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Maria Eduarda
Meus olhos se fixam na bolsa de soro e no líquido que cai devagar por
ela.
Parece que foi ontem que estava em casa com vovó e senti uma
fisgada no seio. O que, aparentemente, era só uma coceira e um desconforto,
se tornou um nódulo maligno que mudou toda minha vida.
Ficar longe dos meus amigos e de algo para ocupar a mente, vendo o
desespero da vovó a cada vinda ao médico, quase me levou à depressão.
Quase.
Depois desse dia, tento ser mais otimista. Busco ver as coisas pelo
lado positivo e a enxergar o copo meio cheio. Não é sempre uma tarefa fácil,
ainda tenho problemas sérios de autoestima, mas sigo em frente, vivendo um
dia de cada vez.
***
— Se tá boa pra maratona, tá boa para servir uns PFs. Vai trabalhar!
— Dá um tapa no meu ombro e me empurra para frente.
— Com prazer!
— Eu também…
— Ah, menina, me esqueci de falar! Se eu te contar, você não
acredita... — Rebeca me solta bruscamente, olhando para um ponto fixo atrás
de mim.
— O quê?
— O próprio! Senhor Jesus, está ainda mais gostoso. Olha ali, Madu,
está te encarando.
— Com certeza não está olhando pra mim, Rebeca. Não força!
— Ele chegou aqui faz uns vinte minutos, quase entrando no balcão.
Tenho certeza de que estava te procurando.
Olho para os lados, a fim de constatar que não tem ninguém por perto,
e ele sorri ainda mais.
— Como assim?
Matheus
Por mais que eu não diga isso em voz alta, um dos motivos que me
levaram a aceitar o intercâmbio na Europa foi tirá-la da cabeça. Eu tento
fingir para mim mesmo que foi para me especializar em novas técnicas de
tatuagem, aumentar minha bagagem profissional, porém, as mãos suadas e o
coração acelerado pelo simples fato de vê-la parada aqui, entregam tudo.
Merda!
Não!
— Vai ficar tudo bem, Madu é forte. — Rebeca para ao meu lado,
chamando minha atenção.
Ex? No momento que ela mais precisou, ele virou as costas? Não
estava enganado. É um merda de um homem.
— Justo na época que fui viajar, porra — bufo. — Lembro que antes
de ir, ela parecia muito feliz com o namorado.
Não é hora para lembranças. A única coisa que preciso é ter certeza de
que Madu está bem.
Capítulo 3
Maria Eduarda
Não esqueço essas palavras. Se era demais para ele, imagina para
mim? Em pensar que fazíamos planos de uma vida juntos…
Renan não foi embora porque não sabia lidar com a doença, foi
porque não sabia lidar com minha aparência. Tenho certeza disso.
Agora não tenho seios, estou inchada feito um baiacu e sem cabelo.
— Tá.
— Quem é Matheus?
— O gostosão tatuado… O nome dele é Matheus.
Ah!
— E?
Não quero brigar com ela, é minha única amiga. Mas qual o problema
de fechar essa boca?
Não digo nada, massageio a testa para a dor de cabeça não se instalar.
Ficamos longos segundos em silêncio.
— Ele admitiu que se soubesse que você passava por tudo isso, não
tinha ido.
— O quê? — Encaro-a, incrédula. — O cara nem me conhece.
Matheus
Bem baixa.
Infiltro-me entre garotas com tiaras extravagantes, mas não tem jeito.
É claro que um magrelo, mais alto do que a média para seis anos, seria
notado. Suspiro baixo, e ajeito os óculos novamente.
— Onde pensa que vai, quatro olhos? — Álvaro, duas séries acima da
minha, segura meu ombro.
Ahh, não!
— É... é...
— É... é... é... Fala direito, seu idiota. Já disse para trazer comida
decente. Sua mãe não presta pra nada, igual a você?
— Sai — repete, enfática. — Ou vou contar pra minha mãe que você
rouba o lanche dele todos os dias e ainda bate nele.
Meu Deus!
Ela é linda.
***
Eu não sou mais o menino tímido dos seis anos. O que ficou
apaixonado por ela desde o momento que colocou os óculos e a viu sorrindo.
Agora que sei que não é mais comprometida, posso contar quem sou. Talvez
possa até dizer o que sinto. O que sempre senti e não tive coragem de dizer,
até agora.
— Pode se sentar aqui no balcão ou nas mesas, que levo pra você —
repete, tentando esconder o nervosismo.
— Tá.
Percebo que Madu tenta continuar seu trabalho, mas está incomodada
com meu olhar acompanhando cada movimento seu. O que parece uma
eternidade depois, finaliza o suco e arruma meu prato.
A) Cavalo
B) Abacate
C) Publicação
— Garoto esperto!
— Você não sabia? Não venho aqui por causa do melhor ovo frito da
cidade, meu passatempo preferido é desvendar os desafios lógicos das suas
roupas. — Pisco e Madu quase se engasga.
— Sim, obrigada.
Silêncio.
— M... Mat?
— Eu mesmo.
Realmente, estou bem diferente na aparência. Faz tempo que não uso
mais óculos e comecei a ganhar músculos ainda na adolescência.
— Mas seus olhos e essas sardinhas não tem como confundir. Eu ouvi
chamarem seu nome e tive certeza. Era impossível existirem duas Maria
Eduarda assim.
— Sei lá... Eu achei que você nem lembraria mais. A gente era muito
criança.
Madu sempre foi importante para mim, porém, talvez eu não tenha
sido tão marcante na vida dela. Quando a vi com namorado também,
confesso, fiquei desmotivado de puxar assunto.
— O que você tem feito da vida agora?
— Sou tatuador.
— Fico muito feliz por você, seus desenhos eram lindos desde os seis
anos.
— Você quer continuar essa conversa mais tarde? Quem sabe sair
um…
Maria Eduarda
— Aham, sei.
— O próprio! Pensa que eu não percebo, mas fica toda hora olhando
no relógio. Quando ele chega, seus olhos brilham, amiga. Não tem problema
assumir, é óbvio que ele também está interessado. Não viria aqui três meses
seguidos, todo santo dia, caso contrário. Pode inundar a Avenida Paulista, ele
vem de barco.
Nas despedidas, rolaram uns dois beijinhos castos. Ok. Uns vinte,
nesses três meses.
— Não, mas…
— Não tem como, Rebeca. Não tem motivo para ele estar interessado.
— Mas…
Matheus
Não sei se estou começando a imaginar coisas, mas sinto que Madu
me olha de um jeito diferente de uns tempos para cá.
Com desejo.
Tive que fazer uma força sobre-humana para não invadir sua boca
com ânsia todas as vinte e duas vezes que nos despedimos com um selinho,
após deixá-la em sua casa.
Eu queria mais. Ah! Eu queria muito mais do que este simples toque.
Desde que o seu cabelo voltou a crescer, ela vive reclamando dos fios
rebeldes. Não usa mais os lenços estampados, o corte está no tamanho
Joãozinho.
— Calopsita, o pássaro?
Como?
— Sim.
— Você não sabe como esperei para ouvir isso. — Pego sua mão e
cruzamos nossos dedos por cima do mármore gelado. É tão gostoso sentir sua
pele.
E o da minha também.
Capítulo 7
Maria Eduarda
Matheus não é Renan. Ele já provou nos últimos meses que gosta de
você.
— Boa noite!
— E aí?
— E aí o quê? — provoco.
— Está bom?
— Deixa eu ver… — Como mais uma vez, bem devagar, para torturá-
lo. O coitado nem se mexe direito. — É o ravióli mais gostoso que já comi na
vida!
Ele relaxa e sorrio com sua preocupação. Se Mat já era uma criança
incrível, inteligente e adorável, se tornou um adulto ainda melhor.
Calma, Madu.
Delicioso.
Jamais.
Tento sair do seu colo, contudo, Matheus segura firme minha cintura.
— É por causa deles? — Coloca suas mãos por cima das minhas, que
ainda cobrem a parte mais frágil do corpo. — Você é linda, a mulher mais
linda que já vi.
— Você não sabe o que está falando. — Faço esforço para sair, mas
agora Matheus segura meu queixo, fazendo-me encará-lo.
Meu coração para de bater, fico perplexa na sua frente, sentindo meus
olhos se encherem de lágrimas. Eu também o quero, só que não podemos nos
enganar.
— É um sutiã. Eu não tenho nada — falo tão baixo que quase não me
escuto.
Suspiro.
Sem desviar por nenhum segundo o olhar, vejo-o tirar meu vestido e
me deixar apenas de calcinha e sutiã, sentada no seu colo. Ele passa sua mão
quente nas minhas costas e para no fecho da peça. Encara-me com carinho,
pedindo permissão, e travo uma batalha árdua entre razão e emoção.
A prova do câncer.
— Shhhhhhhh!
Matheus
Odeio ver Madu tão triste e perdida. Não combina com a luz que
erradia dela.
Caralho!
Aperto firme sua cintura enquanto volto para minha trilha de carícias.
Madu se contorce toda. Sorrio com sua reação ao meu toque.
Sem avisar, arranco a peça íntima de uma vez e inclino minha cabeça
entre suas pernas. Roço meus lábios no seu clitóris e apalpo a sua bunda
gostosa, até deixá-la inchada para mim.
Quando ouço seus gemidos e suspiros incompreensíveis, ataco-a com
minha língua, chupando com gosto. Quero sentir tudo dessa mulher.
— Você é muito gostosa... — elogio e ela geme com meu ritmo mais
frenético.
— Mat... vou...
Maria Eduarda
— Bom dia — diz, com uma voz rouca, ainda de olhos fechados.
— Não é?
— Sardentinha linda.
É do hospital, estranho.
— Qual?
— Madu?
— Isso mesmo. Segunda você vem aqui no hospital para que eu possa
explicar direitinho e arrumar a papelada.
— Da reconstrução.
— Não é sonho, Madu! Não faz diferença nenhuma pra mim, mas
fico feliz por você. Sei como quer.
— Agradeço muito que tenha me aceitado como sou, porém, sinto que
falta uma parte de mim. Eu quero muito, embora não seja a mesma coisa
mais.
— Tudo bem?
Matheus
***
— Doutora Lúcia, muito obrigado por me receber. Sei que seu tempo
é corrido. — Levanto-me e a cumprimento.
— O que vim conversar com a doutora é sobre uma ideia que tive
para ajudar Madu a recuperar sua autoestima. Ela ficou um pouco
incomodada com os seios sem o mamilo e a aréola.
Maria Eduarda
— Chegamos?
— Espero que você goste — sussurra no meu ouvido, assim que para
e libera minha visão.
Reparo mais uma vez e vejo algo diferente nessas mulheres. Muitas
estão com lenços, ou o cabelo curto como o meu. Na parede, um banner
chama minha atenção.
Não.
Projeto Madu
Redesenho de mamilo para mulheres mastectomizadas
É a coisa mais linda que alguém já fez por mim. Pulo em seus braços,
agradecida por existir.
Pego sua mão estendida e o sigo até uma poltrona. Outras cinco
mulheres também vão para a sala e se sentam. Parecem ansiosas e nervosas,
como eu. Os tatuadores tomam seus lugares e começam a obra de arte.
Duas horas depois, o último retoque é dado. Estou ansiosa para ver o
resultado. Como Matheus pediu, não fiquei olhando. Ele quer que seja uma
surpresa. É o mínimo que posso fazer depois de tudo. Seguimos até o
cantinho da sala com um grande espelho na parede.
A garganta seca.
— Eu te amo, Madu.