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Introdução ao Estudo do Direito II

Ano Lectivo 2019/2020

Subturmas 2 e 7

Caso n.º 3

Perante o agravamento do surto de coronavírus em Portugal, o Governo decide aprovar o


Decreto-Lei n.º 49/2020, de 12 de Março, o qual contém, única e exclusivamente, as seguintes
disposições:

1 - É obrigatória a utilização de máscara nos transportes públicos.

2 - Quem violar o disposto no número anterior é punido com coima de 200€ (duzentos euros).

Após cumprir todos os trâmites necessários, o referido acto normativo é publicado e


disponibilizado no Diário da República no dia 12 de Março de 2020.

Amélia é utilizadora frequente dos transportes públicos e no dia 13 de Março de 2020


encontra um aviso no Metro de Odivelas que reproduz o disposto no Decreto-Lei. Em
pânico, Amélia compra de imediato uma máscara e faz a sua viagem até ao trabalho com a
mesma.

a) Atendendo aos dados da hipótese, Amélia estava obrigada a utilizar máscara para viajar de
transporte público no dia 13 de Março de 2020?

i) Publicação em Diário da República como condição de eficácia do diploma [cfr. artigos 5.º, n.º

1 e 2, do CC, 119.º, alínea c) da CRP) e 1.º, n.º 1, da Lei Formulária1 (“LF”)]

ii) Identificação da regra geral relativa ao prazo de vacatio (cfr. artigo 2.º, n.º 1, da LF);

iii) Identificação da regra supletiva aqui aplicável, o prazo de vacatio de 5 dias (cfr. artigo 2.º, n.º

2 , da LF);

iv) Definição da data em que o diploma entraria em vigor, de acordo com as regras da LF e as

constantes do artigo 279.º do CC: 17 de Março, de 2020, às 00 h 00;

1
Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, na sua redacção actual.
v) Conclusão: Amélia não podia ser punida porque o Decreto-Lei ainda não se encontrava em

vigor no dia 13 de Março.

b) Imagine agora que, não obstante a data de publicação referida no diploma ser 12 de Março de
2020, a Imprensa Nacional Casa da Moeda — entidade responsável pela disponibilização dos
diplomas na Internet — só vem a disponibilizá-lo no sítio electrónico do Diário da República no
dia 25 de Março de 2020. Nesta hipótese, podia Amélia ser punida por se ter esquecido da sua
máscara para viajar de transportes públicos no dia 20 de Março de 2020?

i)Possibilidade de a data da publicação e da disponibilização não coincidirem;

ii) Prevalência e consequente aplicação da data da disponibilização, quando seja diferente da

publicação (cfr, artigos 1.º n.º 2, e 2.º, n.º 4, da LF);

iii) Prazo de vacatio de 5 dias (cfr. artigo 2.º, n.º 2, da LF), iniciando-se no dia seguinte ao da

disponibilização (cfr. artigo 2.º, n.º 4, da LF), ou seja, a 26 de Março de 2020;

iv) Definição da data da entrada em vigor das normas do diploma disponibilizado a 25 de Março

a partir das regras do artigo 279.º do CC : 30 de Março de 2020;

v) Conclusão: no dia 20 de Março Amélia não podia naturalmente ser punida porque as normas

do diploma não se encontravam em vigor.

c) Admita agora que, além das disposições referidas, o Decreto-Lei, publicado e disponibilizado
em Diário da República no dia 12 de Março de 2020, fixava a entrada em vigor nos seguintes
termos: “O presente diploma entra em vigor um mês após a sua publicação”. Uma vez que está
numa fase particularmente difícil do seu trabalho, Amélia apanha o Metro às 00 h e 5 minutos do
dia 13 de Abril de 2020 sem qualquer máscara. Às 00 h 10 minutos do dia 13 de Abril de 2020,
Abel, agente da Polícia de Segurança Pública, avista Amélia sem máscara na carruagem do Metro
e decide aplicar-lhe uma coima de 200€ (duzentos euros). Indignada, Amélia ainda tenta
argumentar que não era obrigada a usar máscara, mas Abel diz-lhe que a lei é para cumprir. Quem
tem razão? (5 valores)

i) Identificação da regra aplicável em termos de vacatio (cfr. artigo 2.º, n.º 1, da LF): um mês.

ii) Identificação da data em que o prazo se começava a contar:


a. O n.º 4 do artigo 2.º da LF só é aplicável quando não haja vacatio definida, o que não era

aqui o caso;

b. Quando ela não existir, o prazo fixado conta-se a partir da data da

publicação/disponibilização;

c. A norma do artigo 279.º, alínea b), do CC só se aplica em caso de dúvida, o que aqui não

ocorria porquanto temos um diploma que fixava a partir de quando se contava o prazo de

um mês ( a contar da data da publicação).

d. O prazo começava a contar-se no dia 12 de Março de 2020;

iii) Só que aqui gerava-se a dúvida de saber quando ocorreria o seu termo, não dispondo a LF

sobre a matéria, uma vez que se refere ao dia fixado no diploma e o prazo aqui era de um mês.

iv) A chave era o artigo 279.º, alínea c), do CC, que resolve a dúvida: “O prazo fixado em

semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda,

dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia

correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”.

v) O prazo de vacatio terminava, nos termos da alínea c) do 279.º do CC, às 24 h do dia 12 de

Abril de 2020;

vi) A vigência do diploma iniciou-se às 00h do dia 13 de Abril de 2020;

vii) Conclusão: Abel tinha razão e às 00h 10 minutos do dia 13 de Abril de 2020 Amélia já era

obrigada a usar máscara, podendo ser punida por não o fazer.

d) Mantendo-se todos os demais dados da hipótese, admita agora que o Decreto-Lei tinha sido
publicado e disponibilizado no Diário da República em 12 de Março de 2020, mas que, em virtude
de um erro, uma das disposições tinha a seguinte redacção: “Quem violar o disposto no número
anterior é punido com coima de βΩ euros”. No dia 30 de Março de 2020, o diploma é rectificado
através de declaração publicada e disponibilizada em Diário da República, substituindo os
caracteres βΩ pelo seguinte: 200€ (duzentos euros). Entretanto, Amélia recebe em casa uma
notificação para pagar uma coima por não ter usado máscara numa carruagem do Metro no dia
14 de Março de 2020. Deve Amélia pagar a referida coima?
i)Identificação da data da entrada em vigor do diploma, nos termos dos artigos 2.º, n.º 2 e 4, da

LF: 17 de Março de 2020;

ii) Identificação dos requisitos da rectificação dedutíveis da hipótese (cfr. artigo 5.º, n.os 1 e 2 da

LF)

a. Verificação de lapso gramatical;

b. Formalismo adequado (declaração publicada em Diário da República)

c. Cumprimento do prazo de 60 dias;

iii) Definição data de produção de efeitos da rectificação: a data da entrada em vigor do texto

rectificado (cfr. artigo 5.º, n.º 4, da LF), ou seja, 17 de Março de 2020;

iv) Irrelevância da rectificação: no dia 14 de Março de 2020, ainda se estava dentro do período de

vacatio legis e por isso, o DL ainda não estava em vigor, não podendo Amélia ser punida;

e) Perante o aumento do número de mortes por coronavírus, a Assembleia da República aprova


a Lei n.º 50/2020, de 29 de Março, que altera o Decreto-Lei supra referido, aumentando as coimas
por não utilização de máscara nos transportes públicos para 20.000 € (vinte mil euros). Esta lei,
publicada e disponibilizada em Diário da República no dia 29 de Março de 2020, contém ainda
a seguinte disposição: “O presente diploma entra imediatamente em vigor.” Será a Lei n.º
50/2020, de 29 de Março, válida?

i) Admissibilidade de alteração do Decreto-Lei por parte desta Lei

a. Paridade hierárquica entre Lei e Decreto-Lei;

b. Ausência de reserva de competência normativa: embora ambos os diplomas fixem contra-

ordenações e coimas específicas, apenas a aprovação do regime geral de punição das infracções

disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social (contra-ordenações) e do

respectivo processo, é competência exclusiva da AR, salvo autorização ao Governo (cfr. artigo

165.º, n.º1, alínea d), da CRP); por isso, e à luz da referida paridade, o Governo e a AR podiam

legislar, admitindo-se assim que a Lei podia revogar o Decreto-Lei.

ii) Identificação da regra proibitiva de um diploma entrar em vigor no próprio dia da sua

publicação (cfr. artigo 2.º, n.º 1, da LF)

iii) A discussão sobre a admissibilidade de entrada em vigor no próprio dia no caso concreto:
a. A LF como lei sem valor reforçado (cfr. artigos 112.º, n.os 2 e 3 , da CRP)

b. Admissibilidade da sua derrogação por diplomas de igual ou superior nível hierárquico

(como era o caso da Lei n.º 50/2020, de 29 de Março);

c. Verificação de uma situação excepcional e de inequívoca urgência (calamidade pública)

que justifica a entrada em vigor imediata do diploma, in casu o aumento do número de

mortes por corona vírus;

d. Referência a posições doutrinárias (v.g. Miguel Nogueira de Brito, Miguel Teixeira de

Sousa, Oliveira Ascensão)

iv) Conclusão: a Lei n.º 50/2020, de 29 de Março, não deve ser considerada inválida.

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