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O Conto do Galo e do Lobo

António Marcos N. F. Coelho

[colecção: aplicações]

(todos os direitos reservados - 2010)


"Veridis quo?", Pilatos
Esta é a história de como o galo comeu o lobo.

Certo dia, numa quinta de animais, nasceu uma ovelhinha de pelo branco. Logo que
nasceu, seu dono, Pastor do rebanho da quinta, afeiçoou-se a ela como nunca tinha feito com
nenhum outro animal da quinta. No mesmo dia, nasceu uma ninhada de pintainhos. Eram
todos iguais e nenhum se destacava em especial. Nenhum dos outros animais tinha o
tratamento que a pequena ovelhinha tinha.

A ovelhinha começou a crescer, o Pastor gostava cada vez mais da sua pelagem branca
como neve. Seria uma ovelha que se pagaria apenas com a sua própria lã. A ovelhinha sabia
que era especial para o Pastor e recusava-se a ouvir as mentiras que todas as outras ovelhas
do rebanho lhe contavam. “O Pastor gosta tanto de mim que nunca me mataria, ele gosta de
mim pela ovelha que sou e não pela minha lã ou pela minha carne”, dizia a ovelhinha de lã
branca como a neve às suas companheiras de rebanho. Os pintainhos da capoeira
continuavam a crescer, já não eram pintainhos eram frangos da capoeira e nenhum deles era
tão especial como aquela ovelhinha de lã vasta e branca como neve.

Um dia, a ovelhinha foi tosquiada, estranhou o que o Pastor fez mas não deu atenção
demais ao acontecido. “O Pastor gosta tanto da minha lã que a quis levar para nunca se
separar dela, mas a minha lã há-de crescer novamente e ele vai gostar ainda mais de mim”,
dizia a ovelhinha que era branca e já não tinha lã. Os frangos da capoeira, por esta altura já
andavam livres pela quinta mas nenhum era tão especial quanto aquela ovelhinha, mesmo
depois dela ter sido tosquiada. A ovelhinha era o animal favorito do Pastor.

A lã da pequena ovelha voltou a crescer, mas desta vez havia escurecido e agora era
mais áspera do que antes. Nenhum animal da quinta percebia porquê. Nem mesmo o Pastor
percebia a razão da lã daquela ovelhinha ter mudado de cor. Os frangos eram galos e galinhas
agora. E apesar do Pastor já não ter nenhum interesse por aquela ovelhinha de pelagem
áspera e escurecida, não tinha escolhido nenhum dos bichos da capoeira como seu favorito.

Com o passar do tempo, a lã da ovelhinha escureceu até ser completamente negra e rija
como pedra. “Ninguém vai querer comprar esta lã! Esta ovelha vai ser servida no banquete de
Domingo”, pensou o Pastor. Todo o rebanho comentava entre si em balidos discretos: “A
Favorita é a próxima!”, “Sim, o banquete é no Domingo.”, “Eu já não acreditava que o pastor
fosse capaz mas…”, “Foi o pelo que a condenou, ela já não é a Favorita.” Na capoeira ninguém
se preocupava com a ovelhinha. Nunca ninguém havia sido o favorito do dono, ali eram todos
iguais.

Era domingo, e pela manhã, o Pastor veio até à quinta buscar a ovelhinha. Os galos e
galinhas passeavam-se por ali perto, sem dar atenção especial ao que iria acontecer àquela
ovelha. “É menos uma no rebanho”, terá comentado uma ou outra galinha. Mas nada mais. Na
capoeira eram todos iguais. O Pastor aproximou-se da ovelhinha de lã negra e rija como pedra.
Por esta altura, a ovelhinha já sabia qual era o seu destino mas não gostava dele. “Não hei-de
ser servida no banquete!”, pensou para consigo mesma, “Quem me dera ser um lobo e poder
comer este Pastor traidor agora mesmo.” Todos os bichos da quinta ficaram abismados com o
que aconteceu de seguida. A ovelhinha era um lobo de pelo escuro e rijo como pedra e
devorava o Pastor como quem espera tempo demais pela sua refeição. Todos os galos e
galinhas fugiram para a capoeira, todo o rebanho correu em debandada. Ficou ali apenas um
pequeno frango que nunca tinha sido especial para ninguém. Enquanto o lobo negro acabava
de devorar o Pastor, o pequeno frango aproximava-se calmamente.

O lobo enfurecido pela falta de temor daquele pequeno galo, voltou-se para ele com
desdém: “Que queres tu, não soubeste que hoje descobri que não sou uma ovelha mas um
lobo?”. O frango não respondeu e continuava a observar a fúria com que aquele lobo devorava
o Pastor. O lobo correu enraivecido até ao galo. Nisto o galo abriu o seu enorme bico e
mostrou pela primeira vez os seus dentes matando o lobo enquanto este balia desesperado.

Moral da história: “Não é por pensares que és um lobo que não vais balir quando o galo
te comer.”

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