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Sinopse

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Epílogo
Se você está muito feliz, desconfie, porque quando a esmola é demais
algo surpreendente, seja bom ou ruim, vai acontecer.
Aos 45 do segundo tempo de sua vida, Daniela recebe uma notícia
inesperada, já imaginando sentir mais uma vez dores de cabeça,
surgirem novos cabelos brancos e dores nas costas. Seu mundo
parece perder o chão, pois ela não quer passar por essa experiência
que não foi nada boa, de novo. O que Dani não imagina é que dessa
vez não está sozinha.
Será que ela finalmente vai receber o que merece?
Não pode ser!

É assim mesmo que começo este capítulo, porque é tão


surreal que não dá para acreditar.

Grávida?

Eu só consigo pensar nas dores que vou ter na coluna


se isso for verdade.

E os pés inchados?
Não pode ser!

Estou aqui, no banheiro do hospital, após ter fugido de


Michel e corrido para a farmácia mais próxima para comprar
uma dúzia de testes de gravidez. Eu não consegui contar a
ele a minha suspeita e pela primeira vez me agradou a ideia
de estar tão fraco para conseguir vir atrás de mim.

Meu Deus, se isso for verdade, quando esse bebê, seja


menino ou menina, tiver dez anos, eu estarei beirando os
sessenta (Aha! Não vou contar minha idade exata para
vocês, né?).

E quando completar vinte?

Quero nem pensar nisso.

Vão pensar que eu sou sua avó!

Pela primeira vez em, o que, seis meses?, não me


preocupo com o que os outros pensam a meu respeito, mas
se este fato se concretizar (Ah, meu Deus, os dois
pauzinhos estão se intensificando) não consigo evitar o
pensamento do que este bebê vai sofrer.

Tanto comigo, quanto com as pessoas. Porque, não sei


se contei a vocês, eu, como mãe, posso ser causadora de
problemas para ele, ou ela.

Só consigo pensar nas festas das escolinhas em que


vou fantasiá-lo no dia errado. Ou terei confundido a roupa
ou o tema.
Não posso passar por isso de novo.

Até hoje meu tesouro não me perdoou por todo bullying


que enfrentou na infância. Vocês conseguem imaginar isso?

Eu não, mas sou bem capaz.

Eu amo meu filho, mas a vida de mãe solo não é fácil.

Que merda!

Positivo.

Deixo o teste cair no chão e olho os outros embalados


dentro da sacola, sobre o mármore da pia.

Gente, eu sei que pode parecer para você que a


maternidade me incomoda (às vezes isso pode acontecer,
não é? Filhos, em alguns momentos, são bençãos, porém
podem ser o contrário disso algumas vezes, com
desobediência, quando fazem birra e essas coisas, eu não
planejava passar por isso de novo, ainda mais beirando os
cinquenta anos).

Não pode ser!

Meu Deus, estou ficando muito repetitiva.

É que não consigo mesmo acreditar. Como fui capaz de


acreditar que eu não poderia mais engravidar?

Eu não sou inocente desse jeito, não.

Devia estar muito bêbada de tesão para não raciocinar


direito.
Eu estava mesmo com muito tesão e meu corpo
traiçoeiro parece se recordar de todas as sensações
deliciosas que senti sentando, literalmente, no colo de
Michel sobre a moto.

Hum.

Ainda consigo sentir tudo, mesmo tendo passado muito


tempo.

Credo, que delícia!

Para, Dani, foco!

Meu corpo fica todo arrepiado.

Que porra é essa?

Eu estou ficando com tesão sem nem estar perto de


Michel, apenas me recordando de um momento íntimo
nosso?

Viro-me e fico de frente para o espelho.

— Se concentra, Dani.

Aponto para o meu reflexo.

— Você precisa focar em fazer xixi de novo, porque


esse teste foi um falso-positivo.

Alguém mexe na maçaneta da porta, tentando abri-la.

— Tem alguém aí? — É o Michel. Como ele me


encontrou? Não respondo, porque as palavras ficam presas
na garganta. — Olá? — Estou pretrificada, impossibilitada
de me mexer.

Abrir essa porta significa enfrentar o que vem depois e


não estou preparada.

— Dani?

A voz abafada e esbaforida, porque é provável que ele


me procurou por todo o prédio. Meu coração se comprime
por tê-lo feito se esforçar. Michel não pode fazer tanto
esforço.

E, Deus, que tipo de mulher eu sou que nem sequer


perguntei o resultado dos exames? Eu estou pensando
somente em mim agora e não é justo com Michel.

— Eu… — as palavras quase não saem.

— Dani? — Ele mais uma vez tenta abrir a porta.

— Eu… — Estou mesmo repetitiva agora. Ah, qual é,


estou apavorada. Arranho a garganta para me forçar a dizer
algo e me aproximo da porta o suficiente para fazê-lo me
ouvir. — Michel.

Pelo menos consegui dizer seu nome, né?

— Está tudo bem?

Seu tom de voz é incerto.

— Estou?! — Eu não sei se soei como gostaria.

— Você sabe que está no banheiro masculino?


O quê?

Como assim?

Eu juro que vi uma bonequinha de vestido na porta


antes de entrar.

Tenho certeza que vi.

Hummm.

Talvez não esteja tão certa.

— Dani?

Michel parece muito preocupado.

Levo a mão até a maçaneta para abrir a porta.

Não faça isso, Dani. Se o fizer, ele vai descobrir os


testes, eu me reprimo em pensamentos.

Ele vai descobrir mesmo, respondo eu mesma


inconformada. Nada de o xixi dar sinal de fumaça de novo.
Não posso ficar aqui, escondida, sendo que ele já me
encontrou.

Como vai reagir ao descobrir?

Deus!

Será que Michel ao menos cogita ser pai de novo?

E se ele não chegar a conhecer este, possível, bebê?

Ah, merda, eu não posso pensar nisso.


Estou com medo do que vem depois.

Destranco a porta e a abro, o puxando pela gravata


para dentro do banheiro, o assustando.

Eu o abraço com força, encostando o rosto em seu


peito. Escuto seu coração bater rápido e com força. Sua
respiração afobada confirma que ele se esforçou muito para
me encontrar.

— Dani, o que houve?

A enfermeira não disse nada a ele sobre as suas


suspeitas?

— Só me abraça. — Assim o faz e apoia o queixo sobre


a minha cabeça; leva as mãos até as minhas costas,
deslizando-as para cima e para baixo.

Ficamos abraçados por um momento, não por muito


tempo, até que suas mãos desaceleram e descem até o
meu quadril.

— Dani? — Ele me afasta e mira os meus olhos. —


Você fez teste de gravidez?

Seu olhar está no chão atrás de mim. Não preciso ser


nenhum gênio para saber o que ele está vendo. Engulo em
seco e assinto, em seguida fecho os olhos.

Eu quero chorar. Ser mãe nos 45 minutos do segundo


tempo está me assombrando.

— E? — sua voz é tão macia, controlada.


Abro os olhos para encará-lo.

Michel parece muito calmo com essa ideia.

— Acho que sentar em você sobre a moto, naquele dia,


mesmo sendo uma boa ideia, e uma bem gostosa, pode ter
gerado algo inesperado.

Meu Deus, por que enrolei tanto para dizer que estou
grávida, como aponta o teste de farmácia?

Michel estreita os olhos, morde o lábio inferior e abre


um sorriso, em seguida começa a rir.

O que tem de engraçado nessa história toda?

Eu estou grávida. Ele vai ser pai.

Não esperei que ele fosse receber a notícia feliz, muito


menos rindo de algo tão sério assim; na verdade, nem sei
como pensei que reagiria a esta notícia, contudo a reação
que está tendo agora me incomoda.

É agora que ele me abandona, como fez o pai do


Vinícius, me deixando para criar o filho sozinha?

Eu me afasto dele e fico de costas, agacho-me para


pegar o teste e o devolvo à caixa, jogando-o no lixo.

Eu disse que nada que já estivesse ruim que não


poderia piorar, não é?

— Dani, desculpe. — Caramba, ele consegue observar


todos os meus detalhes, tanto que percebeu que fiquei
chateada.

— O que você achou tão engraçado? Não percebe que


isso aqui — aponto para minha barriga — me deixou
assustada?

— É claro que eu percebi, mas a forma que você usou


para me contar que está grávida, não consegui controlar o
riso.

— Eu não disse que estou, é possível que esteja. O


teste deve estar errado.

— Geralmente, testes de farmácia só erram quando é


negativo.

— Você não está me confortando, Michel.

Pego minha bolsa, a outra dúzia de testes e os jogo


dentro dela.

— Calma, Dani. — Ele se aproxima em um passo largo


e segura meus ombros, me fazendo encará-lo.

— Você não pode estar tão calmo assim.

— Eu não estou, só enfrento uma situação por vez.


Vamos tirar esta história a limpo e, se isso se confirmar,
vamos pensar no depois.

— Enfrentar uma história por vez, você faz ideia do que


é engravidar a esta altura do campeonato?
— Faço, sim, já passou um milhão de pensamentos
desde que entrei aqui e me contou que está supostamente
grávida, mas, Dani, algum de nós dois precisa manter a
calma e ser racional, não é? Depois de te acalmar, eu grito
e aí você me conforta, tudo bem?

Ele esfrega os meus braços de cima a baixo, tentando


transmitir conforto. Busco o ar e respiro, expiro, tentando
encontrar alguma forma de me controlar. Minha cabeça está
fervendo.

— E se ao menos pensou que esta notícia iria me


assustar, a ponto de te abandonar, acho que não entendeu
ainda o quanto eu gosto de você.

— Pode ter passado na minha cabeça ainda há pouco,


quando começou a rir.

— Dani. — Ele leva a mão até o meu cabelo e afasta


uma mecha para trás. — Nada mais é capaz de me afastar
de você. Ter um filho não estava nos meus planos, porém
aconteceu e tudo bem para mim.

— Eu não fui a melhor mãe do mundo para o Vinícius.


Eu fiz tantas coisas erradas no meio do caminho.

— Você fez o que pôde para criá-lo bem, Dani. E ele


sobreviveu, não é? Não existe mãe perfeita, na verdade
existem as mães que se esforçam para fazer o melhor que
podem e você fez. E fez sozinha. Percebe o quanto foi uma
mãe incrível? — Meus olhos, de repente, ficam úmidos.
Ninguém nunca me disse isso. Durante toda a vida, fui
bombardeada de críticas, porque, para ser uma boa mãe, eu
precisava ter um homem ao meu lado, para me ajudar a
cuidar de Vinícius; eu tentei, contudo nenhum homem
aceitou cuidar do filho de outro.

Michel encaixa as mãos em meu pescoço e, com os


polegares, ele toca minhas bochechas, secando as lágrimas
que estão teimando em sair.

— Por que você precisa ser tão perfeito a ponto de não


parecer real?

Digo com a voz embargada e chorosa.

— Porque você merece que me esforce para te dar o


meu melhor e, se o mínimo que eu faço te surpreende,
prova o quanto teve experiências ruins na sua vida.
Receios

Que Michel é um cavalheiro, todos nós sabemos, mas


ele não para de me surpreender. Depois de me acalmar e
de eu sentir que não ficarei sozinha dessa vez, saímos do
banheiro. E é verdade, eu me escondi no banheiro
masculino. Ora, estava muito atordoada para notar as
placas.

Nós voltamos para o consultório e jamais vi alguém


fazer um escândalo por mim, para que pudesse ser
atendida, ele consegue tudo o que quer.

Viu só como escândalos dão resultados? Preciso contar


isso a Vinícius, que sempre me repreendeu por fazer ele
passar vergonha comigo quando começo a aumentar o tom
de voz, eu sempre consegui o que quis assim.

No instante em que entramos no consultório, Michel


exige que o médico solicite um exame HCG. O doutor faz
perguntas e Michel me incentiva a responder; quando
esqueço de algumas informações, ele completa. Parece
estar juntando todos os sinais que devo ter dado durante
essas últimas semanas, pois descreve ao médico coisas
que eu nem ao menos percebi ter feito.

Eu dormi mais que o normal?

Respondi que poderia ser algum sintoma de


menopausa.

Eu reclamei do seu perfume? Como assim?! Não me


lembro disso.

Interrompi dizendo que era um absurdo.

— Você pediu para eu trocar de camisa, antes de


sairmos hoje, Dani, dizendo que o perfume parecia estar
com o cheiro vencido.

Eu disse isso? Fico quieta e o deixo continuar. Michel


volta a olhar para o doutor.
Eu senti desejo? Ah, ele está inventando coisas, não
posso sentir desejo tão precoce assim. A gravidez, se é que
ela existe, está no começo ainda.

— Ora, e quando isso aconteceu? — Sinceramente, ele


está exagerando.

— Ora. — Ele repete meu gesto e me encara. — Você


quer mesmo que eu conte os detalhes íntimos que trocamos
dias atrás?

Oh! Eu me lembro da bengala de chocolate que


ganhamos da Vilma de presente. E comi tudo de forma bem
obscena, porque senti um imenso desejo na hora em que
começamos as carícias, mas isso não tem nada a ver. Eu
não estou tendo desejo, ainda.

Ele saberá quando os desejos mais estranhos


começarem.

Há outras situações que tenho que concordar. Vomitei,


sim. Desmaiei também. Talvez tenha ficado enjoada com
algumas coisas.

Agora que fiz o exame, estamos esperando aqui fora o


resultado, que sai em quinze minutos.

Às vezes ter dinheiro nem sempre é bom. Talvez eu


desejasse protelar um pouco, ou alguns dias, para saber se
estou grávida ou não, mas Michel acredita que não
devemos adiar o inadiável e, quanto mais cedo soubermos,
mais tempo teremos para nos programar.
Ele já quer programar tudo.

E eu nem sei o que vou fazer depois se o resultado for


positivo.

— Daniela. — O doutor sai da sala carregando um


envelope e retorna.

Sinto um frio subir a coluna e minhas pernas fraquejam


um pouquinho.

Quero fugir, mas Michel aperta minha mão me


impedindo de reagir e seguir o percurso contrário, me
levando, arrastada, em direção à sala. Isso mesmo, estou
sendo arrastada contra a minha vontade.

Entramos e o doutor fecha a porta. Abre o envelope


antes de se sentar e caminha em direção à mesa enquanto
faz a leitura.

O doutor Paulo deve ter menos de 30 anos. É bem


bonito, parece o tipo que cuida da saúde física. A barba por
fazer é um charme, mas os olhos dele, bem cor de mel, o
tornam bem atraente. Ele transmite força.

E o que eu estou fazendo reparando no médico?

Tentando ganhar tempo para não contar a vocês o que


ele acabou de dizer. Já disse que a voz dele é grossa,
talvez deixe mulheres tremendo na base se assim o quiser?
Então…
— Dá para saber com este exame com quantas
semanas ela está de gravidez?

Michel pergunta no meu lugar, porque eu não tenho


palavras. Realmente pensei que poderia ser mentira, que o
teste de farmácia foi um falso-positivo, mesmo sabendo que
isso é impossível. Sabe quando acreditamos que um
milagre pode acontecer?

— Pelo nível do HCG ela pode estar com um pouco


mais de nove semanas.

Imediatamente calculo as semanas desde o carnaval


até hoje.

— Foi quando transamos sobre a moto — penso e digo


em voz alta.

Tanto o doutor quanto Michel me encaram.

— Você ainda tinha dúvidas? — Ele me encara e


percebo um sorriso tentando se formar em seu rosto.

Estreito os olhos e o fulmino, repreendendo aquele


sorriso prepotente e teimoso.

— Talvez tenha sido outro dia.

— Não teve outro dia, depois não fizemos, você sabe.


Só usamos alguns acessórios, porque eu não tinha
condições.

— Ah, teve outra, se lembra daquela vez, eu caí e


você…
O doutor Paulo arranha a garganta, nos interrompendo.
Olhamos para ele, porque, de repente, esquecemos de sua
presença.

Meu Deus, eu estou grávida.

E muito nervosa!

Onde fui amarrar o meu jegue?

— Grávida!

Quebro o silêncio dentro do carro. Estamos voltando


para casa, com uma receita imensa que devo seguir, com
uma dieta que preciso cumprir. Nada de remédios fortes
para dores de cabeça ou controlados. Preciso estar bem
atenta a minha gravidez, porque o doutor a considera de
risco, devido a minha idade avançada — ele não precisava
ser tão específico quanto a isso, porque eu sei que já
passei da idade de ser mãe. Me deu milhares de
recomendações de ginecologistas obstetras. Como se eu
tivesse condições de ser acompanhada por um médico caro
desses.

— Sem conseguir achar uma faxina, sem ter uma


residência minha, como vou ter condições de cuidar de uma
criança a esta altura?

— Você não está sozinha, Dani. E pare de falar como


se fosse a única pessoa responsável aqui. Pode ter sido
abandonada quando engravidou do Vinícius e lamento muito
por sua experiência não ter sido das melhores, mas eu
estou aqui e o que mais terá é condições para tudo. Nada te
faltará ou para nosso filho.

Olho para ele e pisco. Eu falei tudo isso em voz alta.


Merda!!

— Me desculpe, Michel. Temos um longo caminho pela


frente. — Expiro fundo e ele faz o mesmo!

— Eu sei, Dani. Estou com a cabeça fervendo,


prevendo como vai ser o futuro para nós dois e este bebê,
mas temos que fazer isso juntos para dar certo. Nós vamos
conseguir.

— Vão pensar que sou avó, e não mãe, Michel. Imagina


o que este bebê vai sofrer na escola.

— Estou mais preocupado se vamos ver esta criança


crescer, se tornar adulta, Dani. Se conseguiremos ensinar
todos os valores. O que é certo ou errado.

Seu olhar é preocupado. Levo a mão até a sua, que


segura o câmbio da marcha.

— Temos tantas coisas para enfrentar antes mesmo de


este bebê nascer. — Seus olhos, incertos e inseguros, ficam
úmidos. — Eu não sei nem se verei nascer.
— Não fala isso, Michel. — Ele está prestes a ceder.

— Estava mais fácil no consultório, ainda com a


incerteza.

— Eu te disse que devíamos esperar para saber o


resultado.

— E nos torturar? Você iria conseguir dormir à noite


sabendo que poderia estar grávida?

Viro o rosto para ver a cidade passando diante dos


meus olhos, tentando adiar minha resposta por mais um
minuto. Eu gostaria de mentir para ele e dizer que
conseguiria dormir à noite, mas não posso fazer isso a esta
altura, não depois de ouvir suas inseguranças. Ele está
certo.

— Não, não conseguiria. — Volto a encará-lo e aperto


sua mão, procurando uma forma de confortá-lo.

— Vamos conseguir, não vamos? — Sua voz é


apreensiva, incerta.

Enquanto o observo, em meu coração acende uma


certeza, porque sei que, com ele ao meu lado, podemos
enfrentar milhares de batalhas juntos.

Lutamos juntos contra o câncer e a possibilidade de


uma doença vencer sua vontade de viver. Sei que vamos
enfrentar milhares de dedos apontados, preconceitos e
julgamentos por sermos pais hoje, com quase cinquenta
anos, e que isso pode acarretar milhares de problemas à
criança, mas estaremos juntos para nos apoiar.

— Vamos, sim. — Por enquanto, isso parece ser o


suficiente e o que quer ouvir.

Uma semana depois…

Ainda não contamos sobre a gravidez a ninguém.


Estamos, aos poucos, nos familiarizando com a ideia de que
seremos pais. Michel tem estado pensativo. Ele fez uma
nova bateria de exames e aguarda o resultado. Acredito
que, somente quando ouvir as respostas que almeja, vai
conseguir se acalmar.

Aos poucos a ideia de ser mãe vai sendo adaptada ao


meu dia. Às vezes, fico me olhando no espelho, procurando
algum inchaço no ventre que aponte a gravidez, contudo
vejo apenas a saliência de sempre. Será que o bebê está
saudável? Estou indo para a décima semana, já deveria
estar apontando algo. Tento me recordar de quando
esperava Vinícius e não consigo.

A única coisa que estou percebendo, já que Michel faz


questão de me lembrar, é que tenho dormido bastante. Sabe
as insônias de preocupação que tinha antes? Pois é, posso
estar tendo um milhão de ideias ao mesmo tempo, mas o
sono vence qualquer tipo de pensamento. O que é bom, já
que não durmo assim desde que Vinícius nasceu e começou
a me causar cabelos brancos de preocupação.

Saio do banho, bocejando, precisando dormir. Michel


está vestindo óculos, uma calça de pijama listrado de azul e
sem camisa. Tão bonito quando está concentrado, lendo no
tablet. Ele espera voltar a trabalhar daqui a duas semanas,
quando o resultado dos exames ficam prontos e eu voltarei
para minha casa, pois não precisarei mais cuidar dele.
Espero que, até lá, tenhamos contado a todos os nossos
familiares.

Ele me engole com os olhos até me aproximar. É


sempre assim, Michel sempre me olha com desejo,
admiração.

— Falei com a minha mãe ao telefone. — Michel


deposita o tablet sobre a cama, ao seu lado.

— E como dona Marta está?

— Preocupada com o pai, ele deu um mau jeito na


coluna e não pode viajar.

— Por isso não vieram ainda? — Ele assente. — E por


que não contaram antes?

— Não queriam me preocupar. Aí contei a ela sobre


nosso bebê e que não havia maior preocupação do que
essa.

Ele deu o primeiro passo.

— Algum dia iriam ficar sabendo. Aprendi que, tendo


você por perto, preciso antecipar e contar os segredos ao
meu pai. — Ele solta um risinho, brincando.

— Você não vai esquecer esse pequeno detalhe? — Eu


me deito ao seu lado.

— Ora, eu tenho uma namorada fofoqueira, nem tudo é


perfeito. — Ele está despreocupado, sorrindo.

— É diferente. Eu gosto de ouvir uma fofoca, mas


nunca as espalho. Esse dia foi peculiar e sua mãe ouviu
minha conversa ao telefone. Eu não sabia que ela acordava
tão cedo.

— Tudo bem, já aconteceu, mas achei melhor evitar


que isso aconteça de novo e também liguei para eles, para
pedir que viessem para um jantar. Nós temos que contar,
Dani, não podemos adiar, então achei que tomar a iniciativa
de marcar um jantar com a nossa família — inclino a
sobrancelha — seus tios inclusive, não somente suas
amigas e o Vinícius, seria bom, mas eles não poderão vir.

— Você acha um bom negócio todos saberem ao


mesmo tempo? Tem noção da confusão que será isso?

— Garanto que em algum momento vamos nos divertir.


Suas amigas estarão com a gente, não pode ser um
desastre assim.
— Você tem minhas amigas em grande estima… — isso
é uma ironia, tá?

— Em todas as vezes que elas estavam conosco, foi


divertido, espero que seja assim agora.

— Não existe forma de te fazer mudar de ideia?

— Não! Porque já liguei para todos.

— Você é muito espertinho. — Eu o abraço e deito a


cabeça em seu peito.

Michel me abraça com uma das mãos.

— Aliás, o que você acha de viajarmos?

— O quê? — Volto a encará-lo. — Para onde?

Ele se vira e pega o tablet, mostrando o que estava


fazendo antes de eu sair do banheiro.

— Pensei que podíamos viajar antes de eu voltar ao


trabalho.

— Quando?

— No fim de semana do Dia dos Namorados. Vai ser


bom para nós e temos que aproveitar antes que nossa vida
mude completamente.

— Eu espero que não mude tanto. — Beijo seu


pescoço, peito.
— Não vamos deixar algumas coisas mudarem. —
Michel deposita o tablet na mesa de canto ao lado da cama
e segura a mão que apoiei em seu peito, levando-a para
dentro da calça do pijama. — Como nossos momentos.

Sinto o calor de seu corpo e o pênis adormecido em


minha mão. A essa altura, depois de tudo o que já
compartilhamos e vivemos, não existe timidez entre nós
dois. Embora com sono, ao tocá-lo e senti-lo quente em
minhas mãos surge uma familiar sensação entre minhas
pernas. Acaricio suas bolas e ele se remexe, em seguida o
sinto começar a endurecer. Ergo o rosto e observo sua
expressão. Os olhos castanho-escuros se estreitam, sua
mão ainda está sobre a minha e me faz apertá-lo.

Busco seus lábios e exploro sua boca. Exijo que ele me


entregue o melhor de si. Aperto o pênis em minha mão,
subo e desço. Fricciono até Michel estar em toda a sua
glória, porque eu sei até onde é capaz de ir.

Ele afasta a boca da minha e me encara, ofegante.


Ainda se sente cansado com os efeitos colaterais da
quimioterapia, mas menos do que antes.

— Vem, se senta no meu rosto. Me deixe te chupar


inteira. — Ele afasta a mão de dentro da calça e a leva até
a minha cintura, me puxando.

Obedeço e fico sobre seu colo.

Seus dedos vão até a barra da minha camisola e a


erguem, se livrando dela.
— Por que está de calcinha? — ele pergunta ao notar a
peça. — Vou ser obrigado a rasgá-la?

— Tenho poucas, não pode ficar rasgando minhas


calcinhas assim.

Eu me afasto dele um instante, ficando de pé, e me


livro da calcinha. Nua na frente dele, Michel deita a cabeça
no travesseiro.

— Me deixe te chupar. — Segura minha mão e me puxa


para perto dele. — Quero que se esbalde na minha cara,
Dani.

Enfia os dedos entre minhas pernas e fricciona meu


clitóris, fazendo-o inchar. Minhas pernas fraquejam e não
consigo suportar o peso do meu corpo. Amoleço e Michel se
aproveita dessa brecha para me puxar mais, me guiando.
Subo na cama, uma perna de cada lado de seu corpo.
Direciona as mãos por meu quadril, em seguida apalpa
minhas nádegas, me puxando.

Acho que eu sei o que ele quer.

— Eu quero te chupar tanto até gozar na minha boca.


Vem, pode subir na minha cara, se esfregar e fazer o que
quiser até ficar em êxtase puro e gozar.

Se eu estivesse vestindo a calcinha agora, com


certeza, a teria encharcado inteira. Obedeço e me seguro
na cabeceira de madeira maciça da cama, sentando em seu
rosto. No mesmo instante, sua língua roça meus grandes
lábios internos e seu nariz aperta meu clitóris.

UAU!
Sucção

Abro a boca ao sentir o frenesi tomando conta do meu


corpo e começo a rebolar, por instinto, buscando meu
prazer. Eu me seguro com força, porque, enquanto esfrego,
uma eletricidade vai tomando conta do meu corpo e começo
a fraquejar, contudo o desejo vai crescendo e preciso de
mais.

Esfrego.
Michel me segura pelo quadril, me puxando para baixo,
fazendo com seu nariz círculos apertados, friccionando a
carne inchada e parte mais sensível do meu corpo. Ele
pressiona, me força a descer mais. Sua língua suga o
líquido que escorre de minha boceta. Eu gemo e olho para
baixo. E é a visão mais excitante que vislumbrei em toda a
minha vida.

Com os olhos fechados, ele me beija e acaricia ao


mesmo tempo, se esbaldando em mim. Me força mais e eu
tenho receio de machucá-lo, sufocá-lo de alguma forma,
mas ele demonstra o contrário e me puxa, exigindo, e me
deixo relaxar um pouco, prestando atenção. Esfrego mais
minha boceta, o que o faz abrir os olhos e mirá-los nos
meus. Abre mais a boca e desliza a língua.

— Cacete! — expresso aflita, o tesão aumentando,


desejando buscar minha própria satisfação.

E não consigo mais me controlar. Levo uma mão até a


sua cabeça e a ergo, esfregando meu clitóris em seu nariz,
determinando o compasso de nossos movimentos, de como
quero que seja.

Esfrego mais forte.

— Ah! — gemo, alto, deixando os espasmos subirem


por meu corpo, estremeço. — Ah, isso, DEUS! Mais! — grito
movendo, rápido, com força, esfregando, incentivando a
fricção. Sua língua continua me sugando e busco por ela,
para chupar a carne que antes se movia contra o seu nariz.
E vou contra sua língua. Gemendo. Sentindo meu corpo
tremer inteiro. Gozando. — Cacete! — Esfrego até me sentir
satisfeita.

Fecho os olhos, o revirando antes, me deliciando e me


afasto um pouco dele, que passa a língua, indecente e
imoral, na minha virilha, continuando, insaciável, querendo
me excitar novamente.

— Você está mexendo com fogo, Michel? — Ele


continua me beijando.

— E quero me queimar nessa fogueira. Senta em mim


agora — ordena. Eu nunca o vi assim, mandão. — Estou
duro e pronto para te fazer gozar de novo.

Morde minha virilha sutilmente e me afasta um pouco,


lambendo os lábios. Apreciando. Seus olhos se embebedam
de mim, enquanto desço até o seu quadril. O pênis está
melado e a glande, inchada, lateja soltando espasmos.
Seguro-a e, sem afastar os olhos dos seus, o guio para
dentro de mim. Suas mãos seguram minha cintura e a
apertam.

— Eu não vou demorar muito — avisa, mordendo o


lábio inferior ao me sentir subir e descer.

Em seguida, murmura aflito, estremecendo, e investe o


quadril contra o meu.

Eu acelero o movimento, levo uma das mãos entre nós


e começo a me acariciar, aperto com força, fricciono como
gosto. Michel leva a mão até a minha a afastando e a fecha
em punho.

— Me diz se gosta! — Ele aperta o punho contra meu


clitóris, esfrega e desce a outra mão até a minha bunda
apertando, me guiando a subir. Enquanto me esfrega, eu
perco a concentração, porque, além de me fazer
estremecer, ele me estoca com força, levando sensações
fortes a atravessarem meu corpo.

— Ah, como eu gosto! — minha voz sai esganiçada,


aflita. — Faz mais.

— Assim! — Ele dá uma batidinha na carne e volta a


acariciar, forçando contra minha pele.

Sua mão fica vermelha e as veias saltam. Michel


esfrega.

— Ah, Michel, mais forte. — Minha mente não está mais


controlando nada, a única coisa que almejo é ir em busca
do que está crescendo em mim. Ele bate com força contra o
clitóris! — Isso! — Estremeço e gemo.

Inclino a cabeça para trás e, mais uma vez, vou em


busca de alcançar meu orgasmo, seguro sua mão e o
oriento a continuar, enquanto estou subindo e descendo.

Ele fricciona como deve fazer.

Descargas elétricas contornam todo o meu corpo.


Eu preciso sentir aquilo de novo e vou em busca de
mais.

Desço, subo. O pênis desliza para dentro de mim, sinto-


o me atingir até o fim, tocando com força o meu interior. Ele
afunda, eu estremeço, Michel geme alto sem parar,
tremendo embaixo de mim. Mais um pouco e posso ter tudo
agora.

Ele se senta, me abraçando, ainda com a mão entre


nós dois, fechada, forçando, esfregando, excitando. Eu o
abraço e nem sequer abro os olhos. Sinto pele com pele,
meus seios tocam seu peito, ele soca meu clitóris e me
estoca com força. Me faz abraçá-lo com as pernas e me
ergue na cama, em seguida me joga nela, me fazendo virar
de joelhos e inclinar a bunda em sua direção.

Michel não me faz esperar, abre minhas pernas e volta


a acariciar minha carne vermelha, inchada, com o punho
fechado. Ele parece gostar de me ver contorcendo,
gemendo. Esfrega com força e isso me faz impinar ainda
mais a bunda para ele, pedindo por mais. Encosto a cabeça
na cama e anseio pelo que vem a seguir. Afasta a mão do
clitóris e, sem pedir permissão, afunda o pau em mim,
estocando com força. Deslizando. Sinto-o latejar e isso me
faz estremecer por dentro.

— Cacete! — Michel leva a mão até minhas costas e a


empurra, me fazendo manter a bunda inclinada em sua
direção. Seus movimentos são tão rápidos, mas nem sequer
presto atenção se está gostando ou não, porque estou
encharcada e ele se afunda em mim; cada vez que me
atinge com força, estremeço. — Eu estou sentindo, Dani,
toda vez que entro em você, como me engole e treme ao
meu redor. Como você é deliciosa!

Sinto seus dedos apertarem minha bunda e o engulo,


tremendo, sentindo meu corpo inteiro reagir com tamanha
energia que passa por ele, desde meu ventre, onde a
glande inchada me atinge, até a sensação tomar conta de
todo o meu corpo.

— Ah, Michel, vai, quero mais forte. — Ele estremece


com o que digo, mas me obedece.

Geme, xinga, murmura algumas palavras desconexas,


sua voz aguda e rouca reverbera pela minha pele, e aperta
minha bunda.

Eu tremo.

O engulo.

E todo o meu corpo começa a se agitar, liberando


espasmos, me contorcendo internamente, quase
desfalecendo de tamanho tesão.

— Ah, Michel! — as palavras saem em meio aos


suspiros, saciada.

Sinto-o jorrar dentro de mim, me preenchendo, até ficar


satisfeito.
— Dani!! — É a última palavra que diz, como um
sussurro, antes de cair ao meu lado.

Exausto, com um sorriso no rosto e olhos fechados.

Acredito que agora ele deve dormir por, pelo menos,


vinte e quatro horas, mas ledo engano. Michel me puxa para
ficar ao seu lado e me beija a testa.

— Eu te amo tanto, Dani. E não tenho medo de viver


minha vida ao seu lado.

— Também não tenho medo de viver a minha vida com


você.

Sua mão vai até a minha boceta e brinca com o clitóris,


despudorado. Eu estou muito cansada, mas me viro para
ele e abro as pernas, para que ele me toque, sem pudor.
Como se fosse a coisa mais normal do mundo. Porque é
isso que quero para nós, naturalidade, que possa me tocar.
Levo a mão ao pênis já adormecido, todo melado.

— Você conseguiu gozar?

Quero rir de sua pergunta, porque não é possível que


ele não tenha percebido.

— Sim!

— Pode ser sincera comigo, Dani, eu perdi o controle,


te disse que ia ser rápido para mim, porque, antes de
penetrar em você, eu já estava gozando, te assistindo se
satisfazer comigo, foi uma tarefa muito difícil.
— Eu gozei, amor, mas, se quiser me atiçar de novo,
fique à vontade.

— É mesmo? — Ele morde o lábio inferior, sua


expressão sugere safadeza.

— É, sim!

Ele aperta o clitóris e suspiro aflita.

— Talvez eu deva te torturar até dizer que me ama


também.

— E eu não disse?

— Hoje não.

— Mas você já sabe! — Ele acaricia sutilmente e


penetra um dedo.

— Está tão molhada ainda, que safada!

— Estou molhada com seu gozo. — Isso o faz


estremecer e sorrir.

— Isso é ainda mais gostoso de ouvir.

Acaricio a pele mole do seu pau. Eu sei que ele não vai
reagir tão cedo, mas gosto de tocá-lo e de como posso
fazê-lo despertar.

— O que mais você gosta de ouvir?

— Que você me ama. — Ele acelera os movimentos e


isso me faz erguer o quadril.
Ainda quero entender por que somos insaciáveis.
Acabei de gozar, mas estou disposta para mais.

— Talvez precise de mais incentivo para dizer o que


você quer ouvir.

— É, estou achando que vou precisar de ajuda.

— É mesmo? — Inclino a sobrancelha, pois ele se


afasta e senta na cama, abre a gaveta da mesa de canto,
ao lado, e tira de lá uma caixa que estampa um aparelho
com formato diferente, que nunca usamos antes. — O que é
isso?

— Vai descobrir. — Ele o tira da caixa e tem o formato


de um desentupidor, só que pequeno, conectado a uma
espécie de seringa.

— Ah!! — Fecho as pernas em uma reação automática,


mas ele consegue enfiar a mão entre elas antes mesmo de
eu conseguir me proteger.

— Última chance, amor, de me dizer as palavras


mágicas!

Gesticulo negando, provocando, porque eu quero isso.

— Então, você é muito má e merece aprender uma


lição: nunca se negar a dizer o que sente por mim.

Ele está sorrindo.

E eu estou com um puta desejo.


Michel leva o polegar ao clitóris e, em seguida, o
aparelho. Estou em expectativa.

— O mais impressionante é que não precisarei passar


lubrificante em você, porque está toda molhada.

Ele abre minhas pernas e o deixo colocar a boca do


aparelho no meu clitóris. Sutilmente, ele segura a seringa
puxando devagar e isso foi o suficiente!

— Puta merda, Michel! — resmungo, aflita, e em uma


primeira reação, tento me afastar, mas suas mãos me
seguram.

Olho para baixo.

Ele está adorando fazer isso e eu também, porque,


caramba, ao mesmo tempo que me tortura, me faz querer
mais.

Vamos ver quem vai vencer essa brincadeira agora!

Estou prevendo que vou perder, contudo será uma


perda maravilhosa e muito excitante.

— Porra! — Ele puxa mais e sinto meu clitóris inchar,


latejar.

— Que visão magnífica! — Michel morde o lábio,


apreciando o que assiste, como reajo à pressão que está
causando ao meu clitóris. — Acredito que esta noite não
vamos dormir, amor!
Novidade como gosto de azedo

Como nem tudo são flores, a realidade está batendo a


nossa porta, ou seja, estou expelindo tudo o que comi nos
últimos dias dentro do vaso. Eu não paro de vomitar e
Michel fica tão desesperado por não saber o que fazer para
me ajudar que acaba me fazendo piorar ou, às vezes, me
deixa irritada.

Estou sentada, abraçada ao vaso, esperando passar a


revolta que se contorce dentro do meu estômago, e Michel
está sentado, encostado na parede, abraçando as pernas,
ao meu lado, sem dizer uma palavra. Ele aprendeu, nesses
últimos três dias, que não deve falar nada. Inspiro, expiro e
procuro entender se vou vomitar mais ou não.

— Como vamos oferecer um jantar se nada do que


estou comendo vai parar no meu estômago?

— Você precisa se alimentar, ou ao menos tentar, até


isso passar.

— Como vamos viajar comigo instável assim?

Estou cheia de perguntas.

— Em algum momento eu preciso conhecer sua família,


Dani. Que seja agora. Pelo menos seus vômitos vão chamar
mais atenção do que nosso relacionamento. Ótima
distração, não acha?

— É claro que não, Michel. O vômito só vai recordar


todos eles que estou grávida, quando não tenho mais idade
para isso. Por que mesmo que eu te dei uma chance?

— Ei, não coloca culpa em mim. Você também é


culpada! Ninguém mandou gostar de mim e me excitar,
provocar e, aliás, ficar me tocando em cima da moto,
quando eu não tinha essa pretensão.

— E você chegou daquele jeito na moto, todo galã


sedutor, não deu pra resistir, precisei sentar!
Michel começa a rir, porque ultimamente é assim, a
gente se provoca e ele segue um caminho em que parece
saber o que eu vou dizer. Estou muito previsível.

— Já melhorou, viu só? — Parece satisfeito e se


levanta; ergue a mão para mim, que seguro, e o deixo me
fazer subir. — Sou uma ótima distração.

— Convencido. — Vou até a pia e abro o enxaguante


bucal, despejo uma boa quantidade no pote e o levo até a
boca.

— Bem que você gosta deste convencido.

— Quem disse isso?

— Você disse, há três noites. Lembra-se? — Michel


ergue as sobrancelhas diversas vezes, sugestivo e
convencido.

Está gostando de me provocar.

— Você está se referindo à tortura que fez em mim?

— Também, mas se lembra daquela vez, quando você


sentou no meu colo, em cima da moto, o que disse?

— Foi no calor do momento. — Dou-lhe as costas e


saio do banheiro, com ele em meu encalço.

— Não adianta mais tentar voltar atrás, Dani. O que foi


dito, está dito e só isso importa.

— Por que você precisa ouvir tanto essas palavras?


Tiro a camisola na frente dele, que não se controla e
toca meus seios.

Tento, mas não consigo evitar que minha pele não me


denuncie, contudo ela é traiçoeira e qualquer toque de
Michel em mim tem me causado diversos constrangimentos,
como agora, os meus mamilos estão intumescidos. Será
culpa dos hormônios?

— Já que você inventou esse jantar, vou ter que te


contar agora, amorzinho. — Afasto suas mãos e ele faz
bico, pisca para mim. — Acabei de vomitar, Michel.

— Você está tão bonita. Acho que está começando a


apontar uma barriguinha.

— Não inventa! Não quero viajar com barriga


apontando.

— Veja como você está perfeita. — Ele me abraça e


depois me faz girar, ficando de frente para o espelho.

Meus olhos descem até o ventre.

Desliza as mãos até o meu quadril e, mesmo que me


esforçasse muito, não conseguiria evitar o fogo que
acendeu por todo o caminho que seus dedos tocaram. Estou
com os olhos fundos e visivelmente cansada. As noites não
têm sido fáceis, porque acordo algumas vezes para vomitar.
Meus olhos descem até a barriga e ele leva a mão para
tocá-la.

— É uma pequena mudança, mas dá para notar já.


Como ele conseguiu perceber primeiro que eu? Michel
presta tanta atenção em mim assim a ponto de notar um
pequeno volume, pouco perceptível, se formar na minha
barriga?

— Estou com medo, Michel.

— Eu também tenho, Dani, mas faremos de tudo para


estarmos juntos, acompanhar o seu crescimento até onde
for possível. E dane-se o que vão pensar sobre isso.
Aconteceu, não é?

— Sim. Só nos resta aceitar a ideia e conviver com


isso.

— E dar muito amor a ele, ou ela.

— Vamos conseguir — digo mais para transmitir


segurança a mim mesma do que para ele.

O jantar transcorre tranquilamente, ou seja, estamos


todos em um silêncio constrangedor. Estão meus tios,
Vinícius, Duda ao seu lado (ainda não sei como Michel não
percebeu a troca de olhares cúmplices desses dois), Vilma,
Patrícia, André no meio delas, dona Lu (a dorminhoca, se
lembram dela, não é?) e, gente, não sei por qual razão no
mundo Michel convidou-a, mas ele disse que tem uma
explicação, estou me referindo a ninguém mais, ninguém
menos que ela, Paola Bracho, que usa o codinome
Franciele. Ela fez questão de vestir sua roupa mais
elegante hoje. Talvez deseje me mostrar que somos de
mundos completamente diferentes. E somos mesmo, mas eu
não me importo com quanto ela tem de dinheiro.

— Sua casa é muito bonita, Michel — tia Rose quebra o


silêncio, só ouvimos o som dos talheres nos pratos; aliás,
preciso melhorar a educação de Vinícius, ele não tem
modos, raspa o garfo e a faca toda hora.

E eu quase não toco na comida, porque, afinal, nada


para no meu estômago e não quero passar essa vergonha
no cartão de crédito, o banheiro está longe demais para
correr esse risco.

— Obrigado, dona Rose. — Michel termina o prato e


aguarda os outros terminarem.

— Não vai comer, Daniela? — A megera está prestando


atenção em mim.

— Não estou me sentindo muito bem. — Levo a mão em


cima da mesa e procuro a de Michel.

Está na hora de contar, mas André me interrompe.

— Minha mãe contou mesmo que você adiou alguns


dias a faxina em casa. É grave, Dani? — Até que ele não é
tão ruim.
— Não, não. Isso vai passar, mas ainda estou sem
condições, no momento. Peça desculpas a ela e, se estiver
precisando com muita urgência, a Vilma ou Patrícia podem
ir no meu lugar, não é, meninas?

Tanto uma como a outra assentem.

André olha de uma para a outra e encolhe os ombros,


desconcertado com a ideia.

— Não, não, minha mãe pode esperar.

Respiro fundo e olho para o rosto de todos que estão à


mesa, inclusive ela, que parece me observar com mais
atenção agora. Acredito que até está desconfiando do que
seja, mas não tem coragem de expor para todos.

— Então, nós chamamos vocês aqui porque temos algo


muito importante para falar.

Michel arranha a garganta chamando a atenção de


todos para ele, inclusive a minha.

— Desembucha logo, mãe, porque eu não gosto desse


suspense todo, não.

— Curioso igual à mãe — Michel brinca para


descontrair.

— Com muito orgulho! — respondo empinando o nariz.

— Contem logo!! — a megera se manifesta. — Daqui eu


tenho outro compromisso. Não sei para que tanto suspense.
Eu estou até vendo essa mulher desmaiando com a
notícia! Seria maravilhoso assistir a isso, não posso evitar
esse pensamento, confesso. Ah, qual é, a mulher é uma
megera comigo a vida toda, o mínimo que posso desejar é
que sofra um pouquinho, não é? E que fique claro, minha
aversão a ela nada tem a ver com Michel, e sim com todos
os calos que me causou quando eu trabalhava em sua casa.

— Então! — Michel e eu dizemos ao mesmo tempo.

Olho para ele, que sorri para mim, cúmplice, e por um


momento nos perdemos um no outro nos encorajando. É a
hora.

Sabe aquele familiar friozinho na barriga ou até aquelas


borboletas que abrem asas e voam na boca do estômago,
estou desse jeito.

Michel leva a mão até o bolso da calça jeans e se


levanta. Faço o mesmo, o acompanhando, porque vamos
dizer juntos, eu acho.

— Vamos ter um bebê — eu digo ao mesmo tempo que


Michel diz:

— Dani e eu vamos nos casar!

E todos estão olhando para nós.

Juro que posso contar quantas vezes eles piscaram


diante do que dizemos.

O quê?
Eu me viro para Michel, que retira do bolso uma
caixinha preta e a abre para mim.
O inusitado

Eu me encontro piscando diversas vezes e muito rápido


para Michel, sem saber como reagir. Se fico envaidecida
com a escolha do anel — porque, minha nossa, eu nem
entendo muito de joias e nem sou sofisticada o bastante
para me interessar por algo além do meu alcance
financeiro, contudo consigo reconhecer o valor dessa peça
minúscula diante de mim e de nossos convidados — ou se
deixo minha indignação transparecer agora, já que isso não
estava nos planos para esta noite; puta merda, ele quer
casar comigo só porque descobrimos que seremos papais?

Sinceramente! Eu nem pensei nisso.

E em que momento ele comprou esse anel, pois não o


vi sair. Ah, não, será que esse anel pertenceu a ela, a
megera Bracho?

Não posso pensar nisso, primeiro pergunto de onde ele


tirou essa ideia de casar e ouço o lado dele da história.

Eu o puxo, quase pelo colarinho da camisa bonita e


macia que ele está vestindo, para nos afastar da mesa.
Todos os nossos amigos e familiares estão sem reação
também, como eu. Que situação!

— O que é isso? — Juro que estou tentando não gritar,


porque dentro de mim está um misto de sensações que até
as sinto percorrer por todo o meu corpo.

— Vamos nos casar, gostou? — Ele abaixa os olhos


para a caixinha preta se sentindo orgulhoso pelo que segura
na mão e a ergue para mim.

O brilho do anel atrai meus olhos e, por um breve


momento, minha atenção se volta para a pedra brilhante
diante de nós.

É muito bonito.

Jamais poderei usar algo tão deslumbrante assim onde


eu moro e muito menos carregar comigo em meus
trabalhos, e se for pelo ralo ou cair na privada, por acaso?

O que eu estou pensando? Isso não está nos planos.

— De onde você tirou essa ideia? — estou tentando


não falar alto, mas sei que nossa conversa vai ser ouvida
por todos, já que estão olhando para nós e não estamos tão
distantes assim deles.

— Ora, da minha cabeça. — Ele leva a mão que está


livre à testa e a coça. — Não gostou do anel?

— Muito bonito, mas, Michel, esse não era o


combinado.

— Eu sei, Dani, eu quis fazer uma surpresa. — Fecha a


caixinha. — E não devemos contar as surpresas, não é?

— Hum. — Cruzo os braços, porque sinto meus dedos


coçarem de ansiedade para pegar aquela caixinha e a abrir
novamente, só para poder olhar o anel mais uma vez. — E
em que momento você comprou isso?

— Ah, tenho meus meios, não posso contar. — Michel


esboça um sorriso de canto de boca.

Seus lábios bem desenhados me dão vontade de beijá-


lo.

— Está certo, mas não podemos casar. Eu só estou


grávida e isso não é motivo para nos casarmos. Não
deixaremos de ser pais por isso.
— Não é porque você está grávida — ele me corrige e
encolhe os ombros constrangido. — É porque eu não quero
perder tempo, como pode ver, a vida é curta e temos que
aproveitá-la; não tenho a menor vontade de facilitar para
você caso queira algum dia escapar de mim. Eu quero
passar a minha vida ao seu lado, Dani.

— Como pode ter tanta certeza disso se estamos juntos


há quase 6 meses?

— Você não tem certeza, é isso que está tentando me


dizer?

— Eu não disse isso, Michel.

— Ah, disse. — Ele devolve a caixinha ao bolso e se


afasta de mim, muito chateado, mas se vira quando chega à
mesa. — A Dani não quer se casar comigo — Michel faz
questão de dizer para todos à mesa.

— Como assim, Daniela? — Meu tio se ergue da


cadeira e apoia os braços sobre a mesa. — Rose, converse
com a sua sobrinha e a convença de que está sendo muito
burra.

— Tio! — Encolho os ombros, porque, toda vez que se


dirige a mim, seja através das palavras ou quando apenas
me olha, sinto sua reprovação e isso me deixa muito para
baixo. É como se pisasse em ovos o tempo todo. — Não
disse isso a Michel, aliás, nem me pediu em casamento, na
verdade parece que está me intimando a casar. Não
conversamos sobre isso.
Olho para ele, que arregala os olhos, pois acaba de
perceber o que fez. Nunca imaginei vê-lo ficar embaraçado,
porque, se há algo que Michel não tem, é vergonha de
nada; nem quando está com as minhas amigas, que
cometem as mais insanas loucuras, fica tão constrangido
como está agora.

Eu sei, não temos nem idade mais para isso. Pedir para
casar? Pedir para namorar? Reafirmar o tipo de
relacionamento que devemos ter? Para que, não é mesmo?
Acontece que a forma como ele “sugeriu” nos casarmos, o
fato de ter sido na frente da minha família e amigas,
significa que eu estou de acordo, contudo nem fiquei
sabendo e fui pega de surpresa. Deveríamos ter conversado
sobre isso, agora me sinto intimada a casar porque estou
grávida e ele anunciou para todo mundo ouvir.

Aff!

Desde quando o foco desse jantar mudou?

— Quanta baboseira! — A megera revira os olhos e se


levanta da mesa. — Ela só quer que você implore, Michel.
Não sei como você suporta esse tipinho ainda.

— Pelo amor, Mãe!!! — Duda leva a mão até a boca,


tampando-a.

Está chocada com a megera e acho até que ficou


constrangida.
— Cale a boca, Franciele! Se sente, que teremos muito
para conversar hoje — Michel ordena e ela obedece. — Se
eu precisar implorar, eu vou. — Mira os olhos nos meus e
pisca em seguida. — Está ouvindo, Daniela. Eu não desisto
fácil. Me desculpe se meti os pés pelas mãos [1] . Compreendi
o que fiz e não cometerei esse erro de novo. — Ele se vira
para a mesa e se senta voltando a atenção para meus tios.
— O senhor precisa parar de ditar o que sua sobrinha deve
ou não fazer, coisa feia julgar, você não está certo o tempo
todo, sua sobrinha também não. E mais — ele pausa um
instante buscando fôlego —, o que é certo para o senhor,
não é para ela e pode não ser para mim ou qualquer outra
pessoa. Nós temos direito a escolhas e sempre estamos
sujeitos a preferir caminhos diferentes.

Meu tio abre e fecha a boca. Tenho quase certeza de


que lhe passaram milhares de respostas, mas percebeu
onde está e aqui não é a sua casa para achar que pode
dizer tudo o que pensa a meu respeito. Eu me aproximo da
mesa e, em vez de me sentar, levo as mãos aos ombros de
Michel e os aperto, massageando. Agacho um pouco e
deixo meu rosto perto do seu.

— Obrigada. — Beijo sua bochecha e, em seguida, me


afasto para sentar.

Ficamos em silêncio.

— Eu vou ter um irmão ou irmã — Duda quebra o


silêncio.
Respira fundo. Parece que está absorvendo a
informação.

— Eu também — Vinícius a acompanha e os dois se


encaram parecendo se comunicarem através da troca de
olhar.

— Estranho — dizem juntos.

Eu também acho isso muito esquisito, quero dizer, o


envolvimento dos dois. Isso não vai dar muito certo.

— Amiga, tem certeza de que está grávida? Você está


com o pé na cova, nem deve ovular mais. — É claro que
tinha que ser ela a abrir a boca.

— Vilma! — Pati a repreende.

Michel solta um riso que tenta segurar.

— Acredite, eu também achei que não tinha como


engravidar mais, mas olha só onde estamos.

— Está de quantas semanas, Dani? — a megera me


pergunta.

— Dez semanas, eu acho, já me perdi na conta.

— Que não aconteça com esse bebê o que aconteceu


comigo, né, mãe?

— Dessa vez eu tenho você para me ajudar, Michel e a


Duda também.
— Eu não cuido nem de mim direito, que dirá cuidar de
outro ser. Não posso, mãe.

— Ingrato esse meu filho.

— Pode contar comigo, Dani. — Duda sorri para mim.


— Não vejo a hora de esse bebê nascer.

— Puxa-saco! — Vinícius a provoca, e ela mostra a


língua para ele. — Vou arrancar essa língua fora.

— Vem! — Duda aproxima o rosto do dele e estica mais


a língua na frente de meu filho.

— Acho que aceitaram bem. — Michel segura minha


mão e chama minha atenção para ele.

— Eles não precisam aceitar — respondo e aperto sua


mão. — Aconteceu, agora temos que seguir em frente com
mais esse objetivo.

Enquanto tentamos focar a atenção em nós, meu filho e


Duda chamam nossa atenção. Vinícius encara a filha de
Michel, e ela solta resmungos o provocando; está com o
rosto sobre o de Vinícius, apontando a língua diante de seu
nariz, e o mais insano acontece.

Vinícius segura a cabeça dela e a puxa, unindo sua


boca à dela, que solta um resmungo de dor e o empurra.

— Você me mordeu! — a voz de Duda é abafada.

— Você me provocou!
Michel os assiste tranquilamente. Com a mão livre,
pega o copo, bebe um pouco de suco e não faz, nem diz,
nada.

— Peça desculpas a ela, meu filho — tento apaziguar


os ânimos, mas não sei se fiz direito.

— Foi só uma mordida, não vou pedir desculpas. —


Vinícius volta a atenção para o prato.

Gente, a comida já está gelada, tá? E ninguém comeu


nada ainda.

— É isso que dá se misturar com essa gente, é


orgulhosa demais — a megera voltou a ser o que ela é,
venenosa, e adora fazer comentários desnecessários.

Sinceramente, por que mesmo que ela está aqui?

— Deixa eles brincarem — Michel intervém.

Sério, ele é muito pacífico. Estou até vendo como vai


mimar nosso bebê.

— Isso é muito mais do que brincadeira, Michel, será


que você não percebe?

— Não percebo o que, Franciele?


A ladra

Os dois se encaram. Michel a incita a pôr para fora o


que está pensando, acho que é isso o que quer, que ela
mostre quem é de verdade. Eu sei, estou viajando, né? Ele
viveu muito tempo com essa mulher para saber como é.

— Que essas pessoas estão entrando na sua vida, sua


família. Primeiro você com essa aí, agora nossa filha com
essezinho aí que só tem interesse no nosso dinheiro e
mordomia. — Ela tem a audácia de encarar o meu filho. —
Se afaste de minha filha, entendeu? Você não é homem
suficiente para ela.

— Mãe! — Duda repreende a megera. — Quem decide


com quem me relacionar sou eu, querendo você ou não.

— Você vai deixar essa mulher falar assim com seu


filho? — minha tia, que até o momento não falou mais do
que meias palavras, resolveu se pronunciar, mas é claro
que o tom desdenhoso de sua voz foi direcionado para mim.

Sabe aquela pessoa que adora assistir ao circo


pegando fogo, mas não faz nada para apagar? Então, essa
é minha tia. Se puder, ela ainda coloca mais lenha para
aumentar o fogaréu.

Eu aperto a mão de Michel e respiro fundo, procurando


palavras para enfrentar a megera.

— Quietos, todos vocês — Michel aumenta o tom de


voz e quase grita, o que me impede de dizer poucas e boas
a sua ex-mulher.

— Faz alguma coisa, Michel — André pede. Ele bebe


um pouco de cerveja. — Se não fizer nada, este jantar vai
acabar em briga.

— Eu vou, André. — Ele solta a minha mão e encara a


ex.

— Eu nem sei o que eu estou fazendo aqui — a megera


resmunga e faz um movimento para se levantar. — Vou
embora.
— Você vai ficar, Franciele — sua voz fica mais grossa.

Ele está bravo?

Na verdade, irritado deve ser a palavra que o define


melhor agora.

— Eu te chamei para participar deste jantar porque


tenho que esclarecer algumas coisas com você e a Dani.

— Do que você está falando?

— Por favor, Michel! — ela praticamente implora. —


Agora não.

— Você precisa pedir desculpas, Franciele.

— Pedir desculpas pelo que, pai? — Duda encara um,


depois o outro.

— Seu pai está virando um brincalhão, querida, não


tenho por que me desculpar com ninguém — de novo
aquela voz doce.

A mulher se transforma.

— Eu não estou brincando. Ande, Fran, peça


desculpas, mas antes explique o que você fez.

— Eu não vou pedir desculpas coisa alguma. — Ela traz


o olhar para o meu, irritada. — Ela teve o que mereceu.

— Do que vocês estão falando?


— Você acha que perdeu todos os seus trabalhos
porque foi filmada, Dani?

— E foi, não foi? — Estou confusa.

— O vídeo com certeza colaborou, mas sabe que sua


mãe se aproveita e manipula todo mundo para o seu próprio
bem, né, filha, e ela anunciou para todo mundo que a Dani
era ladra de quadros, quando eu sei que quem é o ladrão
aqui é a sua mãe, não é?

O quê?

— Espera, ainda sobre a história dos quadros? — Duda


enruga a testa depois olha para a mãe. — Foi a senhora
todo esse tempo, mãe?

— Sim, Duda, foi sua mãe. E não te contamos isso


porque chegamos à conclusão de que você não precisava
saber, mas Franciele achou por bem voltar o assunto à tona
alguns anos depois, somente para prejudicar Daniela. O que
você achou que aconteceria, Franciele? Que isso nos faria
romper?

— Eu não fiz isso!

— Ah, fez sim. E tenho como provar — André se


intromete e leva uma das mãos ao bolso da calça. — Ela
tentou me convencer de que não seria bom você trabalhar
em nossa casa, Dani.

André procura algo no celular e, em seguida, me mostra


a conversa que trocou com a megera.
Puta que pariu!

Leio algumas partes e a encaro, depois de devolver o


aparelho para André.

— Você pode ter muito dinheiro, mas não tem o mais


importante, caráter. É realmente uma megera da maior
espécie.

Eu nem consigo me levantar ou reagir diante de tudo


isso, estou anestesiada. Porque, se fosse em outros
tempos, talvez arrancasse seus cabelos, mas ela não
merece nem que me estresse.

— Como você pôde fazer isso, mãe?

— Isso é um absurdo, Duda, tudo isso, não vê? — A


megera gesticula com as mãos, nervosa. — Será que só eu
percebo?

— O que é um absurdo, Franciele? — Michel volta a


segurar minha mão e entrelaça nossos dedos sobre a mesa;
os olhos dela acompanham seu movimento.

— Você, com essa mulher que não tem uma casa para
morar, que dirá estar a sua altura. Nossa filha se
interessando por esse garoto que não tem onde cair morto.
Quer que eu cite mais? Porque tenho uma infinidade de
motivos para apontar o absurdo que é tudo isso.

— Eu estou ficando enjoada. — Meu estômago está


embrulhando e sinto um calor subir.
Este jantar está virando um funeral.

O clima está tão tenso que, se me mover, tenho certeza


de que vai sair algum osso do lugar. Não que isso seja
difícil de acontecer a essa altura da minha vida, mas o peso
ao redor do ambiente atinge todo o meu corpo.

— Chega, não vou passar por isso. Entendi o que quer


fazer, Michel, mas não vai conseguir, querido, se há algo de
que me orgulho muito, é de ter feito de tudo para atrapalhar
a vida dessazinha aí. — Ela se levanta muito rápido e
Michel não tem tempo de impedi-la.

Duda se levanta também e corre atrás da mãe. Consigo


assistir à conversa delas, filha se exaltando com mãe, mas
não consigo ouvir.

— Não duvido de ter sido ela que vazou o seu vídeo —


Vilma coloca mais lenha na fogueira, é claro.

— Não foi ela quem filmou, porque não estava lá — eu


a defendo, mesmo não merecendo, contudo é a verdade, o
vídeo não foi vazado por ela.

— Pode não ter sido quem filmou, Dani, mas nada a


impede de ter ajudado a espalhar mais rápido. — André
devia ficar quieto.

— Não foi ela — continuo defendendo aquela mulher,


porque eu sei quem foi.

Lembram-se de quando Duda me contou quem foi? Até


hoje não consigo acreditar.
— Você sabe quem foi? — Michel pergunta muito
interessado. Assinto. — Por que não me contou?

— Porque você não vai gostar de saber.

— Olha, pode não ter sido ela, mas não duvido de que
a megera tenha contado que era você no vídeo, afinal, se
ela espalhou para todo mundo que você é ladrona, pode
muito bem ter feito isso. — Todo mundo decidiu que a Paola
Bracho é responsável de alguma forma pelo vazamento do
vídeo, meu Deus, não queria estar na pele dela, agora.

— Aí eu não sei, não foi muito difícil me identificar, não


é?

— Vai me dizer ou não quem é?

— Ah, Michel, deixa essa história para lá.

— Até parece, quero saber quem foi. Não vou fazer mal
algum, prometo.

— Conta logo, mãe, porque vou lá meter a porrada,


seja essa pessoa quem for, homem, mulher, vai se ver
comigo!

— Não vai bater em ninguém, meu filho, nada de


violência, entendeu?

— Anda, acaba logo com esse suspense, senão vou te


botar de cabeça para baixo. — Vilma está impaciente.

E me dou por vencida, porque, só de pensar em ficar de


cabeça para baixo, a ânsia sobe e entala na garganta, não
consigo controlá-la.

— Foi o seu tio, Michel, o senhor José. — Lembram-se


do tio no respirador, que estava tirando fotos enquanto eu
estava no bem-bom, gozando? Ele mesmo, espalhou para
todos na família e, uma vez que caí na rede, não houve
mais nada que pudesse fazer para impedir de alcançar
milhares de visualizações.

Se Franciele o incentivou a divulgar? Eu não sei, não


posso pôr culpa em alguém sem ter certeza, então,
sosseguem aí, ok, que eu sei que vocês querem que ela
seja culpada de tudo na minha vida.

Depois de toda a turbulência no jantar, Michel e eu (na


verdade, não tive direito a decisão dessa vez) resolvemos
aproveitar os últimos dias de sossego; para alguém que tem
dinheiro, tudo bem decidir fazer uma viagem em cima da
hora, mesmo com os preços das passagens, literalmente,
nas alturas. Não doeu no bolso, não é? E estive tão
estressada nos últimos dias que não tive forças para tentar
convencê-lo de não fazermos isso agora.

Então aqui estamos, dentro de um avião, em meio às


nuvens. Estamos indo para Fortaleza. E vamos passar
quatro dias, inclusive, o Dia dos Namorados, em um hotel
cinco estrelas, com direito a SPA, restaurante e milhares de
atrações.

É a minha primeira vez viajando de avião e Michel não


sabe disso. Estou muito nervosa, sinto borboletas flutuando
no ventre e desta vez não tem nada a ver com tesão. Eu
acho que é isso, e não o fato de que, em algum desses
dias, iremos para o interior e o apresentarei a minha família.
Não sei se gosto dessa ideia, porque não quero correr o
risco de assustá-lo com meu pai me julgando para ele.

Talvez o convença até lá.

Podemos ficar quietinhos no hotel, não é?

— Ei! — Ele toca o meu braço, me despertando. — Está


tudo bem, Dani?

— Estou, sim, um pouco nervosa pela viagem. Falta


muito?

— Nós decolamos faz pouco tempo, temos muito pela


frente ainda.

— Ai, meu Deus. — Aperto o braço dele com força, que


o faz rir. — Não ria de mim, estou ficando nervosa neste
avião fechado.

— Nunca viajou de avião? — Gesticulo negando. —


Como viajou antes, de ônibus?
Sinto meu rosto arder, porque ele não vai acreditar no
que vou dizer, mas é a mais pura verdade.

— Bem, faz muito tempo que não vou para Fortaleza,


tipo, muito. A última vez foi antes de Vinícius nascer e fui
de ônibus. A experiência foi tão ruim que não voltei mais.

— Você não vê o seu pai todo esse tempo?

— Então, ele não sente minha falta. — Faço uma


careta, não gostando do rumo desta conversa.

— Que pai não sente falta da filha?

— O meu não sente. — Tento encerrar o assunto. —


Obrigada por me distrair, estou menos nervosa — mas
desconfortável com essa conversa, penso.

— Depois quero saber tudo sobre sua família. — Michel


beija minha testa e foca os olhos em meu rosto.

— Podemos ter essa conversa daqui a uns anos?

— Podemos, sim, então nada de sairmos de Fortaleza,


certo?

— Isso, não quero me estressar, tudo bem?

— O que você quiser, amor. — Leva a mão até o meu


queixo e ergue meu rosto, beijando-me.

— Obrigada. — Eu me afasto dele.

— O que você quer fazer?


— Qualquer coisa. — Apoio a cabeça em seu ombro.

Ele está na poltrona da janela e consigo ver as nuvens


do lado de fora.

— Tudo o que você quiser.

— Quero comer panelada! — Meu estômago ronca ao


mesmo tempo que embrulha.

— Isso seria um desejo, não é?

Ele ainda insiste nesse assunto de que já estou


sentindo desejo da gravidez.

— Ainda não — mas não consigo evitar que minha boca


encha de água.

Talvez ele esteja certo e eu já sinta desejo de comer


coisas diferentes, contudo não dou o braço a torcer só para
contrariá-lo.

— Sei…

Fecho os olhos e o abraço, deixando seu perfume —


ele tem evitado exagerar na dosagem — me inebriar. Ergo o
rosto um pouco e o escondo em seu pescoço. Ficamos
assim, em silêncio, me acostumo rápido com o som do
motor do avião e das conversas dos passageiros, acabo
pegando no sono.
— Sente isso, Dani. — Ele está de olhos fechados,
sentindo a brisa do mar e o vento bater em seu rosto.

O sol está se pondo, então a vista é incrível.

Michel parece deslumbrado com a praia, o vento


gelado. Estamos em Cumbuco, região metropolitana de
Fortaleza. A praia é uma das mais bonitas e tem um hotel
mais impressionante que o outro.

Eu nem me lembrei, até ver no relógio do celular, que


estamos em junho, e este é o mês mais incrível aqui no
Nordeste, porque temos as melhores festas juninas. Então
decido que nosso primeiro passeio, à noite, vai ser
encontrar alguma festa para conhecer.

Michel alugou um conversível do qual não sei o nome,


preto, para podermos aproveitar tudo. Acho que quer
mesmo é se exibir. Assim que saímos do aeroporto e
pegamos o carro, ele tirou milhares de fotos nossas, do
lugar, mas, quando chegamos ao hotel, não parou de
fotografar até agora. Já encheu o celular com milhares de
fotos minhas, com a paisagem de fundo, sempre me
elogiando. Seu sorriso contagia.
E tudo o que eu quero é poder tirar um cochilo.

Entro no quarto antes dele, já vou direto para a cama e


me jogo nela de barriga para cima, deixando os pés para
fora. Michel se aproxima de mim e encaixa as pernas com
as minhas, deita o corpo sobre o meu e me beija.

— Está cansadinha?

— Isso se chama sono.

— De grávida?

— É claro, porque, se fosse em outro momento, eu


estaria mais disposta.

— Viajar cansa, amor. — Ele esconde o rosto em meu


pescoço e desliza beijos por minha pele ali, fazendo-me
arrepiar.

— Você não parece cansado. — Eu o abraço.

— Estou me sentindo novo em folha, sabe? — Ergue o


rosto e me encara.

— Dá para perceber, sabe? — Deslizo a mão por suas


costas, fazendo carinho.

— Quer ficar no quarto hoje? — Beija minha bochecha.

— Talvez, se eu dormir um pouco, fique disposta, tudo


bem?

— Claro. Vou em busca de algo para comer. — Ele se


levanta da cama e vai até uma mesa que fica embaixo da
televisão.

Observo o quarto todo com atenção, porque quando


entrei só procurei uma coisa, cama, e nem me dei ao
trabalho de reparar direito.

Cama de casal, TV grande, varanda, cortina, uma porta


que deve ir para o banheiro, ar-condicionado, um guarda-
roupa branco e grande, combinando. Há um telefone no
quarto, na mesinha ao lado da cama.

— Desde quando você sabe sobre o Vinícius e a Duda?

Michel volta para a cama, depois de arrastar as nossas


malas para dentro do guarda-roupas, e se senta.

— Eles não confirmaram nada, então não acho que


estejam juntos. — Eu me ergo e ele leva as mãos até
minhas pernas; as suspende e carrega para seu colo.

— Mas desde quando você sabe? — Ele tira os meus


sapatos.

— Desde a sua primeira ou segunda semana de


quimioterapia, eu acho. Os peguei no flagra e pedi que não
fizessem mais isso, mas depois aconteceu de novo.

— Por que você não quer que eles fiquem juntos?

— Na época, eles estavam namorando com outras


pessoas, lembra? — Michel assente. — Tentei pôr um pouco
de juízo na cabeça deles.
— Eu gosto dos dois juntos. Eles se provocam o tempo
inteiro, mas seu filho precisa amadurecer um pouco.

— Nem me fale!

— E você precisa parar de pôr comida no prato para


ele, também.

— Ora, não me diz como educar o meu filho. — Aperto


seu ombro.

— Não é educar, Dani, você o está acostumando muito


mal. Nossos filhos precisam ter independência, fazer
algumas coisas sozinho vai ajudá-lo muito, afinal minha
filha não vai botar comida no prato para ele.

— Eu sei, eu sei, é um hábito que preciso


desacostumar.

— Até porque, quando você não está por perto, ele faz,
não faz?

— Até parece, minha tia faz no meu lugar.

— Então você precisa falar para ela parar.

— Eu vou.

— Por que não me contou sobre eles?

— Porque não sabia se o que eles tinham era um


relacionamento, mas você aceitou bem. Na noite do jantar,
você já sabia, não é?
— Duda e eu somos muito amigos, ela me conta tudo,
Dani.

Ele massageia um pé e isso me deixa relaxada. Deito


melhor na cama e o deixo cuidando dos meus dedos até
pegar no sono de novo.
A panelada

Dormir bem, nas horas certas, ao lado de uma


companhia agradável, em uma viagem inesperada, sem
planejamento algum, me rejuvenesceu muitos anos em
poucos dias. Foi divertido, levei Michel para conhecer a
verdadeira festa junina e peço desculpas a vocês que nunca
tiveram o prazer de vivenciar o que nós vivemos, mas
assistimos a quadrilhas, a shows de forró, dançamos muito.
O pai do meu futuro filho (a) é um exímio dançarino e ele
aproveitou para me fazer girar por algumas pistas de dança.

Fomos à praia, a águas cristalinas, passeamos de


bugue (um pouco, porque vomitei antes de chegar ao meio
do caminho, então não conseguimos completar todo o
passeio) e agora estamos no nosso último dia aqui no Chico
do Caranguejo, tirando fotos ao lado do caranguejo gigante
que tem logo na entrada. Resolvemos sair bem cedo do
hotel hoje, para aproveitar mais o dia, já que vamos embora
à noite.

Viemos a pé, pois nosso hotel fica a alguns quarteirões


de distância. Hoje tem música ao vivo e, diferente dos
outros dias, está tocando pop rock. Escolhemos uma
barraca perto da tenda dos músicos e pedimos nossa
bebida.

— Você está vermelho que nem o caranguejo lá fora. —


Procuro o protetor solar na bolsa de praia que Michel me
deu de presente no nosso primeiro dia.

— Você também, está cheia de marquinhas do biquíni.


— Michel beija meu pescoço, mas sua atenção está para os
músicos.

— Vire-se para passar mais protetor. — Ele me


obedece e fica de costas. — É impressionante como aqui
está tão quente e, na nossa cidade, está tão frio, não é?
Nem parece que estamos no mesmo país.

— Tanto que vão estranhar nos ver torrados do sol.


Espalho o creme por seu ombro, costas e depois
pescoço. Em seguida despejo mais protetor na mão e passo
em sua barriga.

— Hum. — Sua pele muda sob minha mão, fica


arrepiada. Beijo seu ombro, pescoço. — Você está me
provocando, amor? — Ele olha para mim sobre o ombro,
desconfiado.

— Talvez. — Eu o beijo novamente no ombro, em


seguida passo o dente.

— Conseguiu.

— Bom saber! — Me afasto dele, que se vira para mim


e me abraça.

— Aqui não tem um lugar adequado para termos um


pouco de privacidade. — Beija meu pescoço. — Se
tivesse…

— Quando voltarmos para o hotel, quem sabe dê


tempo.

— Só se voltarmos agora, porque daqui a pouco


teremos que ir embora.

— Vamos ter que adiar minha panelada de novo?

— No caminho para o aeroporto, compramos e


comemos.

— Você tem certeza de que vai comer também?


— Tenho, sim.

— Você já comeu panelada, Michel?

— Se você gosta, eu vou gostar. — Ele se levanta. —


Vem, vamos pagar a conta e voltar para o hotel.

Bebo o restante do meu suco, porque não deixamos de


aproveitar um momento desta viagem juntos.

Como sempre, ele brincando de me torturar, me excitar


tanto a ponto de me declarar que agora sabe como me
seduzir e me fazer implorar, mas só me dá o que eu quero
quando digo as palavras mágicas.

Eu gosto de brincar, porque Michel não para de se


declarar para mim, quando o deixo na expectativa de me
ouvir dizer espontaneamente.

Algo que não faço.

Não porque não sinto, porque vocês sabem, estou,


literalmente, de quatro por esse homem. Eu o amo tanto
que não consigo nem dizer em voz alta por receio de isso o
afugentar, porque as coisas estão bem assim, sabe? Não
quero estragar nada e que continue do jeito que está.

Ele sabe o que eu sinto.

Que é dono do meu coração.

Que tem meu corpo.


E que desejo uma vida longa ao seu lado. Se no início
eu estive insegura quanto a nosso futuro, hoje não estou
mais, afinal, em todos os momentos mais estranhos que
dividi com Michel, ele continuou comigo. Então, depois de
tudo isso e do sexo incrível que sempre fazemos, eu me
sinto mais segura ao seu lado.

Não tenho dúvidas de seu sentimento, nem do nosso


futuro.

Só vivo um dia de cada vez ao seu lado, de maneira


intensa.
Sabe que final feliz não existe, não é? Ainda mais
quando a história é a vida da Dani. Ela atrai confusão e
quem estiver ao seu lado corre o risco de ser atingido por
esse furacão em pessoa.

Ela tem dedo podre e sempre atrai as mais inusitadas


atrações.

Contudo, o que vai acontecer a seguir é de deixar os


cabelos em pé, arrepiados, literalmente.

Quem nunca, não é, sentiu o que ele vai sentir agora?

Segue para o momento, que eu e você já passamos por


isso alguma vez na vida.

Como disse, não existe final feliz, mas, talvez, existam


momentos felizes e o que importa é estar na companhia das
pessoas de que mais gosta e tudo bem; você sabe que pode
enfrentar todas as coisas, pois não está sozinho.

No entanto, agora, veremos de um ângulo totalmente


diferente a história. Porque, como disse, Daniela atrai as
situações mais inusitadas e quem está ao seu lado com
certeza corre esse risco.

Basta passar para o próximo capítulo e se divertir um


pouquinho. Até que demorou a má sorte da Daniela atingi-
lo.
Michel

Desde que coloquei os olhos nessa mulher, eu me


fascinei. Desinibida, sem papas na língua e sexy pra
caralho.

Eu não sei se ela tem consciência do quanto é bonita, e


de que tem um corpo espetacular.

É impossível não reagir ao contato com ela.


Todas as vezes que a abraço é muito difícil me
controlar, mas deixo-a determinar quando vai acontecer,
embora algumas vezes a induza a querer.

Quando a chamei para dançar, à primeira vez, não


imaginei que estaríamos aqui hoje. Em dúvida se devia ou
não me aproximar, afinal havia um futuro incerto na minha
vida, não queria trazer alguém para ela bem quando a
minha podia estar com tempo determinado, no entanto eu
fui, e olha onde nós estamos.

Uma dança foi suficiente para querer mais. Como


alguém como ela poderia estar sozinha? Mas quando a
conheci, depois de insistir muito em uma nova chance, e às
suas amigas, entendi a dinâmica. Eu não estaria apenas me
envolvendo com ela, mas com todo o seu universo
particular, e no pacote vieram as confusões.

E bota confusões, mas com isso, a diversão.

Se alguma vez agi de maneira espontânea? Nem sabia


que eu podia ser até estar com ela.

E nunca imaginei ver a minha bunda em vídeo, menos


ainda ser compartilhada para milhares de pessoas.

Vivi mais emoções em poucos meses do que em toda a


minha vida, então valeu a pena esbarrar nela, quase
derrubando-a. Dançar até fazê-la ficar tonta.

Eu não me arrependo de nada.


Exceto de tê-la seguido nessa ideia de comer a tal da
panelada.

A cada colherada, mastigar aquela textura, meu


estômago se embrulha.

E ela está comendo com naturalidade, gostando.

Escorre o caldo em sua boca e, pela primeira vez na


vida, não a acho tão sexy assim.

Estamos aqui no mercadão, desfrutando do almoço,


perto da hora de irmos para o aeroporto.

— Você não gostou, não é? — Às vezes, ela consegue


me compreender tão bem.

Na verdade, na maioria das vezes.

— Como você sabe?

— Sua careta a cada colherada, pede outra coisa para


comer.

— Do jeito que meu estômago está embrulhando, acho


melhor não comer nada agora.

— Pelo menos, sabe como me sinto toda hora.

— Mas não está sentindo agora, não é?

— Ah, não, agora só quero tomar este caldo.

Ela enfia mais uma colherada na boca e isso faz o que


desceu pela minha garganta subir. Engulo, num esforço
sobre-humano.

Nem na quimioterapia a ânsia foi tão forte assim.

— Com licença. — Eu me levanto e vou em busca de


algum banheiro, torcendo para que aguente até chegar lá.

A ânsia se estabiliza no meio do caminho, contudo


enrolo para voltar e aguardo o tempo de ela terminar sua
tigela até eu chegar.

Quando volto, a mesa está vazia e ela segura um


Gatorade.

— Comprei para você, acho que vai precisar.

— Obrigado. — Cogito beijá-la, mas evito, porque o


sabor deve estar na boca dela. — Só vou te beijar depois de
escovar, tá bom?

Ela ri e gesticula, concordando.

— Então vamos, está na hora de irmos. Ainda temos


que devolver o carro à locadora.

Até conseguirmos sair do mercadão, demorou um


pouco, porque parávamos o tempo todo para ver ou comprar
algo de lembrança.

Tirando a panelada, a viagem foi maravilhosa, pena que


durou tão pouco. Quero voltar mais vezes aqui, com a Dani,
conhecer mais lugares. Talvez em uma lua de mel, quem
sabe?
Eu ainda não esqueci aquela história de nos casar e até
cogitei pedi-la em casamento nesta viagem, mas não é o
momento certo, ainda. Dani tem razão. Há tantas coisas
acontecendo na nossa vida, que precisamos enfrentar, e
nos casar agora só irá nos trazer dor de cabeça. Então vou
esperar o momento certo.

E vocês terão que esperar, tá bom?

Não contei a ela e vou contar para vocês, um segredo


nosso, mas, antes de saber da sua gravidez, já tinha
encomendado o anel. Quando me descobri com câncer,
minha vida mudou de perspectiva. Precisei encarar o medo
da morte e uma possível impotência para perceber que a
vida é curta demais e que preciso vivê-la ao máximo
enquanto ainda posso. Quero fazer isso com ela, seja lá
quanto tempo tenhamos daqui em diante, que seja intenso,
com seus meandros, desde que estejamos um ao lado do
outro e, claro, com suas amigas e família entre nós.

Ah, e não posso esquecer das confusões.

Estamos na fila para o embarque. Está quase


anoitecendo. Dani decidiu que queria tomar cappuccino.
Não sei como seu estômago aguenta essa mistura com
panelada. E eu ainda estou com o estômago embrulhado.
Ela não diz que está tendo desejo de grávida, mas, mesmo
que teime comigo, dá para notar sua diferença. Dani, de uns
dias para cá, vem anunciando o que quer comer, bem
específica, e antes disso não dizia.

Se há algo que costumo fazer muito, é observar como


ela age, como fala, desde o início da nossa história me
inebrio de tudo o que ela pode me dar de si. Gosto quando
ela me diz o que pensa.

E puta merda.

Eu acho que meu estômago está começando uma


rebelião.

Sinto uma cólica sutil atravessar, seguida de outra, e as


dores vão aumentando.

Agora não!

Não quando vou entrar num avião lotado e tenho mais


de três horas de viagem pela frente.

Meu estômago faz um barulho estranho.

Dani se vira para mim com a sobrancelha arqueada.

Eu quero me encolher com a dor excruciante que me


atravessa neste instante.

O que quer que esteja em meu estômago, parece ser


mais de um e dançam uma quadrilha fervorosa.
— Tudo bem, Michel? — Ela leva a mão até o meu
braço.

— Estou, por quê? — Estou aflito pelo tom da voz.

Um som fino reverbera e não é do meu estômago.

— Cacete! — Levo a mão até o cabelo e o aperto.

Começo a suar frio, outra avalanche de dor.

— Você está ficando pálido. É melhor irmos a uma


emergência.

— Não! — quase grito de dor.

— Nem pensar que você vai viajar desse jeito. — Dani


começa a me empurrar.

— Não, Dani. — Sou teimoso, eu sei; tento convencê-


la, mas nem eu me sinto seguro de que estou tomando a
decisão certa e ela percebe.

Algo se rasga atrás de mim e o som vem de dentro do


meu organismo. Sinto um cheiro subir ao nariz. Puta merda!

— Eu não sei se consigo chegar a algum lugar que não


seja o banheiro agora, Dani.

— Está bem, então vamos lá e você elimina o que está


te fazendo feder demais.

— Aquela panelada não caiu bem — digo enquanto


seguimos para o banheiro.
— Jura? — ela é sarcástica. — Eu nem percebi.

— Agora não é hora para brincar.

— Eu sei, me desculpe, tá? — Ela amassa os lábios,


está segurando o riso.

— Você está querendo rir de mim — anuncio chateado


por constatar que minha situação é engraçada.

— Chegamos ao banheiro. — Ela me empurra e eu


entro correndo.

Não procuro pelo melhor compartimento, só entro e me


sento, antes de ser tarde demais.

E foi por pouco.

Mas fiquei ali por quase uma hora. Jogando tudo para
fora, fazendo um estardalhaço.

Estou sem forças quando saio do banheiro, mas


aliviado.

Dani está sentada numa cadeira, quase em frente, e


tem a cabeça encostada. Quando me aproximo, ela ergue o
rosto para mim.
— Está melhor? — Levanta-se e ergue para mim uma
sacola. — Comprei algumas coisas para você tomar, para
ajudar, e também é bom se hidratar. — Seu olhar parece
pesaroso.

— Obrigado. — Beijo sua testa.

— Como está se sentindo?

— Cansado. Acho que não consigo viajar hoje, talvez


volte, não é?

— Sim, por isso reservei um quarto em um hotel aqui


perto para nós.

— Então vamos. Preciso dormir.

Dani me abraça e vamos em direção ao desembarque.

— Me desculpa por insistir tanto na panelada.

— Eu comi porque quis, você me alertou.

— Mesmo assim, não devia ter deixado você comer. É


forte demais e, se você não tem o hábito de comer, é claro
que não vai cair bem.

— Tudo bem, estou acumulando histórias para contar


ao nosso bebê depois que nascer. — Ao me ouvir, ela se
afasta um pouco e me olha.

— Temos boas histórias para contar, não é?

— Mais suas que minha, é claro.


— Na maioria você está, então são nossas histórias.

— Obrigado, Dani, por ter me dado uma segunda


chance.

Beijo sua testa.

E sinto meu estômago embrulhar novamente, mas desta


vez é mais leve.

O pior está se aproximando e espero que dê tempo de


chegarmos ao hotel.

Algumas semanas depois…

Saio do consultório atordoado com o resultado dos


exames.

Ainda tenho muitas consultas para fazer pela frente, até


entrar em remissão, contudo saio da sala com esperança de
que verei meu filho ou filha nascer e, quem sabe,
acompanhar seu crescimento.

Temos um desafio e tanto pela frente, afinal serei pai


de novo aos 50 anos, com a perspectiva de que posso ou
não estar presente por tanto tempo em sua vida e transmitir
todos os ensinamentos como todo pai deve fazer.
Contudo, volto para casa feliz, com a mulher que tira o
meu fôlego sempre que olho para ela. Vejo a sorte que
tenho por tê-la conhecido, planejando como vou pedi-la em
casamento, porque quero passar o resto da minha vida ao
seu lado.

Então, este é um fim, mas não é verdade, porque nossa


história continua; até quando, não sei, mas não vejo a hora
de contar a ela a novidade. Sem câncer, estou limpo e
agora podemos planejar nossa vida.
Será que de fato existe um fim em uma história e ele é
feliz? Sempre fico com essa sensação quando termino uma
história. Porque sabemos que a vida nem sempre é assim,
existem altos e baixos, momentos felizes, outros nem tanto,
então não quis terminar a história da Dani com algo doce
demais, já que nem sempre é assim, mas quis mostrar que
sempre vai haver algum contratempo, uma diversão para
eles contarem agora para o bebê que está vindo por aí, né?
Porque, em se tratando da Daniela, que é um ímã para o
desastre, tudo pode acontecer, mesmo em uma viagem que
tem tudo para dar certo.
Então, se você chegou até aqui e se dispôs a conhecer a
história da Daniela, saiba que a personagem é inspirada em
uma pessoa real. Para dar vida e trazer o romance que a
minha amiga merece, precisei adicionar o Michel, um
personagem que, talvez, a Geane não vá conhecer, mesmo
tentando e falhando miseravelmente muitas vezes. Ela,
contudo, não perdeu a esperança de, algum dia, ser feliz no
amor, porque para amar não tem idade e nunca é tarde para
encontrá-lo. Infelizmente, Geane ainda não esbarrou em
alguém capaz de aceitar o furacão que ela é. Cheia de
energia, um pouco maluquinha, mas uma amiga incrível, e
mãe melhor ainda. Sabe aquela pessoa para quem não tem
tempo ruim? Essa é ela. Então fico muito feliz por vocês
darem uma oportunidade à história dela.
Espero que, algum dia, eu escreva um novo conto sobre a
minha amiga, para fofocar o que vem aprontando por aí.
Quem sabe Geane conheça alguém até lá, não é? Vamos
torcer, fazer promessa para ver se dá certo. Conto com
vocês para isso.
Gente!!!

FINALMENTE EU FINALIZEI!

Aos trancos e barrancos, cheguei aos tão esperados


agradecimentos! Glória!

Vamos glorificar, porque nem eu acredito nisso!

Enfim, vamos aos agradecimentos.

Daya, sempre tu, mulher, que vem me contar várias


histórias para adicionar e dar vida a Dani, pode ter certeza
que, as que eu não usei aqui, vou usar com outras
personagens, porque é claro que vou escrever mais
comédia graças a você, que me fez descobrir que eu
consigo fazer as pessoas rirem. Justo eu, a pessoa mais
dramática na face da Terra (juro que sou assim).

Deh, amiga, muito obrigada por cuidar com tanto


carinho da Dani, vou te carregar num potinho e para o resto
da minha vida, ou seja, vai ter que me engolir.

Jaque, tem uma cena neste livro especialmente


dedicada a você, acho que vai saber qual é. Te amo muito,
mulher!

Andrezza, amiga, você é, sem dúvida, um presente em


minha vida. Obrigada por todo o incentivo. Não desiste de
mim, tá?

Às meninas do grupo de leitura da Layla: Nádia,


Laynara, Cibele Barbosa, Fabíola, Regina, Luciana, Laila
Ferreira, Rosângela, Magna e a Layla (organizadora),
jamais vou esquecer vocês. Quero algum dia poder
conhecê-las.

Gabi, do Entre livros e Sonhos, obrigada por ter


abraçado a ideia dos contos e nos ter apresentado a
pessoas incríveis como as meninas da LC; as lindas: Sara,
Leticia, Maria José, Mara Regina, Manuela, Joana, Amanda,
Endi, Andreia, Amy, Tatiane, Nath, Yslai e Tamiris.

Ana Carolina Berg, amiga, você foi um presente de


Deus em minha vida, quero poder conhecê-la pessoalmente,
viu. Obrigada por ter dado oportunidade de conhecer a
Dani, espero que ainda queira ser sua melhor amiga e sair
para uma balada com ela.

E a você que leu até o fim dos agradecimentos,


obrigada por ter lido tudo e conhecido a Dani. Espero que
tenha se divertido.

Se gostou da história, deixe seu carinho nas


avaliações, vou adorar ler o que vocês estão achando.

Um beijo.

Até a próxima.

Grazi Fontes.
Leia os outros contos do projeto sabores do dia dos
namorados.
[1]
Expressão popular para quando alguém decide resolver uma situação causando outro
problema ainda maior.

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