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TURMA REGULAR - CURSO AMPERJ


AULA 01 – DIREITO PENAL PARTE GERAL
DATA DA AULA: 23/03/2019
PROFESSOR JOSÉ MARIA PANOEIRO

Olá a todos!

Vou explicar como vamos trabalhar aqui e qual será a nossa proposta. Se tem algo
que aprendi durante o tempo que dou aula para concursos (15 anos) foi que, verdadeiramente,
não existe um estudo de uma matéria X para o concurso tal. Existe o seguinte: Você tem que
conhecer a matéria e eventualmente você vai fazer apontamentos relativos ao perfil de um
determinado concurso.

Então, por exemplo, numa prova para MP, seja do RJ, PR, MF, enfim, qualquer
prova, você vai ter que ter na parte de processo civil um bom estudo de tutela coletiva. Não
tem jeito, pois faz parte do nosso dia-a-dia enquanto membro do MP. Então, vocês vão ter que
dar uma ênfase a essa matéria. “Ah, mas tem que saber processo civil?”. Tem que saber o
processo civil e vai ter que fazer esse complementozinho. “Ah, mas na prova do MP/RJ cai
princípios institucionais do MP”. Ok! Você vai ter que estudar isso em separado. “Ah, mas isso
não cai na prova de PGR”. Cai sim! Na parte de constitucional e na parte de processo penal, só
não cai na matéria com o nome de “princípios institucionais do MP”. Isso você vai ter que
adaptar.

E partindo dessa premissa, desde que dou aula na AMPERJ e na EMERJ, eu tendo
desmistificar uma coisa que existe em Direito Penal para concurso A e Direito Penal para
concurso B. É evidente que vamos tratar de formas diferentes de compreender o Direito Penal
que numa prova para Defensoria não vão ter lugar. Numa prova para Defensoria, se você acha
que pode defender a revogação do Código Penal, você poderá fazê-lo, pois, em parte, é a
percepção daquela instituição, que é muito forte como um determinado viés criminológico.
Agora, se vocês forem fazer um concurso para MP, vocês vão ter uma visão mais pró-sociedade,
mais no sentido de criar condições de vida para que se possa viver em comunidade.

Então, em outras palavras, quando você fala em punir um comportamento


indesejado, pouco importa se é o Temer, se é o Lula ou se é o João de Deus. Se ele teve aquele
comportamento que a lei descreve como criminoso, para nós, enquanto membros do MP, não
faz diferença, pois o cara tem que responder da mesma forma. Então, isso faz diferença no
concurso do MP, mas na essência Direito Penal é o mesmo Direito Penal e Direito Civil é o
mesmo Direito Civil.

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O que eu quero dizer com isso?! Vamos aqui situar vocês dentro do possível quando
aos vários debates que acontecem hoje para vocês não serem pessoas que quando vão fazer
uma prova, pura e simplesmente sabe que a corrente A pensa assim e a corrente B pensa
assado, porque isso não funciona.

Por que isso não funciona?! Por uma questão muito prática: porque você depende
de compreender o porquê que uma linha de pensamento pensa de um jeito e outra pensa de
outro jeito. Não adianta eu chegar para você e dizer que há crimes de perigo abstrato que são
inconstitucionais, e você depois coloca lá: “Ah, o Professor Panoeiro diz que são, mas tem gente
que diz que não são, e o STF admite que esses crimes existam”. Isso é vazio! Isso não denota
nenhum tipo de compreensão sobre o tema dos crimes de perigo abstrato. Para você poder
demonstrar conhecimento numa prova que vá fazer diferença, na hora que o cara pega a tua
prova e confronta com a prova do outro, e que a gente às vezes se esquece, é o seguinte: Para
aqueles que fazem a primeira fase de múltipla escolha, que vão fazer prova fora do RJ, a prova
de múltipla escolha já é um filtro, porque você tem que ter conteúdo e tem que treinar para
fazer aquilo. “Treinar”, leia-se, repetir, repetir... É decorar a matéria! Vai ter que decorar alguns
conceitos, algumas noções, agora o restante é treino.

Já numa prova escrita como a do MP/RJ, na primeira fase, não tem jeito. A tua nota
é comparada com a nota da prova que ele corrigiu antes. Ele corrigiu uma excepcional prova
antes e depois lê a sua resposta bem vagabunda, não tem jeito... Então, a melhor coisa que
você faz é tentar responder da melhor forma possível, com o máximo de conteúdo possível
relativo àquele tema.

Tomando como exemplo o crime de perigo abstrato, você vai ter que falar que com
o passar do tempo num modelo de sociedade que se desenvolveu após a Revolução Industrial,
leia-se, uma sociedade complexa, o legislador deixa de punir apenas lesões específicas a
pessoas determinadas para querer proteger determinados interesses relacionados à ideia de
segurança, que era manter um ambiente social seguro. Então, para isso, eu não quero que o
cara beba e dirija; para isso, eu quero que o consumidor seja informado dos riscos daquilo que
ele está comprando; para isso, eu não quero que circulem armas de fogo sem o controle do
estado. Por quê?! Porque traduzem situações que rebaixam o estado de segurança que eu
quero preservar, ou seja, uma outra forma de bem jurídico. Quando você olha dessa forma,
você responde obviamente que é perfeitamente possível você ter crimes de perigo abstrato,
logo, eles são constitucionais desde que eles se relacionem a algum destes contextos que a
sociedade quer preservar.

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Essa é a diferença de você compreender o tema e se posicionar: Para Luiz Flávio


Gomes é inconstitucional porque abusivo ao princípio da lesividade, mas para autores como
Pierpaolo Cruz Bottini, como para a maioria da doutrina europeia, os crimes de perigo abstrato
ainda que devam ser evitados são uma necessidade da nossa sociedade moderna e do Direito
Penal a ela associado.

Então, para quem não me conhece, sou o Professor José Maria Panoeiro, sou
professor do EMERJ e da AMPERJ, fui promotor de justiça aqui no Rio, E sou do concurso do
Juan Vasquez, do Tércio Alonso e de outros. Fui delegado de polícia antes de ser promotor aqui
no Rio e sou procurador da República há 15 anos. “Por que você saiu do MP/RJ e foi para o
MPF?”. Houve um motivo fundamental: A minha vaga no MPF era aqui direto no Rio, e como
promotor eu ia passar uns 5 ou 6 anos circulando. Então, o meu concurso do MP/RJ foi o último
que chegou na Baixada, ou seja, tem muito tempo que chegou na Baixada Fluminense. Mas
sendo do MPF ou do MPE não faz diferença, o importante é você defender os interesses da
sociedade.

Bom, quanto à bibliografia, quando vocês forem fazer prova para o MP/RJ, você vai
ter que necessariamente conhecer a banca, leia-se, comprar o livro do cara da banca. Por quê?!
Porque você tem que saber tudo que passa pela cabeça do cara, a percepção do cara no Direito
Penal. Mas, normalmente, como bibliografia eu indico para vocês um manual que dê para fazer
qualquer concurso, que é um manual que vai servir de ponto de apoio para você no estudo
geral de Direito Penal na Parte Geral. A partir daí, se você for, por exemplo, fazer a prova do
MP/PR, você vai ter que ler Juarez Silva dos Santos. Por quê?! Porque até bem pouco tempo
atrás o filho dele estava na banca, Maurício Silas dos Santos, e o pessoal do Paraná simpatiza
com aquela doutrina dele.

Mas se você ler algum dos livros que vou indicar, você estará bem amparado. Então,
a questão é ter um bom manual, a gente coloca as controvérsias aqui em sala de aula, tenta
acompanhar as discussões que vêm acontecendo no STF para que pelo menos tenhamos uma
compreensão crítica.

“Ah, eu vou fazer prova do MP/RS”. Então, você vai ter que pelo menos passar o
olho no livro do Paulo César Busato, para você ver o que ele tem de diferente para você não
ficar perdido na prova. Porque se você for pra lá sem ter noção do viés que a prova tem, você
fatalmente vai ter dificuldades.

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Então, qual livro eu recomendo?! A obra do Cezar Roberto Bittencourt é um bom


livro?! Sim, é um bom livro. A gente vai ver que tem algumas coisas ali que não dá para
concordar, mas é um bom livro. O Fernando Galvão é um livro que eu basicamente indico na
escola da magistratura. Por quê?! Fernando Galvão foi durante muito tempo o examinador do
MP/MG. E para conhece o MP/MG, é uma das provas mais difíceis que a gente tem em Direito
Penal. Então, você vai ter ali uma escrita que agrada o examinador, uma teoria densa,
profunda, mas com uma explicação que eu acho que está ao alcance. Rogério Greco também é
um bom livro para você usar como ponto de partida. Para você que tem dificuldade, acho que é
um bom livro para dar um empurrão inicial para que você vá estudando. “Ah, mas o Greco vai
resolver o meu problema?”. Não, o Greco não vai resolver o seu problema, pois ele vai ser
deficiente em uma série de coisas. Porque na medida em que o Greco quer ser tornar um livro
apreensível para qualquer pessoa, ele tem essa proposta, vai simplificar muita coisa.

E aí, eu vou mostrar para vocês umas questões de prova aqui em que você não vai
se virar com o Greco. Com isso, tome como ponto de partida o seguinte: O Greco, se eu estiver
com muita dificuldade em Direito Penal, é para começar a andar. Compreender Direito Penal,
eu vou compreender, mas coisas mais profundas você vai ter que ler em outros livros, porque
alguns assuntos no Greco são um tanto quanto superficiais.

Uma outra orientação, agora pedagógica, é que isso aqui é repetição. Estudar é algo
que exige sacrifício, ninguém pode estudar por vocês. Então, qual é a tua bíblia para passar no
concurso?! É o edital. Você vai lá no CNMP ou no CNJ, pega o programa da magistratura ou do
MP, junta, faz um programa de estudo com base naquilo ali. Aquilo ali é de onde o teu
examinado vai retirar. Você não tem que ser um colecionador de livros, não adianta ler os livros
todos por inteiro, você tem é que ler temas, você tem que aprender a trabalhar com Direito
Penal em temas. E aí, teu objetivo vai ser pegar aqueles tópicos e ir andando um a um.

Por quê? Você sabe o que o examinador vai cobrar na primeira questão da
magistratura do concurso deste ano? Não. Em tese, eu não sei e você não sabe. “Ah, mas caiu
na última prova dez questões disso”. Você tem certeza que vão cair essas mesmas dez questões
no próximo concurso? Não! Então, a única forma que você tem de reduzir o fator sorte que te
atrapalha na hora de passar é cobrindo o programa. Quanto mais matérias do programa você
tiver coberto, mais você reduz o acaso e coloca na tua mão a decisão de passar ou não. Quanto
mais matérias cobrir, menos a sorte vai contribuir para você passar para a segunda fase. Agora,
se você foi para a segunda fase com sorte, você será reprovado na segunda fase porque a
chance de cair coisas diferentes é enorme.

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1. QUESTÕES

Vamos dar uma olhada em algumas questões que andaram caindo recentemente
em prova para vocês verem como é que isso tem sido cobrado, como é que o Direito Penal tem
sido cobrado nessa leitura, para vocês verem a introdução que eu vou fazer que é um
panorama do Direito Penal hoje para entendermos as discussões que vão sair daí. E aí, quando
você for ler alguns textos, você vai saber que aquele cara está se posicionando numa
determinada linha e você não vai ficar de bobo.

Um dos maiores autores hoje que escreve sobre Direito Penal é o professor da USP
Pierpaolo Bottini, que ficou muito famoso na Lava-jato e no Mensalão, ele é um dos advogados
que mais aparecem na defesa de alguns dos acusados. O Bottini diz que o crime de lavagem de
dinheiro, defendendo o Paulo Maluf, é crime instantâneo de efeito permanente. Leia-se:
recebeu a propina e escondeu na conta de um “laranja”, consumou o crime ali. “Ah, mas está
escondido o dinheiro”. Sim, e se ele movimentar de novo teria um novo ato de lavagem e o
termo inicial da prescrição mudaria. Mas se ele deixar guardadinho ali e não fizer nada, a
prescrição está correndo do termo originário. No caso do Paulo Maluf, isso significaria que ele
escondeu nas Ilhas Virgens Britânicas no começo dos anos 2000, e foi ser condenado agora. A
denúncia foi recebida tem uns quatro anos, Maluf tem mais de 80 anos (prescrição pela
metade), então, naturalmente, está prescrito.

O verbo da “lavagem” é ocultar. O verbo “ocultar” na ocultação de cadáver é crime


instantâneo ou crime permanente? Permanente. O verto “ocultar” na receptação é instantâneo
ou permanente? Você chega lá no ferro-velho e o cara está vendendo um carro roubado, ele
pode ser preso em flagrante? Pode, pois ocultar é permanente.

Dito de outro modo, no Direito Penal, o “ocultar” no crime de pobre é permanente,


mas quando é o “ocultar” do crime de lavagem aí ele vira instantâneo para poder prescrever
mais rápido. Com isso, vocês vão aprender a ter um olhar crítico, e nós do MP não aceitamos
isso. O Direito Penal deve ser o mesmo, seja para o pobre, seja para o rico. Não tem diferença.
Se o verbo “ocultar” é o mesmo, a natureza da conduta deve ser a mesma, e não se deve ter
interpretações diferentes.

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Então, vamos a algumas questões:

Questão 21 - Prova: FUNDEP - 2011 - MPE-MG - Promotor de Justiça.

Sobre as possíveis leituras do garantismo, na perspectiva dos direitos fundamentais,


é CORRETO afirmar que

a) a concepção de um “garantismo positivo” alia-se ao princípio da proibição de


proteção deficiente, trazendo como consequência a extensão da função de tutela penal aos
bens jurídicos de interesse coletivo.

b) o pensamento garantista se funda, em seu modelo clássico, em princípios que se


opõem à tradição jurídica do iluminismo e do liberalismo.

c) o garantismo, na concepção de Ferrajoli, tem como objetivo principal edificar um


conceito específico para a criminologia, a partir da discussão da legitimidade da intervenção
penal, não se ocupando, por isso, do estudo da qualidade, quantidade e necessidade da pena.

d) a proposta do garantismo pode ser sintetizada na tentativa de arrefecer os


princípios fundamentais que devem orientar o direito penal em um sistema punitivo
democrático.

O enunciado da assertiva “a” está certo ou errado? Está correto. Essa é uma
questão que é discutida na Alemanha, existe um texto do Lenio Luiz Streck e outro do Ingo
Wolfgang Sarlet, no qual eles tratam do princípio da proteção deficiente dos direitos, e, na
verdade, há uma decisão do STF que chancela isso no Brasil. O garantismo penal não é apenas
para proteger o indivíduo, é também para cumprir a função de tutela de bens jurídicos naquilo
que a CF atribui de relevante.

Curioso que o caso que o STF decidiu foi o caso de uma menina de 8 anos de idade
que foi estuprada pelo marido da sua tia, – ela vivia com a sua tia – e o cara entra alegando que
estava vivendo com a menina aos 11 anos de idade maritalmente, logo, ele queria extinguir a
punibilidade equiparando a união estável ao casamento, porque ao tempo que ele havia

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estuprado, existia uma causa de extinção da punibilidade do estupro pelo casamento com a
vítima.

Como é que você pode interpretar um dispositivo penal de modo a esvaziar aquilo
que a CF fala que é colocar crianças e adolescentes a salvo de violência sexual. Ou seja, o STF,
ao interpretar, fez essa ponderação de garantismo não apenas negativo em prol do criminoso,
mas um garantismo positivo no sentido de garantir por meio do Direito Penal a tutela dos
direitos fundamentais.

A segunda questão é da prova de juiz substituto do TJ/PA de 2014:

Questão 43 - Prova: VUNESP - 2014 - TJ-PA - Juiz de Direito Substituto.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal julgou os embargos infringentes na


conhecida Ação Penal 470 – Caso do Mensalão. De forma sintética, com relação ao crime de
lavagem de dinheiro foi firmado, por maioria de votos, o entendimento segundo o qual:

a) receber propina não é ato autônomo posterior ao delito de corrupção passiva,


não existindo a autonomia exigida para a tipificação do crime de lavagem de dinheiro.

b) a lavagem de dinheiro é um crime material e, assim, para a tipificação do delito


seria necessária à ocorrência do resultado lesivo, o que não aconteceu no caso concreto.

c) o ato de receber propina sucede o delito de corrupção passiva, existindo, dessa


forma, a autonomia exigida para a tipificação do crime de lavagem de dinheiro.

d) a condenação pelo crime de lavagem de dinheiro deve ser mantida com


fundamento na teoria do domínio do fato.

e) todo ato de recebimento de propina por funcionários públicos pressupõe


aceitação prévia e clandestinidade, restando evidenciada a autonomia do crime de lavagem
de dinheiro.

Essa questão eu gosto de colocar para vocês porque essa é uma discussão que o STF
vai tratar no caso do Lula. Para quem não acompanha a discussão, é um tema que vamos ver

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aqui: conflito aparente de normas. Quem recebe a propina de maneira escamoteada por meio
de esquema de ocultação... Esse recebimento de propina dessa forma é exaurimento da
corrupção ou é um crime autônomo de lavagem de dinheiro? O Mensalão teve um caso em que
o deputado federal João Paulo Cunha mandou a esposa buscar a propina no banco. Ela foi
pagar uma conta de TV por assinatura e chegando lá, o cara disse que tinha um pacote para ela
e ela pegou o pacote contendo 50 mil reais e foi embora. Resultado: Na época, a PGR o
denunciou por corrupção e lavagem. O STF, no julgamento da ação penal do Mensalão
condenou-o pelos dois. Mas nos embargos infringentes, eles entenderam que isso não é
lavagem, mas sim exaurimento da corrupção. Essa tese aparece no caso do Lula em todos os
processos da Lava-jato. Eles alegam que apesar de o dinheiro ter ficado escondido, o dinheiro
não tinha chegado ao sujeito fisicamente. Então, como só está chegando fisicamente naquele
momento, isso não tem crime de lavagem de dinheiro autônomo porque é apenas corrupção.

Então, o que eles colocaram nessa questão foi justamente isso, ou seja, saber se
vocês acompanhavam a discussão, que é uma discussão que está em aberto ainda, e o STF vai
decidir.

Questão 40 - Prova: MPE/MG - 2010 - MPE-MG – Promotor de Justiça – 50º Concurso.

Sobre um Direito Penal Quântico, que seria fruto da influência do paradigma quântico nas
ciências criminais, é CORRETO afirmar

a) que estuda a repercussão, no campo penal, dos danos reais e potenciais da energia
nuclear, trazendo, como consequência, o reforço do princípio da exclusiva proteção de bens
jurídicos.

b) que estuda a relação entre a quantidade de pena aplicada e a quantidade de pena


necessária para a ressocialização do condenado, trazendo, como principal consequência, a
desnecessidade de execução do período remanescente.

c) que, tomando como base o princípio da incerteza ou indeterminação, estuda a


causalidade a partir de critérios de probabilidade, relacionando-se, nesse aspecto, com a
moderna teoria da imputação objetiva.

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 d) que estuda a repercussão, no campo da tutela penal ambiental, dos danos gerados
por atividades altamente poluidoras, trazendo, como consequência, a possibilidade de
responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público.

Agora, uma prova do MP/MG. Vocês já ouviram falar sobre o Direito Penal
Quântico?! É evidente que se você não conhece o tema e não a que o tema está se
relacionando, você vai ficar perdido. Bom, isso aqui está ligado à teoria da imputação objetiva.
A física quântica destruiu aquele postulado de que a toda ação corresponde uma reação. O que
a Física tem a ver com o Direito Penal?! Tudo. A teoria da “conditio sine qua non” do art. 13 do
CP é cópia da ação e reação da Física: considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o
resultado não teria ocorrido. Ou seja, quando na física quântica esse pressuposto do causalismo
é derrubado, começa a ser questionado também no Direito Penal se ele é válido para poder
solucionar questões penais. Então, isso aqui está ligado à teoria da imputação objetiva.

Quando fala em direito penal quântico, o que, na verdade, ele vai te perguntar é o
seguinte: Você sabe de onde vem a teoria da imputação objetiva? Por que ela gerou esse
questionamento da “conditio sine qua non”? É basicamente isso!

Agora, uma última questão para iniciarmos, que é da prova do MPF de 2017, e trata
do tema de crimes próprios. O que é crime próprio? Crime próprio é aquele que pede uma
qualidade especial do sujeito ativo sem a qual se não tiver presente isso gera uma
desclassificação ou gera uma atipicidade. Então, tem que ter uma qualidade.

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Questão 92 - Prova: PGR – 2017 – PGR – Procurador da República.

No tema de crimes próprios, de acordo com doutrina mais recente, assinale a alternativa
incorreta:

a) considerá-los como crimes de infração de dever permite a melhor delimitação entre


autores e partícipes;

b) o extraneus pode ser autor de peculato-desvio, tendo em vista o artigo 30 do Código


Penal;

c) somente um intraneus pode ser autor de concussão, ainda que não tenha o domínio do
fato;

d) de acordo com Roxin pode haver coautoria quando um dever está confiado a várias
pessoas, como, por exemplo, na vigilância de internos de uma prisão.

Lendo as assertivas, o enunciado “a” está certo ou errado? Vocês sabem o que são
crimes de infração de dever? Algumas questões de prova têm alguns conceitos que ou você
sabe para poder avançar ou não tem nenhuma ideia. Vamos ler os outros enunciados e vamos
deixar esse como se não soubéssemos a resposta. Letra “b”: o “extraneus” é o particular os
crimes funcionais e “intraneus” é o funcionário público. O art. 30 é aquele que diz que se
comunica a circunstância pessoal, ou seja, se o funcionário público pratica o crime junto com
particular, essa condição de funcionário atinge o particular. Está correto?! Supostamente está
correto, mas vamos ler os demais... Letra “c”: somente funcionário público pode ser autor de
concussão mesmo que ele não tenha domínio do fato. Certo ou errado?! Para ele poder ser o
autor da concussão, ele tem que ter domínio do fato. Seria a teoria do domínio final do fato.
Certo?! Vamos para a letra “D”: essa alternativa é para te ajudar. O examinador está chamando
a atenção para o fato de que essa doutrina mais recente é Roxin, ou seja, caso você não tenha
lembrado, é para você se tocar que é disso que a questão está falando. Quem aprofundou o
estudo do domínio do fato foi o Roxin, e ele tem um livro só sobre isso: autoria e domínio do
fato.

Pois bem, qual seria a alternativa a ser marcada? Letra “b”. A questão aqui é a

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seguinte: O delito de infração de dever, para o Roxin, para quem não sabe, a teoria do domínio
final do fato só se aplica para crime comissivo doloso comum. Para crimes próprios, para crimes
omissivos e para crimes culposos, ela não se aplica. Por quê?! Porque nesses crimes
sobressaem essa ideia de crime de infração de dever. O ordenamento jurídico cria para
determinadas pessoas posições especiais de dever que permitem que elas pratiquem o delito,
leia-se, no crime culposo só quem tem o dever de cuidado é que pode praticar o crime; no
crime comissivo, só quem tem o dever pode praticar o crime. Os vigilantes de uma prisão que
se omitem e deixam os presos fugirem, como o dever é deles dois eu tenho concurso de
agentes. Mas, ordinariamente, se eu e uma médica assistimos alguém passando mal e não
socorremos, você tem o seu crime e eu tenho o meu crime porque o dever é individual e cada
um comete o seu próprio crime.

Pois bem, nessa visão do Roxin, crimes funcionais são crimes próprios e só quem
pode cometê-los na qualidade de autor é o funcionário público, nunca o particular, não
importando o tamanho da contribuição do particular, pois ele não tem a imposição do dever
que o ordenamento pede. Ele é sempre partícipe.

Pergunta do aluno: INAUDÍVEL.

Resposta do professor: Ser funcionário público é elementar do tipo. Eu sou funcionário e você
não é, mas nós vamos fazer um peculato juntos. Vai comunicar essa condição de funcionário
público? Vai. Então, você vai responder por qual crime? Peculato junto comigo. Mas qual é a
sua posição?! Você é autora? Não, você é partícipe.

Por isso que eu disse a vocês, o Greco vai pegar a teoria do domínio final do fato
como paradigma para tudo, só que o Roxin, que é quem está por trás dessa doutrina, não
entende assim. E nas provas, quando eles cobrarem esse tema, eles vão atrás desse
entendimento do Roxin.

Pergunta do aluno: INAUDÍVEL.

Resposta do professor: O Greco não está errado em falar da doutrina do domínio final do fato,
porque na verdade é a divisão do trabalho no crime... Ele está correto! O problema é que o
Greco... eles pegam a doutrina brasileira às vezes para sacrificar e aplicam a doutrina do
domínio final do fato como se servisse para tudo, quando, na verdade, não serve para crime
culposo, nem para crime omissivo e nem para crime próprio.

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Bem, vamos agora a uma introdução do Direito Penal.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

Temas: Introdução. Evolução do Direito Penal: paradigma clássico e evolução.


Discurso de resistência. Direito de intervenção. Direito Penal do Inimigo. Garantismo penal
integral. Princípios em espécie: Legalidade, Lesividade, Proporcionalidade, Insignificância e
Adequação Social.

Nós vamos fazer uma pequena revisão daqueles princípios do Direito Penal que
quando alçados a nível constitucional passam a condicionar toda a interpretação da legislação
penal. Só que para que compreendamos como é que se chegou a esses princípios é importante
em alguma medida saber o caminhar do Direito Penal desde então. Por quê?! Porque do
contrário, você vai ficar preso a uma leitura que tem uma marca temporal lá da virada do Séc.
XVIII para o Séc. XIX e não vai compreender o que aconteceu nesse ínterim. E aí, com certeza,
você vai ter problemas de compreensão do Direito Penal.

Assim, segundo Quintero Olivares – professor espanhol bastante conhecido e hoje


em dia estuda a temática da política criminal, do Direito Penal, da ideologia em outros tempos
etc. – o operador do Direito pode ocultar sua ideologia nos mais variados ramos do Direito,
porém, em Direito Penal, esta ideologia transparece em cada manifestação. Bom, tanto quanto
possível, eu vou citar algumas de coisas de autores para que sirvam para vocês de material para
tornar “chique” as respostas de vocês nas provas.

ILUSTRAÇÃO

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Afetação de bens
jurídicos coletivos
(meio
FURTO E ROUBO FUNCIONALISMO
ambiente/consu-
midor/mercado TELEOLÓGICO
DELITOS
CENTRAIS de capitais/siste- (ROXIN)
ma financeiro/or-
dem tributária)

DIREITO PENAL ANOS 70


FINAL SÉC. XIX
CLÁSSICO
SÉC. XX
SÉC. XIX

SOCIEDADE EM EXPANSÃO DO
RISCO DIREITO PENAL

ESTADO SOCIAL

Leis alemãs para


ESTADO LIBERAL enfrentamento da
criminalidade
econômica

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Continuação da ilustração...

FUNCIONALISMO
SISTÊMICO
(JAKOBS)

1985 Séc. XXI

SOCIEDADE PÓS-
INDUSTRIAL DE
SEQUELAS

Nessa régua que coloquei acima, nós temos uma evolução do Direito Penal desde o
que ficou conhecido como Direito Penal Clássico à expansão do direito penal. Desenvolveremos
também os seguintes assuntos: seletividade; correlação coma a sociedade e com o Estado;
administrativização do direito penal; espiritualização de bens jurídicos; discurso de resistência;
direito de intervenção; modelo de direito penal dual.

Vocês vão ter aula de Direito Constitucional e vão ver que o mantra iluminista da
Revolução Francesa representa uma ruptura com o antigo regime. Ou seja, ali são lançadas as
bases da compreensão do estado de direito moderno com uma contensão do poder do Estado
em prol da vontade da coletividade, leia-se, a vontade do coletivo passa a ser o fator de
organização do grupo social e não a vontade de um soberano que seria pregressamente um
emissário da vontade de Deus.

Na Revolução Francesa, a gente sabe, historicamente, que houve uma classe

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política que foi alçada à condição de classe política dominante. Que classe política foi essa? A
burguesia. Se a burguesia vira a classe política dominante, soa intuitivo que ela vai organizar,
vai institucionalizar, o Estado da forma que melhor lhe facilite as atividades. Não por outra
razão, deriva da Revolução Francesa todo o processo de codificação empreendido por
Napoleão. Por quê?! Porque ao se escriturar toda essa codificação e regular de maneira muito
forte os contratos, você viabiliza negócios, você viabiliza comércio.

Então, não é à toa que Schünemanh, um dos principais autores alemães de hoje, diz
o seguinte: aquele direito penal que surge logo após a Revolução Francesa foi um dos ideais
iluministas... De onde vem esses princípios que a gente conhece como legalidade,
proporcionalidade, responsabilidade subjetiva e tudo mais?! Esse Direito Penal é marcado por
um foco em dois tipos de crime: roubo e furto.

Por que o roubo e o furto são delitos centrais desse Direito Penal?! Por uma razão
muito simples: eles tutelam o patrimônio e a burguesia precisava ter algum tipo de tutela no
seu patrimônio para poder viabilizar a troca, o comércio, as suas atividades precípuas.

Pois bem, esse modelo de Direito Penal começa a ser criticado desde lá detrás sob a
afirmação de que ele é um Direito Penal seletivo, porque se ele protege a propriedade,
tecnicamente quem agride a propriedade são as pessoas das classes mais baixas. Como
consequência, você começa a construir um modelo de Direito Penal que tem por foco bens
jurídicos individuais, leia-se, “eu protejo interesses individuais e não estou preocupado com
interesses que não tenha esse tipo de aspecto”, e a ideia de um Direito Penal é baseada na
ideia da violação de direitos subjetivos.

Observação: O Direito Penal surgido neste contexto também chamado de Direito


Penal Clássico é um Direito Penal que rompe com o paradigma do antigo regime propondo
uma racionalização do Direito Penal pela incorporação de uma série de princípios que tornam
o homem o centro do ordenamento jurídico penal. Contudo, segundo Schünemanh, este
modelo de Direito Penal tem no furto e no roubou seus maiores expoentes demarcando que a
tutela penal se volta para bens jurídicos individuais, exclusivamente.

Quando vocês forem estudar com o Professor Ricardo Martins os crimes contra a
fé-pública, vocês vão ouvir falar da questão da tutela da fé-pública num primeiro momento
dentro do estelionato. Por quê?! Porque a posição que prevaleceu durante muito tempo no
Direito Pena foi no sentido de que não era necessário punir de maneira autônoma esses delitos

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relacionados à falsificação de papéis, documentos, sinais etc. E isso só tinha interesse quando
causava lesões a terceiros, leia-se, quando estivesse inserido num contexto de uma fraude, de
um estelionato.

O Karl Binding, que vocês ouvirão falarmos aqui, é o autor que vai trazer a ideia de
que vai caber ao juiz combinar duas normas diferentes para produzir uma terceira. É a chamada
“lex tertia” ou combinação de leis. Enfim, Karl Binding chegava a dizer que a fé-pública é um
bem jurídico artificial, não tem existência factual, e por isso não pode ser atingida pelo Direito
Penal. Porém, com o passar do tempo, a fé-pública passou a ser admitida como bem jurídico
que tem a coletividade como interessada por trás.

Então, temos um Direito Penal que começa a se racionalizar, que vai incorporar uma
série de princípios, que ganha a terminologia de “Direito Penal Clássico”, mas que cujo foco
está basicamente no roubo e no furto, e em bens jurídicos individuais. Ou seja, você discutir,
por exemplo, tutela de meio-ambiente neste contexto é algo absolutamente fora de propósito.
Por quê?! Porque o Direito Penal não se presta para este tipo de situação, visto que ele tutela
bens jurídicos estritamente individuais.

Observação: Em fins do Séc. XIX, o modelo de Estado Liberal passa a ser


questionado fazendo surgir o denominado Estado Social, que intervém positivamente em
determinados espaços sociais.

O Daniel Sarnento tem um texto bastante interessante no qual ele vai mencionar
uma característica desse Estado Liberal que surge logo após o Iluminismo, na Revolução
Francesa, onde ele denomina este tipo de estado de Estado Absenteísta, ou seja, é um estado
que eles apenas chamam de Estado. Em Direito Penal, usa-se a expressão “estado-vigia”. O
Estado só fica vigiando para que ninguém perturbe o direito do outro; se perturbar, o Estado
pune, mas no geral ele deixa as coisas acontecerem. Então, o Estado não toca a mão em nada,
não intervém em nada, enfim, é a ideia que vem da própria Revolução Francesa, mas permeada
por uma concepção do liberalismo econômico do Ocidente que vai ser muito forte com uma
ideia que vai culminar pela Revolução Industrial e vai acabar conduzindo ao capitalismo que nós
conhecemos hoje.

Então, o que nós temos que entender?! Você tem que entender que o modelo de
Direito Penal que temos corresponde ao modelo de Estado. Não adianta você falar assim: “Nós
vivemos num estado democrático de direito!”. Ok, sem problemas em vivermos num estado

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democrático de direito, porém, nós temos que saber que tipo de estado democrático de direito
é esse e o que ele se propõe a fazer para eu saber o que eu posso tutelar, para eu saber até
onde eu posso ir.

Quando você ouve falar em “paternalismo jurídico penal”, o que a pessoa está
querendo discutir é o seguinte: O Estado não tem que se meter nisso! Exemplos disso: O
marido bateu na mulher, então, vai o STF e diz que não cabe à mulher renunciar à persecução
penal porque o Estado tem que proteger a mulher diante desse tipo de violência. Então,
quando você ouve falar em “paternalismo jurídico penal”, vocês estão vendo uma crítica a essa
intervenção do Estado para querer dar tudo para o sujeito, para querer proteger o sujeito de
certas coisas. Imagine que você tenha um namorado e ele diz para você o seguinte: “Amor, eu
pensei em ser compositor de escola de samba e eu quero que você corte o meu braço para eu
virar um intérprete com um braço só. Você corta o meu braço?”. E aí, o Estado, nessa
percepção desses autores, se mete nisso dizendo que você não pode cortar o braço dele
porque isso é mutilatório. Na visão desse pessoal, o Estado não tem que se meter nisso, pois a
disposição do corpo é da própria pessoa.

Então, eles chamam isso de “paternalismo jurídico penal”, uma forma crítica de
você ver o Estado intervindo na matéria penal. É meio que uma tentativa de você voltar ao que
era esse Direito Penal anteriormente, ou seja, o Estado não se mete na coisa, ele deixa as coisas
acontecerem, e só em casos extremos ele vai, obviamente, fazer a sua intervenção.

Pois bem, o Estado Social que surge no final do Séc. XIX, virada do Séc. XX, é um
estado que começa a topar a fazer certas intervenções como, por exemplo, na relação de
trabalho, no meio-ambiente, na previdência social, na regulação de condutas em geral no
comércio, então, é um estado que vai começar a intervir.

E este estado que começa a intervir nestes campos que antes não interessavam
abre espaço também para intervenção de natureza penal, leia-se, ao longo do Séc. XX, cunha-se
a ideia de que surge para nós uma sociedade de risco, onde as mais variadas atividades
embutem algum tipo de risco. E esse tipo de sociedade na qual o risco é uma marca
característica – dirigir veículo motor envolve risco, voar de avião envolve risco, produzir
remédio envolve risco – vai ter que usar de um Direito Penal diferente, um Direito Penal que
tenta controlar o risco.

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Observação: O surgimento do Estado Social abre espaço para intervenção penal


também sobre novos campos relacionados a interesses coletivos. Ulrichbech denomina a
sociedade do Séc. XX como sociedade de risco, na qual a nota característica das mais variadas
atividades é a criação de risco para os interesses do Estado Social (meio-ambiente, segurança
viária, ordem econômica, ordem tributária, consumidor etc.). Ou seja, todas essas tutelas que
vão além da proteção de um sujeito determinado e se relacionam muito mais a contextos da
nossa sociedade do que propriamente a interesses individualmente considerados.

Por exemplo, o cara que traz anabolizantes de cavalo do fora do Brasil para vender
aqui para as academias, no momento em que ele está trazendo, ele está fazendo mal para
alguém?! Não! Mas a mera circulação disso sem a autorização da ANVISA já caracteriza o delito.
A mera circulação da droga sem autorização já caracteriza o delito; a mera circulação da arma
sem autorização já caracteriza o delito; a direção estando embriagado já vai caracterizar o
delito. Por quê?! Porque são contextos hoje que transcendem uma pessoa individualmente
considerada.

Nós vamos ver mais adiante que essas tutelas penais se dirigem, em última análise,
a proteger um homem concreto, mas naquele momento em que o legislador criminaliza, ele
não quer proteger nenhum homem em concreto. Então, se vocês se depararem com o seguinte
argumento: O cara foi ao mercado e comprou um produto estragado. Ele vai à delegacia e
registra o BO. O empresário eventualmente é denunciado e ele alega o seguinte: “Olha,
realmente o produto está estragado, não tem como negar, mas eu gostaria de pedir a perícia
nele para ver se ele faria mal”. E aí, a perícia diz que não faria mal porque apesar de estar fora
da data de validade, ele não seria ainda capaz de causar mal algum. O iogurte, por exemplo,
tem uma janela de sete dias depois do prazo de validade. Você pode consumir e ele não fará
mal. Por quê?! Porque é uma janela de segurança que a indústria adota.

Então, se você fizer uma perícia para ver se está estragado, se vai fazer mal para
aquela pessoa que comprou, o resultado vai ser negativo. Só que a tua percepção do que
legislador criminal vê não é essa de fazer mal para uma pessoa, mas sim de não poder vender
fora do prazo de validade, porque é isso que ele quer preservar. Ele quer manter uma forma de
funcionamento da sociedade na qual as pessoas possam atentar para aquela data de validade e
comprar com segurança o produto. Então, não se está preocupado com a saúde individual da
pessoa A, B ou C, mas se está preocupado com o respeito às regras das relações de consumo.
Esse é um bem jurídico que transcende o interesse individual.

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Pois bem, então, o Direito Penal começa a tutelar esse tipo de bem jurídico. E ao
tutelar esse tipo de bem jurídico, a doutrina – autores como Silva Sanches entre outros –
começa a falar que está havendo um processo de expansão do Direito Penal, o que seria
equivocado. O Direito Penal começa a querer criminalizar condutas que estão fora da sua
órbita, visto que sua órbita é sempre o bem jurídico individual. Ou seja, começa a surgir uma
crítica ao Direito Penal que usa de uma expressão que vocês vão ouvir falar de forma
recorrente que é a “administrativização do Direito Penal” ou “espiritualização de bem jurídico”.
As duas expressões querem dizer a mesma coisa, ou seja, querem dizer que ao invés de eu
olhar para o homem concreto, pessoa concreta, eu vou, na verdade, olhar para o contexto.
Então, ele diz que o Direito Penal começa a abandonar o homem como referencial e passa a
usar contextos normativos para tutelar.

Então, eu não estou preocupado se você vai matar alguém num acidente de
trânsito, eu estou preocupado com que você não dirija embriagada. Eu quero a segurança
viária, não quero proteger a vida da pessoa A, B, ou C. E aí, começaram a criticar esse Direito
Penal.

Essa expressão “espiritualização de bem jurídico” vai justamente dizer isso, ou seja,
ao invés de você ter um bem jurídico relacionado à vida, esse bem jurídico sai e vira uma coisa
abstrata no entorno dela como se fosse um espírito que eu quero proteger a pretexto de evitar
que ocorram mortes. Isso é uma forma de você criticar. A expressão “administrativização do
Direito Penal” é porque começa a se afirmar que o Direito Penal começa a ficar com cara de
Direito Administrativo. Exemplo: direção sem habilitação. É um crime do CTB, ou seja, dirigir
sem habilitação gera um possível crime de dano contra bem de terceiro. Ora, não tem em
nenhum momento a pessoa que foi afetada, mas o que se tem, na verdade, é uma situação de
perigo quando a pessoa está dirigindo sem habilitação. Então, isso fica, para esses autores que
criticam, muito mais com uma mera desobediência à proibição de dirigir quando você não está
habilitado do que propriamente a afetar uma pessoa concretamente considerada.

Observação: Esse processo de expansão do Direito Penal passa a ser criticado por
autores como Silva Sanchez que veem nele um risco de ampliação excessiva do Direito Penal.
Para alguns autores começa a ocorrer o fenômeno de “administrativização do Direito Penal”
e de “espiritualização de bens jurídicos” que deixam de se referir a uma pessoa concreta para
se referir a contextos que são objeto de tutela.

Bem, então, vai expandindo o Direito Penal como corolário do modelo de Estado

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que vivemos. Só para vocês terem uma ideia de como isso muda, durante o Brasil-Colônia, toda
a percepção que se tinha em torno de tributos era de que tributos eram cobrados para
satisfação de uma Corte, de uma nobreza, de uma casta. Por isso, você vai encontrar na história
do Brasil uma série de situações de revolta, como acontece em Minas, que se sobrepunham a
um contexto onde todas as vezes em que a Corte precisava de dinheiro, aumentava-se a
cobrança de tributos, naquilo que em alguns casos era conhecido como a “derrama”.

Então, com o passar do tempo e o surgimento do Estado Social, essa compreensão


em relação aos tributos muda. Na Europa, a compreensão que vigora em relação aos tributos é
de que os tributos são um meio pelo qual o Estado Social consegue realizar as atividades a que
se propõe. De todo modo, o Estado que vivemos hoje, segundo Anabela Miranda, autora
portuguesa, é um Estado Social Fiscal, porque é um Estado que se propõe a fazer muita coisa,
porém ele depende de arrecadar tributos para que ele possa fazer frente a isso. Se ele não
arrecada, ele não tem condições de fazer esse tipo de coisa. É uma mudança de compreensão
em relação a mesma situação fática, ou seja, a arrecadação de tributos.

Pois bem, então, vejam, o processo natural do Direito Penal é a expansão da


legislação, de uma adaptação do Direito Penal a nossa sociedade. Veja, nós tivemos aquela Lei
Carolina Dieckmann que criminalizou o cara que entra no computador e retira dados da pessoa
burlando dispositivos de segurança, senha ou o que quer que seja... Há 30, 40 anos atrás, nós
não pensávamos nisso, então, é natural que o Direito Penal vá se expandido. Por quê?! Porque
ele vai se adaptar àquelas novas realidades que lhe são colocadas.

Vejam, por exemplo, os problemas que a tecnologia nos propicia. Você pega um
cara que coloca uma postagem na internet xingando uma pessoa. Isso é um crime instantâneo
ou é um crime permanente? A postagem fica lá... A qualquer momento em que alguém abre
aquela página, vai ver aquela postagem que foi feita há 3, 4 ou 5 meses atrás. Tem gente que
acha que essas postagens na rede social deveriam ser interpretadas como crime permanente.
Então, vejam como que a tecnologia suscita problemas para nós. E o Direito Penal, muitas das
vezes, tem que acolher essas situações novas.

Então, o que nós temos que compreender é que existem realidades novas que
passam a ser do interesse daquele modo próprio de ser daquela sociedade e que,
eventualmente, justificam a criminalização. Nós vamos ter condutas que não merecem
criminalização, talvez se resolvam bem em torno do Cível. Mas quem decide é o Congresso
Nacional. Agora, o fato de a expansão se destinar a esse campo não torna ilegítima a expansão

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do Direito Penal, e esse é um processo natural do Direito Penal. Então, o Direito Penal vai
continuar se expandindo, porém, ele vai se tornar cada vez mais leve na medida em que o
tempo vai passando, ou seja, ele vai tender a usar outras penas que não a privativa de
liberdade.

Pois bem, em paralelo com essa expansão do Direito Penal começam a surgir as
novas dogmáticas penais: funcionalismo tanto teleológico do Roxin quanto sistêmico do Jakobs,
que não se confundem com essa questão da expansão do Direito Penal. Então, o processo de
expansão é um processo que continua em curso, que continua suscitando críticas de parte da
doutrina. E aí, neste contexto dessa crítica, vocês vão ver surgir um modelo de Direito Penal
dual, direito de intervenção e a crítica da crítica ao Direito Penal.

Observação: Hassemer em sua escola de Frankfurt passou a desenvolver as ideias


em torno do que ficou conhecido como discurso de resistência, um conjunto de ideias que se
opunha ao processo de expansão do Direito Penal, que teve como marco na década de 70 as
duas leias alemãs para enfrentamento da criminalidade econômica. Para Hassemer,
determinados comportamentos deveriam ser resolvidos por meio do chamado “direito de
intervenção”, um misto entre Direito Administrativo e Direito Penal com aplicação de sanções
de natureza administrativa.

O Hassemer criticava esse processo de expansão do Direito Penal. Ele dizia que o
Direito Penal estava indo para setores onde não deveria estar, que isso deveria ser resolvido,
como regra, pelo Direito Administrativo. Para crimes ambientais, na visão dele, deveria ser
resolvido com sanções administrativas como interdição do estabelecimento, multa
administrativa e outras coisas, mas não com o Direito Penal. Na visão dele, a solução era você
adotar o que ele chamava de “direito de intervenção”, que era um misto do Direito Penal com
o Direito Administrativo, ou seja, seria uma sanção aplicada pelo juiz criminal, mas que não
teria conteúdo propriamente dito do Direito Penal.

Isso, obviamente, suscita críticas na Europa sob o argumento de que na hora em


que o Direito Penal alcança a maturidade e começa a atingir comportamentos tanto das classes
mais baixas quanto das classes mais altas, você arruma uma forma de não dar resposta ao
comportamento das classes mais altas. Para vocês terem uma ideia, a proposta do Hassemer
era se um funcionário público recebesse uma propina, ele deveria, hipoteticamente, devolver a
propina e ser advertido. Cria uma coisa interessante: Entregou a propina, então, primeiro o
funcionário devolve e depois ele é advertido: “Não faz mais isso!”. Então, acaba estimulando o

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funcionário a cometer o crime, pois se ele não for pego, fica tudo bem; e se ele for pego, ele
devolve a propina e será apenas advertido, e tudo fica bem de novo.

Observação: Para Silva Sanchez, dever-se-ia adotar o modelo de Direito Penal


dual, segundo o qual a pena privativa de liberdade ficaria restrita a crimes violentos e para os
demais crimes se aplicariam penas restritivas de direito.

Percebam, então, o seguinte: Dentro deste contexto, todo crime que não incutisse
violência ou grave ameaça como estelionatos em geral, fraudes em geral e das mais variadas,
tudo isso caberia algum tipo de adoção de pena restritiva de direitos.

Observação: Em que pese tais posicionamentos, prevalece na doutrina o


entendimento de que a sanção penal é uma questão de decisão político-criminal, e que
embora desejável que se evite a pena privativa de liberdade, não há uma vedação
apriorística a ela para quaisquer classes de crimes.

Ou seja, sejam crimes violentos ou não, tecnicamente quem vai decidir o tipo de
pena que vai ser adequado a determinado fato vai ser o legislador. Na prática, apesar da crítica
ao processo de codificação, o processo de codificação continua a acontecer. Nós temos crimes
hoje que são absolutamente diferentes daqueles que existiam no Direito Penal Clássico, e
pensar em devolver o Direito Penal a esse Direito Penal Clássico é para nós, no mínimo, querer
manter o Direito Penal que é seletivo, que atinge o pobre de maneira diferente, que atinge as
classes mais altas.

Pergunto a vocês: Será que um desastre como o de Mariana e de Brumadinho não


são merecedores de sanção penal?! “Ah, mas os caras não tinham propriamente a intenção de
matar”. Não tem a menor dúvida de que as mortes ali são culposas, mas admitir que a empresa
vai funcionar pouco se lixando para as pessoas é algo bastante extremo. Mas, eu te pergunto:
Ainda que a morte seja culposa, será que ela não é merecedora de sanção penal como pena
privativa de liberdade para inibir o comportamento? Então, ou seja, é nessa medida que a
gente costuma olhar enquanto MP com uma perspectiva bastante crítica. Essa ideia de que
crime não violento não merece pena privativa de liberdade cai como uma luva para crimes
dolosos do colarinho branco. É uma bênção porque os crimes deles nunca são violentos.

Para quem conhece a história do ordenamento jurídico brasileiro... Vocês vão ver
em livros aí como o do Bittencourt tratando da falência da pena de prisão. Ok, eu não tenho a
menor dúvida. Se um cara que é pobre fica preso e você pretende com isso tentar fazer com

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que ele mude, com que ele compreenda os valores da sociedade etc., até vá lá... Agora, como é
que você prende um cara que é extremamente bem posicionado na sociedade, um ex-
governador, por exemplo?! Como é que você vai dizer que esse cara não compreende como é
que a sociedade funciona?! Como é que você vai dizer que quer mudar o modo como ele se
integra?! Na verdade, é muito mais difícil isso... A pena assume um caráter de retribuição
mesmo. Para quê?! Para mudar comportamentos daqueles que num futuro podem
eventualmente ser tentados a fazer a mesma coisa.

Então, isso dá para nós um caráter multifacetário da pena. A pena não vai se
legitimar única e exclusivamente por ser retribuição, mas não vai também sempre alcançar o
objetivo de ressocialização porque o cara está muito bem ressocializado. Então, esse viés crítico
vocês têm que ter enquanto membros do MP na hora de abordar essa questão.

Depois, eu vou mandar alguns textos complementares para vocês, em especial um


do Gracia Martín, no qual ele critica esse discurso e ataca a expansão do Direito Penal. Ele vai
explicar porque que o Direito Penal tem que se expandir mesmo, tem que se adaptar à
sociedade em que vivemos, e que não dá para acreditar que os crimes que nós tínhamos lá no
Séc. XVIII são os mesmos que devemos ter nos dias atuais. Óbvio, furto, roubo, homicídio,
crimes contra a honra, sempre permanecerão sendo delitos do nosso ordenamento jurídico. O
que vai mudar com o passar do tempo são percepções outras, de que podem existir outras
condutas que também são merecedoras de um sancionamento na esfera penal.

Você pode até se perguntar se o Direito Administrativo não cuidaria melhor disso,
mas isso não toca a gente enquanto membro do MP. Nós seguimos aquilo que foi a opção
político-criminal do legislador. Se não for uma opção absurda em termos de
constitucionalidade, se houve uma mínimo de possibilidade de você interpretar aquela
disposição e fazê-la compatível com a CF, eu não tenho que sair por aí dizendo que é tudo
inconstitucional ou não. Eu tenho que entender que a evolução do Direito Penal necessita
desse tipo de compreensão diferenciada.

Então, entendam o seguinte: Cada um de nós vai ter a sua visão de mundo, cada um
de nós vai ter a sua leitura dos fatos. Você vai olhar para o mesmo fato que outra pessoa e
talvez vai chegar a uma conclusão diferente. Porém, nós, enquanto operadores do Direito,
enquanto profissionais do Direito, somos escravos de uma opção político-criminal do legislador.
É o legislador quem decide o modo como esse Direito Penal vai se resolver.

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Por que eu estou falando isso?! Você acha que manter casa de prostituição deve ser
crime? Vejam o seguinte: Uma aluna minha, num outro concurso para MP, na prova oral, foi
perguntada pelo Marcelo Lessa o seguinte: Casa de swing deveria ser considerada casa de
prostituição? Na época, a descrição do tipo penal era “manter lugar para encontros libidinosos
haja ou não mediação do proprietário, haja ou não intenção de lucro”. Veja, eu pedi para você,
obviamente, uma percepção enquanto intérprete do Direito com relação a essa questão. Hoje,
o tipo penal é bem mais restrito e ele fala agora em “exploração sexual”, mas na época do Dr.
Marcelo Lessa, essa questão de prova era mais difícil, porque o tipo penal não falava em
exploração sexual, ele falava em um lugar com destinado à prostituição ou encontros para fins
libidinosos. Encontro para fins libidinosos pode ser encontro para uma atividade de swing.

Pois bem, se você for atrás do que levou à criminalização da casa de prostituição,
você vai entender que o escopo do legislador ao criminalizar isso era punir aquele sujeito que
cria um lugar que favorece a prostituição. Nelson Hungria dizia assim: “Prostituição é um mal
inevitável e necessário”. Ele queria dizer que a prostituição era uma válvula de escape social
para evitar que estupros acontecessem. Ele fala isso no aspecto de que qualquer sociedade que
você for, você vai encontrar isso. Você não tem como negar que a prostituição continua
existindo.

O Nelson Hungria ao colocar isso, ele diz o seguinte: “Existem no Código diversos
delitos que se relacionam com o favorecimento da prostituição. O legislador não pune a
prostituição em si, mas ele pune tudo que favorece a existência da prostituição”. Então, você
vai pegar o Código e vai ver que lá tem crime de mediação para satisfação da lascívia de
terceiro, induzir a prostituição, manter casa de prostituição, rufianismo, tudo isso são coisas
que favorecem a existência da prostituição.

Então, o legislador faz o seguinte: “A pessoa quer ser prostituta?! Ok, não vou
incriminar, porém, qualquer um que favoreça a ocorrência disso eu criminalizo”. E aí, quando
você pensa nesse sentido e olha para aquela redação que citei (manter casa para fins
libidinosos), se esse lugar é só para a prática de swing mesmo, será que isso tem sentido de
favorecer a prostituição?! Ou é um lugar que tenta, na verdade, propiciar que pessoas exerçam
sua liberdade sexual da forma que quiserem?! Então, você conseguiria entender o sentido do
tipo e ver que aquilo ali não é, obviamente, o que deve ser incriminado dentro do tipo penal da
casa de prostituição. Mas, de qualquer forma, não há mais dúvidas porque a redação foi
alterada, logo, não há problema, pois fala só em exploração sexual.

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3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

Segundo Luiz Flávio Gomes, por princípios constitucionais penais devemos


entender o conjunto de princípios do Direito Penal que formaram ao longo do tempo um
corpo de garantias do indivíduo frente ao arbítrio estatal. Segundo o autor, tais princípios
elevados ao patamar constitucional passam a conformar toda a legislação e também a
atuação do sistema criminal.

Percebam que esse conjunto de princípios do Direito Penal – são princípios do


Direito Penal mesmo, só que quando eles ganham status constitucional passam a ser princípios
de índole constitucional, tais como moralidade, culpabilidade, proporcionalidade, para alguns,
intervenção mínima, extraída implicitamente da CF, dentre outros – está situado, seu
surgimento, naquele contexto de uma reação ao antigo regime.

Então, no antigo regime a punição era decorrente da vontade do soberano. Não por
outra razão, alguns dos crimes que tivemos até pouco tempo na legislação guardavam uma
identidade muito profunda com aquilo que a igreja tratava como heresia. Por exemplo, o
adultério... Por que nós tivemos até o começo deste século o crime de adultério?! Qual é a
razão para haver um crime de adultério no nosso ordenamento jurídico?! Muito simples, fruto
de uma influência da Igreja Católica, os chamados delitos da carne, que fazia com que a relação
sexual tivesse somente a finalidade de procriação. E onde é que deveria acontecer a
procriação? No casamento. Logo, quem mantivesse relações sexuais fora do casamento era não
só autor de uma heresia frente à Igreja como também um criminoso frente ao Estado. Isso tudo
foi fruto de um período em que o Estado se confundia com a própria Igreja.

Pois bem, esse momento de virada, de uma racionalização do Direito Penal tenta
ser uma nova postura, um novo posicionamento do homem frente à punição e frente à tutela
de determinados interesses. Dito de outro modo, nós não vamos mais olhar a punição como
resultado da vontade de um soberano, como o exercício da vontade de um deus hipotético.
Não, nós vamos olhar para a punição agora como fruto de uma deliberação de ordem coletiva
sobre um modo de ser daquela coletividade.

Então, ou seja, na base de todos os princípios constitucionais penas ou dos

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princípios do Direito Penal está o Princípio da Legalidade. Por quê?! Porque dele se extrai a
seguinte ideia: Se a lei do povo é que diz o que é proibido e o que é permitido, como ela é uma
lei que deriva da vontade do povo, o povo tem plena aptidão para saber o que é proibido e
permitido. Esse é o pressuposto fundamental do Direito Penal num estado de direito, leia-se, o
cidadão saber o que é incriminado, e isso só pode ser feito pelo P. da Legalidade.

Então, tecnicamente, o P. da Legalidade é o primeiro dos princípios que vai aparecer


nesse contexto para poder estabelecer para nós o que é e o que não é Direito Penal. E como
nós partimos do pressuposto de conhecimento presumido da lei, então, significa dizer que se
está criminalizado o estupro é intuitivo que a pessoa, qualquer pessoa, tenha capacidade de
compreender que o estupro é de fato um comportamento proibido. “Ah, professor, a pessoa
não pode alegar que desconhece a lei?”. Não, porque quem fez a lei foi a vontade da
coletividade. O que vai para a lei é exatamente o que aquela coletividade aceita como sendo
incriminado. Então, na base de tudo vai aparecer esse P. da Legalidade a partir do qual
aparecerão alguns desdobramentos.

Agora, percebam o seguinte: Muitos de vocês vão sofrer uma forte influência de um
tipo de pensamento que é muito, mas muito mesmo, dominante na academia brasileira, que é
o tal do “pensamento garantista”. A pretexto de um suposto pensamento garantista, há por
trás uma linha de pensamento que é conhecida como criminologia crítica. O Professor Ricardo
Martins gosta de fazer uma brincadeira dizendo que esse pessoal da criminologia crítica saiu de
um Woodstock lá dos anos 60, mas veio a pé, e chegaram aqui agora, e em pleno Séc. XXI
continuam com as mesmas ideias.

Qual é o discurso desses partidários da criminologia crítica? “Professor, por que


você está falando sobre isso se vamos estudar o P. da Legalidade?”. Porque isso vai dizer qual é
o conteúdo do P. da Legalidade. Vai dizer até onde eu posso esticar a lei para interpretar um
tipo penal ou se eu devo contê-la no mínimo possível daquilo ali. Isso diz respeito a uma
postura frente ao ordenamento jurídico penal.

Então, atenção, Alessandro Baratta era um dos autores que criticava muito
fortemente o caráter seletivo do Direito Penal. Nós, enquanto membros do MP, temos que ter
um viés crítico de perceber que realmente a gente tem um número grande de pessoas
encarceradas. Até aí, ok! A segunda pergunta que devemos fazer é a seguinte: Mas está certo
ou está errado encarcerar aquelas pessoas? E aí, depende do juízo de valor que você faz sobre
o ato praticado e se não é consistente essa opção. Se a gente quer resolver o problema da

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carceragem é fácil: revoga o CP, deixa sem CP por um mês e solta todo mundo; e depois a gente
volta para o CP para ver o que acontece. É muito simples fazer isso, mas algum lugar do mundo
fez isso?! Não!

Percebam o seguinte: A crítica do Alessandro Baratta tinha como pano de fundo


aquele Direito Penal Clássico lá de trás em que o roubo e o furto eram os delitos principais. Ora,
quem pratica roubo e furto é quem não tem propriedade, logo, é a classe mais baixa. Então, é
intuitivo que essa classe mais baixa fosse aparecer no cárcere já que o Direito Penal tinha como
delitos principais o roubo e o furto. Ocorre que à medida que o tempo vai passando e nós
vimos a expansão do Direito Penal, vão surgindo novos delitos que não especificamente
voltados para as classes mais baixas. Nós temos delitos que são voltados especificamente para
as classes que têm poder aquisitivo: sonegação fiscal, fraude no mercado, fraudes na
previdência social, a grande corrupção econômica e política, os crimes contra o consumidor.
Enfim, tudo isso vai pedindo um certo poder econômico da pessoa que possibilite a ela a
prática desses atos. Pois bem, mas nós continuamos encarcerando os pobres.

A posição do Baratta, então, começa a construir uma ideia que vai aparecer no
Juarez Silva Santos, no Nilo Batista, no Saulo de Carvalho, e numa boa parte dos autores
brasileiros que vivem falando no tal encarceramento em massa. Quando se fala nisso, pode
saber que o cara por trás disso está partindo de uma premissa de que a gente prende demais, e
quer deslegitimar a resposta penal que é dada.

O Alessandro Baratta criou um tipo de pensamento denominado criminologia crítica


que é uma leitura crítica ao que é o sistema penal. Na visão dele, esse sistema penal privilegia o
encarceramento do pobre. Ninguém tem dúvidas de que se você for até a carceragem, você vai
encontrar lá o pobre. Só que quando você pega o texto de Peter Albert, da Alemanha, você vai
ver que ele ao mostrar o percentual de presos, ele mostra que a grande maioria é de classes
mais baixas. Isso na Alemanha, que é um país muito mais evoluído do que o nosso. E por que
esse percentual é assim?! E aí, ele começa a discutir isso... Na verdade, isso vai depender do
tipo de crime que é praticado pelo pobre.

Se você for a uma Vara Criminal, a maior parte dos crimes são roubo, furto, tráfico e
um pouco de homicídio, se a vara tiver competência para homicídio. Isso deve dar 90% dos
crimes. Por quê?! Porque o pobre se oferece para o sistema. O crime do pobre dá flagrante o
tempo todo. Então, ou seja, o estelionato já pede investigação, uma corrupção mais ainda, uma
fraude de licitação tem que analisar um monte de contratos... Então, como é que você vai

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denunciar um cara, por exemplo, um prefeito de uma cidade que comprou cloro para piscina
para a escola municipal por três mil reais o litro do cloro? Isso demanda uma séria de
dificuldades de investigação para denunciar o prefeito que faz isso. Enfim, é muito mais difícil o
crime da classe mais alta. Então, isso sempre vai aparecer para nós porque o crime que o pobre
pratica é um crime mais simples, e ele se oferece por meio do flagrante. Assim,
estatisticamente, quem mais vai aparecer no cárcere é o pobre, pois o crime dele é um crime
mais fácil de ser punido e não depende sequer de uma investigação. E isso ocorre na Justiça
Estadual, na Justiça Federal e em qualquer instância. Esses outros delitos como corrupção,
lavagem de dinheiro, crimes não violentos, são evidentemente em número muito menor.

Pois bem, por que isso é importante para nós? Porque esses autores partem de
uma premissa de que o sistema escolhe ser seletivo, escolhe o pobre como alvo. E aí, quando
você parte dessa premissa de que o sistema escolhe quem vai ser criminoso, você deslegitima o
sistema e a pena se torna ilegítima. Não há razão para punir. Por quê? Porque se está punindo
por arbítrio. Quando, na verdade, é óbvio que existe o conveniente de você olhar para o
cárcere e ver que a classe muito mais representada ali é a classe pobre. E, na verdade,
Fernando Galvão diz isso, em qualquer lugar que você vá é utópico imaginar uma sociedade
sem o sistema punitivo que equivale ao que chamamos hoje de Direito Penal.

Então, todas as vezes que vocês forem olhar para a interpretação que vai ser dada,
vocês vão acabar esbarrando em percepções do Direito Penal que ora tomam essa linha, ora
tentam escapar disso. É muito forte essa leitura. Isso não quer dizer que quem pensa desse
modo esteja o tempo todo errado. Não! Cabe a nós compreender e de forma ponderada fazer
um filtro. Exemplo: Você acha que o STF pode criminalizar como racismo a homofobia? Na
verdade, o que a gente tem que analisar é a prática de um discurso de ódio contra
homossexuais dentro daquele contexto dos crimes de racismo. Ou você acha que isso viola o P.
da Legalidade? O que o STF tenta fazer é colocar dentro de uma compreensão de algo que é
limitado (raça) aquilo que é referente à opção sexual. Poderia se resolver isso numa série de
formas. E por mais que a gente tente trazer isso para o Direito Penal, com todas as vênias, não
dá para levar a esse ponto a opção sexual. Você pode colocar em qualquer outro delito
relacionado à honra, mas difícil você sem tergiversar em cima da legalidade admitir que você
faça essa extensão toda que o STF quer.

Vou dar para vocês um exemplo de como a legalidade pode funcionar: Algum
tempo atrás, o STJ estava discutindo se o desvio de valores por meio de internet banking
deveria ser tratado como estelionato ou como furto. Era um conflito de competências, ou seja,

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se você disse que era estelionato, o lugar do crime é onde se obtém a vantagem ilícita; e se
você disse que era furto, o lugar do crime é onde sai o dinheiro da conta. No meio da discussão,
um dos ministros pergunta o seguinte: Será que poderia ser considerado coisa alheia móvel o
elemento do furto? Um dado escritural de conta-corrente... No meio dos debates, acontece
cada coisa estapafúrdia... Um dos ministros sugere que se aguarde que o cara compre alguma
coisa para que a coisa alheia móvel apareça, ou seja, quando o cara estiver comprando uma TV,
naquele momento estaria se consumando o furto... Veja o absurdo! Até que um outro teve a
sagacidade de dizer o seguinte: Não, aquela disponibilidade daquele dado na conta-corrente
equivale a dinheiro, equivale a coisa móvel, e, por isso, é furto, e acabou se resolvendo dessa
forma.

Mas o que é isso? Isso é para você compreender que a moeda foi sal, foi gado, foi
ouro, foi papel-moeda e hoje é uma entidade abstrata que se desmaterializou, ou seja, um
dado escritural na conta-corrente. Então, você pode muito bem ter furto sobre isso. Essa é uma
interpretação progressiva do que nós denominamos coisa alheia móvel. E isso é perfeitamente
possível de se fazer quando a gente toca na questão da legalidade.

Os europeus, portugueses e espanhóis, fazem isso sem nenhuma dificuldade. Dizem


que a compreensão do que é legalidade não é necessariamente legalidade estrita, ou seja, a
coisa alheia móvel não tem que ser uma coisa que eu pego aqui e coloco ali, que seja tangível.
Não precisa disso! É perfeitamente possível que a doutrina, a própria jurisprudência, vá
caminhar no sentido daquilo que está no conteúdo da legalidade. Porém, você jamais pode
transpor o espírito daquilo que é a lei.

Então, quando a gente fala em P. da Legalidade, ele é evidentemente um limite


para que o homem saiba o que é e o que não é, para que eu saiba o que eu posso e o que eu
não posso. Se eu não compreendo que aquilo ali não está inserido e eu estiver punindo o
sujeito, eu evidentemente estou fazendo exatamente aquilo que se pretendia evitar, uma
responsabilidade penal objetiva.

Observação: O P. da Legalidade exprime a ideia central de que o home é um ser


racional e de que a punição não pode desconsiderar tal aspecto. A fórmula latina de
Feuerbach (nullum crimen, nulla poena sine lege) está associada à teoria da coação
psicológica segundo a qual a motivação do homem decorre da ameaça de sanção associada
ao comportamento proibido.

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Se a lei representa a vontade da coletividade, e na lei existe um comportamento


proibido e uma consequência para esse comportamento proibido, eu, enquanto homem
racional, sei da existência disso e sei da consequência. Com isso, eu seria motivado a não fazer
aquele comportamento para não ter que suportar as consequências. Então, essa é a ideia
matriz do P. da Legalidade, qual seja, se a conduta está ameaçada com sanção, e eu sei disso,
eu, obviamente, vou resistir a me sujeitar àquela sanção não praticando aquele
comportamento. Então, na ideia de P. da Legalidade aparece isso.

Pois bem, vamos, então, problematizar a questão. Vamos imaginar a seguinte


situação: Chega para você, promotor, o seguinte IP: O sujeito viajou para a Polônia e depois
regressou ao Brasil, e de lá da Polônia, ele posta via Correios uma substância denominada
“droga do estupro” (Ácido Gama Butil-lactona). Ele traz 1,5 litro via Correios, a PF apreendeu,
ouviu o cara e ele disse que a substância era para limpar microscópio do local onde ele fazia
mestrado – mentira estapafúrdia. Mandaram um ofício para a ANVISA para saber quantas
doses de GBL davam 1,5 de forma a atingir um homem de 70kg. A ANVISA disse que não sabia.
Daí, foi enviado um ofício para a embaixada americana e eles responderam que uma dose de
0,5ml de GBL conseguia dopar um homem adulto, logo, no 1,5 litro tinha bastante doses.
Assim, essa quantidade dava para enquadrar em tráfico. Só que ao receber uma resposta da
EuroJud, que é um órgão de cooperação europeu, disseram que essa droga era permitida na
Polônia. Resultado: Se é permitida lá e proibida aqui, eu não tenho tráfico internacional de
drogas. Então, a competência era do MP Estadual. Pois bem, o cara alegou no interrogatório
dele na PF que não sabia o que era o GBL, embora tenha comprado (ridículo!). Mas, enfim, ele
pode alegar que não sabe que aquilo ali era GBL?

Pois bem, todos sabem que droga é proibida. Sob o aspecto do P. da Legalidade,
minha pergunta aqui é a seguinte: Se o P. da Legalidade funciona como limite para incidência
penal, tudo que não esteja dentro da legalidade, por evidente eu não posso incriminar um
sujeito. A lista de drogas é feita pela ANVISA. O cara, então, pode alegar que não sabe que o
GBL está na lista de drogas e por isso ele não poderia responder pelo tráfico de drogas?! “Veja
só, eu não posso ser condenado por tráfico de drogas porque eu ignoro que aquela substância
é droga”. Nós estamos discutindo o P. da Legalidade. Ele está portando droga e alega que não
sabe que é droga. Esse tipo de alegação socorre o cara?! Não há dúvidas de que o GBL está no
rol da ANVISA. Mas, e aí, o cara não tem que saber?! Vamos piorar a situação: o cara não fala
nada e diz que só falará em juízo. E aí?! Eu quero chamar a atenção de vocês é para o seguinte:
Hoje existe uma série de tipos penais que tem seu complemento feito por ato administrativo.

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Não há dúvidas de que temos que conhecer a lei, mas conhecer os atos administrativos nós não
somos obrigados. E aí, a questão é saber: Será que socorre o sujeito a alegação de não saber
que era droga para tentar afastar a tipicidade?

Existe no art. 1º da Lei de Drogas uma definição de que droga é aquela substância
que altera o estado anímico da pessoa. Essa é a noção que eu exijo do cara. Ele tem que saber
que aquilo ali é algo que tem aptidão para alterar o estado anímico. Ele não precisa saber o
nome da droga. Estar no rol ou não serve para nós para poder criminalizar. Agora, para ele,
basta que passe pela compreensão dele, ainda que por dolo eventual, que aquilo ali altera o
estado anímico, provoca efeito alucinógeno, que é que é necessário para ser enquadrado como
droga.

Mas vejam o que eu quis mostrar para vocês: O fato de existir complementos que
não estão na lei gera para nós, no mínimo, uma dúvida quanto à questão da incriminação. Vou
mudar o exemplo agora para vocês verem como vai ficar mais problemático: Bolsonaro foi
processado e depois absolvido por estar pescando aqui em Angra dos Reis no período do
defeso, que é um período que é proibida a pesca. No mar não tem plaquinha dizendo que é
proibida a pesca por estar no período do defeso. Você tem uma norma que diz que é proibido
pescar. Um pescador sabe esses períodos, para o pescador esse tipo de conhecimento é
facilmente apreensível. Agora, e para o Bolsonaro, para o Fulano, para o Ciclano?! Será que eles
têm condição de saber que se está no período de defeso?! Se ele não for praticante contínuo
dessa atividade, vai ser difícil você dizer que o cara sabia. E foi isso que acabou levando o STF a
entender pela não ocorrência do delito.

Ou seja, o P. da Legalidade é um limitador de fato, mas sua compreensão muitas


das vezes vai transcender aquela norma legal específica. Ela vai buscar compreensão em
complementações que estão fora do próprio tipo penal, contudo, o que eu exijo do sujeito é
compreender apenas o tipo. Se ele compreendeu o tipo e sabe que o que está fazendo é
exatamente o objeto da proibição, posso imputar ele tranquilamente.

Observação: O P. da Legalidade exige do sujeito a exata compreensão do


comportamento proibido, o que pode se tornar problemático frente as normas penais em
branco, cujo complemento está em atos administrativos, pois o cidadão não é obrigado a
conhecer tais atos. A questão passa assim do que toca a imputação pela possibilidade de o
agente compreender a conduta proibida a partir da própria norma penal.

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Pois bem, esses casos de alegação de erro de tipo quanto à norma penal em branco
são muito frequentes. Em geral, passa-se batido na questão, mas são muito frequentes. E aí,
você vai depender dos casos concretos para examinar se a pessoa tinha capacidade ou não de
compreender.

Pois bem, vamos imaginar que uma colega nossa estava namorando o Jomar. Daí,
ela descobre que debaixo do sofá do Jomar tinha uma arma de fogo ilegal. Daí, ela vira para o
Jomar e diz o seguinte: Eu só continuo namorando você se você devolver isso agora na polícia.
Jomar pega a arma, coloca numa caixa e vai em direção à delegacia. No meio do caminho, a
polícia para Jomar e encontra a arma. Ele diz o seguinte: Eu estava procurando vocês para
devolver essa arma. Vai ser preso Jomar?! Vai. Pois bem, a pergunta do Roxin é a seguinte: Esse
comportamento está indo na direção do que o ordenamento jurídico fomenta (devolução de
arma) ou ele está indo na linha contrária ao que o ordenamento propõe (porte ilegal)? O cara
está com intenção de manter porte ilegal ou ele está com intenção de devolver a arma?! Ou
seja, diminuir o risco de armas que circulam sem o controle do Estado. O escopo dele é
devolver, diminuir risco.

Então, Roxin diz o seguinte: A relação desse homem com esse objeto não é no
sentido de confrontar a ordem jurídica, leia-se, manter um porte ilegal de arma de fogo, mas
sim de atender o que a legislação pede que é que as pessoas entreguem armas de fogo que são
ilegais. Então, numa visão dessa do Roxin, é um delito de posse cuja leitura dependeria desse
contexto para se chegar à conclusão de que se há ou não há tipo penal.

Um exemplo mais concreto: Aqui no TJ, um sujeito foi preso com um cartucho de
fuzil no bolso. O sujeito entrou, passou no detector de metais e viram que ele estava portando
um cartucho de fuzil. Pois bem, parado pela segurança do TJ, ele alegou que achou esse
cartucho de fuzil na comunidade em que mora, o pai de santo dele falou que era um amuleto
da sorte e ele tinha que ficar com ele o tempo todo e assim ele fazia. O cara não tinha
passagem, tinha trabalhando e andava dentro da lei. Resultado: pegou uma pena de 5 anos.

Agora, pense o seguinte: A relação dele com aquele objeto é uma relação típica da
questão de uso daquele cartucho de fuzil como cartucho de fuzil?! Ele é um cara que está
transportando cartucho de fuzil?! Não. Porém, esse tipo de compreensão é um tipo de
compreensão extremamente moderna do Direito Penal, justamente para limitar a incidência de
tipos penais que talvez possam levar a uma situação excessiva.

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Bem, vamos agora dar uma analisado no sistema abaixo:

ILUSTRAÇÃO:

TEORIA DA VALIDADE DA LEI PENAL NO TEMPO

L E G A L I D A D E

LEX PRAEVIA LEX SCRIPTA LEX SCRICTA LEX CERTA

Francisco de Assis Toledo foi o responsável pela reforma penal de 1984. Para quem
não sabe, a Parte Geral do CP foi reformada em 1984, e quem esteve à frente deste trabalho foi
Francisco de Assis Toledo, subprocurador da República e depois ministro do STJ. Em seu livro,
ele diz que o P. da Legalidade possui quatro aspectos: lex praevia, lex scripta, lex scricta e lex
certa. Hoje, na doutrina, autores como Juarez Silva dos Santos chamam esses quatro aspectos
como teoria da validade da lei penal no tempo. É basicamente a mesma coisa, só que prefiro a
terminologia do Francisco de Assis Toledo.

E por que eu prefiro a terminologia do Francisco de Assis Toledo ao dizer que são
aspectos do P. da Legalidade? Por uma razão muito simples: Se no que toca à lei prévia, eu
estou numa discussão de lei penal no tempo, com relação aos outros aspectos eu não estou
discutindo a lei penal no tempo, eu estou discutindo características que a lei penal deve

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apresentar para que possa verdadeiramente respeitar o P. da Legalidade.

De todo modo, se vocês se depararem com essa expressão “teoria da validade da lei
penal no tempo”, sem problemas, pois ela traduz pura e simplesmente que estes quatro
aspectos do P. da Legalidade devem ser observados.

A) Lex Praevia:

O Princípio da Legalidade pressupõe como dizia Assis Toledo, inicialmente, uma lei
prévia, isto é, anterior a conduta incriminada alcançando tal compreensão não apenas a
definição da conduta, mas os efeitos que dela decorrem.

Então, a lei tem que ser prévia à conduta, pois senão não tem como condenar.
Óbvio! Tomem apenas o seguinte cuidado: Houve um tempo, e aí é uma questão de
interpretação, que havia um tipo penal no ECA que era publicar na rede mundial de
computadores fotos, imagens, contendo relações sexuais de crianças e adolescentes. Então,
colocar esse tipo de material na rede mundial era crime. E aí, um cara postou um filme, ele não
postou uma imagem ou foto especificamente, e vai ao STJ alegando que não haveria tipicidade
para postar filme, só existia tipicidade para postar foto. E o STJ disse o seguinte: “Olha só, filme
nada mais é do que uma foto em movimento. Se o filme é uma foto em movimento, então, está
dentro do tipo penal isso daí que foi feito”. Posteriormente, entrou uma alteração que incluiu
expressamente a palavra “vídeo”.

Então, nós temos que tomar um cuidado para não achar que a incriminação do
vídeo só aconteceu naquele momento, porque, na verdade, o STJ já admitia desde antes a
leitura. Há algum problema nisso? Nenhum problema! Nós estamos interpretando, na verdade,
o que é o tipo penal de acordo com uma compreensão das coisas da vida. É o que a
jurisprudência europeia (Portugal, Alemanha e outros) faz sem nenhum problema, pois isso não
viola o Princípio da Legalidade.

O que você não pode, verdadeiramente, é criar algo que é absolutamente novo e
querer que isso atinja situações retroativas. Exemplo: Gabriela passou num concurso e daí vai
comprar uma Ranger Rover Evoque. Então, ela pergunta ao vendedor se o carro é econômico, e
ele responde que o veículo faz 20 km/litro. Daí, ela compra o carro. Lotada há 8 horas dali, ela

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reabastece o veículo cinco vezes durante a viagem, e percebe que foi enganada. Pois bem, a
mentira é uma forma de fraude? Dizer que o carro é econômico quando, na verdade, ele é
gastador, constitui uma fraude? Sim, a mentira é uma forma de fraude. O cara vai ganhar uma
comissão em razão daquele negócio que está sendo celebrado por conta do engodo, e ela, que
esperava ter um carro econômico ficou no prejuízo. Isso pode ser um estelionato? Os três
pilares do estelionato são fraude, vantagem e prejuízo. Pode ser estelionato? Veja que a
vantagem nasce a partir do expediente fraudulento. Mas pode ser considerado estelionato?

Eu uso esse exemplo para vocês compreenderem a diferença entre fraude civil e
fraude penal. Nelson Hungria escreveu um livro só sobre isso em 1917, e ele disse que existem
diversas teorias que tentam apartar a fraude civil da fraude penal. E ele vai dizer que a fraude é
uma só, pois a mentira que vale para o estelionato é a mesma que vai valer para a fraude civil. E
ele ainda diz que como não se consegue encontrar um critério único para definir qual é a
diferença entre uma fraude civil que se resolve comumente com responsabilidade civil e uma
fraude penal que se caracteriza como estelionato, ele conclui que o critério que lhe parece
menos inseguro é aquele segundo o qual haverá fraude penal quando numa investigação
retrospectiva você encontra a intenção apriorística de causar prejuízo a terceiro. Ou seja, a
intenção que subjaz ao negócio é de causar prejuízo. Isso é o estelionato! Se você não tiver isso,
mas tiver simplesmente uma supervalorização das qualidades do negócio, o que você tem é
uma fraude civil que se resolve com a responsabilidade civil.

Agora, se o legislador resolve dizer depois do tempo em que ela comprou que
aquele cara ao fazer aqui exerce um comportamento que equivale ao estelionato, eu jamais
posso fazer uma aplicação retroativa deste dispositivo. A gente vai ver mais a frente que é uma
discussão sobre lei penal interpretativa e se ela pode ser aplicada de maneira retroativa. Existe
uma controvérsia e não é tão simples assim. Frederico Marques achava que podia, e ele
argumentava que a anterioridade da lei penal é tipo penal. Se o tipo penal já existe, e o que
vem é só uma explicação sobre interpretação, você não está desrespeitando a anterioridade da
lei penal. Porém, a posição que prevalece é a do Nelson Hungria, ou seja, de que se veio uma lei
para explicar o que é, é sinal que não estava compreendido dentro daquele dispositivo.

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B) Lex Scripta:

O P. da Legalidade pressupõe lei escrita, o que afasta a possibilidade de o costume


servir de fonte imediata para a incriminação.

Pois bem, eu não posso dizer que um determinado comportamento, por ser
contrário à moral e aos bons costumes, passa a ser considerado como incriminado. Vamos
tomar como exemplo onde essa concessão de moral fica bem forte: ato obsceno. Imagine um
homem que coloca o pênis para fora na rua com o intuito de urinar. Ele comete ato obsceno ou
não?! Ainda que ele esteja atrás da árvore, isso é ato obsceno?! Não é ato obsceno! Agora, o
home que urina de frete para o carro de polícia quando estava passando é ato obsceno. Mas
atenção, Nelson Hungria dizia que em relação ao ato obsceno, durante o Carnaval no Rio de
Janeiro haveria um certo salvo-conduto para a imoralidade. Então, aquilo que em outra época
seria ato obsceno, no Carnaval não seria.

Então, ordinariamente, o P. da Legalidade pressupõe lei escrita, e você não pode


usar costume, porém, você pode usar o costume para complementar os tipos penais como
fizemos agora. Isso, a gente faz o tempo todo. A compreensão de determinados tipos penais
depende do que é o costume, seja o costume no sentido moral mesmo, seja o costume da
prática que é ordinariamente realizada numa determinada atividade.

Assim, é perfeitamente possível que o costume, embora não seja fonte primária de
incriminação, sirva para dar a compreensão correta do que é a interpretação de um
determinado caso concreto.

C) Lei Scricta:

Para Assis Toledo, somente a lei em sentido estrito teria o condão de permitir a
incidência de disposições penais. Neste sentido, seriam vedadas as medidas provisórias e
quaisquer outros instrumentos que não se traduzam na ideia da lex Populi, aquela elaborada

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pelos representantes do povo.

Existe no devido processo legislativo estabelecido pela CF uma forma de tramitação,


ou seja, os processos começam numa Casa, depois vai para a outra, e, por fim, retorna para a
Casa original caso tenha havido alteração. Nós temos uma discussão bastante interessante em
relação à alteração do CP, naquela parte que retirou a causa de aumento para armas que não
fossem armas de fogo no roubo. Enfim, nós temos uma alteração relativamente recente no art.
157 do CP que excluiu o primeiro inciso (inc. I) e incluiu um inciso específico para arma de fogo.
Ou seja, hoje você tem um aumento de pena para arma de fogo de 2/3, mas é uma coisa meio
estranha porque não faz diferença se é um revólver ou se é um fuzil. O aumento é de 2/3,
tabelado, enquanto que antes você tinha lá o emprego de arma como uma causa de aumento
no roubo, onde o juiz tinha uma margem para graduar. Ou seja, se o cara tivesse usado um
fuzil, ele poderia aumentar mais, e se tivesse usado uma faca, aumentava menos.

Pois bem, curiosamente, durante a tramitação, e essa foi a disposição que os MP´s
defenderam, surgiu uma alegação de que o Senado Federal ao fazer a alteração não incluiu na
redação final a revogação do §2º, I. Ele não foi revogado, e aí vai para a Câmara dos Deputados
e é revogado. E depois é remetido para entrar em vigor. O Presidente da República sanciona e
entra em vigor aparentemente revogando o §2º, I.

Isso gerou uma discussão se quando o cara emprega faca poderia haver um
aumento da pena por ter empregado uma faca. Por quê?! Porque tecnicamente, se você olha
para o CP, está revogado. O STJ, ao enfrentar isso, nem discutiu: revogou, não cabe mais
aumento para emprego de faca. É a posição das defensorias. Só que se você pegar a discussão
que foi travada no MP/SP e que virou recomendação para os promotores de SP, lá o Dr. Jean
Paul disse o seguinte: “Se não passou pelo Senado aquela discussão de revogar, não pode ser
considerado como revogado. É uma revogação indevida, inconstitucional”.

Pergunta do aluno: Mas a inconstitucionalidade não tem que ser declarada?

Resposta do professor: A gente tem que separar aqui duas situações. Para quem praticou o
fato antes dessa alteração da lei, roubou com faca estava denunciado no roubo com causa de
aumento de pena, mas daí vem essa lei e supostamente revoga. Percebam, se a lei é
inconstitucional, e qualquer juiz pode proclamar a inconstitucionalidade incidenter tantum, eu
poderia manter a aplicação, porque quando o cara realizou a conduta, o dispositivo estava lá,
então, se o dispositivo estava lá e ele não foi revogado apesar da tentativa de revogação que

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AULA 01 – DIREITO PENAL PARTE GERAL
DATA DA AULA: 23/03/2019
PROFESSOR JOSÉ MARIA PANOEIRO

não passou no Senado, mas foi direto da Câmara para revogar, então, eu posso aplicar, em
tese, para condená-lo com a causa de aumento, visto que não houve tecnicamente a
revogação. Foi isso que o STJ decidiu.

Pois bem, vem agora o problema do cara que pratica o fato, mas na vigência da
alteração. E aí, vem toda aquela questão que eu falei para vocês sobre a lex praevia, de
conhecer a lei. Eu lhes pergunto: Para o cidadão comum, ele olha para o CP e vê ali que está
revogado, eu posso aplicar a causa de aumento na hipótese de uso de faca? Não, porque não
está escrito mais. Deveria estar escrito, mas não está. Para este agente, é uma hipótese clara de
erro. Ou seja, tecnicamente, para nós no aspecto jurídico, é como se estivesse escrito, mas para
ele, leigo, é como se não estivesse. Isso é erro de tipo. Admitida a inconstitucionalidade, para
aquele cara que pratica a conduta após a vigência da lei, a causa de aumento no roubo com
faca configura erro de tipo. A causa de aumento está lá, pois não foi revogada, só que o cara
comum não vê. Ou seja, ele erra quanto a um dos elementos do tipo, logo, esse é um erro de
tipo.

Antes de terminar a aula, para finalizar, Medida Provisória pode revogar matéria
penal? Para Luiz Flávio Gomes diz que se for benéfico, pode. Resultado: o STF aceitou essa tese
dele no sentido de que MP só é vedada quando for gravosa, mas quando for para ajudar não
tem problema. E aí, curiosamente, a MP de que se tratava era um dos programas de
parcelamento fiscal daqueles que dão parcelamento a perder de vista para nunca punir
sonegador de tributos. E aí, o STF legitimou isso por maioria. Embora a CF fale que é vedado, a
posição do STF é tranquila quanto a isso (RE 254818).

Lei: Convalidação de MP Revogada

Concluído o julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal


Regional Federal da 4ª Região que declarara extinta a punibilidade do recorrido pelo
pagamento da dívida, com base no § 7° do art. 7º da MP 1.571/97, dispositivo que não fora
reproduzido em suas reedições posteriores, mas que teve os atos praticados com base no seu
conteúdo convalidados pela Lei de conversão (Lei 9.639/98, art. 12: "São convalidados os
atos praticados com base nas Medidas Provisórias nºs 1.571, de 1º de abril de 1997... 1.571-
6, de 25 de setembro de 1997, 1.571-7, de 23 de outubro de 1997, 1.571-8...") - v.
Informativo 186. O Tribunal acompanhou o voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence,
relator, no sentido de não conhecer do recurso, tendo em vista que, como a Lei 9.639/98
declarou a validade dos efeitos da medida provisória revogada, anteriores à sua revogação, a
norma de extinção da punibilidade perdeu a sua eficácia somente a partir da sua revogação
pela medida provisória convertida em lei, e não desde a data da sua edição originária.

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DATA DA AULA: 23/03/2019
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RE 254.818-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.11.2000.(RE-254818)

Então, foi um prazer! Com isso a gente encerra... Até a próxima! Tchau!

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