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Copyright © 2017 Alissa Nayer

Capa: Annie Sabat


Copidesque: Carla Santos
Diagramação digital: Carla Santos

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qualquer forma, meio eletrônico ou mecânico sem a permissão da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.
-- Ficha Técnica --

-- Prólogo --

-- Um --

-- Dois --

-- Três --

-- Quatro --

-- Cinco --

-- Seis --

-- Sete --

-- Oito --

-- Nove --

-- Dez --

-- Onze --

-- Doze --

-- Treze --
-- Quatorze --

-- Quinze --

-- Dezesseis --

-- Dezessete --

-- Epílogo --

-- Biografia --

-- Obras --
Estou acordado. Tenho certeza de que estou. Mas não consigo ver nada. Tudo o que consigo
é sentir uma irritação profunda ao ouvir um barulho insuportável próximo aos meus ouvidos.

Oh. Acabo de perceber o porquê de eu não estar conseguindo ver nada. Estou acordado,
mas meus olhos permanecem fechados. E, puta merda, eu deveria tê-los mantido assim, porque
nesse momento, estou forçando-os a se abrirem, e a luz que bate contra eles me faz desejar estar
morto. Isso se eu já não estiver caminhando em direção à luz divina. O que não faria sentido, pois,
com certeza, depois do que quer que eu tenha feito na noite anterior para estar me sentindo assim,
eu não seria aceito no céu.

Argh! Como se não bastasse o ruído detestável que há pouco me despertou, agora ouço
socos serem desferidos contra a madeira. Provavelmente na porta do meu quarto. Eu estou no meu
quarto, não estou?

Esfrego os olhos com uma das mãos e ergo minimamente a cabeça, sentindo como se meu
cérebro fosse feito de concreto. Um gemido estrangulado sai por minha boca devido à secura na
garganta e, mais uma vez, amaldiçoo a luz forte que bate contra minhas pálpebras conforme tento
me sentar na cama.

O barulho que me acordou torna a soar e, após alguns segundos, ainda desnorteado, tateio
a cama até encontrar meu celular gritando e vibrando sob o travesseiro. Nem chego a ver a tela
direito, pois no instante em que o alcanço, ele escapa da minha mão e cai no chão. Estou tão
destruído que nem me importo.

E ouço mais batidas contra a porta.

— Já vou, cacete! — digo, sem ter certeza se a pessoa que está socando a porta pode ouvir
minha voz rouca.

Coloco as mãos no rosto e tento, aos poucos, me acostumar com a luz do dia conforme forço
meu corpo a sair da cama. Cambaleando e apertando os olhos, arrasto-me até à porta — que
parece cada vez mais distante a cada passo que dou.

Quando finalmente a alcanço e giro a maçaneta, encontro Vinícius segurando uma bandeja
cheia de comida e com o pé direito erguido para frente, fazendo-me deduzir que suas batidas
estavam fortes daquele jeito porque ele estava chutando a porra da porta.

— Até que enfim! Já estava começando a achar que você tinha morrido — comenta,
passando por mim e entrando em meu quarto sem nenhuma cerimônia, deixando a bandeja sobre
o criado-mudo ao lado da cama.

— Bom, eu não morri ainda. Acho que estou bem perto — digo ao fechar a porta e ir até
minha cama novamente.

— Eu trouxe reforço e muito café forte para você e o Heitor, mas ele ainda está
completamente desmaiado no sofá. Já peço desculpas adiantadas pela bagunça que fiz na
cozinha, mas você não tem o direito de brigar com o seu amigo que fez isso para tentar cuidar de
você — Vinícius adverte ao apontar para a bandeja com o café da manhã. Em seguida, ele puxa
o lençol da minha cama e o joga sobre mim. — Porra, cubra isso aí porque não sou obrigado a
ficar vendo seu pau a ponto de pular da cueca.

Balanço a cabeça diante de suas palavras e puxo o lençol sobre meu colo, a fim de me
cobrir o suficiente para ser menos constrangedor.
— Minha cabeça parece a ponto de explodir — reclamo, pousando os cotovelos nos joelhos
e apertando o rosto contra as mãos.

— Mas o que você esperava depois da bebedeira de ontem à noite? — meu amigo
pergunta, sentando-se na poltrona que há no quarto. — Sinceramente, Maurício, não precisava ter
exagerado daquele jeito. Aposto que nem se lembra do que fez ontem, não é? — questiona e, no
mesmo instante, eu ergo a cabeça de uma vez, ficando tonto e vendo-o rodar um pouco.

— Ah, meu Deus, Vinícius! Eu fiz alguma coisa errada? — indago preocupado, tentando
desesperadamente revirar em minha mente os acontecimentos da noite anterior.

— Não. Eu diria que foi... vergonhoso — explica, colocando os pés na poltrona e lançando-
me um olhar divertido.

— Vergonhoso? — Junto as sobrancelhas, confuso. Uma péssima ideia, aliás, isso só faz
minha cabeça latejar mais uma vez.

— É — Vinícius diz simplesmente, começando a rir.

— Porra, dá para você me ajudar? Não é legal rir da desgraça alheia, sabia? — resmungo,
esfregando o rosto mais uma vez. — Tudo o que consigo me lembrar é que eu disse a Marcela
que não dava mais... E então ela começou a chorar, me bater e xingar a mim e a minha mãe de
nomes que eu nem sabia que existiam... Depois você e o Heitor me arrastaram para aquela festa...
Eu comecei a beber e beber... E... — Tento me lembrar de mais alguma coisa, mas tudo o que me
vem à mente são imagens confusas. E mais dor de cabeça.

— E então você começou a dançar sozinho por uns vinte minutos, sem se importar com os
olhares mortais das pessoas em quem você esbarrava; tentou cantar algumas garotas, mas seja lá
o que você tenha dito, as deixou bem irritadas. Uma delas até te deu um tapa na cara. — Vinícius
faz uma pausa para rir da lembrança, mas continua assim que eu lhe lanço um olhar mortal. —
Tive que te segurar para que você não subisse em uma mesa e começasse a tirar a roupa, e
discutimos até você decidir que queria comer. Quase apanhei porque me recusei a te levar a um
drive-thru, como você estava exigindo, e quando cedi, você e o Heitor pediram lanches
absurdamente grandes e eu fiquei completamente chocado ao te ver comendo hambúrguer e
batata frita.

Meu estômago embrulha conforme ele conta a história.


— Que merda! — gemo. — Porra, Vinícius, eu estava bêbado! Eu não conseguiria te dar
uma surra direito! Você deveria ter me segurado!

Meu amigo revira os olhos diante de minha indignação.

— Ah, não se preocupe com isso. Você vomitou tudo no caminho de volta para casa. Aliás,
vou te enviar a conta depois que mandar lavar o meu carro, viu? Você colocou a cabeça para fora
da janela ao esvaziar o estômago, mas fez o maior estrago nas portas. O Heitor também.

Suspiro com força, lançando-lhe um olhar para tentar deixar claro que aquilo é o de menos,
mas não posso dizer que estou completamente aliviado. Além de ter passado vergonha, fiz meus
amigos passarem por isso também. Tudo isso porque a minha ex-namorada me sufocou até que eu
encontrasse forças das profundezas do meu ser para dizer "Chega!", sou completamente fraco em
relação à bebida e aquele adolescente absurdamente acima do peso e com taxas de gordura e
açúcar altas que fui um dia ainda vive em mim, só esperando por esses momentos de fraqueza.

Pois é. Quem olha para o Maurício Mascarenhas de hoje, que mantém a alimentação o mais
saudável possível, além da rotina de exercícios três vezes por semana levada extremamente a
sério, não imagina, à primeira vista, que eu já tive muitos e muitos quilos acima do meu peso
considerado ideal para uma boa condição de saúde.

Eu não costumava me incomodar com isso no começo da adolescência, mas o terror começou
quando cheguei ao ensino médio. Não bastava a minha forma redonda, eu ainda era um típico
CDF tímido que usava óculos com lentes estilo fundo de garrafa e armação grossa. Era o suficiente
para eu ouvir todo dia, sem exceção, que eu era um "hipopótamo de óculos", que chegaria à aula
de educação física mais rapidamente se eu fosse rolando, ou que nos jogos de futebol eu só
serviria para ser a bola, uma vez que eu não conseguia correr o suficiente para ser um bom
jogador e seria um trapaceiro ao tentar ser goleiro, já que eu aparentemente tapava o gol inteiro.

Pareciam brincadeiras costumeiras pelas quais qualquer adolescente passa, mas depois de
um tempo, começaram a doer de verdade. Eu encontrava cada vez mais prazer na comida
conforme me sentia cada vez mais infeliz com o passar dos dias e os apelidos novos que recebia a
cada semana. Eu nunca me manifestava. Nunca revidei nenhuma das ofensas que recebi. Nunca me
importei por não ter amigos. Nunca me preocupei em encher meus pais com um problema no qual
eles provavelmente não veriam gravidade. Apenas continuei tentando ser feliz comendo, comendo
e comendo mais um pouco.
Até que, em um dia fatídico, eu passei muito mal depois de comer muitas batatas fritas em um
restaurante fast-food. Muitas mesmo. Só me lembro de acordar em um hospital horas depois, com
um médico me dizendo o quanto eu estava perto de acabar com a minha vida. Eu realmente não
me importava com a minha forma. Por mais que sofresse com o que passava na escola, eu me
recusava a ser diferente do que era só para que me aceitassem. Eu me aceitava e já era o
suficiente, mas, devido a graves problemas de saúde que desenvolvi com apenas dezoito anos,
comecei a mudar meus hábitos com a ajuda de nutricionistas e, mais tarde, de personal trainers.

A princípio, era tudo uma questão de saúde, mas conforme eu me sentia cada vez melhor,
mais eu gostava de levantar cedo para malhar e mais eu me conformava com a alimentação
restritiva a que me submetia. Emagrecer foi simplesmente uma consequência da minha busca por
uma vida mais saudável, mas não vou ser hipócrita e dizer que não gosto disso. Gosto bastante,
até.

Entretanto, também não pense que sou um neurótico obcecado que conta cada caloria que
come e com tendências metrossexuais que fica medindo os músculos dos braços a cada levantada
de peso. Mantenho o equilíbrio com a combinação "de tudo um pouco + exercícios regulares". É
claro que eu me permito vez ou outra, mas conscientemente. O que faz dos meus atos na noite
anterior bastante irresponsáveis.

— Enfim, é melhor você comer logo e se hidratar. Levando em conta o que presenciei ontem
e a sua cara de derrotado, sei que você deve estar se sentindo na merda — Vinícius diz, pegando
seu celular e começando a correr os dedos pela tela. Passo a língua pelos lábios e me inclino em
direção ao criado-mudo para pegar a garrafa de água que ele trouxe na bandeja.

— Acho que preciso de um banho prime...

— MAURÍCIO, PORRA!

O susto que levo faz com que eu derrame um pouco da água que estou segurando em meu
colo, e parece que uma furadeira está atravessando minha cabeça. Furioso, encaro Heitor, que
abriu a porta do meu quarto bruscamente e agora está parado na abertura, com a cara
amassada contorcida em uma careta de irritação, usando somente sua calça jeans desabotoada e
segurando o celular.

— Como diabos a Marcela tem o número do meu celular? — ele pergunta, pisando duro e
vindo em minha direção. — Ela me ligou milhões de vezes e quando eu finalmente escutei essa
droga tocando e atendi, gritou tanto no meu ouvido que me deixou surdo! Você tem que... Maurício,
caralho! Estou falando com você! — Ele chacoalha a mão na minha frente quando vê que eu
esfrego a testa e desvio meu olhar do seu.

— Eu sei, Heitor! Para de gritar desse jeito, minha cabeça vai rachar, inferno! — reclamo,
finalmente dando um gole na água.

— Dá um jeito na maluca da sua namorada porque eu não estou a fim de ficar pagando o
pato!

— Ela não é mais minha namorada!

— Caramba, vocês dois, hein! — Vinícius perde a paciência, guardando seu celular de volta
no bolso e sentando-se direito na poltrona, olhando-nos com reprovação. — Calem a boca e vão
comer e se hidratar, porra! Resolvam essas merdas depois, até eu estou ficando com dor de
cabeça, droga!

Heitor e eu suspiramos ao mesmo tempo, em derrota e rendição. Vinícius nem sempre


consegue impor seu tom autoritário conosco, mas dessa vez nem quero discutir. Ele não está errado,
afinal de contas.

Levanto-me para ir tomar um banho e Heitor aproveita para beber o restante da água que
deixei na bandeja e começar a comer. Vinícius se levanta e diz que vai buscar mais água e
comida, dois segundos antes de eu finalmente entrar no banheiro.

Meu amigo sempre foi assim, desde o primeiro momento em que nos conhecemos. Ele é
personal trainer na academia que frequento há anos, que fica na Clínica & SPA da qual a minha
irmã mais velha é gerente, e nossa amizade surgiu desde então. Vinícius é um cara centrado, sério,
disciplinado. Ele não é perfeito — convenhamos, ninguém é —, mas sua tendência a se meter em
problemas é bem menor se comparada a de Heitor e à minha.

Exceto quando se trata de relacionamentos amorosos. Combinado à sua personalidade


correta e responsável está o romantismo incorrigível, e a maioria das mulheres com quem ele já se
relacionou o magoou de alguma maneira. Seu porte malhado, pele bronzeada e postura que o
deixa seguro de si faz sucesso com a mulherada, mas a maior parte das que se envolvem com ele
está procurando apenas se divertir, justamente por pensarem que ele é exatamente esse tipo de
cara, quando na verdade ele é um dos poucos que estão perto dos trinta anos de idade e
completamente convictos de que querem um relacionamento profundo e significativo, quem sabe
para a vida toda. Eu admiro sua personalidade, mesmo que, às vezes, ele seja durão e chorão.

Heitor e eu somos amigos há alguns anos, desde que as empresas em que trabalhamos se
fundiram para se tornarem uma potência maior. Ele trabalha com gestão de recursos humanos e eu
com gestão financeira e, apesar de pertencermos a setores diferentes, nos demos muito bem
quando as equipes foram apresentadas. Heitor é um cara tranquilo, divertido e dificilmente alguma
coisa o tira do sério — claramente, ser acordado com gritos ao pé do ouvido quando ele está de
ressaca é uma dessas coisas. Ele é do tipo de cara que adora fazer piada e ver o lado bom da
vida, e sempre deixa claro que acha uma babaquice o fato de Vinícius ser romântico e tradicional,
uma vez que sair pegando geral é com ele mesmo.

Apesar de tudo, nós somos companheiros de loucuras, dias de alegria, de tristeza, e eu


realmente os considero como irmãos. Temos uma ligação especial e eu sou muito grato por ter dois
melhores amigos com os quais posso contar.

Assim que termino o banho, nem me dou ao trabalho de ajeitar o cabelo, passando apenas a
toalha para retirar o excesso de umidade. Hoje é domingo, e com a dor que ainda lateja minha
cabeça, sair de casa ou fazer qualquer coisa está totalmente fora dos meus planos. Volto para o
quarto com uma toalha enrolada na cintura e encontro Heitor ainda sentado na cama comendo e
Vinícius entrando no quarto com mais comida. Os dois encaram meu celular no chão, que tornou a
tocar insistentemente, e eu passo direto até meu guarda-roupa para pegar uma cueca e uma
bermuda.

— Vai ficar fugindo da Marcela para sempre? — Heitor pergunta com a boca cheia,
apontando para o aparelho, que para de tocar e, dois segundos depois, berra novamente.

— Cara, eu deixei bem claro que acabou. Se ela não conseguiu entender quando eu disse
as palavras em alto e bom som, talvez ignorá-la seja o melhor jeito de fazê-la compreender —
digo, indo ao banheiro para me vestir. — De qualquer jeito, não estou em condições de lidar com
nada agora. Só quero me afundar nessa cama e hibernar até a hora de ir para o trabalho
amanhã. — Penduro a toalha úmida no banheiro e volto para o quarto, indo até a bandeja de
comida para beliscar uma torrada.

— Bom, então eu vou embora. Já passa do meio-dia, e você precisa mesmo descansar e
clarear a mente — Vinícius diz, levantando-se. — Não seja um canalha com a Marcela. Eu sei que
ela é meio descontrolada, mas resolva as coisas direito, ok?

— Tudo bem.

— Eu também já vou. Pode me dar uma carona, Vinícius? — Heitor pergunta e nosso amigo
assente, já indo para a porta. — Só preciso encontrar a minha camisa...

— Está jogada no chão da sala, junto com a sua dignidade — Vinícius responde, recebendo
o dedo do meio de Heitor e uma gargalhada minha. — Anda logo, Heitor.

— Estou indo, papai. — Ele faz uma careta e se levanta, pegando mais um pedaço de pão
integral com patê de atum antes de seguir Vinícius.

Acompanho os dois até à porta, notando vagamente meu sofá marcado, porque um deles
dormiu ali. A coisa devia estar tão feia que Heitor capotou ali mesmo, e Vinícius ficou com o quarto
de hóspedes depois de me ajudar a chegar ao meu. É a única explicação para eu ter conseguido
dormir na minha cama.

— Obrigado por tudo, Vinícius, e desculpa por ter vomitado no seu carro — digo quando
eles estão prestes a sair.

— Eca! Tem vômito no seu carro? — Heitor pergunta, com cara de nojo.

— Sim, e parte dele é seu. Nem reclame — Vinícius adverte, deixando nosso amigo com cara
de quem vai vomitar de novo, e balança a cabeça para mim em cumplicidade. Eu apenas sorrio de
volta.

Eles finalmente entram no elevador e eu volto para dentro de casa, indo rapidamente até o
quarto para pegar a bandeja com o café da manhã e retorno à sala para comer vendo televisão.
Consigo ouvir meu celular tocar mais uma vez, e mais uma vez eu o ignoro. Sei que estou sendo um
canalha com a Marcela, como disse o Vinícius, mas eu realmente não quero lidar com isso agora.

No começo, há alguns meses, me pareceu uma boa ideia tentar um relacionamento mais firme
com ela, pois já havíamos saído várias vezes e nos dado muito bem. Entretanto, ela acabou se
tornando possessiva e ciumenta além da conta com o passar do tempo. Eu nunca a sacaneei, nem
pretendia fazer isso, mas ela havia plantado na cabeça a paranoia de que eu vacilaria na
primeira oportunidade. Essa loucura toda dela começou a me cansar e eu resolvi ser honesto e
terminar aquele relacionamento que já estava mais que desgastado, mas ela simplesmente não
aceita isso, o que me faz ponderar o que diabos é preciso fazer para que ela compreenda que
não dá mais.

Talvez eu converse com ela. Talvez eu pergunte isso. Mas preciso que a minha cabeça pare
de latejar primeiro.

São quase nove e meia da noite e já estou me preparando para dormir, como se eu já não
tivesse feito isso durante o dia inteiro. Depois que meus amigos foram embora, só levantei do sofá
para dar uma arrumada na cozinha e fazer algo para jantar quando a noite chegou. A dor de
cabeça cedeu e, depois de muita água, analgésicos e café, finalmente os sintomas da ressaca
começaram a melhorar. Meu celular toca sobre o criado-mudo e eu reprimo a vontade de enfiar
meu rosto em um travesseiro e gritar, mas quando pego o aparelho maldito, vejo o nome da minha
irmã piscando na tela. Sinto um alívio parcial ao pegá-lo para atender a chamada.

— Por favor, Amanda, me diga que você tem um motivo enorme e urgente para estar me
ligando no exato instante em que estou indo dormir — digo assim que atendo, recebendo uma
gargalhada do outro lado da linha. Só a minha irmã mesmo para estar de bom humor em uma
noite de domingo, ciente de que o dia seguinte começará cedo.

— Hummm, alguém está ranzinza depois da ressaca! — ela comenta, sem se deixar abalar
por meu tom grosseiro.

— Quem te disse que estou de ressaca?

— O Vinícius. Falei com ele hoje à tarde para rearranjar os horários dele para amanhã e
ele acabou comentando — ela explica, e eu consigo ouvir o barulho de alguma coisa caindo no
chão. — Então, como você está?
— Melhor. Passei o dia inteiro descansando, me hidratando e tomando remédios para a dor
de cabeça. Foi uma ressaca das grandes — digo, sentando-me em minha cama. — Terminei com a
Marcela.

— Sei disso também — comenta naturalmente. Quase posso vê-la dar de ombros.

— Porra, mas o Vinícius é um fofoqueiro mesmo, hein?

— Ah, para, Maurício, eu saberia de qualquer jeito. E também não via a hora de você fazer
isso logo. Nunca gostei dela.

— Você nunca gosta de nenhuma das minhas namoradas.

— Só estou cumprindo meu papel de irmã mais velha, maninho. — Ela dá mais uma
risadinha. — Liguei para saber se você estava bem. Também já estou indo dormir, o dia amanhã
será bem cheio. Ah, já te falei que a nova fisioterapeuta começa amanhã?

— Acho que você chegou a mencionar sim, mas pensei que você ainda iria entrevistá-la.

— Ah, não, não foi preciso. Ela tem currículo e experiências muito boas, e foi muito bem
recomendada pela Lara, uma das massagistas. É prima dela e talvez seja suspeita para falar, mas
ela é realmente boa. Ela passou por uma espécie de treinamento com a Maitê semana passada, e
já está bem familiarizada com os equipamentos, tratamentos, pacientes e tudo o mais — ela diz
com animação e certo alívio na voz, que compreendo no momento em que ela fala novamente. —
Graças aos céus encontramos uma fisioterapeuta que não viva à base de remédios tarja preta ou
com tendências pervertidas.

Dou risada, porque só eu sei o que ouço de Amanda sobre os profissionais que trabalham —
melhor, trabalhavam — na Clínica & SPA que ela gerencia. É um lugar maravilhosamente
recomendado e muito bem frequentado, sendo referência na cidade quando se fala de ótimo
espaço e serviço, e minha irmã se preocupa bastante em ter os melhores profissionais para que o
lugar não perca a importância que conquistou e mantém há vários anos.

— Ok, então. Boa sorte. Aparecerei lá no fim da tarde para malhar amanhã.

— Tudo bem! Boa noite, maninho. O quê? — Sua voz fica um pouco distante por alguns
segundos, como se ela tivesse afastado o telefone da orelha. Consigo ouvir uma voz masculina lhe
dizer algo. — O Pedro disse que acha que você gostaria de saber que ele se matriculou na
academia — ela diz, rindo alto.

Meu cunhado cultiva uma barriga estufada e péssimos hábitos alimentares, e sempre tira
sarro de mim quando tento convencê-lo pelo menos a se exercitar, pelo bem de sua saúde. Ele diz
que eu tenho preconceito com sua pança, e eu sempre digo que não é isso, ele diz que está
brincando, eu finjo que acho graça e fica por isso mesmo. Tirando isso, ele é uma boa pessoa, o
que não me faz questionar muito o que a minha irmã viu nele, já que eles estão casados há seis
anos e formam uma família linda com minha sobrinha, Íris, que completou quatro anos de idade mês
passado, e meu sobrinho, Inácio, que deve chegar às nossas vidas dentro de três ou quatro meses.

— Diga para ele que até pago para ver.

Amanda continua a rir do outro lado da linha.

— Para falar a verdade, eu também — ela confidencia baixinho. Consigo ouvir Pedro
perguntar "Está rindo de quê?". — Nada, amor. O Maurício mandou te desejar boa sorte. Vai
dormir, vai, já estou indo também. — Dessa vez, eu é que começo a rir, e ela volta a falar comigo.
— Ok, agora eu vou mesmo. Boa noite, Maurício, se cuida.

— Pode deixar. Boa noite, Amanda.

Levanto-me para apagar a luz do meu quarto e finalmente me jogo na cama, ajustando o
despertador e colocando meu celular no modo silencioso, antes de cair em um sono que espero ser
suficiente para que eu não pareça ter sido atropelado quando acordar no dia seguinte.
Sabe aqueles momentos em que você pensa "se arrependimento matasse, eu estaria
enterrado nesse exato instante"?

É exatamente o que me passa pela mente assim que vejo Marcela vir ao meu encontro, logo
depois que saio do prédio onde trabalho. Seus cabelos loiros e cacheados esvoaçam ao redor do
rosto, que apresenta uma expressão de pura fúria. Reprimo a vontade de revirar os olhos no
momento em que ela dá seu último passo, firme, e para diante de mim.

— Você é um canalha — ela profere as palavras entredentes, encarando-me com muita


raiva.

Bem, para ser honesto, ela não está completamente sem razão. Reconheço que terminar com
ela e depois mudar o número do meu telefone, por estar cansado de ignorar as suas ligações
durante a segunda, a terça e a quarta-feira não foi muito doce da minha parte. Mas ela precisa
entender que acabou.

— Se você veio até aqui só para me dar essa informação, sinto muito, mas perdeu o seu
tempo. Eu já sei disso.

Ela estreita os olhos e solta uma risada de escárnio, olhando ao redor por alguns segundos
para depois voltar a me fitar.

— Como espera que eu fique depois de você me dar um pé na bunda sem explicações e
ignorar as minhas ligações? Por que você quer desistir de nós dois assim, tão facilmente? Por que,
Maurício?

— Marcela, eu disse que não dá mais...

— Argh! Para com essa merda e me dá uma explicação aceitável, caramba! Você não é
homem o suficiente para conversar honestamente comigo e tentarmos dar um jeito? Acha melhor
pisotear nos meus sentimentos e cair fora sem mais, nem menos, porra?

Bom... sim.

Argh, ok. Estou sendo o maior babaca com ela, que apesar de ter se tornado essa pessoa
alterada e paranoica, não merece que eu simplesmente pise nos seus sentimentos, como ela mesma
disse.

Fala sério, Maurício! Vinte e oito anos de idade na cara e você ainda não tem maturidade para
lidar com essas situações? Seja homem, caralho!

Ora, quem diria? Eu tenho uma consciência!

— Tudo bem, Marcela.

A expressão consternada dela se transforma aos poucos, conforme sua testa franzida e olhos
arregalados suavizam.

— Como assim, “tudo bem”? “Tudo bem, eu cometi um erro”?, “Tudo bem, nós teremos mais
uma chance”? — ela questiona, com um rastro de sorriso surgindo em seus lábios.

E, mais uma vez, estou prestes a ser o responsável por tirar isso dela. Merda!

— Bom, er... não sei. Na verdade, eu ia dizer "Tudo bem, Marcela, nós podemos conversar"
— respondo, dando de ombros, e a sombra de animação foge de sua expressão. — Vem, meu
carro está estacionado logo ali.
Ela bufa e me segue, pisando duro novamente. Abro a porta do passageiro para que ela
possa entrar e dou a volta no carro em seguida, para tomar meu assento no lado do motorista.
Marcela cruza os braços, olhando fixamente para frente, com um bico enorme adornando sua
boca.

— Você quer ir a algum lugar ou...

— Por que você quer terminar? — Ela se vira para mim, abruptamente, e quase pulo no
assento. — Estava tudo indo tão bem... eu estava tão feliz! O que está acontecendo com a gente,
Maurício?

A mágoa em seus olhos é inegável, e estou cada vez mais convencido de que ela nem ao
menos tem noção de que se tornou neurótica e histérica.

Estivemos juntos por quase sete meses, e durante os primeiros cinco deles, mais ou menos, eu
também estava feliz ao lado dela. Além de ser uma mulher linda, que me chamou atenção logo no
primeiro instante com seus cachos loiros e grandes olhos cor de chocolate, ela costumava ser
divertida e carinhosa. Mas então, a certa altura, os ciúmes começaram a tomar conta dela,
piorando com o passar do tempo, a ponto de fazer todo o encanto ir embora aos poucos.

Eu não estava brincando com ela quando firmamos um relacionamento sério, mas duvidar da
minha fidelidade e me sufocar com sua possessividade me deixou de saco cheio. Não sei dizer se
cheguei a amá-la de verdade — desejo, carinho, respeito, com certeza eu sentia. E a chance de
tudo isso evoluir para amor acabou evaporando com as situações cada vez mais desgastantes em
que nos colocávamos.

Suspiro lentamente e encaro seus olhos, que me fitam com tanta força que parecem querer
enxergar além de mim. A frustração por não conseguir tal coisa também está estampada neles.

— Tem certeza de que você estava feliz, Marcela? Você estava feliz enquanto dava surtos
repentinos e descabidos de ciúmes? Você estava feliz ao desconfiar de cada passo que eu dava?
Eu é que pergunto o que aconteceu com a gente. Você se tornou possessiva e paranoica de
repente, e eu não consigo entender toda essa insegurança. Estava realmente indo bem, mas lá no
começo; quando você não achava que eu te trairia a cada vez que respirasse! — desabafo, de
uma vez, para fazê-la entender de uma vez por todas.

Lágrimas começam a preencher seus olhos e logo caem por seu rosto, sendo rapidamente
capturadas por seus dedos, que tentam secar as bochechas furiosamente. Meu coração martela no
peito de nervosismo, mas foi ela quem quis conversar. Estou sendo completamente honesto.

— Eu só não queria te perder. Você realmente me fazia feliz, e eu não queria correr o risco
de...

— O que te fez ter tanta certeza de que me perderia, Marcela? Não me lembro de te dar
motivos para acreditar que eu te sacanearia.

— Você não entende, Maurício. Não entende! — ela grita, agarrando os cabelos e
deixando-os ainda mais revoltos.

— Me explique, então! Você queria que eu te explicasse o meu modo de agir; eu o fiz. Acho
que o mínimo que mereço é o mesmo de você.

Ela agora chora copiosamente, evitando o meu olhar. Posso ver suas mãos tremendo
enquanto tentam esconder seu rosto arruinado por lágrimas. Estico minha mão para afagar seu
ombro, mas ela desvia do meu toque.

— Existe outra pessoa, não é? Você não quer ficar com peso na consciência e está me dando
um pé na bunda antes de correr para os braços de outra que você fará de idiota... não é,
Maurício?

Meu Deus, essa mulher vai me enlouquecer!

— Cacete, Marcela! — exclamo, sentindo meu nervosismo se transformar em irritação e


minha paciência desvanecer. — Olhe para mim — peço, tentando puxar suas mãos, mas ela insiste
em se desvencilhar. — Olhe para mim, por favor!

As evidências da decepção continuam a correr por seu rosto, e aos poucos ela perde as
forças e me deixa puxar suas mãos para as minhas, me olhando com tristeza. Não sou um babaca
insensível; vê-la desse jeito me deixa mal, mas não seria justo ficar com ela somente por pena.

— Olhe nos meus olhos e me responda com sinceridade: se nós nos déssemos mais uma
chance, você acha que seria capaz de confiar em mim?

Suas mãos ainda tremem entre as minhas, e ela funga várias vezes enquanto me inspeciona
com o olhar. Ela nem precisa responder em voz alta. Só o tempo que ela leva pensando já me dá a
certeza de qual palavra sairá de sua boca.

— Não.

Sua voz rouca pelo choro ecoa pelo carro silencioso, e eu finalmente solto suas mãos. Deixo
escapar um suspiro, esperando que ela diga mais alguma coisa, mas uns bons minutos de silêncio se
instalam ao nosso redor, de modo que chega a ser possível diferenciar nossos ritmos de respiração
e sentir a tensão pesada entre nós.

— Então... é isso, certo? Você e eu não somos mais nós...

— Você mesma deu resposta à pergunta que decidiria se poderíamos dar certo, Marcela. Eu
sinto muito. Você verá que isso é o melhor para nós dois...

— Você não sabe o que é melhor para mim. — Ela me encara de repente, com a mágoa e a
fúria brilhando em seu olhar. — Você sabe que isso será melhor para você, e somente você. Está
sendo egoísta, Maurício!

Jesus. Eu desisto.

— Marcela...

— Cale essa boca. Não fala mais nada! Não quero saber. Só posso desejar boa sorte à
próxima trouxa que se atrever a se envolver com você — ela resmunga, abrindo a porta do carro
e saindo em seguida. — Adeus, Maurício. Eu odeio você!

Dito isso, ela bate a porta com tanta força que o veículo chacoalha. Afundo o rosto nas mãos,
permitindo que um grito de raiva se liberte por minha garganta e seja abafado por minhas
palmas. Corro os dedos por entre os cabelos, repuxando-os em nervosismo, antes de finalmente
girar a chave na ignição e arrancar com tudo daquele estacionamento, para fugir do momento
desgastante que acabo de ter e desafiar limites de velocidade para chegar logo ao lugar que vai
me ajudar a canalizar minha raiva.
— Bom, pelo menos ela finalmente entendeu, não é? Não vai mais te perseguir.

Passo a pequena toalha no rosto conforme a esteira vai parando e eu diminuo meus passos.
Respiro fundo algumas vezes e desço do aparelho, sendo acompanhado por Vinícius, que durante
a última meia hora me ouviu despejar toda a situação que passei com Marcela momentos atrás,
enquanto tentava — com pouco sucesso — guiar meus exercícios. Ignorei-o quando ele quis que eu
fizesse os alongamentos costumeiros e fui direto correr na esteira, a fim de buscar alguma
adrenalina que me fizesse sentir menos na merda.

— Eu espero que sim. Não tenho tanta certeza se ela entendeu os meus motivos, mas ficou
completamente claro que não dá mais certo — digo um pouco ofegante e tomo um gole de água.
— Ela até disse que me odeia.

Vinícius ergue as sobrancelhas, surpreso.

— Uau! Tudo bem que ela disse isso em um momento de raiva e talvez tenha sido da boca
para fora, mas já que você foi honesto e sério com ela, provavelmente ela vai pensar várias vezes
antes de querer correr atrás de você de novo — ele devaneia. Até coloca o dedo indicador no
queixo.

— Obrigado pela lição, Senhor Como Entender a Mente Feminina — debocho, e ele me
mostra o dedo do meio. — Então, supino reto? — pergunto, indo direto até o aparelho.

— Calma aí, Maurício. Você nem ao menos fez os alongamentos direito, cara. É melhor você
se alongar e levantar uns halteres de poucos quilos antes de...

— Não estou com paciência para isso, Vinícius — corto-o, olhando para ele decidido. —
Quero levantar peso de verdade.

Meu amigo balança a cabeça e assume uma expressão ainda mais intimidadora do que a
minha, mas eu não baixo a guarda.

— Mas você não pode...

— Eu vou de qualquer jeito, porra! Me deixa!

Há algumas pessoas treinando além de mim, mas nem me importo com os olhares das que
estão mais próximas quando altero a voz. Vinícius ergue as mãos em rendição e dá alguns passos
para trás, indo orientar a pessoa que acaba de terminar de se aquecer na bicicleta.

Ajusto os pesos antes de me posicionar deitado sob o supino e agarrar a barra. Geralmente,
é Vinícius que os ajusta para mim, já que ele me acompanha há anos e sabe muito melhor do que
eu quando e o quanto devo aumentar a carga, mas estou precisando tanto direcionar minha raiva
e frustração em algo, que faço sozinho. Não é como se eu fosse iniciante, afinal de contas.

Respiro fundo e levanto a barra, que está evidentemente mais pesada do que estou
acostumado, e começo a fazer os movimentos, observando a barra ir e voltar em direção ao meu
peito. Faço uma sessão com dez movimentos e descanso antes de repetir a mesma quantidade em
uma segunda sessão. Sinto os músculos dos meus braços estremecerem, mas é tão insignificante que
respiro fundo novamente para começar mais uma sessão.

Decido que posso aumentar a carga. Colocar toda a minha concentração física e mental
nesse exercício está me ajudando a descontar os estresses que tenho passado, e isso é o que me
faz levantar e deixar aquela barra um pouco mais pesada. Quando me posiciono novamente para
realizar o exercício, ranjo os dentes e concentro toda a minha força em erguer o supino, e no meio
da minha contagem de dez movimentos, uma leve fisgada me atinge a região do ombro esquerdo,
próximo à axila, mas a ignoro, pois ainda é perfeitamente suportável.

Descanso, respiro e inicio uma nova sessão, quando, nos últimos movimentos, que me exigem
um esforço extra, uma dor dilacerante atinge a região logo acima de meu peito esquerdo,
fazendo-me desequilibrar o supino e me machucar ainda mais. Grito por socorro, e logo Vinícius
está retirando a barra de cima de mim, com certa dificuldade, devido ao peso que certamente ele
não esperava.

Levo minha mão direita até o ombro esquerdo, como se segurá-lo fosse fazer a dor passar,
mas isso acaba piorando.

Que merda!

— Puta que pariu, Maurício! Eu te avisei, cara! — Vinícius me repreende, tentando tocar o
local lesionado. Grito de dor quando ele o faz, sentindo até meus olhos arderem.

— Porra! — amaldiçoo, sem condições de ao menos mover o braço esquerdo. — Cacete, isso
dói!

— Eu avisei que os alongamentos eram necessários! Você é louco! A carga daquele negócio
estava estupidamente...

— Argh, Vinícius! Deixa para me dar sermão depois e me ajuda, merda! Não consigo mexer
meu braço — reclamo, tentando me sentar.

— E nem deve! Mantenha-o o mais imóvel possível. Você provavelmente distendeu algum
músculo ao tentar levantar mais peso do que podia. Vamos até à enfermaria arrumar gelo para
colocar sobre a região afetada.

Vinícius me ajuda a levantar e começa a me acompanhar pacientemente para fora da


academia, ressaltando o tempo todo que é melhor que eu mantenha o braço imóvel. A região
atingida começa a latejar desconfortavelmente, de modo que me dá muita vontade de apertar o
local, como se isso fosse aliviar a dor, mas meu amigo não para de encher a porra do saco para
que eu não faça isso.

Quando finalmente alcançamos a recepção, não consigo resistir quando vejo o sofá da área
de espera. Tem apenas uma pessoa lá, então eu me afasto devagar de Vinícius e me direciono até
o móvel, sentando-me e segurando o braço esquerdo junto ao corpo com a mão direita.

— Pare de ser menininha, Maurício! Você machucou o ombro e o peito, não as pernas! Vamos,
estamos quase chegando — Vinícius insiste, mas eu gemo mais uma vez, sentindo meu estômago
começar a embrulhar de tanta dor.

— Eu não estou sendo...

— OH, MEU DEUS! O que aconteceu, Maurício?

Sobressalto-me ao ouvir a voz aguda e preocupada de Amanda, que em um instante está


diante de mim, esticando a mão para tocar o braço que estou segurando.

— Eu não faria isso — Vinícius a adverte. — Esse maluco tentou fazer exercícios com carga
além do que podia aguentar e acho que acabou distendendo um ou mais músculos. Eu o estava
levando até à enfermaria.

Minha irmã ouve atentamente o que meu amigo diz e, em seguida, nem tenho tempo de me
preocupar com fato de que esse estresse não faz bem para ela e para o bebê, pois ela me
observa com seus olhos enormes e apreensivos, que mudam gradativamente para irritação.

Ótimo. Levarei bronca.

— Você está louco? O que estava pensando, Maurício? Estava tentando se matar? — Ela põe
as mãos na cintura (ou quase, já que sua barriga grande não permite que ela encontre a curva
certinha), me repreendendo.

— Estou sentindo dor demais para conseguir te responder, Amanda — resmungo, resistindo à
vontade louca apertar o ombro.

— Bom, vamos à enfermaria, então... — ela diz para Vinícius, mas, ao virar-se para trás, sua
postura se endireita e ela emite um som de quem encontrou o pote de ouro no fim do arco-íris. —
Ah, no momento perfeito! Débora, você pode vir até aqui? Meu irmão teve um probleminha ao
levantar carga extra na academia.

Olho na direção que Amanda está olhando, vendo a tal Débora assentir ao se aproximar. Ela
dá passos apressados, sem perder a postura, fazendo seu jaleco branco aberto esvoaçar
levemente ao redor de seu corpo. Ela me olha atentamente, provavelmente buscando por meus
sinais corporais que possam lhe indicar qual é o problema.

Assim que a doutora para em minha frente, algo a mais começa a latejar em mim. Próximo à
área acima do meu peito esquerdo que lateja de dor, meu coração põe-se a martelar contra as
costelas, mas é de nervosismo.

Puro e incontrolável nervosismo.

É quase inacreditável.

Ela está mais madura, é óbvio. Passaram-se dez anos, afinal. Seu cabelo está um pouco mais
claro do que costumava ser, e se encontra preso em um rabo de cavalo frouxo, o que faz com que
alguns fios lisos fiquem soltos e emoldurando seu rosto. Rosto esse que está mais arredondado,
contendo os mesmos olhos verdes, o nariz arrebitado e os lábios rosados com os quais eu
costumava sonhar dormindo e acordado.

Não sei dizer se ela está mais alta do que naquela época, mas o que é inegável é: ela está
bem mais... curvilínea. Seus quadris estão mais largos do que me lembro, e sua barriga e cintura
estão indiscutivelmente mais preenchidas. As coxas grossas envolvidas pela calça que ela usa e o
nome que consigo enxergar em seu jaleco não me deixam duvidar das minhas seguintes conclusões:

É Débora Bittencourt. A garota por quem fui loucamente apaixonado durante o ensino médio,
e que só se lembrava da minha existência quando alguém me apontava ofensas, isso quando ela
mesma não fazia isso.

É Débora Bittencourt. A mulher que está me trazendo uma enxurrada de lembranças e me


deixando surpreso — em vários sentidos — com suas curvas mais proeminentes.

É Débora Bittencourt. A nova fisioterapeuta do SPA sobre a qual minha irmã falou, que está
apoiando as mãos logo acima de seus joelhos e se curvando diante de mim neste momento para
me examinar, depois de eu ter sido imbecil e provavelmente rasgado meus músculos.

Puta merda!

Caralho!

Porra!
— Oi, tudo bem? — ela pergunta, mas revira os olhos para si mesma no mesmo instante,
rindo. — Humpf, que pergunta idiota. É óbvio que você não está bem, mas vamos cuidar disso, ok?
O que aconteceu?

Eu contaria se não tivesse acabado de engolir a língua.

— Ah... hum...

— Ele aumentou a carga do supino sem supervisão e sem fazer alongamentos prévios, e o
no meio do exercício, sentiu uma dor forte na região do ombro e do peito esquerdo — Vinícius
explica por mim, um tanto alheio ao meu estado catatônico.

— Hummm, me parece um caso de distensão muscular. Onde dói exatamente, hum... qual é o
seu nome, mesmo? — ela pergunta, colocando a mão sobre o braço que estou tentando manter
imobilizado.

Quarta conclusão: é Débora Bittencourt, e ela não se lembra de mim.

Bom, considerando que ela deve ter olhado diretamente na minha cara umas três vezes
durante nossos anos de ensino médio, e que agora estou usando um corte de cabelo diferente do
formato "tigela na cabeça" de antigamente, sem espinhas, com o corpo malhado e usando lentes
de contato ao invés de óculos enormes sobre os olhos castanho-escuros, não a culpo por
aparentemente não fazer ideia de quem sou. Já faz dez anos, afinal.

E, mesmo assim, eu me lembrei dela.

— Maurício — consigo dizer, pigarreando ao sentir o quanto a minha garganta está seca.
— Maurício Mascarenhas.

Chego a pensar que, ao dizer meu nome completo, talvez ela se lembre, mas Débora não
apresenta o mínimo sinal de que já me conheceu em algum momento de sua vida. Humpf!

— Dói muito nessa região aqui. — Aponto para toda a área posterior do meu ombro, da
extremidade à região da clavícula, acima do peito.

— Acha que aguenta se eu tocar? — questiona, já subindo a mão por meu braço. Balanço a
cabeça negativa e furiosamente.
Já estou tendo trecos com a mão dela sobre onde nem dói.

— Acho que não... AI, PORRA! — Ela põe a mão mesmo assim, séria, tateando com os dedos,
usando pouca força, e a retira após alguns segundos.

— Tente se sentar com as costas eretas — ela pede, endireitando-se, e eu o faço,


constatando que não é tão difícil. — Consegue erguer seu braço para frente? — ela pergunta e
eu tento fazer isso, mas gemo de dor antes mesmo de chegar ao meio do movimento. — Tudo bem,
não force. E quanto ao movimento de abdução? Consegue fazê-lo?

Ela ergue um de seus braços lateralmente para demonstrar o movimento que pediu. Tento
imitá-la, mas dói demais para que eu consiga fazê-lo direito.

— Bom, eu consigo fazer os movimentos, como você pode ver, mas meu ombro e peito doem
pra cacete quando tento — respondo, impaciente, recebendo uma risadinha dela.

Ela deveria me ajudar, não ficar provocando as drogas das dores e rindo de mim.
Principalmente quando tem um sorriso perigosamente lindo.

— Ok, só estava tentando checar se a sua articulação foi comprometida, o grau de


distensão e qual músculo você lesionou, mas somente uma radiografia me dará um diagnóstico mais
preciso para que seja feito o tratamento posteriormente — ela explica e, em seguida, olha para
Amanda. — Você pode arrumar uma bolsa com bastante gelo, por favor? Não há hematoma se
formando, e isso evitará que aconteça, além de aliviar um pouco a dor e o inchaço. — Minha irmã
assente rapidamente e se apressa em conseguir o que a doutora pediu, que se vira para mim. —
Já volto. Continue com o braço imobilizado, e quando a Amanda trouxer a bolsa com gelo,
posicione-a bem em cima do local onde mais dói, mas é importante que você não pressione com
muita força, ok?

Eu apenas assinto e observo-a se afastar, inevitavelmente grudando meus olhos em sua


bunda grande, que rebola conforme ela caminha, até virar o corredor.

Nossa, hein! Acho que há mais partes minhas latejando agora. Entre as pernas, para ser
específico.

Poucos instantes se passam, até que minha irmã surge diante de mim com a bolsa de gelo,
que pego imediatamente para colocá-la sobre a dor. Não faço pressão, como a doutora orientou,
mas a vontade é enorme.

Não demora muito e Débora volta, segurando alguns papéis. Noto que ela analisa o jeito
que estou posicionando a bolsa de gelo no local lesionado e balança a cabeça positivamente, em
um sutil movimento, aprovando minha ação. Me dá vontade de perguntar se vou ganhar um pirulito
por isso.

— Aqui está uma guia para a radiografia que você precisa fazer o mais rápido possível. —
Ela estende os papéis para mim. — É importante que você retorne assim que receber o resultado.
Tomei a liberdade de passar um atestado, já que você precisará de alguns dias de repouso,
independentemente do grau de lesão, e também a receita para um anti-inflamatório que vai te
ajudar a não sentir tanta dor. Estou quase certa de que você não chegou a romper nenhuma fibra
muscular completamente, mas ter um exame preciso é mais seguro para que seja feito o tratamento
mais adequado.

Olho os papéis, já planejando mentalmente ir direto para a farmácia ao sair daqui. Ergo a
cabeça e observo a doutora, achando engraçado pensar em chamá-la assim. Quando eu
imaginaria que, um dia, reencontraria Débora Bittencourt, suas curvas extras e suas habilidades
fisioterapêuticas para cuidar de mim depois de eu fazer uma burrada?

Como diria minha mãe, esse mundo não é redondo à toa.

Parece que fico encarando-a durante uma eternidade, lembrando a de antes e comparando
com a atual. Uma batalha de sentimentos toma conta de mim, onde o ódio pelo que ela fez comigo
está se estapeando com a paixão que eu nutri por ela durante os anos do ensino médio. Ao mesmo
tempo que quero retroceder na maturidade e dizer "Rá! Quem é a baleia agora?", também quero
sentir dentro de um abraço se suas curvas são tão macias quanto parecem ser, se o seu cheiro é
tão bom quanto imagino... Sem contar que sua eficiência, inteligência e postura segura estão me
deixando bem excitado. E um tanto intimidado.

Nota mental: nunca dizer essa última parte a ninguém em voz alta.

— Maurício? Você ouviu o que eu disse?

Pisco algumas vezes, voltando de meu breve — embora profundo — devaneio. Passo a
língua pelos lábios antes de articular o que dizer.
— Hum, sim. Você disse que... você passou o exame, e o remédio... — interrompo-me quando
ela cruza os braços e começa a rir.

— Eu disse que, além do remédio, você pode continuar com as compressas de gelo, pelo
menos até amanhã. Coloque na região dolorida, sem pressionar, por uns vinte minutos de cada vez,
intercalados por um intervalo de duas horas, mais ou menos. Isso vai te ajudar a aguentar melhor
as dores e evitar que fique muito inchado. E não esqueça: volte imediatamente após receber o
resultado do exame para que trabalhemos no tratamento, ok? Você vai ficar bem, bonitão.

Eu apenas assinto a cada palavra que ela diz, resistindo à vontade de olhar para baixo e
conferir se não estou derretendo junto com o gelo no meu ombro. O conselho que Vinícius me deu
quando sentei nesse sofá me parece bastante cabível nesse momento: pare de ser menininha,
Maurício!

— Obrigado, doutora.

Ela sorri amigavelmente e se despede, afastando-se e desaparecendo pelo mesmo lugar por
onde veio com a guia do exame e a receita do remédio. A ficha vai caindo aos poucos e, minutos
depois, quando estou indo para casa, a batalha de sentimentos se torna ainda mais intensa.

Odeio Débora. Quero fazê-la sofrer o que sofri, sentir o que senti e passar pelo que passei
por sua culpa.

Débora está linda. Tão linda e atraente, e isso, juntamente à sua eficiência e habilidade
profissional, me deixou com um tesão inesperado. Quero agarrá-la e sentir seu cheiro bom de
perto. Quero sentir suas curvas sob minhas palmas, sua pele sob minha língua, vê-la se arrepiar
com meu gesto e pedir por mais.

Porra! Estou tão fodido.


Estou uma bagunça por dentro quando entro no consultório de Débora, no dia seguinte.
Todos os sentimentos conflitantes possíveis brigam por um espaço, fazendo com que minhas mãos
fiquem um pouco suadas assim que a vejo.

Ela está olhando para a tela do computador em sua mesa, através das lentes dos óculos de
grau de armação retangular delicada, e leva alguns segundos até que me olha atentamente. Suas
sobrancelhas se erguem e um sorriso contido adorna seus lábios, fazendo-me ferver por dentro.

Estou me sentindo da mesma maneira que me sentia há dez anos, toda vez que a via. Meu
coração martela nervoso no peito e suas feições lindas e suaves me fazem ter vontade de sorrir
feito um idiota, quando tudo o que quero é odiá-la por ser inalcançável e fazer parte das
turminhas de imbecis que tanto pegaram no meu pé por ser uma rolha de poço.

E não consigo.

Porra, isso não vai dar certo.


— Boa tarde, Maurício. Como você está? — ela questiona, apontando para uma poltrona,
indicando que posso sentar nela.

— Foi difícil conseguir dormir — respondo, referindo-me à dor incômoda na região


lesionada, mas faço questão de dar uma ênfase em minhas palavras.

Não dormi direito pensando em toda essa situação e no meu desejo enorme de agir como um
babaca e lhe dar o troco por ter sido uma grande responsável pelos dias mais doloridos que já
vivi.

— Compreendo. As dores causadas por distensões musculares tendem a provocar bastante


desconforto durante várias horas após a lesão — diz, levantando-se. — Posso ver o exame?

Continuo calado, quieto, carrancudo, e estendo o envelope que seguro, contendo o resultado
da radiografia que ela pediu. Mantenho minha postura rígida, tentando ao máximo não fazer
movimentos bruscos para não afetar meu ombro machucado, já que o alívio de dor foi pequeno de
ontem para hoje, mesmo com o remédio que tomei.

Débora retira a imagem do envelope, franzindo a testa ao analisá-la por alguns instantes, e
distraio-me novamente diante da maneira com a qual ela está tão diferente e, no entanto, tão
igual. Sua forma física está completamente diferente; de um jeito que eu nunca imaginaria que
Débora Bittencourt, boneca de porcelana do corpo escultural boa demais para qualquer um,
pudesse ficar. Mas isso é o de menos. Seu rosto, sua essência, que eu, de alguma maneira, sempre
consegui enxergar, está ali, trazendo à tona todos os sentimentos apaixonados que alimentei por
ela por tanto tempo.

Isso me irrita. Estou aqui, precisando de seus cuidados médicos, sentindo tudo de novo por
ela, com força, e ela nem ao menos se lembra de mim. Argh!

— O resultado do exame mostra uma distensão de primeiro grau no seu músculo peitoral e
na parte posterior do deltóide, que é o músculo do seu ombro. Aqui. — Ela se aproxima e toca a
região à qual acaba de se referir, sem fazer pressão. — Não houve comprometimento da sua
articulação e você não chegou a romper por completo nenhuma fibra muscular, mas andou muito
perto, por isso sentiu tanta dor. Esse caso não necessita de intervenção cirúrgica e tem uma
recuperação mais rápida, mas você terá que seguir o tratamento à risca, ok?

Apenas assinto, sem dizer uma palavra, no melhor estilo "o gato comeu minha língua".
No entanto, nunca deixo de encará-la. Ela, em contrapartida, me olha conforme é necessário,
falando e esperando por minhas reações, sendo profissional e simpática na medida certa, cheia de
postura e segurança, sem o mínimo rastro de que se sente intimidada.

Se eu pudesse chutar minha própria bunda nesse momento, eu o faria, por estar me sentindo
cada vez mais atraído por tudo isso.

Débora senta-se novamente e começa a digitar no computador. Após imprimir, torna a


levantar-se e fica de frente para mim, estendendo-me o papel, que deduzo, ao vê-lo, conter os
passos do tratamento à minha lesão.

— Você pode continuar tomando o remédio que te receitei ontem, por mais três dias. Esqueça
o gelo e passe a fazer compressas com bolsa de água quente sobre o local lesionado, por pelo
menos dois dias. Você continuará sentindo desconforto nesses primeiros dias, mas se seguir tudo isso
direitinho, logo ficará novinho em folha. — Ela sorri, cordial, e utilizo as forças que posso para não
sorrir de volta ou deixar transparecer o efeito que ela me causa. Ao ver minha expressão
inalterada, Débora franze as sobrancelhas e dá de ombros. — Ok, sobre as sessões de
fisioterapia: podemos começar após o fim de semana, na segunda-feira. Inicialmente, acredito que
após cinco ou cinco seis sessões você já estará bem recuperado, mas terá que suspender os
exercícios físicos na academia ou quaisquer que exijam muito esforço por, pelo menos, um mês,
contando a partir de agora. Alguma pergunta?

Ela me olha bem, pousando as mãos na cintura, com a expressão suave de quem espera que
da minha boca saia um "não" ou um "como assim não posso malhar?".

Rá. Tente essa, doutora.

— Sim. Você tem namorado?

Ah, e aí está! Olhos arregalados, testa franzida, boca entreaberta, como se estivesse se
perguntando mentalmente se ouviu certo. Consigo notar que ela tenta se conter, para não parecer
tão chocada, mas eu sei que está.

E, aos poucos, penso em como conquistá-la e depois deixá-la na merda nos deixaria quites...

— Desculpe... o quê? — ela pergunta de volta, cruzando os braços.

— Perguntei se você tem namorado — repito, naturalmente, como se isso fosse algo
completamente rotineiro e normal. — Ou namorada.

Ela revira os olhos, contendo o sorriso nervoso.

— Você está sendo inapropriado, não acha?

— Não acho. Na verdade, estou sendo bem-educado ao perguntar se você é comprometida


antes de poder te chamar para sair.

Sua expressão de espanto é, sem dúvida, a melhor coisa que vi e verei hoje.

— Você está brincando com a minha cara, não é? — inquire, soltando uma risada de
deboche.

— Por que você acha isso?

— Por que não responde à minha pergunta, primeiro? — desafia, dando um pequeno passo
para trás.

Ergo uma sobrancelha diante de sua represália, sentindo uma satisfação indescritível diante
daquele confronto.

— Não estou brincando. Você é linda. E é interessante. De um jeito que me dá vontade de te


conhecer melhor. Por isso estou te chamando para sair.

Por isso e porque temos algumas contas a acertar, doutora.

Débora estreita os olhos para mim.

— E você é sempre assim, tão cara de pau? — indaga, balançando a cabeça e piscando
algumas vezes, ainda incrédula.

— Só com as que eu quero muito.

Ela revira os olhos novamente, sem conter a risada, que é, ao mesmo tempo, constrangida e
descrente. Preparo-me para um ataque de nervos, uma ameaça de me denunciar por assédio...

— Maurício, eu sou a sua fisioterapeuta. Você é meu paciente. E eu não tenho tempo para
gracinhas. Fim da história.
E é isso que recebo. Ela não está me levando nem um pouco a sério, e simplesmente me corta.
Involuntariamente, olho para baixo, tentando ser discreto, para ver se a ereção que ameaça se
formar está visível através do tecido da minha bermuda.

Posso sentir o gosto de desafio na ponta da língua.

— Então, você não sai com os seus pacientes? — insisto, recebendo mais uma risada
debochada dela.

— Como eu acabei de dizer, eu sou fisioterapeuta, não prostituta — rebate, e não resisto
dessa vez. Deixo que uma pequena risada escape por meus lábios, principalmente pelo que ela
diz a seguir. — E, olha, eu sei que não é da minha conta, mas acho que você deveria parar de se
drogar, sabe. Ou então, procurar um profissional que possa dar um jeito no seu problema de
bipolaridade — sugere, sorrindo para mim.

Ergo as sobrancelhas conforme ela volta para sua cadeira, atrás da mesa, como se estivesse
tentando impor distância entre nós. Como se resistir às minhas investidas não fosse tão fácil assim.

Ah, agora eu gostei.

— Você está liberado — ela sentencia, olhando para seu computador novamente.

— De tudo? — pergunto ao me levantar da cadeira.

— Tudo o quê?

— Está dizendo que não vai mais ser a responsável pela minha fisioterapia? — inquiro,
adicionando um tom sugestivo às minhas palavras, é claro.

Ela ajeita os óculos no rosto e torna a se levantar, apoiando as mãos na mesa à sua frente,
deixando-me genuinamente nervoso. Juro que uma faísca de expectativa me transpassa a espinha
por pensar que ela vai empurrar tudo que está sobre o móvel, subir nele, cruzar as pernas, abrir
os botões da blusa, revelar um sutiã sexy que realça seus peitos e me encarar por cima dos óculos,
com um olhar inocente de quem sabe o que acontecerá a seguir, mas finge não saber, mordendo o
lábio ao esperar que eu dê o próximo passo.

Merda de canal de filmes pornô de quinta.


— Confesso que meu primeiro pensamento foi te passar para outro profissional, mas,
pensando melhor, sua tentativa de ser engraçadinho não me intimida. E eu disse que você está
liberado por hoje. Não faço trabalho pela metade, Don Juan.

Tento disfarçar o tremor que me atinge quando ela pronuncia aquelas palavras com um meio
sorriso e uma das sobrancelhas erguida. Determinada, segura, ela vai até à porta, abrindo-a para
que eu possa passar por ela.

Aproximo-me dela, olhando-a bem nos olhos, percebendo o quanto ela luta para não fazer
esse contato comigo. Caramba, são tão verdes... possuem um brilho feroz, defensivo. As palavras
me fogem por um segundo, mas desperto no instante em que ela ergue uma das mãos para me
convidar a sair dali.

— Então... já que você não sai com seus pacientes, vai aceitar sair comigo quando eu não for
mais seu paciente? — pergunto, baixando o tom de voz, lançando-lhe um sorriso sugestivo.

Ela mantém a tenacidade na expressão ao me responder:

— Vejo você na segunda-feira, Maurício.

Abro o sorriso com vontade, dessa vez, dando os passos necessários para sair de seu
consultório. Mas, antes, viro-me e encontro-a estática, esperando por minha próxima ação.

— Eu não desisto fácil, doutora. Até segunda-feira.

Algo me diz que essas sessões de fisioterapia serão muito interessantes.


Dez anos antes...

Caramba, que mochila pesada. Caramba, estou atrasado.

Caramba, não consigo andar mais rápido!

Passo os dedos pela testa, ensopando-os de suor. Minha respiração está tão pesada que me
sinto a ponto de desmaiar. Merda de despertador idiota que não funciona direito!

Pisco com força para conseguir enxergar meu relógio de pulso e vejo, através dos óculos
ridículos que me ajudam a não andar por aí esbarrando em tudo, que estou vinte minutos atrasado
para a aula de Química.

Perfeito. Isso era tudo o que eu precisava hoje: chegar à sala de aula encharcado de suor e
com a respiração pesada quando todos os alunos já estão lá e não há jeito de passar despercebido.
Vida, você é tão linda e bondosa comigo. Obrigado por nada, sua vadia.

Quando paro em frente à porta, desdobro a manga do meu suéter e tento desesperadamente
enxugar o máximo de suor que consigo, da testa e do pescoço, mas parece inútil. Tenho certeza de
que meu rosto está vermelho pra cacete e, porra, não consigo respirar normalmente.

Estou a ponto de aproveitar que os corredores estão completamente vazios e voltar para casa,
fingindo estar doente, quando avisto a silhueta de uma pessoa andando apressada em direção ao
local em que me encontro. Não demora muito até que a imagem fique mais do que cristalina para mim
e eu veja Débora Bittencourt andando apressada, olhando para os lados, com certeza checando se há
alguém que possa testemunhar seu atraso. Minha boca fica seca imediatamente, o que piora ainda
mais meu estado ofegante. Esfrego a testa com a manga do suéter novamente, suando agora de
nervosismo.

A figura magra e graciosa para de frente para mim, olhando-me com apreensão. Seus cabelos
castanhos estão revoltos ao redor de seu rosto e caindo sobre seus ombros, como se ela não tivesse
dado a mínima para arrumá-los antes de vir para a escola. Seus olhos verdes inquisitivos alternam
olhares de mim para a porta da sala e ela franze a testa, fazendo um bico antes de começar a falar.

Faz quase três anos que estudamos juntos e eu não consigo ficar imune à beleza angelical
dessa garota, que posso apostar que não sabe nem o meu nome.

— Você também chegou agora? — questiona, aproximando-se ainda mais. Ajeito os óculos no
rosto, que estão escorregando por meu nariz oleoso, e pigarreio antes de articular alguma resposta.

— Eu... er, sim, hum-hum... cheguei agora — digo, tentando não a encarar demais feito um
otário babando. Tarefa difícil.

Ela dá mais um passo à frente. Mais um. E mais um. Minha mente se põe a imaginar que talvez
ela vá me tocar, me acalmar, ou sugerir que nós dois fujamos e finjamos que nunca estivemos ali, e nós
iremos até à praça no fim da rua conversar sobre tudo e sobre nada, sorrir um para o outro, e
então...

— O que você está esperando, afinal? — ela pergunta, com a expressão ligeiramente zangada.
— Sai da minha frente, preciso entrar!

Sua voz sai sussurrada, mas firme, deixando transparecer toda sua irritação e impaciência.
Quase três anos e eu ainda sou um palerma que sonha com uma garota totalmente fora de
alcance.

Cambaleio para o lado, um pouco tonto, sendo bruscamente puxado de meu devaneio sem
cabimento, e ela irrompe porta adentro. Consigo ouvi-la pedir desculpas ao professor rapidamente,
mas não há reação da parte dos outros alunos. Deduzo que posso aproveitar a deixa para entrar e
não chamar atenção, e então o faço. Com a respiração mais controlada e o suor ainda pingando de
minha testa, atravesso a entrada da sala e automaticamente baixo a cabeça, erguendo-a para apenas
me desculpar com o professor, seguindo direto para meu lugar, mas, como se os cochichos e risadinhas
que escuto não fosse o suficiente, minha mochila atinge os braços das pessoas conforme vou passando
pelo espaço entre as fileiras e chego perto de me espatifar no chão.

Meu rosto todo esquenta, deixando minhas glândulas sudoríparas ainda mais furiosas, e algumas
gotas do líquido salgado ainda respingam em meus olhos, o que dificulta minha tarefa de sentar
direito quando chego à minha carteira. Deixo a mochila cair de qualquer jeito no chão e tento
encaixar minha forma enorme naquela carteira estúpida.

— Cuidado aí, ô Brutus. A carteira não é de ferro e a escola não vai pagar o reboque caso
você se estatele no chão! — grita um garoto, fazendo a sala inteira rir.

O professor pede silêncio e eu baixo o rosto, deixando que as risadas ecoem, como sempre.
Elas sempre param em algum momento, e não é como se houvesse algo que eu pudesse dizer ou fazer
para me livrar desse tormento que já dura tantos anos.

Então, eu apenas aguento. Faço de conta que não me importo, mas algo dói muito dentro de mim
quando ergo minimamente a cabeça e vejo Débora também rindo bastante, olhando-me de lado, e
depois voltando sua atenção à garota que está sentada à sua frente, que diz mais alguma coisa que a
faz olhar para mim e rir mais uma vez.

Como eu odeio amar Débora.


— Ok, me deixa ver se entendi: a fisioterapeuta do SPA estudou com você no ensino médio?
— Heitor pergunta, apontando seu garfo para mim depois de colocar a comida na boca.

— Sim — respondo, tomando um gole de água.

— E você era apaixonado por ela?

— Isso.

— Mas ela era uma vaca com você?

— Exatamente.

— E agora, dez anos depois, vocês se reencontraram, ela está gordinha e você gostosão?

— Por aí.

— E você quer se vingar dela?

— Sim.

— Mas ainda é apaixonado por ela?

— Sim.

Opa!

— Hahaha, eu sabia.

— Ei, não! Não é... eu não... — tento explicar, mas sei que o modo com que me enrolo não
está a meu favor.
Rever Débora trouxe à tona todos os sentimentos bagunçados que me acometiam sempre que
eu a via, nos tempos de escola, e talvez isso esteja me deixando confuso. Minhas mãos suavam e
eu tremia sempre que, mesmo por um segundo, nossos olhares se cruzavam; meu coração acelerava
cada vez que eu passava perto dela e o rastro com seu cheiro bom me deixava quase tonto.

Mas eu também tremia de raiva quando alguém me ofendia e ela estava lá, com a risada de
deboche na minha direção; quando, nas raras vezes em que me dirigiu a palavra, agia
grosseiramente para que eu saísse de seu caminho, sem se importar com o fato de que, por baixo
de toda aquela gordura e timidez, havia uma pessoa com sentimentos, que eram pisoteados sem
dó, todos os dias.

Eu a amava. E odiava amá-la.

E agora que Débora ressurgiu em minha vida, é como se eu fosse o Maurício de dezessete
anos novamente.

Já fiz três sessões de fisioterapia com ela, essa semana. Estou me sentindo bem melhor, mas
ela disse que devemos continuar até completar as seis necessárias para minha recuperação total.
Quem sou eu para discordar, não é?

Mas, porra, a maneira como ela é segura, profissional, inteligente e extremamente


competente, além de muito linda, me faz detestar o fato de eu não conseguir detestá-la. Ela desvia
das minhas investidas com maestria, sabe manter a ética e levar algo na brincadeira quando o
momento é propício e, Deus me ajude, eu sempre preciso disfarçar minhas ereções depois que ela
passa duas horas me tocando e apalpando para guiar os exercícios de recuperação.

Planejei conquistá-la e fazê-la ter uma experiência ruim. Fazê-la sentir como é ruim ter os
sentimentos esmagados e seus atos desvalorizados; como é ruim ser alvo de preconceitos por uma
coisa tão idiota que é a forma física. Estou tentando fazer isso, mas fica difícil quando ela não sai
dos meus pensamentos, e neles eu a estou beijando de todas as formas possíveis e implorando que
nunca mais saia da minha vida.

— Você está sendo crianção, Maurício — Heitor aponta, largando os talheres após terminar
seu almoço. — Quantos anos já se passaram? Uns mil? Por favor. Se você está a fim dela, esqueça
essa merda toda e vai fundo, cara.

Reconheço que ele tem razão. Sei que tudo isso pode parecer loucura, mas eu simplesmente
não consigo deixar tudo para trás. Não agora, com a oportunidade de ficarmos quites.

— Você não entende, cara. Ela me fez passar pelo inferno de estar apaixonado e ser
impiedosamente rejeitado. Ela estava lá na pior época da minha vida; quando riam de mim,
quando tudo o que eu queria era desaparecer... Argh, eu sei que já faz muito tempo, e eu sei que
só de pensar nela fico balançado, mas a ideia de fazê-la provar do que me foi enfiado goela
abaixo é tão tentadora.

— Cara, na boa — Heitor começa, coçando a nuca. — Quanto mais você explica, mais
imbecil você soa.

— Ah, você e essa sua mania de viver me elogiando — debocho, remexendo-me na cadeira
e revirando os olhos. — Depois do Vinícius ter me dado praticamente o mesmo sermão, achei que,
pelo menos, você ficaria do meu lado.

— Querer abrir os seus olhos para que perceba que está sendo babaca não é ficar contra
você. Sério, Maurício, por que você não deixa isso para lá e pronto?

— Porque não é assim tão fácil, Heitor! — Esfrego o rosto e inclino o tronco para frente,
cruzando as mãos sobre a mesa. — Cara, imagina comigo: nós saímos, nos damos bem, talvez até
dê em algo sério. Em algum momento, esse passado virá à tona, e esse é o assunto perfeito para o
momento "Vamos olhar para trás e rir dessa porra toda!", mas eu sei que vou estragar tudo. Não é
engraçado, nunca foi. Eu acho que devo isso ao Maurício adolescente que quase morreu de comer
por sofrer tanto bullying, entende?

Heitor inspira e expira com força, olha para os lados e dá de ombros antes de responder:

— Posso até entender, mas continuo achando uma bobagem. Continuo achando que você
deveria superar essa merda de uma vez. Nem a conheço, mas se ela é tão linda e gostosa como
você diz o tempo todo, foda-se o que aconteceu no passado.

— Você só diz isso porque pegar mulher é a sua resposta para tudo — rebato, sem querer
dar o braço a torcer.

— Ei! Assim você me ofende, cara! Pensei que fosse meu amigo! Não tem consideração pelos
meus sentimentos, Maurício? — Ele põe as mãos sobre o peito, dramaticamente, e sua voz sai
embargada, como se ele estivesse chorando. Idiota. — Você vai ver! Vou desaparecer agora e,
daqui a dez anos, voltarei para me vingar de você!

— Que merda é essa, Heitor?

— Viu só como soa ridículo? — Ele volta ao normal, empurrando meu ombro bom. —
Vingança... isso é tão como as novelas mexicanas que a minha mãe adora assistir. Você está
deixando de ser Maurício Mascarenhas para incorporar Soraya Montenegro ou Paola Bracho1.

Franzo a testa para ele, sem conseguir evitar a risada.

— Não parece que é só a sua mãe que adora novelas mexicanas, Heitor — aponto, e ele
me mostra o dedo do meio.

— Ah, às vezes quando a visito, eu passo pela sala, e ela está assistindo, e não é culpa
minha... Argh, o ponto aqui não é esse. Não tente me distrair, seu puto. — Ele se recosta na
cadeira, sem se importar por estarmos no meio de um restaurante. — De qualquer jeito, o que você
pensa em fazer, afinal? Colocar apelidos nela porque é gordinha?

Seria uma opção. Eu sei que boa parte das mulheres que estão acima do peso são inseguras
com a própria aparência e, visto que quando mais nova, Débora era um exemplo de corpo
magrinho e escultural, tenho certeza de que ela se encaixa nesse grupo. Mas isso só acabou
fazendo com que ela ficasse ainda mais linda do que antes. Caralho, que bunda é aquela?

Seria muito, muito escroto seguir em frente com essa ideia, mas parece o ponto fraco
perfeito.

— Transar com ela e fingir amnésia no dia seguinte?

Hummm, isso também... Tenho minha cota de mulheres que ficaram putas da vida comigo e me
mandaram para o inferno quando não liguei depois de saírmos.

— Encher a sala da casa dela com papel higiênico?

Você sabe que está desesperado por um acerto de contas — e que retrocedeu alguns anos na
maturidade — quando até isso te soa como uma boa ideia.

— É melhor você não me dar ideias — brinco, fazendo-o rir.

— Mas é sério, cara. — Ele torna a endireitar as costas, passando a mão pelos cabelos
desalinhados antes de apoiar os antebraços na mesa, olhando-me fixamente, em um de seus raros
momentos em que fala sério. — Você precisa decidir se gosta dela ou se a odeia. Porque, se você
seguir em frente com essa babaquice de se vingar, pode até ficar satisfeito com isso, mas ela vai
acabar ficando magoada e querendo que você morra. Sabe disso, não é? E aí você vai ter que
viver com esse amor louco e frustrado aí dentro de você pra sempre.

É muita tentação. Um tremendo impasse.

Chamá-la para sair, conquistá-la, beijá-la, amá-la, ser feliz com ela... me parece bom, muito
bom.

Chamá-la para sair, conquistá-la, beijá-la e, então, quebrar seu coração e deixá-la na
mesma merda que vivi por tantos anos da minha vida, por causa dela... me parece melhor ainda.

Um anjinho me puxa desesperadamente para a primeira opção.

Mas, então, um diabinho enfia os dedos nos olhos dele e, aproveitando sua distração, me
arrasta para a segunda opção.

Ah, Débora Bittencourt... Você tem contas a acertar com o Maurício gordinho e magoado.
— Agora para frente... Isso. Mais para cima, devagar... Isso!

— Assim, doutora?

— Isso, bem assim! Agora mais rápido... Vai...

— Ahhh, eu sei que você gosta assim...

— Hum... Maurício?

— Hum, doutora!

— Mas que porra...?

Caio na gargalhada ao ver o estado consternado de Débora. A essa altura, ela já deveria
ter se acostumado com as brincadeiras que eu me acostumei a fazer, por pensar que demonstrar
ser um cara bem-humorado — em contraste à impressão que provavelmente passei em nossos
primeiros contatos — pode fazê-la deixar que a parede de gelo que estabeleceu entre nós
derreta e desabe, mas ela sempre respira fundo e fica me olhando, séria, até que eu perceba que
estou fazendo papel de idiota e faça o mesmo, com a promessa silenciosa de parar com isso.

Mas, é claro, eu não paro.

É tão divertido.

Que merda.

— O quê? Foi você que começou! — defendo-me, cessando minhas risadas.

— Ah, claro, porque fazer sons e gemidos de sexo faz parte do tratamento — rebate,
irônica.

— Você sempre diz que não, mas estou realmente começando a achar que todas essas
semanas me apalpando e fazendo sons sexuais significam uma resposta positiva às minhas
insistências — digo, balançando as sobrancelhas e movendo o braço e o ombro como ela me
orientou.

— Você não vai mesmo parar com isso, não é? — questiona, observando meus movimentos e
evitando olhar para meu rosto.

— Não vou mesmo, doutora — respondo, com um tom de voz mais baixo, que faz com que
ela se renda por um mísero segundo e me olhe nos olhos, permitindo-me ver o rastro de diversão
antes que ele evapore com a mesma rapidez com que surgiu.

Bingo.

— Ok, agora deite-se.

— Com todo prazer. — Pisco para ela e preparo-me para seguir sua instrução. — Você se
importa se eu tirar a camisa?

— Quais foram as minhas respostas nas outras quatro vezes em que você me perguntou isso?

— Bom, você disse não, como a quase tudo o que pergunto. Mas eu adoro como você, ainda
assim, se surpreende com o meu pedido e suas bochechas ficam coradas.

Realmente adoro. Ela fica ainda mais linda.


Débora diz que não, mas só está lutando para não dizer sim. Está sempre ressaltando como
seria antiético sair com um paciente, mas seu tom revela que, se não fosse por isso, ela não insistiria
em me dispensar todas as vezes em que pergunto se, ao término do tratamento, ela aceitaria sair
comigo.

Sei que está caindo nas minhas graças. E também sei que esse é um jeito muito brega de
dizer que ela se sente tão atraída por mim quanto me sinto por ela, mas foda-se.

Meu plano está funcionando. Quero dizer, mais ou menos. Porque têm esses momentos em que
o sorriso dela faz meu coração saltar no peito e seu olhar me faz engolir em seco; sua
proximidade me dá vontade de puxá-la para ainda mais perto e seu cheiro me deixa em um
estado inexplicável de satisfação.

Isso pode desandar meu objetivo, mas eu consigo deixar tudo isso pra lá, certo? Já passou
uma vez, afinal. Vai passar de novo.

Vai sim.

Débora balança a cabeça e posiciona-se de pé, ao meu lado.

— Muito bem, garanhão, agora concentre-se. Mantenha as pernas esticadas e os braços


dispostos aos lados do seu tronco. Isso.

Ajeito-me conforme ela orienta, sem deixar de olhá-la. E, incrivelmente, dessa vez não tenho
a intenção de intimidá-la ou deixá-la desconfortável; faço porque não consigo evitar. O rubor em
seu rosto ainda está presente, e sua expressão séria e concentrada me deixa em dúvida se prefiro
assim ou quando está sorrindo.

Argh! Vai passar.

— Agora, inspire profundamente. Ao fazer isso, eleve os ombros na direção de suas orelhas,
lentamente — ela continua e eu fecho os olhos para me concentrar no exercício. — Excelente.
Agora, expire e afaste aos poucos os ombros das orelhas. Imagine que suas mãos estão indo em
direção aos pés, como se quisesse alcançá-los.

Obedeço a tudo direitinho, sentindo os efeitos de estar fazendo tudo certo. Meu ombro
lesionado já não dói nada, e a ajuda dela nessas sessões fisioterapêuticas tem me feito sentir
novinho em folha, como ela me prometeu antes de iniciarmos.
Débora é sensacional. Sempre foi. Apesar de tudo.

— Isso... agora, erga os braços, lentamente... assim. — Ela segura meu antebraço para me
guiar. Mantenho meus olhos fechados, embora a tentação de abri-los e olhá-la mais de perto me
provoque com força. Não sei se sou capaz de responder por mim. — Isso, mantenha as escápulas
espalmadas e relaxadas no colchão e os ombros longe das orelhas.

Ela acompanha o movimento até que eu esteja com as mãos acima da cabeça, um braço de
cada lado. Ouço seus passos e, quando ela fala, sua voz vem de uma direção diferente. Débora
agora está em uma das extremidades da cama, acima da minha cabeça, na direção para a qual
minhas mãos estão apontadas.

— Agora, inspire e traga novamente os ombros para junto das orelhas. Estique os braços,
como se estivesse se espreguiçando ao acordar. Como se quisesse alcançar algo...

Obedeço, perfeitamente. Tão perfeitamente que minhas mãos encostam em algo. Nela.

Meus dedos resvalam suavemente a superfície macia que encontram, o que faz com que eu
me estique ainda mais, para poder sentir mais. Ela não pode brigar comigo; faz parte do
movimento, faz parte do tratamento. Como ela acabou de dizer:

— Como se eu quisesse alcançar algo...

Meu comentário sai baixinho, deixando que um dos cantos de minha boca se repuxe em um
sorrisinho de expectativa.

Débora, é claro, não tarda a desvencilhar-se de meu toque.

— Bico fechado, Maurício. Concentre-se — adverte. — Expire devagar e, em seguida, eleve


os braços e volte-os para a posição inicial... Isso. Agora, repita esses movimentos por mais quatro
vezes.

Sigo suas instruções e ela me observa repetir tudo, vez ou outra me lembrando da
importância de inspirar e expirar no momento certo, e me parabenizando quando faço
corretamente.

Até o instante em que ela para e fica completamente calada enquanto termino de me
movimentar pela quarta vez. Inspiro e expiro ao abrir os olhos e encontrá-la séria, embora sua
expressão esteja suave. Seu olhar está em mim, mas é como se não estivesse; ela me encara
ininterruptamente, mas parece perdida em pensamentos, o suficiente para nem ao menos perceber
que terminei de me exercitar e a estou observando.

Dou um sorrisinho satisfeito com aquilo. Digo a mim mesmo, silenciosamente, que estou cada
vez mais perto de conseguir fazê-la sentir o gostinho do que me fez passar quando fui tão
insanamente apaixonado por ela, e sorrio por isso.

É mais fácil gostar de mim quando estou todo gostosão, não é, doutora?

Digo a mim mesmo que meu coração está acelerado devido ao prazer que essa realização
me traz. Que ergo o tronco aos poucos, até ficar sentado e com meu olhar nivelado ao dela, para
ter a certeza de que ela está fisgada, e não porque senti-la mais perto do que nunca me deixa
praticamente nas nuvens.

Percebo quando seu olhar desvia para meus lábios, por um ínfimo instante. Acabo fazendo o
mesmo, involuntariamente, e... ah, merda.

Aquela boca. Macia, isso eu posso dizer. E não tenho dúvidas de que deve ter um sabor
incrível.

Merda, merda, merda!

— Hummm... Bom, muito bem. É isso.

Débora pisca, gaguejando ao afastar-se de mim, abruptamente. Ergo as sobrancelhas


quando volto a mim, vendo-a ficar cada vez mais distante, passando uma das mãos pelos cabelos,
tentando disfarçar seu nervosismo. Tentando fingir que nosso momento não existiu.

Exalo com força e levanto-me, caminhando lentamente em sua direção. Mais uma vez, ela
está atrás de sua mesa, encarando a tela do computador ao digitar furtivamente, evitando me
olhar.

É a primeira vez, desde nosso primeiro contato, que ela aparenta estar insegura e
vulnerável. E parece apavorada por, durante alguns momentos, ter quase baixado a guarda.

Touché, doutora.
— Aqui estão algumas recomendações, considerando que você quer voltar a malhar. É
importante você apresentá-las ao seu personal trainer, para que seu retorno seja feito de forma
gradativa e não haja risco de mais uma lesão. E sugiro que aguarde mais sete dias, para
completar um mês após a distensão, antes de retornar à academia.

Ela fala tudo olhando para o papel antes de me entregar, e posso senti-la estremecer
sutilmente quando, de propósito, toco seus dedos com os meus ao pegar as recomendações.

— Então, é isso? — questiono, posicionando-me próximo à outra extremidade da mesa.

— É isso — ela responde, olhando-me com uma expressão neutra e cruzando os braços.

— Não tem mais sessões de fisioterapia.

— Não tem mais.

— Não sou mais seu paciente.

— A partir do momento que você sair pela porta, não.

— E isso quer dizer que você vai parar de usar a ética profissional como desculpa para não
aceitar sair comigo?

E, mais uma vez, ela me olha como se não estivesse esperando por isso.

Débora balança a cabeça e olha para os lados. Para cima, para baixo... Mexe na manga
de seu jaleco. Inspira, expira, me olha, morde o lábio.

— Eu... vou pensar sobre isso.

E agora é a minha vez de olhá-la como se eu não estivesse esperando por isso. Quero dizer,
eu queria muito que ela dissesse sim, para que meu plano dê certo, mas depois de todos os "nãos"
e o fato de ela não me levar a sério, não pensei que fosse ceder agora.

Não faça a dancinha da vitória, Maurício. Não na frente dela, porra.

— Você gosta de me torturar, não é, doutora?

Estreito os olhos para ela e cruzo os braços, balançando a cabeça e sorrindo. Ela dá de
ombros.

— É um esporte legal de se praticar.

Dou risada de sua resposta. Uma risada genuína. Essa mulher conseguiu me surpreender mais
em trinta segundos do que já me surpreendi a vida inteira.

— Pelo menos, essa resposta é um avanço em vista de todos os "nãos" doloridos que levei
durante todo esse tempo. Eu não estava brincando.

— Acho que agora eu acredito nisso.

Continuo sorrindo, ela também; ela enfia as mãos nos bolsos do jaleco, eu descruzo os braços
e estendo uma das mãos.

— Então... Até mais?

— Até mais, Maurício.

Débora aperta minha mão, firme e rapidamente.

— Obrigado por tudo, Débora.

Ela parece um pouco surpresa com minha sentença. E tenho certeza de que isso se deve ao
fato de eu tê-la chamado pelo nome. Desde o primeiro instante, foi doutora. Nada de doutora
Débora, ou mesmo Dra. Bittencourt.

Gosto de como seu nome dança em minha língua. Gosto de sua reação ao som da minha voz
pronunciando seu nome.

Mas vai passar.

— Disponha.

Dou os passos necessários para chegar até à porta, olhando-a uma última vez antes de
deixar seu consultório, sentindo a adrenalina de expectativa tomar conta de mim.

Ela disse que pensaria sobre minha proposta; sabe-se lá de quanto tempo precisa para isso.
Sabe-se lá o quanto ainda preciso insistir até que ela, finalmente, se decida.
Por isso, uma hora depois, estou em um dos corredores do SPA, escondendo-me depois de
avistá-la ao longe, esperando pelo momento em que ela cruzará meu caminho.

Cinco, quatro, três, dois, um...

— E aí? Já pensou?

O susto que ela leva não me permite ficar sério. Um grito baixo escapa por seus lábios e ela
leva uma das mãos ao peito, enquanto a outra aperta a bolsa com força. Gesto reflexivo, deduzo.

Débora, aos poucos, assume uma expressão irritada, mesmo que os cantos de sua boca
insistam em formar um sorriso breve, divertido.

— Você não teme que eu te denuncie por ser um perseguidor tarado? — questiona,
colocando as mãos na cintura e balançando a cabeça.

Continuo sorrindo, porque simplesmente não consigo mais não sorrir quando estou perto dela.

— Você não vai.

— Você não me conhece.

— Então, que tal você aceitar sair comigo e me deixar te conhecer melhor?

Adoro o modo com que suas sobrancelhas se erguem diante da minha jogada.

— Jantar amanhã, à noite. Às 20h, está bom para você?

O jeito com que seus olhos se estreitam e seu sorriso sugestivo se espalha pelo rosto me dão
a certeza de que, de sua boca, sairá mais um "não", ou "preciso pensar", ou "isso vai ser estranho".

Mas minhas certezas não são nada quando se trata de Débora.

— Está ótimo — ela diz, finalmente, sorrindo ao mexer em sua bolsa. — Te vejo amanhã,
Maurício.

Ao passar por mim, ela coloca um pequeno cartão de visitas em minha mão, onde posso ver
seu número de telefone. Observo-a se afastar e espero pelo momento em que irá olhar para trás.

Mas ela não o faz.


Desaparece no corredor seguinte, deixando-me ali, com um sorriso insistente no rosto e a
respiração pesada de expectativa.

Guardo o cartão e sigo meu caminho para casa, precisando urgentemente pensar em mais
maneiras de fazer meu objetivo dar certo.

E também de um banho gelado.


Você é um filho da puta!, minha mente grita.

Pelo menos, é isso que assumo ter ouvido, já que a música desse lugar está tão alta que mal
consigo ouvir minha própria consciência.

Você é um filho da puta, babaca e imaturo!

Balanço a cabeça, sozinho, perguntando-me porque ela está tão irada comigo.

Oh, espere. Acho que sei.

Deve ter começado no instante em que me tornei obcecado pela ideia de me vingar de
Débora. E agora está pior depois que consegui convencê-la a sair comigo, para que eu pudesse
concretizar essa ideia.

Pensei em dar um bolo em Débora. Pensei em deixá-la seguir até o restaurante decente ao
qual pretendi levá-la e simplesmente não aparecer, deixando-a decepcionada e imaginando o que
pode ter feito de errado para eu fazer isso. Mas, pensando bem, até eu já sei que ela não é, nem
de longe, o tipo de mulher que chora as pitangas por causa da completa babaquice de algum
cara. Além disso, esse era um plano fraco; não seria o suficiente.

Então, depois de pensar um pouco mais, mandei-lhe uma mensagem, hoje de manhã, dizendo
que meu carro está na oficina e eu não poderia buscá-la.

Mentindo.

E, assim — também por mensagem —, mandei-lhe o endereço do local onde nos


encontraríamos, que é esse lugar onde estou sentado agora, cuja iluminação é tão ruim que parece
cenário de filme de terror americano ambientado no velho oeste, as paredes e o chão parecem ter
sido polidos pela última vez no ano passado e as pessoas ao redor são, claramente, do tipo que
entram para encher a cara com cerveja barata enquanto lamentam os chifres que acabaram de
levar.

Ironicamente, a música que está tocando — pela terceira vez, intercalada por outras um
pouco piores — transmite com perfeição o que estou morrendo de vontade de gritar.

Abaixa o som!

Ô, troca essa música de corno aí

Coloca um trem mais animado, eu tenho que sorrir

Porque ninguém é obrigado a sofrer comigo2

Ninguém merece.

Esfrego a testa, que está um pouco suada devido ao calor ambiente e ao meu nervosismo, e
olho meu relógio no pulso, constatando que Débora está alguns minutos atrasada. Não me
surpreende, já que esse projeto de restaurante fica praticamente em um buraco difícil de encontrar
e, vamos combinar, as mulheres sempre gostam de fazer esse suspense antes dos encontros, para
nos deixar mais ansiosos. Ou, pelo menos, essa é a explicação que encontro para o meu estado de
completa inquietude.

Confesso que não estou mais tão seguro quanto ao meu desejo de fazer um inferno na vida
dela. Débora nem parece ter sido quem foi há dez anos. Claro que isso é muito tempo e a maioria
das pessoas evolui, mas ela está completamente transformada. E meu coração bate tão forte por
essa sua versão quanto pela antiga, e isso é o que faz a minha consciência gritar comigo as
mesmas coisas que Vinícius e Heitor insistem em dizer cada vez que converso com eles sobre isso.

No entanto, eu simplesmente não consigo parar de pensar como seria vê-la na mesma merda
em que estive naquele tempo. Meu lado rancoroso e magoado insiste em me fazer seguir com esses
planos a fim de buscar a satisfação de me sentir vingado, enquanto o outro lado não para de
suspirar ao pensar em seu sorriso e mal pode esperar para sentir se aquela língua afiada seria
suave e selvagem contra a minha em um beijo delicioso...

Merda. Talvez ainda dê tempo de sair daqui.

Talvez ainda dê tempo de ligar para ela e dizer que não venha. Que houve outra mudança
de planos...

Mas, ao olhar para a entrada do restaurante, percebo que é tarde demais.

Em todos os sentidos.

Débora entra devagar, olhando ao redor, com as sobrancelhas franzidas sobre os olhos
curiosos — e chocados. Após inspecionar o ambiente por alguns segundos, penso que ela vai
simplesmente dar meia volta e ir embora, mas, então, ela me avista, abrindo um sorriso que
demonstra alívio, embora toda a sua expressão seja traduzida pela frase "Mas que porra de
lugar é esse?".

Eu deveria, no mínimo, levantar para recebê-la. Sorrir de volta, cumprimentá-la, beijá-la no


rosto e puxar a cadeira para que se sentasse.

Mas nem consigo me mexer direito.

Ela está linda pra caralho. Tão linda que é como se um holofote estivesse sobre ela enquanto
caminha entre as mesas desse lugar sombrio, em minha direção. A calça jeans abraça suas
melhores curvas com tanta perfeição que posso jurar que sinto um pouco de baba se acumular no
canto da boca. A blusa vermelha, que deixa um de seus ombros nu, contrasta com sua pele de um
modo que a faz parecer tão macia que é um pecado não tocar.

Puta que pariu! Ela me faz sentir um adolescente que tem ereções constantes. E isso me
lembra o adolescente que odiava amá-la, que odiava ficar duro por ela, que se masturbava
pensando nela e em como nunca conseguiria tê-la, de fato.

Pois é. O tempo passa, o mundo gira... o jogo vira.

— Oi, Maurício! Desculpe o atraso — ela pede, aumentando o tom de voz para que eu
consiga ouvi-la sobre a música alta, sem parecer incomodada diante do fato de eu não levantar e
puxar a cadeira para ela. Ela mesma o faz e se senta, de frente para mim, ainda com um sorriso
no rosto. — Fiquei uns quinze minutos lá fora, rondando para ver se estava no lugar errado, mas
acabei te vendo pela janela. Agora eu entendo por que minha prima, Lara, torceu o nariz quando
pedi a ajuda dela para chegar nesse endereço.

Débora olha ao redor mais uma vez antes de me encarar, provavelmente esperando que eu
fale alguma coisa. Mal sabe ela que estou tão focado em imaginar como seria puxá-la pela nuca,
enfiar a mão por entre seus cabelos lisos e macios e correr o nariz por seu pescoço, que esqueço
que possuo a capacidade de articular palavras.

Porra, ela está tão cheirosa!

— Eu é que peço desculpas por não poder ter ido te buscar, Débora — digo, depois de
piscar algumas vezes, limpar a garganta e voltar à superfície. — Imprevistos acontecem, eu sei, e
eu não quis perder a oportunidade depois que você finalmente aceitou meu convite.

Dou de ombros ao falar, tentando parecer relaxado e totalmente alheio ao fato de esse
lugar ser a provável fonte dos ratos que encontramos nos esgotos das ruas. Inclino-me sobre a
mesa, para não precisar gritar tanto, e isso acaba fazendo com que seu cheiro bom me deixe
ainda mais inebriado.

— Er... aqui é bem diferente — ela comenta, e posso ver que tenta não transparecer tanta
decepção.

O anjinho e o diabinho em meus ombros surgem para duelar novamente.

Anjinho: Levante-se! Saia desse lugar inóspito! Leve-a a um lugar decente, faça-a rir, beije-a!
Não seja tão babaca! Você sabe que a quer. Sabe que não quer decepcioná-la. Sabe que quer fazê-la
feliz! Vá e faça!

Diabinho: Que se dane essa porcaria toda! Aproveite para piorar essa experiência o máximo
que puder. Faça um pedido absurdamente caro e faça-a pagar a conta! Seduza-a, transe com ela e
ignore-a depois! É o que ela merece! Largue de ser bundão!

Puta merda.

Limpo a garganta e tento me manter o mais descontraído possível.

— Exótico, não é? E eles têm o melhor bolinho de bacalhau que já provei — comento, soando
idiota até para os meus próprios ouvidos.

Para minha surpresa, Débora dá uma risada, dando-me a certeza de que soei muito idiota.

Foda-se.

— Deve ter sido muito difícil chegar aqui, não é? — Continuo cutucando, tentando encontrar
a coisa certa que a fará desanimar com esse encontro lixo, deixá-la vulnerável, para que eu possa
seduzi-la, e então... — Não sei você, mas precisei pegar duas conduções de ônibus e o metrô para
chegar.

É. Foi horrível.

— Na verdade, não foi, não. Eu moro a algumas ruas de distância daqui. Vim andando.

— Ah, é?

Tá de sacanagem!

— Sim. Nasci aqui, mas sempre morei do outro lado da cidade, e quando entrei para a
faculdade, passei anos fora, antes de voltar e agora morar com a minha prima. Não conhecia
muito bem essas bandas de cá, mas fiquei até aliviada quando Lara me explicou como chegar.

Cara. Se isso fosse uma competição assistida, o lado da plateia que torce por Débora
estaria rindo da minha cara e gritando "Buuuu! Erroooou! Toma! Bem feito!".

— Bom, hum... que bom, então — balbucio, forçando um sorriso. — Você está linda.
Essa última parte sai sem que eu possa evitar. Acho que é a primeira frase sincera que me
escapa desde o instante em que ela me cumprimentou.

— Obrigada — Débora responde e, ao invés de baixar a cabeça e sorrir encabulada, ela


sustenta meu olhar e sorri orgulhosa, assumindo um rubor adorável nas bochechas.

Porra. Nada parece abalar essa mulher!

— Quer beber alguma coisa? — pergunto e ela estende a mão para pegar o cardápio
sobre a mesa, balançando a cabeça quando vê que tem apenas uma folha de papel plastificada,
com as bebidas escritas em um lado e as comidas do outro. Após analisar os dois lados, ela torce
os lábios, formando um biquinho, levando toda minha atenção para sua boca, novamente.

Foco, Maurício.

Foco? O que é isso?

— Uma Coca-Cola — diz, entregando-me o cardápio.

Recebo, franzindo a testa.

— Guardando o álcool para depois? — brinco, pensando no que pedir.

— Não costumo ingerir álcool. — Dando de ombros, Débora sorri mais uma vez, sem facilitar
em nada minha tentativa de não parecer um palerma que encara por muito tempo.

— Ah, entendi. A doutora deve conhecer os malefícios de ingerir certas substâncias...

— Nada disso, espertinho — ela corta minha brincadeira, revirando os olhos. —


Simplesmente não gosto. E, confesso, tenho medo do que pode ter em qualquer outra bebida desse
cardápio.

Dou risada, porque estava pensando a mesma coisa. Nem mesmo água eu pedi quando
cheguei aqui.

— Mas você nunca bebe? Nem mesmo quando vai a alguma festa ou barzinho com os
amigos, para ficar mais alegre, se soltar?

— Não preciso beber para me soltar — ela rebate imediatamente, enviando, junto a seu
sorrisinho presunçoso e sua sobrancelha erguida, uma mensagem muito excitante para meus países
baixos.

— Isso eu quero ver. Você é sempre tão... séria.

— Isso é porque você conheceu, durante as últimas semanas, a doutora Débora, que
aprendeu a ter ética profissional e, modéstia à parte, é muito boa no que faz. Essa Débora que
você está vendo, agora, é apenas uma pessoa normal, que adora dar risada e falar amenidades,
não precisa beber para ficar alegre e que, apesar de ainda sentir que é um tanto estranho sair
com um ex-paciente que, aliás, é irmão da chefe dela, acha que ele pode ser um cara legal capaz
de fazer esse encontro, finalmente, parecer uma boa ideia.

A expressão suave que ela mantém ao terminar de falar me faz piscar algumas vezes
quando ouço o diabinho no meu ombro esquerdo murchar, enquanto o anjinho dá socos vitoriosos
no ar.

Sei que quis beijá-la desde o primeiro instante, mas acho que nunca cheguei tão perto de
ligar o foda-se e agarrá-la de uma vez, sem pensar nas consequências. Apenas saboreá-la, senti-
la, me entregar a essa atração quase insuportável que sinto por ela.

Quando dou por mim, estou sorrindo. Sorrindo larga e sinceramente, sem conseguir tirar meus
olhos dos dela, que brilham de expectativa em minha direção. Os meus não devem estar diferentes.
Cada palavra que sai de sua boca é como uma flecha de choque, surpresa e tesão em mim, e
essas reações estão ficando cada vez mais intensas. Penso no plano; penso no meu objetivo inicial,
penso que isso vai desandar a merda toda, mas, porra... está ficando cada vez menos significante.
Ainda me atormenta e insiste em algum lugar, mas está cada vez mais distante.

Não sei dizer se isso é algo bom ou ruim.

Só sei que, quando a vejo erguer o braço para chamar alguém para nos atender, deixo de
me importar por não saber se é bom ou ruim.

Quem vai saber?

— Oi, moço! Hummm... moça — ela diz para a pessoa que se aproxima, com o rosto
entediado e mascando chiclete com a boca aberta. Realmente, à primeira vista, parece um cara,
principalmente devido às luzes tão parcas do ambiente, mas é uma mulher de cabelo muito curto e
roupas largas, que há pouco tempo estava sentada atrás do balcão, girando uma tampinha para
lá e para cá e não parece muito contente por ter sido interrompida no meio de sua concentração
em fazer porra nenhuma. — Vou querer uma Coca-Cola, uma porção de batatas fritas com queijo
e que vocês diminuam um pouco o volume desse som, se não quiserem que os clientes tenham
problemas nos tímpanos e na garganta por terem que gritar, como estou fazendo agora. Por favor.
Obrigada.

A mulher anota tudo e balança a cabeça, revirando os olhos ao se virar para mim, que estou
tentando, sem sucesso, não gargalhar em sua cara. Débora está com uma expressão tranquila e
vitoriosa no rosto, o que faz com que seja ainda mais difícil parar de rir.

Ela é incrível.

— Uma Coca-Cola também, e uma porção de bolinhos de bacalhau, por favor — peço, e
minhas palavras saem entrecortadas pelas risadas.

Quando disse para Débora que o bolinho de bacalhau aqui é bom, não fazia ideia do que
estava afirmando. Foi Heitor que me falou sobre esse lugar, certa vez, ao me contar que quase foi
preso por se envolver em uma briga bêbada, e afirmou que pelo menos esse aperitivo vale a
pena diante do quão ruim é toda a experiência de se estar aqui.

Eu sei, bolinho de bacalhau não é a melhor escolha para quem precisa estar sempre
controlando a alimentação, mas analise meus três motivos: nada nesse cardápio parece convidativo;
me permitir, conscientemente, vez ou outra, não fará mal; batatas fritas estão na minha lista de
traumas.

— Então, Débora — começo, assim que a moça se afasta com nossos pedidos. — Você
sempre soube que queria ser fisioterapeuta?

— Não. Na verdade, eu só soube disso na hora de me inscrever no vestibular — responde,


apoiando os antebraços na mesa. — Meu pai sempre me encheu o saco, querendo que eu cursasse
Direito para um dia me tornar juíza, como ele, mas eu sabia que esse não era, nem de longe, o
caminho que eu queria seguir. Quando cheguei ao final do ensino médio, chutei o balde e me
inscrevi em Fisioterapia aleatoriamente, e acabou dando mais certo do que pensei.

— Aposto que hoje em dia ele nem se lembra de querer que você fosse juíza.
— Você que pensa. — Ela ri, tentando disfarçar algo em seu tom que denuncia certa
melancolia. — Minha família adora o fato de eu ter me tornado uma profissional que ganha bem,
mas eu sinto as indiretas quando visito meus pais e eles mencionam que algum parente está se
formando ou se formará em Direito e seguirá a tradição da família. Grande merda.

— Isso te incomoda?

— Já incomodou. Não mais. — Ela sorri novamente, suspirando um pouco ao continuar: —


Sempre tive que lidar com as pressões da minha família, quando mais nova. Meu pai queria
mandar na minha carreira, minha mãe me obrigava a seguir dieta, a fim de evitar o que acabou
acontecendo — ela faz um gesto com as mãos, apontando para o próprio corpo —, e chegou o
momento em que eu liguei o foda-se para tudo isso. Amo meus pais e minha família, mas me
libertar de tudo o que eles sempre tentaram infligir em mim foi a melhor coisa que já fiz.

Aí está algo que eu realmente nem imaginava sobre Débora. Não que eu soubesse muita
coisa a seu respeito, quando estudamos juntos. E, agora, estou vendo que, provavelmente, o pouco
que eu sabia era só fachada.

Ela era linda, perfeitinha, das notas impecáveis e companhias à sua altura, namorados
populares e prêmios em competições de Química. O modo com que ela contou o que acaba de
contar deixa claro que tudo isso era o que sua família queria que ela fosse, não ela mesma.

Será que essa é a explicação para o fato de ela, às vezes, ter sido uma vaca comigo e com
outras pessoas?

Dez anos antes...


São dez da manhã. E é a terceira vez que alguém passa por mim e me empurra, ignorando
meus protestos, rindo e dizendo que não tem culpa por eu atrapalhar a passagem. Sim, eu estou
contando. É assim todos os dias, até eu perder a conta quando está perto de acabarem as aulas.

Passo a mão por meu braço, que bateu na parede quando o idiota da vez me jogou para o
lado, e ajeito os óculos no rosto, seguindo até a cantina do pátio da escola. Aperto minhas mãos em
punho, para que não fique tão evidente o quanto estão tremendo, quando avisto Débora na fila,
assentindo para o que quer que a garota ao lado dela esteja dizendo.

Tão linda. Tão inalcançável.

Aproximo-me, aos poucos, sentindo como se meu coração fosse me matar engasgado com a
força com que bate no peito ao perceber que poderei ficar logo atrás dela — o mais perto que
conseguirei chegar na vida. Sinos começam a soar em meus ouvidos, como alguém que está muito
próximo da faixa de chegada após correr uma maratona.

E eu acabo me empolgando tanto que não controlo o momento de parar. Minha atenção está
tão focada nela, em chegar perto, em sentir seu cheiro, em ser notado, que dou mais passos do que o
necessário, e acabo esbarrando nela, com tudo. Atinjo-a com tanta força que ela tomba para frente,
atingindo a pessoa adiante, que atinge a pessoa adiante, que atinge a pessoa adiante, que vira para
trás para saber o que diabos foi aquilo, assim como todo mundo ao redor.

— M-me d-desculpe! E-eu não quis... — Fico extremamente nervoso, gaguejando e suando,
amaldiçoando-me por dentro por estar respirando tão pesadamente quanto um porco.

Tento tocar o braço de Débora, numa tentativa de ajudá-la a recuperar o equilíbrio, mas ela
desvia de mim abruptamente, olhando-me irritada. Como sempre.

— Pensei que a finalidade dessa coisa horrorosa no seu rosto era te ajudar a enxergar por
onde anda! — ela cospe, balançando a cabeça e virando-se de costas para mim. Recebo mais olhares
impacientes e debochados, conseguindo apenas mover minimamente a boca para pedir desculpas, mas
ninguém parece ligar.

E, como se não bastasse, sinto mais um empurrão. O panaca da vez toma meu lugar na fila e
cumprimenta Débora, que continua de braços cruzados, mas isso não o impede de passar um dos
braços pelos ombros dela, praticamente reivindicando-a.
De um jeito que nunca poderei fazer.

Baixo a cabeça e espero, pacientemente, a fila andar, fingindo que meu coração não está
doendo.
Enquanto devaneio durante os segundos que parecem horas, observando o rosto lindo de
Débora, que aguarda minhas próximas palavras, nossos pratos e bebidas são postos diante de
nós, sem o mínimo cuidado, como se a moça quisesse acabar logo com isso. Ela deveria saber que
acaba de cortar sua gorjeta bem no meio, mesmo que os pedidos não tenham demorado a chegar.

Débora olha para as batatas à sua frente com uma expressão satisfeita, porque,
impressionantemente, elas não parecem nojentas ou contaminadas. Estão até com uma cara boa,
assim como meus bolinhos, que posso constatar serem realmente bons ao provar um.

Olho para Débora e ela está bem entretida em devorar suas batatas, uma a uma,
intercalando com goles de Coca. Quando percebe que a estou observando, ao limpar o canto da
boca com um guardanapo, ela sorri e estreita os olhos.

— O quê? Eu disse que já liguei o foda-se para isso — comenta ao tomar mais um gole de
sua bebida. — Está acostumado a sair com mulheres que pedem salada e comem só a metade, não
é?
— Não, não é isso — digo, terminando de engolir e tomando refrigerante, também. — Eu
só... gosto de olhar para você. Você é surpreendente pra caralho, sabe?

— Espero que seja no bom sentido.

— No melhor sentido que você pode imaginar.

E, por incrível que pareça, estou sendo brutalmente sincero. Não é jogada para seduzi-la e
dispensá-la depois. É como me sinto, de verdade. E isso faz com que as bochechas dela corem
novamente.

Tão adorável.

— Mas essas batatas estão realmente boas. Quer provar um pouco? — Ela oferece,
erguendo seu prato em minha direção.

Engulo em seco antes de balançar a cabeça furiosamente.

— Não, obrigado.

— Ah, vamos lá, bonitão. Pela sua forma física e histórico médico, posso afirmar que você
mantém um estilo de vida e saúde impecáveis, mas uma batatinha não vai fazer tudo desandar.

— Eu sei, mas... e-eu não gosto de batata frita.

O jeito com que fico nervoso é ridículo, mas ela está praticamente esfregando as batatas em
meu rosto.

— Conversa fiada.

— É sério! E, só para você saber, foi assim que me senti quando você disse que não bebe —
aponto, fazendo com que ela abra um grande sorriso e desista de tentar me enfiar aqueles
monstros goela abaixo.

— E, mais uma vez, o garanhão prova que sabe argumentar.

— É um dos meus grandes talentos.

— Grandes, hein?
— Pode apostar.

Ah, merda. Ela está flertando comigo. Sei que estava desde o momento em que fez aquele
discurso sobre acreditar que sou capaz de fazer esse encontro valer a pena, mas está, aos poucos,
deixando de ser suave e discreto. Na verdade, já pulou etapas e está chegando às sacanagens
disfarçadas.

Espero que eu não esteja quicando na cadeira, nesse momento.

— Bom, de todo jeito, gostaria de deixar claro que meus quilos e curvas extras não se
devem a uma alimentação desregrada que vai me matar antes dos trinta. Eu apenas não me
restrinjo, nem me permito demais. Aposto que minha mãe sempre soube que eu tinha essas
tendências e, por isso, me obrigava a seguir dietas antigamente e me olha torto sempre que nos
vemos, mas eu não estou nem aí. Enquanto minha saúde não apresentar riscos, usar números
grandes não me incomoda nem um pouco. Por favor, olha a minha bunda!

E, com essa, sei que tentar fazê-la se sentir mal por sua aparência não vai funcionar. Na
verdade, eu sei que nem conseguiria, porque ela está incrivelmente linda. E mais ainda por estar se
sentindo bem e confiante consigo mesma.

Será que ela me esbofetearia se eu simplesmente a agarrasse pela mão até seu
apartamento — que é mais próximo — para que transássemos como se não houvesse amanhã?

Talvez sim. Calma aí, Maurício.

— E eu gostaria de deixar claro que não sou um idiota metrossexual. Tive problemas sérios
de saúde na adolescência e precisei mudar o estilo de vida, ou morreria antes dos vinte.

Ela ergue as sobrancelhas, surpresa.

— Eu não insinuei isso. Desculpe — pede, mastigando mais uma batata. — Então você já foi
do time do sobrepeso?

— Quase obesidade.

— Nossa. Você deu um jeito nisso direitinho.

— Você acha? Porque, por culpa de certa pessoa, estou há tanto tempo sem malhar que meu
bíceps parece meio flácido... — Ergo o braço e apalpo meus músculos, recebendo uma risada e um
empurrão dela em meu ombro.

— Ai, idiota! — Acompanho-a nas risadas, sentindo o local onde ela tocou formigar. — Sabe,
apesar de pensar que banheiros químicos no carnaval sejam mais limpos do que esse lugar, até
que estou me divertindo. Gosto de você, Maurício.

Débora apoia o queixo na mão, sem deixar de me olhar, sorrindo sugestivamente. Tenho
vontade de me beliscar. É até difícil de acreditar que isso está acontecendo.

— Também gosto de você, doutora — rebato, aumentando seu sorriso.

Ela aproveita para também me fazer algumas perguntas, e falo sobre minha vida, que nasci
e cresci aqui — acabo não especificando onde estudei, mesmo tendo certeza de que, ainda assim,
ela não vai se lembrar de mim —, comento novamente sobre minha mudança de estilo de vida
devido à saúde — também deixo passar a razão pela qual sou traumatizado com batatas —, no
que me formei, onde trabalho, minha família, meus amigos, o fato de conhecer sua prima de vista,
por ela trabalhar no SPA, entre outras coisas, às quais ela dá total atenção e faz comentários
quando pertinente.

Terminamos de comer sem ao menos percebermos, e acabamos nos entretendo ao discutirmos


a respeito das pessoas ali presentes, ponderando qual delas estaria mais bêbada e por qual
motivo. Entre traições, demissões, comemorações, alcoolismo e outras confabulações, nos assustamos
quando, de repente, um som agudo penetra nossos ouvidos, para em seguida alguém falar "Alô,
som! Testando! Som!" em um microfone. Perto do karaokê, está um rapaz, que parece alterado e
um tanto confuso quanto ao uso do objeto que segura. Alguém ajusta o microfone em sua mão e
ele agradece, enrolando um pouco a língua, antes de começar a falar:

— Eeeeeu gostaria de estar dedicando essa música à Josefina, que disse na minha cara que
dormiu com meu chefe e quer que eu vá embora de casa. Aquela vaca. Vai se foder, Josefina!

Algumas pessoas batem palmas e gritam a seu favor e, em seguida, a música começa. O
rapaz tenta acompanhar a letra, que fala sobre alguém que amou, foi sincero e não merecia ser
traído. A certa altura, ele começa a cantar chorando, e quando alguém tenta tirar o microfone de
sua mão, ele recusa e faz questão de terminar a música, chorando alto, e fazendo reverências
quando uma pontuação muito boa surge na tela do karaokê. Esse negócio deve estar programado
para não dar notas baixas, só pode.
Débora e eu estamos nos contorcendo de rir, um se apoiando no outro, nos abanando ao
tentar nos acalmar. A moça do bar pergunta, sem vontade alguma, se mais alguém gostaria de
cantar, e as pessoas começam a encorajar seus amigos, que negam, então ela apenas deixa o
microfone ali, voltando para sua tarefa de fazer nada.

Estou tentando regular a respiração quando me deparo com o olhar sugestivo de Débora.

— Já ouviu falar em prazer culpado? — ela pergunta, movendo as sobrancelhas.

— Sim.

Ela sorri, brincando com a língua entre os dentes, e começa a se levantar.

— Esse é o meu.

Apenas observo, empolgado e surpreso, conforme ela caminha em direção ao karaokê —


dando uma bela olhada naquela bunda que me enlouquece —, mexe nos controles para escolher
a música e pega o microfone, recebendo alguns gritinhos de aprovação quando a canção começa
a soar pelo ambiente.

Meu queixo cai.

Tô escorada na mesa

Confesso que eu quase caí da cadeira

E esse garçom não me ajuda

Já trouxe a vigésima saideira3

Ela olha para as pessoas que batem palmas, parecendo um pouco tímida, mas conforme
canta, sua confiança parece crescer, e cada palavra que sai de sua boca me dá vontade de rir.
Nunca imaginei que ela pudesse gostar desse tipo de música.

Mais uma vez, Débora Bittencourt me surpreende a ponto de me deixar ainda mais
apaixonado por ela.

É, merda. Apaixonado. Não dá mais para negar. Nem para mim mesmo.

Sempre estive. Esse sentimento só esteve adormecido dentro de mim, durante todos esses
anos, e nosso reencontro reafirma o que eu sempre pensei na época do ensino médio: eu nunca
seria capaz de esquecê-la.

A terceira música nem acabou

E eu já tô lembrando da gente fazendo amor

Seu olhar encontra o meu e ela sorri largamente ao cantar, surpreendentemente afinada,
movendo o corpo no ritmo da música, erguendo as sobrancelhas em espanto quando algumas
pessoas levantam para bater palmas e dançar também. Débora ergue um dos braços e o balança
no ar, animando ainda mais a plateia, que se deleita com seu show.

Garçom, troca o DVD

Que essa moda me faz sofrer

E o coração não "guenta"

Desse jeito você me desmonta

Cada dose cai na conta

E os 10% aumenta

Aí "cê" me arrebenta

Quando dou por mim, também estou de pé, batendo palmas e assobiando, enquanto ela
continua a se regozijar com a animação que tomou conta do lugar inteiro. Até mesmo a garçonete
está dando um sorrisinho e batucando os dedos no balcão, no ritmo da música, ao admirar a
mulher que canta e dança com tanta satisfação que é possível ver no brilho de seus olhos e no
gingado de seu corpo.

Ela nunca esteve tão linda, tão gostosa, tão... tão... argh.

Acho que preciso sentar, ou as pessoas vão reparar que estou com a barraca armada.

E o coração não "guenta"

E os 10% aumentaaaaaa...

Ela fecha os olhos ao alcançar uma nota mais alta no final da música, rindo, e agradece
quando mais palmas e gritos explodem, pedindo bis. Débora vira para ver sua pontuação na tela
e quando a nota máxima surge, o alarido a reverencia, parabenizando-a, e o rubor em seu rosto
surge, mesmo que ela esteja se curvando para frente e fazendo gestos com as mãos para que
gritem e aplaudam mais, toda moleca.

Mesmo com todos os pedidos de "Mais um!", Débora deixa o microfone de lado e corre em
minha direção, e abro os braços para que ela se encaixe em mim, em um abraço tão gostoso que
sinto que posso ficar assim para sempre. No entanto, após alguns segundos, ela quebra esse
contato, afastando-se um pouco para me olhar, com puro êxtase em sua expressão.

— Seu prazer culpado é cantar? — inquiro, confuso, pois ela canta bem até demais.

— Música sertaneja — responde, dando de ombros. — Posso contar nos dedos de uma mão
as vezes em que ingeri bebida alcoólica, mas eu simplesmente adoro essas músicas que, em sua
maioria, falam sobre sofrimento por amor e ir pro bar, beber.

— Você foi demais! A sua voz é linda pra caralho — digo, animado, levando minha mão até
seu rosto, em um gesto automático, para retirar os fios de cabelo que estão grudados em sua
bochecha levemente coberta de suor.
Olho em seus olhos, desço para sua boca, volto aos olhos. Ela morde o lábio, levando
novamente minha atenção para sua boca, e um sibilar deixa claro meu desejo de juntá-la à minha.

— Obrigada. Acho que você já pode se juntar ao meu chuveiro e montar um fã-clube — ela
brinca, arrancando-me uma risada genuína.

— Teremos camisetas personalizadas e tudo.

Gargalhamos juntos, até o momento em que percebemos que minha mão continua em seu
rosto. Meu polegar acaricia levemente a pele, enquanto a mão dela está em meu peito, deslizando
vagarosamente, ainda em resquício de nosso abraço. Reparo o quanto nossos rostos estão
próximos quando sinto nossas respirações se misturarem, baterem e voltarem.

Meu coração bate na garganta.

— Vamos sair daqui?

Pisco algumas vezes quando ela fala, encarando-me com expectativa, e mal paro para
pensar. Abro rapidamente a carteira e me encaminho até à garçonete emburrada, que logo muda
de expressão quando vê que lhe entrego um número aleatório de notas de cinquenta, que com
certeza pagam a conta, sua gorjeta e mais além, mas não me importo.

Ao passar por Débora, novamente, seguro sua mão e seguimos até a saída, ouvindo
protestos de algumas pessoas que gostariam de vê-la cantar novamente. Ela me informa onde
mora e seguimos nosso caminho a pé, de mãos dadas, nos separando apenas quando ela insiste
em nos pagar um sorvete, já que paguei a conta toda no restaurante.

Estamos rindo da mancha de sorvete de chocolate que deixo cair em minha camisa quando
os passos de Débora perdem velocidade, aos poucos.

— Então... chegamos.

Ela joga seu copinho de sorvete na lata de lixo ali próxima, e eu a imito antes de me
posicionar de frente para ela, esperando o que quer que esteja prestes a falar.

"Vai ficar aí me olhando ou vai me beijar logo?"

"Você é tão gostoso que não consigo resistir..."


"Quer subir comigo?"

Ah, qual é. Um cara pode sonhar.

— Obrigada pela noite, Maurício. Eu me diverti muito — ela diz, sorrindo com carinho.

— Eu também. Mais do que imaginei — respondo, sinceramente, pousando a mão em seu


rosto novamente. — Vamos repetir, não é?

— Claro. Você tem o meu número.

— É.

Meu coração vem parar na garganta novamente. Nos encaramos, encaramos nossas bocas,
por segundos infinitos, até que...

— Boa noite, Maurício.

Débora fica nas pontas dos pés e apoia a mão em meu ombro, para alcançar minha
bochecha com os lábios, depositando ali um beijo macio e estalado. Fecho os olhos por um
segundo, apreciando o gesto e, quando os abro novamente, ela está andando em direção ao
prédio onde mora, deixando-me ali, embasbacado, inebriado e confuso. Antes de abrir a porta,
ela olha para trás, sobre o ombro, lançando-me um sorriso diabólico, deixando claro que sabe
exatamente o que acaba de fazer comigo.

Filha da mãe torturadora.

Ainda que não tenha acabado como eu previa e queria, vou embora com um sorriso idiota
no rosto, mesmo que o trajeto demore até que eu finalmente consiga chegar em casa, pensando
logo em ir bater uma, lembrando do jeito com que seu corpo se move quando dança.

Mas não o faço. Tomo um banho frio e me jogo na cama, adormecendo ao pensar que meu
objetivo inicial está indo todo pelo ralo. E eu não poderia me importar menos.
É oficial.

Transformei-me em uma garotinha ansiosa, de mãos suadas, bochechas e orelhas aquecidas,


e coração saltitante.

Pior ainda: voltei a sentir tudo o que meu eu adolescente rechonchudo sentia ao ver Débora
ou ao menos pensar nela.

A diferença é que, além de tudo parecer mais forte, existe a possibilidade de ela estar
sentindo o mesmo. Ou perto disso.

Puta merda! Tenho até medo de erguer as palmas e ver líquido salgado pingar delas. Que
ridículo.

Por fora, tento parecer relaxado. De boa. Confiante. Quem passa por mim na sala de
espera do SPA e me percebe, pode observar um cara que acaba de sair da academia e está ali
sentado tranquilamente, de braços cruzados e batendo o pé direito no chão conforme o ritmo dos
ponteiros do enorme relógio na parede.

Quando, na verdade, esse cara está ansioso e empolgado pra caralho por dentro, sentindo o
coração bater na garganta e prestes a arrancar aquela droga de relógio da parede para mover
a porra do ponteiro de uma vez e ver se a hora em que Débora deixará seu consultório chega
logo.

Quero, mais do que tudo, pedir desculpas. Após nosso encontro na sexta-feira, não a contatei
durante o fim de semana todo. Confesso que, por várias vezes, pensei que assim fosse melhor,
porque poderia contar como parte do meu plano de deixá-la miserável e pensando que, mesmo
depois de ter rolado um clima entre nós, não estou tão interessado.

Contudo, essa merda toda já evaporou. A tentação ainda insiste em me perseguir, mas basta
eu pensar em seu sorriso, seus olhos, sua voz, seu corpo, o jeito como ela flerta, o jeito como ainda
sinto seu beijo em meu rosto, o jeito meigo e seguro como ela age e fala, que tudo de ruim que
aconteceu há dez anos nem parece ter existido. Só quero levar isso que está surgindo entre nós
adiante.

É nessa hora que eu admito que meus amigos estavam certos. E admitir para mim mesmo já
vale, não é? Não preciso dizer em voz alta, certo? Certo. Obrigado.

De qualquer jeito, eu não liguei porque, além da tentação de fazê-la se sentir mal, passei o
fim de semana todo com meus pais, que reuniram todos os parentes que puderam para comemorar
os trinta e cinco anos de casamento em uma enorme casa de campo, localizada em um lugar tão
recluso que não tem sinal de cobertura para realizar ligações e usar internet, a não ser chamadas
de emergência. Eles fizeram isso de propósito, com o intuito de reunir a família de verdade, sem
distrações que nos fizessem ficar alienados. Valeu, pai e mãe.

E agora, mesmo que não fosse essa minha intenção, aposto que ela deve estar chateada por
eu não ter dado o menor rastro de notícia durante o fim de semana inteiro. Bom, na verdade, essa
é apenas uma possibilidade, porque, você sabe, é Débora. Sei que ela não se lamenta, não se
rebaixa. Mas nós tivemos momentos muito bons. Conversamos, rimos juntos, rolou um clima, e ela até
fez show em um karaokê, pelo amor de Deus. Devo-lhe uma explicação e um pedido de desculpas.

Cacete! Estou mesmo apaixonado. E ferrado. Me importando? Nadinha.

— Mais um pouquinho de tensão e a sua cabeça vai sumir entre os ombros. Isso tudo é
reação por me ver? Eu sabia que ainda te afetava.

Sobressalto-me ao ouvir uma voz feminina ao meu lado, contendo a vontade de revirar os
olhos quando percebo que é Marcela. Porra, logo agora?

Gostei da piada, Universo. Estou morrendo de rir.

Ela acaba de sentar no sofá, ajeitando-se e cruzando as pernas, muito perto de mim. Por um
instante, penso que ela falou sério, mas o sorrisinho irônico em seu rosto denuncia o deboche.

— Nem vi você chegar.

— Ah, atencioso como sempre. — Ela solta uma risada de escárnio. — Sim, estou bem,
Maurício, obrigada por perguntar. E você?

— O que você quer? — pergunto, mais ríspido do que gostaria. Desde que realmente
terminamos, é a primeira vez que Marcela e eu nos vemos, e o momento não poderia ser pior.

Ela ergue as mãos, como se estivesse se rendendo, o sorriso sarcástico ainda adornando seu
rosto.

— Nossa! Quanta hostilidade! Agora é proibido trocar algumas palavrinhas amistosas com o
ex-namorado?

— Você disse que me odiava.

— Eu sei, mas sempre dizemos barbaridades quando estamos com raiva. Não vou te dizer
que não há rancores guardados, mas a minha vontade de te dar uma surra já passou.

Marcela dá de ombros e olha para as unhas da mão esquerda antes de enrolar um dedo na
ponta de uma mecha de seus cabelos, demonstrando tranquilidade após falar. Sinto até vontade
de rir de seu discurso.

— Hum, é bom saber disso. Sei que posso ter te magoado, mas você entendeu que nós...

— Não daríamos mais certo, blá-blá-blá. Sim, eu entendi. — Ela suspira discretamente e
volta a dar um sorrisinho. — Está esperando alguém?

— É. Mais ou menos.
— O Vinícius?

— Não.

— Alguma... mulher?

Dou de ombros.

— Ui, me superou bem rápido, hein? — Ela cruza os braços e, antes que eu possa
argumentar, estala a língua e se retrata. — Desculpe. Força do hábito.

Dessa vez, não reprimo a risada. Isso tudo me faz lembrar porque, um dia, me apaixonei por
Marcela, mas, ao mesmo tempo, me lembra porque não deu certo. Sei que ela não é má pessoa,
mas tivemos provas suficientes de que nosso relacionamento não iria para frente. E ainda bem que
isso aconteceu agora. Bem quando a pessoa certa ressurgiu em minha vida.

— Então, conheceu alguma gostosona de bumbum durinho na academia? Foi amor à primeira
levantada de halter? Ou se fisgou em alguma cliente que tinha acabado de fazer uma limpeza
facial e estava reluzindo ao te encontrar por acaso aqui? — Marcela insiste, tentando parecer
casual com suas perguntas. — Por falar nisso, acabei de fazer uma limpeza dessas e...

Paro de ouvi-la. Paro de ouvir tudo ao redor, porque nesse instante tudo o que vejo e ouço é
Débora e seus passos lentos em direção à recepção, mexendo distraidamente no celular, ainda de
jaleco e com os óculos de grau na cabeça, formando uma espécie de arco que afasta seus cabelos
soltos do rosto.

Porra, que visão!

Endireito a postura, automaticamente, esperando que me veja, mas ela continua a mexer no
celular e, quando interrompe o gesto, é para falar alguma coisa com o recepcionista.

Marcela continua a tagarelar ao meu lado, e eu me forço a interrompê-la educadamente,


porque minha vontade é simplesmente levantar, ir até Débora e deixá-la matracando sozinha.

— Marcela, foi muito bom te ver e saber que está tudo bem entre nós, ok? Agora eu preciso
ir.

— Ah, a trouxa... ops, a pessoa com quem você está saindo apareceu? — Ela vasculha o
ambiente com o olhar, mas logo percebe que está sendo ridícula e balança a cabeça, recostando-
se no sofá e suspirando novamente. — Quero dizer... foi bom te ver também, Maurício.

Sorrio para ela e aceno antes de levantar e seguir, a passos lentos e firmes, para onde
Débora está, de costas para mim, rindo junto com o recepcionista, que arregala os olhos quando
me aproximo. É até engraçado como ele sempre faz isso.

— Oi, doutora.

Quando ela se vira, é impossível conter o sorriso que, com certeza, quase rasga meu rosto.
Esfrego as mãos em minha bermuda, discretamente, esperando por sua reação. Penso em começar
a me desculpar imediatamente, mas Débora ergue as sobrancelhas e sorri, tão largamente quanto
eu, antes de me cumprimentar.

— Oi, Maurício! Como vai? — ela pergunta, simpática e casual.

Por um instante, desconfio que ela possa estar disfarçando alguma irritação, mas o carinho
em seus olhos me dá a certeza de que ela está agindo genuinamente.

— Bem. Ah, hummm... posso falar com você?

— Claro.

Olhamos, no mesmo instante, para o recepcionista, que respondeu ao mesmo tempo que ela.
Ele nem se abala, mantendo um sorriso presunçoso no rosto, lançando uma piscadela para Débora,
como se a estivesse incentivando. Confesso que nem lembro seu nome direito, mas até que gostei
dele.

Toco o braço de Débora e a guio para nos afastarmos um pouco, deixando o recepcionista
se abanando atrás do balcão, até alguém chegar para falar com ele e tomar sua atenção.
Débora enfia as mãos nos bolsos do jaleco, olhando-me fixamente, esperando o que tenho a dizer.
O que quase esqueço ao me perder instantaneamente no verde espetacular de seus olhos.

Pigarreio e começo:

— Olha, acho que você deve estar se perguntando por que não te liguei no fim de semana.
Só queria que você soubesse que eu quis, muito, mas não...
— Ah, não se preocupe com isso.

Franzo a testa com sua resposta. Imediatamente, penso que ela vai completar com "eu já ia
te dar um fora mesmo", e antes que eu consiga abrir a boca para tentar me explicar, ela continua:

— Ok, talvez eu tenha pensado por um momento ou dois que você podia estar querendo me
sacanear e dando para trás, mas, por favor, não queremos nos sufocar, não é? E você está aqui,
tentando se explicar, e não faria isso se fosse o filho da puta que posso ter pensado, só um
pouquinho, que você fosse.

Seu sorriso e dar de ombros emanam tranquilidade, enquanto eu só consigo ficar encarando
feito um idiota molenga, tentando ao menos não parecer um cachorro de desenho animado, com
olhos arregalados e língua para fora, pingando baba.

Que mulher, cara. Que mulher!

— O que foi? Por que está me olhando assim?

Pisco algumas vezes quando o sorriso dela esmaece e se molda a uma expressão
preocupada. Puta merda, eu devo mesmo estar parecendo um cachorro babão.

— Nada. É só que... Porra, como eu poderia dar para trás? Caramba, você é incrível.

Débora volta a sorrir, ruborizando um pouco, como sempre, e ergue as sobrancelhas,


triunfante.

— É o que dizem por aí — rebate, rindo, e eu a acompanho, porque tudo nela é viciante.
Seu sorriso, sua risada, sua voz, sua boca... ah, sua boca.

— Sabe, Débora — começo, dando um pequeno passo para frente, que nos deixa um pouco
mais próximos. Esse cheiro... — Eu realmente adorei o nosso programa de sexta-feira. Muito mesmo.

— Eu também, Maurício. Muito mesmo.

— Adorei conversar com você. Adorei rir com você, ficar te olhando, sentindo seu cheiro, te
aplaudir depois de te ver cantar e dançar...

— Hummm, a sua lista é bem parecida com a minha. — Ela dá uma risadinha e aproveito
essa deixa para me aproximar mais um pouco.
— Mas, eu não sei se você percebeu, ficou faltando uma coisa — continuo, observando o
brilho em seus olhos se intensificar, ganhando cada vez mais confiança e certeza de que ela está
no mesmo patamar que eu. Nunca uma mulher me intimidou e deixou tão nervoso, e eu nunca estive
tão gamado. — Uma coisinha de nada...

— E você veio buscar — ela complementa, piscando para mim, entendendo o que eu quis
dizer, pois fica muito claro quando meu olhar não sai de sua boca.

— Exatamente.

Passo a língua pelo canto do meu lábio inferior, ao passo em que ela morde o seu. Esse
simples gesto desperta em mim o impulso de exterminar a pequena distância entre nós de uma vez
por todas, aqui e agora, mas no mesmo instante, Débora agarra a gola do jaleco e o suspende um
pouco, para mostrar que ainda não pode, por estar no horário de trabalho.

Puta que pariu!

Suspiro, um tanto frustrado, mas ela não perde o bom humor.

— Estarei livre nessa sexta-feira também, se quiser.

— É claro que eu quero. Quero muito. Quero agora...

Estou quase implorando, mas nem me importo. Quero tanto beijá-la que o desejo está
começando a doer, de tão intenso.

Ela sorri, linda, antes de dar um pequeno passo para trás.

— Eu também.

E, assim, ela se vira e segue pelo corredor, provavelmente em direção a seu consultório, para
cumprir o restante de expediente que ela ainda tem, seja lá quanto tempo ainda falte.

Minha cabeça parece a ponto de explodir devido à quantidade de palavrões que flutuam
em minha mente nesse momento. A doutora está me atiçando, me enlouquecendo... e conseguindo.

Por isso, não importa quanto tempo ainda falte para ela sair. Está decidido. Eu vou beijar
Débora hoje! E é isso que me faz continuar a esperar por ela, dessa vez no hall de entrada do
SPA, quase do lado de fora.
Após mais ou menos vinte minutos, várias pessoas já passaram por ali, indo embora, menos
ela. Já passa das sete da noite, e já andei tanto para lá e para cá que estou meio tonto. Encosto-
me à parede adjacente à porta de abertura automática, cruzando os braços e batendo o pé no
chão, impaciente, começando a ponderar a possibilidade de ela ter ido embora por alguma outra
saída quando, finalmente, a avisto, acompanhada de uma moça ruiva, que pega em seu braço e
lhe diz algo com o olhar um pouco alarmado, antes de voltar para dentro. Débora assente,
ajeitando sua bolsa no ombro e dando passos lentos em direção à saída.

Em minha direção.

Sem crachá, sem jaleco. Sem os óculos na cabeça, deixando seus cabelos livres para
balançarem em todas as direções, inclusive seu rosto, fazendo com que ela prenda alguns fios
atrás da orelha, embora a mecha seja curta e em questão de segundos volte a cair sobre sua testa
e olhos. Com uma calça jeans escura modelando perfeitamente as curvas pelas quais desejo tanto
passar as mãos e a língua, e uma blusa social azul-clara, com as mangas dobradas até os
cotovelos e os dois primeiros botões abertos, deixando seu colo à mostra, atiçando a imaginação
de quem prestar atenção.

De repente, ela me olha surpresa quando me vê, com um sorriso inquisitivo, mas satisfeito.
Percebo que suas palavras estão na ponta da língua, prontas para saírem e me perguntarem o
que estou fazendo aqui, mas não dou tempo para que isso aconteça.

Uma de minhas mãos a puxa pela cintura, enquanto a outra pousa em seu rosto,
delicadamente, deslizando pela orelha até à nuca, trazendo-a para o encaixe perfeito no
momento em que meus lábios tocam os seus.

Ah, porra, sim!

Eu estou beijando Débora!

É quase como se eu conseguisse ver o Maurício de dezessete anos erguendo os polegares


para mim, antes de fazer uma dancinha desajeitada em comemoração e soltar fogos de artifício.

Sinto que ela está surpresa, a princípio, pois suas mãos pousam em meus antebraços,
relutantes, processando o que está acontecendo, ao passo em que movimento minha boca sobre a
sua, levando um segundo para ser correspondido. Seguro-a firmemente contra mim, aproveitando
para aprofundar o beijo quando suas palmas deslizam por meus braços e ombros até envolver
meu pescoço, e um suspiro seu escapa antes que minha língua invada sua boca.

Tudo o que imaginei até esse momento não chega perto de fazer jus à real maciez de seus
lábios e o quanto seu sabor é incrível. Nossas línguas se acariciam juntas, em movimentos
sincronizados e delirantes, conforme nossas bocas se devoram e nossas mãos nos puxam cada vez
mais um para o outro. Minhas palmas agora deslizam por suas costas e cintura, enquanto os dedos
de Débora se encontram emaranhados em meus cabelos, ora repuxando-os, ora escorregando
para minha nuca e mandíbula. Ela me corresponde com o mesmo desejo, com a mesma gana de ter
cada vez mais do que possamos dar um ao outro.

Aos poucos, a necessidade por ar vai falando mais alto, e ao separar minimamente meus
lábios dos dela e inspirar com força, sou invadido por seu cheiro, o que faz me faz buscar sua
boca com a minha novamente, enchendo-a de beijos estalados e mais contidos. Em certo ponto, sinto
o sorriso de Débora contra meus lábios, e levo minhas mãos até seu rosto, acariciando as maçãs
com os polegares, conforme toda a nossa urgência se acalma.

— Nossa... — ela murmura, regulando a respiração aos poucos, resvalando as mãos por
meu peito. — Você acabou de provar que eu fui mesmo uma idiota por não ter te beijado naquele
dia.

É minha vez de sorrir e roubar um beijo breve antes de falar:

— Eu concordaria com você, mas tenho a proposta perfeita para recuperarmos o tempo
perdido.

— Estou ouvindo.

Torno a envolvê-la pela cintura, abaixando a cabeça para roçar meu nariz por sua
bochecha, recebendo mais suspiros em resposta.

— Que tal irmos, agora, para o meu apartamento, jantar, tomar um vinho...

— Hummm...

— Eu cozinho pra você.

As sobrancelhas dela se erguem no instante em que finalizo minha sentença.


— Um cara que beija bem pra caramba e, ainda por cima, cozinha? Meu amuleto em forma
de trevo de quatro folhas funciona mesmo, hein! — Ela dá risada, interrompendo-se quando trilho
beijos por sua mandíbula até a orelha.

— Se você vier comigo, posso te mostrar muitas outras habilidades para te provar que está
com mais sorte do que imagina. — Deixo uma leve mordida no lóbulo de sua orelha após sussurrar,
recebendo mais um suspiro em resposta, combinado ao suave roçar de suas unhas em minha nuca.
Nossos corpos estão tão próximos que estou certo de que ela pode sentir como está me deixando
duro.

— Hummm, tão tentador...

— Então, vamos?

Assim que ergo a cabeça para olhá-la e esperar por sua resposta, ouvimos um pigarro nada
discreto vindo detrás de Débora. Olhamos ao mesmo tempo para encontrar a moça ruiva que a
estava acompanhando quando saiu, observando-nos com uma expressão divertida no rosto. Ao
olhar bem seu rosto de boneca, os olhos azuis, reluzentes e curiosos, e o pequeno piercing brilhante
no nariz, percebo que já a vi, vez ou outra, pelos corredores do SPA, e se não me engano, essa é
a...

— Lara! — Débora diz, afastando-se um pouco de mim, dando-me a certeza de que essa é
a sua prima, que trabalha aqui como massagista. — E então, encontrou seu celular?

— Sim, estava em uma das camas. Devo ter deixado lá após a última cliente e nem percebi.

Lara tenta não alternar olhares de sua prima para mim, mas é perceptivelmente inevitável
para ela. Sua expressão parece entusiasmada, interessada, como se estivesse esperando que
Débora confirme para ela se eu sou quem ela está pensando.

— Então, pelo jeito que vocês estavam se agarrando, você deve ser o Maurício, certo?

Dou risada de sua clara tentativa de brincar e constranger a prima, que também ri e
balança a cabeça.

— Ah, desculpe! Maurício, essa é a Lara, minha prima com quem moro — ela diz, e me inclino
para estender a mão para a ruiva. — Lara, você já sabe quem ele é, então tanto faz.
Sorrindo, Lara aperta minha mão.

— É, nós já nos vimos algumas vezes por aqui, e temos um amigo em comum: o Vinícius.

A realização, finalmente, me vem à cabeça.

— Ah, é verdade! Você é a amiga por quem o Vinícius larga tudo, caso precise dele —
brinco, apesar de isso ser completamente verdade.

Lara franze a testa, como se eu tivesse acabado de falar a maior besteira do mundo.

— Não sei de onde você tirou isso, mas, é, sou eu sim.

Ela olha para Débora, como se estivesse silenciosamente inquirindo algo, ao que a prima se
apressa em responder:

— Hum, Lara, eu sei que nós combinamos de dividir o jantar hoje, mas...

— Ah, Debs, não acredito nisso. — Lara cruza os braços, balançando a cabeça. — Até
parece que eu vou bancar a empata-foda aqui.

— Lara!

— O que eu estou dizendo, é: vai com o bonitão, não se preocupe comigo. — Ela pisca para
nós, já se afastando. — Eu ia dizer "te vejo mais tarde", mas acho que está mais para "te vejo
amanhã". Foi um prazer, Maurício.

Lara dá uma risadinha ao acenar para mim e jogar um beijo no ar para Débora, indo
embora a passos graciosos, fazendo sua saia longa ondular conforme ela se movimenta. A trança
lateral que enfeita seus cabelos deixa à mostra uma tatuagem na escápula direita, que se ramifica
até o ombro, mas não consigo identificar o desenho antes que ela desapareça pela saída.

Volto-me para Débora, tocando seu rosto e beijando-a mais uma vez antes de falar.

— Então, vamos?

Ela sorri e balança a cabeça.

— Só uma proposta tentadora dessas para me fazer sair em uma segunda-feira à noite,
mesmo que eu tenha que acordar cedo no dia seguinte.

— Me engana que eu gosto.

— O quê? Pensa que estou aceitando porque é surpreendentemente bom estar com você?
Que nada. Estou indo só pela comida mesmo.

Ela dá de ombros e sai andando na frente, denunciando pelo chacoalhar de seu corpo que
ela está rindo, o que só se intensifica quando a alcanço e abraço por trás, enchendo seu pescoço
de beijos, conforme nos direciono até meu carro.

Estou sentindo que essa noite promete.


— Esta é a filha da Amanda?

Ergo a cabeça por um instante para ver Débora apontando para o porta-retratos que há na
estante da sala do meu apartamento.

— Sim, é a Íris — respondo, voltando minha atenção para o molho que estou mexendo no
fogão.

Desde que chegamos, eu disse a Débora que podia ficar à vontade, no sentido que quisesse
entender — eu nunca me oporia caso ela quisesse tirar toda a roupa —, mas tudo o que ela fez
foi deixar a bolsa sobre o sofá e retirar os sapatos. Abri um vinho para nós e, mesmo com todo o
discurso sobre não ingerir álcool, ela acabou aceitando uma taça, a qual está segurando nesse
momento e onde ainda resta quase toda a quantidade que lhe servi.

— Ela é tão linda! Essa foto está um amor — ela continua, admirando minha sobrinha que, na
foto, tirada há alguns meses, está de pé ao meu lado enquanto estou agachado, dando-lhe um
abraço de urso e sendo vorazmente retribuído, o que resultou em bochechas esmagadas uma
contra a outra e sorrisos enormes.

Não me admira que Débora tenha percebido tão imediatamente que se trata da filha da
minha irmã, já que Íris é uma cópia espantosa de Amanda: mesmos cabelos escuros e ondulados,
mesmos olhos castanhos grandes e expressivos, mesmos traços delicados e sempre animados.

Desligo o fogo quando o molho fica pronto, levando a panela comigo até à bancada, para
despejá-lo sobre os pratos de macarrão penne e finalizar nosso jantar. Débora continua a
observar as poucas fotos que mantenho em minha estante e os quadros pendurados na parede, e
agradeço silenciosamente por não ter nenhuma foto minha de quando eu era mais novo por ali. Sei
que, mesmo assim, as chances de ela se lembrar de mim seriam quase inexistentes, mas me alivia o
fato do meu eu antigo continuar escondido, por enquanto. Penso que, mais cedo ou mais tarde, isso
poderá vir à tona e ela talvez fique tão surpresa com essa jogada do destino quanto eu, mas nem
ao menos sei em que direção estamos indo, no que nosso envolvimento vai dar.

E, para falar a verdade, não quero pensar muito nisso. Quero apenas aproveitar o momento
com ela. O momento que eu desejei por tanto tempo.

— O jantar está pronto — anuncio, recebendo seu olhar surpreso e seu sorriso ansioso.

Sorrio também, conforme ela se aproxima da bancada da cozinha. Tenho uma pequena
mesa, mas a bancada é mais estreita e permite que fiquemos mais próximos. Sim, meus movimentos
são friamente calculados. Só não dou uma risada maligna e esfrego as mãos porque isso seria
psicopata demais.

Débora repousa sua taça de vinho ao lado de seu prato enquanto eu puxo o banco alto
para que ela possa se sentar. Ela agradece, admirada, e eu não resisto. Puxo seu queixo
delicadamente e trago sua boca para a minha, beijando-a com desejo. Ela corresponde com a
mesma intensidade, subindo a mão por meu peito e agarrando minha camisa, fazendo o gesto
durar um pouco mais do que eu pretendia. Não que eu esteja reclamando.

— Sério — ela começa quando nos separamos —, se você cozinha tão bem quanto beija,
posso ficar seriamente mal-acostumada.

— Não vejo isso como um problema — respondo, juntando nossos lábios mais uma vez antes
de sentar de frente para ela.
Sirvo-me de vinho enquanto Débora admira o prato à sua frente, pegando o garfo e
fazendo barulhos de expectativa. Dou uma risada quando percebo que ela está analisando demais
a comida.

— Não é macarrão integral, Débora — digo em tom de brincadeira para manter o clima
leve, sem me importar com a possibilidade de ela estar pensando isso. Não seria a primeira vez
que alguém assumiria que eu levo minha dieta mais a sério do que qualquer coisa e me alimento
exclusivamente de coisas sem gordura, sem glúten, sem açúcar, sem carboidrato, sem gosto, sem
graça.

Vejo as bochechas de Débora corarem gradativamente e sua expressão assumir uma falsa
indignação, lutando contra o sorriso que teima em querer repuxar seus lábios.

— Eu não estava pensando isso, caramba! — ela retruca, esticando a mão para me dar um
tapinha no antebraço. — Nenhum cara cozinhou para mim antes. Estou procurando por alguma
evidência de substâncias letais, na verdade.

Vendo-a entrar na brincadeira, é a minha vez de esticar a mão e empurrar seu braço. Rimos
juntos e ela finalmente começa a comer, fazendo-me perder a concentração por um instante ao ver
seus lábios se fecharem ao redor do garfo. A situação fica ainda pior quando ela geme de
satisfação ao apreciar o sabor em sua língua.

Puta merda!

Por favor, que eu não termine a noite com as bolas azuis.

— Nossa! — ela exclama, terminando de engolir. — Tiro meu chapéu para o chef!

Dou risada e provo do meu próprio prato, mandando a modéstia para a puta que pariu e
concordando com ela.

— É um dos meus pratos favoritos — comento.

— Não me surpreende — ela diz, dando mais uma garfada. — Você não tem ideia de
quantas panelas queimei e quanta comida estraguei até conseguir fazer algo decente.

— Lembra que você me confessou seu prazer culpado?


Ela assente, tomando um gole de vinho.

— Bom, aqui vai o meu: adoro assistir programas de culinária.

Ela arregala os olhos na mesma medida em que abre seu sorriso.

— Sério? Isso é o máximo! — ela diz, surpreendendo-me. Perdi as contas de quantas vezes
meus amigos tiraram sarro de mim por causa disso. — Nota-se que você está tirando muito bom
proveito disso.

Aproveito para pegar sua mão livre e depositar um beijo suave no dorso, fazendo-a suspirar
levemente.

— Não sei se chego aos seus pés, mas gostaria de cozinhar para você, também, qualquer
dia desses.

— Gosto dessa promessa implícita de que ficaremos juntos mais vezes.

— Eu também. — Ela pisca. — Gosto de estar com você, Maurício. De verdade.

Espero que goste o suficiente para tirar a calcinha hoje, penso. E dou risada com meu próprio
pensamento. Seria divertido demais dizer em voz alta, mas não quero correr o risco de estragar
tudo com um comentário babaca.

Entre garfadas e goles de vinho, mantemos nossa conversa em assuntos amenos, que se
misturam com outros, nos desvendando um para o outro aos poucos. Não sei se é o vinho ou se ela,
realmente, está sentindo o mesmo que eu, mas vez ou outra nos inclinamos para um beijo,
entrelaçamos nossos dedos ou simplesmente ficamos nos encarando ininterruptamente, em um
silêncio confortável.

Faz tempo que não me sinto assim, tão bem, com uma mulher. Faz tempo que não sinto que é
tão... certo.

Talvez seja porque ela sempre foi a certa.

— Preciso te confessar — ela começa, passando um dedo pela borda de seu prato que,
assim como o meu, está vazio há pelo menos meia hora. — Cheguei a pensar que quando você
disse que iria cozinhar para mim, isso significaria "pegar um prato pronto congelado e esquentar
no micro-ondas".

Rio enquanto levanto para retirar a louça suja da bancada e levar para a pia. Débora
aproveita para passar um paninho sobre o mármore, mesmo que eu tenha insistido que não fizesse
isso.

— Superar expectativas é um dom — respondo ao seu comentário, voltando até onde ela
está para acariciar suas costas.

— E a presunção é uma consequência — ela completa, revirando os olhos.

— Tirou as palavras da minha boca. — Inclino-me para dar-lhe mais um beijo. — Quer mais
vinho?

— É impressão minha ou o bonitão está tentando me embebedar? — ela devolve uma


pergunta, observando enquanto encho novamente nossas taças até a metade.

— Longe de mim!

Ela revira os olhos mais uma vez e ri, duvidando. Pego a garrafa e sigo até à sala,
colocando-a sobre a mesinha de centro e acomodando-me no sofá, puxando Débora para o meu
lado.

— Sério. Já tive provas de que você realmente não precisa de álcool para se soltar. E se, ao
ficar bêbada, você se tornar uma chorona sem filtro, chata e incapaz de dizer nada com nada?

— Porra, é isso que eu digo! — Tão logo ela exclama, começa a dar risada da própria
reação.

Entretanto, ela aceita mais vinho e fica bebericando conforme conversamos mais um pouco,
sobre tudo e sobre nada, rimos de bobagens e, principalmente, nos beijamos. Nos tocamos. Muito.

Em certo ponto, nossas taças de bebidas jazem esquecidas sobre a mesinha de centro,
enquanto minhas mãos a exploram por todo lugar que consigo alcançar, e minha boca passeia por
seu pescoço e colo. Débora agarra meus cabelos e geme quando raspo os dentes em sua orelha,
passando a língua em seguida, antes de atacá-la com mais um beijo de tirar o fôlego.

Meu pau mal está conseguindo se conter dentro da calça de moletom que vesti quando
chegamos. Ela nem é justa contra o corpo, mas minha ereção está tão insistente que chega a doer.

E eu sei que Débora pode senti-la contra sua perna, perto da virilha. Estou debruçado sobre
ela enquanto nos agarramos, e o calor que sinto emanar do ponto entre suas pernas só me deixa
ainda mais louco.

— Não sou do tipo que vai para a cama com o cara no segundo encontro — ela murmura,
de repente, quando liberto sua boca para passear com a minha por seu colo macio, descendo
propositalmente em direção aos seus seios. Porra...

— Me dê dois segundos para te fazer mudar de ideia — provoco, serpenteando minha mão
de suas costas para a cintura e subindo pela barriga até agarrar um seio sobre a blusa, contendo-
me para não arrancar aquele tecido idiota de uma vez. Ela arfa e sua mão se aperta em minha
nuca.

— Sua autoconfiança me impressiona.

— Não é nada perto de todas as maneiras com que pretendo te impressionar esta noite.

Débora dá uma risadinha, que se perde em um gemido quando impulsiono meus quadris em
direção aos dela, provocando ainda mais minha ereção e sua excitação. Caralho, se ela não me
deixar arrancar nossas roupas nos próximos cinco segundos, vou gozar nas calças. Certeza.

— Você é espantosamente persuasivo, sabia? Mas...

Esse seu "mas" é o que me faz suavizar o ritmo das coisas. Suspiro com força, erguendo a
cabeça para olhá-la nos olhos. Porra, por mais que eu a queira, por mais que eu a deseje e esteja
prestes a explodir, eu nunca faria nada que ela não quisesse. Estou mesmo disposto a fazer isso
dar certo. Não quero que ela saia da minha vida novamente.

— Olha, Débora. Sei que estou dizendo todas essas coisas, mas não é e nunca será minha
intenção te forçar a nada, ok? Tudo bem que estou de pau duro praticamente desde a primeira
vez que eu te vi e está me custando a força de vontade que eu nem sabia que tinha para não
arrancar nossas roupas e entrar em você nesse exato segundo, mas eu nunca faria...

Como se não cansasse de me surpreender, Débora me cala com um beijo, mordiscando meu
lábio inferior em seguida, devagarinho, matando-me aos poucos.
— Eu ia dizer "Mas o sofá não parece confortável o suficiente".

O brilho perverso e cheio de desejo que enxergo em seus olhos fazem uma espécie de
rosnado vibrar em minha garganta, e não perco tempo ao me levantar e puxá-la comigo,
direcionando-nos, agarrados e nos beijando, até meu quarto, aos tropeços. Ela ri quando meu
ombro esbarra no batente da porta e eu não contenho um xingamento, antes de finalmente
adentrarmos o cômodo. Continuo fazendo-a andar, até que a parte de trás de seus joelhos
encontrem o colchão da cama. Ela para de me beijar e morde o lábio, encarando-me enquanto
suas mãos tratam de abrir os botões de sua blusa, um por um, em uma tortura lenta e deliciosa, aos
poucos revelando o sutiã preto que sustenta seus peitos, que me fazem salivar.

Termino de retirar a peça, passando a mão por seus ombros para livrá-la da blusa e
aproveitando para acariciar sua pele exposta, observando seus braços se arrepiarem quando
roço as laterais dos seios. As mãos de Débora logo vêm à minha cintura, infiltrando-se sob minha
camiseta e puxando-a por minha cabeça, dando-me a deixa perfeita para beijá-la e tratar de
retirar seu sutiã, deixando seus peitos livres para meu toque. Ela geme contra minha boca e eu
provoco seus mamilos com os polegares, desejando mais do que tudo poder senti-los com a língua.

Faço-a sentar na cama e ela me surpreende ao enganchar os dedos no cós da minha calça
e puxá-la para baixo, deixando-me só de cueca, e minha ereção está tão evidente que ela me
olha sob os cílios e morde o lábio mais uma vez.

Linda e cheia de atitude. Puta merda...

— Você está bem apressadinha para quem não transa no segundo encontro — sussurro
conforme ela se afasta para o meio da cama e eu a acompanho, pairando sobre ela.

— E você fala demais para quem prometeu me convencer de que essa é uma boa ideia —
ela rebate, passando as mãos por minhas costas nuas, um complemento à sua provocação.

Não perco mais tempo e ataco-a com mais um beijo delicioso, sentindo seus mamilos túrgidos
roçarem contra meu peito. Beijo seu queixo, seu pescoço, e desço por seu colo até capturar um
mamilo em minha boca, sugando, lambendo, sentindo meu pau latejar a cada gemido que ela dá e
a cada vez que impulsiona a pélvis contra a minha. Que delícia.

Ainda me esbaldando em seus peitos sensíveis, desço as mãos por sua cintura até chegar à
calça, desabotoando-a e puxando-a para baixo, tarefa que demanda que eu desça um pouco por
seu corpo para arrancá-la junto com a calcinha.

Caralho! Débora está na minha cama.

E nua.

Débora está nua na minha cama.

Eu devo ter capotado o carro em algum momento hoje e, de algum jeito, vim parar no céu. Só
pode.

Permito-me admirar por um momento aquelas curvas macias e perfeitas, irresistivelmente


convidativas, e quando penso que ela vai se sentir desconfortável ou mudar de posição para não
ficar tão exposta ao meu olhar, ela sorri malignamente e me puxa pelo cós da cueca para que eu
fique por cima dela novamente, livrando-me da peça íntima enquanto nos beijamos mais uma vez,
famintos.

De algum jeito, nossas posições se invertem e ela fica por cima, rebolando sobre mim e
dando-me a oportunidade de escorregar minha mão entre nossos corpos até tocar sua boceta,
que, puta que pariu, está tão quente e molhada que tenho vontade de olhar para baixo e conferir
se já estou ejaculando. Débora grunhe alto quando esfrego seu clitóris insistentemente e morde meu
queixo quando impulsiono meu quadril contra o seu, enquanto meu pau roça sua entrada.

De repente, ela segura minha mão e a afasta, olhando-me travessa.

— Sabe... você foi tão gentil e atencioso ao me tratar tão bem e cozinhar para mim — ela
sussurra, passando a língua por meus lábios e afastando-se quando tento capturá-la para dentro
da minha boca. Porra, essa mulher está tentando me matar! — Talvez o bonitão também mereça
um tratamento especial.

Dizendo isso, ela escorrega a mão por meu corpo até agarrar minha ereção, que pulsa em
sua palma, que começa a fazer movimentos suaves, deixando minha visão nublada de tesão.

— Só talvez? — provoco, gemendo e agarrando sua bunda com força.

Com mais uma risadinha, ela semeia beijos por meu peito, descendo por meu corpo, devagar,
provocando cada pedacinho com lábios e língua, até chegar onde eu mais desejo.
Ah, porra! Sim!

Ela se posiciona de modo que posso ver seu corpo de lado, com a bunda empinada,
enquanto o tronco está debruçado sobre minhas pernas. Sinto sua língua tocar a extremidade do
meu pau, aos poucos, passeando-a por ali, quente e úmida, fazendo meus olhos revirarem. Quando
ela o abocanha e começa a sugar, um rugido me escapa por entre os lábios, e estico a mão para
afastar seu cabelo e poder admirar enquanto ela me chupa vorazmente, com sua mão na base
acompanhando os movimentos e levando-me à loucura.

Acaricio seu corpo, onde consigo alcançar, murmurando xingamentos incoerentes a cada
sugada mais forte, incentivando-a a continuar, e ela não me desaponta. Observo-a no instante em
que ela abaixa mais a cabeça e coloca o máximo que pode na boca, fazendo a extremidade do
meu pau tocar sua garganta, e mais uma pulsação do meu membro me avisa que estou muito perto
de gozar. Tento segurar o máximo que posso, pois, ao continuar a acariciá-la e me aproximar de
sua bunda, uma ideia deliciosa me ocorre.

Ergo um pouco o tronco e puxo seu corpo, colocando-o sobre o meu na posição contrária.
Débora emite um ruído de surpresa e retira a boca do meu pau, apoiando as mãos em minhas
coxas para nos ajustarmos à nova posição, de modo que, agora, minha boca está a poucos
centímetros de sua boceta inchada e quente, que implora por minha língua.

Ela continua a me chupar e eu provoco seu sexo com os dedos, deslizando-os pelas dobras
com facilidade, de tão molhada que ela está. O gemido que lhe escapa pela garganta vibra em
meu pau e sinto-a acelerar seus movimentos de sucção, o que me instiga a subir as mãos por suas
coxas até à bunda e cair de boca em sua boceta de uma vez, sugando sua excitação e
praticamente rosnando ao me deleitar com seu sabor. Nos tornamos um emaranhado de corpos se
retorcendo e gemidos altos, conforme ela me chupa com muita vontade e eu faço o mesmo com ela,
alternando entre penetrá-la com a língua e lamber e sugar seu clitóris freneticamente.

Puta merda, sinto que estou tão perto. E pelo jeito que seu quadril se move sobre meu rosto e
tremores transpassam seu corpo, sei que ela está perto, também. Contudo, por mais que a ideia de
gozar em sua boca seja tentadora pra caralho, o desejo de fodê-la e gozarmos juntos é ainda
maior.

Afasto-a de cima de mim, sentindo-me praticamente abandonado quando sua boca deixa
meu pau, mas aproveito que ela está de quatro e a mantenho assim, posicionando-me atrás dela.
Inclino-me em direção ao criado-mudo, torcendo que tenha camisinhas ali, e pego uma ao constatar
que ainda há algumas. Ufa!

Protejo-me e acaricio a bunda de Débora — porra, essa bunda me deixa louco —,


admirando o modo como seus cabelos sedosos se espalham pelos ombros e costas, enquanto ela
respira pesadamente, em expectativa, virando o rosto para ver meu próximo passo. Segurando
sua cintura com uma mão, e guiando meu pau com a outra, eu finalmente a penetro, fazendo com
que nossos gemidos saiam em uníssono, tamanha é a sensação de prazer. Cacete, tão quente...

Começo a me movimentar, para frente e para trás, entrando e saindo, fodendo. Caralho, que
mulher deliciosa! Quanto mais a penetro, quanto mais ela geme, quanto mais a acaricio, quanto
mais sua boceta se aperta ao meu redor, menos isso tudo parece real.

Mas é. E eu estou muito, muito perto de gozar.

Abaixo-me para afastar seu cabelo do pescoço e o ataco com beijos de boca aberta,
deslizando uma mão por sua barriga até alcançar seu clitóris, estimulando-o furiosamente, o que
ela responde apertando-se ainda mais ao meu redor e com tremores pelo corpo.

— Porra, isso é tão bom! — ela murmura, entre gemidos. — Maurício... estou tão perto...

— Eu também... argh, porra, goza comigo, Débora.

Saio de dentro dela e viro seu corpo para cima, olhando bem em seus olhos quando a
penetro novamente, rápido, com força, e ela agarra minha cintura com as pernas quando seu
corpo é tomado por espasmos e ela me aperta com tanta força que sinto o ápice me atingir,
enquanto me libero na camisinha. Sinto suas unhas arranharem minhas costas e nossos gemidos são
abafados por um beijo desesperado, que se torna suave aos poucos, conforme voltamos dessa
viagem ao paraíso.

Cacete! Eu realmente pensei isso? Que merda, hein.

Deixo minha cabeça cair no vão de seu pescoço, recuperando o ritmo normal de respiração
aos poucos, assim como ela. Débora vira o rosto e sinto um beijo casto em minha bochecha, um
contraste a tudo o que acabamos de fazer; o incentivo para que eu enfie a língua em sua boca.

Ah, sua boca, que beija tão bem, que chupa tão gostoso... Merda, não vai demorar muito até
que eu esteja duro novamente.
— De uma coisa eu tenho certeza — ela sussurra contra meus lábios. — Não vou mais
duvidar de você quando prometer me impressionar. Isso foi... uau, isso foi...

— Só o começo.
Ouço, ao longe, o barulho de algo caindo no chão. Isso me desperta e, aos poucos,
desenterro o rosto do travesseiro, esperando que a luz do dia me atinja os olhos, intensa, mas os
raios de sol que adentram meu quarto através das janelas e cortinas ainda são fracos.

Meu braço começa a tatear o outro lado da cama e finalmente ergo o tronco quando tudo o
que sinto são os lençóis quentes e bagunçados.

— Desculpa. Não queria te acordar.

Aperto os olhos e minha visão se ajusta para que eu possa ver Débora de pé, ao lado da
cama, com cara de quem acabou de acordar e aprontou algo. Seus cabelos emolduram o rosto
sonolento e a franja insistente lhe cai sobre os olhos, enquanto ela segura a blusa em uma das
mãos, usando apenas sutiã e calcinha. E é claro que minha ereção começa a dar o ar da graça,
porque encarar suas curvas enlouquecedoras me faz lembrar a noite espetacular que tivemos. Os
momentos em que estive sobre ela, debaixo dela, atrás dela, dentro dela; as oportunidades que
tive de provar cada pedaço seu com as mãos, com os lábios, com a língua.
Caramba, não foi um sonho.

Minha vontade é de subir na cama, começar a dar soquinhos no ar e gritar "Aeeee, caralho!
Vai time, porraaaa!", mas até mesmo minha mente ainda nublada de sono e hipnotizada pela visão
à minha frente me permite ter algum filtro e simplesmente sentar no colchão.

— Bom dia — digo, esticando o braço para pegar a mão de Débora e puxá-la para mim.
Ela sorri e vem de bom grado, sentando-se em meu colo de frente para mim e correspondendo ao
beijo leve que dou em seus lábios. — Estava tentando fugir de fininho e sem deixar rastros?

— Não exatamente. Eu ia deixar um bilhetinho. — Ela faz uma expressão inocente e eu


belisco sua bunda.

— Engraçadinha. Que horas são?

— Pouco depois das seis.

— Porra, cedo demais, Débora — digo, abraçando-a e escondendo meu rosto em seu
pescoço. — Só trabalhamos às nove.

— É, mas eu moro longe daqui, lembra? Tenho que ir em casa tomar banho, trocar de roupa,
ir para o trabalho e fingir que dormi mais do que quatro míseras horas essa noite, bonitão.

Sinto um arrepio percorrer meu braço quando Débora acaricia das minhas costas à nuca,
tendo a certeza de que ela pode perceber os arrepios em meu braço e meu pau despertando
contra sua virilha.

— Ah, para. Se dependesse de você, não teríamos dormido nem mesmo essas míseras quatro
horas, linda — comento, mordendo seu queixo, trazendo aquele rubor adorável às suas bochechas.
Ela sorri e me beija mais uma vez antes de tentar se desvencilhar de mim.

— Mesmo assim, Maurício, nós temos que trabalhar e eu não quero me atrasar, nem a você.

Eu a seguro no lugar, impedindo que se afaste de mim. É ridículo, eu sei, mas é como se eu
não estivesse pronto para me separar dela agora. O que ela me faz sentir vai além do tesão
louco e a obsessão com sua bunda. Débora me faz perceber que eu nunca estive realmente bem,
em qualquer outro momento da minha vida, porque a definição de me sentir bem é,
definitivamente, ela perto de mim, me envolvendo com seus braços, seu cheiro e me divertindo com
sua língua afiada.

Merda, meu coração está batendo com força. E, pelo jeito que nossos corpos estão colados,
ela deve ter notado.

Mas, espera. O lado direito do meu peito também está saltitando. E, que eu saiba, eu só
tenho um coração.

Opa! Acho que não sou o único sentindo coisas a mais aqui.

Interessante.

E isso se confirma quando, além do bater acelerado de seu órgão vital contra nossos peitos
grudados, seu olhar se sustenta ao meu, como se fosse natural, impossível de desviar, e eu me
permito viajar naquele verde brilhante, que é tão suave e selvagem, ao mesmo tempo. Observo
quando seus olhos analisam meu rosto, como se gostasse tanto do que vê que deseja memorizar
cada traço. Sei disso, porque faço o mesmo. O sorrisinho que surge em seus lábios quando me
demoro admirando-os me fazem eliminar a mínima distância entre nossos rostos e capturar sua
boca em um beijo delicado e demorado, um degustar de lábios e línguas, sem pressa, que faz a
minha cabeça girar.

Uma pequena parte de minha mente me lembra há quanto tempo eu venho desejando isso,
junto com o quanto foi ruim sofrer por não poder tê-la desde que me vi apaixonado pela primeira
vez. Mas, ao contrário de algumas semanas atrás, a vontade de me vingar parece completamente
ridícula, como Heitor e Vinícius sempre insistiram em me fazer enxergar. Porra, se passaram dez
anos! E se nossos caminhos tornaram a se cruzar e agora posso tê-la, não vou estragar essa
oportunidade por algo tão bobo.

Entretanto, ainda não sei por que não encontro coragem de lhe contar que estudamos juntos
anos atrás e sempre fui apaixonado por ela, enquanto ela mal percebia a minha existência e, por
vezes, até me tratava mal. Não tenho certeza se quero revelar que quis me aproximar dela
apenas para tentar fazê-la comer o pão que o diabo amassou, por deixar meus rancores falarem
mais alto do que a minha paixão por ela, a princípio; porque, afinal, nada disso deu certo e eu me
rendi a essa segunda chance, nos gostamos, estamos juntos e é isso o que importa...

Talvez seja por que não sei se ela pensaria da mesma maneira que eu.
Argh, merda. Eu vou ter que contar, não é? Porra!

Tá. Eu vou contar.

Mas não agora.

A qualquer hora dessas talvez surja a oportunidade perfeita.

Agora não é.

Vai vendo, Maurício.

Fica na tua aí, consciência. Agora não.

— O que foi?

Pisco algumas vezes, voltando do meu devaneio momentâneo, encontrando as sobrancelhas


de Débora levemente franzidas, enquanto seu olhar procura respostas para sua pergunta.

— O que foi o quê? — devolvo, e meu tom brincalhão faz desaparecer o leve vinco que
havia surgido em sua testa.

— Você estava encarando. Parecia distante, apesar de tão perto — ela faz questão de
explicar, reforçando seu abraço ao redor do meu pescoço. — Em que estava pensando?

Aperto-a mais em meus braços, inspirando profundamente seu cheiro.

— Em você — respondo, olhando bem em seus olhos, espelhando o sorriso tímido que ela
ostenta imediatamente. — No quanto eu gosto de estar com você. No quanto você é linda até de
cara amassada.

Ela balança a cabeça e gargalha quando digo isso.

— Na minha vontade de inventarmos uma desculpa esfarrapada para não irmos trabalhar
hoje e passarmos o dia inteiro na cama...

— Hummm — ela sussurra, encostando sua testa à minha. — Acredita em mim se eu disser
que estive pensando as mesmas coisas?

— Totalmente. Sei que sou irresistível.


Débora dá um soco em meu ombro, revirando os olhos enquanto dou risada de sua reação.

— Que convencido! — Ela me mostra a língua e aproveito para capturá-la com os dentes,
cautelosamente trazendo-a para dentro de minha boca até nos perdermos em mais um beijo
delicioso. — Isso é meio louco, não acha? — ela inquire quando afasta o rosto para me olhar. —
Quero dizer, há tão pouco tempo você era apenas meu paciente, eu até te achei meio babaca,
apesar de gostoso, e agora...

Seu suspiro me faz sorrir largamente.

— Não sei se é loucura. Nem estou pensando muito. Só... sentindo — digo ao beijar seu
queixo e remexer meu quadril em direção ao seu, mostrando-lhe que estou sentindo em vários
sentidos. Ela morde o lábio ao sentir meu pau duro contra seu sexo, impedido apenas pela calcinha
que está usando.

— Uau. Você até suspirou! — Débora ergue as sobrancelhas, parecendo surpresa, mas sua
risada subsequente me faz perceber que ela está tirando sarro de mim. Maldita provocadora. —
Não sabia que você era desses.

— É. Nem eu.

Uma de suas mãos vem até meus cabelos, fazendo um carinho gostoso.

— Fico feliz que seja. Desse jeito, é fácil me fazer suspirar também.

Capturo sua boca com a minha novamente e beijo-a com vontade, movendo-nos para deitá-
la na cama e ficar sobre seu corpo, correndo meus lábios e língua por sua mandíbula em direção à
orelha e empurrando meu membro dolorido contra o calor de sua boceta, que aposto que já está
pronta para mim.

— Maurício... é sério, nós vamos nos atrasar.

— Relaxa, linda — murmuro contra seu pescoço, antes de sugar um ponto específico, que a
faz gemer. — Nós podemos tomar banho aqui, comer alguma coisa, eu te levo em casa, você troca
de roupa e te dou uma carona para o trabalho antes de ir para a empresa.

Débora faz um bico e olha para os lados, apertando os olhos como se estivesse pensando.
— Hummm, se não for muito incômodo, me parece um bom plano. Ótimo, na verdade. — Ela
sorri amplamente ao sentir minhas mãos já serpentearem por seu corpo e chegar à calcinha,
tratando de retirá-la.

— Eu sabia que você não negaria uma rapidinha no chuveiro.

— Eu não seria louca.

É disso que eu estou falando, porra!

Como não se apaixonar por essa mulher?


Algumas semanas depois...

Estou me aproximando da sala de espera do SPA quando, de repente, vejo um minifuracão


correr na minha direção.

— Tio Mauício!

A voz fina e estridente de Íris, minha sobrinha, perfura meus ouvidos como um aviso para que
eu imediatamente me abaixe e abra os braços para receber seu abraço animado, que quase me
faz desequilibrar ao chocar seu corpo com o meu.

— Ah, olha só a minha pirralhinha favorita! — Seguro-a em meus braços e levanto,


trazendo-a no colo. Ela sempre faz questão enfatizar o quanto gosta que o "tio Mauício a segure
no alto para que ela tente tocar o céu". — O que aconteceu com a sua bochecha? — inquiro ao
perceber uma pequena mancha arroxeada na maçã direita de seu rosto.
— Corrimão da escada. — A resposta vem de outra voz, a qual deduzo ser da minha mãe,
sem ao menos precisar olhar onde ela está. — Você sabe que a sua sobrinha vive ligada nos 220
Volts, e isso inclui não prestar atenção quando está correndo pela casa para alcançar o cachorro
e forçá-lo a brincar com ela.

Desvio a atenção para minha progenitora, que se aproxima a passos agitados, seus saltos
fazendo um barulho constante ao baterem no chão, acompanhada de Amanda, que anda um
pouco mais devagar, com uma mão apoiada no quadril, como se andar com aquele barrigão de
sete meses de gravidez fosse uma tarefa tão árdua quanto parece. Por mim, ela já deveria ter
tirado sua licença-maternidade, mas insiste que consegue trabalhar por mais algumas semanas,
mesmo que seus pés já estejam tão inchados que ela somente os arrasta por aí. Teimosa que só ela.

Mamãe toca meu braço e se estica para me dar um beijo estalado na bochecha, deixando,
com certeza, o formato de seus lábios estampado ali, em batom vermelho.

— Tudo bem com você, meu amor? — ela pergunta, fazendo-me revirar os olhos ao apertar
meu queixo como se eu fosse um garotinho de oito anos.

— Tudo sim — digo, sorrindo e retribuindo-lhe o carinho.

Tudo maravilhoso! Bom até demais!, quero responder. Mas sei que isso desencadeará
perguntas constrangedoras que sei que não quero responder agora.

— E você, como está? E o papai? — questiono, com Íris ainda agarrada a meu pescoço.

Mamãe dá de ombros.

— Estamos bem. Com muita saudade dos nossos filhinhos que parecem nem lembrar mais da
nossa existência... mas não se preocupe, temos ido à terapia para superar isso. — Ela finge
capturar uma lágrima no canto do olho esquerdo e Amanda dá risada atrás dela, logo sendo
acompanhada por nós. A dona Ana Mascarenhas adora fazer um drama forçado. — Além de
termos aumentado nossas despesas com curativos para a Íris desde que o seu pai inventou de
adotar aquele cachorro.

Íris segura meu rosto com as duas mãos e me faz olhar para ela.

— Mas olha, tio, eu não tenho culpa se o Bigadeiro não para quieto! — ela explica,
apertando as mãozinhas em minhas bochechas. Viro-me para minha mãe.
— Vocês batizaram o bicho de Brigadeiro? — inquiro, incrédulo.

— Foi ideia da Amanda! — mamãe responde, apressando-se em se livrar da culpa, e eu rio


junto com ela. Minha irmã cruza os braços.

— Argh, eu estava com desejo de brigadeiro, na hora. Acabou saindo sem intenção, mas Íris
adorou, assim como o papai — defende-se, alisando a barriga e encarando a nossa mãe. — E
você também gostou, mãe! Nem vem.

— Ele é um filhote de husky siberiano cinza e branco, Maurício. Olhe só a originalidade! —


mamãe explica, e tudo o que consigo fazer é dar risada. Cada membro da minha família tem um
parafuso a menos, e é isso que me faz amá-los tanto.

Íris se agita em meus braços e torna a puxar meu rosto para que eu preste atenção nela.

— Você vai pra casa da vovó depois, tio? Porque aí você pode segurar o Bigadeiro pra eu
bincar com ele.

— Claro, princesa. Vou lá no sábado, tudo bem?

— Quando é sábado?

— Daqui a dois dias. — Ergo dois dedos e ela faz o mesmo, tentando imitar meu gesto ao
segurar os dedinhos.

— Dois? Assim? Isso tudo? — Ela arregala os olhos e começa a fazer um biquinho, mas sorrio
e beijo sua bochecha que está livre de hematomas.

— Passa rapidinho, pirralha, você vai ver.

— Vou ganhar pesente?

— O que eu vou ganhar se você ganhar presente?

Íris coloca um dedinho no queixo e aperta os lábios, murmurando um "hummm..." enquanto


pensa. Tão fofa. Eu amo essa pirralha.

— Já sei! Um abação bem gandão! — Íris abre os bracinhos e depois os aperta ao redor do
meu pescoço, quase me sufocando.
— Só um?

— Tá bom, tio, dois abação! — Ela ergue a mãozinha e tenta representar o número dois com
os dedos novamente, mas acaba falhando e me mostra quatro.

— Opa, quatro? Ah, assim você me convence!

— Obaaaaa!

Ela dá risadinhas quando ataco sua barriga com leves cócegas e balança as perninhas para
que eu a coloque no chão, o que faço após beijar-lhe o rosto mais uma vez. Minha sobrinha sai
correndo e se dirige até o balcão da recepção, atravessando-o sem cerimônia alguma e logo se
distraindo pelos post-its que o recepcionista lhe entrega para que ela possa desenhar. Coitado
dele que pensa mesmo que ela prefere desenhar a sair colando os papeizinhos coloridos na
própria testa, como está fazendo agora.

— Então, Maurício. — Mamãe vira para mim com animação nos olhos e nas palminhas que
bate em frente ao rosto, distraindo-me da minha diversão de observar minha sobrinha tocar o
terror na recepção. — Você vai mesmo nos visitar no sábado? Devo fazer algo especial? Colocar
um prato a mais na mesa do almoço? Hein, hein?

No instante em que ela termina de despejar essas perguntas, lanço um olhar irritado para
Amanda, que balança a cabeça e ergue as mãos em defesa.

— Eu não disse nada... ok, talvez eu tenha comentado algo, assim, de leve — ela tenta se
explicar, segurando a risada ao virar-se para a filha. — Íris! Você não pode grampear os dedos
do Breno, filha! Ah, meu Deus...

Minha irmã escapa da minha irritação ao ir repreender a filha, e só me resta virar para
minha mãe e tentar explicar.

Débora e eu estamos juntos há quase um mês, mas as palavras "namorado", "namorada",


"compromisso" ou outras relacionadas nunca saíram de nossas bocas quando falamos de nós. Acho
que estamos os dois confortáveis com nosso próprio ritmo, devagar, apenas curtindo um ao outro e
nos gostando mais a cada dia...

Ah, porra, tá, eu confesso. Combinamos de ir para a casa dela hoje, já que sua prima Lara
está visitando a família e só estará de volta amanhã cedo, para que Débora possa, finalmente, me
mostrar os dotes culinários que ela disse ter adquirido apesar de não ter sido fácil aprender. Entre
um prato e outro, uma transa e outra, eu pretendia perguntar, como quem não quer nada —
querendo — se ela não gostaria de ir à casa dos meus pais comigo no fim de semana. Acho que
esse momento chegaria mais cedo ou mais tarde, e a verdade é que eu quero, sim, que ela seja
minha namorada. Já somos exclusivos, praticamente não nos desgrudamos, só falta mesmo nos
colocarmos as plaquinhas certas para nos apresentarmos aos outros. "Minha namorada" é mais
fácil e rápido de dizer do que "a mulher pela qual estou apaixonado e com quem tenho os
melhores dias e noites de sexo da minha vida".

— Ainda não tenho certeza, mãe. Por favor, não se precipite, ok? Eu te ligo avisando —
explico para ela, que ao contrário do que penso, não abala sua animação por um mísero segundo.

— Ok. Sem expectativa. Legal. Tudo bem, eu posso fazer isso — ela diz, como se estivesse
tentando convencer a si mesma, falhando no segundo seguinte. — Ah, mas você não vai nem me
falar sobre ela? Amanda me disse que ela trabalha aqui e não é louca como aquela sua última
namorada. Como ela se chamava mesmo? Tsc, não importa. Me diz como ela é! Você está
apaixonado? Own, isso é tão...

Estou prestes a segurar minha mãe pelos ombros e pedir-lhe que relaxe antes que fique sem
fôlego, quando avisto Débora virando o corredor, vindo em nossa direção. Ela já está sem jaleco e
segura sua bolsa, e mal posso conter o sorriso quando nossos olhares se encontram.

Como é possível que ela pareça cada dia mais linda?

Ouço um ruído esganiçado e fico confuso por um segundo até perceber que veio da minha
mãe, que não deixou de perceber o nosso momento.

Puta merda. Não tenho como fugir dessa. E se Débora não estiver pronta?

Ela continua a caminhar em minha direção, confiante e gostosa como sempre. Esfrego as
mãos meio suadas na calça — é uma merda que meu nervosismo seja canalizado pelas glândulas
sudoríparas — e tento ser discreto, mas o olhar curioso que Débora lança para minha mãe antes
de voltar inquisitivo para mim me deixa um pouco mais apreensivo. Isso pode ser desconfortável.

Assim que ela para ao meu lado, permito-me respirar fundo e me obrigo a parar de ser
bundão.
— Oi — Débora diz suave e simpática, apesar de ainda parecer um pouco confusa.

— Oi — respondo, ficando perdido por um instante, porque, porra, ela é linda demais. O
pigarro nada discreto da minha mãe faz com que eu reaja à força. — Hummm, Débora... esta é
minha mãe, Ana. Mãe, esta é a Débora.

Mamãe ignora a mão que Débora estende para cumprimentá-la e a ataca com um abraço
caloroso, daqueles que só ela sabe dar até em quem nunca viu na vida.

— Olá, querida! É um prazer te conhecer — ela diz animada.

— O prazer é meu, dona Ana — Débora responde, olhando para mim em seguida.

— Ah, vejo que já conheceu minha doutora Débora Bittencourt, mamãe — Amanda diz, cheia
de orgulho na voz, ao voltar e colocar uma das mãos no ombro de Débora, que sorri e cora um
pouco. É uma maravilha ela e a minha irmã se darem tão bem não apenas profissionalmente, visto
que, desde sempre, Amanda se manteve fiel à missão de colocar defeitos em todas as minhas
namoradas que já tive e ficar de rosto retorcido para elas.

Minha mãe para por um instante, observando o rosto de Débora por alguns segundos, com a
testa franzida como se estivesse tentando lembrar-se de algo.

— Débora Bittencourt? — inquire, e minha namorada assente. Mamãe lhe toca o antebraço e
torna a falar, animada: — Olha, eu sei que devem existir várias pessoas por aí com o mesmo nome
e sobrenome que você, mas, por algum acaso, você é filha do juiz Armando Bittencourt?

Débora ergue as sobrancelhas e sorri.

— Sou sim! A senhora o conhece?

— Ah, eu sabia que o seu rosto me parecia um pouco familiar! — Elas começam a fazer
ruídos de surpresa, e o alívio me inunda por um instante, ao vê-las se dando bem. — Bom, não o
conheço muito bem, mas conheço a sua mãe, Diana, apesar de termos nos afastado um pouco nos
últimos anos. Ela nunca parava de falar na filha médica prodígio que havia se formado e estava
prestes a ir estudar fora do país.

Débora dá de ombros e balança a cabeça.


— É, fiz um curso especialização fora, ano passado. Que coincidência, não é?

— E muito boa! — mamãe concorda, lançando-me um olhar surpreendentemente indecifrável.


Geralmente, ela é muito expressiva e apenas por observar seu rosto, somos capazes de saber o
que ela está pensando, mas, nesse momento, o jeito com que ela olha para mim é... sei lá, confuso?
— Ah, Maurício, por que não me disse que era ela? Nós até moramos no mesmo bairro, anos atrás.

Ah, cacete.

Puta. Que. Pariu!

Essa conversa está tomando um rumo perigoso.

Como dizer para a minha mãe calar a boca sem parecer rude?

— É sério? Não me lembro disso — Débora diz, alternando olhares entre minha mãe e eu.

— Sim, querida! Meu marido, eu e seus pais sempre tivemos amigos em comum e
socializávamos, vez ou outra. Você e o Maurício até estudaram na mesma escola! Se não me
engano, se formaram juntos no ensino médio. Não foi isso, filho?

Caralho, mãe! Cale a boca!

É agora. É agora que eu tomo um pé na bunda sem dó nem piedade.

Olho para Amanda, fazendo uma expressão desesperada que diz "tira ela daqui, pelo amor
de Deus!", evitando olhar para as reações de Débora conforme minha mãe continua a tagarelar.

— Oh, isso não é incrível? E agora vocês estão...

— Indo embora, mamãe — Amanda completa, interrompendo-a. — Débora teve um dia


cheio e aposto que o Maurício também. Vamos logo, porque Íris não pode ir para a cama muito
tarde e as minhas costas estão doendo.

Vejo que mamãe pensa em protestar, mas essa ideia é esquecida no momento em que minha
irmã diz estar sentindo dor. Nem cheguei a explicar a situação para Amanda, mas sabemos
reconhecer nossos pedidos um para o outro apenas com o olhar. É quase telepático, e nesse
momento eu não poderia estar mais grato por esse nosso superpoder.
— Ah, tudo bem, querida. — Dona Ana vira-se para Débora. — Foi um prazer enorme
conhecer você! Espero que possa ir almoçar conosco no fim de semana.

Interrompo antes que ela possa responder, puxando mamãe para um abraço.

— Ok, mãe, pode deixar. Tchau, amo você.

— Também amo você, filho!

Ela, Amanda e Íris vão embora acenando e, assim que desaparecem de vista, posso
finalmente segurar o rosto de Débora e lhe dar um beijo carinhoso na boca.

Posso sentir o sorriso em seus lábios contra os meus e ela corresponde com a mesma
suavidade. Como eu amo isso.

— Então... — ela começa, quando damos as mãos e começamos a nos dirigir para fora da
recepção. — Almoço no fim de semana na casa dos seus pais? Hummm...

Estalo a língua, trazendo sua mão até meu rosto para beijar delicadamente o dorso.

— Desculpa. Eu não sabia que a minha mãe apareceria aqui hoje.

— Por que está pedindo desculpas? Ela é uma pessoa adorável — Débora rebate assim que
atravessamos a porta que nos leva ao pequeno hall de entrada. — Só não tinha certeza de que
nós já estávamos nesse... ponto.

— Nesse ponto?

— Sim, de conhecer a família e tudo.

— Isso é algo ruim?

— Não, claro que não. — Ela para por um instante, fazendo-me parar também. — É só
que... nós não conversamos sobre compromisso ainda, e... eu só não tinha certeza se...

— Estamos namorando? — complemento sua frase, um tanto chocado por vê-la meio sem
graça. Débora nunca parece deixar sua confiança se abalar.

Ela assente, e meu sorriso se espalha pelo rosto sem que eu possa contê-lo. Afasto seu cabelo
dos olhos e prendo-o atrás da orelha, descendo minha palma por sua mandíbula e fazendo
carinho até chegar à sua nuca. Meu braço livre a envolve pela cintura, e meu sorriso fica ainda
maior quando ela suspira ao nos sentir tão próximos.

— Bom, eu não sei você, mas eu penso em você o tempo inteiro. Estar perto de você tem sido
as melhores partes dos meus dias. E eu não saí com ninguém desde que ficamos juntos pela
primeira vez. Acho que, a não ser que tenham inventado um nome novo para isso, estamos
namorando, sim.

Débora sorri e me abraça pelo pescoço.

— Own, você é tão fofo! — ela exclama, fazendo-me torcer o nariz no mesmo instante.

— Porra, Débora. Fofo? Isso me faz sentir um bebê panda, caralho.

Ela gargalha alto, dessa vez.

— Você pode xingar o quanto quiser, bonitão. Vai continuar sendo fofo. E gostoso.

Expiro com força, sentindo-a chacoalhar o corpo contra mim com suas risadas.

— Tá, né? Acho que posso conviver com isso.

— Meu namorado fofo e gostoso... — ela fala baixinho, roçando o nariz no meu. Porra,
desse jeito, vamos ter que sair daqui com ela grudada à frente do meu corpo, porque nem preciso
olhar para baixo para me certificar de que estou com a barraca armando.

— Fala de novo.

— Fofo.

— Argh! Eu quis dizer a parte do "namorado".

— Eu sei.

Reviro os olhos quando ela continua a gargalhar, mas amo quando ela me provoca assim.

Amo.

— Só mais uma coisinha — ela diz após me dar um beijo rápido. — Como nós estudamos na
mesma escola, nos formamos juntos e eu não me lembro de você?

Tenho me perguntado a mesma coisa desde que te reencontrei.

— Faz muito t-tempo — respondo, falhando na tentativa de não gaguejar.

— Sim, mas até a sua mãe lembrou de mim. Você também não se lembrava? — Sua
expressão demonstra genuína confusão, e um frio insuportável na boca do estômago me deixa
meio enjoado.

É. Não tenho mesmo para onde fugir.

Ok. É só contar tudo e pronto. Ela vai entender e tudo vai continuar bem.

Assim espero.

— Olha, Débora, vamos indo e podemos conversar enquanto te ajudo a fazer o jantar, ok?
— Pego-a pela mão e começamos a andar para a saída.

— Ah, não. Você não vai me ajudar. Você pode, no máximo, pôr a mesa, porque eu quero
preparar uma receita especial sozinha e sei que você vai querer lamber os dedos. — Ela puxa
meu braço para que eu me abaixe um pouco e coloca a boca em minha orelha. — E, quem sabe,
talvez lamber outras coisas para me recompensar por ser uma ótima cozinheira.

— Ah, linda, você nem precisa ser uma ótima cozinheira para que eu queira te chupar —
rebato, sussurrando em seu ouvido também.

Ela dá uma risadinha maligna e começa a apressar os passos, abrindo sua bolsa para pegar
o celular e olhar a tela. Assim que o faz, ela o solta em seguida, começando a mexer pelo
conteúdo da bolsa, como se estivesse procurando algo. Franzindo a testa, ela me olha.

— Ah, merda! Esqueci meus óculos no consultório. — Revirando os olhos, ela toma o caminho
de volta para o interior do SPA. — Vou lá buscar rapidinho.

Assinto enquanto observo-a desaparecer de meu campo de visão, encostando-me à parede


ali e colocando as mãos nos bolsos, observando uma pessoa ou outra que passa por ali, até que
dois rostos totalmente familiares surgem, vindo até mim. Heitor e Vinícius comentam algo um com o
outro antes de falarem diretamente comigo.
— E aí, cara? — Heitor me cumprimenta, chocando seu punho contra meu ombro. Ele está
usando roupas típicas de malhação e posso ver um pouco de suor descendo por seu pescoço, além
de estar com as bochechas coradas, e isso me surpreende. Ele tenta fazer da academia um hábito,
mas se aparece por lá três vezes ao mês, já é muita coisa. Esse filho da puta já tem a sorte de
carregar uma genética incrível, que favorece a manutenção de um corpo sarado mesmo com pouco
exercício. — Você vai para a comemoração do aniversário do Luís?

No mesmo instante, ergo as sobrancelhas, sentindo vontade de bater na testa por ter
esquecido do convite que nosso colega de trabalho nos fez hoje mais cedo.

— Ah, não vai dar. Tenho planos com a Débora.

— Ah, claro! — Vinícius se manifesta após tomar um gole de água da garrafinha que
segura. — Um mês atrás, tudo o que você sabia falar era o quanto a odiava. Agora...

— É, eu admito — trato de interrompê-lo. — Fui um imbecil. Eu já deveria saber desde o


começo que seria uma péssima ideia.

— Você vai contar para ela? — Heitor questiona, apoiando uma das mãos na parede, ao
meu lado.

— Vou. Minha mãe apareceu hoje e quase ferrou tudo. Preciso explicar para ela da melhor
maneira e torcer para que entenda.

— Tá apaixonado mesmo, hein, cara?

— Um bocado.

Eles começam a fazer barulhos parecidos com o que Débora fez antes de me chamar de
fofo e ficam me cutucando, fazendo com que eu desencoste da parede e afaste suas mãos com
safanões, apesar de estar rindo. Agora, os dois estão encostados à parede e eu de frente para
eles.

— Se você tivesse sido honesto desde o começo, talvez fosse mais fácil ela compreender e
não se zangar com você, mas pelo que a conheço, acho que é madura o suficiente para entender
que muito tempo já se passou e você pode ser bem imbecil, às vezes — Vinícius despeja mais uma
lição de seu manual "Como Entender a Mente Feminina" e eu balanço a cabeça. Apesar de não ter
paciência para seus sermões, reconheço que ele está certo.
— Acho que se eu explicar bem devagar toda a história sobre ser apaixonado por ela
desde o ensino médio e a vontade de me vingar ao me aproximar quando a reencontrei, plano
que falhou miseravelmente, talvez não pareça tão absurdo.

Vinícius tem um ataque de tosse quando termino de falar e eu solto o ar com força pelo
nariz, impaciente. Porra, eles nunca vão cansar de me zoar por ter sido tão panaca.

Heitor arregala os olhos um pouco, balançando a cabeça para mim.

— Cara... — ele começa, coçando a nuca.

— Eu já sei que foi um plano idiota, Heitor. Não precisa ficar me lembrando disso. Eu já disse
que vou explicar tudo.

— Maurício... — ele repete, entredentes, com uma expressão tensa. Vinícius se encontra no
mesmo estado, ainda se recuperando de seu engasgo, e percebo que não está olhando para mim.

Está olhando para algo atrás de mim.

Ou, melhor: alguém.

— Como é que é?
A voz chocada e indignada de Débora faz meu corpo inteiro gelar e estremecer.

E, ao virar e me deparar com suas sobrancelhas duramente franzidas sobre o olhar


revoltado e incrédulo, nem me restam dúvidas sobre o que, exatamente, ela ouviu.

Tudo.

Puta que pariu!

— Que história é essa, Maurício? — ela torna a indagar, dando um passo em minha direção.
Sua voz está dura e carregada de decepção, um contraste à suavidade de poucos minutos atrás,
quando me chamou de namorado.

Merda! Mal ganhei o título e já estou prestes a perdê-lo.

— Você queria se... vingar de mim? Que merda de história é essa? Fala! — ela começa a
alterar um pouco a voz, carregada de confusão e irritação, provavelmente por eu continuar
calado.

Engulo em seco, sentindo minhas mãos tremerem e ensoparem gradativamente — já falei o


quanto odeio suar as patas feito um porco quando estou nervoso?

As patas dos porcos suam?

Foda-se isso, Maurício! Não perca o foco, imbecil.

Abro a boca para falar, mas minha garganta está tão seca que pareço ter perdido a
capacidade de articular palavras e emitir algum som. Quase engasgo de susto quando sinto alguns
tapas fortes no meio das minhas costas, antes de ouvir a voz dos meus amigos.

— Heitor, você não está atrasado para... para onde quer que você estava indo? — Vinícius
pergunta, quase gritando, falhando em sua tentativa de parecer casual. Ele sempre foi péssimo
nisso.

— Sim, er... sim, estou. Hummm, er... tchau, né? — Heitor passa por mim, sendo praticamente
empurrado por Vinícius para a saída, e os dois me lançam olhares compassivos, que ao mesmo
tempo parecem me incentivar a resolver essa merda de uma vez por todas.

— Débora, eu... — começo, dando os passos necessários para me aproximar dela, sentindo
vontade de bater minha própria cabeça contra a parede quando ela cruza os braços e desvia do
meu toque.

— Você... — ela incita, a expressão inundada de mágoa.

Porra, por que eu não consigo falar nada? Inferno!

— Quer saber, Maurício? Nem precisa se dar ao trabalho. Isso estava mesmo bom demais
para ser verdade.

Ela descruza os braços e ergue as palmas, dando passos para trás e logo virando-se para ir
embora, às pressas. Argh, eu pensei que não pudesse ser ainda mais idiota do que já sou. Acabo
de me superar.

Quando a porta se fecha e ela desaparece do meu campo de visão, pisco algumas vezes
antes de obrigar meus pés a se moverem e irem atrás dela. Débora está andando rapidamente e
apressa ainda mais seu passo ao virar a cabeça para trás e ver que a estou seguindo.

— Débora! Por favor, espera! — grito, sem me importar com quem possa estar por perto me
ouvindo implorar. Ela continua a andar. E eu começo a correr, até conseguir tocar seu ombro e
fazê-la parar. — Você não vai me deixar explicar?

Ela vira-se bruscamente para mim, diante da pergunta.

— Não preciso de desculpas esfarrapadas. Eu sei muito bem o que ouvi! — ela cospe,
respirando pesadamente.

Tento tocá-la mais uma vez, mas ela não permite. Isso está me matando.

— Porra, você quer mesmo jogar os últimos meses fora sem ao menos me dar a chance de
esclarecer tudo isso? — inquiro, tão exasperado quanto ela, que solta o ar com força pelo nariz
antes de manter o olhar baixo, longe do meu, como se estivesse consentindo. — Podemos ir até meu
carro e parar de dar um show de drama para as pessoas ao redor?

Débora revira os olhos e sai marchando, ainda de braços cruzados, quase soltando fogo
pelas orelhas. Ela segue pelo estacionamento, fracamente iluminado à noite, pisando com tanta
força que as poucas pessoas que atravessam seu caminho parecem perceber e lhe dão espaço
para passar. Ao chegar ao meu carro, ela se encosta à porta traseira, e eu me poupo de
destravar as portas para entrarmos, porque eu duvido que ela vá querer correr o risco de eu
levá-la para outro lugar.

Não que eu estivesse pensando nisso.

Débora finalmente me observa e seu olhar penetra o meu de tal forma que posso jurar que
consigo sentir meu coração rachar aos poucos.

Isso tudo por pensar que, há pouco tempo, estive voltando todos os meus esforços para
conseguir exatamente isso: seu olhar magoado, sua postura decepcionada, seus sentimentos
pisoteados. Depois que me acostumei a colocar em seu rosto lindo seus melhores sorrisos, ver que
acabo de estragar tudo me deixa arrasado.

Ela tem todo o direito de estar irada comigo. Sou mesmo um filho da puta.

Desculpa, mãe.
— Quando você ia me contar isso? — quer saber. Seu tom de voz está mais calmo, mas nem
um pouco menos desapontado.

Encosto-me à porta do lado do motorista, de frente para ela.

— Não sei. Quando surgisse o momento certo — respondo, arrancando dela uma risada de
escárnio.

— Ah, então você pode mentir para mim à vontade, porque surgirá o momento certo para
desfazer isso? Que legal esse seu modo de ver as coisas, Maurício.

— Eu não menti para você — rebato, porque eu realmente nunca menti para ela. Posso ter
omitido várias coisas, mas isso é diferente. Não é?

— Bom, você também não me contou a verdade.

Silêncio. Ela sempre sabe como me deixar sem palavras.

E é só um dos inúmeros motivos pelos quais estou tão apaixonado por ela. Porra, não
acredito que está tudo ruindo assim. Logo quando eu já estava me convencendo de que o destino
nos quer juntos e, por isso, nossos caminhos se cruzaram novamente. Foda-se se isso soa piegas.

Só reajo quando percebo que ela dá um passo para frente, pronta para fugir novamente.

— Débora, por favor... — quase imploro, conseguindo tocar seu braço e impedi-la. Reparo
que ela reage ao meu toque, suspirando pesadamente, e me agarro nisso para acreditar que
tenho chance de consertar as coisas. — Olha, eu gostaria muito de te dizer que não é o que
parece, mas... é, merda, você ouviu certo. Mas tudo tem uma explicação, se você me deixar...

— Que porra você quer me explicar, Maurício? — ela se exalta novamente, voltando a ficar
de frente para mim. Sua voz está contida, mas carregada de frustração. — Que você sabia que
nos conhecíamos desde o colégio? Que, por algum motivo, você se aproximou de mim de propósito
para se vingar de sei lá o quê? Que você mentiu para mim esse tempo todo quando dizia gostar
de mim? Não precisa perder seu tempo. Viu como já entendi tudo? — Ela ergue os braços e depois
os deixa cair aos lados do corpo, batendo as mãos nas coxas com força.

— Eu preciso te explicar os meus motivos! — mando de volta, fazendo-a revirar os olhos.


— Ah, mas isso eu também sei! É porque você é, realmente, o babaca que pensei que fosse
desde o início. — Ela me insulta sem dó nem piedade, e a merda é que eu nem posso me defender.
Ela está certa. — Aliás, que história mais ridícula. Eu nem me lembro de você daqueles tempos,
Maurício! Como eu posso ter te feito alguma coisa?

— Foi exatamente isso, caralho! — explodo também, jogando meus braços para o alto. Ela
agora tocou no ponto exato, dando-me, finalmente, a deixa para explicar essa porra toda. — Eu
era insanamente apaixonado por você naquela época. E você era a princesa perfeitinha que
nunca percebeu a presença de um gordo palerma cheio de espinhas que vivia babando pelos
cantos e se sentindo alguém tão patético que nunca merecia o mínimo de atenção!

Ela continua a ofegar, assim como eu após despejar aquilo tudo. Nos encaramos por alguns
instantes, com nossas respirações pesadas se misturando e nos envolvendo junto a uma tensão
insuportável no ar.

— Mas... — tento continuar, percorrendo minha mão pelos cabelos com tanta força que
chego a pensar que consegui arrancar um punhado, como se arranca grama do chão. — Mas foi
uma ideia idiota, que me ocorreu quando te reencontrei porque tudo veio à tona. Toda aquela
mágoa, tudo o que passei... Estava cego pelo rancor, mas eu nem consegui ir em frente com isso
porque eu nunca deixei de te querer...

— Ah, faça-me o favor — ela me interrompe, erguendo uma mão. — O bonitão estava
magoadinho e quis se vingar para se sentir melhor depois de mil anos que terminamos a porcaria
do ensino médio? Maurício, você consegue se ouvir? Provavelmente você nem era patético naquela
época, mas está sendo agora. E muito!

— Você não sabe o que eu passei, porra! Você não faz ideia do inferno em que eu vivia
sendo a chacota de todo mundo e ainda tendo que lidar com uma paixão desenfreada por uma
garota que nunca me dava a mínima e, quando percebia minha existência por dois segundos, era
para me lançar um olhar de repulsa ou rir de mim junto com os outros. Se estou sendo patético,
você está sendo insensível!

Débora para por um instante, fechando os olhos e respirando fundo, como se estivesse
prestes a perder a paciência. Depois de tudo, a explicação realmente parece patética e infantil,
mas tudo tem um impacto diferente em cada pessoa. E daí que eu não sabia lidar com o
ressentimento por tudo o que passei quando mais novo e, na primeira oportunidade, quis dar o
troco? Foda-se, né?! Estou enfrentando as consequências de ter sido idiota, mas não é esse o
sentido da vida? Errar, quebrar a cara, se arrepender, aprender, se tornar uma pessoa melhor?

Bom, se não é, deveria ser.

Tá, concentra. Não é hora pra ficar devaneando sobre como se tornar um grande filósofo do
século XXI.

Débora, finalmente, me olha, e, dessa vez, seus olhos estão semicerrados, como se certas
coisas estivessem ficando mais claras e fazendo mais sentido. Devo ter medo?

— Espera aí. Foi por isso que você insistiu tanto em me levar para sair e acabei indo parar
em um buraco de rato naquele primeiro encontro?

Esfrego a testa, sem alternativa a não ser assentir. Ela ri sem humor algum, balançando a
cabeça e colocando as mãos na cintura.

Não é o melhor momento para comentar que ela fica insanamente sexy quando está
zangada, certo?

Certo.

Ok, só queria confirmar.

— Débora...

— E depois, o quê? Você pretendia me dar um pé na bunda da noite para o dia? Queria me
fazer sentir mal como você se sentia por eu não perceber a sua existência? Pretendia esfregar na
minha cara que, agora que você está todo gostosão, foi fácil me ter nas mãos e eu sou uma vaca
por só me render aos seus encantos porque você não é mais, nas suas palavras, o adolescente
palerma que foi? Inferno, posso apostar que você até pensou em usar o fato de que, agora, a
gorda sou eu, contra mim para concretizar seu planinho estúpido de se vingar! Pensou, não pensou?
Quantos anos você tem, porra?

Sua última pergunta sai entredentes, que estão rangendo tanto uns contra os outros que
receio que ela vá quebrar a mandíbula. Suas bochechas estão vermelhas e seus olhos brilham com
as lágrimas que começam a surgir.
Merda, merda, merda!

— Débora, por favor. Você precisa entender...

— Não tem mais nada para entender, Maurício. Já está claro o suficiente o grande canalha
mentiroso que você é.

— Já se passaram dez anos! E eu já expliquei que reconheço ter sido um imbecil por ao
menos pensar em me vingar. Foi tudo por água abaixo, porque a verdade é que eu sempre te...

— Me poupe desse papo-furado — ela me interrompe bruscamente, erguendo a palma


para me fazer calar. Eu sei muito bem o que pretendia dizer e, apesar de ter certeza de que é,
sim, verdade, talvez tenha sido melhor ela ter me parado. Não sei se isso melhoraria as coisas. —
Faça um favor a nós dois e cale essa boca. Se o que você queria era me ver na merda: parabéns,
bonitão! Você conseguiu.

Ela bate palmas lentas e debochadas antes de dar dois passos para trás, virar-se e ir
embora. Eu deveria simplesmente deixá-la ir, esperar tudo se acalmar e tentar me acertar com ela
quando não estivermos de cabeça tão quente, mas um impulso me faz ir atrás dela, com o braço
esticado para tentar alcançá-la. Sei que fui um grande cafajeste, mas ela poderia ao menos tentar
me entender.

Já. Se. Passaram. Dez. anos. Porra!

Esse foi o argumento que meus amigos usaram contra mim quando eu estava cego e idiota
com aquele plano inicial estúpido. Parece até injusto eu, agora, usá-lo a meu favor, mas é o melhor
e mais óbvio argumento para todas as vertentes dessa situação.

— Débora, por favor!

— Me deixe em paz.

— Tente ao menos entend...

— Vai se foder!

Ela começa a correr para longe de mim, e eu apenas me rendo ao cansaço. Meus braços
caem pesadamente aos lados do corpo, e eu solto uma grande quantidade de ar pela boca, antes
de agarrar meus cabelos com as duas mãos, xingando-me mentalmente dos piores nomes possíveis,
por ter sido tão imaturo com minhas primeiras intenções ao me aproximar e por não ter contado
tudo a ela desde o início.

Mas o calor do momento também me faz xingá-la mentalmente, por ser insensível a ponto de
não tentar entender meu lado, por não ver que eu reconheço a grande burrada que fiz e quero
acertar as coisas entre nós.

No entanto, se ela pensa que vou desistir facilmente está muito enganada. Eu amo essa
mulher, porra! Não vou deixá-la escapar de mim.

De novo, não.
— Mas que canalha, cara de pau! Ahhh, eu sabia... Hummm, ok, eu não sabia direito, até
porque dava para ver estampado nos olhos dele que ele realmente gosta de você, posso até jurar
que o vi limpar a baba do canto da boca quando veio dormir aqui semana passada e te viu de
pijama, mas, mas... Argh, não acredito que ele fez isso com você, Debs!

Esfrego o rosto por mais uma incontável vez enquanto ouço Lara despejar suas conclusões
sobre tudo o que acabo de lhe contar. Uma olhada rápida no relógio da parede da cozinha me
informa que passa um pouco das sete da manhã e, desde que ela chegou em casa e me viu
completamente desperta e com cara de quem perdeu o cachorro, há uma hora, desembuchei tudo
quando me perguntou o que aconteceu. Estava precisando mesmo desabafar, e minha prima é a
melhor ouvinte desse mundo. Seu ombro e sua atenção sempre estiveram à minha disposição
quando precisei.

— É. Nem eu.

Deixo um longo suspiro escapar pelo nariz quando sinto meu celular vibrar no colo. De novo.
Argh, eu sou uma trouxa mesmo. Já deveria ter desligado essa merda. Aliás, melhor: já deveria ter
mudado de número.

Ainda não decidi se é tão difícil assim acreditar que o Maurício tenha sido tão sacana
comigo. Tudo pareceu tão... fácil, que sentir aquele arrepio de alerta que dizia que tudo poderia
dar errado a qualquer momento não era uma paranoia à toa. Não esperava que eu, em pouco
tempo de trabalho no SPA, fosse me deparar com um paciente repentino, que desde o primeiro
contato parecia me olhar de forma diferente, me fez viver momentos engraçados — ok, alguns
foram irritantes, mas deu para relevar — durante os dias de tratamento, insistiu em me levar para
sair até ficar impossível responder negativamente e acabou se tornando o cara pelo qual, durante
o último mês, eu vinha me apaixonando.

Descobrir que tudo não passou de uma mentira deslavada da parte dele quebrou a
porcaria do encanto de algo que eu estava curtindo tanto. Odeio que mintam para mim. Odeio!

— É ele de novo? — Lara questiona, sentada de frente para mim, à pequena mesa da
cozinha. Ela deve ter percebido o alerta do celular em meu colo e minha reação a isso.

— Sim. Tem tantas mensagens aqui que não sei como essa droga ainda não travou de vez.

— O que diz nelas?

— Sei lá. — Dou de ombros, pegando o aparelho e jogando-o sobre a superfície de


mármore. — Acordei às cinco da manhã e, quando vi o nome dele na tela, não consegui mais
dormir. Li algumas e só me fizeram ficar ainda mais zangada, então passei a ignorar. Estou
pensando em mudar de número hoje mesmo.

21h32

"Por favor, tente entender. Eu reconheço q fui um idiota. Me perdoa, linda."

21h45

"Por que não me atende? Precisamos conversar, Débora."


21h51

"Até parece q vc tem toda razão nessa merda toda, porra! Vc q começou!"

21h53

"Ok, dsclp, isso saiu errado. O babaca sou eu. Desculpa."

22h25

"Fala comigo, linda."

22h26

"Por favor."

23h10

"Vou até à sua casa!"

23h12

"Ok, ok, não vou. Sei q posso chegar aí e dar de cara com a polícia."

23h13

"Mas eu queria tanto te ver."


02h30

"Sinto muito ter te enganado, mas eu ia te contar. Juro q ia."

04h15

"Sinto sua falta. Minha cama é grande e fria demais sem vc."

04h56

"Não desista da gente assim tão fácil, Débora. Por favor."

O nó insuportável que se formou em minha garganta me impediu de continuar a ler suas


súplicas.

Lara toma um gole de café e sua atenção não sai do meu celular vibrando à sua frente. Seus
olhos azuis alternam entre observar o aparelho, que vibra insistentemente a cada dois minutos, e a
mim. Estou prestes a abrir a boca para falar novamente sobre o cafajeste que o Maurício é,
quando minha prima larga a caneca sobre a mesa e coça a cabeça.

— Argh, responde isso, pelo amor de Deus! — Ela empurra o celular na minha direção, como
se estivesse contaminado ou tivesse garras afiadas. — Eu entendo que você esteja zangada com
ele, tem toda a razão, porque ele foi um babaca mesmo, mas, Debs... se ele não quisesse consertar
as coisas, não estaria insistindo tanto.

— Se ele quisesse consertar as coisas, me daria espaço e me deixaria pensar em paz —


rebato, bebericando o café já morno.

— Ah, e existe regra para isso? — Lara manda de volta, levantando-se para ir até à
geladeira. Ela pega alguns ovos, um pote de cream cheese e uma caixa de leite. Com as mãos
cheias, ela usa o quadril para empurrar a porta do eletrodoméstico e fechá-lo. — Vamos lá, Debs.
Você sabe que quer falar com ele. Você sabe que quer entender melhor essa história toda. Você é
adulta e madura o suficiente para lidar com isso de frente. Por que está fugindo?

Observo Lara despejar na bancada tudo o que pegou, apoiando as mãos sobre ela e
olhando para mim. Eu poderia simplesmente mentir para ela meus motivos, mas seria muita
hipocrisia quando a mentira está no topo da minha lista de coisas imperdoáveis.

— Porque eu não quero ceder assim tão fácil, Lara! — digo de uma vez, querendo me
estapear. — Porque eu não quero fazer papel de idiota voluntariamente. É difícil me manter firme
quando ele me olha como se não existisse outra mulher no mundo ou sorri para mim como se fosse
impossível não fazê-lo. E eu detesto isso! Detesto que ele tenha me feito sentir tão vulnerável
quando se trata dele. Se ele foi capaz de mentir desde o início, de me enganar tão
descaradamente, o que me garante que não continuará fazendo isso?

Minha prima passa uma mão pelos cabelos ruivos ondulados e um tanto desalinhados, tão
compridos que quase chegam à curva onde suas costas encontram o quadril.

— Mas a troco de quê ele estaria insistindo tanto em te contatar, se não for porque gosta de
você tanto quanto gosta dele?

Expiro com força, balançando a cabeça.

— Ah, vai saber. Para concretizar o planinho estúpido dele? Para poder sair por cima
quando quebrar meu coração de novo? Não vou dar essa chance a ele, Lara. Não mesmo.

Lara consegue perceber que minha voz quebra um pouco nas últimas palavras de minha
sentença. Sei disso porque ela simplesmente suspira e me olha com condescendência, antes de vir
ao meu encontro. Ela se posiciona atrás de mim e afaga meus ombros, estalando a língua ao
perceber o quanto estou tensa.

— Ok, então, dane-se ele. Você sabe o que faz e tenho certeza de que saberá o que é
melhor para o seu coração. Enquanto isso, se quiser continuar a encontrar sinônimos de "canalha"
para descarregar suas frustrações, pode ficar à vontade. — Coloco minha mão sobre a sua,
agradecendo silenciosamente seu conforto. — Ah, porque você não tenta marcar um horário hoje
para que eu faça uma massagem indiana na sua cabeça? Ah, vamos, vamos, vamos! Ou, se você
preferir, já sabe que eu faço o melhor shiatsu4 daquele SPA. Isso vai te ajudar a relaxar, pensar
melhor, te revigorar, e você sabe que funcionários da casa ganham um desconto. Caso a agenda
esteja cheia, posso sacrificar meu horário de intervalo para te dar atenção, isso, é claro, se você
estiver disposta a sacrificar o seu também...

Ah, não mencionei que minha prima é massagista na mesma Clínica & SPA onde sou
fisioterapeuta, não é?

Lara é apaixonada pelo que faz. Às vezes, seu jeito brando, mas tagarela, de falar —
incluindo a mania de repetir alguma palavra ou sentença três vezes quando se anima — e seus
devaneios repentinos denunciam que ela provavelmente usa drogas, mas, na verdade, isso tudo é
resultado de suas meditações diárias, sua fixação por aprender cada vez mais sobre seu ofício
para que "não seja apenas físico, mas também uma conexão de energias", sua mania por incensos,
aromaterapia, e outras coisas que, para falar a verdade, nem entendo direito. Sendo
fisioterapeuta, domino certas técnicas de massagem, mas não com o profundo conhecimento,
sensibilidade e maestria da minha prima, verdadeira especialista em massoterapia.

— Obrigada, Lara, mas acho que não precisa. Não quero te atrapalhar — digo quando ela
volta para a bancada.

— Se você fosse atrapalhar, eu não ofereceria, dã — ela replica, pegando uma frigideira e
se dirigindo para o fogão, levando os ovos junto. — Ok, se não quiser desfrutar do ambiente já
preparado para uma sessão perfeita de massagem, posso fazer isso hoje à noite quando
chegarmos em casa. Acenderei incensos de sândalo para expulsar as energias ruins e atrair as
boas, tenho alguns óleos perfeitos para o objetivo e você se sentirá bem melhor. Vai sim, vai sim,
vai sim!

E pela primeira vez, desde que ouvi a conversa ridícula de Maurício com os amigos sobre ele
ter me feito de trouxa esse tempo todo, eu sorrio.

Minha prima e eu crescemos nos encontrando com pouca frequência, já que ela sempre viveu
com os pais em uma cidade vizinha à minha — onde vivemos hoje — e isso não nos fez parentes
tão grudadas, mas, como duas filhas únicas, sempre sentimos uma ligação fraternal que os
desencontros e as distâncias nunca foram capazes de abalar.

Eu não sei bem o que faria sem ela, hoje em dia. Anos atrás, eu me mudei da minha cidade
natal para fazer faculdade, e por lá mesmo fiz estágios, trabalhos voluntários, participei de cursos
de extensão e trabalhei por um tempo em uma clínica. Então, a oportunidade de fazer a
especialização fora do país surgiu e eu não a desperdicei, o que implicou no meu desligamento da
clínica. Agora, estou de volta à cidade onde nasci, tendo sido muito bem acolhida por Lara, que
está muito feliz por não ter mais que morar sozinha, e ainda fez ótimas recomendações que me
renderam um novo trabalho em um lugar de extrema qualidade. Ela é o máximo.

Meus pais moram do outro lado da cidade, e, embora eu os ame indiscutível e


incondicionalmente, preferi não voltar para lá. Além de já ser uma adulta e ter que correr atrás da
minha própria vida — mesmo dividindo aluguel com a minha prima —, sei que não me faria tão
bem reviver tudo aquilo do que fugi quando terminei o ensino médio e saí de casa. Cobranças,
críticas, controle... não, obrigada. Estamos bem vivendo assim; eles lá e eu cá. Eu os visito sempre
que posso, e a vantagem disso é que posso escapar antes que as coisas e os assuntos fiquem
desconfortáveis, mantendo apenas harmonia em nossa convivência.

— Obrigada, Lara. Você é demais.

— Own, para! — Ela faz um gesto com a mão e dá umas risadinhas, fingindo um lisonjeio
exagerado. — Ok, eu sei que sou, mas você também é. E será melhor ainda se pegar aqueles
pães de forma e tostá-los enquanto eu faço os ovos mexidos.

Acabo me rendendo a uma gargalhada ao me levantar para pegar os pães e preparamos


nosso café da manhã enquanto ela me conta como foi sua visita aos pais no dia anterior,
distraindo-me por alguns instantes.

Nos quais eu nem percebo que meu celular vibra mais algumas centenas de vezes sobre a
mesa.

Aceno mais uma vez para Maria, uma paciente, ao acompanhá-la até a porta do consultório,
torcendo para que meu sorriso não pareça forçado demais. Não que eu tenha algum problema
com ela, mas é que, durante essa última semana, tem sido difícil expressar alguma animação
genuína. No entanto, sei que não posso deixar problemas pessoais afetarem meu profissionalismo
que, modéstia à parte, é impecável, então tenho tentado ocupar minha cabeça ao máximo,
mergulhando no trabalho durante o dia e em maratonas de séries e sorvete, à noite — ok, talvez
essa última parte seja característica de quem está na fossa, mas eu tenho esse direito. Dá licença.

Retiro os óculos do rosto e penduro no bolso no jaleco, apertando a ponte do nariz ao me


dirigir à minha mesa para beber um pouco de água. O único gole que há em minha garrafinha
não anda nem perto de aliviar a secura em minha garganta, então, ao dar uma espiada na
agenda e ver que tenho quinze minutos antes do próximo paciente, saio para ir até à recepção,
onde há um bebedouro com água filtrada, a fim de enchê-la novamente.

Um bocejo me escapa — merda, nem tenho dormido direito — e, por estar tão envolvida por
esse momento, mal percebo que há alguém vindo em minha direção. Essa realização só me atinge,
literalmente, quando trombo de frente com várias boias de braço e tubos de espuma usados para
flutuar em piscina, das mais variadas cores, e, é claro, com a pessoa que estava segurando essas
coisas, que agora estão todas espalhadas pelo chão.

— Ah, meu Deus! Me desculpe! — peço imediatamente, abaixando-me para ajudar a


recolher tudo.

— Relaxa. Não quebrou nada.

Permito-me sorrir, tanto de nervosismo quanto pela piada de Vinícius, personal trainer na
academia do SPA. E também um dos melhores amigos do Maurício.

— Eu estava distraída — ainda assim explico, terminando de pegar tudo e lhe entregar. —
Por que está carregando isso tudo? Quer ajuda?

Ele dá de ombros, ajeitando tudo nos braços fortes.

É impressionante como isso acaba fazendo com que ele pareça ainda maior do que já é.
Confesso que, antes de trocar palavras com Vinícius, pensei que ele fosse algum tipo de
brutamontes capaz de esmagar alguém com as próprias mãos, mas nossos encontros casuais e o
que Lara fala dele, por conhecê-lo bem demais, revelaram um cara engraçado e doce, que com
certeza coloca uma barata para correr ao invés de matá-la.

— Não, tá tranquilo. Vou cobrir a aula de hidroginástica daqui a vinte minutos para o
professor que está de licença por ter quebrado o braço — esclarece, sorrindo. — E você? Está
bem? — questiona, assumindo uma expressão de cautela.

Sei o porquê de sua pergunta, e isso me faz vacilar por um segundo. É claro que, sendo um
dos melhores amigos do Maurício, ele deve saber da história toda. Fico subitamente envergonhada
pelo papel de trouxa que acabei fazendo, mas tento não deixar transparecer.

— Sim. Claro. Por que não estaria? — mando de volta, forçando um sorriso e comemorando
internamente por minha voz não ter tremido.

Vinícius, no entanto, não sorri. Ele me observa sério, apertando os lábios carnudos, pensativo,
embora seu olhar seja suave.

— Você se chateou com o Maurício porque ele, tecnicamente, mentiu para você. Isso me faz
deduzir que odeia mentiras. Então, por que está mentindo para mim, agora? Ou, melhor: por que
está mentindo para si mesma?

Uau! O cara é bom.

Solto uma grande quantidade de ar pela boca, balançando a cabeça e esfregando a testa.
Sei que ficar irritada por ele estar certo me torna ainda mais hipócrita, mas não me importo com
isso.

— Olha, Vinícius, nós não nos conhecemos bem o suficiente para isso ser da sua conta —
rebato, entrando na defensiva.

Para minha surpresa, ele volta a sorrir. Estou começando a desconfiar que as emoções dele
não se conectam com as expressões faciais. Ele fica sério quando sou simpática, mas sorri quando
sou grossa. Eu, hein!

— Você está certa. Eu não deveria me meter — ele se rende, ainda me olhando como se
pudesse ler a minha mente. — Só achei que seria melhor para você se fosse honesta consigo
mesma, acima de tudo, antes de reivindicar o direito de que as outras pessoas também sejam.

Estreito os olhos para ele, apertando a garrafinha em minhas mãos com força.

— O Maurício te mandou vir despejar as suas habilidades de psicólogo para cima de mim e
tentar me fazer sentir culpada por não querer ouvir as balelas dele? Sinto muito, mas não vai
funcionar — corto-o de uma vez, respirando fundo quando sinto que minha voz ameaça falhar.

— Ele não me mandou fazer nada. Aquele puto não manda em mim — Vinícius replica,
ainda sorrindo. — Aliás, tenho que dar certo crédito a ele por não ter pensado em me mandar
fazer isso, já que essas atitudes infantis são bem a cara dele.

As palavras de Vinícius me pegam de surpresa. Pensei que ele estivesse tentando defender o
Maurício, mas ele não parece estar tomando posição a favor de nenhum de nós.

Ou talvez esteja a favor dos dois, ao mesmo tempo.

Suspiro, cruzando os braços, e sei que acabo agindo feito uma criança teimosa que não quer
admitir que quebrou o vaso da sala, mas não consegue resistir à persuasão dos pais quando eles
prometem lhe dar algo em troca da verdade.

— Ok, então. Fora o fato de estar completamente decepcionada com o Maurício e me


lembrando disso o tempo todo para não pensar no quanto sinto falta dele, estou bem.

Resisto à vontade de revirar os olhos e encontro a expressão de Vinícius ainda suave, após
me ouvir. O passar do tempo e as coisas que vivi e aprendi me ensinaram a ser uma mulher forte,
que não se intimida por olhares profundos e encara tudo com coragem, mas tem algo no amigo do
Maurício que me impele a desviar o olhar, porque ele parece compreender o que se passa em
minha mente melhor do que eu, só por me observar. É desconfortável e, no entanto, reconfortante.
Sinto vontade de retrucá-lo e dizer que ele não sabe de nada, ao passo em que fico tentada a
pedir um abraço e perguntar-lhe o que acha que devo fazer.

Não me surpreende que ele seja o melhor amigo de Lara. Os dois são parecidos até nisso.

— Olha, Débora, eu conheço a história desde o início. Talvez saiba de tudo bem até demais,
porque desde que te reencontrou, o Maurício não sabe falar de outra coisa. E eu sei que meu
amigo foi um belo babaca com você. O Heitor e eu o avisamos muito sobre isso, mas ele está
genuinamente arrependido. Os motivos dele não são muito maduros, mas têm certo fundamento, se
você parar para ouvi-lo e pensar.

— Mas eu nem ao menos me lembrava dele! — rebato imediatamente, sem conseguir ver o
mínimo fundamento no modo de Maurício ter agido.

Bom, ok, talvez eu veja um pouco. Pelo que ele falou, sofrer bullying na adolescência e,
aparentemente, ser apaixonado por mim e ignorado o marcou muito.

Até aí, tudo bem. Entendo a mágoa.

Mas, ao invés de me dizer isso e conversarmos como as pessoas adultas e maduras que
somos — ou deveríamos ser —, ele manteve isso para si e planejou se aproximar de mim para
"vingar" todo esse rancor que ele manteve guardado durante todo esse tempo. Pelo amor de Deus.
Até pensar nisso é patético.

Sem contar que faz com que nossos momentos, suas palavras, seus beijos... sejam tudo
mentira.

— Eu sei — Vinícius assente, ajeitando as coisas em seus braços. — Não te culpo, faz uma
eternidade desde que vocês terminaram o ensino médio. Mas ele nunca conseguiu te esquecer, nem
o que sentia por você. Acho que ele acabou confundindo toda a mágoa que carrega daquele
tempo com o amor que ele só manteve adormecido dentro de si, como se soubesse que um dia
você voltaria, ou sei lá.

Torno a cruzar os braços, dessa vez na tentativa de apertar meu peito e conter o bater
frenético do meu coração diante das palavras do cara grande e bronzeado à minha frente. Ele
fala com tanta firmeza que meu lado teimoso e desapontado tenta me dizer que ele deve ter
decorado algum roteiro.

— Vinícius, nada disso anula o fato de ele ter mentido para mim — replico em um fio de voz.

— Eu sei — ele nem hesita ao me responder. — Não estou dizendo que você tem que correr
para ele e perdoá-lo assim tão fácil. Apenas reconheça que ele reconhece os próprios erros. E,
mais ainda, está tentando consertá-los.

— É o mínimo, né? — retruco mais uma vez, fazendo-o rir novamente. Eu devo mesmo estar
parecendo uma criança birrenta e teimosa.

— Já te disse que não estou aqui para defendê-lo, mas, sendo extremamente sincero, eu
nunca o vi lutar por uma mulher assim. Ele sempre pareceu sabotar os próprios relacionamentos.
Quando estava ficando sério e tudo começava a dar certo, dava errado assim, do nada, e ele
simplesmente desistia. Mas, agora, com você...

Ele deixa a frase no ar e, em um timing espantosamente perfeito, meu celular vibra no bolso.
Pego-o, em um movimento automático, e vejo o nome de Maurício na tela enquanto o aparelho
vibra, insistente, em minha mão. Meu coração falha uma batida antes de martelar contra o peito
novamente, e a expressão que encontro no rosto de Vinícius quando torno a olhá-lo é de
expectativa.

Guardo o celular de volta, suspirando com força.

— Não sei, Vinícius. Acho que preciso pensar mais um pouco.

— Você tem todo o tempo do mundo. O Maurício já te esperou por dez anos.

O sorriso em sua voz me faz sorrir também.

— Por que você quer tanto que a gente dê certo? — Não consigo evitar a pergunta.

Vinícius diminui seu sorriso um pouco, mas não perde o carisma na expressão.

— Porque muita gente por aí está procurando pelo que vocês dois já encontraram. Não é
justo que desperdicem.

Caramba! Fico me perguntando por que diabos esse cara ainda está solteiro. Se eu não
estivesse tão apaixonada pelo Maurício, apesar de ele ter sido um cachorro, o pediria em
casamento nesse exato instante.

— Um romântico incorrigível, hein?

— Assumidíssimo, Debs. — Ele pisca para mim, me chamando pelo mesmo apelido que Lara
chama. — Agora vou te deixar trabalhar e correr para a piscina. Espero que ninguém tenha se
afogado ainda.

Rimos juntos e me despeço dele após receber um beijo carinhoso na testa.

Meu celular vibra novamente no bolso. Nem preciso pegar para saber de quem se trata e,
apesar de ignorar mais uma ligação, isso não me enche de irritação como tem feito nos últimos
dias. A conversa que acabo de ter com o melhor amigo do Maurício e tudo o que sinto por esse
safado, cachorro, sem-vergonha está embaralhado dentro de mim, apesar de, agora, eu conseguir
ver com mais clareza ao organizar meus pensamentos.

E também meu coração.


Só preciso de mais um tempo.
— Tem certeza de que vai ficar bem, Debs?

Expiro com força, já um pouco impaciente por ouvir essa pergunta da boca da minha prima
pela centésima vez.

— Claro que vou, Lara! Não se preocupe — respondo, também pela centésima vez.

Ela pega sua bolsa-carteira que está sobre o sofá e percebo que ainda está um pouco
relutante. Merda, é isso que dá não conseguir controlar as próprias emoções.

Passei o resto do dia pensando na conversa que tive com Vinícius. E de tanto fazer isso, de
tanto ponderar, de tanto sentir falta do Maurício, acabei deixando que algumas lágrimas
escapassem, mesmo que não fossem todas de decepção. Elas foram evidências de vários
sentimentos misturados, e por mais que eu não goste de ficar chorando pelos cantos, deixá-las se
libertar foi um alívio.

Só que Lara não parece entender isso. Ela entrou no meu quarto no exato momento em que
eu estava com um lenço no rosto e soluçando, e mesmo que eu tenha lhe contado e explicado tudo,
minha prima ficou preocupada e agora, prestes a sair de casa para encontrar Vinícius para irem a
uma festa de um amigo dele, ela insiste que, se eu quiser, ela pode ficar comigo e me fazer
companhia para que eu não me sinta tão mal.

Entendo e aprecio a preocupação e o cuidado que ela tem comigo, mas agora tudo o que
tenho vontade de fazer é sacudi-la até que entenda que eu estou bem. De verdade. Em
comparação aos últimos oito dias, pelo menos, estou bem melhor. E tudo graças ao melhor amigo
dela.

— Você não quer vir com a gente? Vamos, vamos, vamos! Quem sabe você se sinta melhor se
sair para se divertir um pouco.

— Não, Lara. Não estou muito a fim de sair. É sério, pode ficar tranquila. Estou bem.

— Debs, se você quiser...

— Lara! — interrompo-a antes que diga que ficará caso eu queira. — Eu já disse que estou
bem! Acredite. Vou ficar mal se te impedir de ir e estragar a sua diversão — argumento, tocando
uma mecha de seu cabelo ruivo comprido, que cai em uma cascata de ondas pelos ombros,
emoldurando o rosto lindo de boneca que ela conseguiu deixar ainda mais deslumbrante com uma
maquiagem perfeita.

De repente, o mesmo pensamento que me ocorreu enquanto eu conversava com Vinícius mais
cedo me vem à mente nesse instante. Lara é tão linda, de bem com a vida, carinhosa, determinada,
meiga. Não entendo por que ainda está solteira. Já cheguei a perguntar-lhe isso algumas vezes,
mas ela sempre diz que pode até estar solteira, mas nunca está sozinha, e se sente bem assim,
nesse momento de sua vida. Bom, quem sou eu para discutir, não é mesmo?

— Qualquer coisa, qualquer coisinha mesmo, você pode me ligar, ok? Virei correndo. Juro,
juro, juro! — ela diz enquanto a empurro em direção à porta.

— Tudo bem, Lara. Não se preocupe. — Abro a porta para ela, que ainda apresenta certa
resistência. — Vai lá e divirta-se! Mande um beijo para o Vinícius.

— Pode deixar. — Ela mexe um pouco no cabelo e na roupa, e vira-se para mim novamente.
— Como estou? — questiona, gesticulando para seu vestido comprido e estampado, com um corte
frente única, que deixa suas costas à mostra, e uma fenda em cada perna, que lhe dá um ar
elegante e sexy ao mesmo tempo.

— Está de babar! — afirmo, sorrindo para ela. — Se você e o Vinícius fossem um casal,
fariam bebês vencedores de concursos de beleza — comento, por pura brincadeira, e Lara dá
uma risada nervosa.

— Sabia que não é a primeira vez que ouço isso? — Ela franze a testa e eu não me
surpreendo com sua pergunta retórica. — As pessoas sempre assumem que nós somos um casal, à
primeira vista.

— Bom, o Vinícius é um gato e um doce de pessoa. Elas devem pensar que é difícil resistir. E
vocês têm tanto em comum que parecem até perfeitos um para o outro — comento, e ela dá de
ombros.

— É justamente por termos tanto em comum que somos apenas melhores amigos. — Ela pisca
para mim e alisa o vestido mais uma vez. — Bom, vou indo. Já sabe, né? Se precisar...

— Sei, querida. Obrigada por tudo. Agora vai lá e se divirta com o seu melhor amigo que te
daria lindos bebês.

— Besta. — Ela revira os olhos antes de virar-se e dirigir-se ao elevador, acenando para
mim até as portas se fecharem e ela descer.

Suspiro, e o sorriso remanescente em meu rosto se mantém, até o momento em que fecho a
porta e vejo o celular vibrar sobre a poltrona. Mais uma mensagem.

E, mais uma vez, ignoro.

Atender suas ligações e ver suas mensagens pode me confundir mais ainda. E eu preciso
pensar bem.

Talvez seja esse seu problema, uma voz ecoa em minha mente. Você está pensando demais. A
melhor decisão partirá do seu coração. Deixe-o tomar as rédeas.

Gostaria de colocar a culpa em Vinícius ou Lara, porque isso se parece demais com conselhos
que eles me dariam, mas sei que a voz é minha. O pensamento é meu. Reconheço o que acabo de
concluir.
Tenho medo. Maurício me decepcionou uma vez. E, apesar de agir tão segura, forte e
determinada em todas as situações da minha vida, ele acabou virando meu ponto fraco, plantando
em mim o desejo louco de voltar para seus braços em conflito com o receio de que ele vá me
decepcionar de novo.

Que merda!

Pego o celular e o desligo, vendo — sem querer, juro — a janelinha de mensagem conter as
palavras "não aguento", "me atende", "preciso falar" antes que a tela se apague.

Sinto falta dele. Isso eu não consigo negar nem para mim mesma. Sinto falta do jeito que ele
me olha, do jeito que ele ri, do jeito que me toca, do jeito que me beija. Não sei se consegui evitá-
lo tão bem a ponto de nossos caminhos não se cruzarem — porque ele frequenta o mesmo lugar
onde trabalho e não seria difícil isso acontecer — ou ele está se limitando a insistir apenas com
ligações e mensagens, talvez por receio de que eu me irrite mais ou busque por uma ordem de
restrição, mas não vê-lo durante todos esses dias está começando a cobrar seu preço em forma de
um aperto de saudade no peito.

Minha mão treme com a vontade de ligar o aparelho novamente e contatá-lo. Ouvir sua voz.
Sentir se em suas palavras faladas há a mesma sinceridade e persistência que parece ter nas
escritas. Talvez tenha chegado o momento. Talvez seja exatamente isso que eu preciso para saber,
de uma vez por todas, se serei capaz de perdoá-lo.

Talvez...

O susto que tomo ao ouvir a campainha me faz pular no lugar. O celular em minha mão se
desequilibra e cai sobre a poltrona novamente com um baque surdo, enquanto eu estremeço.
Inspiro o ar com força pelo nariz e o solto pela boca, deduzindo que Lara deve ter esquecido
alguma coisa e voltado para buscar — suas chaves, talvez, já que tocou a campainha.

Mas me surpreendo ao abrir a porta e ver quem está do outro lado.

— Mãe?

Minha surpresa se deve ao fato de que ela nunca aparece sem avisar, assim como quando
vou visitar ela e o papai. O bater frenético do meu coração e o tremor em minhas mãos agora são
de nervosismo e receio de que tenha acontecido algo.
No entanto, sua expressão está suave. Ela ergue as sobrancelhas quando falo e sorri, dando
um passo à frente para me abraçar.

— Oi, filha! Como você está? — pergunta ao afagar minhas costas.

Eu amo a minha mãe, mas minha relação com ela não foi a mais fácil quando eu estava
crescendo, e em nada facilitou quando ela me viu ganhar peso com o passar do tempo e pouco me
foder para isso. Às vezes ela mal consegue disfarçar sua insatisfação por eu ter me entregado à
genética da família — não sei que moral ela achava que tinha, já que, desde que me lembro, ela
nunca foi um exemplo de corpo escultural.

Minha adolescência teve momentos insuportáveis devido a seu controle excessivo e sua
obsessão em me manter magra e "perfeita". Achava muito malvado da parte dela seu preconceito
com corpos acima do peso, mas eu simplesmente me deixava ser controlada por ela, já que era
uma adolescente de ensino médio que via de perto todos os dias o quão cruéis as pessoas podem
ser ao tirarem sarro da forma física das outras e fazê-las se sentirem muito mal por isso.

Tão mal que isso poderia se tornar um trauma que perdura por anos, e levar a pessoa a
carregar uma mágoa que não a deixaria hesitar por um segundo diante da oportunidade de
descontar aquele rancor.

Conheço essa história.

Ah, merda!

Preciso ligar para o Maurício.

— Estou bem — digo, retribuindo seu abraço carinhoso. Apesar de tudo, o conforto
incomparável de um abraço e do cheirinho de mãe nunca me foi negado. — O que faz aqui?
Aconteceu alguma coisa? — inquiro ao afastar-me e dar espaço para que entre no apartamento.

Ela dá de ombros enquanto caminha em direção ao sofá para deixar sua bolsa sobre ele.

— Uma mãe não pode sentir saudades da filha e fazer uma visita surpresa? — Ela põe as
mãos na cintura e pelo sorriso em seus lábios e a suavidade em seus olhos, tão verdes quanto os
meus, vejo que está brincando. — Ah, eu só queria te ver, Débora. Saber se está bem. Fiquei
sabendo, assim, por acaso, que você não está em uma fase muito boa e...
Ela nem precisa terminar a frase para que eu deduza.

— Esse "acaso" também atende pelo nome "Lara", não é?

— Não fique chateada com ela, filha — minha mãe adverte logo, ao sentir a insatisfação em
minha voz. — Ela só estava preocupada com você, o que me deixou preocupada também, e vim
aqui oferecer colinho de mãe. — Ela senta no sofá e dá uns tapinhas na perna, convidando-me. —
Venha aqui e me conte mais sobre esse Maurício. O que aconteceu? O jeito doce com que você me
falou dele algumas vezes me deixou curiosa para conhecê-lo. O que deu errado?

Ela fala conforme sento ao seu lado no sofá e, diante de sua pergunta, paro a meio caminho
de deitar a cabeça em seu colo, sentindo a impaciência já tão familiar tomar conta de mim.

— Antes que você pense isso, não foi porque ele demorou a perceber que sou gorda e
acabou me deixando para procurar um saco de ossos que anda.

Mamãe arregala os olhos e põe a mão no peito.

— Credo, Débora! Eu não estava pensando isso. E nem ia! — Ela soa bastante ofendida, o
que faz eu me arrepender no mesmo instante pelo que disse. Mas, depois de todas as situações
que já vivemos por causa disso, era a reação que eu esperava dela, por mais escrota que seja. —
Poxa, eu reconheço que fui um pouco dura com você a vida inteira...

— Um pouco?

— Sim, um pouco! A mãe da garota gordinha que mora na esquina da nossa rua até obriga
a coitada a vomitar caso descubra, apenas farejando, que ela comeu no McDonald's.

Reprimo a vontade de revirar os olhos para seu drama, compreendendo seu ponto. Sim, era
um saco ter que comer feito um passarinho quando mais nova e um saco ouvir suas indiretas sutis
em relação às minhas curvas, mas minha mãe nunca me agrediu dessa forma. Seu preconceito não
me fazia bem, mas com o tempo, ficou fácil de ignorar. Apesar de sempre sugerir disfarçadamente
que eu precisava perder uns quilos, ela nunca disse que deixou de me amar ou me xingou de algo
que me fizesse ter vontade de me matar.

— Olha, Débora, me desculpe — ela pede, segurando minha mão. — Acho que acabei
descontando em você frustrações com as quais você nunca teve nada a ver. Sua avó, que Deus a
tenha, sempre sonhou que eu me tornasse uma bailarina, como ela foi, e com isso ela acabou
plantando na minha cabeça tudo o que tentei plantar na sua. Ela foi tão dura comigo no momento
em que eu lhe disse que não queria aquilo para mim, casei, engravidei e nunca mais voltei a ser a
magrela que fui, que acho que tudo isso acabou refletindo no modo como te criei. Sabendo como
crescer daquele jeito era ruim, eu deveria ter te incentivado a ser quem você quisesse ser e me
focado nos valores que realmente importam, e mesmo que eu mal tenha feito isso, você se tornou
uma pessoa que tem minha total admiração. Me orgulho muito de você, Débora.

Uau! Por essa eu, realmente, não esperava.

— Mãe...

— Eu sei, eu sei, você deve estar pensando: "Nossa, mas, assim, de uma hora para outra? O
que pode tê-la feito, finalmente, reconhecer a vaca que foi comigo?" — Ela muda o tom de voz
para tentar imitar a minha. Fica tão ridículo que até dou risada.

— Eu nunca te chamaria de vaca — digo, no primeiro impulso, e é a vez dela rir. — Apesar
de estar, sim, me perguntando o que te fez mudar de pensamento.

Mamãe suspira e olha para nossas mãos juntas, acariciando com o indicador os nós dos meus
dedos. Quando sua atenção volta para meu rosto, os olhos brilham de sinceridade.

— Meu pai sempre disse que a melhor atitude que uma pessoa pode tomar é reconhecer os
próprios erros e tentar consertá-los. Outro dia, estive conversando com ele e falamos bastante da
mamãe. Em como ela partiu sem ouvir da minha boca que eu a perdoei, apesar de tudo. Ele disse
que sabe que ela se arrependeu por ter sido dura comigo durante a vida, mas acabou ficando
tarde demais para ela tentar acertar as coisas comigo. — A voz dela embarga e seus olhos
enchem de lágrimas. Capturo com o dedo uma que escapa por sua bochecha, sentindo um nó em
minha própria garganta. — Eu não queria que ficasse tarde demais para nós duas, filha.

— Ah, mãe. — Ataco-a com um abraço apertado, sentindo um alívio imenso ao sentir seu
afago em minhas costas. — Os momentos em que você me enchia o saco para não comer isso e
aquilo ou para perder peso não foram os melhores, mas eu nunca te odiei. Nem odiaria.

— Mesmo tendo todo o direito — ela complementa, sorrindo através das lágrimas. — Você é
mesmo incrível, Débora.

— É o que dizem por aí.


Dou de ombros e rimos juntas, enquanto por dentro parece ter um grito desesperado me
mandando ligar para o Maurício.

"A melhor atitude que uma pessoa pode tomar é reconhecer os próprios erros e tentar
consertá-los."

Eu precisava demais ouvir isso.

— Bom, então... deita aqui no colinho da mamãe e me conta tudo. Ou fale qualquer coisa
que vá te fazer sentir bem. Sou toda ouvidos e carinhos.

— Hummm, já que é assim...

Assim que apoio a cabeça em seu colo, ela começa a trançar meu cabelo, como fazia
quando eu era mais nova. Abro a boca e começo a falar do Maurício. Não o que ele fez de
errado que acabou causando esses dias torturantes, mas sobre como ele me fez bem. Sobre como
tudo começou, sobre tudo que gosto nele, sobre nossos melhores momentos juntos — não
exatamente todos os melhores, porque alguns incluem sexo, e estou em bons termos com a minha
mãe agora para deixá-la traumatizada.

Nos perdemos em tantos assuntos e lembranças, rimos e nos emocionamos tanto que mal
percebemos que está ficando muito tarde. Digo a ela que pode dormir aqui mesmo, mas mamãe
diz que precisa ir para casa porque o papai sofreu uma torção no pé — só agora ela me conta
isso! — e precisa dela, apesar de já fazer dois dias e ele estar melhor. Despeço-me dela com um
abraço muito melhor do que qualquer abraço que já demos na vida, que me faz sentir segura e
aliviada, e quando vou deixá-la na portaria, não estou mais irritada com Lara por ter falado com
ela. Na verdade, estou mais do que grata. Estava precisando demais de um momento como esse
que acabo de passar com a minha mãe.

Volto para o apartamento e a primeira coisa que faço é correr para pegar meu celular e
ligá-lo. Olho para a tela iniciando e, aos poucos, ele vai enchendo de mensagens e ligações
perdidas, vibrando tanto em minha mão que chego a pensar que não vai parar.

Arrisco abrir as mensagens. São tantas, tantas. Rolo a tela, vendo os repetidos pedidos de
desculpa, os momentos em que se irrita por tanto pedir desculpas, os momentos em que pede
desculpa por se irritar por pedir desculpas; muitas dizem que ele sente minha falta, que sabe que
foi um babaca; outras dizem que ele está apaixonado, que não vai desistir.
Não sei quanto tempo se passa, mas a campainha toca novamente. Pela hora, penso
novamente que é Lara e que ela, definitivamente, esqueceu a chave. Suspiro e me levanto, indo até
à porta pronta para envolver minha prima no melhor abraço de urso do mundo.

Mas não é Lara que está lá, me olhando, quando giro a maçaneta.

É o Maurício.
E ele está bêbado.

Como eu sei?

Bom, para começar, seus olhos estão pesados e ele tem um sorriso frouxo no rosto. Uma das
mãos está apoiada no batente, como se ele fosse cair caso não fizesse isso. A outra mão segura
um buquê de flores variadas, com algumas quase caindo do arranjo. E quando ele ergue as
sobrancelhas e abre a boca para falar, o pensamento que me vem à cabeça é que ele está
altamente inflamável.

Porra, Maurício! Sempre acabando com o encanto de tudo.

E, mesmo assim, meu coração salta frenético no peito, porque finalmente vê-lo após tantos
dias me traz certa empolgação, apesar de seu estado deplorável.

— Déboraaaaa! Você tá aí! Olha o que eu trouxe pra você! — ele fala alto demais, com a
língua embolada, atrapalhando-se até mesmo na pronúncia delas. Ao empurrar o buquê na minha
direção, ele franze as sobrancelhas, concentrando-se nas próprias mãos, como se estivesse
procurando algo nelas. — Ué! Tinha um ursinho... cadê o ursinho? — Maurício olha ao redor, pelo
chão, até tateia os bolsos, como se um ursinho fosse caber ali. Meu Deus, ele está pior do que
aparenta. — Ah, merda, devo ter deixado no táxi! Ou na rua? Porra, eu tinha um ursinho pra
você... ah, foda-se. Débora, eu tô com saudade.

Dito isso, ele se joga em cima de mim. Tipo, literalmente. Desequilibro-me com todo aquele
monte de músculos sendo jogados contra mim em um abraço desajeitado, e tento segurá-lo
enquanto ele murmura contra meus cabelos coisas que nem consigo entender.

— Maurício, você vai me derrubar! — reclamo, tentando não ir ao chão com tudo. — Pelo
amor de Deus, olha o seu estado! Que merda você pensa que está fazendo?

— Eu tô com saudade.

— Tá, isso eu ouvi!

— Então por que tá perguntando?

— Quê?

— Que o quê?

Puta merda!

Ok, Débora. Respire. Respire e lembre-se que isso é efeito do consumo exagerado de álcool.
Lembre-se do que sente, da sua disposição para perdoá-lo...

Cacete, ele arrotou no meu ouvido. ECA!

— Porra, Maurício! — grunho mais uma vez, tentando trazê-lo comigo quando fecho a porta.
Ele está agarrado ao meu pescoço, curvado contra mim, enquanto tento agarrá-lo pela cintura e
evitar que levemos um tombo terrível. — Aqui, senta no sofá. No sofá! — grito quando o empurro
na direção do sofá, mas ele faz uma manobra estranha e quase senta sobre a mesinha de centro.
Um segundo e ele estaria, nesse momento, sentado sobre cacos de vidro.

Pior que parece até uma boa ideia no momento.

Balanço a cabeça e o ajudo a se acomodar no sofá, onde ele se esparrama todo, fazendo
um esforço enorme para manter os olhos abertos. Largo o buquê sobre a poltrona e agradeço aos
céus internamente por ele não ter ficado tão louco a ponto de pegar o próprio carro e dirigir
nessa situação. Nem quero imaginar o que poderia ter acontecido.

— Você veio de táxi sozinho? — pergunto, sentando ao seu lado, pensando por um momento
que ele nem ao menos me ouviu. Mas seu olhar vira para mim e ele continua com um sorriso
abobalhado nos lábios, como se não conseguisse evitar.

— Sim.

— Estava bebendo sozinho também?

— Tava com o Heitor. Ele encontrou uma morena lá que o arrastou não sei pra onde, e aí eu
pensei em você e bebi...

Ele para de falar, do nada. Seus olhos fecham e ele suspira baixinho, caindo no sono. Ou
pelo menos é o que eu acho, porque quando toco sua bochecha para checar se ele dormiu, ele
começa a falar de novo, ainda de olhos fechados.

— Eu fiquei com saudade. Não aguentava mais. E você tá com raiva de mim porque eu fui
um babaca escroto, então eu trouxe as merdas das flores e a porra do ursinho que esqueci na
droga do táxi... e você ainda tá com raiva de mim.

— Mas o que você espera? Depois de tudo o que aconteceu, você me aparece nesse estado,
como se tivesse acabado de matar a sede bebendo direto de uma bomba de gasolina, e ainda
arrota no meu ouvido! Não me julgue por ficar irritada, idiota!

Solto uma grande quantidade de ar pela boca, realmente zangada. Estava prestes a ligar
para ele, para tentarmos acertar as coisas, mas ele vai e faz isso: torna a me irritar. Sei que todo
mundo, algum dia, fica bêbado e faz merda, mas o momento é inoportuno para esse
comportamento dele. Ainda estou balançando, em cima do muro, e isso não me ajuda a saber para
qual lado pularei.

Maurício abre os olhos aos poucos, fixando aquela cor de mel em mim — o quanto consegue
por estar completamente grogue —, enquanto sinto sua mão resvalar em minha coxa. É um toque
suave, sutil, até carinhoso para quem provavelmente mal sabe o que está fazendo, e, merda, me
faz arrepiar. Meu coração acelera e arrepios me transpassam o corpo, desejando que aquele
contato se intensifique. Mas ele está bêbado e vai apagar daqui a alguns segundos, pelo visto,
então respiro fundo e limpo a garganta.

— Você tá tão linda. Sempre foi. A mais linda de todas.

Caminho perigoso.

Argh, Maurício. Dorme logo, pelo amor de Deus. Dorme logo...

— Sempre fez o meu coração bater com tanta força que parecia que eu ia morrer. Sempre
teve o sorriso mais lindo... eu sempre te amei, Débora, sempre...

Meu corpo inteiro congela.

Meu peito aquece, em contrapartida.

Minhas mãos suam e minhas pernas ficam bambas.

Eu sabia que era um caminho perigoso.

Porra, ele está bêbado. Talvez nem saiba o que está falando.

Se bem que dizem que um porre anestesia as inibições e a pessoa acaba ficando honesta
até demais.

Ugh! Como se eu já não estivesse confusa o suficiente.

— Maurício, você não sabe o que está...

— Ah, olha! — Ele arregala os olhos de repente, assustando-me, erguendo o tronco e


sentando-se quase ereto. — Eu até aprendi uma música daquelas que você gosta. Sertanejo, sabe?
É assim, é assim...

Bato a palma na testa, dando-me por vencida e com a certeza de que não vai sair nada
que preste de qualquer coisa que tentemos conversar. Ele precisa tomar um banho e dormir até
evaporar cada gota de álcool que toma conta de seu cérebro.

— Maurício, cale a boca e vem comigo — digo, levantando-me, mas ele ignora minha mão
estendida.
— Mudando de assunto, cê tá tããão bonitaaa...5

Ninguém merece.

Reviro os olhos.

— Vem logo.

— Que cheiro gostoso que vem de vocêêê...

Ele continua a cantar e me ignorar. Paciência, paciência.

— Cale a boca e vem, Maurício!

— E se eu te contar, você nem acreditaaa... se eu tava "cantando", eu nem lembro o porquêêê!

— É "brigando", idiota! — É, mas aparentemente, a idiota sou eu, por ainda me dar ao
trabalho de corrigir a letra que ele errou.

— Vem comigo, Débora! Pra quêêê brigaaar se o amor é isso, é uma espécie de um vício...

— Cale. Essa. Boca! — perco a paciência e aperto minha mão contra sua boca. — Para de
fazer serenata aí e vem logo para eu te colocar no chuveiro.

— Ah, você quer tirar a minha roupa? Eu sabia que a música funcionaria.

Não ria, Débora. Não ria!

Droga. Meus lábios se repuxam em um sorriso sem que eu consiga evitar. Mas faço de tudo
para que ele não veja. Não quero lhe dar o gostinho de saber que o jeito que ele fica louco e
engraçado quando está bêbado me diverte.

— Vou ignorar o que você disse, para o seu próprio bem — digo, esfregando a testa. — Eu
poderia, talvez até devesse, te colocar em um táxi de volta para casa, mas me sentiria culpada
pelo resto da vida se algo acontecesse com você.

— Você ainda gosta de mim? — a pergunta sai de repente, e fico espantada diante de seu
rosto sério. Não há o menor rastro da diversão de segundos atrás em seu rosto, quando estava
cantando. Tentando cantar, na verdade.
Decido ignorá-lo mais uma vez.

— Você vai tomar um banho e dormir por aqui mesmo. Posso esperar até amanhã para
chutar a sua bunda de novo.

— Você ainda gosta de mim?

Ele nem parece ter ouvido o que falei.

Sua pergunta fica no ar. Minha resposta é apenas um suspiro impaciente. Não sei o que
dizer.

Na verdade, tenho medo de proferir a resposta verdadeira a essa pergunta. Agora não é a
hora.

— Maurício, levanta e vem comigo — exijo, puxando seu braço. Mas até mesmo bêbado ele
é mais forte que eu.

— Não! Eu não quero ir a lugar nenhum! Quero você aqui comigo.

Dito isso, ele me puxa de volta para o sofá, fazendo-me cair desajeitadamente sobre o
móvel.

— Agora não é hora para infantilidade, Maurício. Apenas me obedeça! Você precisa...

— Eu preciso de você. Já passei tempo demais longe. Não aguento mais, Débora. Não
aguento mais...

Ele se joga sobre mim como fez quando abri a porta, mas, dessa vez, não corro o risco de
cair de bunda no chão. Maurício me abraça pela cintura e enfia o rosto na curva de meu pescoço,
provocando arrepios violentos em meu braço ao respirar cadenciadamente contra minha pele.

Merda, não.

— Maurício, você não está bem.

— Shhh. Tô sim. Você tá aqui. Tô muito, muito bem.

Ele ergue a cabeça e me encara através das pálpebras pesadas.


Já falei que é uma merda o fato de ele ter se tornado meu ponto fraco?

O jeito quase suplicante com que ele me fita faz com que meu peito pareça estar cheio de
meleca quente, que toma conta do meu coração aos poucos e o faz saltar no peito com tanta força
que fica difícil respirar direito. Como pode o olhar bêbado de um cara me tirar o fôlego dessa
maneira?

Simples. Você está apaixonada por ele.

Argh, droga! Melhor acabar logo com isso e colocá-lo para dormir antes que meu lado
racional pare de funcionar e aconteça algo para o que não estamos prontos e que nos deixará
arrependidos no dia seguinte.

Quando tento me desvencilhar de seu toque, nossas testas acabam se chocando uma contra a
outra, arrancando-me um pequeno gemido de dor. Vejo-o franzir as sobrancelhas, provavelmente
por sentir a mesma coisa.

— Me perdoa, Débora.

Seu sussurro rouco me pega de surpresa.

— Não foi nada — rebato, passando a mão no local atingido em minha testa.

— Me perdoa, Débora. Por favor — ele pede novamente, e levo alguns segundos para
finalmente compreender que ele não se refere somente ao nosso leve machucado.

Prendo a respiração quando seu toque sobe por meu pescoço, e mordo o lábio novamente
quando sua palma pousa em minha bochecha. Aperto seu braço quando, com o polegar, ele
acaricia gentilmente a maçã do meu rosto, fazendo-me fechar os olhos, de tão bom que é aquele
contato.

Droga, não posso perder a razão. Não está certo. Não agora.

— Maurício — começo, surpreendendo-me com o quanto a minha boca está seca. Passo a
língua pelos lábios antes de continuar: — V-vamos para o chuveiro. Por favor.

Minhas palavras não têm firmeza alguma. Elas foram pronunciadas, por formarem a decisão
mais sensata a se tomar nesse instante, mas não há nelas o desejo sincero de que ele realmente
faça isso.

Se ele me beijar, eu vou deixar.

Se ele arrancar minhas roupas, Deus me ajude, eu vou deixar.

Se acabarmos transando, isso não facilitará a resolução da nossa situação no dia seguinte.

E é devido a esses sentimentos conflitantes que, quando ele suspira pesadamente e apoia a
cabeça em meu pescoço novamente, ressonando baixinho, sinto um misto de decepção e alívio.

Sua respiração cadenciada e o jeito com que seu corpo está entregue me dão a certeza de
que ele caiu no sono. Suspiro longa e audivelmente, desvencilhando-me dele aos poucos, e observo
seu corpo cair pesadamente no sofá assim que levanto. Tento acomodá-lo da melhor maneira
possível — o que é uma tarefa árdua, diante do tamanho todo desse homem — e retiro seus
sapatos, vendo seus pés ficarem pendurados para fora do sofá. Maurício é bem maior que o
móvel e isso me faz pensar que é provável que ele acorde todo dolorido pela manhã, mas,
aparentemente, nem mesmo uma bomba atômica é capaz de acordá-lo e eu não conseguirei
arrastá-lo até o quarto sozinha.

Abro sua camisa de botões, para deixá-lo mais à vontade, assim como faço com o botão e o
zíper da calça. Nesse momento, agradeço por ele estar apagado, ou então veria como meu rosto
está vermelho e minha respiração um tanto ofegante devido ao calor repentino que me atinge
entre as pernas ao observá-lo e minha mente inundar-se com lembranças dos momentos em que
esse corpo incrível esteve sobre o meu, embaixo do meu, na frente do meu, atrás do meu; os
momentos em que o via se retorcer e arrepiar a cada toque, a cada beijo; os momentos em que me
encaixou em abraços reconfortantes e carinhosos, que me faziam sentir que nada nesse mundo
poderia me atingir...

Balanço a cabeça e me recuso a deixar que os sentimentos já tão bagunçados dentro de mim
me deixem ainda mais confusa. Respiro fundo e tento limpar a mente, torcendo para que tudo
possa estar melhor e mais claro pela manhã. Aparecer na minha porta, bêbado, para me dar
trabalho não contou pontos a favor de Maurício, mas, depois de tantos dias se segurando para
não me perseguir com outra atitude além das mensagens e ligações, um momento de fraqueza o
fez beber demais e criar coragem de vir até aqui.

Talvez nem tenha percebido, mas ele acabou tomando a atitude errada — muito errada —
por um motivo certo.

Não tenho condições de analisar agora se isso é algo bom ou ruim.

Vou até meu quarto para pegar um edredom do armário e uma cartela de analgésicos da
gaveta do criado-mudo. Passo pela cozinha e pego uma garrafa com água e um balde,
posicionando tudo ao lado de Maurício quando retorno à sala.

Deixo os comprimidos e a água sobre a mesinha de centro, o balde bem ao lado de sua
cabeça, no chão, caso ele acabe vomitando, e cubro-o com o edredom. Levo minha mão até seu
rosto, posicionando-a entre o nariz e a boca, que está entreaberta, para sentir se ele ainda está
respirando. Ele está dormindo tão pesado que, se não fosse pelo fato de estar, sim, respirando,
qualquer um pensaria que ele está morto. Terá uma ressaca daquelas pela manhã.

Meu gesto de checar se Maurício ainda estava vivo acaba me fazendo cair na tentação de
acariciar gentilmente sua bochecha, sentindo a barba por fazer arranhar meus dedos e deixando
meu olhar cair em sua boca, sendo necessária uma força hercúlea para que eu resista à vontade
insuportável de simplesmente capturá-la com a minha.

Será que conseguiremos acertar as coisas? Será que Vinícius estava certo quando falou tudo
aquilo sobre sermos, basicamente, destinados um ao outro?

São questões que deixo para o dia seguinte. Por óra, acaricio seu rosto mais uma vez e,
suspirando, levanto-me para ir até meu quarto, torcendo para que todo esse cansaço físico e
mental me faça apagar, assim como o cara bêbado em meu sofá, que disse que me ama como se
isso fosse uma verdade natural e óbvia.

Eu espero que seja.


Desperto ao sentir algo roçar em meus pés.

Minha primeira reação é sacudi-los, a fim de me livrar do que está me incomodando, mas de
nada adianta. Balanço mais um pouco, e a sensação de ter vários bichinhos caminhando por eles só
se intensifica.

Que porra é essa?

Abro os olhos aos poucos, surpreendendo-me com a dificuldade que enfrento para realizar
esse gesto tão rotineiro quanto respirar. Minhas pálpebras parecem ter areia molhada, de tão
pesadas, e a luz que me atinge as íris me faz franzir a testa em resposta. Minha cabeça parece
não querer obedecer meu comando de se erguer para que eu possa olhar o que diabos há nos
meus pés que está me causando desconforto.

Ah, puta que pariu!

Conheço essa sensação.


Porre.

Ressaca.

Porra!

Buscando forças, remexo-me na cama, desequilibrando-me ao tentar apoiar o braço no


colchão, porque não há colchão ao meu lado. E, como se não bastasse eu já estar todo ferrado,
meu tronco vai ao chão, e sabe-se lá como eu consigo ter reflexo para apoiar as mãos no piso
antes que eu caia completamente. Puta merda, que dor nas costas!

Tento equilibrar-me novamente e volto para onde estava deitado — vendo, agora, que é um
sofá. Um sofá que não é o meu. Que está em uma sala que não é a da minha casa.

Caralho! Onde estou?

Sento-me aos poucos, esfregando os olhos e gemendo com uma dor de cabeça infernal. Sinto
uma fisgada nos pés ao pousá-los no chão e finalmente percebo que senti o incômodo que me
acordou porque eles estavam formigando, dormentes. Esse sofá é pequeno para o meu tamanho, e
eles devem ter ficado pendurados para fora durante todo o tempo que dormi.

O que me traz de volta ao questionamento: onde estou?

Olho ao redor, vendo um balde no chão, água e comprimidos sobre a mesinha de centro, e a
decoração delicada e feminina do cômodo. Não me é um lugar estranho. Forço minha mente a
voltar para o lugar, tentando limpar a fumaça preta que parece nublar minhas lembranças, e
quando meus olhos pousam em um porta-retratos na estante à minha frente, onde duas mulheres —
uma morena e uma ruiva — sorriem alegremente para a câmera, com boás coloridos em volta do
pescoço e glitter nas bochechas, as recordações vão ficando claras aos poucos.

Estou no apartamento de Débora. Certo. Graças a Deus.

Porque eu, obviamente, bebi pra caralho na noite passada, e tudo teria sido um inferno
ainda pior se eu tivesse me envolvido com outra pessoa.

Mas como eu vim parar aqui?

Sei que estava com Heitor. Sei que estava tocando uma música que me lembrava ela. Sei que
tinha muita, muita tequila.

E, a partir daí, só me restam alguns flashes borrados da cidade através da janela de um


carro, o rosto de Débora surpreso e irritado ao me ver, um alívio incrível ao sentir o cheiro dela
depois de tantos dias torturantes...

Cacete! Se antes ela já estava puta comigo, imagino que isso não tenha mudado. Talvez até
piorado.

Eu sempre estrago tudo. Que inferno!

Catando os caquinhos de dignidade que ainda me restam, levanto-me do sofá, apertando os


olhos ao dar de cara com a luz do dia que entra pela janela. Já vim aqui antes e, mesmo que não
soubesse onde fica a cozinha, conseguiria chegar lá com facilidade ao seguir o cheiro delicioso de
café vindo dela.

Aproximo-me devagar, espiando lentamente para me certificar de que não é a prima de


Débora ali. Meu estado está deplorável e, mesmo que ela provavelmente já tenha me visto no sofá,
seria constrangedor demais dar de cara com Lara agora.

Como se não fosse constrangedor dar de cara com Débora, que se vira assim que entro em
seu campo de visão. Ela segura um bule recém-retirado da cafeteira e o pousa sobre a bancada
de mármore ao me ver.

Sua expressão está neutra. Ela não parece irada, mas também não está feliz. É como se não
fizesse diferença me ver ali.

E isso dói.

— Bom dia — ela diz, e seu tom de voz, assim como seu rosto, parece vazio. — Pode usar o
meu banheiro, se quiser. Tem uma escova de dentes extra no armário embaixo da pia.

Ela desvia o olhar do meu para ir até à geladeira. Retira algumas coisas de lá e começa a
andar pela cozinha, pegando panelas, espátula, canecas... parece se esforçar para não me olhar.
Talvez por isso tenha me expulsado para o banheiro.

Bom, por isso e pelo fato de eu estar com a cara amassada, os cabelos bagunçados feito um
ninho e com as roupas praticamente penduradas em meu corpo, como posso constatar ao chegar
ao banheiro e me olhar no espelho.

Tomo um banho frio, deixando a água escorrer com força em minha cabeça, a fim de aliviar
o peso dela. Utilizo a toalha pendurada no cabide, acreditando que Débora não irá se importar, já
que eu sei que ela usa um roupão para sair do banho e toalhas apenas para secar os cabelos, e
ponho a roupa de volta, fazendo uma careta por ter que colocar calça jeans — ah, o que eu
daria por uma calça de moletom nesse momento —, e deixando os primeiros três botões da camisa
abertos.

Escovo os dentes demorada e vigorosamente, tentando me livrar do gosto amargo horrível


que senti ao acordar. Deixo os cabelos úmidos sem pentear mesmo e me dirijo de volta para a
sala, a fim calçar os sapatos e engolir o comprimido que há na mesinha de centro. Acabo bebendo
toda a água da garrafinha, desejando mais. A secura em minha garganta parece não ter cura.

Volto para a cozinha, completamente envergonhado. Devo ter feito um enorme papel de
palhaço ontem. O momento em que tive realmente coragem de procurá-la por não aguentar mais
nossa separação foi depois de beber tequila demais. Sei que isso não ajudou em nada na nossa
situação.

Posso ver na postura dela. Aproximo-me da bancada, devagar, observando seus movimentos.
Débora está virando uma omelete na frigideira, e quando apoio os antebraços sobre a superfície
de mármore, ela me vira as costas e abre um armário mais alto, retirando dois pratos de lá.

Sinceramente? Não sei o que fazer. Ou dizer. Visto que ela se recusa a dar um pio ou me
olhar na cara, acredito que talvez nem queira me ouvir dizer nada. Mas eu sei que preciso. Preciso
explicar, me redimir; deixá-la saber que me arrependo profundamente por ter sido um cretino, que
se eu pudesse voltar atrás jamais teria lhe omitido nada; pedir que me entenda e perdoe, porque,
apesar de ter sido um tanto imaturo com minhas ações, agi movido por sentimentos confusos dentro
de mim; implorar que me dê mais uma chance, porque estou mais do que disposto a fazê-la a
mulher mais feliz desse mundo.

A cada vez que ela fica de frente para mim, limpo a garganta e movo os lábios para falar,
mas nenhuma palavra sai da minha boca, pois ela não demora um segundo até me virar as costas
novamente. Tento umas três vezes até ela colocar um prato com omelete à minha frente, junto com
uma caneca vazia. Débora senta no lado oposto da bancada e serve café em sua caneca antes
de começar a comer sua própria omelete. Ela se estica e alcança uma revista que está jogada por
acaso ali, e observo quando a abre e tenta se concentrar em uma página, alternando lidas,
mastigadas e goles de café. Vejo, pela capa, que é uma revista sobre corte, costura e essas
merdas, e logo concluo que só faz parte de sua tentativa de me ignorar, pois lembro-me muito bem
dela me dizendo que é a prima que gosta dessas coisas, porque ela não tem a menor paciência
para atividades de idosas.

Suspiro audivelmente, pegando o garfo e começando a comer, reprimindo o gemido ao sentir


a comida tocar minha língua. Está muito bom. Tão bom que acho que devoro tudo em menos de
dez minutos, ao passo em que, quando estou terminando de tomar meu café, vejo que a omelete de
Débora ainda está pela metade.

Quando, finalmente, seus olhos verdes lindos e ainda inexpressivos pousam em mim, ela larga
a revista sobre a bancada e esfrega a testa.

— Quer que eu peça um táxi ou você mesmo fará isso?

Fico surpreso com sua pergunta. Eu já desconfiava que ela continuava zangada comigo, mas
porra! O que custa me deixar explicar e considerar meus motivos?

— Sério, Débora? — mando de volta, pigarreando um pouco. — Vai mesmo continuar


fugindo? Não acha que já passou da hora de conversarmos?

— Não achei que quisesse conversar. Está mudo desde que acordou. — Ela dá de ombros,
recolhendo os pratos.

Passo as mãos vigorosamente pelos cabelos, meio impaciente.

— Porra, você ficou me ignorando! Eu que pensei que...

Ela coloca tudo na pia e fica de costas para mim. De novo.

— Que... argh, Débora, olha para mim!

Ela solta o prato que estava segurando dentro da pia, sem se importar com o barulho de
vidro quebrando. Quando vira para mim, posso ver, finalmente, seu rosto assumir uma expressão.

Mágoa.

Quando brigamos, eu a vi com raiva, decepcionada, frustrada, irada. Mas, dessa vez, posso
ver a mágoa no brilho dos seus olhos. Débora é uma mulher determinada e segura, e desde que a
reencontrei, a vi baixar a guarda em alguns momentos mais intensos, e para bons sentimentos. Ver
que o que fiz a magoou a ponto de deixá-la desarmada para que eu possa reconhecer o estrago
que causei me deixa quase sem fôlego.

— Estou olhando.

Puta merda! Meu coração parece prestes a subir para o cérebro e saltar com força o
suficiente para explodir minha cabeça. Enquanto Débora me encara, com os braços cruzados, tudo
o que faço é mexer a boca feito um idiota que parece ter desaprendido como se articula qualquer
palavra. Os segundos que se passam parecem soar na minha cabeça, torturantes, e quanto mais
tempo passa sem que eu consiga esboçar um mísero som, mais eu sinto a chance de acertar as
coisas escapar das minhas mãos.

Débora expira com força e a vejo revirar os olhos antes de me dar as costas. De novo.

— Vai pra casa, Maurício.

Sua voz sai baixinha, mas me atinge os ouvidos como um som agudo e ensurdecedor,
perfurando meus tímpanos ao mesmo tempo que perfura meu coração. Fico olhando-a, mesmo de
costas, pensando em tudo o que aconteceu, não só nos últimos meses, mas há dez anos. Busco
dentro de mim qual a primeira coisa que sinto ao pensar em Débora, seja a adolescente ou a
mulher à minha frente. Procuro desvendar qual sentimento fala mais ao vê-la, ao lembrar de tudo
o que vivemos e o que gostaria que vivêssemos; tento me concentrar em como me sinto ao imaginar
ficar sem ela.

Esses questionamentos me levam a uma conclusão rápida:

Não. Eu não vou pra casa.

Não faço muita ideia do que dizer, mas eu não vou embora. Não sem me explicar, não sem
lutar por ela.

Não há mais mágoa ou lembrança ruim que consiga encobrir a mais pura verdade: eu a
amo.

E preciso dizer alguma coisa. Qualquer coisa...


— Quando estávamos no segundo semestre do terceiro ano do ensino médio, um garoto me
pegou olhando para você — começo, porque é realmente a primeira coisa que me vem à cabeça.
Parece estúpido falar isso, mas agora que comecei, preciso continuar. — Eu estava com o punho
apoiado na bochecha, a boca aberta quase escorrendo baba pelos cantos e o coração tão
acelerado que eu parecia estar em um show de rock, com tudo chacoalhando dentro de mim. Você
estava linda, como sempre; sorrindo com as amigas, delicada, simpática, e completamente
inalcançável. Esse garoto que flagrou o momento colocou a mão no meu ombro e disse "Eu te
entendo, cara". Fiquei envergonhado naquele instante, apesar de saber que não havia algum
garoto ali que não babasse por você. Eu não disse nada a ele; só fechei a boca e arrumei os
óculos horrorosos no rosto, dando de ombros.

"Ele continuou: 'Sei como você pode conquistá-la'. Aquilo deveria me deixar desconfiado e
desinteressado, principalmente depois de passar tantos anos sendo ignorado por você e te vendo
rir de mim quando os outros tiravam sarro, mas se ele estava todo confiante ao dizer que me
ajudaria, resolvi dar uma chance. Poderia ser a única que eu teria na vida.

"O garoto começou a dizer que você estava preocupada com o trabalho individual de
História que tínhamos que entregar em dois dias, e que alguém que pudesse fazer para você e te
salvar passaria a ser seu herói. Nem hesitei; já tinha o meu pronto, então apenas entreguei a ele,
que disse que entregaria para você, e mal tive tempo de fazer um para mim que prestasse tanto
quanto aquele primeiro."

"No dia da entrega dos trabalhos, a professora corrigiu e deu as notas na hora, e você
ganhou um dez, enquanto eu tirei sete. Nem me importei. Até fiquei feliz por ficar bem em cima da
média, apesar de saber que meus pais provavelmente não ficariam satisfeitos com isso. Ao final da
aula, na hora do intervalo, esperei aquele garoto no corredor para perguntar o que você tinha
achado e quando poderia falar com você, e ele me disse para te encontrar quando a última aula
acabasse, no pátio aberto que há na entrada da escola. Fiquei ofegante feito um porco, nervoso e
animado, sem acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. As últimas aulas passaram e eu
não conseguia pensar em outra coisa, ensaiando falas na minha cabeça, pensando em como não
estragar tudo.

"Quando chegou a hora, fui correndo para o local que ele me indicou — bom, correndo é
exagero, já que até correr era difícil para mim. Até burlei regras e arranquei algumas flores do
jardim ao lado para te dar. Fiquei esperando e esperando e, quando finalmente você apareceu, o
tal garoto estava com o braço ao redor do seu ombro, e pude te ouvir dizer para ele: 'Ah,
obrigada pelo trabalho. Me salvou'. Pensei que soubesse que tinha sido eu que tinha feito e ele te
entregado, mas quando levantei e dei um passo na sua direção, segurando as flores, suando bicas
e com palavras entaladas na garganta, você apenas me olhou de cima a baixo, com as
sobrancelhas franzidas e os lábios apertados, como se estivesse com nojo do que via, e seguiu seu
caminho com o cara babaca, que depois olhou para trás e moveu a boca devagar para que eu
pudesse ler suas palavras: 'Gordo otário'."

Estive encarando os desenhos aleatórios que traçava com os dedos sobre a bancada de
mármore durante todo o tempo em que contei essa história, por isso me surpreendo ao erguer o
olhar e encontrar Débora me observando. Ela está de braços cruzados e com os cantos da boca
ligeiramente curvados para baixo, olhando-me com uma faísca de condescendência.

Respiro fundo e continuo:

— Fiquei tão arrasado e com tanta raiva que nem pensei duas vezes antes de ir buscar
alívio na única coisa que me dava prazer naquele tempo — digo e dou uma pausa ao ver suas
bochechas corarem um pouco. Sorrio. — Comida.

Débora ergue as sobrancelhas em compreensão, e continuo olhando-a como se a acusasse:


"Pensou sacanagem, hein, danadinha!".

— Comi tanta batata frita, tanta, mas tanta, que só me lembro de acordar no hospital
depois. Foi aí que, após vários exames, o médico disse que ou eu mudava meus hábitos
imediatamente ou iria morrer em pouco tempo, devido a grande propensão ao desenvolvimento de
problemas cardíacos e a quantidade assustadora de gordura e açúcar no sangue que eu
apresentava. Desde então, mudei meu estilo de vida, decidi esquecer de você e tenho trauma de
batatas fritas.

Continuo sorrindo, surpreso com a leveza que sinto após despejar tudo isso. Antes, eu sentia
um desgosto enorme ao relembrar esses momentos e ficava com uma raiva irracional só por reviver
aquilo, mas hoje me deu vontade de sorrir por perceber que são apenas lembranças. Que tudo
ficou para trás e mudou para melhor. Que a vida me deu a chance de finalmente ficar com a
mulher da minha vida e, apesar de ter me deixado levar por sentimentos antigos, preciso lutar por
ela.

Ela, que é tão linda que faz o meu peito doer. Que é tão inteligente, segura, engraçada,
talentosa, carinhosa, que me faz sentir orgulho pela pessoa incrível que é. Ela, que agora me olha
com um sorrisinho brincando nos lábios, mesmo que o olhar permaneça inundado de dúvidas.

— Eu sinto muito — diz, olhando para os pés, como se estivesse pensando em suas próximas
palavras, e depois para mim. — É impressionante como você se lembra dos detalhes. Não me
lembro de nada disso. Quer dizer, lembro que odiava História, mas não faço mais ideia de quem
era esse garoto, que trabalho foi esse... — Débora passa a mão pelos cabelos, dando um
pequeno passo à frente. — O ensino médio não foi a época mais fácil da minha vida também. Só...
parecia. Fiz questão de nem pensar mais naqueles tempos quando finalmente me formei. Ou
melhor, me livrei. Acabei bloqueando toda e qualquer lembrança, até mesmo as boas. Se até de
tudo isso eu esqueci, como eu me lembraria de você?

— Eu sei, Débora. Eu sei — digo, exalando o ar com força pela boca. — Eu só te contei tudo
isso para que você possa ter uma ideia do quanto tudo isso me marcou. Te reencontrar trouxe à
tona tudo o que representou um inferno na minha vida, e lembrar as humilhações que passei e o
quanto eu odiava te amar me fizeram retroceder na maturidade que nem sei se consegui adquirir
direito — confesso, sendo cauteloso ao dar a volta no balcão e ficar mais perto dela. — Mas
você, incrível e única como é, me fez engolir a língua direitinho. O que eu sinto por você despertou
após dez anos de sono profundo. Sempre esteve aqui, Débora. — Sem pensar muito, seguro sua
mão e a coloco junto ao meu peito, onde meu coração bate acelerado. — Sempre esteve e não
tenho dúvidas de que sempre estará.

Débora fecha os olhos, absorvendo aquele contato tanto quanto eu. Sua mão treme um
pouco e se fecha em punho em minha camisa, como se estivesse tentando resistir.

— Você me decepcionou uma vez, Maurício. Você mentiu. Por omissão, mas mentiu. Por mais
que eu, agora, consiga ver algum sentido nessa loucura toda que você contou, como posso saber
que não fará isso de novo? Como posso confiar que você não vai acordar um belo dia e perceber
que tudo o que queria, na realidade, era quebrar meu coração como quebrei o seu, mesmo que eu
nem soubesse?

Seus olhos parecem implorar por uma resposta. Posso sentir que ela quer ceder, mas tem
medo. Não a culpo.

— Nenhuma lembrança ruim é maior do que o que eu sinto por você, Débora. Precisei
descobrir isso da pior maneira possível, mas, agora que sei, não vou desistir de você. De nós. Eu te
amo demais para me conformar em te perder de novo.
Deslizo minha mão por seu braço, deixando meu toque percorrer cada centímetro até o
pescoço, onde subo a palma até seu rosto, para acariciar sua bochecha delicadamente, sem medo
de aproximar meu rosto do seu e juntar nossas testas. Ah, eu não sei mais viver sem esse toque, sem
esse cheiro...

— Maurício... eu não sei... eu... — Sua voz é relutante, e tudo o que eu desejo é poder
arrancar esse medo que ela insiste em alimentar com as mãos e triturá-lo até que não sobre nada
dele.

E, de repente, uma ideia me passa pela mente. Sei que arrancá-lo com as mãos é impossível
— dã! —, mas posso fazê-lo com gestos. Talvez, tudo o que ela precise seja algo que prove que
estou disposto a tudo e qualquer coisa para que ela me dê uma segunda chance e acredite que
tudo o que eu quero é fazê-la feliz ao meu lado.

Quantas vezes for preciso.

E não importa o quanto possa parecer piegas.

— Preciso ir — digo, de repente, mas ainda segurando seu rosto.

Débora, por sua vez, ergue a cabeça para me olhar, completamente confusa.

— O quê?

— Preciso ir — repito, olhando em seus olhos perplexos, antes de dar alguns passos para
trás e seguir para a sala.

Ela me segue e, assim que estou com a mão na maçaneta, paro ao ouvir sua voz.

— Maurício, você ainda está bêbado? Que merda você está fazendo? — ela insiste em
saber, mas é exatamente a reação que preciso. Viro-me e encontro sua expressão irritada e
curiosa, sorrindo largamente ao segurar seu rosto e dar-lhe um beijo demorado da bochecha.

— Tentando provar que amo você.

E, assim, saio pela porta, agradecendo internamente por ela não ter me seguido pelo
corredor até o elevador também. Deve estar tão perplexa que não consegue reagir. Porra, só
posso torcer que ela não esteja com raiva de mim novamente.
Tateio meus bolsos e sinto alívio ao ver que minha carteira está ali — nem tinha percebido
quando retirei e coloquei a calça de volta após o banho. Chamo um táxi e, com o coração aos
saltos, reviro meu apartamento até encontrar meu celular na minha gaveta de meias no guarda-
roupa. Eu o havia deixado ali ontem à noite para tentar resistir às tentações de encher Débora de
mensagens.

Disco o número e espero.

— Fala, Maurício.

— Vinícius! Preciso da sua ajuda. Tenho um plano.

— Ah, cara, não! De novo, não. A última vez que você teve um plano acabou dando merda, e
das grandes.

— É por uma boa causa, cara, juro. Ótima causa, por sinal.

Ouço o suspiro do meu amigo do outro lado da linha.

— Ok, né? Que saída eu tenho? — questiona retoricamente, e é uma droga ele não poder
me ver lhe mostrando o dedo do meio nesse momento. — Do que você precisa?

— Preciso que me ponha em contato com a Lara. Não tenho tanta intimidade e ela
provavelmente não vai com a minha cara depois do que fiz com a Débora, mas você é amigo dela
e sabe como amolecê-la.

— E por que isso?

— Porque ela é parente da Débora e com certeza tem o que estou buscando.

— Caralho, não tô entendendo nada. Quer me explicar o que você tá tramando, Maurício?

— Claro. É o seguinte...
— Desde quando você gosta de música sertaneja ao vivo?

Fico completamente confusa quando chego com Lara a um bar sofisticado que anuncia um
cantor amador de música sertaneja. Minha prima sempre riu da minha cara a cada vez que me
ouvia cantar algo que envolvia cachaça e dor de cotovelo, então é difícil de entender por que ela
insistiu em me arrastar para cá.

— Ah, não sou a maior fã, como você, mas achei que precisava disso, Debs — ela diz
conforme nos dirigimos à porta de entrada. — Precisa relaxar e distrair a mente. Chega de fossa.
Pelo menos, a prática, né, já que essas músicas que você gosta só falam disso.

Dou uma risada leve diante de suas palavras, e penso que ela está certa. Depois dos últimos
dois dias, os mais confusos da minha vida, talvez eu precise mesmo relaxar. Essa montanha-russa
de emoções — que me levou a sentir falta do Maurício, sentir raiva dele, querer perdoá-lo, sentir
mais raiva dele e depois não entender por que, quando estávamos tão perto de acertar tudo, ele
saiu correndo do nada — me deixou exausta. Minha teoria sobre ele ter distúrbios de
bipolaridade, desde que comecei a tratar seu ombro machucado, parece estar sendo comprovada.

Fiquei irritada quando ele apareceu bêbado na minha porta, falando coisas sem sentido que
tinham sentido — e isso não faz sentido —, o que me deixou sem saber como agir no dia seguinte
e o incentivou a se explicar, com direito a discurso romântico, além de trazer à tona recordações de
anos atrás, quando estudamos juntos — não confessei em voz alta, mas que cretina eu era! Aliás,
que cretinos eram todos aqueles adolescentes idiotas que pegavam no pé dele.

Claro que tudo isso me balançou. Claro que o que mais desejo é poder voltar para ele e
fingir que esses dias nunca aconteceram, mas meus receios ainda me prendem. Não é tão fácil
assim voltar a confiar em alguém que mentiu para você. Mesmo que essa pessoa tenha motivos
plausíveis, apesar de um tanto imaturos.

Ele não me ligou, nem mandou mensagem desde que disse que precisava ir embora do meu
apartamento, ontem. Não que eu tenha passado o resto do dia com o celular na mão esperando
tocar com algum sinal de vida seu — imagina! —, mas pensei que ele me daria alguma explicação
sobre seu jeito maluco de agir, além de "tentar provar que me ama". Arrepios me atingem
violentamente quando recordo sua voz rouca pronunciar essa frase.

Até que, depois de conversar muito com Lara, ela decidiu que eu precisava relaxar e deixar
as coisas fluírem. Segundo suas palavras: "Se ele garantiu que vai tentar provar o cacete a quatro
que for, não sou obrigada a ficar sentada, somente esperando e enlouquecendo". E me distrair
fazendo coisas que gosto pareceu uma ótima ideia.

Assim que entramos, percebo que ela olha ao redor, e assumo que está procurando por uma
mesa para sentarmos, apesar de haver vários lugares vazios bem debaixo do nosso nariz. Deduzo,
então, que ela está procurando por alguém.

— O que foi, Lara? — questiono, tentando seguir seu olhar.

— Nada. — Ela me olha e dá um sorriso torto, apertando os olhos. — Vem, vamos sentar
perto do balcão.

Deixo que ela me guie e, assim que chegamos ao balcão do bar, nos acomodamos nos
bancos altos ali. Não demora até sermos atendidas e, ao ouvir Lara pedir drinques com álcool
para nós duas, nem contesto. Talvez eu esteja precisando disso também. Não pretendo ficar
acabada, assim como certo cara que bateu à minha porta anteontem, afinal.
Balanço a cabeça, para espantar qualquer pensamento que me deixe para baixo, e começo
a conversar com Lara, sobre assuntos que variam de uma frase para outra. É sempre assim
quando engatamos um papo descontraído; nos perdemos completamente em nossas risadas e
comentários, porque somos incapazes de nos mantermos em um assunto só por mais de cinco
minutos.

Assim que pedimos por mais uma bebida, vejo minha prima erguer as sobrancelhas e sorrir
ao ver algo ou alguém atrás de mim. Congelo por um instante, por pensar imediatamente em você
sabe quem, mas logo relaxo ao ver que é Vinícius, acompanhado de Heitor, seu outro melhor
amigo, além do Maurício.

— Olá, gatas! — ele nos cumprimenta gentilmente e, mais uma vez, pergunto-me
silenciosamente como Lara não fica encabulada e sem fôlego perto dele. O cara é gato demais. —
Ah, vocês lembram do Heitor, não é? — Aponta para o amigo.

Heitor é outro escândalo, de tão lindo. Maurício já me falou sobre ele, como é brincalhão,
tranquilo e pegador — e não é de se espantar. O cabelo escuro bagunçado, a barba por fazer e
os olhos castanho-claros sempre com um brilho de diversão, acompanhado de um sorriso maroto,
deve fazer um sucesso indubitável entre as mulheres. Na verdade, ver esses três amigos juntos é de
fazer qualquer uma encharcar a calcinha.

— Vini, meu brother — Heitor se aproxima, cumprimentando Lara com um aperto de mão
firme e um beijo demorado no rosto. — É impossível esquecer de mim. Por favor, né, cara. Oi, linda
— ele me cumprimenta assim como fez com minha prima.

Decido dar uma murchada na marra dele, só por diversão.

— Hummm, er... oi. Bom, na verdade, se o Vinícius não tivesse me lembrado, eu não faria a
menor ideia de quem você é. Já nos vimos antes? — Faço uma careta, como se estivesse me
esforçando para reconhecê-lo. Ele revira os olhos.

— Ah, Débora, não fode!

— Olha a grosseria, ô babaca — Vinícius o repreende, atingindo seu braço com o cotovelo.
Dou risada, enquanto Heitor revira os olhos, mas consigo ver seus lábios lutando para não rir junto
comigo.
— Então, vão beber alguma coisa? — Lara pergunta, dando um gole em seu drinque.
Vinícius dá de ombros.

— Não, não, estamos bem. — Ele pisca para minha prima e, não sei se estou imaginando
coisas, mas parece haver algo a mais naquele gesto.

Os meninos simplesmente ficam parados, ali, perto de nós, enquanto bebemos. Até que,
pouquíssimos minutos depois, deparo-me com rostos que eu, definitivamente, não esperava ver aqui.

— Amanda? — inquiro quando a vejo se aproximar, junto ao marido, Pedro, que reconheço
por tê-lo encontrado algumas vezes, quando ele a visitava no SPA para levá-la para casa.

— Oi, Débora! — ela me cumprimenta, incrivelmente animada, e me abraça com força, o


que me faz ter medo de machucá-la devido ao barrigão lindo que ostenta.

— Oi, Amanda! Hum... Desculpa a grosseria, mas o que faz aqui? — questiono e ela vira
para mim assim que termina de abraçar Lara.

— Ah, poxa, uma mulher com quase oito meses de gravidez não pode dar uma saidinha com
o marido e encontrar os amigos? — Ela põe a mão no peito, fingindo indignação, mas a alegria em
seus olhos e o sorriso no rosto entregam sua encenação. Pedro cumprimenta a todos também.

— Claro que pode — respondo, mesmo que ela ria e segure a minha mão, dizendo que está
brincando. — Só achei meio inusitado, e...

Mas não tão inusitado quanto ver, agora, minha mãe e meu pai se aproximando.

Eu bebi mais que dois drinques e não percebi?

— Mãe? Pai? — indago, quando se aproximam devagar, provavelmente devido ao pé do


meu pai que ainda se recupera da torção, e me cumprimentam efusivamente. Eu os abraço, um
tanto desajeitada, porque nem acredito que eles estão aqui. Eles moram do outro lado da cidade!
Não é possível que seja uma coincidência. — Ok, já estou ficando encanada aqui. O que está
acontecendo?

— Como assim, filha? — meu pai pergunta, beijando minha testa, e logo em seguida troca
um olhar cúmplice e risonho com a minha mãe.
— O que vocês todos fazem aqui? Combinaram alguma coisa? Caramba, hoje é meu
aniversário e eu esqueci de novo? — Uma olhada rápida em meu celular me diz que não, esse não
é o caso, como aconteceu em novembro do ano passado, quando acordei no dia do meu
aniversário e só lembrei-me da data quando meus pais me ligaram depois do almoço.

Ainda estamos em agosto.

Todos me olham com expectativa e começam a trocar olhares, e quando estou prestes a
gritar, nervosa, pedindo por uma explicação, lá vem mais espanto. Logo atrás dos meus pais,
surgem os pais de Maurício e Amanda.

Ana e Sérgio me cumprimentam, tão animados quanto os outros, e só consigo mover a boca
feito uma idiota, sem saber mais o que perguntar. Eles estão me enrolando, isso é óbvio, mas,
porra... Por quê?

E como se o Universo estivesse ouvindo meus pensamentos, em um timing perfeito, a música do


ambiente é interrompida e ouço meu nome ser pronunciado em um microfone.

— Débora...

Giro no banco, virando-me para o pequeno palco onde o cantor da noite fazia sua
performance. Ele se afasta um pouco para o canto do palco e segura o violão junto ao corpo,
enquanto vejo, com o coração repentinamente entalado na garganta, outra pessoa surgir no palco.

Maurício.

Ah, meu Deus! Não acredito.

— Desculpem o transtorno, mas eu preciso dizer algumas palavras para a mulher da minha
vida — ele diz para todos ali, mas o olhar está em mim. Intenso e determinado, mesmo que ele não
pareça completamente confortável sendo o centro das atenções. — Ou, melhor...

Ele deixa a frase no ar e olha para o cantor, que sorri e acena com a cabeça para ele,
antes de começar a tocar o violão.

Não.

Ele não vai fazer isso!


Puta merda, ele está fazendo!

Meu queixo está no chão e minhas mãos tremem. Meus olhos estão secos de tão arregalados,
mas sinto que se eu piscar, vou acordar desse sonho.

Porque não é possível!

Olha aí

O mundo girando e a gente se esbarrando outra vez

Olha aí

O meu coração indo contra a razão

Sentimento não se desfez, recaí

Quando te vi, a paixão veio à tona

Fui a nocaute, beijei a lona

O meu corpo tremeu

O tempo passou, a vida mudou

Mas eu continuo seu6

Maurício está cantando.

Maurício está cantando uma música sertaneja.

Maurício está cantando uma música sertaneja de um dos meus artistas favoritos.

Maurício está cantando uma música sertaneja de um dos meus artistas favoritos e que
descreve perfeitamente a nossa história.

E digerir isso aos poucos é tudo o que preciso para que, finalmente, meu estado de choque
se transforme em um sorriso surpreso.

Ele não tem afinação nenhuma, mas não parece se importar com isso. Não sei se isso é
resultado de seu nervosismo ou se ele nasceu completamente desprovido da capacidade de cantar
sem desafinar, mas ele continua, sem deixar de me olhar, com um sorriso enorme de quem sabe o
que está fazendo comigo.

Ah, Maurício. Você é louco.

E é só uma das inúmeras coisas que eu amo em você.

Ainda sou o mesmo louco apaixonado

Se eu estou errado

Não quero nem saber

Eu só sei que a vida é mais colorida

Com você, com você

Ele volta para a primeira estrofe e as pessoas presentes no bar começam a bater palmas,
acompanhando o ritmo da música. Nossa família e amigos fazem a mesma coisa, com a diferença
de que estão gritando e gargalhando, animando e encorajando, enquanto eu permaneço
completamente estática, sentindo o coração bater forte conforme cada palavra sai de sua boca.

De repente, o que ele disse ontem, em resposta ao meu questionamento, quando o vi indo
embora do meu apartamento num rompante, parece ecoar em meus ouvidos junto com as
declarações da música.

"Tentando provar que amo você."

Minhas mãos apertam o banco onde estou sentada e sinto o quanto estão tremendo. Mordo o
lábio para segurar o sorriso nervoso e satisfeito que insiste em se espalhar por meu rosto e, por
mais que tantas palmas, gritos e assobios ecoem ao meu redor, é como se ele fosse tudo o que
consigo enxergar, sentir, ouvir, querer. Pisco algumas vezes, porque certa parte de mim ainda não
consegue acreditar que isso é real. É perfeito demais para ser real.

Assim que começa o refrão novamente, Maurício estende a mão para mim, convidando-me a
juntar-me a ele, mas reluto, a princípio. O que me faz levantar são os empurrões e incentivos dos
meus amigos, que me chacoalham e praticamente me derrubam até que eu levante. Olho para
todos, vendo os sorrisos enormes e o brilho incrível nos olhos de cada um, antes de me virar e
seguir até Maurício, mal prestando atenção onde piso.

Assim que alcanço sua mão, definitivamente, nada mais ao redor existe. Somente ele, me
olhando, sorrindo, pronunciando cada palavra daquela música com tanta emoção que toca
diretamente meu coração. Ao pensar em tudo o que vivemos desde o momento em que o vi na
recepção do meu local de trabalho, segurando o braço e com o rosto retorcido de dor, passando
pelos bons momentos, os maravilhosos, os não tão bons assim, os péssimos, as tempestades e,
agora, a iminência da bonança, recordo imediatamente o que conversei com minha mãe há dois
dias.

"Eu não queria que ficasse tarde demais para nós."

Maurício poderia ter simplesmente seguido em frente com seu "plano" de se vingar quando
me reencontrou. Poderia deixar para lá e desistir de nós quando brigamos feio. E, mesmo que
parecesse que não teríamos mais chance, não houve um minuto sequer em que, mesmo
decepcionada com ele, duvidei de sua persistência, que estava muito clara nas ligações que ignorei
e mensagens que fazia questão de não ler.

Não tem jeito.

É como se já estivesse escrito.

É inevitável.

Se, após dez anos, nossos corações se reencontraram — mesmo que naquele tempo o meu
parecesse um pouco perdido —, sei que, se eles se separassem agora, acabariam se encontrando
de novo. E de novo. E quantas vezes forem necessárias até que nos entreguemos ao destino deles:
ficarem juntos.
Eu só sei que a vida é mais colorida

Com você, com você

Todos explodem em aplausos e gritos quando Maurício finaliza a música, mas não
conseguimos parar de nos olhar. Nossos sorrisos estão escancarados com tantos sentimentos
estampados neles. Balanço a cabeça e murmuro "Você é louco!" e tudo o que ele murmura de volta
é: "Eu sei".

As pessoas cessam a euforia aos poucos e, quando tudo que ecoa pelo ambiente são
cochichos e algumas fungadas de choro, Maurício leva minha mão até os lábios e beija
delicadamente o dorso, enviando arrepios violentos por todo meu corpo, antes de falar:

— Eu sei que ferrei tudo, Débora. Eu sei que, desde o começo, eu deveria ter sido mais
honesto com você. Eu sei que errei feio, mas eu simplesmente não posso desistir. Na verdade, eu
não consigo. Não tenho vergonha de admitir que me tornei praticamente dependente de você para
ser feliz. Não tenho vergonha de admitir que vivi os dias mais infernais da minha vida desde que
te vi ir para longe de mim, magoada. Até mais infernais do que... bom, você sabe.

Respiro fundo, sentindo as lágrimas arderem em meus olhos. Maurício se aproxima e toca meu
rosto, acarinhando-o suavemente, e eu pouso minha mão em seu braço, precisando senti-lo também.
É como se tudo voltasse a ser certo novamente.

— Débora, eu te amo desde sempre. Tanto tempo se passou e eu pensei que tivesse te
superado, mas o destino deu um jeito de te colocar na minha vida novamente e me provar que eu
estava errado. Você sempre esteve no lugar mais especial do meu coração, e ver a mulher incrível
pra caralho que você se tornou fez esse sentimento ficar ainda mais intenso, como eu nem achava
que fosse possível. Eu sei que não tomei as melhores atitudes em certos momentos, mas, não sei se
você já percebeu, eu não vou desistir de você. Não vou desistir de nós. Eu te esperei, mesmo sem
saber, por dez anos, Débora. Esperaria mais dez, vinte, trinta... como diz em uma música de um
desses carinhas sertanejos que eu sei que você também gosta.

Nossas risadas se misturam às de todo mundo que o ouve atentamente. Esse homem não
existe.
— Débora, aqui, agora, na frente das nossas famílias, dos nossos amigos e de alguns
desconhecidos, porque foi tão em cima da hora que não consegui entrar em acordo com o gerente
para fechar o bar, eu te peço: dê mais uma chance para nós. Eu sei que não existe um modo de
garantir cem por cento que nada dará errado, mas eu sei que o que sentimos faz a coragem de
arriscar ser maior do que o medo de sofrer de novo. É só você deixar, Débora. Deixa?

O suspiro que deixo escapar faz meu peito subir e descer, meus ombros tensionarem e
relaxarem, e os olhos dele faíscam ao esperar por uma resposta. As pessoas começam a gritar
incentivos novamente, e preciso me concentrar para não cair na gargalhada ao ouvir coisas do tipo
"Dá mais uma chance pra ele, sua louca!", "É, dá pra ele!", "Se você não der, eu dou!".

Maurício me entrega o microfone e penso em recusar, um pouco constrangida, mas logo


percebo o quanto é ridiculamente tarde para eu ficar envergonhada.

— Maurício — começo, com minha outra mão ainda entrelaçada à dele. — Sim, você ferrou
tudo. Sim, você errou feio. Mas tem uma coisa que aprendi de uma pessoa muito especial. Ela me
ensinou que a melhor atitude que uma pessoa pode tomar é reconhecer seus erros e tentar
consertá-los. E, desde que te virei as costas depois de me magoar, você não tem feito outra coisa
além disso. Caramba, você cantou Jorge e Mateus e odeia música sertaneja! Estou chocada, não
vou negar.

Minhas lágrimas se misturam ao meu sorriso, e o estado de Maurício não está diferente. Ele
beija minha mão novamente e eu respiro fundo antes de continuar:

— Apesar de tudo, há outra coisa que estou cansada de negar. Não consigo mais negar. Eu
te amo, Maurício. E, sim, não temos como ter certeza do que será o amanhã, não temos como
prever nem o que acontecerá daqui a duas horas, mas... mas eu te amo, e isso é forte demais para
que eu tome a decisão contrária e passe o resto da vida me perguntando como teria sido.

Minha voz embarga no final, e o choro copioso se torna impossível de conter. Maurício não
perde tempo e me toma em seus braços, envolvendo-me com seu carinho, seu cheiro reconfortante
e aquela firmeza da qual tanto senti falta, a que me faz sentir protegida, segura e, principalmente,
amada.

Agarro seu pescoço com tudo o que tenho, acariciando suas costas e seus ombros, enquanto
ele murmura que me ama, com a voz abafada por meus cabelos e vibrando por minha pele.
Ah, sim. Tão certo...

— Agora beija! Beija! BEIJA! BEIJA!

Não faço a menor ideia de quem puxou esse coro, mas, de repente, o bar inteiro está
batendo palmas e gritando junto. Começo a rir, um pouco nervosa, e Maurício ergue a cabeça
para me olhar, dando de ombros, como se fosse natural obedecermos aos pedidos da plateia.

E é.

Quando sua boca encontra a minha, é como se eu tivesse voltado para casa depois de
passar dias vagando por cenários estranhos, que mudam de forma a cada minuto, como acontece
nos sonhos em que você tenta correr e não consegue. As mãos de Maurício me puxam mais para
ele, pela cintura, e meus dedos se emaranham em seus cabelos, conforme nossos lábios se
encaixam e nossas línguas se encontram, no beijo mais delicioso de todos, com sabor de saudade,
expectativa, paixão, euforia.

Enquanto todos continuam a vibrar por nós, nos perdemos por alguns segundos em nossa
própria bolha, absorvendo o máximo que podemos um do outro através de beijos e mais beijos,
toques, suspiros, sorrisos, carinhos.

— Eu te amo, Débora — ele diz contra meus lábios, antes de se afastar um pouco para
olhar em meus olhos. Ah, tão lindo.

— Eu também te amo, Maurício.

— Eu vou fazer de tudo pra te provar que você pode confiar em mim de novo. Nunca vou
cansar de tentar. Nunca, nunca.

— Não duvido mais disso.

Ele me beija brevemente antes de tornar a falar.

— Sabe, tem algo que você falou que eu não concordo muito.

— Que você odeia sertanejo? — Arregalo os olhos, animada com a possibilidade. — Ah,
meu Deus! Está começando a gostar? Ai, preciso te mostrar minhas playlists...

— Não, não isso — ele me interrompe, fazendo uma careta.


— Ah, droga. Um dia eu chego lá — confabulo comigo mesma, e ele me beija de novo,
rindo. — Com o que você não concorda, então?

— Você disse que não podemos prever o que acontecerá daqui a duas horas.

— Bom, se você parar para pensar, não podemos mesmo.

— Ah, meu amor, deixe que eu me apresente: guru Maurício, mestre em prever futuros
momentos de sexo selvagem.

Minhas bochechas aquecem e não contenho a gargalhada, ao mesmo tempo que o calor que
percorre meu corpo inteiro é instantâneo.

— Hummm, que maravilha! Muito prazer, mestre. Muito prazer — digo, fazendo uma
reverência, e não tenho dúvidas de que ele entendeu meu trocadilho.

— Se a linda dama vier comigo, é o que terá pelo resto da noite. — Ele retribui a
reverência, rindo junto comigo ao erguer-se novamente e segurar meu rosto. — Pelo resto da vida.

Ah, sim.

— Pelo resto da vida.

O êxtase que me invade arranca um rosnado da minha garganta, que é imediatamente


capturado com um beijo que só me faz ter ainda mais vontade de grunhir. Meus quadris se movem
devagar e com força, para frente e para trás, permitindo que Débora e eu nos deliciemos com as
sensações que nos acometem com o encaixe perfeito de nossos corpos.

Depois de quase movermos a cama do lugar durante a primeira rodada, tamanho foi o
desespero, o desejo, a volúpia — porra, foi bom pra caralho! —, decidi ir mais devagar, dessa
vez, visto que mal nos recuperamos antes de estarmos enroscados novamente. Nossos lábios se
devoram à medida que as mãos dela percorrem minhas costas, vez ou outra cravando as unhas em
minha pele e me incentivando a ir ainda mais forte, e eu apoio um dos braços no colchão, ao lado
de sua cabeça, enquanto a outra palma desliza pela lateral de seu corpo quente e suado até a
coxa, apertando a carne macia ali e fazendo com que envolva minha cintura, para que eu possa
entrar ainda mais fundo.

Ah, sim, porra!

Distribuo pequenas mordidas em seu queixo e mandíbula, e o gemido rouco e sexy que soa
bem ao pé do meu ouvido é como um gatilho que, ao ser acionado, me faz acelerar os movimentos
gradativamente, fazendo-a gemer ainda mais. Trazendo-a para o ápice junto comigo,
transformando-nos em um emaranhado de gemidos e tremores.

Deixo minha cabeça cair contra a curva de seu pescoço, sentindo nossos peitos se chocarem
enquanto ofegamos após um orgasmo ainda mais intenso que o primeiro. Quando sinto que estou
respirando melhor, ergo o rosto e, ao me deparar com seus olhos lindos verdes, sonolentos e
satisfeitos, beijo-a novamente, pensando como seria fácil para eu fazer isso o tempo inteiro, para
sempre.

Saio de dentro dela e me afasto rapidamente para descartar a camisinha no lixo do


banheiro, sorrindo ao voltar e ver Débora nua no meio da cama, com uma expressão de pura
satisfação quando seu olhar encontra o meu. Subo no colchão novamente e apoio uma mão em
cada lado de seu corpo, abaixando a cabeça para alcançar sua barriga com a boca, por onde
semeio beijos estalados, fazendo-a se retorcer conforme subo pelo vale entre seus seios, seu
pescoço e, finalmente, sua boca novamente. Eu nunca vou me cansar de seus beijos maravilhosos.

— Senti tanto a sua falta — sussurro, sibilando quando sinto suas mãos em minha bunda. —
Nem sei como consegui sobreviver.

Débora abre um sorriso radiante que, ao mesmo tempo, contém certa malícia.

— Não sei como você consegue ser tão fofo — ela rebate, já gargalhando ao prever minha
reação, que é revirar os olhos.

— O que eu já te falei sobre esse adjetivo?

— Que você adora.

— Porra, mulher...

Sua risada é tão contagiante que, realmente, não tem como ela me levar a sério, já que
acabo me rendendo e rindo junto com ela.

— Ok, ok. Se bem me lembro, você disse que isso te faz sentir um bebê panda — ela diz,
abraçando-me pelo pescoço.

— Isso mesmo.

— E o que você tem contra bebês panda?

— Nada, ué.

— Então você pode aceitar que é fofo como um bebê panda.

— Eu não sou um bebê panda, Débora.

O jeito com que entoo a última sentença faz com que ela estreite os olhos para mim e abra
um sorriso quase maligno antes de me empurrar de cima dela e levantar da cama.

— Ah, porra! Você está de brincadeira, não é? Vai mesmo se zangar por isso? — pergunto,
já me sentindo frustrado, sentando na cama.

Débora ri mais uma vez, balançando a cabeça.

— Relaxa, bonitão. Só preciso encontrar uma coisinha.

Observo enquanto ela vasculha seu guarda-roupa — sim, acabamos vindo para o
apartamento dela após saírmos do bar com uma pressa nada discreta, porque era o mais próximo
— e, quando estou prestes a levantar e arrancar a gaveta que ela cava com tanto afinco, Débora
solta um gritinho e fecha as portas do móvel, virando-se para mim e olhando-me como se estivesse
prestes a aprontar.
— Feche os olhos — pede, escondendo de mim o que quer que ela tenha achado, mantendo
as mãos para trás.

— O que você tem aí? — inquiro, tentando disfarçar minha ansiedade. ela balança a
cabeça e estala a língua.

— Apenas feche os olhos, Maurício.

— Cacete! É um vibrador, não é? Olha, não sou contra nos aventurarmos em uma diversão
diferente, mas acho que você está se precipitando ao querer enfiar esse troço na minha bunda
para me castigar só porque eu disse aquilo do bebê panda...

A gargalhada dela me faz parar de tagarelar.

— Dá para você apenas me obedecer? Não vou enfiar nada na sua bunda. Não hoje. —
Ela ri ainda mais quando arregalo os olhos. — Maurício... por favor.

Débora para ao lado da cama e, diante de seu olhar suplicante e seu corpo nu que quase
implora por minhas mãos e minha língua, faço o que ela pede.

Confesso que estremeço um pouco quando uma de suas mãos desliza por minhas costas até
chegar à bunda, e ela ri alto ao perceber isso. Estou me preparando para o momento em que vou
sentir algo comprido e cilíndrico contra minhas partes não violadas, mas acabo sentindo algo sendo
colocado em minha cabeça. As mãos de Débora arrumam o que quer que esteja em minha cabeça
e posso sentir que, além de envolvê-la por inteiro, o troço ainda desce por minhas bochechas, e me
pergunto se ela acaba de colocar em mim uma réplica do chapéu do Chaves.

— Pode abrir os olhos — ela diz, e assim que o faço, me deparo com suas risadas, dessa
vez mais contidas, porque ela está apertando as mãos em punho contra as bochechas, como se
estivesse vendo algo muito... fofo.

Argh!

Alcanço o pequeno espelho que está sobre o criado-mudo para ver o que está acontecendo,
e acabo rindo também quando observo minha imagem. Estou usando uma touca de panda.
Daquelas peruanas, que aquecem as orelhas, também. A peça tem orelhinhas no topo da cabeça,
os olhos são pequeninos e envolvidos pelas manchas pretas, o focinho é proeminente e, no lugar da
boca, está a minha cara.
Assim que solto o espelho para reclamar com Débora, ela me ataca com um abraço que me
faz deitar na cama e fica por cima de mim, enchendo-me de beijos.

— Agora que você é um panda, já pode aceitar que é fofo — ela argumenta, tocando meu
queixo com a língua.

— Não sei se fico satisfeito por descobrir como fazer para você sempre me atacar assim
com beijos ou preocupado por você provavelmente ter fetiche com pandas.

Ela solta uma gargalhada gostosa, de jogar a cabeça para trás, e nesse momento, percebo
que não há nada que eu não vá fazer para vê-la sorrir assim. Me traz uma paz e felicidade como
nunca senti antes.

— Tenho essa touca há anos. Uma tia me deu de presente, mas eu usei pouquíssimas vezes.
Tive a oportunidade de me livrar dela várias vezes, mas nunca o fiz. Acho que, de alguma
maneira, ela seria útil, algum dia.

— E por "útil" você quer dizer "provar que seu namorado é fofo como um panda"?

— Exatamente.

Rimos juntos e, quando percebo, estamos enroscados novamente, perdidos em um beijo cheio
de amor e desejo.

— Você se aproveita porque sabe que eu faço tudo por você — sussurro contra seus lábios,
deslizando minhas palmas por seu quadril.

Débora ergue o rosto e me olha, com a expressão animada e maliciosa.

Lá vem.

— Você iria trabalhar de pijama, se eu pedisse?

— Claro.

— Pijama de panda?

— É, né.
— Com pantufas combinando?

— Se é pra pagar mico, que seja com direito a traje completo.

E, mais uma vez, está lá: a risada gostosa que faz meu coração transbordar, ao mesmo
tempo que o desejo me traz a urgência de entrar nela mais uma vez.

— Sabe — ela começa, puxando a touca da minha cabeça e deixando-a de lado,


acomodando-se sobre mim de modo que meu pau encontra a entrada de sua boceta já tão quente
e úmida para mim. Essa mulher é minha perdição. — É muito bom saber que você se submeteria
aos meus pedidos ridículos, mas, agora, tudo o que eu quero é que você faça amor comigo
novamente. Nada prova melhor que você me ama do que isso.

Sua última fala sai sussurrada, sensual, e impulsiono meu quadril contra o seu, gemendo junto
com ela diante do roçar de nossos sexos.

— E o melhor é que, assim, também posso provar como eu te amo.

Quando ela complementa, não perco mais tempo. Inverto nossas posições na cama e, ficando
por cima dela, faço questão de distribuir beijos quentes e molhados por cada centímetro de pele
seu; fazendo cada parte dela, parte de mim.

Provando que, mais do que ser capaz de fazer qualquer coisa por ela, eu a amo mais que
qualquer coisa.

Desde sempre, e para sempre.


Meses depois...

A casa está cheia e barulhenta.

Familiares e amigos andam para lá e para cá, comem, bebem, conversam, riem, cantam,
dançam.

No entanto, tudo isso soa para mim como um simples eco ao fundo, porque estou
completamente concentrada em uma única pessoinha em meus braços.

Apoio minhas mãos embaixo de seus bracinhos, segurando-o de pé em meu colo, a fim de
admirar melhor cada diminuto detalhe seu. A cabeça tão pequenina e com o melhor cheirinho do
mundo, coberta com poucos tufos de cabelo escuro que já dão indícios de que se tornarão
ondulados como os do pai; os olhinhos que observam atentamente as caretas e barulhos que faço
para lhe arrancar sorrisinhos banguelas; as mãos tão miúdas, o corpo vestido por um macacão
branco e azul de mangas curtas e calça que vai até seus tornozelos, os pés pequeninos que usam
um par de sapatinhos azuis de tricô, feitos pela avó...

— Ok, Débora. Você já monopolizou demais o meu sobrinho. Agora é a minha vez.

Maurício senta ao meu lado no sofá e estende as mãos, esperando que eu lhe entregue
Inácio, mas faço um muxoxo, sem a menor vontade de fazer isso. É incrível o quanto eu me apeguei
a esse bebê, que está com três meses de vida, e tenho que dividir isso com meu namorado, que é
tão coruja com o filho caçula de sua irmã quanto eu.

— Ah, Maurício! Eu acabei de pegá-lo — argumento, fazendo-o revirar os olhos.

— Você está de sacanagem, não é? Ninguém conseguiu encostar um dedo no bebê desde
que Amanda chegou aqui e você praticamente o arrancou dos braços dela.

Ops!

— Ah, amor, ela e o Pedro devem estar muito cansados — retruco, balançando Inácio em
meus braços suavemente. — Bebês dão bastante trabalho nos primeiros meses de vida, sabia?
Tenho certeza de que eles estão aliviados por eu estar cuidando um pouco do Inácio, mesmo que
estejam a poucos passos de distância.

Amanda e eu acabamos nos aproximando bastante desde que nos tornamos cunhadas. Ela é
minha chefe no trabalho, mas sabemos separar isso muito bem. Desde que ela deu à luz ao
segundo filho, conversamos frequentemente pelo telefone, isso quando não vou visitá-la. Esses novos
hábitos me aproximaram muito dos meus sobrinhos emprestados, porque Íris, sua filha de quatro
anos, também é uma menina encantadora, apesar de bastante levada.

Mesmo que eu tenha utilizado meu último argumento só para convencer Maurício de que não
estou a fim de me separar do bebê tão cedo, sei que, mesmo não sendo mais pais de primeira
viagem, Amanda e Pedro estão virando zumbis por passarem noites e mais noites acordando de
hora em hora para cuidar e alimentar Inácio. Eles fazem isso com um sorriso enorme e satisfeito no
rosto, mas é possível notar a exaustão deles.

— Isso não significa que eu não possa segurá-lo um pouquinho, amor — Maurício refuta,
batendo palminhas para Inácio e chamando-o. — Ele quer vir com o tio! Você quer vir com o tio,
não quer, garotão?! Quer sim, quer sim!
Argh! Aí já é jogo baixo. Maurício sabe que o que me deixa mais derretida do que manteiga
em frigideira quente são os momentos em que ele faz vozes bobinhas para se comunicar com o
bebê e brinca com ele com todo o cuidado do mundo. É a coisa mais linda de se ver.

Inácio, traidor que é, começa a agitar os bracinhos na direção das palminhas e gracejos do
meu namorado, e eu simplesmente não resisto. Entrego-o, incapaz de evitar o suspiro ao vê-lo
espernear e balbuciar em alegria por ir brincar com o tio.

— Ok, você venceu. Vou aproveitar para comer e beber alguma coisa — digo, inclinando-
me para lhe dar um beijo. — Mas, ó! Eu já volto, hein! — aviso, fazendo Maurício rir.

Levanto do sofá e dirijo-me à enorme mesa disposta no meio da sala, onde há tanta, mas
tanta comida que parece exagero até mesmo para a quantidade de pessoas que há na casa. É
noite de Ano Novo e a família do Maurício convidou meus pais, os pais de Lara — cuja mãe é irmã
da minha — e nossos amigos para comemorarmos a data juntos, em uma confraternização muito
agradável no apartamento dos avós maternos do meu namorado, que fica no penúltimo andar de
um prédio enorme, cuja vista da varanda é perfeita para que acompanhemos a queima de fogos
à meia-noite.

Sirvo-me de refrigerante e coloco alguns petiscos em um pratinho de louça antes de invadir


a conversa animada entre minha mãe, minha sogra, minha tia e Amanda, cujo assunto é,
obviamente, Inácio. Todas estão encantadas pelo novo membro da família.

Olho ao redor e vejo Lara rindo com Vinícius e Heitor, perto da saída para a varanda, e
meu pai, meu sogro e meu tio estão vendo algo na televisão e comentando efusivamente. Os avós
maternos e a avó paterna de Maurício também estão aqui, assim como meu avô materno. O clima é
de puro amor, energias se renovando e esperanças brotando, exatamente o que amo tanto nessas
datas comemorativas.

Ao me dirigir de volta para o sofá, paro por um instante diante da cena. Maurício segura
Inácio, que continua a espernear em seus braços, e Íris está sentada ao seu lado, olhando para o
irmãozinho e gargalhando junto com o tio. A garotinha bate palmas e pede "De novo, tio! De novo!"
e Maurício faz algo com o bebê que o deixa agitado e animado, arrancando mais gargalhadas
da sobrinha.

Meu coração parece inflar tanto no peito que levo a mão até ele, deixando o sorriso bobo
se espalhar por meu rosto. É como se esse momento me fosse apresentado como uma visão do
futuro. Maurício não tem feito outra coisa além de provar, a cada dia, a cada minuto, a cada
segundo, que é o homem com quem quero passar o resto da minha vida. Com quem quero construir
exatamente o que estou presenciando nesse momento.

Íris me avista e começa a agitar os braços, pedindo que eu me aproxime.

— Tia Debs! Vem aqui, vem aqui! — Dou os passos necessários para chegar até eles e, assim
que os alcanço, pego Íris e sento em seu lugar, colocando-a em meu colo. — Olha o que o meu
irmãozinho faz! Mosta pa ela, tio Mauício, mosta!

Maurício, então, segura Inácio bem em frente ao rosto e o encosta, com cuidado, na
barriguinha do bebê, enchendo-a de beijos e mordidas de mentira, como se o estivesse devorando.
Aquilo, com certeza, deve fazer cócegas nele, e os barulhinhos de risada que ele emite são
contagiantes. Íris gargalha junto e, quando percebo, estamos os quatro rindo muito, completamente
alheios ao ambiente.

Íris acaricia com cuidado a cabeça do irmão, repetindo o tempo todo como ele é
pequenininho e pedindo a Maurício para não deixá-lo cair no chão e quebrar. Faço cócegas em
sua barriga e beijo sua bochecha com força, porque simplesmente não sei lidar com a fofura
dessa princesinha. Ela ri e, assim que a liberto, ela desce do meu colo e sai correndo, ao mesmo
tempo que Amanda se aproxima.

— Temos um menininho faminto aqui? — ela pergunta, já se inclinando para pegar seu
filhinho, mas seu irmão desvia.

— Não. Ele está ótimo.

Amanda revira os olhos e eu rio.

— Maurício, me deixe alimentar o meu filho! Meu peito está começando a vazar e eu não
tenho outra roupa branca aqui para trocar caso eu fique encharcada de leite antes da meia-noite
— ela insiste, pegando Inácio no colo. Ela o posiciona deitado em seus braços e ri do bico
insatisfeito do meu namorado. Aproveito para passar um braço por seus ombros e beijar seu rosto,
que logo relaxa. — Olha, eu só não os julgo porque, quando tiverem seus próprios filhos, sei que
serei uma tia coruja tão grudenta quando vocês. Talvez até pior!

Dito isso, ela dá uma risada e sai andando, já arrumando a blusa para que Inácio possa
mamar. De um jeito muito engraçado, Maurício e eu suspiramos ao mesmo tempo, inspirando e
expirando no mesmo ritmo, e perceber isso nos faz gargalhar. Ele vira o rosto para mim e me beija
suavemente — já fomos advertidos por minha cunhada para mantermos nossos gestos com
classificação permitida para menores, devido à presença das crianças —, migrando seu carinho
com os lábios para meu queixo e depois, minha bochecha, em direção à orelha.

— Já pensou em quando tivermos nossos filhos? — ele pergunta ao pé do meu ouvido,


deslizando a palma por meu braço até alcançar minha mão e entrelaçar os dedos entre os meus.

— Algumas vezes — confesso. — Pode ser um pouco cedo, mas, ultimamente, todas as
minhas perspectivas de futuro incluem você. E um filho ou dois.

— Ou três. Ou quatro! — ele se empolga. — E um cachorro. Ou quatro!

— Calma, Maurício — peço, rindo de sua animação repentina. — Ainda temos muitos passos
a dar até lá.

— Tipo casar? — ele manda na lata, enviando um tremor de nervosismo e expectativa por
todo meu corpo.

Engulo em seco, olhando em seus olhos, procurando a sinceridade neles e encontrando-a junto
a seu sorriso esperançoso.

— Bom, não sou adepta a ideais antiquados que dizem que para ficar grávida é necessário
casar antes, mas...

— Mas você sabe que nós vamos casar, não é? — ele insiste, e sua segurança atiça minha
vontade de retrucá-lo, só por provocação.

— Como tem tanta certeza de que isso vai acontecer? Que vou aceitar?

Ele ergue uma sobrancelha e me beija de novo, um pouco mais demoradamente, e quase
esqueço o que estamos falando.

— Porque você vai — ele sussurra, e junta nossos lábios mais uma vez. — Porque eu te amo,
você me ama... — Mais um beijo. — Porque estamos destinados a ficar juntos e não perderemos a
oportunidade de jurar amor eterno na presença de todos os nossos amigos e familiares enquanto
eu faço de conta que não vou chorar quando ouvir a noiva mais linda do mundo dizer "aceito". E
porque, no instante em que eu também disser "aceito", você será completamente minha e eu serei
completamente seu.

Meus olhos marejam e suas palavras me tocam tão profundamente que pareço não saber
mais respirar. Meu peito sobe e desce, meu riso é incessante e, quando percebo, junto minha boca à
dele com um pouco mais de empolgação do que a permitida por Amanda. Nem me importo.

— Nossa! Podemos casar amanhã? — pergunto contra seus lábios, e sua risada me deixa
feliz como poucas coisas nesse mundo.

— Não sou contra essa ideia — ele responde, e continuamos rindo, perdidos no olhar um do
outro.

— Ei, vocês dois! — Ouço alguém nos chamar. Quando voltamos nossas atenções para
vermos de onde vem, avistamos Heitor gesticulando para que nos juntemos a todos, que se
amontoam na varanda. — Faltam cinco minutos para a meia-noite. Venham!

Maurício aperta minha mão e, após uma troca intensa de olhares, ele levanta e me leva junto,
para que caminhemos até o local onde assistiremos o ano virar.

E, quando todos começam a gritar a contagem regressiva, olho para meu namorado e ele
retribui, movendo os lábios para que eu o veja dizer "Eu te amo". Faço a mesma coisa e, quando
os fogos explodem à nossa frente e todos vibramos com mais um recomeço, sinto nossos desejos e
promessas mais firmes do que nunca.

O passado deixou de nos assombrar.

O presente parece perfeito.

E temos a chance de fazer o futuro ser ainda mais.


Alissa Nayer é o pseudônimo adotado por uma aquariana de vinte e poucos anos de idade, estudante, livreira e, agora,
escritora. Natural do Piauí e residente do Rio de Janeiro, encontrou em sua paixão por romances e finais felizes o incentivo para
(tentar) criar os próprios.

É sonhadora, ansiosa, animada, enrolada, às vezes tímida, incondicionalmente apaixonada por seus personagens e não
imagina mais a vida sem eles.
SÓ POR ESTA NOITE

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Ela foi traída. Ele também.


Ela queria esquecer. Ele também.
Eles tinham aquela noite e nada mais.
Chegar a um acordo foi fácil; afinal, quem precisa do "amanhã" quando se tem o "agora"?
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“O que diabos há de errado comigo?”


Essa é a pergunta que ronda a mente de Marissa desde que seu último namorado a dispensou
sem um motivo convincente, embora ela desconfie do real porquê de mais um pé na bunda.
Cansada de tantas experiências frustradas entre uma bebida saturada de açúcar e outra, ela não
imagina que encontrará o que deseja onde, quando e com quem ela menos espera.
DEIXE-ME TE MOSTRAR: Uma surpresa de Natal

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Em seu terceiro Natal juntos, Ethan decide que é o momento certo para dar a Marissa, sua
namorada, um presente mais que especial. Com a ajuda de amigos e familiares, ele tem o plano
perfeito, mas não contava com certos imprevistos e confusões pelo caminho.
Um tanto desesperado, Ethan começa a ter dúvidas em relação à decisão mais importante da
sua vida, mas o que ele não faz ideia é que Marissa também tem um presente especial para ele,
capaz de trazer de volta a magia à data mais especial do ano, e transformar uma noite
desastrosa no Natal mais extraordinário de suas vidas.

*Bônus do conto "Deixe-me Te Mostrar"


**Pode ser lido de forma independente (standalone)
1 Personagens vilãs das novelas mexicanas Maria do Bairro e A Usurpadora, respectivamente.

2 Abaixa o som – Zé Neto e Cristiano com Marília Mendonça.

3 10% – Maiara e Maraisa.

4 Terapia japonesa originária da China, que significa simplesmente "pressão com os dedos".

5 Mudando de Assunto – Henrique e Juliano.

6 Nocaute – Jorge e Mateus.

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