António Torrado escreveu e Cristina Malaquias ilustrou
O boi regressava do trabalho, ao entardecer. Vinha muito cansado. Por
caminhos torcidos e pedregosos puxara, o dia todo, um carro de bois, que, bem vistas as coisas, devia antes chamar-se carro de boi, porque ele, sozinho, fazia as vezes de uma junta de bois, dos mais possantes. Estava mesmo exausto. A caminho do estábulo, já apaladava, na imaginação, a saborosa ceia de feno, que o aguardava na manjedoira. Merecida. Entrou no estábulo e o que viu? O cão da quinta, deitado no fofo do feno. – Tenha muito boas noites – disse o boi, que era muito manso e bem-educado. – Podia fazer o favor de sair de cima da minha manjedoira? – Não. Não - ladrou o cão. O boi, cheio de paciência, insistiu: – Estou com muita fome, mas prometo-lhe que, depois de comer, ainda lhe deixo feno suficiente para a sua cama. Agora, agradeço-lhe que me desampare a manjedoira. – Não. Não - ladrou o cão. – Admito que esteja a incomodá-lo, mas será por pouco tempo. Com a fome que trago, garanto-lhe que como o feno num instante. Podia afastar-se por um bocadinho? – Não. Não - ladrou o cão. – Eu entenderia a sua má disposição se o soubesse apreciador de feno. Mas se para si não serve, senão como cama, porque me proíbe de comer? Ou quer provar também do meu jantar? – Não. Não – ladrou o cão. Era malhar em ferro frio. O cão não saía da sua, não se convencia com boas palavras. Que outros argumentos podia o boi utilizar? Vamos lá ver. Só há duas saídas para esta história. Numa, o boi manso desiste da ceia e passa a noite roído de fome. No dia seguinte, voltará a trabalhar, em estado de fraqueza e tão debilitado que não conseguirá puxar o carro, como o dono lhe exige. Um boi sem préstimo é um boi condenado ao matadouro. Um triste fim, portanto. Noutra hipótese, o boi manso lembra-se de que tem em comum com os bois bravos os chifres pontiagudos, que servem de defesa e de ataque. Uma marrada de boi é um caso sério. Qual dos dois fins vamos escolher? Tu é que decides. Tu é que mandas. Já decidiste? Pois foi assim mesmo, tal como determinaste. Uma resolução muito acertada. Contar mais, para quê? O que se passou dentro do estábulo nem se descreve. Tudo muito rápido. Está, agora, um cão a ganir às estrelas: – Caim! Caim! Boi ruim! Caim! Caim! Porque será?