar como as mídias
sociais estão interagindo com os novos fenômenos da internet e sua interação com a
ferramenta YouTube¹. Nesta nova ferramenta de interação, - febre mundial da rede do
Ciberespaço é possível encontrar todos os tipos de vídeos – exceto apresentações de
sexo explícito, pois a regra da ferramenta não permite este tipo de vídeo. Em pouco
tempo tornou-se um verdadeiro fenômeno e uma febre, não tendo idade para postar
ali suas vontades. Com acesso livre, muitos saíram do verdadeiro anonimato para o
estrelato, como o caso do filme: o pintinho pio, postado por um garoto de
aproximadamente 10 anos. Em outra análise, foi o que ocorreu com o casal de irmãos
adolescentes que somente grita; quanta alegria e o mais recente: o passinho do lek-
lek-lek. A abordagem em nossa mediação, seguirá a lógica de como as grandes
emissoras da mídia, TV(s) abertas ², acabam sendo as grandes incentivadoras desta
febre, ganhando marcação com os fenômenos instantâneos em um espaço amador,
mas que em pequeno espaço de tempo, consegue aglutinar verdadeiras multidões ao
acesso do momento. Este artigo foi estruturado nos escritos de Pierre Lévy (1999), que
foi um dos pioneiros a abordar o tema do Ciberespaço e Guy Debord (1997), que
escreveu sobre a Sociedade do Espetáculo, que marca a mídia da comunicação de
massa como os responsáveis por estes fenômenos. Com isso, pretendemos buscar
uma mediação sobre o que a sociedade busca nesta febre de acesso. Observar
também a sociedade do Ciberespaço, que se criou em volta desta ferramenta. Dentro
da abordagem aqui apresentada, mediaremos com outros autores e outros
argumentos como a Indústria Cultural, alimenta e passa a dar suporte a este
espetáculo.
Palavras-chave: Ciberespaço. Sociedade. Espetáculo. Globalização. Tecnologias.

1377
O USO DO COMPUTADOR NA ALFABETIZAÇÃO INFANTIL

Sandra Ribeiro da Silva Ambrosim


Prefeitura Municipal de Castelo-ES

RESUMO: Este artigo apresenta algumas reflexões sobre o uso do computador como
ferramenta mediadora na educação dentro do processo de alfabetização de crianças.
Sua abordagem teve início na observação do contexto escolar e nos estudos teóricos
de autores que fundamentaram essa pesquisa, tendo como objetivo principal mediar à
alfabetização de maneira contextualizada, através desse recurso tecnológico. O
computador está mudando o processo de alfabetização das crianças da atualidade e
está cada vez mais presente na vida das mesmas, afetando a construção de sua
identidade. Os chamados nativos digitais têm interesses diferentes, é natural
pensarmos em diferentes maneiras para motivá-los, participando desde cedo do seu
desenvolvimento,criando hábitos seguros e condições adequadas, auxiliando seus
conhecimentos, onde do ponto de vista dos usos sociais da escrita no mundo
contemporâneo participa de uma complexidade cada vez maior. Nota-se que a
participação do educador é fundamental e imprescindível para a mediação, que
poderá refinar o uso de novas tecnologias no âmbito educacional. Porém, para a
efetivação desse recurso como ferramenta pedagógica, o professor terá que apropriar-
se tanto de conhecimentos relacionados ao uso da informática na educação
quanto,substancialmente, do processo de desenvolvimento do ensino-aprendizagem,
principalmente no que diz respeito à leitura e à escrita, onde a própria escola deverá
rever velhos conceitos, reformulaando de maneira democrática e participativa as
metodologias utilizadas, adequando-se as novas tecnologias de comunicação e
informação.
Palavras-chave: Criança. Computador. Alfabetização.

1378
AUTISMO E ESCOLA: CRIANDO OPORTUNIDADES AO DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Aline Alves Garcia Lopes


UENF

Thiago Fernandes Martins


PRONATEC/IFF

RESUMO: Uma das áreas principais a ser prejudicada pelo transtorno de


desenvolvimento do espectro de autismo é a habilidade social, nesse sentido há uma
grande dificuldade de interpretar sinais sociais e as intenções das outras pessoas,
impedindo que o autista tenha a percepção adequada de algumas situações no
ambiente em que vive. O autismo é também caracterizado por padrões de
comportamento, atividades e interesses restritos, repetitivos e estereotipados. Assim,
a inabilidade social em crianças com o transtorno autístico, tem grande probabilidade
de interferir também no seu desenvolvimento intelectual. A relevância dessa pesquisa
provém do destaque na promoção da autonomia, qualidade de vida e
desenvolvimento social e escolar de indivíduos autistas e em frisar as práticas
pedagógicas que visam ao estímulo da socialização desses sujeitos, a fim de
desmistificar a crença do desinteresse nas relações interpessoais a que são
estigmatizados, tendo em vista o grande esforço que realizam ao tentarem se
comunicar e relacionar da maneira que compreendem. Objetivando, desse modo, a
atenção as especificidades de aprendizado dos autistas, como forma de inclusão
direcionada a esses indivíduos, estimulando a interação social, associado ao seu
desenvolvimento cognitivo, através de jogos e brincadeiras com materiais a serem
confeccionados, propiciando condições para resolução de problemas e promovendo
acomodações sensoriais a fim de aumentar o nível de concentração dos alunos. A
pesquisa fará abordagem qualitativa de cunho bibliográfico, conjuntamente com a
utilização do ambiente natural para aplicabilidade da ação da pesquisa e análise dos
seus resultados.
Palavras-chave: Autismo. Desenvolvimento social. Inclusão.

1379
INCLUSÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR

Bruna Moraes Marques


UENF

Millene Millen
UEMG

RESUMO: Este artigo propõe repensar as metodologias educacionais no Ensino


Superior, visando incluir novas tecnologias de informação como instrumento
facilitador na construção do saber. Serão discutidos alguns impactos da utilização das
NTICS (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação) da Educação Superior,
mostrando a necessidade de reorganização do sistema de ensino a nível superior. A
Inclusão de novas tecnologias demanda a inclusão de novos planejamentos e
estruturas curriculares, bem como um olhar atento sobre o currículo escolar. A
Relevância se dá por entendermos que as novas tecnologias serão capazes de
contribuir de forma preponderante no viés ensino-aprendizagem. Esse pensamento é
oriundo de uma identificação enquanto professoras do Ensino Superior que apenas
biblioteca e laboratório, não dão conta de acompanhar a evolução e a velocidade das
informações. Diante desse pensamento abrimos algumas questões, como: Quais os
novos conhecimentos e habilidades devemos desenvolver para colocar as tecnologias
a trabalho do conhecimento? O que deverá acontecer com “antigos” métodos
utilizados pelos professores de Ensino Superior? Quais as habilidades precisam ter para
essa mudança de paradigma? Nesse contexto, o foco consiste em estabelecer o melhor
caminho a introduzir de forma organizada e sistemática os recursos do TIC, como
facilitador do processo pedagógico nas Faculdades, buscando elementos facilitadores
para significativas melhorias no desempenho no sistema educacional superior.
Palavras-chave: Educação no Ensino Superior. Metodologia. Tecnologia de Informação
e Comunicação.

1380
POR UMA LINGUAGEM JURÍDICA CLARA: UMA QUESTÃO DE DIREITO AO ACESSO À
JUSTIÇA

Bruna Moraes Marques


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Millene Millen
Universidade Federal de Juiz de Fora

Paula Alice Dodó Müller


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Este artigo apresenta uma análise da linguagem jurídica numa perspectiva
linguística, na atualidade, demonstrando que seu tradicionalismo vem causando
limites ao acesso à Justiça pelo cidadão comum. Partindo desta premissa, o presente
artigo tem como objetivo responder a seguinte indagação: de que forma a linguagem
jurídica poderá ser utilizada como um instrumento de compreensão não de poder,
tornando-se acessível e compreensível aos leigos da área jurídica? Assim, a análise
teve como corpus uma amostragem de petições jurídicas da Comarca de Tombos/MG.
A metodologia utilizada para a elaboração desta análise foi à pesquisa bibliográfica, em
livros, periódicos e sítios eletrônicos, visto que eles oferecem subsídios para a
fundamentação teórica e também permitem que um tema seja analisado sob outro
enfoque, gerando novas perspectivas. O que se defende neste trabalho é a
importância da simplificação da linguagem jurídica, uma inteligibilidade textual, com o
objetivo de melhorar, consideravelmente, a relação entre o Direito e o cidadão
comum, facilitando assim o acesso dele à Justiça.
Palavras-chave: Linguagem jurídica. Acesso à justiça. Jurisdiquês.

1381
"FORA DE ÁREA" NA SALA DE AULA: INTEFERÊNCIAS DO CELULAR NO AMBIENTE DE
APRENDIZAGEM EM UMA ESCOLA ESTADUAL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS
GOYTACAZES/RJ

Vanessa de Castro Bersot Pereira


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Bianka Pires André


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: As Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação estão cada vez mais


presentes na sociedade. O século XXI está sendo marcado pelo uso contínuo dessas
novas tecnologias, principalmente pela necessidade de estar conectado o tempo todo
com as demais pessoas. E a escola, como reflexo da sociedade, também se vê inserida
nesse processo, pois o uso do celular vem causando interferências no ambiente da sala
de aula, mudando, assim, o cenário educativo. Dessa maneira, essa pesquisa se propôs
a analisar as possíveis interferências do celular na sala de aula em uma escola estadual
no município de Campos dos Goytacazes-RJ, tendo como objetivos específicos a
identificação do tipo de uso do celular em sala de aula pelos alunos; além de uma
análise da interferência do uso do celular na capacidade de concentração dos alunos
durante a aula; e a investigação da percepção do professor sobre uso do celular na sala
de aula. Consiste em um estudo etnográfico, qualitativo, tendo como procedimentos
metodológicos o levantamento bibliográfico acerca do assunto, o estudo do cotidiano
escolar levando em conta, as observações em sala de aula, aplicação de questionários
aos alunos e entrevistas com os professores. A pesquisa encontra-se em andamento,
porém, em uma primeira análise dos dados recolhidos foi possível perceber que a
maioria dos professores se sentem incomodados com o uso excessivo dos celulares
durante as aulas, além de acreditarem na interferência do mesmo na capacidade de
concentração dos alunos, entretanto, eles permitem o uso.
Palavras-chave: Sala de aula. Celular. Aprendizagem.

1382
AFERIÇÃO DE CONHECIMENTOS DO ALUNO COM AUXÍLIO DA MINERAÇÃO DE TEXTO

Leandro da Silva Foly


Instituto Federal Fluminense campus Itaperuna

Alquipo Martins Esteves Neto


Instituto Federal Fluminense campus Itaperuna

Lucas de Souza Siqueira


Instituto Federal Fluminense campus Itaperuna

Rodrigo Oliveira Zacarias


Instituto Federal Fluminense campus Itaperuna

RESUMO: Sabe-se que uma quantidade considerável de alunos possui dificuldades


no aprendizado, devido à necessidade de assimilação de inúmeros conceitos. A
proposta deste projeto é minimizar essa situação, desenvolvendo-se uma
ferramenta inteligente (que utiliza recursos da Mineração de Texto) para aferir os
conhecimentos do aluno e fornecer um feedback sobre seu desempenho durante o
processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: Inteligência computacional. Mineração de texto. Aferição de
conhecimento. Novas Tecnologias Educacionais.

1383
A METÁFORA DO HIPERTEXTO DE PIERRE LEVY SOB O CONTEXTO DA VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA DE LABOV

João Batista Rodrigues Junior


UENF

Lorena Borsoi Agrizzi


UENF

RESUMO: Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo


das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a
própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos
informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação,
aprendizagem são capiturados por uma informática cada vez mais avançada. Não se
pode mais conceber a pesquisa científica sem uma aparelhagem complexa que
redistribui as antigas divisões entre experiência e teoria. Seria a transmissão de
informações a primeira função da comunicação? Decerto que sim, mas em nível mais
fundamental o ato de comunicação define a situação que vai dar sentido às mensagens
trocadas. Na época atual, a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em
jogo a transformação do mundo humano por ele mesmo. Veremos em particular que o
hipertexto representa sem dúvida um dos futuros da escrita, da leitura e sobretudo dos
meios de comunicação.
Palavras-chave: Hipertexto. Comunicação. Cibercultura. Variação linguística.

1384
REESTRURAÇÃO DO DESIGN DE WEBSITE ACADÊMICO CENTRADO NO USUÁRIO

Fernanda Poeys Barbosa


Faculdade Redentor – Unidade Itaperuna

Jefferson de Oliveira Balduino


Faculdade Redentor – Unidade Itaperuna

RESUMO: A comunicação é imprescindível nos dias atuais e pode ser feita a partir do
uso das tecnologias disponíveis na web, como por exemplo, e-mails, fóruns, bate-papo,
dentre outras. Uma outra forma de comunicação é a utilização de websites, porém,
por serem sistemas de comunicação mais complexos, exigem uma estruturação no que
diz respeito ao planejamento de design e funcionalidades para que possa ser um canal
de comunicação eficiente. O principal objetivo de um website institucional é transmitir
informações aos seus navegantes (usuários ativos) e permitir a troca de informações
entre estes e a própria instituição, por meio de menus, plataformas internas, dentre
outros mecanismos de comunicação. Para o desenvolvimento deste trabalho será
realizada uma pesquisa quali-quantitativa e o principal instrumento de pesquisa será o
questionário semiestruturado, que será aplicado em formato on-line aos alunos de
uma instituição de ensino particular, situada no interior do Estado do Rio de Janeiro. A
aplicação do questionário visa coletar as primeiras informações com relação à
interface do website atual e também preferências dos usuários que ali navegam. A
partir dessa perspectiva, será desenvolvido um projeto de um novo design do website
da instituição, em que o design será centrado no usuário, avaliando de forma crítica
toda sua estrutura, para assim, criar soluções para as falhas de interface e melhorar a
navegação do usuário.
Palavras-chave: Interação humano-computador (IHC). Design centrado no usuário.
Website institucional.

1385
FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA O USO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO
PRESENCIAL E A DISTÂNCIA

Elaine Bauer de Almeida


Faculdade Redentor – Unidade Campos dos Goytacazes

RESUMO: As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) apresentam um novo


posicionamento tanto cultural quanto educacional ao longo da história. As TICs
assumem um relevante papel formativo na sociedade, contribuindo para a ampliação
dos espaços, dos tempos e das práticas pedagógicas -ferramentas importantes para as
oportunidades de acesso as informações, exigindo profissionais capacitados e que
estejam sempre em processo de formação para acompanhar o acelerado
desenvolvimento das TICs. A partir dessa premissa objetivou-se investigar a formação
e a prática dos docentes quanto ao uso das TICs no processo de ensino e
aprendizagem na educação presencial e a distância, pois é uma realidade que vai além
das formas tradicionais e estáticas de produção de conhecimento. A metodologia
utilizada foi de revisão bibliográfica, nas principais e importantes fontes como Beherns,
Formiga, Litto, Oliveira e Souza. Num segundo momento uma pesquisa de campo, em
instituições que fazem uso das TICs no ensino presencial e a distância, com uma
abordagem qualitativa, os dados foram coletados por um questionário online aplicado
a professores da educação superior presencial e a distância. Alguns resultados: poucos
professores possuem formação para o uso das TICs de maneira adequada, nem todos
os professores utilizam as TICs; a maioria dos professores reconhecem as vantagens do
uso das tecnologias aplicadas na educação e reconhecem algumas desvantagens. A
capacitação e a formação dos docentes vem responder aos desafios de integração das
TICs aos processos educacionais, pois proporcionam valiosas possibilidades de ensino,
aprendizagem, pesquisa, promoção e divulgação de conhecimentos.
Palavras-chave: Tecnologias de Informação e Comunicação. Formação. Prática
docente.

1386
REFLEXO DA DENÚNCIA NA REALIDADE DIGITAL
DENÚNCIAS E AS NOVAS TECNOLOGIAS

Denise Sampaio Lopes de Oliveira


Universidade Salgado de Oliveira

Dayse Sampaio Lopes Borges


Faculdade de Filosofia de Alegre-ES

RESUMO: A revolução digital proporcionou maior facilidade de acesso ao universo dos


computadores, à internet e outras tecnologias que surgiram com o avanço das ciências
eletrônicas. Com um clique você denuncia. Silenciar a voz de uma criança com essa
nova realidade digital ficou mais difícil. A pesquisa tem como objetivo analisar como as
denúncias estão sendo mais intensas com a utilização da internet e das novas
tecnologias, devido às mudanças no curso da sociedade contemporânea. A distância,
muito das vezes, é um dificultador para quem deseja relatar uma denúncia. Pretendeu-
se verificar se para um denunciante fica mais fácil, por meio das novas tecnologias,
pois não há rosto e voz, já que a maioria destes desejam o anonimato? A pedofilia, por
exemplo, que não é um fato novo, envolve um doloroso silêncio por parte das
pequenas vítimas, as crianças. Como a realidade digital está sendo o principal meio
para que estas alcancem a verdade? A relevância dessa pesquisa baseia-se na primícia
que utilizar tecnologia para provar o que palavras não conseguem, seria um dos
caminhos para se fazer justiça. Desse modo buscou-se identificar esse tema com os
teóricos: CASTELLS (2013); LÉVY (1993); PRENSKY (2001); SILVA (2004); CAPEZ (2012);
JESUS DAMÁSIO (2012); O estudo foi desenvolvido através de pesquisa descritiva,
exploratória e teórica, utilizando registros de denúncias feitas ao Conselho Tutelar de
Bom Jesus do Itabapoana, Estado do Rio de Janeiro dos anos 2011 a 2014.
Palavras-chave: Novas Tecnologias. Conselho tutelar. Denúncia.

1387
A IMPORTÂNCIA DE DONNA HARAWAY PARA O CIBERFEMINISMO

Paolla dos Santos Souza


UENF

Carlos Henrique Medeiros de Souza


UENF

RESUMO: O presente trabalho é resultado de uma investigação teórica acerca do


“Manifesto Ciborgue”, escrito por Donna Haraway, o qual é (re) apropriado pelo
movimento feminista preocupado com as questões como identidade e direitos da
mulher dentro do ciberespaço e a relação feminina com o computador, as tecnologias
de informação e comunicação (TICs). Para melhor compreensão do movimento
ciberfeminista é preciso antes entender a terminologia Ciberfeminismo, por isso, a
relevância em se traçar um percurso analítico sobre as teorias de Donna Haraway.
Somente a partir da análise de seus textos acadêmicos, palestras e entrevistas da
autora, será possível verificar o que propõe o Ciberfeminismo: sua construção e
perspectivas enquanto movimento social.
Palavras-chave: Donna Haraway. Ciberfeminismo. TICs.

1388
OS CONSTRUCTOS DIALÓGICOS NA ESTRUTURAÇÃO DE IDENTIDADES: O “EU” E OS
PROCESSOS DE DEPENDÊNCIA DE TECNOLOGIAS DIGITAIS

Jefferson Cabral Azevedo


UENF

Giovane do Nascimento
UENF

Carlos Henrique Medeiros de Souza


UENF

RESUMO: Este artigo visa levantar os conceitos de Sociedade em Rede Digital,


interrelacionando normalidade e patologia dentro de um campo teórico
interdisciplinar e suas influências na estruturação psíquica. Propõe vislumbrar uma
reflexão e análise dos processos de estruturação psíquica humana, de formação de
identidade/identificação pela interação tecnológica, bem como de formação do “Eu” e
dos comportamentos psicológicos e sociais oriundos desta relação. O estudo visa
utilizar conceitos de diversas áreas, proporcionando uma perspectiva multicausal e
dialógica. A população pesquisada é de universitários da região de Macaé estado do
Rio de Janeiro, sendo 7500 matriculados no ano de 2013, dos quais, como amostra,
foram utilizados 94 questionários válidos. A metodologia aplicada ao estudo é de
caráter qualitativo e quantitativo, pois abrange tanto os fatores conceituais obtidos
através de revisão bibliográfica como desenvolvimento de resultados estatísticos
através das análises dos resultados dos questionários aplicados.
Palavras-chave: Formação de identidades. Estruturas psicológicas. Uso patológico de
tecnologias digitais. Processos de comunicação.

1389
AS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E A SOCIEDADE EM
REDE: FOMENTO PARA O FORTALECIMENTO DA EDUCAÇÃO ABERTA

Matheus Carvalho de Mattos


UENF

Jamil Bussade Neto


UFF

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo apresentar conceitos importantes


relacionados à Educação Aberta, um movimento crescente que busca a estabilização
no cenário da educação mundial. Por conta do uso das TIC realidades estão sendo
transformadas, desde os tradicionais ambientes de sala de aula até mesmo os
ambientes virtuais de aprendizagem que buscam novos e flexíveis modelos que
atendam a um público cada vez mais tecnológico. Em meio à tempestade de conceitos,
modelos e tecnologias envolvidas, encontra-se a Educação Aberta, um a vertente da
educação que busca seu lugar ao sol e que se apresenta como forma de
democratização do ensino e compartilhamento de conhecimentos e práticas. O
conjunto de tecnologias da informação e comunicação disponível no mercado
possibilita que a Educação Aberta se estabeleça concretamente desde que tenha suas
ações, estratégias e objetivos bem claros e definidos. É justamente destas questões
que o presente estudo trata. Em que consiste a Educação Aberta? Como ela pode se
estabelecer? Como as novas tecnologias da informação e comunicação podem ajudar a
sustentar estes processos? As possíveis respostas a estas questões, são apresentadas
neste artigo baseando-se em estudos bibliográficos e de casos.
Palavras-chave: Educação aberta. Tecnologia da informação e comunicação. Modelos
flexíveis.

1390
O PROFESSOR-AUTOR E O COMPARTILHAMENTO DE MATERIAIS NAS REDES SOCIAIS

Joyce Vieira Fettermann


UENF

RESUMO: O momento atual é especial, cheio de transformações vividas nas mais


diversas esferas do conhecimento, cultura e vida social. A Internet tem sido grande
responsável na atuação dessas mudanças, e cresce de maneira impactante o número
de pessoas conectadas ao redor do mundo, com interesses diferenciados. Com isso,
vê-se cada vez mais o quanto essa tecnologia tem contribuído para que o professor
atinja novos patamares, em busca de melhorar a educação. Este estudo, inicial,
pretende, de maneira breve e através de uma pesquisa bibliográfica com dados
quantitativos, considerar o papel do professor que, com o advento do uso das novas
tecnologias, além de ser um facilitador na sala de aula, se torna autor dos conteúdos
utilizados na mesma com seus alunos, que podem ser compartilhados entre os demais
colegas e também online.
Palavras-chave: Professor-autor. Compartilhamento de materiais. Redes sociais.

1391
COMPUTAÇÃO EM NUVEM: UM PASSO PARA O FUTURO

Jefferson de Oliveira Balduino


Faculdade Redentor – Campus Itaperuna / IFF – Campus Itaperuna

Lilian Fernandes
Faculdade de Filosofia de Campos – UNIFLU / FAFIC – Campus Campos dos Goytacazes

Mary Jeanne Tavares


UENF

RESUMO: O estudo em questão aborda o conhecimento, conceito e a utilização da


computação em nuvem, buscando verificar a importância sobre os recursos
tecnológicos, sua aplicabilidade em diversos aspectos, sejam eles nas empresas ou nas
escolas. Elaboramos cartilhas e apresentações, que foram divulgadas para os
professores, em três unidades escolares na região de Campos dos Goytacazes, cujo
objetivo geral para nossa pesquisa foi à inserção das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) como facilitadoras no processo ensino/aprendizagem, bem como o
estudo de uma estrutura não tão nova, mas que está mudando a cultura de serviços
prestados na área da informática. Tal estrutura é denominada nuvem, se trata de uma
metáfora para descrever a internet, onde existem diversas TIC. A nuvem possui alguns
modelos de serviço que servem para apoiar certas tarefas: SaaS, PaaS, IaaS, dentre
outros. Algumas empresas de Tecnologia da Informação (TI) utilizam diversos desses
modelos e por ser um recurso tecnológico relativamente novo na área educacional,
alguns profissionais da educação ainda não possuem afinidades ao utilizar os
dispositivos em nuvem e também com relação à segurança podemos verificar que gera
ainda dúvidas e requer um estudo bem maior.
Palavras-chave: Computação em nuvem. TIC. Modelos de serviço online. Educação.

1392
OS JOGOS DIGITAIS E O ENSINO DE IDIOMAS: DIALOGANDO COM AS POSSIBILIDADES

Elaine Teixeira da Silva


Universidade Candido Mendes – UCAM

RESUMO: Com o advir tecnológico, os jogos digitais se converteram em um item de


grande ajuda para a Educação, haja vista que os estudantes passam mais tempo
conectados a algum dispositivo digital. Este estudo objetiva-se em observar se os jogos
digitais ajudam a aprender outro(s) idioma(s) e constatar se esta ferramenta se
enquadra na modalidade de ensinar a distância. Para tais proposições, formulou-se um
questionário através do Google Drive, e em seguida o mesmo foi compartilhado na
rede social Facebook. Os participantes responderam a quatro perguntas relacionadas
ao uso dos jogos digitais como suporte para o ensino de idiomas, sendo que as duas
perguntas iniciais estão relacionadas à utilização dos jogos digitais como ferramenta
para aprender outra(s) língua(s). A terceira pergunta relaciona-se a aprendizagem sem
a mediação do professor por meio dos jogos sendo que este modo de ensino pode ser
considerado uma modalidade do Ensino a Distância. Na quarta e última pergunta, o
entrevistado respondeu se os jogos digitais podem auxiliar o ensino presencial. Após
analisar os questionamentos, buscar-se-á concluir as possibilidades de aprender outros
idiomas por meio dos jogos digitais, assim como reconhecer se esta forma de aprender
pode ser considerada como uma modalidade do ensino à distância. É uma pesquisa
quantitativa apoiada nas contribuições de Kenski (2007), Mattar (2011) e Tori (2010).
Palavras-chave: Ensino a Distância. Ensino presencial. Idiomas. Jogos digitais.

1393
FACEQUADRO AFRICANO

Alan da Costa Amorim


Centro Universitário São Camilo – ES

Sandra Regina Cancella Lamonato


Centro Universitário São Camilo – ES

RESUMO: Com a aprovação da Lei 10.639/03, tornou-se obrigatório que as escolas de


Educação Básica Pública e Privada trabalhem a História e a Cultura Afro-Brasileira.
Mesmo com algumas instituições de ensino aplicando essa lei em sua grade curricular,
é necessário fortalecer essa ideia, numa tentativa de conhecer e extrair do aluno todo
conhecimento que ele possui acerca do tema. Introduzir o conteúdo África e cultura
afro-brasileira para dar continuidade aos demais projetos que serão realizados na
escola durante o ano e junto a isso, mostrar aos alunos como é a história africana e
fazê-los se identificar com as questões voltadas para a lei 10.639/03. Ministrar aulas
expositivas dialogadas explicando e conceituando aspectos do continente africanos.
Num posterior momento, após os estudos do assunto introduzido, propor aos alunos a
confecção de cartazes com imagens e textos que remetam as questões africanas e
afro-brasileiras. Em um último momento os cartazes foram colocado no “Facequadro
africano” da escola para serem expostos aos alunos e todos os outros que passam pelo
ambiente. Constatou-se que os alunos possuíam alguns estereótipos em relação ao
continente africano, entretanto, durante a realização da confecção dos cartazes esses
estereótipos foram se quebrando. É de fundamental importância à implementação da
Lei 10.639/03. Trabalhar essa questão abre uma grande possibilidade de expansão de
conhecimento, pois oportuniza o conhecimento da trajetória histórica, costumes e
práticas cotidianas. Mas é preciso que esse processo seja demarcado e lento, para que
não se haja a perca da essência da lei 10.639/03.
Palavras-chave: África. Facequadro. Estereótipos. Introduzir.

1394
APRENDIZAGEM: CONFRONTO DE TEORIAS REMOTAS COM A TEORIA CONECTIVISTA

Marcos Antônio P. Coelho


UEMG – Unidade Carangola/Faculdade Redentor de Itaperuna

Lenise Ribeiro Dutra


Fundação São José de Itaperuna/Faculdade Redentor de Itaperuna

RESUMO: É sabido que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) vem


provocando mudanças comportamentais na sociedade e também na educação,
principalmente na forma de planejar, implementar e utilizar recursos tecnológicos na
promoção da aprendizagem. O Conectivismo surge num contexto como uma nova
abordagem educacional. Esta teoria sugerida por George Siemens e Steven Downes
(2004), assinala que o conhecimento está disseminado numa rede de conexões e que,
desse modo, a aprendizagem consiste na capacidade de construir essas redes,
permanecer e circular nelas, desenvolvendo assim a capacidade de refletir, decidir e
partilhar informações. O objetivo deste trabalho é realizar estudo sobre as teorias da
aprendizagem mais utilizadas para embasar o ensino e da teoria conectivista. Para
concretização deste trabalho, propõe-se a realização de pesquisa bibliográfica em
livros, artigos científicos e na internet. Como resultados obtidos verificou-se que todas
os pressupostos previstos nas teorias levantadas, possuem argumentos que podem ser
amplamente utilizados na base educacional voltadas para o conhecimento e a
aprendizagem. Verificou–se também que a teoria conectivista, definida como teoria
alternativa da era digital, pressupõe que a aprendizagem está internalizada no
indivíduo e é necessário ser acionada por uma fonte de conhecimento que pode residir
tanto em outros indivíduos quando em dispositivos não humanos. Daí, a necessidade
de se fazer e criar conexões para acionar o conhecimento internalizado.
Palavras-chave: Teorias da aprendizagem. Conectivismo. Sociedade em rede.

1395
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E INCLUSÃO DIGITAL POR MEIO DAS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Cláudia Luíza Marques


Instituto Federal de Brasília

RESUMO: Este trabalho, em andamento, aborda o tema da Educação a Distância (EaD),


focando a inclusão digital no cenário da Educação Profissional (EP), refletindo sobre o
uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) como auxílio nessa
modalidade de ensino, promovendo a inclusão social. No Referencial Teórico,
apresentam-se algumas concepções de EaD, as funções sociais dessa modalidade de
ensino; a importância da inclusão digital e social; e, por fim, considerações sobre o que
representa a TIC na vida das pessoas, principalmente no ensino e aprendizagem tendo
como cenário a EaD, no sentido de se favorecer essa inclusão. Nesse aspecto, o estudo
tem como objetivo analisar a contribuição da EaD em cursos profissionalizantes,
delineando fases que compreendem a relação entre a TIC e a necessidade social dos
alunos em cursos profissionalizantes de nível médio no Instituto Federal de Brasília.
Dentre as atividades e técnicas de pesquisa, realiza-se uma pesquisa bibliográfica
como ponto de partida, seguida de uma coleta de informações através de
questionários aplicados em sujeitos envolvidos com a EaD no Instituto Federal de
Brasília, câmpus Gama. A metodologia para desenvolvimento da pesquisa tem
abordagem qualitativa, utilizando o método de Estudo de Caso como forma de
avaliação do universo tema a ser avaliado. Partindo dos questionários aplicados, será
feito um levantamento de aspectos importantes, dos pressupostos sobre a
contribuição da EaD, bem como se está ou não ocorrendo a inclusão digital.
Palavras chave: EaD. TIC. Inclusão digital e social.

1396
O GÊNERO PUBLICITÁRIO NA AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

Maria Célia Cardoso de Lira


IFF

RESUMO: Aprender outro idioma é uma atividade complexa, que percorre um longo
processo. Afinal saber como a linguagem funciona, entendê-la, escrevê-la e comunicar-
se com precisão não é uma tarefa simples. Por isso, um programa completo de ensino
de línguas deve alcançar um equilíbrio entre atividades controladas linguisticamente e
atividades comunicativas, proporcionando ao aprendiz a oportunidade de
“experimentar” a língua em diferentes contextos. Este equilíbrio está diretamente
relacionado aos variados recurso a serem utilizados e ao ambiente motivador que o
professor pode criar para as aulas, o que resultaria em uma perspectiva comunicativa.
Nos últimos dois séculos novas tecnologias, principalmente as ligadas à área de
comunicação como o rádio, a televisão, o jornal e a internet, propiciaram o surgimento
de novos gêneros textuais e o interesse, por parte dos educadores, em utilizar esses
recursos em sala de aula. Por isso é importante reconhecer que os textos se
manifestam sempre em algum gênero textual e que isso interfere diretamente na
produção e compreensão dos mesmos. Percebeu-se que quando se leva para sala de
aula uma proposta de ensino, baseada na didática dos gêneros textuais, considerando
as diversas esferas da atividade humana, o ensino não se desvincula das práticas
sociais de uso da linguagem e prende a atenção do aluno, funcionando como elemento
motivador nesse processo. O objetivo desse trabalho é apresentar o gênero
publicitário, nos comerciais de televisão, como recurso para unir a língua e a cultura da
língua-alvo e estabelecer a comunicação de forma contextualizada. A publicidade induz
a uma visão dinâmica do social, privilegiando implicitamente as ideias mais atuais e usa
conotações culturais, icônicas e linguísticas, sobretudo as que veiculam estereótipos
mais facilmente codificáveis e compreensíveis. Utiliza também modelos globais de
conhecimentos e baseia neles suas mensagens, para que a intercomunicação se faça
com rapidez, clareza e persuasão. Outro fator que deve ser levado em conta nos
comerciais de televisão é o tempo, pois as propagandas são exibidas em
aproximadamente sessenta segundos, o que não compromete o andamento da aula e
não cansa o aluno, pelo contrário, estimula a sua curiosidade, funcionando como
elemento motivador no processo de aprendizagem da língua estrangeira.
Palavras-chave: Aprendizado de Línguas. Recursos audiovisuais. Espanhol Língua
Estrangeira (E/LE).

1397
O USO DO CELULAR COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA EM SALA DE AULA

Mary Jeanne G. Viana Tavares


Universidade Estadual do Norte Fluminense

Suélly Lima dos Santos


Instituto Federal Fluminense

Daniele Fernandes Rodrigues


Universidade Estadual do Norte Fluminense

RESUMO: O artigo em questão traz um relato de experiência sobre a aplicação


pedagógica dos dispositivos móveis junto ao processo de ensino aprendizagem. Ao
utilizar as tecnologias de comunicação e informação de maneira planejada, elas
auxiliam o professor e despertam o interesse dos alunos. A tecnologia vem fazendo
parte fundamental na construção do saber e na troca de experiências, podendo ser
utilizados em sala de aula, em casa ou em horários vagos. Observa-se que a tecnologia
não é a garantia da transmissão do conhecimento, porém participa como
determinante em agregar alunos e professores, alunos e alunos, vencendo barreiras e
aproximando o conhecimento da aprendizagem de modo integrador e facilitador. Uma
problemática observada atualmente nas escolas é o uso do celular inadequadamente,
para isso propusemos a utilização do mesmo pedagogicamente e com um
planejamento prévio; priorizando a inserção do aplicativo, que é sustentado em uma
plataforma colaborativa para o ensino de idiomas, o DUOLINGO. As observações estão
sendo feitas em um Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) em Campos dos
Goytacazes_RJ, em turmas do Ensino Médio, nos turnos da manhã e noite. Visando a
quebra de barreiras entre disciplina e conteúdo didático, tendendo a elevar o nível de
aproveitamento entre alunos e professores, onde todos terão a oportunidade de
crescer, aprender e trabalhar juntos, sejam eles nativos ou imigrantes digitais.
Palavras-chave: Dispositivo móvel. Ensino-aprendizagem. Tecnologia.

1398
A METÁFORA DO HIPERTEXTO POR PIERRE LEVY SOB O CONTEXTO DA
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA DE LABOV

Lorena Borsoi Agrizzi


UENF

João Batista Rodrigues Junior


UENF

RESUMO: As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência depende, na


verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos.
Escrita, parole, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturados por uma
informática cada vez mais avançada. Não se pode mais conceber a pesquisa científica
sem uma aparelhagem complexa que redistribui as antigas divisões entre experiência e
teoria. Seria a transmissão de informações a primeira função da comunicação? Decerto
que sim, mas em nível mais fundamental o ato de comunicação define a situação que
vai dar sentido às mensagens trocadas. Duas ou mais formas distintas de se transmitir
um conteúdo informativo constituem, pois, uma variável linguística. Da mesma forma,
os processos de mudanças contemporâneas que ocorrem na comunidade de fala são
primordiais na Sociolinguística. Para os sociolinguistas, nas comunidades de fala,
frequentemente existirão formas linguísticas em variação, isto é, formas que estão em
concorrência (quando duas formas são usadas ao mesmo tempo) e em concorrência
(quando duas formas concorrem). Na Sociolinguística de base laboviana, a variação
lingüística é captada por padrões quantitativos que sustentam e provocam hipóteses a
respeito das relações complexas regulares não perceptíveis de forma consciente no
comportamento linguístico cotidiano. A análise dessas formas pode, além de revelar
uma regularidade sistemática, detectar a possibilidade de uma mudança lingüística em
curso. Essa possibilidade de detecção pode ser sustentada por uma análise linguística
em tempo aparente, embora a análise em tempo real possa nos dar mais segurança a
respeito de processos de mudança lingüística. Assim, como no hipertexto de Levy,
variantes linguísticas são maneiras diferentes de dizer a mesma coisa. Uma variante
linguística é o modo de falar a língua característico de determinado grupo social ou de
determinada região geográfica. Partindo da noção de heterogeneidade, a
Sociolinguística afirma que toda língua é um feixe de variedades. Os elementos que
determinam a variação podem ser de ordem linguística (estrutural) ou extralinguística
(social) ou uma combinação das duas. A metáfora do hipertexto dá conta da estrutura
indefinidamente recursiva do sentido, pois já que ele conecta palavras e frases cujos
significados remetem-se uns aos outros, dialogam e ecoam mutuamente para além da
linearidade do discurso, um texto já é sempre um hipertexto, uma rede de associações.
A circulação de informações é, muitas vezes, apenas um pretexto para a confirmação
recíproca do estado de uma relação. Quando, por exemplo, conversamos sobre o
tempo com um comerciante de nosso bairro, não aprendemos absolutamente nada de
novo sobre a chuva ou o sol, mas confirmamos um ao outro que mantemos boas

1399
relações, e que ao mesmo tempo nossa intimidade não ultrapassou um certo grau, já
que falamos assuntos anódinos, etc. Através de seus atos, seu comportamento, suas
palavras, cada pessoa que participa de uma situação estabiliza ou reorienta a
representação que dela fazem os outros protagonistas. Sob este aspecto, ação e
comunicação são quase sinônimos. A comunicação só se distingue da ação em geral
porque visa mais diretamente ao plano das representações.
Palavras-chave: Hipertexto. Variação linguística. Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação.

1400
GT 03 – Pesquisas Interdisciplinares em Educação e Saúde

PROFESSOR: UM TRABALHADOR DA EDUCAÇÃO

Regina Célia da Silva Fontes


SEME/SEDU

RESUMO: O referido documento científico se destina a delinear o perfil do professor a


partir de seu saber e saber-fazer. O tema será construído a partir das proposições
teóricas de autores clássicos como: Nóvoa (1992), Langford (1989), Sacristtán (1998),
Enguita (1991) e mais atuais como: Tardif e Lessard (2005) Libâneo (2003) Gatti e
Barretto (2009). Ao Identificar este saber e saber-fazer simultaneamente esbarramo-
nos na formação do professor, as crises vividas no ambiente de trabalho. Discorrendo
um pouco mais sobre o assunto, podemos afirmar que a atual situação da educação
brasileira foi imposta e aceita passivamente pelos trabalhadores em educação. A
metodologia utilizada foi a dedutiva, com pesquisa de campo quantitativa. O
questionário foi elaborado com questões semi-abertas com o objetivo de identificar
como acontece a partir da obrigatoriedade legal de matrícula do aluno deficiente a
dita educação regular. Alem deste desafio será identificado também os já vividos
independente da inclusão.
Palavras-chave: Inclusão. Educação. Formação. Professor.

1401
INCLUSÃO ESCOLAR: UMA QUESTÃO DE ATITUDE

Regina Célia da Silva Fontes


SEME/SEDU

RESUMO: Este documento científico se propõe relacionar o processo inclusão e


exclusão do aluno deficiente em sala de aula, ou escolas do ensino regular. Tal
contexto será identificado a partir das teorias propostas pela Psicologia Social, quanto
à formação de atitudes. Todo estudo traz como metodologia a pesquisa bibliográfica
que apresenta a atitude humana a partir de uma forma e força. O objetivo maior
deste artigo é questionar o processo inclusivo a partir da mudança de atitude dos
trabalhadores em educação frente à inclusão escolar. Entendemos que se esta não se
der dentro do ambiente escolar junto aos trabalhadores em educação , a mesma
continuará sendo uma utopia. A atitude comoos inicialmente propostos
por:Pessoti,(1984), Nogueira (2000), Aranha (2001) , Rodrigues (2002), Bowditch e
Buono (2004) , Neiva e Mauro (2011) e outros autores que abordam sobre o assunto.
Palavras-chave: Inclusão. Exclusão. Deficiência. Escola. Atitude.

1402
MODELAGEM MATEMÁTICA NO ENSINO MÉDIO: UMA INVESTIGAÇÃO À LUZ DA
TEORIA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA

Sandra Maria Schröetter


UENF

Nilson Sergio Peres Stahl


UENF

Camila Peixoto Fagundes Ramos Duncan


UENF

Cristiano da Silveira Colombo


UENF

RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar uma experiência de trabalho
evidenciando a utilização da Modelagem Matemática como metodologia de ensino
facilitadora da construção do conhecimento em Matemática, tendo como referência a
efetivação de atividades cognitivas preconizadas pela Teoria dos Registros de
Representação Semiótica. Para tanto, foi realizada a aplicação de modelos
matemáticos em duas turmas de Ensino Médio. A coleta de dados se deu por meio do
diário de bordo realizado pelo professor e de resultados de testes aplicados aos
educandos. As análises dos testes e os apontamentos relatados constituíram
informações fundamentais para refletir, entre outros aspectos, sobre o processo de
aprendizagem dos educandos, no que diz respeito à realização das conversões dos
diferentes registros de representações semiótica durante o processo de aprendizagem.
Palavras-chave: Modelagem Matemática. Teoria das Representações Semióticas.
Metodologia de Ensino. Interdisciplinaridade.

1403
A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO ESPAÇO DE PRODUÇÃO DE SABER PARA A CRIANÇA
COM DEFICIÊNCIA VISUAL

Larissa Mendonça Lirio


UENF

Nadir Francisca Sant’Anna


UENF

RESUMO: A pesquisa visa contribuir para a garantia do direito de todos à educação


como previsto na Constituição Federal. Para que ocorra um processo educacional
inclusivo, a Educação Infantil, como primeira etapa da educação básica e o primeiro
espaço de interação social fora do ambiente familiar, deve-se propiciar o
desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e social da criança até os seis anos de
idade. Nesta fase, a modalidade de educação especial deve ser oferecida aos alunos
deficientes, visando estimular suas habilidades e prepará-los, tanto para as etapas
subsequentes do processo de ensino-aprendizagem como para a vida. Nossa pesquisa
esta voltada para alunos deficientes visuais tendo em vista que dados do Censo 2010
demonstram que estes representam a maior parte dos deficientes que frequentam as
escolas regulares. Por outro lado, diversos trabalhos demonstram que os deficientes
visuais ao chegarem ao primeiro ano do ensino fundamental apresentam dificuldades
no processo de alfabetização. Pretende-se: verificar o número de crianças com
deficiência visual que frequentam a Educação Infantil no Município da Serra-ES;
identificar quais as práticas utilizadas com essas crianças no espaço escolar; verificar as
dificuldades encontradas no trabalho de desenvolvimento da cognição e linguagem
dessas crianças e por fim, elaborar um manual de práticas inclusivas para deficientes
visuais na educação infantil, com base nos documentos legais e parâmetros adotados
pelo MEC. Como procedimentos de pesquisa optou-se por usar o estudo de caso do
tipo etnográfico e para compor este estudo, será feito coleta de dados, entrevistas,
observação.
Palavras-chave: Deficiência visual. Educação Infantil. Desenvolvimento.

1404
INTERDISCIPLINARIDADE E CONTEXTUALIZAÇÃO EM LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA
DO ENSINO MÉDIO

Kamila Teixeira Crisóstomo


UENF

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo avaliar a aplicação dos conceitos de
interdisciplinaridade e contextualização na apresentação do conteúdo “ácidos e bases”
em Livros Didáticos de Química do Ensino Médio. Foram analisados os livros: “Química
na abordagem do cotidiano” - Francisco Miragaia Peruzzo e Eduardo Leite do Canto,
“Química” - Ricardo Feltre, “Química: ser protagonista” - Julio Cezar Foschini Lisboa e
“Química” - Eduardo Fleury Mortimer e Andréa Horta Machado. Em apenas um caso
não foi possível verificar a aplicação dos conceitos em questão, embora, mesmo no
melhor dos casos, tanto a interdisciplinaridade quanto a contextualização aprecem de
modo tímido ou complementar, representando pouco mais de 10% dos exercícios
propostos. Os conceitos em análise aparecem com maior frequência quando os
autores utilizam exercícios de vestibulares ou do ENEM.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Contextualização. Livro didático.

1405
CONTRIBUIÇÕES DA TÉCNICA DE FACILITAÇÃO NEUROMUSCULAR PROPRIOCEPTIVA
NA PREVENÇÃO DE QUEDAS EM IDOSOS

Vanessa Tharla dos Reis F. Belmont


ISECENSA

Dhienes Charla Ferreira


UENF

RESUMO: O envelhecimento é um processo dinâmico e progressivo que implica em


várias alterações morfofisiológicas no ser humano. Algumas dessas alterações geram
quedas na população. Essas quedas estão intimamente ligadas com a redução na
independência funcional, à diminuição somatossensorial e hipotrofia muscular. Elas
também trazem o impacto psicológico relacionado ao medo de voltar a cair e das
consequências que elas podem gerar. Partimos da premissa de que estas
transformações psicofisiológicas e sociais trazem a perda da autonomia e
independência funcional no idoso. Neste sentido, este artigo tem como objetivo
analisar e apresentar os benefícios da utilização da facilitação neuromuscular
proprioceptiva nos idosos de modo a prevenção das quedas. Acreditamos que a
atividade física e proprioceptiva possui fundamental importância na melhora na força
muscular, equilíbrio, coordenação, favorecendo uma maior estabilidade e prevenção
de quedas entre os indivíduos idosos.
Palavras-chaves: Envelhecimento. Quedas. Treinamento funcional. Propriocepção.
Fisioterapia.

1406
UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO SÓCIOECONOMICO: UMA BREVE ANÁLISE
COM ENFOQUE NA ÁREA DA SAÚDE

Rachel Ferreira Klem de Mattos Morgades


UENF

Luís Felippe Ferreira Klem de Mattos


UENF

Carolina Crespo Istoe


UENF

RESUMO: Este trabalho analisa o papel da universidade enquanto parte indispensável


no processo de desenvolvimento socioeconômico, com enfoque especial na área de
saúde, seja através da formação de capital humano com foco nas necessidades
regionais; pela produção de oportunidades em diversos setores, em especial o setor de
serviços; ou pela incorporação do conhecimento à produção de bens e serviços,
através do modelo da hélice tripla, decorrente da interação Universidade, Governo e
Indústria. O trabalho faz uma breve análise da Política Nacional de Ciência, Tecnologia
e Inovação em Saúde, cujo objetivo é contribuir para que o desenvolvimento se faça
de modo sustentável, e com apoio na produção de conhecimentos técnicos e
científicos ajustados às necessidades econômicas, sociais, culturais e políticas do país.
Assim, a universidade, em especial a pública, que tem sua atuação baseada no tripé
ensino-pesquisa-extensão, tem papel de destaque, pois é a ferramenta de
transformação do saber em conhecimento útil à sociedade e na geração de novas
tecnologias, as quais alavancam o crescimento econômico e social. Para tanto, após
pesquisa bibliográfica é possível mostrar a relação educação, ciência, tecnologia e
inovação, com enfoque na área de saúde, que quando bem aplicadas, se transformam
em desenvolvimento econômico sustentável, com distribuição de renda e inclusão
social.
Palavras-chave: Universidade. Ciência. Tecnologia. Inovação. Saúde.

1407
AUTOMEDICAÇÃO: EDUCAÇÃO DA POPULAÇÃO PARA CONTER ESSA TENDÊNCIA
MUNDIAL

Carolina Crespo Istoe


UENF

Sérgio Elias Istoe


UENF

Carlos Henrique Medeiros de Souza


UENF

RESUMO: O presente artigo pretende discutir questões relacionadas ao uso e prática


da automedicação, tendo como ponto inicial de reflexão a diversificação e os avanços
da indústria farmacêutica na produção de medicamentos, evidenciando o crescimento
da prática do uso automedicação. Em se tratando da população brasileira, onde a
grande maioria possui baixa escolaridade e pouco acesso à informação sobre o uso
correto dos medicamentos, a automedicação tem se tornado uma grande
preocupação. Ciente dos riscos do uso indiscriminado e indevido de medicamentos
como um grave problema de saúde pública, a automedicação pode resultar desde o
mascaramento de doenças como a evolução da gravidade da mesma. Também está
incluído nestas preocupações o aumento da resistência microbiana aos antibióticos.
Palavras-chave: Automedicação. Educação. Saúde.

1408
CONHECIMENTOS E ATITUDES DE DIABÉTICOS E FATORES ASSOCIADOS

Marianna Estanislau de Mendonça Mello de Pinho


Faculdade Redentor

RESUMO: Este estudo teve como objetivo avaliar conhecimentos e atitudes sobre
Diabete mellitus (DM) de portadores de diabetes e identificar fatores associados.
Métodos: Estudo transversal com 25 diabéticos atendidos numa Clínica Escola de
Nutrição em Diamantina/MG. Na coleta de dados foram utilizados os Questionários de
Conhecimento sobre DM (DKN-A) e de Atitudes Psicológicas do Diabetes (ATT-19).
Foram ainda avaliadas variáveis antropométricas, de adiposidade, demográficas, e
bioquímicas. Utilizou-se os testes de correlação de Pearson ou Spearman, teste T ou
Mann-Whitney e de regressão linear nas análises estatísticas. Adotou-se nível de
significância valor de p < 0,05. Resultados: predomínio do sexo feminino (72,0%) com
idade média, escolaridade e tempo de diagnóstico respectivamente de 52,72, 10,04 e
7,8 anos. A maioria apresentou conhecimento satisfatório sobre DM e todos
apresentaram baixa prontidão para o manejo da doença. A idade foi a única variável
que associou ao escore de DKN-A (r2=0,267; coeficiente beta= -0,546; p=0,005),
indicando que para cada aumento de um ano na idade dos voluntários, há uma
redução de 0,546 no escore de DKN-A. Conclusões: Os diabéticos avaliados
apresentam bom conhecimento sobre sua doença, no entanto, não apresentam
atitudes positivas sobre a mesma. Com o aumento da idade há uma redução o nível de
conhecimento.
Palavras-chave: Diabetes mellitus. Conhecimento. Atitude. Idade. Escolaridade.

1409
O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO E A EDUCAÇÃO EM DIREITOS
HUMANOS

Fabrícia Vieira de Araújo


UENF

Leandro Garcia Pinho


UENF

RESUMO: Este trabalho tem como principal objetivo analisar o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) e o próprio livro didático sob a luz dos direitos humanos em
educação, tendo como recorte a cidade de Campos dos Goytacazes, no âmbito da
educação municipal; A metodologia a ser empregada versa a revisão bibliográfica
referente ao tema; levantamento e análise de documentos referentes ao PNLD,
concretização de entrevistas aos professores das escolas participantes e a observação
do cotidiano escolar, tendo em vista a abordagem qualitativa. O PNLD será analisado
de acordo com os horizontes teóricos e práticos de Pedro Demo, como uma política
social participativa que busca enfrentar a pobreza política dos indivíduos, a fragilidade
da cidadania. A pesquisa encontra-se no estágio inicial de construção, por isso ainda
não é possível abordar seus resultados. Tem-se o intuito de instigar uma reflexão que
contribua para o debate sobre as políticas públicas que envolvem o PNLD no âmbito
nacional e como elas são percebidas ou não em Campos dos Goytacazes, considerando
também a temática dos direitos humanos. O PNLD, considerado uma política
educacional pública, muitas vezes não é concretizado da forma como é emitido pelo
governo federal, o que pode acarretar prejuízos para a educação pública. É possível
verificar que, apesar da existência de uma avaliação do livro didático, tanto proposta
pelo próprio PNLD, tanto concretizada posteriormente pelos professores na escola,
percebe-se que alguns livros didáticos, bastante utilizados em sala de aula, pouco
trabalham ou discutem superficialmente a temática dos direitos humanos.
Palavras-chave: Política social. Programa Nacional do Livro Didático. Livro didático.
Educação. Direitos humanos.

1410
APOSENTADORIA FRENTE AO ENVELHECIMENTO BEM-SUCEDIDO

André Luiz Gomes de Oliveira


UENF

Rosalee Santos Crespo Istoe


UENF

Fernanda Castro Manhães


UENF

RESUMO: Este estudo tem como objetivo analisar a aposentadoria frente ao


envelhecimento bem-sucedido. Em consonância com essa temática, esta pesquisa se
justifica pela importância de ampliação do debate científico sobre a relação entre
aposentadoria e envelhecimento bem sucedido, contribuindo para amenizar as
repercussões nesta etapa da vida. Destaca-se como problema: Como os fatores
biopsicossociais relacionados as funções cognitivas interferem no processo de
aposentadoria para um envelhecimento bem-sucedido? A metodologia será de
natureza aplicada, com uma abordagem qualitativa do problema exposto. Para
atender os objetivos será realizada uma pesquisa de caráter exploratório e descritiva.
Em relação aos procedimentos técnicos será desenvolvida uma revisão bibliométrica
no decorrer de toda a pesquisa sobre as temáticas: fatores biopsicossociais, alterações
fisiológicas vinculadas às funções cognitivas, aposentadoria, envelhecimento,
envelhecimento bem sucedido.
Palavras-chave: Aposentadoria. Envelhecimento. Fatores biopsicossociais.

1411
MAPEAMENTO DO DESEMPENHO COGNITIVO DE IDOSOS E SEUS REFLEXOS NO
ENVELHECIMENTO BEM SUCEDIDO

Fernanda Castro Manhães


UENF

Rosalee Santos Crespo Istoe


UENF

RESUMO: Políticas públicas e pesquisas sobre o envelhecimento humano são cada vez
mais centradas no desenvolvimento de estratégias para manter a saúde cognitiva e
funcional em idosos objetivando um envelhecimento independente, autônomo e com
qualidade. Nesse sentido, este estudo tem como questão norteadora: de que forma o
mapeamento do desempenho cognitivo de idosos pode refletir na orientação para um
envelhecimento bem sucedido? Como objetivo geral, pretende-se mapear o
desempenho cognitivo de idosos e seus reflexos na orientação para um
envelhecimento bem sucedido. A amostra será constituída de idosos a partir dos 60
anos, de ambos os sexos, do Projeto de Extensão Universitária “Terceira Idade em
Ação”, realizado na UENF, no município de Campos dos Goytacazes/RJ. O
delineamento desta pesquisa será de caráter do tipo longitudinal, com uma
abordagem de natureza quali-quantitativa diante do problema exposto. Para atingir os
objetivos propostos, esta pesquisa caracteriza-se como exploratória e descritiva. Os
instrumentos a serem utilizados são: Anamnese, Escala de Depressão Geriátrica,
Questionário de Percepção Subjetiva de Queixas de Memória e Mini-Exame do Estado
Mental. No que tange ao período da pesquisa, o processo de coleta de dados
encontra-se em fase de andamento. Como hipótese inicial acredita-se que, o
mapeamento do desempenho cognitivo de idosos poderá permitir uma orientação
para um envelhecimento bem sucedido visando minimizar as perdas cognitivas no
decorrer do tempo.
Palavras-chave: Envelhecimento. Cognição. Idosos.

1412
A IDENTIDADE SOCIAL E INDIVIDUAL DA MULHER EM CONTRASTE COM AS POLÍTICAS
DE SAÚDE PÚBLICA

Luiza Carla Ferreira R. M. Tenório


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

André Luiz Gomes de Oliveira


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Rosalee Santos Crespo Istoe


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Fernanda Castro Manhães


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo discutir as questões relacionadas ao corpo,
conforme o gênero e a identidade feminina nas formulações das políticas públicas de
assistência a saúde. Problematizando as construções genéricas das políticas de saúde
individual e coletiva ao ponto de se confundir com os próprios princípios do SUS, assim
como a evolução do Programa Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher e a
Política Nacional de Humanização. A pesquisa está baseada em artigos científicos dos
sites da área da saúde, Lilacs e Scielo e livros nacionais e internacionais, periódicos e
anais, publicados que contemplam as transformações da assistência a saúde da mulher
no período de 1974 a 2004. Como resultados, observou-se que a mulheres se
apresentam em seus aspectos biopsicossociais marcadas historicamente pela
discriminação social e cultural do sexo e gênero. Os quais podem ser observados nos
programas e ações em saúde pública como outra obrigatoriedade do sexo, não
levando em consideração aspectos específicos do construto de gênero indissociáveis
para assistência integral a saúde da mulher.
Palavras-chave: Identidade. Gênero. Saúde pública. Saúde da mulher.

1413
O CLIMA FACILITADOR DA APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DO AMBIENTE FÍSICO
ERGONÔMICO

Júlio César dos Santos Boechat


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Carlos Henrique Medeiros de Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Fernanda Castro Manhães


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Pesquisas vêm sendo desenvolvidas a respeito do controle do clima da sala


de aula e investigadores consideram que a aprendizagem envolve um conjunto de
dimensões motivacionais, volitivas e comportamentais que interagem constantemente
com a variável do contexto educativo e que este atua diretamente na ação de
aprender, sendo crucial nos processos de aprendizagem antes, durante e após a
aquisição e consolidação dos conhecimentos e das competências escolares. Todo
ambiente exerce influências sobre o indivíduo que o ocupa, tendo maior importância
quando falamos em ambiente escolar, pois se considera que os primeiros anos de vida
de uma pessoa são decisivos, pois é neste período que ocorre um processo intenso do
desenvolvimento natural nos aspectos físicos, afetivos, cognitivos e sociais. É
importante ressaltar que nos estudos sobre a aprendizagem autorregulada em
contexto escolar, é notório o papel ativo que o estudante pode desempenhar na
aprendizagem. Como parte integrante da variável do contexto, o clima do ambiente
físico da sala de aula tem influencia ativa no processo de ensino e aprendizado
podendo contribuir ou dificultar o desempenho da tarefa em execução e este
ambiente pode ser preparado mediante orientações técnicas a fim de agir como
instrumento facilitador na construção do ensino e aprendizado. Alguns aspectos no
clima do ambiente físico exercem influência que se destacam neste sentido tais como
a iluminação, temperatura, cores, ruídos e o posto de tarefa representado pelo acento
utilizado e são abordados por conceitos da Ergonomia sendo aplicados nos projetos
arquitetônicos e regulados como rotina em ambientes de trabalho por empresas com
o objetivo de viabilizar um melhor desempenho de seus colaboradores. Neste mesmo
princípio o ambiente de sala de aula influencia e deve ser mais um instrumento
estimulador e facilitador do processo do aprendizado e que o aprendiz interfere
diretamente no controle deste ambiente estendendo os mesmos conceitos para a
continuidade do aprendizado extraclasse. É notório que, em função da variedade de
edificações onde são alocadas escolas da rede pública de ensino e pela demanda de
tempo, esses princípios não norteiam o planejamento arquitetônico para a elaboração
do ambiente físico, levando a aproveitamentos e adaptações de espaços de aulas que
descontroem princípios ergonômicos para práticas que envolvem atenção e motivação

1414
pessoal como no processo de ensino aprendizado, podendo levar a uma diminuição no
desempenho escolar e quando se torna consciente a queixas dos integrantes deste
ambiente (professor e aluno), interferindo na elaboração de estratégias de
aprendizado que estimule mecanismos cognitivos e de memória para aquisição de
novos conhecimentos. Autores afirmam que o grau de regulação que o estudante pode
exercer sobre a aprendizagem não resulta apenas de uma descoberta pessoal, mas
pode ser estimulada e desenvolvida se o contexto educativo do ambiente criar
oportunidades para o desenvolvimento das competências que favoreça ao exercício.
Palavras-chave: Contexto educativo. Aprendizagem autorregulada. Sala de aula.
Ambiente físico ergonômico.

1415
PERFIL DE COMPETÊNCIA DE ENFERMEIROS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
PARA ATENÇÃO AO PRÉ-NATAL DE BAIXO RISCO

Mirela Dias Gonçalves


Centro Universitário São Camilo

Ivonete Sanches Giacometti Kowalski


Centro Universitário São Camilo

Ana Cristina de Sá
Centro Universitário São Camilo

RESUMO: A competência profissional é uma condição importante para o desenvolvido


das atividades propostas na Atenção Básica. Na oportunidade de qualificação, a
Educação Permanentes em Saúde pode se entendida como produção de
conhecimento nas Instituições de Saúde na prática profissional, a partir da realidade.
Identificar o perfil de competência de enfermeiros da Estratégia Saúde da Família (ESF)
do Sul do Estado do Espírito Santo para atenção ao pré-natal de baixo risco. Estudo
exploratório descritivo com abordagem qualitativa e recorte transversal. A amostra
constituiu-se de 83 enfermeiros de 23 municípios, utilizou-se questionário e análise
Bardin. A análise de competência, contou com 3 eixos temáticos: conhecimento,
habilidade e atitude. As respostas foram analisadas em categorias e subcategorias.
Conhecimento: conhecimento sobre o manual (atualização e desatualização);
conhecimento do protocolo institucional (conhece, desconhece e conhecimento da
importância do protocolo institucional); conhecimento da integralidade nas ações no
pré-natal (definição da integralidade e pouco conhecimento); conhecimento sobre a
classificação do perfil de risco (conscientização profissional e cultura); Conhecimento
dos profissionais no monitoramento e avaliação da atenção (informação,
cadastramento, pré-natal em dia e imunização). Habilidade: consulta de pré-natal
(adesão à consulta pela equipe, não adesão à consulta pela equipe, desenvolvimento
fetal, exame físico e classificação de risco. Atitude: acolhimento (persistência em
acolher e frustração); educação em saúde (descrição do espaço e responsabilidade) e
criação de vínculo (relação com a comunidade, diálogo e escuta ativa). Evidenciada a
importância de investimentos em qualificação profissional, para ampliação de
conhecimentos, instrumentalizando-os para o desenvolvimento de habilidades
específicas e na condução de atitudes com vistas à Educação Permanente em Saúde.
Palavras-chave: Competência profissional. Cuidado pré-natal. Educação continuada.
Enfermeiros. Estratégia Saúde da Família.

1416
GT 04 – Multiculturalismo e Processos de Formação Humana

ANÁLISE DO MITO DA FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO E SUAS MATRIZES


MULTICULTURAIS E IDEOLÓGICAS À LUZ DA OBRA IRACEMA DE JOSÉ DE ALENCAR

Agiane da Penha Gomes


Centro Universitário São Camilo – ES

Suzane Colodetti Dalvi Rodrigues


Centro Universitário São Camilo – ES

Beatriz Soares Fraga


Centro Universitário São Camilo – ES

RESUMO: O presente trabalho visa refletir os mitos de formação que alicerçaram a


construção da identidade do povo brasileiro a partir das diversas influências culturais e
ideológicas através da análise da obra Iracema de José de Alencar. Constitui-se o
presente estudo de pesquisa básica, qualitativa constituída a partir de revisão
bibliográfica. Segundo Santiago (2001), “não é apenas a imagem da virgem dos lábios
de mel, insubmissa, romântica e arrebatada mortalmente pelo amor, que é admirada;
é também louvada sua imagem como símbolo do Brasil, das Américas, cuja pureza e
grandezas originais tinham sido destroçadas pela colonização europeia.”. Retomar a
Iracema como aporte para a releitura do processo de colonização do nosso país é
entender os pilares sobre o qual ser formaram a identidade do povo brasileiro, a partir
da miscigenação índio-português e as ideologias de outras cultoras que também
amalgamam a nossa, isso sob o olhar literário. Os elementos presentes no decorrer da
obra de Alencar, como a mitologia, a análise psicológica e o choque cultural reforçam
os símbolos de brasilidade, em busca de resgatar a essência cultural do país, exaltando
suas matrizes identitárias contribuindo para a disseminação do multiculturalismo na
formação do povo brasileiro.
Palavras-chave: Iracema. Identidade. Multiculturalismo.

1417
AS CULTURAS AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL
SIGNIFICATIVO NAS RAÍZES DA FORMAÇÃO, DOS COSTUMES E TRADIÇÕES ÉTNICAS
NO MUNICÍPIO DE ITAPERUNA-RJ: COMO APORTE CONSTITUINTE DE UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA INTER E TRANSDISCIPLINAR

Leandro Garcia Pinho


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Juçara Gonçalves Lima Bedim


Universidade Iguaçu - Campus V - Itaperuna

Silvia Alicia Martinez


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A presente proposta tem por objetivo apresentar o percurso e resultados do


projeto, de título homônimo a esta proposta (financiado parcialmente pelo edital
FAPERJ Nº 31/2012 - Programa Apoio à Melhoria do Ensino em Escolas da Rede Pública
Sediadas no Estado do Rio de Janeiro – 2012). O projeto foi desenvolvido em 2013 na
Escola Municipal Águas Claras, em Itaperuna-RJ. A partir de reflexões teóricas
levantadas pela equipe proponente do projeto - professores Dr. Leandro Garcia Pinho,
Drª Silvia Alicia Martinez e profª Juçara Gonçalves Lima Bedim - o projeto se
desenvolveu tendo como norteamento o desenvolvimento de um Curso de
Capacitação voltado aos docentes da escola em questão, sob o título "História e
Cultura Afro-brasileira e Indígena". Sob a perspectiva teórica do multiculturalismo e
norteado pelas prerrogativas da Lei nº11.645/08, o trabalho preconizou a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, no intuito de contribuir com a
prática pedagógica dos professores envolvidos no projeto. Vale lembrar, então, que
através desse projeto sensibilizou-se e qualificou-se uma equipe de professores que
até então não possuíam formação adequada para colocar em prática a demanda da lei
supracitada: incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temática da “História e Cultura Afro-brasileira e Indígena”.
Palavras-chave: Formação de professores. História e cultura afro-brasileira e indígena.
Multiculturalismo na escola. Lei 11.645/2008.

1418
O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE ARTE EDUCADORES EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM
PELA UAB - DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Giovane Nascimento
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Talita Miranda Ribeiro


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente estudo se propõe a observar sob quais condições se dá a


formação de arte educadores no Município de Cachoeiro de Itapemirim, para tanto,
iremos abordar os professores formados em 2013 pela Universidade Aberta do Brasil
no curso de licenciatura em Artes Visuais, avaliando a infraestrutura do curso, o acesso
ao material didático e como é vista a Arte por esses profissionais na proposta
pedagógica das escolas. A partir de1996 a disciplina Arte foi inserida novamente no
currículo educacional, atendendo a lei 9.394/96. Na primeira redação da Lei 9.394 de
1996 o que se prescrevia era que: “O ensino da arte constituirá componente curricular
obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos”. A nova redação, promulgada pela Lei 12.287,
diz: “O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá
componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a
promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. Alteração essa que nos mostra,
além da obrigatoriedade da disciplina, a tentativa de valorização da cultura local. Em
atendimento à lei supracitada a Arte deveria ser ministrada como matéria obrigatória
nos diversos níveis da educação básica, no entanto, essa disciplina vem sendo
ministrada nas escolas, enfrentando alguns entraves, tais como: a formação precária
dos professores que atuam na disciplina, a falta de infraestrutura adequada, e a
consequente desvalorização da disciplina no processo de formação dos alunos. De
acordo com um levantamento realizado por nós em 2013, na Superintendência
Regional de Educação de Cachoeiro de Itapemirim/ES, responsável pela coordenação
de todos os municípios do sul do estado, anualmente é realizado o processo seletivo
denominado DT (Designação Temporária). Esse processo, oferecido no estado, volta-se
para o preenchimento de vagas para todas as cidades, e em todas as disciplinas que
compõem o currículo do ensino fundamental e médio. Referindo-se a disciplina de
Arte no ano de 2013, 57 candidatos se inscreveram para concorrer ao cargo de
habilitado e 342 candidatos para o cargo de não habilitado. Sendo habilitado, para o
Governo do Estado do Espírito Santo, o profissional graduado na área especifica e não-
habilitado aquele profissional que é licenciado em outra área e que, em caráter
excepcional com a aprovação ou não do processo administrativo, se apresenta com
interesse pela disciplina, podendo ter esse um curso de especialização em Arte ou não,
de acordo com a necessidade específica local. Observa-se com esses dados um
número muito grande de candidatos não habilitados interessados em atuarem na

1419
disciplina, isso pode se referir à dificuldade de acesso aos cursos de graduação em
Arte, ofertados até então, de forma presencial apenas pela Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES) situada em Vitória, capital do estado, localizada há 139 km de
Cachoeiro de Itapemirim. Nesse sentido, poderíamos afirmar que em sua maioria os
professores da disciplina Arte em Cachoeiro de Itapemirim não possuem graduação na
área específica, ou seja, não possuem Licenciatura Plena em Arte, e para atender a
demanda necessária do Município. A questão se estende ainda para a rede municipal
que também enfrenta a mesma realidade. Visando atender a demanda em lei
referente à disciplina Arte, e o número de interessados habilitados à disciplina é
insuficiente para atender a realidade, o sistema educacional estadual e municipal na
região abre exceções no que se refere à formação do professor de Arte. Muitas vezes
se valem de uma certificação advinda de um curso livre de 120 horas que independe
de um registro no MEC e que não atende sequer as exigências mínimas de uma
complementação pedagógica. Nesse sentido, um professor de Geografia, por exemplo,
acaba adquirindo o direito de se candidatar ao cargo de professor de Arte, recebendo
a denominação de não-habilitado. Um novo quadro surgiu a partir da chegada do
curso de Artes Visuais oferecido pela UFES em parceria com a prefeitura no Município
de Cachoeiro de Itapemirim. Iniciado no final de 2008, o curso semipresencial de
Licenciatura em Artes Visuais no pólo UAB/EAD/UFES/IFES, possibilitou a 30 alunos
selecionados através de processo seletivo a graduação na área, e, no final de 2012,
formou a primeira turma com 23 novos profissionais da disciplina de Arte. A segunda
turma teve inicio só agora, no segundo semestre de 2014. O curso em questão tem
duração de 4 anos, que se perpassam em encontros presenciais e virtuais na
plataforma AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) com monitores e professores, e
no final de cada semestre é exigido do aluno a preparação e apresentação de um
seminário interdisciplinar e provas avaliativas de cada disciplina. Pretende-se, como
dissemos anteriormente, avaliar o processo de formação desses professores e o
impacto dessa formação em sala de aula, visando a valorização dessa disciplina, do
potencial que a Arte possui para se repensar o seu papel na educação. Para orientar o
nosso projeto sob a perspectiva teórica o percurso será direcionado pela educadora
Ana Mae Barbosa e seus estudos relativos à história da Arte na educação brasileira,
apresentados em seu livro Recorte e colagem e pela consideração e perspectiva
pragmatista da Arte apresentada por John Dewey em seu texto Arte como
experiência, realizando um contraponto com a interpretação de Richard Shusterman
em seu texto Vivendo a arte, em que Shusterman concorda com Dewey quando se
refere à relevância da Arte como prática, e aponta certos contrapontos à tal
experiência.
Palavras-chave: Formação Humana. Arte. Educação.

1420
VOZES FEMININAS EM PERIÓDICOS DO XIX:
UMA ANÁLISE SEMÂNTICO-COGNITIVA DO CONECTOR MAS

Naira de Almeida Velozo


UERJ/FACHA

RESUMO: análise de ocorrências do conector mas em periódicos escritos por mulheres


do século XIX, com vistas a investigar o processo de formação do discurso feminino a
partir da perspectiva da Linguística Cognitiva. Com base nos estudos acerca da
linguagem como um Modelo Baseado no Uso (TOMASELLO, 2003a[1999]; FERRARI,
2011), na Teoria dos Espaços Mentais (FAUCONNIER, 1997) e no conceito de esquemas
imagéticos (CROFT e CRUSE, 2004), postula-se que o conector mas seja um construtor
de espaços mentais que atua no gerenciamento discursivo cancelando implicaturas ou
possibilitando a flutuação de pressuposições entre espaços; admite-se também que
crie espaços contrafactuais; e, ainda, que sinalize a intenção do deslocamento do foco
de atenção entre os espaços de uma rede discursiva. Os resultados da pesquisa
delineiam uma proposta de descrição do conector como uma categoria radial, cujos
elementos colaboram para a construção, desconstrução e reconstrução de sentidos,
orientando, assim, os propósitos argumentativos dos textos, ao prenunciar intenções e
opiniões dos interlocutores.
Palavras-chave: Mas. Discurso Feminino. Leitura de intenções.

1421
GESTÃO DEMOCRÁTICA DO CURRÍCULO E O MULTICULTURALISMO ESCOLAR

Márcia Maria de Oliveira Silva Farias


Universidade Católica de Petrópolis-UCP

Adalberto Romualdo Pereira Henrique


Universidade Católica de Petrópolis-UCP

RESUMO: O currículo escolar busca suas fontes de inspiração no saber e nas


necessidades do contexto social. É função da escola, entre outras, apresentar ao aluno
os instrumentos de cada disciplina, possibilidades de leitura das dimensões do todo,
integrando-as interdisciplinarmente para uma visão de complexidade da realidade. A
necessária superação da visão fragmentada de conhecimento pode viabilizar-se no
currículo, integrando as disciplinas para a compreensão da realidade em suas
dimensões: Ética e cidadania, trabalho, consumo, desigualdades sociais, educação
sexual, educação para a saúde, educação ambiental, informática e tecnologias são
realidades do mundo atual que a escola deve trabalhar de forma integrada e
interdisciplinar. Como ponto de partida para a compreensão da complexidade dos
fenômenos sociais em suas contradições, tratar essa complexidade no currículo pode
viabilizar um novo rosto aos conteúdos escolares, tendo em vista a formação para a
cidadania e o multiculturalismo. As teorias do currículo, as desigualdades e a falta de
conhecimento provocado pelos gestores e professores que não questionam o
conhecimento em si, onde é valorizada a reprodução desse conhecimento ignorando
questões como: o que ensinar e para que ensinar revelam os interesses implícitos ao
conhecimento selecionado para construir programas de ensino. Como os currículos
poderão ser construídos para a formação de sujeitos emancipados, possibilitando ver à
educação sob um novo olhar? No desenvolvimento do currículo formar alunos
reflexivos implica em uma prática docente reflexiva, de que as instituições escolares
são também responsáveis, pois a construção do projeto político-pedagógico das
escolas exige uma permanente avaliação e formação.
Palavras-chave: Currículo Escolar. Democracia. Multiculturalismo.

1422
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM PERIFERIAS CAPIXABAS: UMA ANÁLISE DE
REPORTAGENS DE JORNAIS DO SUL DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO SOBRE A
JUVENTUDE DESSAS LOCALIDADES

Angelo Moreira Arruda


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Bianka Pires André


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Objetivo: Identificar representações sociais sobre a juventude nas periferias


capixabas a partir de reportagens de jornais do sul do Estado do Espirito Santo.
Metodologia: Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, qualitativa de cunho
exploratório, com a base teórica na Teoria das Representações Sociais. Já os
instrumentos de coleta de dados foram as reportagens de jornais do sul do Estado do
Espirito Santo sobre a juventude nas periferias capixaba veiculados no período de 06 a
16 de agosto de 2013. Por fim, o material selecionado foi analisado a partir dos
pressupostos da Análise de Conteúdo de Bardin (2002). Resultados e Discussão: A
análise de dados foi realizada a partir da análise de conteúdo proposta por Bardin na
qual foram elencadas as seguintes categorias: Culpabilização da família, Vigilância e
controle, Juventude e Delinguência, Juventude e drogadicção e Segmentação de
Classes e direitos, que expressam as representações encontradas nas reportagens.
Conclusão: Com isso, percebe-se que a sociedade conserva representações sociais
cada vez mais enrijecidas frente aos jovens moradores da periferia, e a mídia, por
assim dizer, distribui formas de comportamento, exclusão e segregação frente a essas
camadas mais empobrecidas da sociedade.
Palavras-chave: Representações sociais. Juventude. Periferias.

1423
INCLUSÃO ESCOLAR NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS: DIRETRIZES E PERSPECTIVAS

Décio Nascimento Guimarães


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Bianka Pires André


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A inclusão escolar tem proporcionado significativas transformações no


cenário educacional. Estas têm alcançado não só a escola, mas também a formação
dos profissionais da educação, buscando garantir o acesso, a permanência e a
participação de todos no ensino regular, em igualdade de condições. No âmbito
nacional, a política inclusiva dedica uma considerável parte de suas ações aos alunos
com deficiência. Assim, torna-se relevante verificar quais as contribuições da
Resolução CNE/CP 01/2006 no processo de formação de pedagogos em relação à
inclusão escolar de pessoas com deficiência. Para alcançar o objetivo proposto,
realizou-se pesquisa bibliográfica e documental, com base no referencial teórico de
autores como Mazzotta, Januzzi, Mendes, Glat e Mantoan. A partir da realização do
presente trabalho, observou-se que, apesar de recentes, as diretrizes que
regulamentam o curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) conservam antigos dilemas.
Palavras-chave: Inclusão escolar. Curso de Pedagogia. Formação. Diretrizes
Curriculares.

1424
IDENTIDADE, LINGUAGEM E CULTURA:
OS ESTUDOS CULTURAIS E AS PERSPECTIVAS CRÍTICAS EM FRIEDRICH NIETZSCHE,
MARTIN HEIDEGGER E JACQUES DERRIDA

Renato Marcelo Resgala Jr.


UFF – Santo Antônio de Pádua/Faculdade Redentor – Itaperuna/Fundação São José –
Itaperuna

RESUMO: Esta comunicação oral – direcionada para o IV Colóquio Interdisciplinar de


Cognição e Linguagem, pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) – tem
como objetivo geral apresentar as inter-relações e interconexões do discurso filosófico
em três pensadores de distintos períodos: Friedrich NIETZSCHE (1845-1900), Martin
HEIDEGGER (1889-1976) e Jacques DERRIDA (1930-2004). Primeiramente, apresentar-
se-á uma análise sobre o processo que se realiza com a relação entre linguagem e
identidade cultural, em sua multiplicidade, a partir das considerações e assertivas de
Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger e Jacques Derrida em comparação com os
trabalhos do professor Stuart HALL (2011) e sua análise em torno da cultura como
mediadora das formações de identidades culturais. Em um segundo momento, tendo
como ponto de partida a linguagem entendida como a expressão do homem, a
expressão do seu pensamento e da identidade, oral ou escrita, gestual ou verbal; a
linguagem é a tradução do que do homem emana, enquanto pensamento, ideias,
valores, identidades e vontades. Nesse ponto, entende-se o discurso enquanto
símbolo e signo de luta e resistência no terreno da cultura, como considerou Mikhail
BAKHTIN (2010). Em um terceiro momento, entendido que a linguagem do sujeito é,
também, uma caracterização de sua cultura, esta comunicação apresentará as
considerações em torno do diálogo conceitual do que é Cultura em relação ao que lhe
cerca: sociedade, linguagem, povo, nação, arte etc. Desse diálogo conceitual e
filosófico, um leque de conexões de sentido que se realizam, exprimindo as
considerações relevantes sobre Identidade, Sujeito e Sociedade.
Palavras-chave: Estudos culturais. Filosofia da Linguagem. Identidade cultural.

1425
ADOLESCÊNCIA E IDENTIDADE: O SENTIDO DE PERTENCIMENTO EM UMA
COMUNIDADE BUZIANA

Ana Carolina de Sousa Vaz


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Bianka Pires André


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Segundo os PCNs (1998), é na adolescência que a construção de identidade


se torna particularmente mais crítica. Os diferentes espaços e meios apresentam
informações e apelos, cada qual com projetos e valores peculiares, o que gera uma
tensão permanente diante da questão “quem sou eu?”. Nesse sentido, verifica-se a
necessidade de analisar como a escola pode constituir-se em uma instância
privilegiada de reflexão e problematização para contribuir no processo de formação da
identidade do adolescente. O foco do trabalho está em conhecer como vem sendo
construída a identidade de alunos do 9º ano de uma escola municipal, no bairro da
Rasa, em Armação dos Búzios. A pesquisa terá como referência a visão dos
adolescentes sobre si mesmo e sobre a localidade em que vivem, analisando que
elementos identitários fazem parte da formação social e cultural do adolescente. Tais
situações podem contribuir para questionamentos sobre o sentimento de
pertencimento (ou a falta dele) e de como a escola tem trabalhado essas questões. A
metodologia utilizada é de natureza qualitativa e etnográfica, através de revisão
bibliográfica, questionário, observações e análise de redações escritas pelos alunos.
Frente às análises iniciais, observa-se que as identidades admitem as mais diversas
significações e interpretações, podendo-se verificar um fator comum: a compreensão
das identidades como processo de construção contínuo, relacionado com a história e
introduzido num conjunto de relações sociais. O conceito de identidade tem sido
associado ao de cultura, no sentido em que as questões referentes à identidade
remetem às relações que os indivíduos mantêm com a cultura que os cercam.
Palavras-chave: Processo de formação de identidade. Adolescente. Armação dos
Búzios.

1426
GT 05 - Educação, Trabalho e Qualidade

A ESCRITA AUTOBIOGRÁFICA COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A PERMANÊNCIA DE


ALUNOS NO PROEJA

Karine Castelano
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Gerson Tavares do Carmo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente estudo é resultado das reflexões realizadas durante as reuniões


do projeto “Diagnóstico da qualidade de ensino no PROEJA: um estudo na Região
Norte e Noroeste Fluminense, com foco nos aspectos formativos e metodológicos”
(Obeduc/Capes). Sabendo que a escrita interfere nas relações em sala de aula e na
qualidade de assimilação do conhecimento que nela ocorre, neste estudo, analisamos
produções textuais de alunos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Fluminense Campos campus Guarus, situado no município de Campos dos
Goytacazes/RJ, a fim de verificar o potencial da autobiografia como estratégia no
processo de empoderamento do sujeito e como forma de expressão e comunicação,
logo, como bem social a que os alunos têm direito. Para constituirmos o corpus de
análise desta pesquisa, analisamos produções textuais de 20 candidatos a ingresso em
um curso técnico do PROEJA (Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos). Os dados
obtidos, observados por meio dos conceitos da função-autor (ORLANDI, 1988) e do
ethos (MAINGUENEAU, 2004), mostraram que houve um maior empenho desses
candidatos – hoje alunos – em realizar atividades de produções textuais a partir do
processo de criação em que foram convidados a escrever sobre suas próprias histórias
de vida. Por isso, supomos que estimular essa escrita pode vir a ser um fator de
permanência.
Palavras-chave: Práticas pedagógicas. Processo de criação. Escrita autobiográfica.
Ethos.

1427
O PROCESSO DE AVALIAÇÃO DO CENTRO DE TRABALHO E CULTURA DE RECIFE/PE
COMO MÉTODO DIFERENCIADO

Débora Toledo Ramos


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Mariana Pereira Gomes


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Juliana Alvarenga Nunes


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Este estudo objetiva apresentar o sistema pedagógico do Centro de


Trabalho e Cultura (CTC) de Recife/PE, especificamente no que diz respeito ao seu
processo de avaliação, com base nos depoimentos dos monitores dos cursos de
elétrica, eletrônica e mecânica a fim de verificar como eles lidam com esse processo. A
maioria dos monitores são ex-alunos que atuam como voluntários na sala de aula e na
gestão do centro. Para atingir o objetivo deste estudo, os conteúdos dos depoimentos
coletados foram articulados com as propostas de avaliação contidas no documento
“Uma pedagogia para a educação de cidadãos trabalhadores”, produzido pelo
Conselho de Escolas de Trabalhadores, em 2004, com a finalidade não só de ilustrar e
caracterizar o processo de avaliação dessas escolas, mas também de caracterizá-lo
como um método diferenciado. Tendo como base a análise dos depoimentos dos
monitores e o documento, foi possível identificar que a avaliação leva em conta, além
da nota na prova teórica, a participação do aluno nos debates que acontecem durante
as aulas. O papel do monitor é levar o aluno a pensar, conduzir a discussão, indagar, e
com as respostas, apontar os equívocos através de uma outra pergunta. Assim,
assumindo uma postura mediadora, estruturando o conceito e levando os alunos a
elaborarem a síntese coletivamente. O presente estudo é válido pela relevância do
tema para a memória da educação de trabalhadores e pela distinção que apresenta
em relação às formas convencionais de avaliação nos sistemas regulares de educação.
Palavras-Chave: Métodos de avaliação. Centro de Trabalho e Cultura. Educação de
Jovens e Adultos. Educação de trabalhadores.

1428
EDUCAÇÃO E TRABALHO: A PRINCIPAL AÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL EM
PROL DA INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Millany Machado Lino

RESUMO: Esta proposta tem o objetivo de discutir a articulação entre educação e


mercado de trabalho dos portadores de necessidades especiais, a partir da perspectiva
da educação inclusiva. Busca-se problematizar os programas desenvolvidos pelo
Governo Federal que visa, em última instância, incluir as pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, a partir da experiência existente nesse âmbito no Instituto
Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes.RJ/Centro, através do programa Banco
de Recursos Humanos (BRH) – Acessível. A pesquisa que será realizada ao longo do
PPGS _ Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais pretende contribuir para
modificar uma realidade social em que as pessoas com deficiência são colocadas à
margem da sociedade. Nessa perspectiva, iremos analisar uma política pública voltada
para a inclusão dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho,
através do trabalho que vem sendo realizado no NAPNEE- Núcleo de Apoio a Pessoas
com Necessidades Educacionais Especiais. Pretende-se, sobretudo, verificar a proposta
do Estado brasileiro de promover a inclusão dos indivíduos portadores de deficiência e
verificar de que modo essa “inclusão” está sendo implementada. O NAPNEE, no IFF
campus Campos Centro, é responsável por gerir as diversas ações voltadas para a
inclusão. Uma dessas ações é o programa Banco de Recursos Humanos (BRH) –
Acessível, que visa à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
formal. Ele é um programa online voltado para as empresas e as pessoas com
deficiência. Seu objetivo é fazer com que as pessoas com deficiência interessadas
consigam entrar no mercado de trabalho formal e que as empresas tenham acesso a
esses trabalhadores. Diante disso, a pesquisa deverá ser realizada no IFF campus
Campos Centro, no setor do NAPNEE (Núcleo de Apoio a Pessoas com Necessidades
Educacionais Especiais), em dias e horários a serem planejados de acordo com
autorização para inserção no campo. Do ponto de vista teórico-metodológico, serão
utilizados os autores que discutem a relação entre educação e mercado de trabalho no
capitalismo atual, como Gaudêncio Frigotto e Acácia Kuenzer. Esta pesquisa será,
predominantemente, de natureza qualitativa. Durante a sua execução, serão utilizados
os seguintes instrumentos: formulário, entrevista estruturada (quando permitido,
faremos uso do gravador), e observação sistemática do real. Entretanto, também
serão utilizados critérios quantitativos com o objetivo de corroborar nosso estudo,
como o número de empresas usuárias do Banco de Recursos Humanos e o
levantamento dos portadores de necessidades especiais que foram “inseridos” no
mercado formal de trabalho.
Palavras-Chave: Educação inclusiva. Mercado de trabalho. Portadores de necessidades
especiais.

1429
O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA: O
PROCESSO DE ESCOLHA DOS LIVROS E A UTILIZAÇÃO QUE OS PROFESSORES FAZEM
DESTA FERRAMENTA

Karolyna Maciel dos Santos Cordeiro


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Leandro Garcia Pinho


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Esta pesquisa pretende analisar o Programa Nacional do Livro Didático


(PNLD) enquanto uma política pública educacional, no que tange ao processo de
escolha e utilização destes livros pelos professores. Será uma pesquisa qualitativa, com
observação participante. O local será uma escola Municipal da cidade de Cachoeiro de
Itapemirim, Espírito Santo. O método de coleta será entrevista semiaberta com
professores, pedagogos, alunos do 5º ano e integrantes da comissão do Livro Didático
da Secretaria de Educação do município. Os objetivos específicos são: perceber como
se dá o processo de escolha do material no município; verificar a atuação dos
professores em sala de aula no que diz respeito a utilização do recurso livro didático.
Considerando o livro didático como importante ferramenta pedagógica, que direciona
o fazer do professor, ele se torna o melhor caminho para atender à intenção capitalista
de mercado e ser implementado nas salas de aula de todo o país, sendo consumido em
grande quantidade. Em 1985 é criado o Programa Nacional do Livro didático, para
distribuir livros didáticos gratuitamente a todos os alunos de primeira a oitava série de
escolas públicas do Brasil. O Programa ainda pretende que o professor possa escolher
o livro que vai usar, visando também o aperfeiçoamento das especificações técnicas na
produção. É visto que o Programa atinge o objetivo de distribuir livros a todos os
alunos da rede pública de ensino, mas passa por percalços, principalmente no que
tange ao processo de escolha dos livros que deveria ser feito pelos professores.
Palavras-chave: Livro Didático. Professor. Política Educacional.

1430
ALUNOS DO PROEJA E AS MARCAS DE UMA ESCRITA: ESTABELECENDO ANÁLISES E
COMPARAÇÕES

Alessandra Maria Custódio da Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa em andamento,


denominada “Alunos Proeja e habitus no ato de escrever: um estudo das
representações sociais”, de caráter quali/quantitativa sob o financiamento
CAPES/Observatório da Educação. Dos três instrumentos metodológicos que formam a
pesquisa citada - o questionário, o protocolo da fala e escrita e o grupo focal –
utilizaremos os dois primeiros. Objetivamos investigar a experiência pessoal com a
escrita de trinta informantes, alunos de um Instituto Federal Fluminense da região
noroeste/RJ, inseridos na Educação profissional Tecnológica de Jovens e Adultos
(Proeja), no curso de eletrotécnica. Além disso, buscamos comparar os relatos dos
estudantes aos dados quantitativos da seguinte pergunta: “O que você escreveu no
último bimestre na sala de aula?”. A metodologia utilizada está ancorada nas normas
estruturais e metodológicas do Protocolo da fala e escrita criado pelo grupo “Discurso
e Gramática” /UFRJ, e adaptado do corpus "A língua falada e escrita na região norte
noroeste fluminense", coordenado pela Profª Dra. Eliana Crispim França Luquetti –
como também - nos dados apresentados pelo software de planilha eletrônica excell. A
Análise de Conteúdo de Bardin (2011) é responsável pela metodologia das análises.
Dessa forma, as experiências realizadas através da escritura de um texto e o momento
em que ocorreu a escrita, possibilitará internalizar o que se exterioriza no contexto
vivido e externalizar o que se internaliza nesse meio, resultando nas marcas deixadas
pela subjetividade e pela prática, processo próprio do habitus. Nosso intuito é trazer à
tona discussões pertinentes ao ensino da escrita na sala de aula como garantia de
qualidade para a educação popular.
Palavras-chave: PROEJA. Ensino da escrita. Representação social.

1431
O PERFIL DE EDUCADORES DE JOVENS E ADULTOS E SUAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS:
A NECESSIDADE DE FORMAÇÃO CONTINUADA EM UMA REDE MUNICIPAL DE ENSINO

Marcia Alves Corrêa


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Karine Castelano
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Engracia Manhaes Gabriel de B. Cavalcanti


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Os dados do mais recente Relatório de Monitoramento Global de Educação


para Todos, divulgado em janeiro de 2014 pelas Organizações das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mostram que o Brasil está entre os dez
países com mais adultos analfabetos, aproximadamente dez milhões de pessoas.
Segundo o Relatório (2014), o problema está relacionado com a má qualidade da
educação e a falta de investimento na formação dos professores. Pensando nisso,
neste estudo, buscamos compreender os olhares, desafios e as perspectivas de
educadores a respeito de sua formação, bem como da Educação de Jovens e Adultos
(EJA), na Rede Municipal de Rio das Ostras/RJ. Trata-se de um estudo de natureza
descritiva, com análise dos dados por meio de uma abordagem qualitativa. Como
instrumento de coleta de dados, foi utilizado um questionário semiestruturado
(MARCONI; LAKATOS, 2010), cujas perguntas buscaram obter dados a respeito do
perfil, das práticas pedagógicas e da formação de uma amostra de 20 educadores. A
partir deste estudo percebemos que grande parte dos professores participantes são
provenientes dos anos iniciais do ensino fundamental diurno e, por não terem
formação na modalidade de EJA, repetem em sala de aula a mesma metodologia
utilizada para um outro perfil de aluno. Isso pode ocorrer pelo fato de sua formação
estar se limitando a cursos de pequena duração, reuniões periódicas e fóruns. Por isso,
percebemos a urgência de cursos de formação continuada voltados para a modalidade
a fim de que possamos pensar em um caminho para uma educação de qualidade.
Palavras-chave: Rede municipal de ensino. Ensino fundamental. Educação de jovens e
adultos. Formação de professores. Qualidade.

1432
POLÍTICA EDUCACIONAL PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: O SIGNIFICADO
DO PROEJA SEGUNDO OS PROFESSORES/IFF

Clarissa Menezes de Souza

RESUMO: Este texto tem por objetivo apresentar reflexões parciais que estão servindo
de base à construção da dissertação, pré-requisito para conclusão do mestrado em
Políticas Sociais/CCH/UENF. A proposta de pesquisa é compreender os significados que
professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, que
fazem parte do grupo de pesquisa OBEDUC (Edital Capes nº049/2012), atribuem ao
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Para tanto, subentendeu-se
necessário, num primeiro momento, realizar uma discussão a respeito da trajetória da
Educação de Jovens e Adultos ao longo da história da educação no Brasil. Assim, narra-
se numa perspectiva crítica vários acontecimentos e momentos importantes à
efetivação da Educação de Jovens e Adultos como Modalidade de Ensino, o que
ocorreu a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº9394/96, bem
como a integração dessa Modalidade de Ensino com a Educação Profissional, através
do Decreto n°5.478/2005, substituído após um ano pelo Decreto nº 5.840/2006, que
instituiu o PROEJA. Além disso, realizou-se, levantamento da produção científica, nos
bancos de dados do Google Acadêmico, da CAPES, do SCIELO e do SCIRUS, com a
finalidade de mapear as produções que apresentavam a palavra PROEJA no título, nas
palavras-chave e/ou nos resumos, entre os anos de 2009 até 2013, com a finalidade de
focalizar as principais temáticas abordadas nesses artigos e assim escanear as
principais argumentações a respeito do tema. Por fim, apresenta-se uma pequena
apreciação das significações e indicações expressas por professores do PROEJA,
através das entrevistas realizadas e dos dados coletados. Espera-se poder contribuir de
maneira significativa para as reflexões a respeito da política educacional em questão.
Palavras-chave: Política educacional. Educação de Jovens e Adultos. PROEJA.

1433
GT 06 - Questões de Ética e de Filosofia Política

O IDEAL E O REAL NO ENSINO DE FILOSOFIA:


TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO PÚBLICO NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO

Carlos Eduardo Moreno Pires


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Carlos Márcio Viana Lima


Instituto Federal Fluminense

Carolina Fragoso Gonçalves

RESUMO: Este presente trabalho tem por objetivo central problematizar o ensino de
filosofia no ensino médio público no Brasil contemporâneo. Mais exatamente,
buscamos refletir sobre a teoria e a prática no ensino de filosofia, ou seja, sobre as
competências e habilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de
filosofia no processo de ensino/aprendizagem no contexto educacional das escolas
públicas contemporâneas. Para tanto, tornou-se necessário uma breve história do
ensino de filosofia no Brasil através das vicissitudes curriculares sofridas pela disciplina
filosofia desde a promulgação da Lei 5.692/71 e a homologação da Lei 11.684, de
2008, que reintroduziu a obrigatoriedade do ensino de filosofia no currículo nacional.
Em seguida, apresentaremos alguns elementos no ensino de filosofia contemporâneo
que acreditamos que possam ilustrar o que, aqui, convencionamos chamar de o Ideal e
o Real no ensino de filosofia no ensino médio público. Por fim, iremos propor uma
reflexão sobre a necessidade do atual ensino de filosofia no ensino médio público
brasileiro.
Palavras-chave: Ensino de Filosofia. Ensino Médio. Processo de ensino-aprendizagem.
Escolas públicas brasileiras.

1434
UMA DISCUSSÃO SOBRE A JUSTIFICATIVA MORAL DA PENA DE MORTE À LUZ DA
FILOSOFIA MODERNA

Carlos Eduardo Moreno Pires


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Neste presente trabalho buscaremos fornecer algumas possíveis


justificativas a favor do direito do Estado de punir determinados crimes com a pena de
morte. Mais exatamente, iremos oferecer alguns argumentos com intuito de tentar
justificar moralmente a pena de morte. Para tanto, recorreremos ao pensamento de
alguns filósofos representantes da moral moderna, visando analisar como esses
autores justificavam moralmente o direito do Estado de punir com a pena capital.
Sendo assim, iremos estruturar este presente trabalho da seguinte maneira. Em um
primeiro momento, apresentaremos as justificativas de Thomas Hobbes e John Locke
para o problema em questão. Em seguida, mostraremos a justificativa de Immanuel
Kant, para que em fim, possamos apresentar uma reflexão sobre a legitimidade moral
de tal prática à luz do texto Speech on the capital punishiment de Stuart Mill.
Palavras-chave: Pena de morte. Filosofia moderna. Justificativa moral.

1435
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE COMO REFERENCIAL DE APLICABILIDADE
DA JUSTIÇA

Viviane Bastos Machado


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Ione Galoza
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Por uma reflexão em decorrência da utilização de ações afirmativas, como


proposta de integração das minorias na sociedade, propõe-se uma revisão de
literatura qualitativa, com relação aos fatores, conceitos, mecanismos, que capacitam
o interprete na obtenção da Justiça, como fio condutor dessa estrutura utiliza-se
conceitos difundidos no âmbito da filosofia, onde várias teorias respondem de maneira
diferente com relação a aplicabilidade da Justiça, seus princípios e fundamentos,
especialmente neste trabalho procura-se desenvolver uma análise das observações
traçadas pelo filósofo norte-americano Michael Sandel, que defende a aplicação de
ações afirmativas que na estrutura social vem causando diversas polêmicas a serem
discutidas.
Palavras-chave: Justiça. Princípios. Liberalismo. Ações afirmativas.

1436
O EMBATE FILOSÓFICO DA JUSTIÇA NA PROMOÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

Viviane Bastos Machado


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Ione Galoza
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Por uma reflexão em decorrência da utilização de ações afirmativas, como


proposta de integração das minorias na sociedade, propõe-se uma revisão de
literatura qualitativa, com relação aos fatores, conceitos, mecanismos, que capacitam
o interprete na obtenção da Justiça, como fio condutor dessa estrutura utiliza-se
conceitos difundidos no âmbito da filosofia, onde várias teorias respondem de maneira
diferente com relação a aplicabilidade da Justiça, seus princípios e fundamentos,
especialmente neste trabalho procura-se desenvolver uma análise das observações
traçadas pelo filósofo norte-americano Michael Sandel, que defende a aplicação de
ações afirmativas que na estrutura social vem causando diversas polêmicas a serem
discutidas.
Palavras-chave: Justiça. Princípios. Liberalismo. Ações afirmativas.

1437
GT 09 - Autorregulação da aprendizagem

O CONTROLE VOLITIVO DA ATENÇÃO NA APRENDIZAGEM: UM ESTUDO COM


ALUNOS DO ISEPAM

Graciellen Pinto da Rosa


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Sabe-se que a atenção é um pré-requisito para que haja uma aprendizagem
efetiva e atualmente a falta de atenção tem sido um assunto amplamente discutido
nas universidades, escolas e até mesmo na mídia em geral. Esse é o fator principal para
que muitas crianças com dificuldades de manter atenção às aulas sejam diagnosticadas
como portadoras da doença conhecida como TDA (Transtorno de déficit de atenção),
sendo que a literatura especializada diz que apenas 6% das crianças possuem
dificuldades de atenção provenientes de fatores neurológicos. Um estudo através da
teoria Q-sort, com uma amostra de 334 alunos da 9° série do ensino fundamental de
escolas estaduais de Campos, constatou que 50% dos estudantes demonstravam
dificuldades em prestar atenção às aulas, não obstante não apresentassem nenhum
problema de origem neurológica. Considerando conforme aponta a teoria do
processamento da informação, que a atenção é primordial para o processamento da
informação, por conseguinte, para a ocorrência da aprendizagem, realiza-se um estudo
de caso, com uma amostra de 210 estudantes de uma escola pública localizada na
mesma região em que ocorreu o estudo prévio citado, com o objetivo de identificar se
a falta de atenção ocorre independentemente da faixa etária e do nível de
escolaridade do aluno e, na percepção dos alunos quais os fatores que tem contribuído
para essa dificuldade de atenção em sala de aula. Trata-se de um estudo descritivo,
exploratório, de natureza quanti- qualitativa.
Palavras-chave: Cognição. Controle da atenção. Aprendizagem.

1438
RELAÇÃO DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO COM A APRENDIZAGEM EM
MATEMÁTICA: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DA AUTORREGULAÇÃO DA
APRENDIZAGEM

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Luciana Siqueira Ribeiro


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Observações no contexto escolar indicam que a matemática é uma das


disciplinas de maior dificuldade de aprendizagem, especialistas nesta ciência têm
mencionado que o domínio desse conhecimento requer habilidades metacognitivas,
domínio de estratégias, controle volitivo, e o conhecimento de crenças pessoais que
influem na aprendizagem. Essas variáveis integram o construto da autorregulação da
aprendizagem, que comprende as dimensões cognitivas/metacognitivas,
motivacionais, comportamentais e contextuais. O comportamento autorregulado é
cíclico, compreendendo as fases de antecipação ou de planejamento, de execução, e
de avaliação, tendo em vista o alcance do objetivo pretendido. Nessa perspectiva
realizou-se este estudo, que buscou verificar se os alunos do ensino médio
apresentam características inerentes ao comportamento autorregulado na
aprendizagem da matemática, preconizados na teoria da autorregulação da
aprendizagem. Como recurso de observação utilizou-se um questionário, elaborado
com perguntas abertas e fechadas, respondidos por 120 alunos do 2º ano do ensino
médio, de uma escola pública . O estudo é descritivo, exploratório, de natureza quanti-
qualitativa. A observação desses estudantes possibilitou uma melhor compreensão de
seus processos de construção de conhecimento, e apontaram direções que, se forem
implementadas, favorecerão o comportamento autorregulado dos estudantes e a
compreensão do processo de aprendizagem.
Palavras-chave: Autorregulação. Aprendizagem. Matemática. Comportamento.

1439
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Maria das Graças Estanislau de Mendonça Mello de Pinho


Jardim Escola Norberto Marques

Lívia Fabrício Badaró


Colégio Estadual Francisco Portella

RESUMO: O estudo pretende apresentar dificuldades identificadas na autorregulação


da aprendizagem por alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE),
deficientes intelectuais. O estudo foi realizado com um grupo de 26 alunos de uma
escola pública da rede municipal da cidade de Natividade/RJ. Será apresentada a
conceituação da autorregulação da aprendizagem, suas dimensões
(cognitiva/metacognitiva, motivacional, comportamental e contextual) e suas fases
(planejamento, execução/ controle e avaliação), ou seja, antes, durante e depois da
tarefa de leitura de um texto. Os autores que referenciaram este estudo foram: Buron
(2008), Flavell (2000), Joly (2006), Lopes da silva (1996, 2004), Mateos (2001),
Rodríguez (2004), Solé (1998) e Zimmerman (2000). O objetivo principal foi identificar
as estratégias de leitura utilizadas para compreensão do texto, enquanto
procedimento de autorregulação da aprendizagem pelos alunos. As estratégias de
leitura foram identificadas através da observação de marcas grafadas na folha de
papel, no comportamento de oscilação do olhar para reler o texto, em perguntas
feitas ao professor para sanar dúvidas sobre palavras desconhecidas, à observação da
ilustração do texto, etc. Deste modo, procurou-se identificar as estratégias de leitura
utilizadas pelos alunos e compreender como dificuldades na autorregulação na tarefa
de leitura silenciosa pode estender-se de algum modo a dificuldades de
autorregulação de outras aprendizagens e comprometer o desempenho acadêmico na
escola comum, e consequentemente, o processo de adaptação e inclusão escolar e
social.
Palavras-chave: Necessidades especiais. Autorregulação da aprendizagem. Estratégias
de leitura.

1440
GT 10 - Pesquisas Interdisciplinares no contexto das Ciências Humanas

INTERDISCIPLINARIDADE E A CRENÇA DE AUTOEFICÁCIA EM ESCRITA: ENTRE OS


ÂMBITOS DA COGNIÇÃO E DA LINGUAGEM

Martha Caroline Duarte de Brito


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A interdisciplinaridade é um conceito enriquecedor que vem sendo inserido


em diversos âmbitos, como em escolas, projetos e em pesquisas científicas. este artigo
desvenda, através das contribuições das análises feitas por Ivani Fazenda (2013), Selma
Leitão (2007) e de Augusta Alvarenga (et. al. 2010), a relação entre cognição e a
linguagem, a partir de um panorama interdisciplinar. O presente estudo envereda por
desvendar tal perspectiva numa pesquisa (em andamento) - do Programa de Pós-
graduação em Cognição e Linguagem, do Centro de Ciências do Homem, da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - que visa analisar a relação
entre a crença de autoeficácia e o desempenho em escrita de redação de alunos pré-
vestibulandos em Campos dos Goytacazes/RJ. O estudo analisou conceitualmente a
crença de autoeficácia e investigou, bibliograficamente, as concepções de
interdisciplinaridade, cognição e linguagem, buscando aproximar tais vertentes em
relação à referida pesquisa. Constatou-se que a cognição e a linguagem estabelecem
um diálogo de grande relevância no respectivo projeto, o qual promove trocas e
ganhos para o campo científico.
Palavras-chave: Cognição e Linguagem. Interdisciplinaridade. Crença de autoeficácia.
Escrita de redação. Cursos pré-vestibulares.

1441
O POTENCIAL PERSUASIVO DO TEXTO IMAGÉTICO TELEVISIVO NA FORMAÇÃO DO
SUJEITO E A IMPORTÂNCIA DA ARTE NA EDUCAÇÃO PARA DESMASSIFICAÇÃO DO
OLHAR

Marília Pinheiro Alves


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Teófilo Augusto da Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Esta pesquisa, de natureza qualitativa e do tipo bibliográfica objetivou


analisar o potencial de persuasão do discurso imagético na sociedade desde seus
primórdios, a partir da análise do filósofo Guy Debord, em “A Sociedade do
espetáculo”, publicado em 1967. Em seu texto, o filósofo faz uma intervenção política,
denunciando a tirania das imagens e a submissão alienante ao império das mídias.
Relata que nunca os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder, um poder que
invade todas as fronteiras e conquista todos os domínios – da arte à economia, da vida
cotidiana à política, passando a organizar de forma consciente e sistemática o império
da passividade moderna. Assuntos relacionados à indústria cultural e sua promessa de
felicidade, em voga nas propagandas transmitidas pela televisão serão abordados com
relatos da filósofa Márcia Tiburi que analisa em seu livro “Olho de Vidro”, o poder que
o mecanismo televisivo exerce na formação do sujeito através das imagens televisivas.
Dentro desse contexto o artigo tratará de analisar a importância da arte educação
tendo como suporte teórico os textos da autora Ana Mae Barbosa que é influenciada
pelo ideário de Paulo Freire que defende a pedagogia da libertação, no qual autora
acredita na importância da arte na educação na formação desse sujeito persuadido
pelas imagens, no sentido contrário a essa influencia, para combater a propagação
desse sujeito dessubjetivado. Por tanto acredita-se que o papel da arte na educação
potencializa a capacidade de promover a educação do olhar, ou seja, o
desenvolvimento do espectador que aprende a ver e questionar as imagens,
favorecendo uma leitura critica do mundo.
Palavras-chave: Arte. Persuasão. Educação. Imagem.

1442
A BIOGRAFIA/AUTOBIOGRAFIA COMO COADJUVANTES PARA UMA MELHOR
COMPREENSÃO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Julia Elvira da Silveira e Silva Souza


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Esta pesquisa, de natureza qualitativa e do tipo bibliográfica objetivou


identificar de que forma as obras de gênero biográfico podem contribuir para um
melhor entendimento do Transtorno do Espectro Autista. O problema de investigação,
motivador deste estudo, surge de observações, que realizei na minha prática como
psicóloga infantil, ao ver pais e mães, confusos e aflitos a respeito do assunto e ao tipo
de tratamento que se dará para esse transtorno. Essas confusões ainda são grandes e
complexas, o que fazem com que muitas vezes o tratamento se prejudique, pois os
pais ficam sem um direcionamento claro, dificultando assim, o prognóstico da criança.
O estudo analisa conceitualmente as questões referentes a esse fenômeno no que
tange aos seus aspectos históricos e em como os seus conceitos vem sendo discutidos
nos dias de hoje e descritos no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos
Mentais (DSM-5). Discute também, algumas questões levantadas pelo teórico Vilas
Boas (2002) no que se refere às obras de gênero biográfico. Dessa forma, vemos que a
biografia, que é uma narrativa que conta a história da vida de uma pessoa, parece ser
um caminho que produz um melhor entendimento acerca das dificuldades
apresentadas pelo autista, pois ela nos mostra de que forma eles interagem e se
relacionam com o mundo.
Palavras-chave: Biografia. Autismo. Temple Grandin.

1443
SEMIÓTICA E NEUROBIOLOGIA: A LÓGICA DOS SENTIMENTOS E SEUS EFEITOS NO
CÉREBRO HUMANO

Diego Frank Marques Cavalcante


Universidade de São Paulo

RESUMO: O objetivo deste trabalho é compreender a lógica dos sentimentos no


cérebro humano e seus efeitos no processo cognitivo. Partiremos da abordagem
semiótica desenvolvida por Peirce. A semiótica ou lógica investiga a ação do signo. O
signo deve mediar de forma eficiente a relação entre um afeto ambiental e a resposta
razoável de uma mente a este afeto. Esta mediação inteligente é feita pelo hábito que
tem a seguinte fórmula: se dada ocasião surgir uma forma de associar ideias seria
eficiente tendo em vista um propósito. Este processo mental é chamado de semiose. A
semiótica, portanto, investiga a razoabilidade dos fenômenos. Para Peirce este
processo perpassa toda a natureza, sendo os sentimentos tipos inferências não
conscientes. Os hábitos de sentimento inferem reconhecimento, imprevisibilidade,
prazer e dor nas relações do corpo com o ambiente. Esta forma de compreender os
sentimentos encontra eco nas pesquisas neurobiológicas de Damásio. Para este
neurobiólogo, os sentimentos, por exemplo, teriam razoabilidades capazes de avaliar
as relações do organismo com o ambiente, fazendo com que o corpo se aproxime da
relações vantajosas e se afaste das desvantajosas. Este trabalho consistiu em entender
as hipóteses neurobiológicas de Damásio como processos de semiose, associá-las com
as contribuições de Peirce e propor uma compreensão semiótica da neurobiologia dos
sentimentos, ou seja, analisar os sentimentos como processos inferenciais com o
propósito de manutenção da vida. Concluímos que deveriam haver cinco formas de
razoabilidade nos sentimentos que gerariam os seguintes efeitos cognitivos:
reconhecimento, avaliação, memorização, crença e dúvida.
Palavras -chave: Semiótica. Neurobiologia. Sentimentos.

1444
MEMÓRIAS DA ESCOLA: O PATRIMÔNIO CULTURAL E EDUCATIVO DA ESCOLA
PROFISSIONAL NILO PEÇANHA, CAMPOS (RJ)

Euza de Souza Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Silvia Alicia Martinez


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Nas últimas décadas, a pesquisa histórica vem destacando a relevância das
contribuições dos Arquivos Escolares enquanto patrimônio histórico, educativo e
cultural para o estudo da história e da memória da Educação. A fim de conhecer e
compreender a formação produzida pela Escola Profissional Nilo Peçanha, em Campos
(RJ) entre 1930 e 1940, este estudo vem expor, justamente, seu patrimônio educativo
e cultural, configurados em seu Arquivo Escolar, tomado aqui como objeto, e ao
mesmo tempo, o principal repositório de fontes da pesquisa. Com um perfil
educacional bastante peculiar, a Escola, que muito contribuiu para a formação
profissional feminina, permanece na memória popular, pela preservação do
mesmo prédio, tombado pelo Inepac desde 2003, e abrigando hoje o Colégio Estadual
Nilo Peçanha. Neste estudo, o prédio também é entendido como patrimônio de
relevância para a compreensão da cultura escolar, além de apresentar esta cultura
escolar, através de sua memória material e imaterial.
Palavras-chave: Memória. Arquivo escolar. Patrimônio cultural. Fontes documentais.

1445
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA NA DISCIPLINA DE QUÍMICA COM O USO DA MÚSICA

Dayse Sampaio Lopes Borges


Faculdade de Filosofia de Alegre/ES-FAFIA

Eliane Costa de Almeida


Faculdade de Filosofia de Itaperuna/RJ-FAFITA

RESUMO: A aprendizagem significativa, segundo a teoria de Ausubel, baseia-se na


ideia de que, para que ocorra a aprendizagem, é necessário partir daquilo que o aluno
já sabe, preconizando que os professores/educadores devem criar situações didáticas
com a finalidade de descobrir esses conhecimentos, designados conhecimentos
prévios. Organizadores prévios são uteis para facilitar a aprendizagem como pontes
cognitivas. Nesse contexto, a pesquisa teve como objetivo analisar a aprendizagem na
disciplina de Química de alunos do segundo ano do ensino médio, no município de
Bom Jesus do Norte/ES, utilizando a música como recurso didático interdisciplinar,
onde se comparou as notas obtidas no ano letivo de 2014, além de observação dos
resultados e entrevistas com os alunos. Especificamente pretendeu-se: a) Verificar o
potencial da música como instrumento de aprendizagem. b) Analisar, ao final dos oito
meses da pesquisa, se ocorreu melhorias na aprendizagem dos alunos. O estudo foi
desenvolvido através de pesquisa descritiva e exploratória, e abordagem qualitativa e
quantitativa, utilizando questionário, entrevistas com os alunos e a inserção da música
por meio de paródias do conteúdo. A coleta e análise de dados ocorreram entre
fevereiro e setembro de 2014, com frequência de duas aulas semanais. Constatou-se
que os alunos aprenderam com mais facilidade, obtendo rendimento superior quando
comparados àqueles alunos que não tiveram paródia com música. Concluiu-se que a
utilização da música contribui para a aprendizagem significativa da Química, pois a
música, através do ato criativo e lúdico, ao tocar a sensibilidade e emoção, promove o
interesse e motiva a aprendizagem dos alunos.
Palavras-chave: Aprendizagem significativa. Música. Ensino da química.

1446
PSICOMOTRICIDADE NA ESTIMULAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL: UMA
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL

Letícia Louise Tavares de Paula


Universidade Antônio Carlos

Adalberto Romualdo Pereira Henrique


Universidade Católica de Petrópolis

RESUMO: O campo de desenvolvimento humano focaliza o estudo científico de como


as pessoas se transformam desde a concepção até a morte. As mudanças são mais
óbvias na infância, porém ocorrem durante toda a vida. O desenvolvimento humano é
um processo permanente e único em cada indivíduo, sendo sua mudança considerada
sistemática, organizada e coerente, tornando-se adaptativa, pois lida com as mudanças
internas e externas dos indivíduos, ou seja, é o aumento da capacidade do indivíduo na
realização de suas funções cada vez mais complexas, sendo elas uma sequência de
mudanças na conduta sensorial e motora, na resposta afetiva, na inteligência, na
linguagem e no aprendizado. A presente pesquisa teve como objetivo principal discutir
a eficiência da intervenção da Terapia Ocupacional na estimulação do
desenvolvimento infantil usando a psicomotricidade como método de intervenção em
uma escola da rede pública de ensino na cidade de Lafaiete-MG. Para avaliar o
desenvolvimento psicomotor de crianças de três a quatro anos, utilizamos uma
avaliação baseada em Tansley (1993), com o objetivo de verificar se as crianças
apresentavam desenvolvimento compatível com o que era esperado para a idade
cronológica, bem como conhecer suas habilidades psicomotoras, verificar se após
intervenção terapêutica ocupacional houve mudanças quantitativas ou qualitativas em
tais habilidades através de uma comparação das avaliações - inicial e pós-estimulação.
Palavras-chave: Psicomotricidade. Desenvolvimento infantil. Terapia Ocupacional.

1447
CRENÇAS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO PELO
ESTUDO DA MATEMÁTICA

Lucas Maciel
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Ilciney Figueira Gomes Junior


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A motivação é o elemento desencadeador de nossas ações, e, subjacente a


ela, estão as crenças pessoais (DWECK, 1988; LOPES DA SILVA, 2004). Reconhecendo a
importância das crenças para o comportamento autorregulado e para a aprendizagem,
fez-se um estudo exploratório, de natureza descritiva, com alunos de uma escola de
nível médio da rede pública estadual, localizada na região sudeste do Brasil. O objetivo
foi conhecer crenças dos estudantes relacionadas à aprendizagem em matemática.
Aplicou-se um questionário a 164 alunos, constatando-se que 56,1% deles gostam de
estudar matemática o que não ocorre com 40,9%; 3% gostam regularmente. As
respostas das perguntas abertas dos dois grupos, após análise de conteúdo, foram
organizadas em duas categorias: relacionadas a fatores de natureza interna e a fatores
de natureza externa, estes englobando duas subcategorias: o professor e o contexto
social. Os alunos que gostam de estudar matemática e que destacaram fator de
natureza interna (52,9% do grupo) mencionaram a crença na própria aptidão; os que
mencionaram fatores externos (36,2%) destacaram a exigência do contexto social. A
influencia do professor foi apontada por apenas 3,9% dos estudantes que gostam de
matemática. Aqueles que não gostam de estudar matemática deram também maior
ênfase à crença relacionada a fatores de natureza interna (91,6%), e, neste grupo, o
único fator de natureza externa mencionado foi o professor (8,4% dos estudantes).
Constatou-se assim que o professor não é o fator mais determinante para os alunos
gostarem ou não de estudar matemática. O estudo abre perspectivas para outros.
Palavras-chave: Comportamento autorregulado. Crenças motivacionais. Aprendizagem
matemática.

1448
PERCEPÇÃO DE PROFESSORES E ALUNOS DO ENSINO MÉDIO RELACIONADA AOS
OBJETIVOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA

Ilciney Figueira Gomes Júnior


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Milena Batista Boniolo


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A literatura especializada (ZIMMERMAN, 2001; LOPES DA SILVA, 2004;


VEIGA SIMÃO, 2006, dentre outros), enfatiza que, para a ocorrência do
comportamento autorregulado e eficácia na aprendizagem é essencial que o indivíduo
tenha clareza do objetivo a alcançar. Nessa perspectiva fez-se um estudo descritivo
exploratório com estudantes e professores de matemática do ensino médio, de uma
escola da rede pública estadual localizada na região sudeste do Brasil, a fim de verificar
se os estudantes tinham clareza dos objetivos da disciplina, e se havia concordância
entre suas falas e a dos professores. Participaram 164 estudantes e 4 professores de
matemática. Aplicou-se um questionário e, após análise do conteúdo e categorização
das respostas das perguntas abertas, calculou-se a frequência e percentagem destas
respostas e das respostas às perguntas fechadas. Os resultados evidenciaram que 80%
dos alunos percebem clareza nos objetivos dos conteúdos, entretanto as justificativas
que alguns apresentaram contradiz suas respostas, e 42,1% responderam não existir
troca de informação entre professores e alunos acerca dos objetivos da matéria. Para
os professores há informação sobre os objetivos dos conteúdos, mas os próprios
responderam que os alunos estão pouco interessados nas explicações. Outros dados
sugerem a necessidade de uma discussão mais ampla em torno dos conteúdos do
currículo, e de mais diálogo com os alunos sobre os objetivos da disciplina.
Palavras-chave: Autorregulação da aprendizagem. Objetivo da disciplina. Ensino de
matemática.

1449
CRENÇAS DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO, RELACIONADAS À MOTIVAÇÃO PELO
ESTUDO DA MATEMÁTICA

Lucas Maciel
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A motivação é o elemento desencadeador de nossas ações, e, subjacente a


ela, estão as crenças pessoais ( Dweck, 1988; Lopes da Silva, 2004). Reconhecendo a
importância das crenças para o comportamento autorregulado e para a aprendizagem,
fez-se um estudo exploratório, de natureza descritiva, com alunos de uma escola de
nível médio da rede pública estadual, localizada na região sudeste do Brasil. O objetivo
foi conhecer crenças dos estudantes relacionadas à aprendizagem em matemática.
Aplicou-se um questionário a 164 alunos, constatando-se que 56,1% deles gostam de
estudar matemática o que não ocorre com 40,9%; 3% gostam regularmente. As
respostas das perguntas abertas dos dois grupos, após análise de conteúdo, foram
organizadas em duas categorias: relacionadas a fatores de natureza interna e a fatores
de natureza externa, estes englobando duas subcategorias: o professor e o contexto
social. Os alunos que gostam de estudar matemática e que destacaram fator de
natureza interna (52,9% do grupo) mencionaram a crença na própria aptidão; os que
mencionaram fatores externos (36,2%) destacaram a exigência do contexto social. A
influencia do professor foi apontada por apenas 3,9% dos estudantes que gostam de
matemática. Aqueles que não gostam de estudar matemática deram também maior
ênfase à crença relacionada a fatores de natureza interna(91,6%), e, neste grupo, o
único fator de natureza externa mencionado foi o professor (8,4% dos estudantes).
Constatou-se assim que o professor não é o fator mais determinante para os alunos
gostarem ou não de estudar matemática. O estudo abre perspectivas para outros.
Palavras-chave: Crenças motivacionais. Aprendizagem matemática. Comportamento
autorregulado.

1450
INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL: UMA REVISÃO DE
LITERATURA

Denise da Silva Gomes


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Márcia Regina Pacheco Soares


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Rosalee dos Santos Crespo Istoe


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: A formação da imagem corporal é um processo de figuração mental do


próprio corpo que envolve as dimensões perceptual, cognitiva, afetiva e
atitudinal/comportamental. O conhecimento acerca dos impactos da imagem corporal
sobre a subjetividade contribui para problematizar concepções socioculturais acerca
da corporeidade, gênero, geração, raças/etnias, classes. O atual contexto de pesquisas
demonstra o interesse da comunidade científica, incluindo, no campo interdisciplinar,
pela construção, adaptação e validação de instrumentos para avaliação da imagem
corporal. O objetivo deste estudo é apresentar uma revisão não sistemática das
publicações sobre avaliação da imagem corporal. A metodologia utilizada é a da
pesquisa exploratória, por meio de levantamento de bibliografia científica nas bases de
dados disponíveis na internet, como Google Acadêmico, SciELO (Scientific Electronic
Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde),
BVS – Psi Brasil (Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia - Brasil) e Acervo do Laboratório
de Estudos do Corpo – LABESC – da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG. Como
resultados foram encontrados: a) predominância de estudos em meios universitários,
com adultos jovens ou adolescentes. b) a relevância dos estudos sobre a imagem
corporal na compreensão dos transtornos/distúrbios alimentares, de auto-imagem ou
dismórficos. c) não existência de instrumento de avaliação da imagem corporal
específico para a população idosa, entretanto constatou-se uma quantidade
significativa de pesquisas sobre imagem corporal e envelhecimento. d) relevância dos
estudos interdisciplinares sobre imagem corporal em sua complexidade.
Palavras-chave: Imagem Corporal. Escalas de Satisfação. Metodologia.

1451
A PRÁTICA ESPORTIVA NA VIDA COTIDIANA DE DEFICIENTES FÍSICOS PARTICIPANTES
NOS JOGOS OLÍMPICOS DA APAE DE ALÉM PARAÍBA-MG

Mirelle de Souza Mattos


Faculdade de Minas – FAMINAS

Adalberto Romualdo Pereira Henrique


Universidade Católica de Petrópolis-UCP

RESUMO: Trabalhar o tema proposto decorre de nosso interesse em compreender


como a prática esportiva tem influências na vida cotidiana dos alunos. Trata-se de um
estudo exploratório e temos como objetivo conhecer a percepção dos
deficientes acerca da sua participação nos jogos olímpicos da APAE, refletir sobre as
implicações no seu cotidiano e analisar sobre a influência das atividades esportivas
para a melhora da qualidade de vida dessas pessoas. O público alvo consiste em 22
alunos, de ambos os sexos que participam dos Jogos Olímpicos das APAEs, na faixa
etária de 14 a 34 anos e para a coleta de dados utilizamos uma entrevista não
estruturada, composta de uma ficha de identificação (idade, sexo, escolaridade,
natural e modalidade que pratica), e com perguntas abertas, direcionado os
voluntários a proclamar sobre as suas experiências na prática esportiva que realizam
na APAE de Além Paraíba-MG
Palavras-chave: Prática Esportiva. Deficientes Físicos. Jogos Olímpicos.

1452
A (TRANS)FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA ATRAVÉS DA ATIVIDADE: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA

Roberto Mendes Ferreira


Faculdade de Medicina de Campos

Vera Lucia Deps


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa
que verificou o comportamento autorregulado de estudantes de medicina, na
disciplina Internato de Cirurgia. Observou-se o comportamento dos estudantes antes,
durante e após seus ingressos no estágio do curso. A teoria da autorregulação da
aprendizagem ofereceu os subsídios teóricos que nortearam as observações. Tratou--
se de um estudo de caso descritivo, de natureza quanti-qualitativa. Participaram 12
estudantes de medicina. Utilizou-se o questionário e a observação como recursos
para a coleta de dados. Fez-se análise dos conteúdos das respostas das perguntas
abertas, transformando-as em categorias e subcategorias, que, após terem sido
computadas, foram transformadas em tabelas de distribuição de frequência e
porcentagem, como também o foram as respostas das perguntas fechadas.Concluiu-
se que o ingresso no estágio influenciou positivamente no comportamento
autorregulado do estudante, e os resultados convergiram para o que preconiza a
teoria da atividade de Leontiev, no sentido de que a atividade facilita a consciência e
a apropriação do conhecimento, reforçando assim a importância da teoria aliada à
prática, e a necessidade da inclusão do estágio a partir dos primeiros anos do curso
de formação médica.
Palavras-chave: Comportamento autorregulado. Teoria da atividade. Introdução à
prática.

1453
POSIÇÃO ESPECIAL, PERCEPÇÃO CORPORAL E SIGNIFICAÇÃO: ANÁLISE DA PRESENCE
NAS OBRAS DE GEORGE ROUSSE

Teófilo Augusto da Silva


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Marília Pinheiro Alves


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Em visita ao Museo de Arte Contemporáneo do Chile, presenciamos as obras


intervencionistas do fotógrafo-artista francês George Rousse. Na ocasião, as obras
apresentadas levantavam uma questão que se assemelhava com a mesma
preocupação apresentada por Maurice Merleau-Ponty no Capítulo “O corpo” de
“Fenomenologia da Percepção” (2002) quando o autor pergunta qual a verdadeira
visão de uma casa e tendo a ideia de que tomamos como certa e verdadeira
fragmentos de um todo, a essência somente seria capturada se abandonássemos a
“visão de sobrevoo” (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 86). Na exposição de Rousse, a obra
primeira, a que coroava a abertura da exposição, era uma instalação construída e
fotografada passo-a-passo de onde em um determinado ponto (marcado com um “x”
no chão e apontado pelo segurança da instituição aos visitantes) podia-se ver uma
estrela. A questão da essência da percepção e sua relação com a linguagem está aí
colocada como pilar, tal como Hans Gumbrecht apontaria como sendo “significado de
presença” (2010). Sendo assim, este artigo visa versar sobre as implicações da
percepção do corpo-próprio (a relação do corpo que se vê e que vê o mundo que o
cerca) e sua relação com a obra artística visual. Para tanto, este trabalho apoiar-se-á
nas obras do já citado Maurice Merleau-Ponty em “Fenomenlogia da Percepção”
(2002) e de Hans U. Gumbrecht em “Produção de Presença” (2010) em uma revisão
bibliográfica, enquanto executa uma análise semiótica das imagens baseando-se no
trabalho de Roland Barthes em “A câmara clara”.
Palavras-chave: Percepção. Linguagem. Corpo. Fotografia. Fenomenologia.

1454
EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM UM ESPAÇO NÃO-FORMAL: ESTUDO REALIZADO EM
UMA ESCOLA PÚBLICA NA CIDADE DE JUIZ DE FORA/MG

Thiago de Abreu Loures


Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

Adalberto Romualdo Pereira Henrique


Universidade Católica de Petrópolis – UCP

RESUMO: A educação no espaço não formal é uma área que vem crescendo no atual
cenário da educação ambiental (EA), por isso, este trabalho se baseia em tal
perspectiva educacional. A escolha do tema foi devido sua pouca exploração em sala
de aula e através das necessidades percebidas pelos alunos de uma escola pública na
cidade de Juiz de Fora/MG. A contextualização do Ensino de Química foi necessária
para atingir uma aprendizagem significativa e efetiva para os alunos. Dessa forma, a EA
também tem por objetivo inserção da química no cotidiano dos alunos. Foi aplicado
um pré-teste para a verificação do conhecimento deles e posteriormente distribuído
um recorte de jornal fictício com a manchete “O Rio Paraibuna pede socorro”, para
leitura e discussão em grupos de quatro alunos. Foi proposto a eles uma pesquisa
sobre as etapas do tratamento de água. No segundo momento, para facilitar o
entendimento deles perante o tema abordado, foi realizado uma visita na Estação de
Tratamento de Água (ETA), CESAMA. Ao final foi proposto uma pesquisa sobre a
importância do tratamento de água e os problemas decorrentes do consumo de água
não potável. No terceiro momento, sob orientação, os alunos realizaram trabalhos e
apresentações através de pôsteres, experimentação e maquete. Para finalizar, foi
aplicado um teste para avaliação do desenvolvimento perante o projeto.
Palavras-chave: Educação ambiental. Espaço não-formal. Escola pública.

1455
ADMINISTRANDO AS ILUSÕES: SOBRE O “EFEITO DUNNING-KRUGER” NA GESTÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS

Júlia Vieitas Sarruf Alhanati


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Leonardo R. Miguel
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

RESUMO: Neste painel, exponho os resultados parciais de minha pesquisa de Iniciação


Científica, sob a orientação do Prof.Dr. Leonardo R. Miguel (LCL/CCH). Nossa proposta
é introduzir a linguagem da psicologia cognitiva e da epistemologia no âmbito da
formação dos gestores públicos da UENF, analisando o “Efeito Dunning-Kruger” (eD-K)
e sua influência no campo da Administração Pública. O eD-K enquadra-se na categoria
das tendências cognitivas (TCs) e é o termo empregado para designar a falta de
habilidade ou incapacidade para avaliar nossa própria incompetência, a dificuldade de
determinadas tarefas e para reconhecer nossos próprios erros. O curso de
Administração Pública dedica-se ao estudo das atividades relacionadas à gerência de
instituições públicas, sendo o administrador público o responsável por gerir os serviços
de certas áreas de uma sociedade (e.g., Escola, Saúde e Cultura), segundo as normas
do direito e da moral, visando o bem comum. Sendo assim, quaisquer erros
provocados pela presença das TCs nas negociações e tomadas de decisão dos gestores
públicos podem ter impactos negativos. Logo, é mister preocupar-nos com as TCs,
tendo em vista que são, geralmente, imperceptíveis, podendo levar à consequências
graves e de grande impacto social. No painel, pretendo caracterizar as TCs dando
ênfase ao eD-K, incluindo sua proveniência e exemplos de sua presença no “conjunto
de ações que compõem a função admnistrativa”. Para este fim, a metodologia utilizada
consiste na análise da bibliografia selecionada e na pesquisa de reportagens sobre
problemas relativos à decisões em políticas públicas.
Palavras-chave: Efeito Dunning-Kruger. Tendências cognitivas. Metacognição.
Administração pública.

1456

Você também pode gostar