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Em seu sonho, David estava olhando a casa azul novamente, só que, desta
vez, não havia sangue jorrando pelo alicerce. Na verdade, havia um belo
gramado cercando a frente da varanda. Era dia claro. O sol brilhava. E, ainda
assim, a casa se encontrava toda envolta numa névoa, cobrindo-se com uma
mortalha de escuridão, mesmo com os raios de sol brilhando.
E, então, enquanto David observava, a casa começou a se desfazer. Era a
mesma coisa que observar uma explosão em câmara lenta. Daí, os caibros e
ripas se juntaram novamente para formar cadafalsos, forcas e postes. Uma
longa prancha transformou-se no lado de uma guilhotina. Um outro caibro era
agora a parte vertical de uma cruz, onde um homem estava sendo pregado de
cabeça para baixo. David via pessoas sendo decapitadas, espetadas e queimadas
vivas. Cada pedaço de madeira daquela casa azul se transformava num
instrumento de tortura ou de execução de um ser humano.
Um grande toco carbonizado flutuou no ar, indo de um lado para outro, e
então plantou-se no chão, e nele estava amarrado aquele homem, horrivelmente
mutilado, que David tinha visto em sua visão acordado. O sestércio em brasa
ainda ardia em sua boca.
David tentou correr, mas seus pés não conseguiam se mover. Um lustroso
candelabro de metal, como aquele que havia na sala de estar de seu
apartamento, estava vindo em sua direção. Dele, pendia um pedaço de pano
branco, em forma de um laço de forca. O laço levantou-se suavemente no ar e
encaixou-se em seu pescoço. David sentia o tecido apertando sua garganta.
Tentou gritar, mas o laço estava muito apertado. Não conseguia emitir nenhum
som!...
Meia hora mais tarde, David estava de volta a seu apartamento na Riverside
Drive. Ele não podia imaginar como quase se estrangulara com sua própria
gravata. E também não tinha idéia de como o talismã de prata tinha ido parar
dentro do envelope de plástico, especialmente pelo fato de o dr. Fuchs-Kramer
ter de soltar o grampo do envelope para retirar a moeda!
Mas e se o parapsicólogo estivesse certo? Até o momento, David não tinha
analisado mais profundamente nenhuma de suas visões e pesadelos. Continuava
sonhando com aquela casa azul, quando sabia perfeitamente que na vida real ela
era amarela. Certamente, amnésia seletiva parecia bem mais plausível do que
uma velha moeda de bronze que aparecia e desaparecia por si só! É claro que
um bom descanso lhe faria bem; não saía de férias desde que Eleanor morrera.
Tinha escondido o caro sestércio de bronze na gaveta superior de sua
escrivaninha. Mas, realmente, ali não era um lugar seguro para uma moeda
daquele valor. David decidiu que seria melhor levá-la para Keith Olson, antes
que algo acontecesse com ela também.
David pegou o telefone. Agora que tinha conhecimento das prováveis razões
de seus pesadelos, não queria que Jennifer se preocupasse desnecessariamente.
Era sua oportunidade, dar a nova moeda a Keith e vê-la mais uma vez, antes de
sair de férias.
Em New Castle, Jennifer Olson atendeu o telefone ao segundo toque. E David
percebeu como ela ficou feliz ao ouvir sua voz.
9
— De novo? — Keith fitava sua esposa do outro lado da mesa do café. Faz só
uma semana que David esteve jantando aqui!
Jennifer tinha deliberadamente adiado contar a Keith que tinha convidado
David para jantar, na sexta-feira. Estava esperando uma oportunidade de pegar
Keith de bom humor. — David vai sair de férias — disse, pacientemente. — E
quer lhe trazer a moeda para que você possa devolvê-la ao sr. Coste.
— Tá bom — respondeu Keith. — Mas por que estamos sempre
alimentando-o? Quero dizer, depois de tantas vezes que você lhe preparou um
jantar, por que ele nunca nos convida para ir jantar lá?
— Na verdade, ele nos convidou para ir a Nova York nesta sexta-feira —
respondeu Jennifer. — Mas sei que você não gosta de Manhattan porque se
demora muito para chegar lá e também porque é muito caro. David adoraria
levar-nos a um bom restaurante, mas você não gostaria porque ficaria muito
preocupado com os preços no cardápio. Essa é a razão pela qual sugeri que ele
viesse aqui!
Keith tinha que admitir que Jennifer tinha razão. Ele não gostava muito de sair
para jantar. Levantando-se às seis horas da manhã todos os dias e trabalhando até
as cinco ou seis da tarde, preferia um calmo jantar em casa. Se Jennifer também
tivesse que trabalhar como ele, agradeceria poder ficar em casa durante a noite
também! Mas aborrecia-o o fato de ela ter esperado dois dias para lhe dizer que
David Carmichael viria para jantar. Sua irritação fez com que saísse de casa
mais cedo do que de costume.
Quando estacionou seu caminhão na entrada da casa número 666, na Sunset
Brook Lane, percebeu algo errado com o pinheiro plantado ao lado da varanda.
Ele tinha quase dois metros de altura, e era frondoso e vistoso. Mas o lado da
árvore que ficava mais próximo da casa estava coberto com brotos que
começavam a amarelar.
Então, Keith deu uma olhada na grande janela da sacada e parou, surpreso.
Pela segunda vez, naquela semana, havia um pássaro morto caído no gramado
sob a janela da sacada.
Na segunda-feira fora um pardal. Agora era uma andorinha. Como o
primeiro pássaro, este também estava caído sobre seu lado esquerdo, com a
cabeça totalmente deslocada. Keith já tinha ouvido falar de pássaros que batiam
nas janelas, mas aquelas janelas, com suas tiras de vidro colorido, não eram
exatamente o que se poderia chamar de invisíveis. Mais uma vez, pegou a pá de
pedreiro no caminhão e jogou o pássaro na vala.
Subindo até a varanda, destrancou a porta da frente e deu uma olhada no
interior, mal podendo esconder um ar de verdadeira satisfação. A sala de estar
parecia trezentos por cento melhor do que na segunda-feira de tarde! Apenas
uma estreita lasca da forração ainda tinha que ser substituída — o longo pedaço
vertical que cobria a parte traseira da lareira, na saleta de jantar. Keith calculou
que provavelmente eles poderiam cobrir aquele espaço com alguma sobra de
compensado. Disse então a Jason para não remover aquela parte, até que eles
tivessem terminado o serviço no quarto e no vestíbulo do andar superior.
O resto da tarde foi ocupada com o andar superior. Os três mediram,
cortaram e ajustaram chapas de compensado nas paredes do dormitório
principal. O trabalho foi bem mais rápido do que Keith imaginara, pois uma das
paredes já estava acabada com forração de madeira.
Quando, finalmente, deu uma olhada no relógio, já era meio-dia. Limpou a
poeira de madeira de sua roupa e começou a descer as escadas.
— Vejo vocês por volta de uma e meia — disse Keith. — Se quiserem,
podem parar um pouco agora.
— Você vai almoçar em casa? — perguntou Marc.
— Não — respondeu Keith. O bate-boca com Jennifer, naquela manhã, ainda
estava em sua cabeça. — Preciso dar uma parada lá no escritório em
Chappaqua. Talvez haja algum recado, e estou esperando algumas cartas.