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TAMBORES DO MUNDO

Sempre adorei viajar. Faço-o sempre que posso.


Gosto de descobrir novas culturas e tradições.
Numa viagem que fiz há alguns anos à Irlanda, deparei-me acidentalmente
com algo muito interessante.
Estava parada ocasionalmente em frente a uma pequena loja, tentando
escapar à chuva que insistia em cair, quando vi na montra um objeto que despertou
a minha curiosidade: um tambor, com cerca de 40cm, com uma pequena etiqueta
pendurada com as inscrições “The Clancy Brothers – 1977”.
Curiosa, resolvi entrar na loja.
Um senhor de cabelos brancos e óculos pendurados na ponta do nariz dirigiu-
se a mim simpaticamente.
Depois de questionado sobre o curioso objeto,
explicou-me amavelmente que aquele tambor era um
Bodhrán, um instrumento de percussão irlandês,
semelhante a um tamborim, e que consiste em uma pele
de cabra pregada a uma armação de madeira, presa
apenas num dos lados do instrumento. O outro lado é
aberto para que uma mão do músico seja posicionada
contra o lado coberto a fim de controlar a altura e timbre do som.
Continuou, dizendo-me que não se sabe ao certo a sua origem, mas que
estudos apontam para que tenha surgido como um objeto de trabalho para
transporte de grãos, para servir alimentos ou como ferramenta para peneirar.
Contou-me que o Bodhrán existe na Irlanda há séculos. No entanto, como
instrumento, por si próprio, não ganhou reconhecimento na música tradicional até à
década de 1950, quando se tornou famoso devido ao trabalho de bandas como os
The Clancy Brothers. Antes era usado como fonte de ruído em combates e
celebrações, tendo sido utilizado pelo exército durante a rebelião irlandesa de 1603,
como bateria de guerra para organizar os soldados.
Disse-me, ainda, que este tambor de corpo estreito é similar a outros que
podemos encontrar no norte de África e no Médio Oriente, ou mesmo a alguns
instrumentos de percussão de povos indígenas nativos da América.
Dada a minha visível curiosidade, o senhor Liam (assim se chamava o amável
dono da loja de antiguidades) resolveu partilhar comigo a sua grande paixão sobre o
assunto.
Explicou-me que os tambores (nome genérico dado a alguns instrumentos
musicais do tipo membranofone) são instrumentos de percussão consistindo de uma
membrana esticada sobre um tubo ou caixa de ressonância. A membrana é percutida
com a mão ou uma baqueta.
São encontrados nas mais variadas culturas, possuindo, em cada uma delas,
nomes, constituições e formas diferentes, estando entre os mais antigos
instrumentos conhecidos pelo homem.
Conduziu-me, então, a uma sala nas traseiras da sua loja onde me mostrou a
sua fascinante coleção de tambores.
Confessou-me que, apesar do grande número de exemplares que possui,
sabe que estes representam apenas uma ínfima parte dos instrumentos deste tipo
espalhados pelo mundo.
Para uma amante de viagens como eu, aquela era uma oportunidade única.
Ter a possibilidade de contactar com várias culturas, todas reunidas num mesmo
espaço por uma razão em comum: a música.
Um grupo em particular chamou a minha atenção. Os tambores oriundos do
Oeste Africano.
Liam começou, então, por me mostrar o Djembé.
É um tipo de tambor originário da Guiné, na África
ocidental. Possui o corpo inteiriço em forma de cálice,
normalmente esculpido num único tronco, e a pele (que pode
variar de 30 a 40 cm de diâmetro) tensionada por cordas na
parte mais larga.
Devido à largura da sua pele, vários tons diferentes
podem ser conseguidos. Se o impacto for próximo ao centro,
o som é mais grave e vibrante. Se for próximo à extremidade, o som será bastante
agudo, quase metálico.
O Djembé, o Ashiko e o Djun Djun formam o conjunto
de tambores mais difundidos na África Ocidental, explicou o
velho senhor, apontando para os dois outros exemplares.
O Djun Djun é um tambor cilíndrico, de som grave,
com pele dupla de vaca ou de cabra. Geralmente, o pelo é
deixado nos laterais para abafar as altas frequências.
Existem três tipos: o kenkeni (o menor), o sangban (o
médio) e o doundounba (o maior).
O Ashiko é um tambor cónico de pele de cabra, com
som grave. Este instrumento, ao contrário do Djembé, que
proporciona dois tons principais, oferece uma quantidade
contínua de tons.

Imediatamente ao lado dos anteriores, encontrava-se um conjunto de


tambores oriundos do Médio Oriente. Um Doumbek, um Tar, um Daf e um Riq,
esclareceu Liam.

O Doumbek é um tambor em forma de taça. Tem um


corpo oco de cerâmica, madeira ou metal, e pele de cabra ou
peixe.

O Daf, o Tar e o Riq são tambores de corpo estreito. Os dois primeiros têm
diâmetros entre os 10 e os 20 cm. O Daf tem entre 18 a 40 cm.

O Tar e o Daf podem ter uma armação redonda ou


quadrada com pele de cabra.

Riq é um tambor redondo com uma dupla fileira de


soalhas, como a pandeirola.

Em seguida, o meu anfitrião mostrou-me um outro tambor originário do


Médio Oriente, o Tabl, um tambor cilíndrico de pele dupla.
As peles são amarradas juntas e reforçadas por nós
de tensão.
Este tambor é o ancestral dos tambores militares
europeus.
Já a sua variante Tabl Baladi ( com um diâmetro de
cerca de 43cm) é o ancestral do Tambor Tenor e do Caixa e a variante Tabl Turki (com
um diâmetro de cerca de 43cm) está na origem do atual Bombo.
Antes de me mostrar outro grupo de membranofones, o amável senhor
mostrou-me ainda um Tímpano. Um tambor com as suas origens no Médio Oriente,
mas também nos países islâmicos da África.
É um tambor hemisférico, construído esticando-se uma pele sobre uma bacia
de metal, madeira ou cerâmica.
A afinação de um Tímpano é um grande desafio, que a invenção, na
Alemanha, do mecanismo de afinação por parafusos veio resolver.
Os tambores oriundos do Oriente ocupavam o lado oposto da sala a este em
que agora nos encontrávamos.
Eufórico por poder mostrar a sua coleção, depressa Liam chamou a minha
atenção para eles.
Detivemo-nos primeiro no conjunto proveniente da China.
Na sua maioria, de corpo estreito ou em forma de barril e tocados com
baquetas, os tambores chineses são amplamente utilizados na música folclórica e na
orquestra clássica chinesa.

O Bangu é uma espécie de pandeiro com pele de porco


e um pequeno orifício.

O Tanguu, com um diâmetro que pode


oscilar entre os 20 e os 100cm, é um tambor
em forma de barril com pele dupla de vaca, de
porco ou de cabra, pregada ao seu corpo. O
Grande Tanguu, também chamado de Tambor
Leão, é tocado nos primeiros dias do ano novo
chinês.
Seguiram-se os tambores japoneses.
O Daiko, ou Taiko, são uma família de
tambores em forma de barril, de pele dupla e
tocados por baquetas.
Entre eles existem alguns cuja pele é
amarrada (Shime-Daiko) e outros com peles
pregadas (Byou-Daiko).
O primeiro tem peles soltas que são
esticadas por um laço de cordões tensores e pode
ser afinado.
Os segundos têm a sua pele de vaca pregada e produzem, por isso, uma nota
fixa.
A Tabla, originária da India, foi o exemplar que
vimos em seguida.
Esta é constituída por um par de pequenos
Tímpanos assimétricos.
O tambor da mão esquerda, Baya, é um tambor
hemisférico feito de cobre ou latão e produz um som
grave. O tambor da mão direita, Daya, é um cilindro mais estreito de madeira e
produz um som mais agudo.
A pele é atada ao instrumento com uma única faixa longa de couro, em W,
percorrendo o tambor desde o topo até à base.
Para terminar o conjunto de tambores orientais, observámos um proveniente
da Coreia, O Jangoo.
Com um diâmetro de cerca de 30cm, este
tambor tem a forma de uma ampulheta e pele dupla.
Vulgarmente tem um corpo de madeira,
frequentemente moldado a partir de um único tronco, e
peles soltas seguras por uma corda simples amarrada
em forma de W.
A pele tocada com a mão esquerda é de vaca, ou de veado, e tem um som
mais profundo, sendo utilizada para a tocar uma baqueta pesada de ponta
arredondada. A tocada com a mão direita é de cão ou de cavalo e é tocada com uma
baqueta de bambu, produzindo um som mais leve.
O grupo seguinte era constituído por instrumentos oriundos da América do
Sul. A Conga e o Bongó.
A Conga é um tambor de origem cubana em forma de barril de pele simples,
esticada por canoplas, que substituíram as cordas usadas antigamente.
O Bongó, também originário de Cuba, é um par de pequenos tambores de
forma cónica, de pele simples, unidos entre si.
Um dos tambores tem um diâmetro um
pouco maior do que o outro. A diferença de
tamanho faz com que um dos tambores seja mais
grave. O tambor maior, e mais grave, é chamado
de fêmea e o menor, e mais agudo, macho.
Antigamente, a pele era pregada ao casco, como no caso do exemplar que vi.
Hoje, o sistema de afinação é feito através de aros de metal e parafusos.
A tarde já ia longa. Parara de chover e o grupo que me acompanhava nesta
viagem esperava por mim para jantar.
Despedi-me de Liam, agradecendo toda a sua disponibilidade.
A viagem que me proporcionara pelo mundo dos tambores tinha sido muito
enriquecedora. Permitiu-me perceber como estes instrumentos viajaram no tempo e
espaço até chegarem até nós, deixando um pouco da sua história em todos os países
por onde passaram, e como a música pode ser um elo de ligação entre os povos do
mundo.

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